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1092 II SÉRIE - NÚMERO 35-RC

reza da actividade judicatória. No entanto, reconheço que a solução do PSD é, sob este ponto de vista, mais harmoniosa e mais radical - todos os assentos são legítimos -, mas o facto de o ser coloca-me uma outra questão, em relação ao n.° 4. Nessa norma, o PSD integra o seguinte inciso: "salvo os que em razão da matéria revestirem carácter regulamentar". O problema que coloco a este propósito é o de saber se, de facto, face à evolução da moderna actividade legislativa do Estado, ou melhor, da moderna actividade normativa do Estado, não podemos deixar de reconhecer que há uma espantosa capacidade expansiva da matéria regulamentar sempre em detrimento da matéria legislativa. Daí que o resultado prático deste n.° 4 do projecto do PSD pode ser o de incentivar ainda mais essa troca desigual entre o que é regulamento e o que é lei, porque nenhum governo poderia fazer estas coisas "horrendas" que aqui vêm ditas - interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar preceitos - pela via legislativa, mas, ao fim e ao cabo, sempre o poderia fazer pela via regulamentar, dependendo tudo da natureza da matéria. Porém, o critério da natureza da matéria é, ele próprio, um crime extremamente subjectivo e controverso, que tem sido sistematicamente utilizado para defender a voragem do que é regulamentar em detrimento do que é legislativo. Em suma, a questão que coloco é a de saber se a proposta do PSD, não sendo hipócrita nas intenções, não acabará por ser hipócrita nos resultados concretos, deixando aberta esta porta para que se recorra a uma noção de matérias de natureza regulamentar através da qual o Governo poderia passar a emitir actos com eficácia extrema que teriam a capacidade de interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar actos legislativos. Esta é a questão, ou seja, o actual n,° 4 está cá exactamente para evitar aquilo a que o PSD, com a sua proposta, aparentemente pretende abrir a porta.

Quanto ao n.° 6, o PSD elimina a referência à competência objectiva. Penso que esta preocupação só se justifica na precisa medida em que o PSD pretende tornar inatacável a constitucionalidade dos regulamentos autónomos. Porque o facto de a Constituição obrigar a que se faça referência à competência subjectiva não é em si nada de extremamente relevante no nosso sistema normativo, a não ser para determinar, de facto, se o órgão que emanou a norma é competente para o efeito. Só que já hoje o reenvio legislativo, ou, melhor dizendo, o reenvio normativo, é possível através de habilitação legal, isto é, desde que a lei preveja que o desenvolvimento e o seu regime jurídico podem ser feitos através de regulamento, o Governo tem a competência para executar, no quadro do exercício da sua função administrativa, através do livre exercício do seu poder regulamentar.

O PSD abre aqui a porta à consagração de uma espécie de poder regulamentar genérico que a Constituição conferiria ao Governo. Isto é, sempre que o Governo entendesse, e independentemente de possuir habilitação legal, o desenvolvimento de um acto legislativo poderia ser feito através de acto regulamentar - regulamentos autónomos.

Até aqui ainda vou com alguma tranquilidade; mas a partir daqui o PSD lança-nos num outro terreno mais complexo, que é o de permitir que se invoque para a emissão de regulamentos autónomos, não apenas o tal poder regulamentar genérico decorrente da Constituição, mas cujo âmbito e conteúdo o Governo definiria em cada caso concreto, ampliando por esta via a esfera regulamentar em detrimento da esfera legislativa, sem necessidade de invocar qualquer lei em concreto, mas apenas, por exemplo, a realização de um qualquer princípio geral do direito. E, se nós pensarmos, a título de exemplo, no princípio geral do direito que é o da justiça, verificaremos que ele decerto constituiria fundamento do exercício de um vastíssimo poder regulamentar governamental, através de regulamentos autónomos, com uma força expansiva que acabaria por pôr em causa a própria lógica deste artigo - que é, apesar de tudo, e mau grado as dificuldades reais, a de separar tanto quanto possível as águas entre o que é reservado a acto legislativo e o que é deixado à esfera do exercício do poder regulamentar do Governo.

O Sr. Presidente: - Penso que colocou problemas muitos interessantes e que merecem uma atenta ponderação e adequada resposta.

Sr. Deputado José Magalhães pretende responder desde já, ou prosseguimos na sequência do debate?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Como V. Exa. entender, na medida exacta em que não se tratará de responder no sentido final, mas de adicionar algumas reflexões ao larguíssimo campo que está aberto e que nos cabe, neste caso, procurar aprofundar.

Gostaria, em primeiro lugar, de começar por sublinhar que o Sr. Deputado António Vitorino acabou de equacionar, em termos extremos, alguma coisa que está realmente colocada em termos de oposição clara. Há entre a via preconizada pelo PCP e a via preconizada pelo PSD a diferença que separa dois pólos. O PSD visa uma claríssima ampliação da esfera de actuação governamental, tendo para isso utilizado predominantemente o instrumento regulamentar; o PSD dedicou-se milimetricamente a reflectir sobre as vias através das quais pudessem ser autorizadas cadeias de deslegalização e, por outro lado, pudesse ser ampliada a possibilidade de actuação do Governo, nos termos que o Sr. Deputado António Vitorino descreveu e com os quais substancialmente concordo. Pela nossa parte, reincidimos num conjunto de ideias que tínhamos apresentado na primeira revisão constitucional e que, nesse sentido, são, desde logo, familiares ao Sr. Deputado António Vitorino e se encontram abundantemente fundamentadas desde logo nas actas da 1.ª Comissão de Revisão Constitucional. Essas ideias entroncam numa opção por uma concessão de superioridade hierárquica às leis da Assembleia da República.

O problema que a questão da superioridade hierárquica coloca é o de que a superioridade tem de ter consequências ou não será superioridade. Hoje a Constituição estabelece já certos casos de superioridade em parametração, nos casos que estão figurados no próprio artigo 115.°, e isso suscita numerosos problemas de aplicação. Em todo o caso, a opção pela superioridade, nos termos em que vem configurada no projecto do PCP, tem em seu abono uma certa concepção do papel que a Assembleia da República deve ter na produção de actos legislativos, com todas as suas implicações - que, pela nossa parte, não enjeitamos.

Creio que foi grande o peso que teve entre nós, e tem - a exposição do Sr. Deputado António Vitorino é, toda ela, uma bem articulada demonstração desse