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Quarta-feira, 28 de Setembro de 1988 II Série - Número 37-RC
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)
II REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
ACTA N.° 35
Reunião do dia 28 de Junho de 1988
SUMÁRIO
Deu-se continuação à discussão do 13.° relatório da Subcomissão da CERC respeitante aos artigos 111.º a 122.° e respectivas propostas de alteração.
Procedeu-se à discussão do artigo 108.°, constante do 12.º relatório da Subcomissão da CERC.
Durante o debate intervieram, a diverso título, para além do presidente, Rui Machete, pela ordem indicada, os Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP), José Magalhães (PCP), Miguel Calvão Teles (PRD), António Vitonno (PS), Sottomayor Cárdia (PS), José Manuel Mendes (PCP), Mário Maciel (PSD), Carlos Encarnação (PSD), Vera Jardim (PS) e João Cravinho (PS).
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O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes de começarmos a análise, gostaria de dar as boas-vindas ao Sr. Deputado Miguel Galvão Teles, representante do PRD, que vai estar connosco, espero, até ao fim dos trabalhos nesta fase.
Vamos iniciar a análise do artigo 116.° - "Princípios gerais de direito eleitoral". Sobre este artigo existem propostas de alteração do CDS, do PCP, do PSD e do PRD. São propostas basicamente de alteração e de aditamento por parte do PCP. Começaria por pedir ao PCP se quer justificar sucintamente, em relação ao artigo 116.°, a sua proposta de aditamento. Discutimos primeiro o artigo 116.° e depois voltamos ao 108.° Espero que esta análise antes de volvermos ao artigo 108.° seja rápida.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não sei se será rápida!
O Sr. Presidente: - O prazer de ter entre nós o Sr. Deputado Octávio Teixeira é tão grande que começaríamos pelo artigo 116.° e depois voltaríamos ao artigo 108.°
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em matéria de organização do poder político, o PCP preocupou-se com a apresentação de um conjunto de alterações que, não se caracterizando pelo excesso quanto ao número, visam dar resposta a alguns problemas que o funcionamento do sistema tem revelado existirem. Poderá haver diversidade na proposta a encontrar para as questões suscitadas; no entanto, a identificação, a tipificação, a elencagem destas questões, que é a constante do nosso projecto de revisão constitucional, parece-nos ser susceptível de uma apreciação positiva, se adoptado algum critério objectivo. Entre essas alterações situa-se, como primária e não apenas pelo facto de ser anunciada em primeiro lugar, a que diz respeito às garantias da regularidade dos actos eleitorais. É certo que o projecto do PCP se preocupa também com outros aspectos relacionados com o funcionamento do sistema partidário, com o funcionamento do sistema de governo, designadamente à luz da preocupação de evitar a monopartidarização dos direitos e poderes e sobretudo a introdução de discriminações à actividade livre dos partidos da oposição. Preocupámo-nos também com a questão do controle público dos rendimentos dos titulares de cargos políticos e com a garantia da efectivação das suas responsabilidades, com o aperfeiçoamento dos princípios aplicáveis à produção dos actos legislativos e dos próprios regulamentos. Quanto à proposta que agora estamos a apreciar, trata-se simplesmente da constitucionalização da existência da Comissão Nacional de Eleições com o estatuto e os poderes que lhe têm vindo a ser reconhecidos, designadamente na sequência da jurisprudência constitucional. Como sabem, o Tribunal Constitucional tem vindo a entender, ao abrigo das regras que se aplicam ao seu funcionamento, que tem competência para apreciação de toda a matéria respeitante aos regimes das eleições, quanto à sua fiscalização em sede jurisdicional, e tem vindo também a entender que a Comissão Nacional de Eleições é um órgão com funções gerais de superintendência em tudo o que diga respeito à administração eleitoral. É evidente que esta visão que o Tribunal Constitucional tem vindo a consagrar das atribuições e competências e do papel institucional da Comissão Nacional de Eleições (CNE) suscita certos problemas, designadamente dado o papel que o Governo tem no que diz respeito à actividade da Administração Pública, na qual se inclui, naturalmente, a administração eleitoral. No entanto, tem sido pacífica - quando sublinho pacifica viso em especial assinalar a atitude das diversas forças políticas que sobre a matéria se têm pronunciado - a leitura das competências da CNE feita pelo Tribunal Constitucional. Por isso mesmo, transpusemos para o normativo agora em apreciação esse entendimento, e não qualquer outro, com os mesmos exactos fundamentos que o Tribunal Constitucional tem vindo a aduzir.
Permitam-me que relembre que isto tem sido particularmente importante na dinâmica dos actos eleitorais e foi, designadamente, importante no quadro das últimas eleições presidenciais. Nessa altura suscitaram-se melindrosas questões quanto ao contencioso eleitora!, incluindo, quanto a actos relacionados com as campanhas eleitorais, o regime de utilização de espaços públicos e de uso dos meios televisivos, bem como da rádio. Todos esses aspectos acabaram por ser objecto de apreciação pela CNE e, em sede de recurso, pelo Tribunal Constitucional, o que só é possível à luz de uma determinada leitura daquilo que seja o papel da CNE.
O texto apresentado pelo PCP é económico quanto à definição das regras sobre atribuições e competências. Quanto à composição, é precisa a proposta. Parece-nos que se transpõe aquilo que consta da lei ordinária, com a preocupação de garantir em sede constitucional aquilo que hoje está garantido legalmente, isto é, que as candidaturas sejam apresentadas sob proposta de cada um dos cinco partidos mais representados na Assembleia da República, quaisquer que eles sejam.
Eis, Sr. Presidente, aquilo que parece ser de salientar ao fundamentar a proposta que apresentámos.
O Sr. Presidente: - Segue-se o PSD. As alterações, refiro-as sucintamente, são duas: é acrescentar o inciso "nos termos da lei" no n.° 5, e no n.° 6 fazer a passagem do prazo de 90 dias para 60 dias. A primeira actuação destina-se, no fundo, a sublinhar que o princípio há-de ser traduzido e concretizado na lei ordinária. No segundo acto parece-nos que o prazo de 90 dias é excessivo, não é tecnicamente necessário que haja três meses para, no caso de dissolução dos órgãos colegiais, ser marcada a data de novas eleições. Hoje é possível, do ponto de vista técnico, marcá-las e realizá-las no prazo de dois meses.
Depois temos o PRD. Quer o PRD justificar as alterações que propõe?
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Quero, antes de mais, agradecer as palavras amáveis do Sr. Presidente, transmitir-lhe os meus cumprimentos e reafirmar-lhe a minha amizade. No que respeita à alteração do artigo 116.° sugerida pelo PRD, mais precisamente ao aditamento proposto pelo PRD ao artigo 116.°, direi que corresponde à tentativa de consagração de uma proposta repetidamente formulada pelo partido, e que concerne a um ponto fundamental de princípio, qual
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seja o da liberdade de participação dos eleitores na própria definição das candidaturas. Sabendo-se, embora, que as condições dificilmente permitirão que grupos de cidadãos eleitores não organizados em partidos tenham meios para, de forma ampla e sistemática, apresentar candidaturas e fazê-las prosseguir, tem sempre o PRD defendido que, ao menos no plano de princípios, essa possibilidade deveria ser consagrada, de modo a de alguma sorte se restringir o monopólio partidário do funcionamento das instituições democráticas. É isso que se consagra na nossa proposta, permitindo-se, portanto, que as candidaturas para as eleições relativas a quaisquer órgãos colegiais, desde que por sufrágio directo, possam ser apresentadas, além de por partidos ou coligações de partidos, como hoje se prevê no artigo 154.° também por grupos de cidadãos eleitores. Quanto ao n.° 3, aproveita-se o andamento para rearrumar as disposições constitucionais, transpondo para aqui, no essencial, o que hoje se dispõe no artigo 154.° É este, portanto, o sentido fundamental da proposta do PRD.
O Sr. Presidente: - Há alguns pedidos de intervenção em termos de discussão do artigo?
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - O PS não apresentou propostas de alteração ao artigo 116.°, mas não nos furtaremos a fazer algumas reflexões breves sobre as propostas apresentadas pelos outros partidos.
Começando pela ordem de apresentação, o PCP propõe a constitucionalização da Comissão Nacional de Eleições (CNE). O problema que o Sr. Deputado José Magalhães coloca é um problema real: há no nosso sistema eleitoral uma questão de determinação do título habilitador da intervenção da CNE no processo eleitoral. A constitucionalização da CNE pode, em parte, responder a essa preocupação. Não sei se esta constitucionalização não é excessiva, porque demasiado pormenorizada, e se a composição não deveria ser endossada para a própria lei ordinária. Mas em princípio temos alguma simpatia pela ideia de constitucionalização da CNE.
Quanto à proposta do PSD, diria que temos dois sentidos distintos, em relação ao n.° 5 e em relação ao n.° 6. Em relação a este, para cuja proposta temos alguns sentimentos agradáveis, parece communis opinio que este desfasamento de 90 dias entre a decisão de dissolução de um órgão colegial e a realização dos actos eleitorais é excessivo, sobretudo quando comparado com a rapidez com que noutros países se podem realizar eleições subsequentes à decisão de dissolução do Parlamento. Por exemplo, 40 dias na Inglaterra, cerca de cinquenta e poucos dias em França. O prazo é, regra geral, mais curto do que aquele que a Constituição aqui consagra. A nossa preocupação fundamental nesta matéria é a de compatibilizar um sistema em que haja maior celeridade entre a decisão de dissolução e a realização efectiva das eleições, com as garantias inerentes a qualquer processo eleitoral democrático em termos que assegurem em cada momento e nas várias fases desse processo a salvaguarda dos direitos das forças concorrentes ou dos candidatos concorrentes e a intervenção dos tribunais no dirimir dos eventuais conflitos que venham a surgir ou a ser suscitados. Hoje em dia, de facto, a lei eleitoral, tal como ela existe, determina que haja um período, que na prática nunca é inferior a 80 dias e pode, quando muito, oscilar entre 80 e 90 dias, isto é, nunca é possível proceder, nos termos da lei vigente, à realização das eleições em prazo inferior a 80 dias após o acto de dissolução. Claro está que a aprovação desta norma do artigo 116.°, n.° 6, proposta pelo PSD, desde logo inconstitucionalizaria a lei eleitoral em vigor, na medida em que ela prevê que, no mínimo, as operações de preparação do acto eleitoral têm de decorrer em 80 dias. O PS tem alguma abertura para ponderar esta alteração, mas não podemos deixar de alertar para o facto de ser necessário que o PSD nos demonstre, aqui, quais foram os critérios que obedeceram à escolha destes 60 dias ou, pondo a questão noutros termos, onde é que na organização do processo eleitoral o PSD vai "ganhar" estes 30 dias, porque temos de ponderar que há operações de preparação do acto eleitoral em relação às quais se torna extremamente difícil encurtar prazos, designadamente operações de contencioso da apresentação das candidaturas, e operações de organização das mesas de voto, de constituição das assembleias de voto, de distribuição dos votos, etc.. O próprio STAPE, às vezes, tem dificuldades em cumprir os prazos que já hoje em dia constam da lei, quanto mais se se tratasse de um prazo que fosse amputado em um terço do total. É necessário que vejamos, claramente visto, onde foram feitos os cortes, onde é que se prevê que venham a ser feitos os cortes destes 30 dias. Naturalmente não sabemos qual é o estado de espírito do PSD em relação ao anteprojecto de código eleitoral, que foi elaborado por uma comissão especialmente encarregue para o efeito pelo Governo anterior. Todos nós temos conhecimento, eu diria de tradição oral, de qual é o conteúdo dessa anteproposta de lei, porque, como deputado, requeri ao Governo que me fornecesse a separata do Boletim do Ministério da Justiça onde o seu texto vem publicado e a resposta que mereci foi que consultasse na Biblioteca da Assembleia ou na Biblioteca Nacional, porque lá existia de certeza absoluta um exemplar da separata!... É um acto pouco amistoso da parte do Governo para quem queira tratar desses assuntos com o mínimo de rigor, com um mínimo de seriedade, mas enfim, esta referência foi um desabafo en passant. O que queria sublinhar é que convinha ter ideia clara dos momentos do processo eleitoral onde são feitos os sacrifícios dos 30 dias. Verificaremos que não é tarefa fácil, embora seja um objecto desejável.
Quanto à proposta referente ao n.° 5 do artigo 116.° apresentada pelo PSD, aí os sentimentos que temos para com esta proposta já não são tão agradáveis quanto em relação ao n.° 6. Trata-se de uma proposta que produz uma alteração significativa em toda a arquitectura constitucional do sistema eleitoral.
Uma coisa é o que hoje se contém na Constituição, a referência ao método proporcional e, no caso da Assembleia da República, ao sistema de Hondt, outra coisa, bem diversa, é a Constituição abdicar de ser ela própria a tomar a decisão sobre o método de conversão dos votos em mandatos dentro do grande chapéu de chuva do método proporcional e, por via disso, remeter para a lei essa competência.
O PS não tem uma posição imobilista em matéria de sistema eleitoral e considera que as alterações dos sistemas eleitorais consagrados na Constituição podem
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e devem ser ponderadas à luz da experiência concreta vivida e dos objectivos, que são comuns a todas as forças políticas, de aperfeiçoar as formas de tradução da vontade popular aos diversos níveis em que ela está na base da constituição ou designação de órgãos do poder político. Refiro-me à Assembleia da República, às assembleias regionais, às câmaras e assembleias municipais. Mas a desconstitucionalização do método em concreto de conversão dos votos em mandatos não merece de todo a nossa simpatia.
Quanto à proposta de substituição do n.° 3 do artigo 116.° apresentada pelo PRD, devo dizer que se trata de uma matéria em relação à qual já por diversas vezes, em sede de revisão constitucional e de lei ordinária, tivemos ocasião de trocar impressões. Aparentemente, o princípio por que o PRD se norteia, ou seja, o de permitir uma pluralização das fontes de apresentação de candidaturas aos diferentes actos eleitorais, é uma medida que pode contribuir para a vivificação da vida democrática, ao fazer apelo à auto-organização dos cidadãos em detrimento da sua "compulsiva" integração em estruturas partidárias. Contudo, vemos duas dificuldades nesta proposta.
A primeira é a dificuldade da constituição desses próprios grupos eleitorais que estariam na base de apresentação de candidaturas aos órgãos colegiais, isto é, à Assembleia da República, às assembleias regionais e às assembleias municipais.
Actualmente, esta solução já está consagrada pela lei ordinária pura as assembleias de freguesia, o que me parece que tem uma certa justificação, na medida em que as assembleias de freguesia revelam um âmbito de incidência mais restrito e é credível que a iniciativa popular, através da outo-organização dos homens-bons locais, de origem à possibilidade de apresentação de listas de cidadãos eleitores. A verdade é que a experiência, com o correr dos anos, tem mostrado que não se tem caminhado no sentido da multiplicação dessas listas de cidadãos eleitores, mas, sim, no sentido inverso, ou seja, de um certo retrocesso no número de listas de cidadãos eleitores candidatos aos órgãos de freguesia.
Essa dificuldade quanto à definição da representatividade de um grupo de cidadãos eleitores é maior quando abordamos o nível da assembleia municipal, bastante maior quando tratamos das assembleias regionais e, na nossa opinião, imensa quando tratamos das candidaturas á Assembleia da República. Que critérios utilizar? Por exemplo, quanto à Assembleia da República, sempre lei íamos de conceber requisitar para apresentação dessas candidaturas à Assembleia da República que colocassem os grupos de cidadãos eleitores em igualdade de circunstâncias com os partidos políticos, pelo que um critério possível seria o de exigir tantos subscritores das listas de candidatos para a Assembleia da República quantos os que a lei exige para a legalização de um partido político, tendo em vista que houvesse uma igualdade real de condições perante a lei e o Estado na apresentação de candidaturas. De facto, um partido político, para se constituir, tem de proceder, digamos, à sua legalização no Tribunal Constitucional, subscrita, nos termos da lei em vigor, por 5000 eleitores. Daí que, aparentemente, grupos de cidadãos eleitores que quisessem beneficiar de um estatuto idêntico ao dos partidos políticos quanto ao poder de apresentarem candidaturas à Assembleia da República não poderiam também deixar de corresponder a um critério numérico que, mesmo não sendo rigorosamente idêntico ao critério de legalização dos partidos, tivesse pelo menos uma certa equiparação ou identidade.
Isto remete-nos para a segunda questão, qual seja a de saber se é credível e realista que a auto-organização dos cidadãos possa ser levada a formas tão sofisticadas de organização que estejam na base da apresentação de candidaturas para órgãos como a Assembleia da República e as assembleias regionais ou se, pelo contrário, a abertura desta porta não será um convite a forças políticas que sejam tentadas a disfarçar a sua realidade específica sob a capa de listas de cidadãos eleitores. Não será apenas a abertura da porta para candidaturas partidárias sob capa aparentemente despartidarizada?
Estes argumentos não são novos. Este é um diálogo já antigo, pelo que me limitei a reproduzir as preocupações que nos movem na análise da proposta de substituição do n.° 3 do artigo 116.° apresentada pelo PRD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou produzir umas muito breves considerações.
Relativamente à proposta de substituição do n.° 1 do artigo 116.° da autoria do PRD, sugeriria que esta questão fosse apreciada na especialidade. Pela minha parte, e a título pessoal, como tem ficado claro desde o início dos trabalhos da Comissão, sou favorável à admissão de candidaturas de cidadãos independentes nas eleições para as câmaras e assembleias municipais.
No que se refere às eleições para a Assembleia da República, gostaria de ver o problema discutido depois de apreciada a proposta por mim apresentada para o artigo 155.° da Constituição.
Em princípio, seria a favor da referida proposta de substituição apresentada pelo PRD. No entanto, receio que a lógica da minha proposta possa em parte ser prejudicada pela admissão desse princípio. E se assim for, prefiro o reforço da garantia da proporcionalidade à quebra do monopólio dos partidos na apresentação de candidaturas às legislativas.
Relativamente ao aditamento da expressão "nos termos da lei" ao n.° 5 do artigo 116.°, proposta tanto do CDS como do PSD, estarei de acordo se for aprovada a minha proposta ou algo de positivo ou semelhante. De outro modo não poderei concordar, porque, isolada da limitação que proponho, a inovação comportava a possibilidade de enfraquecer o alcance do princípio da proporcionalidade. Se não forem dados passos no sentido de a Constituição reforçar a garantia do princípio da proporcionalidade, estarei, portanto, em desacordo. Por consequência, tudo depende, do meu ponto de vista, da decisão que vier a ser tomada sobre o sistema eleitoral nas suas traves mestras.
Quanto à proposta de alteração do n.° 6 do artigo 116.° apresentada pelo PSD, devo dizer que tenho muita simpatia por ela. Julgo que é útil abreviar os prazos e francamente conveniente. Subscrevo as considerações produzidas pelo Sr. Deputado António Vitorino sobre a redução deste prazo no processo eleitoral para a Assembleia da República. Se a explicação for satis-
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fatória, como espero, parece-me que será bom aprovar o prazo de 60 dias, em vez do de 90 dias actualmente exigido.
Relativamente à proposta de aditamento de um novo n.° 8 ao artigo 116.° da autoria do PCP, parece-me razoável. Salvo erro, não houve considerações em contrário. Embora de pormenor, a matéria tem, pela sua natureza, importância justificativa da inclusão deste novo n.° 8.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Sr. Presidente, vou fazer duas ou três observações tanto quanto às reflexões produzidas pelos Srs. Deputados António Vitorino e Sottomayor Cárdia a respeito da proposta do PRD, assim como acerca das propostas dos outros partidos, às quais não me tinha referido. De facto, tinha-me limitado a explicar aquela que o meu partido apresentou relativamente ao artigo 116.°
Diria, pois, em relação ao problema das candidaturas por grupos de cidadãos, o seguinte: se reconheço que no domínio das eleições de nível nacional, sobretudo quanto à sua praticabilidade, a solução é difícil, creio que era fundamental que no plano dos princípios se abandonasse a consagração do princípio do monopólio partidário da apresentação das candidaturas, porque ele é - diga-se o que se disser - de natureza aristocrática, de alguma sorte, e de controle de funcionamento do sistema político por certas organizações.
O Sr. Presidente: - De natureza partitocrática!
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - É uma forma de aristocracia como outra qualquer! Não obstante isso, reconheço que o problema merece análise em particular, sobretudo na perspectiva da correlação com as regras que ferem adoptadas quanto ao sistema eleitoral. Portanto, reservo a posição do PRD no que respeita à articulação desta proposta de alteração do n.° 3 do artigo 116.°, e porventura a sua limitação, com outras soluções que venham a ser adoptadas em matéria de sistema eleitoral.
No que toca à proposta de alteração do n.° 5 do artigo 116,° apresentada pelo PSD, penso que, tanto quanto possível, se deve manter na Constituição tudo o que é essencial no sistema eleitoral. A remissão de pontos essenciais do sistema eleitoral para a lei ordinária é sempre uma forma de permitir a fraude à lealdade democrática. Portanto, sou abertamente contra o n.° 5 do artigo 116.°, na versão do PSD.
Quanto ao texto do n.° 6 do mesmo preceito, igualmente apresentado pelo PSD, o PRD é, em princípio, favorável ao encurtamento dos prazos eleitorais. É evidente que será necessária uma ponderação cuidadosa da articulação com o regime eleitoral vigente - e neste ponto acompanho as considerações do Sr. Deputado António Vitorino. Teriam, naturalmente, de se consignar disposições de natureza transitória, se alguma solução deste tipo fosse adoptada.
Finalmente, quero dizer que estou essencialmente de acordo com a proposta de aditamento de um novo n.° 8 ao artigo 116.° da autoria do PCP, relativa à consagração constitucional da existência da Comissão Nacional de Eleições.
O Sr. Presidente: - Estão ainda inscritos para intervir eu próprio e o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
A minha breve intervenção respeita aos comentários que foram feitos em relação à proposta de alteração do n.° 5 do artigo 116.° apresentada pelo meu partido. Seguidamente, daria a minha opinião em relação a comentários produzidos quanto às outras propostas dos restantes partidos sobre este preceito.
No respeitante ao n.° 5 do artigo 116.°, gostaria de esclarecer que a proposta de alteração desse articulado não pode ser vista isoladamente, pois ela tem de ser interpretada de acordo também com aquilo que propomos quanto ao artigo 155.°, onde, como se verá, mantemos a ideia de que os deputados são eleitos segundo o princípio da representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt, nos termos da lei. Isto significa que não há, em relação às eleições dos deputados para a Assembleia da República, nenhum propósito animado de malignidade, o que me parece, aliás, inferir-se de algumas das considerações dos oradores que me antecederam.
O Sr. António Vitorino (PS): - Desculpe interrompê-lo, Sr. Presidente, mas não disse que havia tais propósitos. Não era, aliás, capaz de fazer esse processo de intenções.
Entretanto, devo dizer que os princípios gerais de direito eleitoral não respeitam apenas à Assembleia da República, mas sim a todos os órgãos colegiais. Não tenho, pois, dúvidas quanto à sua proposta de substituição do n.° 5 do artigo 116.°, pois está previsto nela o método de Hondt.
O Sr. Presidente: - Porém, penso que isso era bom que se sublinhasse, porque parecia, dada a maneira genérica como as observações foram feitas, que se visava a Assembleia da República.
O Sr. António Vitorino (PS): - A cada um o seu papel, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O que se tem em consideração é flexibilizar o sistema quanto às eleições para as autarquias locais, como resulta claramente da proposta apresentada, e que reveste um significado próprio, que não é, de modo nenhum, o de, ao remeter para a lei ordinária, considerar que se está a defraudaras garantias constitucionais. Isto é, apertis verbis, aquilo que se pretende e que, de outro modo, não seria possível.
Portanto, o mérito da proposta de substituição do n.° 5 do artigo 116.° seta julgado em ccde apropriada. Porém, é claramente enunciado qual é o objectivo que se pretende e o resultado a alcançar.
Quanto às observações respeitantes ao problema do prazo das eleições para órgãos colegiais referido no n.° 6 do artigo 116.°, vamos pedir a lei eleitoral vigente para verificarmos da exequibilidade desta nossa proposta. Acontece que quando a elaborámos entendíamos que era exequível, mas prefiro, evidentemente, ter a Lei Eleitoral para indicar quais são os prazos que julgamos possíveis de encurtamento sem ofender nenhuns interesses que sejam dignos de protecção por esses prazos. Todavia, gostaria de sublinhar uma vez mais que o direito comparado nos refere vários exemplos de prazos substancialmente mais curtos do que os 90 dias previstos na redacção actual do n.° 6 do artigo 116.°
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Finalmente, devo ainda dizer que não vemos inconveniente na proposta de aditamento de um novo n.° 8 ao artigo 116.° da autoria do PCP, embora sejamos, em princípio, aversos a aumentar o texto constitucional, consignando uma série de coisas importantes mas não indispensáveis. E digo isto porque se nos afigura que o texto constitucional deve restringir-se aos princípios e às coisas absolutamente fundamentais. Não obstante isso, trata-se de uma matéria sobre a qual reservamos a nossa opinião, uma vez que não temos nada de substancialmente contra.
Já no respeitante à proposta de substituição do n.° 3 do artigo 116.° apresentada pelo PRD, percebemos a sua motivação, parecendo-nos interessante a tentativa de atacar o monopólio dos partidos políticos em termos de representação política e de apresentação das candidaturas. Todavia, gostaríamos de sublinhar aquilo que já foi referido pelo Sr. Deputado António Vitorino e que nos merece atenta ponderação. De facto, não conviria que se tornasse por esta via possível algo que acabaria por defraudar a Constituição e o espírito do sistema representativo democrático nela consignado, que se traduziria, afinai, em alguns partidos políticos, mediante um processo enviesado, apresentarem candidatos pseudo-independentes. Isso é um problema real, que, aliás, explica muitas das cautelas que foram tomadas até agora nesta matéria, muito embora não sejamos, do ponto de vista dos princípios e da filosofia política, contra candidaturas que genuinamente representem uma emanação do povo sem ser por intermédio dos partidos políticos.
Todavia, isso deve ser uma excepção, e temos alguma dificuldade em encontrar fórmulas de o consagrar em carácter excepcional sem corrermos o risco que foi apontado de ser utilizado, em termos de fraude ao sistema e em última análise à Constituição, por forças políticas que queiram disfarçar-se por essa via sob a forma aparente de candidatos independentes, mas que na realidade são candidatos apoiados e de algum modo dimanados desses mesmos partidos políticos. Com estas observações vemos com algum cepticismo a possibilidade, pelo menos em termos de representação no nível da Assembleia da República, que é onde o problema assume maior delicadeza, visto que no nível local já existe, como foi referido, um caso e poderíamos sem os mesmos riscos eventualmente alargar a experiência.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Queria apresentar um pedido de esclarecimento ao Sr. Presidente.
Quanto à proposta para o n.° 6 apresentada pelo PSD, a questão que se levanta é, por um lado, de natureza prática e, por outro lado, de opção política em sentido concreto. Posteriormente explicitarei as razões. Quanto à questão prática, sabemos que o Secretariado Técnico de Apoio ao Processo Eleitoral (STAPE) invoca (não sei se hoje, dia 28 de Junho de 1988, ainda o faz, mas até há muito pouco tempo continuava a invocar) a completa impossibilidade da organização de um processo eleitoral em termos significativamente mais curtos do que aqueles que hoje a lei prevê, isto é, entre os 80 e os 90 dias - 80 da lei geral e os 90 que estão, como se sabe, consagrados constitucionalmente no actual n.° 6. Dificuldades de toda a monta se levantariam, desde as coisas absolutamente mais singelas e aparentemente despiciendas, como a impressão dos
boletins de voto, até aos processos de apuramento e de contagem. Tudo isto tem de ser calculado ao pormenor. Suponho que o PSD, apesar de tudo, não pretendeu ser tão vertiginoso como o CDS, que na matéria propõe 30 dias (bom seria que alguém do CDS, em devido tempo, nos pudesse explicar que se não trata de uma graça com todo o sentido que uma graça tem, mais ou menos "thatcheriano", mas de um propósito são e exequível). Creio que cabe ao PSD o ónus da prova, da prova da possibilidade destes 60 dias. A invocação do direito comparado, tal como fez o Sr. Deputado Rui Machete, é legítima e naturalmente sufragável onde for possível compararmos os regimes de qualquer país da Europa com o nosso, mas não basta, é absolutamente insuficiente, quando nos defrontamos com questões que são de relevância não despicienda. Portanto, o ónus da prova terá de ser assumido.
Num segundo plano, teremos de saber se, na óptica do encurtamento, aquilo que o PSD privilegia é, por exemplo, a diminuição das campanhas eleitorais ou se, pelo contrário, privilegia a diminuição do prazo de apuramento, ou seja, de toda a burundanga extremamente minuciosa, porventura muito chata, mas absolutamente indispensável, que é a de receber, tratar e elaborar os resultados de um acto eleitoral. O que quer o PSD? A diminuição do debate político das campanhas eleitorais? Se assim for, posso começar a associar a esta proposta, em cadeia, várias coisas, como, por exemplo, a nova lei que querem aprovar no Plenário da Assembleia da República sobre publicidade e propaganda.
Eram estas as duas linhas de preocupações que de momento suscitava perante o Sr. Deputado Rui Machete.
O Sr. Presidente: - Como tive oportunidade de referir há pouco, não tenho aqui a lei, que já pedi, e portanto para fazer a demonstração da exequibilidade da proposta, numa das suas hipóteses, será útil fazê-la em termos de referência a exemplos retirados da lei actualmente em vigor, que é o único elemento concreto a que podemos ater-nos, e não a uma proposta que ainda não foi transformada em lei, como há pouco bem referia o Sr. Deputado António Vitorino. Vamos aguardar e depois fá-la-emos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Afigura-se-me que o argumento das candidaturas partidárias disfarçadas está ultrapassado e não tem hoje qualquer pertinência. Não tem credibilidade do ponto de vista do risco que se configura através dessa hipótese. Isso pertence à história e orgulho-me de ter dado o meu contributo para dar a introdução do monopólio partidário numa lei aprovada em Agosto de 1974, mas isso já lá vai muito tempo e as circunstâncias são completamente diferentes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que o PSD entendeu não revelar a propósito do preceito agora em debate tudo aquilo que são as suas ideias e projectos neste domínio. Acho curioso - talvez seja uma posição apropriada face ao presente quadro emergente das eleições de 19 de Julho.
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Sabemos todos do enorme empenho que o PSD e algumas das entidades que lhe estão associadas têm manifestado em relação à questão eleitoral, e em particular ao sistema eleitoral, tal qual se encontra consagrado na Constituição da República. Não ecoa agora tudo aquilo que vertiginosamente foi dito, designadamente em torno da campanha presidencial, não tão distante como isso, sobre os malefícios do sistema constitucional instituído, nem aquilo que foi dito para fundamentar uma suposta necessidade da sua radical inversão ou da sua correcção. Aquilo que noutros tablados foi alegado como necessidade de "aproximação entre os deputados e os eleitores", de pôr "fim à oligarquia partidária" e ao "estado absoluto dos partidos" e a todos os malefícios que lhe estão associados, "terríveis" e "imensos" - tudo isso não ecoa aqui. Considero que isso é um interessante sinal dos tempos!
Em todo o caso, convém não exagerar nessa matéria e creio que o PSD vai de alguna forma ter de assumir, talvez não agora mas certamente mais tarde es-parsamente, aquilo que são os contornos globais do seu projecto neste domínio. Não por acaso algum comentarista avisava, a certa altura, logo depois das eleições de 19 de Julho, que ao Primeiro-Ministro faltava, além de uma Constituição "boazinha" (como a da V República Francesa), "uma lei eleitoral que lhe permitisse uma estabibilidade por umas duas ou três legislativas". É certamente esta preocupação que impulsiona o PSD na apresentação do seu projecto de revisão constitucional quanto a este ponto...
O Sr. Presidente: - Na passagem dos 90 para os 60, quer V. Exa. referir-se a esse ponto?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Presidente, tudo isto a propósito do facto de o PSD, ao apresentar essa proposta concreta, ter omitido toda a questão de fundo, démarche que considero simpática e fagueira, mas francamente insusceptível de passar como tal. Não poderemos ou não deveremos travar aqui todo o debate acerca da problemática eleitoral, mas ao menos deveremos ter alguma ideia de qual é o edifício eleitoral em que o PSD gostaria de mover-se. Tanto gostaria que o propõe, não apenas nesta sede, como o Sr. Deputado Rui Machete, em seu interesse próprio, alegou ao invocar a não alteração do artigo 155.° da Constituição, mas também em outras sedes: é bom relembrar que o PSD, ao apresentar à Assembleia da República o seu programa de Governo e, mais tarde, ao apresentar o seu projecto de revisão constitucional, tornou clara a sua intenção de se bater, naturalmente sem êxito se não acompanhado, por alterações traduzidas designadamente na concessão do direito de voto a cidadãos residentes no estrangeiro (em países onde não estão garantidas condições de liberdade de campanha, de igualdade de oportunidades das candidaturas e outros aspectos fundamentais para a verdade eleitoral), de reduzir o número de deputados eleitos (supostamente para conseguir uma aproximação em relação aos eleitores) e conceder um "prémio de maioria" na formação dos executivos municipais a forças políticas que não adquiram a respectiva maioria no sufrágio.
É este o projecto global. Neste artigo trata-se de acrescer a margem de intervenção do legislador ordinário na definição do regime eleitoral, encurtando, com fundamentos que estamos para conhecer, o prazo para a realização de novas eleições.
Creio que sobre esta matéria está dito o que da nossa parte, no campo interrogativo, se pode dizer. Considero, no entanto, significativo que o PSD tenha escolhido este enfoque para se aproximar a esta matéria. Não se pode, porém, discutir a questão eleitoral por retalhos. Será extremamente difícil que a questão eleitoral não seja encarada globalmente e vista em todas as suas implicações e dimensões.
Em relação à proposta apresentada pelo PRD, já vai adiantada a discussão. As dificuldades e os problemas enumerados estão correctamente identificados e trata-se de saber se é possível encontrar uma resposta azada em sede de revisão constitucional, uma vez que a operação proposta tem alguns méritos, mas tem igualmente alguns riscos e alguns deméritos, que estão devidamente situados. É evidente que no caso português o monopólio partidário das candidaturas não existe, desde logo em relação às eleições para o Presidente da República, o que suscita igualmente alguns problemas, mas tem uma razão funda que é respeitável. Não está ensejada a alteração desse princípio, não há qualquer proposta apresentada, pelo que a questão não se coloca nesta sede.
Por outro lado, a experiência de aplicação da quebra mitigada do monopólio partidário na apresentação de candidaturas em eleições autárquicas que decorre já do actual texto constitucional deveria ser objecto de alguma reflexão. Valeria a pena que procurássemos afinar os ângulos de análise em torno do que tem sido essa experiência de aplicação. É obvio que poderá ser redarguido que se a experiência de aplicação tem sido modesta, como é inegável, isso poderá dever-se também ao próprio enquadramento legal madrasto, desfavorável, e que um enquadramento legal mais favorável poderia propiciar situações e estimular, por impulso do legislador, dinâmicas de carácter social e eleitoral respeitáveis. Importará, no entanto, saber quais são os moldes e os parâmetros mais desejáveis para essas dinâmicas e, sobretudo, qual o nível mais exacto para que essas dinâmicas se possam manifestar sem efeitos indesejados.
Creio que o PRD poderia, com alguma vantagem para todos, transmitir-nos um pouco do seu património de reflexão quanto ao campo de aplicação desta solução em relação, por exemplo, às eleições regionais - refiro-me ao que diz respeito às regiões autónomas, deixando de lado a questão do que possam ser os processos eleitorais para as regiões administrativas como tais, uma vez que a sua problemática é específica e é larga a margem de conjectura. Qual poderia ser o campo de aplicação deste instituto nessas eleições em regiões autónomas e que tipo de situações é que poderia gerar, dado, designadamente, o facto de ser constitucionalmente proibida a criação de partidos regionais, por qualquer forma, directa ou indirecta. É evidente que são sempre congemináveis hipóteses de fraude à Constituição, mas, em tese geral, que campo de actuação poderia gerar-se a partir de uma solução deste género nas regiões, dados alguns dos fenómenos que numa delas se registam e o tipo de pretensões e orientações que têm sido manifestadas quanto à gestão dos processos eleitorais por certos quadrantes?
Creio que isso deveria ser objecto de alguma ponderação.
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O Sr. Mário Maciel (PSD): - Gostaria de perguntarão Sr. Deputado José Magalhães se está a fazer algum labéu de suspeição em relação à idoneidade dos cidadãos eleitores das regiões autónomas, mormente daquela em que constatou os tais fenómenos. Pergunto-lhe se pensa que há problemas de idoneidade desses cidadãos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Respondo directa e francamente, Sr. Deputado Mário Maciel: espero que não tenha enfiado nenhum barrete, porque não era intenção minha pô-lo, e, de resto, tive o cuidado de não especificar,...
O Sr. António Vitorino (PS): - É outra latitude.
O Sr. José Magalhães (PCP): - ... deixei completamente em aberto o diâmetro da cabeça que havia de enfiar-se nesse barrete, e não queria que V. Exa. corresse a voluntariar um órgão dessa nobreza para o atavio que desenhei em abstracto. A questão é a seguinte: se fôssemos pelo caminho proposto, nós estaríamos aqui a criar urna norma legal nova e isso poderia ter efeitos potenciadores de algumas tentações hoje absolutamente insusceptíveis de conduzirem a pecado. É essa margem de inovação que, quanto a nós, deve ser ponderada. À partida não devemos fazer nenhum processo de suspeição quanto à idoneidade de cidadãos, designadamente de cidadãos cujo patriotismo não oferece nenhuma dúvida. Porém, devemos estar alerta em relação a certos esforços induzidos a partir do exterior e que já tiveram afloramentos bastante graves na nossa circunstância política e em particular na circunstância das autonomias regionais no sentido de precipitar, de insuflar, de fazer levedar, a partir de pontos exógenos, pulsões no sentido da quebra da solidariedade e da unidade nacionais. Creio que isso nos deve tornar bastante atentos a soluções deste tipo. Foi nesse sentido, e não no sentido da abertura de qualquer processo de intenções, que coloquei esta questão, em particular ao PRD, uma vez que tinha adiantado a proposta.
Não se tratou de fazer nenhuma alegação ad hominem e menos ainda ad regionem: quando muito seria ad separatistas.
O Sr. Presidente: - O latim, apesar de língua sintética, é por vezes muito analítica.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto.
O Sr. Presidente: - Das intenções de quem a usa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, é inocultável (e suponho que geral) a intenção ad separatistas! Deixava, de qualquer das formas, a pergunta ao PRD, porque aí se colocariam não só as questões de praticabilidade, como as questões de efeito perverso e não desejado da proposta que apresenta. Quanto aos efeitos perversos desejados por outros, não faria qualquer observação.
Em relação ao n.° 3, creio que as críticas e sugestões trazidas por alguns Srs. Deputados aconselhariam a algum esforço adicional de reflexão. Refiro-me, naturalmente, à proposta do PRD quanto à impossibilidade ou à proibição de que as candidaturas apresentadas por partidos ou coligações incluam candidatos
inscritos em partidos diversos. Verdadeiramente, seria útil a especificação do perigo em vista. Na nossa circunstância pretérita, que tipo de malefícios é que o PRD regista que justifiquem esta solução? E em relação à situação política futura, que tipo de malefícios é que são receados? Verdadeiramente, a miscigenação partidária aqui temida é bastante absurda. Uma coisa é a inclusão de independentes, independentes esses que podem ser ou o chamado independente puro (aquele que não tem qualquer extracção partidária pretérita, que nunca na experiência constitucional democrática portuguesa, ou antes dela, militou em qualquer partido político) ou então aquele independente que fez parte de um determinado partido político, mas que cessou essa qualidade em determinado momento. Dado o monopólio de apresentação de candidaturas que os partidos têm, se se tem em conta esse tipo de independentes, então poderia abrir-se (se a norma fosse mal interpretada) um processo tendente a fazer uma análise de tipo "palimpsesto", que por rasuras sucessivas regredisse até se encontrar uma filiação partidária, a qual legitimasse uma espécie de suspeição (uma vez que poderia não ser possível apurar com rigor se verdadeiramente aquele militante tinha cessado de ser militante ou se tinha tacticamente visto cancelada a sua inscrição para poder ser apresentado numa outra formação partidária ou numa outra coligação). E por aí adiante ... Por aí podemos entrar num campo de conjecturas virtualmente insusceptível de ser terminado. Repugna-me, porém, que possa ter sido esse o campo de hipóteses que o PRD considerou ao propor esta solução.
Não pode ser isso! Mas seria interessante sabermos o que é...
Termino, Sr. Presidente. Deixo inteiramente de lado, para conforto de todos nós, a reflexão sobre se Douglas Ray, na primeira edição do seu clássico e depois na edição revista e devidamente corrigida em prefácio, tinha toda a razão sobre os benefícios e malefícios do impacte das alterações do sistema eleitoral no sistema partidário e no sistema do Governo. Dou de barato as considerações do Prof. André Gonçalves Pereira sobre esta matéria, deixo de lado similares considerações do Prof. Freitas do Amaral, enquanto autor e candidato presidencial, e deixo de lado, também, as considerações do Sr. Deputado Rui Machete nas vestes académicas... E, sendo assim, mesmo os mais renitentes terão de reconhecer que o debate fica largamente facilitado...
O Sr. António Vitorino (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. José Magalhães (PCP): - Naturalmente com reserva de que isso, que deixei de lado agora, ainda possa vir a ser necessário!
O Sr. António Vitorino (PS): - Então, no fundo, há uma vaga esperança!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, gostaria apenas de referir que, como V. Exa. reparou, estávamos a discutir as alterações ao artigo 116.° e não todo o sistema eleitoral, caso em que teria de ser apresentado todo o projecto... Não é o caso, e não penso
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que seja necessário apresentar todo o projecto eleitoral do PSD em matéria de revisão constitucional, porque não vem a propósito. Quando vier a propósito, em matéria de cada preceito...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, seguramente não vem a despropósito!
O Sr. Presidente: - Vem, porque não tem sentido estarmo-nos a repetir, o que nos faz perder tempo.
De qualquer modo, aquilo que sobretudo parece ser de recusar com toda a veemência é a ideia de que existe alguma coisa de oculto. O projecto está apresentado, todos os preceitos estão devidamente explicitados, e a seu tempo teremos oportunidade dê ver.
Quanto à questão que me foi colocada acerca da exequibilidade, é evidente que, se VV. Exas. tiverem muito interesse nisso e considerarem que deve ser tarefa desta Comissão, posso tentar apresentar um projecto de nova lei eleitoral. No entanto, gostaria de vos dizer que um dos prazos importantes que pode ser alterado é o da apresentação das candidaturas. Neste momento, esse prazo oscila entre 20 e 35 dias, o que é manifestamente exagerado, estabelecendo o n.° 2 do artigo 23.° que "a apresentação se faz entre os 70 e os 55 dias anteriores à data prevista para as eleições, perante o juiz do círculo judicial com sede na capital do círculo eleitoral". Quer dizer, 35 dias podem ser "comidos" só nesta fase. Se bem que, como é evidente, seja necessário manter-se um certo prazo, o actual prazo parece-me, porém, manifestamente excessivo, podendo ser facilmente reduzido logo aqui em, pelo menos, quinze dias.
Isto é apenas para vos dar uma noção de que há alguns prazos traçados com certa latitude: não é o caso do prazo de três semanas de campanha eleitoral mas daquele que referi, que, sem nenhum prejuízo sério em relação a partidos organizados, pode perfeitamente ser encurtado. Existem outros prazos, já não com o mesmo grau de latitude, que também podem ser reduzidos, como é o caso, por exemplo, do prazo geral na parte contenciosa, actualmente de três dias, e que pode ser reduzido para dois, ou, em alguns casos, o problema da impressão, que é uma questão técnica cujo prazo pode ser largamente reduzido. Aliás, neste caso não há razão nenhuma para ser diferente daquilo que se passa noutros países.
Julgo que estas observações são suficientes para vos dar uma ideia, mas se quiserem ter uma ideia um pouco mais pormenorizada dá-la-emos, se bem que, naturalmente, não de imediato.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Não exprimi claramente - ou correctamente - o meu pensamento quando disse que, em princípio, estava de acordo com a intenção traduzida na alteração ao n.° 6 do artigo 116.° proposta pelo PSD. Pretendia explicar melhor este ponto, na medida em que aquilo que disse de alguma maneira não condiz, por exemplo, com aquilo que o PRD propõe em matéria de prazos para marcação de eleições presidenciais. O PRD está de acordo - e eu pessoalmente também estou - no sentido de que se procurem encurtar os prazos do processo eleitoral, sem prejuízo das garantias de debate democrático. No entanto, o PRD não concorda, nem eu concordo, especificamente com a norma do n.° 6 da
proposta do PSD, que introduz uma excessiva limitação à margem de manobra do órgão que marca as eleições. De facto, uma coisa é conseguirmos encurtar, no plano da Lei Eleitoral, a demora do processo eleitoral e outra é criarmos ao órgão que tem de marcar eleições uma situação em que ele acaba por ficar, porventura, pela conjugação do limite constitucional com o regime da Lei Eleitoral - o que já sucede hoje -, com uma margem de manobra limitadíssima quanto à escolha da data das eleições, que podem, assim, ter de cair, por exemplo, no dia de Natal ou em pleno Agosto. Na experiência política portuguesa isto já levou à situação, de alguma sorte caricata, de o Presidente da República ter anunciado a dissolução da Assembleia da República e, numa situação estranhíssima de dissolução anunciada mas não concretizada, ter sido forçado a adiar a assinatura do decreto de dissolução, a fim de acertar a data da dissolução com uma data adequada para a realização de eleições.
Significa isto, portanto, que o PRD está de acordo com que se procure encurtar o processo eleitoral, mas não com que se limite excessivamente a liberdade de marcação de eleições. Nesse sentido, creio que o PRD não sufragaria a solução do n.° 6 do artigo 116.°, não subscreveria uma solução em que se limite excessivamente a margem de manobra do órgão que marca as eleições. Aliás, no que toca às eleições presidenciais, o PRD propõe o alargamento do período durante o qual podem ser marcadas essas eleições, justamente a fim de permitir a escolha de uma altura oportuna. É esta uma primeira explicação, pois creio que não tinha expressado correctamente o meu pensamento.
No que toca às observações do Sr. Deputado José Magalhães, gostaria de referir dois pontos. Em primeiro lugar, o PRD tem sempre defendido a possibilidade de candidaturas por grupo de eleitores, admite que as coisas devam ser feitas progressivamente, admite procurar aqui soluções de compromisso e reconhece a existência de perigos nesta solução. Não se ignora o risco de que esse sistema possa servir para candidaturas disfarçadas, considera-se que haveria que introduzir cautelas, designadamente nos mecanismos legais, e admite-se que a solução seja ponderada, podendo-se procurar fórmulas de compromisso.
Relativamente ao n.° 3 deste preceito, pretendia referir que na proposta do PRD não há nenhuma segunda intenção. Pareceu ao PRD que, por uma questão de lealdade democrática, seria pouco razoável que um partido pudesse apresentar nas suas listas candidatos inscritos noutro partido. Trata-se apenas de uma questão de lealdade democrática e de relações de correcção entre partidos políticos. Admitiria, porém, introduzir uma restrição, sugerida pelas observações do Sr. Deputado José Magalhães, no sentido, designadamente, de que esta proibição de apresentação, por um partido ou por uma coligação de partidos, de candidatos inscritos noutro partido funcionasse apenas quando esse outro partido concorresse às mesmas eleições e no mesmo círculo. É uma restrição que se pode estabelecer. Mas quero sobretudo salientar que não existe nenhuma segunda intenção na nossa proposta.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
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O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A minha pergunta tinha duas vertentes: se se tratava de exemplos passados, isto é, de malefícios passados,...
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Não, não!
O Sr. José Magalhães (PCP): - ... ou se se tratava da conjecturação de riscos futuros. Repare - para dar um exemplo simpático - que pode haver situações deste tipo: há a candidatura não de uma coligação mas de um partido, por hipótese o PRD, que estabelece um acordo político no sentido de incluir nas suas listas, na qualidade de candidatos independentes, elementos do PSR, por exemplo. Esta situação é proibida, estes candidatos teriam de riscar a sua filiação?
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Não, a intenção substancial é outra e a correcção formal tem de se fazer. Proibir-se-ia a um partido apresentar nas suas listas candidatos inscritos noutro partido que no mesmo círculo concorresse às eleições. Trata-se de uma regra de correcção nas relações entre partidos e não mais do que isso.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendia fundamentalmente tecer algumas considerações, quer sobre propostas apresentadas por outros partidos, quer sobre objecções levantadas às propostas do PSD relativamente ao artigo 116.°
Em primeiro lugar, gostaria de salientar que, em meu entender, a objecção do Sr. Deputado António Vitorino em relação ao n.° 5 do artigo 116.° não terá grande razão de ser. Se bem que compreenda aquilo que o Sr. Deputado António Vitorino quis dizer e os perigos que mencionou poderiam existir com o n.° 5 do artigo 116.°, devo dizer-lhe que o PSD não coloca em perigo o sistema ou o princípio da representação proporcional e que não coloca em perigo o método da média mais alta de Hondt, como foi salientado pelo Sr. Presidente enquanto parte, mas apenas abre a possibilidade de alteração em relação a algo que oportunamente discutiremos, ou seja, no que se refere às eleições para as autarquias locais. No entanto, devo recordar ao Sr. Deputado António Vitorino que no artigo 241.° já se refere apenas o sistema de representação proporcional, o que significa que o método não é aí referido, como também não o é, como é evidente, qualquer adaptação do método. Ou seja, penso que se dermos dignidade constitucional geral ao sistema de representação proporcional, o que, evidentemente, não está afastado do nosso propósito, se dermos dignidade constitucional ao método da média mais alta de Hondt em determinadas circunstâncias, designadamente para a Assembleia da República, poderemos perfeitamente fazer coincidir uma redacção, nestes termos ou noutros, do artigo 116.° com uma redacção porventura alternativa para o artigo 241.°, nos termos que o PSD propõe, falando não propriamente na violação do método, mas numa adaptação possível relativamente a estas eleições.
Quanto à proposta de aditamento de um n.° 8 ao artigo 116.° proposta pelo PCP, ou seja, quanto à constitucionalização da Comissão Nacional de Eleições, gostaria de referir, a título pessoal, que, quanto a mim, a Comissão Nacional de Eleições tem funcionado, e tem funcionado bem, razão pela qual, creio eu, na proposta do PSD justamente se não visou nenhuma alteração, nenhuma necessária constitucionalização. E embora reconheça que existam alguns problemas a resolver, penso, porém, que eles não se resolvem através da constitucionalização. Assim sendo, penso que será desnecessário o aditamento deste preceito ao artigo 116.°, tanto mais que este organismo tem de facto desempenhado bem e a contento global as suas tarefas.
Por outro lado, gostaria de chamar a atenção para o n.° 6 do artigo 116.°, tal como é proposto pelo PSD. Creio que o nosso objectivo é claramente demonstrado no sentido de que as eleições sejam convocadas e realizadas no período mais curto possível. Isto tem variadíssimas vantagens, desde logo quanto à manutenção em funções dos governos anteriores, e penso que, do ponto de vista democrático, há uma vantagem nítida em que as eleições sejam convocadas e realizadas no mais curto espaço de tempo possível.
Significa isto, portanto - e bem sei que o Sr. Deputado José Magalhães poderá argumentar que existem outras soluções -, que, em si mesma, esta proposta é benéfica, positiva, e que pode, do ponto de vista material, ser executada, porque não só aquele prazo que o Sr. Presidente há pouco referiu pode ser encurtado como também outros prazos previstos na lei eleitoral o podem ser. Se porventura quiserem, poderemos, em ocasião de redacção final, encontrar outros prazos, que, estou certo, poderão de facto corresponder a encurtamentos que dão lugar a esta ambição que eu penso ser comungada por todos. Aliás, penso que em todos os sistemas eleitorais, e não só no português, existe esta ambição de que as eleições sejam realizadas no menor espaço de tempo possível, não se ofendendo com isto nenhuns direitos, posto que devidamente salvaguardados.
Em último lugar, gostaria de fazer uma referência às propostas de alteração apresentadas pelo PRD. Somos substancialmente contrários à proposta para o n.° 3, por entendermos que a responsabilidade é um valor essencial em democracia. Se o princípio da responsabilidade pode ser compendiado e conjugado com a sua praticabilidade, nos termos em que é admitida quanto às assembleias de freguesia, já veremos este princípio substancialmente posto em causa quanto às eleições para os municípios ou para a Assembleia da República.
Ò princípio da representatividade, o da responsabilidade e o da sanção democrática exercida sobre os titulares de órgãos no fim do seu mandato ficariam gravemente postos em causa se esta porta se abrisse, como o PRD pretende que se abra. Por outro lado, o PRD sabe também que esta proposta, como diz o Sr. Deputado, é de praticabilidade difícil. Ora penso que não há nenhuma proposta de praticabilidade difícil que nós devamos, conscientemente, incluir num preceito de revisão constitucional. A mera circunstância de o ser aconselhará a que se não inclua. De preceitos de praticabilidade difícil já está a Constituição cheia, penso que colocarmos mais alguns seria eminentemente negativo.
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Não vejo, sinceramente, qual é a verdadeira dignidade constitucional da proposta do n.° 3 do artigo 116.° O Sr. Deputado já respondeu a dúvidas suscitadas pelo PCP em relação a este número, mas gostaria de lhe colocar mais uma dúvida que resulta da sua parte final. O que é que o PRD quer dizer com "ninguém pode ser candidato por mais de um círculo eleitoral ou figurar em mais do que uma lista"? Em que é que o PRD está concretamente a pensar?
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - É uma mera faculdade, só foi transposto para aqui por uma questão de lógica. Eu não...
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Portanto, foi só uma alteração?
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Não. Como se introduziu aqui a matéria das candidaturas, transferiu-se o que no artigo 154.°, n.° 2, se estabelecia. A alínea 3) é uma mera deslocação do que está hoje no artigo 154.°, com o acrescento "que nenhum partido ou coligação de partidos podem incluir nas suas listas candidatos inscritos em outro partido", e acrescentaria, corrigido, "que concorra neste mesmo círculo". O resto é transposição.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Compreendo V. Exa., e exactamente porque isto constava do artigo 154.°, e dado não ter reparado que se propunha a sua eliminação, fiz a pergunta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Três breves considerações. A primeira para reiterar que, quando fiz a observação acerca da proposta do n.° 5 do projecto do PSD, não era no intuito de estabelecer maléficas intenções no sentido da remissão para a lei. Era no sentido de dizer que, pela parte do PS, preferimos que a caracterização de cada um dos sistemas eleitorais aplicáveis aos diversos órgãos de poder político seja feita de forma tão abrangente quanto possível no próprio texto da Constituição. E que, portanto, para a Assembleia da República, por exemplo, esta remissão não teria sentido, na medida em que o próprio projecto do PSD mantém não só o princípio do sistema da representação proporcional bem como, inclusivamente, o método de conversão de votos em mandatos na própria Constituição, isto é, o método de Hondt. Significa isto que o conteúdo deste n.° 5 do artigo 116.° em sede da Assembleia da República seria nulo, na medida em que a Constituição vincularia totalmente qual era o método de conversão dos votos em mandatos.
O Sr. Presidente: - Dá-me licença, Sr. Deputado? Nesse nível também é inútil o que diz respeito à eleição para as autarquias locais, porque também se diz como é que actua o princípio proporcional.
O Sr. António Vitorino (PS): - É exacto, e mais V. Exa. me ajuda na defesa da tese de que o n.° 5 do artigo 116.° da Constituição deve ficar como está, sem alteração, sem o acrescentamento do inciso "nos termos da lei", porque em cada caso a Constituição definirá qual é o âmbito de intervenção do próprio texto constitucional e qual é o âmbito de intervenção da lei ordinária. Em cada caso e não em termos genéricos, o que é demonstrado pela proposta do PSD de alteração do sistema eleitoral para as autarquias locais no seu projecto de revisão.
Não vejo vantagem em que haja aqui esta remissão em termos genéricos.
O Sr. Presidente: - Na nossa perspectiva é uma questão de somenos.
O Sr. António Vitorino (PS): - Quanto à questão do prazo, reeditaria a seguinte consideração: o problema da redução do prazo é uma matéria melindrosa, mas tecnicamente exequível, embora os prazos, em muitas das matérias, já sejam extremamente curtos. Na minha óptica, e como critério orientador da redução do prazo, diria que esta redução não pode contender com as garantias jurisdicionais do contencioso das candidaturas nem com a salvaguarda do princípio do contraditório na apreciação desse mesmo contencioso de candidaturas. Portanto, salvaguardados estes limites, que são os limites fundamentais em matéria de autenticidade do processo das eleições, os prazos poderão ser reduzidos onde houver cabimento, designadamente no exemplo que o Sr. Presidente apresentou quanto ao prazo de apresentação das candidaturas. Será uma tese que só não terá a simpatia dos secretários-gerais dos partidos, que são quem tem a momentosa tarefa de organizar o processo burocrático-administrativo.
O Sr. Presidente: - Não estão aqui representados.
O Sr. António Vitorino (PS): - Esta Comissão não representa todas as corporações possíveis, só algumas...
O Sr. Deputado Miguel Galvão Teles tem razão quando coloca a questão da redução dos poderes presidenciais em matéria de fixação do acto eleitoral, mas na prática hoje já é assim, o Presidente só tem 10 dias de liberdade, digamos assim, só dispõe daqueles escassos 10 dias entre os 80 e os 90 dias. Na prática com 80 ou 90 dias, ou com 60, e sempre se poderia considerar 60 a 65, para dar uma margem de flexibilidade; apesar de tudo, o Presidente da República não escapa a ter de fazer as contas ao reverso.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Se se mantiver o prazo de 90 dias para a marcação das eleições e se se conseguir encurtar o processo eleitoral para 60 dias, por exemplo, o Presidente da República passa a ter uma margem de manobra, para marcação, de 30 dias.
O Sr. Presidente: - Que é excessiva!
O Sr. António Vitorino (PS): - Mas aí é que o efeito útil da norma se perde. Se o efeito útil da alteração é permitir que medeie o menor espaço entre a dissolução e a realização de novas eleições, se fizermos a redução do sistema de organização das candidaturas, mas mantivermos o prazo máximo de 90 dias apenas para alargar a margem de flexibilidade do Presidente da República, o efeito útil da norma perde-se, na medida em que da actuação apenas resultaria que os par-
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tidos teriam de se defrontar com uma redução significativa daqueles prazos em que eles próprios se podem auto-organizar, sem nada acrescer à celeridade da realização das eleições.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Peço desculpa, mas diria que temos de partir do princípio de que o Presidente da República, qualquer que seja, é uma pessoa sensata e que tentará realizar eleições no mais curto prazo possível. Aliás, tanto quanto me recordo, o prazo de 90 dias sobre a dissolução para a realização de eleições é um prazo tradicional no direito constitucional português - quando a dissolução se admitia.
O Sr. Presidente: - Isso é verdade.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - É evidente que se houver um encurtamento do processo eleitoral, se puderem realizar eleições em 50 ou 55 dias sobre a sua marcação, por exemplo, e depois o Presidente da República dispuser de 35 dias de manobra, e se não houver nenhuma razão especial, o Presidente da República marcará as eleições tão depressa quanto possível. Agora o que se pode evitar, e o que gostaria que se evitasse, é o que aconteceu por mais de uma vez, isto é, o processo de dissolução ser afectado pela necessidade de não fazer coincidir eleições com certas datas.
O Sr. António Vitorino (PS): - Compreendo essa preocupação, mas devo dizer que aí conflituam dois valores. Um é a margem de manobra do Presidente da República e os efeitos externos dessa margem de manobra em termos de linearidade de actuação. O outro é a garantia da correcta instrução do processo de apresentação de candidaturas. Entre um e outro dou preferência ao segundo, e daí que qualquer redução do prazo de apresentação das candidaturas não se deva traduzir, por si próprio, num aumento excessivo do prazo dentro do qual o Presidente da República possa decidir. Esta é a minha sensibilidade, até porque temos de ter consciência, que o principal vício do sistema talvez não seja os 90 dias entre a dissolução e a realização das eleições, mas seja, isso sim, a morosidade do processo subsequente à realização das eleições. É que não há grande autoridade em querer reduzir um prazo de 90 dias quando todos nós temos consciência de que entre a realização das eleições e a primeira reunião da Assembleia da República posterior às mesmas, medeiam 45, 50 e até 60 dias...
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Também é verdade.
O Sr. António Vitorino (PS): - Esse é que é o anacronismo, porque hoje em dia uma crise política em Portugal vale quatro a cinco meses de paragem governativa. Vale os três meses antecedentes e vale depois dois ou até três meses mais entre o apuramento provisório, o apuramento definitivo, a realização da assembleia geral de apuramento, o contencioso dessa mesma assembleia, a própria realização da primeira reunião da Assembleia da República e a apreciação do Programa do Governo. Portanto, os problemas não se colocam só a jusante, também se colocam a montante, há que ter uma visão global dessa situação. Aqui só se cuida da fase prévia ao acto eleitoral, não se cuida da fase subsequente, que também é relevante para o cálculo global dos prazos, para efeitos de dissolução.
Uma última observação. Não me pronunciei sobre a proposta 3' do PRD, que me parece ser uma proposta que tem dificuldades práticas tais que não justifica o seu acolhimento. É o problema das listas de um partido não poderem incluir candidatos inscritos em partidos diversos.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Que concorram à mesma eleição no mesmo círculo.
O Sr. António Vitorino (PS): - O Sr. Deputado Miguel Galvão Teles já fez a redução "à mesma eleição". Mas, se bem percebo, o efeito útil desta norma seria: um partido político que tivesse um inscrito que aceitasse candidatar-se por outro partido político, ao abrigo desta norma, poderia impugnar a lista que integrava aquele candidato. Tal possibilidade levanta um problema delicado, que é o de saber em que medida o sistema constitucional deve dar prevalência à óptica da estrutura partidária sobre a óptica do posicionamento individual do candidato. Este, quando se apresenta a sufrágio por uma lista de um partido, aceita expressamente essa candidatura e pratica, por isso, um acto que, embora não seja explicitamente um acto de renúncia à sua anterior filiação partidária, é, no mínimo, implicitamente, uni acto de desvinculação em relação ao seu anterior partido.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Não taco grande questão deste ponto.
O Sr. António Vitorino (PS): - Portanto creio que o resultado prático da proposta do PRD seria apenas introduzir um factor adicional de impugnação de listas num processo que já de si é difícil e às vezes controverso, como é o processo de apresentação das candidaturas. Não me parece, assim, muito vantajoso que isso acontecesse.
O Sr. Presidente: - Há algumas histórias interessantes que poderiam ser chamadas à colação!
O SF. António Vitorino (PS): - Não sei se V. Exa. se refere a um fenómeno histórico de que fui protagonista. É que fui candidato independente nas listas do PS, sendo militante da UEDS, por acordo entre a UEDS, partido político, e o PS.
O Sr. Presidente: - Não estava a pensar em V. Exa.
O Sr. António Vitorino (PS): - É o meu egocentrismo que me levou a pensar isso.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Devo dizer que não faço grande questão do ponto, embora tenha a certeza de que o PS teria feito grande questão dele há dois anos.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado Galvão Teles, queria só fazer-lhe uma pergunta. Por isto: é porque, em relação ao n.° 3', penso que há aqui uma contradição e V. Exa. esclarecer-me-á se assim é. Quando fala nesta proibição, quando as candidaturas
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apresentadas por partidos ou coligações não podem incluir candidatos inscritos em partidos diversos, é uma proibição dirigida a este tipo de candidaturas e não se aplica aos grupos de cidadãos eleitores?
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Não há contradição. A regra aí não se aplicaria, porque não há questão de relação de correcção entre iguais.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães ainda quer usar da palavra? Faz favor.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É para, na esteira do Sr. Deputado Vitorino, honni soit qui mal y pense, fazer alguns comentários muito rápidos, na esteira...
O Sr. António Vitorino (PS): - Na esteira?
O Sr. José Magalhães (PCP): - No bojo não, seguramente, pois V. Exa. não é a baleia bíblica!
Risos.
O Sr. Deputado Carlos Encarnação é o responsável por estes comentários, por um lado porque arrepiou caminho, uma coisa que pode ser virtuosa, quando seja virtuosa, e maléfica, quando maléfica. Neste caso arrepiou caminho num ponto em que nós estávamos impulsionados de vento em popa, pela mão do Sr. Deputado Rui Machete, que nos tinha salientado que, quanto à questão da resolução dos tais melindrosos problemas de clarificar o estatuto de qualquer organismo baptizado CNE ou outro nom de guerre, haveria em princípio alguma inclinação positiva.
O Sr. Presidente: - Em princípio somos contra, mas aceitamos isso. Em termos de Constituição, e por princípio, não gostaríamos de ver incluído mais este instituto no texto constitucional.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O entendimento que depreendemos foi que VV. Exas. tinham alguma repugnância em relação à consagração do órgão qua tale, mas entendiam que havia um problema, o que só vos fica bem, e que esse problema devia ter resposta, ainda que a proposta do PCP não pudesse arrogar-se o mérito de ser absolutamente perfeita e merecedora de grinaldas. Isto tínhamos entendido, mas o Sr. Deputado Carlos Encarnação decepcionou-nos um pouco, porque disse não...
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - V. Exa. entende sempre mal as nossas posições, a do Sr. Presidente e a minha. O que disse foi que, em termos constitucionais, não via necessidade de o resolver aqui na Constituição. Noutro local, com outras disposições, poderiam resolver-se esses tais problemas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É que não especificou qual seria a sede própria para operar essa clarificação! Se não se opera esta clarificação no artigo sobre os princípios gerais de direito eleitoral aplicáveis a todos os actos eleitorais, sejam eles quais forem, em que sede é que havemos de fazer essa clarificação? No Tribunal Constitucional parece-me mal, pois não se trata aí de definir uma competência do próprio Tribunal. Será na Administração Pública? Será esquisito, na medida em que a administração eleitoral é respeitável, mas não merece uma distinção no quadro do título respectivo da Constituição, a não ser que o PSD entenda que sim. Entre o nada e a clarificação, o PCP, decididamente, prefere a clarificação. Foi isto que entendi, e creio que não entendi mal.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Nesse sentido está correcto. Pode ser, por exemplo, no código eleitoral, por que não?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas, Sr. Deputado, por favor, até podemos fazer clarificações por despacho, por circular ou por carta ministerial. A questão está em que esses instrumentos serão inidóneos para resolver todos os problemas, e são melindrosos, que a jurisprudência do Tribunal Constitucional coloca. Para isso alerto: a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre esta matéria, parecendo-nos sobremaneira virtuosa, não é indisputável e não deixa de suscitar, ela própria, algumas dificuldades quanto ao exacto enquadramento constitucional a encontrar para lhe dar inteira e cabal cobertura. Esse é um aspecto crucial, em relação ao qual o Sr. Deputado Carlos Encarnação e, em unânime silêncio ratificativo, o Sr. Deputado Rui Machete nos deixam em suspenso. Creio que essa atitude de não decisão não é benéfica.
O Sr. Presidente: - Desculpará, mas a posição que exprimi e reitero é esta. Em termos da nossa óptica global de inclusão na Constituição de novos preceitos, não gostaríamos de incluir um preceito que não nos parece ter uma importância tão grande como a que V. Exa. lhe atribui. Isto dito em sede geral. Quanto ao problema em concreto, reconhecemos que a CNE é uma Comissão que tem desempenhado um papel importante, reconhecemos que existem alguns problemas e, portanto, não fazemos uma recusa liminar de considerar o problema. Estamos abertos a essa consideração e vamos ponderar. Foi isto que eu disse, e suponho que o Sr. Deputado Carlos Encarnação não disse nada em contrário. Pode ter tido uma tonalidade ligeiramente diferente, o que é natural, porque cada um pensa pela sua cabeça, mas o sentido global é o mesmo.
Neste momento é o que podemos dizer acerca deste ponto, e talvez não valha a pena estarmos a insistir muito nele, porque não há nenhuma posição definitiva, nem de rejeição. Mas também não queira o Sr. Deputado inferir daqui, desde já, uma aceitação nossa, plena e cheia de alegria, da proposta apresentada pelo PCP. Aliás, aceitamos as propostas do PCP umas vezes mais alegremente e outras menos, mas cheios de alegria não é frequente.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que está alcançado o objectivo de clarificação. Insuportável seria o anterior posicionamento em dueto, um tanto desafinado, pareceu-nos, mas realmente sem razão, porque V. Exa. acaba de ditar para a acta o bastante para suprimir dúvidas...
O Sr. Presidente: - Suponho que V. Exa. d não têm razão.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não porei, para já, nem luto, nem grinaldas.
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No que diz respeito ao segundo ponto, a questão é mais melindrosa, porque o Sr. Deputado António Vitorino acabou por demonstrar os inconvenientes de uma remissão num preceito tão genérico como o n.° 5 do artigo 116.°, pretendido pelo PSD.
Creio que foi prudente e correcto termos insistido, relativamente a uma matéria deste melindre, em introduzir a questão eleitoral tomada no seu todo, recusando a sua parcelização. Curiosamente, a discussão conduziu precisamente à necessidade de reflexão acerca das diversas componentes, dos diversos regimes eleitorais, dos regimes aplicáveis a cada um dos órgãos - ou, pelo menos, a quase todos - que o preceito abrange.
Julgo que, em termos daquilo que obceca às vezes o Sr. Deputado António Vitorino - ou seja, as CBMs (Confidence Building Measures) -, o PSD não é prudente.
Sabemos que ele já teve a tentação maioritária, o sistema proporcional era, segundo ele, "horrível" e "maléfico". Já teve a tentação dinamarquesa, coisa que não está de todo afastada. O código eleitoral (que foi recusado ao Sr. Deputado António Vitorino, e a todos nós, de resto - tivemos de o obter na qualidade tabelar de assinantes do Boletim do Ministério da Justiça), preparado por uma comissão no âmbito do anterior governo, incorria nessa tentação e está em hibernação, mas não propriamente arquivado...
Por outro lado. sabemos que. como o Sr. Deputado Carlos Encarnação - com a sageza que lhe é peculiar - acabou depois por referir (e ainda bem, porque nos alertou!), o sistema, tal como se encontra gizado constitucionalmente, permite múltiplas aplicações. O método de Hondt encontra a sua consagração explícita, directa e irrefragável na Constituição relativamente ao órgão de soberania que foi citado. Portanto, várias aplicações são possíveis. Sabe-se qual é o terreno, mas não se conhecem em rigor os contornos.
O Sr. Presidente: - É próprio dos princípios, não é?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exactamente, Sr. Presidente.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Mas não, tanto quanto possível, das normas!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto. É próprio dos princípios serem princípios (pudera!), mas o PSD pretende uma remissão legal, e, como também sabemos que a obsessão do legislador ordinário nesta matéria é bastante preocupante, as cautelas são perfeitamente justificadas, uma vez que devemos "proteger" o legislador de algumas tentações. Isto mesmo tendo em atenção qual é o regime de aprovação e promulgação de leis incidindo sobre estas matérias.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida, Sr. Deputado. Esse regime deverá ser aperfeiçoado, reforçadas as cautelas. Pela nossa parte, devo dizer que estamos completamente de acordo.
Aliás, o que se procurou da nossa parte foi precisamente que o debate de alguma forma revelasse o melindre e a complexidade destas opções, que, podendo parecer principológicas, se transformam ou são susceptíveis de induzir soluções concretas que apenas são "lógicas" no quadro de determinados projectos político-partidários mexicanizadores, que não desdenham recorrer a métodos que serão fagueiros para os utentes mas seguramente não para as vítimas. Trata-se, portanto, de acautelar na sede própria, que é a constitucional, que isso não possa ocorrer.
Sr. Presidente, gostaria agora de abordar - e é o último comentário - uma outra questão que é mais complexa, como o debate evidenciou: a questão do eventual encurtamento de prazos dos processos eleitorais.
Em primeiro lugar, creio que foi virtuoso que o debate se tivesse alargado. Começámos por olhar esta matéria na óptica do utente, na óptica dos partidos, e dos transtornos que às respectivas secretarias poderiam suscitar alterações nesta matéria. Sucede, no entanto, que essa seria uma visão muito limitada, muito curta. O que está em causa é bastante mais importante. Foi bom que se tivesse tido também em conta a óptica do órgão competente para a marcação das eleições.
Só que aqui são de introduzir alguns distinguos adicionais. De facto, tem sido invocado o Presidente da República, mas importa não esquecer que no nosso sistema ele não tem o monopólio da marcação de todas as eleições. Estou a pensar nas eleições autárquicas, embora, naturalmente, o Presidente tenha aí poderes determinantes apenas no referente à efectividade dos desejos governamentais.
Nesta óptica, a análise é muito útil porque não simplifica as coisas, complexifica-as. É que dissolvidos podem ser muitos órgãos.
O Sr. Presidente: - É verdade.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E quanto à possibilidade de órgãos "dissolutos" dissolverem órgãos dissolvendos, a experiência histórica portuguesa também é rica! É melhor não pormenorizarmos esta matéria...
A multiplicidade das situações possíveis deve, pois, ser tida em consideração quando estamos a gizar a arquitectura constitucional, porque neste artigo ela é genérica. Isso não pode ser esquecido: estamos a abranger tanto as questões relacionadas com a Assembleia da República - que, ordinariamente, é o exemplo paradigmático - como as relacionadas com os órgãos das autarquias locais ou com os órgãos das assembleias regionais elas próprias. Portanto, não estamos a pensar num campo operatório, estamos pelo menos em três campos, uma vez que o Parlamento Europeu está excluído.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Por enquanto.
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Convenhamos que estará sempre e inevitavelmente excluído! Os Estados membros estão livres de muita coisa, e uma delas é de dissolverem o Parlamento Europeu. Pelo menos para já...
O Sr. Presidente: - Nada me admiraria!
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Se tivermos em conta esta multiplicidade de terrenos operatórios - Assembleia da República, órgãos das autarquias locais, assembleias regionais -, teremos de ter em conta que o PSD ao falar de um encurtamento não ponderou todos estes aspectos, designadamente algumas sub-hipóteses que figurei.
Mais ainda: temos de conjugar isto com os cenários em que a situação pode ocorrer. Não nos interessa nada a hipótese das eleições por termo de mandato. Interessam-nos, provavelmente mais, as hipóteses por efeito de conjugação com as várias situações em que a marcação é possível.
Como é que o PSD pondera as consequências da sua proposta nesta pluralidade de hipóteses e não apenas numa hipótese paradigmática que tomou como base?
Lembro-me da declaração irada do Primeiro-Ministro, imediatamente a seguir às eleições, quando aludia, provavelmente com mais fundamento de queixa em relação ao futuro do que em relação ao passado, à insuportabilidade de ser primeiro-ministro, ainda por cima gordíssimo de uma maioria absoluta, sem poder de imediato dirigir-se à Assembleia para a investidura triunfal e o mais que se imagina.
Foi nessa hipótese que os senhores pensaram, mas a complexificação deveria dar-vos, provavelmente, origem a alguma ponderação das implicações para os outros cenários, designadamente para o cenário autárquico. Como sabem, as implicações neste último caso podem ser diversas, a não ser que entendam que esse cenário não é relevante, o que também deveria ficar registado, tendo em atenção quem é que tem a iniciativa.
Gostaria também de dizer que esta discussão é travada entre nós com grande alívio em relação a outros modelos constitucionais. O Sr. António Vitorino começou por invocar a preocupação de que qualquer solução encurtadora não produza lesão dos direitos basilares dos partidos concorrentes, nomeadamente no que respeita à igualdade das candidaturas, ao período de campanha, ao controle jurisdicional da regularidade dos actos praticados com carácter preparatório no nosso sistema. Ora, dada a natureza da entidade que entre nós marca a maior parte das eleições, e dado o facto de o Governo, excepto no que se refere às autarquias locais, ser razoavelmente impotente para esse efeito, cabendo tal poder a um órgão como o Presidente da República, isso elimina alguns riscos para a regularidade das eleições que existem noutros sistemas, tais como no espanhol e no britânico, em que o Governo tem poderes na dissolução.
Portanto, esta discussão faz-se "com rede" institucional razoável, mas não deixam de suscitar-se graves problemas, designadamente pelo facto de não termos, por exemplo, nenhuma garantia de que no esquema donde o Sr. Presidente partiu - a tal hipótese obcecada ou pelo menos limitada de as eleições dizerem respeito à Assembleia da República - a compressão feita pelo legislador ordinário viesse a verificar-se em relação ao período de apresentação das candidaturas. Não há nenhuma garantia disto, a não ser uma garantia de acta, que, como se sabe, tem o valor que tem. De resto, o Sr. Presidente não criou nenhuma ilusão quanto a isso.
O Sr. Presidente: - Claro que não, e era absurdo que criasse. Então o Sr. Deputado pretenderia que eu lhe estivesse, aqui e agora, a fazer uma lei com prazos estabelecidos?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, seria absolutamente inexigível!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não lhe respondo, evidentemente, à letra em relação à adjectivação. Se fosse a outro Sr. Deputado valeria a pena fazê-lo, mas consigo passaria todo o tempo a fazer a mesma coisa, o que não se justifica.
A questão é simples: perguntam-me se se trata aqui de um problema da redução dos períodos de campanha eleitoral, e eu digo que não. Se pegarmos na legislação, é fácil verificarmos que o que ponderei aqui neste momento foi basicamente a legislação para a Assembleia da República, obcecado, como V. Exa. referiu, pela Assembleia.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Pelo Primeiro-Ministro.
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado, obcecado pela Assembleia da República. É importante sublinhar isto.
Aliás, devo-lhe dizer uma coisa: V. Exa. já ponderou a hipótese de o Prof. Cavaco Silva vir a ser o próximo Presidente da República. Uma mera hipótese. Divertir-me-ia a ouvir as suas considerações nesse caso. O Sr. Deputado não pode pensar sempre em função das pessoas, tem de pensar nas instituições em abstracto. Isto é importante, porque senão envenenamos todo este nosso raciocínio.
O Sr. António Vitorino (PS): - Não é necessário apocaliptizar o debate.
O Sr. Presidente: - Não, é apenas uma hipótese ad terrorem para o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. António Vitorino (PS): - Classifiquemo-la assim!
O Sr. Presidente: - É só isso, divertindo-me intimamente com a reacção fisionómica do Sr. Deputado José Magalhães.
Gostaria apenas de lhe dizer que julgo ser extremamente importante raciocinarmos não em termos da situação política concreta que neste momento estamos a viver, mas, sim, em termos do funcionamento das instituições políticas, independentemente das pessoas que, em concreto, são titulares dos seus órgãos ou dos partidos que estão no Poder. Isso é fundamental.
Portanto, pedia-lhe que, pelo menos de vez em quando, fizesse um esforço para raciocinar nesses termos, porque às vezes o Sr. Deputado permite um certo enviesamento ao seu pensamento e, no fundo, isso prejudica o rendimento dos trabalhos desta Comissão. Ela poderia beneficiar de um seu raciocínio puro e abstracto, não fosse a circunstância de V. Exa. estar assim obcecado por certas realidades concretas relativas aos titulares dos órgãos políticos.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, permita-me apenas que conclua o meu raciocínio, porque tratou-se agora de uma interrupção.
O Sr. Presidente: - Tem toda a razão.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Neste caso virtuosa, porque visava evitar que neste raciocínio houvesse um efeito de aproximação perversa ao concreto e afastamento excessivo em relação à abstracção!
No entanto, Sr. Presidente, é impossível que nos seja aplicada essa observação crítica. Aquilo que procurei aqui fazer foi uma complexificação de um raciocínio simplista que o PSD tinha feito para formular uma proposta muito melindrosa. Apelei, aliás, a que esse raciocínio simplista fosse enriquecido, lembrando que os Srs. Deputados não devem, ao propor isso, raciocinar como se estivessem perante um tabuleiro, porque estão pelo menos perante três tabuleiros.
Mais: estão perante três, susceptíveis de ainda serem complexificados pela natureza da dissolução, ela própria susceptível de induzir efeitos, que são susceptíveis de serem ainda mais complexificados pela possibilidade de alguns titulares de cargos serem "dissolutos", como, por sugestão do meu camarada José Manuel Mendes, acabei de incorporar no raciocínio.
A Constituição deve - coitada, não tem outro remédio - dar resposta a tudo isso.
No raciocínio que fiz não tive minimamente em consideração o cenário do Dr. Marcelo Rebelo de Sousa no congresso do PSD...
O Sr. Presidente: - Pareceu-me!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Até porque não podemos assentir, em termos íntimos, a essas profecias, nomeadamente à famosa profecia "Cavaco a Presidente em 1996". Ignoramos quais sejam, por um lado, as fontes da Pitonisa, por outro lado, as disponibilidades do candidato, e, por outro lado ainda, o cenário político em que se moveria, se se movesse...
Portanto, é inútil considerarmos esse cenário. VV. Exas. podem pensar nisso na próxima revisão constitucional, pela fresquinha, noutras circunstâncias mais visíveis.
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado, é bom que pensemos em abstracto. É isso que lhe digo, Sr. Deputado, porque realmente é mais útil pensarmos nesses termos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Por outro lado, Sr. Presidente, e por último...
Risos.
... por último, não se deve fazer um tipo de raciocínios...
O Sr. Vera Jardim (PS): - Já não se podem dar exemplos?!
O Sr. António Vitorino (PS): - Sobretudo inocentes!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não se devem fazer raciocínios como estes a partir de um sistema de órgãos de poder preenchido por "não pessoas". É óbvio que é necessário imaginar que os órgãos têm titulares, e os titulares, enquanto não for possível que sejam pessoas jurídicas, hão-de ser pessoas físicas, como tais, com biografia, candidaturas, hão-de ter crescido, hão-de ter antecedentes, e chegarão aos 35 anos, que, segundo se sabe, é a condição basilar...
Portanto, Sr. Presidente, o raciocínio que fizemos também teve em conta esse factor, mas não assentou exclusivamente nele, e menos ainda nesse cenário perverso do Primeiro-Ministro arvorado em Presidente da República, sobretudo num esquema "Governo-maioria parlamentar-Presidente". De maneira nenhuma fizemos esse raciocínio! Também devo dizer que não fizemos o raciocínio contrário!
Em suma: deveríamos partir para este debate com o PSD a reflectir acerca disto tudo.
Quanto ao cenário apresentado pelo Sr. Deputado Galvão Teles, que é responsável por uma das mais pesadas complexificações desta discussão, gostaria de fazer uma curta observação.
De facto, o Sr. Deputado Galvão Teles equacionou aqui uma situação, que é a decorrente da eventual interacção entre os esquemas construídos ao abrigo deste artigo e deste número e os decorrentes do artigo 128.°, n.° 2, da Constituição. Trata-se da hipótese verdadeiramente invulgar que o legislador constituinte tinha previsto como mera cautela, mas que na circunstância política portuguesa curiosamente se verificou da maneira mais clamorosa e impensável: era a de a eleição presidencial não se poder realizar nos 90 dias posteriores à data das eleições para a Assembleia da República. Isto resolver-se-á mediante um fenómeno - que merece, de resto, estudo detalhado noutra sede - de prolongamento do mandato do presidente cessante. Na prática exigiu-se engenharia e quase acrobacia institucional para conseguir articular todos os valores jurídico-constitucionais que era necessário articular, quando a questão se colocou em 1985-1986
Mas creio que essa hipótese, que é uma sub, sub-hipótese, não é excessivamente relevante para considerarmos a questão que estamos a analisar aqui.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Não estava a pensar apenas nisso. Estava a pensar no caso de uma dissolução que foi adiada para que as eleições pudessem ter lugar em...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Em Outubro.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Exactamente.
O Sr. Presidente: - Mas, um momento...
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Sr. Presidente, permita-me que faça uma observação.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Exa. que é neófito nesta Comissão terá esse privilégio hoje.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Gostaria de fazer apenas um comentário. Quanto ao encurtamento - não falo do prazo eleitoral, mas da margem de manobra do Presidente da República ou do órgão que
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marca a data das eleições -, peço ao PSD que pondere uma hipótese possível, que felizmente nunca aconteceu, e que espero que nunca se verifique, que é a de dissolução de órgãos regionais. Peço ao PSD que pondere os riscos que há em condicionar excessivamente, em termos de prazos, o órgão que marca as eleições num caso destes.
O Sr. Presidente: - Vou dar de seguida a palavra ao Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, mas gostaria já agora de estabelecer o seguinte: a nossa ideia base é a de que seria útil - e continuamos a pensar que assim é - encurtar os prazos eleitorais. Nós estamos fetichistamente fixados nos 60 dias, e na nossa perspectiva não são mais complexos os processos de eleição presidencial que os de eleição regional.
Evidentemente que, se compararmos o tipo de reacção que teve o PS, o PRD ou o PCP, verificamos que o PRD e o PS consideraram a ideia positiva, embora tenham levantado algumas dificuldades que compreendo. O PCP considerou que nós estávamos com ideias terríficas e que não havíamos ponderado coisíssima nenhuma, etc.
Em todo o caso, devo dizer que mantemos a nossa ideia, que é fundamentalmente esta: pretendemos o encurtamento dos prazos. Contudo, pensamos que não é realista o prazo de 30 dias proposto pelo CDS, e 60 dias pareceu-nos um prazo razoável. Aliás, no direito comparado há múltiplos ordenamentos onde ele se verifica. Mas não nos repugna que esse prazo possa ser considerado excessivamente encurtado em relação aos 90 dias, não é uma coisa que para nós seja um ponto de honra.
Por outro lado, se nos provarem fundamentadamente - e nesse caso a inversão do ónus terá de ser registada - que é impossível reduzir o prazo, evidentemente que não o reduziremos. Ad impossibilia nemo tenetur, ninguém pode ser obrigado a reduzi-lo.
Simplesmente, a consideração produzida pelo Sr. Deputado Miguel Galvão Teles é importante no sentido de dizer que vamos garantir alguma latitude. Aceito que possa haver alguma latitude para o Presidente da República no caso de eleições para a Assembleia da República, ou para quem marque as eleições autárquicas. Para estes casos pode ser importante ter alguma flexibilidade, e portanto o encurtamento do prazo para 60 dias pode eventualmente não permitir essa margem de discricionariedade e liberdade necessárias.
De qualquer modo, é para nós absolutamente excessivo pensar num prazo de 30 dias, como aqui foi aventado, embora manter a margem dos 10 dias possa ser útil.
Assim, gostaríamos que o problema fosse discutido dentro desse espírito, o que me parece ser, de facto, possível e vantajoso.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, far-lhe-ia uma observação.
Se é essa a questão, há que ter em conta aquilo que o Sr. Deputado António Vitorino teve ocasião de dizer em primeiro lugar, ou seja, que provavelmente o que apoquenta o PSD e o que é susceptível de ser considerado tem mais a ver talvez com a questão do que vem depois das eleições do que com o que vem antes, tem mais a ver com a aceleração desejável dos processos de apuramento, incluindo do contencioso respectivo que importa salvaguardar, do que com todos os actos preparatórios. Não seria sede melhor para dirimir tudo isso no artigo 176.° da Constituição, respeitante ao exemplo que preocupa o PSD visivelmente (esse artigo equaciona a questão da primeira reunião após as eleições)? É evidente que, tendo o PSD esta proposta, a lisura constitucional de uma alteração deste tipo é defensável, apesar de não ter havido propostas quanto ao artigo 176.° Esta proposta, existe, tem um âmbito mais lato e, logo, pode ser objecto de redução. A redução com transposição sistemática não oferece problemas, pelo que, técnico-jurídico-constitucionalmente, face às balizas da revisão constitucional pode fazer-se. Não seria essa a sede melhor para uma coisa desse tipo? É que isso deixaria de lado alguns dos problemas mais difíceis de trinchar que este debate evidenciou.
O Sr. Presidente: - Não excluímos essa hipótese, mas gostaríamos de continuar a ponderar aquilo que propusemos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Ouvido este debate, ocorre-me fazer uma proposta, que é a seguinte: a fixação de prazos eleitorais deve ser deixada para a especialidade nos artigos adequados, deve deixar de constituir princípio geral do direito eleitoral, porque as situações são muito diferentes entre si.
Por outro lado, na medida em que V. Exa. me concedeu a palavra, gostaria também de aditar uma pequena consideração. Estou de acordo com V. Exa. sobre uma questão de atitude que há pouco referiu. É necessário não personalizar os cargos institucionais, ou melhor, não personalizar as questões relativas à competência dos cargos institucionais, designadamente dos órgãos de soberania, não personalizar com base na suposição do mérito ou do demérito de efectivos ou eventuais titulares. Estou inteiramente de acordo com isto e creio que é a única atitude que nos permite rever a Constituição; de outro modo, será difícil. Todavia, ao ouvir uma hipótese adiantada por V. Exa., Sr. Presidente, ocorreu-me a posição do Prof. Marcelo Caetano em 1951 e em 1958.
Vozes.
O Sr. António Vitorino (PS): - A observação que o Sr. Deputado José Magalhães fez sobre a articulação entre o prazo da primeira reunião da Assembleia da República após as eleições e a redução do prazo das operações preparatórias do acto eleitoral é correcta. Em nosso entender, a solução tem de ser encontrada na conjugação dessas duas vertentes e não apenas na consideração de uma delas em exclusivo. Portanto, a nossa predisposição vai no sentido de considerar uma redução realista do prazo da convocação das eleições no artigo 116.°, em articulação com a conformação dos actos subsequentes ao acto eleitoral em termos que possibilitem uma rápida realização da primeira reunião da Assembleia da República após as eleições, sem prejuízo das garantias do contencioso eleitoral.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que poderíamos dar por concluído o debate do artigo 116.° e voltar ao artigo 108.°, respeitante ao Orçamento, que tinha ficado em suspenso.
Relativamente a este artigo, foram apresentadas propostas pelo CDS, pelo PCP, pelo PS, pelo PSD e pelo PRD, propostas essas que são basicamente propostas de alteração, embora, num ou noutro caso, haja alguns incisos ou aditamentos.
Não se encontrando presente o CDS, pediria ao PCP para sucintamente justificar a sua proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa proposta de alteração ao artigo 108.° tem uma base fundamental, que consiste numa melhor adequação da Lei do Orçamento às consequências resultantes da alteração verificada na Constituição em 1982, que deu competência à Assembleia da República para a aprovação do Orçamento. É nessa perspectiva de melhor adequação da Lei do Orçamento a essa responsabilidade da Assembleia da República que surge â nessa proposta. Do nosso ponto de vista, está alteração introduzida em 1982 exige à Assembleia da República quiçá mais responsabilidade, mas certamente mais informação e mais conhecimento concreto de matérias fundamentais do Orçamento. Nessa perspectiva, as nossas propostas de alteração visam fundamentalmente - e isso surge designadamente no n.° 4 - colocar a Assembleia, quando tem de discutir e aprovar o Orçamento, no conhecimento de aspectos fundamentais relacionados com o envolvente do quadro económico, na medida em que tal implica logicamente análises que podem ser diversificadas, na perspectiva daquilo que deve ser o Orçamento a aprovar pela Assembleia da República.
Por outro lado, entendemos que é importante que a Assembleia da República tenha conhecimento da evolução da dívida de todo o sector administrativo e não do Estado stricto sensu, porque várias operações - e a experiência disso nos dá exemplos bastantes -, várias alterações, várias transferências entre o Orçamento do Estado stricto sensu e, designadamente, não só fundos e serviços autónomos mas também, Segurança Social, etc., podem alterar e distorcer tudo aquilo que constitui o Orçamento.
Um aspecto que reputamos importante e que surge também no n.° 4 é o seguinte: a Assembleia da República não tem nenhuma ingerência na parte orçamental relativa às regiões autónomas, mas apenas um conhecimento da sua situação financeira. Sucede, porém, que a situação financeira das regiões autónomas, tal como a situação financeira dos fundos e serviços autónomos, pode vir a repercutir-se na situação financeira do Estado stricto sensu, na sua dívida. Também quanto a este problema temos exemplos recentes e bastante significativos em termos quantitativos daquilo que dessa situação pode decorrer.
Por outro lado, quando a Assembleia da República tem de aprovar o Orçamento, quando tem, designadamente, de se debruçar sobre problemas de benefícios fiscais, pensamos ser importante que a Assembleia não decida desses benefícios abstractamente, devendo, sim, ter uma ideia do seu peso em termos de Orçamento. Daí a nossa proposta de previsão de um programa de benefícios financeiros e fiscais e da estimativa da correspondente perda de receitas ou aumento de despesas. É importante que a ideia de favorecer este ou aquele sector em termos de benefícios fiscais, de isenções, de reduções, etc., seja acompanhada de uma ponderação do respectivo custo para o Estado.
No que se reporta à alteração que introduzimos no n.° 5 do artigo 108.°, trata-se de uma alteração mínima, que consiste em introduzir nas classificações, para aquilo que às despesas diz respeito, a classificação económica. Parece-nos que, tendo talvez sido esta ao longo dos anos a classificação mais utilizada no seio da Assembleia da República para analisar e discutir o Orçamento, é, no entanto, a única que não tem consagração constitucional. Em consequência, afigura-se-nos existir aqui uma divergência de apreciação entre aquilo que está registado na Constituição e aquilo que é a prática.
No que se refere à alínea a) do n.° 5, que é uma proposta de aditamento, gostaria de referir, antes de mais, que há um lapso de dactilografia, devendo ler-se "a Lei do Orçamento" onde se lê "lei de enquadramento".
Parece-nos importante que o problema do montante dos avales do Estado seja equacionado constitucionalmente, na medida em que, estando consagrado o princípio de que compete à Assembleia definir os limites e as condições de endividamento público, não se nos afigura correcto que não haja a mesma obrigação para os avales. Na verdade, os avales podem-se transformar, a mais ou menos curto prazo, em dívida pública. Na perspectiva do endividamento, trata-se de uma responsabilidade indirecta do Estado, que deverá seguir trâmites idênticos àqueles que são atribuídos à problemática do endividamento directo do Estado.
As alíneas seguintes vêm na perspectiva, já por mim referida, de que a partir do momento em que a Assembleia da República tem de discutir e aprovar o Orçamento, deverá ter conhecimento mais aprofundado de diversas questões que se relacionam com a própria matéria orçamental, no caso concreto subvenções e subsídios, contribuições financeiras do Estado Português ou para o Estado Português.
No que se refere ao n.° 6, propomos um desdobramento. O n.° 6 deixaria de aludir ao regime de execução orçamental, que passaria a ser objecto de um número autónomo, relativo a toda a problemática da execução orçamental. Nesta matéria, parece-nos importante que se preveja expressamente em termos constitucionais - e isso consta da alínea a) do nosso n.° 6-A - a ressalva da não caducidade de autorizações concedidas ao Governo em termos de definição de medidas fiscais para execução do Orçamento no caso de demissão do Governo ou de dissolução da Assembleia da República. De facto, no caso contrário, poderia criar-se um impasse prejudicial, do nosso ponto de vista. Não vemos razão para que possa manter-se a possibilidade de um impasse desse tipo.
Por seu lado, o n.° 7-A visa consagrar o dever e o direito de publicidade, já que o conhecimento do Orçamento do Estado não interessa apenas ao Governo e à Assembleia da República (embora lhes interesse em termos directos).
É evidente que o Orçamento interessará sempre a toda a população, e tocará sempre, de forma mutável, os vários sectores da população. Assim sendo, é importante que se consagre o princípio de sua adequada
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publicidade. Quando falo em Orçamento refiro-me ao Orçamento na sua globalidade, no seu desenvolvimento, e não apenas à versão reduzida que normalmente é publicada na Lei do Orçamento.
Em relação ao n.° 8, já actualmente se prevê a fiscalização da execução orçamental pelo Tribunal de Contas e pela Assembleia da República. No entanto, para que haja uma fiscalização é necessário que haja elementos sobre que ela incida. No caso concreto, a Assembleia da República praticamente não os tem. No essencial, ou primordialmente, a fiscalização da Assembleia da República deverá incidir sobre as contas provisórias. Acontece, porém, que as contas provisórias podem ser publicadas com periodicidade adequada ou com atrasos, que inviabilizam qualquer hipótese de processo de fiscalização normal por parte da Assembleia da República. Não quero referir isto com valor absoluto e sim apenas como um mero exemplo: estamos no final de Junho e julgo que ainda não existirá nenhuma conta provisória do ano de 1988. É este problema que nós queremos evitar; pretendemos que haja um prazo máximo, findo o qual a Assembleia da República possa, de facto, ter elementos que lhe permitam exercer o seu direito de fiscalização.
Por último, não menos importante é a proposta do n.° 1-A, através da qual o PCP visa sublinhar a relação de subordinação que deve estabelecer-se entre o Orçamento e a respectiva lei de enquadramento.
No essencial, são estas as propostas de alteração que introduzimos. Ficarei, pois, por aqui, se bem que pretenda fazer um ou outro comentário às restantes propostas, depois da respectiva apresentação.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.
O Sr. João Cravinho (PS): - Na generalidade, começaria por dizer que nos parece existir quanto ao artigo 108.° uma razoável convergência dos diversos projectos, razão pela qual penso que certamente encontraremos soluções de consenso, ou pelo menos de grande consensualidade - não digo total -, conjugando as diversas ideias constantes dos projectos apresentados.
O PSD reproduziu praticamente o articulado actual com a adequação resultante do que propôs relativamente ao Plano, o que eu não interpreto negativamente. Antes pelo contrário, parece-me que com a lei de enquadramento, desde 1985 até agora - e refiro-me à Lei n.° 40/83, que, publicada em fins de 1983, começou praticamente a ser aplicada em toda a sua extensão apenas em 1985 -, houve uma experiência que, tendo tido os matizes os mais variados, foi porém muito enriquecedora, levando-nos a reflectir sobre a necessidade de a Constituição ser aprofundada e explicitada em alguns aspectos de modo a tornar mais operacional a orientação que preconiza para a elaboração dos orçamentos. Neste sentido, apresentamos alguns desenvolvimentos e algumas alterações. Assim, o n.° 1 do artigo 108.° pretende ser enumerativo, de modo a abranger efectivamente e de forma a não deixar dúvidas aquilo que está em causa quanto às receitas e às despesas. Devo, aliás, dizer que estamos abertos a conjugar o n.° 1 por nós proposto com outras propostas, nomeadamente no sentido de se estabelecer, logo nesse n.° 1, que o Orçamento do Estado abrange todos os serviços, fundos e institutos, contendo depois o que se prevê nas alíneas a) e b), com esta redacção ou com outra semelhante.
Quanto ao n.° 4, a nossa intenção consiste em especificar os relatórios que devem acompanhar a proposta, na medida em que, como é evidente, não é possível apreciar o Orçamento nem ter uma opinião sobre a sua justeza relativamente à conjuntura e sobre a sua adequação aos objectivos do desenvolvimento do País se não dispusermos de um conjunto razoável de informações complementares, as quais, sendo necessárias para apreciar a proposta, devem como tal constar da Constituição.
Quanto ao n.° 5, trata-se de matéria que poderá também ser desenvolvida. E neste campo acolho a sugestão do PCP no sentido de se fazer referência à classificação económica.
No n.° 8 do artigo 108.° a ideia é idêntica à do PCP. Desde já afirmo que é possível aperfeiçoar o n.° 8 no sentido de referir que se trata não da publicação integral do Orçamento, mas da publicação da lei orçamental acompanhada dos desenvolvimentos, ao pormenor, que a própria Administração utiliza.
Quanto ao n.° 9 do citado artigo 108.°, na redacção dada pela proposta de aditamento do PS, prevê esta que a fiscalização seja exercida pelo Tribunal de Contas e pela Assembleia da República, órgão este, aliás, que é mencionado especificamente. Julgo, porém, que este número poderá também ser aperfeiçoado. Estamos, pois, abertos a outros contributos.
Em suma, julgo que a intenção dos outros projectos converge com a do nosso, pelo que estamos plenamente abertos a considerar sugestões e ideias no sentido de conseguir redacções que enriqueçam o nosso texto ou o alterem por via de eventuais melhorias. Não temos, de facto, tabus e dogmas nesta matéria. Julgamos, aliás, que ela é suficientemente importante para que se consiga a clarificação do quadro em que deve ser elaborado, apreciado e votado o Orçamento, de modo que a Constituição determine claramente esse quadro, com obrigatoriedade para todos, eliminando ambiguidades e imprecisões. Tem-se em vista, no fundo, tornar este preceito compreensível, acessível e efectivamente cumprível.
O Sr. Presidente: - Quando o Sr. Deputado João Cravinho iniciou a sua intervenção fez uma síntese que traduz o nosso projecto. De facto, o PSD considerou que o artigo 108.° é, já hoje, uma boa base de trabalho. Ele foi só desenvolvido plenamente na lei de enquadramento orçamental e naturalmente que a sua aplicação ainda hoje está numa fase em que se estão a observar os primeiros resultados e como é que a experiência aconselha a evolução futura. Por isso, limitámo-nos, preservando basicamente a redacção actual, a actualizar, a concatenar e compatibilizar com aquilo que propusemos em matéria de Plano. E é assim que no n.° 2 do artigo 108.° desaparece a referência ao Plano e ao contrato, passando este último para o n.° 4. A redacção que demos ao n.° 3 é idêntica à do actual n.° 4 e as restantes são iguais, com excepção da inclusão do inciso "contrato" no referido n.° 4, uma vez que tinha sido retirado do n.° 2. Não há nenhum propósito de alterar substancialmente o texto desse pre-
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ceito, a não ser, repito, no sentido da sua compatibilização com aquilo que é proposto em matéria de Plano nos artigos pertinentes da nossa proposta.
Entretanto, seja-me permitido dizer que, olhando para as propostas apresentadas pelo PCP e PS, a nossa perspectiva é a de que, sem excluir a hipótese de haver algum pequeno aperfeiçoamento, admitimos, por exemplo, que a classificação económica possa ser acrescentada à funcional. Pode até ser uma achega útil e não estamos peremptoriamente a afirmar que nos recusamos a toda e qualquer modificação do texto, mas parece-nos que não seria nesta fase prudente estar a transpor para o texto constitucional muitas normas que constam já da lei de enquadramento orçamental. A nossa ideia de princípio é a de que esta lei contém já hoje um número de preceitos que dá uma imagem razoável, se forem cumpridos, daquilo que é a previsão da situação financeira do Estado para o ano seguinte. Por consequência, não nos parece que, nesta parte da Constituição financeira, haja razão para estarmos a ser demasiado minuciosos, ficado com o risco inclusivamente de, em alguns casos, incluirmos formulações que porventura careçam ainda de certos afinamentos.
Quero ainda acrescentar que, do nosso ponto de vista, julgamos correcto que se dê à Assembleia da República toda a informação necessária para poder formular um juízo cabal sobre o comportamento proposto para as finanças públicas no ano seguinte, e para permitir também apreciar a actividade do Governo. Nesse sentido, estamos plenamente de acordo com as intervenções feitas mas, repito, aquilo que hoje se encontra já no artigo 108.° parece-nos suficiente, sem prejuízo de poder haver, aqui ou além, algum pequeno ajustamento ou melhoria.
Seja-me também permitido, só por uma questão de economia, dirigir esta breve consideração ao PCP e ao PS, uma vez que não foi por mim inteiramente claro, que é a seguinte: se esta referência à situação financeira das regiões autónomas é a título de informação, compreendo, de facto, que ela se faça. De resto, esta informação tem sido fornecida, apenas por vezes com algum atraso em função de algumas deficiências no aparelho de recolha, mas ela pode ter um outro significado, que é o de traduzir, de algum modo, uma certa diminuição da ideia da separação dos orçamentos e, consequentemente, da própria autonomia regional. Seria para nós interessante se acaso o PCP, bem como PS, quisessem precisar com maior rigor o seu pensamento a esse respeito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, terei muito gosto em esclarecer, pela parte que me toca, este ponto.
A nossa posição é muito clara. Aquilo que propomos é, pura e simplesmente, o reforço da informação sobre o quadro financeiro autonômico. O relatório sobre a situação financeira das regiões autónomas surge na nossa proposta apenas como um documento a acompanhar o Orçamento para efeitos informativos. Isto não tem rigorosamente nada a ver com eventuais ingerências por parte da Assembleia da República quer na elaboração, quer na preparação e na execução de orçamentos regionais, quer com qualquer outra questão relacionada com a autonomia regional. É apenas uma questão de informação sobre a evolução da situação financeira regional para que se possa ter uma ideia do desenvolvimento da situação financeira do País na sua globalidade.
O Sr. Presidente: - É um documento que instrui o processo.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exacto, Sr. Presidente, é apenas nessa perspectiva que a proposta surge, e nada mais.
Entretanto, permitia-me fazer um comentário, embora não esteja presente nenhum Sr. Deputado do CDS, nem vou referir-me a todas as suas propostas...
O Sr. Presidente: - E falta ainda pronunciar-se o PRD, não é, Sr. Deputado? Como já não está ausente, talvez o PRD queira agora usar da palavra para justificar a sua proposta relativa ao artigo 108.°
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Aproveitaria apenas a oportunidade, em relação à proposta apresentada pelo CDS, para dizer que do nosso ponto de vista a redacção sugerida pelo CDS para o n.° 6 do artigo 108.° é inaceitável. E digo isto porque ela visa reduzir os poderes da Assembleia da República em matéria de Orçamento. De facto, prever-se como se prevê nesse número que os deputados não possam introduzir emendas na proposta do Governo que se traduzam em aumento de despesas ou redução das receitas significa transferir para o Governo os poderes fulcrais em matéria orçamental. Em bom rigor, a Assembleia, que tem de aprovar e de votar o Orçamento, passaria a votar em bloco uma proposta "fechada" do Governo. Isto é o que se poderia designar por "ser mais papista que o Papa"! Nem o PSD ousou propor tal coisa. Não poderemos, logicamente, estar de acordo.
Verifico também que o PRD vai apresentar a sua proposta, pelo que faria já uma observação, que é a seguinte: compreendo a eliminação do n.° 2 do artigo 108.° no que toca à proposta do PSD, na medida em que retira a problemática do Plano e inclui as obrigações decorrentes de contrato noutro número, mas já não acontece o mesmo em relação ao PRD, pois este partido elimina por completo esse n.° 2 mas não aproveita a segunda parte desse articulado. É este aspecto que gostaria de ver esclarecido pelo PRD.
O Sr. Presidente: - Talvez pudéssemos ouvir o que é que o PS pretende referir, para depois passarmos ao PRD.
O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, desejo esclarecer que para o PS não se trata de limitar ou alterar, de maneira nenhuma, as competências que estão atribuídas às regiões, as quais respeitamos integralmente. Trata-se apenas de obter informações de carácter económico e financeiro, relevantes para a própria apreciação do Orçamento, que está constitucionalmente cometida à Assembleia da República; trata-se de um mero elemento informativo. Não se pretende, pois, votar ou discutir qualquer actividade que interfira com as competências das regiões.
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Miguel Galvão Teles, V. Exa. quer justificar sucintamente a sua proposta?
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Sim, Sr. Presidente. Quanto à alínea a) do n.° 1 do artigo 108.°, ora em discussão e alvo de uma proposta de aditamento, estabelece-se uma exigência no respeitante à discriminação de despesas e também quanto à fixação dos limites máximos das operações do Tesouro, com vista a assegurar maior seriedade ao Orçamento - que nem sempre a tem tido.
A proposta de eliminação do n.° 2 do artigo 108.° respeita essencialmente à necessidade da conformação do Orçamento com o Plano. Sabem-se as questões que se levantaram no passado sobre essa matéria, nos casos em que não se encontravam aprovadas as Grandes Opções do Plano. A solução para que o PRD aponta é a que resulta do texto proposto para o n.° 2 do artigo 92.°, ou seja, o Orçamento deve conformar-se com o Plano, mas fica claro que, se não houver Grandes Opções do Plano em vigor, isso não impedirá a elaboração do Orçamento.
A supressão, proposta pelo PRD, da referência às obrigações decorrentes de lei ou de contrato, constante do n.° 2 do artigo 108.°, não tem nenhuma intenção. Tratou-se apenas de uma questão de simplificação porque se pressupôs que estava subentendida a necessidade de respeito dessas obrigações.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, não serei excessivamente longo.
O PSD foi extremamente claro e, de resto, cortante quanto à sua disponibilidade para encarar propostas de aperfeiçoamento como aquelas que se equacionaram nesta sede. Creio que haverá alguma dificuldade em fundamentar uma recusa tão liminar. Talvez as razões do PSD possam encontrar-se na concepção exposta no discurso - talvez um pouco esquecido - proferido pelo Sr. Primeiro-Ministro na Assembleia da República num dos debates mais importantes sobre esta matéria, a propósito dos aumentos de remuneração dos docentes universitários, no qual foi sublinhado que era "inconcebível" haver um regime que conferisse a este órgão colegial tão amplos poderes, pois "em nenhum outro sistema constitucional" da nossa (dele) experiência isso se verificava. O Sr. Primeiro-Ministro pensa, pois, que a Assembleia da República não deveria ter, a título nenhum, os poderes e prerrogativas que tem, mas sim outras, semelhantes às de outros parlamentos, nos quais a margem de iniciativa alternativa partidária está substancialmente limitada e em que a "lei-travão" trava os deputados a fundo (não tendo apenas o alcance que entre nós resultou da primeira revisão constitucional, que neste ponto introduziu algumas úteis clarificações).
Quero dizer com isto que o quadro em que nos movemos está substancialmente condicionado pela História. O reforço dos poderes da Assembleia da República em matéria orçamental foi uma das mais proveitosas alterações da primeira revisão constitucional, e positiva, ao contrário de muitas outras. Operou-se, nesta sede, uma enorme e substancial mudança, o que já é uma virtude, porque outras para que a revisão apontava não foram operadas e a sua concretização ficou em aberto, ou fez-se num sentido negativo, o que é de assinalar ainda com mais repugnância. Neste caso, porém, o saldo global é positivo.
Gostaria, em primeiro lugar, de acentuar o percurso enormemente acidentado que a aplicação desta alteração verdadeiramente profunda, operada na primeira revisão constitucional, teve. Dessas dificuldades dá abundante prova o facto de o Tribunal Constitucional ter sido chamado a pronunciar-se sobre a matéria em diversas ocasiões, por iniciativas multivárias, tanto dos partidos de oposição como do Governo. As questões orçamentais foram, assim, motivo e ensejo para acesas pugnas institucionais e políticas, cujo desfecho é também conhecido.
Em todo o caso, a clarificação operada nestes anos, designadamente por via jurisprudencial, foi extremamente útil e positiva. Reclamamo-nos, de resto, de algum do melhor esforço para que ela tivesse lugar.
Em primeiro lugar, quanto ao próprio regime de realização das alterações do Orçamento por iniciativa governamental, isto é, quanto às alterações orçamentais susceptíveis de serem realizadas por iniciativas e dentro dos limites de competência do Governo, foi aí o primeiro momento em que se operou um esforço para procurar redemarcar perversamente as fronteiras traçadas em sede de revisão constitucional. Felizmente, na sequência de uma iniciativa de deputados de todos os grupos parlamentares, com excepção dos grupos do PS e PSD, autores da operação, o Tribunal Constitucional pôde declarar inconstitucionais, através do Acórdão n.° 144/85, diversas disposições da Lei n.° 2-B/85, de 28 de Fevereiro, relativa ao Orçamento do Estado para 1985, que violava o n.° 5 do artigo 108.° e a alínea g) do artigo 164.° da Constituição.
Em segundo lugar, verificou-se uma clarificação do regime de elaboração dos orçamentos das regiões autónomas, domínio em que estavam em vigor anomalias de extrema gravidade institucional que limitavam as prerrogativas dos parlamentos regionais e conferiam aos respectivos governos poderes abusivos e uma espécie de imunização contra alterações à sua proposta de orçamento, aberração evidente naquele que é por excelência um terreno de decisão parlamentar.
Em terceiro lugar, a clarificação operou-se quanto aos poderes da Assembleia da República no que respeita à alteração do Orçamento e ao alcance do monopólio governamental na iniciativa de alterações orçamentais. Isso foi objecto do Acórdão n.° 317/86, que originou, como todos sabem, intensíssima polémica e que culminou com uma definição mais rigorosa daquilo que são os poderes de alteração do Parlamento em relação a propostas apresentadas pelo Governo com vista à revisão do Orçamento vigente num determinado exercício.
Finalmente, gostaria de referir a importância de que se revestiram os Acórdãos n.ºs 144/85 e 205/87, sendo este referente à apreciação de uma tentativa de Lei de Enquadramento do Orçamento de Estado, que só mereceu reparo num ponto (no aspecto relacionado com o regime das taxas e os poderes da Assembleia da República em relação a essa matéria), bem como o Acórdão n.° 461/87.
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Esse último acórdão é de importância fulcral para se poder aferir quais sejam os poderes da Assembleia da República, dentro do quadro constitucional vigente, em relação a importantes matérias. É, designadamente, fundamental para se poder situar qual deva ser o conteúdo constitucionalmente obrigatório ou possível do Orçamento do Estado, uma vez que a definição constitucional é susceptível de diversas interpretações. Numa interpretação mais rigorosa, porventura, o Orçamento do Estado deveria circunscrever-se às soluções exclusivamente atinentes à matéria orçamental e não poderia legitimamente servir para trasfegar ou introduzir outras soluções legislativas à revelia das regras comuns da legiferação.
Creio que este ponto deveria merecer-nos alguma reflexão, porque a adopção de uma noção miscigenadora de Orçamento tem sérias implicações. Embora o Tribunal Constitucional tenha dado cobertura a algumas soluções que permitem uma noção alargada do Orçamento, tal noção, se excessivamente alargada, pode conduzir a extraordinárias dificuldades, pode alterar a possibilidade de discussão autónoma e aprofundada de importantes iniciativas e perturbai a própria repartição de competência entre órgãos de poder, dificultando o exercício dos poderes do Presidente da República: imagine-se um Orçamento "infestado" de reformas legislativas de carácter avulso não atinentes directamente a matéria orçamental (coisa que até agora ainda não aconteceu) como forma de ultrapassar o próprio controle preventivo de constitucionalidade em relação a elas, dados os prazos muito exigentes para a entrada em vigor e para a aprovação do Orçamento do Estado; pense-se no clima político e até financeiro que normalmente se cria, a enorme angústia quanto à entrada em vigor do Orçamento, que pode propiciar a celerização indébita de um processo que não deve ser célere senão na medida em que o exija o interesse das finanças públicas, e não os "superiores interesses" do contrabando legislativo... Tudo isto deve levar-nos a reflectir bem sobre as implicações de uma noção alargada de Orçamento.
O regime constitucional do Orçamento viria, por último, a ser objecto de um aprofundamento em torno precisamente da chamada "Lei das privatizações", que deu origem ao Acórdão n.° 108/88, que explicitou as dimensões da proibição de orçamentos paralelos, secretos e não transparentes de gestão puramente governamental, verdadeiros "sacos azuis". Tudo isso tem enormíssimo alcance face ao próprio Orçamento do Estado em vigor, que originou, ele próprio, pedidos de declaração de inconstitucionalidade ao Tribunal Constitucional cujos processos estão actualmente em curso.
Isto significa, sumarizando, que neste momento a aplicação do artigo 108.° que o Sr. Deputado Rui Machete há pouco considerava ainda "em período de maturação de implicações", é extremamente recheada de incidentes que podem pôr em causa a própria realização, o próprio acatamento daquilo que foi opção da primeira revisão constitucional. Devo dizer que, nesta óptica, nos preocupam fundamentalmente dois tipos de dificuldades.
A primeira dificuldade é a decorrente da tentação governamental das chamadas "operações do Tesouro", em catadupa ou em galope, como forma de criação de verdadeiros orçamentos paralelos. Não me dedicarei excessivamente a essa matéria, uma vez que disso dá conta o pedido de declaração de inconstitucionalidade que apresentámos, oportunamente, ao Tribunal Constitucional e que não cabe aqui reproduzir.
Por outro lado, dificuldades decorrem do facto de o PSD ter encontrado recentemente - aliás, com projecção no Orçamento do ano em curso, a Lei n.° 2/88, de 26 de Janeiro - um expediente para alterar a normal repartição de competências entre o Governo e a Assembleia em matéria de definição orçamental, ao criar uma figura denominada "dotação concorrencial" no Orçamento do Ministério das Finanças, com as características de uma verba dita "de valor negativo", que no ano em curso é de 33 milhões de contos. Quanto mais se vai sabendo sobre a aplicação que o Governo tem feito deste normativo mais vêm engrossando as razões que, desde o início, nos levaram a considerar que esta figura não tem a mínima cobertura constitucional. Trata-se de uma forma de iludir a definição de Orçamento contida no artigo 108.°, n.° 1, alínea a), da Constituição, que, abrangendo receitas e despesas, não prevê de forma alguma um tertium genus.
Por outro lado, a concreta conformação desta figura reforça o nosso convencimento do contraste entre ela e a Constituição. A figura é do mais extremo melindre, já que permite ao Governo estabelecer uma geral sobredotação que lhe confere a prerrogativa de subtrair à Assembleia da República as decisões de dotação e de distribuir depois - ele Governo e não a Assembleia -, por um sem-número de rubricas orçamentais, as verbas propriamente ditas, o que significa um verdadeiro e próprio poder ("autorizado" pela Assembleia da República) para que seja o Governo (e não a Assembleia) a repartir as dotações efectivas, onde, quando e como entender. Consideramos que se trata de uma tentativa de diminuir ou de alterar o alcance do preceito aprovado na primeira revisão constitucional, à luz da tal filosofia do Primeiro-Ministro de que "este Parlamento tem poderes que mais nenhum Parlamento tem" e que este Governo, coitado, tem "poderes diminuídos que nenhum outro Governo teria", o que, verdadeiramente, tem pouco a ver com o quadro constitucional e constitui uma interpretação esvaziadora.
É evidente que, por outro lado, esta interpretação conduz a que o próprio défice orçamental decorrente dos montantes previstos de receitas e despesas seja susceptível de ser falseado, o que introduz ainda uma outra distorção e uma outra violação do n.° 6 do preceito agora em debate.
Quanto ao recurso abusivo a operações de tesouraria, ele atingiu o limite quase delirante que foi patenteado na lei dos 49 %, agora declarada inconstitucional nesse ponto, e evidenciou-se de novo, recentemente, numa proposta governamental que foi apreciada no Plenário da Assembleia da República, na passada sexta-feira. A ideia de introduzir elementos de regularização da situação de determinadas empresas públicas, através da criação de uma conta ad hoc à margem do Orçamento foi então sustentada pelo Secretário de Estado do Orçamento, com uma insistência que já é reinsistência (e a que se chama em bom rigor contumácia), usando argumentos sem qualquer arrimo constitucional. Isto significa que o Governo está profundamente empenhado nesta ideia de paralelização, esvaziadora do princípio da plenitude e, naturalmente, da anualidade do Orçamento do Estado.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados, podemos agora passar ao segundo bloco de dificuldades, porventura de maior gravidade ainda, originadas pelas perversões na aplicação do enquadramento constitucional do Orçamento resultante da primeira revisão constitucional.
Em primeiro lugar, a orientação ano a ano adoptada, designadamente pelos governos do PSD, tem conduzido a que o Orçamento do Estado deixe, verdadeiramente, de cumprir a obrigação de articulação ou de subordinação constitucional à lei contendo as Grandes Opções do Plano anual. Esse nexo ou esse elemento de articulação está reduzido hoje à ínfima expressão. A aposta constitucional no papel do Plano, designadamente o que decorre do conteúdo do artigo 91.° da Constituição, em articulação, de resto, com a elencagem das incumbências do Estado constantes do artigo 81.°, tem vindo a ser posta em cheque e em crise por uma orientação que, no fundo, bebe numa concepção financista extrema da própria política económica e que desvaloriza por completo o papel das Grandes Opções do Plano (e do próprio Plano que, como se sabe, de resto não existe), para tornar o Orçamento uma realidade, aparentemente, total, determinante, com subversão dos nexos e das prioridades, das relações de subordinação que devem, constitucionalmente, existir entre uma realidade e outra. Este fenómeno de desvalorização do Plano chegou a pontos do absurdo, a partir do momento em que a Assembleia da República, sob o anterior Governo, acabou por aceitar a discussão e votação do Orçamento sem qualquer enquadramento económico global efectuado por Grandes Opções do Plano, que não lhe foram submetidas anualmente, como era obrigação governamental.
Em segundo lugar, e um tanto contraditoriamente com o que poderia julgar-se ser este financismo vigente, verifica-se outro fenómeno de perversão que se reveste da maior perigosidade em termos de futuro. Refiro-me à total divergência de caminhos (não são sequer caminhos paralelos, porque esses ainda se encontrariam no infinito, mas absolutamente divergentes) entre o planeamento constitucionalmente instituído e as estruturas e instrumentos do planeamento realmente existentes. Enquanto a Assembleia aprova umas GOPs cujo incumprimento é manifesto, enquanto não há Plano a título nenhum, o Governo em funções enveredou pela opção de preparar - diz-se que até ao fim do ano - aquilo a que chama um PRO.DES.RE.DI, um "programa de desenvolvimento económico e social regionalmente diferenciado", que não é sequer para um período limitado, é para o período 88/92. Nem mais nem menos! No âmbito desse PRÓ.DÊS.RE.D, devem ser elaborados - completamente à revelia da Assembleia da República e completamente em desarticulação com o Orçamento do Estado e as respectivas elaborações (a não ser aquelas que resulta, ano a ano, do que calhar e do que o Governo entender, presume-se) - um relatório de estratégia e grandes opções de médio prazo que deve incluir perspectivas de evolução macroeconómica, cenários de evolução até 1992 dos níveis de desenvolvimento português e comunitário, com vista a perspectivar as possibilidades de convergência, previsões de financiamento (sic), incluindo a orientação sectorial do investimento público e as contrapartidas nacionais a financiamentos comunitários, definições das orientações estratégias do PDR (Plano de Desenvolvimento Regional) e até dos programas operacionais sectoriais, etc.... O grupo encarregado de elaborar este documento deve concluir tudo isto daqui a uns tempos, como anunciou o Governo, mas nada é suposto passar pela Assembleia. De facto, o PRO.DES.RE.DI. será enviado para apreciação de dois distintos professores norte-americanos, um dos quais Prémio Nobel (o outro nem tanto), e a colaboradores do Governo português, mas à Assembleia da República não. O PRD será apresentado em Bruxelas, segundo o Governo revela, até ao final do ano (sic), para que, "logo em 1989", possa ser negociado o quadro comunitário de apoio a Portugal susceptível de contemplar 1300 a 1500 milhões de contos no período de 1988-1992. Tudo isto à revelia da Assembleia da República e a latere dos mecanismos de planeamento democrático previstos na Constituição, os quais, nesta óptica, existirão para enfeitar uma arquitectura constitucional inteiramente desvitalizada. Eis a perspectiva governamental!
Há propostas pendentes nesta Comissão para, de certo modo, dar resposta a este divórcio absoluto e brutal entre "o sítio onde o Governo põe o ramo" e "o sítio onde põe o vinho" (em matéria de planeamento naturalmente). No entanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que a situação que descrevi representa não só uma perversão radical do nexo constitucional entre o Orçamento e o Plano, como uma forma já não de desplaneamento mas de "planeamento paralelo" em condições que contrariam abertamente a Constituição e visam criar uma situação de facto consumado, susceptível, designadamente, de pressionar, de forma brutal, o processo de revisão constitucional, no sentido de o tornar apenas o instrumento que carimbe este estado de coisas.
Gostaria, também, de sublinhar que um dos arautos que no congresso do PSD se pronunciou sobre a matéria geral da revisão constitucional omitiu, delicada e asisadamente, este aspecto. Não me refiro ao Sr. Deputado Rui Machete, nem ao Dr. Alberto João Jardim, mas sim ao Prof. Rebelo de Sousa, que, noutra ocasião, alertou, num douto artigo dedicado a esta matéria e publicado no volume sobre as Jornadas sobre Direito Constitucional da Faculdade de Direito de Lisboa, para o facto de a prática seguida nos últimos anos nesta matéria ter vindo a fazer avultar o Orçamento em detrimento da Lei do Plano anual, coisa contrastante com a inserção do Orçamento do Estado na Constituição económica (cito saborosamente) "mesmo com um regime capitalista que não impede a exercitação do papel do Plano com o conteúdo que se encontra previsto na Lei Fundamental". Isto é uma evidência, mas é saboroso que a evidência seja dita por quem acabei de referir. Apenas gostaria de aditar, de minha própria lavra, que esse divórcio é, neste momento, chocante a todos os títulos, uma vez que leva a que o Governo dite à Assembleia opções de planeamento e opções financeiras (o financismo vigente é, pois, aparente: há opções de planeamento, só que tomadas em estruturas paralelas e impostas à Assembleia da República). A revisão constitucional deveria servir também para pôr termo a tal divórcio, no bom sentido e não no mau. Não foi por acaso que quis evidenciar todas as notícias que ultimamente têm sido dadas sobre o famoso PRO.DES.RE.DI: esse divórcio é deliberada,
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propositada e premeditadamente procurado pelo Governo. O PSD omitiu-o aqui por razões que se compreendem, mas que não podem ser absolvidas.
Por outro lado ainda, gostaria de sublinhar que a desconformidade do Orçamento em relação à lei contendo as Grandes Opções do Plano e às obrigações legais e contratuais anteriormente assumidas pelo Estado, bem como em relação à lei de enquadramento orçamental, é susceptível de originar vício de inconstitucionalidade, havendo quem sustente que é indirecta, sendo susceptível, no futuro, de vir a ser objecto de accionamento junto da entidade competente. Neste aspecto, a Constituição não está indefesa. A questão é que sejam accionados os mecanismos adequados. O PCP propõe, aliás, o seu aperfeiçoamento. Creio, no entanto, que seria uma visão muito curta da parte do PSD encarar esta questão na óptica que o Sr. Deputado Rui Machete aqui começou por trazer, ou seja, no sentido de que a Constituição "é jovem" nesta matéria, de que o regime constitucional "tem uma experiência ainda não sedimentada", pelo que devemos "deixar levedar a experiência" e "não fazer alterações". Creio que o PSD deve articular, ou melhor, não terá outra solução senão articular, conjuntamente, duas coisas: aquilo que quer perspectivar em relação ao futuro do planeamento (que, na sua óptica, é o desplaneamento, para não dizer o contraplaneamento) e aquilo que se exige em relação ao desejável regime de elaboração do Orçamento. Excluídas certas concepções financistas verdadeiramente extremas, essa elaboração não pode fazer-se a não ser com um determinado enquadramento e deve articular-se com as diversas políticas, designadamente a política económica (elaborada pelos órgãos competentes e não à sua revelia!). E deve ser feita não pelo Governo, mas pelos vários órgãos de poder. De facto, a actual situação representa uma aberração do ponto de vista institucional: as opções fundamentais da política económica, com as respectivas projecções no Orçamento, estão a ser consumadas - e o Governo quer poder para consumá-las mais ainda - a latere dos mecanismos próprios, ladeando a Assembleia da República, ladeando órgãos de consulta e de intervenção como o Conselho Nacional do Plano, ladeando até o Presidente da República (vide o que aconteceu com o PCEDEDE e o que o Governo quer que aconteça em relação ao PRO.DES.RE.DI). O significado institucional de tudo isto é uma ditadura governamental em relação a opções financeiras, designadamente as que decorrem de negociações com instâncias comunitárias. Trata-se da colocação de todo o conjunto dos órgãos de soberania perante um diktat e uma situação de facto consumado operada pelo Governo em articulação com órgãos comunitários e com outros órgãos exteriores. É esta a situação que neste momento estamos a enfrentar: o Orçamento do Estado não só é tributário de um conjunto vastíssimo de opções consumadas, porque resultantes de compromissos ou de negociações obtidas só pelo Governo em Bruxelas, sobre as quais a Assembleia da República e os outros órgãos de soberania não sabem nada, na qual não influem nada, ou só influem em diminuta medida, num quadro em que o Governo se dá ao luxo de não prestar, sequer, qualquer espécie de informação e em que, portanto, tudo o que a Assembleia da República faz, ao abrigo dos artigos 108.° e 164.°, é carimbar opções predeterminadas (de resto com desconhecimento de dados fundamentais, pois o Governo - insisto - não cumpre as obrigações de informação mínimas). Isto subverte, por completo, a repartição normal de competências entre órgãos de soberania e o legado da primeira revisão constitucional no tocante à aprovação do Orçamento do Estado.
Em consequência, o desafio perante o qual estamos hoje colocados não é apenas o de defender o legado da primeira revisão constitucional: é o de garantir que esse legado não seja distorcido e pulverizado pela evolução deslizante nestes três planos que procurei situar: o do planeamento; o do domínio das obrigações ou dos compromissos decorrentes da inserção de Portugal nas organizações internacionais, especialmente as Comunidades, e o do abuso que o Governo faz das prerrogativas que tem em todos estes domínios no sentido da governamentalização de opções que deviam ser assumidas pelo Parlamento. Todos estes vícios se cumulam na nossa prática. A revisão constitucional deveria, quanto a nós, contribuir para sanar este clima, que está verdadeiramente injectado de distorções.
Reparem que em matéria de vícios deixei de lado muito que se relaciona com o descontrole da actividade financeira do Estado: o anquilosamento do regime do Tribunal de Contas e da administração financeira, a chocante vetustez da organização da Conta Geral do Estado (que data de 1936 e careceria de releitura face às aquisições da revisão constitucional de 82), as pechas da nossa irreformada Administração Pública, as deficiências do seu relacionamento com o Tribunal de Contas, as limitações do controle que este pode assegurar (lacunosamente circunscrito aos aspectos de legalidade quanto aos pareceres que emite). Outras questões não menos importantes deverão ser referenciadas quando se avalia a aplicação (e desaplicação!) do quadro constitucional vigente: a proliferação de serviços autónomos e consequente falta de um orçamento consolidado da administração central do Estado impossibilita a percepção rigorosa do conspecto das receitas e despesas do Estado, falseando o défice; há volumes substanciais de despesas realizadas inconstitucional e ilegalmente; há o já referido recurso abusivo a operações de tesouro para cobrir despesas orçamentais; há "adiantamentos" por conta de dotações a inscrever ou reforçar no OE (verdadeiras despesas ocultas) feitas por operações de tesouraria - "Operações a liquidar"; há saldos por regularizar no fim de cada ano económico na rubrica "Operações a liquidar" (área em que se verifica forte crescimento) - o que tudo conduz a uma subavaliação crónica dos défices orçamentais. Isto para não referir a situação da Segurança Social (que o Tribunal de Contas confessa não controlar por inexistência absoluta de mecanismos de acompanhamento)... Leia-se o parecer do Tribunal sobre a Conta de 1982.
Não caberá à revisão constitucional ser panaceia para todo o quadro de vícios que aqui se exautorou, mas, sem dúvida, poderemos e deveremos introduzir alguns aperfeiçoamentos cuja necessidade me parece sair reforçada deste debate.
Creio que a posição do PSD não é tão confortável nesta matéria nem é tão auto-suficiente como indicava a exposição inicial do Sr. Deputado Rui Machete. Em toda esta panóplia de questões e de subquestões há aspectos (visto a revisão constitucional ser um todo, não podendo ser encarada parte a parte) em que o
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PSD, se quer fazer a revisão, tem de ponderar realisticamente a insustentabilidade do peso que, neste ponto, está a fazer arcar sobre as instituições, ao impulsionar vícios que distorcem o sentido do artigo 108.°!
O Sr. Presidente: - Como a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães foi directamente respeitante à apresentação que o PSD fez, permitia-me, sucintamente, fazer duas ou três considerações.
Em primeiro lugar, apreciei muito o bom trabalho de casa que V. Exa. fez em matéria de jurisprudência do Tribunal Constitucional, que, aliás, vem evidenciar aquilo que eu dizia: nesta matéria a Constituição avançou soluções que são correctas, estando o Tribunal Constitucional justamente a trabalhá-las. Temos de dar tempo ao tempo, pois nesse campo as coisas estão a correr francamente bem. É uma experiência bem interessante em matéria de constituição financeira e V. Exa. teve a amabilidade, ao citar os acórdãos do Tribunal Constitucional, de o dizer.
Em segundo lugar, devo referir que não partilho o ardor de V. Exa. em consagrar o PCEDED na revisão constitucional. É uma ideia como outra qualquer, mas penso que ir por esse caminho talvez não seja a melhor revisão constitucional.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, eu não queria consagrar o PCEDED. De maneira nenhuma! Referia-me até a uma proposta do PS.
O Sr. Presidente: - Pareceu-me, pelo seu entusiasmo pelo PCEDED e por outros programas, que queria, à viva força, que este fosse consignado na revisão constitucional. Se não é assim, peço desculpa, mas pareceu-me realmente ser esse o entendimento a dar pela sua ardorosa intervenção nessa matéria.
Devo dizer que acho o PCEDED um documento interessante e útil, mas que, porventura, não se justificará incluí-lo em termos de um texto constitucional.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio.
O Sr. Presidente: - A minha ideia é outra. Se V. Exa. - como disse - entende que esta deve ser uma revisão em que se atenda aos vários aspectos das propostas do ponto de vista sistemático, verificará que, na nossa proposta, existe uma ideia de planos de desenvolvimento e de outros planos a serem submetidos à Assembleia da República que, justamente, têm em consideração o papel e a importância deste órgão. A sua exposição foi tão longa que criou alguns efeitos perversos na atenção das pessoas em vez de as centrar em aspectos que me parecem poder produzir efeitos mais. úteis no que nos diz respeito a este debate.
Disse V. Exa. que a adesão à CEE tinha provocado alguma perturbação, no domínio económico e financeiro, em termos de competência dos órgãos constitucionais. Isso é exacto. De resto, o próprio Ministro das Finanças também já o reconheceu e é natural que, quer pela via da submissão à Assembleia da República dos planos e programas de governo em matéria económica, quer pela via das informações que convirá que qualquer Governo dê à Assembleia da República, esses aspectos possam encontrar soluções similares àquelas que existem noutros países membros da Comunidade Económica Europeia.
Em todo o caso, lamento que V. Exa. não tenha dado o devido valor à nossa proposta, a que chamou, na sua linguagem tersa e algo pitoresca, de desplanização, desplaneamento ou coisa que o valha. Nela aparece essa ideia de que o Governo deve submeter à Assembleia da República planos, e não a ideia de planeamento tal como neste momento está concebido - e já tive a oportunidade de dizer qual é a nossa ideia a esse respeito -, mas a de que a Assembleia da República é o órgão máximo que tem de se pronunciar em termos das grandes opções económicas. De tudo o que V. Exa. disse - que foi, efectivamente, interessante - parece-me ser isto, em termos desta discussão, aquilo que apurámos como mais útil. De qualquer modo, também lhe agradeço - repito - esse breve excurso pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, que foi muito interessante.
Quanto ao resto, mantenho aquilo que disse, no sentido de entender que a exposição de V. Exa., ao contrário do que pareceu ser o seu propósito, demonstrou que o texto constitucional é suficientemente bom e amplexivo para permitir a jurisprudência do Tribunal Constitucional que citou.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Serei muito breve, Sr. Presidente.
Quando o Sr. Deputado José Magalhães terminou a sua exposição, o Sr. Deputado António Vitorino disse que ela não tinha sido curta, conforme inicialmente fora declarado pelo Sr. Deputado José Magalhães.
Penso que ainda bem que não foi tão breve porque, além de brilhante, como é costume, foi densa e - afigura-se-me - documentada, tendo sido, para mim, esclarecedora. Julgo que será informativa para os leigos na matéria e é lamentável que não venha a ser conhecida, no seu essencial, do povo português.
Na verdade, a adesão às Comunidades Europeias ocorreu também para consolidar a democracia em Portugal e seria lamentável que, numa competência tão importante, como é a competência orçamental da Assembleia da República, essa adesão viesse a ser utilizada como argumento para contrariar as regras democráticas e a tradição dos poderes próprios dos parlamentos.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, queria apenas esclarecer o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia de que não me manifestei contra a extensão da intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, mas que apenas referi o contraste - e foi uma nota de bom humor - entre o frontispício e o recheio do edifício. Nada mais.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - É que esse foi apenas um pretexto para fazer a minha intervenção. Eu queria intervir, mas não o queria fazer numa matéria em que sou inteiramente leigo. Precisamente porque o bom...
O Sr. António Vitorino (PS): - Eu não tenho autoridade nenhuma para exigir intervenções curtas.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Ninguém tem, naturalmente.
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O Sr. Presidente: - Eu gostaria de ter autoridade, mas também não a posso invocar.
Risos.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - É pena que V. Exa. o desejasse porque os trabalhos desta Comissão são enriquecidos pelo facto de aqui haver liberdade, o que contrasta com a situação do Plenário da Assembleia da República.
O Sr. Presidente: - O equilíbrio não é mau de todo, apesar de tudo!
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - É mau é.
O Sr. Presidente: - O auto-equilíbrio. O hetero-equilíbrio é mais complicado. Tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.
O Sr. João Cravinho (PS): - O Sr. Presidente, na sua qualidade de presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano, já há cerca de três anos, tem evidentemente um conhecimento directo de todas as peripécias que têm acompanhado a apreciação do Orçamento na Assembleia. Assim sendo, não será necessário apelar para a sua memória (porque certamente ela estará fresca neste caso) para recordar o seguinte: desde 1985 tem havido uma evolução relativamente considerável no sentido de se dar ao processo de elaboração e apreciação orçamental, no seio da Assembleia da República, uma profundidade, que é, aliás, exigida pelo próprio acto em causa e pela sua importância excepcional para a vida do País. Podemos dizer que poucos temas são mais influentes na vida do País do que o Orçamento, que se repete todos os anos e tem uma periodicidade e um conteúdo certos. Tratando-se, pois, de um tema excepcional, que tem um lugar perfeitamente definido na vida económica e política do País e uma exigência de tratamento susceptível de tipificação, só lucramos todos se no texto fundamental formos claros e suficientemente precisos quanto ao enquadramento da matéria. Com a experiência que temos, somos capazes de avançar relativamente à anterior revisão constitucional, até porque foi ela que abriu o caminho (e hoje já temos suficiente experiência nesse campo) à introdução de alterações, precisões e aditamentos que, sem alterar a intenção da revisão constitucional de 1982, mas, pelo contrário, confirmando-a amplamente, permitam deduzir regras consensuais entre nós. É um apelo à consensualidade, de acordo com a experiência já adquirida, que quero fazer.
Diz o Sr. Presidente que a experiência, designadamente em matéria de jurisprudência do Tribunal Constitucional, confirma que, afinal de contas, estarão já consagrados princípios que permitem ao mesmo Tribunal Constitucional resolver satisfatoriamente as questões que lhe têm sido colocadas. Em todo o caso, devo dizer que me espanta um pouco que tenham sido postas certas questões ao Tribunal Constitucional, porque, numa interpretação feita de boa-fé, julgo que tais questões foram suscitadas porque a própria lei constitucional não é clara para quem incorreu em certas faltas, que depois a acção do Tribunal Constitucional permitiu corrigir. Bem sei que existe a jurisprudência, mas penso que algumas alterações, no sentido do seu aclaramento, seriam úteis para todos, até porque dariam certamente azo a que houvesse menor conflitualidade e menos recurso ao Tribunal Constitucional.
Gostaria também de frisar - e o Sr. Presidente, na sua qualidade de presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano, sabe que muitas vezes o Tribunal Constitucional foi chamado a dirimir certo tipo de divergências exactamente por a lei fundamental não ser precisa - que não foi possível recorrer a nenhuma fonte que realmente solucionasse os conflitos, porque a lei constitucional de 1982 (numa altura em que ainda não havia experiência) inovou completamente nesta matéria, mas inovou dramaticamente, não prevendo certo tipo de precisões que na prática se vieram a revelar de grande importância. Ora, tal omissão resulta na existência de direitos legítimos que se consideram feridos. E direitos relativamente a quê? A uma alteração do equilíbrio de poderes entre Governo e Assembleia da República? Não, nada disso! Os poderes são os que, de facto, resultam da revisão constitucional de 1982. Os instrumentos para o exercício dos mesmos poderes é que, não estando suficientemente acautelados do ponto de vista constitucional, vieram tornar nulos ou, de certo modo, diminuir certos poderes que a revisão quis atribuir à Assembleia da República e que, na prática, se frustraram no seu exercício concreto exactamente por não ter sido possível dispor dos instrumentos necessários a um uso prudente e fundamentado dos poderes que a Constituição atribui à Assembleia. Quer isto dizer que muitas das coisas que daqui constam - e julgo que o Sr. Presidente, com a sua experiência, reconhecerá isto - não são mais do que a garantia de condições para o exercício dos mesmos poderes que já em 1982 foram conferidos à Assembleia.
É apenas isso o que aqui está em causa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, há pouco, não voltei a mencionar, mas gostaria que não fosse esquecido, que existe uma lei de enquadramento orçamental, que é uma lei de bases, a qual, nos termos conhecidos do n.° 2 do artigo 115.°, tem superioridade sobre a própria lei orçamental. Ora, penso não estarem esgotadas as eventualidades da lei de bases e, sobrecarregarmos o texto constitucional com um conjunto de preceitos cujo grau de maturação é claramente insuficiente, parece-me pouco conveniente.
O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, julgo que poderemos encontrar soluções de equilíbrio, repartindo os preceitos de acordo com a estrutura da Constituição e não sendo necessário que tudo seja aqui vertido.
Quando há pouco se falava de "desligamento" entre o Plano e o Orçamento, teremos de reconhecer que, mesmo quando tem existido plano anual, nunca existiu plano a médio prazo. Ora, não tem sentido - como o Sr. Presidente reconhece - estar a perspectivar certos aspectos do Orçamento sem ter um mínimo de enquadramento macroeconómico de médio prazo. Isto porque, de facto, o que se discute aí não é o que se vai passar apenas no ano seguinte, mas o que se vai passar nesse ano e em n anos subsequentes, quer em termos de receita, quer em termos de despesa, quer, indirectamente, em termos de possibilitar que certas actividades venham a contribuir para objectivos consi-
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derados desejáveis ou, eventualmente, que certas actividades venham a ser prejudicadas na consecução desses objectivos.
Daí que, para obstar à dificuldade concreta e prática de se discutir orçamentos sem haver um plano a médio prazo (e um plano desses não se elabora de um momento para o outro, não sendo possível, na prática, obter planos a médio prazo com a coordenação necessária a que os orçamentos tenham de facto um back-ground e uma perspectiva correcta), a nossa proposta inclua, no n.° 4, o dever de apresentar as perspectivas macroeconómicas que fundamentam o Orçamento, o que constitui uma tarefa um pouco mais simples, mas absolutamente essencial - e cingimo-nos ao absolutamente essencial- à apresentação e discussão do Orçamento.
Quando, por exemplo, na alínea g) do n.° 4 do artigo 108.°, referimos que a proposta de Orçamento deve ser acompanhada de relatórios sobre as transferências financeiras entre Portugal e o exterior, não podemos esquecer que em 1982 o problema da integração de Portugal na CEE não se colocava. Hoje, que estamos em 1988, essa integração existe, sabemos em que é que ela se cifra e até já dispomos de determinados elementos que nos levam a perspectivar isto. Fala-se em fluxos da ordem dos 300 milhões de contos e o Sr. Presidente sabe que esses 300 milhões de contos excedem a margem de manobra prevista nos orçamentos. Isto é: se considerarmos que 85% das despesas orçamentais são despesas incompressíveis - é o que diz o Governo e todos nós estamos de acordo que esse é um grande problema -, verificamos que estes 300 milhões de contos representam a duplicação da margem de manobra que o Governo tem. Ora, isto constitui um salto qualitativo, além de quantitativo, que eu poderia chamar "brutal", se este termo não estivesse ligado a qualquer coisa que não quero aqui significar mas que é, de facto, "extraordinário".
É inconcebível que nas novas condições, que não existiam em 1982 mas existirão em 1988, 1989 e 1990, não se dê um relevo porventura muito maior a esta matéria na perspectiva orçamental do que aquele que aqui é dado. Poderá dizer-se que o Governo, no seu bom senso, não deixará de informar a Assembleia. Mas ficamos entregues à bondade do Governo, à sua interpretação e ao seu interesse e não à interpretação da informação necessária para que cada partido, na Assembleia, tome posição.
O Sr. Presidente sabe -e este ponto é crucial- que tem havido, nas discussões orçamentais, diferendos (para não usar outra expressão) acerca do que é ou não é a matéria sobre a qual o Governo deve informar, quando e como, a Comissão de Economia, Finanças e Plano do Parlamento. O Governo pode informar - e muitas vezes o tem feito- no próprio Parlamento, na sessão plenária em que se esteja a debater essa matéria e em que, à boca da mina, vem apresentar, afinal de contas, o oiro da lei, tendo subtraído esse oiro à própria apresentação da proposta. Nestas condições, é evidente que a discussão é cerceada, não por vontade deliberada do Governo, mas porque o mesmo Governo entende não ser sua obrigação constitucional ou legal fazê-lo, e, consequentemente, não tendo essa obrigação, fá-lo como e quando quiser. É preciso afirmar que isso não permite, de facto, à Assembleia da República exercer os poderes que lhe foram atribuídos pela revisão de 1982. E é nesta perspectiva - não na de aumentar os poderes da Assembleia, pois não há aqui nada que os aumente, mas na de, simplesmente, lhe dar a possibilidade real e efectiva de exercer os poderes que lhe foram conferidos - que surgem várias solicitações, incisos e especificações. Se esta matéria não for objecto de esclarecimentos e aditamentos no âmbito desta revisão constitucional, continuaremos a ter poderes que poderemos exercer ou não consoante o governo do dia - e não estou a falar apenas deste, porque quando se fala da Constituição não se fala apenas neste governo...
O Sr. Presidente: - É um princípio metodológico salutar!
O Sr. João Cravinho (PS): - Devo dizer que considero até ser um mau serviço a qualquer governo permitir-se a ideia, por leitura das omissões da Constituição, de que o Orçamento é qualquer coisa que não deve ser enformada de elementos que permitam conhecer exactamente o alcance das propostas. E é um mau serviço ao próprio Governo porque, laborando nessa interpretação, é natural que a preparação do Orçamento fique, ela própria, severamente diminuída em critérios de profundidade e de rigor. É natural que aconteça -e não estou a fazer esta observação a propósito deste governo em concreto- que um governo tenha, como todos sabemos que tem, uma pressão enorme sobre o Orçamento. Em matéria orçamental isso é extremamente perigoso.
O que me parece é que nas várias propostas apresentadas há elementos que nos permitirão enriquecer o conteúdo da proposta orçamental, não por via do aumento de poderes, mas pelo esclarecimento das matérias que permitam compreender o alcance exacto da proposta que ao Governo cabe apresentar.
É esta a minha interpretação-convite, porventura mais um convite do que uma interpretação à proposta do PSD, que, na prática, mantém o que está apenas com a coordenação resultante da sua proposta de supressão dos artigos 91.°, 92.° e semelhantes. O PSD faz esta proposta, que considero uma base mínima, mas penso que poderia, eventualmente, aceder a estudar melhor o problema e, havendo propostas adicionais dos outros partidos e atendendo à própria experiência já adquirida, poderia considerar o aditamento ou o enriquecimento da sua proposta mediante uma atitude de consideração do que se visa. Visa-se coarctar algum direito do Governo ou diminuir alguma competência sua? Visa-se acrescentar poderes à Assembleia que se coordenem mal com a arquitectura geral da repartição de poderes? Se discutíssemos a matéria sob essa égide e chegássemos à conclusão de que em algum caso haveria desequilíbrio, eu seria o primeiro a dizer não. Mas não é isso que está em causa. Não sendo essa questão, o mérito de cada nova proposta tem de ser visto em termos de saber se aperfeiçoa ou não aperfeiçoa, se contribui ou não contribui, se avança ou não avança no sentido de se obter um produto final, Orçamento, efectivamente mais perfeito, mais eficaz e mais conforme com a sua própria função no âmbito do Plano do Estado.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Octávio Teixeira pediu a palavra?
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O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, serei breve, mas parece essencial que seja ponderada esta questão. As propostas que, de um modo geral, aqui aparecem destinam-se fundamentalmente a precisar aquilo que, do ponto de vista do PCP, é o próprio espírito do que está consagrado na Constituição. Só que, nesta perspectiva, julgo que o PSD assume uma posição de não querer recolher os ensinamentos da experiência, o que do nosso ponto de vista parece negativo. Não repetindo questões já levantadas, o Sr. Deputado Rui Machete referiu, há pouco na sua intervenção que o PSD está de acordo em que o Governo deve fornecer à Assembleia da República todos os elementos necessários a uma completa e cabal apreciação das opções orçamentais e do Orçamento em si mesmo. Com este princípio estamos todos de acordo. Agora, terá de reconhecer também que a experiência nos tem demonstrado - e também aqui, repito, o problema não é apenas deste governo, é de todos os governos que temos tido desde 82 para cá, desde que se fez a revisão do texto constitucional - que na prática não tem sido assim. Por um lado, não têm sido fornecidos elementos que são essenciais e que V. Exa. conhece perfeitamente e, por outro (e isto parece-me um aspecto também importante), alguns dos elementos que aqui se propõem em termos de aditamento que sejam fornecidos com a proposta do Orçamento são elementos que normalmente são fornecidos, só que com uma pequena diferença, que tem grandes repercussões: é que muitos deles são fornecidos a posteriori, já sem tempo útil para serem analisados e ponderados pela Assembleia da República! Há elementos que são fornecidos quase no último dia de discussão do Orçamento. Isso é uma regra generalizada. O problema de a obrigatoriedade da sua prestação ficar constitucionalizada e terem de obrigatoriamente acompanhar a proposta, só isso é, do nosso ponto de vista, um grande avanço.
Por último, quando colocámos o problema do Orçamento e explicitámos que o Orçamento integra não apenas o Estado stricto sensu, em termos orçamentais, mas também os fundos e serviços autónomos, tive oportunidade de referir que o aproveitamento de uma eventual interpretação duvidosa do que está no texto constitucional pode conduzir, em última análise, ao esvaziamento do Orçamento aprovado pela Assembleia da República. Esvaziamento e mesmo distorção pois a possibilidade de "jogo" entre o Orçamento do Estado stricto sensu e o orçamento dos fundos e serviços autónomos, com o aproveitamento das próprias operações de tesouraria, a não contabilização orçamental dos fluxos CEE - Estado Português, pode distorcer por completo o esvaziar quase que em absoluto o próprio Orçamento. Julgo que são estas questões que deveríamos ponderar e tentar ver consensos que penso serem possíveis, em termos de melhorar o texto constitucional do artigo 108.° sem, e gostaria de referir isto, preocupação da nossa parte de tentar, neste momento, passar competências eventuais do Governo para a Assembleia da República ou vice-versa, sem alterar o equilíbrio de competências, mas clarificando e não permitindo que haja interpretações dúbias sobre estas questões.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, gostaria de lhe fazer uma pergunta; sou perfeitamente leigo nesta matéria, mas há uma
coisa que me faz confusão, que consubstanciaria em duas alíneas. A primeira é em relação à situação dos fundos autónomos. V. Exa. considera que isso não está já previsto no texto do artigo 108.°, tal como está nesta altura? Em segundo lugar, e em relação às responsabilidades assumidas perante a CEE, V. Exa. não considera que as responsabilidades assumidas pelo Estado já constam, como é natural e normal, do Orçamento do Estado (OE), designadamente no quadro dos compromissos assumidos pelo Estado Português, em relação, por exemplo, à utilização de fundos comunitários?
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Para ser sucinto, diria que considero que qualquer dessas hipóteses está contida no actual texto. Há, no entanto, quem não o considere. É esse o problema, o problema das interpretações dúbias. A verdade é que os orçamentos dos serviços e fundos autónomos não nos são presentes, transmitem-nos uma súmula do seu conjunto, os orçamentos não nos são presentes. Por outro lado, a utilização de operações de tesouraria para o relacionamento dos fundos CEE faz com que isso não apareça no Orçamento.
É para evitar essas interpretações, que do nosso ponto de vista são erradas, mas que persistem, que nos parece que valeria a pena tentarmos um consenso do conjunto dos diversos partidos em torno das questões que pudessem ser consideradas essenciais para que a Assembleia possa de facto aprovar e votar o Orçamento.
O Sr. Presidente: - Faz favor Sr. Deputado João Cravinho.
O Sr. João Cravinho (PS): - Segundo a Constituição actual, a Assembleia da República aprova os orçamentos, não tendo o Governo tal poder. Mas, se atendermos à lei orçamental que aprovámos, lá se diz que o Governo aprovará os orçamentos dos fundos e serviços autónomos. Isto resulta em parte de uma conveniência antiga, que não tradicional, e também do facto de não haver uma exacta coordenação entre o que se dispõe quanto às competências da Assembleia da República e o que se dispõe sobre os orçamentos no artigo 108.° Se o artigo 108.° fosse claro, preceituando que o Orçamento abrange todos os fundos e serviços autónomos, a sua leitura não deixaria margem para dúvidas. A Constituição, na sua totalidade, já não deixa margem para dúvidas, mas o facto de ter a matéria repartida e mal coordenada dá origem a possíveis interpretações, que penso serem suficientemente importantes no seu objecto para que as clarifiquemos aqui.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Concretamente em relação à proposta do PS, estava aqui a ler sossegadamente e a reparar no seguinte: no artigo 108.°, n.° 4, o que diz a Constituição nesta altura é que a proposta de Orçamento é acompanhada de várias coisas e entre elas da situação dos fundos e serviços autónomos. Na proposta do PS o que vem é justamente "a proposta de Orçamento é acompanhada de relatórios [alínea d)], sobre a situação dos fundos e serviços autónomos". Ao fim e ao cabo é uma e a mesma coisa.
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O Sr. João Cravinho (PS): - Nessa matéria é. Mas o facto de a proposta ser acompanhada de relatórios sobre a situação dos fundos e serviços autónomos resulta do facto de termos de aprovar os orçamentos respectivos.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Mas isso é uma coisa que aqui não está contida.
O Sr. João Cravinho (PS): - Sim, não está contida. Por isso mesmo, na minha primeira intervenção, especifiquei que o PS está aberto a alterar o seu n.° 1, tornando-o mais preciso. E até propus que se dissesse: "O Orçamento do Estado abrange todos os fundos e serviços autónomos e contém..." Em relação à nossa própria proposta, tendo em atenção a altura em que foi elaborada e tendo em conta os desenvolvimentos que constam de outras propostas, pensamos que há vantagem em torná-la ainda mais clara. Estamos abertos a isso e não consideramos desdouro nenhum aperfeiçoar a nossa proposta com os contributos que outros projectos trazem.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, só uma pequena achega, com um exemplo muito prático e muito concreto. Nós aprovámos, neste momento, em termos de Assembleia da República, a transferência de uma verba do chamado Orçamento do Estado para o Serviço Nacional de Saúde, que é um serviço autónomo. No entanto, o orçamento do Serviço Nacional de Saúde, as contas deste serviço estão completamente à margem da Assembleia da República. Dou este exemplo porque em termos quantitativos é um "bolo" muito pesado no próprio Orçamento do Estado strictu sensu. Faço-o só para chamar a atenção, porque é um caso caricato, do meu ponto de vista.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Na sequência deste fio de achegas suscitadas pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação, parece-me que a questão fundamental que suscita (e é curiosíssimo que o faça!) significa que está a fazer uma certa leitura do preceito constitucional e uma leitura face aos critérios hermenêuticos normais que conhece. O seu espanto pelo facto de alguém poder aventar que não se compreenda no preceito aquilo que pela sua leitura lhe atribui parece-me significativo, porque, se há um ponto sensível para se apurar se as competências estão a ser respeitadas ou defraudadas, é precisamente o de saber o que escapa à Assembleia, por esta ou aquela razão. Fazendo-se as contas (não tenho aqui a indicação especificada do que isso significa em termos orçamentais e menos ainda o rastreio disso nos orçamentos posteriores à revisão de 82), indo só ao que decorre do orçamento em vigor, imagine-se, por exemplo, o que significa em termos de grau de desvio, e a acrescer ao exemplo dado pelo meu camarada Octávio Teixeira, o facto de o Governo aprovar por mero despacho interno, e portanto à revelia da decisão parlamentar, orçamentos tão volumosos como por exemplo o do Fundo de Turismo ou do liquidado Fundo de Habitação e dos seus herdeiros e sucessores.
Ora bem, a Constituição adequadamente interpretada deveria conduzir, e a primeira lei de enquadramento apontava para isso, à extinção obrigatória de todos os fundos autónomos, num período que não estava especificado, mas constituía clara linha de tendência.
O não se cumprir esse caminho de garantia de plenitude, de verdade de totalidade orçamental, e o facto de se insistir em práticas traduzidas na aprovação de orçamentos dos fundos e serviços autónomos por mero despacho, por membros do Governo (já nem é pelo Governo qua tale mas por membros de Governo singularmente tomados!) implicam um desvio e até uma desnaturação de competências que não são delegáveis, uma vez que a Assembleia não pode conceder autorizações legislativas em matéria de decisão orçamental. É matéria absolutamente insusceptível de qualquer forma de transferência, situada, portanto, num domínio inteira e absolutamente reservado. Por consequência, os desvios introduzidos por interpretações verdadeiramente sem a mínima cobertura, mas instituídas, sedimentadas e objecto de grande insistência, são um mal a excluir.
Creio que o facto de se procurar precisar todo este quadro em sede de revisão constitucional poderia ser da maior utilidade e a interrogação do Sr. Deputado Carlos Encarnação nesse sentido é uma reacção de leitura imediata (e de resto genuína) daquilo que decorre do princípio da separação de poderes nesta matéria e que não é compatível com as actuais formas de miscigenação entre a intervenção parlamentar e governamental (e dentro desta a intervenção singular de membros do Governo avulsamente tomados). É um absurdo que opções destas passem da assembleia representativa de todos os portugueses para um membro do Governo, que singularmente exerce competências aprovatórias no mais típico dos domínios reservados tradicionalmente aos parlamentos.
O Sr. Presidente: - Há também uma questão a ser-lhe colocada pelo Sr. Deputado João Cravinho e depois respondia conjuntamente às duas.
O Sr. João Cravinho (PS): - Era no sentido de chamar a atenção, precisamente no âmbito do processo orçamental de 1988, para uma das questões que mais tarde se veio a colocar, e teve posterior desenvolvimento, relativa a estes processos de aprovação de orçamentos, que num caso são da ordem dos 40 milhões de contos. Esses despachos nem sequer são publicitados; não são publicados, pura e simplesmente. Há aqui, de facto, qualquer coisa de profundamente omisso, para não dizer errado, que leva um membro do Governo a pensar que actua no pleno uso das suas competências ao aprovar orçamentos da ordem dos 40 milhões de contos (se fosse l milhão de contos, a questão era a mesma, do ponto de vista das competências) sem sequer se proceder à publicação do despacho de aprovação.
Isto só é possível porque a Constituição permite, com certeza, leituras extremamentes diferentes das que alguém com bastante experiência constitucional sugeriria, sendo nesse caso aconselhável que a Constituição seja conformada com aquilo que é o senso comum, o entendimento normal destas matérias. Julgo que a Constituição não deve ser feita para ser interpretada por um grupo de peritos. Deve sim, como lei fundamental do País, ser acessível, no seu entendimento, a qualquer de nós, sobretudo a um membro do Governo. Se não o é, temos de a corrigir.
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O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Em súmula, diria o seguinte. Já compreendi perfeitamente o objectivo daquilo que era pretendido pelas posições quer do PS quer do PCP. VV. Exas. o que querem é algo diferente daquilo que sugeria e daquilo que me era dado entender. VV. Exas. o que querem é, em termos claros, acrescentar, para clarificar o conteúdo das exigências relativas ao conteúdo do Orçamento e, além disso, uma outra coisa que são exigências relativas aos relatórios suplementares para o acompanhamento da verificação do Orçamento. São duas coisas distintas. Umas estão na Constituição nesta altura, no artigo 108.°, e outras dela não constam.
O Sr. João Cravinho (PS): - Sim, no sentido de nos habilitar a melhor exercer poderes que já existem e não no sentido de alargar poderes.
O Sr. Presidente: - Gostava também de me inscrever, até porque fui objecto de algumas referências pelos Srs. Deputados Octávio Teixeira e João Cravinho, e repetir aquilo que já disse há pouco.
Em primeiro lugar, julgo que é importante não confundir o cumprimento da Constituição com a sua eventual violação. O cumprimento da Constituição significa que deve haver uma transparência em matéria orçamental e portanto a hipótese, a possibilidade, de alguém, dolosamente, querer ocultar determinados elementos e não corresponder à verdade orçamental; isso significa pura e simplesmente, com o actual texto, uma violação das normas constitucionais. É evidente que nós não podemos estar livres, visto que os seres humanos gozam de autonomia, que alguém queira usar a sua liberdade em termos indevidos em face dos preceitos normativos. Mas isso também com estes preceitos sempre seria possível.
A nossa divergência não resulta tanto do facto de eu não estar de acordo em que a maior parte das coisas aqui referidas, porventura até na sua totalidade, poder ser útil para a instrução do Orçamento, mas da inclusão deste normativo no texto constitucional. Aí é que reside a nossa divergência e ela resulta fundamentalmente do seguinte: em primeiro lugar, porque penso que não está a ser devidamente valorada a lei do enquadramento orçamental; em segundo lugar, e de uma maneira mais significativa, porque julgo termos algumas diferenças de entendimento quanto àquilo que deve constar de um texto constitucional. Para mim, um texto constitucional não é um regulamento, mesmo um regulamento com "r" maísculo, não é uma lei de enquadramento da contabilidade pública. O texto constitucional define apenas os grandes e fundamentais princípios e, portanto, não vejo que seja útil e, digamos, que contribua para o engrandecimento da Constituição enxameá-la de um conjunto muito vasto e pormenorizado de preceitos, com o risco de se começar a conceber de que aquilo que lá não está não é exigível ou não é importante, porque este excesso de regulamentação pode ter, inadvertidamente, um efeito que sociologicamente se designa por efeito perverso, de pensar que se pode dispensar o cumprimento sempre que não estiver minuciosamente referido, isto é, poderia permitir uma interpretação um pouco burocrática ou de manga de alpaca da Constituição.
Por outro lado, julgo que a natureza da norma constitucional não é compatível com a ideia, que porventura se justifica em termos de legislação ordinária, de que, quando haja conflito de jurisprudência, a lei venha a definir qual a orientação que deve ser a do ordenamento nesta matéria. Acresce, aliás, que neste caso nem sequer há conflito jurisprudencial, porque a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo, a pouco e pouco, a sedimentar-se sempre numa orientação que não tem sido conflituante com acórdãos anteriores. Portanto, nem sequer existe essa situação em que se legitima a intervenção do legislador ordinário e, repito, a modificação que está subjacente a esta ideia da intervenção do legislador ordinário não é a mesma coisa no nível constitucional. Portanto, a minha ideia é a seguinte: estamos naturalmente abertos a alguma melhoria - por exemplo, uma melhoria possível seria acrescer à classificação económica a classificação funcional e orgânica -, mas gostaria, no entanto, de ter mais tempo para reflectir sobre o assunto. Penso que pode haver alguma outra questão que tenha sentido, mas não já exigir, por exemplo - julgo que o PS vai até ao ponto de o dizer -, que a proposta de OE vá acompanhada de relatórios sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Em minha opinião, estes relatórios, embora pense que o SNS e os gastos inerentes são importantes, só serão importantes para a instrução. Inclui-los aqui no texto constitucional, quando nem sequer estão incluídos na lei do enquadramento orçamental, parece-me um manifesto exagero que é revelador de propensão regulamentarista de que há pouco falei.
Tanto quanto julgo, os propósitos do PS e até do PCP não são no sentido de vir reforçar os poderes da Assembleia da República, ou de então alterar o equilíbrio de poderes. Estou completamente de acordo com algumas precauções a tomar no nível de legislação ordinária, mas não vejo que se torne necessário consignar na Constituição estes desenvolvimentos, salvo um ou outro ponto que eventualmente se torne particularmente necessário para aclarar algum aspecto do texto constitucional, mas ao nível dos grandes princípios.
Porém, quando me dizem que há aqui um outro tipo de problema resultante da nova situação adveniente da integração na CEE, respondo que esse é um outro tipo de problema que não poderia ser aqui resolvido na maior parte dos casos e para cuja solução o qual nós manifestámos a nossa abertura quando discutimos o problema da aprovação dos planos ou dos programas por parte da Assembleia da República. É efectivamente um problema real que temos vindo a sentir. De resto, na Comissão de Economia, Finanças e Plano (CEFP) tem sido várias vezes manifestado - ainda recentemente quando fizemos uma deslocação à CEE isso foi manifesto. De resto, o Governo, pela voz do actual titular da pasta das Finanças também reconheceu que se trata de uma situação nova que implica uma ponderação e uso da imaginação para encontrarmos soluções equilibradas e que na verdade não têm neste momento na Constituição um mínimo de referência; por isso, há pouco ao comentar, do meu lado, com algum sentido de humor, a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, sublinhei que na sua intervenção nesse ponto, merecia ser isolada do resto, pois era um aspecto
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importante a merecer ponderação como foi já devidamente salientado quando apreciámos as propostas do PSD e do PS a propósito das questões de planificação.
Com isto eu não queria dizer que estamos fechados a qualquer alteração, pois penso que se houver um aspecto extremamente importante no nível constitucional, o iremos consignar. No entanto, transpor para a Constituição a Lei de Enquadramento Orçamental parece-nos francamente não ser apropriado à natureza da nossa lei fundamental. É uma questão que não tem a ver com a bondade das soluções, repito que estamos de acordo que a instrução do processo orçamental seja feita com os documentos que carreiem a informação necessária a um juízo é importante e até essencial para que a Assembleia possa desempenhar o seu papel, o papel que lhe foi cometido na revisão de 1982 e que nós, como o Sr. Deputado João Cravinho reconheceu logo no início, não impugnamos, antes pelo contrário reconhecemo-lo e queremos reforçá-lo, entendendo, no entanto, que esse reforço não é feito pela via que VV. Exas. propõem. Há aqui uma divergência, mais de método e de nível no ordenamento jurídico do que quanto à substância.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.
O Sr. João Cravinho (PS): - Estaremos todos de acordo que o Orçamento é, de longe, o principal instrumento de intervenção do Estado na vida económica e financeira do País.
O Sr. Presidente: - Estamos!
O Sr. João Cravinho (PS): - Sendo assim, a importância excepcional deste instrumento merece, apesar de tudo, que a Constituição lhe dê algum tratamento, não digo pormenorizado, mas pelo menos suficientemente preciso em conformidade com o que está em jogo através do Orçamento.
Estaríamos, pois, na situação de ter de ponderar se o que se diz nas diversas propostas sobre o artigo 108.° é excessivo ou demasiado pormenorizado, não em si mesmo, mas no equilíbrio global da Constituição. Lendo a Constituição, constato o seguinte: determinados aspectos que dizem respeito ou a direitos, liberdades e garantias, ou a determinados processos políticos ou de outra natureza tiveram um tratamento relativamente desenvolvido...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não vai lá pela estatística.
O Sr. João Cravinho (PS): - Não é pela estatística, mas por uma outra coisa, porque suponho que quem influiu na redacção da Constituição nos seus diversos capítulos tinha uma noção da importância das coisas, um conhecimento profundo das temáticas em causa e das dificuldades a resolver, e procurou rodear-se de algumas garantias necessárias a esses processos.
Sucede que, de um modo geral, a Constituição financeira é extremamente pobre. E cito apenas um exemplo: o que aqui se diz sobre o Tribunal de Contas demonstra que se trata de uma matéria que não dá particular conforto a ninguém...
O Sr. Presidente: - Estamos abertos a algum enriquecimento.
O Sr. João Cravinho (PS): - ... porque, sendo o Tribunal de Contas um dos pilares fundamentais da garantia da boa execução orçamental e uma instituição que deveria ter uma competência claramente definida para poder intervir no processo de avaliação do instrumento mais importante que o Estado tem ao seu dispor para interferir na vida económica, está insuficientemente tratado do ponto de vista constitucional.
O Sr. Presidente: - Não é por aí.
O Sr. João Cravinho (PS): - Para não falar do resto.
Repare que temos um artigo 108.° no qual se quer concentrar o conjunto de normas que permita desfazer equívocos e dar precisões sobre matéria que não é acidental e secundária, mas sim matéria eferente ao processo mais decisivo de interferência do Estado na vida económica. Dir-me-ão que mesmo assim há pormenores que não devem ser incluídos, pois há limites para tudo. Há limites para a inclusão e limites para a exclusão, que são as duas coisas que estão aqui a ser balanceadas. Quando na base dos preceitos actuais há inúmeras confusões, inclusivamente por parte de membros do Governo - não é um problema de má fé ou doloso, mas o problema do exercício de competências, na leitura que esses membros do Governo fazem da Constituição, que corresponde, de facto, a coisas absolutamente contrárias àquilo que deveria ser o entendimento constitucional -, das duas uma: ou são os membros do Governo que estarão mal, e tão mal que não se sabe como é que chegaram a membros do Governo, ou será a Constituição que é confusa. Mas não interessa agora dirimir esta questão.
O Sr. Presidente: - Não se esqueça da Lei de Enquadramento Orçamental.
O Sr. João Cravinho (PS): - O que interessa é reconhecer que a importância excepcional deste processo justifica uma clarificação face à prática actual.
Terminaria defendendo uma proposta do PCP. Gostaria apenas de lembrar que uma das coisas que me parece mais correcta é a explicitação, na Constituição, de que o Orçamento é elaborado de acordo com a Lei de Enquadramento Orçamental. Isso resolve algumas das dificuldades, mas não resolve todas, visto que há aspectos que não constam, ou constam mal, da Lei de Enquadramento Orçamental, como é o caso das relações com o exterior e o caso da elencagem precisa da informação necessária ou absolutamente essencial. Esta deveria ter dignidade constitucional, por que sem informação o processo orçamental não vale nada. Ao apreciar um orçamento elaborado por um verdadeiro exército de funcionários (uns milhares), como poderei, sem ter uma elencagem precisa de informação, apreciar seja lá o que for!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Cravinho, apesar dos sorrisos cépticos do Sr. Deputado José Magalhães, na realidade pensamos que o Orçamento tem de ser elaborado segundo a Lei de Enquadramento Orçamental. Porventura poderemos admitir que esse seja um inciso a introduzir no texto constitucional.
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Isto significa que, ao contrário das observações malevolentes feitas pelo Sr. Deputado José Magalhães, nós estamos abertos a encontrar soluções que sejam justificáveis tendo em conta a natureza da norma constitucional e, por outro lado, que somos imunes àqueles comentários maliciosos.
É uma coisa completamente diferente da de reproduzir a Lei de Enquadramento Orçamental no texto constitucional. Basta dizer algo que é óbvio, mas que aceitamos, ao dizer no texto constitucional, que a Lei de Enquadramento Orçamental deve reger a elaboração do Orçamento.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, gastaria vinte segundos para dizer apenas que o intuito da proposta está claro naquilo que o Sr. Deputado João Cravinho explicou. Não se trata de limitar o Governo, trata-se de ampliar os instrumentos de informação da Assembleia da República numa decisão magna do Parlamento sobre matéria em que particularmente a relação entre o Governo e a Assembleia se traduz numa manifesta troca desigual. E o argumento que o Sr. Presidente deu em relação entre a Lei de Enquadramento Orçamental, o estatuto constitucional das normas de elaboração do Orçamento e a Lei do Orçamento propriamente ditas, permite-me recordar que o PS incluiu a Lei de Enquadramento Orçamental como umas das leis paraconstitucionais.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Vitorino, use mas não abuse.
O Sr. António Vitorino (PS): - Penso que o Sr. Deputado Rui Machete pode ditar para a acta todas as declarações de "desamor" pelas leis paraconstitucionais, o que me parece que não pode é apesar de tudo ignorar qual o sentido global da proposta do PS. Se a Lei de Enquadramento Orçamental for uma lei paraconstitucional, nos termos em que nós a propomos, é possível retirar até do artigo 108.° muitas das coisas que ele hoje já contém na sua redacção actual e não fará sentido incluir todas as normas que nós propomos que lhe sejam acrescentadas. Parece-nos que na lei paraconstitucional que propomos, a Lei de Enquadramento Orçamental, há duas vertentes fundamentais: uma é a maioria qualificada para aprovação, a outra é o seu valor reforçado. Se o Sr. Deputado Rui Machete me diz que a sua oposição de princípio é à maioria qualificada de dois terços para a aprovação de uma lei paraconstitucinal, mas não ao reconhecimento do valor supralei ordinária da Lei de Enquadramento Orçamental, então tem forçosamente de reconhecer que à semelhança de outros pontos da Constituição onde já exprimiu esta mesmíssima opinião, é lógico que tentemos verter para o artigo 108.° da Constituição, em que existem regras aprovadas por dois terços, o conteúdo essencial do que seria a lei paraconstitucional de Enquadramento do Orçamento de Estado, devendo para o seu estatuto de lei ordinária reservar-se essencialmente o seu valor reforçado do que propriamente o requisito de uma maioria de dois terços para aprovação.
Portanto, este é um esforço de aproximação em relação a uma realidade que para o PS é muito importante na Constituição e que não resulta de qualquer anomalia de interpretação jurisprudencial ou da tentativa de verter para a Constituição um caminho jurisprudencial feito pelo Tribunal Constitucional, mas corresponde ao assinalar de uma temática tão relevante para o PS que nós próprios lhe demos o estatuto e o valor de lei paraconstitucional.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Vitorino, a sua argumentação foi muito interessante, mas devo dizer que é verdade que das objecções muito importantes que pomos ao problema das leis paraconstitucionais é a questão da forma da sua elaboração, a circunstância de na proposta do PS se exigirem dois terços para a sua aprovação.
Deixando de parte essa questão, que não é irrelevante, a verdade é que, hoje já existem leis de bases, o artigo 115.° já consigna esse aspecto e não estamos, portanto, a falar de uma novidade e já existem leis materialmente constitucionais. Pergunto-lhe se a lei de Enquadramento Orçamental não deve ser considerada como uma dessas leis.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, não deve, de facto, porque não é uma lei de bases, porque o desenvolvimento da Lei de Enquadramento Orçamental não se faz por decreto-lei de desenvolvimento de lei de bases.
A relação entre a Lei do Orçamento e a Lei de Enquadramento Orçamental não é uma relação entre o decreto-lei de desenvolvimento de uma lei de bases e a lei de bases.
O Sr. Presidente: - Tem toda a razão, mas queria dizer que, independentemente da questão do seu desenvolvimento ser algo que é feito pela Assembleia da República e portanto saber se é uma lei como as outras ou é uma outra realidade jurídica - que é algo que já preocupou muita gente a começar pelo Labaud - a verdade é esta: do ponto de vista do seu posicionamento no ordenamento jurídico todos nós temos vindo a reconhecer que essa lei não pode ser violada pelo Orçamento, sob pena de não fazer sentido - é algo de similar aquilo que se passa entre o regulamento e a sua derrogação singular. Portanto, nessa matéria não se têm suscitado opiniões divergentes, nunca ninguém sustentou, tanto quanto sei, que é possível uma derrogação singular pela via do Orçamento da Lei de Enquadramento Orçamental e temos vindo progressivamente a pôr-nos de acordo quanto às matérias que aí existem. A existência da Lei de Enquadramento Orçamental é a demonstração prática da inutilidade do sistema complexo que VV. Exas. propõem, ao contrário daquilo que inicialmente se poderia depreender do raciocínio de V. Exa. Quer dizer, cria-se uma coisa complexíssima com a agravante de poder, eventualmente, ajuizar-se de uma maneira diferente dos vossos resultados, senão das vossas intenções, ao criar essas leis reforçadas, quando, na prática, já há uma demonstração clara de que a estabilidade que se pretende, e o consenso que se pretende, podem ser alcançados por outras vias - como por exemplo a Lei do Enquadramento Orçamental.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado Rui Machete, esse tipo de argumento é totalmente reversível.
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O Sr. Presidente: - Mas foi por isso que, como V. Exa. o usou, primeiro, no outro sentido, ele reverteu. Tem toda a razão. Ele é reversível, mas poder ser utilizado em ambas as...
O Sr. António Vitorino (PS): - É que não está aqui em causa apenas a questão do valor reforçado, também está a da maioria de aprovação, na nossa proposta. Mas, passando por cima disso, se a distância entre a prática constitucional e o estatuto que nós pretendemos para a lei de enquadramento do orçamento é tão pequena, como o Sr. Deputado acabou de exprimir, que eu diria quase nula, então por que não explicitá-lo no texto da Constituição?
O Sr. Presidente: - Há princípios da economia de meios e de valor formal.
O Sr. António Vitorino (PS): - Mas porquê em matéria tão relevante como o Orçamento?
O Sr. Presidente: - Porque é inútil. Não tem sido útil. A experiência tem demonstrado que não tem sido útil. E é essa a razão que me leva a dizer: há uma distância muito grande, apesar de tudo, entre aquilo que é a Lei do Enquadramento Orçamental e aquilo que é a natureza de norma constitucional.
O Sr. António Vitorino (PS): - É que não é totalmente inútil, para efeitos de qualificação do vício de que enferma uma lei orçamental que não acate a lei de enquadramento. Não é irrelevante sob esse ponto de vista. Se se trata de uma inconstitucionalidade indirecta, se se trata de uma ilegalidade qualificada, e também não é quanto à determinação dos efeitos jurídicos do juízo de desconformidade.
O Sr. Presidente: - É verdade. E até justifica algumas teses bem interessantes. Mas convenhamos que é capaz de ter um alcance relativamente limitado.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, segui o debate, que agora se acaba de travar, com a atenção compreensível, dada a matéria (aliás, nada académica), porque tinha presente o Acórdão n.° 461/87 do Tribunal Constitucional, pp. 144 e 145, em especial, em que esta interessante questão chegou a ser abordada para ser ladeada.
Tudo o que agora acabámos de ouvir, e que é palpitante, sobre a natureza do vício que se gera em situações de desconformidade entre, a lei de enquadramento e os diplomas que lhe devem subordinação (e que tem, naturalmente, implicações em relação às competências para a respectiva fiscalização) é objecto da maior incerteza, e nem sequer há jurisprudência assente, a qual, de resto, sempre teria valor precário e seria susceptível de variação, quando creio que o valor a atingir é o da invariação e o da clarificação.
Foi por isso que apresentámos a proposta que apresentámos neste n.° 1, alínea a), que tem de ser correlacionada com a proposta que apresentámos no artigo 115.°, e que tivemos ocasião de discutir e que, nessa sede, não desmereceu alguma atenção - porventura, foi mesmo das poucas merecedoras dessa atenção multipartidária.
Este é um problema realmente fulcral, que pode ser, evidentemente, encarado na óptica em que o PS o encara, isto é, em conjugação com a definição desse novo instrumento que são as leis paraconstitucionais, definidas por recurso a dois elementos - a superioridade hierárquico-normativa e a maioria qualificada da aprovação - ou talvez definidas (o que não percebi bem se era intenção do PS, porque isso seria uma linha de recuo muito interessante), apenas, pelo critério da superioridade. Se bem percebi, o PS dispõe-se agora, em relação ao artigo que qualifica como 166.°-A e que define leis paraconstitucionais por recurso a dois critérios, a prescindir de um dos critérios, para passar a defini-lo apenas por outro. Concretamente, o PS dispõe-se a prescindir do critério da maioria qualificada de aprovação, para passar a definir as leis paraconstitucionais unicamente por um critério de superioridade hierárquica. Mas, se assim é - coisa que não percebi se era -, isso teria implicações óbvias, dada a natureza desse artigo e dada a natureza do instrumento, designadamente na lógica global da revisão constitucional.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sugeria ao Sr. Deputado José Magalhães que não antecipasse conclusões nenhumas em relação ao artigo 166.°-A, porque não é esse artigo que estamos a discutir; que me estava a referir, como é óbvio, ao caso concreto da lei de enquadramento do orçamento...
O Sr. José Magalhães (PCP): - ... lei essa que está enumerada na alínea h) desse artigo, na redacção do PS, Sr. Deputado! Foi por isso que referi a questão...
O Sr. António Vitorino (PS): - Exacto. Nós sempre dissemos que em relação às nossas leis paraconstitucionais, não as tínhamos todas em idêntica valoração. E que estávamos dispostos a estudar soluções para cada um dos casos concretos. Sempre dissemos isso, não é novidade nenhuma, nem o Sr. Deputado José Magalhães pode ver, nas minhas palavras, nenhum recuo significativo e interessante, como se apressou a tentar qualificar.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Interessante para o PSD. Para nós não, seguramente!
O Sr. António Vitorino (PS): - Interesssante também para vós, exactamente pelo mesmo comprimento de onda que para o PSD, eventualmente, só que em sentido contrário.
Em relação àquilo que dizia, o Sr. Deputado José Magalhães é, de todos, o que tem menor autoridade moral para me fazer essa observação, na medida em que o PCP não propõe que essas leis estejam sujeitas a uma maioria qualificada de dois terços, mas sim a uma maioria absoluta de aprovação e a um valor reforçado. Exactamente o cenário que tracei, fazendo dele, não proposta do PS, mas, por exemplo, podia tê-lo, pura e simplesmente, subsumido à própria proposta do PCP.
O Sr. Presidente: - Agora, era a melhor altura de dizer, assaz interessante...
O Sr. António Vitorino (PS): - Pode dizer!
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1148 II SÉRIE - NÚMERO 37-RC
O Sr. Presidente: - Já disse, Sr. Deputado!
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Presidente, apenas suscitei esta clarificação porque me parecia relevante para todos, e, sobretudo, relevante para as perspectivas da revisão constitucional.
O Sr. Presidente: - Tem toda a razão.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Em todo o caso, quanto a este específico ponto, quanto àquilo que deva aditar-se, em termos de clarificação, ao artigo 108.°, gostaria, apenas, de não deixar passar sem um comentário, a observação feita pelo Sr. Presidente quanto a uma pseudo-evidência da solução para que aponta, quanto à natureza jurídica da qualificação do vício de desconformidade entre a norma legal ordinária e a lei de enquadramento. A questão é polémica e altamente polémica, e não apenas no terreno científico.
Sucede ainda que há uma importante questão em aberto merecedora de consideração adicional, qual seja a decorrente de toda a articulação com a inserção de Portugal nas Comunidades. Creio que seria insuficiente a remissão para a lei de enquadramento, mesmo entendendo que esta não é uma das paraconstitucionais "de plástico" e que é uma paraconstitucional "de ferro", mesmo nessa hipótese, a consideração da questão da articulação entre o regime orçamental nacional e os regimes orçamentais comunitários mereceria mais atenção com vista a uma adequada solução em sede constitucional. É que, desde logo, os ritmos e os calendários de uns e de outros instrumentos orçamentais conduzem, neste momento, a um resultado tão inteiramente perverso que, quando o Parlamento nacional considera certas questões orçamentais fulcrais, corre o risco de já as encontrar fechadas, ou então, quando o Parlamento nacional equaciona certa questão, ela está excessivamente aberta para poder ser encarada, utilmente, em termos de definição concreta das contrapartidas nacionais aos financiamentos dos fundos comunitários. Isso origina um verdadeiro nó cego!
O Sr. António Vitorino (PS): - Em primeiro lugar, acho que o Sr. Deputado José Magalhães, que tem uma vastíssima cultura geral, sabe perfeitamente que os materiais não se resumem ao plástico e ao ferro, há várias outras fibras sintéticas que explicam estádios intermédios...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Há a velha borracha também...
O Sr. António Vitorino (PS): - ... portanto, não vale a pena estar a tentar qualificar d'avance que tipo de paraconstitucional é que é esta.
Em segundo lugar, não me parece que possa fazer essa ligação entre a nossa proposta das paraconstitucionais e da lei de enquadramento do orçamento, e o problema da integração dos planos comunitários de desenvolvimento do País. A questão dos planos comunitários de desenvolvimento do País só se coloca à luz do n.° 5 do artigo 94.° da proposta do PS, e que é do PS, e não do PCP. E a questão das verbas decorrentes do orçamento comunitário insusceptíveis de serem inscritas no Orçamento do Estado, não resultam do facto de se tratar de uma lei paraconstitucional, mas, sim, do facto de a Constituição, já hoje, consagrar o princípio da unidade orçamental - o que é completamente distinto, e não tem rigorosamente nada a ver com as paraconstitucionais.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Pois não, Sr. Deputado, a não ser na medida em que o PS propõe que tudo passe a ter a ver com as paraconstitucionais, ao incluir essas matérias como alínea h) do artigo 166.°-A!
O Sr. António Vitorino (PS): - Não, Sr. Deputado José Magalhães, porque nós nunca descemos abaixo do nível que a Constituição já hoje consagra, em relação ao artigo 108.° da Constituição. Porque, se a paraconstitucional não for dotada de uma maioria qualificada de aprovação, é óbvio que o patamar, o limiar, do que está no artigo 108.°, está adquirido. Portanto, o seu argumento é uma falácia.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, a esta hora, só faria falácias involuntariamente! No caso concreto, o que nos preocupa é o facto de o patamar constitucional suscitar substanciais dificuldades de ajustamento e de interpretação devido, designadamente, às descoincidências de calendário, que têm levado a fenómenos um tanto absurdos, designadamente quanto à não discriminação de despesas a suportar a título de contrapartidas nacionais a financiamentos de fundos comunitários. Mas este é apenas um dos aspectos da questão. Esse aspecto, que a Constituição não podia prever, pela razão simples de que em 1982 se estava a quatro anos da adesão, merece alguma ponderação, agora fora da reflexão sobre se o instrumento PC é adequado ou se o instrumento Orçamento (na sua matriz constitucional) é a sede própria e adequada. Creio, aliás, que o facto de o PSD ter revelado, nessa matéria, alguma percepção do grau de melindre da questão nos cria um quadro e um clima propício a que essa reflexão desemboque em alguma solução, ainda que magra, ou seja, de conteúdo e de densidade apropriadas à matriz constitucional (mas não minguada, no sentido de desproporcionada em relação às necessidades). Foi, apenas, nesse sentido que apelei.
Creio que valeu a pena, de qualquer das formas, fazer esse esforço de aprofundamento da reflexão necessária. O debate que acabámos de travar será disso, rigorosamente, a melhor prova, deixando-nos a todos o encargo de alguma pesquisa adicional em relação aos pontos em que a aqui geralmente criticada desconformidade entre as situações decorrentes da integração e a prática orçamental é mais flagrante e origina mais dificuldades.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, a discussão já vai avançada, mas gostaria de manifestar a minha opinião acerca de uma alínea - a alínea f) - da proposta do PS. Tal alínea está embutida num conjunto de alíneas respeitantes a entidades que, em princípio, poderão prestar contas ao Governo da República, mas parece-me que a referência às regiões autónomas surge um pouco deslocada e mesmo desamparada, porquanto, se, em relação às outras entidades, ainda se
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pode colocar a questão de elas prestarem contas à Assembleia da República, é sabido que, quanto à situação financeira das regiões autónomas, os governos regionais é que são responsáveis por ela e prestam contas à assembleia regional, onde também tomam assento os partidos que estão aqui representados. Portanto o PS poderá, a todo o momento, questionar o governo regional sobre a situação financeira da região autónoma, porque tem assento na assembleia regional respectiva.
Se houver a preocupação informativa - e foi essa, sem dúvida, a preocupação que motivou o proponente -, também é certo que o governo regional entrega sempre, juntamente com o orçamento para o ano respectivo, as contas do ano anterior - e essas contas são publicadas e ficam ao dispor de quem as quiser analisar. Portanto, o acesso à informação não está vedado. Sou deputado pelos Açores ...
O Sr. António Vitorino (PS): - Mas também é deputado pelo PSD!
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sim. Mas no caso em apreço parece-me que não há qualquer espécie de obstaculização em relação à análise da situação financeira da região que represento.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - O termo, que o Sr. Deputado Maciel utilizou, "prestar contas", não está, na nossa maneira de ver, contido nesta norma. Não há "prestar contas" nenhum. Simplesmente, como a Assembleia da República vota, por exemplo, dois instrumentos fundamentais - a transferência de verbas do Orçamento do Estado para as regiões autónomas e o limite máximo da capacidade de endividamento das regiões - é natural que essas decisões tenham de ser tomadas no conhecimento da situação financeira das regiões. O que é o conhecimento da situação financeira das regiões? Pode ser o conhecimento das contas públicas, publicadas, no caso dos Açores. Como deve calcular, "uma andorinha não faz a Primavera": os Açores não consomem a utilidade prática deste preceito que, em relação à Madeira, é bastante mais relevante. Isto é, em matéria de publicação de contas, no caso da Madeira, provavelmente só o Sr. Alberto João Jardim é que sabe o que é que se passa...
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, proponho que a matéria respeitante às regiões autónomas seja objecto de consideração adiante, quando pudermos examinar os aspectos que lhes dizem especificamente respeito - artigos 227.° e seguintes. Como provou o debate que sobre a matéria travámos a propósito dos regimes de enquadramento da elaboração dos orçamentos regionais (questão que, de resto, originou um bastante interessante acórdão do Tribunal Constitucional), há vários aspectos de relacionamento e de articulação entre a actividade financeira das regiões autónomas e todo o quadro em que se desenrolam as finanças públicas, portanto, as finanças da República, que envolvem questões de grandíssimo melindre (já não refiro as práticas, refiro só o desenho constitucional e a articulação em abstracto) merecedoras de alguns afinamentos. Alguns desses afinamentos estão propostos, outros nem tanto. Alguns dos Srs. Deputados do PSD-Madeira voluntariaram uma base para essa discussão - quanto a nós é uma base bastante difícil de aceitar, para não dizer mais. Em todo o caso, o debate está lançado e, na altura e circunstância próprias, poderemos, com melhor proveito, aprofundar o debate, porque ele merece ser aprofundado. Seria lamentável que discutíssemos, com alguma preocupação de rigor e aprofundamento, todos os aspectos relacionados com o artigo 108.°, na parte em que ele é matriz geral do nosso direito orçamental (incluindo, portanto, o das regiões autónomas), e não considerássemos, minimamente, os aspectos e as implicações específicas em relação às finanças públicas regionais.
Gostava só de dizer, em relação à proposta apresentada pelo PCP, que não há nenhuma dúvida - aliás, creio que o Sr. Deputado Maciel entendeu isso perfeitamente - sobre o estatuto da norma que nós propomos, no n.° 4 da nossa redacção para o artigo 108.°, quanto à situação financeira das regiões autónomas. Esse aspecto foi clarificado, aliás, pelo meu camarada Octávio Teixeira. Trata-se de especificar a inclusão obrigatória de informações sobre as finanças regionais nos relatórios que devem acompanhar a proposta de lei do Orçamento.
Por vezes, a factibilidade disso será condicionada pelos próprios regimes e prazos de elaboração dos orçamentos. Esse retraio da situação financeira regional reflectirá, em regra, a situação existente à data da proposta de lei do Orçamento e poderá dar um impulso decisivo para a definição da situação financeira das regiões no exercício orçamental a que vai dizer respeito. O risco receado de ingerência é, pois, nulo: trata-se, normalmente, de um retrato não do futuro mas do passado; as normas sobre a elaboração do Orçamento não permitem que seja coisa diferente disso. Mas parece bastante importante fazê-lo. Por outro lado, a margem de inovação não é muito grande: se o Sr. Deputado Maciel e os outros Srs. Deputados se lembrarem do que é que, por exemplo, a proposta de lei do Orçamento, este ano, referia sobre essa matéria e das dificuldades que isso originou, teremos traçado o quadro que motiva a necessidade de uma clarificação. Foi isso que propusemos. Nada mais...
O Sr. Presidente: - Quanto à preclusão, é evidente que não há preclusão da discussão. Quanto à discussão, no que diz respeito às regiões autónomas, na altura oportuna será retomada.
Penso que, quanto ao resto, o artigo 108.° ficou suficientemente dilucidado nesta primeira leitura, que era aquilo que nos competia fazer.
Amanhã vamos recomeçar as nossas actividades, com o artigo 117.°, às 15 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 20 horas e 20 minutos.
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Comissão Eventual para a Revisão Constitucional
Reunião do dia 28 de Junho de 1988.
Relação das presenças dos Srs. Deputados:
Rui Manuel P. Chacerelle de Machete (PSD).
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
António Costa de Sousa Lara (PSD).
José Augusto Ferreira de Campos (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Miguel Bento da Costa Macedo e Silva (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
Alberto de Sousa Martins (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
João Cardona Gomes Cravinho (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Eduardo Vera Cruz Jardim (PS).
José Manuel Santos Magalhães (PCP).
José Manuel Mendes (PCP).
Miguel António Monteiro Galvão Teles (PRD).