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Encerrada a discussão do artigo 59.º, vamos passar à proposta de aditamento de um artigo 59.º-A, apresentada pelo PCP, cuja epígrafe é "Garantias especiais da retribuição". Dispenso-me de a ler, uma vez que ela consta dos documentos.
Para apresentar a proposta, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que a proposta de artigo é bem explícita.
Relativamente ao n.º 1, alguma jurisprudência tem feito - alguma, não toda - uma interpretação da Constituição no sentido de que não pode ser penhorado o salário mínimo porque, nos termos da Constituição, esse é o montante necessário para a subsistência mínima do indivíduo. Portanto, essa jurisprudência decidiu no sentido da impenhorabilidade do salário mínimo. Mas outra jurisprudência não tem enveredado por essa interpretação.
De facto, cortando qualquer coisa ao salário mínimo, tal deixaria as pessoas em extremas dificuldades e, nesse sentido, entendemos que, salvo os casos das dívidas de natureza alimentar (porque aí incluem-se pensões para menores, para cônjuges, para pais, etc.), nos limites da lei, deveria a Constituição assegurar a protecção do salário mínimo contra penhoras.
Relativamente ao n.º 2, propomos que fique constitucionalmente consagrado - para que a lei não possa ser alterada noutro sentido - que todos os créditos, não só a questão dos salários em atraso mas também os créditos relativos à cessação do contrato de trabalho ou a qualquer violação desse contrato de trabalho, tenham preferência em relação aos pagamentos na sua graduação.
Finalmente, no n.º 3 propomos a constitucionalização de garantias civis e penais do pagamento pontual da retribuição devida aos trabalhadores por contra de outrem.

O Sr. Presidente: * Feita a apresentação da proposta, vamos passar à sua discussão, Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, esta proposta é uma proposta repetente ou recorrente. Tive ocasião de a discutir na segunda revisão constitucional.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sim, há várias!

O Sr. José Magalhães (PS): * Tivemos ocasião de a discutir na segunda revisão constitucional e a verdade é que não se chegou a apuramentos que não tivessem consequências brutais na ordem jurídica, designadamente o privilégio creditório absoluto, o mesmo se passando em relação aos termos da redacção do preceito atinente ao salário mínimo, bem como às sanções penais para os salários em atraso, para o atraso no pagamento pontual das retribuições.
A verdade é que a proposta surge tal qual foi feita originariamente, em 1989; não surge sequer sob forma que corporizasse os resultados do debate de 1989, que apontavam para uma depuração, simplificação e redução de conteúdo.
É pena que assim ocorra, mas suponho que com esta dimensão estão intactos todos os factores e todas as razões que levaram a considerar incomportável, em 1989, a incorporação de um preceito deste tipo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Gostava que o Sr. Deputado José Magalhães pudesse ditar para a acta aquilo que ouviu em 1989.

O Sr. José Magalhães (PS): * Não é preciso fazê-lo, porque já consta de acta e, aliás, é uma questão bastante longa e, a meu ver, bastante interessante.
A questão que punha era a de saber se era possível fazer apuramentos em relação a esse estado de debate, ou não.
Em relação aos termos em que está consagrado, ou para que se aponta definitoriamente, quanto ao salário mínimo, aos créditos salariais e às garantias civis e penais, o regresso ao ponto zero, francamente, não me parece vantajoso, desejando-se um acrescento constitucional proporcionado, mínimo e económico que, provavelmente, noutra sede (que não num dispositivo autónomo), incorporasse densificações parciais, medidas. É que em relação a proclamações absolutas, por exemplo em relação à tutela dos créditos salariais, as consequências de inconstitucionalização de legislação ordinária seriam ou poderiam ser, numa determinada leitura, devastadoras. Foi isso que levou, na segunda revisão constitucional, a não ser possível obter um consenso alargado para uma solução desse tipo. Talvez uma solução mínima pudesse ser operativa, mas a verdade é que essa solução mínima não surge - pela nossa parte não o propusemos.

O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, sobre estes três pontos, que, no fundo, são três pontos relativamente autonomizáveis - o problema da natureza do salário mínimo e da sua protecção jurídica específica, a preferência dos créditos salariais e, por último, a fixação de sanções ou garantias para quem não paga justamente o salário de outrem -, levantam-se vários tipos de razões.
Não sei se será correcto dizer assim, tout court, "o salário mínimo é impenhorável". Há situações e situações! Mas suponho que as regras gerais do Código de Processo Civil já comportam aqui o respeito pelo mínimo de existência, pela subsistência das pessoas, e essas regras gerais funcionam aqui, em geral.
Por outro lado, absolutizar os créditos de trabalho relativamente a outros créditos, leva-me a questionar o seguinte: entre um pequeno fornecedor de uma empresa que aufere um pequeno rendimento porque fornece a empresa e um manager de uma empresa que tem um salário e ganha muito dinheiro, por que é que numa situação de complicação o salário do alto quadro da empresa tem um privilégio creditório e o desgraçado que anda a fornecer lápis ou borrachas não tem? É das tais situações em que também não vejo como é que se pode fazer uma afirmação destas em geral.
Quanto ao terceiro ponto, o das garantias civis e penais do pagamento, do meu ponto de vista pessoal (aliás, invocando a minha experiência de pequenino que ia à catequese), aprendi que não pagar o justo salário a quem trabalha é um pecado que brada aos céus. Mas também aprendi, mais tarde, que nem toda a ética se pode transferir para a ordem jurídica, sob pena de absolutizarmos a ordem jurídica e podermos perverter a boa relação entre as pessoas. Também aqui não sei medir esta regra em todas as suas implicações.