Tem, então, a palavra o Sr. Prof. Jorge Miranda.
O Sr. Prof. Jorge Miranda: - Sr. Deputado Vital Moreira, Presidente da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e meu ilustre amigo, agradeço as palavras que me dirigiu. Agradeço também aos membros da Comissão o facto de terem aceite que eu viesse hoje fazer o meu depoimento, uma vez que, em Setembro, não tive oportunidade porque me encontrava no estrangeiro.
Assim, vou tentar aproveitar, o mais rapidamente possível, o tempo que me foi dado, até porque penso que mais importante do que a exposição inicial que eu faça, é o período de pedidos de esclarecimento e de perguntas que, porventura, os Srs. Deputados queiram formular.
Começarei por dizer ou, melhor, por repetir que, a meu ver, esta revisão constitucional é inconstitucional mas não vale a pena insistir nisso, uma vez que o processo está em curso e que outros, que não eu, entenderam que assim não se verificava. Relativamente à revisão constitucional, a minha ideia tem sido a de que uma Constituição só ganha em ter estabilidade, em evitar muitas modificações.
Assim, para além, de resto, das alterações formais ou textuais, aquilo que sobretudo conta, é a vida, é a prática, é a interpretação feita através, designadamente, do Tribunal Constitucional.
Julgo, pois, que a nossa Constituição, depois das revisões de 1982, de 1989 e mesmo, de certa maneira, da de 1992, adquiriu uma consensualidade que, eventualmente, não teria em 1976. Há um acordo, no essencial, entre as forças políticas portuguesas e os cidadãos, a respeito das grandes linhas em que a Constituição assenta: a liberdade política, a democracia representativa e pluralista, o Estado unitário, regional, uma organização económica com intervencionismo estatal mas sem colectivização ou estatização, uma diversidade de sectores de propriedade de meios de produção, a relevância dada a certas organizações e associações surgidas na vida social, a descentralização local, a descentralização em geral da Administração Pública, o princípio da independência dos tribunais, o princípio do controlo dos jurisdicional, da constitucionalidade, através de um sistema misto, com tribunais comuns e Tribunal Constitucional.
A nossa Constituição, de resto, tem sido modelo para muitas outras Constituições - aliás, hoje, a nossa Constituição é considerada, em Direito Comparado, como uma referência nos países de língua portuguesa, nomeadamente na América Latina e mesmo na Europa.
Naturalmente que uma Constituição pode ser sempre aperfeiçoada mas julgo que há outros problemas, muito mais graves do que os problemas constitucionais, que devem merecer a atenção dos portugueses, sendo o primeiro dos quais (talvez só para "puxar a brasa à minha sardinha") o problema da educação, que se encontra em Portugal numa situação extremamente difícil.
De todo o modo, já que foi aberta uma revisão constitucional, já que se entendeu que era conveniente proceder a alterações de fundo na Constituição, eu também aqui me encontro e diria aquilo que julgo que talvez valesse a pena, nessa perspectiva de aperfeiçoamento sem descaracterização da Constituição.
Apresentei uma petição à Assembleia da República em que distinguia alterações que considerava importantes, que, a haver revisão, entendia que deveriam ser feitas; e outras alterações que, a haver revisão, talvez se justificasse também que viessem a ser feitas, embora de menor importância, de menor relevo, no contexto da Constituição.
De entre as primeiras alterações, sublinharia três: as respeitantes à participação da Assembleia da República nos trabalhos e nas decisões referentes à integração europeia; a seguir, e em conexão com isto, as respeitantes ao referendo, de maneira a ser possível a realização de referendo ou a ser tornado menos impossível (se assim se pode dizer) a realização de referendo sobre matérias europeias ou sobre questões relativas à problemática europeia; e as respeitantes ao Tribunal Constitucional, com vista a reforçar a independência do Tribunal Constitucional e a imagem que ele deve ter junto da opinião pública.
Ainda neste âmbito de alterações, a que chamei alterações necessárias, contam-se: a modificação ou a substituição da Alta Autoridade para a Comunicação Social por um Conselho de Comunicação Social muito próximo daquele que tinha sido aprovado ou consagrado na revisão de 1982; no artigo 121.º, a explicitação do princípio da renovação dos titulares de cargos políticos com vista a impedir o anquilosamento e a perpetuação de titulares dos cargos políticos, que se tem verificado em todos os níveis, muito particularmente a nível regional e local; o esclarecimento, pelo menos, de algumas incompatibilidades dos Deputados; a prescrição de uma maioria qualificada relativamente à aprovação de tratados respeitantes à União Europeia; uma pequena modificação referente ao Ministro da República, estabelecendo um prazo para o exercício das suas funções; em relação às regiões administrativas, duas alterações de certa monta - a eliminação do princípio da simultaneidade da criação, em concreto, das regiões administrativas e a prescrição de que a Assembleia Regional é eleita na base das Assembleias Municipais e não por sufrágio directo, ou não com uma parte por sufrágio directo (como hoje acontece); a atribuição às Forças Armadas de uma tarefa nova, que, aliás, já vêm exercendo mas que, porventura, face ao artigo 275.º, deveria aí ser elencada, que é a participação em operações de manutenção da paz; relativamente aos tratados, a criação de uma fiscalização preventiva obrigatória de certas categorias de tratados, no artigo 278.º; no artigo 280.º, a criação de um recurso directo para o Tribunal Constitucional de decisões de outros tribunais quando arguidas de violação de direitos, liberdades e garantias - algo aproximável, mas sem ser rigorosamente, do recurso de amparo; e também, finalmente, em relação à inconstitucionalidade por omissão, a possibilidade de uma fiscalização concreta, ou de um princípio de fiscalização concreta da inconstitucionalidade por omissão, dizendo se assim no artigo 283.º que "se, em qualquer feito submetido a julgamento, o tribunal não puder conferir tutela a qualquer direito fundamental por omissão de lei que torne exequível a correspondente norma constitucional, o tribunal suscitará a questão perante o Tribunal Constitucional".
Estas eram as alterações que eu consideraria mais importantes. Para além das três mais importantes - as mais importantes das mais importantes - que seriam as respeitantes ao reforço do papel da Assembleia da República, ao referendo e ao Tribunal Constitucional, ainda haveria estas.
Depois, haveria alterações que corresponderiam, talvez, a benfeitorias úteis mas que, uma vez que a revisão constitucional é tão extensa como parece que vai ser, também