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à Administração na prossecução da actividade administrativa, mas em qualquer caso não podiam sequer dar ordens ou intimar a Administração a praticar actos ou a abster-se de os praticar.
Julgo que essa interpretação, tendo essa explicação histórica, e, porventura, sendo a interpretação adequada ao momento histórico em que ela surgiu, não faz hoje qualquer sentido e constitui, porventura, o maior problema das relações entre a Administração e os particulares e, possivelmente, a principal fonte da insuficiência da tutela jurisdicional dos direitos subjectivos e também dos interesses nela protegidos dos administrados.
No fundo, o que se pretende, obviamente, é permitir algo que, porventura, se dirá que já hoje é permitido pela Constituição, ou seja, autorizar que o legislador ordinário preveja meios processuais que permitam ir para além da mera anulação dos actos administrativos, isto é, que os tribunais não se fiquem pela mera declaração do direito e possam, positivamente, ordenar ou intimar a Administração a praticar actos ou a abster-se de os praticar.
Isto, de certa forma, já é permitido pela lei. O n.º 5 do artigo 268.º estabelece que "É igualmente sempre garantido aos administrados o acesso à justiça administrativa para tutela dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.". Tem-se interpretado este preceito como constituindo a fonte de um princípio de tutela judicial efectiva no contencioso administrativo e já existem casos, na legislação ordinária, de previsão de meios processuais que permitem, efectivamente, ir mais além do que aquilo que é tradicional.
No direito de urbanismo, em particular na matéria dos loteamentos urbanos, até já houve casos de plena jurisdição em que se permitiu que a própria sentença valesse como alvará. Hoje, permite-se a intimação da Administração para um comportamento de emitir o alvará, quer nos loteamentos urbanos quer no licenciamento de obras particulares, que é, de certa forma, o que aqui se propõe: a intimação da Administração a praticar um acto.
Já há casos previstos na própria Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, designadamente no que respeita à emissão de certidões e à consulta de processos administrativos ou burocráticos, em que se permite que o tribunal possa dirigir uma intimação contra a Administração. E existiria, não fosse o carácter restritivo com que a jurisprudência interpreta alguns dos preceitos de Lei de Processo nos Tribunais Administrativos da lei, seguramente, um meio por excelência para obter este resultado, que seriam as acções previstas no artigo 73.º da referida lei, "Acções não especificadas", as quais, tanto quanto tenho conhecimento, nunca foram utilizadas, ou nos poucos casos em que os particulares a elas recorreram os tribunais encontraram sempre uma qualquer excepção para não conhecer do respectivo mérito.
Aliás, tenho notícia - não presenciei o facto - de o próprio Presidente do Supremo Tribunal Administrativo ter dito que essas acções eram as previstas nos artigos anteriores, querendo com isto dizer que não existiam outras acções que não fossem as especificadas nos artigos anteriores, fechando, portanto, completamente a porta à utilização deste meio.
Aliás, julgo que o risco não é excessivo. Diria mesmo que o legislador foi muito mais longe em 1985, quando previu a intimação para o comportamento. Restringiu esse meio processual no plano da legitimidade passiva aos administrados e aos concessionários, mas esqueceu-se que, ao fazê-lo, permitiu muito mais do que aquilo que se permite com a intimação da Administração, ou seja, que o tribunal se substituísse à Administração e que praticasse os actos que por esta seriam devidos.
Esse meio, hoje, começa a funcionar e há já casos exemplares na jurisprudência que levam, inclusive, a que o tribunal possa ordenar o embargo ou a demolição de obras, substituindo-se claramente à Administração, porque quando o particular recorre ao tribunal para requerer a intimação do concessionário, ou do administrado seu vizinho, fá-lo porque a Administração não age.
Portanto, por esta via, embora formalmente o meio não seja dirigido contra a Administração, o que se permite, em rigor, é que o tribunal se substitua à Administração e pratique, ele próprio, aquilo que seria matéria de acto administrativo através de um seu acto jurisdicional. Assim, o que se previu em 1985 é, em certo sentido, mais do que aquilo que se pretende que hoje fique garantido constitucionalmente.
Na verdade, o que hoje se pretende é um meio processual que permita ao tribunal interferir na actividade administrativa, no sentido de intimar a Administração, de dar ordens ou injunções à Administração, mas não que ele se substitua à Administração administrando - não é isso o que se pretende -, e em rigor, através de meios processuais como o da intimação para um comportamento quando dirigidos a particulares ou a concessionários, o que se permite é que sejam os próprios tribunais a administrar, aplicando o direito ao caso concreto e substituindo-se à Administração, em regra, em virtude da sua inactividade.
Apesar de tudo, julgo que hoje em dia há uma maior abertura para a consagração de meios processuais deste tipo. Tanto quanto sei, o projecto do código do contencioso administrativo, que está em circulação e será presente à Assembleia da República muito em breve, dará alguma abertura neste sentido e consagrará meios processuais que permitem efectivamente a intimação da Administração, mas não sei exactamente ainda em que termos, porque não conheço as versões mais recentes desse projecto de código.
Portanto, tendo em conta que esse projecto de código, apesar de tudo, nasce no governo por consulta de várias entidades interessadas, designadamente magistrados e advogados, isso significa, de certa forma, alguma abertura nesse sentido. Assim, não julgo que a inovação seja tão revolucionária quanto eventualmente se possa pensar, porque, porventura, já caminhamos para lá, mesmo no domínio da legislação ordinária, mas julgo que isto é realmente essencial para garantir uma tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados.
Creio que os tribunais administrativos têm, ainda hoje, dificuldade em libertarem-se do seu passado de órgãos da Administração, o que os leva frequentemente a favorecer a posição da Administração em relação à posição dos administrados, em parte porque a lei favorece a posição da Administração relativamente à posição dos administrados, em parte porque os tribunais não têm, apesar de tudo, uma sensibilidade tão grande quanto, porventura, deveriam ter para garantir a tutela efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados.