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Quarta-feira, 7 de Janeiro de 2004 II Série - RC - Número 1

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

VI REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião de 6 de Janeiro de 2004

S U M Á R I O


O Sr. Presidente (José de Matos Correia) deu início à reunião às 10 horas e 40 minutos.
Foi aprovado o Regulamento da Comissão e debatida a metodologia de trabalho a seguir, tendo sido aprovada a proposta apresentada pelo PSD e pelo CDS-PP.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Alberto Martins (PS), Luís Marques Guedes (PSD), António Costa (PS), Francisco Louçã (BE), Isabel Castro (Os Verdes), António Filipe (PCP), Diogo Feio (CDS-PP), Henrique Chaves e Correia de Jesus (PSD), Medeiros Ferreira e Osvaldo Castro (PS).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 13 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente (José de Matos Correia): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 40 minutos.

Quero, naturalmente, começar por expressar a todos o meu desejo de que o ano de 2004 seja um ano cheio de venturas.
Vamos, agora, passar imediatamente ao primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos, que é a aprovação do regulamento da Comissão.
Com a convocatória desta primeira reunião da Comissão, fiz chegar a todos os Srs. Deputados, para funcionar como projecto de regulamento, uma cópia do regulamento da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional da revisão ordinária de 1996/1997. A razão é simples: tratando-se, também neste caso, de uma revisão ordinária da Constituição, pareceu-me mais adequado fazer chegar aquele que foi o regulamento da última revisão ordinária, sendo certo que o regulamento da Comissão para a Revisão Constitucional em 2001 foi basicamente idêntico a este.
Independentemente do que os diferentes grupos parlamentares tenham para dizer em apreciação deste projecto de regulamento, que propus que funcionasse como base de trabalho neste primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos, é evidente que antecipo, desde já, que relativamente a este texto de 1996/1997 há uma ou duas alterações de natureza formal que terão de ser introduzidas.
A primeira alteração prende-se com a composição da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, visto que a deliberação do Plenário da Assembleia da República que institui a presente Comissão estabelece uma composição diferente, e a segunda tem a ver com o n.º 2 do artigo 4.º, que estabelece regras específicas para o debate das propostas constantes dos projectos não apresentados pelos grupos parlamentares mas, sim, por Deputados individualmente ou em grupo.
Como todos os projectos de revisão que temos em cima da mesa foram apresentados pelos seis grupos parlamentares, esta norma do n.º 2 do artigo 4.º…

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, um deles não foi!

O Sr. Presidente: - Tem razão, Sr. Deputado! Temos também o projecto de revisão n.º 5/IX, da Juventude Socialista, ou melhor, da iniciativa da Sr.ª Deputada do PS Jamila Madeira.
Assim sendo, este n.º 2 do artigo 4.º tem de ser alterado em conformidade com esta distinção que existe na revisão actual face à revisão de 1997.
Portanto, estas são duas alterações de natureza formal que as circunstâncias distintas determinam.
Quanto ao resto do projecto de regulamento que sugiro que sirva como base de trabalho, evidentemente darei a palavra aos diferentes grupos parlamentares para se pronunciarem sobre o seu conteúdo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, estamos de acordo com a sua proposta, com as necessárias adaptações que já referiu.

O Sr. Presidente: - Como ninguém se opõe, ponho à consideração da Comissão que possamos considerar aprovado este Regulamento, com as alterações que serão introduzidas no n.º 1 do artigo 1.º e no n.º 2 do artigo 4.º, de natureza formal, que decorrem do que acabei de referir.
Presumo que tenho o assentimento de todos os grupos parlamentares para isso, portanto vou dar indicações no sentido de esta alteração ser feita e de o Regulamento, depois, ser distribuído por todos os Srs. Deputados.
Esgotámos, assim, o primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos.
O segundo ponto da ordem de trabalhos diz respeito à metodologia dos trabalhos da Comissão. Penso que a primeira questão que, neste âmbito, se poderá levantar é a da calendarização das reuniões e do momento em que as mesmas se devem realizar. Peço, portanto, aos Srs. Deputados que se pronunciem sobre o momento da realização das reuniões da Comissão e a sua periodicidade.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero aproveitar para desejar um bom ano ao Sr. Presidente e a todos os Srs. Deputados e, com certeza, também aos funcionários e aos Srs. Jornalistas que hoje aqui estão na sala, fazendo votos para que os trabalhos desta Comissão decorram com a elevação e a produtividade que, normalmente, os processos de revisão constitucional na Assembleia da República têm tido.
Sr. Presidente, relativamente à questão da calendarização que nos é colocada, uma vez que, olhando para os Srs. Deputados que estão presentes e que fazem parte desta Comissão, se constata imediatamente que há um número muito significativo de Deputados da 1.ª Comissão (o que é habitual, por razões naturais), a primeira nota que deixo ao Sr. Presidente é que convém não sobrepor as reuniões da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional às reuniões da 1.ª Comissão, e, nesse sentido, sugiro ao Sr. Presidente que haja uma breve troca de impressões com a Sr.ª Presidente da 1.ª Comissão exactamente no sentido de, em conjunto e dentro do possível, se evitar a sobreposição das reuniões de uma comissão à outra.
Agora, olhando para os dias de trabalho parlamentar que temos disponíveis, a proposta que faço, Sr. Presidente, é que devemos consolidar a manhã de terça-feira para reuniões regulares desta Comissão, permitindo-me ainda sugerir que haja uma segunda reunião semanal - não vejo grandes alternativas, mas gostava de ouvir a opinião dos outros Srs. Deputados - na quinta-feira de manhã.
Todos sabemos que a quinta-feira de manhã é um período reservado para trabalhos internos dos grupos parlamentares, mas não vejo grandes alternativas. E como a revisão constitucional é uma tarefa eventual e específica, e até especial, da Assembleia da República, como é evidente, temos de encontrar uma solução qualquer. Portanto, esta é a sugestão que deixo, mas gostava, naturalmente, que os outros grupos parlamentares se pronunciassem sobre esta minha proposta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

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O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, quero também cumprimentá-lo, assim como a todos os colegas, desejando a todos um bom ano.
Creio que não é possível discutir a metodologia dos trabalhos desta Comissão para a Revisão Constitucional sem sabermos o que é que ela é, porque isso condiciona, necessariamente, a definição da metodologia. E creio que ganhamos todos em falarmos com franqueza e muito abertamente sobre o que é que será esta revisão constitucional.
Portugal, felizmente, não tem qualquer problema constitucional. As revisões constitucionais de 1982 e de 1989 sanaram a questão constitucional que existia, quer no domínio da organização económica quer no domínio da organização do sistema político, sendo que a revisão constitucional de 1997 já foi uma mera revisão constitucional de aperfeiçoamento, que, aliás, está por concretizar.
O Parlamento criou, há mais de um ano, uma Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político, cujo fracasso é absoluto, porque, ao fim de mais de um ano de trabalho, há um diploma aprovado sobre financiamento dos partidos políticos e há mais de quatro meses que essa Comissão está, pura e simplesmente, paralisada, visto que a maioria não foi capaz de contribuir, até hoje, com qualquer projecto legislativo relevante em vários domínios essenciais à concretização da revisão constitucional de 1997. A maioria não apresentou uma nova lei eleitoral para a Assembleia da República nem um diploma sobre o direito de voto dos emigrantes nas eleições presidenciais, e, portanto, a própria reforma do sistema político, proclamada como grande objectivo do início desta legislatura, é um fracasso absoluto.
Ora, isto significa que as revisões constitucionais têm servido, em grande medida, para que a maioria, nas suas sucessivas encarnações, agite umas bandeiras que motivam a revisão constitucional, mas cuja irrelevância é comprovada pela sua total inacção depois na concretização legislativa dessas mudanças em sede de revisão constitucional.
Portanto, felizmente, em Portugal não há uma questão constitucional, e nós entendemos que há um valor essencial a preservar, que é o da estabilidade e, designadamente, o da estabilidade da ordem constitucional. Julgamos, aliás, que, nesta revisão, uma das alterações mais úteis a introduzir na Constituição é a de acabar com a distinção entre revisões constitucionais ordinárias e revisões constitucionais extraordinárias, porque, por natureza, todas as revisões constitucionais devem ser extraordinárias e para resolver problemas concretos que a dinâmica da vida mundial nos vá colocando, como é o exemplo das revisões constitucionais que fizemos a propósito de Maastricht ou a propósito do Tribunal Penal Internacional e do mandato europeu de detenção. Essa é uma das alterações fundamentais a extrair desta revisão constitucional.
Portanto, para nós a revisão constitucional só faz sentido se for uma revisão constitucional "cirúrgica", ou seja, com pontos muito bem determinados, e fulminante, ou seja, com um calendário muito claramente definido e rápido.
As matérias passíveis de revisão constitucional são as que se prendem com a questão das regiões autónomas e o aprofundamento da autonomia regional, a questão da entidade reguladora da comunicação social, que é consensual que deve ser aperfeiçoada, e a questão da limitação de mandatos, reforma importante que a Constituição condiciona, daí a conclusão dos trabalhos em sede de reforma do sistema político. Estes são os três pontos essenciais e que têm viabilidade para serem tratados nesta revisão constitucional.
Por isso, falando com toda a franqueza, para não estarmos a perder tempo nas próximas sessões, recusamos liminarmente a revisão integral da Constituição proposta pela maioria. Uma revisão que começa na revisão do preâmbulo e acaba na revisão do artigo sobre os limites materiais é por nós recusada liminarmente.
A proposta da maioria é, aliás, uma iniciativa que não visa resolver qualquer questão constitucional, que não existe, visa criar uma questão constitucional, que nós não aceitamos que seja criada. Não é uma proposta de neutralização ideológica, é uma proposta de reideologização da Constituição, é uma proposta que se traduz simplesmente na destruição daquilo que é um modelo social europeu, concebido pelos democratas-cristãos e pelos social-democratas ao longo do século XX, numa deriva neoliberal que não aceitamos.
É uma proposta que serve para a direita portuguesa ajustar as contas com todas as suas derrotas históricas e que se traduz em propostas tão absurdas como eliminar a garantia constitucional da segurança do emprego e da gratuitidade do ensino obrigatório e acabar com a garantia de uma rede pública de educação. E pretende mesmo essa coisa espantosa que é eliminar a forma republicana de governo, como forma garantida pelo limite material de revisão, como se a questão da República e da Monarquia fosse uma questão contemporânea, o que só demonstra o absurdo dessa discussão - não obstante este Senado onde estamos reunidos e sob o patrocínio de tão alto monarca constitucional.
Não estamos disponíveis, com toda a franqueza, para animar essa discussão da direita portuguesa com a História da República democrática em Portugal, e, portanto, dizemos muito claramente o seguinte: sejamos claros e práticos, a revisão constitucional da maioria está morta. Essa revisão constitucional não existe, está morta, e da nossa parte não contarão sequer com a nossa disponibilidade para animar esse debate. Ele está morto e será uma pura perda de tempo andarmos a tratar dessas questões laterais.
Esse projecto de revisão constitucional cumpriu a sua função verdadeira, que não tem natureza constitucional mas um mero significado político, uma vez que se trata de uma proposta conjunta do PSD e do CDS-PP que constitui simplesmente o pacto fundador dessa recomposição orgânica da direita, patrocinada pelo Dr. Pedro Santana Lopes, mas que não tem a menor relevância constitucional.
A revisão constitucional da maioria morreu, está morta e, portanto, não vamos perder tempo com ela!
Então, o que é pedido a esta Comissão que faça de útil? É-lhe pedido que se concentre no que é vantajoso, útil e necessário alterar na Constituição.
Em primeiro lugar, a clarificação e aprofundamento das autonomias regionais, uma das mais importantes inovações do Estado de direito democrático construído com o 25 de Abril. Esta é uma questão constitucional que se tem arrastado,

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hoje difusa, e que vale a pena clarificar e julgo que não haveria melhor forma de assinalar os 30 anos do 25 de Abril que encerrar definitivamente o contencioso autonómico com um grande consenso que seja clarificador e aprofunde os poderes das autonomias regionais. Esta é a nossa prioridade.
Em segundo lugar, sendo necessária, porventura, uma revisão constitucional que permita a Portugal a ratificação do tratado que aprova a Constituição para a Europa, entendemos que deveríamos deixar para um segundo momento outros dois pontos - que, aliás, não constam do projecto de revisão constitucional do PS -, que se prendem com a entidade reguladora da comunicação social e com a limitação de mandatos.
Aconteceu o que aconteceu com a Constituição europeia; é evidente que há um grande acquis do que vai ser a futura Constituição europeia mas também uma enorme incerteza quanto ao momento da sua aprovação e, portanto, uma incerteza quanto ao momento em que vamos poder ou ter de intervir em matéria da nossa própria Constituição.
Nesse sentido, entendemos que pode ser vantajoso resolver já, em conjunto com a questão das autonomias regionais, a matéria relativa à entidade reguladora da comunicação social e a da limitação de mandatos. Não o fizemos inicialmente, mas apresentaremos propostas de alteração aos projectos apresentados, designadamente pela maioria, e que são uma boa base de trabalho para se obter um acordo rápido sobre estas matérias.
Finalmente, gostaria de deixar claro dois pontos.
Primeiro, não estamos disponíveis para que esta revisão constitucional sirva para distrair o País do que é essencial, isto é, a situação económica e social grave que o País atravessa e a necessidade de introdução de reformas profundas que aumentem e contribuam para um melhor funcionamento do Estado e da Administração Pública portuguesa; nem estamos disponíveis para nos distrairmos do que interessa ao País. Não queremos distrair o País nem distrairmo-nos do País!
Portanto, esta revisão constitucional cirúrgica, centrada nas autonomias regionais, na entidade reguladora da comunicação social e na limitação de mandatos, tem de ser fulminante. E fulminante significa que até meados de Março a revisão constitucional tem de estar concluída, o que é determinante da forma como organizaremos os nossos trabalhos. Temos de nos organizar para apurar qual é o conteúdo da revisão constitucional, que é este e não outro - não vale a pena perder tempo com o resto, está morto! Mas, repito, temos de nos organizar de forma a que, até meados de Março, tenhamos concluída a lei constitucional que proceda à revisão constitucional nestas três matérias.
Por último (porque não gostaríamos de deixar qualquer equívoco nem ser ingénuos a esse respeito), todos sabemos que a revisão constitucional exige uma maioria de dois terços e que outras matérias conexas exigem igual maioria. É o caso das leis eleitorais das regiões autónomas e, muito em particular, da lei eleitoral da Região Autónoma da Madeira, que, como todos sabem, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade. O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de declarar a sua inconstitucionalidade antes das últimas eleições regionais e, na altura, porque estava muito próximo um acto eleitoral, foi feito um mero ajustamento com o compromisso (da parte de todos) de, a seguir, se proceder a uma revisão da lei eleitoral.
Há compromissos públicos assumidos pelas entidades regionais perante S. Ex.ª o Presidente da República quanto à revisão da lei eleitoral para a Assembleia Legislativa Regional da Madeira e será intolerável que, em Outubro próximo, voltemos a ter um acto eleitoral que decorra em consonância com uma lei inconstitucional.
Digo-o com todo o à-vontade, visto que o PS é um dos dois partidos beneficiados com esta lei eleitoral inconstitucional. É uma lei que, na sua distorção da proporcionalidade, beneficia em primeiro lugar o PSD mas que também beneficia, em segundo lugar, o PS. Os partidos efectivamente prejudicados são o PCP, o CDS-PP e, porventura, no futuro, se passar a existir na Região Autónoma da Madeira, o Bloco de Esquerda, mas, desde já, a UDP, componente do Bloco de Esquerda.
Portanto, esta não é uma batalha que travamos por nós próprios, por nosso interesse egoísta. Esta lei que existe na Madeira beneficia-nos, mas é inconstitucional. E julgamos intolerável que as eleições decorram com o respeito por leis inconstitucionais, ainda que essas leis nos possam beneficiar.
Por isso, dizemos com toda a franqueza que consideramos essencial que a questão das leis eleitorais dos Açores e, em particular, da Madeira seja resolvida no contexto desta revisão constitucional. Obviamente, estão em causa matérias conexas. E mais: há um consenso, visto que todos os projectos de revisão constitucional o referem, para que se altere a forma, o direito de iniciativa em matéria de lei eleitoral, clarificando que esse passará a ser um direito de iniciativa das assembleias legislativas regionais e deixará de ser um direito de Deputados à Assembleia da República. E não estamos disponíveis para que esta alteração entre em vigor sem que previamente esteja alterada a lei eleitoral.
Desde já o reafirmamos com toda a clareza e creio que este ponto reúne um enorme consenso.
Certamente o Sr. Presidente terá presente que, no Verão passado, realizámos as jornadas parlamentares do PS na Região Autónoma da Madeira, onde tivemos oportunidade de estabelecer contactos com as diferentes autoridades regionais. E constatámos, quer da parte do Sr. Presidente, em exercício, da Assembleia Legislativa Regional quer da parte do Sr. Presidente do Governo Regional, uma enorme compreensão perante esta questão. Ouvimos - aliás, com agrado - o Dr. Alberto João Jardim dizer que, pela sua parte, veria com muito bom grado a existência de uma alteração da lei eleitoral.
Esta é, efectivamente, uma questão complexa.
Recentemente, um dos partidos regionais, o CDS-PP, impugnou no Tribunal Constitucional essa lei. O Tribunal Constitucional não se pôde pronunciar por razões de ilegitimidade processual, mas essa é uma questão que divide a região e quando um partido importante como o CDS-PP põe em causa a constitucionalidade e a legitimidade de eleições que se realizam perante uma lei eleitoral, obviamente está em causa o regular funcionamento das instituições; falo de um partido importante (enfim, estranho ao acto constitucional, visto que foi o único que votou contra a constituição),

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um partido parlamentar, com um passado - pelo menos - democrático, o que constitui um factor grave, preocupante e em relação ao qual não podemos ficar insensíveis, naturalmente.
Portanto, para contribuir para a confiança do acto eleitoral da Madeira, desde já posto em causa pelo CDS-PP, devemos ter presente muito claramente este link necessário entre revisão da Constituição e revisão da lei eleitoral da Madeira. É nesse sentido que devíamos trabalhar.
Em suma, Sr. Presidente, manifestamos a maior abertura em relação às propostas que queiram apresentar quanto ao calendário dos trabalhos. Apenas julgamos que não poderá haver reuniões na quinta-feira de manhã, porque nesse período reúnem os grupos parlamentares. Mas temos a manhã de segunda-feira, a tarde de sexta-feira ou a manhã e a tarde de terça-feira como boa alternativa. Todos eles são dias em que poderemos trabalhar.
Os temas que temos em cima da mesa são os três que referi: autonomias regionais, entidade reguladora da comunicação social e limitação de mandatos. Temos ainda a questão das leis eleitorais regionais e um calendário que se estende até meados de Março. Portanto, teremos de nos organizar para produzir este trabalho.
Pela comparação que fiz entre os diferentes projectos de revisão constitucional apresentados, esta parece-me ser uma tarefa relativamente fácil, pois creio que há 90% de consenso sobre as matérias em que devem ser introduzidas alterações e 10% de matérias a debater. E, por amor de Deus, se não formos capazes de reduzir esses 10% a zero de divergência no próximo mês e meio, não teremos cumprido bem o nosso trabalho. Há todas as condições para o fazer e devemos concentrarmo-nos nele, sem nos dispersarmos sobre questões que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa considerava "esotéricas" e que, obviamente, se traduziriam numa pura perda de tempo e numa total inutilidade. São matérias mortas, porque nunca contarão, sequer, com a nossa disponibilidade para a discussão quanto mais para a respectiva aprovação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, face à intervenção do Sr. Deputado António Costa, principalmente a primeira parte, não posso deixar de referir o seguinte.
Em primeiro lugar, queria saudar o Sr. Deputado António Costa por estar a participar nos trabalhos da revisão constitucional. Espero, como é evidente, que o Sr. Deputado não tenha vindo apenas fazer uma prelecção aos Srs. Deputados, não participando depois activamente nos trabalhos da revisão constitucional. Se assim for, as suas declarações perdem qualquer efeito útil. Quer dizer, se vem apenas dizer umas coisas e depois não participa nos trabalhos, ficamos a saber que a sua intenção é fazer uma mera declaração política e não contribuir para os trabalhos constitucionais.
Feita esta saudação, devo dizer que o Sr. Deputado António Costa, ou o Partido Socialista, não conseguiu fugir ao tique habitual de achar que é dono da Constituição - julga que a Constituição é dele! - e que só se altera a Constituição de acordo com o que o Partido Socialista quer.

O Sr. António Costa (PS): - É assim mesmo!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - E manda "às malvas" todos os outros 229 Deputados desta Câmara, que têm o direito constitucional de apresentar projectos de revisão constitucional, porque para o Sr. Deputado António Costa trata-se de mera perda de tempo! Quer dizer, todos os Deputados devem ser mentecaptos por, sem pedirem prévia autorização ao Partido Socialista, apresentarem projectos de revisão da Constituição. É extraordinário!
Esta visão completamente antidemocrática fica-lhe mal, com toda a franqueza, é de uma tal arrogância e pesporrência… Enfim, nem adjectivo mais.
Com toda a franqueza, é preciso que o Partido Socialista entenda, em primeiro lugar, que a revisão da Constituição é um direito dos Deputados eleitos, de todos os Deputados eleitos. Ou seja, nos termos da Constituição, todos os Deputados eleitos têm o direito de apresentar propostas e todas elas têm a mesma validade.
O Sr. Deputado António Costa pode entender que vai votar contra uma série de propostas de outros Srs. Deputados, mas já não pode entender (porque não é uma atitude aceitável e fica-lhe muito mal dizê-lo) que é uma mera perda de tempo estarmos aqui, numa comissão eventual para a revisão constitucional, a analisar matérias que não foram as apresentadas pelo Partido Socialista.
Aliás, a primeira coisa que o Sr. Deputado António Costa fez foi contradizer-se nas suas próprias afirmações. Já estou habituado a que as declarações do Partido Socialista em matéria de revisão constitucional (tal como em outras matérias, mas especificamente nestas) tenham normalmente um prazo de validade. Senão vejamos.
Em Outubro do ano passado, numa conferência de imprensa dada no Parlamento, dizia o Sr. Deputado António Costa, com o mesmo ar tonitruante e de que não vai ceder um milímetro, que a única matéria que se iria rever nesta revisão constitucional seria a das autonomias regionais.
Em Novembro, passado mês e meio, já se sabia que o Partido Socialista tinha cedido e que havia mais duas ou três matérias e, portanto, de apenas uma passava-se para três matérias a rever. Houve uma "multiplicação dos pães", triplicaram-se as áreas de revisão constitucional; já não era só a matéria das autonomias, eram também as relativas à limitação de mandatos e à entidade reguladora da comunicação social. Assim, se aguardarmos mais um mês e meio, é possível que voltem a triplicar e que passem a ser nove as matérias sobre a mesa! Portanto, não vale a pena… Essa é a dialéctica democrática normal do relacionamento do órgão Assembleia da República numa democracia pluralista, como é a nossa.
A dialéctica normal de diálogo entre os partidos, as forças políticas e os Deputados da Assembleia da República, que os representam ou que por eles foram eleitos, é a de, no entendimento e na percepção das várias propostas que são colocadas sobre a mesa pelos vários Srs. Deputado, irem surgindo aproximações de posições políticas da parte dos vários partidos.

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O que não faz sentido absolutamente nenhum (e, de resto, é uma atitude inominável) é vir com pesporrência dizer, pura e simplesmente, que é uma absoluta perda de tempo fazerem-se coisas para as quais o Partido Socialista não apresentou propostas ou não está virado.
Já verificámos que, apesar de tudo, o Partido Socialista mudou a sua opinião, de Outubro para cá, pelo menos em relação a três matérias. Eu sou um optimista - a esperança não morre.
Portanto, nos trabalhos da revisão constitucional serão analisados os seis projectos que estão sobre a mesa e as respectivas apresentações iniciais vão ter de ser feitas em qualquer circunstância, goste ou não o Sr. Deputado António Costa, saia ou não o Sr. Deputado António Costa, porque poderá nem sequer ter paciência para ouvir a respectiva apresentação!
Com ou sem o Sr. Deputado António Costa, a verdade é que o Parlamento tem regras, funciona, e os Srs. Deputados funcionarão de acordo com essas regras. Fomos eleitos também para cumprir a Constituição neste pormenor, que tem que ver com os direitos e as competências da revisão constitucional. É para isso que os Srs. Deputados aqui estão.
Sr. Deputado António Costa, gostaria de deixar uma última nota relativamente à segunda parte da sua intervenção que, em boa verdade, se traduziu numa exposição política de uma matéria que não está em discussão nesta Comissão. O problema das leis eleitorais (pelos menos nos termos em que o Sr. Deputado o colocou) não está, nem estará, em discussão nesta Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Sabemos bem que o senhor falou da Madeira a pensar nos Açores, sabemos bem que o que move politicamente o Partido Socialista nesta matéria das leis eleitorais é o pânico que já sente relativamente às eleições na Região Autónoma dos Açores e a necessidade imperiosa… - não é necessidade mas um erro -, a ilusão que o Partido Socialista tem de que necessita de alterar a lei eleitoral da Região Autónoma dos Açores para, porventura, conseguir manter o poder nessa região.
Contudo, com toda a franqueza, essa é uma declaração política que pode fazer em Plenário. Também a pode fazer aqui - não o questiono, pois penso que a liberdade de intervenção política dos Srs. Deputados é total e legítima, como é evidente -, mas com vantagem poderá fazê-la no Plenário, ou fora desta sede, como, de resto, o Partido Socialista tem feito várias vezes, ao longo dos últimos dois ou três meses, nos mais variados fóruns políticos, seja na comunicação social ou, enfim, em todos os locais onde legitimamente entendam que esse posicionamento político deve ser levado a cabo.
Porém, com toda a franqueza, temos pela frente seis projectos apresentados com toda a legitimidade por vários Deputados desta Câmara e, à partida, todos merecem igual dignidade, atenção e apreciação por parte desta Comissão, independentemente daquele que vier a ser o posicionamento político final e, nomeadamente, a expressão do voto de cada um dos Srs. Deputados e de cada uma das bancadas em relação a cada uma das propostas.
O que não podemos pensar é que a Assembleia da República não é um fórum democrático, não é uma Assembleia representativa e que não há uma posição de igualdade entre todos os Srs. Deputados; que é uma caixa de ressonância dos objectivos e da agenda política do Partido Socialista e que a única coisa que se faz na Assembleia da República e na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional é o que está na agenda política do Partido Socialista.
Sr. Deputado António Costa, pode ter a certeza de que não será assim: com ou sem o Partido Socialista, a Assembleia da República rege-se por regras próprias e é no cumprimento dessas regras que pautaremos o nosso comportamento nesta Comissão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As duas intervenções produzidas até agora contribuíram significativamente para precisar o alcance da discussão que vamos ter e para a delimitar politicamente.
No entanto, creio que se regista uma situação paradoxal e considero importante, por isso mesmo, que o debate seja esclarecedor sobre o alcance, o objectivo e o sentido político da intervenção de cada bancada parlamentar, para definir com clareza o âmbito das propostas de que cada bancada é autora e o modo como vê o processo da revisão constitucional, até porque o Parlamento deve ser valorizado como um lugar de debate democrático e de decisão política.
Já não me arriscaria a dizer que o Parlamento pode ser valorizado por nunca perder tempo, porque muitas vezes perde tempo e talvez possa evitá-lo se esclarecer com rigor qual o sentido útil que pode e tem de ter esta Comissão, o que começa por nos exigir alguma clarificação política.
A maioria tem tido, a respeito da revisão constitucional, uma atitude surpreendente de oposição ao regime, ao sistema político, procurando apresentar a Constituição como um obstáculo à vida política portuguesa e à acção democrática em Portugal. E, desse ponto de vista, alcandorou a revisão constitucional a um papel de clarificação e de limpeza ideológica das regras políticas neste País, para o qual não tem maioria e nem sequer a capacidade de produção de uma ruptura constitucional.
Alguns dos autores da revisão constitucional conjunta do PSD e do CDS-PP, que aqui apreciamos, são também proponentes de um princípio de ruptura constitucional, que é consagrado na ideia do referendo constitucional, ou seja, de retirar à própria Assembleia da República, cuja autoridade é reclamada agora com tanta ênfase pelo Deputado Luís Marques Guedes, a capacidade de proceder à revisão constitucional e de organizar a evolução do próprio texto constitucional em Portugal. E esse projecto de ruptura é o projecto político de confrontação que propagandisticamente transforma a Constituição no obstáculo que seria necessário eliminar.
Ora, esta posição é contraditória não só com a relação de força específica que permitirá rever o texto constitucional mas também politicamente. E há o risco, esse sim muito grave, de transformar o debate da revisão constitucional numa espécie de ersatz do que já foi o debate da reforma do sistema político, ou seja, num debate que tem

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"entradas de leão e saídas de sendeiro", em que há grandes proclamações, grandes anúncios, mas que depois se arrasta numa espécie de entretenimento pobre do qual nada resulta. E esse seria o pior dos destinos desta revisão constitucional.
Creio, desse ponto de vista, que é mesmo uma questão de dever democrático - não digo de direito, mas de dever democrático absoluto - que cada bancada contribua para esclarecer o que pretende e espera da revisão constitucional, o que se dispõe a discutir e em que âmbito pretende fazê-lo, porque assim evitaremos que o debate constitucional se transforme num processo eternizado na sua inconsequência.
Assim sendo, havendo este acordo suficientemente maioritário de que matérias como a das regiões autónomas, a da autoridade da comunicação social e a da limitação de mandatos podem ser tratadas com vocação maioritária, creio que é por elas que deveria começar o trabalho desta Comissão.
Em suma, Sr. Presidente, e depois de ouvir as intervenções anteriores, formalizaria a proposta de que, na agenda dos trabalhos, tratássemos estes três temas, e só estes, na primeira das próximas reuniões que agendarmos. Isto é, que a próxima reunião a agendar seja sobre regiões autónomas, comparando a matéria que sobre elas está incluída em todos os projectos da revisão constitucional, que terminada essa fase tratemos das propostas sobre a autoridade para a comunicação social e, depois, da terceira matéria, que é a da limitação de mandatos.
Sugeriria também, Sr. Presidente, que, esgotados estes três temas, incluíssemos a consideração de outras propostas, para que na argumentação política se possa verificar se alguma outra é passível de ser submetida a uma votação conclusiva no debate constitucional.
Penso que deste modo clarificaremos este processo, concentrar-nos-emos naquilo que é absolutamente prioritário, evitaremos derivas desviantes e, sobretudo, que a Assembleia da República se preste ao espectáculo de si própria de criar um entretenimento vazio de um debate político que não se resolve na Assembleia da República, mas, porventura, num debate entre as direitas neste País do qual surgirão as propostas que a seu tempo entenderem úteis.
Finalmente, devo dizer que estou de acordo com o Deputado Luís Marques Guedes num ponto, o de que não depende da revisão constitucional a alteração das leis eleitorais na Madeira e nos Açores. A capacidade de a Assembleia da República produzir estas alterações de leis não está prisioneira de nenhuma alteração na revisão constitucional, e elas são urgentes nos dois casos, porque em ambos se verifica uma gravíssima distorção da proporcionalidade que, no limite, permite que um partido derrotado se torne um partido vencedor.
Percebo que, na expectativa de um resultado "curto" nos Açores, uns ou outros procurem antecipar e prevenir o risco, mas só quero alertar para o gravíssimo problema político nacional que poderia ser criado se, porventura, pudesse sair vencedor um partido que tivesse sido derrotado nas urnas, o que é uma situação inaceitável do ponto de vista político e democrático, mesmo que pudesse ser legalizada por um sistema de distorção da proporção.
Ora, daí resultaria uma crise das instituições, o que não é aceitável. Aliás, no passado, já estivemos à beira de isso acontecer. Percebo que por meros cálculos partidários possa haver quem se regozije com a antecipação de uma hipótese deste tipo, duvido é que alguém com princípios democráticos sólidos ou sérios possa, porventura, satisfazer-se com esta expectativa ou sequer jogar o seu futuro político nesta perspectiva.
E, desse ponto de vista, tanto na Madeira como nos Açores é indispensável fazer uma revisão das leis eleitorais, é urgente fazê-lo, é urgente que haja o consenso político necessário desse ponto de vista.
O convite fica feito. Se não depende da revisão constitucional, maior ainda será a razão para que, em prazo útil, ou seja, nos próximos dois meses, essa matéria seja agendada na Assembleia da República, para que possamos tratar dela e conclui-la, depois, num cuidadoso debate na especialidade, como não pode deixar de ser.
Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero registar que, reconhecendo que esta matéria não está prisioneira de consensos na revisão constitucional, ela pode ser tratada aparte, paralelamente, e até antecipadamente à revisão constitucional. Portanto, podemos começar a tratá-la já, assim os partidos apresentem propostas que considerem necessárias.
Em segundo lugar, quanto à revisão constitucional, quero registar o nosso acordo e a nossa insistência para que nos concentremos sobre aquilo em que a revisão constitucional pode produzir resultados indispensáveis e fundamentais, isto é, nas três matérias enunciadas: regiões autónomas, Alta Autoridade para a Comunicação Social e limitação de mandatos.
Sugiro ainda que, terminadas essas matérias, consideremos todas as outras que foram apresentadas, nos termos regimentais, pelos grupos parlamentares ou por Deputados para no debate político verificarmos qual o procedimento que pode, e deve, ser desenvolvido a propósito de cada uma dessas propostas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, gostaria de começar por saudá-lo, bem como a todos os colegas. Lamentavelmente, hoje não posso saudar as colegas Deputadas porque estamos numa comissão em que sou a única mulher, o que dá bem a imagem de quanto é ainda excessivamente masculino o espaço do Parlamento.
Em todo o caso, quero centrar-me no que, neste momento, está em discussão, a partir da questão colocada pelo Sr. Deputado António Costa. Como questão prévia, gostaria de dizer que Os Verdes, aliás, isso é claro no preâmbulo do projecto que apresentámos, não partilham da opinião quanto à necessidade, nem quanto à oportunidade, deste processo de revisão constitucional.
Pensamos que não há propriamente um problema de funcionamento nem das instituições nem do sistema democrático que careça de uma alteração do texto constitucional. É nosso entendimento (aliás, esta é uma opinião partilhada por muitos daqueles que ouvimos em sede da Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político) que

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a banalização dos processos de revisão constitucional não contribuem para a estabilidade nem para o prestígio do Parlamento.
Do ponto de vista da oportunidade, estando o País a viver uma situação tão complexa do ponto de vista social, ambiental e económico, estando em curso, ou não - as incógnitas, neste momento, são mais do que as respostas -, uma alteração profunda do processo europeu, parecer-nos-ia mais razoável e sensato que se esperasse por aquilo que pode vir a acontecer e, eventualmente, se necessidade houvesse, proceder-se a uma alteração do texto constitucional.
Porém, assim não é, sendo claro, do ponto de vista do posicionamento de um dos grupos parlamentares, quais são as matérias em torno das quais há disponibilidade para centrar o debate da alteração do texto constitucional - concretamente, melhorias e aperfeiçoamentos em relação às regiões autónomas, à limitação de mandatos e à comunicação social. Desta forma, é nossa opinião que, independentemente de o Sr. Deputado Luís Marques Guedes ter toda a liberdade de dizer que pode discutir-se o que se quiser, se queremos não fazer um exercício de faz-de-conta, o facto de um dos partidos indispensáveis para a revisão do texto constitucional não estar disponível para aprovar outras matérias que não estas três torna evidente que o debate sobre as outras questões será um debate estéril.
O Parlamento poderá optar por se entregar de uma forma ilimitada a esse debate, mas esse exercício poderá ser uma manobra de diversão para que o Parlamento, fechado sobre si próprio, negligencie o olhar sobre a sociedade e o que se passa lá fora, o que devia ser prioritário em termos de intervenção política. Para além de ser um exercício algo inútil e seguramente complicado do ponto de vista ideológico, porque algumas das propostas que estão em cima da mesa são, pura e simplesmente, um ajuste de contas com a História, não vejo que tenha grande utilidade.
Dito isto, penso que, como metodologia, seria mais interessante, pouparia tempo e seria mais racional que esta Comissão se centrasse sobre as matérias em relação às quais há consenso para serem abordadas e, eventualmente, no fim, fazer-se um balanço e debater-se o que se quer fazer de seguida.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, aproveito para informar que esta tarde receberão uma cópia da apresentação comparada dos diferentes projectos de revisão constitucional, preparada pelos serviços da Assembleia da República.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, sendo esta a primeira reunião que realizamos no ano de 2004, começo por desejar um bom ano a todos os presentes.
Deixámos claro, aquando da abertura deste processo de revisão constitucional, o nosso juízo global quanto à desnecessidade do mesmo, pois consideramos que não há, em Portugal, nenhuma querela constitucional. O regime e as suas instituições, no essencial, têm funcionado, portanto considerámos esta revisão desnecessária mas, uma vez aberto o processo, não deixámos de intervir positiva e construtivamente através da apresentação de um projecto de revisão constitucional próprio. Não tendo a preocupação de querer abarcar todos os capítulos do texto constitucional, esse projecto, do nosso ponto de vista, coloca algumas questões importantes para a reflexão, tendo em vista o aperfeiçoamento do texto constitucional em alguns domínios.
Não queremos também deixar de manifestar a nossa profunda preocupação relativamente ao conteúdo do projecto de revisão constitucional apresentado pelos partidos da maioria, porquanto o mesmo configura uma tentativa de introdução de um retrocesso constitucional e civilizacional histórico, de muitas décadas, na medida em que, para a maioria, tratar-se-ia de fazer retroceder a protecção constitucional de direitos fundamentais dos cidadãos e de fazer um ajuste de contas com o regime democrático saído da Revolução de 25 de Abril de 1974 e que teve a sua tradução no texto constitucional de 1976.
Portanto, o que está em causa para a maioria é a alteração do sentido ideológico da Constituição, não uma suposta neutralidade ideológica do texto constitucional, que, obviamente, não existe em constituição nenhuma do mundo e nunca existirá em nenhuma constituição portuguesa.
A Constituição tem um sentido ideológico claro e o que a maioria pretende é uma Constituição de sentido ideológico contrário àquele inscrito na matriz essencial do nosso texto constitucional. Portanto, obviamente, este texto constitucional apresentado pela maioria preocupa-nos, pelo que estamos determinados a procurar combater, nesta revisão constitucional, a aprovação de quaisquer normas constitucionais que tenham o sentido deste ajuste de contas com a História e com o regime democrático.
No entanto, entendemos também que estão em discussão, neste processo, questões de grande pertinência e relevância. Designadamente, a autonomia das regiões autónomas é uma matéria cujo aperfeiçoamento preocupa todas as bancadas e que vale a pena ser discutida com profundidade e responsabilidade. Também nesse sentido procurámos contribuir com propostas que nos parecem pertinentes nesse domínio.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a questão que está em discussão neste momento é a da metodologia a seguir nesta revisão constitucional. Pelo que já foi dito pelos vários partidos, e tendo em conta, como é óbvio, as vicissitudes do calendário de 2004, já referidas pelos oradores antecedentes, convinha que adoptássemos algum pragmatismo relativamente à metodologia da discussão, que aconselha, porventura, a que a metodologia não seja idêntica à seguida em anteriores revisões constitucionais ordinárias.
Nas revisões de 1989 e de 1997, que tivemos oportunidade de acompanhar directamente, e também na gorada revisão constitucional de 1994, a metodologia adoptada foi a de começar-se por fazer uma primeira leitura, onde eram detalhadamente analisadas todas as propostas apresentadas por todos os partidos. Esta era uma fase que se alongava, esta primeira leitura demorava vários meses, após o que se procedia a um apuramento de quais as propostas que tinham hipóteses de obter uma maioria indiciária de

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dois terços para serem submetidas a Plenário, seguindo-se uma segunda leitura para esse apuramento.
Tal passou-se em processos de revisão constitucional em que nenhum dos partidos decisivos para a obtenção de uma maioria de dois terços excluiu liminarmente a apreciação, ou a eventualidade de aprovação, de uma qualquer proposta e, portanto, havia que apurar propostas, encontrar consensos e verificar, depois, o que era possível aprovar.
Neste processo de revisão constitucional estamos confrontados com uma posição claramente assumida por um dos partidos indispensáveis para a obtenção da maioria de dois terços, o Partido Socialista, que afirmou a sua recusa liminar - foi o termo que ouvimos - em considerar neste processo de revisão constitucional outras propostas que não as constantes de três domínios.
Perante esta afirmação de um partido indispensável da maioria qualificada exigida para a aprovação de qualquer proposta, temos dois caminhos.
Poderemos, por um lado, discutir imperturbavelmente todas as propostas apresentadas, do princípio ao fim, e teremos aqui, porventura, longos meses de uma interessante discussão, mas que se revelará absolutamente improdutiva para a revisão constitucional. Então, nesse caso, ficaremos confrontados com uma situação curiosa, que é a de o País, preocupado com muitas coisas justamente, olhar para uma Assembleia da República preocupada em discutir as propostas apresentadas a larguíssimas dezenas de artigos do texto constitucional e que se sabe, de antemão, que não serão aprovadas, o que, convenhamos, não será muito abonatório da imagem da Assembleia da República perante o País. Ou, então, por outro lado, poderemos centrar a discussão exclusivamente nos pontos sobre os quais existe alguma possibilidade de obtenção de consensos e de uma maioria qualificada que possa conduzir à sua aprovação.
Daí que, do ponto de vista pragmático, nos pareça que devamos inverter a metodologia seguida em relação aos anteriores processos, isto é, devemos verificar, desde já, quais são as matérias sobre as quais há alguma possibilidade de aprovação e discuti-las. Quanto ao resto, parece que, de facto, seria uma inútil perda de tempo estarmos a alongar discussões, ainda que, obviamente, a metodologia que estou a dizer prejudique propostas que, do nosso ponto de vista, são pertinentes e que nós próprios apresentámos. De qualquer modo, não nos serve de grande consolação estar aqui a apresentá-las veementemente e a debater-nos em sua defesa, sabendo de antemão que existe uma declaração prévia feita por um partido que inviabiliza, à partida, a sua eventual aprovação.
Portanto, do ponto de vista pragmático, tem justificação que haja uma inventariação de quais são as matérias a discutir, para que os trabalhos da CERC se centrem nessas matérias.
Finalmente, Sr. Presidente, reconhecemos que a matéria dos sistemas eleitorais das regiões autónomas está para além dos trabalhos da revisão constitucional (e não vai ser decidida na revisão constitucional), mas é uma questão da maior importância para o regime democrático constitucional. Como é óbvio, todos se preocupam com o facto de haver eleições numa região autónoma em que o princípio da proporcionalidade é gravemente ferido, como acontece na Madeira, bem como com o facto de haver eleições em que o partido mais votado nas urnas pode não ser o partido mais representado no Parlamento, o que pode acontecer na Região Autónoma dos Açores. E temos conhecimento de que, na Região Autónoma dos Açores, não é apenas o partido A ou B que se preocupa com esta questão, todos os partidos estão a discutir a matéria.
Portanto, é claro que, não sendo esta questão debatida na CERC, a Assembleia da República não pode deixar de considerá-la na sua agenda nos primeiros meses deste ano de 2004. Deve acompanhar atentamente a discussão que está a ser feita nas regiões autónomas sobre este problema e, também, assumir a responsabilidade de dotar as regiões autónomas de um sistema eleitoral conforme com o princípio constitucional da proporcionalidade.
Para terminar, Sr. Presidente, relativamente ao calendário semanal de trabalhos, quero dizer que, de tudo o que foi proposto, não nos parece aceitável que haja reuniões à quinta-feira de manhã, porque tal inviabilizaria o normal funcionamento das reuniões dos grupos parlamentares. Quanto ao mais, como é evidente, estamos disponíveis para fazer a adequação dos trabalhos das comissões parlamentares ao funcionamento da CERC, que será previsivelmente exigente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, quero começar por saudar todos os presentes, desejando-lhes um bom ano de 2004, e fazer votos para que os trabalhos desta Comissão decorram da melhor forma possível.
Também quero relembrar que estamos aqui num ponto de partida, isto é, esta reunião não é de chegada, nem de soluções finais. Precisamente por causa disto, devo dizer que estranhei um pouco o tom da intervenção do Sr. Deputado António Costa. Ou seja, para começo, o tom adoptado não terá sido o melhor (e, pela informação que tenho, esse também não é o tom que se tem seguido nas várias revisões constitucionais realizadas em Portugal, que, como o Sr. Deputado António Costa sabe, têm sido revisões constitucionais com o apoio do CDS-PP).
Foi dito há pouco pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes que o Sr. Deputado António Costa não é o "dono" da Constituição, nem das revisões constitucionais, e eu acrescentaria que não é o "dono" das prioridades dos outros partidos. Estamos perante seis projectos de revisão constitucional, apresentados por um conjunto de Deputados que têm, todos eles, um conjunto de hierarquias.
Para clarificar, devo dizer, em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, que pretendemos discutir tudo. Por nós, não haverá exclusão de matérias, nem uma determinação de matérias prioritárias a discutir. Independentemente da importância que possam ter as três prioridades do Partido Socialista, o projecto apresentado pelo PSD e pelo CDS-PP tem outras, designadamente a de reformar, na medida do possível, o poder legislativo,

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desde logo em relação a alguns prazos que são verdadeiramente excessivos; ou a de, também na medida do possível, neutralizar várias referências ideológicas que a nossa Constituição ainda mantém, colocando num capítulo final o que já foi trabalhado, quer na revisão da Constituição de 1982 quer na de 1989; pretendemos ainda consagrar um princípio de maior participação para os portugueses por via do referendo.
Devo dizer-lhe que, pela análise dos seis projectos de revisão constitucional, estranho um pouco as posições tomadas pelos restantes grupos parlamentares da oposição, na medida em que também eles propõem mais alterações do que apenas aquelas três de que o Partido Socialista falou. Aliás, a esse propósito, julgo haver um legado histórico, por exemplo, do Partido Comunista, um partido que sempre adoptou uma posição contrária à revisão da Constituição, preferindo que, em muitas matérias, ela não se tivesse alterado, mas que nem por isso se furtou alguma vez ao debate.

O Sr. António Filipe (PCP): - Exactamente!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Portanto, considero que, também aqui, não estamos perante uma revisão constitucional que deva ser considerada excepção. Devemos debater tudo e considerar os vários projectos presentes.
No que toca à referência que foi feita, e entro um pouco na substância, de que não existe uma questão constitucional - apesar de o Sr. Deputado António Costa não ter explicado bem o que é propriamente uma questão constitucional -, é importante que se tenha em atenção que a Constituição de 1976 pode ser modernizada, mas por esse facto não deixará de ser a Constituição de 1976; é importante - isto aprende-se nas faculdades - que a Constituição seja adequada à realidade existente. Tem de haver uma ligação, um link entre as posições normativas e a realidade constitucional, a realidade a que se aplica a Constituição, que é o que deveremos fazer nesta revisão da Constituição, sob pena de, possivelmente daqui a uns tempos, estarmos outra vez a discutir a questão da revisão constitucional.
De facto, de uma vez por todas, é importante colocar uma "pedra" naquilo a que se chamou "frenesim constitucional". Seguindo, aliás, modelos de outras constituições da União Europeia, e dou o exemplo de uma que tem sido muito falada, a Constituição espanhola de 1978, seria um bom exercício que a fossem ler e fizessem a comparação entre a nossa Constituição de 1976 e a espanhola de 1978, pois compreenderiam por que é que uma delas apenas necessitou de uma revisão constitucional.
Em relação à questão de se estar a criar um texto constitucional de ideologia contrária, devo dizer que, por exemplo, o CDS-PP tinha apresentado, em anteriores projectos de revisão constitucional, uma proposta de acordo com a qual a nossa economia se deveria reger por um princípio de economia social de mercado - esta é, aliás, uma solução que aparece, por exemplo, no projecto de Constituição europeia. Mas, precisamente porque não pretendemos tornar a Constituição num texto de ideologia contrária à que actualmente tem, não apresentámos uma proposta dessa natureza. Claro que aparecerão sempre alguns resquícios de natureza ideológica, pois é impossível a neutralidade total! Mas também é possível criar uma situação em que seja possível governar o País à esquerda, ao centro, ou à direita. Foi precisamente o que aconteceu - os analistas assim o dizem - no texto inicial da Constituição espanhola de 1978.
É fundamental que o País saiba, daí a importância desta discussão, quem bloqueia o quê e por que razão o faz.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - É preciso que se saiba o que está a ser discutido.
Também não podemos esquecer que a competência mais nobre da Assembleia da República é, precisamente, a constitucional e, portanto, não se diga que uma discussão sobre a revisão constitucional é perca de tempo. É, pois, importante que se entenda quais são as ideias dos vários partidos políticos em relação às propostas apresentadas, quais são os bloqueios que criam e por que é que os criam. Não podemos sair desta Comissão Eventual para a Revisão Constitucional sem conhecer claramente o posicionamento dos diferentes partidos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Por isso mesmo, em nome do CDS-PP, devo dizer que não concordo com a proposta feita pelo Sr. Deputado Francisco Louçã, porque cada partido tem a sua hierarquia. Aliás, constatei que o projecto de revisão constitucional do Bloco de Esquerda ultrapassa em muito as três matérias de que falou o Sr. Deputado António Costa, independentemente da importância que elas tenham. Como é óbvio, queremos chegar a um consenso e, também aí, melhorar a nossa Constituição.
Considero importante salientar que este é um ponto de partida, porque a proposta inicialmente apresentada pelo Partido Socialista era a de discutir apenas uma matéria - triplicaram esse objectivo. Ora, se aplicarmos agora o mesmo princípio, se voltarmos a triplicar, pelo menos vamos chegar a um consenso em relação a nove matérias, o que já nos permitiria avançar bastante mais!

Risos do PS.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Nove artigos!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Por fim, em relação ao link, a que o Sr. Deputado António Costa aludiu, entre a revisão constitucional e as leis eleitorais para os Açores e para a Madeira, queria dizer que o CDS-PP entende que ele não existe. Isto é, uma coisa é a matéria constitucional, outra é a matéria de lei, independentemente da maioria que a mesma exija.
Não estamos a discutir a revisão constitucional e, simultaneamente, alterações a leis eleitorais, de acordo com os objectivos - e, se calhar, os medos - de um único partido político. Refiro-me especificamente às eleições para a Assembleia Legislativa Regional dos Açores. Portanto, de uma forma clara, devo dizer que não estabelecemos essa ligação e não consideramos que dela se deva fazer depender o sucesso da revisão constitucional.

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Uma última palavra tem a ver com o facto de o Sr. Deputado António Costa se ter referido à posição do CDS da Madeira, usando, aliás, qualificativos elogiosos… Digamos que os qualificativos que o CDS vai recebendo da parte do Partido Socialista são um pouco a la carte, dependem da conveniência!

Vozes do PS: - É razoável!

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Até poderia referir que o pedido apresentado pelo CDS-Madeira também o foi por alguns Deputados do Partido Socialista na assembleia legislativa regional, ao que sei, um pouco à revelia da direcção desse partido na Madeira.
Devo dizer que o nosso posicionamento nesta matéria passa, desde logo, pelo respeito pelas autonomias que tem o CDS-PP, quer nos Açores quer na Madeira. Temos objectivos, e já os clarificámos, mas não confundimos o inconfundível! Portanto, não vamos confundir revisão constitucional com alterações de natureza legislativa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, apenas queria fazer um aditamento às sugestões dos Srs. Deputados Francisco Louçã e António Filipe, para além de esclarecer dois equívocos e manifestar a minha concordância com as intervenções dos Srs. Deputados Luís Marques Guedes e Diogo Feio.
Primeiro, em matéria de equívocos, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes terá estado pouco atento porque, já em Maio ou Abril, tínhamos esclarecido, pela voz do Secretário-Geral do PS, Dr. Ferro Rodrigues, quais eram os três pontos que deveriam constituir o âmbito de uma revisão cirúrgica e fulminante da Constituição: regiões autónomas, alta autoridade e limitação de mandatos. E a prova disso é que, quanto à limitação de mandatos, já apresentámos uma iniciativa legislativa, que está também congelada na paralisada Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político, e, em matéria de alta autoridade, houve negociações entre o Partido Socialista e o Sr. Ministro da Presidência para a formatação de uma proposta de lei que o Governo apresentará, uma vez concluída esta revisão constitucional, para resolver o problema da entidade reguladora. Portanto, sempre dissemos que estes eram os três temas.
O que dissemos em Outubro - e o Sr. Deputado Luís Marques Guedes não terá percebido - foi que, sendo, porventura, necessário mexer na nossa Constituição para permitir a ratificação da Constituição europeia e antevendo-se que a mesma só estaria concluída por volta de Abril ou Maio, não devíamos perder a oportunidade de fazer logo o que era urgente, isto é, a revisão do título relativo às regiões autónomas, e só num segundo momento trataríamos das restantes matérias, designadamente das outras duas que referi.
O que aconteceu de Outubro até hoje foi uma alteração lamentável das circunstâncias: não houve consenso na CIG para a Constituição europeia e sabemos hoje que não teremos, nem em Abril nem em Maio, o texto final da Constituição europeia.
Portanto, neste momento, não haverá um calendário previsível de uma segunda oportunidade de revisão constitucional e, por isso, não nos importamos de tratar já dessa matéria. E fazemo-lo com o à-vontade de, não tendo nós, por esta razão, apresentado propostas, estarmos disponíveis para adoptar como base de trabalho as propostas que os dois partidos da maioria apresentaram sobre estas matérias, designadamente as do PSD.
Em suma, não dissemos ontem uma coisa e outra hoje. O que houve foi uma mudança de circunstâncias, às quais não somos insensíveis, e seríamos irresponsáveis se disséssemos que só reveríamos a Constituição depois da Constituição europeia, não se sabendo hoje quando esta estará concluída. Este é o primeiro equívoco que gostaria de ver esclarecido.
O segundo equívoco tem a ver com o que é a Assembleia da República e uma comissão parlamentar. Uma comissão parlamentar não é um clube, onde podemos debater, aliás com prazer, os mais diversos temas. Temos, aliás, o maior gosto em convidar o Sr. Deputado Luís Marques Guedes para uma próxima sessão do "clube parlamentar do PS", para nos entretermos a discutir todas as questões esotéricas que queira.
Todavia, uma comissão parlamentar é um órgão que se destina à produção de um resultado, e o resultado a produzir é a aprovação, ou não, de uma iniciativa legislativa. Ora, esta constatação conduz-me a um ponto de concordância com o Sr. Deputado Luís Marques Guedes: só há a revisão constitucional que o PS quiser que exista. E, no que se refere a esta matéria, o Sr. Deputado António Filipe sublinhou muito claramente as nossas palavras. Nós recusamos liminarmente considerar sequer as propostas da maioria de natureza esotérica, como as qualificou o Sr. Prof. Marcelo Rebelo de Sousa. Portanto, não vamos perder tempo!
Devo dizer que este posicionamento não significa desrespeito - gostaria que não fosse entendido como tal - pelo enorme labor que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes e, certamente, os outros Srs. Deputados da maioria tiveram em rascunhar o projecto de revisão que nos apresentaram; significa, sim, respeito pelo tempo de todos nós, porque, como o Sr. Deputado Luís Marques Guedes sublinhou, grande parte dos Deputados desta Comissão são Deputados da 1.ª Comissão e, também, da Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político. E se a Comissão Eventual para a Reforma do Sistema Político está paralisada, porque a maioria não consegue apresentar uma única iniciativa legislativa, já a 1.ª Comissão tem muito trabalho pela frente.
Por exemplo, nas próximas duas semanas, apresentaremos um projecto de revisão do Código de Processo Penal, que nós e o País consideramos prioritário, porque toda a gente percebe a urgência de tal revisão. É, pois, fundamental que a 1.ª Comissão se possa concentrar no trabalho que é útil e necessário. Por outro lado, existem 10 diplomas essenciais à reforma da justiça que estão paralisados na 1.ª Comissão e é necessário que os Srs. Deputados tenham disponibilidade para trabalhar nessas iniciativas legislativas que os diversos partidos têm apresentado - o Governo

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não apresentou nenhuma - e que aguardam a sua conclusão na 1.ª Comissão.
Portanto, não vale a pena estarmos a perder tempo num exercício puramente retórico, quando há muito de concreto a fazer.
Quanto à questão política de fundo, e essa é que é essencial, o Sr. Deputado Diogo Feio disse tudo: o problema do PSD e do CDS-PP é o de que a nossa Constituição é a Constituição de 1976. Julgávamos que era um problema apenas do CDS-PP, mas ficámos a saber que é um problema partilhado também pelo PSD, e registamos o facto.
Para nós, é muito claro: a Constituição que vigorará em Portugal continuará a ser a Constituição de 1976. Isto não é arrogância, corresponde ao sentir profundo do agrado que o povo português tem pelo regime democrático nascido no 25 de Abril, com o qual todos estão satisfeitos. E não admitimos sequer perder tempo a discutir este ponto.
Portanto, em termos da metodologia a seguir, creio que se pode fazer um ajustamento à proposta dos Srs. Deputados Francisco Louçã e António Filipe. Para que todos possam ter a oportunidade de apresentar o fruto do seu trabalho profundo nos meses que antecederam a apresentação destes textos, talvez pudéssemos começar por fazer uma apresentação geral de cada um dos projectos de revisão, pela sua ordem de entrada. Finda essa apresentação geral, podia definir-se qual a matéria em relação à qual vale a pena trabalhar e a matéria em relação à qual não vale a pena trabalhar por não haver qualquer tipo de consenso; depois, seguir-se-ia a metodologia proposta pelos Srs. Deputados Francisco Louçã e António Filipe.
Ou seja: primeiro, trabalhamos as matérias identificadas como de trabalho e, no fim, para completar este ciclo e se alguém ainda tiver vontade de se entreter um pouco aqui à volta da Mesa, poderíamos ter uma ou duas sessões de discussão das questões esotéricas, para que o trabalho do Sr. Deputado Luís Marques Guedes não seja totalmente frustro.
De qualquer modo, convém termos a noção do seguinte, e isto é que é essencial: há matérias relativamente às quais existe um consenso generalizado quanto à necessidade efectiva de haver revisão constitucional, como é o caso, sublinho, da questão das autonomias regionais. E seria lamentável que chegássemos ao 30.º aniversário do 25 de Abril sem ter concluída a revisão constitucional, na parte relativa às autonomias regionais. Esta é uma matéria que em tempos dividiu os portugueses e que hoje une os portugueses, e essa união dos portugueses na defesa da autonomia regional deve ter expressa consagração constitucional.
Seria absolutamente inaceitável comprometer o aprofundamento e a clarificação das autonomias dos Açores e da Madeira porque a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional anda entretida a discutir questões esotéricas - alguém perceberia isto? Tenho de dizer o seguinte: seríamos os primeiros a dar razão ao Dr. Alberto João Jardim, quando ele nos viesse dizer que a República estava a gozar com a Região Autónoma da Madeira e com a Região Autónoma dos Açores. Não nos podemos permitir que tal aconteça, e a mim, como devem imaginar, custar-me-ia muito ter alguma vez de dar razão ao Dr. Alberto João Jardim. Portanto, seria lamentável que assim fosse.
Se lermos os projectos de revisão constitucional apresentados por todos os partidos, em matéria de autonomias regionais há 90% de consenso e, portanto, hoje à tarde, esses 90% eram lei constitucional. Vamos trabalhar nos 10%, vamos resolver rapidamente as questões da entidade reguladora e da limitação de mandatos, que estão a paralisar também a reforma do sistema político, e, depois, concluamos os trabalhos, se tivermos bom senso. Porém, se o Sr. Deputado Luís Marques Guedes quiser muito, então vamos entreter-nos a discutir as questões esotéricas.
A questão das regiões autónomas deve estar pronta em Março, repito, em Março, porque não é responsável nem sério que, havendo actos eleitorais marcados para Outubro próximo, o quadro constitucional e legal das regiões autónomas não esteja definido com suficiente antecedência. Não é em cima do acto eleitoral para as regiões autónomas que se clarifica o seu quadro constitucional e legal. Isso tem de ser feito com suficiente antecedência, deve ser feito com suficiente antecedência e pode ser feito com suficiente antecedência.
Portanto, é muito claro qual é o quadro, qual é a metodologia adequada, e a possibilidade efectiva de se proceder a uma revisão constitucional cirúrgica e fulminante destas matérias: regiões autónomas, alta autoridade e limitação de mandatos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Chaves.

O Sr. Henrique Chaves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero também, antes de mais, desejar a todos os colegas Deputados da Comissão um bom ano de 2004, cheio de sucesso pessoal e político, e dizer ao Sr. Presidente que não entendo o frio que está nesta sala, que penso que paralisa completamente a capacidade de raciocínio.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Henrique Chaves (PSD): - Não me parece civilizado, e deve haver alguma forma de dar solução a uma situação destas, de uma temperatura que é perfeitamente inaceitável.
Nesta breve intervenção, não quero deixar de referir dois pontos.
O primeiro refere-se à posição do Partido Socialista e à intervenção do Sr. Deputado António Costa, que acabou de sair, e, portanto, não vai ouvir, mas não vou deixar de dizer o que penso - espero que lhe transmitam.
A posição de princípio que o Partido Socialista adopta nesta discussão é, na minha perspectiva, profundamente antidemocrática. O Partido Socialista apresenta-se aqui como aquele "menino birrento" que num jogo de futebol é o dono da bola e diz "bom, eu sou o dono da bola e, portanto, como a bola é minha, jogam quando eu quero e como eu quero", o que é uma posição perfeitamente inaceitável, eu diria quase que infantil.
Além do mais, há aqui uma curiosidade extraordinária, que é o facto de o Partido Socialista passar um atestado

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de atraso mental à sua organização de juventude, que tem uma posição rigorosamente contrária à sua. Para tanto, basta ler o preâmbulo do projecto de revisão da Juventude Socialista, subscrito pela Sr.ª Deputada Jamila Madeira, que começa por dizer o seguinte: "O Partido Socialista, ao desencadear o presente processo de revisão constitucional ordinária, deixou bem claro que pretendia ver o seu produto limitado à questão da autonomia regional (…)". A revisão constitucional é um produto para a Juventude Socialista, como se vê aqui.
E acrescenta: "Esta opção, dotada de todas as razões que a envolvem, não constitui impeditivo para que a Juventude Socialista, organização de juventude do Partido Socialista (…) apresente através dos seus deputados um projecto de revisão constitucional que traduza a sua visão sobre o quadro jurídico-constitucional".
Portanto, temos logo aqui uma contradição absoluta com a posição que o Partido Socialista transmitiu através do Sr. Deputado António Costa. Pelos vistos, a Juventude Socialista entende que nada impede que, para além da autonomia regional, apresente, como apresentou, um projecto versando outros pontos concretos.
Depois, vai mais longe, e, então, aí a contradição é absoluta: "A Juventude Socialista entende que as revisões constitucionais ordinárias são o momento adequado para reflectir sobre o funcionamento da sociedade e do sistema político, debatendo os ajustamentos necessários no ordenamento constitucional". Ora, isto é uma contradição absoluta e total com o que o Sr. Deputado António Costa acabou de dizer. Ou seja: a Juventude Socialista entende que este é o fórum adequado para se fazer um debate e se examinarem propostas globais sobre assuntos variados referentes à revisão constitucional. Este é o primeiro ponto que queria abordar.
O segundo ponto é o seguinte: foi aqui dito que a maioria, PSD e CDS-PP, queriam fazer um ajuste de contas com a História nos seus projectos de revisão constitucional. Eu diria exactamente o contrário, diria que a História é que ajustou contas com determinadas realidades que constam da Constituição e que estão rigorosamente ultrapassadas. Enfim, a Constituição fala em blocos, fala em colonização, fala em autogestão e vai ao ponto de dizer que "constituem direitos das comissões de trabalhadores exercer o controlo de gestão nas empresas", vai ao ponto de dizer que "são apoiadas pelo Estado as experiências viáveis de autogestão", como se o Estado não tivesse mais coisas para apoiar. Portanto, eu diria que a Constituição tem alguns aspectos em que parece um museu de história natural.
Por isso, pergunto se o período de revisão ordinária da Constituição não é exactamente o período adequado para retirar da Constituição aquilo que está completamente ultrapassado. Esta é a perspectiva da maioria e, pelos vistos, é também a da Juventude Socialista, quando diz que este é um momento, o da revisão ordinária, de discutir determinadas realidades que o Partido Socialista, como um "menino birrento", não quer discutir.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, lamento, mas vou ter de responder ao Sr. Deputado António Costa na sua ausência. Não conheço a razão pela qual teve de se ausentar dos trabalhos, mas, como é a minha vez de intervir, nesta ocasião é que posso responder-lhe.
Em primeiro lugar, quero registar, apesar de tudo, um tom um pouco diferente na segunda intervenção do Sr. Deputado António Costa, mais defensivo, mais justificativo, a tentar explicar aquilo que, apesar de tudo, mantenho-o, considero completamente inexplicável, ou seja, a atitude completamente arrogante e pesporrente com que inicialmente o Partido Socialista apresentou a sua posição relativamente a esta matéria.
Em segundo lugar, quero dizer que, contrariamente ao que o Sr. Deputado António Costa pretendeu justificar, não há equívocos absolutamente nenhuns. E se dúvidas ele tiver, depois, no princípio da tarde, enviar-lhe-ei cópias dos comunicados e das conferências de imprensa que o Partido Socialista fez, em Outubro, em que deixava claro - e não sei se também utilizou o termo liminarmente - que a única matéria que se iria debater na revisão da Constituição era a das regiões autónomas, mais nada.
É evidente que, depois, houve logo várias declarações, tendo-se a comunicação social ocupado dessa tarefa, a de pôr a falar alguns outros dirigentes do Partido Socialista, os quais, rapidamente, ao longo do mês de Novembro, começaram a dizer "não, de facto, a questão da limitação de mandatos tem de ser alterada na Constituição, a questão das entidades reguladoras tem de ser alterada na Constituição…"

Neste momento, deu entrada na sala o Deputado do PS António Costa.

Sr. Deputado António Costa, não vou repetir tudo o que disse antes, porque não vale a pena.
Como dizia, não há equívocos absolutamente nenhuns. E terei muito gosto em refrescar-lhe a memória com a cópia dos comunicados que, na altura, produziu relativamente a esta matéria.
Mas, pondo de parte essa atitude profundamente antidemocrática, embora já um pouco menos agreste, com que o Partido Socialista pretendeu "marcar as cartas", num debate em que ele é apenas uma das partes, como todos os outros grupos parlamentares, à volta desta mesa, iria voltar, Sr. Presidente, se me permite, à questão da metodologia.
É evidente que posso perceber - embora não consiga percebê-lo depois de os projectos terem sido apresentados -, historicamente, a posição do Partido Comunista Português e do Partido Ecologista "Os Verdes", que, normalmente, não querem sequer que haja qualquer revisão constitucional. Portanto, independentemente das suas propostas ideológicas, até posso perceber que o Partido Comunista esteja sempre pronto a abdicar delas, a benefício daquilo que ele entende ser o bem supremo, que é "não se mexa na Constituição, não se toque na Constituição!". Por isso, da parte do Partido Comunista Português e do Partido Ecologista "Os Verdes", tradicionalmente (do Bloco de Esquerda, porque não tem tradição, pelo menos em matéria de revisão constitucional ordinária, não posso dizer outro tanto), até posso perceber essa atitude.

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Agora, com toda a franqueza, o que não é minimamente aceitável nem vale a pena os senhores pedirem é que o PSD (falo pelo PSD) abdique das propostas que apresentou na revisão constitucional, apenas porque o Partido Socialista entende que não concorda com elas. Tenho muita pena, concorde ou não concorde… Aliás, tem sido sempre assim: os senhores começam sempre por não concordar com nada, por achar que só se faz isto ou aquilo, só se faz, nomeadamente, aquilo que o Partido Socialista entende que é o mais conveniente.
Considero essa posição perfeitamente legítima, mas nós temos uma posição diferente: entendemos que as nossas propostas são propostas válidas, que aquilo que queremos que seja debatido é matéria que merece, de facto, ser debatida e julgamos, acima de tudo, como dizia o Sr. Deputado Diogo Feio, que (independentemente daquele que, de acordo com o jogo democrático, venha a ser o posicionamento de voto de cada um dos Srs. Deputados e, portanto, venha ou não a merecer o número de votos necessário, em termos constitucionais, para ser aprovado) deve ficar perfeitamente clarificado em termos políticos e registado nos trabalhos da revisão constitucional quem pensa o quê sobre as matérias, quem viabiliza o quê e quem bloqueia o quê. É que esse é exactamente o trabalho nobre da revisão constitucional, esse e mais nenhum.
Quer dizer, a revisão constitucional não se faz por haver um partido qualquer que, conjunturalmente, tem, por força do voto popular, uma posição determinante em termos de obter ou não a maioria de dois terços, não é por isso que se abre ou deixa de abrir o processo de revisão constitucional. Tenho imensa pena, mas não é! E os senhores, que gostam tanto de ser os paladinos da democracia, faziam bem em "tomar um banhozinho" de humildade e cumprir e respeitar a Constituição da República, também em matéria de revisão dela própria.
Portanto, façam o favor de "se meter nas vossas tamanquinhas" e de aceitar o jogo democrático, tal qual as regras são colocadas e tal qual ele tem de ser jogado por todos.
Pela parte do PSD, estamos - e, como já disse na minha intervenção inicial, repito-o - totalmente abertos, em termos de metodologia, como não podia deixar de ser (não temos essa arrogância antidemocrática), para debater todas as propostas que foram apresentadas pelos Srs. Deputados.
Temos à nossa frente seis projectos, dos quais só um é da responsabilidade do PSD, em conjunto com o CDS-PP, sendo os outros da liberdade política, perfeitamente legítima, dos Srs. Deputados. Quiseram apresentá-los e nós estamos disponíveis para convosco os debater.
Se os Srs. Deputados do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda, que tiveram uma atitude, em princípio, tão seguidista relativamente ao Partido Socialista quanto à questão da metodologia, entenderem por bem retirar as vossas propostas para que elas não tenham de ser discutidas, retirem-nas, convido-os a retirarem-nas.
Mas fiquem certos de uma coisa: se não as retirarem, não será pelo PSD que elas serão menosprezadas ou deixarão de ser debatidas. Se os senhores querem ganhar tempo, retirem as vossas propostas. O PSD não abdicará das suas - que isso fique claro. As nossas propostas serão discutidas com quem as quiser discutir democraticamente; quem quiser ter a atitude arrogante e antidemocrática de não as discutir, não as encarar, não aceitar a dialéctica do debate parlamentar, assuma as suas próprias responsabilidades.
Se os senhores querem que só se discuta as propostas da maioria e do Partido Socialista, porque entendem que só a maioria e o Partido Socialista perfazem aritmeticamente os dois terços para a revisão constitucional, têm um bom caminho: retirem as vossas propostas. O que não podem é pedir ao PSD… Quer dizer, poder pedir podem, mas desde já respondo com toda a frontalidade: escusam de nos pedir para retirarmos as nossas, que não as retiraremos. E estamos disponíveis para discutir as vossas. Espero que os senhores também estejam disponíveis para, com a mesma seriedade e a mesma frontalidade democrática, discutir as nossas propostas. Gostem os senhores, ou não.
De resto, olhando agora para o Sr. Deputado António Filipe, lembrei-me de que o Sr. Deputado é um dos Srs. Deputados (com certeza, outros haverá e, com certeza, por culpa minha, ter-me-ão escapado alguns desses posicionamentos) que, em artigos de opinião em jornais, até já discorreu, já deu a sua opinião, já deu contributos para a discussão, relativamente a propostas da maioria.
Portanto, é com esse espírito, que não é só praticado lá fora, mas é, e deve ser, acima de tudo, praticado aqui dentro, no Parlamento, concretamente nesta Comissão, que nós encaramos os trabalhos desta Comissão.
Assim sendo, pela nossa parte, que fique claro o seguinte: não temos a veleidade de achar que a metodologia deve ser a de seguir o projecto da maioria - evidentemente, isso está fora de causa. Porém, essa metodologia só pode ser uma - e é a que tem sido seguida em todas as revisões constitucionais -, a de apreciar as propostas apresentadas uma a uma.
A menos que haja Srs. Deputados que tenham apresentado os projectos de revisão constitucional só para perder tempo, só para fazer o Sr. Deputado António Costa perder tempo. E, como o Sr. Deputado António Costa não deu o seu agrément, os Srs. Deputados "metem o rabinho entre as pernas" e retiram-nas.
Então, se não querem que as vossas propostas sejam discutidas, mais uma vez, convido-os a retirarem-nas. Porém, aquilo que os Srs. Deputados mantiverem sobre a mesa será necessariamente objecto de discussão da parte do PSD. Não digo que seja objecto de concordância, porque objectivamente, como compreenderão, o PSD, em relação a muitas das matérias apresentadas nas propostas, nomeadamente, do PCP, do Bloco de Esquerda e de Os Verdes, tem profundas reservas, para não dizer, em muitas outras, uma posição perfeitamente contrária. Mas estamos disponíveis para aqui dizer isso mesmo, com toda a frontalidade. E haverá mais ou menos debate, consoante os senhores pretendam ou não que esgrimamos em maior ou menor grau a nossa argumentação, fazendo os senhores outro tanto relativamente às vossas posições.
Independentemente disso, Sr. Presidente, concordo objectivamente com uma questão já aqui colocada, que também é habitual, como não podia deixar de ser, nos projectos de revisão constitucional, até porque depois será

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objecto de uma publicação e tem toda a relevância, como sabemos, em termos jurídico-constitucionais, no ordenamento jurídico português, e que é esta: deverá haver uma exposição inicial, que a Comissão deverá marcar e à qual o Sr. Presidente depois deverá dar expressão, para a apresentação, pela sequência normal, dos projectos. Ou seja, os projectos serão rapidamente apresentados, cada um fá-lo-á como entender, e quem quiser retirar os seus projectos, retira-os.
Uma outra questão que não foi aqui colocada, Sr. Presidente, e que quero lançar para a mesa, pois parece-me que se inscreve na matéria da metodologia, é a seguinte: à semelhança do que também ocorre nos processos de revisão constitucional, entendemos que esta Comissão (e queremos fazer essa proposta) tinha toda a vantagem em proceder a algumas audições. E, nesta revisão em concreto, propúnhamos (e, até para abreviar as intervenções, julgo poder falar também pelo CDS-PP) a audição das duas assembleias legislativas regionais. Isto, Sr. Presidente, independentemente, de elas se fazerem representar, como também é habitual nesta Casa, pela forma que entenderem mais adequada, pelo que a liberdade da escolha da respectiva representação caberá, por uma questão de dignidade própria, às respectivas assembleias legislativas.
Não sei se o Sr. Presidente pretende que eu faça um requerimento por escrito ou se posso fazê-lo só oralmente… Se quiser, manuscrevo rapidamente o seguinte: em nome da maioria, propúnhamos que fosse contemplada a audição das duas assembleias legislativas regionais, a dos Açores e a da Madeira.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que, até agora, o debate sobre a consideração das condicionantes políticas do trabalho que vamos ter foi cristalino. Talvez melhor do que todos, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes resumiu-o agora mesmo. Disse-nos que o PS resiste a uma consideração genérica dos temas da Constituição mas, como noutras oportunidades, logo se vê e talvez no futuro possa mudar de posição.
Não tenho capacidade nem autoridade para fazer qualquer antecipação a esse respeito, no entanto, parece claro deste debate que não se conforma um acordo entre o Governo e qualquer força da oposição sobre um entretenimento político quanto ao debate da revisão constitucional.
Desse ponto de vista, o que o PSD está a pedir-nos é exclusivamente que, arrastando o debate, cheguemos à única conclusão possível: fazer um registo mortuário das propostas, verificar aquilo em que houve impasse, um registo dos culpados, uma espécie de culpa assumida naquilo que, para a direita, se considera fundamental para a reconstrução ideológica da República. Ora, não há disponibilidade para isso, e não é porque - falando pelo Bloco de Esquerda, naturalmente - não consideremos de actualidade e de importância todas as propostas que apresentamos, e assim as defenderemos, todas e cada uma delas.
Não deixamos de dizer que, evidentemente, a abertura de um debate sobre conteúdos constitucionais que queremos ver consagrados agora, ou no futuro, é distinto da consideração das circunstâncias políticas prioritárias que nos permitem fazer responsavelmente, agora, alterações fundamentais. Aliás, o PSD, com a proposta que apresentou e com a resistência que tem à consideração de prioridades, arrisca-se a não conseguir nem oito nem oitenta, e, portanto, a perturbar o processo de revisão constitucional, fazendo com que não se consiga, em prazos úteis, nenhum resultado útil em nenhuma matéria.
O arrastamento do processo de revisão constitucional não é uma forma de clarificação constitucional mas, sim, uma forma de impasse constitucional, de perturbar o processo e de o tornar inútil para o resultado, a votação. Útil talvez para a clarificação ideológica dos esponsais, entre o PSD e o CDS-PP, mas do ponto de vista da Constituição, daquilo que importa no debate político e das conclusões que o voto permita consagrar, é uma estratégia inútil porque se arrasta num prazo absolutamente indeterminado. Se tirássemos o exemplo da reforma do sistema político, representativo deste ponto de vista, então, certamente, no ano de 2004 não teríamos nenhuma revisão constitucional.
Assumindo o PSD esta virtude democrática e iluminista do debate, quero lembrar ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes - não contestando a boa fé da sua opinião de que todas as propostas serão discutidas em todo o detalhe, exaustivamente, pela argumentação que mereçam - que, apesar de tudo, essa não é tradição do PSD pelo regime que impôs neste Parlamento.
O Sr. Deputado Luís Marques Guedes é o autor das novas regras dos tempos no Plenário, que fazem com que projectos de lei sejam discutidos em 7 minutos; apresentados, rebatidos, argumentados e esclarecidos em 7 minutos!… Não é propriamente um exemplo extraordinário da forma de conduzir um debate criterioso acerca de iniciativas legislativas, Sr. Deputado Luís Marques Guedes! Admito, no entanto, que tenha entrado em 2004 com um modo sarcástico e, portanto, desse ponto de vista, relevo toda a sua argumentação.
Gostaria de deixar uma última palavra sobre o problema da apresentação.
Estou de acordo com a sugestão feita pelo Sr. Deputado António Costa, a qual, de resto, parece óbvia - não poderia ser de outra forma -, e que foi reforçada pelo PSD, de haver um período inicial de apresentação. Reitero que julgo mais útil fazermos o tratamento temático das matérias enunciadas e que, uma vez concluídas essas matérias, não deixemos, no entanto, de tratar todas as outras apresentadas, até porque - quero assinalar - há, pelo menos, algumas alterações que merecerão facilmente consenso. Por exemplo, por que tem a Constituição da República de manter uma referência a Macau ou a Timor?

Vozes do PSD: - Ah, então já são cinco!

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Creio que não haverá grandes dificuldades em chegar-se a soluções quanto a este aspecto.

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No entanto, o tratamento conjugado destes três temas tem uma vantagem ainda não sublinhada mas que eu não queria deixar passar em claro: permite um tratamento mais clarificador do que a discussão uma a uma, pela sequência dos artigos da Constituição, das várias normas. Por exemplo, quando tratarmos da revisão do regime das autonomias é muito mais clarificador politicamente considerarmos o conjunto das alterações que afectam as autonomias e cujos artigos estão dispersos pelo texto constitucional, porque se trata de muitas matérias diferentes, tendo todas elas em comum o aperfeiçoamento do regime autonómico, do que tratá-las à medida em que são introduzidas pela sequência numérica dos artigos da Constituição.
Portanto, a priorização de um tratamento temático é esclarecedor politicamente e mais vantajoso do ponto de vista da coerência constitucional do que irmos reencontrando a matéria do regime autonómico sucessivamente, ao longo do debate constitucional, ora quando falamos dos poderes do Presidente da República, ora quando falamos do referendo, ora quando falamos da iniciativa legislativa, ora quando falamos da alteração das leis eleitorais. Não tem sentido fazê-lo desta forma dispersa, pelo contrário, é muito mais vantajoso condensar politicamente todo esse debate numa sequência em que organizadamente abordamos esse tema. O mesmo não se aplicará em relação às duas outras matérias.
Portanto, Sr. Presidente, com a ressalva e com a alteração feita pelo Sr. Deputado António Costa, quero insistir na apresentação da proposta para que a mesma seja considerada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria de começar por manifestar a minha satisfação pelo facto de me parecer existir consenso de todos os grupos parlamentares no sentido de esta revisão constitucional ser aproveitada para se aprofundar e melhorar o sistema político-administrativo das regiões autónomas, pondo assim fim ao chamado contencioso das autonomias.
O facto de manifestar essa congratulação não impede que tome posição sobre a questão metodológica de fundo que aqui tem sido discutida, isto é, se devemos aproveitar este espaço de debate para discutir todos os projectos de revisão constitucional ou apenas aquele elenco de matérias enunciado pelo PS.
Parece-me existir uma confusão entre o direito de iniciativa, o direito de discussão e, finalmente, o direito de voto em relação às propostas e projectos legislativos. Uma coisa é a iniciativa, outra coisa é o direito de discutir as iniciativas, quer sejam legislativas quer sejam de alteração à Constituição, e, finalmente, outra coisa é o direito de votar, ou não, essas mesmas propostas.
Ora, penso que em nome dos sãos princípios democráticos jamais se poderá defender que a um Deputado que tomou a iniciativa de apresentar uma proposta seja negado o direito de a discutir. Fiquei muito surpreendido quando ouvi o Sr. Deputado António Filipe dizer que, uma vez que o PS tem uma minoria de bloqueio em matéria de voto no que toca à revisão constitucional (é uma minoria de bloqueio, a expressão parece-me correcta porque adere à realidade), então, não devemos discutir nada com que o PS não esteja de acordo. Ora, julgo que isto é uma subversão dos princípios democráticos, aliás, pergunto, sobretudo aos partidos mais pequenos que compõem o nosso Parlamento, se aceitariam que a maioria adoptasse esta mesma orientação em relação às suas iniciativas legislativas. Seria, de facto, uma situação insustentável do ponto de vista do funcionamento democrático do nosso Parlamento.
Por fim, gostaria de deixar bem claro que, no meu entendimento, não existe qualquer relação necessária entre a revisão constitucional e a revisão das leis eleitorais para as regiões autónomas. Entendemos tratar-se de duas matérias substancialmente distintas, que têm sedes de discussão, de apreciação e de votação completamente autónomas. Querer estabelecer qualquer ligação entre estes dois processos não tem a ver, certamente, com a racionalidade democrática e de Direito Constitucional mas apenas com interesses partidários, já aqui referidos.
Não tomo agora posição sobre a substância dessa matéria, tomá-la-ei no lugar próprio, mas o nosso entendimento, do ponto de vista metodológico, é que não deve ser estabelecida qualquer relação entre estas duas questões.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, penso que estamos numa fase em que é muito claro o que cada grupo parlamentar pretende. Do nosso ponto de vista, ou continuamos a fazer um discurso redondo e a procurar divagar sobre a forma como se vai processar, ou não, a revisão constitucional, ou pretendemos aproximar-nos de uma discussão realista e séria sobre as condições em que, neste contexto e com as balizas já colocadas, essa discussão e conclusão dos trabalhos pode ser feita de forma útil.
Independentemente da vontade da maioria, a questão óbvia e prática é que um dos partidos não descartável nem dispensável para a aprovação de alterações ao texto constitucional explicitou, com enorme clareza, quais os territórios nos quais aceita proceder a alterações nesta fase.
Assim, das duas uma: ou bem que a maioria, tendo em conta esses condicionalismos, que não partilha mas que tem de admitir porque são reais e constituem um entrave à sua vontade, parte dessa realidade e a partir dela procura trabalhar e aperfeiçoar, designadamente quanto às questões autonómicas, o texto constitucional; ou, pura e simplesmente, pretende fazer-se um exercício totalmente diverso, que não conduz a lado nenhum e que, com certeza, nem prestigia a Assembleia da República nem será particularmente entusiasmante para os eleitores dessa maioria das regiões autónomas, quer da Madeira quer dos Açores.
Em concreto, no que respeita a uma das propostas avançadas, gostaria de dizer que, para Os Verdes, a apresentação do nosso projecto resulta da consideração do valor das nossas propostas, sendo certo que temos consciência

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que não é o momento oportuno de uma revisão alargada em que as mesmas possam caber.
Tendo percebido qual é o universo de questões em relação às quais uma das partes importante neste processo aceita discutir, como não nos interessa propriamente desperdiçar tempo - o tempo não é exactamente um recurso em relação ao qual nos possamos permitir o luxo de utilizar desta forma - e como não nos interessam os exercícios que não conduzem a lado nenhum e que não são, seguramente, um factor de prestígio para o Parlamento, entendemos que faz sentido que os diferentes proponentes façam a apresentação das suas propostas - penso que essa apresentação é de todo indispensável - para, depois, centrarmos a nossa atenção sobre as questões passíveis de conduzir a algum lado. Tal, obviamente, implica leituras cruzadas, porque as diferentes questões não se circunscrevem a um artigo em concreto mas a vários, que confluem, por exemplo, no capítulo das autonomias, mas também eventualmente noutros.
Portanto, é nesta base que deveremos trabalhar se queremos prestigiar a Assembleia da República, mas, sobretudo, se queremos chegar a algum lado. A tentativa de fazer de conta que não existe nesta discussão uma predisposição diferente daquela que a maioria entende é uma atitude muito pouco construtiva, é uma atitude de quem, claramente, não quer chegar a lado nenhum e que, aliás, quase poderia ser lida como uma tentativa de boicote ao próprio processo de revisão constitucional, no sentido da melhoria e do enriquecimento das questões autonómicas. É que, ao contrário do que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes disse, essas questões não se traduzem propriamente numa necessidade, por razões eleitoralistas, reivindicada pelo partido A ou B que, eventualmente, está no poder, mas constituem um factor sentido transversalmente pelos diferentes partidos das regiões autónomas.
Portanto, a nossa posição é a de que seria útil que os trabalhos fossem programados tendo em conta resultados palpáveis, concretos, em tempo útil, e que não nos prolongássemos num exercício inútil, que desperdiça tempo e que, sobretudo, será seguramente mais um factor de erosão e de desprestígio para a Assembleia da República.
Em concreto, em relação a uma questão sobre a qual não me tinha pronunciado, a das reuniões da Comissão às quintas-feiras, quero adiantar que, para nós, é manifestamente impossível reunir nesse dia. Outros dias da semana terão de ser considerados, sem que haja sobreposição com as reuniões plenárias. Como a quinta-feira é o único reduto que sobra para os grupos parlamentares, esse dia não é passível de ser ocupado com os trabalhos desta revisão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma segunda intervenção, o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, faço esta segunda intervenção devido a uma afirmação do Sr. Deputado António Costa sobre aquele que seria o intuito do CDS-PP em relação à Constituição de 1976.
Disse o Sr. Deputado - e estarei a citar não da forma mais correcta - que o intuito do CDS-PP seria o de terminar com a Constituição de 1976, que é, aliás, um dos pilares fundamentais do nosso regime democrático. Esta afirmação não pode, obviamente, passar sem uma refutação claríssima, porque o que estamos a propor, em conjunto com o Partido Social Democrata, é uma modernização do texto constitucional, seguindo, aliás, o exemplos de outros Estados-membros da União Europeia, cujas constituições mereceriam, com certeza, ser lidas, bem como o que está previsto, entre outros textos, no projecto da Constituição europeia. Quero que esta posição fique, desde já, muito clara.
Em segundo lugar, um estrangeiro que estivesse a assistir a esta reunião devia estranhar uma oposição que entende que se estão a discutir coisas a mais, porque, normalmente, a regra é que a oposição gosta de discutir - é legítimo e positivo que o faça - os vários temas. Parece, contudo, que agora a oposição, em bloco, em relação a esta matéria, o que pretende é não discutir ou, então, discutir de forma qualificada: primeiro os assuntos que um dos partidos considera importantes e só depois os outros, entre os quais se incluem propostas, também elas da oposição, que possivelmente são consideradas, também elas, esotéricas.
Nós não pensamos assim. Para nós todas as propostas são importantes e devem ser discutidas. Aliás, a discussão tem virtualidades, como já se demonstrou neste debate.
Ainda há pouco, o Sr. Deputado Francisco Louçã chamou a atenção para o facto de haver artigos na Constituição (por exemplo, os relativos ao regime de Macau e à questão de Timor) que já não têm razão de ser, porque a realidade evoluiu. Também se pode falar da questão da organização de moradores e de várias outras. Portanto, a própria discussão pode alargar as matérias em relação às quais há consenso.
Se houve aqui, de facto, uma "entrada de leão" por parte do Partido Socialista, é importante ter presente que este é um ponto de partida e, também, qual irá ser a solução final. E, em relação à solução final, é muito importante que todos os portugueses saibam qual é a posição dos partidos políticos em relação às propostas aqui presentes e quais as razões que consideram susceptíveis de impedir que a Constituição possa evoluir. Esse aspecto é essencial, é algo que temos de clarificar perante todos os cidadãos portugueses. Por isso mesmo, este debate assume (ainda por cima, trata-se da principal competência da Assembleia da República) uma especial relevância.
Quanto ao método, para que não restem quaisquer dúvidas, consideramos que se deve começar pela apresentação genérica de todos os projectos, seguida da audição das assembleias legislativas regionais dos Açores e da Madeira, desde que haja consenso para tal, e passar, por fim, à discussão de todas as matérias que estão em causa, sem qualquer hierarquia.

O Sr. Presidente: - Também para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, vou ser breve e faço um primeiro apelo para

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que se tomem decisões, porque já todos os partidos tomaram posição e a discussão corre o risco de, a partir deste momento, começar a ser esotérica. Portanto, é tempo de decidir que caminho dar aos trabalhos, tanto mais que há condições para isso.
Porém, a minha intenção é apenas a de desfazer um eventual equívoco que poderia resultar das intervenções dos Srs. Deputados Luís Marques Guedes, Diogo Feio e Correia de Jesus acerca das nossas posições, esclarecendo que nem retiramos as nossas propostas nem nos retiramos da discussão. Portanto, vamos conformar-nos com a metodologia que for adoptada, e se a metodologia for discutir todas as propostas por ordem dos artigos fá-lo-emos! Vamos apresentar as nossas propostas e vamos discuti-las, sendo que todas as propostas apresentadas pelo PSD pelo CDS-PP, pelo PS, pelo Bloco de Esquerda e por Os Verdes merecerão toda a nossa consideração e serão debatidas em função do valor de cada uma delas. Se for essa a metodologia adoptada, repito.
Temos consciência de que, caso se adopte essa metodologia, haverá uma óbvia perda de tempo em relação ao sentido útil que a revisão constitucional pode ter - não estou a falar em perda de tempo em valores absolutos, porque um bom debate é sempre importante. Mas, tendo em conta o eventual sentido útil deste processo de revisão constitucional, obviamente será uma perda de tempo e, tendo em consideração os calendários com que estamos a trabalhar, tal representaria, com toda a probabilidade, a inviabilidade de ter um processo de revisão constitucional sobre as autonomias regionais antes de terminar a actual legislatura regional. Essa, sim, é a questão.
A questão não é uma inutilidade em abstracto, a questão tem que ver com a metodologia necessária para se obter o sentido útil desta revisão constitucional, o que se prende, obviamente, com os calendários eleitorais nas regiões autónomas, com o facto de existirem questões relevantíssimas, do ponto de vista constitucional, que poderão não ser concluídas antes do final desta legislatura.
No fundo, não se trata de retirar propostas, não se trata de nos retirarmos da discussão; trata-se, sim, de termos em consideração que há nesta Assembleia dois partidos que são "minorias de bloqueio" em termos de revisão constitucional, para usar a terminologia do Sr. Deputado Correia de Jesus. E esses dois partidos são o PSD e o PS! Ou seja, não há partidos maioritários nesta Assembleia, não há nenhum partido que tenha, só por si, uma maioria absoluta. E, em sede de revisão constitucional, há dois partidos que são "minoria de bloqueio", o PS e o PSD, os outros são só minoria, já que não têm condições para, por si, bloquear coisa nenhuma!
PSD e PS podem ser "minoria de bloqueio", e não podemos deixar de ter isso em consideração relativamente ao andamento a dar aos trabalhos. Em termos pragmáticos, como afirmei, vale a pena centrarmo-nos naquilo que, neste momento, tem condições para ser concluído em tempo útil. Mas, pela nossa parte, seja qual for a metodologia adoptada, não abdicaremos da discussão, como é óbvio.

O Sr. Presidente: - Registo ainda a inscrição de dois Srs. Deputados, a quem vou dar a palavra de seguida. No entanto, dado o adiantado da hora, peço aos Srs. Deputados que, findas essas duas intervenções, passemos à fase das decisões que temos de tomar sobre a metodologia dos trabalhos.
Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, quero, em primeiro lugar, saudar todos os membros da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Em segundo lugar, constato que é óbvio que o PSD e o CDS-PP estão isolados nesta reunião, do ponto de vista das suas propostas metodológicas. É muito curioso que assim seja, mas penso que isso tem a ver, em grande parte, com a má vontade que sempre caracterizou esses dois partidos desde o início deste processo de revisão constitucional.
Creio que o problema sobre a metodologia dos trabalhos está bem resolvido pelas propostas do Partido Socialista e dos outros partidos da oposição, porque é óbvio que deverá ser feita uma apresentação geral dos projectos de revisão constitucional. E, tendo em conta que o Partido Socialista entregou o seu projecto de revisão constitucional em 8 de Outubro e que a primeira reunião desta Comissão apenas se realiza a 6 de Janeiro, creio que não se pode imputar ao Partido Socialista qualquer responsabilidade no encurtamento do tempo útil para a discussão do projecto de revisão constitucional na parte em que todos os partidos já recensearam haver, pelo menos, 90% de consenso.
A proposta do Partido Socialista impede, dando prioridade à discussão sobre o capítulo das regiões autónomas, que esse consenso sobre as regiões autónomas possa vir a sofrer qualquer erosão no caso de essa discussão se prolongar num tempo político coincidente com o da pré-campanha eleitoral para as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Portanto, desde já, convém avisar o PSD e o CDS-PP de que não irão arrastar-nos, nesta Assembleia, para uma discussão paralela à campanha pré-eleitoral ou eleitoral das assembleias legislativas regionais. Não me parece que o vosso ritmo possa levar a outro calendário que não o da discussão desse tema em cima da pré-campanha para as eleições regionais.
A vossa metodologia está bem presente no facto de terem levado, pelo menos, de Outubro a Janeiro para pôr em andamento o processo de revisão constitucional. E a sugestão do Deputado Luís Marques Guedes de se fazer as audições com a amplitude que me pareceu propor também me parece ser outra manobra dilatória, com a excepção óbvia da necessidade de se ouvirem as assembleias legislativas regionais.
Gostaria de pôr de sobreaviso esta Comissão no sentido de que estas audições também poderão vir a iludir o pouco tempo que nos resta para fazer uma revisão constitucional útil no que diga respeito ao capítulo principal da mesma, que, no caso presente, é o das regiões autónomas.
A este propósito, quero louvar o Partido Socialista e outros partidos, como o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista Português e Os Verdes, pela compreensão manifestada para com essa prioridade política, que

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é nacional, em termos do aperfeiçoamento das regiões autónomas.

O Sr. Presidente: - Vou dar a palavra ao Sr. Deputado Alberto Martins e, entretanto, inscreveu-se o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não posso estar permanentemente a ser interpelado e não responder!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Alberto Martins tinha-se inscrito primeiro, pelo que vou dar-lhe a palavra e depois dar-lha-ei a si, Sr. Deputado.
Faça favor, Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, se não se opuser, não ponho qualquer reserva a que o Sr. Deputado Marques Guedes use da palavra.

O Sr. Presidente: - Então, uma vez que o Sr. Deputado Alberto Martins não vê inconveniente, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, começo por agradecer ao Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Deputado Medeiros Ferreira construiu toda a sua intervenção com base numa insinuação, que considero perfeitamente descabida, de que haveria uma qualquer manobra subreptícia, por parte da maioria, no sentido de frustrar a revisão da Constituição, nomeadamente no que diz respeito ao que, manifestamente e desde sempre, é uma das grandes bandeiras políticas do Partido Social Democrata em matéria de revisão constitucional. Isso é completamente descabido. É que se há algum partido que, justamente, é conhecido em Portugal como o "partido da autonomia", é o PSD!
Recentemente, há os que vêm converter-se ao que são as propostas do PSD sobre estas matérias, como, por exemplo, há pouco, a perfeitamente desconexa tentativa do Sr. Deputado António Costa de se apropriar de propostas de sempre do PSD, como a da limitação de mandatos que - e é bom recordá-lo! - ainda não está prevista na Constituição da República porque o Partido Socialista, sistematicamente, desde o início da década de 90, tem vindo a opor-se às propostas do PSD nesse sentido. O mesmo se diga relativamente à questão da entidade reguladora da comunicação social, que só não ficou expressa na revisão constitucional de 1997, altura em que o PSD se apresentou a defender a extinção da Alta Autoridade para a Comunicação Social, porque o Partido Socialista bloqueou essas alterações.
Portanto, essa tentativa, cada vez que o Partido Socialista vem discutir estes assuntos com o Partido Social Democrata, de tentar "virar o bico ao prego", apresentando o PSD como o opositor às suas próprias propostas e o PS como o grande defensor do que, sistematicamente, ao longo do tempo, o próprio foi bloqueando, evitando, é algo que obviamente, não posso deixar passar em claro.
Ou será que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira está esquecido das nossas discussões, em 1996 e 1997, por ocasião da revisão constitucional, em que o próprio Sr. Deputado, ilustremente, também participou, tal como muitos outros Srs. Deputados agora aqui presentes, sobre a extinção do cargo de Ministro da República, sobre a ampliação dos poderes legislativos das regiões autónomas, sobre tantas outras matérias? Agora, parece que, finalmente, fez-se luz - é o tal acordar tarde e com efeitos muito negativos para os portugueses, neste caso, para os portugueses das regiões autónomas - e o Partido Socialista, com cinco, seis, sete, oito anos de atraso, tem vindo a aderir às propostas que, sistematicamente, o Partido Social Democrata tem apresentado também sobre esta matéria das autonomias regionais.
Para além desta tentativa de "virar o bico ao prego" e de, através de insinuações mais ou menos veladas, tentar fazer uma leitura completamente descabida da realidade, repito que, da parte do Partido Social Democrata, queremos que, antes do próximo acto eleitoral nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, fique completamente revista a Constituição, nomeadamente no que diz respeito ao estatuto político-administrativo das regiões autónomas. Penso que todos compreenderão que é uma evidência política que há toda a vantagem em que as novas assembleias legislativas regionais que saírem do acto eleitoral a que vão ser chamados os nossos concidadãos dos Açores e da Madeira, previsivelmente no próximo mês de Outubro, já possam assumir funções e iniciar o seu trabalho à luz de um quadro constitucional que lhes permita funcionar como desde há muitos anos deveria estar a funcionar e que só assim não é, nomeadamente, porque partidos como o Partido Socialista sistematicamente se opuseram a que tal acontecesse.
Há pouco, o Sr. Deputado António Costa, não sei se lançando uma proposta concreta se apenas manifestando um mero desejo, dizia que, se fosse possível, gostaria de, até ao dia 25 de Abril, cujo 30.º aniversário se celebra este ano, deixar pronta a revisão da Constituição na parte relativa às regiões autónomas. Devo dizer-lhe com toda a franqueza que comungamos em absoluto desse objectivo. Politicamente, não podemos estar mais de acordo. Sr. Deputado, por nós, esta questão tinha sido resolvida no 25 de Abril de 1985, ou de 1992, ou de 1997, e só não o foi porque o Partido Socialista o tem vindo a impedir. Esperemos, pois, que o seja no 25 de Abril de 2004!
Repito que, pela parte do PSD, temos toda a disponibilidade para acertar com toda a frontalidade, antes do próximo acto eleitoral, a revisão da Constituição relativamente à questão das regiões autónomas.
Não comungo dessa ideia de estar a eternizar os trabalhos através da discussão das propostas que estão sobre a mesa. Do nosso ponto de vista, estas podem ser discutidas, e são-no, se houver um espírito construtivo por parte de todos os Srs. Deputados, com a rapidez que quisermos imprimir aos trabalhos.
Estou seguro que, até 25 de Abril deste ano, podemos traçar essa meta entre nós e seremos capazes de nos pôr de acordo. Creio que, agora, com o bom entendimento que, finalmente, o Partido Socialista parece começar a ter relativamente à questão das autonomias,

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poderemos pôr-nos todos de acordo até 25 de Abril de 2004, no que toca à revisão da Constituição, também nesta matéria tão fundamental para a reestruturação do nosso Estado democrático como é a das autonomias dos Açores e da Madeira.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, queria deixar, de forma impressiva, duas ou três ideias sobre esta matéria.
A primeira é a de que o nosso sentido de revisão constitucional, tal já foi apresentado pelo Presidente do Grupo Parlamentar, tem como objectivo garantir a estabilidade constitucional, a Constituição de Abril de 1976 que está em vigor e que, até hoje, tem permitido o funcionamento normal do Estado democrático.
Nesse sentido, consideramos que a estabilidade constitucional pode ser respondida de forma satisfatória com o que são os aperfeiçoamentos decorrentes da necessidade do próprio funcionamento do regime democrático. Aí identificamos três questões, uma das quais é, manifestamente, uma querela constitucional ainda não totalmente resolvida: a que respeita à autonomias regionais.
Duas outras querelas têm a ver com aperfeiçoamentos que o próprio sistema político suscitou e que desde sempre apontámos como carecendo de resolução, questões essas que entroncam na matéria da limitação dos mandatos e na da autoridade reguladora da comunicação social, pontos em relação aos quais há já um consenso suficientemente consistente para que, com a alteração devida às circunstâncias imprevisíveis que decorreram dos trabalhos da CIG e por não ter sido produzida, em termos de formulação jurídica consistente e aplicável, uma Constituição europeia, leva a que readaptemos o que admitíamos ser uma revisão da Constituição em vários tempos.
Assim, mantém-se o carácter de urgência que damos a esta revisão, em termos temporais, e, nesse sentido, consideramos que os trabalhos da revisão devem concluir-se em Março, como o Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Socialista deu nota e parece merecer o acolhimento mais generalizado, isto é, para que medeie algum tempo entre a consolidação e a estabilidade constitucional no que respeita às regiões autónomas, articuladamente com a alteração das leis eleitorais que, como todos sabemos, são leis materialmente constitucionais, não sendo formalmente constitucionais. Por isso e nesse sentido, a nossa articulação.
Tentando responder ainda mais directamente à sequência dos trabalhos, estamos de acordo com as propostas que já foram feitas por alguns Srs. Deputados e que parecem merecer acolhimento genérico, e merecem o nosso próprio, no sentido de todos os grupos parlamentares que têm projectos de revisão constitucional os apresentarem numa próxima reunião.
Estamos de acordo com a audição das assembleias legislativas regionais e, como já manifestámos de forma muito vincada, em termos de utilidade prática, há estas três matérias relativamente às quais nos disponibilizamos para dar o nosso voto. Tudo o que exceda isto e a respectiva discussão que se faça aqui não terá a nossa participação porque estamos a mover-nos com critérios de urgência.
Evidentemente que, lá fora, nos debates públicos, a Assembleia, em matéria de revisão constitucional, é sobretudo uma Assembleia de produção legislativa, é uma Assembleia de produção de uma lei de revisão constitucional. Com esse objectivo específico, entendemos que a discussão deve ter esse âmbito limitado.
Discutirmos lá fora que o Partido Social Democrata tem um novo entendimento sobre o preâmbulo da Constituição, ou que o CDS-PP, em 1976, não votou a Constituição são dados que poderão ser objecto de uma discussão mas que culminará numa perda de tempo para os nossos trabalhos.
Estamos aqui, isto não é uma academia teórica, uma academia de politólogos ou de juspublicistas, é uma comissão da Assembleia da República que tem um objectivo específico e, para nós, também tem um calendário muito preciso.
Por isso, Sr. Presidente, dando o acordo a estes dois aspectos, o nosso comportamento nesta Comissão, como já foi dito e reitero, será o que acabo de expor.

O Sr. Presidente: - A Mesa não regista mais inscrições. Portanto, é chegada a altura de tomar algumas decisões em matéria de metodologia dos nossos trabalhos.
Face às notas que tomei durante a discussão, creio que, basicamente, existem duas propostas diferentes em matéria de metodologia dos trabalhos.
Há uma proposta, inicialmente apresentada pelo Sr. Deputado Francisco Louçã e, depois, de alguma forma burilada pelo Sr. Deputado, e líder parlamentar do PS, António Costa, que vai no sentido de se proceder, em primeiro lugar, a uma apresentação geral dos diferentes projectos pela ordem de entrada, seguida das audições, visto que o Sr. Deputado Alberto Martins nos deu conta disso nesta sua última intervenção; depois apurar-se-ia a matéria sobre a qual existe, ou não, consenso para continuar a discussão, a fim de se discutirem as propostas relativamente às quais houvesse eventualmente esse consenso, ficando as demais propostas para a parte final da discussão. Julgo que é, mais ou menos, este o sentido global da proposta.
O PSD e o CDS-PP apresentaram uma proposta que vai no sentido de que se inicie, também, com uma apresentação geral dos projectos pela sua ordem de entrada, que se proceda a audições das assembleias legislativas regionais e que, depois, se passe à discussão das propostas pela ordem dos artigos.
Ou seja, existe consenso relativamente aos dois primeiros passos: à apresentação geral dos projectos pela sua ordem de entrada e, depois, à realização de, pelo menos, duas audições - as Assembleias Legislativas Regionais dos Açores e da Madeira.
Quanto ao resto, e não havendo consenso, a Comissão terá de deliberar sobre qual a proposta que prefere.
Vou começar por colocar à votação a proposta que enunciei em primeiro lugar, isto é, a que prevê o apuramento das matérias sobre as quais haverá consenso,…

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, penso que se poderia votar mais tarde essa parte, depois das

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audições, visto que há consenso em relação aos dois primeiros pontos, o da apresentação geral dos projectos e o das audições. Como não há consenso na ordem da discussão dos artigos, essa parte podia ser votada quando acabassem as duas fases que já são consensuais, porque talvez nessa altura o céu estivesse mais claro e se pudesse criar um consenso sobre a matéria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, para não se perder mais tempo, quero apenas dizer que, como é evidente, não concordo que se vote mais tarde este aspecto.
Vamos desmistificar as questões. Como já disse e ficou claro, quem quiser retirar as suas propostas, porque não as quer discutir, que o faça. O PSD não as retira e quer discuti-las!
E, Sr. Presidente, penso que devemos consolidar, com clareza, qual é a metodologia de trabalho. Posso perceber o que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira quis dizer quando referiu que o Partido Socialista pode amanhã, para a semana, ou daqui a 15 dias mudar de opinião relativamente a qualquer coisa…

O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Nessas coisas sou mais recíproco. É uma questão de reciprocidade!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Por razões evidentes, a Comissão pode, a todo o tempo, relativamente ao andamento dos seus trabalhos, acertar entre si alterações das regras. Portanto, se os senhores mudarem de opinião amanhã ou depois, isso não é impeditivo! Mas estar a deixar em aberto uma querela para que, nos próximos dias, andemos a discutir como é que se faz ou deixa de fazer, com toda a franqueza, penso que não ajuda em nada o funcionamento e a boa calendarização dos trabalhos.
Nesse sentido, Sr. Presidente, peço que tomemos as decisões que temos de tomar. Se, de hoje para amanhã, houver evolução das posições dos grupos parlamentares e se elas implicarem uma alteração da metodologia de trabalhos acordada, na altura discute-se de novo. Contudo, penso que não faz sentido deixarmos as coisas "penduradas no tecto".

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, queria reiterar a proposta do meu colega Medeiros Ferreira, no sentido de fixar que há um consenso quanto a dois pontos, que o Sr. Presidente já enunciou, e uma divergência quanto a um ponto.
Evidentemente que, se o Sr. Presidente e maioria entenderem fazer a votação já, a nossa posição é a que deixámos há pouco vincada de forma muito nítida pela intervenção inicial do Sr. Deputado António Costa, ou seja, a de que não estamos disponíveis para debates inúteis. Há, portanto, uma proposta de revisão do PSD e do CDS-PP que é "morta" à nascença.
Portanto, se o resultado da votação for no sentido de se proceder à discussão de todas as propostas sem identificarmos um núcleo (aquele onde é possível alcançar dois terços de concordância, desde logo), votaremos contra naturalmente, Não estamos disponíveis para alimentar um debate inútil, em nome do prestígio da Assembleia da República, da celeridade dos trabalhos, da sua eficácia e da necessidade de responder a uma questão que é significativa, importante e urgente, que é a da estabilização do quadro constitucional e legal das regiões autónomas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, reunido o consenso sobre apenas dois pontos das metodologias propostas, também é meu entendimento que, por uma razão jurídico-formal, deve ficar definida a metodologia de trabalhos da Comissão na sua primeira reunião. Consta da ordem dos trabalhos e essa deve ser, na minha opinião, a orientação a seguir.
Portanto, visto que não há consenso total, necessariamente temos e tomar uma decisão sobre a metodologia a adoptar, independentemente de a Comissão (que é soberana) poder, em qualquer momento e se o entender, alterar essa mesma metodologia.
Srs. Deputados, estão à votação duas propostas, a apresentada inicialmente pelo Sr. Deputado Francisco Louçã, depois, como referi há pouco, trabalhada pelo Sr. Deputado António Costa, no sentido de se identificarem as matérias em que haverá consenso, fazer a respectiva discussão e deixar para momento posterior uma eventual análise de outras propostas sobre as quais não haja a priori o tal consenso indispensável para a revisão; e a proposta oriunda dos Grupos Parlamentares do PSD e do CDS-PP, no sentido de se fazer a discussão de todas as propostas apresentadas, seguindo a ordem numérica dos artigos constitucionais.
Srs. Deputados, vou começar por colocar à votação a proposta que formulei em primeiro lugar, isto é, a proposta que tem o acordo do Bloco de Esquerda, do Partido Socialista e também, julgo, do Partido Comunista Português e de Os Verdes. Vamos votar essa proposta.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD e do CDS-PP e votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Vamos, agora, votar a segunda proposta de metodologia, que, a ser aprovada, significa que, depois da apresentação dos projectos de revisão constitucional e das audições, se dará início ao debate das diferentes propostas, pela ordem de apresentação dos seus artigos.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes.

Fica, assim, apurada a metodologia dos nossos trabalhos, que passará, primeiro, pela apresentação geral dos projectos de revisão constitucional, depois pelas audições e, por fim, pela análise das diferentes propostas relativas aos múltiplos artigos que constam dos projectos de revisão constitucional.

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Há um outro aspecto sobre o qual ainda temos de deliberar, o dos dias em que a Comissão reunirá. Julgo que haverá consenso sobre a realização de reuniões regulares às terças-feiras de manhã.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, compreendo e considero legítimas as posições manifestadas pelas demais bancadas parlamentares, pois sempre entendi a manhã de quinta-feira quase como "sagrada" para os grupos parlamentares. Visto que a minha proposta não obteve consenso, desde já a retiro.
Já me parece completamente esdrúxula a hipótese de reunirmos segunda-feira de manhã, e por aí fora. As segundas-feiras são dias reservados a contactos com o eleitorado, todas as segundas-feiras estou no meu círculo eleitoral a trabalhar, em contacto com os eleitores.
O que se pretende é o agendamento de reuniões ordinárias e, nesse sentido, sugeria, Sr. Presidente, que assentássemos, para já, a manhã e a tarde de terça-feira. Ou seja, reformulava a minha proposta inicial, indo ao encontro de que compreendo e considero legítimo que os Srs. Deputados não queiram reunir na manhã de quinta-feira. Depois, se necessário, podemos alterar este calendário.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, julgo que se trata de uma proposta racional, na medida em que nas tardes de quarta e quinta-feiras reúne o Plenário. Nesse sentido, o mais racional é dedicarmos o dia de terça-feira, tanto da parte da manhã como da parte da tarde, às reuniões da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, apenas queria recordar que a maior parte dos Deputados desta Comissão também integra a 1.ª Comissão, por isso parece-me um pouco ousado estar a calendarizar, desde já, a e manhã e a tarde de terça-feira, porque a 1.ª Comissão reúne muitas vezes (e, tendencialmente, iremos reunir ainda mais, designadamente por causa do processo penal) terça-feira à tarde.
Portanto, penso que era mais prudente marcar as reuniões da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional para a manhã de terça-feira, ficando por apurar, talvez até por contacto com a Sr.ª Presidente da 1.ª Comissão, a possibilidade de reunir nas tardes de terça-feira.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Osvaldo Castro, vamos fazer o seguinte: até prova em contrário, a próxima reunião fica agendada para terça-feira, de manhã e de tarde. Falarei com a Sr.ª Presidente da 1.ª Comissão no sentido de apurar como poderemos articular estas reuniões. Para já, fica decidido que o dia de terça-feira será por conta da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional. Se houver problemas, combinarei com a Sr.ª Presidente da 1.ª Comissão o modo de articular as duas reuniões e de resolver um eventual problema de sobreposição.
Srs. Deputados, a próxima reunião terá lugar na terça-feira, dia 13, pelas 10 horas e 30 minutos, e terá como ordem de trabalhos a apresentação geral dos projectos de revisão constitucional, pela respectiva ordem de entrada.
Está encerrada a reunião.

Eram 13 horas e 15 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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