O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 191

Quarta-feira, 11 de Fevereiro de 2004 II Série - RC - Número 6

IX LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2003-2004)

VI REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião de 10 de Fevereiro de 2004

S U M Á R I O


O Sr. Presidente (José de Matos Correia) deu início à reunião às 10 horas e 45 minutos.
Prosseguiu a apreciação, na especialidade, dos projectos de revisão constitucional (artigos 80.º, 83.º, 87.º, 93.º, 99.º, 100.º, 103.º, 104.º, 109.º, 110.º 113.º, 115.º, 117.º142.º, 143.º, 167.º, 168.º, 170.º e 181.º-A a 181.º-O) e deu-se conta da entrada na mesa de propostas de alteração relativas aos artigos 118.º e 166.º.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Alberto Martins (PS), Diogo Feio (CDS-PP), José Magalhães e Maximiano Martins (PS), Assunção Esteves e Henrique Chaves (PSD), António Filipe (PCP) e Gonçalo Capitão (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 12horas e 50 minutos.

Página 192

 

O Sr. Presidente (José de Matos Correia): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados, antes de retomarmos a análise das propostas apresentadas nos diferentes projectos, quero dar nota de dois factos.
Em primeiro lugar, como já terão verificado, hoje só teremos reunião da parte da manhã. Se bem se recordam, logo na primeira reunião tinha sido colocada a questão da compatibilização, em certas circunstâncias, das reuniões da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional com as da 1.ª Comissão. Hoje é esse o caso, ou seja, a Sr.ª Presidente da 1.ª Comissão falou comigo e disse-me que haveria necessidade de reunir esta tarde, no âmbito dessa comissão, para as audições relacionadas com o processo penal. Por esta razão, só teremos reunião da parte da manhã, esperando que na próxima semana possamos retomar normalmente os nossos trabalhos de manhã e de tarde.
Em segundo lugar, quero dar-vos conta de que na próxima sexta-feira receberei na Assembleia da República uma delegação do Partido da Nova Democracia. Recebi um contacto da parte do Dr. Manuel Monteiro pedindo que uma delegação do Partido da Nova Democracia pudesse ser recebida no âmbito da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, mais especificamente pelo seu Presidente. Naturalmente, respondi de forma afirmativa a esse pedido e marquei uma audiência, que terá lugar na sexta-feira, às 16 horas e 30 minutos, na Assembleia da República.
Feitas estas duas considerações introdutórias, podemos iniciar os nossos trabalhos de hoje.
Na reunião de terça-feira passada ficámos no artigo 79.º, portanto, vamos hoje retomar os nossos trabalhos com a análise do artigo 80.º, relativamente ao qual foi apresentada uma proposta de alteração pelo PSD/CDS-PP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: A proposta apresentada pela maioria tem que ver com a actualização da norma do artigo 80.º, quando enuncia os princípios fundamentais da organização económico-social.
De facto, é uma mentira dizer-se, hoje em dia, que a organização económico-social portuguesa tem como princípio fundamental o planeamento e a protecção do sector cooperativo e social. Não que estas duas realidades não existam, de resto, são reguladas pela Constituição em artigos posteriores, porém, não é verdade que sejam princípios fundamentais em que assenta a nossa organização económica e social. Deixou de ser assim praticamente há 20 anos, portanto, este é um daqueles anacronismos ridículos que se mantêm na Constituição e que não têm qualquer adesão à realidade, seja com governos do PSD, seja com governos do Partido Socialista, seja com governos de maioria, como actualmente, de coligação entre o PSD e o CDS-PP.
A verdade é que a estruturação essencial da organização económica e social do Estado não tem como princípio fundamental o planeamento democrático do desenvolvimento económico e social. O planeamento existe, de resto, está regulado mais à frente, nesta parte da Constituição, mas não nos parece seguramente que seja um princípio fundamental. Não é verdade que assim seja não só para o actual governo mas, sim, há 20 anos ou mais, se é que alguma vez foi verdade.
Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, trata-se de adequar a parte da económica, os princípios fundamentais da organização económica da Constituição à realidade da organização económica nacional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, não daremos adesão a essa proposta da maioria. Por isso, oportunamente faremos uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o preceito seguinte sobre o qual existem propostas de alteração é o artigo 81.º. Recordo, no entanto, que o artigo 81.º consta da proposta de agregação do PSD e do CDS-PP para ser discutido em conjunto com a questão das regiões autónomas. Assim sendo, passamos ao artigo 83.º, relativamente ao qual existe apenas uma proposta de alteração, da autoria do PSD e do CDS-PP.

Vozes do PSD: - E o artigo 82.º?

O Sr. Presidente: - O artigo 82.º já foi discutido em conjunto com os artigos 61.º, 85.º, 90.º, 91.º, 94.º, etc. Portanto, passamos ao artigo 83.º.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta da maioria, de eliminação deste artigo, tem que ver uma tarefa que ficou inacabada na Revisão de 1997.
Recordar-se-ão os Srs. Deputados que, até à Revisão de 1997, este era o artigo da apropriação colectiva de meios de produção. Trata-se, obviamente, de um anacronismo, a simples terminologia utilizada fala por si e, mais uma vez, este artigo não tem qualquer adesão com a realidade nacional.
Em 1997 foi possível fazer alguma alteração de semântica, de linguagem, mas, de facto, a nossa opinião é que isso não basta. De facto, a consagração constitucional do princípio da apropriação pública de meios de produção induz uma lógica que tem que ver com um princípio da organização económica completamente desajustado da realidade nacional - diria até da realidade internacional ou mundial. Portanto, não faz qualquer sentido manter-se na Constituição um artigo autónomo para consagrar constitucionalmente o princípio geral da apropriação pública de meios de produção.
Nesse sentido, se a norma já cá não faz falta, é evidente que a proposta natural é a sua supressão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Concordando plenamente com as palavras do

Página 193

 

r. Deputado Luís Marques Guedes, quero apenas juntar que a solução de eliminação de um conjunto de artigos do texto constitucional leva, claramente, à sua simplificação e à aproximação com outros textos constitucionais europeus bastante mais curtos que a nossa Constituição, portanto, mais fáceis de aplicar e não tão regulamentadores como, em certos aspectos, ainda o é a Constituição de 1976.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a proposta escapa ao âmbito de uma revisão centrada no estritamente necessário; não lhe daremos, por isso, um voto favorável.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É uma pena!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou por encerrada a discussão sobre o artigo 83.º.
Como já discutimos o artigo seguinte, sobre o qual foram apresentadas propostas de alteração, o artigo 85.º, passamos ao artigo 87.º.
Sobre o artigo 87.º foi apresentada uma proposta de alteração, pelo PSD e CDS-PP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a nossa proposta radica-se exactamente no mesmo princípio que referi há pouco, pelo que não vale a pena estarmos a repetir.
A proposta tem que ver com um princípio de simplificação. Não nos parece que seja um princípio essencial para a organização económica nacional, com relevância suficiente para ter assento constitucional, dizer-se que a lei disciplina os investimentos estrangeiros. Isto é uma evidência, pelo que não nos parece fazer sentido que este aspecto tenha assento constitucional autónomo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, ainda em relação a esta matéria, gostaria de acrescentar que esta determinação é anacrónica, feita a comparação com as determinações do Direito Comunitário e, fundamentalmente, as determinações estabelecidas no projecto de tratado para instituir uma Constituição europeia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, manifestamente, a norma, desde há muitos anos, tem de ser interpretada de harmonia com as outras normas constitucionais que nos permitem honrar as obrigações decorrentes do facto de sermos membros de pleno direito da União Europeia. Portanto, não há colisão absolutamente nenhuma, a norma não tem nenhum sentido satânico e a sua revisão escapa ao âmbito próprio de uma revisão cingida ao estritamente necessário.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, já abordámos os artigos 89.º a 91.º, pelo que passamos à análise do artigo 93.º, relativamente ao qual foi apresentada uma proposta de alteração pelo Partido Ecologista Os Verdes, que não está presente.
Como os Srs. Deputados estarão recordados, decidimos em reunião anterior que o facto de os partidos proponentes não estarem presentes não impediria a discussão das respectivas propostas. Assim, darei a palavra se alguém pretender pronunciar-se sobre a proposta de Os Verdes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, para que fique registado, gostaria de deixar clara a posição da maioria relativamente à proposta de Os Verdes, repetindo apenas aquilo que foi dito já aquando da sua apresentação, na generalidade, por parte do partido proponente, que hoje não está presente para realizar o contraditório connosco.
Há, de facto, um conjunto de normas - e este é um exemplo típico - no projecto do Partido Ecologista Os Verdes que não tem rigorosamente nada que ver com uma lógica de revisão constitucional mas, sim, com uma lógica de tentar importar para a Constituição da República um conjunto de princípios que, objectivamente, só fazem sentido em termos quer de programa do governo, de poder executivo, quer, no limite, em termos de legislação ordinária.
Este é um dos casos típicos em que o Partido Ecologista Os Verdes pega no texto da Constituição, que refere genericamente, como objectivos da política agrícola, assegurar o uso e gestão racional dos solos e dos restantes recursos naturais, para lhe acrescentar a diversidade genética, o equilíbrio ecológico, a segurança e qualidade alimentar e a saúde humana. Portanto, desenvolve aquilo que, do nosso ponto de vista, deve ocorrer apenas em termos de política efectiva de aplicação destes princípios constitucionais, e não se deve transformar a Constituição num programa de governo ou num tratado de medidas e métodos de preservação dos recursos naturais ou da gestão racional dos solos.
Neste sentido, pensamos que esta proposta vai exactamente ao arrepio daquilo que deve ser o esforço de revisão constitucional hoje e para o futuro, ou seja, a tentativa de "enxugar" o mais possível a nossa Constituição aos princípios verdadeiramente estruturantes da nossa organização colectiva e deixar, depois, para os governos democraticamente legitimados, de acordo com as suas políticas e opções programáticas, o desenvolvimento e a aplicação de políticas em concreto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Maximiano Martins.

O Sr. Maximiano Martins (PS): - Sr. Presidente, aproveitando o facto de estarmos a entrar no Título III, sobre as políticas sectoriais, quero anunciar que farei uma declaração de voto sobre a organização económica da Constituição, dentro do princípio que, não incidindo esta revisão constitucional nestas matérias - provavelmente, o impacto nestas matérias será diminuto -, esta é claramente uma daquelas áreas em que é possível deixar sinais para, numa

Página 194

 

futura revisão constitucional, se fazer alguma simplificação e arejamento. Dou apenas um exemplo: os artigos 93.º a 100.º, sobre os objectivos das políticas, seriam claramente substituíveis por um artigo que definisse princípios de políticas públicas e não, em concreto, princípios de política agrícola ou comercial.
Portanto, Sr. Presidente, farei uma declaração de voto no sentido de se deixar algum sinal para o futuro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrada a discussão do artigo 93.º. Já apreciámos as questões relativas aos artigos 94.º e 98.º, pelo que passamos à discussão do artigo 99.º.
Quanto ao artigo 99.º, só foi apresentada uma proposta de alteração, da autoria do Partido Ecologista Os Verdes.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, na linha daquilo que foram as afirmações feitas anteriormente, quer pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, quer pelo Sr. Deputado Maximiano Martins, gostaria de dizer que consideramos que este conjunto de matérias é susceptível de uma simplificação grande, de uma adequação aos dias de hoje e àquilo que determinam vários textos constitucionais na União Europeia, havendo, por exemplo, um que tem sido muito falado, a Constituição espanhola.
Pela nossa parte, estamos disponíveis para que tal seja feito o mais depressa possível, pois, na medida em que está aberto um processo de revisão constitucional, não vemos grande razão para não o aproveitar nesse sentido.

O Sr. Presidente: - Uma vez que mais nenhum Deputado pretende intervir na discussão do artigo 99.º, passamos de imediato à discussão do artigo 100.º, que também tem apenas uma proposta de alteração, apresentada pelo Partido Ecologista Os Verdes.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, em relação a este conjunto de artigos e no sentido da intervenção do Sr. Deputado Diogo Feio, gostaria de acrescentar que estamos a perder uma boa oportunidade para diminuir o lado excessivamente regulamentador e desnecessário da Constituição e transformá-la numa verdadeira "norma-quadro", que é o que uma Constituição deve ser.
O Partido Socialista deveria reconsiderar a possibilidade de simplificar este conjunto de artigos.

O Sr. Presidente: - Não há mais pedidos de palavra, pelo que passamos à discussão da proposta de alteração ao artigo 103.º, da responsabilidades da Juventude Socialista.
Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, a Deputada proponente não está presente. Já houve uma discussão, na generalidade, que entrou muito por matérias da especialidade, mas, em relação a este artigo, não posso deixar de voltar a repetir alguns dos argumentos utilizados nessa mesma discussão.
Por isso, volto a dizer que a proposta de alteração do n.º 1 do artigo 103.º não tem razão de ser na determinação de outros fins de natureza extra-fiscal que o próprio sistema visa garantir e, por outro lado, a proposta de alteração do n.º 3, quanto à possibilidade das autarquias locais lançarem impostos cuja criação e existência limita a taxa de benefícios fiscais e garantias dos contribuintes que são definidas por lei, para além de algumas imprecisões de carácter técnico, também ela, em parte da sua previsão, já cabe naquilo que é o regime de natureza legal, pelo que, em nossa opinião, é uma modificação que não tem sentido.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais pedidos de palavra relativamente ao artigo 103.º, passamos agora à discussão do artigo 104.º, para o qual também só há uma proposta de alteração, da responsabilidade da Juventude Socialista.
Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nosso entender, a proposta de alteração em apreço também não tem sentido.
Em relação à determinação do mínimo de existência, a mesma já está determinada, desde logo, no Código do IRS; por muito positiva que seja a sua consideração, ela já está regulamentada por lei.
Por outro lado, no que diz respeito à determinação dos objectivos da tributação de consumo, ela deveria, quando muito, tender no sentido da sua eliminação, desde logo pela necessidade de harmonizar a nossa legislação com as determinações do direito comunitário, nunca juntando ainda outros fins à tributação do consumo. Por isso, entendemos que a modificação em causa vai no sentido errado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições para o debate do artigo 104.º.
Vamos proceder de imediato à discussão do artigo 109.º, que regista apenas uma proposta de alteração, da autoria do Bloco de Esquerda.
Algum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra?

Pausa.

Uma vez que não há qualquer pedido de inscrição, passamos à discussão do artigo 110.º.
Recordo que este artigo faz parte de um conjunto de disposições que o PSD e o CDS-PP solicitaram que fossem discutidas agregadamente.
Para além dos artigos 181.º-A a 181.º-O, ou seja, os novos artigos a introduzir nesta matéria por proposta da maioria, a maioria também deseja discutir conjuntamente os artigos 110.º, 142.º, 143.º, 167.º, 168.º e 170.º.
Recordo que alguns destes artigos (por exemplo, os 167.º e 168.º) têm propostas de alteração incidentes sobre outras matérias que não o senado, como, por exemplo, as autonomias regionais. Evidentemente que discutiremos esta questão quando lá chegarmos, mas, agora, vamos abordá-los, apenas e tão-só, nas partes respeitantes ao senado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Chaves.

Página 195

 

O Sr. Henrique Chaves (PSD): - Sr. Presidente, como é sabido, a maioria apresenta uma proposta no sentido da criação de mais um órgão de soberania, nos termos do artigo 110.º.
São órgãos de soberania o Presidente da República, a Assembleia da República, o governo e os tribunais e, portanto, de acordo com a proposta da maioria, seria acrescentado mais um órgão de soberania, o senado.
Existem razões que a doutrina classicamente aponta em abono de um sistema bicameral. Uma primeira razão será a da melhoria da qualidade da produção legislativa da instituição parlamentar; uma segunda razão será a da possibilidade de uma second view, ou de uma second opinion, em questões especializadas, complexas, delicadas ou controvertidas.
É sabido que, hoje em dia, por razões de ordem prática e de conhecimento, existe cada vez mais uma maior especialização nas matérias a abordar e, portanto, a criação do senado permitiria uma maior eficiência através dessa maior especialização em matérias complexas, delicadas, ou controvertidas.
Uma terceira razão será a da protecção de grupos minoritários perante a vontade das maiorias. A este respeito, estou a lembrar-me da contraposição entre litoral e interior, ou entre o mundo urbano e o mundo rural, sendo certo que sabemos que, hoje em dia, há uma muito maior aglomeração de população, portanto, de maiorias, no litoral, por contraposição ao interior, e no mundo urbano, por contraposição ao mundo rural.
A estas razões acrescentar-se-ão, conforme referido no preâmbulo da proposta da maioria, outras razões tão ou mais importantes.
Uma quarta razão será a da chamada à política activa de figuras relevantes da vida nacional, ou da vida local, que, encontrando-se afastadas da vida política activa por esta ou aquela razão, possam, com a sua experiência e conhecimento desaproveitados, dar um contributo institucional relevante.
Uma quinta razão será a do desempenho do papel de órgão de representação das comunidades territoriais em reforço da coesão e do desenvolvimento harmónico do todo nacional. Esta última é, na verdade, uma importantíssima razão política de fundo.
Na verdade, os portugueses recusaram, em referendo, a solução de "pronto-a-vestir", artificial, da regionalização.
Nessa altura, PSD e CDS-PP prometeram empenhar-se em desenvolver modelos alternativos na senda do tradicional municipalismo português e, nesse sentido, está a ser levada a cabo, pela maioria, uma profunda reorganização territorial que assenta, numa base voluntária, na criação de entidades de carácter supramunicipal - grande áreas metropolitanas, comunidades urbanas, comunidades intermunicipais - que contribuirão para melhor resolver os problemas e combater as assimetrias regionais.
A este propósito, curiosamente, faz agora 15 dias, surgiu no jornal Público um interessante artigo da autoria do Prof. Vital Moreira, com o título "A reforma da administração territorial", o qual dizia, sobre esta matéria, no fundo, em apoio da reforma que está a ser levada a cabo pela maioria, que existe uma necessidade de mudança a curto prazo de um modo de designação dos órgãos das novas figuras territoriais, agora criadas, de forma a deixarem de ser estruturas puramente intermunicipais para passarem a ser novas autarquias supramunicipais com legitimidade eleitoral e representatividade própria.
Ora, é precisamente esta legitimidade eleitoral e esta representatividade própria o que se procura, com este fundamento, através da criação do senado.
Temos, pois, um modelo da maioria para a reorganização territorial do Estado, de baixo para cima, com o senado como um elemento de conjunto e composto, então, por um lado, pelas autarquias locais, como base nuclear, por outro, pelas entidades supramunicipais, como elemento voluntário de agregação, e, por outro lado ainda, pelo senado, como meio de representação política a nível nacional.
Importa acrescentar, mais duas ordens de razões, que, na minha perspectiva, também têm peso. Uma tem que ver com o plano histórico, pois, como refere o Prof. Jorge Miranda, das seis Constituições portuguesas, três são bicamarais: a Constituição de 1826, a de 1838 e a de 1911. Portanto, temos uma larga tradição histórica de Constituições que determinaram a criação de duas câmaras. E embora o Prof. Jorge Miranda não o faça, atrever-me-ia a acrescentar a Constituição de 1933, com a sua câmara corporativa. O Prof. Jorge Miranda não o faz porque entende que a Câmara Corporativa não era mais que um órgão auxiliar da Assembleia Nacional, assim como o Conselho de Estado era, na altura, um órgão auxiliar do Presidente da República.
Finalmente, há mais uma razão, que, de certo modo, não deixa de ser impressionante, que é esta: se olharmos para o plano do espaço europeu em que nos encontramos, que é um plano do espaço europeu alargado, encontramos senado em França, na Alemanha, em Itália, na Holanda, em Espanha, na Suiça, no Reino Unido, na Bélgica, na Irlanda, na Polónia, na Roménia, na Eslovénia, na República Checa, na Federação Russa, na Bósnia-Herzegovina, na Áustria, na Noruega e na Islândia.
Na América do Sul, temos senado na Argentina, na Bolívia, no Brasil, na Colômbia, no Chile, no México, no Paraguai, na República Dominicana e no Uruguai.
Em outros continentes, temos senado na Austrália, no Canadá, na Índia, no Japão, na África do Sul e nos Estados Unidos.
Não deixa de ser impressionante esta listagem de países em que este órgão de soberania existe e eu diria que eles são os principais países, os mais populosos, os mais importantes na cena internacional.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Estados federais!

O Sr. Henrique Chaves (PSD): - Nem todos!
Que tipo de senado se pretende? Pretende-se uma câmara de reflexão e de estudo sobre grandes temas nacionais e de acompanhamento de tudo o que, no plano legislativo e da Administração, tenha a ver com a coesão nacional e o desenvolvimento local. Estão em causa competências não decisórias, isto é, poderes de pronúncia obrigatória, de apreciação obrigatória e de iniciativa legislativa.
Como bem refere o artigo 181.º-A da proposta da maioria, "O Senado é o órgão de representação das comunidades territoriais da República" e ao senado são atribuídos

Página 196

 

três tipos de competências, sendo esta matéria regulada pelos artigos 181.º-H, 181.º-I e 181.º-J.
Começando pelo artigo 181.º-H, que tem a ver com competência de natureza política, vemos que o senado se pronuncia obrigatoriamente sobre as propostas de alteração à Constituição (importa referir que, por exemplo, em França, o Senado pode paralisar a revisão constitucional, tem direito de veto, digamos, sobre as alterações à Constituição); pronuncia-se obrigatoriamente sobre tratados internacionais (em Espanha, por exemplo, o Senado intervém na ratificação obrigatória de tratados internacionais, e aqui não estamos a falar de poderes de ratificação, estamos a falar de poderes de pronúncia obrigatória); aprecia obrigatoriamente projectos e propostas de lei relativos a matérias que digam directamente respeito às comunidades territoriais e às comunidades portuguesas no estrangeiro (por exemplo, na Alemanha o Bundesrat e Bundestag têm competência idêntica para leis referentes aos assuntos dos Länder, portanto uma competência para efeitos de legislação referente a comunidades territoriais); aprecia obrigatoriamente as grandes opções do plano e os programas de investimento que têm a ver com a coesão nacional e, portanto, com as comunidades territoriais; pronuncia-se sobre projectos ou propostas de lei em apreciação, portanto, poderia ter iniciativa legislativa, conforme a alínea f), mediante a apresentação à Assembleia da República de propostas de lei e respectivas propostas de alteração (por exemplo, na Bélgica é curioso ver que o Senado tem poderes idênticos em matéria legislativa aos poderes da Câmara Baixa); pode solicitar à Assembleia da República a declaração de urgência na apreciação de qualquer proposta de lei da sua iniciativa e pode pronunciar-se sobre qualquer questão relevante da vida nacional.
Em termos de competência de fiscalização, o senado vigia pelo cumprimento da Constituição e das leis, aprecia a aplicação das medidas tendentes à concretização do princípio da descentralização administrativa e aprecia o grau de execução da legislação relativa às autarquias locais.
Finalmente, quanto a outros órgãos, o senado testemunha, conjuntamente com a Assembleia da República, a tomada de posse do Presidente da República, acompanha e aprecia a participação de Portugal no processo de construção europeia e realiza audições aos titulares propostos para o desempenho de funções em entidades administrativas independentes. Estas entidades administrativas independentes são as que vêm previstas no artigo 267.º, n.º 3, da Constituição, estando, portanto, a referir-nos a entidades do tipo da CMVM, da ANACOM, da Entidade Reguladora do Sistema Eléctrico ou da entidade reguladora para a comunicação social.
Quantos são os senadores que se prevêem e como chegam a essa qualidade? De acordo com o artigo 181.º-B da proposta, prevêem-se entre 35 e 50 senadores eleitos, a que acrescem os senadores de pleno direito.
De acordo com o artigo 181.º-C, "Os senadores electivos…" - portanto os eleitos - "… são eleitos por sufrágio indirecto por uma assembleia eleitoral composta pelos membros das assembleias municipais que integram a respectiva circunscrição eleitoral, nos termos da lei eleitoral, a qual deve assegurar uma representação efectiva e equitativa dos diversos espaços regionais de Portugal e das comunidades portuguesas no estrangeiro".
Como se refere no preâmbulo da proposta da maioria, transitoriamente e até à consolidação das novas estruturas criadas pelas autarquias, a maioria entende que as circunscrições eleitorais deviam começar por ser os distritos, em termos paritários, e os actuais círculos da emigração.
Mas o que se pretende, realmente, chegados ao fim da criação deste órgão, é que não haja proporcionalidade estrita com o número de eleitores para, ao contrário, tentar o equilíbrio entre áreas muito povoadas e áreas menos povoadas, entre litoral e interior, ou seja, aquilo que eu há pouco dizia. Portanto, o que se pretende é que um círculo eleitoral do interior que tenha menos população possa eleger, por exemplo, dois senadores, assim como um círculo eleitoral do litoral com muito maior número de habitantes.
Para além dos senadores electivos, prevê-se a existência de senadores de pleno direito, como sejam ex-Presidentes da República, que não tenham sido destituídos no decurso do seu mandato, que é o que acontece, por exemplo, em Itália; ex-Presidentes da Assembleia da República com uma legislatura completa; ex-Primeiros-Ministros também com uma legislatura completa; e ex-Presidentes dos governos regionais com duas legislaturas completas.
Qual é a idade mínima, de acordo com a proposta da maioria, para se poder ser eleito senador? Prevê-se, na proposta, que os senadores têm de ter mais de 35 anos, por comparação com a situação de outros países, como, por exemplo, a Itália, em que se exige mais de 40 anos; a Bélgica, também com mais de 40 anos; a Argentina, como mais de 30 anos; o Chile, com mais de 40 anos; o Japão, com mais de 30 anos; o México, com mais de 30 anos; e o Canadá, com mais de 30 anos. É, portanto, uma linha generalizada a de a idade mínima para se ser senador ser uma idade, digamos, mais avançada do que para se ser Deputado.
Quem pode propor candidaturas para o senado? Esta matéria está regulada no artigo 181.º-D da proposta da maioria e as candidaturas podem ser apresentadas ou por partidos políticos, sós ou em coligação, ou por grupos de cidadãos eleitores com funções autárquicas. Como se refere no preâmbulo da nossa proposta, esta solução de as candidaturas poderem ser apresentadas por grupos de cidadãos independentes converge com a possibilidade de candidaturas independentes aos órgãos autárquicos prevista na lei que se encontra actualmente em vigor.
Qual a duração dos mandatos dos senadores? Procura-se, nos termos do disposto no artigo 181.º-E da proposta da maioria, que haja uma coincidência entre a duração dos mandatos dos senadores e a duração dos mandatos dos órgãos das autarquias locais, com eleições intercalares para eventuais vagas que ocorram no decurso da legislatura. A ideia é que o mandato se estabilize em cinco anos, o mesmo sucedendo em relação à Assembleia da República e, por consequência, ao Governo.
Também no que concerne ao poder local, a maioria propõe - e isso será oportunamente abordado - a extensão do mandato para cinco anos, procurando-se, assim, maior estabilidade e operacionalidade efectiva das instituições.

Página 197

 

Nos termos do disposto no artigo 181.º-N da proposta da maioria, e ao contrário do que sucede, por exemplo, no Senado belga, o senado é insolúvel.
Em relação às incompatibilidades, ser senador é incompatível com o ser Deputado ou governante, como parece óbvio; mas ser senador já é compatível com funções autárquicas, incluindo de natureza executiva.
Quanto ao estatuto dos senadores, o artigo 181.º-G dispõe que a lei regulará tal estatuto quanto ao exercício das funções dos senadores, aos seus poderes, direitos, regalias, perda e renúncia ao mandato.
Finalmente, uma referência àqueles artigos que estão fora, em termos sistemáticos, deste pacote que se refere ao senado, que abrange os artigos 181.º-A a 181.º-O, como referiu o Sr. Presidente.
Há cinco artigos que, abordando também matérias de senado, estão fora deste conjunto, que são os artigos 142.º e 143.º, que tratam da relação entre o senado e o Conselho de Estado, passando a fazer parte do Conselho de Estado o presidente do senado, e, obviamente, que só faria parte deste órgão enquanto mantivesse o cargo; o artigo 167.º, que trata da caducidade das propostas de lei do senado com o termo da sua legislatura, como acontece com a Assembleia da República; o artigo 168.º, que prevê uma segunda votação para leis com parecer desfavorável do senado ou a formulação por este de propostas de alteração; e o artigo 170.º, que refere a extensão ao senado do pedido de urgência de processamento para qualquer proposta de lei da sua iniciativa.
Sobre esta matéria é tudo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Revendo-me nas palavras do Sr. Deputado Henrique Chaves, e não tendo feito um estudo tão intensivo, no plano comparativo, entre os vários senados existentes, não posso deixar de salientar, por um lado, o facto de instituições como aquela que agora se pretende instituir já terem existido durante a nossa História constitucional e, por outro, o facto de as mesmas constituírem mesmo uma tradição entre os Estados da União Europeia, e não apenas entre Estados que têm na sua organização um modelo de natureza federal.
As razões para a aceitação desta instituição são, em primeiro lugar, a possibilidade que a mesma dá de um contributo relevante por parte de algumas personalidades afastadas da vida política, que, com toda a certeza, muito têm a dizer com a sua participação na vida política, e, em segundo lugar, um aspecto extraordinariamente importante de representatividade das comunidades de natureza territorial, que terão de ter uma maior representação com o próprio desenvolvimento do modelo que agora se está a iniciar e que tem recebido aplausos de vários quadrantes de natureza política.
De acordo com aquilo que está previsto no projecto de revisão constitucional da maioria, estaríamos perante uma situação de duas legitimidades políticas diferentes, com um objectivo muito claro: por um lado, a existência de uma câmara de reflexão e, por outro, um acompanhamento no plano legislativo de tudo aquilo que tenha a ver com a coesão nacional e o desenvolvimento local.
Portanto, é dentro destes estritos âmbitos que se deve ver esta proposta. As competências não são excessivas e o problema que se poderia colocar da existência de um travão ao exercício do poder legislativo está tratado de forma satisfatório na proposta que aqui é feita, pelo que, da parte do CDS-PP, merece total aprovação e empenho.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não daremos o nosso acordo a esta proposta e, por isso, oportunamente, faremos uma declaração de voto sobre a matéria.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, aproveito para dar conta à Comissão de que entraram na Mesa duas propostas de substituição, da autoria do Partido Socialista, uma respeitante ao artigo 118.º, sobre o princípio da renovação de titulares de cargos políticos, e outra relativa ao artigo 166.º, aditando uma categoria específica de leis ao domínio das leis orgânicas, que vou fazer circular pelos Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, aquando da apresentação genérica dos projectos de revisão, a maioria referiu-se a esta proposta do senado e tivemos já a oportunidade de tecer algumas considerações sobre o assunto. Portanto, é público e notório que esta não será uma daquelas propostas que obterá a maioria de dois terços para ser consagrada, e ainda bem, do nosso ponto de vista.
Não irei repetir considerações já feitas neste processo, mas vale sempre a pena anotar que a maioria, que tantas vezes se pronunciou, e continua a pronunciar-se, a favor da redução do número de Deputados da Assembleia da República, propõe agora, afinal, que haja uma outra câmara. Chego, portanto, à conclusão que a maioria quer menos Deputados eleitos, mas não se importa de ter mais Deputados desde que não sejam eleitos.
É este o comentário que se me oferece nesta fase da discussão, dispensando-me de repetir argumentos contra a consagração do senado já expendidos noutra fase deste processo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Chaves.

O Sr. Henrique Chaves (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas dizer que detesto este género de demagogia. Não é nada disso que se passa! O que a maioria pretende é, efectivamente, uma redução do número de Deputados e, portanto, conjugar isso com a criação do senado.
O Sr. Deputado António Filipe deve ter ouvido mal aquilo que referi, porque o senado tem claramente uma maioria esmagadora de senadores eleitos e há apenas um conjunto de pessoas que têm acesso ao senado em virtude de funções de alto relevo nacional que desempenharam. E essas pessoas, como é óbvio, são em claríssima maioria relativamente ao conjunto de senadores que são eleitos nos termos em que expliquei.

Página 198

 

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, faço esta intervenção porque o Sr. Deputado António Filipe levantou uma questão que não corresponde, em rigor, àquilo que é a verdade das várias afirmações feitas.
Desde logo, em todo este processo de revisão constitucional, não há uma única proposta de modificação daquilo que são as determinações quanto ao número de Deputados da Assembleia da República previstas actualmente na Constituição, pelo que parece evidente que a afirmação que fez em relação a esta matéria cai pela sua base, sendo que, aliás, há uma especial atenção desta maioria - posso falar por parte do CDS-PP - quanto à comparação da média entre o número de Deputados e a população dos vários Estados da União Europeia, em que, como o Sr. Deputado António Filipe sabe, Portugal não está propriamente nas posições mais cimeiras, encontrando-se relativamente a meio da tabela.
Portanto, não houve, em relação a essa matéria, nenhuma afirmação de princípio, pelo que a afirmação essencial da intervenção do Sr. Deputado não correspondente totalmente àquilo que são as opções feitas neste processo de revisão constitucional.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Chaves.

O Sr. Henrique Chaves (PSD): - Sr. Presidente, esqueci-me de dizer que o Sr. Deputado António Filipe até devia ser uma adepto fervoroso do senado, porque na União Soviética, na sua altura máxima, a Constituição de 31 de Janeiro de 1924, que formalizou a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, previa o senado. Havia um conselho da união e havia um conselho das nacionalidades, que equivalia, grosso modo, ao senado americano.
Portanto, penso que o Sr. Deputado António Filipe, em coerência, devia ser um adepto do senado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, registo a proposta da maioria de adopção do modelo soviético, mas queria dizer que prefiro o modelo da Constituição portuguesa de 1976. Portanto, deixo essa defesa à maioria.
Não querendo alimentar muito esta discussão, queria dizer que os senadores eleitos a que os Srs. Deputados se referem não são directamente eleitos, como é óbvio. São eleitos pelas assembleias municipais, o que, aliás, é curioso relativamente ao estatuto das assembleias municipais. Isto é, as assembleias municipais são eleitas para o exercício de funções no âmbito do poder local e para a fiscalização dos órgãos municipais e passariam aqui a ter uma dupla função, que era a de, para além disso, contribuírem para a eleição indirecta, digamos assim, de senadores da República, o que representaria, até, uma alteração na função que lhes é tradicionalmente atribuída.
Creio que não vale a pena, de facto, estarmos a alimentar muito esta discussão. É um tanto inglório.
O facto de se dizer que há muitos países que têm senados não me impressiona rigorosamente nada. Desde logo, porque poderia perfeitamente viver num país com senado e ser contra ele - aliás, a existência de um senado em Itália ou em França está muito longe de ser pacífica. Também me poderiam dizer que há muitos países que vivem em monarquia - como a nossa vizinha Espanha, a Bélgica, a Holanda, vários países nórdicos - e, no entanto, prefiro continuar a viver em República.
Portanto, essa argumentação de fazer arrolar vários países que têm senado não é uma coisa que me impressione, assim como também não me impressiona que se diga que Portugal, em outros momentos históricos, teve senado e segundas câmaras, porque prefiro o momento histórico actual a outros momentos históricos do passado, prefiro o nosso unicameralismo resultante da Constituição de 1976 a soluções bicamerais de outros momentos históricos.
Portanto, isso não me impressiona muito. O que me impressiona mais é que, de facto, se pretenda, não direi contrapor, mas pelo menos conjugar a legitimidade decorrente do sufrágio directo e universal que corresponde à eleição da Assembleia da República com um outro tipo de legitimidade que, do nosso ponto de vista, não faz sentido.
As segundas câmaras, normalmente, ou decorrem de uma legitimidade aristocrática, que não reconheço em Portugal e que, aliás, é comum à generalidade das segundas câmaras dos países monárquicos, tendo como exemplo mais conhecido a Câmara dos Lordes britânica, ou, então, correspondem a uma lógica da representação de regiões com elevado grau de autonomia.
Em Portugal, curiosamente, a existência de um determinado grau de autonomia para as regiões, excluindo obviamente a situação das regiões autónomas, foi claramente recusada pela actual maioria. Portanto, não faz muito sentido que, não existindo essa autonomia no plano regional, se esteja a criar um senado que seria, assim, esvaziado de algum sentido.
O caso, por exemplo, do senado na República Federal Alemã tem como objectivo, obviamente, criar uma câmara de representação paritária dos vários lander, sendo essa também a lógica da câmara dos representantes dos Estados Unidos. Portanto, trata-se de encontrar uma câmara onde as várias regiões, independentemente da sua dimensão, tenham uma representação paritária. É típico dos Estados federais, não tem lógica nenhuma quando adaptado ao Estado português.
Daí que nos parece, de facto, que esta proposta não pode, de forma nenhuma, merecer a nossa concordância.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, queria apenas reflectir no seguinte: em primeiro lugar, os argumentos utilizados, quer em relação ao facto histórico de já terem existido segundas câmaras na nossa história constitucional, quer a comparação com determinados da União Europeia, desde logo, é a demonstração de que esta é uma ideia que tem um determinado contexto. Pode aceitar-se ou não, mas não é propriamente uma ideia surgida do nada, tem bases bastante sólidas.
Relativamente ao que o Sr. Deputado referiu de contraposição de legitimidades, remeto-o um pouco para aquilo

Página 199

 

que disse na minha anterior intervenção; quanto à forma de conjugação da existência do senado e da Assembleia da República e as diferentes legitimidades que o mesmo teria ou a hipotética questão aqui a avançar da redução do número de Deputados, não há uma única proposta no projecto de revisão constitucional da maioria que vá nesse sentido.
Por fim, queria relembrar ao Sr. Deputado António Filipe que um determinado projecto de organização regional para Portugal não foi propriamente rejeitado pelos partidos da maioria, mas foi rejeitado num referendo pelos portugueses que decidiram votar no mesmo.
Tudo isso não impossibilita que se estejam a criar bases distintas no funcionamento do poder de natureza local, que irão fazer o seu caminho no futuro (e vamos ver qual é que será), que em nada são incompatíveis, bem pelo contrário, com a existência de um senado, em que a assumpção da representação de determinadas comunidades locais é, de facto, um elemento essencial, é, de facto, um elemento de identidade desta proposta.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, passamos, então, ao artigo seguinte que tem propostas de alteração, que é o 112.º.
Este artigo consta do "pacote autonómico" para efeitos de discussão. Contudo, há propostas de alteração ao artigo 112.º que não têm nada que ver com as autonomias, como é o caso das propostas do Partido Comunista Português.
Portanto, o facto de agregarmos a discussão das autonomias não prejudica - se o Partido Comunista quiser usar da palavra sobre esta questão - abordar aqui o artigo 112.º naquilo que não tenha que ver com as autonomias.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, a proposta do PCP para o artigo 112.º tem que ver, de facto, com as autonomias. Não tem autonomia fora desse capítulo.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado desculpará, mas o n.º 5, sobre numerus clausus de actos legislativos, e o n.º 6, quanto aos regulamentos do Governo, não me parece que tenham que ver, exclusivamente, com as autonomias regionais.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, posso estar equivocado, mas creio que não há aqui matéria inovatória a não ser no que diz respeito às autonomias regionais.
Devido à eliminação do n.º 5, há uma alteração da numeração.

O Sr. Presidente: - Tem razão. Ao contrário do que é costume, transcreveram as normas todas e, numa primeira leitura, pareceu-me que havia alterações, mas não há.
Portanto, passamos para o artigo 113.º, que também faz parte das propostas de agregação da maioria, mas o Partido Comunista tem uma proposta de alteração ao n.º 7 que não tem que ver com a questão das regiões autónomas.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Não tem de facto, Sr. Presidente. É outra matéria, que tem que ver com a constitucionalização da Comissão Nacional de Eleições
A Comissão Nacional de Eleições existe desde a fundação do nosso regime democrático, por criação legal. Tem funcionado com eficácia e tem tido um papel muito relevante na organização do processo eleitoral em Portugal e parece-nos que fazia sentido que esse órgão pudesse ter uma consagração constitucional.
Na última revisão, apresentámos uma proposta de consagração constitucional mais pormenorizada, até com alguns aspectos regulamentares, dir-se-ia, e parece-nos que, sendo dispensável que o texto constitucional regule essa matéria em toda a sua extensão, ainda assim, valeria a pena que houvesse constitucional à Comissão Nacional de Eleições, como existe relativamente a outros órgãos do Estado que não são órgãos de soberania.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado pretende usar da palavra sobre este artigo, passamos ao seguinte.
O artigo seguinte é o artigo 114.º, mas se leio bem as propostas de alteração a este artigo, elas têm ainda a ver com questões das autonomias regionais, ou seja, a alteração de designação das assembleias regionais e, portanto, julgo que também podemos deixar o artigo 114.º para agregar à matéria das regiões autónomas.
Assim, passamos ao artigo 115.º, sobre o qual há várias propostas de alteração.
Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, a modificação em relação à matéria do referendo que a maioria apresenta tem na sua base uma defesa do referendo como um instrumento democraticamente relevante, como um instrumento que deve ser melhorado, actualizado, de forma a poder ser utilizado da melhor forma possível. Desde logo, em relação a essa matéria, queria referir que pretendemos que seja possível a existência de referendos em dias de outras eleições, para facilitar a participação e assim também poder dignificar o instituto do referendo.
Por outro lado, retiramos uma exclusão do âmbito do referendo quanto às alterações à Constituição. Esta é, aliás, uma proposta que já foi sendo feita pelos partidos da maioria noutros processos de revisão constitucional e aquilo que se pretende, obviamente, é, com determinados limites que poderemos ver mais à frente, que nestas matérias também seja possível fazer um referendo, ouvindo todos os portugueses, por via deste instituto, em relação a esta matéria.
Consideramos que esta seria uma evolução politicamente positiva, sendo que quero referir desde já, para que não haja qualquer confusão, que esta determinação não cria uma obrigatoriedade de efectuação de referendo quando se esteja perante uma modificação à Constituição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Capitão.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Sr. Presidente, em relação ao artigo 115.º quero dizer que há outras propostas que não a da maioria que nos merecem um ou outro comentário.

Página 200

 

Por exemplo, em relação à proposta do Bloco de Esquerda, queria dizer que a novidade que traz no seu n.º 8 se torna desnecessária pelo n.º 2 do artigo 232.º, na sua redacção actual. Portanto, é uma proposta que consideramos redundante,
Quanto à proposta de alteração do Partido Ecologista Os Verdes, no seu n.º 5, quando fala em questões relativas à construção da União Europeia, parece-nos que, se calhar é uma redacção menos feliz ou até mesmo deficiente. Não está presente o Partido Ecologista Os Verdes para o confrontarmos, mas talvez se quisessem excepcionar, isso sim, os tratados europeus e não propriamente as questões europeias enquanto tais, e relativamente ao seu n.º 9 vale aquilo que disse quanto ao Bloco de Esquerda e à redundância da proposta. Diria que não é grave mas é redundante.
Quanto à proposta do Partido Comunista Português, relativamente à alínea c) do n.º 4 há uma opção política, que respeitamos, que não nos choca mas suscita-nos algumas dúvidas de índole doutrinário. Porém, admitimos, de facto, vir a discuti-la.
A doutrina diz que o referendo deve ter uma formulação simples e, aliás, a própria Constituição exige uma pergunta em termos de "sim" ou de "não". Os tratados são por natureza algo de complexo, pelo que é uma questão a discutir melhor. Ela não nos choca, não é uma proposta que mereça desde já uma reacção muito acesa da parte do PSD, mas de facto tem de ser melhor discutida.
Da parte da maioria, concretamente da parte do PSD, temos pena de não sermos acompanhados pelo PS nas alterações que propomos, ou de aparentemente não sermos, porque ainda temos esperança, dado que ainda não foram votadas as propostas.
De qualquer modo, quando disse, numa expressão que causou alguma boa disposição e percebo porquê, porque a formulação era de facto equívoca, que "praticava Tocqueville", no fundo queria traduzir a confiança que temos na sociedade civil, para mais uma vez causar dúvidas quanto ao que seja esta expressão.
De facto, esta é uma maneira de estar e através das alterações que aqui propomos procuramos levar o mais longe possível.
Em relação à segunda proposta, para o n.º 7, e em relação à possibilidade já mencionada pelo Sr. Deputado Diogo Feio de ocorrerem referendos em dias em que se verifiquem outros actos eleitorais, queria dizer que este impedimento não existe em muitos outros países e, por outro lado, já vai sendo altura de entendermos - penso que o fundamento de alguns receios será que os eleitores se baralhem se tiverem um referendo no mesmo dia, podendo haver aqui um receio de índole ideológica que é tradicional na esquerda em relação ao referendo - que a República de Weimar já vai muito longe e os receios que por aí surgiram e que se prolongaram depois em muitas alíneas da história já não têm hoje o mesmo fundamento.
Praticamente, passaram já 30 anos sobre o 25 de Abril e hoje temos eleitores, não diria absolutamente esclarecidos, porque isso é impossível, nunca ninguém está absolutamente esclarecido, mas eleitores muitíssimo esclarecidos. Quem vir hoje a difusão progressiva que tem a televisão interactiva, quem vir programas de opinião pública, seja nas rádios ou nas televisões, quem vir a profusão de SMS e de MMS que há nos mais diversos programas de opinião e as sondagens que se fazem todos os dias, não confundindo isso com um referendo, claro está, verá que não há que ter receio em relação a esta matéria.
Por outro lado, a história eleitoral de Portugal nos tempos mais recentes mostra já que as pessoas até fazem a destrinça. Não é um exemplo que aqui sublinhe com particular gosto, mas em 1987, segundo me lembro, o resultado das eleições europeias e das eleições legislativas foi dispare, apesar da sua coincidência. Creio não estar a cometer nenhum erro.
Por isso, creio que é uma oportunidade magna que temos para conferir maior participação nos referendos. Creio que está por demais demonstrado que os eleitores portugueses já sabem separar muito bem as coisas e esta seria a maneira de não termos imbróglios como os que temos hoje em dia, que são referendos que são politicamente aceites pelos partidos mas que não são juridicamente vinculativos. Talvez por aí conseguíssemos evitar situações dessas, sendo que os fenómenos de abstenção se verificam com mais acuidade por altura dos referendos.
Quanto à possibilidade de referendar as alterações à Constituição, é uma proposta que é cara ao PSD, como calculam. Desde Sá Carneiro e depois de todas as elaborações que foram feitas a partir daí, que o PSD vem teorizando esta questão e vem mesmo fazendo propostas, mas não o propomos agora por saudosismo histórico. Aliás, já procurámos demonstrar que se há saudosismo não é da nossa parte. É mesmo por convicção.
Aqui ao lado, em Espanha, segundo sei, essa possibilidade existe e reforça a legitimação das alterações. Não acredito que alguém, hoje em dia, tenha receio daquilo que é a voz popular, assim como não acredito que funcione o argumento de que uma alteração à Constituição é uma coisa tão hermética que os populares não podem entender. Que diabo, é função dos partidos políticos explicar o que andam a fazer e sendo que a Constituição deve - lembro-me da lição do Professor Castanheiro Neves, de Coimbra -, a todo o tempo, reflectir aquilo que é a consciência ético-jurídica de um determinado momento histórico, não sei por que é que os seus titulares, aqueles que lhe dão corpo de forma mais consistente, não hão-de poder pronunciar-se, sendo ainda que as maiorias se mantêm, isto é a mesma maioria que pode propor este referendo não sofre alterações, é o legislador constitucional que decide, e, portanto, no fundo, o que se está a propor é que o soberano possa pronunciar-se sobre as leis máximas que o regem.
É só isto e por isso ainda nos resta a esperança de chamar à razão ou de chamar para estas propostas o maior partido da oposição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, temos presente a ideia de que esta alteração constitucional não se enquadra naquilo que consideramos estritamente necessário à revisão constitucional e, portanto, nesse âmbito, não daremos o nosso acordo a estas alterações.
Porém, não queria deixar de dizer, muito rapidamente, quanto à consagração e à matriz referendária, que temos

Página 201

 

presente o seu alcance, a sua natureza, a sua evidência, a sua necessidade, mas não queremos retomar uma discussão que foi feita na Constituinte. Os constituintes tinham muito presentes não só o ensinamento da República de Weimar - e isso seria o menos - mas um referendo que teve uma natureza e uma carga plebiscitária com a Constituição de 33.
Por isso, fiéis a esse espírito e a esse ensinamento histórico, recusamos em absoluto a ideia dos referendos sobre alterações à Constituição, desde logo porque recusamos o referendo à própria Constituição, como matriz originária da consagração e criação do Estado unitário, do Estado democrático português. Assim, não daremos acordo a estas alterações, pelo que, como já disse e sem entrar na discussão de fundo, fazendo apenas um incurso lateral, iremos apresentar uma declaração de voto sobre a matéria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, iria começar por referir a proposta do PCP e depois pronunciar-me-ei sobre outros aspectos.
A proposta do PCP visa permitir referendar tratados internacionais relacionados com a participação de Portugal na União Europeia. Esta matéria tem vindo a ser objecto de discussão, em Portugal, designadamente desde há mais de uma década, mais concretamente quando se discutiu a possibilidade de realização de um referendo sobre o Tratado da União Europeia, em 1992, assinado em Mastricht. Nessa altura, defendemos que os portugueses deveriam ser chamados a pronunciar-se em referendo sobre a ratificação desse tratado. A Constituição não o permitia e nesse processo de revisão constitucional extraordinário propusemos um norma que permitisse excepcionalmente essa submissão a referendo, o que não foi aceite.
A forma assumida pela actual Constituição relativamente à possibilidade de sujeição a referendo de matérias relacionadas com a participação de Portugal na União Europeia é uma forma e, relativamente à questão fundamental da vinculação de Portugal a um tratado que altere os actuais tratados da União Europeia, designadamente no que se refere ao projecto de Constituição europeia, a Constituição assume uma forma equívoca que pode ser tudo e pode não ser nada.
Portanto, é perfeitamente possível encontrar, no actual quadro constitucional, uma pergunta a submeter aos portugueses que acabe por não ter consequências concretas relativamente à decisão de Portugal ser ou não vinculado a um determinado tratado. Por isso, a nossa proposta vai no sentido de que a Constituição seja clara a este respeito.
Nesse sentido, entendemos que tratados que digam respeito ao n.º 6 do artigo 7.º de Constituição, que é o que estabelece que Portugal pode convencionar o exercício em comum, em cooperação, dos poderes necessários à construção da União Europeia, ou seja, tratados que concretizem esta disposição, o que têm que ver, obviamente, com o chamado projecto de Constituição europeia, devem ser objecto de referendo. Isto é, os portugueses, tal como acontece com os cidadãos de outros países de União Europeia, devem poder pronunciar-se em referendo sobre se sim ou não querem ver Portugal vinculado a esse tratado. Portanto, é essa, muito concretamente, a nossa proposta.
Queria pronunciar-me ainda sobre a possibilidade, proposta pela maioria, de sujeição a referendo de alterações à Constituição, anotando que, aqui, a maioria, em relação ao âmbito do referendo, exclui o menos e inclui o mais. Isto é, há várias matérias objecto de lei ordinária e de tratado internacional que são excluídas do âmbito do referendo, designadamente as que são da reserva absoluta e relativa da Assembleia da República - enfim, há um vasto número de matérias legislativas que são excluídas do âmbito do referendo e a maioria mantém isso -, mas, depois, permite que as alterações à Constituição possam ser objecto de referendo, o que é, de facto, uma contestação muito frontal à própria democracia representativa, porquanto a nossa Constituição prevê que nem sequer uma maioria simples ou absoluta da Assembleia da República pode proceder a alterações à Constituição.
A nossa Constituição rodeou-se de cautelas muito grandes visando garantir a estabilidade do texto constitucional: exige-se uma maioria qualificada de 2/3, e mesmo assim ainda existe o mecanismo das revisões ordinárias e extraordinárias - existe um defeso, digamos assim, de 5 anos entre cada lei de revisão constitucional, a menos que uma maioria de 4/5 decida promover uma alteração extraordinária -, para a aprovação de alterações à Constituição. Contudo, na proposta da maioria, o que não entrasse pela "porta" poderia entrar pela "janela". Isto é, para que a Assembleia da República altere a Constituição é preciso uma maioria qualificada, mas se houver um referendo já basta que exista um maior número de cidadãos a votar num determinado sentido, ou seja, ela permite que uma maioria simples de cidadãos possa aprovar alterações ao texto constitucional, o que, de facto, não tem lógica.
Do nosso ponto de vista, é um contra-senso que para as instituições representativas haja uma especial exigência, e bem, porque pensamos que as alterações à Constituição não devem depender de uma qualquer maioria conjuntural, e por isso é justa a exigência de uma maioria qualificada, mas depois, tratando-se de referendo, essa exigência seja dispensada. Portanto, há aqui uma contradição óbvia.
Creio que maioria não faz alterações substanciais no capítulo relativo à revisão da Constituição e, assim sendo, mantém todas as exigências quando se trate da Assembleia da República, mas depois acaba por abandoná-las completamente, quando permite que através de um qualquer referendo uma maioria simples de cidadãos se possa sobrepor à maioria qualificada do Parlamento, podendo alterar a Constituição. Isto, de facto, constitui uma contradição relativamente ao funcionamento das instituições da democracia representativa e introduziria um clima de instabilidade constitucional permanente, estando sempre a Constituição sujeita a iniciativas de referendo visando alterar disposições constitucionais.
Creio que esta é uma proposta saudosista, que tem que ver com alguma tradição que o PSD tem, desde há muitos anos, de defender a alteração constitucional por via referendária, o que, do nosso ponto de vista, nunca fez sentido mas que hoje, na própria lógica do projecto da maioria, está em contradição com o resto. Portanto, mesmo no contexto

Página 202

 

do projecto apresentado pela maioria, esta é uma proposta que surge um tanto deslocada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, em termos gerais, refiro apenas que na intervenção que o Sr. Deputado António Filipe acabou de fazer esteve implícita uma ideia: considera a Constituição de 1976, com grande parte das suas referências, como um ganho de causa que não pretende que tenha qualquer espécie de modificação no que considera os seus pontos essenciais.
Quero referir-lhe, Sr. Deputado António Filipe, que não há propriamente uma lógica de oposição entre o instituto do referendo e uma democracia de natureza representativa, até porque todas as formas de convocação do referendo caminham precisamente nesse sentido e isso mantém-se completamente inalterado.
Por outro lado, em relação à referência que o Sr. Deputado Alberto Martins fez sobre os trabalhos da Assembleia Constituinte, compreendo que na altura em que os mesmos foram feitos grande parte dessas dúvidas, as experiências traumáticas que tinham sido vividas durante a Constituição de 1933, estivessem muito frescas na memória, mas, evidentemente, um regime da natureza democrática que tem 30 anos já ultrapassou determinados patamares, é um sistema já crescido, já maduro, pelo que problemas como o que referiu do plebiscito, com certeza, não se colocariam e, com toda a certeza, também não se colocariam com a proposta que a maioria entendeu fazer.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Capitão.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Sr. Presidente, subscrevo a intervenção do Sr. Deputado Diogo Feio, particularmente esta última parte da mesma.
Obviamente que o receio histórico se compreende, mas parece-me que ele está precludido nos dias de hoje; não vejo, honestamente, inclusive nas gerações que agora vão acedendo ao direito de votar, qualquer tendência para o plebiscito. Claro que podemos viver sempre com cautelas e salvaguardas, mas não me parece que aqui se baixe nenhuma salvaguarda de índole fundamental.
Por outro lado, a intervenção do Sr. Deputado António Filipe, embora bem estruturada, não merece, como calculará, a nossa concordância. Desde logo, porque há que desmistificar uma das partes da sua intervenção que, se correcta nos termos e de facto, omite uma passagem, isto é, passa do 1 para o 3 sem o 2. Ou seja, é correcto dizer que é necessária uma maioria qualificada para rever a Constituição e que, depois, pode haver uma pronúncia popular por maioria simples; contudo, a maioria que propõe o referendo é exactamente a mesma. É a mesma maioria é que vai decidir se o povo pode ou não pronunciar-se. E aí não vejo que haja outra maneira de fazer uma consulta popular que não seja por maioria simples, nem vejo que exista receio da opinião dos portugueses se os partidos com uma maioria qualificada decidirem que é altura de ouvir o povo português.
Depois, aqui, há, de facto, uma questão de coerência: por um lado, diz, e bem, que o PSD sempre defendeu esta matéria do referendo constitucional, mas o PCP sempre defendeu a democracia popular, se bem me lembro das leituras que fui fazendo (na altura do 25 de Abril era um pouco novo, mas entretanto aprendi a ler), e agora parece que o PCP está com receio de auscultar o próprio povo. Quer dizer, ao recusar esta proposta está a salvaguardar como que uma outra nomenclatura, a da classe política, não propriamente com aquela conotação negativa que lhe era dada, mas, de facto, está a reservar para um grupo restrito de cidadãos o poder absoluto e definitivo de se pronunciar sobre um diploma que lhe diz tanto respeito.
Ainda tenho a ligeira esperança de que o PCP seja apenas conservador nestas matérias e não vá mais além, porque o conservador pode ser persuadido da mudança, portanto vamos aguardar. Contudo, parece-me que pelo menos de anacronismo padece. Quer dizer, estamos numa era em que há já experiências de primárias on line, desde a última eleição presidencial nos Estados Unidos; há já sítios na Internet, ou sites, como é mais comum dizer-se, como o vote.com, feito por um ex-assessor de Presidente Clinton, que permite que as pessoas a todo o tempo se pronunciem sobre questões magnas da política nacional e internacional, bem entendido, que tenham que ver com os Estados Unidos da América, com factos a favor e factos contra, com argumentos a favor e argumentos contra e, mais, com a indicação de que o resultado será enviado para as instâncias governamentais competentes, uma das quais pode ser, inclusive, o Presidente dos Estados Unidos.
Se pensarmos que isto não chegará cá um dia, se pensarmos que este desejo de participação popular, que esta noção que os cidadãos têm de que votar em 4 em 4 anos já não é suficiente e de que conhecem os interesses fundamentais não chegará cá, podemos "espetar o dedo na barragem" e esperar que ela não venha por aí abaixo. Contudo, penso que mais vale fazer obras estruturais, se me permitem a imagem, e possibilitar às pessoas que se pronunciem consciente e informadamente sobre as questões que lhes dizem mais directamente respeito. Se não for desta maneira, com o tempo chegaremos lá.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, queria também participar neste debate, no que diz respeito, explicitamente, ao referendo sobre alterações à Constituição, porque também me parece, secundando um pouco aquilo que foi dito pelo Sr. Deputado Gonçalo Capitão, que há uma visão parcial da realidade, nomeadamente por parte do Sr. Deputado António Filipe.
Vejamos: em termos genéricos, diria que, à primeira vista, a lógica do posicionamento do Partido Comunista Português relativamente às alterações à Constituição deveria ser favorável à inclusão desta norma. Ou seja, o Partido Comunista Português é, por razões históricas da génese e da formatação inicial do texto constitucional, que todos conhecemos, naturalmente avesso a alterações ao texto constitucional e, portanto, para além da maioria de 2/3 de Deputados que se forma na Assembleia da República para rever a Constituição, qualquer mecanismo que permita ao Partido Comunista debater-se politicamente pelo

Página 203

 

"chumbo" dessa revisão e pela não alteração do texto constitucional, mantendo-o tal qual estava originariamente, deveria, no plano dos princípios pelo menos, ser uma proposta recebida de braços abertos pelo PCP. E, de resto, do meu ponto de vista, faz todo o sentido que assim seja.

O Sr. António Filipe (PCP): - Estou comovido!

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Vejamos situações concretas, em termos políticos.
Por que é que penso que faz todo o sentido? Dou o exemplo do que aconteceu na legislatura passada. A meio de legislatura, sem uma expectativa eleitoral prévia, portanto, sem uma legitimação eleitoral adquirida pelos partidos que estavam representados na Assembleia da República, surgiu um problema, que se iniciou com os atentados terroristas em Nova Iorque, que levou à tomada de um conjunto de medidas internacionais, nomeadamente a nível da União Europeia, de aprofundamento do espaço judiciário europeu, da criação dos mandatos de captura europeus e do princípio das entregas de capturados, portanto, de suspeitos da prática de crimes de terrorismo, o que veio introduzir regras novas relativamente aos mecanismos tradicionais da extradição. Isso levou a que países como Portugal tivessem aberto um processo extraordinário de revisão constitucional, exactamente para acolher no seu texto constitucional a evolução desses mesmos princípios.
Ora, acho que, politicamente, é perfeitamente aceitável, defensável e até, diria, desejável que, em circunstâncias como esta (é um mero exemplo que estou a dar), os Deputados da Assembleia da República, exactamente os que fazem maioria de 2/3 para aprovar essa alteração à Constituição, possam entender que é necessário legitimar democraticamente esta evolução, este novo princípio, esta alteração ao princípio da extradição, nomeadamente de nacionais, que decorria da proposta em causa, e que, como tal, no momento da aprovação dessa revisão extraordinária da Constituição, disponham que deve haver uma consulta popular para ver se, de facto, os portugueses concordam, ou não, com os mandatos de captura europeus e com aquela alteração ao princípio da extradição que daí decorria para nacionais portugueses.
Do meu ponto de vista, nada politicamente mais correcto e democraticamente mais legítimo do que submeter essa decisão de alterar, de fazer evoluir, de rever a Constituição neste sentido, a um prévio crivo democrático da população, em referendo.
Não vejo qual é o problema. De facto, política e democraticamente, não há aqui problema absolutamente nenhum. Só pode haver problema quando se parte de um pressuposto, de uma posição de princípio contra o referendo popular. E isso é que, com toda a franqueza, não consigo entender nas posições do Partido Socialista e do Partido Comunista Português.
Há sempre uma posição pusilânime destes dois partidos que, quando lhes deu jeito, quando foi para tentar obviar à assinatura do Tratado de Maastricht, surgiram a defender a referendo. E, aí, o PCP "deitou às malvas" todos os princípios que invoca sempre de que não se pode fazer determinada lei porque ela viola a Constituição (seja o rendimento social de inserção, seja o que quer que seja, tudo quanto viole a Constituição não se pode fazer). Mas quando dá jeito ao PCP, mude-se a Constituição para que se faça. Portanto, há aqui uma pusilanimidade que, com toda a franqueza, não é compreensível.
E o mesmo se diga, de uma certa forma, relativamente ao Partido Socialista. O Partido Socialista, historicamente, tem vindo a vencer os seus fantasmas, os seus complexos, relativamente aos mecanismos referendários e de democracia participativa que estão por detrás da lógica dos referendos. Demorou 15 anos, depois da Revolução de Abril, a aceitar o princípio do referendo na Constituição, demorou mais 10 anos a aceitar a realização de um referendo, e não demorou nem uma semana após a realização desses referendos para dizer logo, publicamente, que era preciso repensar o mecanismo dos referendos, porque o resultado não lhe agradou.
Portanto, há aqui uma questão política que tem de ser vista com algum distanciamento, alguma frieza, relativamente ao caso concreto. E, com toda a franqueza, o que me parece é que há matérias - citei o caso da alteração do regime da extradição como podia citar outro caso, que é tão caro, pelo menos, nos trabalhos de revisão constitucional, aos Deputados comunistas, como seja o princípio das revistas nocturnas aos domicílios - em relação às quais não vejo qual é o mal, qual é o problema político ou democrático de, numa revisão constitucional em que se opte por dar esse passo, se submeter previamente esse passo a um referendo popular. A mesma maioria que aprova a revisão da Constituição nessa matéria decide que essa alteração só deve figurar em definitivo na Constituição se a maioria do povo português concordar com ela e submete-a a referendo.
De resto, nada mais natural nestas matérias referendárias do próprio texto constitucional do que olhar para as democracias ao nosso lado. Desde logo, a nossa vizinha Espanha, onde a Constituição democrática espanhola, aprovada em 1976/77, foi submetida a referendo e aprovada pelo povo espanhol, e talvez seja essa (embora, substantivamente, haja mais razões do que essa) uma das razões pelas quais a Constituição espanhola, em mais de 20 anos de vigência, teve duas ou três alterações de pormenor. Ou seja, há um reconhecimento e uma legitimação democrática directa do povo espanhol ao texto da sua Constituição que manifestamente não existe no caso português. E gostem ou não alguns partidos da esquerda de falar neste assunto, a verdade é que a Constituição portuguesa foi feita numa situação de desequilíbrio político evidente dentro da sociedade portuguesa, sendo essa uma das principais razões por que, historicamente, ela tem vindo a ser, ao longo do tempo, sucessivamente, corrigida, e corrigida sempre num determinado sentido ou maioritariamente num determinado sentido.
Assim sendo, penso que podemos não gostar dos princípios da democracia participativa e, portanto, não concordar com o princípio dos referendos. Agora, dizer-se que os referendos podem servir para tudo menos para rever aspectos da Constituição, quando seja o próprio legislador constituinte a optar por esse referendo, com toda franqueza, continuo sem perceber a razão de ser dessa posição!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

Página 204

 

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, é só para fazer alguns comentários adicionais a este estimulante debate.
Fico muito comovido com tanta interpretação autêntica acerca do que o PCP deve pensar ou deixar de pensar. Dizia o Sr. Deputado Gonçalo Capitão: "Mas o PCP, que sempre defendeu a participação popular…" (ou a democracia popular, já não sei como é que o Sr. Deputado disse) "… agora tem tanto apego à democracia representativa!?". E diz o Sr. Deputado Marques Guedes: "Então, o PCP, que tanto quer que os portugueses se pronunciem sobre o referendo europeu, não quer outros referendos?!".
Fico comovido, mas os Srs. Deputados, por enquanto, contribuam para as decisões do PSD e deixem que haja outros que contribuam para as decisões tomadas pelo PCP.
No entanto, não há aqui qualquer contradição. Aliás, o PCP pode ser acusado de muitas coisas menos de "deitar às malvas" os princípios; quem "deita às malvas" muitos princípios e muitas promessas não somos nós.
O que propusemos, em matéria de referendo europeu, num processo de revisão constitucional que estava em aberto precisamente para adaptar a Constituição Portuguesa à possibilidade de ratificação do Tratado da União Europeia, foi que, nesse processo de revisão constitucional, se consagrasse a possibilidade de esse Tratado ser submetido a referendo, o que é perfeitamente legítimo e não vem "deitar pela borda fora" qualquer princípio.
Aliás, a possibilidade de referendos sobre matérias relacionadas com a participação de Portugal na União Europeia veio a ser admitida mais tarde, em 1997, embora em termos excessivamente genéricos, do nosso ponto de vista. Portanto, não há aqui qualquer abdicação de princípio.
E também não se diga que o PCP admite referendos sobre umas matérias e não admite sobre outras, porque nós não temos qualquer oposição genérica ao instituto do referendo. Agora, o facto de se ser a favor de um referendo não significa que se tenha de ser a favor de todo e qualquer referendo. Aliás, isto é uma evidência: qualquer partido, qualquer pessoa pode considerar que uma matéria deve ser sujeita a referendo e outra não tem justificação que o seja. Não há ninguém que possa assumir o compromisso de ser contra todos os referendos ou a favor de todos os referendos - a vida não é assim. Portanto, há obviamente, relativamente à pertinência de um determinado referendo, uma margem de apreciação política que é absolutamente legítima, para qualquer partido ou para qualquer cidadão.
Assim sendo, continuamos a entender que não tem lógica alguma que as alterações à Constituição devam ser submetidas a referendo. Ainda que se diga que é uma maioria qualificada de 2/3, que é a maioria necessária para rever a Constituição, que pode decidir, em vez de ser ela própria a fazer a revisão, consultar os cidadãos em referendo sobre se o deve fazer. Entendemos que isso não tem lógica alguma; entendemos que essa maioria de 2/3 do Parlamento tem plena legitimidade para proceder a essa alteração constitucional; mais, entendemos, que tem mais legitimidade do que tem uma maioria simples de cidadãos para decidir, em referendo, sobre uma determinada matéria.
Dir-se-á com isto: "bem, mas o PCP está a demonstrar aqui um grande apego à democracia representativa", ao que respondo: "pois estamos!" Aliás, não encontro em nenhum texto do PCP nenhuma demarcação em relação à legitimidade da democracia representativa, pelo contrário, sempre nos batemos para que, em Portugal, existam instituições da democracia representativa, como é um Parlamento eleito por sufrágio directo e universal, o que não significa que tenhamos ou receio ou qualquer menosprezo relativamente à democracia participativa. Entendemos que os mecanismos da democracia representativa devem ser desenvolvidos e estimulados.
Agora, também é verdade uma coisa (e não somos nós que o dizemos): o referendo é uma instituição discutível, do ponto de vista da democracia representativa, enquanto instrumento da democracia participativa, e não somos nós que o dizemos.
Esta discussão, em Portugal, foi feita ao longo de muitos anos, tendo-se optado pela consagração do referendo na Constituição e na lei, o que não contestamos, e até poderiam dizer-me que defendemos referendos sobre determinadas matérias, e é verdade. O referendo é constitucionalmente legítimo. Porém, remeto os Srs. Deputados para muitas opiniões que foram emitidas, em Portugal e pelo mundo fora, acerca das contradições desta instituição que é o referendo e das limitações que ela tem enquanto mecanismo de auscultação popular. Não somos nós que o dizemos, há milhares de páginas escritas sobre isso, inclusivamente por pessoas que não são da nossa área política mas de outras áreas. Portanto, esta é uma discussão seguramente estimulante, mas, neste momento, está aqui um pouco deslocada.
Isto tudo para dizer que discordamos do referendo como instrumento de revisão constitucional.
Relativamente à discussão sobre o nosso sistema eleitoral, acho que os argumentos de direito comparado valem o que valem, não me impressiono muito com isso. Isto a propósito do Sr. Deputado Gonçalo Capitão trazer para aqui o exemplo americano e a modernidade dos processos eleitorais americanos. Não estou muito impressionado com isso. Entre a antiguidade do nosso sistema e a modernidade do americano, apesar de tudo, prefiro um sistema em que ganhe o mais votado, que foi o que não aconteceu na última eleição presidencial americana, em que o candidato menos votado foi proclamado Presidente.
Depois, Sr. Deputado, o sistema eleitoral norte-americano não é, propriamente, dos mais modernos. Aliás, ainda há poucos dias um candidato à investidura pelo Partido Democrático teve de se retratar por considerar que o sistema eleitoral utilizado para as primárias do Partido Democrático no Estado de Iowa era, enfim… Ele caracterizou-o com alguns adjectivos por funcionar naquele modelo dos cálculos e teve de retratar-se porque muitos americanos ficaram ofendidos por ele estar a denegrir instituições ancestrais, centenárias, do Estado americano.
Portanto, creio que o sistema norte-americano não é propriamente um exemplo de modernidade, porque embora recorra, em alguns Estados, a procedimentos tecnológicos, noutros recorre a processos que são completamente inadequados e absolutamente anacrónicos, haverá que reconhecê-lo.
Assim, creio que temos de ter algum cuidado nas comparações que fazemos, porque, como é evidente, se há

Página 205

 

exemplos de outros Estados que devem ser utilizados e que nos devem sempre estimular a encontrar soluções mais adequadas e modernas, de forma a permitir uma maior participação das pessoas na vida política, há outros que, de facto, eu dispenso. Creio que devemos manter um espírito crítico permanente sobre as instituições existentes nos outros países e não pretendermos apenas trazê-las para o nosso País porque existem noutros.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, tinha dito que só ia falar uma vez, mas não resisto à tentação, depois de ouvir as intervenções dos Srs. Deputados Gonçalo Capitão, Diogo Feio e Luís Marques Guedes.
O que dissemos - e o Partido Socialista fê-lo de forma muito impressiva desde o início - foi que participávamos numa revisão constitucional no âmbito do que fosse estritamente necessário, no nosso entender, alterar na Constituição. E definimos esse âmbito material, dando depois nota de que havia alguns aperfeiçoamentos laterais, de natureza técnica, em relação aos quais estávamos disponíveis.
A questão do referendo é manifestamente uma das matérias que não queremos alterar, e não é por quaisquer dúvidas sobre um fervor referendário. Há duas ou três ideias que temos muito presentes e eu só em homenagem a um direito de defesa que aqui foi trazido à mesa, com acusações de pusilanimidade e até de arcaísmo, gostaria de dar nota que nós não temos, em nenhuma circunstância, isso sim, uma visão restauracionista de alteração da Constituição.
Consideramos que a Constituição da República Portuguesa vigente é um código de normas essenciais de organização da sociedade moderna, que pode e deve sofrer alguns ajustamentos, mas é uma matriz essencial, moderna e adequada da organização da sociedade e do Estado em Portugal.
Posto isto, relativamente ao referendo, o que sempre dissemos - e esse foi um debate travado na altura - foi que, sendo o referendo um espaço de concretização da democracia participativa, ou directa, ou semi-directa, segundo dizem alguns doutrinadores, não pode, em nenhuma circunstância - dissemo-lo na altura -, capturar a democracia representativa, isto é, o Estado democrático moderno, o nosso Estado constitucional, assenta na dimensão matricial representativa. A democracia semi-directa, referendária, não pode capturá-la. Portanto, tem de haver uma articulação adequada entre estas duas dimensões.
Por isso, ouvindo falar de pusilanimidade, gostaria de dizer que se há alguma pusilanimidade neste processo de consultas populares, ou de procura de legitimação democrática, isso tem ocorrido - e vou retribuir-lhe o epíteto - por parte do PSD. Na última revisão constitucional, configurámos um quadro muito preciso de leis eleitorais e de alteração às leis eleitorais, foi um compromisso que ficou no acordo de revisão e que só não está concretizado por oposição ou inacção do PSD.
Portanto, a melhoria das regras de participação popular tem sido vedada por essa inacção e não pelo referendo. Aliás, o referendo e a nossa cultura referendária tem os limites que sabemos, ou seja, dois referendos não vinculativos, e por isso tem de ser encarado como um instrumento importante mas que tem os limites que a prática já nos demonstrou.
Por outro lado ainda, e para fazer uma superação da crítica pós-modernista - portanto, estou já mais avançado do que os pós-modernistas - diria que o populismo mediático e a democracia instantânea são irmãs gémeas da democracia plebiscitária, e os senhores farão o favor de consultar autores modernos sobre esta matéria que dirão isto de forma muito segura.
Quando aludo à democracia plebiscitária de 1933 e às questões de referendo, ao referendo como meio de revisão constitucional ou até, nalguns casos da História não portuguesa mas de outros países, ao referendo como instrumento de golpe de Estado, chamo a atenção para os perigos modernos, é o populismo mediático e a democracia instantânea como irmã gémea da democracia plebiscitária. E é esse risco que temos de ter em conta quando discutimos estas matérias.
De qualquer forma, só respondi em defesa da honra, mas retomo a questão de que não estamos disponíveis, por razões outras, e não queremos entrar na discussão essencial - entramos de forma lateral, é certo -, em termos de ela poder ser concretizada ao encontro de um voto nosso favorável.
Os senhores têm já a informação precisa: esta não é uma matéria relativamente à qual estejamos disponíveis para dar o nosso voto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Gonçalo Capitão.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Sr. Presidente, peço desculpa pelo excesso de me inscrever três vezes para falar do mesmo artigo, mas, de facto, o debate está apetecível e tenho também uma boa notícia para dar aos Srs. Deputados: é que, como estes são os últimos artigos que o meu partido me destinou, provavelmente não ver ter de me aturar mais. Portanto, aturem-me lá só mais esta vez.

Risos.

Quero só dizer ao Sr. Deputado António Filipe…

O Sr. António Filipe (PCP): - Não podem rever isso?! Vocês ainda têm de renovar os vossos quadros políticos!

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Estamos desgraçados, porque o PSD não pode fazer interpretação autêntica das coisas do PCP, mas o PCP pode fazer sugestões ao PSD!

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado Gonçalo Capitão terá tido o gosto de verificar, há da parte do plenário da Comissão uma imensa pena no caso de a sua ausência se registar nos debates próximos.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Não é ausência, é silêncio.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, se me é permitido, a título de aparte, retribuo as interpretações

Página 206

 

autênticas dizendo que se eu fosse o PSD destacava o Sr. Deputado Gonçalo Capitão para intervir em mais artigos.

O Sr. Gonçalo Capitão (PSD): - Eu, que consegui desde os tempos da escola secundária, mal ou bem, ir tendo o meu percurso político, receio que ele tenha terminado hoje com este pedido do PCP, que deve ser um atestado à minha ineficácia política. Mas, enfim, todos temos um fim e o meu foi aos 32 anos, graças ao Sr. Deputado António Filipe.

Risos.

Agora falando sério, dificilmente me lembraria de tamanha apologia do sistema norte-americano. O facto de eles terem algumas instituições antigas e essa tradição da liberdade é uma coisa que me seduz, em determinada matéria. Julgo que nos sistemas anglo-saxónicos há a consciência de que existe algo de racional, de razão e de bondade intrínseca na própria lei. Por contraposição, acho que nós, na tradição continental, em termos europeus, achamos que temos sempre uma razão acima da lei e por isso, às vezes, não deixamos que as coisas evoluam serenamente e no sentido próprio, ou seja, estamos sempre a contrariá-la com essa razão que é muito mais inteligente que qualquer outra tradição.
Queria dizer-lhe que podia ter citado outros exemplos, mas já os citei noutros debates e não quis repetir-me. Podia ter citado exemplos em Bolonha, em Atenas, em Manchester, em Berlim e em muitas outras cidades, onde já estão a desenvolver-se projectos que prevêem precisamente um aumento e um aprofundamento da democracia representativa, contra a qual, fico a saber - e, aliás, já desconfiava - o PCP nunca se pronunciou.
Mais, em Portugal, as iniciativas para a banda larga só querem dizer isso, ou seja, não se confundem com o referendo constitucional, mas misturam-se, e bem, com esse ímpeto participativo e com esse aprofundamento ao qual não devemos resistir. Há aqui um reforço claro da democracia e nós estamos a resistir, em sede de Constituição, e é por isso que denoto algum anacronismo.
Por fim, quero dizer que as tecnologias não são boas nem más. O receio da democracia instantânea depende do uso que dela fizermos! Os mesmos autores modernos, que já superaram o pós-modernismo, também dizem que as novas tecnologias podem ser usadas para aprofundamentos muito benignos da democracia!
Por isso, um referendo constitucional, que ainda por cima não é um referendo tecnológico, parece-me um minus em relação a todo o caminho que ainda temos para fazer e que devíamos fazer conscientemente, para que ele um dia não nos arrombe a porta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é só para fazer uma rectificação ao que foi dito pelo Sr. Deputado Alberto Martins relativamente à sequência da revisão de 1997.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Uma rectificação ou uma ratificação?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado Alberto Martins, tenho pena de, neste caso concreto, discordar de si, o que normalmente não é muito hábito nas questões de fundo, mas, de facto, à falta de melhor razão, o senhor utilizou um argumento que é lateral à verdade, para o dizer de uma maneira polida.
Sr. Deputado, não é verdade que, na sequência daquilo que foi o objectivo político de aprofundamento dos instrumentos da democracia participativa para os cidadãos, tais instrumentos não tenham sido completados.
Recordo-lhe rapidamente que imediatamente após a revisão de 1977 foi aprovada a legislação relativa à iniciativa popular de referendo, que, de resto, já teve utilização prática; que imediatamente após a revisão de 1997 foram aprovadas as candidaturas independentes de cidadãos às autarquias locais, que é a margem que a revisão de 1997 permitiu, como sabe. A Constituição continua a não permitir a candidatura de grupos de cidadãos eleitores à Assembleia da República. Não tão imediatamente após a revisão de 1997, foi também já aprovada, e encontra-se em vigor, a iniciativa popular legislativa. Ou seja, as inovações feitas na revisão e 1997 relativamente ao aprofundamento da democracia participativa dos cidadãos estão já consagradas na legislação ordinária, já foram aprovados os instrumentos legislativos necessários para dar lhes dar corpo.
Portanto, todas as outras matérias podem ser objectivos da agenda política do Partido Socialista - não o questiono, acho que tem para isso toda a legitimidade -, agora não têm que ver rigorosamente com a matéria da democracia participativa.
Não se pode confundir, por exemplo, a questão dos círculos uninominais, ou seja, a alteração do regime dos círculos eleitorais para a Assembleia da República, com democracia participativa; não se pode confundir a legislação eleitoral do Presidente da República ou a legislação eleitoral das autarquias locais, excepto naquilo que diz respeito à possibilidade de apresentação de candidaturas por grupos de cidadãos eleitores, essa já adquirida, consagrada e de resto já executada, já utilizada pelos cidadãos eleitores, com democracia participativa.
Assim, quero apenas deixar aqui esta precisão porque me parece que as afirmações do Sr. Deputado Alberto Martins relativamente a uma eventual não utilização, ou não esgotamento, da revisão de 1997 naquilo que diz respeito ao aprofundamento da democracia participativa e dos instrumentos de participação directa dos cidadãos na vida nacional, foram laterais à verdade dos factos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Alberto Martins quer fazer um comentário.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado, falei na participação democrática e, em relação a ela, o que naturalmente está em falta são as regras da democracia representativa e o seu aprofundamento, que têm a ver com a lei eleitoral para a Assembleia da República, com a lei eleitoral para as autarquias, etc.

Página 207

 

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é uma agenda política!

O Sr. Alberto Martins (PS): - Digamos que há uma agenda política que decorre do acordo de revisão constitucional. Ou seja, uma democracia participativa directa pode ter essa incidência e eu falei na participação democrática em geral e das regras eleitorais que decorrem do acordo e que não foram cumpridas. E aí eu atribui responsabilidades, que vejo, com gosto, que não foram afastadas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio.

O Sr. Diogo Feio (CDS-PP): - Sr. Presidente, a primeira referência que quero fazer é, em especial, ao Sr. Deputado Alberto Martins e, em geral, ao Partido Socialista, que, ao terceiro dia de discussão na especialidade dos vários projectos de revisão constitucional e em relação àquelas matérias que não considera dentro do campo restrito objecto da mesma revisão, participou no debate. Portanto, mesmo que o Sr. Deputado Alberto Martins o tenha dito que o fez de forma lateral, é, com certeza, sempre bem-vindo e gostamos que o Partido Socialista debata todas as ideias presentes nos vários projectos de revisão constitucional, até para ficarmos a compreender a posição que o partido tem oficialmente sobre os mesmos.
O Sr. Deputado Alberto Martins referiu-se especificamente à minha intervenção a respeito da referência a algum arcaísmo de posição por parte do Partido Socialista quanto à lembrança que aqui nos trouxe dos trabalhos da Assembleia Constituinte, dos medos legítimos que existiam, tendo contraposto até uma posição de pós-modernidade para sustentar precisamente a mesma posição.
Acontece que mantenho o argumento que há pouco avancei. Acho que todo o desenvolvimento da nossa democracia, a maturidade com que as pessoas começam a ver estas questões, e não só, o elemento informativo muitíssimo importante que qualquer referendo tem e que pode levar a maior participação das pessoas quanto mais relevante for a questão que estiver em causa, apenas são elementos adicionais para defendermos a proposta que fazemos e para a considerarmos positiva.

O Sr. Presidente: - Não há mais inscrições quanto a este artigo 115.º.
Passamos ao artigo 117.º - Estatuto dos titulares dos cargos políticos.
Naturalmente, os Srs. Deputados intervirão sobre o que entenderem a propósito deste artigo mas, de entre todos os partidos, apenas o Partido Comunista Português tem uma proposta de alteração a este artigo 117.º.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, é muito simples. Trata-se apenas de constitucionalizar o princípio, já legalmente vigente, da publicitação das declarações de património, rendimentos e interesses dos titulares de cargos políticos. Como disse, a lei já o obriga, pelo que tratar-se-ia apenas de constitucionalizar esse princípio.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero dizer com toda a clareza que, obviamente, o PSD não concorda minimamente com a consagração constitucional deste princípio. Do nosso ponto de vista, não faz sentido colocar na Constituição uma matéria como esta, que acaba por incutir uma apreciação negativa relativamente ao exercício da actividade política, o que consideramos completamente incompaginável e inverídico quanto ao que se passa na realidade.
Em qualquer caso, independentemente de sermos contra a inscrição constitucional deste princípio, sempre quero chamar a atenção do Sr. Deputado António Filipe de que a inscrição na Constituição de um princípio como este que é proposto pelo PCP teria o condão de alterar a lei actualmente em vigor, quanto a mim num sentido talvez mais consentâneo com a realidade. Passo a explicar.
Por força dos excessos que foram cometidos em conhecidos períodos de alguma deriva relativamente ao tratamento destas matérias em termos legislativos, a lei actualmente em vigor obriga a que os titulares de cargos políticos com carácter executivo apresentem a respectiva declaração de rendimentos anualmente. Ora, esta proposta do PCP, ao dizer que a declaração de rendimentos e interesses é feita apenas no início e no termo do mandato, quando conjugada com o princípio que resulta do artigo 18.º da Constituição, de que as normas restritivas de direitos não podem ser objecto de interpretações restritivas, colocaria em crise a legislação actualmente em vigor e que se aplica aos titulares de cargos políticos de natureza executiva. Portanto, esta é apenas uma chamada de atenção para "pôr o dedo na ferida" quanto ao que é politicamente relevante.
O objectivo do PCP, com esta proposta, não foi o de preservar constitucionalmente a imutabilidade da lei actualmente em vigor pois, se assim fosse, a proposta não teria o efeito de a revogar, mas tão-só a de, politicamente, fazer o que, do nosso ponto de vista, há de mais errado no tratamento do serviço público…

O Sr. António Filipe (PCP): - Não percebi!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quer que repita, Sr. Deputado? Posso repetir.
Como disse, a legislação actualmente em vigor obriga os titulares de cargos políticos de natureza executiva a apresentarem a respectiva declaração de rendimentos e interesses anualmente e não apenas no início e no final do mandato. Porque não é uma regra aplicada ao conjunto dos cidadãos, esta é uma norma claramente restritiva dos direitos pessoais de determinado tipo de cidadãos, não podendo, portanto, ser ampliado o âmbito de aplicação deste princípio, é evidente que ficaria automaticamente em crise a lei que actualmente obriga os titulares de cargos políticos de natureza executiva a apresentarem anualmente a respectiva declaração de rendimentos. Devo dizer que até me inclino a concordar com o PCP, ou seja, concordo em que, não sendo a única, esta é uma das várias aberrações que estão na legislação relativa a esta matéria.

Página 208

 

No entanto, se o objectivo do PCP fosse o que o Sr. Deputado António Filipe acabou de expender, o cuidado posto na redacção do articulado deveria ter sido outro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, não concordo com a interpretação do Sr. Deputado Marques Guedes porque, a levar o seu raciocínio às últimas consequências, teríamos de considerar que a lei actual é inconstitucional por falta de cobertura constitucional. Isto é, o Sr. Deputado diz que se a Constituição obriga a que os rendimentos sejam declarados no início e no termo do mandato, a lei não poderia obrigar a que tal declaração fosse anual. Ora, então, o que dizer sobre a situação actual, em que não há nenhuma imposição constitucional no sentido de que essa declaração de rendimentos seja apresentada, nem no início, nem no fim do mandato, nem anualmente?
Portanto, creio que nada impediria que, sendo consagrada esta norma, a lei pudesse ir um pouco mais longe e estabelecesse que a declaração de rendimentos não deve ser apresentada apenas no início e no fim de cada mandato mas também no meio.
Sr. Presidente, creio que a questão é quase de pormenor. Creio que a questão fundamental não tem que ver com o tempo em que se apresenta a declaração mas, sim, com o facto de dever ser apresentada e de dever ser acessível à consulta , ao contrário do que aconteceu há uns anos atrás, em que a declaração era feita mas, depois, ficava numa espécie de tumba em que ninguém poderia ter acesso a ela. Esta situação foi alterada e a forma como, neste momento, a questão está regulada na lei não nos choca. Aliás, esta lei até foi aprovada numa altura em que o PSD tinha maioria absoluta. Obviamente, a lei pode ser aperfeiçoada e alguns dos seus aspectos podem ser regulados de forma mais razoável. Portanto, a questão do tempo e do modo de apresentação é o que menos nos preocupar, pois o que mais nos preocupa é a consagração do princípio.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, é evidente que não concordo com o que acaba de ser dito pelo Sr. Deputado António Filipe. Permita-me, então, Sr. Deputado, que, salvo melhor opinião, explicite ainda mais a incongruência da vossa proposta.
Como o Sr. Deputado sabe, no mínimo, para não dizer outra coisa, a declaração de rendimentos entra em conflito com o direito à privacidade que é constitucionalmente protegido. Portanto, é evidente que se trata de uma lei restritiva de direitos constitucionalmente protegidos.
Diz o artigo 18.º da Constituição que as leis restritivas de direitos não podem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. Assim, se o Sr. Deputado colocar na Constituição - que é o que o PCP agora pretende -- que só no início e no termo do respectivo mandato é que se restringe o direito à privacidade dos titulares de cargos políticos através da obrigação de apresentação da declaração de rendimentos, a lei ordinária, depois, não pode diminuir este alcance.

O Sr. António Filipe (PCP): - Se o problema é esse, propomos que a apresentação seja feita anualmente!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Peço desculpa, mas estou só a explicitar, porque o Sr. Deputado disse que não entendia a crítica que eu tinha feito.
Como dizia, do meu ponto de vista e com toda a clareza, o alcance exacto desta proposta do PCP é pôr imediatamente em crise, ou inconstitucionalizar, a legislação que actualmente obriga os titulares de cargos políticos com natureza executiva a apresentarem anualmente a sua declaração de rendimentos e interesses. Foi nesse sentido que me pronunciei e nada mais tenho a acrescentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, é só para declarar que se, para o PSD, é essa a questão, estamos inteiramente disponíveis para alterar a nossa proposta de modo a que onde consta "no início e no termo do mandato" passe a constar "anualmente". Repito que se o PSD considera que é essa a questão e se está disposto a aprovar a nossa proposta após a alteração que acabei de expor, então, pela nossa parte, estamos inteiramente disponíveis para fazê-la.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com toda a franqueza, acho que quando falecem os argumentos de qualquer um de nós, não podemos saltar para outro como se nada se tivesse passado antes.
Comecei por dizer que não concordava com a proposta do PCP e expliquei por que é que o PSD não concorda com a consagração constitucional deste princípio. Depois, como segundo ponto da minha intervenção, chamei a atenção para a falta de cuidado com que foi feita a redacção da própria proposta do PCP.
Portanto, o facto de, agora, o Sr. Deputado acabar por ter de reconhecer que, na verdade, houve falta de cuidado na elaboração da redacção da proposta, não lhe dá legitimidade para automaticamente partir do princípio de que se não fosse essa falta de cuidado, o PSD concordaria com a proposta.
Repito que, no início da minha intervenção, deixei clara a posição do PSD, posição essa que é negativa, quanto à ideia de consagrar constitucionalmente este princípio, seja quanto a uma redacção cuidada seja quanto a uma outra menos cuidada.

O Sr. Presidente: - Não há mais inscrições relativamente a este artigo.
Srs. Deputados, tenho uma dúvida. O artigo seguinte é o 118.º, sobre o princípio da renovação, relativamente ao qual existem várias propostas de alteração. Este é um tema relevante e, dado o adiantado da hora, não sei se será boa ideia iniciarmos agora a discussão. Sugiro, pois, que guardemos esta discussão para o início da reunião da próxima terça-feira.

Página 209

 

Verifico que, embora não entusiástica, tenho a aquiescência da Comissão, pelo que fica assim combinado.
A nossa próxima reunião terá lugar na próxima terça-feira, pelas 10 horas.
Está encerrada a reunião.

Eram 12 horas e 50 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

Página 210

 

Páginas Relacionadas
Página 0192:
  O Sr. Presidente (José de Matos Correia): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declar
Página 0193:
  r. Deputado Luís Marques Guedes, quero apenas juntar que a solução de eliminação de um co
Página 0194:
  futura revisão constitucional, se fazer alguma simplificação e arejamento. Dou apenas um
Página 0195:
  O Sr. Henrique Chaves (PSD): - Sr. Presidente, como é sabido, a maioria apresenta uma pro
Página 0196:
  três tipos de competências, sendo esta matéria regulada pelos artigos 181.º-H, 181.º-I e
Página 0197:
  Nos termos do disposto no artigo 181.º-N da proposta da maioria, e ao contrário do que su
Página 0198:
  O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Feio. O Sr. Diogo Feio (CDS-
Página 0199:
  que disse na minha anterior intervenção; quanto à forma de conjugação da existência do se
Página 0200:
  Por exemplo, em relação à proposta do Bloco de Esquerda, queria dizer que a novidade que
Página 0201:
  presente o seu alcance, a sua natureza, a sua evidência, a sua necessidade, mas não quere
Página 0202:
  do projecto apresentado pela maioria, esta é uma proposta que surge um tanto deslocada.
Página 0203:
  "chumbo" dessa revisão e pela não alteração do texto constitucional, mantendo-o tal qual
Página 0204:
  O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, é só para fazer alguns comentários adiciona
Página 0205:
  exemplos de outros Estados que devem ser utilizados e que nos devem sempre estimular a en
Página 0206:
  autênticas dizendo que se eu fosse o PSD destacava o Sr. Deputado Gonçalo Capitão para in
Página 0207:
  O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Isso é uma agenda política! O Sr. Alberto Martin
Página 0208:
  No entanto, se o objectivo do PCP fosse o que o Sr. Deputado António Filipe acabou de exp
Página 0209:
  Verifico que, embora não entusiástica, tenho a aquiescência da Comissão, pelo que fica as

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×