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18 | II Série RC - Número: 004 | 15 de Dezembro de 2010

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Jorge Bacelar Gouveia, que está inscrito, permitam-me que faça uma observação.
Também participei no debate que o Sr. Deputado Telmo Correia referiu, em que o Professor Jorge Miranda aventava a hipótese de se reescrever, de se alterar o preâmbulo, e gostaria de dizer que não estou a ver como é que seria possível fazê-lo sem afectar a matriz desta Constituição, porque há um facto que é inquestionável: apesar das suas sete revisões, continuamos a ter a Constituição de 1976.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Claro!

O Sr. Presidente: — Ninguém põe em causa que a Constituição foi revista, mas a Constituição é a mesma, ou seja, a identidade constitucional é a que vem de 1976 e o preâmbulo afirma exactamente isso! O preâmbulo refere-se ao 25 de Abril de 1974, ao que a Revolução restituiu aos portugueses, os direitos e liberdades fundamentais, e ainda que, no exercício desses direitos e liberdades, «os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição». E, mais à frente, a «Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno».
Sinceramente, não vejo aqui a visão caricatural do socialismo do Sr. Deputado Jorge Bacelar Gouveia — que não de Marx, digo eu.
De facto, não vejo como poderíamos alterar o preâmbulo sem alterar a matriz identitária fundamental da Constituição. Creio que a supressão deste preâmbulo seria uma mutilação grave da nossa própria história constitucional, não apenas de uma história passada mas de uma história que se projecta no presente, no reconhecimento unânime de que a Constituição que temos é a de 1976 revista, isto é, não é uma Constituição que tenha resultado de um processo de alteração ou de transição constitucional — são revisões constitucionais feitas exactamente nos termos em que a Constituição de 1976 prevê que elas possam ser feitas.
Peço desculpa por esta minha pequena contribuição e, de imediato, dou a palavra ao Sr. Deputado Jorge Bacelar Gouveia.

O Sr. Jorge Bacelar Gouveia (PSD): — Sr. Presidente, intervenho apenas para dar mais um pequeno contributo e registar, com agrado, a interpretação que o Sr. Presidente e o Sr. Deputado Marques Júnior dão a essa frase «abrir caminho para uma sociedade socialista». De facto, o problema é conceptual, é o de sabermos o significado exacto das palavras.
É evidente que essa indicação programática de que todos devemos caminhar, mais ou menos juntos, para uma sociedade socialista tem de ser contextualizada com o que também está no preâmbulo, que é a existência de um Estado democrático e o respeito da vontade do povo português. Mas aí, do meu ponto de vista, começamos a ter sérias dúvidas sobre o que isso significa, porque o socialismo é um conceito que tem as suas raízes na história das ideias políticas e em experiências políticas de outros países.
Portanto, quando os Constituintes o escreveram no preâmbulo não inventaram um conceito novo, foram influenciados por outras experiências que, essas sim, cunharam esse conceito de socialismo. Então, temos de saber até que ponto esse conceito é compatível com outros princípios que são incompatíveis com uma sociedade socialista, como é o caso do princípio democrático ou do princípio do Estado de direito.
É evidente que podemos chegar sempre à conclusão de que se trata de um socialismo à portuguesa, no respeito do Estado de direito e da democracia. Mas esse não é um socialismo na tradição de outras experiências, nem sequer um socialismo à portuguesa pode ser! Penso que aí se deveria corrigir o preâmbulo, porque, no fundo, o que se pretende é apelar a um Estado social, que é algo muito diferente. Um Estado social não é um Estado socialista, não é uma sociedade socialista e é evidente que esse conceito corresponderá hoje muito mais à matriz da Constituição do que propriamente a afirmação de que vamos todos a caminho de uma sociedade socialista.

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