O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1039

DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 90.

Lisboa 28 de Maio de 1821. SESSÃO no DIA 26 DE MAIO.

Leo-se e approvou-se a Acta da Sessão antecedente.

O senhor Secretario Felgueiras leo hum Officio do Ministro Secretario d'Estado dos Negocios da Fazenda, enviando o Requerimento de Agostinho Jose Alves Pereira com informação do Desembargador Antonio Pedro d'Alcantara Sá Lopes, que foi remettido á Conimisaão de Fazenda.

O mesmo senhor Secretario deo conta das Cartas de felicitação e prestação de homenagem ás Cortes das Cameras de = Cartaxo - Couto de Santo Thyrso - Murça, Comarca de Villa Real - Godim - São Maninho de Mouros - São Cosmado, Comarca de Lamego = do Capitão Mor de Castro Verde, com todos os Officiaes do seu commando - do Tenente Coronel Governador da Praça de Monsanto, em seu nome, e do Estado Maior da mesma Praça- do Coronel do Regimento de Milicias dos Arcos, em seu nome, o dos Officiaes do mesmo Regimento -- do Cabido da Collegiada de Santa Maria d'Alcaçova da Villa de Santarem - e da Camera do Concelho de Bemviver, Comarca do Porto, contendo huma Representação sobre o imposto dos reaes no vinho aquartilhado, das quaes se mandou fazer honrosa menção, remettendo-se a ultima á Commissão de Fazenda - E do Prior d'OIiveira do Bairro, que foi ouvida com agrado.

O mesmo senhor Secretario mencionou cinco Memorias: 1.ª sobre os Reguengos da senhora Raynha, por Jeronymo Vaz Vieira da Sylva de Mello e Nápoles: remetteo-se á Commissão de Agricultura: 2.ª sobre a limpeza da Capital: 3.º sobre Criados e Criadas, ambas por Isidoro Schiappa Pietra, que forão emettidas á Commissão de Saude Publica: 4-.ª sobre a Companhia dos Vinhos do Alto Douro, por J. T, Guimarães da Cidade do Porto: remetteo-se á Commissão d'Agricultura: 5.ª por hum Anonymo sobre Dizimos, que se remetteo á Commissão Ecclesiastica - E huma Carta de João Teixeira de Mello, da Cidade do Porto, agradecendo o acolhimento da offerta das Medalhas, do que ficarão inteiradas as Cortes - e huma Representação do Coronel graduado do Regimento de Milicias de Trancoso, dirigida pelo General da Provincia da Beira, que foi remettida á Commissão Militar.

O senhor Pereira do Carmo apresentou hum Plano de distillação d'aguas ardentes, offerecido por João Guilherme Serjeant, da Cidade do Porto, que foi remettido ás Commissões das Artes e Agricultura.

O senhor Borges Carneiro. -- Eu entendo que hum dos principaes deveres, e mais preciosos de qualquer Deputado he promover a observancia das Leys, principalmente pelo que toca á Administração da Justiça. Não tenho em vista os Supplicantes, de quem apresento os Requerimentos, não os conheço, tenho sim em vista o negocio de que se trata, para me servir das phrases do senhor Castello Branco. Tenho na minha mão o Requerimento de huma pessoa que se queixa, que tendo requerido a hum Ministro vinte Certidões, em todos os requerimentos lhe põe por despacho = indeferido - e fazendo o mesmo Supplicante varias replicas, a todas estas replicas se lhe põe por despacho = indeferido = todos estes despachos chegão a 30 de Abril. Tambem tenho na minha mão hum Requerimento de hum Mestre da Comarca, de Alcobaça, a quem o Juiz do districto não dá Attestação de residente, e de estar servindo o dicto Emprego de Mestre de Primeiras Letras, por falta da qual Certidão elle não póde ser pago, e della resulta estar este pobre Mestre sem alimentos e sem ordenado. Qual será a rasão porque hum Juiz tem o atrevimento de negar huma Attestação a hum Mestre, e outro de dar vinte despachos de = indeferido? Qual será a rasao? A rasao he porque estes Juizes tem lido no

**

Página 1040

[1010]

Diario da Regencia, que hum Desembargador que negou hum aggravo, o castigo foi o dizer-se-lhe que tinha feito mal. A rasão he porque não se castigão os máos Magistrados. Ora he indubitavel que estes homens devem ser punidos, não com as penas que impõe a Ordenação, porque a impor-se estas penas, o resultado será mandar-se formar culpa, e daqui ter origem a pena de degredo, ou a pena de morte. Assim eu quereria que estes Requerimentos se mandassem á Regencia, mas lembrando-lhe que deve mandar ver se isto he verdade; e sendo verdade proceder contra elles com penas correccionaes, pôr-lhe huma multa, e suspendellos por algum tempo: isto deve a Regencia fazer. No Corpo Militar os Commandantes usão de penas correccionaes por meio de Conselhos disciplinares, e quando o crime he mais grave manda-se proceder a Conselho de Guerra. A Administração da Justiça, donde pende immediatamente a ventura e tranquillidadedos Povos, está em grande abatimento: os Magistrados prevaricão, e a rasão de prevaricarem he não terem certeza que não hao de escapar da pena. Nega hum Ministro hum aggravo, não se trata de formar culpa: não se imponhão penes barbaras, mas suspenda-se esse homem, porque não está a cousa na gravidade das penas, está sim em que o criminoso tenha a certeza de que ha de soffrer pena, huma vez que commetta delicto. Em os Ministros sabendo que hão de ter pena pelas suas prevaricações, que não hão de escapar a ella, tudo hirá bem. A vista disto peço que estes Requerimentos sejão mandados para a Regencia, para ella proceder contra estes Ministros com penas correccionaes, sem que seja necessaria formação de culpa, constando da verdade dos dictos Requerimentos.

O senhor Brito.-Eu não conheço nem quem he esse Ministro, nem tenho relações com elle, mas conforme as nossas Leys, os aggravos nem sempre se devem conceder, ao contrario hum Ministro muitas vezes he obrigado a denegallos. A Ordenação do Livro 8.° Titulo 84, manda que os Ministros ou concedão, ou deneguem os aggravos ordinarios. Nos aggravos de Petições, tambem as Leys só os concedem nos casos expressos; em todos os outros casos tem só o recurso da Ley, que he pedir huma Carta testimunhavel, etc. Quanto ao ponto principal dessa questão: direi que, se o Ministro denegou o aggravo sendo elle permittido pela Ley, não deve ter huma pena correccional, mas huma pena muito grave. Quanto ás Attestaçoens, póde ser que o Ministro tivesse Justiça em denegar essa Attestação. Se o Ministro lhe não defferio mandando-lhe passar a dita Attestação, a parte deve aggravar, e requerer ao Superior. Por tanto talvez a respeito da denegação das Certidões, o Juiz as denegasse por ser huma daquellas que a Ley manda denegar, em rasão de ser segredo de Justiça. Quando eu era Ministro tinha passado ordens geraes aos Escrivães, para que elles passassem todas as Certidoens ás Partes, á excepção daquellas em que havia segredo de Justiça; como tambem para que elles lavrassem todos os Termos do estylo, sem ser necessario despacho meu; mas nem todos os Ministros tem esta lembrança, nem ella he fundada em Ley, e eu fazia-o unicamente pela economia do templo. Embora se mande á Regencia que ella proceda contra estes Ministros, mas de modo que elles sejão ouvidos.

O senhor Borges Carneiro. - Perguntei a este homem que tinha pedido as Certidões, o qual era hum pobresinho, perguntei-lhe qual era a rasão porque o Ministro lhe negava as Certidãos? o que me disse foi " O Ministo o que queria era fatigar-me com aggravos. " Ora aquelle pobre homem mettido com vinte aggravos, que havia de ser delle? inda que elle tenha 20 mil crusados de renda, não lhe chegão para sustentar os aggravos. Senhores, a Administração de Justiça chegou ao estado que todos sabem. O Corpo todo da Magistratura he o mais respeitavel, mas ha Membros discalos que a desacreditão; as queixas das Partes não infamão a Magistratura, de certo não são ellas que a desacreditão, são as Auctoridades superiores, que não castigão as inferiores; estas he que fasem reflectir o vicio de alguns Membros no Corpo todo; o que infama a Magistratura, he chegar hum Secretario de Estado a não castigar os Ministros que não cumprem com os seus deveres, e castigallos asperamente. Eu sei de hum Ministro que tem ha mais de 4 meses hum Provimento d'Aggravo em cima da mesa, e sem o cumprir.

O senhor Peixoto. - Eu sou mais escrupuloso do que o senhor Borges Carneiro, quisera que se examinasse quando apparecessem estes despachos, e outros similhantes, se o erro procedia de entendimento, ou de vontade; se de entendimento, huma correcção leve bastará para castigar esse erro; se de vontade, então pelo menos deve ser removido infallivelmente. Este he o meu voto.

O senhor Annes de Carvalho. - Ha dias que a Regencia consultou o Congresso, sobre o modo como se havia de haver contra os Ministros criminosos a este respeito: determinou-se que esta Consulta da Regencia fosse á Commissão de Constituição. Alguns dos Membros da Commissão de Constituição, já virão a Consulta da Regencia, e outros ainda a não virão. Julgo eu que, depois de elles terem apresentado a sua informação ao Congresso, se estabeleça huma regra geral para a Regencia se haver, e antes disto nada se crimine.

O senhor Borges Carneiro. - Senhor. Estas cousas jogão humas com as outras: he necessaiio que a Regencia esteja de mão armada contra os Magistrados. Em quanto a Regencia não tiver estas disposições, em quanto os Ministros Informantes, que não informarem a verdade, não forem severamente punidos, tudo vai mal. Muitos dos Magistrados querem encobrir seus Collegas, muitas das Partes queixão-se das violencias dos Magistrados; porem os Magistrados superiores encobrem estas violencias, e o que he mais, ainda em cima querem que as Partes fiquem reputadas Calumniadores; entretanto no caso de que falla o senhor Annes está muito bem provado com 3 testemunhas de facto proprio, testemunhas presenciaes, que levarão, e virão o dinheiro, e outras muitas testemunhas de fama Publica, que todas depuserão, que aquelle Preso se não mandou passar Man-

Página 1041

[1041]

dado de soltura, sem que primeiro o Preso désse o dinheiro; tudo isto tambem provado, que ao menos exigia que se mandasse restituir o dinheiro áquelle
Preso. Não digo já impor-se a pena Ordinaria ao Ministro, mas que acontece? o que Acontece he que o Ministro informante diz que se não prova nada; faz demonstrações forçadas para isto, e por fim conclue que o Supplicante não póde deixar de ser punido como calumniador. O Chanceller informa, que tudo aquillo he atacar a Magistratura, que alli está offendida a Magestade, e a Magistratura toda; por tanto que tanto elle, como o Letrado que fez a Petição devem ser castigados como calumniadores. O Ministro dos Negocios do Reyno demorou este Requerimento depois de informado, veio a informação para a mão de Joaquim Pedro Gomes de Oliveira a 25 de Março, e esteve empatado atégora: a Parte queixou-se muito vehementemente contra elle, e ainda que appareceo no Astro da Lusitania a denuncia da demora, isto não obstante, Joaquim Pedro Gomes de Oliveira demorou este Requerimento, até que a Parte se queixou ao Congresso: foi o Requerimento para a Commiãsão de Legislação, e então, depois de tudo isto, he que se Consultou o Congresso sobre o modo com que se havia de occorrer aquelle nego-dando a entender que se não fosse o Aviso do Astro da Lusitania, e Requerimento contra elle, elle poria huma pedra em cima naquelle Requerimento, porque a pessoa que se accusa pertence á classe da Magistratura; dando tambem a entender, que o que querem he incobrir os defeitos dos Magistrados, para salvar a dignidade da Magistratura, e isto he o que está fazendo áquelle Ministro; e por tanto elle deve ser destituido, deve-se pôr alli hum homem imparcial; e ao menos quando isto se não vença deve pôr-se-lhe hum Coadjuctor.

O senhor Brito. - Deve informar-se o Congresso dos Documentos que tem para se dizer que o Ministro dos Negocios do Reyno tem parcialidade com seus Collegas. Se isto for assim, elle deve ser destituido, mas he necessario que appareção as provas. Eu não discordo em castigar os Magistrados, se tenho differença de opinião he para que elles sejão punidos com penas mais graves; mas antes de tudo o que quero he, que sejão primeiramente ouvidos na fórma da Ley, com tempo competente para allegarem sua Justiça, e provarem o que allegarem.

O senhor Guerreiro.- Cada hum dos Membros da Regencia do Reyno foi nomeado por este Congresso, porque cada hum delles mereceo a sua confiança. Elles são chefes d'Administração publica. Para se conservar a boa Ordem d'Administração publica he necessario que sejão respeitados, e mereção a confiança da Nação. Toda a vez que se accusão em vão neste Congresso, não se faz mais do que pôr meios para elles serem despresados, falta que destróe a primeira base da tranquilidade Publica; por isso proponho - que toda a vez que algum dos Membros do Congresso propozer a accuzação de algum Membro da Regencia, ou algum dos Secretarios das Repartições, seja obrigado a apontar as provas, e se nomeie huma Commissão para ver se ha culpa, ou não. Agora fallando ao caso especial para o qual faço moção; direi que a Regencia deve estar no maior embaraço para proceder contra qualquer Ministro; ella tem o Poder, Executivo, não póde proceder senão em conformidade das Leys, e não temos actualmente Ley nenhuma que estabeleça a regra de responsabilidade dos Magistrados. Nas nossas Ordenações achão-se penas impostas contra os Magistrados, mas estas Ordenações infelizmente se achão revogadas, e esta revogação se acha legitimada. Foi hum assento da Casa da Supplicação feito em 1730, que estabeleceo em regra que ninguem demandasse mais Ministros, o qual assento se tomou em rasão de hum Desembargador da Supplicação ter sido demandado por causa doutro. Este assento foi sanccionado pela pratica constante, até ao dia de hoje: o Rey nunca se oppôz, não ha exemplo nenhum em contrario; por isso a Regencia não tem huma Ley que estabeleça a responsabilidade dos Ministros: em consequencia não póde impor penas senão arbitrariamente. Ora a arbitrariedade he incompativel com o Systema Constitucional, por consequencia he necessario que o Congresso auctorize a Regencia para ella poder resolver-se, e a maneira disto he fazendo huma Ley Constitucional que estabeleça os casos, em que se deve impor penas aos Magistrados, e o modo de impor estas penas; por consequencia parece que em quanto esta Ley se não fizer, em quanto a Commissão de Constituição não der o seu Parecer sobre este objecto, não se podem tomar conhecimentos, nem providencias sobre casos particulares.

O senhor Moura. - Ambos os Preopinantes tem rasão, e fundamental; mas he necessario que se exponhão as rasões, e fundamentos nos seus verdadeiros termos, para não proceder com injustiça, porque ella he a Mãy de males infinitos. Os dous fundamentos são os mais Constitucionaes, a Regencia he responsavel: principio certissimo e indubitavel, nós mesmos o sanccionámos, elle he bem sabido, o Mundo não o ignora; logo que este Congresso creou a Regencia, e fez responsavel pelo seu comportamento, que compete ao Congresso? fazer effectiva esta responsabilidade. Eis os dous fundamentos de que nos não devemos affastar; a Regencia he responsavel; ao Congresso toca effectiva esta responsabilidade porque em vão seria responsavel, se nós lhes não déssemos efficacia. Se he responsavel qual he o modo de tornar efficaz a sua responsabilidade? Veja-mo-lo: a Regencia he responsavel por todos os actos que pratica contra as Bases da Constituição, contra as Leys existentes, contra a segurança Publica, contra a Administração Publica. Eis os factos de que ella he responsavel, e o Rey mesmo o ha de ser. Bem: Jogo para arguirmos a Regencia dessa falta de responsabilidade, ou os Ministros d'Estado, que he preciso fazer? He preciso apresentar hum facto, e dizer ao Ministro,, Ministro, tu prevaricaste; Ministro, tu delapidaste os dinheiros Publicos; Ministro, tu não fizeste Justiça; Ministro, tu não cumpriste com os deveres de que estavas encarregado no teu Repartimento; Ministro, tu arriscaste a segurança do Estado,, e eis-aqui o modo de tornar efficaz a responsabilidade dos

Página 1042

[1042]

Ministros. Abusa hum Ministro d'Estado, porque não punio quando deveria punir. Que se deve fazer? Estabelecer esse facto, dizer-se: eis-aqui o facto, eis-aqui as provas; e não estar todos os dias a dizer = a Regencia não obrou bem, os Ministros d'Estado prevaricão. = O facto de que argue o senhor Borges Carneiro he preciso que se verifique, he preciso que se saiba donde vem essa falta de Administração de Justiça, se procede de negligencia, se de prevaricação do Ministro, ou da Regencia inteira; deve fazer examinar-se isto em these. Agora em hypothese lembrou que o Ministro representara as difficuldades que havião de tomar effectiva a responsabilidade dos Ministros, apontando o caso que já se acabou de mencionar; são huns autos era que se argue hum Escrivão de ter pedido hum pouco de dinheiro a hum Preso, para haver de o soltar; diz-se que o Ministro tem communicado com o Escrivão, eu ainda não examinei attentamente estes papeis. Se o Escrivão he culpado elle deve ser castigado asperrimamente. O maior ponto a que póde chegar a corrupção de hum Escrivão he pedir dinheiro ás Partes, isto he, hum caso em que deve ser castigado, com a maior aspereza hum Ministro, ou hum Escrivão; mas a Regencia acha-se implicada, não sabe em que especie de responsabilidade está o Ministro a este respeito; e por isso creio que consulta o Congresso neste caso particular, e outros. He preciso por tanto que não demos huma determinação geral, e insinuemos á Regencia o modo com que ella se deve haver. Hum caso particular he objecto de exame, o qual inda se não tem feito, eu adopto a opinião do senhor Guerreiro, que por ataques vãos se não faz effectiva a responsabilidade dos Ministros, mas sim por factos evidentes sómente; ataques falsos e vãos fazem incorrer n'outro vicio transcendente, qual he o desauctorizar a Regencia, e fazer com que se lhe não de o respeito que ella merece.

O senhor Borges Carneiro - Os ataques vãos á Regencia serão reprehensiveis. Eu não os faço, a Regencia he hum Corpo que soffre todos os embates, necessita ser muito respeitada. Eu sou o primeiro que a respeito muito, e que a respeito quanto posso. Eu não faço ataques vãos, faço accusações contra o Ministro dos Negocios do Reyno, e provo estas accusaçoens. O Ministro dos Negocios do Reyno depois de mandar proceder á averiguação sobre hum Ministro que tinha negado hum aggravo a huma parte, quando o não devia negar, reconheceo que o Ministro tinha obrado mal, mas o, castigo foi huma leve reprehensão. Reconheceo o Ministro dos Negocios do Reyno que outro Ministro, que tinha denegado huma Certidão a huma parte, tinha obrado mal de sorte que disse ao Ministro que mandasse passar a Certidão; mas o castigo foi a simples reprehensão de que tinha usado mal. O Decreto dos Cereaes foi demorado dous mezes, não digo que fosse Joaquim Pedro Gomes de Oliveira que o demorasse; o caso de que aqui se tem fallado hoje está provadissimo, como ja disse; elle não viria ao conhecimento do Congresso, se a parte não tivesse soffrido tantas vexações, e depois de apparecer o Requerimento da parte no Congresso, e hir á Commissão de Legislação (o que tudo por força havia saber Joaquim Pedro Gomes de Oliveira) he que então se fizerão as Consultas a este Congresso; aquelle caso torno a dizer está provadissimo, vê-se claramente que o homem deo o seu dinheiro para se remir da prisão, isto prova-se claramente nos autos, e não obstante isto, diz Joaquim Pedro Gomes de Oliveira, que são sediciosos, e terriveis exemplos de similhantes queixas, dando a entender que quer que sejão castigadas as pobres partes, ainda em cima como calumniadoras; e então ha de se soffrer isto? as partes hão de estar a soffrer vexações, hão de haver queixas á Regencia, e o resultado hade ser ficar tudo no mesmo estado, e ainda em cima as partes serem punidas como calumniadoras? isto o que me dá a entender he que se renova a horrorosa scena dos Negociantes honrados que requererão ao Governo antigo sobre certo negocio, queixando-se de Empregados, e sahio huma Portaria do Governo que dizia, que elles erão, calumniadores, que elles estavão incursos na Real indignação, que sómente pela Clemencia Real erão perdoados; isto he onde póde chegar a desgraça, e sempre pugnarei para que não vejamos renovada entre nós esta épocha. Vem Requerimentos todos os dias das partes contra os Ministros, todos os dias os, Povos requerem contra os Magistrados: hum pobre homem para se salvar da prisão deo 26 mil e tantos réis em metal, e pelo que vejo ainda querem que seja castigado como hum calumniador. Quando se fazem accusaçoens geraes, são accusaçoens geraes; se se falla em hum homem particular, está-se a personalisar: então deixe-se a Administração da Justiça no mesmo pé em que está. Em fim o que eu pertendo he que estes Requerimentos que aqui apresento vão á Regencia, com remmendação para ella impor aos Ministros accusados penas correccionaes.

O senhor Castello Branco, - Eu estou bem longe de requerer o estabelecimento de Tribunal de Segurança Publica, Tribunal revolucionario, e estabelecer entre nós o systema de terror. Eu estou bem longe destas ideas, entretanto não posso deixar de persuadir-me que as nossas circunstancias são extraordinarias, e muito extraordinarias; e eu não sei que em circunstancias extraordinarias se possa deixar de lançar mão de medidas extraordinarias. Em outras quaesquer circunstancias, quando a Sociedade se acha perfeitamente organisada, quando todos os Membros della convem de todo o coração no systema adoptado, e estabelecido, eu sou o primeiro que pugnarei por sustentar todas as formalidades saudaveis das Leys, porque dessas formalidades vem a execução da Justiça, huma vez que dão lugar ás reflexões; porem nas circunstancias em que estamos, isto não tem lugar. Eu não quero que sejão já sanguinariamente castigados os prevaricadores na Ordem Judiciaria, senão quando houver tempo, e vagar para averiguar todas estas provas com a madureza que he precisa; entretanto outras medidas se devem adoptar. Já mais vi que hum homem notado por voz Publica e geral seja innocente; a experiencia me tem sempre mostrado o contrario, e he mesmo dictado entre nós, que a voz

Página 1043

[1043]

do Povo nunca se engana; por consequencia aquelles que a Nação inteira nota de prevaricadores, eu me persuadirei sempre de que o são: não se castiguem com o rigor das Leys, não vamos procurar quaes são as penas que as Leys estabelecem nestes ou naquelles casos particulares; mas tomem-se medidas de absoluta necessidade, qual he o removermos Empregados Publicos dessa Nação. Que será do systema constitucional se nós não adoptamos esta medida de absoluta necessidade? Por consequencia eu não poderei deixar de persuadir-me, não poderei deixar de affirmar publicamente, que todo o que tem a seu cargo vigiar sobre a tranquillidade Publica, sobre a segurança Publica, todas as vezes que elle não adopta esta medida de absoluta necessidade, he evidentemente contra o systema constitucional. Eu não posso deixar de persuadir-me que hum homem Publico que põe embaraços á marcha, e estabelecimento do systema constitucional, he realmente contra elle. He o que vejo desgraçadamente praticar o Ministro dos Negocios do Reyno; não me attrevo a affirmar que elle seja Inconstitucional, eu não tenho provas para isso, e não devo fazer huma accusação tão seria sem provas evidentes; mas posso evidentemente fazer huma accusução de que elle não he capaz para este lugar, e que longe de cooperar comnosco, e cooperar com a Regencia, pela sua froxidão he incapaz de occupar aquelle Emprego. Este he o meu voto. (Apoyado, apoyado.)

O senhor Borges Carneiro. - Aquillo he verdade, tem dado muitas provas, muitas, muitas.

O senhor Brito. - Não posso deixar passar huma cousa que he capaz de pôr em perigo a liberdade. Diz-se que as formalidades da Ley só servem no tempo de paz adquirida, isto porem he perigosa cousa: a Ley tem formalidades de differentes castas: quando a Patria está em perigo ha formalidades summarias, e summarissimas, mas em todos os casos ha formalidades prescriptas. Este Congresso he Legislativo: se as formas prescriptas na Ley para julgar os criminosos não são boas, fação-se outras; mas quaesquer que sejão as formalidades que o Corpo Legislativo adoptar para conhecimento dos criminosos, estas devem observar-se á risca, porque estas são a salva-guarda dos Povos.

O senhor Ferrão. - Eu não tenho amizade nenhuma com o Ministro dos Negocios do Reyno, mas conheço-o ha muitos annos. Ouço que o accusão de frouxidão, entretanto eu conheço muito poucos homens que sejão capazes de trabalhar mais do que elle. Não duvido que haja alguma demora na expedição dos papeis, mas deve-se dar desculpa que haja esta demora em huma Secretaria aonde são immensos os negocios, que ha para se dicidirem; e não me posso persuadir que sejão por elle demorados de proposito. E mesmo conheço ser necessaria huma grande actividade (que elle tem) para dar prompto expediente a todos esses negocios. O que eu creio que falta a este Ministro he ser palaciano e cortezão, para com boas palavras entreter as Partes: esta he a sua falta essencial: mas quanto a interesse e frouxidão eu sei que o Ministro he trabalhador, e que he inteiro como aquelles que o são: isto posso eu dizer pelo conhecimento que delle tenho.

O senhor Moura. - O Ministro dos Negocios do Reyno he negligente, o Ministro dos Negocios do Reyno he prevaricador: supponho pois que deve ser chamado, pois só por dizerem nesta Assemblea dous, cinco, ou ainda 50 Membros que fossem, que o Ministro dos Negocios do Reyno era prevaricador, eu nunca convirei em que elle seja castigado, sem ser ouvido; o contrario seria dar hum tristissimo exemplo para o futuro. Que fazem as Nações bem constituidas em casos identicos? O que se faz he formar-se hum Tribunal ou dentro ou fora das Cortes, hum Tribunal especial nomeado ad-hoc: ahi deve comparecer este Ministro, ahi deve ser convencido, ahi deve ser demittido, se acaso tiver practicado acções que o mereção; ahi deve ser regrado, e se acaso os seus crimes merecerem, inforcado. Este he o rigoroso modo de proceder nos Governos Constitucionaes, senão daremos tristissimos exemplos; hoje demittiremos o Ministro dos Negocies do Reyno, ámanhan o da Fazenda, no outro dia o da Marinha, e em outro dia a Regencia inteira. Não deve consentir-se que por huma simples accusação formada por tres, por quatro Membros deste Congresso, ou ainda mesmo pela maioridade delle, passe como Ley que deve demittir-se hum Ministro: elle não deve ser demittido senão por huma Sentença, deve ser demittido em hum Tribunal Constitucipnal, porque julgo que hum Tribunal Ordinario, como a Relação, não ha de conhecer dos actos crimes contra o Estado. Em França, e Inglaterra havia o direito de accusar os Ministros: este direito he inauferivel, deve ser permittido a cada hum dos Membros deste Congresso o fazer accusações contra os Ministros; mas só porque hum Membro deste Congresso diz que o Ministro tal prevaricou, deve elle ser demiltido? eu não o quererei. Hum acto Legislativo he aquélle por onde se devem dimittir os Ministros, o contrario seria huma idea perigosa. Nós vamos Legislando de differente modo: o meu illustre Collaborador na redacção da Constituição sabe muito bem as Leys que alli se tem lançado, e que se hão de lançar para tornar effectiva a responsabilidade dos Ministros: ella não se póde tornar effectiva pela opinião vaga de dez ou doze homens, mas sim pela nomeação de hum Tribunal. A respeito do Ministro dos Negocios do Reyno todos os factos podem ser verdadeiros, póde ser que haja prevaricação, não duvido que seja removido, e que seja castigado, mas que seja castigado, que seja removido onde ha Ley que possa consentir similhante cousa, onde ha Ley na Europa que tal permitia? nem em theoria, nem em pratica se observa similhante proceder; nem a theoria dos Publicistas, nem a practica das Nações permittem jamais que seja condemnado hum homem sem ser ouvido. Que se crie hum Tribunal entre nós, ou fora de nós, para julgar o Ministro dos Negocios do Reino, convenho; mas expelillo ou demittillo sem o ouvir nunca convirei, porque se elle commetteo crime por dolo, por malicia, não deve ser só removido, quero que elle seja castigado e castigado asperamente; e se elle obra por negligencia então deve ser removido.

O senhor Borges Carneiro. -Sei muito bem que o Ministro he muito limpo de mãos, sei que elle he

**

Página 1044

[1044]

honrado, mas entretanto negar-se a hum Deputado o poder-lhe perguntar, sendo elle chamado a este Congresso, qual he a rasão porque demora os papeis do Juiz de Fora de Cezimbra, a rasao porque não cumprio as Ordens das Cortes? Não lhe poderei perguntar a rasao porque, depois de reconhecer que dous Ministros não cumprirão os seus deveres, que são mãos Ministros, hum que negou a Certidão, outro que negou o Aggravo, não lhe poderei perguntar a rasão porque não castigou estes homens? Não poderei dizer que isto he connivencia? Não lhe poderei perguntar a razão destas cousas e outras muitas? Se elle merece huma pena, confesso que deve ser imposta só por hum Tribunal, mas tambem confesso que elle deve ser demittido do seu Emprego logo que não merece a confiança das Cortes. Póde o Congresso mandallo chamar, e não dando rasão suficiente que o desculpe do mal que tem obrado deve pôr-se a votos, se deve ser removido, ou não; porque para isto não he preciso Tribunal, o Congresso o póde fazer; nem tambem a demissão deve ser sempre acompanhada com outra pena.

O senhor Moura.- Connivente o que he? eu explico: connivenaia he cumplicidade. Se o Illusrre Preopinante admitte que o Ministro dos Negocios do Reyno tem connivencia com as partes, he cumplice com ellas, e então não he só cumplice com os Ministros prevaricadores. A idéa de connivencia traz a idea de cumplicidade, e o Governo então só ha de demittillo? A demissão não he huma pena: aonde ha pena sem Sentença? aonde ha Sentença sem Processo? aonde ha Processo sem Audiencia da parte? pena, Sentença, Processo, Audiencia de parte, isto se funda no direito Natural, no direito das Gentes, no direito Civil, e no senso intimo de todo o homem: não me posso persuadir que hum homem prescinda de similhante cousa; não havemos de impor huma pena ao Ministro dos Negocios do Reyno, não lhe podemos impor pena, porque não temos senão a auctoridade Legislativa: havemos de lhe impor huma pena sem constar do seu delicto? he o cumulo da injustiça! havemos de impolla sem o ouvir? he quebrantamento de todas as Leys Sociaes. Admitto que se erija hum Tribunal já, que seja chamado já, que de conta das suas prevaricaçoens já; mas que nunca separemos a idea de pena da de Sentença, a idea de Sentença da idea de Processo, a idea de Processo da idea de Audiencia de parte: estas ideas são tão connexas que separallaas he quebrantar todas as Leys Sociaes, he destruir a ordem publica, he amittir a anarchia no meio da ordem.

O senhor Borges Carneiro.- Peço que seja chamado o Ministro, porque lhe quero perguntar a rasão porque demorou os Autos do Juis de Fora de Cezimbra, a rasão porque chamou sedecioso ao Astro da Lusitania, a rasão porque não Castigou os dous Ministros já notados pela opinião Publica, a rasão porque chamou sedecioso ao Requerimento deste pobre que esteve preso, quero-lhe fazer estas perguntas, quero que venha já, apoyo a moção do senhor Mouro, que eu quero mesmo ser o interrogante. .

O senhor Luiz Monteiro.- Eu creio que o Ministro he hum homem trabalhador, he hum homem honrado; porem entre tanto não posso admittir que para se demittir hum Ministro he preciso fazer-se Processo: em todos os Paizes, na Inglaterra, na França são demittidos os Ministros quasi todas as Semanas, e continuão a ter os seus postos, a sua honra, a sua reputação: por consequencia podemos demittir o Ministro, para isto basta a pluralidade do Congresso, porque fazendo-o nós, não fazemos mais do que aquillo que se faz em todas as Nações.

O senhor Bastos. - Por ventura o Ministerio he propriedade de alguem?

O senhor Castello Branco.-Eu pergunto a hum Illustre Preopinante, a quem he que nas actuaes circunstancias ha de a Nação pedir contas da falta do cumprimento dos seus direitos Sagrados? ha de ser ao Rey que está no Rio de Janeiro? ha-de ser á Regencia que foi escolhida por nós, que nos he inteiramente sobordinada? ou ha de ser ao Congresso? Nós somos responsaveis para com a Nação, a nós he que a Nação deve pedir contas: por tanto nós devemos tomar todas as medidas necessarias.

O senhor Moura.-Eu disse que se pedissem contas ao Ministro dos Negocios do Rey no, mas que não devia ser demittido sem ser ouvido.

O senhor Castello Branco. -A demissão não he pena, não he castigo: o seguir qualquer esta ou aquella opinião deve ser motivo bastante para não gosar este ou aquelle emprego.

O senhor Fernandes Thomaz. -Tambem não quereria que passasse a idea de que não podemos demittir hum Ministro. Foi livre a qualquer eleger este ou aquelle homem pela confiança que elle gosa na Nação, perdeo essa confiança, tire-se para fora esse homem. Qual he a rasao porque fizemos hum homem Ministro de Estado. He porque tinha a confiança na Nação: qual he a rasão porque o queremos demittir? lhe porque perdeo essa confiança. Huma simples Commissào não he propriedade, não he officio cartado,: dissemos-lhe que fosse para alli, agora dizemos-lhe que sahia. Eu declaro que isto se não applique ao actual Ministro dos Negocios do Reyno, digo-o só para que não se estabeleça em regra, que o Congresso não póde demittir, porque não quero ficar com a boca tapada para requerer a favor da Nação o que quizer. Todo o Cidadão tem direito de Petição, tem direito de reclamar: a Liberdade de imprensa está a estabelecer-se, e para que? para todos fallarem: e então o Congresso ha de estar calado? hum Tribunal para demittir hum Ministro parece mostrar huma contradiccão evidente, cujo exemplo póde ser triste. Quando o Rey nomear, elle demittirá, para isto não he preciso formar culpa. Quando o Congresso, quando a Nação mostrar a ElRey que os Ministros de que se servo não merecem a confiança da Nação, o Rey não estará a fazer Processo para os mandar embora. Sequer ver o resultado daquelle principio, chame-se o Ministro que o senhor Borges Carneiro diz que se mande chamar. Ora será isto decente? o Congresso ha de estar a fazer huma resenha particular de todos os factos pelos quaes elle não merece a confiança publica? ha-de-se estar fazendo huma enumeração de todos estes factos?

Página 1045

[1045]

Sabe-se em geral em consequencia do procedimento do Ministro, que elle deixa hir as cousas mal, que as Partes se queixão, e que não merece a confiança Publica. Basta isto; com tudo eu não quero que isto se applique ao actual Ministro, porque a respeito delle não digo palavra. Quero pois que se persuadão que não digo isto a respeito do Ministro actual, mas entretanto, dizer que a Administração da Justiça não está em bom pé, querer fazer preciso apontar factos particulares para fazer accusação geral, porque se não ha de fazer? As partes queixão-se de que a Justiça está mal administrada, póde-o dizer hum homem, e não o poderei dizer eu de qualquer modo que seja? Por tanto não deve estabelecer-se em regra o prohibir-se fallar neste Congresso deste, ou daquelle Ministro. A Nação pôz-me aqui para dizer tudo quanto eu entender: porque he Ministro não hei de fallar? não hei de dizer o que quizer? não acho similhante excepção na minha Procuração.

O senhor Moura.-Eu não estabeleci aquella regra, o que disse foi que o Ministro não devia ser expulso sem conhecimento de causa, só por huma simples accusação.

O senhor Xavier Monteiro.-Eu sou de opinião que para demittir hum Ministro não he preciso Processo, porque as cousas pelo mesmo modo com que se fazem, se desfazem; porem para proceder neste negocio com regularidade seria bom, que os senhores, que accusão o Ministro fizessem as suas indicações por escripto, e estas indicações se não decidissem no mesmo dia, mas sim em hum dia determinado; porque assim todos podem tomar as suas informações sobre este objecto. Os senhores que accusão o Ministro e dizem que elle tem perdido a confiança Publica, produzem os seus argumentos, e todos os mais senhores Deputados em hum dia determinado, depois de tomadas as suas informações, decidem sobre este objecto, evitando-se desta maneira a precipitação, e a irregularidade.

O senhor Margiochi. -- Eu só tenho a accrescentar que em caso nenhum se póde admittir que se forem hum Tribunal daquellas pessoas que tem direito a serem accusadores. Permittio-se que qualquer de nós pudesse accusar, querer agora que se faça hum Tribunal dentre nós, parece-me que não he nada acertado.

O senhor Guerreiro. - Convenho que quem nomea hum Ministro póde demittillo, e por consequencia este poder compete ao Congresso; pela natureza do Cargo que o Ministro exerce; mas parece que não deve demittir-se hum Ministro sem ser accusado, porque o contrario seria proceder com leviandade. Convenho que he hum direito que tem todo o Deputado do Congresso de accusar hum Ministro, mas não posso convir em que seja permittido a nenhum Membro do Congresso o fazer accusações vagas. As accusações vagas não admittem provas, econtra as accu-sações vagas ninguem se póde defender: basta isto para as accusações vagas serem reprovadas, e reputarem-se contrarias a todas as ideas de Justiça; por isto insisto na moção que fiz, e sendo necessario a reduzirei a escripto; vem a ser: quando algum dos Deputados accusar a Regencia ou algum dos seus Membros ou Secretarios d'Estado das diversas Repartições, seja obrigado a formar a accusação por escripto, e que não o fazendo seja chamado á ordem.

O senhor Fernandes Thomaz. - Esse principio não admitto eu, nem admitto mesmo que se ponha a votos. Eu sou livre, hei de fallar; não hei de ser menos livre do que qualquer outro Cidadão. Não he opposto aos principios de probidade que eu diga - o Ministro tal não falla ás horas que deve fallar: o Ministro demora os papeis, commette taes e taes prevaricações - Não posso dizer isto? Não auctorisamos nós a todo o homem poder escrever, e fazer todas as reflexões que quizer, contra o Ministro, e contra a Regencia, ou mesmo contra este Congresso? e eu não hei de fazer quantas reflexões quizer? Não póde a Regencia ser mais respeitavel, e o Ministro do que o Congresso, que representa a Nação, e que tem hoje em si todos os Poderes, o Poder Legislativo, e o Poder Executivo; e que os não exercita porque os demittio para alli: e então podendo qualquer escrever contra este, e fazer todos as reflexões, não poderei eu fallar contra qualquer Ministro? Estes poderes são que a Nação me confiou, e que ninguem me póde tirar.

O senhor Castello Branco.- Isto não he só tirar o poder que a Nação nos deo, he hum principio até indecoroso a este Congresso. Eu sou o primeiro que testifico que a minha casa he cheia de pertendentes, a queixarem-se da falta de administração de Justiça, e do Ministro. Depois de eu, Representante da Nação, o dizer no Congresso, terá algum animo de me contradizer? terá auctoridade de contradizer hum homem em quem a Nação tem posto a confiança, em cujas mãos deposita huma parte da Soberania que lhe compete? e seria eu obrigado a dizer
"As pessoas que forão queixar-se a minha casa, são fulanos, e fulanos? Terei eu necessidade de mencionar estes individuos, e apresentar seus nomes neste Congresso? Eu seria o primeiro que renunciaria a minha Procuração, se visse que alguem duvidava da minha palavra.

O senhor Freire.- Tudo quanto aqui se tem dicto está já decidido: lançou-se em huma das Actas, que não se fizessem propostas algumas vagas contra a Regencia; mas que, huma vez que houvessem queixas contra alguma das Repartições, se visse a que Repartição pertencião essas queixas, e se mandasse chamar o Ministro dessa Repartição para responder a essas queixas. Isto he o que está decidido na Acta e me parece bem: entretanto tenho visto abraçar principios os mais.....(havia Lacuna) todos sabem que hum Ministro no Governo Constitucional he differente de hum Ministro na Monarchia absoluta: em huma Monarchia absoluta hum Ministro que perde hum Emprego, perde o Cargo e a honra: no Governo Constitucional não he assim: por huma mudança, por huma differença de opinião he demittido o Ministro, e no emtanto elle vai para sua casa socegado, não perde a honra, não perde a reputação. Ora esta differença he bem palpavel, e merece sua consideração. Opponho-me á outra idea de que este Augusto Congresso não póde demittir hum Ministro.

Página 1046

[1046]

Esta idea he huma idea errada; eu já tenho proclamado muitas vezes contra ella: este Congresso não he só Legislativo, estas Cortes não são só Cortes Legislativas, tem de mais alguma cousa, unem a qualidade de Cortes Legislativas a huma outra qualidade, qual he a de Cortes Constituintes; em consequencia estas Cortes, assim como tem nomeado os Ministros, podem depollos. Este Congresso será tachado de injusto se acaso depuzer algum Ministro, de quaesquer Repartições, sem rasão; mas nunca poderá ser tachado de injustiça se depuzer qualquer Ministro com rasão, ou por assim o pedir a utilidade Publica; pois que tem direito para o fazer. Restringindo-me ao caso actual, digo: que huma vez que o Ministro dos Negocios do Reyno tem perdido a confiança Publica, huma vez que elle a não tem, he necessario que, em conformidade da Acta, seja aqui chamado hum dia; que este se assigne, que se fação estas ou aquellas increpações; que destas se forme hum Relatorio, que o Ministro se defenda; e se á vista desta defesa o Congresso achar que elle deve continuar, continue; e senão que o destitua. Se pela continuação do tempo apparecerem crimes, alem daquelles necessarios para o destituir, que então, independente da destituição se forme culpa; não por hum Tribunal tirado dos Membros deste Congresso, mas por hum Tribunal que se nomeie e estabeleça para este fim.

O senhor Moura. - Será demittido o Ministro sendo ouvido: convenho, não quero insistir neste assumpto. A moção do senhor Guerreiro he inadmissivel por todos os principios: he huma Ley das Bases que os Deputados são inviolaveis nas suas opiniões. O que quer dizer ser inviolavel? he nunca ninguem lhe pedir contas do que disse. A isto pois restrinjo só as minhas observações, e quanto ao mais sou de accordo, com tanto que se verifique o principio que tenho tantas vezes enunciando, de que o Ministro não deve ser demittido sem ser ouvido.

O senhor Guerreiro. - Como o Congresso tomou as disposições de que fallou o senhor Freire, he inutil a minha moção.

O senhor Fernandes Thomáz. - Quando o Congresso tomou aquella deliberação, de que fallou o senhor Freire, na manhan que se leo a Acta eu quiz oppor-me; são testimunhas o senhor Borges Carneiro, e o senhor Baeta, que não consentirão que eu me levantasse para me oppor; por isso mesmo que era hum principio oppòsto ás Bases da Constituição.

O senhor Bastos. - Eu reclamo contra a Acta.

O senhor Fernandes Thomáz. - Eu porque assim fallo, he para que não se estabéleção principios contra as Bases, e para que se me não tape a boca. Eu não quero requerer a remoção de tal Ministro, ou tal; mas o que quero he ter a liberdade de poder dizer - o Ministro não obra bem, nisto ou naquillo, a Regencia não obra bem, nisto ou naquillo.

O senhor Castello Branco. - Pois nós havemos de estar trabalhando para estabelecer hum modo mais livre de eleições, havemos de estar procurando meios para que as eleições sejão livres de toda a influencia, e hade-se procurar tapar a boca a cada hum dos Deputados do Congresso? Supponhamos que eu digo huma loucura, perderei a opinião Publica, porque a minha loucura apparecerá no Publico; e he a maior pena que eu posso soffrer, e com rasão; e não quererei que se lancem na Acta cousas contra vontade dos individuos do Congresso, e da minha.

O senhor Presidente. - Não se podião lançar na Acta cousas contra a vontade do Congresso, se se lançou o que disse o senhor Freire, he porque o Congresso assim o determinou.

O senhor Castelto Branco. - Não sei se me escapou alguma palavra que podesse dar occasião a essa advertencia; eu longe de me lembrar de que alguem fosse capaz de lançar na Acta cousas que não se tivessem decidido, estou muito bem certo do contrario; por isso todas as minhas reflexões são a reclamar do que se decidio.

O senhor Ferrão. -Tem se expendido principies geraes. O caso particular do Ministro he o de que se trata. Eu ouço dizer aqui a todos os Illustres Preopi-nantes que elle he limpo de mãos, e eu sei particularmente que elle he trabalhador; e talvez custe a apparecer outro que seja mais capaz de trabalhar do que elle. Em geral, o que tem he (como já disse) não ser palaciano: se elle fallasse a todos com muito agrado, eu protesto que elle era hum óptimo Ministro: e sem duvida a rasão porque elle perde a opinião publica he porque hão he palaciano.

O senhor Borges Carneiro. - Será bom que venha a Acta que mencionou o senhor Freire, para o Congresso ver o que nella se decidio.

O senhor Feire leo a Acta.

O senhor Fernandes Thomaz. - A Acta reduz precisamente o caso a que o Ministro seja chamado. Póde acontecer que isto se não possa verificar, e então ficamos com a boca tapada.

O senhor Freire. - Julgão que chamar hum Ministro ao Congresso he hum castigo? Eu assento que não, antes pelo contrario, que será muito decoroso.

O senhor Fernandes Thomaz. - Não me expliquei bem certamente. O que eu digo he, que tem acontecido algumas vezes que hum senhor Deputado queira que se chame o Ministro para dar conta deste ou daquelle negocio, e o Congresso decide que não se chame o Ministro. Assim fica prohibido o chamar-se o Ministro, e poder reflectir sobre as determinações da Regencia. Alli diz-se que não he permittido fazer accusações contra a Regencia, porque quando for necessario se deve chamar o Ministro, quando houver requerimento de hum Deputado deve elle vir, ou não?

O senhor Presidente interrompeo. - Deve vir o Ministro quando a pluralidade do Congresso o determinar.

O senhor Fernandes Thomaz. - Em fim tenho a infelicidade de me explicar mal! O Deputado quer que venha o Ministro, o Congresso diz que não venha, ahi fica o Deputado com a boca tapada: a alternativa he bem clara, e de qualquer dos modos: não he livre chamar aqui o Ministro, sem a vontade do Congresso: reflectir sobre a medida geral, não he permittido; logo não póde fallar, nem póde ter o recurso de chamar o Ministro.

Página 1047

[1047]

O senhor Borges Carneiro. - A Acta prohibe que não se falle da Regencia; mas qualquer pede expor o que quizer contra o Ministro sem este ser chamado? Não. Logo ha de precisamense concluir-se que seja chamado o Ministro, para depois fallar.

O senhor Fernandes Thomaz. - Eu já não quero direito de Deputado, quero direito de Cidadão, quero que me seja livre aqui o que he livre a todo o homem em Liboa, isto he que eu quero simplesmente, não quero mais nada.

O senhor Castello Branco. - Nós estamos com idéas não.....( Não percebi - diz o Tachygrapho Machado) mas no objecto. Hum homem era injuriado, hum homem perdia a sua reputação, quando era demettido de qualquer Emprego, agora as ideas são outras. Hum homem póde ser muito honrado, hum Empregado Publico póde ser muito capaz: entretanto ter huma unica rasão pela qual se lhe não póde confiar este, ou aquelle Emprego; nada perde da sua reputação, nada perde da sua fama, sendo removido; isto não he hum castigo, não he huma pena. Agora em quanto a ser nomeado pelo Congresso, posso votar n'hum individuo, tendo a confiança nelle, e depois perder esta confiança, sem ser por crime. Qualquer Empregado Publico póde perder esta confiança, e em consequencia dever ser demittido. Quanto ao que está lançado na Acta, tambem o não acho bom, nem sei qual seja o fim porque isto se lançou.

O senhor Borges Carneiro. - A Acta tem dous defeitos. Primeiro, obrigar a que o Ministro seja chamado. Segundo porque trata do que a Regencia fez, e não trata do que deixou de fazer.

O senhor Castello Branco.-Qual he a rasão porque se pôz esta prohibição na Acta? he porque parecia hum desproposito o contrario della, e para livrar hum Membro do Congresso de dizer huma cousa, que seria levada a mal. Isto he que eu não quero que se prohiba, porque o Deputado deve ter amplissima liberdade de dizer o que lhe parecer, porque dahi nada póde seguir-se; por quanto, ou elle falla segundo a rasão ou não: se falla segundo a rasão, será apoyado pela maioria da Assemblea, passará isto como huma decisão, e esta decisão será util, ou prejudicial aquelle a respeito de quem se faz: se foi desproposito, não he de crer que a Assemblea approve, e a Assemblea reprovará; por isso perigo nenhum se segue de que o Deputado falle. Quero que hum Deputado tenha a infelicidade de ser desacreditado pelas suas opiniões extravagantes. Quero que tenha essa liberdade, nem de certo abusará della, porque todos tem os conhecimentos indispensaveis. Quero deixar a liberdade de dizer tudo o que parecer a qualquer.

O senhor Freire. - A rasão porque se lançou na Acta he porque nada ha que possa ter maior influencia no Publico, do que as increpações contra o Governo Executivo. O dizer vagamente " A Regencia he froxa, a Regencia he má, a Regencia deixa prevaricar os Ministros " isto tem sempre males. Eis a rasão porque se lançou na Acta similhante resolução. Agora as indicações particulares de que a Regencia, por exemplo, usou de huma medida abusiva, fez este, ou aquelle acto donde se seguem males, logo que este acto se verifique, de duas huma: ou deve ser destituida, ou punida. Eu mesmo sou de opinião que o Ministro dos Nejocios do Reyno, pelo que se tem dicto neste Congresso, não póde continuar no Emprego, porque não tem confiança alguma. A Acta que mencionei foi lavrada com muito vagar, leo-se com muito vagar, com muito cuidado. Dizerem alguns Illustres Deputados que se não quizerão oppôr contra a Acta, não entendo: o que sei he que, para evitar essa exaltação de espiritos, he que a Acta se lavrou assim; por tanto a minha opinião he que se conserve a doutrina da Acta.

O senhor Miranda. - Visto o que se tem dicto do Ministro dos Negocios do Reyno, de elle estar desacreditado, e ter perdido a opinião Publica, he necessario que elle seja demittido, ou que venha aqui dizer, e dar huma explicação do modo com que se tem portado; que faça desvanecer a opinião que se tem estabelecido contra elle.

O senhor Bastos. - Tenho notado neste Congresso hum não sei que empenho em restringir a liberdade dos Deputados. Tenho-o notado mais de huma vez. A comprehensão dos nossos poderes deve avaliar-se pelos nossos Diplomas. Nelles os Povos nos quizerão dizer = hide, dizei, fazei tudo aquillo que julgardes util á Nação. A Acta ao contrario nos diz - aquillo, que julgardes util á Nação não o façaes, não o digaes, se depender ou consistir em genericas imputações contra a Regencia.

O senhor Presidente hia a reflectir sobre este enunciado, e reincidio.

O senhor Bastos. - Observarei ao senhor Presidente o mesmo, que observou hum Representante de huma grande Nação em caso similhante. = O senhor Presidente perdoará: mas se quer tomar parte na discussão, deve descer dessa Cadeira. O seu officio he ... (ordem ordem ordem). Hum sabio da Europa, n'huma Assemblea maior que esta, disse o que eu apenas começava a dizer, não foi interrompido, não foi chamado á ordem, e eu porque o sou? Em quanto aqui os Deputados não forem livres, em vão trabalharemos por levantar o edificio da liberdade social!

O senhor Santos. - Não sei se eu serei obrigado a dizer em minha consciencia que ha rumores de que a Regencia se oppõe ás deliberações do Congresso? quero saber se o posso fazer, e se o devo fazer. Isto he huma proposta em geral, e ella he prohibida pela Acta.

O senhor Freire. - Pôde: mas objectos offensivos á honra do Governo Executivo, expostos vagamente e sem provas, não devem ser tratados senão em Sessão secreta. Porem como eu as reprovo por agora, e voto contra taes Sessoens, como odiosas e desagradaveis á opinião Publica, por isso me lembro do que está resolvido na Acta, e julgo que se deverá chamar o Ministro, como lá se acha determinado quando se exijão esclarecimentos.

O senhor Xavier Monteiro. - Pela letra da Acta não se podem fazer Propostos em geral, mas sim em particular: he como eu entendo a Acta. Não deve

***

Página 1048

[1048]

dizer-se " A Regencia he froxa, a Regencia não faz nada " do geral nada se conclue para o particular: mas agora dizer-se "O Ministro de tal Repartição abusou errada ou criminosamente " isto, neste determinado facto, não he restricto na Acta, e he muito justo; por isso acho a Acta boa.

O senhor Castello Branco.- Eu não approvo que sejão necessarios factos para hum Deputado poder fallar. Vejo faser-se a confusão mais estranha que se me póde offerecer. Diz-se que ha hum resultado perigoso de imputações vagas, para isto he preciso suppôr que o Congresso os approva, e não fazer differença entre vozes do Congresso, e dos Deputados. Eu torno a repetir, e já disse, que no meu entender não se segue prejuiso nenhum. Que prejuiso se póde seguir de huma opinião vaga? Poderá hum Membro do Congresso ter tanta influencia que obrigue a apoyar hum desproposito? Será tanta a influencia sobre a Nação que ella dê mais credito a hum homem do que á maioria do Congresso? Que importa que nos Periodicos se transcreva o que eu digo, se ao pé do meu discurso se hão de transcrever os discursos dos outros Membros, que hão de reprovar o que eu digo? Resulta daqui prejuiso algum? certamente não. Pôr isso requeiro que a Acta seja riscada na sua totalidade. Tambem me he necessario acclarar huma idea, e vem a ser, que não he indecoroso a hum Deputado ser accusador de hum Empregado Publico; assento que isto he o Officio mais nobre e o mais augusto, huma vez que com esta accusação se tem em vista o deffender a Nação.

O senhor Bispo de Beja. - Porque rasão este Augusto Congresso não poderá restringir a liberdade de fallar neste Congresso, prohibindo as accusações vagas? se ellas não são prejudiciaes, são inuteis. Ora, assim como este Augusto Congresso restringio a liberdade da imprensa, tambem póde restringir as accusações vagas, porque dellas não lhe resulta utilidade nenhuma.

O senhor Caslello Branco.-Eu perguntaria se Congresso com toda a Soberania que tem, lhe era permittido restringir as Procurações da Nação? A Nação diz-me " Advoga a minha causa, falla com toda a Liberdade" podem porventura restringir-se-me os Poderes da minha Procuração? parece-me que não. Póde o Congresso sobre todas as outras cousas fazer restricções, mas não nos Poderes que me forão dados pela Nação. A Nação quando me constituio seu Procurador, deo-me a liberdade de fallar, não se me póde restringir esta liberdade.

O senhor Sarmento. - Apoyo com todas as forças o que acaba de proferir o Illustre Deputado, o senhor Castello Branco. Longe de nós a lembrança humiliante de não fallarmos, como entendermos que devemos fallar; não só o bem da Nação, mas a sua dignidade exige essa absoluta latitude em os seus Representantes poderem expressar livremente os seus sentimentos. Olhemos para os Congressos das nações livres do mundo, e veremos a dignidade com que procedem seus membros. Nunca nos poderemos reputar livres e independentes se não quando os nossos Deputados tiverem a mesma independencia com que em Hespanha fallou o Deputado Moreno Guerra ácerca da barbaridade da invasão de Nápoles, e a energia com que o Lord Holland na Casa dos Lords, e o General Wilson, e Mr. Hutchinson na Casa dos Communs tratarão o mesmo assumpto. Quando alguem se sentir aggravado pelo discurso de qualquer membro creio não lhe ficará outro recurso senão o podello desafiar fora da sala; não vejo outro recurso.

O senhor Moura. - Accusar qualquer Empregado Publico he hum dever sacratissimo de hum Deputado, mas accusar com accusações vagas, he hir contra a natureza da Missão que a Nação nos dá. Que cousa hé accusar hum Empregado Publico vagamente? he dizer o que não he, he dizer o que não está na minha consciencia: por ventura a Missão da Nação he para dizermos o de que não estamos persuadidos? Que cousa he accusar hum Empregado Publico vagamente? he dizer "Fulano prevarica, mas não sei dar a rasão porque prevarica." Se isto he permittido, mettão todos os senhores a mão na sua consciencia. Poderá ser o dever de hum Cidadão accusar hum Empregado Publico, e dizer só " Este homem prevaricou, este homem he indigno, e não poder dizer ao pé disto a rasão porque he indigno, a rasão porque prevaricou? Estes os verdadeiros termos, em que não he permittido a hum Deputado accusar hum Empregado Publico; mas deve ser não só permittido o accusallo, senão obrigallo a fundamentar as prevaricações de que o accusar. \

O senhor Caldeira. - Peço a attenção do Congresso sobre as reflexões que passo a fazer. Não se pôde dizer que o Ministro tenha prevaricado, nós podemos estar certos da sua honra. Os negocios que ha naquella Secretaria todos sabem que são muitos, e por isso talvez que, dando áquelle Ministro hum Coadjutor, tudo fosse bem. A complicação dos negocios, o não estar ainda tudo na marcha ordinaria, o poderá desculpar. Eu estando naquelle emprego estimaria até que se me concedesse licença para vir a justificar-me de algumas increpações que se me fizessem, partindo do principio de que isto não póde ser indecoroso para elle. Nós hão devemos confundir crimes com impossibilidades. Os negocios accumulão-se muito: não acho possibilidade em hum homem só para attender a todos os negocios. Ainda que se remova hum, e ponha outro, hade haver a mesma impossibilidade. Todos desejão o bem, mas he necessario facilitar os meios.

O senhor Borges Carneiro. - Eu torno a dizer que o Ministro não he máo homem, he muito honrado, mas he frouxo, e por isso ou demittillo, ou pôr-se-lhe hum Ajudante: quererei que se dividão os negocios, o que for de administração de Justiça para huma parte, e tudo o mais para a outra.

O senhor Presidente. - Proponho em primeiro lugar, se os Requerimentos que apresentou o senhor Borges Carneiro devem ter o destino indicado por elle, ou seguir o que lhes for dado pela Commissão de Petições, a que devem remetter-se?

O senhor Miranda. - Para a Regencia não devem hir, em quanto se não decidir o caso do Ministro,

Página 1049

[1049]

A este tempo entrou o senhor Soares Franco, e pedio ser informado do que se tratava.

O senhor Borges Carneiro informou, e decidio-se - que os Requerimentos fossem remettidos á Commissão para lhes dar a direcção que entendesse.

Tornou-se a discutir sobre a Acta, e disse:

O senhor Pinto de Magalhães, que não se devia tomar já resolução sobre a Acta, pois que era huma Ley regulamentar, que se devia tratar com madureza.

O senhor Castello Branco oppoz-se a esta opinião.

O senhor Presidente propoz- se havia de tomar-se já resolução sobre aquelle artigo da Acta, ou se ficava adiado? e decidio-se que ficasse adiado para a Sessão immediata - E se devia marcar-se dia para comparecer o Ministro? ao que disse

O senhor Brito. - He preciso formar os artigos sobre que deve ser interrogado. A Commissão que está encarregada de ver o processo, que já cá está, he que deve formar os artigos.

O senhor Annes de Carvalho; - Quem accusou he que deve formar os artigos.

O senhor Borges Carneiro. - Ainda que o fim da minha moção de hoje não era esse, eu o farei por escrito sendo preciso.

O senhor Baeta. - He innegavel que o Ministro, tem perdido a opinião Publica, ou parte della; por isso a Assemblea póde hoje decidir: huma vez que lhe foi livre o escolher, assim lhe será livre admittir, se á vista de perder a opinião Publica elle deve ser ouvido.

O senhor Brito. - O illustre Preopinante suppôe que elle tem perdido a opinião Publica: eu sempre aconselharei que nunca se decida cousa alguma sem conhecimento de causa.

O senhor Moura. - A cousa tem chegado a termos que, vindo o Ministro a este Congresso, se ha de verificar huma de duas; isto he, ou elle ha de reduzir a poeira todos os argumentos contra a sua reputação, ou quando sahir já não ha de ser Ministro. O Publico está informado claramente do que se tem tratado neste Congresso. Ou militão ou não militão as accusações contra elle: se militão he consequencia necessaria que deve seguir-se a sua demissão: daqui não ha tergiversação. A minha opinião he que elle venha, e seja ouvido: se elle reduzir a poeira todos os argumentos que se lhe oppuzerem, que gloria! que credito não ganha! mas se os não destruir, quando descer as escadas desta Salla já não deve ser Ministro.

O senhor Borges Carneiro. - Peço que o dia que se assignar para a vinda do Ministro seja depois de a Commissão de Constituição ter dado o seu voto sobre os papeis que lhe forão confiados.

O senhor Freire. - Depois de o negocio ter chegado a este ponto, eu sou de opinião que não se deve demorar, nem metter dias de permeio.

O senhor Presidente propoz se devião apparecer as indicações por escripto?

O senhor Borges Carneiro. - Eu não tenho duvida em trazer essas indicações, ainda que este não era o meu fim (como já disse) porque eu o que queria era dar de comer ao pobre Mestre de Primeiras Letras, e que se attendesse á injustiça, que fazião os Magistrados: depois incidentemente vim a tratar do Ministro. Em consequencia, se quizesse promover a discussão, talvez não fosse obrigado a trazer as indicações por escripto; no entanto, huma vez que seja necessario, eu o farei.

O senhor Castello Branco. - Eu não terei tambem duvida de associar-me ao meu Illustre Collega o senhor Borges Carneiro, com muito gosto o farei sendo necessario; muitos dos Illustres Deputados seguirão o mesmo partido; entretanto acho a cousa mais indecorosa que o Ministro seja chamado para responder a accusações, e que seja, hum Membro da Assemblea que se levante, e se erija em Accusador da mesma Assemblea. O que vejo em todas as Assembleas da natureza desta, he, que se expõe os artigos da accusação, e que a Assemblea decide sobre elles; isto he, se elles são dignos de contemplação, se o Ministro deve ser perguntado sobre elles ou não. Decidido que os artigos são dignos de contemplação, que o Ministro deve ser perguntado sobre elles, julgo que se designa hum individuo da Assemblea para interrogar, não como Accusador de curiosidade, mas como sendo aquelle acto hum acto de ofiicio, sendo o In-terrogente o orgão da Assemblea: de sorte que se considere sempre que a Assemblea toda he que pergunta; e como não pode perguntar tumultuariamente, he hum dos seus Membros que a faz em nome della. Entretanto se o Congresso decidir o contrario, eu sou o primeiro com muito gosto que me associo ao Illustre Preopinante.

O senhor Presidente tornou a propor se devião lançar-se por escripto as accusações contra o Ministro dos Negocios do Reyno, e apresentar-se no Congresso para ser por ellas interrogado? decidio-se que sim, e que se apresentassem na proxima Sessão.

O senhor Borges Carneiro, dizendo que não podia comparecer, ficou de as enviar.

Fes-se chamada nominal e achou-se faltarem os senhores - Gyrão -Antonio Pereira - Canavarro - Bispo de Castello Branco - Trigoso - Jeronymo José Carneiro - João Vicente da Sylva - Ferreira Borges - Xavier de Araujo - Ribeiro Saraiva - Re-bello da Sylva - Paes de Sande= e estarem presentes 90 dos senhores Deputados.

Procedeo-se ás eleições, e em 1.° escrutinio por absoluta pluralidade de 51 votos, sahio eleito Presidente o senhor Moura.

Não houve no 1.° escrutinio pluralidade absoluta na eleição de Vice-Presidente, tendo por maioria o senhor Vaz Velho 29, e os senhores Castello Branco, e Trigoso 14 votos: pelo que entrarão em 2.° escrutinio os senhores Vaz Velho e Trigoso, e concorrendo com o senhor Castello Branco, sahio eleito por sorte com 55 votos o senhor Vaz Velho.

Sahirão eleitos Secretarios os senhores Felgueiras e Ribeiro da Costa por 57, o senhor Freire por 52, e o senhor Falcão por 48 votos - sendo-lhe immediatos o senhor Rodrigo Ferreira da Costa com 25, e o senhor Queiroga com 17 votos.

Página 1050

[1050]

O senhor Presidente antes de levantar a Sessão, deo os devidos louvores aos Habitantes desta Cidade, pela briosa maneira porque se tem conduzido, sobre o que pronunciou hum Discurso, findo o qual determinou para ordem do dia os Pareceres das Commissões, e levantou a Sessão á hora e mea da tarde = Antonio Ribeiro da Costa, Secretario.

Aviso.

Para o Conde de Sampayo.

Illmo. e Exmo. Senhor. = As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza Tem nomeado Presidente deste Soberano Congresso para o quinto mez José Joaquim Ferreira de Moura, Vice-Presidente José Vaz Velho, e Secretarios João Baptista Felgueiras, Antonio Ribeiro da Costa, Agostinho José Freire, e Agostinho de Mendonça Falcão: o que V. Exca. fará presente na Regencia do Reyno para sua intelligencia.

Deos guarde a V. Exca. Paço das Cortes, em 26 de Maio de 1821.= João Baptista Felgueiras.

OFFICIO.

Illmo. e Exmo Senhor. = Em observancia do Aviso das Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação Portugueza, na data de hoje, tenho a honra de re-metter, por ordem da Regencia do Reyno, a V. Exca., o Requerimento de Agostinho José Alves Pereira com a Informação do Desembargador Antonio Pedro de Alcantara Sá Lopes, para V. Exca. ter a bondade de o fazer presente no Soberano Congresso.

Deos guarde a V. Exca. Palacio da Regencia em 24 de Maio de 1821. - Illmo. e Exmo. Senhor Hermano José Braamcamp do Sobral.-Francisco Duarte Coelho.

ERRATA.

No Diario das Cortes N.° 85, a paginas 974, vem por engano intermeados entre os Officios dous Avisos que deverião ter vindo em primeiro lugar.

No Diario das Cortes N.º 87, a paginas 1004, no 2.° Aviso onde se lê - consulta este Soberano Congresso, assim se mostre necessario - deve lèr-se - quando assim se mostre necessario.

LISBOA: NA IMPRESSÃO NACIONAL.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×