O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 3419

DIARIO DAS CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS DA NAÇÃO PORTUGUEZA.

NUM. 251

SESSÃO DE 15 DE DEZEMBRO.

Aberta a Sessão, sob a presidência do Sr. Trigoso, leu-se, e approvou-se a acta da antecedente.

O Sr. Secretario Felgueiras mencionou os seguintes documentos;

Um officio do Ministro dos negocios do Reino, incluindo outro do Governador da ilha da Madeira, acompanhado de uma provisão, e outros papeis relativamente aos livros findos das paroquias daquelle bispado, que se remetteu á Commissão ecclesiastica do expediente.

Outro do mesmo Ministro, acompanhando uma consulta da Junta da fazenda da Universidade de Coimbra a respeito da jubilação concedida ao Doutor Antonio José de Miranda e Almeida, que se dirigiu á Commissão de fazenda.

Outro pela mesma repartição, exigindo esclarecimentos, a fim de poder processar-se a folha para pagamento dos respectivos Conselheiros de estado, assim como a dos Ministros e Secretarios de estado, que se mandou á Commissão de fazenda.

Um officio do Ministro da justiça, incluindo a conta, que da, de achar-se instalada a Commissão do novo codigo criminal, de que as Cortes ficarão inteiradas.

Outro do mesmo Ministro, remettendo uma informação do Juiz de fora de Guimarães relativamente á desgraçada localidade do hospital daquella villa, e da mudança, que propõe, que se remetteu á Commissão de saude publica.

Outro do mesmo Ministro, acompanhando varias relações dos reverendos Bispos de Elvas, Guarda, e Porto; assim como as do vigario capitular de Bragança, e do Governador do bispado do Algarve e das paroquias, e capellas publicas existentes em seus respectivos bispados, por qualquer modo exemptas da jurisdicção, que se remettêrão á Comnmissão ecclesiastica de reforma.

Outro pela mesma repartição, enviando os processos de varios réos, que havião sido pedidos por este Congresso, que se remettêrão á Commissão de justiça criminal.

Um officio do Ministro da marinha, remettendo dous officios da Junta do Governo provincial da provincia das Alagoas: o 1.° dando parte da sua instalação: e remettendo no 2.° o auto da eleição de provincia, e nomeação de seus Deputados.
Quanto á 1.ª parte, ficarão as Cortes inteiradas, e quanto á 2.ª, mandou á Commissão de poderes.

Outro do mesmo Ministro, acompanhando um officio do Governador da ilha da Madeira a respeito de emolumentos, que alli se costumão pagar pela repartição de saude, que se mandou passar á Commissão de saude;

Um officio do Ministro dos negocies estrangeiros, requerendo exclarecimentos sobre o destino de João, Raymundo de Barcellos, que do lugar de ajudante de Porteiro fora promovido para o de Porteiro e guarda livros da Secretaria dos negocios estrangeiros, em consequência da demissão de Diogo Uren, que agora se manda reintegrar, que se mandou passar á Commissão de Constituição com a copia da ordem a que se refere, e do parecer, em consequência do qual se passou.

Uma participação da Commissão encarregada do codigo criminal, dando conta de se achar instaladas e exigindo a remessa de varios documentos, e subsidios para coadjuvar os seus trabalhos. Quanto á 1.º parte, ficarão as Cortes inteiradas; e quanto á 2.ª que se expessão as necessarias ordens para que se verifique o que pede a Commissão.

Duas cartas de felicitação ás Cortes: uma da actual Junta do banco do Brazil: outra do reitor da freguezia de Escalhão, Luiz José Ferreira de Carvalho, que ambas se ouvirão com agrado.

Uma representação da Commissão das cadeias da

1

Página 3420

[3420]

comarca do Castello Branco a respeito das prizões dos militares, e regulares de ambos os sexos, que se mandou remetter ao Governo para prover como julgar conveniente.

Algumas observações por uma anonymo sobre a cadeira de latim, que pertende crear-se em Sernache do Bom Jardim, e sobre exemplos: e se mandou quanto á 1.ª parte, á Commissão de instrucção publica; e quanto á 2.ª, á ecclesiastica de reforma.

Uma representação do Juiz do Povo desta capital sobre a necessidade de reformar certas posturas do Senado, e de fazer observar outras, que se remetteu á Commissão de justiça civel com urgencia.

Deu igualmente conta da redacção do decreto sobre a venda dos bens nacionaes, que foi approvado com a declaração de que a data dos títulos seja pósterior a 1809.

O Sr. Secretario Freire deu conta do seguinte

PARECER.

A Commissão dos poderes tendo presentes as actas das provincias da Bahia, e das Alagoas examinou os diplomas de Francisco Agostinho Gomes, de José Lino Coutinho, de Pedro Rodrigues Bandeira, de Cypriano José Barato d'Almeida, de Domingos Borges de Barros, de Luiz Paulino d'Oliveira Pinto de França, de Alexandre Gomes Furão, e de Marcos Antonio de Sousa, eleitos Deputados pela provincia da Bahia; e os de Manoel Marques Grangel, de Francisco d'Assis Barbosa, e de Francisco Manoel Martins Ramos, eleitos Deputados pela provincia das Alagoas, e não encontra illegalidade alguma, ou motivo, que possa obstar a que os ditos Srs. Deputados sejão admittidos no soberano Congresso.

Paço das Cortes, aos 15 de Dezembro de 1821.

João Vicente Pimentel Maldonado, Rodrigo Ferreira da Costa, Antonio Pereira.

Foi approvado.

Verificou-se o numero dos Srs. Deputados, estavão presentes 91, faltando os Srs. Moraes Pimentel, Bernardo Antonio de Figueiredo, Sepulveda, Bispo de Beja, Bispo de Castello Branco, Lyra, Monim, Bettencourt, Araujo Pimentel, Van Zeller, Baeta, Ferreira da Silva, João de Figueiredo, Soares Castello Branco, Pereira da Silva, Guerreiro, Mandua, Faria, Sousa e Almeida, Ribeiro Santos, Martins Corrêa de Seabra, Isidoro José dos Santos, Martins Basto, Manoel Antonio de Carvalho, Borges Carneiro, Sande e Castro, Zefyrino dos Santos, Franzini, Araujo Lima, Roberto Luis de Metquito, e Bokman.

Entrou em discussão o artigo 9.º do projecto do banco. (Vide diario N.° 249.)

O Sr. Brito: - A utilidade deste artigo he evidente, e não póde ser contrariada por pessoa alguma, eu só queria dizer uma cousa, a respeito destas ultimas expressões, especialmente hypothecado, porque isto não concorda com a natureza da hypotheca especial, e causa grande prejuizo ao commercio: por tanto eu quereria se accrescentassem as palavras, na conformidade das leis, de outra maneira póde haver duvidas purque as nossas leis, tem estabelecido o modo das hypothecas, tem designado os direitos de preferencia, segundo a sua natureza: por tanto assento que se devem accrescentar infallivelmente, as palavras = na conformidade das leis

O Sr. Ferreira Borges: - O illustre Preopinante, oppõe-se a esta hypotheca especial, porque ella vai contraria às outras hypothecas dos bens dos devedores. Creio que esta he a unica razão que elle aponta, e julga que isto ha de vir a acontecer no nosso caso; porem os illustres Preopinantes devem reparar, que aqui não se trata absolutamente dos figurantes de letras, mas só dos acceitantes, e fiadores; não se trata nem dos sacadores, nem dos indossadores; he necessario pois ter em vista estas cousas, e, uma vez, que se repare nas pessoas de que se trata, ha de conhecer-se a pouca força do seu argumento. O acceitante obriga-se por um fundo, que se suppõe ter na sua mão. O acceite suppõe provisão. He a frase de um código de commercio. Conseguintemente he uma especie de depositario, porque quando eu saco sobre outro este contracto, suppõe que este homem tem lá um dinheiro que he mea, fica sendo uma especie de depositario, e por isso contrahe uma obrigação para comigo, á qual he mui coherente, que esteja anexa a uma hypotheca: ora como o banco tem de descontar letras, e regular a qualidade de pessoas, e hão de affiançar estes figurantes de letras, parece clausula annexa, a da hypotheca especial, para se ponhão a cuberto os fundos do banco, e uma voz que as Cortes lhe dão a protecção immediata, parece que he consequencia desta protecção, o vigiar, que os fundos não sejão arriscados, e elles são tanto menos arriscados, quando sobre as letras que se tomarem em desconto, se der uma hypotheca especial contra os bens destas duas castas de pessoas, acceitantes, e fiadores.

O Sr. Brito: - Se acaso o artigo faia das hypothecas estabelecidas por escriptura publica, então escusa-se ponderar isto como um privilegio, e então está em conformidade das leis; mas creio que não será isto do que se trata, que não será da assembléa do banco o restringir estes descontos das letras, he o caso que se julga. Assento mais, que se deve deixar ao arbitrio do banco o fazer as suas operações do modo que lhe parecer mais conveniente, porque ninguem reputo mais interessado que os accionistas, em fazer com proveito as suas operações.

O Sr. Ferreira Borges: - O illustre Preopinante parece que não leu ainda bem o artigo 9.°, porque se o lesse não faria taes reflexões. He necessario que o illustre Preopinante advirta que o banco ha de fazer ainda o seu regulamento; e por isso não se trata agora de restringir nada. Os directores são os que hão de propor o que melhor lhe convier, para sua utilidade, e para tornar menos expostos aos perigos os fundos do banco.

O Sr. Serpa Machado: - Eu não tenho duvida sobre a doutrina deste artigo, no entretanto acho equivoca a expressão das palavras: tacita e especialmente hypothecados. Por isso para evitar toda a equivocação, me parecia ser util que se dissesse: tucita e

Página 3421

[3421]

legalmente hypothecados; pois que deste modo talvez se attendesse ao que dizia o Sr. Brito.

O Sr. Moura: - Isto he exactamente o que os redactores tiverão em vista. A hypotheca que resulta de escritura he convencional; a hypotheca que os redactores quizerão introduzir he verdadeira hypotheca legal, esta he que não tem o credor de uma letra, porque o credor de uma letra de Cambio não tem hypotheca legal, he preciso introduzila de novo, he preciso dar aos accionistas do banco o respeito do seu credito, he preciso introduzir uma hypotheca que não coteja introduzida pelas nossas leis, esta que poderá dar-se a fim de fazer algum favor aos accionistas do banco. Se he necessario pois que os bens dos accionistas, de letras que elles receberem era troco do seu papel, fiquem especialmente hypothecados para o seu pagamento. Isto he que póde ser questão, se he necessario dar este privilegio ao banco apezar de ser exorbitante. Eu digo que sim. Os redactores do projecto tiverão em vista introduzir o privilegio da hypotheca legal a lavor do banco, porque he demonstrado que o banco, pela multiplicidade de capitães que faz entrar em circulação, produz effeitos mui saudaveis no estado actual das coisas. Se isto he assim, e se estas são as vantagens deste estabelecimento, he preciso que hajamos de convidar os accionistas, e nós não os podemos convidar senão com privilégios, porque se os constituirmos na qualidade dos mais credores, elles se hão de ver bastantemente implicados, logo se nós devemos prescindir das regras de direito, e dar-lhe um privilegio, ou fazer uma excepção a respeito delles, um dos maiores privilegios que poderemos introduzir a favor do banco, he dar-lhe a hypotheca pela maneira que expõe o artigo. O banco emitte notas promissorias, e que recebe elle? Recebe letras de cambio, e recebe papeis de credito. Ora que he preciso que contenha aquelles effeitos que elle recebe em troca dos que dá? Considerando em primeiro lugar que aquillo que elle dá são papeis de banco, são notas promissorias, realizaveis á sua apresentação, logo que qualidades devem ter os que o banco recebe em troco. As qualidades são claras, he preciso que os papeis sejão solidos, he preciso que sejão exigiveis, logo tudo que podermos introduzir a favor da exibilidade, a favor destes papeis, he muito necessario para facilitar as operações do bando. Isto porém he o que fax a hypotheca legal. A hypotheca legal dá ao banco toda a solidez, toda a exibilidade aos papeis que o banco recebe, e porque dá toda a solidez, he porque introduz a hypotheea legal de todos es bens daquelles devedores, estes ficão expecialmente obrigados á sua satisfação: acontece aqui o que não acontece com quaisquer outras letras de cambio, porque estas não introduzem a hypotheca legal nos bens dos devedores das letras a lavor dos credores, logo he necessario que demos este privilegio ao banco, porque sem privilegios he impossivel que o banco prospere. Estes privilegios são contra as regras de direito, mas entretanto he necessario que nós não olhemos aqui a todos os rigores das leis.

O Sr. Alves do Rio: - O illustre Preopinante preveniu o que eu tinha a dizer, o que accrescento só ao que elle não disse, he que não he necessario conceder estas hypothecas tecitas, porque as leis as tem concedido a muitas cousas; concedem-na ao que dá dinheiro para reedificar uma casa, ao que dá dinheiro para concertar um navio, etc. Tem tambem hypotheca tacita as letras de risco que se dão para a India, e assim á imitação destas se póde dar este privilegio ás letras do banco, alias seria inutil este estabelecimento do banco.

O Sr. Luiz Monteiro: - Segundo o que eu tenho percebido, quer-se dar ao banco o mesmo privilegio que até agora tinha a fazenda real. Julgo que se quer dizer que todas as letras que o banco desconta, quando não venhão a ser pagas, que o banco tenha a preferencia sobre todos os bens dos acceitantes ou dos fiadores, e por consequencia que fallindo estes acceitantes e fiadores, que na massa geral dos credores entra o banco em preferencia. Eu não posso conformar-me com este privilegio, porque he exorbitantissimo, primeiramente de que serve ao banco é aos directores delle terem todo o cuidado em escolher, bom papel e boas firmas, se elles tem este privilegio, he escusado similhante cuidado, e podem ter toda á indolencia a este respeito. Em segundo lugar, creio que por outro lado isto vai fazer um grande mal ao commercio, e mal de grandes consequencias. He já um mal muito grande o não sabermos quem tem hypothecas ou deixa de as ter, e daqui vem que algumas nações tem aberto registos de hypothecas, aonde todo o mundo vai ver o estado da pessoa com quem contrata, e entre nós, porque não ha isto, são os males incalculáveis: por tanto se isto se verifica em contratos ordinarios, que será em contratos de letras de cambio, em que se reproduzem todos os dias e ao infinito? Em fim, limito-me a dizer que este privilegio exorbitantissimo, contra as leis que existião, contra as Bases da Constituição, e contra os interesses do mesmo banco, que tornando assim sujeitos e suspeitos todos os que com elle negociarem, ou perderão o conceito do commercio, que difficilmente quererá negociar com elles, ou se o não quizerem perder serão obrigados a não recorrer jamais ao banco, para não incorrerem naquella desconfiança que os fará reputar menos solidos. Em Inglaterra, aonde ha um banco, não ha similhante privilegio; nem me consta que o haja em alguma outra parte.

O Sr. Ferreira Borges: - Todo o argumento do illustre Preopinante se reduz a que este privilegio he exorbitantissimo, que vamos fazer mal ao commercio, e que o banco que vai a ser privilegiado, se torna odioso. Eu direi só uma palavra. O illustre Preopinante sabe muito bem que Portugal he a unica nação, na qual não ha o privilégio de prisão contra os acceitantes das letras de cambio, e que he por isso que as nossas letras são as peiores letras de todo o mundo commercial. Tal he o effeito do assento de 74. Em todas as noções o acceitante que não paga letra vai á cadeia. Se igualassemos a jurisprudência de Portugal á de todas as outras nações, fariamos certamente um mal nas circunstancias actuaes, e por isso não expressámos aqui a prisão. Eu desafio a todos os illustres Preopinantes, a que me mostrem uma ordenança de cambio, em que se não admitta a pri-

Página 3422

[3422]

são. Agora qual he melhor, se a prisão, se o privilegio, o Congresso decidirá.

O Sr. Luiz Monteiro: - Inglaterra, em que fala o illustre Preopinante, não tem um privilegio como este, no entretanto tem a prisão he verdade, porém esta he commum a todos os credores, e por consequencia não he privilegio. Em quanto ao que diz o illustre Preopinante, das nossas letras serem as peiores, respondo que as nossas letras são as melhores do mundo. Todos os estrangeiros admirão a boa fé da nossa praça. As letras da terra até são tão respeitadas e bem pagas como as de cambio; e por isso attendendo á sua natureza e facilidade da chicana forense, nos faz tanta mais honra, o que he de todos bem conhecido e admirado. - Em fim tal privilegio me parece exorbitante, e destruir o seu mesmo objecto, e por tanto voto contra elle.

O Sr. Peixoto: - Eu preferiria á hypotheca proposta no artigo o estabelecimento da prisão, e que ella se comminasse ao acceitante da letra, que no dia do vencimento a não satisfizesse: As leis commerciaes devem ter um caracter mui particular; por isso que pareça iniqua a prisão por dividas, não se segue que não haja casos em que por excepção ella por justa causa se decrete contra algumas especies de devedores. Os commerciantes que não pagão uma letra que acceitárão, estão neste caso; ninguém os obrigou ao acceite sem contarem com fundos certos com que se livrassem; e se não se achavão nesse estado, não enganassem ao portador, expondo-o talvez ao risco de faltar em outra parte, e ás consequencias de uma quebra em sua reputação. Para se haver de prevenir taes accidentes, podem sem barbaridade comminar-se a prisão aos que forem comprehendidos em faltas desta natureza; visto que as transacções sobre letras correm debaixo da boa fé das firmas, e sem que essa boa fé se segure, quanto seja possivel, não póde o commercio prosperar.

Nos outros contratos he desnecessária igual providencia, não só por serem muito menos frequentes; mas tambem porque ordinariamente se fazem por escriptura publica com outras seguranças que lhes são próprias, e não ha iguaes consequencias pela falta.

Digo pois, que para ocaso das letras, revogue-se embora a lei de 20 de Junho de 1774, e restabeleça-se a prisão, porque, sendo beneficio geral para o commercio, delle não resulta prejuizo a terceiro; mas desista-se desta hipotheca, que com titulo de especial, affecta todos os bens, e vai em consequencia atacar direitos adquiridos, e até de alguma sorte inhabilita para contratarem aos sujeitos que forem devedores ao banco, pois faltará nelles a precisa segurança.

Concluo que de nenhuma sorte deve conceder-se tal privilegio, por odioso, e por sujeito a inconvenientes, que o beneficio feito ao banco não compensa.

O Sr. Moura: - Eu já disse quando falei a primeira vez sobre esta matéria, que isto era um privilegio, he um privilegio exorbitantissimo, mas a questão não he se o privilegio he, ou não exorbitante, a questão he outra, e questão de uma alta indagação, e vem a ser, se póde haver banco sem ter privilegio, eu já oiço responderem-me muito facilmente. Quem duvida que póde haver banco sem estes privilégios! Em se ajuntando, 2, 4, 6 mil acções, em convindo os accionistas em estabelecer um banco de soccorro, nomeando directores, organizando este estabelecimento, sem dependencia da autorisação do governo; temos estabelecido um banco, mas pergunta-se, he este o banco de que se trata. Alguns Preopinantes já forão vencidos na sua opinião, de que era necessario um banco publico, que he evidente, que elle consiste na aggregação dos fundos de certos homens, que se juntassem, mas que devia ser ligado com a autoridade publica, concedendo-se-lhe certos e certos privilegios, para que por meio destes privilegios adquirisse fundos vantajosos nas suas especulações. Portanto se nós não tratarmos de convidar este estabelecimento com privilégios que hajamos de lhe dar, então de balde estamos legislando a este respeito, na carreira de legislar, não he preciso que o banco seja objecso da autoridade legislativa, não he preciso que aqui tratemos disto, bastará persuadirmos a uns poucos de negociantes, a que o fação, a que se juntem, e constituão o banco, mas nós tratamos do estabelecimento de um banco publico: portanto a questão he, se consideradas as utilidades que nas circunstancias actuaes das cousas, póde ter um banco publico, para metter em circulação o numerário enferrolhado, e encaixado, se lhe devem conceder estes privilegios. Falha o numerario cumpre polo em circularão, dizem os publicistas: erija-se um banco, mas elle ou ha de ser resultado da vontade particular, ou da vontade publica, a sua organisação depende de um destes dois fins. Diz-se aos accionistas, vinde cá accionistas nós vos convidamos a que crieis um banco, que ponhaes os vossos capitães em circulação, ganhareis neste estabelecimento, porque nós vos fazemos intervir o prospecto deste ganho, havemos de vos dizer e indicar as vantagens, que são certas excepções ás leis geraes que queremos de proposito introduzir em vosso beneficio. Quanto ao alarme das bases da Constituição, ou aos privilegios a favor dos accionistas devem ser uma lei geral. O privilegio consiste em ser particular, mas que duvida póde haver em formar uma excepção a esta lei geral. As utilidades publicas exigem que se fação estas excepções, e sendo certo que ha uma grande utilidade publica no estabelecimento de um banco, que duvida poderá haver em se lhe concederem estes privilégios? Os privilégios são odiosos quando se concedem a uma corporação só para vantagem daquella corporação, sem que disto resulte vantagem publica, ruas este privilegio está aluado com a vantagem publica: uma vez demonstrado que ha esta vantagem publica, deve ficar tambem demonstrado que o privilegio se deve conceder: portanto o que eu pertendo agora, he chamar os illustres Preopinantes a esta questão, isto he, se póde haver banco nas circunstancias acluaes, sem que se lhe concedão privilegios, e privilegios da natureza que o projecto offerece.

O Sr. Castello Branco Manoel: - Estou persuadido que não pode estabelecer-se um banco sem se concederem alguns privilegios, todavia sempre me pa-

Página 3423

[3423]

rece muito excessivo o privilegio de que se trata, pois que por elle vamos fraudar os direitos dos credores; o que virá a causar um prejuiso gravissimo ao commercio, além de que todos os negociantes presumem-se de boa fé mas ha muitos de má fé: no entanto um póde mancomunar-se com outro, só para defraudar os outros credores, e então havemos de conceder um privilegio tão exuberante a favor do banco com prejuizo de muitos credores, ás vezes? Portanto julgo necessario sempre algum privilegio, mas parece-me que se não deve conceder um privilegio tão excessivo.

O Sr. Alves do Rio: - Peço a palavra para responder a alguns Preopinantes que tem dito que a concessão deste privilegio póde perturbar todos os credores anteriores. Pergunto eu: he permittido a qualquer devedor que tem muitas dividas a poder fazer hypothecas especiaes? Parece-me que sim. Pois supponhamos agora o mesmo caso, um homem póde ir a casa de um tabellião, e fazer uma hypotheca especial segundo lhe concede a lei, o mesmo acontece cá com pequenas differenças.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Eu disto de bancos não entendo nada; nunca estudei esta matéria de sorte que possa falar nella sem medo de errar. Já se venceu que he útil, e conveniente que se estabeleça um banco, e eu tão bem entendo que será de grande utilidade pelas grandes facilidades que traz ao commercio, pelo incalculável beneficio de dar credito ao papel moeda, e concorrer para a sua extincção. Estou tão bem persuadido de que não póde haver banco sem certos privilégios, certas utilidades, e vantagens a favor daquelles que hão de dar dinheiro para elle, porque não serão tão inexpertos os accionistas, que queirão assim entrar no banco, e entregar os seus fundos e bens, sem mais vantagem do que elles podem tirar em sua casa. Por tanto he de necessidade que haja um banco, e he de necessidade que este banco tenha privilégios e vantagens. Parece-me porém que daqui não se póde srguir que deverá ser antes este privilegio do que aquelle, ou antes um do que outro, e que he da prudencia do Congresso combinar os interesses dos accionistas com os interesses geraes do commercio, e da Nação, para que não succeda, que com o fim de procurarmos o bem da Nação por uma parte, vamos a fazer a desgraça della pela outra. Este privilegio das hypothecas (nisto posso eu falar porque he do meu officio) parece-me que he exorbitantissimo. As razões já se expenderão, e ha outras muito obvias, e que saltão aos olhos de todos. Supponhamos com effeito que um homem hypotheca seus bens, e que depois vem a fallir, e sendo negociante matriculado apresenta-se no juizo dos fallidos, desaparecem então todas estas hypothecas, e em consequencia digo eu, de duas uma, ou esta hypotheca, que se quer dar aos accionistas do banco he uma hypotheca como contrahe qualquer homem que não he negociante, e então isto não he privilegio, porque os accionistas concorrerão no juizo dos fallidos, aonde hão de ficar sujeitos a entrar no rateio; ou então seda uma preferencia ao banco para tirar da massa a sua divida total, e nesse caso atrevo-me a affirmar, que os males serão incalculaveis.

A minha opinião he pois que nós convidemos os accionistas com privilegios ainda maiores do que diz o projecto, se he possivel, porque realmente convém que se estabeleça um banco com vantagens, mas que sejão vantagens que não causem mal á Nação. Diz-se que esta hypotheca he muito necessaria, para que com effeito o banco tenha a certeza do pagamento das suas letras; mas acaso não se vê que são mui ponderosas as desvantagens que resultão contra todos os que concorrem á massa do fallido? Por ventura póde isto combinar-se com as leis que tem estabelecido hypothecas esppciaes a respeito de certos credores, hypothecas que são attendidas no juizo dos fallidos? Por exemplo, um credor que deu dinheiro para a construcção de uma casa, não pede toda a razão, e justiça que prefira a todos os outros credores, por isso que se elle não desse aquelle dinheiro não se construiria a casa? Não succede o mesmo no que dá dinheiro para a compra, ou concerto do navio, na soldada do marinheiro que navegou nelle para o conduzir ao porto do seu destino ? De certo. Mas as mesmas razões de justiça faltão a respeito deste privilegio que se quer conceder ao banco, porque dá o dinheiro a quem o póde ir jogar, ou empregar em uma negociação reprovada, ou pelo menos não privilegiada. Parece-me por tanto que tal privilegio produz ao commercio males incalculaveis, e que por isso não se deve conceder.

O Sr. Varella: - Não me posso accomodar com esta hypotheca especial. A hypotheca do que reedefica umas casas, e outras de igual natureza que já mencionou o Sr. Alvez do Rio são legisladas por objectos fixos; aqui ha uma hypotheca especial, mas não sei a que se accommoda esta palavra especial; se he a hypotheca dos bens havidos e por haver verificados ao infinito acho duas duvidas: a primeira duvida he, em dizer o § que ficando os bens dos acceitantes e fiadores especial e tacitamente hypothecados, e ter aqui ouvido dizer que os indossadores não erão responsaveis. Ora pergunto eu se o ultimo indossador de uma letra de risco for fazer o pagamento della a transferir a outro indossador, como póde elle transferir este direito de hypotheca contra o primeiro indossador, e acceitante della? Assento que o não póde fazer, porque dezappareceu o previlegio concedido particularmente a respeito do banco; de contrario todas as letras poderão passar por este meio. Eu creio que as opperações do banco consistem não só no desconto das letras circulantes; mas ainda das que hão de ser indossadas, por ser isto progressivo das transacções. Neste caso o primeiro acceitante da letra prestou sómente a sua firma com obrigação geral a que está responsável. E porque razão depois por uma transacção de um terceiro se hade impôr a outro uma obrigação em seus bens, quando verdadeiramente elle não estipulou-com elles. Parece por tanto que em consequencia não se deve estabelecer o direito de hypotheca a favor de todos, quando muito deveria ser sómente a respeito do ultimo que contractou, e não a respeito dos outros.

O Sr. Peixoto: - Poucas palavras digo, e vem a ser: que este privilegio tendendo a estabelecer o

2

Página 3424

[3424]

credito do banco, iria a destruir a fé publica dos contractos, e transacções da, praça. He por esta face que elle deve ser visto.

O Sr. Xavier Monteiro: - Tem-se largamente dissertado sobre a hypotheca especial julgando-se um previlegio exorbitantissimo. Quero observar primeiramente que este previlegio ao principio da questão não se julgou tão importante como se julga agora. Não he sem dúvida, o fim para que foi instituído este previlegio aquelle que julgão muitos Preopinantes, mas sim outro. O fim para que foi instituido este §. foi para dispensar o banco de fazer unia escriptura publica. Ora quem poderá negar um tão pequeno previlegio ao banco? Tem-se atracado o banco tanto aqui como fora, uns dizendo que elle não tem, privilégios alguns, outros que aquelles que se lhe concedem são exuberantes. Eu desejaria que a verdadeira doutrina se conhecesse, isto he, que o banco tenha privilegios necessarios para, a sua subsistencia. O banco tem além disto um fim particular, qual he, a amortização do papel moeda, e devo, lembrar ao Congresso que uma das discussões anteriores, fez com que o papel moeda descesse de 22 a 18, e que he necessario não desmanchar isto. Hontem já na praça ninguém queria, vender papel e todos querião comprar. Por, tanto, se o Congresso quer desmanchar isto, vá derrogando os privilegios.

O Sr. Presidente perguntou se o negocio estava sufficientemente discutido.

O Sr. Pinto de Magalhães: - Disse, que visto ser o negocio de tanta importancia desejava lembrar uma das objecções do Sr. Luiz. Monteiro, a qual lhe parecia não estar ainda suficientemente discutida. Isto he a objecção por onde o mesmo Sr. Monteiro fazia ver, que o privilegio concedida ao banco era prejudicial ao mesmo banco, e era prejudicial ao giro do commercio.

O Sr. Moura: - Pois eu me encarrego de responder a esta objecção. Devemos examinar primeiro em que consiste a exorbitância do privilegio: que elle he privilegio, não ha duvida nenhuma, e diz a rasão porque os que argumentão contra o privilegio tem uma vantagem , e os seus argumentos a pezar de não terem tanto fundamento adquirem uma especie de superioridade. Diz o Sr. Luiz Monteiro, mas este privilegio he odioso, he prejudicial ao banco, he prejudicial ao giro do commercio, porque sabe-se que o negociante foi descontar uma letra ao banco , e eis ahi o anathema ao credito dos negociantes; e porque? Porque todos os seus bens se achão especialmente hypothecados; e porque ha de pagar primeiro ao, banco. Mas não he nisto que consiste a difficuldade. A difficuldade consiste em saber que credito merece aquelle negociante aos mais negociantes, da praça, porque que me importa que elle tenha os seus, bens especialmente hypothecados ao banco, se se souber que elle além destes bens tem ainda outros muitos, e grande credito com que se lhe fia ainda mais, e não seca isto facil de saber? Uma Praça, sabe-se pouco mais ou menos qual he o negociante que está mais accreditado, o que tem mais bens, o que tem menos bens, por tanto não posso considerar em que este privilegio seja nocivo ao commercio. Por tanto em quanto se me não demonstrar pelos, illustres Preopinantes as desaventagens que se seguem do estabelecimento de um banco, eu não mudarei de opinião; e no entanto o que requeira, he, que os illustres Preopinantes me mostrem as desaventagens que se seguem deste privilegio, pois que ainda não as vi demostrar.

O Sr. Ferreira Borges: - Pede um dos illustres Preopinantes, que eu mostre que a Concessão deste privilegio nem he odiosa ao commercio, nem he obstativa do commercio do banco. Na força dos discurssos que lenho ouvido tem-se suposto que o portador da letra he acceitante da letra, porque não devemos perder isto de vista. Aqui trata-se sómente de acceitantes e fiadores, e tem-se confundido alguma couza talves por se não conhecer o andamento destes contractos. Parece necessario, pois discorrer alguma couza sobre este objecto, fazer a descripção do processo de uma letra quer de cambio, quer da terra, quaes os directos que adquire o banco, e a responsabilidade dos acceitantes. Um homem de Hamburgo por exemplo passando uma letra contracta desta sorte: recebe do portador o valor, e diz a João de Lisboa, pagará á ordem desse homem com quem contracta a quantia de tanto recebido ou fiado. - Este homem, assina a letra e chama-se saccador, porque sacca os fundos que tem nas mãos do saccador: este que pega da letra, manda a primeira via, e esta primeira via vai a ao ceitar, e fica-a guardando até que chega, o prazo do vencimento, e venha a segunda via. Esta vai correr seu giro, cujo andamento nunca póde marcar-se e vem por fim cair á mão de um que tem direito a resgatar a primeira letra acceita na mão de um particular indicado -
Vem esta letra pois com 300 endosses, chega aqui, e o portador della que adquirio pelo ultimo endosse não podendo esperar um mez que resta para o vencimento do dinheiro, vai ao banco, e diz: vós quereis-me comprar esta letra; então se respondeu que sim, elle lhe pós outro endosse e diz: pague-se á ordem dos directores do banco. O banco fica com esta letra na mão, e como qualquer outro negociante tem direito contra o acceitante, por isso mesmo que he obrigado para com qualquer, e tem contrahido a obrigação de constitua pecunia; já se vê que o acceitante não contractou nada nem contracta com o ultimo endossador, nem com o banco, elle contracta sim com o saccador que he quem tem os fundos de que elle he um depositario. O banco querendo accionar vai pedir-lhos, e diz: daime cá os vallores a que vos obrigastes há tanto tempo. Ou os dá, ou não os dá. Se o acceitante, os dá acabou-se o contracto; e se os não dá, protesta a letra, e este protesto obriga aos indossadores. Ora o banco póde ir contra os acceitantes ou qualquer dos outros, mas, uma vez que o banco recebe o importe da letra de um indossante devolve-se o direito ao que quem recebe contra os indossantes precedentes ao pagador. Que importa o privilegio dado contra o acceitante ou obrigado já constituia pecunia? Importa que elle em concurso de hypothecas geraes prefira a qualquer hypotheca geral, e em concurso do hypothecas especiais não prefira a ninguém. Ora que mal faz isto ao commercio? Nenhum. Se o contrato fosse

Página 3425

[3425]

às avessas, isto he de Portugal para Hamburgo, quando o banco descontasse a letra ella não fosse paga, e fosse reenviada, que mal extraordinario resultava daqui? Nenhum. Em não sendo paga lá, cá estava obrigado o indossador. Por tanto isto não faz mal aos figuramentos das letras, não faz mal ao portador, nem ao banco, e numa palavra escusado he legislar sobre a prudencia dos directores do banco. - Eis pois o que succede nas letras de cambio, a respeito das quaes aquelles dos illustres Preopinantes, que conhecem o giro de letras no commercio não insistirão muito; no que insistirão mais foi a respeito das letras chamadas da terra; direi o que importão estas letras da terra. Estas importão o mutuo, a compra e venda, ou qualquer outro contrato que se celebre por uma forma dê escrito a que se chama letra, que não he dissimilhante da forma da letra de cambio, e tem dellas a unica differença, de que nas letras de cambio he essencial a remessa de praça a praça. Em todo o caso as letras da terra abrangem um contrato obrigatorio, e constituem um principio de obrigação. Logo não póde dar-se-lhe o nome de contrato passado, como se explicarão os Preopinantes, porque sempre o ha real, havendo sempre obrigação delle derivada. A vista disto porque não ha de ter o banco a hypotheca especial que lho dá o §.? A lei (diz-se) mareja que nas falencias não haja preferencia: concedo. Não tenha o banco no caso de falencia uma preferencia; mas sempre verificar bem esta falencia: cumpre verificar bem os requisitos da lei de, 1785, haja para o banco a mesma legislação, que ninguem trata de alterar.

O Sr. Fernandes Thomaz: - O illustre Preopinante não deu pezo algum ás outras objecções. Eu desejava que elle me respondesse tendo intenção aos principios de justiça. Pergunto eu, n'uma fallencia de qualquer negociante hão de todos os credores perder o seu direito particular para beneficiar o banco? He necessario que se estabeleça um banco, he necessario que se lhe dêm privilegios. Ainda mais este banco he para extinguir o papel moeda, tudo isto he necessário, he justo, e para se conseguir o bem da amortização do papel moeda, he muito interessante que ao banco se dêm privilegios. Mas se o bem he a favor de todos, seja o todo que soffra os encorar todos e não parte delle. Mas que vejo eu n'uma fallencia? Vejo uma só classe soffrer estes encommodos, vejo por causa do banco ficarem muitos privados daquillo que he seu. Por ventura, o rateio que a lei manda fazer entre todos os credores não he fundado em justiça? Se he justo que aonde ha pouco, ou muito se reparta por todos igualmente; porque se ha de pagarão banco em primeiro lugar, e não ha de elle entrar no rateio? Diz-se; porque assim o pede a utilidade publica, pois então bem, se assim o pede a utilidade publica que se conceda um tal privilegio ao banco, então o que eu digo he, que em lugar de tantos por cento se lhe dê mais um, ou dois por cento porque isto he pezo que recae sobre toda a Nação, e não sobre os negociantes que concorrem áquella fallencia. Em supponho que isto he de justiça; porque peza sobre todos, e o privilegio recae, pelos prejuisos que faz sobre aquelles que o acaso quiz que por utilidade publica, pela sua, e pelo bem geral do commercio negoceassem com o fallido. Diz o illustre Preopinante, que a respeito dos fiadores não acha duvida em que os seus bens ficão logo hypothecados, e que elle considera só algum embaraço a respeito dos acceitantes. Mas eu, não posso entender como elle suppõe mais obrigação no fiador, do que no devedor principal; porque sendo a fiança uma obrigação accessoria, não póde ser mais onerosa do que a obrigação a que accede, e em consequencia acho tanta injustiça a respeito de um, como a respeito do outro; e eu não posso jamais conformar nem persuadir da conveniencia de uma medida, quando ella vai atacar os principaes fundamentos da justiça.

O Sr. Arouca: - Eu peço, que não argumentemos nunca com os principios rigorosos de justiça; porque he necessario que nós nos recordemos, que nenhum privilegio se une com estes principios de rigorosa justiça, porque então he o mesmo que dizer, que estes argumentos provão demais. Diz-se: os privilegios que se concedem no §. 5.º não tem comparação com os privilegios que se concedem neste §. e nos seguintes; porque nos seguintes he verdade que se concede um privilegio, mas um privilegio que redunda em beneficio do banco, mas não em prejuizo delle, e neste §. se concedem privilegios inteiramente oppostos a estes, e inteiramente oppostos aos principios de justiça; mas eu advirto aos illustres Preopinantes que se havemos de argumentar com principios de rigorosa justiça, então não fazemos nada, porque todos os privilegios de alguma sorte offendem estes principios de justiça. O remedio que se pertende dar substituindo os 4 por cento, ou 5 por cento he peior que o mal. Quanto mais que o privilegio estabelecido no paragrafo se concede pelo beneficio muito importante que a utilidade publica tira daqui, e devemos advertir que quando se concede desde já ainda se não offende direito nenhum, não se offende direito algum antecedente, nem tambem se offende uma classe. Por tanto não podemos argumentar com principios de rigorosa justiça sobre materia tão importante, porque estes principios não podem já mais ter aqui lugar.

O Sr. Peixoto: - Quando o illustre Preopinante o Sr. Alves do Rio acabou de falar, começava eu,, dizendo, que o seu argumento era contra producentem: fui interrompido; e não duvido agora repetir o mesmo.

He verdade, que qualquer negociante, não ignorando a disposição desta lei, uma vez, que não queira sujeitar ao banco os seus bens; póde não firmar, e não acceitar letras; ou acceitando-as, por-lhes expressamente a clausula de não haverem de ser descontadas no banco. Mas este argumento, que prova? Senão, que uma tal hypotheca occasiona desconfianças, e incertezas, que por força hão-de paralizar as operações commerciaes? Bem se sabe que o Commercio não soffre impunentemente obstaculos; e que suspendida a sua acção, está perdido.
Outro illustre Preopinante, o Sr. Moura tentou responder á objecção lembrada pelo honrado Mem-

Página 3426

[3426]

o Sr. Luis Monteiro, e reproduzida por outro honrado Membro o Sr. Pinto de Magalhães; mas ao meu ver, não satisfez: tornou um extremo para livrar-se do corpo, e da força do argumento. Disse elle; que qualquer negociante podia mui bem conhecer o estado das casas de commercio, de quem sem risco confiaria; affirmando, que as havia superiores a toda a suspeita de falencia. Disto ninguem duvida: mas será possivel, que um negociante, que tem grande giro na praça restrinja o seu commercio a essas casas somente? Bem se sabe, que o numero dellas he mui diminuto, e que em Portugal se limitão a mui poucas as suas transacções na praça. Tomou pois o illustre Preopinante este extremo; e falsamente supoz, que qualquer negociante póde circunscrever dentro de um tão curto espaço a extenção da sua confiança: quando pelo contrario lhe he forçoso accreditar outras muitas casas de menos vulto, em quanto conservão a fé da praça: e quantas destas temos visto falidas? Poderião apontar-se algumas, nas quaes os capitalistas, mais acautelados reputavão mui seguro e seu cabedal. He este no commercio um risco inevitável, o qual se torna tanto menor, quantos mais são os bens, que o commerciante possue, pelos quaes segure aos credores, senão toda a divida, ao menos parte della no rateio, a que estão sugeitos em caso de falencia: a esperança porém do rateio de desvanecesse-se com a hypotheca expecial concedida ao banco, porque este vai preferir, e os outros credores, ainda que tenhão a prioridade no tempo só poderão entrar no resto, quando o haja.

Torna-se por outra parte contra producentem o argumento do illustre Deputado; porque se elle julga, que qualquer negociante está habilitado para conhecer o estado das casas de commercio, e quaes sejão aquellas, de que póde confiar-se; muito melhor conhecimento terão sobre esse ponto os administradores do banco, porque além daquillo, que a todos consta, sabem em particular, quaes tenhão sido, e sejão as contas de todos com o mesmo banco; e para fazerem negocio seguro, não precisão da hypotheca especial: muito principalmente gozando a singular vantagem, de serem obrigados a impôr aos portadores de letras as condições de seu regimento; e taes, que de negociante a negociante se não admittirião, por serem entre elles arbitrarias, e denotarem suspeita, que mancha a quem as acceita.

Sustento por tanto o voto do Sr. Luis Monteiro: e me persuado, que concedida ao banco tal hypotheca, ou a praça ha de arruina-lo, maculando com descredito a todo o negociante, que com elle tiver conta; ou elle ha de monopolisar em si o credito da praça, e causar ao commercio maiores prejuizos, que utilidades.

O Sr. Ferreira Borges: - Vejo que o Sr. Fernandes Thomaz me he opposto, porque suppoz, que a hypotheca tacita na hypothese da fallencia tinha uma preferencia; porém engana-se. Aqui não se fala em preferencia, a hypotheca que aqui se dá está no mesmo caso a respeito de outras quaesquer pessoas, que não forem banco.

O Sr. Brito: - Parece que os honrados membros estão de acordo comigo: eu disse ao principio que se devião accrescentar no paragrafo as palavras «na conformidade das leis.» Ora segundo o que acaba de dizer o illustre Preopinante, não póde haver duvida alguma de accrescentar as referidas palavras.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Sendo assim o que diz o Sr. Ferreira Borges já não tenho nada que me oppor.

O Sr. Moura: - Apezar do que disse o Sr. Ferreira Borges, eu reconheço os mesmos inconvenientes, e a razão he, porque se na primeira hypothese resultava o prejuizo de terceiro feito áquelles que havião de concorrer com o banco, nesta segunda hypothese se verificava o mesmo. Se a primeira medida he injusta , a segunda o he também. Por tanto eu quereria que, a não ser assim o que digo, qualquer dos illustres Preopinantes me mostre a differença de um a outro caso.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Pois eu a mostro. A differença consiste em que concedendo-se ao banco o privilegio que se lhe queria dar da preferencia no concurso á massa dos fallidos, faz-se uma injustiça, como está demonstrado, mas concedendo-se a mesma preferencia no concurso de outros quaesquer credores faz-se um acto de justiça: as razões são claras, e a primeira he porque se dá ao banco o direito que lhe resulta da sua hypotheca especial; a segunda porque neste concurso são attendidas as hypothecas pela sua ordem, e só ha receio depois dellas satisfeitas, e no concurso dos fallidos não se attende a taes hypothecas. O Congresso por tanto só concede ao banco o poder adquirir o direito de hypotheca por uma simples letra que assigna o devedor, quando pela legislação actual era precisa uma escritura publica; a letra tinha já com effeito a natureza de escritura publica, mas era para o modo do processo, e para outros effeitos. Fazer por tanto a letra mais privilegiada não prejudica a terceiro, porque o devedor que hypotheca por uma letra tambem hypotheca por uma escritura, se lhe não fosse permittido de outro modo, e se por este facilita muito as operações do banco.

Declarado suficientemente discutido, propoz o Sr. Presidente: 1.° se se approvava a primeira parte do artigo ate às palavras no seu regulamento? E se venceu que sim. 2.° Se a segunda parte deve conservar-se, ou seja como está, ou com alguma emenda, ou modificação? Venceu-se que se conserve com alguma modificação.

Forão em consequencia propostas differentes emendas; e sendo submettidas á votação, forão successivamente regaladas a do Sr. Ferreira de Sousa que erra Ficando os bens dos que com elles contratarem tacitamente hipothecados; nas esta hipotheca não lhe dará no concurso dos credores maior privilegio do que tem qualquer outro credor hipothecario. A do Sr. Varella - A hipotheca será sómente do que transigir immediatamente com o banco, ou seja o sacador, ou o ultimo indossador. A do Sr. Alves do Rio - Os bens do fiador, e do ultimo que negociar, e receber o dinheiro do banco ficão especialmente hipothecados. A do Sr. Macedo - Ficando tacitamente hipothecados os bens de todos áquelles que immediatamente

Página 3427

[3427]

negociarem com o banco. A do Sr. Serpa - Tacita, e legalmente hipothecados. E a

do Sr. Camello - Que se omitta a palavra especialmente. A final foi approvada a do Sr. Ferreira Borges, que consiste em accrescentar no fim do artigo 9.º o período seguinte: - Esta hypotheca não prejudica as leis que regulão concurso nas fallencias dos negociantes.

O Sr. Peixoto offereceu uma indicação, para que a hipotheca, concedida no artigo 9.º do projecto, não obste á reforma, que convinha fazer-se na legislação, sobre fallencias, e sobre hipothecas.

O Sr. Fernandes Thomaz: - Eu sou contra esta emenda, todas as leis que se estabelecem a respeito do banco devem ser fundamentaes. Se ellas se poderem pôr em duvida, então teremos que ninguem entrará para o banco; por tanto assento que isto se deve considerar como uma lei fundamental.

O Sr. Peixoto: - Nós temos a lei de 13 de Novembro de 1756 sobre as fallencias e quebras, mas ella de mui defeituosa precisa reformar-se. Não temos, como ha nas outras nações, lei de hypotheca; he indispensavel prover sobre uma e outra materia, e não o poderemos fazer livremente, senão passar a addição que propuz: por isso o que com ella unicamente pretendo he resalvar ás Cortes a liberdade de fazerem a tal respeito as leis, que mais uteis lhes parecerem, sem que os administradores do banco ou accionistas tenhão a faculdade de impugnarem aquella reformas que o bem publico dictar.

O Sr. Alves do Rio: - Todas as resoluções, que se julgarem a respeito do banco, devem ser firmes. Como isto he um contrato, e ha de ficar por vinte não deve haver duvida nenhuma na sua firmeza, nem se deve jamais alterar.

O Sr. Moura: - Eu convenho nisto mesmo: he necessario que as condições que vamos estabelecer sejão firmes a respeito do banco por todo o tempo da sua duração; porque de contrario poder-se-hia seguir que o banco no principio começasse a perder a sua confiança, o que devemos evitar por todos os modos.

O Sr. Peixoto: - Eu não pretendo que esta condição seja revogavel; quero que se sustente; e sómente te desejo que com ella se não dê aos directores e accionistas do banco um veto, que nos embarace, ou aos nossos successores, quando se haja de legislar sobre fallencias e sobre hypothecas. Não póde prever-se se as novas leis serão nesta parte favoraveis; ou desfavoraveis a hypotheca concedida ao banco; visto que não a elle, mas ao bem geral da Nação deverão attender e accomodar-se; mas o banco deverá sujeitar-se a ellas, assim como todos os outros estabelecimentos publicos: na das fallencias, por exemplo, poderá decretar-se que as mulheres dos commerciantes não gozem do privilegio concedido ao fundo dotal, como, segundo entendo, exige a boa fé do commercio; aqui temos que este artigo será favorável á hypotheca da banco; pelo contrario, ser-lhe-ha desfavoravel outro em que se decrete que as fallencias se qualifiquem mais pela substancia, do que pela forma; porque então ser-lhe-ha restricto a menor numero de devedores o privilegio da hypotheca.

Concluo que he indispensavel que a artigo passe com a adição, aliás ficaremos inhabilitados para legislar sobre dois objectos tão importantes.
Poz-se a votos a emenda do Sr. Peixoto, e foi regeitada.

Designou o Sr. Presidente para a ordem do dia a continuação do projecto da Çonstituição, e o decreto sobre fazendas da Asia.

Levantou-se a sessão á uma hora. - João Alexandrino de Sousa Queiroga, Deputado Secretario.

DECRETO.

As Cortes Geraes, Extraordinarias, e Constituintes da Noção portugueza, desejando dar toda a estabilidade á venda dos bens nacionaes, e plenamente consolidar o credito publico; decretão o seguinte:

1.º As arrematações de quaesquer bens nacionaes serão concluidas no mesmo apto, como as arrematações particulares, sem ficarem dependentes de alguma confirmação superior.

2.º A Commissão encarregada da liquidação da divida publica admittirá á liquidação ainda aquelles títulos posteriores ao anno de 1809, que forão exceptuados na portaria de 27 de Outubro de 1820.

3.° Fica por este modo ampliada a citada portaria, e revogada qualquer disposição contraria á do presente decreto.

Paço das Cortes em 15 de Dezembro de 1821. - Francisco Manoel Trigoso d'Aragão Morato, Presidente; António Ribeiro da Costa, Deputado Secretario; Agostinho José Freire. Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.

Para Filippe Ferreira d'Araujo e Castro.

Illustrissimo ,e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, sendo-lhes presente a representação dos lentes da acadamia da marinha cobre os gravissimos inconvenientes que resultão ao ensino publico, de que estão encarregados, pela summa estreiteza do lugar em que a academia se acha estabelecida: ordenão que se apronte um edificio com modo para estabelecimento daquella academia, mas que seja algum dos nacionaes, ou pelo menos um convento.
O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 13 de Dezembro de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para o mesmo

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, deferindo á conta, que lhes dirigiu a Commissão estabelecida em Coimbra, encarregada de organizar e propor ás Cortes o projecto dos Codigos, um de processo criminal, e outro de delictos e penas; ordenão que sejão transmittidos á mesma Commissão os trabalhos da Junta do noovo codigo, creada no principio do reinado da Senhora D. Maria I., que se acharem na Torre do Tombo, ou em qualquer das Secretarias

3

Página 3428

[3428]

d'Estado, a fim de que possa reunir todos os conhecimentos uteis sobre tão importante objecto, os quaes trabalhos serão restituidos apenas concluido seja o seu fim. O que V. Exca. levará ao conhecimento de sua Magestade.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 15 de Dezembro de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza ordenão que ouvido o Reitor Reformador da Universidade de Coimbra sobre o incluso requerimento do Doutor José Pessoa Monteiro, pedindo uma tença pelo cofre, da mesma Universidade em remuneração dos seus serviços, reverta o requerimento com a informação ao soberano Congresso. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 15 de Dezembro de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para José da Silva Carvalho.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, attendendo a que tem decorrido tempo sufficiente para que sejão vistos do publico os carceres da inquisição desde que se achão patentes em virtude da ordem de 27 de Setembro proximo passado: mandão dizer ao Governo, que se ha por sastisfeita a mencionada ordem, e que as portas da entrada dos ditos carceres se devem mandar fechar atá ulterior deliberação das Cortes sobre esse objecto. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 13 de Dezembro de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinárias da Nação portugueza mandão remetter ao Governo a copia inclusa porém designada da representação que a Commissão encarregada da visita e melhoramento das cadeias da comarca de Castello-Branco dirigiu ao soberano Congresso em data de 8 do corrente mez, a respeito das prizões dos militares e regulares de ambos os sexos, a fim de que o mesmo Governo providencêe como julgar conviente sobre o que for da sua competência, recorrendo sómente ás Cortes no que depender de deliberação legislativa, segundo a este respeito está já determinado em ordem, de 24 de Novembro proximo passado. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.

Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 15 de Dezembro de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Para Joaquim José Monteiro Torres:

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Geraes e Extraordinarias da Nação portugueza, sendo-lhes presente o officio de V. Exca. em data de 11 do corrente mez, informando em virtude da ordem de 7 deste mesmo mez sobre o motivo de não haver baixado a resolução da proposta que os lentes da academia da marinha fizerão em Outubro proximo passado para o provimento do lugar de substituto da mesma academia, vago por fallecimento de João Evangelista Torriani: mandão dizer ao Governo, que faça resolver a proposta dos ditos lentes para aquelle primeiro lugar que vagou, e proceda ao provimento dos mais lugares actualmente vagos. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Paço das Cortes em 13 de Dezembro de 1821. - João Baptista Felgueiras.

Redactor - Velho

LISBOA: NA IMPRENSA NACIONAL.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×