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Discurso que devia ler-se na sessão n.º 7 deste vol. pag. 76, col. 2.ª, lin. 66.

0 sr. B. F. da Costa: — Sr. presidente, regularmente nos acontece n'esta casa, que quando Se trata do ultramar lhe queremos fazer o summo bem, pretendemos leva-lo a maxima perfeição, ou deixa-lo estar como está; e como a primeira hypothese é impossivel, a segunda é a que se realisa, (Apoiados.) e o ultramar vae de mal a peior, como Iodas as cousas abandonadas. Eu louvo os bons desejos, os sentimentos nobres do illustre deputado que encetou o debate; mas é necessario ver as cousas por um prisma diverso daquelle de que elle se serviu. S. ex.' discorreu perfeitamente encarando as cousas em pura theoria, fez um discurso didáctico, mas se elle se transportasse ás provincias ultramarinas, Se contemplasse uni momento o seu estado lamentavel e lastimoso, se comparasse á que por lá vae com o que se propõe nó projecto de lei, por certo que não hesitaria um momento em approva-lo, e seria talvez o primeiro a defende-lo, não com os poucos recursos de que eu posso dispor, e que não acho na minha intelligencia, senão no meti sentimento, mas com aquella habilidade que todos lhe conhecem. Peço portanto desde já' perdão se ouso collocar me em frente do illustre deputado para combater os seus argumentos.

Sr. presidente, os engajamentos de colonos para o Brazil é um acto immoral, e os engajadores que praticam taes actos são por consequencia homens immoraes: o projecto de lei apresentado e aceito tal qual pela commissão do ultramar, reconhecendo [taes engajadores, vae auctorisar a immoralidade! É o principal e o mais forte argumento que se levanta. Agora pergunto eu: existe de facto os engajadores e os engajamentos? Existem. Então o que cria de novo o projecto? Dizem-me, legalisa-os. Sr. presidente, reconhecer a existencia de um facto e sujeita-lo a fiscalisação e penas será auctorisa-lo, será legalisa-lo? O codigo penal reconhecendo e fulminando o crime.de assassinato, auctorisa-o, legalisa-o porventura? Ninguem dirá que sim. E demais, ha alguma cousa de immoral em ajustar com um homem qualquer a colonisação?

Uma voz: — Has escravisar fraudulentamente um homem é immoralissimo.

O Orador: — Oh, sr. presidente! Que distancia vae do acto de engajar colonos a escravisa-los! Não se confundam as cousas. Levar colonos ao Brazil contratados para certo e determinado serviço, por certo e prescripto tempo, por um preço que livremente se ajusta entre as partes é um acto muito differente do crime que depois se pratica de abusar da boa fé do colono, e tendo-o já na sua terra, valendo-se da sua força, reduzi-lo á escravidão: este segundo facto altamente immoral, contra o qual me levanto com todas as forças é que é condemnavel, digno de repressão e severo castigo, e é para conseguir este fim que o projecto de lei quer vigiai, quer fiscalisar o primeiro acto licito, á sombra do qual se pratica o segundo crime. Hoje os colonos vão de todas as partes para o Brazil; aqui mesmo em Portugal, entre meio de gente que se présa de civilisada e que de certo o é, se vê torrentes de colonos que a despeito de todas as auctoridades afflue para o Brazil: ora o projecto de lei em discussão diz que uma vez que este facto se dá irremediavelmente, que uma vez que pela liberdade natural do homem ninguem o póde inhibir a que se ajuste a ir trabalhar por certo salario como colono em terra estranha, haja um registo do qual conste quantos e quaes são os colonos que sáem, para onde vão, quem os engaja, e que fim levam. Será isto auctorisar uma immoralidade?

Demais, o projecto tem mais um fim, e é de difficultar essa mesma emigração de braços das nossas terras para as estrangeiras, o que pretende possivelmente conseguir pelos emolumentos n'elle arbitrados, os quaes são destinados para um terceiro fim muito mais alto, muito mais nobre, qual o de reunir fundos para encaminhar a emigração dos europeus que hoje vae ao Brazil para as nossas possessões ultramarinas.

Sr. presidente, as nações que possuem colonias não têem só o direito de rele-las debaixo do seu jugo, porque mais fracas, mas tambem o dever; o nobre dever de civilisa-las, de melhora-las. Uma vez que Portugal não póde com os seus proprios recursos acudir ás suas provincias ultramarinas, ao menos não lhes inhiba para que ahi mesmo se criem recursos, por poucos que sejam, para que ellas se acudam a si mesmas. Sem o contado europeu, sem os seres intelligentes e laboriosos, que levem idéas e trabalho aos selvagens e sertões da Africa não ha possessões africanas, nem esperanças para Portugal; é já tempo de obrar, que muito e pomposamente se tem fallado bastantes vezes nas conquistas portuguezas, sem ainda se saír da inacção, da lethargia em que jazemos em respeito aos tropheus que nossos avós nos legaram. (Apoiados.) Accordae, ouvi ao menos esta fraca mas sentida voz que vindo da distancia de duas mil leguas vos brada com o coração nas mãos. Acudi ás provincias ultramarinas. Ali esta o vosso passado, e d'ali vos acena o vosso futuro. (Apoiados.) Ouvi, senhores, é já tempo.

«Mas o pagamento pésa sobre o pobre colono!» exclama o illustre deputado. Então, quer s. ex.ª que a emigração e o engajamento, esse acto que via inda ha pouco como tão immoral, se facilite?

Esses sentimentos humanitarios são sem duvida muito nobres, e honram s. ex.ª; mas na presente questão brigam um com o outro. Ou as engajamentos se não realisam em virtude do projecto, e então se tem feito um grande serviço mesmo segundo as idéas do illustre deputado, ou se realisam apesar do projecto, e n'este caso os lucros dão por certo para pagar o imposto, e se consegue o duplo fim de não só haver boa fiscalisação dos colonos que sáem, mas tambem o de se aproveitar d'este facto para realisar meios que possam substituir por outros, muito mais uteis, os da gente europea, acrescendo a isto a grande vantagem de se trocar a escravatura branca pela colonisação de nossas terras ultramarinas.

Porém esse imposto, que tão gravoso e pernicioso Se antolhava a s. ex.ª apesar de na realidade caír sobre o estrangeiro, pareceu-lhe muito pequeno para a colonisação; mas eu peço a s. ex.ª que attenda que o decreto de 30 de dezembro de i 852, a que se refere o projecto, creou outro imposto de colonisação lançado sobre as provincias ultramarinas, e não sobre a metropole; junte umas sommas ás outras, e verá que o rifão muitos poucos fazem muito, é bastante exacto.

Ainda ha outro motivo que assusta s. ex.ª, e vem a ser que os colonos não sabem regularmente o que resam os contra os que assignam. Ora peço licença para lhe dizer que este argumento prova ainda em favor do projecto: pois se os colonos fazem hoje taes engajamentos, sem que nenhuma auctoridade se ingira no seu exame, e pensando ter assignado uma cousa só no Brazil já depois de agrilhoados e colhidos na ratoeira conhecem que o eldoirado que lhes fóra promettido não se acha no contrato escripto, não é incomparavelmente melhor, que antes que elles partam, cousa que fazem agora clandestinamente ou sem fiscalisação, haja quem examine os contratos, lh'os faço comprehender, e manter? Isto é inquestionavel.

Eu não digo que o projecto seja a melhor obra que se podera fazer sobre este assumpto, mas que é mil vezes melhor que o estado actual estou profundamente convencido, e portanto voto por elle, pois não sou daquelles que quero tudo ou nada, quero antes pouco que nada.

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Discurso que devia ler-se na sessão n.º 7 d’este vol. Pag 78, col. 2.ª lin. 27,

O sr. B. F. da Costa: — Sr. presidente, se eu bem percebi a proposta do illustre deputado que me precedeu, ella tem por fim mandar o projecto a qualquer das outras commissões da camara, que não a do ultramar, a fim de examina-lo, e traze-lo de novo com o seu parecer. Se é assim, comquanto o nobre ministro que por parte do governo apresentou o projecto, e solicitou instantemente o seu andamento pareça concordar com o adiamento pelo que acabou de dizer, eu me opponho a elle com todas as minhas forças.

Sr. presidente, antes de a camara votar similhante proposta deve mandar á escola a sua commissão do ultramar, e antes de a ler eleito ou logo depois devia ter mandado examinar a habilidade e sufficiencia dos vogaes da commissão do ultramar relativamente aos negocios da sua competencia. Eu de certo saía reprovado porque confesso tenho mui curia intelligencia e pouca habilidade; mas os outros vogaes daquella commissão que vem assignados aqui, em que eu reconheço altas intelligencias, capacidades robustas, e muita pratica dos negocios ultramarinos poderiam ler provado que valem muito.

O illustre deputado auctor da proposta disse que não sabia se este projecto tinha sido mandado a essa commissão, porque se julgasse que nas outras se não encontraria sentimentos da humanidade! oh! sr. presidente... ' O sr. Nogueira: — Se me dá licença eu me explico. O que eu disse foi que não sabia a rasão por que este projecto pela sua natureza não devia só levar um parecer da commissão do ultramar, mas da outra commissão, por dizer respeito a principios de direito, e precisava ser apresentado á commissão de legislação ou a outra qualquer.

O Orador: — Sendo assim como o illustre deputado diz, não ha projecto algum que seja da competencia da commissão do ultramar; os negocios ultramarinas hão de pertencer ou a legislação, ou a fazenda ou a administração ou a qualquer dos outros ramos em que estão divididas as commissões d'esta camara em relação aos negocios de metropole, porque no ultramar ha tambem legislação, fazenda, administração, commercio, etc.; e então não ha projecto nenhum relativo ao ultramar que não devesse ira duas commissões, e melhor fôra supprimir-se a commissão de ultramar ficando a cargo das outras os negocios daquellas provincias; até mesmo isto seria optimo para brevidade do serviço. Segundo estes principios o proprio ministerio dos negocios de ultramar deve ser supprimido: aceitos os principios do illustre deputado estas são as suas legitimas consequencias, os negocios do ultramar devem ser affectos aos diversos ministerios, da fazenda, da guerra, da justiça ele. ou ao menos por elles revistos antes do ministerio do ultramar se poder pronunciar sobre elles.

Sr. presidente, eu prevejo a sorte d'este projecto, ha de ser a da maior parte dos outros que aqui tem apparecido em respeito ao ultramar, e bem poucos tem elles sido; ou morrem cá, ou na outra casa. E deixe-me perguntar aqui agora ao nobre ministro do ultramar se elle tenciona obter alguma providencia a respeito da justiça e outros empregados do ultramar, a respeito de tantas outras medidas importantes e urgentes, que ha a tomar, e que s. ex.ª sabe quaes são, lemos fallado sobre isto. Pergunto que é feito, que pretende s. ex.ª fazer do projecto de lei sobre a justiça que o anuo passado foi aqui votado, e passou á outra casa, d'onde não saíu.

O sr. Ministro da Marinha (Visconde de Sá da Bandeira): — V. ex.ª dá licença?

- O Orador: — Pois não.

O sr. Ministro da Marinha (Visconde de Sá da Bandeira):

- Eu tenho a peito todos esses negocios, e quanto ao projecto de lei que foi á outra camara reputo-o como o mais necessario para o andamento da justiça nas nossas possessões ultramarinas: eu já fallei a alguns pares de quem depende o seu andamento, e espero que em breve estará convertido em lei do estado.

O Orador: — Muito bem. Eu agradeço e felicito o nobre ministro; mas digo-lhe que se isto não andar depressa não o hei de deixar descansado, hei de persegui-lo, cá, na rua, nas secretarias, e em toda a parte, e a toda a hora.

Hoje tinha eu pedido a palavra antes da ordem do dia, e não me póde chegar: era para mandar notas de interpellações que cá tenho n'esta gaveta, e espero em Deus que não levem o destino das outras, porque ainda não tive a fortuna de me terem respondido a nenhuma.

Agora vou responder ás considerações com que o illustre deputado acompanhou a sua proposta de adiamento.

Sr. presidente, cada vez que ouço os illustres deputados que combatem este projecto, mais me convenço de que tenho rasão em votar por elle; são ss. ex.ª que, querendo combate-lo, o defendem melhor que eu; pois disse o illustre deputado que o projecto havia de augmentar, em vez de diminuir, a emigração para o Brazil, e que em verdade as emigrações das ilhas (creio eu) tinham cooperado para que a sua agricultura prosperasse. Então está plenamente justificado o projecto, abracemo-lo, levemo-lo em triumpho: uma vez que elle augmenta a emigração, e os effeitos d'esta são a prosperidade, parabens á nossa fortuna, corramos a recebe-la: ou aliás não comprehendo o illustre deputado, assuas rasões brigam com a proposta.

O cidadão ha de ir aonde quizer, ninguem póde contrariar a sua liberdade natural, diz o illustre deputado; mas não pára aqui, exclama: «Olhae que este projecto dá azo a escravidão capeada, legalisa os engajadores, e os nossos irmãos são legalmente entregues á barbaridade dos especuladores da carne humana, o que as leis devem obstar, e não favorecer.»

Eu louvo os nobres sentimentos de s. ex.ª, mas peço perdão por lhe ter de dizer que ainda não sei conciliar estas idéas suas, principalmente quando se horrorisou diante do pesado imposto que se lançava sobre os engajadores e capitaes de navios.

Ninguem tem direito de tolher a liberdade natural do homem, portanto o projecto não póde pôr peias á emigração por meio de impostos, e impostos pesados sobre esta especulação, é a opinião de s. ex.ª; e eu querendo acompanha-lo n'este seu arrasoamento chego a tirar dos mesmos principios, applicados na latitude que s. ex.ª quer, as seguintes conclusões. Ninguem tem direito a obrigar um homem a tirar passaporte para sair da terra onde se acha porque contraria a sua liberdade natural, e a lei que obriga a tirar esses passaportes, pagando emolumentos, que não é um pequeno imposto, nem é moral nem justa. Ninguem tem direito de impedir um homem que se quer precipitar das muralhas do passeio de S. Pedro d'Alcantara, a fim de se suicidar, é contrariar a liberdade natural do homem; pratica um acto injusto a sociedade que emprega policia para evitar taes casos!! Muito longe poderia eu ir se continuasse n'este caminho.

Mas, oh horror! o projecto favorece e legalisa a escravidão, e os escravisadores capeados, os engajadores, cujo nome só arripia as carnes! Se o projecto tolhe a liberdade natural do homem em lhe difficultando a saída para o Brazil, onde é reduzido a escravidão apesar de engajado para simples colono, como é que se póde conciliar com isto a idéa de que elle favorece similhante escravidão? Não comprehendo; confesso que a minha rasão não chega a ligar bem estas duas idéas.

Deixemo-nos de mais argumentos: isto é claro. Tratando

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do ultramar laissez aller, laissez faire é o que se proclama. A vossa attenção mal chega para as vossas cousas, os vossos recursos mal vos bastam, desejaes bem ao ultramar, mas não lh'o podeis fazer como desejaes, não vos quereis occupar d'elle, adiaes. Sois como um morgado completamente arruinado, que tem todos os seus negocios embrulhados, que tem excellentes desejos de ir melhor caminho, mas no estado a que chegou não tem forças, nem recursos para fazer a menor reforma, e portanto deixa tudo ir como vae, até que emfim se arruina completamente. Isto é que é a verdade. Aqui não ha recursos para os melhoramentos os mais urgentes que a metropole reclama, como e d'onde se os ha de dar para o ultramar? Quer a camara saber como as cousas vão? Eu dou um pequeno panno de amostra. Quando os portuguezes fizeram as suas conquistas, receberam entre outros um bello torrão que se chama Goa, tem um rio que nas mãos d'esses povos pouco civilisados era navegavel uma légua mais para dentro que actualmente, nas mãos dos portuguezes essa barra se foi successivamente entulhando, em pouco mais de tres seculos, que hoje nem á foz é facilmente franqueavel; ha alguns annos que as instancias têem sido repelidas para se lhe acudir, e não se pede grandes sommas, pede-se apenas uma draga, e por conta dos dinheiros que aquelle districto adiantou; e esta minima somma, não lh'a podem dar! Que querem mais?! Ahi esta o meu honrado amigo o sr. D. Rodrigo de Menezes a bradar contra as miserias que aqui se passam e ás quaes não podem dar remedio; o ultramar está a muitos respeitos mil vezes peior; mas vós não bastaes para vós, como haveis de chegar aos outros? Mas n'este caso peço que não sejaes optimistas, deixae ao menos que aquelles povos se acudam a si mesmos, não lhes ateis as mãos.

Sr. presidente, eu declaro, e todos o sabem, que sou opposição, e hei de selo emquanto não vir um governo que lenha vontade e força para crear recursos para melhorar largamente as nossas possessões ultramarinas, porque estou profundamente convencido que Portugal só se póde levantar, levantando essas terras que são os maiores padrões das suas glorias. (O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — E no tempo da regeneração fizeram-se grandes cousas para o ultramar?) Sr. presidente, então eu acabava de chegar da India, ainda estava na minha infancia parlamentar, ainda estava cheio da fé com que vinha; mas agora já sei o que tudo isto é, chegou-me o desengano, estou bastante instruido pela experiencia, que é a melhor mestra.

Comtudo não deixei socegado o sr. visconde de Athouguia, então ministro, appello para as reminiscências do illustre deputado, appello para a camara Ioda (Apoiados.) fiz-lhe uma guerra talvez mais crua do que elle merecesse, mas que era conscienciosa, e agora vê o illustre deputado que sendo opposição estou defendendo um projecto do governo. A minha opposição é opposição ultramarina, a minha politica é politica ultramarina, porque não me cumpre, não me assenta bem a alta politica d'aqui, que anda em melhores mãos, e é dirigida por melhores cabeças; tenho felizmente o bom senso de conhecer qual é o logar que me compele.

Sr. presidente, disse o illustre deputado que imaginava uma sociedade de engajadores legaes, e não sei mais o que. É, sr. presidente, porque o ultramar só anda por aqui imaginariamente que elle vae de mal a peior, porque não se vê, não se sente os seus immensos males; a seu respeito imaginam-se delicias, e esta tudo feito: entretanto os que lá soffrem, soffrem, os seus brados e clamores cá não chegam, e o que por cá se imagina de nada lhes serve, não allivia a sua sorte, as dores reaes não se tiram com a imaginação propria, quanto mais com a alheia.

Sabem o que eu queria? Queria que as nossas provincias ultramarinas podessem ser aqui trazidas, encostadas ahi auma d'estas praias, ahi á bôca do Tejo, e que todos podessemos ir vizita-las, então viriamos o que ellas valem, qual é a sua extensão, a riqueza que ellas contém, e que d'ellas se póde tirar, é viriam mais o triste, o doloroso sudario dos males que ellas soffrem pela incuria da metropole; esse sudario pelo menos nos tocaria, e talvez então corrêssemos a soccorre-las, uma vez que não se ouvem as vozes de tantos seus representantes, que tantas e tão repelidas vezes se têem levantado n'esta terra em seu favor, mas, infelizmente, em balde. Cuidaes porventura que ahi não ha desgraças como aquellas que aqui existem e que muito bem descreveu o meu amigo e nobre deputado o sr. D. Rodrigo? Não, senhores. Ahi ha presos que jazem nas cadeias muito mais de dez annos, que morrem ali, sendo muitos d'elles innocentes, cujo sangue brada aos ceus, e pede remedio em altas vozes; eu o peço em nome d'elles e da humanidade.

Os empregados que vão para o ultramar pela natural tendencia que todos têem de melhorar a sua condição, ou pela influencia que dá a sua posição, ou por outras relações, procuram ser eleitos deputados, e vem cá, deixando os logares vagos, e (sendo de juizes) impossibilitando de n'elles serem providos outros, o serviço padece, emquanto que os respectivos districtos pagam. Outros passeara aqui depois de providos e não parlem, o governo não os manda para lá ou não tem força para isso nas leis existentes. E se acaso se propõe uma lei para remediar isto, levantam-se vozes; «Aqui d'el-rei, fere-se os direitos de cidadão, viola-se o direito de elegibilidade! etc. etc.» E os que estão presos á espera de julgamento por falla de lei, presos apenas por suspeitos de crime, estes estão fóra de lei, não têem direitos de cidadão, nem ao menos os da humanidade? I (Apoiados.)

Eu não fallo aqui de pessoas, trato a questão em geral, não alludo a ninguem, não pretendo mesmo a reparação dos males passados, mas remedio para os futuros.

E por esta occasião darei um testemunho em favor da magistratura da India. De alguns annos para cá os juizes que d'aqui têem ido têem sido em geral honradissimos e íntegros a toda a prova, e espero em Deus que este bom exemplo será seguido pelos futuros; e é por isso que eu desejo que os actuaes lá se conservem, e sinto muito que tivesse sido tirado de Goa aquelle que tão bem serviu o logar de juiz de direito da comarca de Salsete, o qual aliás não tive a fortuna de conhecer pessoalmente, e portanto estas poucas palavras que digo em seu abono não se julgue que são animadas de algum sentimento de amisade que nunca tive a honra de lhe merecer: digo isto porque fui informado por pessoas insuspeitas, e sei que saíu com sentimento geral, de que lhe deram um testemunho publico depois de já lá não ser juiz. São felizmente d'esta ordem os magistrados que a India tem tido em geral nos ultimos tempos, mas essa provincia tem muito soffrido pela falla do numero sufficiente, por causas que todos sabem. Peço remedio, uma vez para sempre.

Sr. presidente, termino pedindo aos illustres deputados que deixem passar este projecto, não como optimo, mas como a melhor medida que actualmente se podia adoptar, e como um testemunho, pelo menos que a camara dá de que não abandona, de que não adia por indifferença os negocios ultramarinos; tenham caridade com ellas, e por todos estes sentimentos e outros mui nobres que os illustres deputados têem, e eu invoco dêem algum logar e alguma attenção ás cousas do ultramar, e pela resolução d'este projecto, sem mais adiamentos façam esperar aquelles povos que nos parlamentos possam ler alguma esperança, e alguma fé que de dia para dia se vae perdendo. Voto por todos os motivos e por honra da camara contra o adiamento, e peço perdão pelas digressões a que fui levado, porque nem sempre acho occasião para dizer as cousas precisas.

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