O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 41

N.° 8.

SESSÃO DE 15 DE JANEIRO DE 1857.

PRESIDENCIA DO Sn. FRANCISCO DE CARVALHO (Decano.)

Secretarios os srs.

Conde de Samodães (Francisco).

(Manuel Firmino da Trindade Sardinha.

Chamada—Presentes 54 srs. deputados.

Abertura—Pouco depois do meio dia.

Acta,—Approvada.

CORRESPONDENCIA.

Declaração.

Do sr. Vellez Caldeira, de que o sr. Sá Nogueira não comparece á sessão de hoje, por incommodo de saude. A camara ficou inteirada.

Officio.

Do sr. Custodio Rebello de Carvalho, remettendo o seu diploma de deputado eleito por Penafiel, e participando que espera esta semana apresentar-se na junta preparatoria.

A camara ficou inteirada.

O sr. Pinto d'Almeida: — Mando para a mesa o diploma do sr. Abilio Gomes da Costa, deputado eleito pelo circulo da Lousã; peço a V. ex.ª que seja expedido immediatamente para a respectiva commissão, a fim de ella dar sobre elle o seu parecer.

O sr. Ferrer: — (Leu e mandou para a mesa os pareceres sobre os diplomas dos srs. Antonio Luiz de Seabra, eleito por Aveiro, e Antonio d'Azevedo Mello e Carvalho, eleito por Penafiel.)

ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão dos pareceres das commissões de verificação de poderes

O sr. Presidente: — Continua em discussão o parecer. N.º 1, sobre as eleições dos Arcos de Val de Vez É o sr. Queiroz que tem a palavra.

O sr. Queiroz: — Eu cedo da palavra por agora por isso que essa eleição ainda não foi impugnada, e pedia que se me conservasse a palavra para depois de alguem que a impugne.

O sr. Presidente: — Não ha mais ninguem inscripto, (faies: — Votos! Votos!) Vae votar-se sobre a conclusão do parecer.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — Proclamo deputado o sr. Teixeira Queiroz.

O sr. Rebello Cabral: — Eu peço licença para observar á mesa, que o que se vota é sempre as conclusões dos pareceres, e isso é por via de regra; mas quanto á proclamação, reserva-a V. ex.ª para o fim da approvação de todos os pareceres; não se vae fazendo uma proclamação parcial á proporção que se votam os pareceres; depois de approvados to- dos os pareceres, faz-se a lista geral dos deputados, e uma proclamação unica. São os estylos, e ganhâmos com isso tempo.

O sr. Presidente: — Passa-se á discussão do parecer n.º 1, sobre as eleições do circulo de Vianna.

O sr. Fernandes Thomás: — Eu peço a V. ex.ª e acamara que me prestem dois minutos de attenção, e me permittam que tome por pretexto a eleição d'este circulo de Vianna, porque me parece que ella e uma prova de que as eleições entre nós d'esta vez foram perfeitamente livres. (Apoiados.) Quando digo perfeitamente livres, digo em relação a todas as eleições que tiveram logar antes d'estas; não quero dizer (não me abalanço a tanto) que as eleições actuaes fossem feitas com aquella liberdade plena e ampla que fóra para desejar; mas que ellas foram mais livres do que têem sido Iodas as outras que as têem precedido, para mim é um ponto de fé, e a eleição de Vianna é um protesto solemne e uma prova cabal daquillo que eu acabo de avançar.

Por esta occasião tenho de emittir o meu voto um pouco contrario ás asserções que um sr. deputado eleito pelo circulo de Lisboa hontem apresentou n'esta camara, que me parece que são puramente theoricas e não são praticas.

Tambem eu, sr. presidente, em outros tempos sonhei com o El-Dorado do sr. deputado, tambem andei atraz «"aquella utopia; mas amestrado pela experiencia, e ensinado pela pratica, conheço, e conheço desde muito, não é agora, que é um impossivel, e que na indole dos governos representativos está que as eleições sejam sempre mais ou menos influídas (legalmente influídas) pelo governo. O elemento —governo =, sr. presidente, não se deve reputar um elemento só de per si, de modo que nós consideremos o governo do estado de um lado, e o povo lodo do outro; não é assim: o governo tem sempre um partido a seu favor, o governo é sempre a expressão, ou deve ser nos governos representativos a expressão da vontade da maioria, porque se elle não tem a maioria nacional a seu favor, a sua duração não póde ser senão ephemera, ou elle tem de governar pela fôrça, e a sua duração tambem não póde ser longa.

Portanto, quando se diz =» o governo influe nas eleições=quer isto dizer que o governo dirige um partido popular,-que e seu, deixando em face d'elle o outro partido, ou os outros partidos, em que possa ser retalhada a nação, e que não pensam do mesmo modo. Por consequencia, nunca o governo é só, nem a auctoridade representa só no processo eleitoral, é sempre o govêrno e sempre um partido que o acompanha. Portanto, parece-me um pouco theorica e não de realisação pratica a idéa do sr. deputado, que confesso» foi felicissimo no seu discurso; (Apoiados.) e attendendo á posição em que eu supponho (póde ser que me engane) que

Vol. I—Janeiro—1857.

Página 42

—42—

elle esta collocado, o sr. deputado não poderia de certo fallar nem com mais sensatez, nem com mais moderação, nem com mais delicadeza do que s. ex.ª o fez; e eu então apoiei o sr. deputado, sem comtudo convir nas conclusões que elle tirou, fallo nomeadamente das circulares. Eu entendo que o governo estava no seu direito em fazer as circulares que fez.

Eu desejava dar esta explicação, sr. presidente, porque lendo vindo já a esta camara varias vezes, e lendo-me achado sempre no partido da opposição, acho-me agora com o governo em quanto ao acto eleitoral. Por conseguinte, declaro que, quanto a mim, por aquillo que eu soube do meu districto, e pelo que sei que aconteceu em mais districtos do reino, ainda não houve uma eleição mais ampla e mais livre que a actual; (Apoiados.) a prova d'isso, sr. presidente, é olharmos para a camara e vermos como ella está constituida: aqui vêem-se representantes de todos os partidos, fracções ou côres politicas em que o paiz esta dividido; de mais a mais esta camara é aquella onde o numero de empregados publicos é menor; de mais a mais n'esta junta preparatoria sentam-se deputados que pertencem, mais do que pertenceram os das outras, a mais diversas localidades do paiz; e sobretudo acha-se aqui representado o partido que se denomina = legitimista=»e que é a primeira vez que aqui apparece com representantes seus. (Uma vos: —Já cá estiveram.) Não estavam como agora, esse partido ainda não tinha ido á urna como um partido especial, só agora é que foi. (Apoiados.)

Portanto, sr. presidente, entendo que o governo andou liberalmente e fez o mais que podia fazer, e que esta eleição se distingue de todas as eleições anteriores.

Na eleição de Vianna a auctoridade luctou o que era possivel, trabalhou quanto póde a favor do governo, porque o governo não queria, ou pelo menos não apoiava os Reputados que foram eleitos por aquelle circulo. E que aconteceu?~Aconteceu que elles foram eleitos, não obstante todo o empenho, não obstante todas as diligencias da auctoridade. E por que? Porque a auctoridade se restringiu ao que era legal, porque a auctoridade não exorbitou, porque a auctoridade não usou dos meios que se tinham usado até aqui n'um districto d'onde nunca vieram deputados senão aquelles que o governo queria que cá viessem.

Portanto, digo eu que tomei o pretexto de dizer estas breves palavras por occasião da eleição de Vianna, porque ella é uma prova manifesta de quanto foi mantida a liberdade da urna nas presentes eleições.

Ora, que houvesse n*um ou n'outro ponto uma ou outra arbitrariedade de uma auctoridade pequena, não admira nada d'isso; quando se julga da liberdade de uma eleição, attende-se á generalidade d'ella, e não devemos limitar-nos unicamente a um ou outro ponto, onde não é possivel que uma auctoridade pequena deixe de exorbitar dos seus deveres; essas irregularidades que houve na presente eleição estimaria muito, fôra muito para desejar que não as houvesse; mas isso não prova contra a regularidade, nem contra a liberdade plena e ampla que houve na presente eleição.

A interferencia do governo nas eleições pára mim é um ponto de fé; em todos os govêrnos representativos, ena França, na Belgica, não sei se no Piemonte, em fim em toda áparte onde ha esta fórma de governo, sempre elle influe, e nem póde deixar de influir, na eleição. Ainda que o illustre deputado eleito por Lisboa quizesse, não era capaz de arranjar um ministerio que abandonasse completamente as eleições e trouxesse a este parlamento uma maioria segundo o systema representativo; quer dizer, uma maioria que apoiasse as suas medidas: podia, por exemplo, pôr no ministerio homens justos como Aristides, sabios como Aristoteles, administradores como Pombal, Colbert, ou Sully; embora; se um gabinete composto de homens d'esta ordem abandonasse completamente as eleições, e dissesse aos seus subordinados: « Não quero saber como votaes, vós perante a urna sois simples cidadãos, não sois auctoridades», a camara que cá viesse viria composta talvez de nullidades, de homens ambiciosos, da escoria de todos os partidos, e traria comsigo seguramente, ou uma dissolução, ou a queda do ministerio santo, bom, honesto e justo, para o ver substituido por nullidades de partido. Por consequencia esta é uma das condições do systema representativo; no entanto a influencia da auctoridade deve ser honesta, deve ser dentro do limite legal, não deve ser á força nem com violencia.

Taes são as minhas idéas. Não quero cansar por agora mais a junta preparatoria sobre este objecto; pela minha parte approvo as eleições de Vianna, e dou-as como uma prova cabal e a mais satisfactoria que é possivel de que na presente eleição foi plenamente mantida a liberdade da urna. (Apoiados.)

O sr. A. R. Sampaio: — Sr. presidente, eu creio que nós não estâmos a instituir a comparação entre a liberdade que houve n'estas eleições e a liberdade que houve nas eleições passadas: o processo passado está julgado; (Apoiados.) e nós julgâmos apenas o presente. Que as outras fossem mais livres ou menos livres, que fossem liberrimas, e que esta seja ainda mais liberrima, é indifferente; eu contento-me com a liberdade, e não lhe admitto nem augmentativo nem diminutivo.

Pedi a palavra quando ouvi fazer elogios ás circulares eleitoraes: eu quero que o govêrno tenha uma politica, quero que a exponha nas suas circulares; quero que a faça prégar pelos seus delegados e amigos por todo o mundo, mas não posso aceitar uma doutrina na qual se diz que o voto do empregado publico é do governo, e que elle para sustentar os candidatos do mesmo governo não só deve dar esse voto, mas deve arranjar os votos dos eleitores; é a isto sómente que eu me opponho, é a esta influencia que nem é legal nem legitima.

Eu creio que esta camara podia ser muito bem representada sem as circulares, creio que seria mais honroso e mais digno para ella estar aqui sem ellas, do que em virtude dellas.

Pois os partidos não têem bastante força para se opporem uns aos outros e indicarem os seus candidatos? Pois o governo não confia nos seus amigos, e é necessario vir com o pêso dos votos adquirido por meio das circulares carregar sobre a urna eleitoral, e lançar na concha da balança a espada de Brenno? Eu creio que era mais glorioso para esta maioria estar aqui sem essas circulares do que com ellas. Foi esta sempre a minha opinião, foi a minha doutrina e a do partido progressista. Sei que alguns dos meus collegas são de outra opinião diversa da minha a respeito das circulares; eu respeitei as suas convicções, peço que tambem respeitem as minhas. E como se trata só da eleição de Vianna, eu approvo-a, e não tenho mais nada que dizer.

O sr. Rebello Cabral: — Tambem approvo a eleição de Vianna; mas preciso rectificar um facto. Disse o illustre deputado eleito pela Figueira que os candidatos, que venceram no circulo de Vianna, foram combatidos pelo governo; não me parece que todos o foram; (Apoiados.) mas que o fôssem, o vencimento da eleição de Vianna no sentido opposto ao governo é um facto singular com que não póde argumentar-se para muitos fados em sentido contrario. E na parte doutrinal vou antes mais para a opinião do illustre deputado eleito que ultimamente fallou, e vou como cidadão, e tambem iria como homem politico e d'estado se fosse homem d'estado. Pronunciei-me contra as taes circulares eleitoraes, porque tambem entendo que os meios de persuasão e os pedidos, do modo que se mandaram fazer, por parte das auctoridades, são mais que mandatos, convertendo-se em meios de seducção e corrupção, e, quando e aonde esta não chegava, degenerando em coacção directa.

Entendeu-se, por parte da maioria da junta, que não era esta a occasião de apresentar verdadeiramente a face politica da actual administração e a sua abusiva interferencia no negocio eleitoral, reservando-se essa materia para quando se tratasse da discussão da resposta ao discurso do throno; para então pois me reservei igualmente para apresentar muitos factos, que me tinha, feito cargo de apresentar na occasião

Página 43

-43—

da discussão das eleições: e lendo-se assim entendido não me parece que deva agora reviver, ou suscitar-se essa questão.

Direi com tudo ao illustre deputado eleito que abriu hoje o debate sôbre as eleições de Vianna, que a opinião que s. ex.ª apresentou, com quanto seguida em algumas escolas, não ha duvida alguma, é combalida n'outras escólas, pois que se apresentára differentes opiniões sobre a influencia ou interferencia maior ou menor que deve ter o governo no acto eleitoral; mas deixemos isso para outra occasião mais opportuna.

Agora para o que eu mais especialmente pedi a palavra, foi para rogar á junta que se trate unicamente dos pareceres que estão em discussão, e não de questões de comparação. (Apoiados.) que não podem trazer senão desgostos.

As eleições passadas estão julgadas; nós não somos juizes competentes para outra vez as avaliar; essas eleições já passaram em julgado. Se vierem com comparações odiosas, isso trará azedume ao debate, e as nossas discussões não poderão marchar plàcidamente, como têem marchado até agora

Não havendo quem mais pedisse a palavra, foi submettido á votação e approvado o parecer relativo ás eleições de Vianna.

Passou-se á discussão do parecer da 1.ª commissão sobre as eleições de Braga.

O sr. Fernandes Thomás: — Sr. presidente, n'esle parecer ha uma questão grave; e muito grave, trata-se da exclusão oi) admissão de um collega nosso, questão grave e de seriedade que nos póde levar muito tempo. Em casos analogos as juntas preparatorias têem primeiro tratado de todas as eleições em que não ha difficuldades, reservando as eleições em que apparecem questões graves como esta, para depois da camara constituida; talvez esta junta queira agora proceder d'esle mesmo modo; e parece-me que se o fizer lucrará muito, e chegára mais depressa á sua constituição, objecto que todos ambicionámos; parece-me pois que esta questão sendo como é tão grave e tão ponderosa devia ficar reservada para tratar-se quando a camara estiver constituida; indico este meio, a junta procedêra como entender.

N’este sentido mando para a mesa a seguinte

Proposta.

Proponho que a questão de elegibilidade do sr. Francisco Hilario, deputado eleito pelo circulo de Braga, fique adiada até que se constitua a camara, = Fernandes Thomás.

Foi apoiada, e entrou em discussão.

O sr. A B Sampaio; — Sr. presidente, a presumpção legal é que lodo o deputado eleito é verdadeiramente deputado ainda mesmo antes da verificação dos seus poderes, pois que cada um verifica e approva os poderes dos seus collegas ainda mesmo antes de ser deputado. Mas desde que se suscitam duvidas, estas duvidas destroem a presumpção, e a regra n'esle caso é que o deputado eleito se retira até ser chamado a defender a sua eleição, e não póde aqui estar até ser proclamado deputado. Ora eu acho uma tyrannia o pôr fóra d'esta casa um deputado eleito, chama-lo depois para vir assistir a discussão da sua eleição, e sustentar a sua legalidade, e é por isso que eu me opponho á moção do illustre deputado que me precedeu, pedindo que se trate desde já da questão respectiva ao sr. Hilario. É preciso saber já o direito que assiste ao sr. deputado eleito para saber se póde ou não ficar aqui; eu não quero que esta questão se adie, porque não quero que o deputado eleito de que se trata esteja aqui debaixo da impressão desagradavel de que esta n'esle logar incompetentemente sentado; eu quero que elle esteja debaixo da mesma presumpção e impressão em que nós estâmos; é esta a minha opinião.

O sr. Ferrer: — Eu desejo que se decida primeiro esta questão previa, se se ha de tratar agora a questão relativa á validade da eleição do sr. deputado eleito, ou se ha de ficar para depois da camara constituida; porque se a junta preparatoria decidir que se trate agora a questão, quero usar da palavra; se decidir que fique para depois de constituida a camara, então não tenho nada a dizer.

O sr. Rebello Cabral: — O illustre deputado, auctor da proposta de adiamento, naturalmente fundou-se no artigo S.° de um dos regimentos por que se rege a junta, e é por isso que comprehendeu na sua proposta sómente a elegibilidade de um dos deputados eleitos, e não toda a eleição do circulo de Braga, porque a approvação do acto eleitoral ou de toda a eleição é differente da approvação da elegibilidade de qualquer dos illustres cavalheiros que foram eleitos Mas eu pela minha parte preciso declarar que o regimento, quando se dá uma hypothese como aquella de que se trata, nunca foi entendido no rigor da sua letra, senão depois de estar constituida a junta em camara; só então é que são convidados os deputados eleitos a vir á barra, mas em junta preparatoria nunca se deu esse caso, nem devem ser postos d'aqui fóra os deputados presentes. Eu vi que foi chamado á barra o Sr. Fontes Pereira de Mello, mas foi em occasião que a camara estava constituida; sei que o sr. Xavier da Silva foi tambem chamado á barra, mas depois de já estar constituida a camara; em junta preparatoria nunca se obrigou deputado algum a saír d'aqui para depois de constituida a camara vir á barra defender a sua eleição. Por consequencia entendo que agora não ha necessidade de obrigar o sr. deputado eleito de que se trata a saír da junta preparatoria para depois ser chamado á barra a defender a sua eleição.

Parece-me mesmo que, se o fizessemos, não marcharíamos politica e convenientemente, e n'este sentido as considerações; feitas pelo illustre deputado por Lisboa, segundo o meu parecer, não lêem resposta.

Já hontem um illustre deputado disse que folgava dever aqui representado um partido que antecedentemente não linha figurado no parlamento. Com quanto este facto não seja exacto em Ioda a extensão da palavra, porque já a outros parlamentos anteriores lêem vindo cavalheiros muito distinctos que se diz pertencerem ao partido que se intitula = realista=embora não tenham occupado aquelles logares (direita da camara), eu folgo igualmente por ver esse partido aqui representado. Mas o illustre deputado acrescentou: «Desejo que a camara lenha toda a deferencia por uma minoria Ião pequena, mas que representa um partido que tem direito a figurar nos negocios publicos do estado.» Vou tambem para esta opinião, sr. presidente, porque entendo que é muito sensata e politica, e porque, depois do decorrido desde 1834, é tempo de acabar estas discordias, de que não tem vindo senão mal para o paiz. Desejava pois que se modificasse, se tanto é necessario, o rigor do regimento, e se não obrigasse o illustre deputado, cuja elegibilidade se discute, a saír fóra d'aqui para vir depois de constituida a camara á barra defender a sua eleição.

Concluindo portanto, salvo o respeito devido ao illustre auctor da proposta, declaro que não concordo com ella, contando mesmo que s. ex.ª ha de ser o primeiro a reconhecer o inconveniente legal e politico que resulta da sua adopção. O círculo de Braga dá quatro deputados; a respeito do direito de eleição de um a commissão esta dividida, e o seu relator ordinario, constituido em minoria da commissão, é o primeiro que vae defender essa eleição, Hei de seguir n'esta parte aquelle illustre deputado, e espero que a maioria da junta ha de seguir a opinião da minoria da commissão. Portanto, voto contra a proposta do adiamento.

O sr. Seabra: — Sr. presidente, nenhum corpo póde existir sem uma lei que o regule nas suas attribuições, e é por isso que eu começo por suppor que esta junta como corpo que funcciona deve ter uma lei por que se regule; esta lei deve ter procedido de uma auctoridade competente, e esta auctoridade competente para nós, junta preparatoria, não póde ser senão a camara que acabou, e em quanto essa lei não for revogada por uma auctoridade similhante áquella, não póde deixar de se considerar em vigor; nós não temos direito para revoga-la ou altera-la. A lei a que alludo é o regimento approvado pela camara passada, esta e a lei a que necessariamente devemos prestar obediencia. O artigo 5.º d'esse regimento diz... (Leu.)

Esta é a lei da junta, não temos outra, precisâmos obser-

Página 44

-44—

Va-la em quanto não for revogada pelos meios competentes. Alguem entende que a junta tem e lerá auctoridade para adoptar o regimento que bem lhe parecer. É na minha opinião de tal absurdo similhante doutrina que nem merece refutação; alem d'isso ella esta morta desde o momento em que esta junta decidiu que se regesse pelo antigo regimento.

Não entrarei na questão da conveniencia ou da inconveniencia d'esta disposição do artigo que ha pouco citei; são motivos que podem decidir a camara constituida a alterar ou conservar essa mesma disposição da lei, mas antes d’isso não lemos remedio senão cumprirmos o que ella determina. Penso que não devem estranhar observante do direito que eu seja stricto, e pareceria até estranho, que sendo encarregado de confeccionar o codigo civil, apresente aqui opiniões arbitrarias ou menos legaes.

Foi só para declarar o meu voto sobre esta questão previa que me levantei, e não para entrar na questão principal. Sobre essa nada tenho por ora a dizer.

O sr. A. R. Sampaio: — Nos legem habemus; mas essa lei não é o regimento, é uma lei alguma cousa superior ao regimento, e essa lei é a lei eleitoral. (Apoiados.) Que diz a lei eleitoral? Diz o seguinte:

«Tambem lhe compete (á camara) exclusivamente resolver, conforme as disposições d'este decreto, sobre a capacidade legal, inelegibilidade absoluta ou relativa... de cada um dos deputados eleitos.»

Ora a junta preparatoria não é a camara, e retorquindo o argumento, digo que sem uma flagrante violação d'esta lei não póde adiar-se esta discussão para a constituição da camara. (Apoiados.)

O sr. Rebello Cabral: — Sr. presidente, fui prevenido pelo nobre deputado, que se valeu de um artigo da lei que temos, artigo que já hontem produzi em resposta a uma observação feita por outro illustre deputado; mas quando não houvesse o artigo 104.° do decreto de 30 de setembro de 1832, eu pediria ao nobre deputado, que considerasse a votação que tivemos, quando abrimos os nossos trabalhos. Qual foi a lei que adoptámos? Era necessario adoptar uma lei, e decidimos que fosse o regimento da camara passada com todos os seus estylos. Mas note V. ex.ª, que tendo-se na mesma occasião suscitado a questão=se as commissões deviam ser eleitas á sorte como está no regimento, ou por escrutinio como tem sido estylo—logo se deliberou ou nem preciso foi deliberar-se, que fosse por escrutinio. Então, se nós decidimos, que era necessario seguir este methodo; se a cada momento estâmos alterando o methodo de trabalhos; como queremos agora o rigor do artigo 3.° do regimento, n'uma questão como aquella de que se trata? Eu não digo mais nada. Entendo que seria a cousa mais errada e inconveniente obrigar um illustre deputado a sair d'esta casa, para vir depois á barra sómente defender a sua eleição.

O regimento a que se allude é o das córtes constituintes de 1827; mas nós lemos agora a lei eleitoral que auctorisa a junta a conhecer da capacidade legal e da inelegibilidade absoluta ou relativa de cada um dos srs. deputados eleitos.

Portanto, sr. presidente, entendo que será melhor marchar por diante sobre a discussão do parecer actual.

O sr. Fernandes Thomás: — Sr. presidente, eu fiz esta proposta, com o fim de que aproveitássemos o tempo, porque me pareceu que chegaríamos assim mais depressa ao resultado que todos desejâmos. Agora opinou-se, fundado no regimento da camara, que tudo isto que se acabou de dizer pertence á junta preparatoria e não á camara; appareceu agora a lei eleitoral, que traz um ou dois artigos em sentido contrario ao que se achava estabelecido pelo artigo do regimento. Peço portanto licença para retirar a minha proposta, porque o meu fim, como disse, não eia senão aproveitar o tempo; mas declaro que acho sensata e muito sensata a disposição do regimento, e pelo contrario não acho sensato o artigo da lei eleitoral. Peço pois que V. ex.ª consulte a camara se permitte que eu retire a minha proposta.

Consultada a camara, foi retirada.

O sr. Presidente: — Continua pois a discussão sobre o parecer relativo ás eleições de Braga.

O sr. B. F. da Costa: — Sr. presidente, eu precisava de alguns esclarecimentos da parte da commissão, porque vejo que a illustre commissão opina que o nobre deputado eleito o sr. Francisco Hilario de Sousa Ribeiro e Brito, que serviu de juiz de direito substituto na comarca da Povoa de Lanhoso, não deve ser proclamado deputado, e deve proceder-se a outra eleição. Parece-me, que vindo mencionados n'este parecer outros individuos que foram votados, e que têem o numero de votos necessarios para no caso de não serem proclamados os mais votados, isto é, que reunam uma quarta parte dos votos da totalidade dos votantes, parece-me, digo, que estes individuos deveriam ser chamados, e não proceder-se a nova eleição. Portanto desejava que a illustre commissão me informasse de qual a rasão por que deve proceder-se a uma nova eleição, e não serem proclamados aquelles que reunem a quarta parte dos votos do numero lotai dos votantes, Como a commissão nada disse a este respeito eu desejaria ouvi-la para dar o meu voto.

O sr. Ferrer: — Peço a palavra como relator da commissão.

O sr. Presidente: — Tem a palavra.

O sr. Ferrer: — Sr. presidente, eu levanto-me para dizer em breves palavras a rasão porque assignei com declaração este parecer da commissão. Esta declaração é relativa a esta questão, sobre o nobre deputado eleito o sr. Francisco Hilario de Sousa Ribeiro. A minha opinião é contra a que se acha consignada no parecer e assignada pelos meus collegas da commissão.

Sr. presidente, eu não posso suffocar um pensamento de generosidade todas as vezes que elle me occorre, e todas as vezes que possa ser realisado sem offensa da letra da lei e dos principios de direito escripto.

Sr. presidente, a questão é esta: o sr. deputado Francisco Hilario de Sousa Ribeiro era substituto de juiz de direito na sua terra na occasião das eleições, e achava-se exercendo jurisdicção oito dias antes, se bem me recordo, e oito dias depois do dia 9 de novembro do anno proximo passado. A questão pois vem a ser se um substituto de juiz de direito é respectivamente inelegivel na sua comarca, ou se póde ser votado n'ella; n'outros lermos, se os votos que obteve o juiz de direito substituto na comarca em que foi votado lhe podem ser contados e podem valer para a sua eleição. A este respeito lemos uma regra geral que esta consignada na carta constitucional e no decreto eleitoral. A regra geral é esta: lodo o cidadão que tem o censo marcado na lei e os outros requisitos que ella estabelece gosa dos direitos da elegibilidade. As excepções a esta regra acham-se consignadas no artigo 12.° da lei eleitoral e seus differentes §§; ora, fundados no § 3.º do mencionado artigo, os meus illustres collegas da commissão pretendem provar que a eleição do sr. Francisco Hilario de Sousa Ribeiro não póde ser approvada. Que diz o § 3.° do artigo 12.°? Que os juizes de direito são respectivamente inelegiveis nas suas comarcas. Ora o sr. Francisco Hilario não era juiz de direito, era substituto do juiz de direito, e juiz de direito e substituto de juiz de direito são duas entidades muito distinctas e diversas; por consequencia o sr. deputado Francisco Hilario não se acha comprehendido clara e evidentemente na letra da lei eleitoral.

Que o substituto de juiz de direito e o juiz de direito são duas entidades distinctas e diversas, é facil demonstra-lo. Para ser juiz de direito são necessarias muitas habilitações, que não são necessarias para juiz de direito substituto. O juiz de direito tem accesso para os lugares superiores, accesso que não tem o substituto. O juiz de direito tem jurisdicção propria, é proprietario, usa d'ella constantemente; o substituto sómente a póde exercer no caso de Impedimento do juiz de direito. Passa muitas vezes o anno sem que o substituto use da jurisdicção, outras vezes só usa d'ella alguns dias e até sómente algumas horas; por consequencia são cousas diversas e muita diversas. Mas diz-se: «O espirito da lei

Página 45

-45-

comprehende os substitutos dos juizes de direito.» Qual é o espirito da lei? É evitar, dizem os meus illustres collegas da commissão, a influencia, ou a pressão que póde fazer a auctoridade judicial sobre os eleitores. Mas, sr. presidente, para poder argumentar-se juridicamente de uma lei que falla de um Caso especial para outro caso especial, é necessario que se argumente por analogia ou por aquillo a que os jurisconsultos chamam = argumento de maior rasão. Não ha senão estes dois modos para poder justificar uma interpretação extensiva. Nenhum d'estes dois modos de argumentar póde fazer com que o sr. Francisco Hilario seja comprehendido na disposição da excepção de que estou fallando. É doutrina corrente entre todos os escriptores, que o pêso do poder esta na rasão directa da sua durarão. Quanto mais duradouro e o poder, maior e a influencia que tem a pessoa revestida d'esse poder; o pêso da auctoridade provém mais da duração d'essa auctoridade, do que das attribuições de que essa auctoridade se acha revestida. Se fosse necessario provar isto, bastaria fazer o parallelo entre os capitães-móres antigos e os administradores de concelho do tempo em que faziam o recrutamento. Os capitães-móres, como os illustres deputados sabem, só se occupavam do recrutamento, e os administradores de concelho na epocha em que fallam o recrutamento, não obstante lerem alem d'essa attribuição outras muito importantes, não tinham a influencia que tinham os capitães-móres, porque a auctoridade do ca-pilão-mor era olhada pelos povos como perpetua e vitalicia, e até quasi como hereditaria. É por isso que o poder dos capitães-móres pesava mais sobre o povo, do que o podér dos administradores de concelho.

Alem d'isso, ha outra rasão que prova que o substituto não póde ter tanta influencia sobre os eleitores como o juiz de direito. O juiz de direito tem uma jurisdicção que exercita constantemente como já disse: o substituto sómente a exercita durante os curtos impedimentos do juiz de direito, Sr. presidente, o povo que se não importa com subtilezas de metaphysica aprecia muito bem este negocio. Os povos sabem muito bem quem são os juizes de direito das suas localidades, e rarissimas vezes sabem quem são os substitutos. Eu mesmo que sei bem quem é o juiz de direito de Coimbra e quem é o juiz de direito da minha terra, não sei quem são os substitutos. E que prova isto? Prova que os substitutos não têem tanta fôrça moral de auctoridade como teem os juizes de direito; mas se não teem tanta força moral, não ha identidade, não ha analogia. Tambem não póde haver argumento de maior rasão, porque não póde em boa logica e boa hermeneutica argumentar-se do menos para o mais, da parte para o lodo; argumentar em sentido inverso, sim.

Sr. presidente, eu peço a attenção da camara para um argumento que me parece de grande pêso a favor do sr. Francisco Hilario, e é o seguinte. O emprego de juiz de direito considera-se sempre, para o assim dizer, como um beneficio; requer-se, ou no caso do governo despachar algum bacharel para juiz de direito, elle aceita ou deixa de aceitar livremente; mas o substituto de juiz de direito não esta n'esse caso; e obrigado a aceitar, e o emprego para elle é um onus, porque até se lhe impõem penas se não aceita. Ora, sr. presidente, que novo genero de crime é este de servir a patria o substituto de juiz de direito, para se lhe impor a pena do perdimento do direito de elegibilidade? Pois ao onus do emprego, que não póde deixar de se considerar como onus, visto que a lei fulmina penas contra quem o não aceita, ha de acrescentar-se o perdimento de um direito tão importante como o de elegibilidade? Demais, sr. presidente, todos os publicistas quando tratam da theoria da lei eleitoral, o seu principal fim é de tapar todos os poros por onde se póde infiltrar a influencia ministerial. Se a junta preparatoria sanccionar a doutrina de que o substituto de juiz de direito não póde ser eleito na sua respectiva comarca, entrega ao poder executivo uma arma terrivel para excluir da urna os cidadãos que não lhe façam conta. (Apoiados.) Não ha nada mais facil do que o poder executivo, sabendo que um cidadão é influente na sua localidade, despacha-lo substituto do juiz de direito, para não poder ser votado na comarca e não podér ser eleito. Esta doutrina, sr. presidente, é anti-liberal. Contra esta doutrina hei-de levantar-me com toda a força, porque não quero que na mão do poder executivo esteja o fechar as portas do parlamento a qualquer cidadão.

Peço licença aos meus collegas da commissão para fazer algumas observações relativamente á doutrina que se acha consignada no parecer. Diz-se ali, formulando n'um principio aquillo que se chama espirito Ha lei = que o fim da lei foi evitar toda a influencia da auctoridade sobre os eleitores =. Sr. presidente, este principio não é verdadeiro, á vista da lei, em toda a sua generalidade; foi necessario formula-lo assim para se poder comprehender o sr. Francisco Hilario. Eu entendo que se se tratasse de fazer uma lei eleitoral, se podia estabelecer esta regra, e eu votaria por ella; mas nós aqui não tratâmos de fazer uma lei eleitoral, aqui trata-se da philosophia do direito positivo, trata-se de interpretar a lei e nada mais. Se d'estas excepções casuísticas que a lei apresenta nos diversos §§ do artigo 12.° podesse concluir-se que o fim da lei era evitar a influencia de toda e qualquer auctoridade, este principio iria mais longe do que por certo querem os meus illustres collegas da commissão. (Apoiados.) Não poderia haver auctoridade nenhuma ecclesiastica, administrativa, judicial e militar que podesse ser eleita pelos seus subordinados, ou por pessoas em quem exercitasse jurisdicção. Não podia ser votado o parocho na sua parochia, o arcipreste no seu arciprestado, o bispo no seu bispado, o juiz ordinario no seu concelho, nem os juizes da relação commercial e os membros do supremo tribunal de justiça. Querem isto? Creio que não. Démos mais um passo. Eu creio que a obediencia militar é que faz com que pese mais sobre os subordinados a auctoridade superior. Pergunto: o coronel de um regimento, o commandante de um batalhão póde ser votado na localidade onde os seus subordinados estão recenseados ou não póde? Ninguem é capaz de dizer que não á vista da lei, porque estes commandantes militares não podem ser comprehendidos em nenhuma das excepções que estabelece o artigo 12.º Ora, sr. presidente, onde é que ha mais influencia de auctoridade? será no substituto de juiz de direito a respeito dos eleitores da sua comarca, ou no coronel de um regimento sôbre os seus subordinados? Qual influencia será maior? a de um juiz ordinario no seu concelho, ou a de um substituto de juiz de direito na sua comarca? Pois o juiz ordinario, que tem jurisdicção por dois annos, que a exercita constantemente no seu concelho, porventura não tem maior influencia? Não sentimos nós isso praticamente? Como se quer achar identidade entre a hypothese do substituto do juiz de direito e a do juiz de direito, quando a lei expressamente diz, que quando o primeiro substituto entra na jurisdicção não tem a jurisdicção orphanologica? Ao menos esta differença é real, e se ha esta differença, já se vê que não póde haver identidade do hypotheses, nem argumentos de analogia.

Sr. presidente, os meus illustres collegas fizeram ponto de alavanca na idéa de que o sr. Francisco Hilario exercia jurisdicção no dia 9 de novembro em que foi feita a eleição; mas eu peço-lhes que prestem attenção á observação que vou fazer, que me parece sem replica. Pergunto primeiro: o juiz de direito que estiver impedido por molestia no acto da eleição, póde ser votado na sua comarca? Ninguem ha de dizer que sim. É necessario que a junta preparatoria tenha cautéla; porque tem de decidir esta questão nas eleições de Goa. Foi eleito um juiz de direito, que estava impellido por molestia, recaíndo n'elle os votos da comarca aonde exercia jurisdicção. Eu entendo que não póde ser eleito; entendo que a influencia não provém do exercicio da jurisdicção, masque provém do cargo; (Apoiados.) mas se isto é assim, e se a elegibilidade provém por consequencia do cargo e não da jurisdicção, para que se vem fallar em o sr. Francisco Hilario estar com jurisdicção.' Se se quer argumentar de analogia para o substituto do

Página 46

—46—

juiz de direito, é necessario serem logicos, e para serem logicos devem dizer: «O substituto do juiz de direito, quer esteja em jurisdicção, quer não, 6 respectivamente inelegivel»; e por consequencia não se deve fazer cavallo de batalha d'essa circumstancia. Aliàs d'essa circumstancia tiro eu um grande argumento a favor do sr. Francisco Hilario. Não havia nada mais facil do que ficar com a jurisdicção até á vespera do dia da eleição, e passar a jurisdicção a outro substituto, e cavilar d'essa arte a disposição da lei; mas o sr. Francisco Hilario foi cavalheiro; estava com jurisdicção, não passou a vara, continuou em boa fé usando da jurisdicção. Entendeu a lei como eu a entendo, e assim a entenderam os eleitores da sua comarca, que votaram n'elle.

Sr. presidente, basta só que este ponto seja controverso, que a este respeito haja duvida, para eu não ler a coragem de dizer a um collega meu que entrou com um diploma como eu entrei, que sáia d'esta casa para fóra; (Apoiados.) póde ser que esteja em êrro nas rasões que apresento, mas estou convencido-da força d'ellas, e gósto de as expender porque são conforme aos meus desejos. (Apoiados.) Ainda seria mais facil (e costumo dizer sempre as minhas opiniões com franqueza), se se tratasse de um deputado pertencente á maioria liberal o votar contra elle, do que sendo pertencente á minoria legitimista. (Apoiados.)Eu entendo que a camara deve ser generosa com aquelles cavalheiros, a fim de que elles tomem parte nos nossos trabalhos parlamentares, e que tratem de defender os interesses dos seus correligionarios. Eis-aqui as considerações que eu linha a fazer. (Apoiados.) O sr. A. II. Sampaio: — Durum opus aggredior! Sr. presidente, os adversarios são fortes e valentes, mas eu defendo a justiça da minha causa; devo um voto sincero e livre á minha patria, devo justiça a todos; devo a consciencia a Deus. Posso ser generoso com os adversarios e amigos, mas não o posso ser em menoscabo das leis do meu paiz, nem calcando o direito. (Apoiados.) Generoso com quem? A generosidade, senhores, é aqui uma offensa; se confessaes que sois generosos, é porque não podeis confessar que sois inteiramente justos; a generosidade não se póde aceitar da nossa mão: eu quero aqui os illustres deputados por direito proprio, não os quero por favor; (Apoiados.) favor póde faze-lo cada um com o que é seu, mas não o póde fazer nem com os principios, nem com o dever. Pensaes que a generosidade seria aceita? Era uma vergonha! Deus nos livre de estar aqui pela generosidade de ninguem; (Apoiados.) quero estar aqui pelo direito proprio do constituinte: não temos o poder para ser generosos. Quereis ser generosos para com o partido vencido? Muitas victimas tem elle; enxugae-lhes as suas lagrimas, matae-lhes a fome; (Apoiados.) a essa generosidade associo-me eu; para essa generosidade tenho trabalhado muito; e espero que quando esta junta se constituir em camara lenha occasião de fazer justiça: hei de pedir então que ella repare, não direi já as injustiças, porque seria talvez offender o partido liberal, mas que repare pelo menos as desgraças e as perdas dos vencidos (Apoiados.); isso sim; isso poderemos nós pagar com alguns contos de réis, podendo trazer ao gremio liberal muitos cidadãos que lhe fazem opposição, talvez pela injustiça que ainda se lhe faz; para ahi sim, para outra cousa não.

Eu não sei ser hypocrita, nem ninguem aqui o é; não quero que isto se tome como supposição de que póde haver aqui alguem que nutra tão baixos sentimentos; mas eu não sou homem de comprimentos nem de cortezias; quando estamos em publico, devemos fallar como estando diante da sociedade, como estando diante de Deus.

Eu folgo de ver ali aquelles cavalheiros, mas eu desejava muito mais ver aqui (apontando para o lado esquerdo) as suas pessoas. A existencia dos partidos é uma necessidade que eu reconheço; mas desejava antes a unanimidade. Sei que ha quem julgue boa a divergencia para ser mais resplandecente o triumpho; mas por este meio podemos chegar á apotheose da anarchia das idéas; não quero que aquelle partido renegue as suas crenças; o nosso Deus é diverso, a

nossa religião é differente; e direi na bella linguagem de Garret:

«Professei outra fé, sigo outro rito, E para novo altar meus hymnos canto»

Sr. presidente, a questão é toda de direito, e eu, hospede n'essa sciencia, hei de ir illustrar-me a outra luz; hei de examinar a nossa legislação constitucional, e á vista da philosophia do direito hei de concluir contra a illegibilidade do illustre deputado.

Qual tem sido a luta constante dos principios liberaes? O partido progressista tem pugnado constantemente por limitar a influencia do podér e das auctoridades n'estes actos eleitoraes: tem pugnado sempre por que senão faça pesar a influencia das auctoridades sôbre a liberdade dos cidadãos. O partido progressista tem pugnado sempre por que se deixe sómente livre curso á influencia legal de todos os cidadãos. Esta é a doutrina, estes são os principios que a escola progressista tem sempre professado, e d'estes principios e d'esta doutrina é que a commissão chegou á conclusão que vem no parecer.

Sr. presidente, o direito tem sido quasi sempre o mesmo. Já na constituição de 1820, artigo 35.°, se julgavam inelegiveis os magistrados dos districtos onde collectiva ou individualmente exercitavam jurisdicção: trazia algumas excepções, mas a regra era esta. O sr. Passos (Manuel) no decreto de 12 de outubro de 1836 estabelecia esta mesma doutrina, de que o deputado não podia ser eleito onde exercia jurisdicção. E não foi para o sr. Hilario, nem contra o sr. Quaresma que se fez esta lei: não foi para atacar a influencia do individuo; foi para annullar a influenciadas funcções.

E escusado estar a fazer differença entre juiz e substituto, entre primeiro e segundo substituto: é funccionario, e como o espirito da lei foi mais longe, como a lei quiz ir mais longe para garantir a liberdade de todos, eu hei de entende-la no sentido mais favoravel á sociedade. E como eu comprehendo os principios liberaes: se lhe abrir alguma poria ha de ser para garantir a liberdade da eleição.

Mas, sr. presidente, depois daquella lei, tivemos a lei das côrtes constituintes de 1838. E que dizia essa lei? Dizia. «São respectivamente inelegiveis os juizes de primeira instancia e seus substitutos nas comarcas em que exercem jurisdicção.»

Sr. presidente, esta lei dizia que os juízes de direito de primeira instancia e seus substitutos não podiam ser eleitos nas comarcas da sua jurisdição: podem dizer que não fallando a lei actual nos substitutos é uma prova de que podem ser eleitos. (Interrupção: — Essa é que é a cousa.) Essa é que é a cousa, e a essa cousa vou eu responder. Sahe V. ex.ª a differença que havia entre a organisação judicial de então e a de agora? É que os substitutos então eram vitalicios; a lei prohibia-lhes a illegibilidade mesmo quando não exerciam a jurisdicção. A lei não consentia que os substitutos fossem eleitos mesmo quando não estavam no exercicio das funcções. É a objecção e é a resposta: de sorte que em 1838 eram respectivamente inelegiveis o juiz que exercia as funcções, e o substituto que podia vir por acaso a exerce-las, e que podia tambem acontecer que nunca exercesse; mas só porque a idéa da perpetuidade podia fazer com que viesse um dia a exerce-las, só com esta suspeita a lei quiz garantir a liberdade do cidadão, e apartar toda a influencia de um futuro funccionario: esta lei esta confeccionada debaixo da influencia dos principios', debaixo dos quaes tem sido feitas todas as outras. Veiu a carta, e na carta não havia incompatibilidades. É escusado declarar as discussões que aqui houve, porque não vem agora para o nosso proposito, mas não é escusado, nem vem fóra de proposito ciar documentos que se apresentaram n'esta casa, e que são assignados por alguns collegas nossos, documentos que lhes fazem muita honra, e que eu me gloriaria muito de ter assignado.

Sr. presidente, em 5 de junho de 1848, apresentáramos srs. Avila, Rebello da Silva, João Francisco de Vilhena.

Página 47

—47—

Zeferino Cabral Teixeira de Mesquita, A. A. d'Almeida Portugal Correia de Lacerda, um projecto em cujo relatorio se lêem estas significativas palavras:

« No projecto que a commissão vem submetter ao seu exame (da camara), não viu senão a necessidade de garantir o direito, e de fazer livre e pleno o seu exercicio... Ainda no pensamento de garantir a maior liberdade possivel á eleição, se consagrou o principio das incompatibilidades relativas. Todos os empregados que pelas suas funcções podem exercer influencia devida ao cargo, e não unicamente á confiança que inspiraram como cidadãos, são inelegiveis nos districtos e comarcas onde as suas funcções podem coagir a vontade dos eleitores, e valer-se da auctoridade para extorquir seu voto ás consciencias timidas.»

Sempre o exercicio das funcções constantemente!

Sr. presidente, o decreto de 20 de junho de 1851 traz a mesma prescripção: «Os juizes de direito de primeira instancia... quasi todos não pódem ser eleitos nos circulos eleitoraes, que comprehendem em todo ou em parte os respectivos districtos em que exercem os seus empregos.»

Esta redacção era diversa, porque o processo eleitoral era tambem diverso; a liberdade era mais restricta do que agora, porque como as eleições eram indirectas, o funccionario não podia ser eleito ainda mesmo pelos eleitores não comprehendidos no districto da sua jurisdicção, porque se não podia saber se os votos que tinha lido eram ou não da comarca a que pertencia; era por isso inelegivel inteiramente.

E quer V. ex.ª saber qual foi a interpretação ou applicação de lei que a junta preparatoria de uma camara livremente eleita, e não de nenhuma camara á qual se possa pôr a menor suspeição; quer saber, digo, como ella procedeu, como ella decidiu? Eu lh'o digo. Houve na eleição de Lamego um protesto contra a eleição do sr. Fonseca Osorio, e o parecer da commissão de verificação de poderes, lavrado em 31 de dezembro de 1851, diz o seguinte:

«O protesto contra a eleição de Antonio Pinheiro da Fonseca Osorio funda-se em ser o mesmo substituto do juiz de direito em effectivo serviço ha longo tempo, e em não lhe ler sido dada a tempo a demissão. A commissão considera que este protesto tambem não procede, porque a demissão foi dada por decreto de 10 de novembro, e não se prova que o deputado eleito estivesse em exercicio no tempo proximo das eleições. = 30 de dezembro de 1851. = = A. Luiz de Seabra =R. Nogueira Soares = A. Pequito Seixas de Andrade = F. G. da Silva Pereira. »

De sorte que não se provava que estivesse em exercicio na epocha da eleição, mas a commissão dizia que não se provava que estivesse em exercicio no tempo proximo ás eleições. Que se conclue d'aqui? Conclue-se que a camara e a commissão entendiam, que se estivesse em exercicio, o protesto procedia. E quer V. ex.ª saber quem é que esta assignado n'este parecer? Os srs. Pequito, Nogueira Soares, Seabra e Silva Pereira, e eu não faço senão seguir tão distinctos collegas. E que havia a commissão de fazer á vista d'estes precedentes? Havia de lavrar o parecer como lavrou, nem podia proceder de outro modo. Era ou não era o juiz de direito substituto com exercicio o sr. Hilario? Era, e prova-se das tres certidões que aqui estão, que linha tomado posse da vara em 30 de outubro, e que a tinha largado a 12 de novembro, isto é, teve-a oito dias antes, e mais alguns dias depois; o contrario do que aconteceu naquelle caso citado pelo illustre deputado que me precedeu; ás avessas inteiramente, e d'aqui não sei o que queria concluir, queria concluir assim como eu concluo, que se aquelle juiz estivesse em exercicio, o parecer da commissão havia de ser contra; e este parecer foi approvado sem discussão, como diz a acta do Diario do Governo.

Vamos agora ver o resultado da eleição" e esta resposta satisfará á pergunta do nosso amigo o sr. Costa. Os immediatos em votos foram os srs. João Feio' Soares d'Azevedo com 2:750 votos, o sr. D. Sancho Manuel de Vilhena com 2:557, o sr. Correia Caldeira com 2:281, e o sr. barão da Tôrre com...

Vejamos agora os votos que leve o sr. deputado de quem se trata na comarca da Povoa de Lanhoso, onde estava exercendo jurisdicção; teve ahi 893 votos, tendo o immediato em votos 356. Ponhamos ambos na mesma posição: cegue-mos pugnas, eliminemos a comarca para uns o para outros, para os elegiveis e para os não elegiveis. Sobre quem recáia a eleição do resto do circulo? Sôbre os outros, porque eu posso suppor que esta maioria de votos fosse dada á influencia da auctoridade. Se a lei o suspeitou e quiz apartar essa influencia, qual ha de ser a rasão por que se não ha de reconhecer? Realmente fico em duvida, e esta não se póde desfazer senão de uma fórma, invalidando-se a eleição, procedendo-se a outra, apresentando-se o mesmo sr. deputado nos collegios eleitoraes despido da sua influencia, e veremos se elle em igualdade de circumstancias póde ou não competir com os seus adversarios.

Se a commissão, remexendo os algarismos, quizesse chamar o seu immediato, n'esse caso poderia dizer-se que nós fechávamos a porta a um representante; mas nós, entenda, se, a junta, verifica os direitos dos deputados eleitos; reconhece os diplomas que se apresentam, mas não concede diploma novo. Entendo que chamando o immediato em votos poderia fazer representar uma maioria, a qual era contraria á maioria dos eleitores daquelle districto, e nós não podémos fazer similhante cousa.

Se a amisade fosse o que decidisse as questões, eu de certo daria o meu voto ao sr. Soares de Azevedo; mas chama-lo em virtude d'esta inelegibilidade não hei de ser eu que hei de votar para que isso se faça, uma vez que a lei não reconhece as substituições; e assim a commissão é de parecer que se deve proceder a nova eleição. Foram estas as rasões que obrigaram a maioria da commissão a lavrar este parecer. Se a camara julgar o contrario respeitarei a sua decisão.

O sr. Mello Soares: — Tinha pedido a palavra, quando o sr. Costa pediu esclarecimentos. Como esta satisfeito, porque o illustre relator da commissão respondeu a uma e outra cousa, por isso cêdo da palavra.

O sr. Francisco Hilario: — Sr. presidente, lendo o parecer da commissão relativamente á minha eleição suppuz um dever não tratar da validade d'ella, nem defende-la, porque não queria ser notado do desejo ou avidez de occupar um logar de deputado n'esta casa; no entanto reflectindo mudei de opinião, porque suppuz que a minha honra pedia que eu mostrasse com rasões porque entendia que a minha eleição era legal.

A legalidade da minha eleição esta habilmente defendida pelo illustrissimo e jurisperito o sr. Ferrer; no entanto julgo do meu dever dizer tambem alguma cousa sobre o assumpto. É a lei de 30 de setembro de 1852 que legalisa a minha eleição. Esta lei no artigo 10.° estabelece, regra geral, que todos os que podem votar são babeis para serem eleitos deputados sem condição de domicilio, residencia ou naturalidade. N'esta amplitude está comprehendido sem questão alguma o juiz substituto do de direito da comarca da Povoa de Lanhoso. Esta lei tem excepções absolutas no seu § unico, e excepções respectivas no artigo 12.°, e o § 3.º é o applicavel á minha questão.

A lei diz no citado artigo 12.º e § 3.º: «São respectivamente inhabeis para serem eleitos deputados os juizes de direito.» Diz as palavras—juiz de direito. =por conseguinte a decisão da questão esta em saber-se se o juiz substituto do de direito é ou não juiz de direito?

Não ha lei nenhuma que classifique o substituto do juiz de direito como juiz de direito, o que se quiz inculcar no protesto apresentado por Francisco José de Sousa. Uma cousa é o substituto do juiz de direito e outra o juiz de direito. Os juizes de direito estão no quadro da magistratura e os substitutos não, aquelles são perpetuos e estes annuaes, e outras muitas differenças ha. Dadas estas differenças, segue-se que os substitutos dos juizes de direito não estão comprehendidos na disposição do § 3.° do artigo 12.º citado; porque n'elle se falla sómente dos juizes de direito de

Página 48

-48—

primeira instancia, e (los delegados do procurador regio, e ruo dos substituíeis daquelles, e sendo o citado artigo restricção da regra geral do artigo 10.°, tambem segundo as regras de interpretarão juridica restrictivamente se deve entender, isto é, com limitação aos juizes de direito e delegados de que falla litteralmente.

Não está portanto o substituto do juiz de direito comprehendido na excepção. A lei não declara a rasão por que exclue os juizes de direito, nem da sua letra se deduz, por conseguinte, como ha de deduzir-se que o substituto do juiz de direito esta comprehendido no espirito da lei? Se a rasão »la lei no citado § 3.° é a influencia da auctoridade, tambem não se póde entender esta rasão da influencia da auctoridade em abstracto; e segundo as regras de direito a rasão da lei deve-se entender segundo o sentido das palavras, tomadas no seu sentido natural. A lei diz = os juizes de direito=sendo a rasão a influencia, é a influencia privativa do juiz de direito, e não a do substituto. Parece-me, sr. presidente, que estas rasões são fundadas nas regras geraes de direito, e que em vista "da letra da lei não se póde admittir outra interpretação. Os juizes de direito é que são considerados inelegiveis respectivamente. Ora se eu fosse considerado como juiz de direito, então podia ser-me applicada a disposição do artigo; mas como não sou considerado I juiz de direito não posso ser excluido á face da excepção [ do § 3.º do artigo 12.° da lei, e devo ser considerado como comprehendido na regra do artigo 10.° Outras mais rasões ha para sustentar a legalidade da minha eleição; eu não faço cargo de as expor, porque, já disse, acham-se sobejamente deduzidas pelos oradores que em meu abono fallaram. Mas tenho ainda que deduzir da lei um argumento. O legislador sabia que os juizes de direito tinham substitutos, mas não mencionou os substitutos no citado § 3.°, mencionou só os juizes de direito: logo n'esta restricção á regra geral não entraram os substitutos na mente de quem fez a lei. Alei tambem declara inelegiveis respectivamente os delegados, e não falla nos sub-delegados, e os sub-delegados tambem exercem nos seus julgados o mesmo ministerio com pouca differença do que exercera os delegados na cabeça das comarcas; e já o artigo 13.°, mostrando as incompatibilidades com o logar de deputado, ali diz = que é incompativel o logar de deputado com o de procurador regio, com o de delegado e sub-delegado¦ =; e d'aqui se conclue que mencionando n'este artigo os sub-delegados, e não no artigo 12.°, é porque não quiz inclui-los no supra citado artigo 12.°

É portanto a lei citada a que protege e sustenta a validade da minha eleição, e a que me confere um direito que segundo já li no parecer de uma das commissões é sagrado para todos os que prezam a pureza do governo representativo. E podera d'este direito Ião proclamado ser excluido o substituto do juiz de direito da Povoa de Lanhoso, o deputado eleito pelo circulo de Braga? Se tal acontecer, o que se mostra d'aqui é que ha mais alguma cousa. São estas as rasões em que fundamento a legalidade da minha eleição.

Continuando a discussão estarei presente até que chegue ao ponto da votação, e então me retirarei esperando fóra d'esta casa a decisão da junta. (Vozes: — Muito bem.)

O sr. Maximiano Osorio: — Sr. presidente, eu não posso deixar de unir os meus votos aos do illustre deputado eleito o sr. Ferrer, na parte em que se aparta da maioria da commissão e impugna a segunda conclusão do parecer da mesma, em que declara que ao deputado eleito pelo circulo de Braga, o sr. Francisco Hilario, não se deviam contar os votos que leve na comarca da Povoa de Lanhoso, em rasão de estar funcionando na qualidade do substituto de juiz de direito; porque não estando nós exercendo as funcções de legisladores, mas sim de juizes, temos obrigação de applicar a lei ao caso occorrente pelo strictum jus. A questão que se ventila reduz-se ao seguinte: A disposição do artigo 12° do decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852 é applicavel ao juiz de direito substituto?, Diz a commissão = é—.; e eu respondo = não. = A commissão segue a affirmativa, e eu a negativa, porque entendo que nem a grammatica do artigo, nem a logica auctorisam similhante conclusão. Não auctorisa a grammatica do artigo, por isso mesmo que é forçoso confessar que faz muita differença entre juiz de direito e substituto; e tanto é verdade que a grammatica do artigo não auctorisa, que a commissão foi recorrer ao espirito da lei; signal evidente de que não estava comprehendido nas suas palavras. Se não favorece a interpretação grammatical do artigo tambem não favorece a interpretação logica, porquanto a jurisdicção do juiz de direito não e igual á jurisdicção do substituto, e ainda que o fosse não se podia applicar a mesma disposição que diz respeito ao juiz de direito proprietario. Segundo a lei de 18 de junho de 1855, quando o substituto exerce as funcções de juiz, pela ausencia do juiz de direito, as funcções orphanologicas passam a outro substituto; por consequencia o substituto do juiz de direito não exerce na ausencia do juiz de direito proprietario as mesmas funcções que elle exerce. Mas ainda mesmo que effectivamente as exercesse, não colhia a paridade. Qual é a rasão por que a lei não quer estabelecer a elegibilidade com respeito ao juiz de direito proprietario? É por isso mesmo que entende que o juiz de direito, em consequencia do prestigio da auctoridade, póde fazer com que o resultado do escrutinio não seja á vontade dos votantes. E succederá isto com respeito ao juiz de direito substituto? Não, senhor; o precario das attribuições do juiz de direito substituto tira-lhe lodo o prestigio e toda a consideração; o juiz de direito proprietario, por isso mesmo que é perpetuo, tem de exercer as funcções de juiz durante lodo o tempo que ali estiver, ao passo que as funcções de juiz de direito substituto expiram desde o momento em que o juiz de direito proprietario tornar ás suas funcções; e este precario de exercicio da auctoridade tira-lhe o prestigio, prestigio que não póde dar logar a que elle concorra com o prestigio do juiz de direito proprietario. Isto é mesmo concedendo que ha paridade; mas já mostrei que as funcções não são identicas, por isso mesmo que o juiz de direito substituto não exerce as mesmas funcções que exerce o juiz de direito proprietario.

Os dignos membros da commissão recorreram a uma das regras de interpretação, que e á mente e ao espirito do legislador. Salvo porém o devido respeito aos illustres membros da commissão, entendo que offenderam outras regras de hermeneutica juridica, e são as seguintes. É uma regra de hermeneutica juridica, que nós não devemos recorrer a regras de interpretação quando a lei é clara, e eu não encontro duvida alguma sobre a intelligencia do artigo 12.° do decreto de 30 de setembro de 1852, por quanto elle é claro e terminante em fallar simplesmente do juiz de direito proprietario: logo não lemos necessidade de recorrer a principios de hermeneutica juridica: a lei é clara o terminante, é por consequencia forçoso que, como juizes, a appliquemos aos casos occorrentes, e pouco nos deve importar a mente e o espirito do legislador, e quaes foram as rasões que concorreram para que assim se fizesse. É uma outra regra de hermeneutica juridica, que para se póder recorrer á mente e espirito do legislador para lhe dar uma interpretação extensiva, é necessario que se dê igualdade de circumstancias, que haja paridade; mas eu já mostrei que esta paridade não se dá, que não ha analogia entre o substituto de juiz de direito e o proprietario; logo offendemos esta regra de interpretação, em quanto lhe queremos dar uma interpretação extensiva, baseada na mente e espirito do legislador. Offendeu-se outra regra de interpretação; é uma regra de interpretação juridica, que as leis restrictivas não soffrem interpretação extensiva; o artigo 12.º do decreto eleitoral é restrictivo, e como restrictivo não póde soffrer interpretação extensiva. Por conseguinte a regra de interpretação a que a illustre commissão recorreu, que é a mente e espirito do legislador, não e applicavel ao caso em questão; e se nós estâmos a exercer as funcções de juiz, e se o direito é este, a nós não nos compele, como juizes, senão fazer a applicação. Sou por consequencia de parecer, que ao sr. deputado

Página 49

—49—

eleito pelo circulo de Braga se lhe devem coutar os votos que teve na comarca da Povoa de Lanhoso; e por isso voto n'esta parte contra o parecer da commissão.

O sr. Rebello Cabral: — Sr. presidente, vou fazer poucas considerações, porque entendo que o objecto, visto que tratámos de questão de direito, e em que lemos lei, está mais que demonstrado.

Os illustres deputados que defenderam o parecer da maioria da commissão elevaram-se a considerações que n'outras circumstancias seriam muito aceitaveis; trataram mais do direito constituendo, e até do direito que vigorou n'outra epocha, do que do direito constituido. Já se tem dito por muitas vezes n'esta junta que, lendo nós a exercer as funcções de juizes de direito, lendo de applicar a lei eleitoral aos fados que se apresentam, e só a esses que se apresentam, não podemos ampliar as disposições do mesmo direito. Se assim e, se temos direito constituido, como eu reputo que temos, como é que para uma questão tão clara, tão definida, vem argumentar-se ou com propostas de lei que não se converteram em acto legislativo, ou com leis que existiram, mas que não existem, ou com conveniencias que para o futuro pódem dar-se, mas que não se dão á vista da lei e situação actual?!

Sr. presidente, o illustre deputado eleito por Lisboa, relator especial da commissão, entendeu, na sua posição especial, que não devia fazer comprimentos e cortezias ao illustre deputado eleito de que se trata, nem ao partido publico a que se diz elle pertence; disse que lhe queria fazer I justiça, mas que não lhe faria nem queria fazer favor. Eu creio que o illustre deputado ha de concordar comigo, assim como todos aquelles que defenderem a elegibilidade do illustre deputado, que na defeza que tomámos por elle somos justos, queremos fazer justiça, e não carecemos de conceder favor ao illustre deputado, ou ao seu partido politico. Mas elevando-nos ás considerações politicas que o caso demanda, (Apoiados.) dizemos, temos dito, e continuaremos a dizer, que a estada do illustre deputado e seus companheiros n'esta casa é necessaria e conveniente, e por lai modo que esperava até que não fôsse impugnada por ninguem. É tempo, como eu já disse ha pouco, de acabarem certas divisões, e porventura rancores, que eram licitos em occasiões de fermentação, mas que não convem para o paiz por uma serie de annos como aquella que tem decorrido desde 1834 para cá! Mas, se a questão não se trata pelo lado politico, mas sim pelo direito stricto; se nós vimos a defeza pròpriamente de direito, que muito bem foi dada pelo mesmo illustre deputado eleito; se ella é procedente, como havemos de votar pela sua exclusão ou pela sua condemnação? Eu não vejo rasão para tanto, sr. presidente.

Essa lei antiga, em que se incluíam os juizes de direito e os seus substitutos, era aquella que se devia olhar como um argumento contraproducente demais em favor do illustre deputado eleito. O modo como a lei se explica no principio do artigo 10.° e no § 3.° do artigo 12.°, comparado com o n.° 6.° do artigo 13.°, a que tambem já o illustre deputado eleito alludiu, não deixa nada a desejar sobre a questão, porque a regra geral é que lodo o cidadão, nos lermos do artigo 10.° e não estando comprehendido nas excepções absolutas dos seus 3 n.°s póde ser eleito deputado, e uma das excepções respectivas é a dos juizes de direito de primeira instancia. E na excepção do § 3.º do artigo 12.° estarão comprehendidos os juizes de direito substitutos? Não, nem se póde confundir o juiz de direito substituto com o juiz de direito proprietario. A este respeito refiro-me, para não ser fastidioso repetindo, ao que disse o illustre deputado relator geral da commissão, o sr. Ferrer, porque nada deixou a desejar; mas sómente acrescentarei ao que se acabou de dizer pelo lado juridico, porque nós estâmos tratando uma questão de direito, que sendo uma especie de disposição excepcional e restrictiva aquella de que se trata; não a devemos ampliar, porque é bem sabido que as excepções ou cousas odiosas não se devem ampliar, mas sim restringir, e argumentos de analogia ou inducção por paridade

ou maioria de rasão, nem para a classificação de qualquer crime são admissiveis pelo codigo penal, artigo 18.º

Perguntarei pois aqui aos illustres deputados, como querem então comprehender o sr. Hilario na excepção de que trata o § 3.° do artigo 12.° do decreto de 30 de setembro de 1852? Diz-se = porque estava em exercicio de juiz de direito substituo ao tempo da eleição. = Mas pergunto ainda: aonde e que a lei distinguiu essa differença ou hypothese? Querem os illustres deputados distinguir onde a lei não distingue? Não póde ser. Nós não podemos excluir d'esta casa deputados que estão tão curial e legitimamente eleitos como nós.

Sr. presidente, parece-me que esta questão tem sido e deve ser tratada com a maior placidez, mas tambem com a maior deferencia para com as conveniencias publicas. Todos nós lemos de certo em vista esta consideração. E eu estimo muito que no proprio seio da commissão apparecessem duas opiniões Ião diversas como aquellas que serviram de basea discussão pendente. Mas no meio de duvida, se duvida houvera sobre esta questão, o que pede o direito e a politica? Pede que não excluamos um deputado que foi competentemente proclamado no collegio eleitoral, porque os seus compatrícios lhe déram uma votação bastante para ser eleito, e para ser eleito com maior numero de votos que outro qualquer dos seus collegas. E visto que não e respectivamente inelegivel, não resta mais que approvar a eleição. Mas diz-se = se a eleição for annullada ha de se mandar proceder a nova eleição. — Não convenho n'isso, nem me parece que o decreto eleitoral o mande assim; pelo contrario entendo que nós não temos poder em tal caso para mandar proceder a nova eleição, mas devemos chamar o immediato em votos. A este respeito, sr. presidente, parece-me que devo pôr em comparação o juizo de duas commissões, o da que deu o parecer que se discute, e o da segunda illustre commissão sobre a eleição do circulo da Guarda, cujos juizos ou pareceres n'esle ponto estão inteiramente oppostos. Porquanto ao tempo que aquella primeira commissão diz = não podemos chamar o immediato em votos, ainda com maioria legal—, a segunda commissão, relativamente ao dito circulo da Guarda, n'uma questão similhante, que no mais deixa á decisão da camara, entende que no caso de se não validarem os votos de uma outra assembléa primaria, cujo resultado póde prejudicar a um deputado eleito, então deve chamar-se o immediato mais votado com maioria legal. É esta a unica doutrina competente e que deve seguir-se, é mesmo a que está expressamente consignada no decreto eleitoral, artigos 87.°, 103.° e seguintes.

«Mas nós não elegemos deputados.» Assim é, mas tambem não considerâmos nem podemos considerar as assembléas de apuramento dos circulos eleitoraes com direito de tirar diplomas a uns e da-los a outros; porque ellas teem uma attribuição bem designada na lei eleitoral, e limita-se propriamente só a apurar os votos das assembléas primarias segundo constar das actas, e a dar os diplomas; mas se abusarem, não tem a junta preparatoria da camara dos deputados o direito de chamar aquelles que foram legitimamente eleitos? Os illustres deputados não reparam nas consequencias tristes que se seguiriam de uma doutrina contraria a esta? N'esta parte não pugno pelo voto da primeira commissão, e seguirei antes o voto da segunda commissão, que esta mais conforme com a lei e com os bons precedentes. Parece-me assim que o negocio está esclarecido; e limito-me a votar pelo parecer da maioria da commissão quanto á elegibilidade do illustre deputado Hilario, depois de approvar o parecer quanto á eleição do circulo de Braga.

O sr. Rebello da Silva: — Sr. presidente, desejaria dispensar-me de emittir opinião n'esta questão, porque laboro ácerca do assumpto n'uma certa perplexidade de animo. De ambos os lados apresentam-se rasões poderosas, mas o que me esforça é que por principio, e por dever até, em caso de duvida sobre taes pontos não posso deixar de me decidir pela resolução mais favoravel ao eleito, e mais em harmonia com o suffragio dos eleitores.

Página 50

-50—

Não entraria no debate, repito, se uma referencia do illustre deputado relator especial da commissão (o sr. Sampaio) me não me chamasse de alguma fórma a elle, honrando-me com a citação de um trecho do projecto eleitoral, apresentado na legislatura de 1848 pelo meu nobre amigo o sr. Avila, por mim e por outros cavalheiros. Esse documento, que abona os principios sinceros dos signatarios, reproduziu então, como ainda-hoje reproduziria, as minhas idéas sobre o assumpto. Longe de o repudiar, adopto-o, confirmo-o, e estou prompto a jurar em toda a parte e em todos os logares a sua doutrina, porque a reputo santa, justa e eminentemente liberal.

Mas agora não se trata de constituir direito para a melhor eleição possivel; cuida-se de resolver em presença da lei escripta e conforme as suas prescripções uma difficuldade, que se offerece relativamente á elegibilidade do sr. Hilario, eleito por Braga. Nada mais.

Não condemnâmos, nem absolvemos com o nosso voto na questão, bem sei; o que fazêmos só é conformar com o facto e o direito a nossa decisão. Mas é por isso mesmo que me sinto perplexo, e que não achando na lei uma sentença clara e expressa, que designe a incompatibilidade, não a achando mesmo estabelecida para os juizes substitutos, me pronuncio pela admissão, porque n'estas materias de restricção de direitos politicos, como nas penaes, entendo que aonde a lei não fallou positivamente, não cabe a interpretação extensiva.

Eis o motivo por que não votarei que se mande proceder a uma nova eleição em quanto não for plenamente convencido de que a inelegibilidade relativa está provada.

O nobre deputado o sr. Sampaio offereceu considerações de muito pêso, e deduziu do principio da garantia da sociedade os argumentos com que escuda as conclusões do parecer; mas permitta-me elle que lhe observe, que essas mesmas considerações tão hàbilmente entretecidas, e de tão longe ás vezes adduzidas, provam a necessidade de soccorrer o texto da lei, e de o estender a uma hypothese que elle não inclue. Ê por isso, que eu, na duvida, entendo que poderemos sim ampliar o decreto de 30 de Setembro de 1852, mas não suppor n'elle por inducção uma disposição restrictiva dos direitos politicos, que elle não inscreveu no texto.

Hei de pugnar sempre para que o direito eleitoral Seja exercido em toda a sua plenitude, cercado de garantias que o assegurem; e desassombrado da pressão de influencias de auctoridade que lhe degenerem a indole e a expressão; entendo que sem isto o systema representativo seria a ficção do que deve ser na realidade, e que viciada a representação nacional na origem, tudo o mais sairia falso e corrompido tambem; mas n'esle caso nem vejo o perigo tão ameaçador, nem a voz da lei me recommenda a severidade que se pede. Os eleitores escolheram, o decreto não prohibiu designadamente a escolha, e aonde elle não fallou, custa-me a crêr que nós devamos supprir o seu silencio; interpelando-o, direi mais, forçando as analogias de outras leis e até o preceito de outros pareceres e relatorios. (Apoiados.)

Quero todas as idéas representadas n'esta casa. Só assim chegaremos ao appetecido fim determos a verdadeira e Sincera expressão de todas as opiniões no parlamento. Por isso não hesito de maneira alguma em ratificar a doutrina que foi exarada no projecto eleitoral; e declaro mais, que se ainda hoje concorresse para a formação de uma nova lei, havia de ir mais longe a este respeito do que o decreto de 30 de setembro de 1852.

Mas a questão que se agita não ha de ser decidida pela lei que se fizer, mas pela que está feita. O contrario, a meu ver, iria ferir as regras de justiça, e lesar nos seus direitos os cidadãos.

O meu illustre amigo o sr. Ferrer invocou os principios de generosidade, não no sentido de quebrarmos por amor d'elles o preceito da lei, mas só de os attendermos em casos para muitos mais do que duvidosos como este. S. ex.ª claramente o disse e far-lhe-ia injuria, attribuindo ás suas

palavras outro sentido, absurdo, herético, é até offensivo perante os principios que regem a materia, e que elle professa com applauso nas cadeiras da Sabia corporação a que pertence.

Os diplomas dos deputados não se lavram aqui e não depende do favor ou dos rigores d'esta junta. (Apoiados.) Verificar os fados, apurar a verdade, applicar-lhe o direito estabelecido e concluir, eis o nosso officio aqui, e os limites d'elle. Nem um passo alem, ou um passo atraz!

N'estas resoluções o coração deve calar-se, porque só tem juz a decidir a consciencia e o racionio. Severos com a lei, sinceros com a verdade, nem fazemos obsequio, nem perdoámos illegalidades, nem absolvemos injustiças e coacções. Acima de nós está o tribunal que nos ha de julgar, e que não levanta os olhos de nós; e a esse, que é o paiz, daremos depois rigorosa conta da maneira por que admittimos n'esta casa os homens encarregados de representar os seus interêsses.

E claro portanto que só podemos admittir o deputado se elle foi bem eleito, ou se podia ser eleito. Direi ao nobre relator especial da commissão, que onde a lei não declara abertamente uma incompatibilidade, não a devemos nós suppor, e que esta rasão é que me leva a votar contra as conclusões do parecer, reconhecendo todavia, que foram dictadas com o espirito de premunir o suffragio contra a pressão de influencias de auctoridade. Mas eu entendo mesmo n'esle aspecto, que o juiz substituto não tem a mesma influencia que o juiz de direito proprietario; e que sendo fortuito e casual o exercicio da funcção, não se encontra n'elle a extensão e duração e base do ascendente que a lei quiz attenuar, prescrevendo a incompatibilidade relativa do juiz de direito proprietario. Toda a questão reside n'isto.

Não o nego porém, apesar d'estas indifferenças importantes; os substitutos sempre exercem alguma influencia, no caso de assumirem a vara; mas d'ahi á preponderancia de um cargo vitalicio vae muito, e pela mesma rasão deveria tambem a lei ter excluido os parochos, os commandantes de corpos, e outros logares, que estão em identicas circumstancias, como notou o sr. Ferrer. E se ella parou, como ò mostram os seus artigos 13.º e 14.°, não nos cabe a nós amplia-la, recorrendo a interpretações, que a hermeneutica juridica não admitte.

Tambem occorre outra circumstancia para mim de muito pêso, e é o não apparecer o menor protesto, a menor queixa ácerca da pressão n’essa influencia exercida pelo juiz de direito substituto na sua comarca. E se as rasões tiradas d'ella colhem para a temer, a falla de protesto deve tambem concluir para a não suppormos na hipothese dada.

E por isso tanta rasão tenho eu para dizer que a eleição nasceu unicamente da vontade livre dos eleitores, como outro para crêr que parte d'ella fôsse devida á influencia do logar; e a questão ficará nos mesmos lermos, lendo sempre nós de voltar á sentença positiva da lei.

Nós não admittimos os deputados eleitos de que se trata por favor, nem elles o aceitariam, porque se deshonrariam recebendo-o, como nós nos deslustrávamos offerecendo-o. Justiça e não favor é o que devemos áquelle lado da camara; e acrescentarei por gloria do systema, que estimo mais ve-lo guarnecido dos representantes do seu partido depois de tão longa abstenção, do que se continuasse deserto e silencioso como antes. Não o quero na esquerda, no centro, ou na direita; desejo-o no seu posto para combater as opiniões que não approvar, para que elle coopere comnosco para a formação de sabias leis, e para que finalmente se fechem e cicatrizem as chagas de tantos annos de discordia; e se lavem das bandeiras de todos os partidos as nodoas do sangue esteril derramado sem fructo em luctas deploraveis... Quero que a verdade desça sobre todos, quê as dissidencias se attenuem, e que o tracto e a convivencia politica approximem as distancias abraçando-nos a todos para o bem do paiz... (Apoiados.) Os deuses e os altares de cada um, se não curvo o joelho diante d'elles, tambem os não insulto..

Página 51

—51—

O sacrario da consciencia é inviolavel, e o fôro da opinião illimitadissimo. A maior victoria do systema representativo seria no dia em que todas as fracções reconhecessem os seus dogmas e jurassem sobre os seus estandartes. Mas não alcançou elle já muito? Depois de vinte annos, eis os nossos adversarios aqui! Honra lhes seja por aceitarem o campo, e démos os parabens ao paiz porque d'esta vez tem n'esta casa todas as idéas representadas por habeis defensores. (Apoiados.)

Acho por isso de toda a vantagem que aquelle lado (o direito) tenha ali o seu estandarte hasteado defronte dos das outras opiniões; porque se a verdade se disser aqui e todos os partidos podérem expor os seus pensamentos livremente, não haja medo de revoluções lá fóra; quando a opinião comprimida se manifestar na tribuna e na imprensa, então sim, é que a inquietação ha de gerar os tumultos e resistencias, e estas as revoluções e as guerras civis, que desgraçadamente enchem já mais de uma pagina na historia do nosso tempo; mas em quanto aqui se abrir amplo campo á liberdade da discussão e estiverem representados todos os partidos, a revolução é impossivel. O paiz todo esta de guarda ás instituições, e elle póde mais só do que todas as facções juntas. (Apoiados.) Comprazo-me pois de ver aqui aquelle partido; é mais do que tempo já de nos reunirmos n'uma só familia, e de apagar odios inveterados que perderam hoje o sentido; todos somos portuguezes, todos pertencemos á mesma nação, todos temos direitos e deveres iguaes. Guardem o seu deus, e guardem embora a sua bandeira e o seu altar. O triumpho e o brasão do systema representativo é este de nos chamar de todos os lados aqui, e de nos abrir a tribuna para expormos as nossas opiniões e idéas. (Apoiados.) Não temo que estejam na direita, na esquerda ou no centro, ou onde quizerem os representantes d'esse partido; respeito-os em Ioda a parte, comtanto que elles tenham voz para representar os interêsses do paiz e o desejo ardente de os promover. (Apoiados.)

Voltando á questão direi ainda, que entendo que as incompatibilidades significam a excepção do principio geral. Todo o cidadão portuguez tem o direito de eleger e de ser eleito; e a regra não se restringiu senão para dar garantias á urna de maior liberdade. Esta é a rasão das incompatibilidades; e por consequencia, onde a lei as não inscreve positiva e claramente, repito que nós não temos o direito de as crear por interpretação extensiva; e n'este caso julgo que está a hypothese de que tratâmos. O illustre relator da commissão observou que os substitutos pela lei de 1838 eram vitalicios; parece-me que d'esta circumstancia se póde derivar o motivo da incompatibilidade allegada, e á differença da legislação actual a causa do silencio do decreto de 30 de setembro de 1832. (Apoiados.)

O parecer que s. ex.ª tambem citou não me convence se o entendi bem. Não vejo que fossem mais livres as eleições quando o juiz largava a vara vinte e quatro horas antes de ir á urna, e a tornava a assumir vinte e quatro horas depois!

O sr. A. R. Sampaio: — Lá não esta isso; essa é a historia, mas não a letra do parecer.

O Orador: — Faz o obsequio de o ler?

O sr. A. R. Sampaio: — Eu leio. (Leu.)

O Orador: — Bem, eu linha confundido a especie. Foi a historia que subiu á mente! (Riso.) Sempre suppuz que havia uma historia n'esse negocio, e era contra ella que me devia pronunciar. (Apoiados.)

Concluirei. Os motivos do meu voto a favor da eleição do sr. deputado eleito são estes. Approvo, porque a letra expressa da lei o não recusa. (Vozes: — Muito bem.)

O sr. Ferrer: — Sr. presidente, levantei-me para dizer duas palavras ao meu illustre collega da commissão o sr. Sampaio. Foi uma palavra terrivel a palavra generosidade, que eu tive a imprudencia de lançar no meio d'esta assembléa! Mas sinto muito que um homem de tanto espirito e que tão bem sustenta qualquer questão fizesse um castello de cartas para o deitar abaixo com um. sôpro.

A junta ha de estar lembrada de que eu disse que não podia suffocar no peito um sentimento generoso, quando elle não ia de encontro a uma disposição clara e terminante da lei. Eu sei que generosidade e justiça são duas cousas inteiramente differentes, inteiramente contrarias; não é novidade nenhuma que o illustre deputado viesse apresentar á junta preparatoria, e seria pôr-me uns trinta furos abaixo dos poucos conhecimentos juridicos que tenho para suppor que não sabia isso. Sr. presidente, quando a questão é duvidosa, quando o ponto é questionado, quando se esta em duvida, a regra de direito é absolver e não condemnar; no caso de duvida eu folgo de absolver e não de condemnar, e appello para todos os jurisconsultos que estão dentro d'esta casa, que me digam se algum era capaz de condemnar um réu em caso de duvida.

Sr. presidente, para mim é evidente e claro, tenho uma convicção profunda de que o nobre deputado eleito o sn Francisco Hilario Ribeiro de Sousa foi legalmente eleito; mas para alguem póde o caso ser duvidoso, e para quem duvidar disse eu deve decidir-se pelo sentimento da generosidade.

Dentro dos limites da justiça, dentro da esphera do direito póde-se ser generoso. A palavra generoso significa conveniencia politica.

Sr. presidente, o nobre deputado não quer generosidade em materia de justiça; mas o nobre deputado quer ser generoso com os dinheiros do thesouro publico para cicatrizar as feridas dos convencionados de Evora Monte. Parece-me que foram as suas proprias palavras. Pois somos senhores da fortuna publica? Pois a justiça distribuitiva não entra na distribuição do dinheiro da nação? Quererá o illustre deputado dispor segundo o seu alvedrio e generosidade do suor dos contribuintes?

Sr. presidente, eu quero justiça mais larga, quero-a em tudo e para todos, e só quando houver duvida, quando a minha rasão não vir claramente a verdadeira disposição da lei, passo a questão do campo da intelligencia para o dominio do coração; porque os instinctos naturaes tambem indicam o que é justo muitas vezes, com maior acêrto do que os calculos frios da rasão.

O meu illustre collega não póde respondêra nenhum dos argumentos juridicos que apresentei, apesar de eu chamar a attenção sobre alguns. Esta omissão de tão valente campeão prova que elles são irrespondiveis. E verdadeiramente é mais facil lançar mão de uma lavra applicada a uma hypothese, apresenta-la com um sentido generico que se lhe não deu, e depois espraiar-se em lindas considerações contra ella. Póde-se deleitar a assembléa, mas de certo não se convence.

Sr. presidente, tudo quanto o meu illustre collega disse sobre garantias contra a interferencia da auctoridade nas eleições é doutrina aceitavel. Sempre a ensinei na universidade, sempre a defendia, e hei de defender quando se tratar de fazer uma lei eleitoral: o nobre deputado não ha de ir adiante de mim n'essa occasião.

Eu, sr. presidente, a primeira cousa que quero é a urna livre, que se adoptem todos os meios que possam (ornar o voto genuino. Professo esta doutrina. Mas como quer o nobre deputado deduzir dos principios philosophicos do direito uma doutrina que não está consignada na lei? Aqui trata-se de applicar a lei eleitoral á hypothese em questão, e não de fazer uma lei eleitoral.

Por fim, sr. presidente, ainda observo que me parece que n'esta questão não podemos deixar de estar strictamente ligados á letra da lei. Esta lei é para ser executada por todos os cidadãos, é uma lei sui generis, não é para ser executada sómente pelos homens de lei, juizes e advogados; mas sim por todos os eleitores, ainda que não estudaram direito; é por isso que ella foi Ião minuciosa, que estabeleceu regras e preceitos para tudo: diz como se ha de eleger as commissões de recenseamento e marca as regras para ella, as |mais minuciosas; diz que a lista não deve ser de côr, que se deve entregar dobrada ao presidente, e que este sómente a lançará na urna, depois das notas de descarga dos

Página 52

-52-

dois escrutinadores; quem deve fazer a chamada, que se deve esperar duas horas; que ao sol posto devem parar os trabalhos eleitoraes, ele. Esta lei não se contentou com regras geraes, pelo risco das más interpretações, e por isso foi toda casuistica, menciona todas as hypotheses que quiz comprehender.

Por consequencia parece-me que lemos de applicar esta lei strictamente segundo a sua leira, porque foi esta a mente do legislador.

E com effeito, sr. presidente, na materia das excepções não havia nada mais facil do que estabelecer uma regra geral, que seria: « Todo aquelle que se achar revestido de auctoridade, e que possa por ella influenciar na urna; não podera ser votado; os votos, que assim obtiver, serão nullos.» Se esta fôra a regra da lei eleitoral, a causa do sr. Francisco Hilario seria perdida, eu não votaria a seu favor; mas isto não está na lei; e quer V. ex.ª saber porque? porque necessariamente havia de dar occasião a muitas cavilações. Pois se as irregularidades formigam contra uma lei minuciosa, casuistica e clara, que não aconteceria se alei contivesse sómente regras geraes e abstractas.

Sr. presidente, argumentou-se aqui com um aresto da decisão de uma camara passada, relativo ao sr. Pinheiro Osorio, de Lamego, e o meu illustre collega da commissão leu o parecer da commissão que então foi approvado.

Que diz elle? Diz que a eleição daquelle cavalheiro estava válida porque ainda que estava exercendo jurisdicção, todavia tinha já sido demittido por um decreto anterior á eleição, e porque não estava em exercicio. D'aqui concluiu e o illustre deputado, que a doutrina seguida pelo parlamento é que o substituto do juiz de direito estando em exercicio é respectivamente inelegivel.

Sr. presidente, os argumentos, a contrario sensu são muito falliveis. Tinham-se accusado estes defeitos á eleição do sr. Pinheiro Osorio. A commissão disse que elles não existiam, e por isso não deu nem precisava de dar a sua opinião ácerca delles.

Mas, já que o nobre deputado recorreu a um aresto passado, eu vou chamar á attenção da camara sobre este que vou citar. É ocaso do sr. Pinto d'Almeida, que depois de eleito deputado aceitou o cargo de substituto do juiz de direito de Coimbra e prestou juramento. A commissão opinou da maneira seguinte. (Leu.) D'aqui ve-se que a commissão julgou o cargo de substituto do juiz de direito como um onus forçado e não um emprego voluntario. E podemos nós ajuntar a um onus legal outro onus que a lei expressamente não impõe? Podemos tornar menos dura a condição dos servidores do estado, que não têem liberdade de rejeitar nem um nem outro? Sendo isto assim como havemos nós de interpretar a lei eleitoral de modo que acrescentemos ao encargo forçado do substituto do juiz de direito a perda do importantissimo direito da elegibilidade na sua comarca, esta capitis-diminuição, esta morte politica? Isto seria o mesmo que obrigar um homem a aceitar um onus, e depois, porque o cumpriu, obedecendo á lei, enforca-lo.

O sr. Casal Ribeiro: — Dando um voto favoravel á elegibilidade do illustre deputado por Braga, não me movem n'esta questão os sentimentos de generosidade politica, nem os invoco da parte da junta.

Nem veja o meu antigo amigo e mestre, o illustre deputado eleito por Coimbra, a menor sombra de censura no que acabo de dizer; é só um modo diverso de encarar as cousas.

Não me parece aqui preciso nem conveniente recorrer á generosidade, ao esquecimento de odios que passaram; odios que não posso exercer, porque nunca os senti por divergencia de opiniões; odios não comprehendo em homens, que prezam as suas proprias crenças, quando a lucta é leal. Eu não vejo aqui amnistiados; não quero nem posso ver senão representantes do paiz. (Apoiados da extrema direita.) Não são motivos de generosidade que me podem decidir n'esta questão. Quando se tratar onde elle caiba, poderá então manifestar-se. E que outra cousa faz a camara, quando vota pensões ás viuvas e familias daquelles que morreram no campo da batalha, ou lhes prestaram relevantes serviços? (Uma vox: — Faz justiça.) Faz justiça que o coração inspira, que a humanidade prescreve, e que os sentimentos de generosidade recommendam. Esta generosidade hei de invoca-la para os membros do partido legitimista, quando aqui for trazida a questão dos officiaes da convenção de Evora-Monte, ou outra similhante. Trazer agora a questão politica, invocar agora o esquecimento de odios, parece-me extemporaneo; N'esta hypothese nós não devemos conceder, nem elles aceitar, o minimo favor; (O sr. Pereira da Cunha: — Muito bem.) é pelo direito stricto que querem ser julgados, é pelo direito stricto que nós os devemos julgar. Eu vejo uma grande conveniencia politica na entrada daquelles cavalheiros n'esta casa, porque vejo n'esse facto a modificação notavel das idéas do partido que representam, aceitando, pela sua entrada aqui para combater em nome das suas idéas e dos seus principios, as formulas e garantias do systema representativo, aproximando-se de nós para este effeito, como muito bem fez notar o illustre deputado o sr. Rebello da Silva.

Eu não voto tambem a favor do illustre deputado eleito por Braga, socorrendo-me, como alguns dos illustres oradores que me precederam fizeram, aos principios que regulam a lei penal. Não posso considerar o caso de que se trata como caso de penalidade, considero-o, pelo contrario, como uma questão de garantias politicas. A lei, marcando as in" compatibilidades e as irregularidades tanto absolutas como relativas, e os casos em que o deputado depois de eleito perde o seu logar, não quiz por modo algum estabelecer penas para os que exercessem certos cargos publicos, mas quiz estabelecer uma garantia efficaz, para que n'uns casos não se exercesse sobre a vontade dos eleitores uma pressão iniqua, e para que em outros casos a corrupção por parte do poder não podesse desvirtuar o voto parlamentar. Considerando portanto esta questão, quanto aos principios e regras geraes, do mesmo modo por que foi considerada pelo illustre deputado meu amigo, relator especial da commissão, vejo-me obrigado a divergir d'elle quanto á applicação d'esses principios ao caso em questão, por isso que não vejo expressamente declarada na lei a especie de que se trata, e não me parece tambem que nós n'esle caso, lendo de nos guiar pelas prescripções da lei mais como juizes do que como legisladores, possamos admittir prescripções que ella não marca expressamente. Se se podesse adduzir para aqui o principio de que onde ha identidade de rasão devia haver identidade de disposição, encontrariamos no § proximo áquelle que se invoca a resposta cabal a similhante argumento. Trata-se tambem de uma inelegibilidade relativa. E que diz a lei quanto aos juizes de segunda instancia? Que não podem ser eleitos nos districtos administrativos onde está a séde da relação. Ninguem póde contestar, que se a influencia dos juizes de segunda instancia se póde exercer, e até certo ponto póde, tanto póde exercer-se no districto onde esta a séde da relação, como nos districtos onde ella não esta, mas onde chega a sua jurisdicção, (Apoiados.) e entretanto a lei estabeleceu n'este caso uma distincção. No § que se invoca trata a lei unicamente dos juizes de direito e não falla dos substitutos. Que foi que a lei quiz indicar? foram as funcções ou exercicio? Se foram as funcções, como eu entendo, a incompatibilidade não se póde estender aos juizes substitutos, porque não estão expressamente comprehendidos na lei. Se foi o exercicio, dar-se-ia então o caso de que o juiz de direito effectivo, não estando a exercer as suas funcções por qualquer impedimento, seria elegivel, o que é contra a letra e contra a rasão da disposição legal. Dar-se-ha o mesmo caso por identidade de rasão a respeito do juiz substituto? Parece-me que não; nem as funcções do juiz substituto são perfeitamente identicas ás funcções do juiz effectivo. Na parte orphanologica, as leis antigas incumbiam essas funcções no impedimento dos juizes de direito aos juizes ordinarios, e ultimamente as funcções orphanologicas e as outras de juizes de direito passaram a diversos juizes substitutos.

Página 53

-53-

Não me parece que tambem possam ser invocadas as disposições de outras leis eleitoraes; pelo contrario, 'se as palavras que se encontram em disposições analogas das leis anteriores foram supprimidas quando se promulgou este decreto, é uma rasão de mais para se suppor, que da parte do legislador houve a expressa intenção de restringir esta inelegibilidade.

O caso que ultimamente foi adduzido pelo illustre deputado eleito o sr. Ferrer não me parece que possa provar nem a favor nem contra. Quanto ao perdimento do logar de deputado depois de proclamado, que era o caso de que se tratava, o principio estabelecido no acto addicional é generico, e diz claramente, que o deputado perde o seu logar se aceitar do governo qualquer emprêgo ou commissão que seja dependente de livre escolha. É por esse principio que a camara passada foi rigorosa. rigorosissima na exclusão de alguns deputados que tinham aceitado do governo empregos ou commissões, levando o seu rigor a ponto, não sei mesmo se exagerado, de excluir d'esta casa os juizes de direito pelo simples facto de transferencia de uma para outra comarca. Não se dá isto no caso em questão, porque o acto addicional não prescreve regras nenhumas a respeito da inelegibilidade; deixa-as inteiramente para a lei eleitoral. É portanto pela lei eleitoral unicamente que temos de decidir esta questão, e 6 unicamente porque 'não vejo clara e precisamente determinada n'essa lei a exclusão do illustre deputado de que se trata, que não posso votar por similhante exclusão.

Tenho dado as rasões do meu voto. Já se vê que e favoravel ao illustre deputado. Se porém a maioria d'esta junta preparatoria resolver o contrario, qual é a consequencia que se póde tirar d'essa resolução? Será, como diz a illustre commissão, o mandar-se proceder a uma nova eleição, ou será chamar-se o immediato em votos? Para mim não é duvidosa a questão; e n'esse ponto eu voto sem a menor duvida, sem a menor hesitação pelo parecei da commissão; e votarei sempre contra o principio altamente perigoso de fazer esta casa deputados por arithmetica. A lei determinou que sejam proclamados deputados os que tivessem uma quarta parte do numero total dos votantes, mas determinou que sejam proclamados os mais votados. A lei não deixou á reunião dos portadores das actas outra faculdade mais do que a de examinar as actas e contar os votos; reduz-se tudo a uma questão de contagem, de arithmetica. A lei não deixou á junta preparatoria senão a faculdade de examinar a legalidade dos diplomas; a faculdade de cumprir diplomas ficou só ao corpo eleitoral; e é esta a rasão juridica; mas para mim é superior a rasão politica. Pois nós poderemos adoptar o precedente pelo qual uma maioria, querendo ser facciosa, póde excluir a minoria, annullando algumas eleições parciaes, até dar aos seus amigo a, politicos uma maioria ficticia? Não póde assim a maioria tornar-se unanimidade sem recorrer a uma eleição nova? Eis-aqui o perigo, o absurdo que vejo em similhante doutrina; e que o não vejo agora pela primeira vez, porque esta questão foi já trazida e resolvida n'esta casa. Não quero dizer que este precedente estabeleceu uma regra geral; mas vale para mim, que defendi e defenderei essa doutrina; estou ainda no mesmo terreno, defendendo-a agora.

Quando se discutiu aqui na camara passada a eleição de Lamego, contra a qual eu votei pelos abusos do podér (porque não é isso para mim novidade) na sua totalidade, mas que a camara não rejeitou completamente, e apenas annullou duas ou tres assembléas, o resultado de taes annullações parciaes foi que um dos eleitos deixava de ser o mais votado. Agitou-se então o debate, se devia ser chamado o immediato em votos, ou se devia proceder-se a nova eleição; e n'esta occasião o meu illustre amigo o sr. José Estevão e outros sustentâmos e conseguimos fazer passar a opinião, de que se devia recorrer a uma eleição nova, e nunca chamar o immediato em votos. O mesmo sustentei e sustentarei agora; e como se manifesta aqui alguma diversidade no modo de ver esta questão, aproveitei esta occasião para manifestar desde já o meu voto a este respeito, que é conforme com o procedimento e com a opinião que já sustentei, e com os principios que a lei consigna, com as regras constitucionaes, e com a garantia parlamentar. (Apoiados.)

Quanto á questão especial de que se trata, disse já a minha opinião; disse-a sinceramente, e disse-a como entendo; e votando unicamente pela rasão de direito e justiça, e não pela razão de favor e generosidade, eu não peço áquelle lado da camara agradecimentos do meu voto. {Apoiados.)

O sr. Miguel Osorio: — Sr. presidente, esta questão, apesar de limitada, tão limitada quanto é a letra da lei, é summamente melindrosa, não porque se possa considerar como questão pessoal em que se trata de dar a victoria a um, e decidir sôbre a derrota do outro, nem mesmo olhada pelo lado dos interêsses politicos, sobre que já expenderam cavalheirosamente as suas idéas os deputados que me precederam; mas é melindrosa porque a commissão encarregada de dar o seu parecer sobre esta eleição de Braga dividiu-se, apparecendo a maioria votando pela exclusão do illustre deputado, e um illustre membro d'ella, meu digno mestre, votando em sentido contrario.

Eu tendo de dar o meu voto, e desejando expor os fundamentos d'elle, não cansarei a junta repelindo o que sobejamente está repetido pelos illustres deputados que me precederam; farei apenas algumas observações em relação ao que disse o ultimo que tive a honra de ouvir. Esta sobejamente repelido, sr. presidente, por todos os illustres deputados que entraram na questão, que nós não tratâmos aqui senão e unicamente de decidir uma questão duvidosa, que a commissão apresentou, e de applicar a disposição a meu ver clara da lei a esse ponto, como todos os tribunaes que exercem o poder judicial quando examinam qualquer processo. A lei conhece-se que deve ser reformada, mas isto não se póde fazer senão na occasião competente, e não admira que a lei seja imperfeita, porque as leis dos homens são sempre imperfeitas; não se póde conhecer perfeição senão nas leis divinas ou leis da natureza.

Mas aqui tratâmos de applicar a lei e entende-la tal qual ella é, e a este respeito creio que é questão acabada, porque os illustres deputados que fallaram mostraram que não era preciso entrar na apreciação do espirito da mesma lei. Mas eu admittindo mesmo que se queira entrar no espirito d'ella, aceitando esse campo, ainda assim entendo que a lei não se refere nem póde ser applicada aos juizes substitutos.

O illustre deputado que acabou de fallar disse=que o juiz substituto é o mesmo e tem a mesma jurisdicção que o juiz de direito =, e citou para isso a reforma judicial, mas citou-a apenas na parte em que a reforma judicial diz = que o juiz substituto tem as mesmas garantias que o juiz de direito =, mas não attendeu á distincção que já outro illustre deputado apresentára de que a sua jurisdicção não era tão ampla nem abrangia tantos pontos a definir e julgar como a do juiz de direito, como por exemplo a orphanologia; quando a jurisdicção do juiz de direito passa ao juiz substituto, a orphanologia tem de passar a outro juiz.

A lei só falla dos juizes de direito, e não podia fallar nos juizes substitutos, porque a jurisdicção não é a mesma; a influencia não póde ser a mesma, falta a inamovibilidade a estes, e ainda depois da ultima organisação judicial o juiz substituto tem menos attribuições, está em muito menos relação ao juiz de direito do que estava antes d'essa organisação. Marcada esta distincção, reconhecida esta differença de attribuições, não se dando as circumstancias que se dão nos juizes de direito, não se dando a mesma rasão de poder dispor de igual influencia e de poder dirigir uma eleição em seu favor, não se referindo a lei aos juizes substitutos como positivamente se refere aos juizes de direito proprietarios, eu entendo que não póde de modo nenhum excluir-se d'esta casa o illustre deputado eleito de quem se trata.

Concluindo direi, que todas as restricções que forem alem daquellas que a lei apresenta, Iodas as restricções que se estabelecerem de novo em virtude de uma disposição am-

Página 54

—54—

pliativa, se não podem admittir. Todas estas restricções, sr presidente, vão atacar a liberdade que se pretende defender; vão atacar uma das garantias sociaes, aquella que se deve considerar como o pensamento primario da lei de 30 de setembro de 1852, que e o uso da liberdade ampla, quanto possa ser, e a restricção não está na letra da. lei; ora senão está no rigor dos principios, qualquer restricção que se queira introduzir ou addicionar á leira d'essa lei é uma repressão á liberdade, e não é uma repressão á liberdade considerada só pelo direito individual como o illustre deputado disse.

Disse o illustre deputado = que considerava a questão debaixo do ponto de vista das garantias da liberdade, quando os da opinião contraria a consideravam principalmente pelo direito individual: não a havemos de considerar pelo direito individual, nem d'isso se trata»; pois é tratar de direito individual quando se trata unicamente de negar a maioria de votos que deu em resultado a eleição do deputado eleito? Negar a livre escolha daquelles que queriam que elle os representasse? Isto não é direito individual.

Entendo, sr. presidente, que qualquer restricção que se faça irá reprimir a liberdade a que os eleitores têem direi to, e tolher-lhes o exercicio d'esse direito.

Deixando pois de parte as immensas rasões que se apresentaram contra o parecer da commissão; pedindo desculpa aos illustres signatarios vencedores n'esse parecer, para discordar da sua opinião, termino votando n'esta parte em seu tido contrario.

O sr. A. H. Sampaio: — Sr. presidente, é incontestavel que existe a duvida sobre a applicação da lei; a maioria da commissão o reconheceu, e alguns srs. deputados que a têem combatido a teem reconhecido tambem Congratulo-me com toda a camara, porque pelo menos tem concordado com a santidade do principio; eu o aceito, e espero que na futura lei eleitoral, ao menos, esta disposição venha bem consignada; basta que a doutrina seja santa, a applicação d'ella virá mais tarde.

Aceito a confissão do principio, e concedo-vos o individuo. Se nós castigássemos pela exclusão com uma pena aquelle individuo, oh, sr. presidente! quede centenares d'cl l.es andariam castigados por esse mundo! Realmente estavam todos condemnados sem parecer crime! A lei quando estabelece as regras para á sociedade, não quer punir ninguem, quer estabelecer garantias; é por isso que ella quando estabelece estas garantias, não pune, salva.

A questão é esta: o juiz substituto, quando exerce as funcções judiciaes é ou não juiz de direito? (Apoiados.) Se é, esta comprehendido na lei, se o não é, não esta. O que diz a Reforma Judicial?

«Os substitutos dos juizes de direito, quando servirem, são competentes pra exercer todas as funcções, e auctoridades que as leis conferem aos juizes que substituirem... Os substitutos dos juizes de direito durante o tempo que servirem, gosarão das mesmas garantias que os proprietarios.»

Eu acho esta disposição rasoavel. E não diz, que não serão sujeitos aos mesmos encargos; mas quem gosa das mesmas garantias não deverá estar sujeito ao mesmo encargo? Não será um juiz substituto um verdadeiro juiz de direito? Não julga, não sentencia? Eu creio que sim. Eu reconheço, como toda a camara reconhece a santidade do principio, e não duvido applica-lo: e pergunto, o juiz de direito que está para acabar o seu triennio poderá ser illegivel? Não; porque a lei a meu ver é expressa: (Apoiados.) eu não a reputo duvidosa; e eu concluo, que, quando o juiz substituto está em exercicio é juiz de direito, (Apoiados,) e o deputado efeito, de que se trata, era juiz substituto em exercicio, e por consequencia juiz de direito; a letra e o espirito da lei são claros, e no caso duvidoso a junta preparatoria decidirá entre o direito do individuo e a garantia da sociedade.

Sr. presidente, eu não quero ser generoso quando a generosidade é uma offensa real para aquelle a favor de quem te exerce; mas o parlamento póde fazer leis justas e, gene rosas ao mesmo tempo, e essas são as melhores. Querem fazer um deputado só porque se deve ser generoso! Não concordo, porque é uma falta; nós devemos fazer leis que sejam não só justas mas generosas e politicas: d'este modo não desperdiçámos, aproveitamos: se semeámos alguma cousa, colhemos.

É n'este sentido que eu entendo a generosidade; é n'esle sentido que eu espero que a camara vote, e é n'este sentido que eu espero que a camara votará quando chegar tempo e occasião d'ella votar.

O sr. Pereira da Cunha: — Sr. presidente, tinha tenção de ceder da palavra, porque considero esgotada a materia e a junta já fatigada, mas como ouvi fallar em generosidade, não posso deixar de declarar que nenhum dos membros do partido a que tenho a honra de pertencer aceita, como um acto de generosidade a permissão de entrar n'esta casa; essa permissão deriva-se de um direito sagrado, de um direito incontestavel, de um direito commum a todos os portuguezes. (Apoiados.) Aqui não ha vencidos nem vencedores, (Apoiados.) aqui não se trata de questões que possam exacerbar antigos odios politicos, que eu sinceramente desejo que se apaguem, e se exterminem para sempre; aqui traia-se unicamente de promover os interesses do paiz, e de defender a sua liberdade, que eu amo tanto como todos os portuguezes; esmolas politicas, não as aceito de ninguem, nem para mim, nem para o meu partido; se estou n'esta casa é por que sou um cidadão portuguez como os outros, e um cidadão mais livre do que a maior parte dos portuguezes. (Vozes: — Muito bem.)

O sr. Visconde de Porto Carrero: — Sr. presidente, peço desculpa á junta de prolongar uma discussão era que tem tomado parte distinctos oradores, que pelo seu saber e eloquencia têem attrahido a sua attenção.

Sr. presidente, os poderes de qualquer camara legislativa devem consistir na opinião em que estiver o paiz de que ella representa os seus interêsses; esta opinião é a sua fôrça, é a sua vida. Assim a fôrça e a efficacia da camara ha de consistir na authenticidade da origem dos poderes de seus membros. (Apoiados.) Como o poder não póde ser outra cousa senão a posse de todas as influencias sociaes, e a camara é o centro d'estas influencias, o seu dever mais rigoroso, o mais sagrado é conservar intacta, e em toda a pureza a confiança dos cidadãos, manter em toda a sua fôrça o apoio que deve prestar ao throno e ás instituições do estado. A camara, por isso que participa do poder legislativo, por isso que exerce uma parte do podér soberano, cooperando para a factura das leis, deve dar o exemplo da maior submissão ás mesmas leis. Mas a lei eleitoral, sr. presidente, é uma lei sui generis; esta lei estabelece as relações entre a auctoridade administrativa e os cidadãos no exercicio d» direito eleitoral; e a camara é um grande juiz para decidir sobre a validade das eleições. No que respeita a este grande interesse, no que respeita á sua consideração e influencia moral sobre a opinião, não tem acima de si senão a auctoridade real que póde dissolve-la se ella se separar dos seus deveres. Isto são principios certos incontestaveis; e portanto tendo-se estabelecido a competencia da camara e lendo-se entrado já no exame das eleições de alguns circulos, e agora no do circulo de Braga, eu poderia ler-me abstido, e deveria faze-lo, de entrar n'esta discussão, depois de ouvir discursos tão eloquentes e rasões tão cabaes, por pai te de muitos dos srs. deputados que se sentam nos differentes lados da camara; porém lendo-se appellado, por alguns srs. deputados que tomaram a palavra, para os juizes que aqui se assentam, e até para os membros do supremo tribunal, e honrando-me de pertencer a esta classe, não podia ficar silencioso na questão presente, e tendo de dar o meu voto desejei dar a rasão d'elle. Para isso lerei de recapitular os argumentos e as rasões que se apresentaram contra o parecer da maioria da commissão (e já se vê que voto com a minoria da commissão). A lei diz... (Leu.)

A lei é expressissima, e o juiz de direito não é o juiz, sub-

Página 55

—55—

slituto, por quanto este exerce as funcções daquelle eventualmente, e não tem a importancia que tem o juiz de direito. A exclusão não esta na letra da lei nem está no seu espirito, porque não ha paridade de cargo de auctoridade, de influencia, entre um e outro. Não repisarei os argumentos com que se tem feito ver a disparidade que existe, porque não quero cansar a camara.

Não posso n'esta occasião deixar de me referir a um discurso eloquente e logico que hontem ouvi pronunciar por um sr. deputado por Lisboa, que querendo aggredir o governo apresentou differentes considerações. Talvez o que tenha a dizer seja agora deslocado, mas peço á junta que me desculpe o eu não ter hontem aproveitado a occasião para fazer algumas considerações a respeito d'esse discurso.

N'esse discurso, a que a camara prestou toda a attenção, estabeleceu-se a verdadeira doutrina constitucional a que adhiro.

Mas o sr. deputado quiz atacar o governo por dois principios, sendo um pela illegalidade da lei de 29 de setembro de 1856, que procedeu a uma nova divisão dos circulos eleitoraes. « Isto não se entende com a eleição do circulo de que se trata; » respondeu outro sr. deputado do circulo de Ponta-Delgada. Eu não posso deixar de tocar n'esta materia posto que de leve, e direi pois que é perigoso que o governo possa a seu talante alterar a estatistica eleitoral; sem o consentimento do parlamento vir apresentar augmento ou diminuição do numero dos deputados; e eu proporei talvez, ou algum dos srs. deputados que seja d'estas opiniões melhor podia propor, alguma providencia a este respeito; talvez fosse conveniente que no fim década legislatura o governo deva apresentar ás côrtes a estatistica para se ver se convem ou não alterar a divisão territorial. Mas, digo, apesar de ser illegal o procedimento que houve, eu não posso atacar o governo por este principio, nem o sr. deputado póde levar a este resultado a sua doutrina, porque o governo achou-se na coallisão de deixar sem representação alguns dos circulos, vista a divisão territorial que se linha feito, e assim violar a lei: então tomou um arbitrio, a que foi levado pelas circumstancias. O sr. ministro do reino aqui disse que elle occupado com negocios urgentes não linha lido tempo para apresentar ao parlamento essa medida, e o deputado eleito por Lisboa reconheceu que estava justificado o governo d'esta falta.

Não entrarei na analyse de outros pontos, porque isso me levaria mais longe, e pareceria deslocada; e portanto, restinguindo-me á questão da illegibilidade ou não illegibilidade do sr. deputado, entendo que a inelegibilidade do sr. deputado não esta na letra da lei; que a lei não carece de interpretação porque é clara; que todas as conveniencias publicas pedem que o sr. deputado seja admittido e a sua eleição seja approvada; e que em um partido, que até agora tem estado fóra da arena parlamentar, vir a esta camara apresentar as suas idéas, dar occasião a serem combalidas e entrar no grande gremio do partido liberal, acha uma grande vantagem politica e preferivel a qualquer interpretação da lei contra a sua letra.

Portanto, sr. presidente, concluo dizendo, que approva-varei todas as eleições pelo circulo de Braga, e approvo-as não por generosidade, mas por principio de justiça e de conveniencia publica, e estou persuadido que n'este voto hei de achar echo no paiz, e que os eleitores que para cá mandaram os seus representantes não devem justamente esperar que a camara os rejeite por uma interpretação da lei contra a sua letra e mesmo contra o seu espirito. Vou portanto concluir para não abusar mais da paciencia da junta; mas antes de o fazer não posso deixar de prestar um publico testemunho de reconhecimento aos eleitores da ilha de S. Miguel, que espontaneamente se lembraram do meu nome para os representar no parlamento; sinto porém que me escolhessem: não tenho os dotes proprios para os representar devidamente, tenho sim o desejo e a vontade de lhes ser util; mas era muito melhor que elles tivessem escolhido algum dos seus compatrícios, que eu conheço com habilitações muito superiores ás minhas para este logar.

O sr. Rebello da Silva (sôbre a ordem): — Pedi a palavra para mandar para a mesa um parecer sôbre a eleição de Cintra, e dois pareceres sobre a verificação dos diplomas dos srs. deputados Carvajal e Abilio. Mandaram-se imprimir.

O sr. Dias e Sousa: — Quasi estava para ceder da palavra, porque me parece já uma tyrannia demorar esta questão, que está perfeitamente elucidada por uma e outra parte, e creio que as consciencias dos membros da junta preparatoria estão perfeitamente esclarecidas, e as suas convicções formadas: a minha tambem já está formada. Direi pois muito poucas palavras, simplesmente para deixar bem consignado o meu voto n'esta questão.

Eu voto a favor da validade da eleição do sr. deputado Hilario: declaro que sigo mais a opinião daquelles oradores que sustentam que elle não esta comprehendido na disposição do decreto eleitoral, com respeito aos juizes de direito. Fizeram-me lodo o pêso os argumentos que se apresentaram sobre a differença que ha entre o substituto e o juiz de direito; e tem para mim tambem muita força a circumstancia da omissão que se nota na lei a respeito dos substitutos, e o legislador não se póde dizer que sem conhecimento de causa o praticasse, porque esta entidade de substituto existia quando a lei se publicou, e já em outra lei eleitoral anterior se tinha feito d'ella menção.

Mas eu pedi principalmente a palavra para declarar que, unindo o meu voto aos dos srs. deputados eleitos que tambem são favoraveis ao sr. deputado eleito de quem se trata, me não movem de maneira nenhuma, nem influem no meu animo as considerações que alguns d'estes srs. deputados fizeram appellando para certas contemplações politicas a favor dos cavalheiros que se sentam daquelle lado (a extrema direita), e classificando-os desde logo, por seu proprio arbitrio e vontade, como legitimistas. Eu tenho por legitimistas a todos que se sentam n'esta casa; nem conheço outros legitimistas que não sejam aquelles, que sustentam a caria e a legitimidade que ella consigna. Lá fóra, como particular, póde cada um dar ao termo o sentido que lhe aprouver, aqui tem só uma intelligencia legitima para todos quantos foram auctorisados pelas assembléas, e leis que existem em virtude da carta. Mas aos srs. deputados que aceitaram o mandato em virtude da carta, é que pertence classificarem-se a si. Quando o fizerem, ouviremos os argumentos por que entendem poder defender uma intelligencia differente: são elles bastante cavalheiros e bastante illustrados para a si se classificarem.

Parece-me portanto muito inconveniente, que de outra sorte se levante a questão politica com relação aos srs. deputados antes d'elles se explicarem. (Uma vox: — Foram elles os primeiros.) Mas não levantaram a questão politica: os srs. deputados aceitaram o mandato em virtude da carta; com elle se apresentaram n'esta casa: por consequencia não vejo aqui mandato diverso do nosso; vejo aqui homens que, acceitando o mandato em virtude da lei fundamental, que todos acatámos, parecem querer, dentro da orbita d'essa lei e com os direitos que ella lhes concede, exprimir livremente, como podem, n'esle recinto, todas as opiniões que tiverem, mais ou menos favoraveis á maior ou menor largueza dos principios monarchicos. Podem faze-lo livremente em conformidade da caria: mas irmos logo dar uma classificação politica assim a cavalheiros que ainda não se classificaram a si proprios, parece-me, repito, pouco conveniente. Por essa parte não me inclino, nem me inclinaria nunca a votar a favor da eleição do sr. deputado. Voto a favor d'ella, porque estou na minha consciencia convencido da justiça com que o sr. deputado occupará a sua cadeira, se a junta porventura for conforme com a opinião que tenho: não se lhe faz favor de qualidade nenhuma, nem aqui se trata de favores, desempenha-se um dever de justiça.

O sr. Seabra: — Só duas palavras, e fallo porque tenho

Página 56

-56—

de chamar a attenção da junta sobre um objecto importante, e é elle o que vem designado no n.° 4.º do parecer da commissão, e diz respeito ao caso em quanto manda proceder a nova eleição.

Sr. presidente, sobre a questão que se tem agitado nada direi, porque pelo que tenho ouvido pró e contra vejo que foi tratada com toda a clareza e proficiencia, e se acha sufficientemente elucidada.

Sr. presidente, farei uma pequena observação em referencia a essa allusão pessoal que me foi dirigida relativamente ao parecer que eu assignei na sessão de... pretendendo-se deduzir d'esse parecer um argumento na questão que n'este momento se debate.

Sr. presidente, tratava-se da eleição do sr. Pinheiro Osorio, e tinha-se dito n'um protesto, que elle fôra eleito deputado sendo juiz de direito substituto, e achando-se no exercicio da jurisdicção na occasião em que fôra eleito, a commissão examinou as provas e achou que o facto não existia. Dizia-se: = o deputado eleito juiz de direito substituto exercia as funcções judiciarias na epocha em que foi eleito =; pelo lado opposto nos respondiam:=não era juiz substituto, não exercia a esse tempo jurisdicção. = Ora, tendo a commissão averiguado que o facto arguido não existia, não foi mais adiante, julgou a reclamação improcedente, e não tratou de deduzir as consequencias que poderia produzir esse facto se existisse. É claro por consequencia que deixou intacta a questão que hoje se debate e é muito differente. Vamos agora ao ponto mais importante.

O quesito 3.° do parecer da commissão propõe que seja annullada a eleição do individuo de que se trata, e pelo n.° 4.º que se mande proceder a nova eleição. Ora é ácerca d'este ultimo ponto que eu chamo a attenção da junta.

Parece-me que sobre a questão de se mandar proceder a nova eleição é só á camara dos deputados, depois de constituida, que pertence resolver. A commissão exorbita porque não só julga a especie sujeita, mas resolve em fórma de regulamento que não constitue direito, e nós como junta podemos decidir da validade da eleição, mas não fazer lei que constitua direito; portanto para que não haja uma resolução precipitada que de futuro possa trazer embaraços, eu pedia á junta que se limitasse agora unica e precisamente á especie em discussão, quanto á legalidade ou illegalidade do acto eleitoral, para que, caso a eleição seja declarada nulla, o que se ha de fazer depois d'este facto seja resolvido pela camara depois de constituida. Portanto peço e requeiro se limite a votação unicamente á parte do parecer que trata da legalidade da eleição, deixando para depois o modo como se ha de proceder, se vagaturas houver.

O sr. Barros e Sá: — Requeiro que V. ex.ª consulte a camara=se quer que se prorogue a sessão até se votar este parecer. =

Resolveu-se affirmativamente.

O sr. Barros e Sá: — Peço que V. ex.ª consulte a camara = se julga a materia discutida. = Julgou-se discutida.

Procedendo-se á votação, por partes, da conclusão do parecer: a 1.ª parte foi approvada; e votando-se por escrutinio sobre a 2.' e 3.' parte, foi rejeitada por 64 espheras pretas contra 13 brancas; ficando portanto deputado o sr. Francisco Hilario, e julgada assim prejudicada a 4.º parte da conclusão do parecer.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para amanhã é a mesma. — Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e meia da tarde.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×