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CAIARA DOS SENHORES DEPUTADOS~

12.ª SESSÃO

EM 2 DE ABRIL DE 1910

SUMMARIO. - Lida e approvada a acta, o Sr. Presidente propõe um voto de sentimento pelo fallecimento dos antigos Srs. Deputados Barbosa de Magalhães, Eugenio Ribeiro de Castro e Alfredo Moraes Carvalho. Associam-se a este voto os Srs. Ministro da Justiça (Arthur Montenegro), Tavares Festas, Rodrigues Ribeiro, Egas Moniz, Conde de Castro e Solla, Augusto do Valle e João de Menezes, sendo a proposta approvada.- Dá-se conta do expediente. - Não é reconhecida a urgencia do assunto sobre que pede a palavra o Sr. Antonio José de Almeida. - Usam da palavra os Srs. Luiz Gama, Visconde de Villa Moura e Pereira Cardoso.- O Sr. Visconde de Coruche apresenta uma participação. - O Sr. Ministro da Justiça lê e manda para a mesa uma proposta de lei de responsabilidade ministerial.

Na primeira parte da ordem do dia (eleição de commissões) são eleitas as commissões de obras publicas e de saude publica, de estatistica e de artes e industrias.- Enviam requerimentos para a mesa os Srs. Egas Moniz, Tavares Festas, Augusto do Valle e Macedo Ortigão. - O Sr. Ministro das Obras Publicas (Moreira Junior) lê e manda para a mesa uma proposta de lei sobre as reclamações da casa Hinton. - Apresenta uma proposta de accumulação o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Eduardo Villaça). - O Sr. Pereira dos Santos pede a palavra sobre um negocio urgente, sobre cujo assunto o Sr. Ministro das Obras Publicas o elucida. - Enviam participações os Srs. Anselmo Vieira e Conde de Azevedo.- O Sr. Ministro das Obras Publicas lê e manda para a mesa uma proposta criando um laboratorio no Funchal. - O Sr. Presidente do Conselho (Veiga Beirão) lê e envia para a mesa uma proposta de lei reformando a lei eleitoral, e outra reformando alguns artigos da Carta.

Na segunda parte da ordem do dia (pareceres n.ºs 2, 3 e 4) usa da palavra sobre a fixação da força armada o Sr. João Pinto dos Santos. Responde-lhe o Sr. Ministro da Guerra (Mathias Nunes). - Fica com a palavra reservada para a sessão seguinte o Sr. Brito Camacho.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. Conde de Penha Garcia

Secretarios - os Exmos. Srs.:

Antonio Augusto Pereira Cardoso
Visconde de Villa Moura

Primeira chamada: - Ás 2 horas e meia da tarde.

Presentes: - 5 Srs. Deputados.

Segunda chamada: - Ás 2 horas e 45 minutos da tarde.

Presentes: - 54 Srs. Deputados.

São os seguintes: Abel de Matos Abreu, Amadeu de Magalhães Infante de La Cerda, Amandio Eduardo da Moita Veiga, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Augusto Pereira Cardoao, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio José de Almeida, Antonio de Macedo Ramalho Ortigão, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Tavares Festas, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Pereira do Valle, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Aurelio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Carlos Augusto Ferreira, Christiano José de Senna Barcellos, Conde de Azevedo, Conde Castro e Solla, Conde de Penha Garcia, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Francisco Miranda da Costa Lobo, Francisco Xavier Correia Mendes, Henrique de .Mello Archer e Silva, João Augusto Pereira, João do Canto e Castro Silva Antunes, João Duarte de Menezes, João de Sousa Calvet de Magalhães, João de Sousa Tavares, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Mattoso da Camara, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José de Ascensão Guimarães, José Bento da Rocha e Mello, José Cabral Correia do Amaral, José Caeiro da Matta, José Jeronimo Rodrigues Monteiro, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Oliveira Sim5es, José Paulo Monteiro Cancella, José Ribeiro da Cunha, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel de Brito Camacho, Manuel Telles de Vasconcellos, Mariano José da Silva Prezado, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thomas de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Visconde de Ollivã, Visconde de Villa Moura;

Entraram durante a sessão os Srs.: Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Alfredo Pereira, Antonio Alberto Charulla Pessanha, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Centeno, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Zeferino Candido da Piedade, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Augusto Cesar Claro da Ricca, Conde da Arrochella, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João Correia Botelho Castello Branco, João Ignacio de Araujo Lima, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Soares Branco, Joaquim Heliodoro da Veiga, Jorge Vieira, José Augusto Moreira de Almeida, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Mathias Nunes, José Osorio da Gama e Castro, Luis da Gama, Manuel Antonio Moreira Junior, Roberto da Cunha Baptista, Rodrigo Affonso PequitOj Vicente de Moura Coutinho de Almeida d'Eça, Visconde de Coruche.

Não compareceram a sessão os Srs.: Abel Pereira de Andrade, Abilio Augusto de Madureira Beça, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Affonso Augusto da Costa, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alberto Pinheiro Torres, Alexandre Braga, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Alves Oliveira Guimarães, Antonio Bellard da Fonseca, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Rodrigues Costa da Silveira, Conde de Mangualde, Conde de Paçô-Vieira, Diogo Domingues Peres, Duarte Gustavo de Reboredo Sampaio e Mello, Eduardo Burnay, Emygdio Lino da Silva Junior, Ernesto Jardim de Vilhena, Fernando de Almeida Loureiro e Vasconcellos, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, João Carlos de Mello Barreto, João Henrique Ulrich, João Joaquim Isidro dos Reis, João José da Silva Ferreira Netto, João José Sinel de Cordes, João Pereira de Magalhães, Joaquim Anselmo da Matta Oliveira, Joaquim Pedro Martins, José Antonio da Rocha Lousa, José Caetano Rebello, José Estevam de Vasconcellos, José Joaquim da Silva Amado, José Julio Vieira Ramos, José Malheiro Reymão, José Maria Cordeiro de Sousa, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira de Lima, José Maria de Queiroz Velloso, José dos Santos Pereira Jardim, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luis Filippe de Castro (D.), Luis Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Francisco de Vargas, Manuel Joaquim Fratel, Manuel Nunes da Silva, Manuel de Sousa Avides, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Miguel Augusto Bombarda, Paulo de Barros Pinto Osorio, Thomas de Aquino de Almeida Garrett, Visconde de Reguengo (Jorge), Visconde da Torre.

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SESSÃO N.º 12 DE 2 DE ABRIL DE 1910 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

O Sr. Presidente: - Cumpre-me communicar á Camara o fallecimento de tres antigos Srs. Deputados e propor que na acta d'esta sessão se lavre um voto de sentimento pela sua perda.

Foram elles: Barbosa de Magalhães, Deputado pela primeira vez na legislatura de 1887, jurisconsulto de grande nomeada, espirito lucidissimo, verdadeiramente intelligente, de quem fui collega durante muitos annos nesta Camara, apreciando bastante as suas altas qualidades de. trabalho. (Apoiados).

Eugenio Ribeiro de Castro, Deputado na legislatura de 1890, jurisconsulto tambem distincto e magistrado integerrimo. (Apoiados).

Alfredo de Moraes Carvalho, engenheiro distincto, que falleceu victima de um lamentavel desastre, de que a Camara decerto teve conhecimento. (Apoiados).

O Sr..Ministro dá Justiça (Arthur Montenegro): - Associo-me, em nome do Governo, ao voto de sentimento que V. Exa. propôs pelo fallecimento de tres antigos membros d'esta Camara.

Barbosa de Magalhães foi um dos mais notaveis jurisconsultos do seu tempo, um advogado distincto e um escritor juridico notavel.

Ribeiro de Castro foi tambem um jurisconsulto distincto e um magistrado integerrimo.

Moraes de Carvalho foi um engenheiro considerado, prematuramente arrebatado ao nosso convivio.

Em nome do Governo apresento a V. Exa. e á Camara a manifestação do nosso pesar.

(O orador não reviu).

O Sr. Tavares Festas: - Por parte do partido progressista, associo-me sentidamente á manifestação de pesar proposta por V. Exa. pelo fallecimento de tres antigos collegas nossos, todos dotados de notaveis qualidades de caracter e de intelligencia.

Barbosa de Magalhães, nosso antigo collega, foi um espirito, lucidissimo, que espalhou sempre com grande brilho a sua actividade por diversos ramos da sciencia humana.

Ribeiro de Castro foi um juiz muito considerado e dotado de superiores qualidades de trabalho.

Moraes de Carvalho era um engenheiro distincto.

Todos estes nomes recordamos com saudade.

(O orador não reviu).

O Sr. Rodrigues Ribeiro: - Em nome do partido regenerador associo-me ao voto de sentimento proposto por V. Exa. pelo fallecimento de tres antigos membros desta Camara, Barbosa de Magalhães, Eugenio de Castro e Moraes de Carvalho, todos, pelas suas qualidades de espirito e de trabalho, merecedores do respeito da Camara.

(O orador não reviu).

O Sr. Egas Moniz: - Associo-me, em nome da dissidencia progressista, ao voto de sentimento proposto por T. Exa. pela perda de tres antigos collegas, nossos companheiros de trabalho. Mas permitta-me V. Exa. e permitta-me a Camara que eu, de entre elles, destaque o nome de Barbosa de Magalhães.

Perante esse nome, não sou eu simplesmente que falo neste momento. Teria aliás razão de sobra para o fazer, pelas estreitas relações de amizade que me prenderam a esse espirito lucidissimo. Mas, nesta hora, falo tambem em nome da dissidencia progressista, que se curva reverente perante a fatalidade de tão grande perda para a patria portuguesa, porque homens da envergadura de Barbosa de Magalhães são raros neste meio, especialmente nesta epoca de accentuada decadencia que vamos atravessando.

Em Barbosa de Magalhães não sei que mais admirar: se a sua energia inquebrantavel, a sua tenacidade é persistencia na luta accidentada da vida, se o seu talento brilhante, que se patenteava a cada passo nos trabalhos juridicos e parlamentares e que se mantinha em destaque-a cada momento na sua conversa tão cheia de pitoresco, em que o espirito scintillante e a ironia delicada punha a nota de uma verve inconfundivel.

Era já jornalista notavel aos quinze annos, e ainda hoje se lêem com agrado as polémicas por elle travadas no Viriato, de Viseu, cuja collecção é hoje preciosa.

Poucos annos depois, entrando na Universidade, ahi alcançou o primeiro logar do seu curso.

E de ali veio para a vida, para fazer essa cousa banal, mas heroioa, de começar a ganhar os meios de subsistencia, numa idade em que a vida é vista, atraves de um prisma de fantasias.

Era já a primeira manifestação do seu caracter alevantado e um pouco insubmisso.

Ao sair de Coimbra deixava já obras de valor juridico, que eram o inicio da obra grandiosa que, legada á patria portuguesa, ha de fazer com que o seu nome seja citado nas aulas da Universidade e ecoe, durante muito tempo, nos nossos tribunaes, visto elle ter honrado, de uma maneira tão distincta, o foro português.

(Pausa).

Sr. Presidente: acabam de communicar-me que as galerias se acham: fechadas. Pode V. Exa. informar-me a tal respeito?

O Sr. Presidente: - A galeria publica está franqueada. Quanto ás galerias da Presidencia da Camara, se estão fechadas, é por motivo de não terem ainda sido distribuidos os bilhetes - o que vou ordenar se faça immediatamente.

O Orador: - Agradeço a V. Exa. a explicação.

Vinha eu falando do Dr. Barbosa, de Magalhães, como jurisconsulto, e dizia que foi um vulto tão extraordinario, tão alevantado, que o seu nome ha de ser sempre recordado nos ,meios onde os trabalhos juridicos são justamente apreciados. Mas é preciso notar que o Dr. Barbosa de Magalhães não foi somente um grande, um extraordinario jurisconsulto: foi tambem um notabilissimo parlamentar. Entrou aqui, como ha pouco se disse, na sessão celebre de 1887; O Governo estava numa situação melindrosa, a proposito de incidentes graves passados dentro do Parlamento.

Os opposicionistas pediram a palavra e inscreveram-se em numero avultado. Do lado da maioria, que era progressista, como hoje, os Deputados esquivavam-se a entrar no debate, pela difficil situação em que estava o Gabinete.

Nessa altura, Barbosa de Magalhães, que nesse anno entrava pela primeira vez no Parlamento, dirigiu-se ao leader da maioria, notando-lhe a necessidade de alguem falar por parte da maioria, e esse leader, com um ar sarcástico, respondeu-lhe que pedisse elle a palavra.

Immediatamente se ouviu a sua voz, pedindo para ser inscrito a favor do Governo; e o espanto produzido por

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

esse acto de audacia só foi subjugado pelo effeito da ora cão que elle produziu e que ainda hoje, através das notas não revistas, do Diario da Camara, demonstra bem de quanto elle foi capaz, no momento difficil da vida do Governo d'essa época, dizendo-se que a estreia de Barbosa de Magalhães, no Parlamento Português, fora a mais brilhante dos ultimos annos.

Não digo que ninguem a tenha igualado; talvez alguem a tenha igualado. Ha, mesmo, uma, que eu julgo que se aproxima d'essa.

Mas ninguem a excedeu, porque não a podia exceder nesse maravilhoso discurso, que ainda hoje pode ser lido como modelo da bella eloquencia parlamentar.

Depois d'esse inicio da vida politica no Parlamento Barbosa de Magalhães não foi poupado pelo seu partido nem tão pouco o seu temperamento lhe permittia ficar de braços cruzados. Nas lutas parlamentares, nas columnas do seu jornal o Correio da Tarde, na defesa brilhante das doutrinas progressistas, o Dr. Barbosa de Magalhães deixou pedaços da sua vida, e em crueis discussões do seu partido com elle, deixou pedaços da sua alma delicada boa. É que Barbosa de Magalhães, quando entrou na politica, encontrou já a mediocridade triunfante.

Era já o tempo em que os que affirmavam, pelo seu valor, a sua individualidade, ousando pensar pelo seu cerebro, sem pedir licença ao chefe intangivel e quasi sã grado, eram expulsos dos partidos como membros despreziveis, passando á categoria de perturbadores da disciplina partidaria, que não tinha por base a defesa de principios mas a de uma oligarchia de vaidade e de interesses particulares.

Foi assim que, ao lado de Barbosa de Magalhães, foram afastados, do partido em que serviram, homens do valor de Emygdio Navarro, Mariano de Carvalho, Anselmo de Andrade, José de Alpoim e tantos outros que não quiseram, em determinadas condições, submetter-se ás imposições do dogmatismo do chefe omnipotente.

Mas, ao passo que isso succedia, os mediocres triunfavam através das mais humilhantes degradações.

O mediocre fala sempre de meritos que não tem, lança em face serviços que não presta, apregoa sacrificios que não soffreu e tem sempre a mão espalmada para receber a paga da sua obra, em honrarias ou em benesses. E, como se accommoda a todas as circunstancias e a todas as situações, o mediocre triunfa sempre, sem uma reclamação que possa ser ouvida, sem um ronronar que possa presentir-se, sem um attrito que possa exteriorizar-se.

Não tem ideias, nem precisa tê-las- Pensa pela cabeça do seu dono.

Defende por systema. Ataca por obrigação. Satisfaz vaidades e avigora odios. É serviçal. É submisso. Mas a paga é certa, segura e remuneradora.

Barbosa de Magalhães não satisfazia a estas condições. Tinha a consciencia do seu valor, não abdicou nunca da sua independencia intellectual, lutou, trabalhou, quis defender principios e só encontou homens, e estes tão pequenos e tão mesquinhos que não mereceriam o seu applauso.

Eu, neste momento, se uso da palavra, não o faço somente porque me prendessem a Barbosa de Magalhães laços de uma estreita e sincera amizade, mas sobretudo porque Barbosa de Magalhães foi uma das glorias mais autenticas do districto de Aveiro nos ultimos cincoenta annos.

A cidade de Aveiro, onde elle introduziu grandes e reaes melhoramentos, deve-lhe assinalados favores.

Ha uma obra sua que não posso deixar de recordar e a que me referirei.

E esse homem, que tão grandes serviços prestou ao seu partido, foi esquecido pelo partido a que pertenceu!

Ainda ultimamente, quasi no fim da sua carreira, quando elle pretendia uma promoção no seu Ministerio, foi abandonado e para esse cargo superior foi escolhido um seu inimigo pessoal.

E até agora, nessa ultima jornada para o Alto de S. João, não quis o Governo, a cujo partido elle pertenceu, prestar a homenagem da sua representação!

Todavia, eu entendo que a homens do seu valor, mesmo na hypothese de elle ser um intransigente adversario, o Governo não tinha o direito de recusar essa ultima homenagem. (Apoiados).

Podia isso não agradar a alguem, como eu sei. Mas deu-se até o facto estranho de o Ministerio da Justiça, onde elle occupava o logar de sub-director geral, se esquecer de mandar a sua representação nesta ultima, derradeira e justa homenagem que se prestava!

E, comtudo, elle foi uma alta individualidade na politica geral e uma grande e extraordinaria força na politica progressista do meu districto.

Disse eu a V. Exa. que, de toda a obra deste homem illustre - a quem não me referirei mais longamente para não cansar a attenção da Camara - havia a destacar alguma cousa que elle deixou á prosteridade. Foi a criação? do asylo -escola districtal de Aveiro.

Seguiu, Sr. Presidente, a orientação de um outro grande aveirense - José Estevão - que nos legou, em Lisboa, um asylo similar - o de S. João.

A protecção á primeira infancia, sabe-o V. Exa. muito bem, tem em Portugal merecido todo o desprezo dos nossos Governos.

Sobre a mesa - deve V. Exa. tambem saber - ha de estar um projecto, cuja iniciativa já foi renovada.

E, visto que sou o seu autor, direi que não desejaria já que o projecto fosse a uma comimssão, mas que, ao menos, servisse de incentivo ao Governo, onde haveria decerto homens mais competentes do que eu para tratar desta interessante questão nacional.

De outro modo é necessario que os particulares pensem na regeneração da nossa raça pela protecção á primeira infancia.

E, sobre este ponto, V. Exa. conhece, porque d'isso ouviu falar, o que ha pouco tempo fez a iniciativa generosa do Sr. Grandella.

Em Lisboa, e só devido á iniciativa de. benemeritos cidadãos, honram-nos instituições como o Lactario. Mas, fora dessa iniciativa, a protecção á primeira infancia é nulla.

Barbosa de Magalhães teve essa iniciativa em Aveiro, ao contrario do que succede na maior parte das cidades portuguesas, onde não ha um só albergue para as crianças desprotegidas da sorte.

E já que o seu partido, que elle serviu com tanto amor e dedicação, não lhe quis fazer justiça, nem prestar-lhe a ultima homenagem, que ao menos o seu nome fique perpetuado na memoria d'essas crianças e que sobre elle caiam essas bençãos, como a melhor glorificação.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Archer e Silva: - Sr. Presidente: declaro associar-me ao voto de sentimento proposto por V. Exa.

Disse.

O Sr. Conde de Castro e Solla: - Sr. Presidente: associo-me sentidamente ao voto - proposto por V. Exa. pela perda dos nossos collegas.

Barbosa de Magalhães foi um parlamentar distincto, cujos discursos são um modelo de oratoria parlamentar.

Foi tambem um polemista e jornalista notavel e sobretudo um jurisconsulto eminente.

Os seus trabalhos são conhecidos, deixando uma obra vasta e complexa, que é devidamente apreciada e respeitada.

Refiro-me á sua collaboração nos jornaes de jurispru-

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dencia, revistas de jurisdição e Gazeta de Portugal, de que era director.

Um outro fallecido, Eugenio de Castro, era um magistrado integerrimo, um jurisconsulto tambem notavel, trabalhou sempre e frequentou o tribunal até o dia em que a morte terminou á carreira d'aquelle distincto magistrado.

Moraes Carvalho foi um engenheiro distincto, notavel, cuja perda tambem lamentamos.

Eram estas as considerações que tinha a fazer, em homenagem de respeito sentido e sincero, em nome do partido regenerador.

(O orador não reviu).

O Sr. Augusto Valle: - Pedi a palavra para me associar, em. nome do partido regenerador-liberal, ao voto de sentimento proposto por V. Exa.

(O orador não reviu).

O Sr. João de Menezes: - Desejo igualmente associar-me á proposta da Presidencia, e destacarei o nome de Barbosa de Magalhães, jornalista distinctissimo, um dos jurisconsultos portugueses cujos trabalhos são apreciados por todos os seus collegas. A sua memoria não posso, portanto, deixar de prestar esta homenagem.

(O orador, não reviu).

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara, não posso deixar de considerar approvada a minha proposta, e vão ser feitas as devidas communicações.

Vae ler-se o expediente.

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio do Reino, participando que, por ser bastante volumoso o processo de nomeação de professoras interinas do Lyceu Maria Pia, este se acha, no gabinete do Sr. director geral de instrucção secundaria, á disposição do Sr. Deputado José Maria Barata Feio Terenas.

Para a secretaria.

Do Ministerio do Reino, enviando copia das deligencias a que se procedeu para a descoberta e captura do autor do arrombamento da porta da residencia do Sr. Consiglieri Pedroso, satisfazendo assim ao requerimento do Sr. Deputado Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Justiça, remettendo por copia o processo relativo ao Seminario de Beja, satisfazendo assim ao requerimento do Sr. Deputado João Pinto Rodrigues dos Santos.

Para a secretaria.

Da Presidencia da Camara dos Dignos Pares do Reino, pedindo que possam accumular, querendo, o exercicio das funcções legislativas com as dos seus empregos diversos funccionarios dependentes da Direcção Geral da Secretaria da mesma Camara.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Marinha, remettendo o documento relativo ao movimento dos alumnos e despesa com o pessoal do Collegio das Missões Ultramarinas, pedido pelo Sr. Deputado Francisco Miranda da Costa Lobo.

Para a secretaria.

Do Ministerio das Obras Publicas, enviando exemplares do Boletim do Trabalho Industrial, em satisfacção do pedido feito pelo Sr. Deputado Visconde de Ollivã.

Para a secretaria.

Do Sr. Rodrigo de Sousa Monteiro, agradecendo o voto de sentimento d'esta Camara pelo fallecimento de seu irmão o antigo Deputado José Maria de Sousa Monteiro.

Para a secretaria.

Chamo a áttenção dacommissao do ultramar para o projecto n.° 3-L de 1908, com que, na sessão legislativa d'esse anno, renovei a iniciativa de um anterior projecto de lei, que tem por fim contar a antiguidade do capitão reformado Mathias da Trindade desde 11 de fevereiro de 1895, em que lhe pertencia a promoção á effectividade do posto, e concedendo lhe nessa conformidade a melhoria de reforma. = Luis da Gama.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Fazenda, remettendo, por copia, um nota dos titulos de divida interna e externa, na posse, do Governo, vendidos desde 1 de janeiro até 14 de março do corrente anno, satisfazendo assim, em parte, ao requerimento do Sr. Deputado José Maria Pereira de Lima.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Fazenda, enviando o relatorio de 15 debulho de 1909 e documentos da commissão para liquidar as contas entre o Estado e Fazenda da Casa Real, satisfazendo assim ao requerimento do Sr. Deputado Francisco Miranda da Costa Lobo.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Marinha, remettendo mappas do estado do material dos cruzadores D. Carlos, S. Gabriel e Adamastor; mappa do effectivo do corpo de marinheiros e mappa do effectivo dos mesmos cruzadores, satisfazendo assim ao requerimento do Sr. Deputado Augusto Pereira do Valle.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Fazenda, remettendo o mappa indicativo de todos os contratos realizados por aquelle Ministerio de valor superior a 500$000 réis.

Para a secretaria.

O Sr. Presidente: - Communico á Camara o seguinte:

A mesa da Camara dos Dignos Pares do. Reino pede á Camara dos Senhores Deputados. permissão para que accumulem, querendo, o exercicio das suas funcções legislativas com as dos seus empregos os seguintes funccionarios dependentes da Direcção Geral da Secretaria d'esta Camara:

Carlos Augusto Ferreira, sub-director e chefe da repartição central.

Aurelio Pinto de Tavares Osorio Castello Branco, redactor interino.

Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, redactor.

Luis Vaz de Carvalho Crespo, redactor.

Palacio das Côrtes, em 30, de março de 1910. = Conde de Bertiandos = Luis de Mello Bandeira Coelho = Conde das Alcaçovas.

Foi autorizado.

O Sr. Antonio José de Almeida: - Peço a palavra para um negocio urgente.

O Sr. Presidente: - Convido o Sr. Deputado Antonio José de Almeida a vir á mesa declarar qual o assunto urgente de que deseja tratar.

(Pausa).

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O Sr. Presidente: - Peço a attenção da Camara. O Sr. Antonio José de Almeida apresentou á mesa a seguinte nota de assunto urgente de que deseja tratar.

Assunto urgente

Desejo interrogar o Governo sabre a agitação que lavra na territorio dos Cuanhamas e Cuamatas, que, segundo dizem os jornaes considerados officiosos, é devida ás extorsões e prepotencias exercidas pelas autoridades portuguesas sobre os habitantes d'aquellas regiões. Outrosim desejo saber se o Sr. Ministro da Marinha já tomou as convenientes medidas para serem castigadas com o justo rigor essas autoridades que assim provocaram a revolta em territorios cuja pacificação tanto dinheiro, vidas e esforço militar nos custou ha bem pouco tempo ainda. = Antonio José de Almeida.

Consultada a Camara, não foi considerado urgente.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos os Srs. Deputados Luis Grama, Visconde de Villa Moura, Pereira Cardoso e João de Menezes.

Tem a palavra o Sr. Luis Gama.

O Sr. Luis Gama: - Pedi a palavra, para, como Deputado por Leiria, pedir ao Sr. Ministro do Reino, que, pelo cofre da beneficencia, contribua com qualquer subsidio para soccorrer as familias dos pescadores vietimas do naufragio de Peniche.

Escuso de estar a insistir sobre o assunto, que se impõe por si, e como S. Exa. não está presente, peço a qualquer dos seus collegas o favor de lhe communicar este meu pedido.

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Justiça (Arthur Montenegro):- Pedi a palavra para participar ao Sr. Deputado Luis Gama que transmittirei ao meu collega do Reino as considerações de S. Exa.

O Sr. Visconde de Villa Moura: - Sr. Presidente: cumpre-me apresentar a V. Exa. e á Camara um projecto de lei tendente a reformar os hospitaes de Coimbra, regidos por diplomas de 1856 e 1870, hospitaes que de todo o ponto se afastam da direcção que devem ter, mau grado entenderem com a Universidade e interessarem dois importantes diatrictos da assistencia publica, o ensino medico universitario e o serviço clinico de uma grande e importantissima zona.

Explico no relatorio, mas importa-me insistir, que aquella direcção, tão desconforme aos intuitos da instituição hospitalar, não promana de menos trabalho, autoridade, valor, competencia e esforço da faculdade de medicina.

Prende á circunstancia do velho systema de diplomas que a regulamentam e de todo o ponto a desacreditam.

A faculdade de medicina é pelas individualidades que a compõem e serviços que podiamos inventariar-lhe uma corporação acima de qualquer censura e pelo contrario digna do nosso melhor e mais sentido applauso. (Apoiados).

Mas a sua acção nos hospitaes, falsamente chamados da Universidade, é quasi uma servidão; é uma acção excessivamente policiada, discutida e sobremaneira diminuida mercê da actividade tutelar dos governos; é aquella autoridade, aquelle exercicio, aquella mesma soberania que costumamos arrogar-nos acêrca dos logares onde deixamos tradições que documentam a historia das nossas glorias mas de que não temos nem a inspecção, nem a vigilancia, padrão de firmes direitos, responsabilidade que instigue e impulsione obras de valor extremado. (Muito bem).

A presente legislação é de molde a esterilizar toda a ^iniciativa e matar as melhores vontades.

O projecto de lei que temos a honra de submetter á discussão e emenda, quer d'esta Camara quer da propria faculdade de medicina, parte dos seguintes principios: - a descentralização a favor do ensino, a especialização clinica, a melhoria de assistencia, como consequencia fatal e necessaria das duas primeiras condições.

E não se diga que innovamos a nosso talante. Por um lado estatuimos pratica de muito seguida em outras escoas. Por outro lado seguimos e servimos a aspiração nova das ultimas ideias pedagogicas, que de muito licencearam as figuras encyclopedicas, substituindo-as pelas entidades de vocação e de trabalha, acurado num sentido mais largo ou mais estreito, mas em todo o caso expresso, assente, proprio e bem determinado.

O Sr. Egas Moniz: - Apoiado, muito bem.

O Orador: - Folgo com os applausos do Sr. Egas Moniz. É a adhesão de um parlamentar notavel e tambem professor da faculdade de medicina, á qual o projecto se destina, adhesão, que junta aos applausos que tenho recebido d'este lado da Camara, mostra que não serei só nesta cruzada de que as circunstancias me investiram e á qual todos devemos o maior devotamento.

Continuando. O principio da especialização bateu e ainda bem a velha aventura das competencias multiplices. Se ainda hoje ha quem trate de tudo a um tempo, ou mude de mês a mês as especialidades... nas taboletas, a verdade é que o valor mental dos nossos, diplomados tem subido um pouco, e este facto prende aquella orientação, que reflexamente temos recebido do estrangeiro, em bem da mentalidade nacional.

Quanto ao facto da descentralização apontada pouco temos a observar por agora. Já em tempo a encarecemos.

Para o caso do projecto ha só a acrescentar uma circunstancia.

É que já a lei de 1856 a pautava. Já ahi era expressa a interdependencia da faculdade, Ministerio do Reino e hospitaes de Coimbra.

Os regulamentos é que vieram matar o principio salutarissimo d'aquella descentralização. E de entre elles, e mercê das extraordinarias disposições que envolvem, que a faculdade sae mal ferida, quasi amesquinhada, diminuida.

Principios equivalentes aos que se conteem no nosso projecto encontramo-los já na lei francesa de 1849, que provê na assistencia de Paris.

Repartem-se ahi os poderes de gerencia dê uma forma bem patente. Só o conselho fiscal é composto de trinta e seis membros! A prefeitura do Sena, o Ministro do Interior, aquelle conselho, todos trabalham, sommam obras e repartem responsabilidades em taes serviços.

Generalizando um pouco vejamos o desenho largo da nossa vida publica.

Permitta-se-nos este parenthese.

Voltamos já aos hospitaes.

Por cá tudo se declina. Temos por systema dar os mais altos cargos aos mais velhos, collocar a senilidade onde devia pesar a distincção e depois carta larga.

A França bem como outros países não escrupulizaram em votar o limite de idade para os funccionarios, attingindo e com toda a razão os mais graduados. Este limite assenta numa razão de nacionalidade, e expressa a obrigação de validez para os diversos logares. (Apoiados).

Entre nos ninguem se dá por incompetente, do mesmo passo que o Estado a todos outorga competencia. Uma alta situação habilita a tudo.

O contrario do estrangeiro. Foi ainda a proposito de hospitaes que li há dias o caso da viagem do professor Zrdeifel, que tendo de superintender na construcção de uma clinica foi visitar os melhores hospitaes do estrangeiro, acompanhado do seu architecto só depois teve logar a construcção em Leipzig.

O plano dos grandes hospitaes de Moscou determinou

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alçadas equivalentes por Munich, Zurich, Reims, Starburg, Heidelberg, Leipzig, Halle, Berlim e Paris.

Assim se obtiveram as grandes clinicas da Inglaterra, Allemanha, Russia, etc. Fechemos o parenthese.

Veio este a proposito do alheamento de vida que nos pautámos. É preciso repartir a actividade e acreditar as corporações, as familias intellectuaes que nos contrastam o poder da mentalidade. (Muito bem).

E a legislação de 1870, como index d'este poder, opposta á questão da assistencia e designadamente á questão escolar e serviço medico de um districto como o de Coimbra, não serve, não diz bem.

Ora, Sr. Presidente, para que a responsabilidade vá a quem deva competir, precisamos de dar toda a liberdade á faculdade em materia hospitalar.

Tenha ella todos os direitos para que possa cumprir todos os seus encargos e deveres.

De ha muito que attiDgiu a SUA maioridade, o que é expresso e resalta dos mais variados serviços, da sua alta competencia, de autoridade que lhe advém das notabilidades que de ha muito a teem acreditado.

E sendo assim o que resta?

Reformar o seu velho estatuto quer em materia propriamente hospitalar, quer até no ensino.

Estes foram os intuitos do projecto de lei que vou ler á Camara.

Não faço questão na forma que dei ao projecto. Sou o primeiro a confessar que deve ser insuficiente.

Se vim ao assunto não foi tanto para elucidar como para elucidar-me. Fio da discussão o que não fio de mim.

Alem de tudo tinha promettido ensaios de legislação, de harmonia com os principios que uma vez aqui mesmo me fora dado desenrolar.

Este projecto é o primeiro ensaio, sobretudo uma prova de boa fé. Quando não vingue tenho a certeza de que hão de vingar os principies de que parte.

Por isso mesmo a sua discussão me satisfaz e tanto basta a compensar-me.

Disse. (Vozes: - Apoiados. Muito bem).

O projecto ficou para segunda leitura.

O Sr. Visconde de Coruche: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Communico a V. Exa. e á Camara que se acha constituida a commissão de agricultura, sendo escolhido para presidente o Exmo. Sr. Conselheiro Vargas e á mim para secretario. = Visconde de Coruche.

Para á secretaria.

O Sr. Pereira Cardoso: - Sr. Presidente: peço que entre immediatamente em discussão-a proposta de lei do Sr. Ministro da Fazenda, acêrca da cobrança das dividas ao Estado, porquanto os empregados das repartições de fazenda estão mostrando um zelo e actividade excessiva nesta occasião para promoverem a cobranca dessas dividas.

Recebi tambem uma representação dos povos do concelho de Tabuaço, e de outros, contra os administradores dos concelhos, que estão praticando violencias na execução dos processos por dividas ao Estado, aggravando assim a miseria d'essas populações - que já é bem grande.

Participo que vou deitar na caixa das petições um requerimento do coronel de infantaria da reserva Fernando da Costa Leal, pedindo melhoria de reforma. (O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Justiça (Arthur Montenegro): - Sr. Presidente: vou ler e mandar para a mesa uma proposta de lei de responsabilidade ministerial.

Foi á commissão de legislação criminal e mandada publicar no "Diario do Governo".

Vae por extracto no fim, da sessão.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Eleição de commissões

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á primeira parte da ordem do dia e convido os Srs. Deputados que tenham papeis a mandar para a mesa a fazê-lo.

O Sr. Egas Moniz: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha, me seja enviada copia do processo de suspensão imposta ao segundo official da Inspecção Geral de Fazenda do Ultramar Sr. José de Albuquerque Amaral, em 3 de outubro de 1908.= Egas Moniz.

Mandou-se expedir.

O Sr. Tavares Festas: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, me seja enviada com urgencia a indicação das despesas autorizadas para a reforma dos hospitaes da Universidade de Coimbra, e bem assim indicação das pessoas a quem pertence a superintendencia economica e technica d'estes serviços, com nota de todas as indicações que sobre este assunto e sua reconstrucção se tenham dado. = Tavares Festas.

Para a secretaria.

O Sr. Augusto do Valle: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, me seja enviadas copias dos seguintes documentos:

1.º

Despacho proferido em 1907 sobre isenção de direitos para o açucar da Madeira importado no continente.

2.°

Informações officiaes sobre que se fundou o despacho anterior.

3.º

Desistencia que os fabricantes matriculados da Ilha da Madeira fizeram acêrca do prazo de quinze annos estabelecido no artigo 13.° da lei dá receita e despesa.

4.°

Requerimento apresentado em 1908 para se declarar sem effeito a desistencia alludida e despacho respectivo.

5.º

Quaesquer despachos proferidos em 1908 e nos annos subsequentes sobre importação do açucar da Madeira no continente, e pagamento ou isenção dos direitos respectivos. = A ugusto do Valle.

Mandou-se expedir.

O Sr. Macedo Ortigão: - Mando para a mesa, o seguinte

Requerimento

Peço que, pelo Ministerio das Obras Publicas, me sejam enviados com urgencia os seguintes esclarecimentos que solicito pelo Conselho Superior de Obras Publicas e Minas:

Foi aquelle conselho ouvido sobre o projecto a que se refere a portaria de 4 de março de 1904, sobre a construcção do lanço de Tavira a Cacella?

Foi consultado pelo conselho o projecto de construcção da ponte ferrea sobre a ribeira de Almargem?

Quando foi apresentada esta consulta, se a houve, e quem foi o Exmo. relator?

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Entre que perfis da planta parcelar estava marcada a ponte?

Se o avançamento marginal do encontro esquerdo da ponte sobre o leito da ribeira, na extensão de 18 metros quadrados, estava marcado no projecto?

O muro exterior do encontro, limitando uma superficie aproximada de 379 metros quadrados, tambem o estava?

O conselho deu parecer favoravel in limine a esse projecto ou fez quaesquer reservas?

Não tinha essa obra de ser annullada pelo conselho?

Peço quaesquer outros esclarecimentos que o digno conselho queira entender dar sobre o assunto. = Antonio de Macedo Ramalho Ortigão.

Mandou-se expedir.

O Sr. Presidente: - Vae procede-se á eleição simultanea das commissões de obras publicas e de saude publica.

Procede-se á chamada.

O Sr. Presidente: - Convido para escrutinadores es Srs. Henrique Anachoreta e Manuel da Silva Espregueira.

Corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado 43 listas, sendo 1 branca, saindo eleitos, por 42 votos, para a commissão de obras publicas, os Srs.:

Anselmo Augusto Vieira.
Antonio Rodrigues Nogueira.
Conde de Arrochella.
Conde de Castro e Solla.
Conde de Paçô-Vieira.
Diogo Domingues Peres.
Eduardo Valerio Augusto Villaça.
Francisco Limpo de Lacerda Ravasco.
José Maria de Oliveira Simões.

E para a commissão de saude publica verificou-se terem entrado na uma 43 listas, sendo 1 branca. Foram eleitos os Srs.:

Antonio Augusto Pereira Cardoso, com ....42 votos
Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz .... 42 votos
Antonio Rodrigues Costa da Silveira .... 42 votos
Diogo Domingues Peres .... 42 votos
Joaquim José Pimenta Tello ....42 "
Jorge Vieira .... 42 votos
José Joaquim da Silva Amado .... 42 votos
José Victorino Sousa e Albuquerque .... 42 "
Sabino Maria Teixeira Coelho .... 42 votos

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Moreira Junior): - Vou ler e mandar para a mesa uma proposta de lei acêrca das reclamações da casa William Hinton & Sons, do Funchal.

Foi a imprimir.

Vae por extracto no fim da sessão.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Eduardo Villaça): - Mando para a mesa a seguinte

Proposta de aocumulação

Em conformidade, com o disposto no artigo 3.° do Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, pede o Governo á Camara dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa para que o Sr. Deputado José Ribeiro da Cunha, primeiro secretario de legação graduado em chefe de missão de 2.ª classe, accumule, querendo, o exercicio dos seus empregos com as funcções legislativas.

Secretaria de Estado dos Negocios Estrangeiros, em 2 de abril de 1910.= Antonio Eduardo Villaça.

O Sr. Pereira dos Santos: -- Peço a palavra para um negocio urgente.

O Sr. Presidente: - Convido V. Exa. a vir á mesa expor o assunto do seu negocio urgente.

(Pausa).

O Sr. Presidente: - Peço a attenção da Camara. O Sr. Deputado Pereira dos Santos mandou para a mesa o seguinte negocio urgente:

"Desejo chamar a attenção da Camara e do Governo para a conveniencia de serem publicados ou patentes á Camara, sem demora, todos os despachos relativos á questão madeirense e os processos que serviram de base áquelles despachos".

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Moreira Junior): - V. Exa. dá-me licença? Eu mandei todos os documentos importantes juntamente com a proposta de lei, como todos os despachos e documentos que teem valor para a elucidação da questão.
Mandarei tambem dois processos que estão no Ministerio da Fazenda e na Direcção Geral de Agricultura. Entretanto, fiz incluir todos os elementos importantes.

O Sr. Pereira dos Santos: - O Sr. Ministro das Obras Publicas não pode falar sobre, o meu negocio urgente, sem eu falar primeiro.

O Sr. Presidente: - Não sei se o Sr. Pereira dos. Santos, depois das explicações que o Sr. Ministro das Obras Publicas acaba de dar, insiste no seu negocio urgente?

O Sr. Pereira dos Santos: - Eu não tenho sobre a questão da Madeira, neste momento,- nenhuma opinião formulada a favor ou contra. Já alguns Srs. Deputados se teem referido a ella. Eu, porem, só a quero discutir com todos os elementos que podem ser fornecidos á Camara. Mas como o Sr. Ministro das Obras Publicas fez a declaração de que o seu procedimento tinha sido pautado, por despachos que houvera anteriormente, e como esses despachos não são do dominio publico e não foram publicados, para eu poder seguramente emittir a minha opinião, carecia de que todos esses documentos fossem publicados, como tambem os processos que serviram de base áquelles despachos, para se averiguar a quem assiste a justiça.

Desde que S. Exa. disse que já mandou para a mesa alguns documentos e vae mandar os restanfes, não tenho mais que applaudir S. Exa. pela resposta, e nestas circunstancias espero que assim succeda.

Não peço a publicação completa de todos os documentos porque levaria muito tempo, e demais será assunto que o Governo ha de querer discutir depressa.

O Sr. Brito Camacho (interrompendo): - Mas não o fará!

O Orador: - Por ultimo, peço que todo o processo vá para a mesa, para a Camara ser facilmente instruida e para melhor poder apreciar a questão em todos os seus detalhes e minucias.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Vejo que, pelas declarações do Sr. Ministro das Obras Publicas, V. Exa. não insiste no seu negocio urgente.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Moreira Junior):- Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Não posso dar a palavra a V. Exa.

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O Sr. Anselmo Vieira (por parte da commissão de commercio): - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo a V. Exa. e á Camara que está constituida a commissão de commercio, a qual, escolhendo para seu presidente o Sr. Calvet de Magalhães, me nomeou seu secretario. = Anselmo Vieira.

Para a secretaria.

O Sr. Conde de Azevedo (por parte da commissão de pescarias): - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo a V. Exa. e á Camara que se acha constituida a commissão de pescarias, escolhendo para presidente o Sr. Deputado -Joaquim José Pimenta Tello e o participante para secretario. = Conde de Azevedo.

Para a secretaria.

O Sr. Presidente: - Vae proceder-se á eleição simultanea das commissões de estatistica e de artes e industrias.

Procede-se á chamada.

O Sr. Presidente: - Convido para escrutinadores os Srs. Conde de Arrochella e Henrique Anachoreta.

Corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na urna 40 listas, saindo eleitos, por igual numero de votos, para a commissão de estatistica, os Srs.:

Alberto Pinheiro Torres.
Alfredo Pereira.
Antonio Hintze Ribeiro.
Antonio Tavares Festas.
Joaquim Heliodoro da Veiga.
José Gonçalves Pereira dos Santos.
José Osorio da Gama e Castro.
Manuel de Sousa Avides.
Visconde de Villa Moura.

E para a commissão de artes e industrias verificou-se terem entrado na urna 40 listas, tendo sido eleitos por igual numero de votos os Srs. :

Augusto de Castro Sampaio Côrte Real.
Conde de Azevedo.
Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta.
José Joaquim da Silva Amado.
José Malheiro Reymão.
José Maria de Oliveira Simões.
Manuel Affonso da Silva Espregueira.
Sabino Maria Teixeira Coelho.
Thomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Moreira Junior): - Vou ler e mandar para a mesa uma proposta de lei criando na Ilha da Madeira, com sede no Funchal, um laboratorio chimico agricola.

Foi mandada ás commissões de agricultura e de fazenda, depois de publicada no "Diario do Governo".

Vae por extracto no fim da sessão.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Veiga Beirão): - Vou ler e mandar para a mesa duas propostas de lei: uma reformando a lei eleitoral, e outra reformando alguns artigos da Carta Constitucional.

Foram mandadas enviar á commissão e a publicar no "Diario do Governo".

Vão por extracto no fim da sessão.

SEGUNDA PAETE DA ORDEM DO DIA

Discussão dos pareceres n.ºs 2, 3 e 4

O Sr. Presidente: - Aã propostas vão ser enviadas ás commissões respectivas. Vae passar-se á segunda parte da ordem do dia, continuando adiscussão do projecto de lei n.° 3, fixação da força armada.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Antes de começar a falar, peço a V. Exa., Sr. Presidente, a fineza de verificar se ha numero de Deputados sufficiente para a sessão poder funccionar.

O Sr. Presidente: - Vae fazer-se a contagem. Faz-se a contagem.

(Pausa).

O Sr. Presidente: - Estão na sala 52 Srs. Deputados, numero sufficiente para poder continuar a sessão; pode, portanto, o Sr. Deputado usar da palavra.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Sr. Presidente: eu tinha pedido a palavra para falar sobre este projecto, mas, como já passaram tantos dias e os meus apontamentos são tão insignificantes, peço desde já aos meus collegas que, no caso de eu não reproduzir claramente as- minhas ideias ou de o fazer por modo a não me fazer entender, me façam o favor de me interromperem.

Declarou o illustre Deputado que deste lado da Camara levantou o debate que este projecto era inopportuno, porque a Camara não tinha os conhecimentos indispensaveis para o discutir, por maior que fosse a sua vontade. E assim é effectivamente. Estas tres ou quatro linhas que nos dá o projecto em nada nos elucidam a proposito do assunto, parecendo que isto é uma cousa sem importancia, quando afinal é uma das nossas conquistas mais liberaes. Disse-se que, segundo a lei, este projecto tinha de ser apresentado dentro dos primeiros quinze dias de Camaras. Mas ser apresentado não quer dizer - ser discutido.

Mas eu quero falar com absoluta franqueza e devo fazer uma declaração previa. Em todas as considerações que apresento, não tenho a minima intenção de offender a corporação do exercito, que muito respeito; e que, emquanto estiver á altura da sua missão, eu entendo que deve ser respeitada.

O partido a que tenho a honra de pertencer tem já publicado, pela imprensa, as affirinações categoricas do seu chefe, feitas numa conferencia realizada no nosso centro politico, na qual elle disse que é urgente tratar da defesa nacional. O exercito, ou serve para a defesa nacional, ou então não é senão uma classe parasitaria - com vergonha e magna para o proprio exercito, que não pode estar sujeito a esta triste situação. O exercito parece que está condemnado a empregar uma serie de funccionarios que, não encontrando collocação nos logares importantes da burocracia, vão para esse modo vida, para passear nas procissões e assistir a todos os cerimoniaes - o que é improprio de um exercito que deve constituir a segurança nacional.

É preciso dar ao exercito a importancia que elle deve ter, para desempenhar uma funcçao capital, e não ser um corpo parasitario, que não desempenha absolutamente funcção alguma a minha aspiração e a do meu partido é dar-se-lhe essa funcção, é elevá-lo á dignidade que lhe compete.

Já se tem dito nesta Camara, e houve já quem se insurgisse contra o facto deprimente de se gastarem 8:500 contos de réis com o exercito, para não colher o resultado, que se devia esperar.

Atravessando-nos um periodo apparentemente pacifico, vemos que ao passo que as outras nações se vão prepa-

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rando, que os orçamentos da guerra, em todos os países ricos de dinheiro, teem oscillações extraordinarias, como na Inglaterra e na Allemanha, porque é necessario, pelas consequencias politicas e transformações sociaes, arranjar dinheiro para o exercito; nós vemos que o exercito não pode deixar de ser considerado como elemento salvador, para o qual todas as classes devem olhar. Por isso não podem debater-se, serenamente, todas as outras questões, sem que o exercito seja attendido.

É preciso que nos, que trabalhamos, confiemos na nossa segurança e tranquillidade; nos convençamos de que temos as nossas cousas completamente garantidas, estando prontos para nos defender, com honra e brio, perante as nações estrangeiras. E ninguem - nem o Sr. Ministro da Guerra - ousará dizer que, se amanhã houver uma invasão estrangeira, nos teremos elementos sufficientes para uma defesa, não direi importante, mas necessaria para no sustentarmos 5 não deixar os nossos inimigos entrarem em Lisboa.

Recordo-me ainda do que não ha muitos annos se disse sobre este assunto: que não havia nem soldados, nem armamento, nem cousa alguma! E que a situação era verdadeiramente deprimente para nos, porque o inimigo não encontraria resistencia!

É deprimente e vergonhoso. E deprimente que nos gás temos. 8:500 contos de réis, quando outras nações, iguaei a nos, gastam muitissirao menos, tendo, aliás, o seu exercito perfeitamente disciplinado, mantido, e as suas cousas perfeitamente bem postas, para responder a qualquer affronta do estrangeiro.

Não quero entrar nesta especialidade, porque não sou technico, nem quero dar a impressão de que gastei muito tempo a estudar estes assuntos; trato-os somente sob um ponto de vista - o do interesse patriotico. (Apoiados).

Eu quero o exercito, mas não o exercito para servir as instituições, para impor ideias ou para servir as ditaduras. (Apoiados). Tambem o não quero para metralhar os revolucionarios. Quero o exercito, sim, mas para que nos garanta, para que seja capaz de resistir a uma invasão, como pode ser a da Espanha, ou de outra qualquer nação. Não quero o exercito para nos intimidar. Quero-o - para nos honrar.

Faço aos officiaes a justiça de acreditar que ninguem mais do que elles soffrerá ao ver o estado em que o nosso exercito se encontra, não por culpa d'elles - que são briosos e honrados - mas por todos nos termos dirigido tão mal as cousas publicas que esses 8:500 contos de réis se teem sumido, servindo para tudo -menos para cuidar a serio da defesa nacional!

E, depois, note V. Exa., Sr. Presidente, que situação tristissima é aquella em que nos encontramos, fazendo parte de uma alliança com a Inglaterra. O que é que nos lhe poderiaraos fornecer, se amanhã ella precisasse de nós? Absolutamente nada.

Veja V. Exa. que situação tão deprimente é a nossa que, se amanhã a Espanha quisesse invadir este país, nós teriamos que esperar que a Inglaterra nos ajudasse!.

Sr. Presidente: nos temos necessidade de reformar muitos serviços publicos, como é, por exemplo, o da nossa instrucção, que é deploravel, e o da nossa agricultura, que não tem progredido tanto quanto devia, mercê dos nossos Governos (Apoiados), mas para fazermos tudo isso precisamos de reorganizar o exercito, porque emquanto não tivermos esta defesa bem organizada a nossa situação não é boa.

Todos sabem que a Allemanha se prepara para desempenhar uma situação predominante na Europa, aumentando as suas marinhas, tanto de guerra como mercante, a tal ponto que a propria Inglaterra se resente extraordinariamente d'essa luta, chegando já a ter o terror de que os allemaes venham em areoplano fazer uma invasão no seu país!

Ora se isto assim é, se nos havemos de ser necessariamente arrastados ás lutas futuras, por causa da alliança que temos com a Inglaterra, como é que se comprehende que, estando numa situação estrategica primordial, tanto nos descuidemos, gastando ao mesmo tempo o nosso dinheiro?

Pois apesar de noa encontrarmos nestas circunstancias, não nos resolvemos, ao que parece, a tomar um caminho seguro.

Se perguntarmos ao Sr. Ministro da Guerra se temos armamento, naturalmente S. Exa. responde que não. A verdade é que falamos com as pessoas mais competentes no assunto e respondem-nos que não possuimos nada do que precisamos. (Apoiados).
Eu bem sei que, nestas questões, era antigo systema não falar claro.

Era o habito antigo o svstema de não fazer referencias ás questões diplomáticas, aos assuntos que envolviam a honra do nosso exercito, ao estado da nossa praça, etc. Nestes assuntos não se podia dizer a verdade. Mas isso era um erro. (Apoiados).

O que é certo é que o estrangeiro conhece, melhor que nos mesmos, o que cá se passa.

A este proposito lembro-me de um livro que ha pouco tempo se publicou na Italia sobre questões militares, em que se dizia que era preciso falar com absoluta franqueza e encarar o problema como elle era realmente. E o autor d'esse estudo é um general do exercito italiano.

Se nos disséssemos que o nosso exercito estava muito bem armado, podia succeder-nos um dia o mesmo que sue cedeu á França, quando suppunha, antes de 1870, que não faltava aos seus soldados nem um botão, quando lhes faltava tudo. E a França soffreu então uma grande derrota, apesar da valentia dos seus soldados.

Ainda ha dias, por uma revista estrangeira, tive conhecimento de um facto que ignorava.

Numa conferencia realizada no estrangeiro por pessoa competente, foi declarado que o militar francês tinha superioridades sobre o militar allemão, sobretudo com respeito á sua robustez physica, porque o soldado allemão estava affectado pelo ar viciado da officinas e das casas de machinas, facto este que com o francês se não dava. Disse-o numa conferencia - um official do exercito allemão.

Eu suppunha, comtudo, que o allemão era mais forte, como, em principio, parece ser a sua raça mais forte do que a nossa raça latina.

Ora eu estou convencido que, falando-se, tão claro na Allemanha sobre tal assunto, já actualmente se estuda essa questão, a fina de tornar o soldado allemão mais forte que o francês.

Nós pensamos de outro modo.

Nós queremos transformar os nossos soldados nesses militares que se caracterizam e distinguem por fazer pé de alferes.

Mas os nossos militares querem trabalhar e honrar a pátria. (Apoiados). Teem coragem e brio bastantes para serem ainda os grandes militares, como já tem demonstrado a nossa historia, quando se batiam ao lado de soldados de outras nações com maior ou igual denodo. (Apoiados).

Não os devemos, portanto, deixar continuar nesta nação, servindo-nos dos soldados para guardar os Deputados quando falam = e outros serviços d'esta ordem.

Na moderna luta de classes, a equiparação dos membros de cada uma d'ellas é trabalho que levará muito tempo a ffectuar.

Evidentemente ha de haver sempre differença entre a vida militar e a civil, mas um corpo militar não deve ser organizado para que se lhe imponham a defesa de todos os despauterios e arbitrariedades que o poder civil fizer.

O que é preciso impor e garantir é unicamente o cura-

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primento da lei. Esta é que é a força do exercito e nesse sentido é que nós devemos organizá-lo.

O illustre Deputado da maioria que se occupou d'este assunto, depois das amabilidades que dirigiu ao seu adversario, falou com uma sinceridade que eu gostei de ouvir, com os conhecimentos especiaes que possue, não só pelo seu grande talento, mas pelas suas qualidades de militar brioso.

Disse S. Exa. - e isto consta dos meus apontamentos - uma cousa, que revela a confirmação de tudo quanto eu tenho dito. Assim é que S. Exa. disse que a classe militar quer ser apoiada pela classe civil.

Bella aspiração é essa!

É isso exactamente do que nós precisamos. E que os militares não sejam considerados como uma classe exploradora das outras classes. Do que precisamos é que não se diga que se gastam 8:500 contos de réis para sustentar funccionarios de espada, como os outros são funccionarios de penna.

O que é preciso é que a opinião publica se convença de que os militares desempenham funcções importantissimas, como mantenedores da ordem, podendo nós estar confiados em que, havendo amanhã uma convulsão, nós temos o nosso corpo militar perfeitamente equipado, pronto a poder resistir.

Entretanto, é preciso que tenhamos a certeza de que possuimos os nossos militares apetrechados e preparados, não tendo apenas os apetrechos da, sua coragem e do seu patriotismo - e nada mais de que lançar mão!

Quanto ás nossas fortalezas, dando-se por acaso uma invasão, da qual pudesse resultar luta, sempre eu queria ver o que havia de feito! Creio que nada ha.

E quantos milhares de contos de réis se teem gasto!...

O Sr. Brito Camacho: - Temos os Jeronimos, a Batalha, os Lusiadas...

O Orador: - Não é com essas glorias que nos podemos defender contra o inimigo.

O illustre Deputado Sr. Brito Camacho sabe que aquelles povos privilegiados, que desempenharam na civilização um grande papel e que depois, pelas suas condições physiologicas, passaram a ser uns degenerados, não tinham necessidade, de exercitar os seus musculos, quando caiam na indolencia do seu torpor, porque para tudo tinham os seus servos, - servos que por elles agiam e pensavam.

Ha pessoas nobres que vivem de olhar para os quadros da familia, para o do seu avô, que fora governador da India, para o de um outro, que fora Deputado, etc. Lembra-me, a proposito, um individuo que dizia ter tido um avô, que desempenhara honrosas funcções e fora Deputado. Outro individuo, que estava ao lado, respondeu-lhe: "Pois tudo isso que elle foi sou-o eu!"

Eu comprehendo muito bem que os Lusiadas sejam um padrão de gloria; que o poema de Camões seja um titulo de orgulho immenso para nós; mas se nós tivermos homens de valor, capazes de assegurar a nossa riqueza e a nossa raça, não sejamos agora como os povos decaidos ou como os nobres arruinados.

Olhemos para o exemplo da Grecia, que parece impossivel que tivesse os antecedentes que teve, que tivesse a grandeza que manifestou era todos os ramos da arte e da sciencia, e que chegou ao grau de abatimento em que hoje se encontra.

Nós possuimos condições extraordinarias para podermos ter ainda periodos de prosperidade, mas para isso carecemos de ter juizo, necessitamos que os Ministros não se preoccupem apenas com cousas pueris e cuidem a serio dos interesses do pais, sem olharem a se as medidas que tenham de promulgar interessam a republicanos ou a monarchicos.

A obrigaçãodos homens publicos, hoje, não é defenderem o passado e o que existe - mas acompanhar a evolução das ideias. Se alguém pensa de outra forma, pensa mal. Hoje já não se podem defender as ideias medievaes, tem de se acompanhar as transformações da época, e o ambiente agora transforma-se com muita mais facilidade do que antigamente, porque tem como agentes poderosos os caminhos de ferro, o telephone, a imprensa, etc., todas essas grandiosas manifestações de progresso.

Esta é que é a obrigação dos homens publicos: acompanhar a evolução das ideias. Do passado não se vive; os serviços que tinha a prestar, prestou-os.

A este respeito lembra-me o que dizia Comte, referindo-se a Deus: - Devemos agradecer-lhe muito os serviços que já prestou á humanidade, mas sigamos para a frente! E assim é; se hoje quiséssemos pensar como se pensava ha seculos, se quiséssemos ter as mesmas aspirações que então tinhamos, o que succederia é que a vida social passaria a ser uma estranha mascarada, dentro da qual ninguem se entenderia.

De resto, o que se não verificar pelos processos da evolução, virá depois pelo movimento revolucionario. E esse traz sempre comsigo grandes desastres, porque nesses periodos de convulsão é evidentemente affectada a economia, o commercio, a industria, tudo.

Parece me, portanto, que o que ha á fazer em todos os países em que ha liberaes, elementos avançados em certos partidos, é os conservadores irem ao encontro desses elementos, transigindo pouco a pouco e acompanhando por essa forma a evolução dos modernos ideaes, que em toda a parte animam os homens conscientes.

Terminando, peço desculpa á Camara d'estas despretenciosas considerações, em que eu, arvorando-me em general, disse o que me parecia justo, accentuando que o nosso exercito, para ser destinado á defesa nacional, não satisfaz actualmente. E que esse é que é o fim a realizar, sem o que não se cumprirá a sua alta missão, estando consequentemente o país numa situação perigosa. (Apoiados).

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Guerra (Mathias Nunes): - Os illustres Deputados que me teem precedido na discussão deste projecto teem-no dividido em duas partes: ò ponto e a parte vaga. Quanto ao ponto, ainda não ouvi tratar d'elle. Com respeito á parte vaga, acabo de a ouvir muito brilhante e distinctamente tratada pelo illustre Deputado, Sr. João Pinto dos Santos.

Fez S. Exa. affirmações, algumas das quaes soffrem refutação. A primeira é a de que o projecto vem desacompanhado de elementos, de explicações. Ora, o projecto, que vem desde a Carta Constitucional, creio eu, fixando a força do exercito, não precisa de explicações nem de se acompanhar de outros elementos. As explicações estão todas na lei organica do exercito. Quem conhecer a lei organica do exercito sabe que aquella lei estabelece que o exercito deve ter um certo numero de homens, numero marcado pela lei organica, e a lei organica tem sempre marcado 30:000 homens, numero que não é rigorosamente exacto. Por isso, os documentos que vieram são os mesmos que vieram sempre e, por consequencia, provado, está que o projecto escusava de vir acompanhado de documentos explicativos.

Devo desde já dizer a V. Exa. que não encontro vantagem nesta disposição, que está na Carta Constitucional, de marcar a força do exercito.

A outra é a questão do orçamento ser apresentado. Não vejo necessidade d'isso. O que preciso saber, quando tenho o exercito organizado, é saber quaes os meios que tenho para o alimentar, qual é o effectivo orçamental.

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O effectivo não representa cousa nenhuma; no orçamento é que eu vejo tratar d'isso.

Este projecto é - permitta-se-me a frase - um projecto protocollar.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Eu leio a Carta Constitucional e vejo que é uma attribuição das Côrtes fixar o effectivo do exercito, e que é uma questão tão importante que o Governo a deve apresentar logo nos primeiros quinze dias, depois da abertura do Parlamento.

O Orador: - O que se discute aqui é o orçamento. A Camara, como soberana, pode reformar o exercito. Mas hão o reforma.

O Sr. João de Menezes: - Não reforma porque não quer, e não pelo facto de não se apresentar aqui alguma cousa util para a reforma do exercito.

O Orador: - Disse o illustre Deputado que a proposta vem desacompanhada de documentos. S. Exa. até queria que se lhe dissesse quaes eram as medidas que estavam para ser adoptadas no exercito, como se o Ministro da Guerra, ou alguem do Governo, pudesse dizer quaes são as medidas a adoptar. Quem o ha de determinar - é a Camara.

Qual a organização futura? Mesmo que houvesse uma lei de reforma do exercito, não tinha valor senão d'ahi a um anno. Por consequencia, este projecto refere-se ao exercito tal como elle está organizado. Ora a nossa organização é a de 1901.

A proposito, direi que nós, portugueses, padecemos de megalomania. Não é só o publico em geral; é tambem a classe militar. Nós o que queremos é muito brilho, é ter grande exercito, possuir muitas unidades! Mas effectivos é que não podemos ter, porque, para ter effectivos convenientes, para adoptar essa organização, é necessario despender muito dinheiro.

Para termos um effectivo do exercito durante um anno, o que é necessario? Dinheiro e homens. Homens, temos nós bastantes. Neste ponto, a França ainda hoje não tem homens, e estão pensando em ir buscá-los á Argélia, á Tunisia e ao Senegal. Dinheiro tem, mas não tem homens. Nós temos pouco dinheiro, e dá isso em resultado que fazemos organizações com um grande numero de unidades.

Temos seis divisões, que estão no orçamento incompletas, faltando tres esquadrões, quatro baterias.

Acontece que um tão grande numero de unidades não se pode sustentar com a verba orçamental. Unidades com um grande effectivo em pé de paz não é bom principio, mas é melhor do que aquelle que nós seguimos.

Houve um general italiano que a primeira cousa que tratou foi saber quanto dinheiro lhe dava a Camara para poder ter os effectivos nas companhias convenientemente elevados, a fim de lhes dar boa instrucção.

Mas disse o illustre Deputado que o exercito serve quasi só para passear, e até disse que os nossos officiaes faziam pé de alferes. Pergunto: quem vae fazer as campanhas de Africa? E o exercito espanhol ou o exercito francês? Evidentemente são os nossos officiaes e os nossos soldados. Mostram ou não resistencia?

O Sr. João Pinto dos Santos: - Eu não pus em duvida a resistencia dos nossos officiaes e dos nossos soldados. V. Exa. está a levar a questão para outro campo. Eu disse que tinham qualidades extraordinarias e que era pena que não se aproveitassem essas qualidades tanto quanto era para desejar - para honra de todos os portugueses.

O Orador: - Todavia, nós, em logar de nos limitarmos ao que devemos fazer, com ordem, precisão e correcção, temos a monomania da grandeza.

Diz S. Exa. que nós não temos armamento. O que nós não temos é armamento em quantidade sufficiente para as necessidades do serviço.

E sobre este ponto, permitta-me S. Exa. que lhe diga que, se viessem a esta Camara os projectos para á compra desse armamento, certamente ella não estaria disposta a immediatamente cumprir o seu dever, - porque havia de questionar.

O Sr. João Pinto dos Santos: -Talvez. Mas por culpa das maiorias.

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Ministro da Guerra o favor de se dirigir á Presidencia.

O Orador: - Para se manter um exercito á altura de poder cumprir todos os seus deveres, é preciso fazer-se um grande dispendio.

Disse ainda o illustre Deputado que o nosso exercito gasta 8:500 contos de réis e que ha outros exercitos que gastam muito menos.

Quanto á primeira parte, direi que é verdade. Mas relativamente á segunda, confesso que não conheço exercitos em boas condições que gastem menos d'essa quantia.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Se V. Exa. quer, eu comprometto-me a trazer á Camara os elementos pelos quaes se prova que ha exercitos que gastam muito menos.

O Orador: - O illustre Deputado deve notar que nestas questões ha muitos enganos.

Durante muitos annos nós mettemos no orçamento 300 contos de réis para fazer as fortificações de Lisboa.

E sabe S. Exa. o que gastou a Bélgica para fazer as fortificações do Meuse?

Gastou 2:000 contos de réis. Isto é que se chama gastar.

Nós fazemos sempre questão de uma centena de contos de réis, ao passo que os belgas, por exemplo, não fazem questão de milhares de contos de réis.

Não sabe V. Exa., Sr. Presidente, os muitos milhões que a Suissa despendeu para fazer as fortificações próximo do St. Gothard?

Nós, então, para comprarmos o armamento para cavallaria e infantaria, envolvemo-nos numa verdadeira campanha.

Pareceria tambem natural que quando comprámos essas 100:000 armas comprássemos tambem logo as respectivas munições. Mas não. Só mais tarde se pensou nisso.

Ora não é este o modo de proceder. Deve-se gastar a tempo, como deve ser gasto quanto é preciso gastar!

A Suissa, quando adoptou o armamento de pequeno calibre para a infantaria, a primeira cousa que adquiriu foram 150:000 armas e adquiriu ao mesmo tempo as respectivas munições.

Cada arma ficou dispondo de 500 cartuchos e esse armamento custou para cima de 5:000 contos de réis.

Nós, com 4:500 contos de réis, comprámos artilharia e armamento de infantaria em numero muito insufficiente para os homens que podemos chamar ás armas.

Diz S. Exa. que o exercito não satisfaz a sua missão.

Ora elle é o mantenedor da ordem publica, e um dos seus principaes deveres é defender o país dos inimigos externos e internos e fazer o serviço de segurança nas populações. (Apoiados).

Constantemente as autoridades estão requisitando forças militares para preencher este fim, e ainda hoje eu recebi um pedido n'esse sentido.

Lembrarei tambem os serviços prestados pelo nosso exercito nas possessões africanas. (Apoiados).

Referiu-se o illustre Deputado aos allemães.

Eu não conheço a conferencia de que S. Exa. falou, mas o que sei é que, quando atravessei a Allemanha e a

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França, vi que não havia soldados inferiores, que eram todos resistentes.

Demais, quem nota o que teem feito os allemães no sul da Africa não pode dizer que o saldado allemão é um homem inferior nas campanhas coloniaes.

Sobre o que disse esse conferente a respeito do exercito francês, não sei a impressão que elle causou, e muitas vezes dizem-se cousas que não são sempre verdadeiras.

A proposito, eu recordo-me do seguinte facto:

No orçamento do Ministerio da Guerra, de França, uma das medidas era gastar 10.000:000 francos em cozinhas volantes para acompanhar as companhias e fazer o rancho do soldado, que ficaria assim muito melhor do que se elle proprio o fizesse.

Prestarão essas cozinhas em campanha um serviço tão bom como se pensa?

Na Mandchuria, por exemplo, em que se dava o facto de ser uma região de poucas habitações, falha de recursos de subsistencia, as cozinhas volantes de que se soccorreram os exercitos não puderam prestar o seu auxilio, fornecendo os alimentos indispensaveis.

Por isso, torno a repetir: o illustre Deputado diz que se gasta muito e eu digo que se gasta pouco. Quem quiser ter um bom exercito organizado, ha de gastar mais.

Nós temos seis divisões e isso é um mal, porque é ter seis divisões mal organizadas.

Seis divisões, com a organização que hoje teem, é gastar muito dinheiro, sem obter os resultados que devem dar.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Divisões ou brigadas?

O Orador: - Lá chegaremos a esse ponto.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Já houve um Ministro que queria oito divisões.

O Orador: - E o que eu digo: é a melagoniania, é a mania das grandezas.

O argumento do illustre Deputado Sr. João Pinto dos Santos, de que o exercito é pouco util, é ainda, por outra razão, menos procedente.

O exercito desempenha um grande papel e S. Exa. não faz ideia da somma de trabalho dos nossos officiaes com o ensino do recrutamento. Diz a lei do recrutamento, que temos hoje, que o effectivo é de tres annos, mas ha muito tempo já que, antes desses tres annos, os homens passam á reserva. Acontece assim que, tendo 30:000 homens, mas passando muitos á reserva antes do tempo, entra muito mais gente, e entrando mais soldados, o trabalho dos officiaes é tambem muito superior. Ha mesmo o que se chama um surménage de trabalho.

Em França acontece isso tambem e os officiaes pedem, que os quadros sejam aumentados, porque não podem instruir tanta gente e teem, como os nossos, um trabalho extraordinario.

Se nós adoptássemos menor numero de unidades, podia-mos ter nas companhias maior numero de homens, podendo obter, portanto, uma instrucção capaz para as unidades, depois dos homens terem recebido a conveniente instrucção de recrutas.

Isto vem a propósito de se haver o illustre Deputado Sr. Rodrigues Monteiro referido á instrucção e ás grandes manobras das unidades superiores do nosso exercito, o que é uma cousa que tambem não se faz com muita facilidade.

Deveria fazer-se, mas acontece que, no nosso exercito, ha um grande numero de remissões, isto é, homens que podem ir se embora pagando 50$000 réis. Só ahi vae uma grande percentagem de homens que se retiram do exercito.

O Sr. Correia Mendes: - Emquanto houver essa lei, não ha exercito.

O Orador: - As companhias ficam portanto reduzidas a um pequeno numero e não podem fazer o serviço de uma companhia de guerra. Porque é preciso notar: não se trata só do serviço de pegar na arma e dar um passeio; trata-se de fazer serviço de campanha, nas varias situações em que o soldado se pode encontrar.

Acontece isso para o batalhão e para o regimento. As unidades que compõem o batalhão são geralmente fracas.

Passando para as unidades superiores, querendo exercitar uma brigada ou uma divisão, então surge-nos uma grande difficuldade.

Nestes assuntos, temos sempre que congregar o orçamento com as necessidades do exercito.

Nós temos no orçamento uma verba para manobras. Essa verba é insignificante. (Apoiados).

O exercito francês tem em pé de paz 50:000 homens e gasta em manobras 2:000 contos de réis.

Nós deviamos gastar, pelo menos, 100 contos de réis.

Chamando se 2:500 homens para fazerem exercicios, vão-se logo os 20 contos de réis inscritos no orçamento para as manobras. (Apoiados).

Seria bom chamar mais homens para os exercicios, mas era necessario ter mais dinheiro para lhes pagar. (Apoiados).

Vou agora responder a um illustre Deputado da maioria, Sr. Correia Mendes, que numa das ultimas sessões falou a respeito do numero de generaes existentes.

Esses generaes são officiaes que se teem reformado. São generaes, mas apenas no nome.

Esses officiaes que o illustre Deputado Sr. Correia Mendes queria que fossem oiBciaes de reserva, não o podem ser pelo seu estado de idade avançada.

O menos idoso terá sessenta annos.

Não poderiam servir senão para serviços muito sedentarios.

Esses officiaes não poderiam servir para fazer serviço de campanha.

O mais que poderiam fazer era defender uma povoação.

São quasi todos elles velhos e reformados por equiparação.

A um ponto me quero ainda referir, do qual tratou o illustre Deputado Sr. Rodrigues Monteiro: é a questão dos solipedes no exercito. De que há falta d'elles, não há duvida nenhuma, e creio mesmo que, se as unidades chegassem a ter o numero completo de solipedes de que carecem, teriamos difficuldade em encontrá-los, agora mesmo, em Espanha.

Fizeram-se acquisições na Republica Argentina, mas essas acquisicões não foram muito felizes.

O peor, porem, é que não temos nem dinheiro bastante para pagar o effectivo completo de cavallos. Sabe o illustre Deputado o que acontece este anno no orçamento?

S. Exa., que é competentissimo nestes assuntos, não ignora, por certo, que as forragens calculadas, este anno, para o numero de cavallos, são insufficientes.

Na occasião em que se organizou o orçamento perguntou-se ás repartições competentes qual a despesa a fazer com os varios serviços. Pois a repartição informou o seguinte:

Com os cavallos e muares, que temos, gasta se uma certa verba; pois a Manutenção Militar julga que as forragens não se poderão pagar a 260 réis, preço d'ellas, mas sim a 300 réis. E uma differença de 40 réis. Sabe S. Exa. qual é a differença que pesa no orçamento? 78 contos de réis. Isto para um effectivo que não está completo. Naturalmente, se estivesse completo, os 70 contos de réis passavam para cima de 100 contos de réis. Portanto, veja o illustre Deputado Sr. João Pinto dos

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Santos, e veja a Camara, é tudo uma questão de orçamento, e a nós compete ver o que devemos fazer n'esse orçamento.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Deve-se olhar para a defesa nacional. Para isso é que é o exercito.

O Orador: - Quanto á defesa nacional, e em relação ás unidades, que eu considero demasiadas, não hei de ser eu quem a reorganize ou as extinga - mas, sim, a Camara.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Mas V. Exa. é que ha de trazer a proposta de lei.

O Orador: - Mas a Camara tem direito de modificá-la.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Perfeitamente de acordo, mas V. Exa. é que tem de a apresentar.

O Orador: - Já o illustre Deputado vê que é tudo uma questão de meios.

Voltando agora ao ponto por onde comecei - porque, isto é da parte vaga - direi que S. Exa. tratou da questão politico-militar, e eu não tratarei agora d'esse ponto, porque a questão principal é a seguinte: os 30:000 homens fixados no projecto de lei em discussão pena é que não constituam realmente o effectivo, como está na lei organica. Nós temos, com offeito, uma lei organica, que diz que o effectivo do exercito deve ser de 30:000 e tantos homens. Vem, porem, o orçamento, dispensa os homens que pode e marca um effectivo de 25:000 homens.

Esse numero de 20:000 homens, a quem se paga, tem de ser elevado, e, por isso, veem depois os creditos especiaes - o que é sempre um mal - porque não se cria assim uma vida regular para o exercito.

Por aqui terminarei as minhas considerações, porque julgo que não vale a pena discutir mais parte vaga, a qual todos conhecem muito bem, embora cada um a encare segundo o seu modo de ver.

Tenho dito.

(Vozes: - Muito bem, muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Segue-se, na ordem da inscrição, o Sr. Deputado Brito Camacho.

Como, porem, a hora vae muito adeantada, reservo a palavra a V. Exa. para a sessão seguinte, se V. Exa. o deseja.

O Sr. Brito Camacho: - Concordo com V. Exa.

O Sr. Presidente: - A proxima sessão realizar-se-ha na terça feira, 5, á hora regimental, sendo a ordem do dia: na primeira parte, eleição de commissões; na segunda parte, a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas e 55 minutos da tarde.

Documentos mandados para a mesa nesta sessão

Propostas de lei apresentadas pelos Srs. Presidente do Conselho de Ministros e Ministros da Justiça e das Obras Publicas

Proposta de lei n.° 7-M

Senhores. - As elevadas funcções que estão confiadas aos ministros de Estado, e a situação particular em que se encontram estes funccionarios, exigem que a responsabilidade proveniente de seus actos seja regulada pela lei com especial attenção.

Não esqueceu a Carta Constitucional este importante capitulo do nosso direito publico.

A politica do gabinete ficou submettida á apreciação das Côrtes, nas relações do poder legislativo com o executivo. A responsabilidade criminal dos ministros foi definida nos preceitos geraes que pareceram mais acommodados á natureza do assunto.

Determinar estes preceitos e assegurar a sua execução é o objecto da presente proposta, cuja opportunidade a iniciativa dos meus antecessores e os votos parlamentares demonstram sobejamente.

O artigo 103.° da Carta Constitucional enumera os seguintes crimes em que podem incorrer os ministros no exercicio das suas funcções: traição, peita, suborno, concussão, abuso de poder, falta de observancia da lei, attentado contra a liberdade, segurança ou propriedade dos cidadãos e dissipação dos bens publicos.

De harmonia com aquella disposição, procurei definir a natureza dos factos ahi referidos.

Os elementos constituitivos da traição, peita, suborno, concussão e abuso de poder, encontrei-os já determinados no Codigo Penal, e a elle me reportei.

A falta de observancia da lei abrange o não cumprimento directo das suas prescripções, as ordens ou impedimentos oppostos á sua execução, e a tolerancia da sua inobservancia por parte dos respectivos subordinados.

Os attentados contra a liberdade, segurança ou propriedade dos cidadãos foram, por assim dizer, definidos indirectamente pela mesma Carta, quando assentou, no artigo 145.°, os termos da inviolabilidade dos direitos civis e politicos. Aquelles attentados derivam, pois, naturalmente, da offensa d'estas garantias.

A dissipação dos bens publicos effeitua-se pelo ordenamento de despesas, fora dos termos legaes; celebração, nos mesmos casos, de contratos lesivos dos interesses do Estado; negligencia de que resulte perda ou desvio dos ditos bens; e auxilio prestado a fraudes de terceiros.

Creio que nestas definições ficam comprehendidos, com sufficiente amplitude, os abusos que podem ser commettidos no exercicio das funcções ministeriaes, e que, ao mesmo tempo, se estabelecem termos quanto possivel precisos, a fim de evitar arbitrios que, sendo perigosos em todos os ramos, particularmente o são em materia criminal.

A responsabilidade derivada de taes imputações abrange não só os factos praticados directamente pelo ministro, mas tambem aquelles em que se manifesta o seu consentimento: os de seus collegas quando, tendo conhecimento d'elles, não se clemitta ou não os faça annullar ou emendar, e bem assim os de seus subordinados quando, tendo igualmente conhecimento d'elles, os deixe subsistir, ou não tome a tal respeito as providencias devidas. Esta doutrina, apertando intimamente os laços da solidariedade ministerial e da hierarchia administrativa, ha de constituir uma importante garantia de observancia da lei.

Para a determinação das penas correspondentes aos diversos delictos, recorri ainda ao Código Penal, e só nos casos por este omittidos perinitti que o julgador escolhesse, entre as penas correccionaes e maiores, a que parecesse mais acommodada á hypothese em questão. Entendi, porem, que a demissão do cargo devia acrescer sempre a qualquer pena que fosse imposta ao criminoso. O prestigio que requerem as funcções do governo é absolutamente incompativel com qualquer condemnação criminal, e ainda quando a lei não estabelecesse esta incompatibilidade haviam, de estabelece-la os factos.

É parecer geral que o julgamento dos crimes dos ministros deve pertencer a um tribunal especial que reuna particulares condições de competencia e de independen-

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cia. A esta concordancia succede, todavia, a mais profunda divergencia quando se passa a determinar qual deva ser essa instancia.

A proposta não teve de preoccupar-se com estas questões, pois encontrou fixado, em disposições de caracter constitucional, o caminho que forçosamente havia de seguir. De facto a Carta, no artigo 37.°,° declara privativa attribuição da Camara dos Deputados decretar que tem cabimento a accusação dos ministros de estado, e, no artigo 41.°, declara attribuição exclusiva da Camara dos Pares conhecer da responsabilidade dos secretarios de estado.

Confia-se; assim, ás camaras o encargo do julgamento dos crimes commetttdos pelos ministros no exercicio das suas funcções.

A solução não está decerto ao abrigo de criticas.

Muitos prefeririam, que se escolhesse para tal funcção um dos tribunaes que fazem parte do poder judicial. Alguns alvitrariam, porventura, a constituirão de um tribunal mixto, onde estivessem representados elementos de diversa proveniencia. A complexidade do problema dá uma feição attrahente a cada uma destas opiniões, mas não isenta nenhuma de inconvenientes. A verdade é que, na apreciação dos delictos em questão, o lado politico, no mais elevado sentido da palavra, tem sempre de ser considerado, e ha de assumir, por vezes, influencia predominante: não pode fazer-se da lei sobre responsabilidade ministerial applicação analoga á que se faz de uma lei criminal ordinaria.

Ora estes elementos caem naturalmente na esfera de apreciação do parlamento: os tribunaes judiciaes, ao mesmo tempo que nem sempre interpretariam devidamente o seu alcance, soffreriam a sua influencia que, por vezes, deixaria rastos perniciosos para o exercicio das funcções ordinarias; as instancias mistas, em logar do aperfeiçoamento resultante da variedade, reuniriam talvez os defeitos peculiares a cada componente.

Não desconheço que é melindrosa a funcção attribuida ao parlamento, mas melindrosas são tambem as demais que elle exerce: a logica será não dispensá-lo de encargos que lhe devem pertencer, antes introduzir na sua organização as reformas que parecerem adequadas ao seu funccionamento regular. Não pede exigir se que uma medida isolada baste para assegurar a ordem da administração: é do conjunto das leis vigentes que deve esperar se este resultado e a proficuidade de cada uma depende essencialmente da proficuidade das outras. A lei de responsabilidade ministerial não ha de ser considerada remedio efficaz e sufficiente para todos os males, antes tem de assentar na organização regular de outras instancias que lhe sirvam de base segura.

Todavia, qualquer que seja o merecimento destas considerações, os preceitos da proposta estavam, como já disse, ditados antecipadamente pelos preceitos parallelos da Carta.

Na organização do processo judicial, a proposta procura dar, ao mesmo tempo, a maior latitude á accusação e as mais efficazes garantias á defesa.

O direito de propor a accusacão criminal dos ministros pertence a qualquer deputado, ficando assim ao arbitrio de sua consciencia, sem que a obrigação do concurso de determinado numero de votos venha tolher a iniciativa individual. Pode até todo o cidadão português participar á camara algum facto que, no seu entender, induza responsabilidade. Julgo, porem, que, para tal participação ter seguimento, deve exigir-se que um deputado a adopte: isto não impedirá decerto que se proceda em virtude de arguições, presuntivamente fundadas, mas evitará o perigo de sujeitar os arguidos á primeira suspeição imprudente ou calumniosa.

A juncção ou indicação das provas só é obrigatoria para as propostas, não para as participações, attenta a difficuldade que por vezes os particulares teriam de as obter, e as amplas faculdades que a este respeito são conferidas aos membros do parlamento.

A partir, porem, da proposta, não ha logar para distincção entre os casos de ter ou não havido participação, visto sempre se requerer aquelle termo. Assim, todo o processo é immediatamente remettido á commissao de disciplina, que dá conhecimento d'elle ao arguido, recebe a defesa, prepara a instrucção e formula parecer fundamentado ácerca do seguimento da accusacão. Depois, realiza-se a votação da Camara, mediante discussão prévia e audiencia da defesa.

Esta primeira phase corresponde, nas questões ordinarias, á admissão á discussão: somente, o grande melindre do assunto exige o cumprimento de formalidades mais minuciosas.

Se o seguimento da accusacão é approvado, o processo entra na sua segunda phase, pela eleição de uma commissão especial, encarregada de completar a instrucção, particularizar as arguições, classificar o crime, e apontar a pena correspondente. Sobre este parecer, recae nova discussão, em que a defesa pode intervir, e é por fim decretada ou rejeitada a accusação, sempre limitada aos factos arguidos na proposta inicial e considerados na primeira votação.

Decretada a accusacão, o processo é remettido á Camara dos Pares para julgamento definitivo. Esta Camara constitue-se, então, em tribunal de justiça criminal nos termos da lei de 15 de fevereiro de 1849 e do seu regimento interno, estabelecendo-se, todavia, na proposta algumas especialidades distinadas a assegurar melhor a regularidade do seu funccionamento. Assim, determina-se que não façam parte do tribunal os pares nomeados depois de apresentada na Camara dos Deputados a proposta de accusação, ou dentro dos tres meses anteriores á mesma apresentação, nem os julgados impedidos ou suspeitos nos termos de direito, nem os recusados sem allegação de motivo; mais se estabelece que as funcções de ministerio publico sejam exercidas por uma commissão eleita pela Camara dos Deputados de entre os seus membros e que a defesa possa ficar a cargo de qualquer cidadão português, independentemente de titulo exigivel para o exercicio da advocacia.

A prescrição do procedimento criminal completa-se passados dois annos, contados do dia em que o arguido houver sido exonerado das funcções de ministro de estado. Este prazo é suficiente para o parlamento deliberar o que melhor convenha ácerca dos actos de qualquer ministro, e não dilata desmesuradamente a eventualidade de uma situação que a todos interessa apurar, seja pela acção criminal, seja pela extinccão d'esta acção.

Mas a prescrição só corre do termo do exercicio do cargo, como se interrompe por nova nomeação para este, pois é necessario que a accusacão esteja inteiramente desafrontada de quaesquer influencias que possam exercer sobre ella alguma pressão.

A responsabilidade civil regula-se pelos principios do Codigo Civil e o seu julgamento compete aos tribunaes ordinarios.

Urge, com effeito, restabelecer é direito commum logo que cessam os motivos que determinam a especialidade.

Ora, por um lado, o nosso Codigo Civil regula com sufficiente latitude os diversos casos de responsabilidade civil; por outro lado, todas as considerações que ha a attender nas questões desta natureza cabem rigorosamente na competencia dos tribunaes ordinarios.

Entendi, todavia, dever declarar a acção civil independente da criminal, pois esta não só fica sujeita á proposta de um deputado, como é influenciada por circunstancias a que não serão extranhas razões do estado, e os direitos dos particulares não podem estar na contingencia da von-

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tade de terceiros, nem dependentes de considerações alheias á stricta applicação da lei. Demais, a modificação não se mostra tão funda como poderia parecer á primeira vista, se attendermos a que o nosso direito apenas dá ao caso julgado executorio em materia criminal a força de presunção legal no civil, emquanto não for illidida por prova em contrario.

Acerca dos crimes communs, estabeleci disposições correspondentes aos artigos 37.° e 41.°, § 1.°, da Carta, que respectivamente attribuem a accusação á Camara dos Deputados e o julgamento á dos Pares.

Claro está que todas as omissões, frequentemente propositadas para evitar repetições sempre inconvenientes em materia legislativa, são suppridas pelos preceitos da lei geral.

Taes são, summariamente expostos, os fundamentos da proposta de lei que tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação.

Proposta de lei

CAPITULO I

Da responsabilidade dos Ministros de Estado pelos crimes commettidos no exercicio de suas funcções

SECÇÃO I

Dos crimes e penas

Artigo 1.° Os Ministros de Estado são responsaveis:

1.° Por traição;

2.° Por peita, suborno ou concussão;

3.° Por abuso de poder;

4.° Pela falta de observancia da lei;

5.° Pelo que praticarem, contra a liberdade, segurança ou propriedade dos cidadãos;

6.° Por qualquer dissipação dos bens publicos.

Artigo 2 Constitue crime de traição algum dos factos que o Codigo Penal classifica de crime contra a segurança do Estado.

Artigo 3 Constitue crime de peita, suborno, concussão e abuso de poder algum dos factos que o Codigo Penal classifica de crime dos empregados publicos no exercicio de suas funcções.

Artigo 4 Constitue crime de falta de observancia da lei:

1.° A preterição das prescrições legaes;

2.° A decisão, ordem ou impedimento contra a sua execução;

3.° A tolerancia da sua inobservancia pelos subordinados.

Artigo 5 Constitue crime contra a liberdade, segurança ou propriedade dos cidadãos qualquer offensa á inviolabilidade dos direitos civis e politicos, garantidos no artigo 145.° da Carta Constitucional.

Artigo 6 Constitue crime de dissipação, dos bens publicos:

1.° O ordenamento ou autorização de despesas, fora dos termos legaes, ou alem das necessidades do serviço;

2.° O acto ou omissão culposa de que resultar perda, desvio, applicação illegal ou não autorizada por lei, de bens, valores ou receitas do Estado;

3.° A celebração de contratos manifestamente lesivos dos interesses publicos;

4.° A cumplicidade ou negligencia em fraudes de terceiros.

Artigo 7 Aos crimes referidos nos artigos antecedentes são applicaveis as penas respectivas, estatuidas no Código Penal, quando n'elle punidos; de contrario, são-lhes applicaveis as penas maiores ou correccionaes do mesmo código, segundo a gravidade dos factos imputados.

§ unico. A qualquer pena imposta ao criminoso acresce sempre a demissão do cargo de Ministro de Estado.

SECÇÃO II

Da accusação e julgamento

Artigo 8 Compete á Camara dos Deputados decretar a accusação dos Ministros de Estado.

Artigo 9 Qualquer Deputado pode propor a accusação, e qualquer cidadão português pode participar á Camara dos Deputados algum facto que induza responsabilidade, criminal dos Ministros.

§ unico. A participação deve indicar o estado, profissão e morada do participante, ser por elle escrita e assinada, conter reconhecimento da letra e assinatura, e vir acompanhada de documentos que provem estar o mesmo partecipante no gozo pleno dos direitos civis e politicos.

Artigo 10 A mesa da Camara dos Deputados recusa seguimento á participação que não tenha os requisitos mencionados no artigo antecedente, ou que esteja redigida em termos incompativeis com a dignidade da Camara.

Artigo 11 A denuncia que não for recusada pela mesa, nos termos do artigo antecedente, deve ser lida á Camara, e só tem seguimento, em conformidade com os artigos seguintes, quando qualquer Deputado fizer sobre ella uma proposta de accusação.

Artigo 12 A proposta de accusação deve classificar o crime, indicar a disposição legal que o pune, e ser acompanhada de documentos comprovativos ou rol de testemunhas, a não offerecer os que, porventura, acompanhem a participação originaria da dita proposta.

Artigo 13 A proposta de accusação, depois de lida na mesa, é enviada, com os demais papeis, á commissão de disciplina.

Artigo 14 Ao Ministro accusado é remettida, dentro de quarenta e oito horas, copia de todo o processo, a fim de responder, no prazo de dez dias, querendo, e juntar quaesquer documentos ou rol de testemunhas.

Artigo 15 A commissão, por intermédio da mesa da Camara, requer das estações e autoridades publicas todas as informações e documentos que julgar convenientes para seu esclarecimento.

Artigo 16 Satisfeitas as requisições referidas no artigo antecedente, ou reconhecida a impossibilidade de o serem, e inquiridas as testemunhas produzidas pela accusação e defesa, a commissão, dentro do prazo de dez dias, lavra parecer fundamentado, em que conclue pelo seguimento ou não seguimento da accusação.

§ 1.° A commissão não conhece de factos que não tenham sido allegados na proposta respectiva.

§ 2.° O parecer que concluir pelo seguimento da accusação formulará sempre, em conclusões, o facto ou factos de que o Ministro é accusado e indicara a disposição legal que os pune.

§ 3.° Salvo as especialidades desta lei, são applicaveis aos trabalhos da commissão as disposições respectivas do regimento interno da Camara.

Artigo 17 Apresentado o parecer á Camara, com os documentos necessarios, é fixado dia para a leitura e discussão, que pode ter logar decorridos oito dias depois dá respectiva distribuição.

Artigo 18 O accusado é notificado do dia da discussão, e pode, até então, apresentar documentos ou allegações escritas, bem como, n'aquelle dia, deduzir perante a Camara a sua defesa oral.

Artigo 19 A discussão é restricta aos factos, allegados na proposta de accusação.

Finda a discussão do parecer, a votação realiza se por conclusões e por esferas.

Artigo 20 Se o seguimento da accusação for rejeitado pela Camara, não pode produzir-se nova accusação pelos mesmos factos.

Artigo 21 Se a Camara decidir que se instaure processo accusatorio contra o Ministro, é eleita uma commissão especial composta de nove membros, de que não podem

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fazer parte os signatarios da proposta de accusação, nem os do parecer da commissão de disciplina.

§ unico. A eleição da comniissão verifica-se por lista incompleta com seis nomes.

Artigo 22 A commissão elege de entre os seus membros um presidente, um relator e um secretario, e depois de assim constituida procede ás diligencias que entender necessarias para a formação do processo preparatorio, podendo inquirir testemunhas, obter directamente do Governo, os documentos precisos, e requisitar das respectivas autoridades os papeis e diligencias convenientes para a averiguação do facto e da sua imputação.

§ 1.° A commissão pode dirigir perguntas por escrito ao Ministro accusado, ou pedir-lhe quaesquer informações, e deve ouvi-lo todas as vezes que julgar isso necessario ou que elle o solicitar.

§ 2.° Salvo as especialidades d'esta lei, são applicaveis aos trabalhos da commissão as disposições respectivas do regimento interno da Camara.

Artigo 23 Ultimado o processo preparatorio, é este apresentado á Camara, com parecer em que se deduz por artigos a accusação, quando procedente, classifica o crime e indica a disposição legal que o pune.

§ unico. A commissão não conhece de factos que não tenham sido considerados na votação do parecer da commissão de disciplina.

Artigo 24 A Camara designa dia para a discussão, a qual só pode ter logar decorridos quinze dias depois da distribuição do parecer.

§ 1.° Juntamente com o parecer é impresso e distribuido todo o processo preparatorio.

§ 2.° A discussão é restricta aos factos considerados na votação do parecer da commissão de disciplina.

§ 3.° E aqui applicavel o disposto no artigo 18.°

Artigo 25 Finda a discussão, seguem-se as votações ácerca dos factos, classificação do crime e pena disciplinar.

§ unico. A votação verifica-se por artigos e por esferas.

Artigo 26 Se a accusação for rejeitada pela Camara, não pode produzir-se nova accusação pelos mesmos factos.

Artigo 27 Se a Camara decretar a accusaçao, a mesa redige em duplicado, e assina, o documento de onde tal conste, sendo um dos autographos remettido, com o processo preparatorio, á Camara dos Pares, e o outro apresentado ao Rei por uma commissão para esse fim eleita.

Artigo 28 A accusação que ficar pendente em uma legislatura deve, para ter seguimento, ser renovada na immediata.

Artigo 29 O decreto de accusaçao é intimado ao accusado pelo Presidente da Camara dos Deputados, e produz definitivamente os effeitos da pronuncia.

Artigo 30 Compete á Camara dos Pares o julgamento dos Ministros cuja accusação tenha sido decretada pela Camara dos Deputados.

Artigo 31 A Camara dos Pares constitue-se em tribunal de justiça criminal, nos termos da lei de 15 de fevereiro de 1849, e do seu regulamento interno, salvo as modificações constantes dos artigos seguintes.

Artigo 32 O tribunal compõe-se de dezesete Pares, pelo menos, sendo, todavia, excluidos:

1.° Os nomeados depois de apresentada na Camara dos Deputados a proposta de accusação, ou nos tres meses immediatamente anteriores á mesma apresentação;

2.° Os julgados impedidos ou. suspeitos, nos termos da lei commum;

3.° Os recusados sem allegação de motivo;

§ 1.º Par que faltar a alguma das sessões não pode mais intervir no julgamento.

§ 2. As recusas devem ser oppostas por occasião da chamada para a constituição do tribunal, e são limitadas a duas por parte da defesa e outras duas por parte da accusação.

§ 3. Quando, em virtude das disposições antecedentes, o numero dos Pares não chegar a dezesete, o tribunal pode funccionar com o numero dos desimpedidos.

Artigo 33 As funcções do Ministerio Publico são exercidas por uma commissão composta de numero não excedente a tres vogaes, e eleita pela Camara dos Deputados dentre os seus membros.

Artigo 34 Cada accusado tem a faculdade de nomear até tres defensores, e é permittido a qualquer cidadão português, no gozo dos direitos civis e politicos, encarregar-se da defesa, independentemente de titulo exigivel para o exercicio legal da advocacia.

Artigo 35 As sessões do julgamento são publicas.

Artigo 36 No caso de ser dissolvida a Camara dos Deputados, ou de terminar a legislatura, o processo pendente na Camara dos Pares continua seus termos na sessão immediata, sem que hajam de repetir-se os actos já praticados.

§ unico. A commissão delegada da Camara dos Deputados será substituida por outra eleita de entre os membros da nova Camara.

SECÇÃO III

Disposições diversas

Artigo 37 Os Ministros de Estado são tambem responsaveis pelos factos de seus collegas quando, tendo conhecimento d'elles, não se demittirem, ou não os fizerem annullar ou emendar; e bem assim pelos factos de seus subordinados quando, tendo igualmente conhecimento d'elles, os deixarem subsistir, ou não tomarem a tal respeito as providencias devidas.

Artigo 38 A ordem verbal ou escrjta do Rei não dirime, nem attenua, a responsabilidade dos Ministros.

Artigo 39 A disposições da presente lei são tambem applicaveis no caso do arguido já haver sido exonerado das funcções de Ministro de Estado.

Artigo 40 O procedimento criminal prescreve passados dois anhos, contados desde o dia em que o arguido houver sido exonerado das funcções de Ministro de Estado.

§ 1. Se, porem, antes de decorrido este prazo, tiver logar algum acto judicial a respeito do crime, ou nova nomeação do arguido para o cargo de Ministro de Estado, a prescrição conta-se respectivamente desde o dia do ultimo acto, ou da nova exoneração.

§ 2. A pena prescreve nos termos do direito commum.

Artigo 41 A responsabilidade civil dos Ministros regula-se pela lei commum, e o seu julgamento compete aos tribunaes ordinarios.

§ unico. A acção civil é independente da acção criminal.

CAPITULO II

Das responsabilidades dos Ministros de Estado pelos crimes communs

Artigo 42 Nos crimes communs o processo corre no tribunal judicial competente até á constituição do corpo de delicio, e é remettido em seguida á Camara dos Deputados.

Artigo 43 Recebido o processo, é enviado pela mesa á commissão de disciplina, que dá o seu parecer fundamentado, no prazo de dez dias, sobre se tem ou não logar a accusação.

§ unico. A votação do parecer verifica-se por esferas.

Artigo 44 A Camara dos Deputados, se decretar a accusaçao, remette o processo á dos Pares, a fim desta proceder ao julgamento, observando as disposições applicaveis da lei de 15 de fevereiro de 1849 e do seu regulamento interno.

Artigo 45 As disposições dos artigos antecedentes são applicaveis aos crimes anteriores á nomeação do Ministro accusado, mas não aos processados posteriormente á sua demissão.

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18 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Artigo 46 É applicavel á responsabilidade civil o disposto no artigo 41.

Artigo 47 Fica revogada a legislação em contrario. Secretaria de Estado dos Negócios Ecclesiasticos e de Justiça, em 2 de abril de 1910. = Arthur Pinto de Miranda Montenegro.

Proposta de lei n.° 7-N

Senhores. - Por virtude do estipulado no n.° 3.° do protocolo final do tratado de commercio e navegação, asai nado entre Portugal e o Imperio Allemão em 30 de novembro de 1908, são reconhecidas, por parte da Allemanha as marcas regionaes para as designações dos vinhos do Porto é da Madeira, os quaes obterão n'aquelle país favores especiaes com a condição de serem originarios das respectivas regiões portuguesas do Douro e da Ilha da Madeira e embarcados nos portos das cidades do Porto e do Funchal, com certificados de origem e de pureza passados pelas autoridades competentes portuguesas.

Pelo que toca aos certificados de origem poderão ser obtidos nas respectivas alfandegas, e quanto aos certificados de pureza está naturalmente indicado o Laboratorio Chimico-Agricola do Porto para passar os referentes aos vinhos a expedir pela barra do Douro e porto de Leixões.

Não succede, porem, o mesmo com relação aos vinhos provenientes do Funchal, onde não existe nenhum laboratorio que tenha competencia official para realizar as analyses, em que se devem fundamentar os certificados comprovativos da sua genuinidade.

Torna-se, portanto, indispensavel a adopção de uma providencia immediata que permitia a montagem, na cidade do Funchal, de um laboratorio chimico, pelo que cumpre ao Governo apresentar a seguinte:

Proposta de lei

Artigo 1.° É criado na ilha da Madeira, com sede na cidade do Funchal, um laboratorio chimico que se denominará Laboratorio Chimico-Agricola do Funchal e será installado nos termos designados no artigo 64.° da organização dos serviços agricolas, approvada por decreto de 24 de dezembro de 1901.

Art. 2.° O pessoal do laboratorio, a que se refere o artigo anterior, será constituido por um director analysta, um preparador e um guarda-servente.

§ 1.° Os logares de director e de preparador serão exercidos em commissão, respectivamente, por um agrónomo e um regente agricola dos respectivos quadros.

§ 2.° Na falta de agrónomo e de regente agricola dos quadros serão os logares de director e de preparador preenchidos, respectivamente, por um agronomo e um regente agricola contratados.

§ 3.° O logar de servente será desempenhado por um addido, de correspondente categoria, do Ministerio das Obras Publicas, ou na sua falta por um individuo contratado.

Art. 3.º Nas tabellas de distribuição de despesa do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, será incluida em verba distincta a dotação para a installação e funccionamento do referido laboratorio, bem como para os vencimentos do respectivo pessoal, quando haja de ser contratado.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 2 de abril de 1910. = Manuel Antonio Moreira Junior.

Proposta de lei n.° 7-O

Senhores.- De ha tempo a esta parte é reclamada insistentemente uma revisão da nossa lei constitucional.

Convencido da necessidade de uma tal reforma, o Governo, considerando aliás que a presente sessão é a liltima da legislatura, entendeu dever submetter á apreciação das Camaras Legislativas uma proposta de revisão constitucional a fim de que as futuras Côrtes venham munidas dos necessarios poderes constituintes.

Esse o trabalho que vimos apresentar-vos.

Teve o Governo por mais conveniente incluir na proposta o contexto da lei de 1 de agosto de 1899, que deu origem á da revisão constitucional apresentada á Camara dos Senhores Deputados em sessão de 14 de março de 1900, approvada n'essa mesma Camara em sessão de 21 de junho do dito anno, mas que, como é sabido, não chegou a ser convertida em lei.

Por virtude daquelle diploma era possivel uma revisão que abrangesse os seguintes pontos:

Constituição da Camara dos Pares;

Convocação e reunião das Côrtes;

Dissolução da Camara electiva;

Resolução dos conflictos entre as duas Camaras;

Regencia do reino;

Delegação dos Ministros;

Competencia do poder judicial sobre validade das leis;

Faculdades do executivo com respeito ao ultramar;

Determinação dos direitos politicos dos cidadãos das provincias ultramarinas.

Parece ainda hoje ao Governo que são estes os pontos que mais insistentemente carecem de ser revistos.

A revisão constitucional não deve ser obra de um só partido ou agrupamento parlamentar. Interessando a todos, pois collide com os direitos mais importantes do cidadão, importa que representantes de todos n'ella possam collaborar.

Ninguem ademais contestará quanto importa a estabilidade da legislação constitucional. Isso só se poderá obter quando tal lei melhor representar um acordo, senão de todos, ao menos de maior numero possivel, e não for obra exclusiva só de alguns.

Conscio dessa ideia, o Governo, obtido o adiamento das Côrtes, formulou as bases dessa revisão e foram estas communicadas áquelles dós chefes dos agrupamentos parlamentares que, em principio, se não recusaram a d'ellas tomar conhecimento.

Não logrou o Governo, e com pesar o dizemos, ver completamente realizado o patriótico entendimento em que se empenhara, mas ficou ao menos com a fundada esperança de que não será impossivel, durante a discussão para fomentar, nas commissões e na Camara, chegar a uma formula que concilie o maior numero de vontades.

A necessidade de rever as nossas leis constitucionaes, quanto ás disposições á que se refere o artigo 1.° da proposta que apresentamos, já foi em tempo, como dito é, reconhecida, e se n'esta conjuntura fosse necessario justificar nessa parte a proposta, nada içais seria necessario que reproduzir o relatorio da que o Governo apresentou n'esta Camara em sessão de 3 de julho de 1899, e o parecer da respectiva commissão publicado com a sessão de 17 do mesmo mês.

É por isso nos dispensamos de trasladar para aqui o que facilmente se pode ver nos logares citados.

Não parece que o decurso do tempo, e os acontecimentos politicos posteriores a 1900 hajam tirado a actualidade áquella proposta; antes ao contrario, cada vez a tornam mais justificada.

Não é, por certo, este o ensejo de fixar o sentido em que deva ser promulgada a nova reforma constitucional. É só na legislatura seguinte que, nos termos do artigo 143.° da Carta Constitucional, essa materia tem de ser proposta e discutida, e só o que então se vencer prevalecerá.

Não deve, porem, o Governo, occultar as suas ideias a tal respeito.

Representante no poder do partido progressista entende, de acordo com o credo politico desta agremiação, que a

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reforma constitucional se deve fazer no sentido de dar maiores liberdades e melhores garantias á nação.

Parece-lhe que a proposta de lei apresentada ás Côrtes em 1900 representa um verdadeiro progresso sobre a actual situação. E por isso não deve deixar de torná-la como base da futura reforma. Como, porem, o tempo e os acontecimentos são elementos muito para attender, o Governo não duvidará introduzir-lhe ainda quaesquer alterações que, no sentido exposto, pareçam convenientes.

Pareceu ao Governo conveniente que é promulgada a reforma, as Cortes procedessem á compilação de todas as disposições da Carta Constitucional, dos Actos Addicionaes ainda vigentes e das leis ordinarias que subtituiram artigos d'esses diplomas e da referida reforma.

Depois da publicação da Carta Constitucional teem sido publicados os Actos Addicionaes de 1802, 1885 e 1894 e alem disso é certo que leis ordinarias, como por exemplo o Codigo Civil, tem alterado disposições da Carta.

A multiplicidade e diversidade de todos esses diplomas faz com que a sua consulta não seja por vezes facil e não tem deixado de dar occasião a duvidas que em materia tão importante cumpre prevenir e evitar.

Assim, pois, cremos que a revisão de todas essas disposições dispersas por diversos diplomas num só, representará grande progresso no nosso direito constitucional.

Esse novo diploma ficará por si só sendo a constituição da Monarchia Portuguesa e como tal solemneniente promulgada.

Tal é a alias facil justificação do artigo 3.° da proposta.

Nestes termos o Governo, appellando ainda uma vez para aquelle espirito de conciliação que entende dever presidir ao estudo e discussão da reforma constitucional, tem a honra de subnietter ao illustrado criterio das Côrtes, a seguinte:

Proposta de lei

Artigo 1.° É reconhecida a necessidade, da reforma dos artigos 96.°, 119.° e 144.° da Carta Constitucional e 12.°, 13.° e 15.° do Acto Addicional de 5 de julho de 1802, do artigo 6.° e §§ 3.°, 5.° e 6.°, e artigo 7.° da carta de lei de 24 de julho de 1885, e dos artigos 1.° a 7.° da lei de 3 de abril de 1896.

Art. 2.° A Camara dos Deputados que se seguir immediatamente depois da presente legislatura será eleita com poderes especiaes para a reforma de que trata o artigo antecedente, a qual será decretada pelas Côrtes e sanccionada pelo Rei, nos termos ordinarios fixados pela Carta para a promulgação das leis.

Art. 3.° Promulgada a reforma constitucional nos termos do artigo antecedente, procederão as Côrtes á compilação de todas as disposições da Carta Constitucional, dos actos addicionaes ainda vigentes, das leis ordinarias que substituiram artigos d'esses diplomas e da referida reforma num só diploma, que ficará sendo a Constituição da Monarchia Portuguesa e como tal será solemnemente promulgada.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Presidencia do Conselho de Ministros, em 2 de abril de 1910. = Francisco Antonio da Veiga Beirão = Francisco Felisberto Dias Costa = Arthur Pinto de Miranda Montenegro = João Soares Branco = José Mathias Nunes = João Antonio de Azevedo Coutinho Fragoso de Siqueira = António Eduardo Villaça = Manuel António Moreira Junior.

Proposta de lei n.° 7-P

Senhores. - A opinião geral, se não unanime, reclama, a reforma do regimen eleitoral estabelecido no decreto de 8 de agosto de 1901 confirmado pela carta de lei de 31 de março de 1902.

São por demais conhecidas as razões que provocaram essa corrente de opinião para que hajamos de as reproduzir. Apesar disso não será fora de propósito accentuar que uma determinante dessa corrente, e a não somenos, foi a convicção de que, embora o citado decreto houvesse adoptado o principio da representação das minorias, a uma extensão dos circulos tornava em grande parte ephemera essa garantia por isso que as forças da opposição se viam assim d'essas minadas e diluidas.

O Ministerio actual, inspirando-se como lhe cumpre, nesse justificado sentir geral, e conscio, elle proprio, da necessidade de tal reforma, fez desta um dos capitulos do seu programma.

Considerando, porem, o Governo que a eleição de Deputados a todos por igual interessa, julgou dever provocar um patriotico entendimento para que a reforma pudesse representar, se não a unanimidade, o maior numero possivel das opiniões politicas representadas nas Camaras legislativas.

Com esse proposito, obtido o adiamento das Côrtes, formularam-se as bases dessa reforma e foram estas communicadas áquelles dos representantes dos agrupamentos parlamentares que em principio se não recusaram a d'ellas tomar conhecimento.

Não logrou o Governo, e com pesar o dizemos, ver completamente realizado o patriótico entendimento em que se empenhava, mas ficou ao menos, com a fundada esperança de que não será impossivel, durante a discussão parlamentar, nas commissões e nas Camarás, chegar a uma formula que concilie o maior numero de vontades.

Tem a lei eleitoral de regular minuciosamente todos os actos que vão desde a determinação da capacidade eleitoral do cidadão até á proclamação da Deputados.

Encontrou o Governo um trabalho elaborado nessas condições e que bem poderia, modificado de acordo com as suas ideias, ser aproveitado como base da proposta de lei a apresentar ás Côrtes.

Entendeu, porem, não dever proceder assim e dever antes limitar a reforma eleitoral, por agora, á substituição da forma por que actualmente se procede á eleição de Deputados por outra que melhor assegure a expressão da vontade popular, ficando reservada para lei especial a adopção de quaesquer modificações que se julguem indispensaveis na actual organização eleitoral.

Duas razões principaes o convenceram de que melhor seria seguir este alvitre.

Pareceu-lhe, em primeiro logar, que sendo esta a ultima sessão da actual legislatura e devendo por isso proceder-se no anno presente a uma eleição geral de Deputados seria em extremo difficil, senão impossivel, reformar todo o nosso organismo eleitoral a tempo de poder já funccionar na proxima eleição. E assim bem poderiaj sem inconveniente, adiar-se essa total refundição, e aproveitar o presente ensejo só para o que é urgente e pode servir na próxima eleição - o modo de a realizar.

E depois, segunda razão, afigurava-se ao Governo que o entendimento em que tanto se empenhava poderia verificar-se, muito mais facilmente, restringindo-o ao modo de se proceder á eleição do que pretendendo ampliá-lo a todas as varias e complexas questões que se prendem com uma completa reforma politico-eleitoral.

Reduzida a reforma a estes termos e communicadas, como dito é, aos referidos representantes dos agrupamentos parlamentares as bases sobre que a juizo do Governo ella deveria assentar, formulou este a proposta de lei junta e cujas principaes disposições passa a justificar.

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20 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Adoptou-se o principio de que a representação nacional deve comprehender o maior numero possivel de opiniões politicas.

Para isso mantem-se o principio já adoptado inicial e parcialmente na lei de 1884 e por completo na actual lei eleitoral, da representação das minorias por meio de votação em lista incompleta e nos circulos plurinominaes em que o reino for dividido.

A innovação pois no tocante a este ponto não está no modo da votação mas sim na circunscrição eleitoral.

A extensão dos actuaes circulos é, como fica ponderado, um serio obstaculo á realização d'aquella garantia.

Para corrigir esse defeito, e dar mais facilidade de acção e por isso consequentemente tambem maior representação ás minorias, os circulos plurinominaes serão mais numerosos e por isso, em geral, menos extensos do que os actuaes.

Esta modificação bastará, só por si, para fazer com que a minoria possa, em cada circulo, reunir e concentrar as suas forças, de modo a evitar que a maioria possa absorver a maxima parte dos votos da respectiva circunscrição.

Entendia o Governo que uma nova circunscrição eleitoral, multiplicando os circulos e reduzindo a extensão de grande parte d'elles, era condição sine que non para a efficacia da representação das minorias, não quis abalancar-se a gizar só por si essa nova delimitação.

Receava por um lado, que fosse qual fosse a nova organização por elle proposta, se quisesse ver n'ella o intuito de a amoldar ao sabor do partido que representa, ficando assim logo inquinada de uma suspeita que, no seu próprio interesse e no de todos, convinha afastar.

E, assim, em vez de proceder a uma nova organização, julgou dever recorrer á que tivesse já sido apresentada em projecto de lei anterior que houvesse adoptado a representação das minorias em circulos plurinominaes diversos dos actuaes.

Para isso aproveitou-se o mappa annexo ao projecto de lei da reforma eleitoral apresentada a esta camara, em sessão de 6 de abril de 1883, introduzindo-lhe apenas as unicas modificações que a actual circunscrição administrativa tornou absolutamente indispensaveis.

Assim ninguem poderá accusar o Governo de pretender effectuar uma circunscrição em proveito seu, quando aquella que apresenta foi feita e publicada ha largo periodo de annos.

Apesar d'isso tem o Governo a peito declarar muito categoricamente que, sendo opinião sua dever a circunscrição eleitoral ser feita o mais imparcialmente possivel e cumprindo por isso que todos a respeito d'ella se pronunciem, apresenta o mappa annexo á proposta unicamente para servir de base á discussão e não como trabalho irreductivel.

Bem sabemos que ha quem combata o systema de representação da minoria por meio de lista imcompleta com diversas razoes, a principal das quaes é que em cada circulo só poderá ser representada uma minoria, a que mais votos tiver, ficando todas as outras sem representação. E mais sabemos que ha quem como correctivo a este alle-ado defeito indique a adopção de um dos systemas da chamada representação proporcional.

Parece-nos que áquelle argumento contra o systema proposto pelo Governo procederia por igual contra qualquer systema proporcional.

Com effeito é sabido que, para que uma qualquer minoria possa ser eleita por este systema, é preciso obter um certo numero de suffragios extremamente variavel e diverso de circunscrição para circunscrição e que pode ser relativamente elevado e, assim, quem o não obtiver fica, como tambem n'aquelle systema, privado de representação.

Sabe o Governo que nos ultimos tempos se tem agitado entre nós a questão de dever-se ou não adoptar a representação proporcional.

E por isso não deixou de ponderar maduramente as vantagens e os inconvenientes de tal innovação.

É certo que a representação proporcional já foi entre nós e de ha muito proposta em Cortes, sem que comtudo qualquer dos respectivos projectos chegasse a ser discutido.

Das diversas formas de obter a desejada representação proporcional a que mais suffragios parecia reunir era a adoptada para as eleições legislativas na Belgica: systema chamado de Hondt sem quorum.

Deve confessar-se que o systema é na verdade engenhoso, e que tem funccionado regularmente n'aquelle país.

Mas bem pode, também, por outra parte ser accusado de empirico e complicado.

Pondo, porem, de lado os defeitos e as imperfeições de qualquer systema de representação proporcional, ainda assim, restaria saber se a pratica d'esta forma de eleger seria compativel comas condições geraes do nosso eleitorado e facilmente exequivel por parte dos que n'ella houvessem, de intervir.

Teve o Governo duvidas a tal respeito, e por isso não quis tomar sobre si propor á Camara a sua adopção.

As innovações da proposta que, alem da nova circunscrição eleitoral, apresentamos, com quanto simples e pouco numerosas, hão de concorrer, e muito, para o fim que tivemos em vista: achar uma forma que, melhor do que a actual; assegure a expressão da vontade popular.

Estabelece-se na proposta a obrigatoriedade do voto, pois mal se comprehende em these que qualquer cidadão se dispense de concorrer, no que lhe cumpre, para a governação publica, alijando assim a parte da responsabilidade que n'ella a todos deve caber, e em hypothese menos se pode explicar o grande numero de abstenções de eleitores nas eleições do nosso país.

Assim pois o voto obrigatorio será por um lado a sancção do cumprimento de um dever civico e por outro correctivo ao abstencionismo eleitoral.

A apresentação previa das candidaturas por certo numero de eleitores, aos quaes por esse facto se contará o voto, parece innovação que muito facilitará não só o opportuno conhecimento, e por isso uma conscienciosa escolha entre os que pretendem representar os eleitores, mas tambem para que estes possam exercer o seu direito sem os obstáculos que muitas vezes, se não impedem, difficultam o voto.

Haverá quem se insurja contra esta forma de votar como offensiva do segredo do suffragio, mas a isso observaremos que o sigillo do escrutinio é faculdade e não obrigação do eleitor.

A declaração do partido politico a que os respectivos candidatos pertencem, ou a de que são independentes, a prohibição de se duplicarem as listas partidarias ou independentes e os nomes dos candidatos respectivos contribuirão sem duvida para evitar os chamados desdobramentos que comquanto arriscados não deixam de ser possiveis.

A criação de um diploma que possa servir de titulo de capacidade eleitoral e que se cifra apenas em tornar obrigatorio o bilhete de identidade, que hoje é facultativo, muito servirá a nosso juizo para cortar as questões que não raro se levantam com respeito á identificação e capacidade do eleitor.

A innovação respectiva á faculdade da fiscalização do acto eleitoral pelos respectivos candidatos não precisa justificação, impõe-se por si propria como um dos melhores elementos para a genuinidade das respectivas operações.

A multiplicação das assembleias eleitoraes no intuito de evitar a accumulacão dos eleitores, a constituição das mesas eleitoraes por meio de sorteio entre pessoas competentes antes do dia da eleição, a dispensa de se se-

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guir para o escrutinio a ordem alfabetica dos eleitores e das freguesias e a limitação do ingresso no local da eleição aos n'ella verdadeiramente interessados, são outros tantos elementos que deverão facilitar e regular os actos eleitoraes.

Por ultimo propõe o Governo que, á semelhança do que se observar noutros países, se dispense a formalidade da eleição em todos aquelles circulos em que se não houverem apresentado candidatos em numero superior ao dos deputados a eleger. haver-se-ha assim evitado uma simples superfluidade.

O Governo apresentando a esta Camara a proposta de reforma eleitoral insiste mais uma vez em ser desejo seu que todos os agrupamentos e individualidades parlamentares n'ella cooperem para que a lei que as Côrtes sanccionarem seja de todos e para todos, de modo que venha a impor-se ao país não só com a autoridade legal, mas, o que mais é, com verdadeira autoridade moral.

Nesse intuito discutirá a proposta não num espirito de radical intransigencia mas sim no de acceitar todas e quaesquer modificações que concorram para o fim unico que tem em vista: conseguir mais apropriada expressão do suffragio popular.

Em conclusão, pois, temos a honra de propor á vossa esclarecida e patriótica apreciação a seguinte:

Proposta de lei

Artigo 1.° A eleição de Deputados será directa e feita pelos circulos eleitoraes, designados no mappa junto a esta lei, elegendo cada circulo o numero de Deputados, que no mesmo mappa é fixado.

Art. 2.° A votação far-se-ha por lista incompleta, de modo que nos circulos em que o numero de Deputados a eleger for de tres cada lista conterá só dois nomes, nos circulos em que aquelle numero for de quatro ou cinco cada lista conterá tres nomes, no circulo em que aquelle numero for de dez cada lista conterá seis nomes.

Art. 3.° O voto será obrigatorio, e o eleitor quedeixar de votar ficará sujeito ás disposições do artigo seguinte.

Art. 4.° O eleitor que, sem legitimo impedimento, se abstiver de votar nas eleições de Deputados, será punido com a pena de multa de 5$000 réis a 50$000 réis pela primeira vez, com a de suspensão de direitos politicos, durante cinco annos, pela primeira reincidencia, e com a suspensão dos mesmos direitos, durante vinte annos, pelas ulteriores.

§ 1.° Não se considera reincidencia para o effeito do aggravamento da pena a falta do eleitor á repetição da eleição, em cujo primeiro escrutinio tenha deixado de tomar parte.

§ 2.° No prazo de quinze dias immediatos ao julgamento de cada um dos processos eleitoraes pelo Tribunal de Verificação de Poderes, a secretaria do Supremo Tribunal de Justiça extrahirá dos cadernos, existentes nos mesmos processos, certidões dos nomes dos eleitores que tenham deixado de votar, e as enviará aos competentes agentes do Ministerio Publico, a fim de promoverem dentro de oito dias a respectiva punição em processo de policia correccional, para o que os mesmos documentos servirão de corpo de delicto, e farão fé em juizo até prova, por parte dos réus, de que votaram ou tiveram legitimo impedimento de o fazer.

§ 3.° Não haverá procedimento contra os eleitores que voluntariamente hajam allegado e justificado perante o competente juiz de direito a legitimidade do motivo que os tenha impedido de votar.

§ 4.° Os reus serão julgados dentro de dez dias, a contar da promoção do Ministerio Publico; em nenhum caso podarão gozar do beneficio de suspensão da pena, e não se consideram comprehendidos, sem expressa declaração, em amnistia de coimes de origem ou natureza politica.

Art. 5.° As candidaturas a deputados serão apresentadas até vinte dias antes do designado para a eleição perante a camara municipal da sede do circulo, por escrito assinado pelos candidatos e cincoenta eleitores do mesmo circulo que as apoiem, sendo todas as assinaturas reconhecidas por notario.

§ 1.° As apresentações das candidaturas serão entregues por tres dos respectivos signatarios ao secretario da camara municipal competente, que passará o respectivo recibo.

§ 2.° Dez dias antes do designado para a eleição será affixada na porta principal dos paços do concelho uma relação dos candidatos pelo respectivo circulo, verificando-se previamente acharem-se recenseados como eleitores os signatarios da correspondente apresentação.

§ 3.° Nos cadernos que se extrahirem para o acto eleitoral serão desde logo descarregados pelo secretario municipal os nomes dos cincoenta eleitores apresentantes, os quaes não serão ádmittidos a votar n'aquelle acto, contando-se porem nas actas os seus votos aos candidatos por elles apresentados.

§ 4.° Nenhum eleitor poderá assinar mais do que uma apresentação de candidatura, pena de multa de 5$000 a 20$000 réis, e riscando-se o seu nome em todas as apresentações em que figurar.

Art. 6.° As apresentações das candidaturas deverão declarar qual o partido politico a que de respectivos candidatos pertencem, ou ter a rubrica de "independente".

§ 1.° Não poderá ser apresentada em cada circulo por qualquer partido mais do que uma lista partidaria.

§ 2.° Nenhum candidato depois de apresentado poderá figurar em cada circulo em outra qualquer apresentação.

Art. 7.° Dentro de trinta dias, a contar da organização do recenseamento, será enviado peio recenceador a cada eleitor inscrito um bilhete de identidade, contendo o seu nome, idade, estado, profissão e morada.

§ 1.° A remessa dos bilhetes será feita pelo correio, como correspondencia official registada, para serem entregues mediante recibo, e, quando os destinatarios não sejam encontrados ou recusem assinar o recibo, serão devolvidos para serem entregues aos interessados que assim o peçam em requerimento por elles assinado, sendo reconhecidas as assinaturas por notario.

§ 2.° Os bilhetes de identidade tão permanentes, devendo publicar-se a caducidade d'aquelles que se refiram a eleitores definitivamente eliminados nas revisões annuaes do recenseamento.

§ 3.° A contrafacção de qualquer bilhete de identidade será punida como falsificação em escritura publica.

Art. 8.° Cinco dias, pelo menos, antes do fixado para a eleição poderão os candidatos apresentados em cada lista designar, um de entre elles, ou um seu representante, para assistir a cada uma das respectivas assembleias eleitoraes.

§ 1.° Os representantes dos candidatos devem ser eleitores no respectivo circulo.

§ 2.° Os candidatos podem nomear quem substitua os seus representantes, no caso d'estes não poderem comparecer.

Art. 9.° As actuaes assembleias eleitoraes poderão ser divididas para o effeito da alteração em secções de modo que em cada uma dellas o numero de eleitores admittidos. a votar não seja superior a quatrocentos.

§ unico. A divisão facultada neste artigo será promovida pelo Ministerio Publico perante o competente auditor administrativo, nos mesmos termos e com os mesmos recursos que as alterações das assembleias eleitoraes.

Art. 10.° As mesas eleitoraes serão constituidas quinze

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22 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

dias antes da eleição por sorteio entre as pessoas recencenseadas como elegiveis para os cargos municipaes.

Art. 11.° Para o sorteio determinado no artigo antecedente proceder-se-ha em termos analogos áquelles por que actualmente se procede á escolha dos presidentes e supplentes das assembleias primarias para as eleições municipaes.

Art. 12.° As pessoas sorteadas nos termos do artigo antecedente reunir-se-hão na camara municipal da sede da respectiva assembleia ou secção, e escolherão de entre si o presidente, os escrutinadores, os secretarios e supplentes.

Art. 13.º Constituida a mesa eleitoral, e tendo votado os respectivos vogaes, serão admittidos a votar os eleitores que forem comparecendo para este fim e apresentarem o seu bilhete de identidade se esta não for categoricamente negada pelo respectivo parocho ou regedor.

Art. 14.° O escrutinio estará aberto até ao sol posto, pelo menos no dia fixado para a eleição, podendo continuar ainda nos dias seguintes se não houver acabado no primeiro dia.

Art. 15.° A abertura do escrutinio ou no decurso d'elle pode o presidente, se assim o entender, mandar proceder á chamada dos eleitores.

Art. 16 ° Quando o numero dos candidatos apresentados em qualquer circulo não exceder o dos mandatos a conferir serão áquelles proclamados deputados sem mais alguma formalidade.

Art. 17.° No local onde se houver de proceder á eleição de deputados só terão ingresso os eleitores da respectiva circunscrição, os membros da mesa, aã autoridades que tiverem de assistir ao acto eleitoral e os candidatos ou seus legitimos representantes.

§ 1.° Todo aquelle que não se achando nas condições mencionadas neste artigo, penetrar no local onde se procede á eleição será mandado retirar pelo respectivo presidente, e se não obedecer immediatamente ou tornar a entrar será punido com a multa de 10$000 réis a 50$000 réis.

§ 2.° O secretario da mesa levantará auto da transgressão prevista no paragrapho anterior o qual será remettido para os devidos effeitos ao competente representante do Ministerio Publico.

Art. 18.° A eleição nas provincias ultramarinas continuará a ser regulada pela legislação actual.

Art. 19.° Fica revogada a legislação em contrario.

Presidencia do Conselho de Ministros, em 2 de abril de 1910. = Francisco Antonio da Veiga Beirão = Francisco Felisberto Dias Costa = Arthur Pinto de Miranda Montenegro = João Soares Branco = José Mathias Nunes = João Antonio de Azevedo Coutinho Fragoso de Siqueira = Antonio Eduardo Villaça = Manuel Antonio Moreira Junior.

Mappa dos circulos eleitoraes é do numero de Deputados a eleger por cada um d'elles

Districto de Vianna do Caslello

Circulo de Valença (3 Deputados)

Concelhos:

Melgaço.
Monção.
Valença.
Villa Nova de Cerveira.
Caminha.
Paredes de Coura.

2.° Circulo de Vianna (3 Deputados)

Concelhos:

Vianna.
Arcos de Valdevez.
Ponte da Barca.
Ponte de Lima.

Districto de Braga

3.° Circulo de Villa Verde (3 Deputados)

Concelhos:

Villa Verde.
Amares.
Cabeceiras de Basto.
Celorico de Basto.
Vieira.
Terras do Bouro.

4.° Circulo de Barcellos (3 Deputados)

Concelhos:

Barcellos.
Esposende.
Villa Nova de Famalicão.

5.° Circulo de Braga (4 Deputados)

Concelhos:

Braga.
Povoa do Lanhoso.
Guimarães.
Fafe.

Districto do Porto

6.° Circulo do Porto (5 Deputados)

Concelhos:

Porto.

Villa Nova de Gaia.

7.° Circulo de Amarante (3 Deputados)

Concelhos:

Amarante.
Baião.
Marco de Canavezes.
Felgueiras.

8.° Circulo de Penafiel (3 Deputados)

Concelhos:

Penafiel.
Lousada.
Paredes.
Paços de Ferreira.
Santo Tirso.
Vallongo.

9.° Circulo de Villa do Conde (3 Deputados)

Concelhos:

Matozinhos.
Gondomar. Maia.
Povoa de Varzim.
Villa do Conde.

Districto de Bragança

10.° Circulo de Bragança (5 Deputados)

Concelhos:

Bragança.
Vinhaes.
Vimioso.
Miranda.
Alfandega da Fé.
Macedo de Cavalleiros.
Mogadouro.
Moncorvo.
Freixo de Espada-á-Cinta.
Carrazeda de Anciães.
Villa Flor.
Mirandella.

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SESSÃO N.° 12 DE 2 DE ABRIL DE 1910 23

Districto de Villa Real

11.° Circulo de Villa Real (3 Deputados)

Concelhos:

Alijó.
Mesão Frio.
Mondim.
Murça.
Regua.
Sabrosa.
Santa Marta de Penaguião.
Villa Real.

12.° Circulo de Chaves (3 Deputados)

Concelhos:

Boticas.
Montalegre.
Chaves.
Valpaços.
Villa Pouca do Aguiar.
Ribeira de Pena.

Districto de Viseu

13.° Circulo de Lamego (4 Deputados)

Concelhos:

Armamar.
Tabuaço.
Pesqueira.
Lamego.
Resende.
Mondim.
Moimenta.
Penedono.
Tarouca.
Sernancelhe.
Sinfães.

14.° Circulo de Viseu (4 Deputados)

Concelhos:

Castro Daire.
Villa Nova de Paiva.
Oliveira de Frades.
S. Pedro do Sul.
Viseu.
Vouzella.
Tondella.

15.° Circulo de Mangualde (3 Deputados)

Concelhos.

Carregal.
Mangualde.
Mortagua.
Nellas.
Penalva do Castello.
Santa Comba Dão.
Sattam.

Districto de Aveiro

16.° Circulo de Oliveira de Avemeis (3 Deputados)

Concelhos;
Feira.
Arouca.
Castello de Paiva.
Oliveira de Azemeis.
Macieira de Cambra.
Espinho.

17.° Circulo de Estarreja (3 Deputados)

Concelhos:

Ovar.
Estarreja.
Sever do Vouga.
Albergaria.
Agueda.

18.° Circulo de Aveiro (3 Deputados)

Concelhos:

Anadia.
Aveiro.
Ilhavo.
Mealhada.
Oliveira do Bairro.
Vagos.

Districto da Guarda

19.° Circulo da Guarda (4 Deputados)

Concelhos:

Ceia.
Celorico.
Fornos.
Gouveia.
Guarda.
Aguiar da Beira.
Trancoso.
Manteigas.

20.° Circulo de Pinhel (3 Deputados)

Concelhos:

Almeida.
Meda.
Pinhel.
Sabugal.
Fozcoa.
Figueira de Castello Rodrigo.

Districto de Castello Branco

21.° Circulo de Castello Branco (6 Deputados)

Concelhos;

Belmonte.
Fundão.
Castello Branco.
Certã.
Covilhã.
Idanha.
Oleiros.
Penamacor.
Proença-a-Nova.
Villa de Rei.
Villa Velha de Rodam.

Districto de Coimbra

22.° Circulo da Figueira (3 Deputados)

Concelhos:

Cantanhede.
Figueira.
Mira.
Montemor-o-Velho.
Soure.

23.° Circulo de Coimbra (3 Deputados)

Concelhos:

Coimbra.
Condeixa.
Louzã.
Miranda do Corvo.
Penella.
Poiares.

24.° Circulo de Oliveira do Hospital (3 Deputados)

Concelhos:

Arganil.
Goes.
Oliveira do Hospital.
Pampilhosa.
Penacova.
Tábua.

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24 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Districto de Leiria

25.° Circulo de Leiria (4 Deputados)

Concelhos:

Pombal.
Ancião.
Figueiró dos Vinhos.
Pedrogam Grande.
Alvaiazere.
Leiria.

26.° Circulo de Alcobaça (3 Deputados)

Concelhos:

Alcobaça.
Batalha.
Caldas da Rainha.
Obidos.
Peniche.
Porto de Mós.
Pederneira.

Districto de Santarem

27.° Circulo de Thomar (4 Deputados)

Concelhos:

Abrantes.
Constancia.
Ferreira do Zezere.
Mação.
Sardoal.
Thomar.
Torres Novas.
Ourem.

28.° Circulo de Santarem (3 Deputados)

Concelhos:

Almeirim.
Benavente.
Cartaxo.
Chamusca.
Coruche. Gollegã.
Rio Maior.
Salvaterra.
Santarem.
Barquinha.

Districto de Lisboa

29.° Circulo de Lisboa (10 Deputados)

Concelhos:

Lisboa.
Cascaes.
Cintra.
Mafra.
Oeiras.

30.° Circulo de Setubal (3 Deputados)

Concelhos:

Almada.
Alcochete.
Aldeia Gallega.
Barreiro.
Cezimbra.
Grandola.
Moita.
Seixal.
S. Tiago de Cacem.
Setubal.
Alcacer do Sal.

31.° Circulo de Villa Franca (4 Deputados)

Concelhos:

Alemquer.
Azambuja.
Cadaval.
Lourinhã.
Loures.
Torres Vedras.
Arruda.
Villa Franca.

Districto de Evora

32.° Circulo de Evora (4 Deputados)

Concelhos:

Alandroal.
Arraiolos.
Borba. Estremoz.
Evora.
Montemor-o-Novo.
Mora.
Mourão.
Portel.
Redondo.
Reguengos.
Vianna do Alemtejo.
Villa Viçosa.

Districto de Portalegre

33.° Circulo de Portalegre (3 Deputados)

Concelhos:

Gavião.
Crato.
Nisa.
Castello de Vide.
Marvão.
Portalegre.
Arronches.
Campo Maior.
Elvas.
Monforte.
Avis.
Ponte de Sor.
Fronteira.
Alter do Chão.
Sousel.

Districto de Beja

34.º Circulo de Beja (4 Deputados)

Concelhos:

Aljustrel.
Almodovar.
Alvito.
Barrancos.
Beja.
Castro Verde.
Cuba.
Ferreira.
Mertola.
Moura.
Odemira.
Ourique.
Serpa.
Vidigueira.

Districto de Faro

35.° Circulo de Faro (3 Deputados)

Concelhos:

Alcoutim.
Castro Marim.
Villa Real de Santo Antonio.
Tavira.
Olhão.
Faro.
Albufeira.

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SESSÃO N.° 12 DE 2 DE ABRIL DE 1910 25

36.° Circulo de Silves (3 Deputados)

Concelhos:

Loulé.
Lagoa.
Monchique.
Silves.
Villa Nova de Portimão.
Lagos.
Villa do Bispo.
Aljezur.

Districto de Angra do Heroismo

37.º Circulo de Angra (3 Deputados)

Concelhos:

Angra do Heroismo.
Calheta.
Praia da Victoria.
Santa Cruz da Graciosa.
Vellas.

Districto da Horta

38.° Circulo da Horta (3 Deputados)

Concelhos:

Corvo.
Horta.
Lages das Flores.
Lages do Pico.
Madalena.
Santa Cruz das Flores.
S. Roque do Pico.

Districto de Ponta Delgada 39.°

Circulo de Ponta Delgada (4 Deputados)

Concelhos:

Lagoa.
Nordeste.
Ponta Delgada.
Povoação.
Ribeira Grande.
Villa Franca do Campo.
Villa do Porto.

Districto do Funchal

40.° Circulo do Funchal (4 Deputados)

Concelhos:

Calheta.
Camara de Lobos.
Funchal.
Machico.
Ponta do Sol.
Porto Moniz.
Porto Santo.
Santa Anna.
Santa Cruz.
S. Vicente.

Possessões ultramarinas

(Legislação actual)

S. Tiago de Cabo Verde (provincia de Cabo Verde e districto da Guiné, 1 Deputado).

S. Thomé (provincia de S. Thomé e Principe, 1 Deputado).

Angola (provincia de Angola, 1 Deputado).

Moçambique (provincia de Moçambique, 1 Deputado).

Margão (Ilha de Goa, Salsete, Pondá, Quepem, Sanquem, Canacona e Angediva, 1. Deputado).

Mapuçá (Bardez, Pernem, Sanquelim, Damão, Pragana e Diu, 1 Deputado).

Macau (provincia de Macau e districto de Timor, 1 Deputado).

Resumo

Continente e ilhas adjacentes .... 144 Deputados
Possessões ultramarinas .... 7 Deputados
Total .... 151 Deputados

Presidencia do Conselho de Ministros, em 2 de abril de 1910. = Francisco António da Veiga Beirão.

Proposta de lei n.° 7-Q

Senhores. - O Governo actual, ao assumir as responsabilidades do poder, encontrou reclamações no tocante ao. regime saccharino e do alcool estabelecido no archipelago da Madeira, o que se tornou motivo da presente proposta de lei que procura remodelá-lo harmonizando os varios interesses economicos em conflicto.

A situação da industria do açucar e do alcool no archipelago da Madeira, encontra-se sob a vigencia do regime, criado pelo decreto de 24 da setembro de 1903 e a manter durante quinze annos pelo artigo 13.° da carta de lei de 24 de novembro de 1904.

Tendo sido autorizado o Governo a regulamentar a execução d'aquelle regime e havendo-o feito apenas na parte respeitante ao açucar e ao melaço, pelo decreto de 24 de dezembro de 1903 e havendo, por seu turno, sido promulgado o decreto ditatorial de 10 de maio de 1907, que a carta de lei de 18 de setembro de 1908 revalidou, sem duvida estava legalmente autorizado a regulamentar o regime do alcool, no intuito principalmente de impedir as fraudes do vinho da Madeira.

Certo é, porem, que varias foram as disposições relativas á venda do alcool que de tal advieram e que alguns exportadores de vinho da Madeira affirmaram, nas condições actuaes da cultura, restrictivas do seu commercio.

Reclamaram mais forte, e insistentemente, affirmando mesmo a absoluta impossibilidade dá manutenção do regime da industria saccharina, nessas condições, os fabricantes matriculados - Hinton & Sons.

Versavam principalmente estas reclamações sobre a quantidade de alcool a vender, em cada anno, por 500 litros de vinho da Madeira; sobre as peias fiscaes que diziam ter-lhes sido postas não só em absoluto mas tambem sobre o consumo, como bebida, do alcool de cana produzida n'aquella ilha, desdobrado, e, finalmente, sobre as penalidades, que affirmavam injustificaveis, pela inobservacia das disposições insertas no regulamento de 11 de março de 1909.

Os fabricantes matriculados, Hinton & Sons, affirmavam ainda que á sombra d'aquelle regime tinham immobilizado grandes capitães e faziam operações onerosissimas, em seu entender, qual a compra de cana madeirense, a preço muito alto, e que a alteração do regime precisamente era feita numa fase em que, pelo aumento enorme das colheitas, se estavam successivamente avolumando os encargos que da compra da cana lhes advinham. Asseveraram tambem que a accumulação de alcool de cana madeirense e dos seus derivados resultaria do citado regulamento, o que em breve tornaria impossivel o emprego do alcool de melaço exotico, na adubação dos vinhos, sendo certo que o fabrico de açucar, á custa d'esse melaço, só industrialmente é util quando possam ser destillados os seus residuos.

Esta reclamação, ulteriormente repetida, foi pela primeira vez formulada no requerimento de 27 de março de 1909.

Entabuladas negociações pelo Governo transacto e estando prestes a ser fechado o acordo correlativo, sobreveio a ultima crise ministerial. Vae appenso o documento representativo do estado das negociações entre o illustre Ministro das Obras Publicas transacto e o representante da

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26 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

firma Hinton & Sons, o qual traduzia para aquelle illustre Ministro uma transacção com o intuito de pôr termo ao conflicto aberto e a que, porém, já demissionario o Governo, foram solicitadas modificações, segundo se dignou affirmar.

As negociações a que nos estamos referindo, não chegaram, todavia, a ser aprecidas pelo Conselho dos Ministros.

E porque uma providencia governativa não pusera fecho á questão largamente debatida, sobre a qual houvera necessidade de incidir a consulta das estações officiaes competentes apresentaram os reclamantes um requerimento de indemnização por perdas e damnos, na importancia de 650:000 libras, com a data de 21 de dezembro ultimo e registo de 22 do mesmo mês, na Direcção Geral da Agricultura, quer dizer, entrado na vespera da posse do actual Governo.

Este, encontrando a questão tal qual acaba de ser exposta, sustentou sempre a doutrina de que aos reclamantes não assistia direito a, indemnização alguma, e que, pelo contrario, ao Governo assistia o de regulamentar o regime do alcool. Apesar d'isso, affirmou ser seu intuito procurar harmonizar todos os diversos factores economicos da Ilha da Madeira, e que a formula que tal viesse a traduzir, no caso de exceder ou parecer exceder, levemente que fosse, as attribuições do poder executivo, seria levada ao Parlamento.

É o que succede.

A propasta de lei para que o Governo tem á honra de chamar a attenção das Côrtes não ia longa o regime alem do prazo definido na carta de lei de 24 de novembro de 1904, não traz encargo algum que exceda quanto estava advindo das disposições anteriormente decretadas e dos despachos ministeriaes interpretativos e se modifica alguns dos preceitos estatuidos no regulamento de 1909, não o fere nas suas disposições essenciaes.

Da comparação do regime vigente (tendo em attenção a interpretação que lhe foi assegurada) com que vae expresso na proposta de lei, resultam as seguintes considerações.

Eleva-se de meio grau 1 a densidade minima da cana com preço obrigatorio, aumento que se dá relativamente á classificação adoptada pela Delegação do Mercado Central de Productos Agricolos no Funchal o que porem, é corrigido pelo preço da, cana entre 9°,25 e 9°,5, visto este aumentar, passando de 460 réis, que era, a 465 réis.

D'esta differença conclue-se que as fabricas matriculadas podem ser, em parte, beneficiadas com a diminuição da quantidade total de cana que teem obrigação de comprar e tambem com a circunstancia de ser menos onerosa a classificação visto que mais rica é a canna das respectivas divisões.

As fabricas matriculadas terão, portanto, se os actuaes processos culturaes se mantiverem e a area de plantação não aumentar, menor quantidade de cana a comprar e, sob o mesmo preço, maior compensação pelo aumento de riqueza saccarinada que adquiram, embora dentro dos limites legaes de preço do regime vidente.

Esta graduação de preços, dentro dos limites de 450 a 500 réis, podia de festa, ser fixada pela delegação do mercado central, no Funchal.

A diminuição de encargo para as fabricas matriculadas corresponde attenuação de vantagens para o agricultor.

É natural, porém, que d'ahi resulte o melhoramento da cultura, vendo-se o agricultor obrigado a procurar aumentar a riqueza saccharina da cana que produz, para fazer desapparecer a baixa de preço que soffreria no caso inverso, e a restringir a cultura aos terrenos mais appropriados á sua producção, em que esta mais desafogadamente poderá manter-se. Assim se irá preparando, durante toda a vigencia do regime agora proposto, a transação para um periodo de liberdade em que à cultura não poderá contar com preços seguros e altos, sendo pequena a riqueza saccarina criando-se d'esta arte opportunidade para outras culturas, nos terrenos que áquella menos vantajosamente se prestem.

Como, porem, em relação ao anno agricola cuja colheita se opera, tal modificação não era de presumir pelos agricultores, que continuaram a empregar os mesmos processos culturaes e tradicionaes, nas suas antigas areas de plantação, justo era que no anno corrente lhes fosse comprada a cana pela forma anteriormente estabelecida: tal se conseguiu.

No que respeita ás qualidades de cana, á importação de melaço exótico, quando moida toda a cana da ilha pelas fabricas compradas e á exportação, com as respectivas isenções fiscaes, de melaço da cana madeirense, das rações de bagaço e de melaço da mesma cana; bem como do açucar d'ella derivado, mantem-se o que já estava assente anteriormente.

O fabrico do açucar, e do alcool, monopolizados desde 1904, pelas fabricas matriculadas, teve as alterações que resultam da base 2, a qual estabelece, sem duvida, um regime de protecção, que nos parece ser que melhor se harmoniza com a doutrina dos decretos de 1903, mas altera beneficamente, n'este ponto, o regime de monopolio que tem provindo desde a carta de lei de 24 de novembro de 1904.

Por seu turno, no que toca aos saldos annuaes das aguardentes, que as fabricas matriculadas teem evitado comprar, fundadas no que affirmam ser o espirito da legislação vigente sobre o regime saccarino e do alcool madeirense, e nos despachos ministeriaeis de 1908 e 1909, definiu-se uma formula mais consentanea com o teor d'esses despachos ministeriaes e com á indole do regime, tanto mais quanto as fabricas não matriculadas teem feito a sua laboração e commercio sem fiscalização n'ellas incidente.

Relativamente ao futuro fica estatuido o que na phase actual de desenvolvimento da cultura saccarina e das industrias derivadas se afigura mais justo, attento o encargo importante da quantidade de cana a comprar obrigatoriamente e o estimulo que adviria para a producção successivamente crescente de aguardente, visto ser paga esta a preço largamente remunerador e sensivelmente mais alto de que o do mercado e até superior ao de paridade, em relação ao preço maximo de venda do alcool das fabricas matriculadas, em virtude do despacho ministerial que o fixou e é reproduzido n'esta proposta de lei.

As disposições fundamentaes do regulamento de 11 de março de 1909, no que respeita á venda do alcool para adubação dos vinhos, mantem-se com a elevação apenas, durante tres annos, da quantidade maxima de alcool a empregar, a qual passa de 50 a 55 litros de alcool por cada 500 litros de vinho. Explica-se o prazo de transição para dar tempo á reconstituição da vinha com as castas tradicionaes, mais finas e de maior teor saccarino do que as adoptadas ultimamente.

No que respeita á venda do alcool de cana madeirense, para consumo como bebida e que anteriormente podia ser vendido a qualquer entidade pelas fabricas matriculadas, fica a venda restricta ás não matriculadas, a fim de lhes evitar a concorrencia.

Por seu turno, quando se demonstre haver falta de aguardente no mercado poderá, mas só então, como a lei já estatuia, ser vendido álcool de melaço importado, ainda

1 Preços-actuaes por 30 kilos de cana:

1.ª zona, 10° Beaumé ou mais .... 500 réis
2.ª zona, 9°,5 Beaumé a 10° .... 480 réis
3.ª zona, 9º Beaumé a 9°,5 .... 460 réis
4.ª zona, 8° Beaumé a 9° .... 450 réis

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SESSÃO N.º 12 DE 2 DE ABRIL DE 1910 27

assim após o seu previo desdobramento. Neste caso continuam vigorando as medidas restrictivas do regulamento citado.

Se é certo que, em relação ao alcool nacional importado na Madeira, se mantém o que fora definido anteriormente, não é menos exacto que tambem continua assente o preço máximo de venda do alcool para tempero de vinhos, definindo-se que a graduação alcoolica será referida a 15° centigrados.

Tendo a carta de lei de 24 de novembro de 1904 marcado o periodo durante o qual vigoraria o regime estabelecido pelos decretos do anno anterior, emquanto na matricula se mantivessem as duas fabricas então existentes, e havendo á sombra de uma tal disposição tido largo desenvolvimento as suas installações e consequente dispendio de capitaes, justo era tambem que se encarasse a hypothese de, por qualquer circunstancia, alguma d'ellas perder os direitos que da matricula lhe adveem. Nestes termos, na presente proposta de lei, se inseriram disposições, obviando, na sua base 4;a a uma tal eventualidade. Mas se justo isto era, indispensavel era tambem que o Estado se não encontrasse, todos os annos, na contingencia da matricula. A este fim visam as disposições do § 1.° da base 2.ª e do § 10.° da base 4.ª, assentando-se definitivamente a effectividade das obrigações que impendem, pelo regime criado, sobre as fabricas matriculadas até 31 de dezembro de 1918. Ao mesmo tempo algumas das vantagens gozadas pelos agricultores manteem-se taes como a dos transportes maritimos e bem assim outras que pela vez primeira se definem, como a manutenção dá laboração da cana saccarina até 15 de julho de cada anno.

Se passássemos agora ao confronto da presente proposta de lei com a projectada transacção a que nos referimos, seria fácil ver que se reproduziram na proposta varias e ateis disposições d'esta ultima; quanto ás differenças, algumas sensiveis, o Parlamento terá ensejo de ás apreciar pelo exame da proposta e da projectada transacção.

Resumindo: sem indemnização alguma a que nunca o Governo reconheceu direito, sem onus para o Thesouro, proveniente de quaesquer isenções fiscaes que não adviessem taxativamente das leis reguladoras do assunto ou dos despachos que as interpretaram, conseguiu-se definir o regime durante os nove annos que ainda lhe restam, por forma a evitar os sobresaltos e difficuldades que annualmente teem apparecido e livrou se o Thesouro de, em muitos centenares de contos, ser onerado pela necessidade de acudir rapidamente á situação afflictiva da Madeira desde que as fabricas matriculadas não laborassem.

O Governo julga que, na fase especial em que encontrou a questão, fez tudo quanto a sua solicitude pela cansa publica lhe impunha.

Cumpre-lhe agora acatar a resolução do Parlamento.

Proposta de lei

Artigo 1.° A importação e exportação de açucar, de melaço de cana de açucar, de aguardente e de alcool, o fabrico e o commercio destes productos e compra de cana saccharina, no archipelago da Madeira, serão regulados, da publicação desta lei em deante até 31 de dezembro de 1918, segundo os preceitos do decreto de 24 de setembro de 1903, do regulamento de 24 de dezembro do mesmo anuo e do de 11 de março de 1909 com as modificações e ampliações insertas nas bases annexas que desta lei fazem parte integrante, não podendo a venda dos productos de 1918, das fabricas matriculadas, ir alem de 15 de março de 1919.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 2 de abril de 1910. = João Soares Branco = Manuel Antonio Moreira Junior.

Bases a que se refere a proposta de lei desta data

Base 1.ª

A cana saccharina produzida no archipelago da Madeira de 8°,5 Baumé ou mais,
será comprada, nas condições indicadas nesta base, pelas fabricas matriculadas, nos termos da base 4.ª desta lei.

§ 1.° Os preços minimos da compra serão de 450 a 500 réis por 30 kilogrammas de cana posta na fabrica, e applicados segundo o grau saccharino ou as zonas actualmente marcadas, em cumprimento do disposto no artigo 4.° do regulamento de 24 de dezembro de 1903, pela Delegação do Mercado Central de Productos Agriculas no Funchal, nos termos seguintes:

Na primeira zona ou para a cana de mais de 10°,5, 500 réis;

Na segunda zona ou para cana de mais de 10° até 10°,5, inclusive, 480 réis;

Na terceira zona ou para cana de mais de 9°,25, até 10° inclusive, 465 réis;

Na quarta zona ou para a cana de 8°,5 até 9°,25 inclusive, 450 réis.

As fabricas matriculadas teem a faculdade de comprar por grau ou por zona a cana que lhes for offerecida, mas o vendedor terá o direito de a vender por grau se assim lhe convier, declarando o por escrito ao comprador antes da cana entrar na fabrica.

No anno corrente a cana será comprada pelos preços que vigoraram no anno proximo passado.

§ 2.° A cana a que são applicaveis os preços e condições referidos no paragrapho anterior deverá ser fresca, sã e limpa de sabugo e será apresentada na fabrica, até vinte e quatro horas depois de colhida, quando for proveniente do mesmo concelho em que estiver situada a fabrica que a adquira, e até quarenta e oito horas depois de cortada quando provier de concelho diverso.

Quando a cana for recebida pelos agentes da fabrica compradora no mesmo concelho em que tiver sido produzida, será entregue aos agentes no prazo de vinte e quatro horas depois de colhida.

O dia em que deverá effectuar-se o corte da cana será designado pela fabrica compradora, podendo ser transferido por caso de força maior.

§ 3.° A cana será paga a noventa dias de prazo a contar do dia da sua entrada na fabrica.

§ 4.° A cana de graduação inferior a 8°,5 Baumé e a que não satisfizer ás condições do § 2.° será comprada por preços livremente ajustados.

§ 5.° As duvidas que se suscitarem entre os productores e fabricantes ácerca da venda e compra da cana saccharina madeirense, e da aguardente que as fabricas matriculadas ficam com obrigação de comprar nos casos especificados nos §§ 1.°, 2.° e 3.° da base 3.ª, continuarão a ser resolvidas pela Delegação do Mercado Central de Productos Agricolas no Funchal com recurso para o Conselho do Fomento Commercial dos Productos Agricolas.

Base 2.ª

O fabrico do açucar e do alcool far-se-ha no archipelago da Madeira, tendo em attenção as disposições seguintes:

§. 1.° O fabrico do açucar e do alcool com as vantagens correlativas na importação de melaço e na isenção de impostos de fabricação e locaes, como é estatuido nos artigos 1.° e 5.° do decreto de 24 de setembro de 1903, continua restricto, até 31 de dezembro de 1918, ás fabricas matriculadas nos termos da base 4.ª

§ 2.° As fabricas não matriculadas ficam sujeitas, para o açucar aos impostos locaes, e ao de fabricação e consumo que vigora no continente, e para o alcool ao imposto de producção estabelecido para o mesmo producto no continente do reino.

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28 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

§ 3.° As fabricas de aguardente de cana e de melaço não matriculadas, que podem adquirir por preços livremente ajustados a cana saccharina, teem de concorrer á chamada a que se refere o artigo 44.° do regulamento deli de março de 1909, para poderem usufruir as vantagens a que se refere o § 3.° da base 3.ª

§ 4.° O alcool ou a aguardente de qualquer outra parte do territorio português, quando entrados no districto do Funchal, continuarão a ser equiparados ao alcool ou aguardente estrangeiros para todos os effeitos fiscaes.

Base 3.ª

A venda do alcool será feita conforme as disposições dos artigos 44.°, 45.°, 46.° e 47.° do decreto de 1 de março de 1909 com as modificações a ampliações que adveem do presente diploma.

§ 1.° A venda de alcool de melaço importado para consumo como bebida será feita, com previo desdobramento, quando se reconhecer, em resultado do manifesto, feito em virtude da chamada a que se refere o artigo 44.°,do decreto de 11 de março de 1909, que é insufficiente para o consumo a quantidade de aguardente disponivel para a venda.

§ 2.° No caso previsto no paragrapho anterior as fabricas matriculadas serão autorizadas, no prazo maximo de trinta dias depois de recebida a reclamação das mesmas fabricas, a distribuir, pelas fabricas não matriculadas na proporção determinada no § 7.° da base 4.ª, por meio de rateio organizado pelos interessados ou pela Delegação do Mercado Central, o alcool de melaço, exotico desdobrado até a quantidade que houver sido autorizada.

Excedido o prazo de trinta dias sem haver sido tomada uma deliberação entender-se-ha que a autorização foi concedida.

§ 3.° Quando a nenhuma das fabricas não matriculadas convier adquirir o alcool de que trata o paragrapho anterior, ou uma ou ambas as fabricas matriculadas o desejarem vender; a outras entidades, essa ou essas fabricas serão obrigadas a comprar os saldos de aguardente produzida no anno respectivo e manifestada em 31 de dezembro pelas fabricas não matriculadas, pelo preço de 930 réis cada 3,6 litros, quando essa aguardente marcar 26° Cartier, seja de cana saccharina madeirense e propria para consumo.

§ 4.° Os saldos da aguardente manifestada, na quantidade de 46:700 galões em 1908, e na de 14:000 galões em 1909, serão adquiridos pelas fabricas matriculadas, tendo em attenção o regulamento de 24 de dezembro de 1903 e os despachos ministeriaes de 7 de março de 1908 e de 28 de janeiro de 1909, sendo a quantidade a adquirir determinada por um tribunal arbitrai composto de um representante das fabricas matriculadas, de outro das não matriculadas e de um terceiro escolhido pelos dois primeiros. No caso de não haver acordo entre os arbitros das partes interessadas o terceiro arbitro será é presidente do Supremo Tribunal de Justiça ou quem este indique.

Em nenhum caso a obrigação da compra de aguardente pelas fabricas matriculadas é extensiva a outros saldos alem dos que hajam de ser comprados nas hypotheses previstas no § 3.° da base 2.ª e nos §§ 1.° a 4.° da presente base.

§ 5.° O limite maximo da quantidade de alcool, a que se refere o § 3.° do artigo 45.° e § 1.° do artigo 46.º do regulamento de 11 de março de 1909 será de 55 litros até 31 de dezembro de 1913, passando a ser depois de 50 litros. Na disposição do artigo 47.° do mesmo regulamento comprehendem-se os vinhos surdos e os vinhos simplesmente abafados.

§ 6.° A venda do alcool de cana da Madeira para pharmacias, e bem assim a do álcool desnaturado, continuarão a ser feitas nas condições permittidas pelo decreto de 24 de setembro de 1903, reservando-se o Governo tomar as providencias necessarias para verificar a applicação do mesmo alcool...

§ 7.° A aguardente e o alcool fora dos casos previstos no paragrapho anterior e no § 6.° da base 4.ª sómente poderão sair das fabricas matriculadas por meio de guias passadas pela delegação da fiscalização dos productos agricolas no Funchal.

§ 8.° Todas as duvidas que se levantarem sobre a venda e compra de alcool continuarão a ser resolvidas pela Delegação do Mercado Central de Productos Agricolas no Funchal com recurso para o Conselho do Fomento Commercial dos Productos Agricolas.

Base 4.ª

Consideram-se, para todos os effeitos, matriculadas definitivamente, até 31 de dezembro de 1918, as duas fabricas que já o estavam á data da publicação da carta de lei de 24 de novembro de 1904, não podendo a venda, nas condições d'esta lei, dos productos de laboração de 1918, ir alem de 15 de março do anno seguinte.

§ 1.° As fabricas, assim matriculadas, continuam obrigadas:

1.° Á compra de toda a cana saccharina que lhes for offerecida nos termos da base 1.º;

2.° A compra dos saldos de aguardente de cana saccharina madeirense na execução dos. §§ 1.° a 4.° da base 3.ª;

3.° A manter, como até agora, um serviço de transportes maritimos para facilitar aos agricultores a entrega da cana nas fabricas;

4.º A não dar por finda a sua laboração de cana saccharina, em cada anno, antes de 15 de julho;

5.° A conservar em armazena ou depósitos fiscalizados o açucar e o alcool fabricados, ficando sempre separados os que derivarem de melaço exotico;

6.° A não laborar melaço importado emquanto não esteja moida toda a cana saccharina da Madeira, conservando sempre o mesmo melaço em armazens ou depositos fiscalizados;

§ 2.° Continuarão a ser observadas as seguintes disposições:

1.° Qualquer das fabricas matriculadas poderá laborar melaço importado, logo que esteja moida toda a cana da ilha por ella comprada, devendo o mesmo melaço conservar-se sempre em armazens ou depositos fiscalizados;

2.° Exportar em qualquer epoca para o continente do reino, com as respectivas isenções fiscaes nas alfandegas destinatarias:

a) Melaço de cana saccharina madeirense produzido e exportado sob fiscalização;

b) Rações de bagaço e de melaço da mesma cana tambem produzidas e exportadas sob fiscalização;

c) Todo o açucar derivado da mencionada cana menos a quantidade do mesmo açucar igual á que tiver sido extrahida de melaço estrangeiro e entregue ao consumo local, podendo a parte diminuida ser consumida livremente no districto.

§ 3.° Antes de principiar, em cada anno, a exportação de açucar de cana madeirense para o continente do reino, o fabricante assinará na alfandega do Funchal um termo de responsabilidade, pelo pagamento de direitos e outros impostos applicaveis ao açucar exportado a mais do que fica isento pela alinea c) do paragrapho anterior.

§ 4.° O alcool para tempero de vinhos será vendido a preço não superior a 2,60 réis por grau centesimal e por litro, sendo a graduação alcoólica sempre referida á temperatura de 15° centigrados.

§ 5.° Continuará a ser permittido desdobrar, para ser applicado ao consumo como bebida, o alcool de cana de açucar local, ou de residuos do fabrico de açucar da mesma cana, podendo os respectivos fabricantes sómente vende-lo quando tenha tal destino, ás actuaes fabricas de aguardente de cana, cada uma das quaes terá o direito de re-

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quisitar a quantidade de alcool que deseje para revenda, dentro das condições estabelecidas por este diploma.

§ 6.° As fabricas matriculadas poderão transferir entre si, por qualquer forma, o sumo e o xarope de cana local, á medida que os forem produzindo, e sob fiscalização, por meio de guias passadas pela alfandega do Funchal, melaço, alcool ou aguardente.

§ 7.° A relação existente entre as quantidades maximas, de cana que nas duas fabricas matriculadas podem actualmente ser convertidas em productos para consumo ou exportação, durante o periodo de oito dias, será mantida, quer nas quantidades de alcool para tempero de vinhos, quer nas de aguardente e de alcool desdobrado que respectivamente sairem das mesmas fabricas, fora do caso indicado na ultima parte do paragrapho precedente.

A Delegação do Mercado Central de Productos Agricolas, de acordo com os respectivos fabricantes, determinará a mesma relação e o modo pratico de serem feitas dentro dos referidos limites as saidas dos mencionados productos:

Qualquer excesso que no fim de cada anno seja inevitavel, em qualquer das saidas, será corrigido no começo do anno seguinte.

Nos annos em que for fabricado açucar em ambas as fabricas matriculadas, a delação determinada em execução do disposto neste paragrapho e as demais regras n'elle estabelecidas serão applicaveis ao açucar de cana da Madeira e ao de melaço importado que por ambas forem entregues ao consumo local e ao da mesma cana que por ellas for exportado.

§ 8.° Se alguma das duas fabricas, a que a matricula foi limitada, perder por qualquer motivo os seus direitos o Governo poderá admittir, em substituição, outra fabrica de capacidade productiva não superior á da fabrica substituida, para a qual serão transferidos os direitos e encargos d'esta ultima. Se o Governo não usar d'aquella faculdade dentro do prazo de tres meses, a fabrica que ficar na matricula reunirá aos seus os direitos e encargos da fabrica eliminada.

§ 9.° Cessa definitivamente a dispensa de fiscalização a que se refere o § unico do artigo 13.° da carta de lei de 24 de novembro de 1904.

§ 10.° Até 31 de dezembro de 1918 cada uma dás fabricas matriculadas cumprirá, sob as penalidades legaes, tudo aquillo a que fica obrigada por esta lei e pelos decretos de 24 de setembro e 24 de dezembro de 1903, e 11 de março de 1909 na parte não alterada, usufruindo os direitos e beneficios que lhe são conferidos pelos mesmos diplomas.

§ 11.° Fica expressamente estabelecido que as vantagens concedidas pelo § 2.° d'esta base ás fabricas matriculadas sómente vigorarão emquanto as mesmas fabricas cumprirem as obrigações que lhes são impostas pelos n.ºs 1.°, 5.° e 6.° do seu § 4.° e pelo seu § 4.°, entendendo-se que a infracção de alguma destas obrigações envolve, sem direito a qualquer indemnização, a desistencia do prazo estabelecido por esta base.

§ 12.° A percentagem da saccharose a que se refere o artigo 13.° do regulamento de 24 de dezembro de 1903 determina-se pela polarização directa na alfandega do Funchal.

§ 13.º O Governo poderá ampliar mas não restringir, as disposições do § 5.° da base 3.ª

§ 14.° As reclamações sobre a inobservancia de quaesquer disposições estabelecidas ou resalvadas n'esta lei deverão ser apresentadas até cento e vinte dias depois de permittidos ou praticados os factos respectivos, salvo as que disserem respeito á compra da cana, as quaes deverão ser immediatamente apresentadas á Delegação do Mercado Central de Productos Agricolas, no Funchal.

Secretaria do Estado dos Negocios das Obras Publicas, Commercio e Industria, em 2 de março de 1910. = João Soares Branco = Manuel Antonio Moreira Junior.

Negociações anteriores ao Ministerio actual

Projecto de decreto para regular as questões da Madeira

(Para estudo de S. Exa. o Ministro)

Artigo 1.º As disposições, dos artigos 44.°, 45.°, 46.° e 47.° do regulamento de 11 de março ultimo serão modificadas e completadas nas condições do presente diploma.

Art. 2.° O alcool e o açucar continuarão a ser fabricados sómente pelas fabricas matriculadas que teem actualmente direito de os produzir.

Art. 3.° Em execução do artigo 10.° do decreto de 24 de setembro de 1903, observar-se-ha, nos annos posteriores ao actual o seguinte:

1.° As fabricas matriculadas terão faculdade de comprar por grau ou por zona a cana de açucar offerecida; mas o vendedor terá o direito de a vender por grau se assim lhe convier, declarando-o por escrito ao comprador antes da entrada da cana na fabrica respectiva;

2.° Serão mantidas as actuaes zonas determinadas pela delegação do Mercado Central de Productos Agricolas que delibera, com recurso para o Conselho do Fomento Commercial dos Productos Agricolas, sobre qualquer reclamação apresentada durante a execução do disposto neste artigo e seus paragraphos.

3.° Os preços minimos da compra serão:

a) De 500 réis para a cana da 1.ª zona ou para á de mais de 11 graus;

b) De 480 réis para a da 2.ª zona, ou para a de mais de 10,5 graus até 11 inclusive;

c) De 460 réis para a da 3.ª zona, ou para a de mais de 10 graus até 10,5 inclusive;

d) De 450 réis para a da 4.ª zona, ou para a de mais de 8,5 graus até 10 inclusive.

§ 1.° A cana de que trata este artigo deverá ser fresca, sã, limpa de sabugo e apresentada ha fabrica até quarenta e oito ou sessenta horas depois do dia indicado para o corte, conforme ella provier, do concelho onde a fabrica está situada ou de concelho diverso, vigorando tambem neste ultimo caso o primeiro prazo referido, quando a cana seja recebida pelos agentes da fabrica, em local pertencente ao concelho em que se produziu.

§ 2.° A cana de 8,5 graus ou de grau inferior e a que não satisfizer ás condições do paragrapho antecedente continuarão a ser compradas pelos preços livremente ajustados.

§ 3.° O Governo providenciará de forma, a que no futuro as plantações de cana abranjam apenas os terrenos em que esse producto possa attingir nm grau minimo de riquesa saccarina compativel com o desenvolvimento da agricultura e da industria nas condições d'este decreto.

§ 4.° O limite indicado no § 2.° deste artigo poderá ser elevado a 9 graus Baumé, se o Governo assim o julgar necessario.

Art. 4.° O alcool continuará a ser fabricado nas condições em que actualmente se produz e entrará em armazens ou depositos alfandegados, onde fique separado o que derivar de melaço exotico.

Art. 5.° Continuarão a ser observadas as disposições dos numeros seguintes:

1.° Os fabricantes matriculados poderão despachar melaço exotico, nos termos do decreto de 24 de setembro de 1903, e do" regulamento de 24 de dezembro do mesmo anno, logo que esteja moida nas respectivas fabricas toda a cana da ilha, pelos mesmos comprada.

2.° É permittido aos mesmos industriaes exportar em qualquer epoca para o continente do reino, com as respectivas isenções fiscaes nas alfandegas destinatarias.

a) Melaço derivado da referida cana, produzido sob fiscalização e que, antes de ser despachado melaço exotico pelos respectivos fabricantes, seja exportado para o continente do reino ou haja enteado em armazem alfandegado;

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30 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

b) Rações fabricadas, eom bagaço e melaço da mesma cana (malascuit), ficando entendido que esse fabrico se effectuará antes de ser importado pelos fabricantes melaço exotico;

c) Todo o açucar extrahido da mencionada cana, menos a quantidade do mesmo igual á que o fabricante extrahir do melaço exótico e entregar a consumo local, podendo a quantidade diminuida ser consumida livremente no districto.

§ unico. O disposto no artigo 4.° d'este decreto é applicavel ao açucar.

Art. 6.° Na applicação da alinea c) do n.° 2.° do artigo precedente, é permittida, desde o anno fabril corrente, a transferencia, de um anno fabril para os dois immediatos a seguir, do saldo não aproveitado da faculdade concedida aos industriaes de abastecer o mercado interno da Madeira com açucares extrahidos de melaços estrangeiros até a concorrencia de 50 por cento. No penultimo anno do regime actualmente existente, a transferencia só terá de ser definitivamente encerrada, sem que os industriaes possam reclamar qualquer parte não utilizada das suas regalias cessantes.

Art. 7.° Antes de se principiar em cada anno a exportação de açucar de cana local para o continente do reino, os fabricantes assinarão na respectiva alfandega um termo de responsabilidade pelo pagamento dos direitos e outros impostos applicaveis ao açucar exportado quando exceda a quantidade isenta pela applicação dos artigos precedentes.

Art. 8.° O alcool para tempero de vinhos será vendido a preço não superior a 2,60 réis por grau centesimal e por litro. Para o mencionado preço o grau alcoolico será referido á temperatura de 15° centigrados.

Art. 9.° Continuará a ser permittido desdobrar, para ser applicado ao consumo como bebida, o alcool de cana de açucar local, ou de residuos de fabrico de açucar da mesma cana, podendo os respectivos fabricantes sómente vende-lo, quando tenha tal destino, ás actuaes fabricas de aguardente de cana que terão o direito de requisitar a quantidade do mencionado alcool que desejem para revender dentro das condições estabelecidas por este decreto.

Art. 10.° A venda do alcool de melaço importado, no caso previsto pela segunda parte do artigo 2.° do decreto de 24 de setembro de 1903 será feita, com previo desdobramento, nas condições estabelecidas no artigo 44.° do regulamento de 11 de março de 1909, com as modificações expressas nos paragraphos seguintes:

§ 1.° As fabricas não matriculadas terão de concorrer á chamada, manifestando a aguardente disponivel para a venda, se quiserem usufruir as vantagens concedidas no n.° 2.° do annexo ao regulamento de 24 de dezembro de 1903.

§ 2.° Se em resultado do manifesto se reconhecer que é insufficiente para o consumo a quantidade de aguardente disponivel para a venda, dentro do prazo máximo de trinta dias depois de recebida a reclamação das fabricas matriculadas serão autorizadas essas fabricas, ha proporção fixada para as suas laborações a distribuir pelas fabricas não matriculadas, por meio de rateio organizado pelos interessados ou pela delegação do mercado, o alcool de melaço exotico desdobrado até a quantidade que houver sido autorizada.

§ 3.° Quando a nenhuma das fábricas não matriculadas convier adquirir o alcool de que trata o paragrapho antecedente , ou as fabricas matriculadas o desejarem vender a outras entidades, serão estas fabricas obrigadas a comprar ás não matriculadas os saldos a que se refere o n.° 2.° do annexo ao regulamento de 24 de dezembro de 1903. Se apenas algumas das fabricas não matriculadas deixarem de adquirir o mesmo alcool e a venda se não fizer a outras entidades, será então sómente obrigatoria para as fabricas matriculadas as compra dos saldos respectivos d'essas mesmas fabricas.

§ 4.° Excedido o prazo marcado no § 2.°, sem haver sido tomada uma deliberação, entender-se-ha que a autorização foi concedida.

Art. 11.° As vendas do alcool de cana da Madeira para pharmacias, e bem assim o alcool desnaturado, continuarão a ser feitas nas condições permittidas pelo decreto de 24 de setembro de 1903, reservando-se o Governo tomar as providencias necessarias para verificar a applicação do mesmo alcool.

Art. 12.° A aguardente e o alcool, fora dos casos previstos no artigo 11.° e no § 1.° do artigo 14.° deste decreto, sómente poderão sair das fabricas matriculadas por meio de guias passadas pela Delegação da Fiscalização dos Productos Agricolas.

§ 1.° A relação existente entre as quantidades maximas de cana que actualmente podem ser laboradas em vinte e quatro horas pelas duas fabricas matriculadas será mantida, quer nas quantidades de alcool para tempero de vinhos, quer nas quantidades de aguardente e de álcool desdobrado que respectivamente sairem das mesmas fabricas, fora do caso indicado, no § 1.° do artigo 14.°

§ 2.° A mencionada delegação regulará, de acordo com as empresas das mesmas fabricas, a maneira pratica de se dar execução ao disposto neste artigo, para o effeito de não serem as saidas de alcool ou aguardente de cada fabrica superiores, em cada anno, á proporção que lhe compete em face da outra.

§ 3.° Qualquer excesso que no fim de cada anno seja inevitavel, em qualquer das saidas, será corrigido no começo do anno seguinte.

Art. 13.° O limite maximo da quantidade de alcool, a que se refere o § 3.° do artigo 45.° e o § 1.° do artigo 46.° do regulamento de 11 de março de 1909, será de 60 litros até 31 de dezembro de 1911 e de 55 litros até 3,1 de dezembro de 1913, passando depois a ser de 50 litros. Na disposição do artigo 47.° do mesmo regulamento comprehendem-se os vinhos surdos e os vinhos simplesmente abafados.

Art. 14.° As fabricas matriculadas poderão transferir entre si, por qualquer forma, o sumo e o xarope da cana local, á medida que os forem produzindo, comtanto que o façam, antes de despachado por qualquer d'ellas, melaço exotico.

§ 1.° Qualquer das referidas fabricas pode tambem transferir dos seus armazens ou depósitos alfandegados para os da outra melaço, alcool ou aguardente, fazendo-se sempre, porem, tal transferencia por meio. de guias passadas pela Alfandega do Funchal.

§ 2.° Cessa definitivamente a dispensa de fiscalização mantida no § unico do artigo 13.° da lei de 24 de novembro, de, 1904, continuando a entender-se que, se alguma das duas fabricas a que a matricula foi limitada pelo mesmo artigo perder por qualquer motivo os seus direitos, poderá o Governo, em substituição, admittir á matricula outra fabrica de capacidade productiva não superior á da fabrica substituida, para a qual serão transferidos os direitos e encargos desta ultima. Se o Governo não usar d'aquella faculdade, a fabrica que ficar na matricula reunirá aos seus os direitos e encargos da fabrica eliminada.

Art. 15.° Emquanto vigorar a lei de 24 de novembro de 1904 as fabricas matriculadas ficam obrigadas, para usufruto dos respectivos direitos e beneficios, a cumprir, sob as penalidades legaes, todas as disposições applicaveis d'este decreto e todas as demais clausulas e preceitos estabelecidos no decreto; de 24 de setembro de 1903, no regulamento de 24 de dezembro do mesmo anno e no regulamento de 11 de março de 1909, na parte não alterada pelo presente diploma.

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§ unico. A declaração, a que se refere o artigo 2.° do decreto de 24 de dezembro de 1903, deverá ser entregue para cada anno até o dia 1 de setembro do anno anterior.

Art. 16.° Fica expressamente estabelecido que as concessões a que se refere o artigo 5.° e seus numeros e alineas, e os artigos 6.°, 7.°, 8.° e 18.° sómente vigorarão emquanto as fabricas matriculadas cumprirem as suas obrigações ahi exaradas, entendendo-se que a infracção de alguma dessas obrigações envolve, sem direito a qualquer indemnização, a desistencia do prazo estabelecido para a vigencia das disposições applicaveis ás mesmas fabricas.

Art. 17.° O Governo poderá ampliar, mas não restringir, as permissões incluidas no artigo, 13.° d'este decreto durante o periodo fixado no artigo 13.° da lei de 24 de novembro de 1904.

Art. 18.° O alcool ou aguardente de qualquer outra parte do territorio português, quando entrado no districto do Funchal, continuarão a ser equiparados ao álcool ou aguardente estrangeiros para todos os effeitos fiscaes.

Art. 19.° As reclamações sobre a inobservancia de quaesquer disposições estabelecidas ou resalvadas neste decreto deverão ser apresentadas até cento e vinte dias depois de omittidos ou praticados os factos respectivos.

Art. 20.° Ficam sem effeito quaesquer autos levantados até esta data com fundamento na falta de cumprimento de quaesquer disposições do regulamento de 11 de março de 1909 sobre a venda do alcool, estendendo-se este preceito a todos os termos dos respectivos processos.

Art. 21.° A commissão districtal de agricultura proporá ao Governo os meios que julgar mais convenientes para serem conseguidos os seguintes fins?

1.° Equilibrio das culturas tradicionaes, a da vinha e a da cana, evitando-se que uma d'ellas seja sacrificada á outra;

2.° Desenvolvimento simultaneo de outras culturas importantes, especialmente das que se destinem á producção de frutas para fornecimento á navegação e para exportação;

3.° Localização de todas as culturas nos seus terrenos proprios, evitando-se muito particularmente que ellas invadam a zona natural da arborização florestal;

4.° Aperfeiçoamento das culturas, pela selecção das plantas e pelo emprego dos adubos adequados.

Art. 22.° Fica revogada a legislação em contrario.

Justificação de falta

Declaro a V. Exa. e á Camara que por motivo de doença tenho faltado ás sessões parlamentares. = Carlos Ferreira.

Para a acta.

O REDACTOR = Affonso Lopes Vieira.

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