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SESSÃO DE 25 DE MAIO DE 1869

Presidencia do exmo. sr. Diogo Antonio Palmeiro Pinto

Secretarios - os srs.

José Gabriel Holbeche
Henrique de Barros Gomes

Chamada - 62 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão - os srs. Costa Simões, Villaça, Sá Nogueira, Sá Brandão, Silva e Cunha, Sousa e Menezes, Magalhães Aguiar, Costa e Almeida, Falcão da Fonseca, Montenegro, Saraiva de Carvalho, Barão de Ribeira de Pena, Barão da Trovisqueira, B. F. Abranches, B, F. da Costa, Caetano de Seixas, Ribeiro da Silva, Conde de Thomar (Antonio), Custodio Joaquim Freire, Palmeiro Pinto, F. J. Vieira, F. F. de Mello, Coelho do Amaral, Costa e Silva, Pinto Bessa, Barros Gomes, Noronha e Menezes, Vidigal, Baima de Bastos, Santos e Silva, Assis Pereira de Mello, Cortez, Aragão Mascarenhas, Alves Mathens, Matos Correia, Nogueira Soares, J. Thomás Lobo d'Avila, Cardoso, Galvão, Correia de Barres, Sete, Dias Ferreira, Monteiro, J. G. Holbeche, Lemos e Napoles, Teixeira de Queiroz, J. M. Lobo d'Avila, Oliveira Baptista, J. P. A. Nogueira, Luiz de Campos, Pimentel, Camara Leme, Daun Lorena, Espergueira, M. A. de Seixas, Penha Fortuna, Valladas, Matinas de Carvalho, Oliveira Lobo, Visconde de Carregoso, Visconde de Guedes, Visconde dos Olivaes.

Entraram durante a sessão - os srs. Braamcamp, Alves Carneiro, Ferreira de Mello, Pereira de Miranda, Falcão de Mendonça, Veiga Barreira, Guerreiro Junior, Fontes Pereiraa de Mello, Eça e Costa, Belchior, Carlos Bento, Fernando de Mello, Henrique de Macedo, Corvo, J. Pinto de Magalhães, J. Antonio Maia, Infante Passanha Luciano de Castro, Rodrigues de Carvalho, Mello Gouveia, Fernando Coelho, Raymundo V. Rodrigues, Calheiros.

Não compareceram - os srs. Adriano Pequito, A. J. de Seixas, A. J. Pinto de Magalhães, Antonio Pequito, Fausto Guedes, Diogo de Sá, F. L. Gomes, Mártens Ferrão, Bandeira de Mello, Mello e Faro, Latino Coelho, J. M. dos Santos, José de Moraes, Levy, Paes Villas Boas, P. M. Gonçalves de Freitas, Scarnichia.

Abertura - A uma hora e meia da tarde.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.º Do ministerio da justiça, remettendo diversas informações a respeito do que se gastava, e se gastou depois das reformas decretadas pelo governo, satisfazendo assim ao requerimento do sr. Joaquim Thomás Lobo d'Avila.

À secretaria.

2.º Do ministerio da fazenda, declarando, em satisfação á interpellação annunciada pelo sr. deputado Antonio Augusto Pereira de Miranda, que n'aquelle ministerio não existem esclarecimentos alguns ácerca da desigualdade com que e tratada a nossa marinha mercante, em relação á das outras nações.

Á secretaria.

Representações

1.ª Das direcções dos bancos commercial do Porto, mercantil, união, e alliança, e do banco do Minho, pedindo que não sejam approvadas as propostas n.ºs 4 e 5, na parte que dizem respeito aos estabelecimentos geridos pelos requerentes.

A commissão de fazenda.

2.ª Da camara municipal de Barcellos, pedindo que seja approvado o projecto de lei apresentado pelo sr. deputado Alves Carneiro, relativamente a ser exceptuado do registo o onus real das servidões de predios rusticos.

Á commissão de legislação.

3.ª Da camara municipal de Celorico de Basto, pedindo a alteração do codigo civil, isentando-se do registo o onus real, das servidões dos predios rusticos.

A mesma commissão.

4.ª Dos livreiros e editores de almanachs, folhinhas o repertorios que se publicam em Lisboa, pedindo que a proposta n.° 14, apresentada pelo governo, não seja approvada na parte em que impõe o sêllo de 60 réis a todas as folhinhas, almanaches e repertorios.

Á commissão de fazenda.

Nota de interpellação

Requeiro que seja prevenido o nobre ministro dos negocios estrangeiros, de que desejo chamara attenção de s. exa. sobre a desigualdade do direito de importação entre Portugal e Hespanha, relativamente ao gado suino.
Sala das sessões, em 26 de maio de 1869. = Augusto Cesar Falcão da Fonseca.

Mandou-se fazer a devida participação.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhoras. - A junta de parochia da freguesia de S. Theotonio de Brenha, concelho da Figueira da Foz, requereu pelo ministerio da fazenda a confirmação da doação que diz lha fizeram os padres cruzios de uma casa, que, pela extincção do convento de Santa Cruz de Coimbra, foi encorporada nos proprios da nação.

Pelas informações, a que mandaram proceder, vieram no conhecimento de que não existe documento algum que prove haver sido doada a referida casa a mesma junta supplicante, sendo todavia tradicional haver-lhe sido doada pelos referidos padres.

O que porém é certo e fóra de toda a duvida é que a casa de que se trata serviu sempre, e serve ainda, de residencia do respectivo parocho, em cuja congrua tem sido computado o rendimento da referida casa, sendo ella o unico predio que possue condições de habitação condigna de um parocho.

Tendo pois em vista as considerações acima expostas, e attendendo á pequena importancia da avaliação, e a que, pelas disposições das leis de 25 de junho de 1856, e de 27 de junho de 1866, não podia o governo fazer cessão da referida casa, nem confirmar a doação, tenho a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º É concedida a junta de parochia da freguezia de S. Theotonio de Brenha, concelho da Figueira da Foz, uma casa com o seu respectivo passal, com o fim do continuar a servir do residencia do parocho da mesma freguesia de S. Theotonio de Brenha.

Art. 2.º Quando por qualquer circumstancia as referidas casas e passal deixem de servir ao fim para que foram concedidas, reverterão á posse e administração da fazenda nacional.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Lisboa, 24 de maio de 1869. = José de Moraes Pinto de Almeida, deputado pelo circulo n.º 22.

Foi admittido e enviado á commissão respectiva.

Leu se na mesa a seguinte

Proposta

Requeiro a publicação no Diario do governo, ou no Diario da camara, dos documentos relativos á gerencia das camaras municipaes, nos annos economicos de 1862-1863 e 1863-1864, documentos remettidos pela secretaria do reino em 3 de junho e 8 de julho do 1868. = João Rodrigues da Cunha Aragão Mascarenhas.

Submettida á votação da camara, não foi attendida.

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O sr. Pinto Bessa: - Mando para a mesa uma representacão dos bancos commerciaes, união e mercantil da cidade do Porto, e do banco do Minho, na cidade de Braga, contra a proposta n.° 4, apresentada pelo governo.

Peço licença á camara para ler esta representação, a que v. exa. dará o competente destino, reservando-me para fazer, algumas considerações em occasião opportuna.

É a seguinte (leu).

O sr. Alves Carneiro: - Mando para a mesa o seguinte projecto, e peço a v. exa. que tenha a bondade de lhe dar o destino competente (leu).

Escuso de justificar e repetir as rasões que apresento no relatorio.
Declaro a v. exa. e á camara que o apresento como um acto justificadissimo, qual é o da falta de meios que a camara municipal de Guimarães tem para occorrer aos melhoramentos indispensaveis nos estabelecimentos das aguas de Vizella e Taipas, e o da frequencia que se nota n'aquellas caldas, frequencia que é orçada pouco mais ou menos em seis mil e tantas pessoas.

Os meios de que a camara municipal de Guimarães dispõe são tão diminutos para occorrer aos melhoramentos d'estes banhos, para os quaes eu, que tive a honra de ser, em dois biennios, presidente d'essa municipalidade, nunca pude destinar e votar no respectivo orçamento mais de réis 100$000.
Quasi todo o rendimento da camara municipal de Guimarães é absorvido pela sua despeza obrigatoria, sendo só a verba destinada para expostos mais de 5:000$000 réis. Por conseguinte a camara municipal de Guimarães, vendo que não tinha meios sufficientes para occorrer aos melhoramentos de estabelecimentos tão frequentados como aquelles são, lançou uma taxa de 40 réis em cada banho que ali se tomasse, com excepção dos pobres e militares. Ora a terça parte do producto dos banhos que, pela carta de lei de 30 de julho de 1860, é applicada para a viação municipal, é que eu no meu projecto proponha que seja isenta d'essa applicação, e concedida com o mais rendimento exclusivamente ou para melhoramentos ali feitos por conta da camara, ou para juros e amortisação de qualquer emprestimo que a camara municipal haja de contrahir para o mesmo fim.

Ha n'esta casa muitos cavalheiros que conhecem bem aquelles importantissimos estabelecimentos, a todos hão de reconhecer a necessidade que ha de os melhorar. É necessario meios para isso, e é exactamente o que a camara municipal não tem.

Portanto o que eu peço no meu projecto é que se entregue á camara municipal de Guimarães o producto da terça parte do imposto que se acha estabelecido, a fim de que possa occorrer aos melhoramentos e conforto de que aquelles estabelecimentos carecem, deixando de ser applicado para a viação municipal. É uma excepção que, sem prejudicar sensivelmente a viação, se torna de muita necessidade e proveito das pessoas enfermas que fazem uso d'aquelles banhos.

O sr. Ministro do Reino (Bispo de Vizeu): - Declaro a v. exa., que estou prompto para responder a duas interpellações que ha dias foram mandadas para a mesa, uma sobre uma portaria dirigida á camara municipal de Coimbra, e outra tambem sobre uma portaria á junta geral do districto de Bragança.

Quando os srs. interpellantes quizerem verificar as suas interpellações podem usar do seu direito, porque estou habilitado para responder.

O sr. B. F. da Costa: - Participo a v. exa., que a commissão do ultramar se acha constituída, tendo nomeado para seu presidente o sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira, fazendo-me a honra de me nomear seu secretario, havendo relatores especiaes.

O sr. Henrique Cabral: - A camara municipal de Barcellos encarrega me de apresentar uma representação, na qual pede a esta camara que approve o projecto de lei do sr. Alves Carneiro, apresentado em sessão de 14 do corrente, no qual se propõe que sejam exceptuados do registo os onus reaes das servidões dos predios rusticos.

Mando a representação para a mesa, pedindo que seja enviada á commissão de legislação, á qual está affecto o projecto respectivo.

Ô sr. Saraiva de Carvalho: - Mando para a mesa uma representação dos livreiros e editores de folhinhas, almanachs e repertorios, na qual pedem ser tratados com mais equidade na proposta n.° 14 das medidas de fazenda, em que são tributados com demasiada severidade em beneficio do thesouro.

O sr. Montenegro: - O sr. deputado Bandeira de Mello encarregou-me de participar á camara que faltou á sessão de hontem, e talvez falte a mais algumas, por incommodo de saude.

O sr. Villas Boas: - Requeiro a v. exa. para ser inscripto, a fim de tomar parte na interpellação do sr. deputado Alves Carneiro, apresentada em sessão de 22 do corrente; e peço a v. exa. que me inscreva para quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas.

O sr. Aragão Mascarenhas: - Peço a v. exa. que tenha a bondade de pôr á votação um requerimento que hontem mandei para a mesa, pedindo a publicação de uns documentos relativos ás gerencias das camaras municipaes, e que são indispensaveis para se tratar a questão de fazenda, tanto na commissão como na camara.

O sr. Presidente: - O sr. deputado Aragão pediu que se pozesse á votação um requerimento que hontem mandou, para a mesa. Este requerimento já hoje foi posto á votação, porém a camara não se pronunciou sobre elle, e por isso vou pô-lo outra vez á votação.

O sr. Villaça: - Peço a v. exa. que addite ao requerimento do sr. Aragão a referencia aos annos de 1864- 1865 e 1865-1866.

Posto o requerimento á votação, foi approvado com o additamento do sr. Villaça.

O sr. Ferreira de Mello: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Celorico de Basto, sobre um negocio que está affecto á commissão de legislação, e peço a v. exa. que lhe dê o destino conveniente.

Mando tambem para a mesa um requerimento de Mathias Fewerhrrd S., sobre um negocio que se acha affecto ao exame da commissão de fazenda, e peço que seja enviado a esta commissão, a fim de que ella faça a requisição dos documentos que se apontam no requerimento.

Por ultimo participo a v. exa. que faltei á sessão de hontem, porque negocios domesticos me obrigaram a ir ao Porto.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão sobre o projecto do lei n.º 8

O sr. Santos e Silva: - Tinha hontem pedido a palavra após um illustre deputado, e meu amigo, que devia fallar primeiro do que eu. Não sei se v. exa. por equivoco deixou de o inscrever. O meu intuito era discorrer sobre o que s. exa. dissesse, porque sobre o assumpto ha pouco que dizer depois das reflexões feitas pelos illustres oradores que me precederam. Mas já que v. exa. me deu a palavra não cedo d'ella, e sempre farei algumas leves considerações.

Este projecto nem comporta longos discursos, nem discussão debatida.
Das explicações que deu hontem o nobre ministro da fazenda, ficou a camara colligindo qual era o pensamento do governo.

O governo pede auctorisação para dividir por duas, tres, quatro ou mais prestações annuaes, o pagamento das contribuições de lançamento e repartição, que até aqui, fóra de Lisboa e Porto, se pagavam por uma só vez.

Os cavalheiros que tomaram parte n'este assumpto, perguntaram ao sr. ministro da fazenda: «Se o pagamento das prestações em que pretendia dividir a verba annual de con-

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tribuição, era voluntario ou obrigatorio. No caso de ser obrigatorio qual era a penalidade? Quer dizer, havia relaxe, ou havia apenas uma multa ou juro da mora, na falta de qualquer prestação, ficando o relaxe para o anno seguinte em relação á quantia que ficasse por satisfazer? Era voluntario o pagamento da collecta em mais de uma prestação e inteiramente livre de qualquer pena, se o contribuinte preferisse pagar por uma só vez?»

O nobre ministro teve a bondade de responder que = o pagamento seria voluntario, qualquer que fosse o numero das prestações em que se dividisse a quota annual, e que não incorreria em infracção de lei, ou pena de qualquer especie, o contribuinte que pagasse, por exemplo, no ultimo praso, a sua collecta por inteiro =.

Por consequencia o contribuinte, muito embora se lhe faculte o pagar a sua verba annual em quatro prestações, suppondo que o sr. ministro as divide em trimestres; o contribuinte, digo, póde deixar de pagar cada uma d'ellas nos respectivos prasos, sem que por isso incorra em infracção do lei, não tem por consequencia multa ou qualquer pena se não pagar o seu imposto no ultimo quartel.

Creio que foram estas as explicações do nobre ministro, ou pelo menos as que eu entendi terem sido dadas á camara por s. exa.

O contribuinte fica completamente desembaraçado; póde pagar no fim, no principio, ou quando quizer, dentro do anno a que diz respeito a collecta, sem que por isso incorra na mais ligeira infracção da lei.

Ora, se este é o plano do nobre ministro, se este é o seu pensamento, permitta-me s. exa. dizer-lhe - que não só não vejo vantagem alguma n'este projecto, mas prevejo uma maior complicação no expediente das repartições de fazenda e no systema da papelaria, e perda de tempo para os empregados encarregados d'esse serviço.

S. exa. deve saber que os conhecimentos nas provincias se extrahem unicamente em relação á verba total da contribuição. Ha um só recibo com um só talão.

Em Lisboa e Porto é que os conhecimentos são divididos em duas partes, em relação aos dois semestres. Ha dois recibos parciaes, com os respectivos talões.

Se o sr. ministro da fazenda dividir o praso do pagamento das contribuições em tres, quatro, seis ou doze prestações, tem de mandar fabricar conhecimentos, não só em relação a qualquer d'estas divisões em que assentar, mas tambem em relação ao pagamento por uma só vez da collecta, visto ser facultativo. Quer dizer, para um mesmo contribuinte deve haver dois typos de conhecimentos. É preciso ter obra feita e prompta para todos os appetites.

Apparece um contribuinte que quer pagar aos trimestres, tem obrigação o empregado de fazenda de lhe fornecer um conhecimento modelado para esta fórma de pagamento; apparece um outro contribuinte, que quer pagar por uma só vez, ha de haver outro modelo de conhecimentos. Não sympathiso com esta complicação de expediente, nem com mais este preito prestado ao systema da nossa papelaria.

É pois necessario que as repartições de fazenda estejam fornecidas com todos estes differentes modelos, em harmonia com a divisão que o sr. ministro da fazenda haja de fazer, sem ficar dispensado o conhecimento unico, relativo á verba total. Ora, na minha opinião, este só é que será aproveitado, porque o pagamento facultativo será illusorio, visto que, em regra, o contribuinte só paga na ultima extremidade, quando vê á porta o relaxe, e as execuções administrativas. O thesouro nada pois lucrará; crescerão as despezas de cobrança, e o expediente complicar-se-ha.
É necessario que cada um tenha sobre uma certa materia idéas fixas e determinadas. Não sei bem quaes as idéas fixas e determinadas do sr. ministro da fazenda a este respeito.

Não sei se o sr. ministro tem pensamento certo sobre este assumpto. Pelo menos s. exa. ainda o não revelou. O que sei é que os cavalheiros que já foram ministros, e têem fallado sobre esta materia, concluiram por dizer que estudaram seriamente a questão, naufragando sempre em presença de certas difficuldades.

Não posso exigir que o sr. ministro da fazenda seja dotado de mais felicidade, ou de mais talento que os seus antecessores, para a resolução d'este negocio. Não o censuro, pois, por não ter apresentado á camara um plano claro e definido, mas em objectos d'esta ordem é necessario ter um systema qualquer.

Se o sr. ministro da fazenda viesse ao parlamento e dissesse "eu quero dividir o pagamento das contribuições, por exemplo, em duas prestações, e torna-lo obrigatorio"; eu apoiava as suas idéas, porque são as minhas. Desejo que haja mais de uma prestação, mas obrigatoria, e que se imponha uma penalidade ao contribuinte, porque sem esta elle não paga dentro do praso que lhe for marcado.

Quanto a mim, parecia-me conveniente que o sr. ministro da fazenda começasse por estabelecer nas provincias o que está adoptado em Lisboa e Porto, obrigando a pagar as contribuições de seis em seis mezes; e em Lisboa e Porto alterava o systema actual, estabelecendo o pagamento das contribuições de tres em tres mezes, tornando-o obrigatorio; porque desde o momento em que s. exa. não proceder d'este modo, não poderá conseguir resultado algum. Alem d'isto estatuia uma penalidade, mas não a penalidade do relaxe; bastava apenas um juro da mora, em relação ao semestre vencido e não pago. Juro que eu não elevaria acima de 6 por cento.

Portanto, repito, no caso do sr. ministro da fazenda, applicava ás provincias o systema ensaiado em Lisboa e Porto, e que tão bom resultado tem dado, dividindo o pagamento das contribuições em duas prestações, não relaxando a verba ou verbas por pagar senão no fim do anno, pelo qual a collecta total era devida.

É um systema, como outro qualquer, mas systema assente em idéas fixas e determinadas, porque emquanto os nobres ministros da fazenda attenderem a todas as observações que lhes fizerem, e a todos os obstaculos que lhes levantarem, nas repartições, observações que nem sempre estão em harmonia com as urgencias do thesouro e com as necessidades do serviço publico, jamais passaremos do ram-ram, ao passo que n'outros paizes se têem alterado o systema de pagamento, e que esta alteração dá vantagens ao thesouro, porque faz com que a divida fluctuante não seja representada por sommas tão elevadas. Desde o momento em que fizermos com que no thesouro entrem em prasos mais curtos as contribuições de repartição e lançamento, e que por consequencia haja mais dinheiro todos os mezes para satisfazer os serviços impreteriveis, não ha necessidade de crear em tão grande escala a divida fluctuante, e de representar os desfalques do thesouro por verbas tão elevadas como aquellas por que elles são hoje representados, por causa d'essas necessidades peremptorias em que se vê todos os mezes o thesouro. Quem não tem dinheiro nos cofres publicos, e não recebe as contribuições alludidas senão de doze em doze mezes, vê-se na necessidade de crear maior divida fluctuante, de pagar maiores juros, e de sobrecarregar o thesouro com maiores encargos, que se traduzem, a final de contas, por maior imposto para o contribuinte.

Aconselho, portanto, não ao sr. ministro da fazenda, porque me não pertence aconselhar e guiar o governo actual, como deputado da opposição, mas aconselho á entidade governo, que tome sobre o assumpto uma resolução séria, porque é chegada a occasião de a tornar definitivamente. É preciso que estabeleçamos prasos determinados e fixos para o pagamento das contribuições, mas que não os estabeleçamos facultativos. É necessario que sejam obrigatorios, e se comece desde já por se ensaiar um novo systema, que poderia ser, por exemplo, o que eu deixo indicado.

Fico per aqui, porque, como já disse, tinha pedido a pa-

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lavra na expectativa de que um illustre deputado ministerial, e meu amigo, a quem eu me deveria ter seguido na inscripção, faria talvez observações oppostas áquellas, que alguns cavalheiros da opposição, tambem meus amigos, aqui hontem apresentaram. Preparava-me para combater no posto que me pertence.

O sr. J. T. Lobo d'Avila: - Este projecto não contém assumpto insignificante; é um projecto que interessa a todos os cidadãos. O seu fim é cobrar a maior somma com o menor vexame para os contribuintes, com a maior commodidade para todos. Estou persuadido de que não póde ser outro o fim do projecto, e tambem estou persuadido de que o sr. ministro da fazenda estudará bem a questão, esclarecer-se-ha, e seguirá o methodo que julgar mais conveniente para conseguir esse resultado.

É certo que esta questão tem muita importancia, e tem sido estudada muitas vezes; assim como tambem é certo que as diversas auctoridades, que têem conhecimentos especiaes da materia, foram ouvidas, a fim de se obterem todas as informações para se tomar uma resolução, e parece-me que o governo já tem essas informações.

Ainda ultimamente em Inglaterra o ministro da fazenda apresentou uma medida relativamente á cobrança, que é de um grande alcance, é uma das principaes do seu systema financeiro. Portanto esta questão tem valor.
Parece que ha n'este projecto uma certa confusão entre ser obrigatorio ou facultativo o pagamento. Já o meu nobre amigo que me precedeu notou os inconvenientes que havia em ser facultativo, por isso que não podem haver os conhecimentos necessarios para todas as hypotheses possiveis. É necessario, pois, assentar n'um systema.

Em França, por exemplo, a contribuição de repartição cobra-se em duodecimos. Se o contribuinte quer pagar dois cortam-se dois recibos, se quer tres cortam-se tres, e assim por diante; é isto muito facil, porque já estão processados os conhecimentos por esta fórma.

O projecto apresentado pela commissão envolve a idéa de tornar o pagamento obrigatorio, e não cita muito de accordo com as idéas que hontem apresentou o sr. ministro da fazenda, porque o projecto diz: «É o governo auctorisado a estabelecer o numero de prestações em que devem ser pagas as contribuições de repartição».

Devem ser pagas envolve a idéa da ser obrigatorio, e o sr. ministro hontem apresentou idéas contrarias.

Parece-me, portanto, que o projecto ficará melhor redigido d'esta fórma: «É o governo auctorisado a estabelecer o numero de prestações em que podem ser pagas as contribuições de repartição. O que é necessario é estudar o systema que melhor convem applicar. O que vejo é que effectivamente o governo ainda não tem idéa fixa a este respeito. É preciso estudar e ver qual é o systema preferível, e só depois d'isto é que o governo devia ttraze-lo á camara, como fez em Inglaterra o ministro mr. Gladstone.

Termino aqui as minhas reflexões, e faço votos para que o sr. ministro estabeleça o systema de melhor cobrança com commodidade dos povos (apoiados).

O sr. Aragão Mascarenhas: - Ouvi o que acaba de dizer o sr. deputado Lobo d'Avila.

Este projecto é uma auctorisação, auctorisação que já tinha sido dada a outros governos, mas que as dificuldades da materia têem feito com que nenhum d'elles tenha podido levar a effeito, apesar dos melhores desejos que todos têem tido em conseguir este resultado. Já se vê que as difficuldades, em que todos os governos se têem encontrado, têem sido grandes, e grandes hão de ser tambem as difficuldades que o actual sr. ministro da fazenda ha de encontrar para chegar a uma decisão que seja bem aceita pelos povos; pois que precisamos conciliar os interesses do thesouro com a facilidade e suavidade do pagamento da parte dos contribuintes, por isso não podemos ir tornar peior a posição do contribuinte com uma medida qualquer. É preciso que a medida que vier facilite não só a cobrança para o thesouro, mas suavise ao mesmo tempo o contribuinte que quer pagar e deseja pagar. Portanto isto não póde ser senão uma auctorisação; não póde ser, por ora, uma lei formulada que estabeleça já o modo de levar á execução esta lei.

O sr. ministro deseja estar auctorisado para poder fazer alguma cousa n'este sentido, o que poder ser; e necessariamente para isso ha de ouvir os delegados do thesouro nos districtos do reino e os escrivães de fazenda, que são os que mais particularmente se occupam d'este objecto; e se poder, por fim, ha de formular uma medida em execução d'esta auctorisação, e manda-la pôr em pratica. Se não podér, faz o que tem feito os seus antecessores, que é manifestar os seus bons desejos n'esta materia, e nada mais.

Como auctorisação parece-me que o artigo está concebido como póde estar; não se pronuncia por systema algum, nem pelo systema voluntario, nem pelo systema obrigatorio, deixa isso para depois.

Emquanto á substituição apresentada pelo sr. Lobo d'Avila, para que em logar da palavra devem, se inscreva na lei a palavra podem, não ha inconveniente algum, e eu a adopto por parte da commissão. Portanto póde votar-se o artigo, salva a redacção.

Foi approvado o projecto, salva a redacção.

O sr. Presidente: - Passa-se ao projecto n.º 7, que vae ler-se.

É o seguinte:

Projecto do lei n.º 7

Senhores. - A commissão de fazenda examinou a proposta de lei n.° 12, apresentada pelo governo, que tem por fim acabar as isenções determinadas pela legislação actual na venda e remissão dos bens sujeitos á desamortização pelas leis de 4 de abril de 1861 e 22 de junho do 1866.
A isenção da contribuição do registo estabelecida no artigo 3.°, n.º 3.º, da lei do 30 de junho de 1860, em favor das subrogações de bens do corporações do mão morta, por titulos do divida fundada, era determinada pela conveniencia de promover a conversão voluntaria d'aquelles bens nos referidos titulos. Hoje porém que a desamortização é obrigatoria, em virtude das citadas leis de 4 de abril de 1861 e de 22 de junho do 1866, cessou a rasão da mencionada excepção. As corporações de mão morta devem por isso entrar no direito commum.

Quanto á isenção do imposto do sêllo em titulos do remissões e arrematações dos mesmos bens, tambem não ha fundamento plausível para conservar uma excepção de que não gosam as arrematações e remissões de bens nacionaes.

Aquella isenção foi de certo inspirada pela necessidade do facilitar a execução da primeira lei de desamortisação, quando grandes e persistentes reluctancias contrariavam a realisação d'aquella salutar providencia.

Felizmente essas resistencias desappareceram diante da incontestavel e demonstrada conveniencia d'aquella reforma, e a excepção do pagamento do imposto do sêllo deixou tambem de ser indispensavel á execução das leis de desamortisação.

Por estas rasões, e porque as urgencias do thesouro não consentem isenções tributarias que não sejam impostas por indeclinaveis consderações de conveniencia publica, é a vossa commissão de parecer que a proposta do governo deve ser convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º Fica revogado o n.º 3.° do artigo 3.º da lei de 30 de junho de 1860, na parte respectiva ás subrogações dos bens pertencentes a estabelecimentos publicos, corporações religiosas, irmandades, seminarios, colegiadas, cabidos e camaras municipaes, e quaesquer outros bens de mão morta.

Art. 2.° Os titulos de remissão e arrematação dos bens comprehendidos nas leis de 4 de abril de 1861 e 22 de junho de 1866 ficam sujeitos ao imposto de l por cento de sêllo, na conformidade da lei de 9 de maio de 1857.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, em 21 de maio de 1869.- Henrique de Macedo Pereira Coutinho = Anselmo José Braamcamp =

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Antonio Ribeiro da Costa e Almeida = Manuel Antonio de Seixas = João Rodrigues da Cunha Aragão Mascarenhas = Antonio Augusto Ferreira de Mello = Augusto Saraiva de Carvalho = José Luciano de Castro Pereira Côrte Real.

O sr. Dias Ferreira: - Voto o projecto que está em discussão. Desejo unicamente fazer uma pergunta ao sr. ministro da fazenda.

Este é o primeiro projecto de impostos sobre que a illustre commissão dou parecer, e que está sujeito ao exame e resolução da camara.

Reconheço a necessidade de crearmos receita. É impossível saldar completamente o orçamento e resolver a questão de fazenda, unicamente por meio de economias e deducções, por mais longe que vamos, caminho em que eu hei de acompanhar franca e desassombradamente o governo. É independentemente da necessidade de augmentar receita, ha uma divida sagrada contrahida pela situação actual, divida que eu contrahi, mas em que são muitos os comdevedores, e cujo pagamento se tem demorado, sem ser por culpa minha.

Eu quero ser completamente coherente nas minhas opiniões, e 1iquidar as minhas responsabilidades, e por isso tenho o maior desejo de que quanto antes se votem os impostos indispensaveis, pelo menos para supprir o desfalque que soffreu o thesouro com a revogação de uma medida de que se esperavam valiosos resultados.

Por este projecto de lei, se bem o comprehendo antes da explicação que tenciono pedir ao sr. ministro da fazenda, os bens pertencentes a corporações de mão morta soffrem a contribuição de registo e o imposto de l por cento do sêllo. V. exa. e a camara sabem que estes impostos recaem unicamente sobre o vendedor. O comprador, para calcular o preço que tem que dar pelas propriedades, ha de metter em linha de conta todas as despezas que tem a fazer. Segundo o modo como entendo o projecto, a deducção do capital, que passa para o thesouro com a contribuição de registo e sêllo sobre o preço das remissões e subrogações, á de 9,4 por cento, quer dizer, o thesouro aproveita de cada 1:000$000 réis, que pertence ás corporações, 94$000 réis. Conseguintemente, se estes bens renderem em praça, como eu calculei, 16.000:000$000 réis, ha uma deducção para o thesouro de 1500:0000$000 réis, que se tiram áquelles estabelecimentos.

Como já declarei, approvo o projecto, lembrando apenas ao sr. ministro da fazenda que seria talvez conveniente para o systema de s. exa. mão fallo no meu, ou na minha ordem de idéas), fazer uma excepção em relação aos bens da igreja, isto é, fazer uma excepção não só em relação aos bens pertencentes a corporações religiosas, desamortisados pela lei de 4 de abril de 1861, que creio não estão todos vendidos, mas mesmo com relação aos bens dos pessoaes, cuja desamortisação, que é já facultativa, tem de tornar-se obrigatoria, para o que s. exa. prometto, no relatorio que precede as suas medidas financeiras, trazer á camara a respectivas proposta de lei.

Dizia eu que na ordem de idéas de s. exa. seria conveniente fazer uma excepção com relação aos bens da igreja, porque esses bens são dignados para a dotação do clero o explendor do culto. Se ao sr. ministro da fazenda repugna aproveitar os bens da igreja para realisar qualquer expediente financeiro, porque os destina para um fim especial, não ha conveniencia nenhuma em fazer n''elles uma deducção importante a favor do thesouro, diminuindo assim os recursos com que se conta para a dotação do clero 3 explendor do culto.

Mas a pergunta, que eu desejava fazer ao sr. ministro da fazenda, é-me suscitada pela difficuldade de combinar esta proposta, que, na numeração das propostas de lei que s. exa. trouxe á camara, tem o n.º 12, com o artigo 3.º da proposta de lei n.º 11.

No artigo 3.° da proposta de lei n.° 11 diz-se que vogado o artigo 3.° da lei de 30 de junho de l860 -; por consequencia por esta proposta de lei fica revogado completamente o artigo 3.° da lei de 30 de junho. E na proposta de lei n.° 12, que está em discussão, diz-se que = é revogado o n.° 3.° do artigo 3.° da lei de 30 de junho de 1860, na parte, etc. =; de maneira que pela proposta de lei n.° 11 é revogado totalmente o artigo 3.° da lei de 30 de junho de 1860, e pela proposta n.° 12 é revogado em parte o que já estava revogado no todo. Poderá ser erro typographico, ou errada intelligencia da minha parte, mas fez-me uma certa impressão esta antinomia ou repetição de disposições, sobretudo com relação ao assumpto de que se trata. E custa realmente a comprehender como na proposta n.° 12, se revogava em parte o artigo 3.° da lei de 30 de junho de 1860, que na proposta n.° 11 se achava revogado.

É muito natural que s. exa. dê a este respeito explicações satisfactorias; mas quaesquer que sejam as explicações dadas pelo nobre ministro da fazenda, e meu amigo, eu concluo, como principiei, declarando a v. exa. e á camara que approvo sem a mais pequena emenda o projecto que está sujeito á apreciação parlamentar.

O sr. Ministro da Fazenda (Conde de Samodães): - Poucas palavras tenho a dizer em resposta ás breves reflexões que acaba de fazer o illustre deputado e meu particular amigo o sr. Dias Ferreira.

S. exa. disse que approvava este projecto sem alteração alguma, e por consequencia, visto que o illustre deputado não o combate, eu não tenho necessidade de responder a qualquer objecção que s. exa. fizesse, porque nem mesmo uma unica apresentou.

Disse porém o nobre deputado que, segundo a minha ordem de idéas, e segundo aquella que s. exa. apresentou quando foi ministro dos negocios da fazenda, eu devia fazer uma excepção com referencia aos bens da igreja, por isso que a minha idéa é aproveitar os bens da igreja para a dotação do clero e esplendor do culto. Effectivamente estas são as minhas idéas ha muito tempo, e já o eram na occasião mesmo em que o nobre deputado apresentou aqui o seu plano financeiro, em que tornava fundamental a proposta da desamortisação.

N'essa occasião eu, que apoiava francamente o ministerio da que s. exa. fazia parte, e até tinha a honra de exercer um alto logar de confiança do mesmo ministerio, tinha tenção de approvar a proposta do nobre deputado, então ministro, quando ella fosse á camara de que tenho a honra de fazer parte. Porém a minha idéa n'essa occasião era de que conviria só fizesse a desamortisação, e conviria que d'ella se tirassem os resultados financeiros que o nobre deputado esporava; comtudo a importancia que devia resultar d'aquella base, quer dizer, a transformação dos bens da igreja em titulos de divida fundada, deviam servir como base fundamental para a lei da dotação do clero. A proposta que o nobre deputado então apresentou não contrariava esta pensamento. (O sr. Dias Ferreira: - Apoiado.) E como não contrariava, por isso eu não me achava em desharmonia com o pensamento do governo, e a minha tenção era dar-lhe o meu apoio, esperando que o governo posteriormente apresentasse a lei da dotação do clero baseada principalmente n'aquelle fundo.

Com relação ás minhas idéas de hoje, são ainda as mesmas que eram então, e a questão é apenas em uma ordem inversa, uma ordem differente na maneira de proceder n'esta questão.

Eu não considero na actualidade que seja indispensavel perceber essa desamortisação para satisfazer ás necessidades financeiras do paiz; todavia aproveito a desamortisação dos bens que já estão desamortisados pelas leis anteriores, e apresentarei á camara uma proposta para a desamortisação dos passaes, ligando estas duas medidas com a questão principal que tenho em vista, que é a dotação do clero.

Eu considero que a dotação do clero é, não só indispensavel para a igreja, mas até conveniente, e muito, para o

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Estado. Eu entendo que, da maneira que o clero está hoje dotado, ha uma desigualdade completa, que faz com que o clero em geral não esteja bem dotado, ao passo que alguns membros d'elle estão altamente dotados (apoiados).

Ora esta grande desigualdade, que não tem nenhuma rasão de ser, inconveniente para a igreja, e mesmo para a classe respeitavel do clero (apoiados), é que eu desejo ver desapparecer por meio de uma lei que o governo tentenção de apresentar á camara.

D'aqui resulta, não só poder dotar-se melhor esta classe, mas aproveitar-se o imposto das congruas, que é desigual, para outros serviços, que precisam ser dotados convenientemente.

É sabido, e o illustre deputado não o ignora, que ha muitas localidades que estuo oneradissimas com o imposto das congruas, ao passo que outras estão completamente alliviadas (apoiados). Esta grande desigualdade desejo ver desapparecer, mas desejo vê la desapparecer, não só com vantagem e commodidade dos contribuintes, mas tambem com vantagem para a organisação da fazenda publica e outros serviços.

A reflexão que o illustre deputado apresentou, de que eu devia fazer uma excepção com relação aos bens das igrejas, não me parece procedente, por isso que, se são exactos os calculos que o illustre deputado apresentou, e a que já se referiu em outra epocha, de que os bens que estão por desamortisar, ou que se podem desamortisar, chegam á somma que indicou, esperando que na praça subissem a quantia superior, o que se segue é que, a despeito do imposto que se lança agora sobre estes bens, ainda assim fica uma somma sufficiente para inverter em inscripções para o fim que tenho em vista, que é a dotação do clero.

Mas se por acaso acontecer que ella não seja sufficiente, como isto depende de uma lei, de certo que nem o governo nem o parlamento ha de deixar o clero sem dotação, e então a differença será paga pelo thesouro.

Nós sabemos que ainda hoje onera o orçamento do estado uma somma importante que se gasta com o clero, e gasta-se uma somma importante, não só para a dotação dos prelados diocesanos, mas alem disso para a dotação do clero das ilhas. A vantagem que eu considero n'este systema será em alliviar o orçamento de todas estas verbas, e fazer sair as sommas necessarias, para estes funccionarios ecclesiasticos, do fundo commum, que desejo estabelecer para a dotação completa do clero. Logo não me parece que seja necessario fazer a excepção lembrada, na occasião de estabelecer este imposto, com referencia aos bens da igreja, porque considero que o que fica será sufficiente para a dotação completa do clero, e quando não chege a lei proverá.

Agora referir me-hei á segunda parte das observações do illustre deputado. S. exa. considera que ha uma certa autonomia entre a proposta de lei da contribuição do registo e a proposta para a outra contribuição. Não ha essa autonomia. A proposta de que se trata é uma proposta especialissima; dis unicamente respeito aos bens comprehendidos n'esta classe, ao passo que a outra é uma disposição mais generica, porque o governo, n'um dos artigos d'ella, pede auctorisação para codificar novamente a legislação relativa á contribuição de registo.

Não ha aqui antinomia nenhuma, por isso que esta proposta, sendo votada pela camara, ha de ser incluida na codificação. Como é uma medida para este fim especial, e póde desde já começar a produzir receita, entendi que devia apresenta-la separadamente, a fim de levantar menos opposição, menos attritos, poder passar com maior brevidade, e ser posta em execução desde já.

E tanto eu esperava isto, que dei instrucções no ministerio a meu cargo, á direcção completente, a dos proprios nacionaes, para que não se apressasse a desamortisação dos bens que as leis mandam desamortisar, á espera de que o parlamento approvasse ou rejeitasse esta medida.

Estando o thesouro em circumstancias tão precarias como está, embora não sejam desesperadas... Eu já fui accusado de desesperar completamente da organisação das finanças; porém não desespero, e tanto que tive a honra de apresentar um systema pelo qual me parece que se hão de organisar... Mas, estando o thesouro em circumstancias precarias, que devem dar cuidado, entendo que quanto antes devemos aproveitar todas as fontes de receita; e, como esta medida é d'aquellas que podem dar um resultado avultado, e tal que o illustre deputado o avaliou em uma somma bastantemente consideravel, resolvi destaca Ia da outra, e fazer com que se decidisse de preferencia a ella e com a maior brevidade possivel.
É certo que podia ser incluída na medida geral sobre a contribuição de registo; mas eu, prevendo que essa medida havia de levantar uma discussão mais ampla, e suscitar maiores dificuldades, e mais opposição, entendi que não convinha prejudica-la, envolvendo a na outra.

São estas as rasões que me levaram a propor uma lei especial sobre este assumpto.

E não me parece, como já disse, que esta proposta esteja em antinomia com a outra proposta, que tem proporções mais latas, e que necessariamente ha ser discutida mais amplamente.

Respondendo assim ás objecções que o illustre deputado apresentou, supponho que tenho satisfeito.

O sr. Dias Ferreira: - Todas as minhas duvidas a respeito da falta de concordancia das duas propostas de lei se desvaneceram depois das explicações claras do illustre ministro da fazenda.

A proposta que está em discussão não é mais do que a repetição do que está decretado na proposta que a antecede. Não ha contradicção, ha apenas repetição de doutrinas. Não sei se o illustre ministro da fazenda julgou ver nas minhas palavras alguma censura na excepção que lhe lembrava para os bens da igreja, segundo a sua ordem de idéas. Não foi esse de certo o meu intuito. Eu tambem apresentei urna proposta de desamortisação as côrtes, que chegou a ser votada na generalidade n'esta assembléa, que não era incompatível com a dotação do clero, nem com a execução de qualquer das medidas que o sr. ministro propoz agora. Conheço as idéas do nobre ministro, porque já cm 1808 tive o gosto de ler em um jornal do Porto excellentes artigos devidos á penna do s. exa., explicando o modo por que a medida do desamortisação. que eu apresentava ás côrtes, podia sor applicada nos seus resultados á dotação do clero.

E devo aproveitar esta occasião para dar a s. exa. um testemunho de reconhecimento pelos serviços relevantes que prestou á administração de que eu fiz parte, e pela dedicação com que serviu sempre esse governo, sendo tambem por elle honrado com a consideração e confiança de que o illustre ministro é digno.

Approvo muitas das idéas que o sr. ministro da fazenda emittiu no seu discurso. S. exa. envolveu-se em largas considerações ácerca de assumptos em que eu não tinha entrado, fazendo especial menção da dotação do clero; eu sem entrar n'esses assumptos, que não quero discutir agora, sempre direi de passagem sobre a questão da dotação do clero, que ha de levantar grandes divergencias, não só nas assembléas politicas, mas na opinião publica, e a cujo respeito tenho as minhas idéas fixadas, que não creio que a dotação do clero se possa fazer convenientemente sem ao mesmo tempo se proceder á circumscripção parochial e administrativa (apoiados). Não quero antecipar a discussão, mas devo dizer que não julgo que se possa desligar facilmente a dotação da parochia da do município e da do thesouro, e separar a dotação financeira da organisação administrativa.
Se a camara e uma parte da opinião estão persuadidas de que ha de ser só o ministro da fazenda, qualquer que seja o gabinete que esteja á frente dos negocios, que ha de resolver a questão da fazenda, estão enganados. É neces-

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saria para a organisação da fazenda a cooperação de todos os ministros, e para a organisação administrativa a cooperação especial dos ministros da fazenda, reino e justiça (apoiados). Quem se persuadir de que o ministro da fazenda, por mais rectas que sejam as suas intenções, por mais alta que seja a sua intelligencia, e por mais forte que seja a sua vontade, ha de só por si salvar a fazenda publica, está enganado. Não o deixem só, que os seus bons desejos hão de naufragar diante das difficuldades.

Recordo-me de um dito que na sessão passada proferiu n'esta casa um dos oradores mais amenos e espirituosos d'esta assembléa, que está presente e que eu gosto sempre de ouvir...

Uma voz: - Quem é?

O Orador: - E o sr. Carlos Bento, que dizia que não se considerasse a questão de fazenda como questão municipal do sr. ministro da fazenda, (riso).

Eu chamo a attenção dos srs. ministros para este ponto, porque creio que uma parte da opinião são tem idéas muito exactas sobre o modo de resolver as dificuldades que nos assoberbam. Vejo que quasi todos voltam unicamente as suas attenções para o ministro da fazenda, sem instarem nem perguntarem pelos projectos dos outros ministros.

Estou persuadido de que as medidas mais importantes do sr. ministro da fazenda não hão de produzir os effeitos esperados, se essas medidas e essas reformas não forem acompanhadas de outras apresentadas pelos diversos ministerios, e se sobretudo se não tratar da questão de administração.

Hão estas as explicações que tenho a dar, e quando for occasião opportuna farei mais largas considerações sobre o assumpto.

O sr. J. T. Lobo d'Avila: - Approvo este projecto, e todavia fui levado a pedir a palavra por algumas considerações feitas pelo sr. ministro da fazenda.

Parece-me que este projecto é um meio muito aceitavel de augmentar a receita publica, e, nas circunstancias em que nos achâmos collocados, entendo que não podemos desprezar meio nenhum racional e aproveitavel de melhorar a nossa situação financeira, augmentando a§ receitas do estado.

Portanto não rejeito o projecto. Mas, s. exa. disse, a proposito d'esta questão, que tencionava apresentar a proposta de lei de desamortização ligada com a questão da dotação do clero; e comquanto eu não queira discutir agora esta gravissima questão, que ha de naturalmente occupar a attenção da camara, quando se apresentar a proposta de lei a que se referiu o sr. ministro da fazenda, todavia não posso deixar de dizer desde já alguma couta a esta respeito.

Eu approvo os principios enunciados pelo sr. ministro da fazenda, e que eu mesmo já tive occasião de aqui oferecer á attenção da assembléa, a respeito da necessidade de acabar com a desigualdade que existe em todo o clero na questão dos vencimentos.

É certo que ha passaes muitissimo rendosos, e outros muito menos productivos. Ha freguezias que estão sobrecarregadas com grandes congruas, e outras que estão muito alliviadas d'esse encargo; e é portanto de absoluta indispensabilidade acabar, não só com a desigualdade que existe entre as quantias com que cada individuo concorre para a dotação do clero, mas tambem com a desigualdade que ha entre os membros do clero, emquanto aos vencimentos que cada um usufrue.

Portanto estou de accordo com este pensamento; mas não se segue d'aqui que eu entenda que a dotação do clero deve vir para o orçamento do estado; são duas questões inteiramente diversas.

Eu entendo que se devem desamortisar todos os bens que actualmente constituem a dotação do clero; que do producto d'esses bens convertidos em inscripções se deve fazer urna distribuição equitativa e justa pelos diversos membros do clero; e finalmente, que a parte que a cada um d'elles faltar para completar o vencimento, deve ser dada pelas congruas pagas pelos seus parochianos, e não como um imposto geral do estado descripto no orçamento. Por outras palavras. Eu entendo que o estado se não deve apropriar d'esses bens e descrever no orçamento a verba necessaria para a dotação do clero; mas que pelo contrario deve haver tambem n'este ponto uma completa descentralisação.

E por esta occasião devo dizer que estou completamente de accordo com as idéas do meu illustre amigo, o sr. Dias Ferreira, quando s. exa. diz que a questão de fazenda não se póde resolver isoladamente. A questão de fazenda está essencialmente ligada com todas as questões de administração geral do estado, e não póde caminhar isoladamente; e entre essas questões, uma das que mais prende com a de fazenda e a da descentralisação, pensamento altamente racional, quando for bem e devidamente seguido, e que se resume a carregar no orçamento do districto e do municipio todas as despezas que são proprias d'essas divisões de territorio, a fim de que ellas não figurem no orçamento geral do estado.
Mas, ao mesmo tempo que se lançam estes onus para as localidades, é preciso dar-lhes attribuições para que ellas possam exercer a sua acção e actividade dentro da esphera legal. É preciso dar vida ao municipio e ao districto, e é necessario alliviar o orçamento do estado d'aquellas verbas que dizem respeito á vida propria do districto e do municipio, que devem ser entregues á localidade.

Já se vê portanto que não posso approvar a idéa de inserir no orçamento do estado uma verba importante para a dotação do clero, pelo contrario entendo que se deve estabelecer a divisão a que só referiu o sr. Dias Ferreira, a conveniente divisão administrativa e ecclesiastica, que é a base de tudo, porque é necessario graduar as freguezias e ver aquellas que têem ou não para viver. N'isso póde-se ser mais latitudinario do que na questão dos concelhos. Mas, repito, é necessario proceder a isto, porque a distribuição do producto da desamortisação de todos esses bens e direitos parochiaes deve ser feita n'uma certa proporção em referencia á importancia do serviço de cada uma d'essas freguesias, e o que for necessario para completar o vencimento deve ser fornecido pelas congruas, porque não desejo de modo algum onerar o orçamento do estado; reputo isso altamente inconveniente nas circumstancias em que nos achâmos, e debaixo do ponto de vista financeiro, porque devemos quanto possivel fazer desapparecer as despezas do orçamento, em logar de por outro lado lhe augmentar outras, que não são proprias do estado.

Concordo com s. exa. É necessario eliminar do orçamento as despezas que se estão fazendo com o clero das ilhas. É uma verba importante. Distribuidos os productos da desamortização na devida proporção, e estabelecido que o pagamento do que for necessario para completar o vencimento seja supprido pelas congruas, deve desapparecer do orçamento essa verba importante de mais de cento e tantos de reis; e devem tambem desapparecer muitos ordenados que se estão pagando ás primeiras dignidades da igreja. Deve estabelecer-se um ordenado fixo para todos os bispos, na mesma importancia, sem se attender aos rendimentos proprios que têem, porque póde avultar consideravelmente em algumas localidades, e n'outras será muito insignificante, o que estabelece uma grave desigualdade.

Muitos d'esses rendimentos hão de permittir que se elimine do orçamento a verba que se destina para muitas altas dignidades ecclesiasticas, porque hão de ter nos rendimentos proprios bastante para poderem viver conservando o esplendor do culto, sem ser necessario incluir uma verba no orçamento do estado.

Resumindo agora as minhas idéas, declaro que approvo a desamortização dos passaes, e sinto que s. exa. julgasse que devia inverter a ordem, que me parece a mais natural

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das cousas; isto é, entendo que era mais conveniente que s. exa. recorresse primeiro á desamortisação do que ao emprestimo, porque me parece que era um meio para se poder mais facilmente obter o emprestimo em melhores condições; e teria sido isso mais conveniente para os interesses publicos.

Nós em tempo competente havemos de tratar mais largamente esta questão, mas quiz desde já explicar as minhas idéas a este respeito.

São estas as observações que tinha a fazer.

O sr. Santos e Silva: - Na serie de propostas sobre imposto, apresentadas pelo nobre ministro da fazenda, vejo eu, que s. exa. trata sempre de especificar quaes são aquellas contribuições em que não recáe o imposto de viação.

As subrogações respectivas a bens desamortisados pela vigente legislação, creio que ficam sujeitas ao imposto de viação, o qual terá de recair sobre a contribuição de registo que por este projecto lhes é lançada. Supponho ser este o pensamento do governo, apesar de não ser explicito, no projecto que está em discussão.

Perguntaria ao nobre ministro se se fica effectivamente entendendo, que o imposto de viação recáe sobre esta contribuição, que s. exa. pretende lançar sobre os bens desamortisados, mas por vender ou remir. Para mim é ponto de fé que recáe.

O sr. Ministro da Fazenda: - Os 40 porcento são lançados sobre 6 por cento, o que dá um resultado, como muito bem calculou o sr. Dias Ferreira, de 9,4.

O Orador:- Dou os parabens ao sr. ministro da fazenda, e ao paiz, por ver que já não se considera roubo ou expoliação o que se tira pelo seu projecto ás corporações.

O anno passado apresentou-se aqui uma proposta, que foi convertida em projecto, mas que não chegou a ser lei, para serem vendidos por conta do estado os bens desamortisados pelas leis de 4 de abril de 1861 e 22 de junho de 1866.

A venda era feita por conta do estado, que fornecia ás corporações inscripções no valor de 50 por cento.

Tive a honra de ser relator d'esse projecto, e feitos os calculos creio que, suppondo as inscripções a 40 por cento, o estado lucrava 20 por cento sobre o capital real, e 1,5 por cento sobre o juro.

Agora este projecto tira 50 por cento d'essa quantia, numeros redondos. Dou os parabens ao governo, repito, á nação, e aos illustres deputados que fizeram parte da camara dissolvida, e que não se conformaram com o projecto do anno passado, cm horror ás expoliações, por terem modificado as suas opiniões, e por estarem de accordo commigo e comos que defendiam as idéas do ministerio transacto.

Mas adoptando a doutrina que o sr. ministro do reino nos exhibiu aqui accidentalmente a proposito do bill, direi que o roubo é sempre roubo, embora os valores roubados cresçam ou diminuam.

S. exa. disse-nos: «Nós somos criminosos, porque assumimos funcções legislativas, o a questão de as termos assumido em maior ou menor escala não lhes tira o caracter de crime. A pena é que póde ser modificada, mas o crime é sempre crime».

Eu, applicando a theoria do sr. ministro do reino a esta questão, direi-o roubo é sempre roubo, e se era roubo o que o governo do anno passado pretendia tirar ás corporações, tambem agora é roubo o que o actual governo deseja cercear aos seus capitães. E se não é roubo o expediente a que hoje se recorre, tambem não era expoliador o projecto do anno passado.

Dou os parabens a mim mesmo por ter sido absolvido dos meus crimes, não só pelo actual governo, mas pelos illustres deputados da camara dissolvida, e que o são hoje d'esta, os quaes creio dispostos a votar este projecto, muito embora fossem adversos ao que aqui foi presente o anno passado, e que eu tive a honra de relatar. Expoliadores e não expoliadores são hoje todos da mesma opinião. Ainda bem. A minha consciencia ficará d'aqui por diante tranquilla, e tranquillas devem ficar as d'aquelles que foram o anno passado da minha opinião.

O governo do anno passado lucrava 20 por cento sobre o capital e 1,5 por cento sobre o juro, o actual lucra metade d'essa quantia. Por consequencia bom e que se modificassem as opiniões a este respeito, e que todos façamos justiça uns aos outros, para ficarmos considerados perante a historia como homens de bem, e não como expoliadores.

O sr. Ministro da Fazenda: - Eu não estava aqui o anno passado.

O Orador: - Bem sei, e tanto eu não censuro a s. exa., que estou dando os parabens ao governo, porque 20 o nobre ministro se sentasse n'essa cadeira doze mezes antes, teria passado até hoje por um grande criminoso, por ter pretendido expoliar de 20 por cento as corporações.

Está pois o nobre ministro livre do affrontoso epitheto de expoliador, pelo simples facto de ter vindo um armo mais tarde ao poder. Creio ser caso de parabens. A nação conseguiu qee alguns dos seus representantes, que o anno passado não sympathisavam com os horrores da expoliação, modificassem as suas opiniões com a acção benefica do tempo, e que achem justo e santo o que ha doze mezes era uma immoralidade e uma expoliação.

E tambem caso de dar os meus parabens á nação. Era este o meu fim. e só me resta dizer, que approvo este projecto, como approvei o do anno passado, que tinha bem maior alcance e significação.

O Luciano de Castro: - Pouco tenho a dizer, porque os illustres deputados que têem tomado parte na discussão creio que concordam todos com este projecto. Vou portanto limitar-me a responder a uma pequena observação que fez o sr. José Dias Ferreira. O sr. ministro da fazenda já deu explicações sobre o mesmo objecto, mas eu, por parte da commissão, não posso deixar de dizer tambem alguma cousa.

Esta proposta é especial. Havia grande urgencia para a apresentar á camara, porque estando quasi suspensa a desamortisação á espera que o parlamento approvasse esta proposta, facil é de comprehender a conveniencia, de não ligar a qualquer outra proposta de lei. A repetição, que o illustre deputado argue, desapparece desde que no projecto de lei sobre a contribuição de registo se supprima o n.º 2.º da lei de 30 de junho de 1860.

Portanto parece-me que não póde haver dificuldade em que a camara approve este artigo.

Com respeito a outras observações do illustre deputado, parece-me que não é este o logar proprio de as discutir, porque n'esta occasião trata-se apenas de applicar a lei commum ás corporações que tinham o privilegio, que agora se vae acabar. Este privilegio não deve continuar, porque não ha rasão que o justifique. Estes bens deviam estar sujeitos a pagar imposto como todos os outros, mas por considerações conveniencia publica foram exceptuados; desde que essas considerações desappareceram, não ha rasão que auctorise este privilegio.

Em outro tempo fallava-se com horror em descentralisação. Depois esta idéa foi-se generalisando, e agora já todos fallam desassombradamente em descentralisar os seus viços e as despezas publicas. Pois eu de ha muito tempo entendo que o unico e o mais poderoso meio de organisar as nossas finanças está na applicação larga, mas sensata, d'aquelle fecundo principio. E como fallámos n'este assumpto, e a proposito d'este projecto, permitta-me ainda a camara que eu diga, que não só entendo que os bens, que estão por desamortisar, devem ser sujeitos ao imposto de registo, mas até me parece, que as inscripções em que se convertem esses bens, podem ainda soffrer um imposto, ainda que moderado. Em França, como todos sabem, ha o imposto denominado de mão morta, que ali se justifica por ser uma compensação pela falta de pagamento de outros impostos.
Não vejo que haja rasão para que as inscripções em que

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se convertem aquelles bens, que estão averbados com a nota de inamoviveis, que não vão ao mercado, que não podem portanto influir na circulação, deixem de estar sujeitas ao imposto que pagam todos os outros bens. A obrigação do imposto é geral para todos; para as corporações como para os individuos: e quando o estado está em tão apuradas circumstancias, não ha fundamento plausivel para que estejamos a exceptuar, com prejuizo do thesouro, as corporações, alliviando-as de pagar aquillo a que todos os cidadãos estão sujeitos.
Volto ao projecto.

Em materia de imposto, protesto contra todas as excepções, e parece me que a camara deve, de boa vontade, e com sincero convencimento de que auxilia o remedio das nossas difficuldades financeiras, approvar este projecto, que não faz mais do que trazer para a lei commum corporações que d'ella andavam afastadas por meio de um privilegio que nada justifica.

Devo tambem dizer duas palavras sobre o imposto do sêllo.

As cartas de remissão e arrematação d'estes bens não pagam imposto de sêllo, emquanto que o pagam as cartas de remissão e arrematação dos bens do estado. Ora, não havia rasão nenhuma para que o estado deixasse de cobrar o imposto do sêllo pelas cartas de remissão e arrematação dos bens das corporações de mão morta, bens que não são seus, emquanto as cartas de remissão e arrematação de bens proprios do estado não estão exceptuadas d'esse imposto. Acaba pois esta excepção, e as cartas de remissão e arrematação d'estes bens das corporações vem para a lei commum.

Emquanto ás observações que ss. exas. fizeram sobre a questão financeira, direi que estou completamente de accordo com a maior parte d'ellas, e sobretudo com o que disse o illustre deputado, o sr. Dias Ferreira. S. exa. fez algumas considerações, que eu não posso deixar de approvar com enthusiasmo, porque ha muito tempo é convicção minha que a questão de fazenda não a resolve só o ministro da fazenda; resolvem-n'a todos os ministros (apoiados). É necessario que todos os ministros, desde o da guerra até ao da justiça, collaborem com o da fazenda na resolução do problema financeiro.

A questão de fazenda resolve-se, no meu modo de ver, descentralizando para a industria particular e para os corpos municipaes, não só encargos, mas tambem direitos e prerogativas (apoiados). É necessario chamar o paiz á vida local, promovendo o desenvolvimento d'esta por todos os modos possiveis. Desta fórma não só incitâmos o desenvolvimento da vida local, mas chamâmos o paiz a conhecer da applicação immediata e proxima dos seus dinheiros, porque os tributos que o paiz paga são, por assim dizer, applicados ao pé da porta de cada cidadão; e alliviâmos ao mesmo tempo o orçamento do estado de grandes encargos que sobre elle pesam.

Peço licença para citar um exemplo do que póde produzir, em materia de fazenda, a descentralisação financeira; e fallo n'este ponto, porque a camara tem de occupar-se brevemente de uma proposta de lei sobre contribuição predial, e talvez n'essa occasião as minhas observações tivessem mais algum cabimento; mas emfim vou antecipando essas observações.

Para a annullação da contribuição predial por sinistro, cabe recurso para o ministerio da fazenda. Em França faz-se isto por outro processo, aliás mais rapido. E o prefeito quem faz annullar as verbas que são applicadas aos predios, que as não podem supportar em consequencia de qualquer sinistro.

Ora, se nós attribuissemos ao delegado do thesouro esta parte do serviço publico, imagine a camara que trabalho immenso não deixava de pesar sobre o ministerio da fazenda.

Actualmente entre nós são permittidos recursos por falta absoluta de fundamento para se lançarem as contribuições.

Estes recursos são para o ministerio da fazenda. Em França não é assim. Ali é o conselho da prefeitura quem annulla, depois de se informar convenientemente, a contribuição indevidamente lançada.

Imagine a camara, se nós fizessemos com que estes recursos deixassem de estar dependentes do ministerio da fazenda, se fosse o governador civil, em conselho de districto, quem os resolvesse, que immenso trabalho não deixava de pesar sobre aquelle ministerio.

Este serviço, pesando sobre o ministerio da fazenda, e onerosissimo, porque requer muitos empregados, muito tempo e muito dinheiro; mas, se for distribuido por todos os districtos, cabe a cada um tão pequena parcella, que v. exa. e a camara comprehendem que não corresponde ao trabalho e á despeza actual do ministerio da fazenda.

Citei estes dois exemplos porque, estando a discorrer sobre o modo mais facil de resolver a questão de fazenda, me pareceu que elles podem convencer a camara e o paiz de que o principio da descentralisação, applicado á administração financeira, póde dar grandes resultados no sentido de conseguirmos o fim que todos desejâmos.

Concordo perfeitamente com o sr. José Dias Ferreira, em que é necessario tratar de uma larga reforma administrativa, e, quando digo larga, não quero dizer que se deva refundir completamente. o actual systema administrativo.

Entendo que no systema actua! lemos muito que aproveitar, ainda que careça talvez de modificações, e creio por isso quo é melhor conservar o que é aproveitavel, com as correcções que se devem fazer, reformando só o que não for conveniente, do que refundir completamente tudo.

Entendo que é necessario fazer uma reforma administrativa n'este sentido, e estou por isso de accordo com s. exa. Só lamento que o illustre deputado fosse dos que concorreram para que se revogasse a ultima reforma que se fez, a qual, depois das correcções que se lhe fizeram na camara e que foram aceitas pelo governo, podia ser recebida pelo paiz, porque fazia uma proveitosa revolução na administração do paiz. (O sr. Alves Matheus: - Apoiado.)

Lamento que o sr. Dias Ferreira, que deseja a reforma administrativa como preliminar necessario para a reforma financeira, fosse exactamente o mesmo que assignou o decreto que revogou aquella reforma (O sr. Dias Ferreira:- Peço a palavra.), sem depois a substituir por outra, quando apresentou as suas propostas financeiras.

Se não tivesse sido revogada a reforma, que aliás s. exa. reputa indispensavel para a resolução da questão financeira, imaginemos com estaria adiantada hoje a organisação da fazenda. Se a reforma tivesse sido posta em vigor tinha já produzido os seus resultados, e a reforma financeira estava de certo largamente adiantada.

Não discuto a reforma administrativa, não digo que ella era boa ou que era má. Só digo que lamento que, depois de ter sido lei do estado, fosse revogada sem ser substituida, porque se outro alvitre se houvesse seguido, teriamos, segundo o pensar do illustre deputado, dado largos passos no caminho da nossa regeneração financeira (apoiados).

O sr. Dias Ferreira (sobre a ordem): - Antes de ler a minha moção de ordem, permittam me v. exa. e a camara que eu foça algumas reflexões.
O sr. relator da commissão, sem provocação nenhuma, fez-me uma allusão, a que eu careço de responder (apoiados). Eu, que não quero irritar os debates, e desejo de mais a mais não antecipar a discussão, que deve ser reservada para o seu logar opportuno, nem trazer para o debate questões que não venham a proposito; eu, que não reconheço interesse nem necessidade nenhuma em resuscitar paixões que estão adormecidas, e que, se porventura voltarem á tela parlamentar, podem perturbar a boa ordem e a harmonia que deve haver em nossos trabalhos (apoiados); devo, todavia, no exercicio legitimo do meu direito de defeza, responder como entendo a qualquer allusão que se me faça, e á aggressão que me fez o illustre deputado, e

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que me obriga a uma replica, e replica tanto mais forte da minha parte, quanto me assiste toda a justiça n'este ponto.

(O sr. Luciano de Castro: - Peço a palavra.)

Eu revoguei a lei da administração civil em dictadura com os meus collegas; mas não preciso, para cobrir a minha responsabilidade por este acto, nem de invocar a solidariedade que, como ministro, tinha com os meus collegas, nem de appellar para a approvação com que esse acto foi recebido pelo paiz. Tomo sobre mim só toda a responsabilidade por ter revogado a lei de administração civil.

Não quero discutir agora a lei de administração civil; mas o que é certo é que os cavalheiros, que foram membros d'esta camara na legislatura que findou em 1868, sabem que eu aggredi, com toda a vehemencia de que sou capaz, aquella medida em muitos pontos, nas disposições de administração, e especialmente nas relativas a liberdades municipaes, e que me não levantei contra ella unicamente quando a divisão de territorio prejudicou os interesses das localidades (apoiados).

E tive muita satisfação em que n'essa occasião me coadjuvasse, com o valioso auxilio da sua intelligencia, o sr. José Luciano de Castro. S. exa. voltou se para o sr. Mártens Ferrão, então ministro do reino, e disse-lhe que a sua medida era uma provocação aos sentimentos liberaes do paiz. E agora volta-se contra quem revogou uma medida que significava uma provocação aos sentimentos liberaes do paiz, e que merecia senão applausos e louvores da parte d'aquelles que viam offendidas com essa medida as liberdades publicas, pelo menos uma amnistia em relação ao acto que praticou (apoiados).

Eu combati a medida que revoguei, e combati-a a todo o transe. Mas não quero, como disse a v. exa., resuscitar o debate sobre a reforma administrativa, nem repetir o que disso por essa occasião. Os meus desejos, como deputado, eram que a medida não tivesse passado na camara; fiz para isso todos os esforços, todos os sacrificios, propuz diversas emendas, diversas modificações; mas não me foi possivel obter que as minhas idéas triumphassem, e acatei a decisão da maioria parlamentar.
Pouco tempo depois era eu chamado aos conselhos da coroa, e com os meus collegas fiz trazer aqui uma proposta para sermos auctorisados, não a declarar sem effeito em todas as suas disposições a lei da administração civil, onde nós viamos muitas providencias importantes, que eu havia reconhecido como taes, mas unicamente a rever essa lei e alterar o que n'ella houvesse de defeituoso.

Sabe v. exa. o que nos responderam n'esta casa? Propozeram, inclusivamente membros da commissão que a tinha approvado, a suspensão prompta da lei; e não queriam auctorisar o governo para que podasse melhora-la e reforma-la! (Apoiados).

Eu, que tinha combatido a todo o transe aquella medida, queria ver se salvava as disposições importantes d'ella; muitos cavalheiros que a tinham votado, na melhor intenção, e que fizeram parto da commissão de administração, se não na maioria, que não encontro agora o parecer, mas alguns nomes, aliás muito respeitaveis e conscienciosos, propozeram a sua suspensão.

Eu vou ler os nomes destes cavalheiros (leu).

Não quero fazer censura a nenhum d'estes cavalheiros que, apesar de terem votado a lei, propunham a suspensão completa, quando eu, como ministro, queria aproveitar na reforma as disposições que fossem rasoavelmente aproveitaveis, e trazia uma proposta n'este sentido. Mas quero defender-me, porque o direito de defeza é permittido a todos, sobretudo n'estas circumstancias (apoiados).

Portanto foi revogada a lei de administração; e eu declaro bem alto a v. exa. e á camara que não invoco, para me fazer companhia n'este ponto, ninguem; posso sósinho com a responsabilidade da revogação; não invoco a solidariedade dos meus collegas, nem a auctoridade dos cavalheiros cujos nomes li á camara, nem o applauso com que a medida foi recebida no paiz inteiro. Devo apenas acrescentar, em resposta ao illustre deputado que fallou, que esta medida mesmo não estava ainda em execução em toda a parte quando foi revogada, havia muitas municipalidades que se tinham recusado a entregar os cartorios. Não eram aquellas circumstancias propicias, não era aquella monção favoravel para o governo usar de medidas rigorosas, fazendo executar a todo o custo providencias que não eram bem aceitas pelo paiz.

A responsabilidade dos governos ha de avaliar-se pelas circumstancias em que se acham durante a sua administração.

Quando o governo, de que tive a honra de fazer parte, trouxe a esta casa uma proposta para se lhe conceder o bill de indemnidade pelas providencias que tinha tomado cm dictadura, esta foi approvada pela quasi totalidade da camara, tendo contra si só oito votos, pertencendo a essa camara talvez a maior parte dos cavalheiros de quem tenho a honra de ser hoje collega (apoiados).

Porém, repito, que não preciso associar ninguem á minha responsabilidade n'esta parte. Mas confesso que aceito todas as consequencias d'esta responsabilidade. O governo que tomava esta medida de dictadura, que revogava providencias importantes que tinham sido votadas por uma grande maioria nas duas casas do parlamento, contrahia n'esse mesmo momento a responsabilidade de substituir todas essas providencias. Preparavamos cuidadosamente todos esses trabalhos, mas no curto periodo de tres mezes, que precedeu a abertura das côrtes, aliás cheio de embaraços por difficuldades financeiras e de ordem publica, occupámo-nos do que era mais urgente acudir á divida fluctuante, e substituir a receita de que tinha sido privado o thesouro pela revogação da lei que creava o imposto geral de consumo.

Mas os nossos esforços não furam devidamente apreciados, e foi-nos intimado o mandado de despejo por não termos salvo o paiz em tres mezes!
Substituiram-nos cavalheiros de reconhecida illustração, que gerem ha dez mezes os negocios publicos, e a opinião, a imprensa e a camara desculpam-os de fazerem o que deviam por falta de tempo!

Para nós todo o rigor. Para estes toda a benevolencia. Em occasião opportuna eu discutirei largamente este assumpto. Emquanto destrui fui applaudido e festejado pelo paiz inteiro. Tratei de edificar, não via em volta de mim senão difficuldades, e principalmente da parte d'aquelles que tinham approvado a demolição.

Tratei de fazer as reducções que eram possiveis, e nós veremos mais tarde, quando essa questão vier á discussão, se na pasta que geri se fizeram posteriormente mais reformas do que aquellas que apresentei á camara. Nós discutiremos opportunamente esse ponto.

Cheguei a ser injuriado n'esta casa, porque as minhas principaes medidas eram um grande emprestimo, e a resolução da questão do caminho de ferro de sueste. Já estão n'esta casa apresentadas por estes ministros aquellas duas medidas, e aggravadas!

A desamortização obrigatoria dos passaes era um escolho, que difficilmente poderiamos atravessar. Já está promettida essa medida pelo sr. ministro da fazenda!

As medidas tributarias que eu apresentei á camara ahi estão já todas, e mais aggravadas!

Sr. presidente, recebo como lição valiosa para o homem publico a sentença que me condemnou por em tres mezes não ter salvado o paiz, e associo-me á benevolencia com que os mesmos julgadores desculpam o actual governo, por não ter feito em dez mezes o que devia, por falta de tempo.

Tenho dito.

O sr. Carlos Bento (sobre a ordem): - Pedi a palavra sobre a ordem, para mandar para a mesa a seguinte proposta (leu).

Eu sou d'aquelles a quem a fraca intelligencia que pos-

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suem não permitte occuparem-se ao mesmo tempo de variados e importantes assumptos, quando se trata de um projecto que reclama completamente a nossa attenção; e com isto creio que não vou prejudicar o direito d'aquelles que se julguem offendidos por qualquer accusação que lhes seja feita, usando d'elle em desaggravo pessoal.

Limitando me ao projecto que está em discussão declaro que voto este projecto, mas que o voto recommendando completamente ao sr. ministro da fazenda, que tenha o cuidado de que a disposição votada não vá prejudicar o pensamento da desamortisação, que o illustre ministro tem e que nós todos temos.

É verdade que a desamortisação está decretada. É verdade que se diz n'este projecto, que este imposto recáe sobre um facto obrigatorio; mas é certo que essa desamortisação obrigatoria está dependente dos inventarios que, se não estão completos a respeito de todos os bens sobre os quaes se deve verificar a desamortisação, não é á falta de mais de um governo haver tomado medidas importantes para facilitar e activar a sua conclusão.

Se nós formos comprehender na desamortisação d'esses bens mais um lançamento de imposto, será isso um estimulo que servirá para que se terminem estes inventarios, que, por mais difficeis que sejam, são necessarios para a execução da legislação actual, em relação á desamortisação decretada.

Supponho que é um facto muito importante, para o actual ministro da fazenda, e para todos os ministros da fazenda que se acham em circunstancias como se encontra o actual, haver uma procura que attenue um pouco o mau effeito da muita offerta que ha de titulos de divida fundada no mercado.

Acho conveniente que s. exa. informe a camara das difficuldades que encontra na conclusão dos trabalhos sobre o inventario dos bens sujeitos á desamortisação. Mais de um ministerio tem determinado que as despezas necessarias para se concluirem esses trabalhos sejam fornecidas extraordinariamente pelo governo; eu estou persuadido que o illustre ministro estará animado dos mesmos principios, e por consequencia levará a effeito a realisação d'esta medida, para a qual, como já disse, existem alguns embaraços, tornando-se todavia indispensavel para a sua execução que se forme o competente inventario.

Está claro que, quanto maiores forem os encargos resultantes d'essa desamortisação, tanto menos boa vontade ha de apparecer para se concluir esse inventario; porém eu, votando por esta medida, recommendo muito ao sr. ministro da fazenda que tenha em vista, como estou persuadido que s. exa. não deve deixar de ter, a conclusão crestes trabalhos preliminares indispensaveis para que a desamortisação se realise.

E não se supponha que vão correr risco aquelles que entrarem na desamortização.

Segundo a ultima conta da junta do credito publico, ha 33.000:000$000 réis de titulos de divida fundada, vinculados e pertencentes a corporações, e por consequencia o governo estando obrigado, pela honra e credito do paiz, ao pagamento d'esses titulos, ha de certo attender devidamente ás corporações e pessoas que devem merecer todo o desvelo e consideração (apoiados).

O illustre deputado julgou que alem d'este imposto se devia lançar nas inscripções vinculadas na mão doestas corporações mais outro imposto addicional.

Peço licença ao illustre deputado para reflectir que esse imposto...
Uma voz: - É um imposto especial.

O Orador: - Seja que imposto for não me conformo com essa idéa.

Respeito realmente muito a profunda intelligencia e altos conhecimentos do illustre deputado, mas discordo completamente da opinião de s. exa. a este respeito.

Sr. presidente, pelo facto das corporações serem obrigadas a reter em seu poder os titulos de divida fundada, ha um inconveniente para os individuos que os possuem, porque está claro que perdem o valor commercial d'esses titulos; mas se ha grande vantagem para o estado em que estes titulos estejam amortisados nas mãos de seus possuidores, ha de o governo lembrar-se de tributar esse serviço?! De certo não, e tudo quanto for difficultar a desamortisação tem graves inconvenientes.

E direi mais-que o sr. ministro da fazenda fará muito bem se trouxer quanto antes a lei de desamortisação; lei que póde servir de base para o seu elevado intuito da dotação do clero, e que tambem é um poderoso elemento financeiro, que não podemos desprezar, cora quanto possa dizer se que o paiz que tem a sua fazenda devastada não garante nem a dotação do clero nem a de nenhuma outra classe. A desamortisação, pois, é objecto importante, e n'esta parte é essencial. Não é uma questão que deva ceder diante de qualquer outra, porque as outras estão completamente compromettidas na solução d'esta.

Ora, n'esta questão ha uma questão de opção para algumas das corporações desamortisadoras, entre titulos do governo ou titulos da companhia de credito predial. Incontestavelmente a companhia de credito predial faz um grande serviço á propriedade do estado; mas é certo que a emissão das obrigações d'esta companhia faz uma certa concorrencia á emissão dos titulos de divida publica fundada. Ora, se um hospital ou misericordia se achasse em más circumstancias, não era a companhia do credito predial que havia de soccorrer esse estabelecimento, era o governo, e por isso entendo que esta opção póde ser modificada.

Se isto é uma opinião que impõe responsabilidade pessoal, eu aceito essa responsabilidade, porque estou convencido que essa opção não póde continuar-se-lhes. Supponho que todas as corporações, eme até agora têem desamortisado em titulos de divida publica fundada, têem direito a que o governo attenda aos seus interesses; e se essas corporações se encontrarem em circunstancias extraordinarias, e tiverem de pedir auxilio a alguem, hão de dirigir-se ao governo, e não haverá governo nem parlamento que deixe do votar qualquer auxilio a corporações d'esta ordem, quando se acharem em casos extraordinarios. Ora eu supponho que, n'este caso, o serviço prestado ao governo por essas corporações pela desamortisação em titulos de divida publica, é compensado com a certeza de que estabelecimentos d'esta ordem receberão soccorro do governo quando por circunstancias extraordinarias o reclamarem.

Chamo pois a attenção do sr. ministro da fazenda sobre este ponto. Voto o projecto, empenhando s. exa. para que traga quanto antes a lei de desamortisação; lei que tem uma grande importancia; lei que foi votada n'outros paizes onde existem governos que nem de longe podem ser suspeitos de commungar em qualquer idéa de progresso rapido; lei que não póde ser chamada lei de expoliação, ou offensiva aos direitos de propriedade individual ou collectiva. Eu supponho que a apresentação de uma lei de desamortisação completa, a respeito de alguns pontos em que é necessario que o seja, é um grande principio de reorganisação financeira.

E n'este ponto applaudo-me de n'outra occasião haver pugnado e votado pela generalidade d'essa lei, quando foi apresentada ao parlamento pelo meu illustre amigo o sr. Dias Ferreira. Dei o meu voto a essa lei, porque entendi que era conveniente como base de organisação financeira, e que não trazia nenhum perigo para os individuos immediatamente interessados na desamortisação. Trazia muitas vantagens para as finanças do estado, e o sr. Dias Ferreira póde ter a satisfação de que na occasião em que apresentava a lei, n'essa mesma occasião, lá fora, era adoptado o principio da desamortisação tambem para a base de operações financeiras. Bastava esta consideração para se não reputar desesperada a situação financeira de um paiz que adopta um tal principio.

A situação, digo, não está desesperada, e a prova de

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que o não está ó a presença do sr. ministro da fazenda e a apresentação das suas medidas, ainda que estou persuadido de quanto mais expedientes se apresentarem, mais se verifica a idéa de que nós estamos em tal situação que, se a, doença não nos mata, mata-nos a medicina (riso).

(O orador não reviu o seu discurso.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Requeiro que seja mandada á camara com urgencia a informação sobre o projecto dos trabalhos para o inventario dos bens sujeitos á desamortisação.

Sala das sessões, 25 de maio de 1869. = Carlos Bento da Silva.

Foi admittida.

O sr. Corvo: - Desejo fazer algumas reflexões simples acerca do projecto em discussão, sem comtudo formular nenhuma proposta. Antes porém permitta-me v. exa. que eu faça á camara breves considerações sobre o incidente que se levantou a proposito da discussão d'este projecto.

É para mim por extremo grato que, depois das lições da experiencia haverem mostrado a todos a verdade de certos principios, que se avaliavam muitas vezes de uma fórma errada, depois de se dar o devido valor a palavras que corriam de bôca em bôca, fóra da sua verdadeira significação, se chegasse por fim a apreciar justamente principios e palavras, e que na occasião de se fazer essa apreciação justa, agora, que as paixões estão acalmadas, se chegasse a fazer tambem justiça a todos.

Ainda ha pouco se levantou n'esta camara um incidente, e todos tivemos occasião de ver que se no calor das paixões foram mal apreciadas as opiniões e até mesmo a maneira de as formular, de um honradissimo homem d'estado, nobre pelo caracter, e que me prezo de estimar e contar entre os meus amigos, quando foi a reforma administrativa proposta e discutida n'esta cata, hoje as opiniões d'esse illustre publicista começara a ser tidas na conta em que sempre o deviam ter sido. Principia-se a reconhecer emfim que n'aquella reforma havia principios que deviam, por todas as rasões, entrar na legislação d'este paiz.

Muitas vezes se tem faltado de centralisação e descentralisação. A lei administrativa que foi proposta era de descentralisação; e se, n'um ou n outro ponto especial, podiam encontrar se disposições menos era harmonia com esse pensamento, o que é certo é que os seus principios fundamentaes eram indubitavelmente a manifesta-lo de uma grande verdade.

A opinião que um illustre deputado manifestou agora no calor da discussão de estar aquella lei administrativa em desaccordo com as idéas liberaes do paiz, parece-me que não se póde justificar nem defender. Sr. presidente, se me não falha a memoria, principios houve que foram largamente discutidos n'esta camara, e a respeito dos quaes appareceram divergencias profundas. Ora ainda ha pouco por um acto do actual governo foram completamente confirmados esses principios com uma verdade administrativa (apoiados).

E este um assumpto em que estou de accordo com o governo. Os principios que para mim eram bons então, quando se discutiu a reforma administrativa, são-n'o hoje ainda. Então fazia eu parte do governo. Hoje, mudadas as circumstancias, embora eu não apoie o governo, as minhas convicções não mudaram, e hei de defender as doutrinas que reputo verdadeiras e de utilidade publica. A minha posição, menos favoravel ao governo, não me leva a renegar as idéas justas, nem a combater as medidas uteis para o meu paiz. Só mudarei de opinião quando rasões fortes me convencerem de que estava em erro.

A experiencia e o estudo tem-me mais e mais convencido de que as doutrinas apresentadas na sua reforma administrativa pelo sr. Mártens Ferrão, caracter honradissimo (apoiados), homem amante do seu paiz (apoiados), eminentemente liberal por convicção (apoiados), eram verdadeiras. Admiro hoje, e cada vez admiro mais, não só o caracter do homem, mas a elevação das suas idéas, e a nobreza das suas convicções.
Ponhamos porém de parte essa questão por agora.

Era do meu dever dizer estas palavras a proposito da discussão que se levantou, e na qual não quero tomar parte, acerca de quem tinha ou não rasão em pedir e em decretar a suspensão ou a revogação da lei administrativa. Não creio ser este o momento opportuno para debater esta questão.

O assumpto sobre que desejo chamar a attenção da camara é outro, e foi para isso que pedi a palavra.

Sr. presidente, o projecto que se discute tem por fim revogar uma disposição excepcional que se tinha estabelecido em favor dos bens desamortisaveis. Trata-se unicamente de revogar esta disposição, e eu não tomaria a palavra sobre este projecto se não me parecesse que era conveniente chamar a attenção da camara para um assumpto que reputo de utilidade publica.

A desamortisação de que se trata tem largos fins economicos; e todos estamos de accordo na conveniencia da desamortisação; todos concordámos tambem em que convém que os capitães desamortisados venham por uma fórma indirecta actuar poderosamente sobre o credito do paiz. Essa desamortisação, que tinha encontrado repugnancia a principio, reconheceu-se depois, reconheceram todos que podia passar de sor facultativa a ser obrigatoria. Assentou se então que para as corporações possuidoras de capitães resultantes da desamortização, nenhuma applicação de fundos podia ser mais conveniente do que a que fizessem na compra de titulos de divida publica. Consegue-se por este modo tirar do mercado titulos que, para assim dizer, se vão tornar inamoviveis.

Quando se tratou da lei da desamortisação, tive eu a honra de propor uma modificação a um artigo, modificação que foi adoptada pela camara. Tinha essa emenda ou alteração o intuito de auctorisar certas corporações - os hospitaes e as misericordias - a empregar os seus capitães, não só na compra de titulos de divida publica, mas tambem na compra da obrigações de credito hypotecario. Tinha isto por fim em primeiro logar, trazer ao mercado mais um concorrente que mantivesse aos titulos de credito hypothecario mais um preço elevado; e em segundo logar, dar a uma parte do capital d'esses estabelecimentos meio facil de se realisar n'um dado momento, a fim de que elles podessem constituir-se em bancos de credito agricola. Um exemplo unico de banco agricola existe hoje, é o banco de credito agricola de Vizeu. Este exemplo porém, segundo me parece, deve levar outros estabelecimentos a organisarem bancos analogos.

Effectivamente o banco de credito agricola de Vizeu tem dado excedentes resultados (apoiados). As contas publicadas por este banco demonstram que as operações são lucrativas para o estabelecimento, e de grande vantagem para a circumscripção em que este banco executa as suas operações.

Ali têem os agricultores encontrado auxilio poderoso para melhorar o seu estado financeiro. Os bancos agricolas auxiliam os melhoramentos da cultura, e ao mesmo tempo criam habitos commerciaes, transacções de fundos, que necessariamente devem ter poderosa influencia sobre todas as cousas que influem no verdadeiro progresso da agricultura. A producção é a venda dos productos.

N'estas circumstancias parece-me opportuno (e não formulo sobre isto uma proposta, chamo apenas a attenção da camara e do sr. ministro da fazenda); julgo conveniente, que exceptuem, no artigo 1.° do projecto em discussão, dos impostos os estabelecimentos que têem por fim acudir aos pobres, e que seria util levar a formarem estabelecimentos de credito agricola.

Se os estabelecimentos de credito agricola fossem uma cousa puramente theorica, não me atrevia eu talvez a fallar

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sobre este assumpto; mus a experiencia tem demonstrado por tal fórma a utilidade d'estes bancos, que me parece que a camara não levaria a mal o eu haver chamado a sua attenção sobre este objecto por alguns momentos,
Demais o assumpto que se discute liga- se por mais de um ponto á grave questão de administrado publica.

Não nos illudamos. Os estabelecimentos, cujos bens se deseja desamortisar, e sobre os quaes se vae lançar agora um imposto que, segundo os calculos do sr. ministro da fazenda, monta a 9,4; esses estabelecimentos, parte d'elles ao menos, são destinados a sustentar nas localidades instituições de utilidade publica. E o que são estas instituições de utilidade publica, assim sustentadas com capitães a ellas pertencentes? São serviços descentralisados. E de que tratamos nós? De manter e alargar cada vez mais a descentralisação.

Ora, descentralisar não ha de ser somente lançar encargos pesados sobre as localidades, mas tambem pôr a par d'esses encargos verdadeiras attribuições, e dar ás localidades os meios de sustentar os estabelecimentos que ahi possam ser uteis.

Entre esses numerosos estabelecimentos não podemos negar que os hospitaes occupam o primeiro logar. E que vamos nós fazer?

Os bens dos hospitaes são levados ao mercado. Ahi têem a procura que o estado do mercado lhes proporciona. Quando o comprador adquire os bens, toma-os por determinado preço; por consequencia o imposto que aqui se estabelece reflecte sobre o capital d'esses estabelecimentos, que por esta fórma fica diminuido.

É fóra de duvida que as necessidades do thesouro são grandes; mas tambem é fora de duvida que esta questão de dar encargos ás localidades, e ao mesmo tempo meios de os satisfazerem, é de uma grande vantagem para os melhoramentos financeiros do paiz.

Portanto, que fazemos nós pela approvação d'este artigo? Vamos buscar uma parte do capital d'esses estabelecimentos para o gaitar como renda na satisfação das despezas geraes; isto é, tirâmos do capital dos estabelecimentos pios, para a despender como imposto, uma certa somma.

Pergunto eu: Qual convém mais manter em toda a integridade o capital d'esses estabelecimentos, ou acudir com uma parte d'esse capital ás necessidades passageiras do thesouro? Se nós vamos diminuir-lhes por esta turma os seus capitães, uma de duas cousas ha de acontecer: ou os estabelecimentos não satisfazem ao fim para que foram instituidos, ou então temos de alargar os impostos para supprirmos essa falta, e vamos por consequencia indirectamente ao imposto.

Parecia-me, pois, opportuno que a camara e o sr. ministro da fazenda tomassem em alguma consideração estas minhas breves reflexões, que eu não formulo em proposta. Isentemos de imposto os hospitaes e misericordias. Excepção á esta que eu julgo conveniente applicar a taes estabelecimentos. Já em favor d'elles se fizeram algumas excepções nas leis anteriores; continuemos a faze-las em nome da utilidade publica.

Eis-aqui, sr. presidente, as observações que eu desejava fazer; para não tomar mais tempo á camara, termino já.

(Vozes: - Muito bem.)

O sr. Luciano de Castro: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se quer que se prorogue a sessão até se votar este projecto.
Foi approvado este requerimento.

O sr. Luciano de Castro: - Confesso que nas poucas palavras que proferi ha pouco, não tive a menor idéa de fazer allusões aggressivas ao illustre deputado que se levantou irado contra mim, porque julgou que eu quizera examinar os actos da sua denominada administração financeira.

Confesso que não tive o intuito de obrigar o sr. deputado a discutir os actos da sua administração financeira, cuja apreciação aliás me não recusarei; entrarei n'ella sempre que venha a proposito, e que não roubo tempo á camara para discussões mais uteis.

O sr. Dias Ferreira tinha dito que era indispensavel, para resolver a questão de fazenda, que o governo começasse pela reforma administrativa =; e eu, como que insensivelmente, sem proposito de injuriar ou aggredir, lembrei-me que o sr. deputado fôra o mesmo que assignára a revogação da reforma administrativa.

Disse então para mim - pois é possivel que o illustre deputado, que agora está aconselhando a este governo como preliminar indispensavel para resolver a questão de fazenda, a reforma administrativa, seja o proprio que ha um anno, como governo, revogou a lei de administração publica? Sinceramente devemos crer que o é.

Pois o appellidado systema financeiro do sr. Dias Ferreira vinha porventura precedido da reforma administrativa, como expediente e alvitre indispensavel para resolver a questão financeira?

Pois não temos nós direito, sem deprimir caracteres nem injuriar pessoas, de apreciar os actos da vida publica de qualquer individuo? Pois que theoria é esta que vae invadindo o parlamento? Pois a vida dos homens publicos não tem responsabilidades que estão sujeitas á apreciação parlamentar? Pois quando se levanta, qualquer deputado, e que faz uma leve allusão ao procedimento politico de um homem publico, levanta-se logo esse homem, irrita-se, clama contra nós, e quasi que pede á camara a cabeça d'aquelle que fez essa allusão?

Não póde ser; não ha injuria n'essas apreciações. Respeito o homem, respeito as suas intenções, mas peço inteira liberdade para a apreciação desassombrada dos actos e do procedimento politico dos homens publicos.

Como queria o illustre deputado dar conselhos ao governo? Pois o que fazia ha um anno este fervoroso apostolo da reforma administrativa? Cedeu covardemente diante das intimações imperiosas das massas populares, e revogou essa reforma, só com intento de sorrir á popularidade que o requestava desvairada!

Grande e nobre coragem !

Disse o illustre deputado, que eu tinha chamado á reforma administrativa -uma provocação aos sentimentos liberaes do paiz. Não nego o que disse.
Quando o sr. Mártens Ferrão apresentou essa reforma, fui eu o primeiro que a combati. Haverá talvez exagerações na phrase, mas parecia-me sobretudo que na parte d'aquella reforma, que dizia respeito ás immunidades municipaes, não havia o que se chamava descentralisação, o que podia talvez pelo contrario notar-se demasiada centralisação. Disse-o francacamente á camara. Se a minha phrase foi vehemente, se foi irreflectida ou exagerada, posso asseverar que nem por isso foi menos sincera e convicta; disse o que entendia, e não recuo diante da responsabilidade das minhas phrases.

O que aconteceu depois? Entrou em discussão essa reforma, fizeram-se muitas propostas, que foram á commissão, e esta, de accordo com o governo, fez grandes alterações, pois que uma grande parte d'essas propostas foram aceitas.

Fui eu proprio que depois vim a esta camara dizer, que me parecia aceitavel a reforma administrativa do sr. Mártens Ferrão. Parece-me que quem queria ser fiel historiador dos acontecimentos, devia dizer tudo á camara, e não occultar uma parte da historia dos acontecimentos a que alludiu.

O que vejo é que o illustre deputado andava preparado para fazer diante da camara o elogio da sua chamada administração financeira. Aproveitou o primeiro ensejo, e desafogou. Fez bem.

Não me parece que desse motivo plausivel para que s. exa. viesse reprehender tão violentamente as minhas inoffensivas palavras, e censurar-me com tão estranhavel severidade.

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Fiquei, pois, surprehendido quando ouvi ao illustre deputado, panegyrista de si proprio, pronunciar um discurso violento, apaixonado e quasi eloquente defendendo a sua administração, que eu não censurara nem discutira. O que é da historia póde e deve ser apreciado á luz da historia.

Não pense alguem que sob color de allusões pessoaes póde e ha de defender-se da critica, embora severa e apaixonada, mas sincera e dictada por profundas convicções. Tenha paciencia. Ha de ouvir. Pelo menos aquelles que não têem responsabilidades como homens d'estado, têem direito de perguntar aos que têem tido já nas mãos o timão da governação publica o que têem feito a bem do seu paiz. O illustre deputado defendeu a sua administração, e fez muito bem. Não o aggredi; mas não me faltará occasião para discutir os seus actos, porque vejo que s. exa. gosta de se pôr em relevo, deseja que apreciem o seu passado procedimento para ter occasião de se defender, e de fazer a apotheose da sua administração.

Pois pela minha parte desde já me comprometto a aproveitar a occasião opportuna, o ensejo proprio para entrar n'essa discussão, não porque tenha desejo de molestar s. exa., antes pelo contrario respeito-o muito, mas porque tenho as minhas convicções assentes sobre os actos e propostas de s. exa.

Sr. presidente, vi cair a reforma administrativa. Sinceramente confesso, que depois de votada pelo parlamento e de ser lei do paiz, lamentei a timidez e a fraqueza dos poderes públicos. Era mais nobre e mais leal dizer ás multidões desvairadas, que pediam ao governo a revogação immediata d'aquella lei, que o governo do paiz não se deixava dominar nem inspirar por paixões mal avisadas e por suggestões irreflectidas que não podem ser conselho, nem inspiração nos conselhos da coroa. Cumpria ao ministerio resistir. Devia salvar ao menos o decoro do poder. Não o fez, infelizmente.

E é d'isto que se faz pretexto de glorias politicas e titulo para merecidos e perpetuos louvores!...

Diz-se: "Eu fui ministro, pertenci a uma administração que atirou as leis do paiz, aos farrapos, ás massas populares; sanccionei o louvavel precedente, o admiravel exemplo, de deixar cair a dignidade do poder no lodo das praças publicas; fiz isto, pratiquei estes heroicos feitos, e o illustre deputado vem aqui aggredir-me, porque tive a coragem de o praticar".

Levantou-se o povo nas praças publicas; correu para junto das cadeiras do poder, e pediu-lhe que suspendesse ou revogasse as leis impopulares; e o governo subscreveu a tudo quanto se pediu, e agora vem pedir ao paiz que lhe decrete coroas de gloria e laureis immarcessiveis, porque fez grandes serviços ao seu paiz.

O paiz não pedia só isso. O paiz pedia economias profundas, e côrtes largos nas despezas publicas. Que Azeitas vós? Tomastes nas mios o programma e a bandeira, e deixaste-los cair no chão e no pó!
Grandes e immortaes reformadores!

Para não ouvirem estas verdades, era conveniente que os homens publicos, que têem responsabilidades onerosissimas, fallassem com mais prudencia, para não provocarem replicas violentas e amargas contestações.

Foi isto que se fez. Rebaixou-se a auctoridade, menosprezou-se a dignidade do poder, e entregaram-se ás exigencias irreflectidas da praça publica as leis que tinham encontrado alguma resistencia na sua execução. Fez-se mais. Emquanto o povo pedia, tudo se lhe prometteu. Emquanto era preciso o auxilio das paixões populares, não houve esperança que se não afagasse, nem promessa que se lhe não fizesse. E depois? Irrisão, pura irrisão, burla e decepção completa!

Veiu este governo, e procurou quanto pôde, e pelo modo que pôde, satisfazer ao programma da revolução de janeiro; e ei-lo ali com o programma que o illustre deputado, como ministro, devia ter realisado. Ei-lo ali, hasteando nas mãos a bandeira que outros deixaram tristemente cair das mãos inertes! Ei-lo tentando fazer o que outros deviam ter feito, e que era para elles um compromisso de honra!

N'estas circumstancias pergunto - que fiz ou disse eu para que o illustre deputado suppozesse que eu tinha querido aggredir os actos da sua administração?

Eu disse que o homem que tinha revogado a reforma administrativa, para mais tarde propor á camara o seu inculcado systema financeiro, prescindindo de qualquer reforma administrativa, era o menos competente para dar conselhos no sentido em que os deu o illustre deputado; mas confesso a v. exa., digo-o francamente, e escuso de pedir á camara que me acredite, disse isto como expondo uma idéa que me occorreu no correr do debate, sem referencias offensivas a ninguem, nem injurias ou agressões pessoaes.

Não tem pois s. exa. rasão de se queixar de allusões. Não houve allusão da minha parte a s, exa. Houve, sim, allusão a actos publicos, e a esses hei de faze-la sempre que o entender. E preciso que fiquemos todos certos d'isto.

Eu é que tinha alguma rasão de me queixar, e peço á camara que me releve n'este ponto. Eu tinha combatido, á administração anterior aquella de que o illustre deputado fez parte, a proposta apresentada por esse governo ácerca da reforma administrativa. Vim á camara, e declarei francamente que me parecia que tal reforma se não podia fazer pelo modo e nos termos em que era proposta. Fui vencido, e a lei passou. Aquella administração caiu, e a que lhe succedeu, querendo fazer revogar aquellas e outras leis, dissolveu a camara. Procedeu-se a novas eleições, e eu fui candidato em dois circulos eleitoraes, n'um dos quaes com especialidade fui atroz e abusivamente hostilisado pelo governo d'essa epocha; representou-se cm dois circulos eleitoraes um drama, que não quero agora referir á camara para lhe não tomar mais tempo.

Pois eu, que fui victima da reforma administrativa, que fui cruelmente guerreado em virtude e em nome d'ella, e quando vejo que o illustre deputado que me hostilisou, e que tinha assignado o decreto que a revogou, mudou de opinião, não terei direito de dizer aqui que lamento que o illustre deputado não pensasse então como pensa hoje?
Direi ainda mais. O illustre deputado sabe muito bem que, quando foi ministro da corôa, tendo eu ido á provincia, fui chamado por um telegramma de s. exa., em que me mandava regressar immediatamente a Lisboa. Esta era a liberdade com que se faziam as eleições! E eu estava sendo deslealmente hostilisado em nome da reforma administrativa, que não tinha approvado, e succumbia na luta eleitoral por esse motivo e pelos excessos que contra mim se praticaram.

Não quero alongar mais esta discussão, nem tanto diria se o illustre deputado não desse a este debate as proporções de uma questão pessoal.

Dei á camara as explicações que tinha a dar. Se fui violento a camara sabe que o illustre deputado o não foi menos. Respondi, não provoquei.
Não tive porém a intenção, nem agora nem antes, de aggredir pessoalmente s. exa., como a não tenho de aggredir qualquer membro d'esta camara.
Antes porém de terminar seja-me permittido dar ainda algumas explicações, por parte da commissão, com respeito ao que disse o illustre deputado o sr. Andrade Corvo.

Parece-me que s. exa. quer que d'este artigo 1.° sejam exceptuados os hospitaes. Ora este imposto não póde, de maneira alguma, ir influir sensivelmente no rendimento dos hospitaes, porque é pago por uma só vez.

Os bens das corporações de mão morta têem dado em praça, frequentes vezes, duas e tres vezes mais o rendimento que davam antes de serem desamortisados. Portanto, ainda mesmo contando com este imposto que se vae lançar, attendendo a que é cobrado por uma só vez, attendendo mais a que não póde influir sensivelmente sobre o valor dos bens das corporações, que era praça obtêem sempre um valor muito

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maior do que aquelle que d'antes tinham, e isto está demonstrado por algarismos, por tudo isto parece-me que não ha rasão nenhuma para se fazer uma excepção em materia de imposto, excepções estas que, como s. exa. sabe, são sempre odiosas (apoiados).

Mais nada.

O sr. Coelho do Amaral:- Serei breve, não só porque a hora está muito adiantada, como porque a materia do incidente é pouco convidativa.
Farei algumas rectificações, e levantarei algumas phrases, que me produziram desagradavel impressão.

Eu fui chamado á autoria pelo meu illustre amigo, o sr, Dias Ferreira, quando leu uma proposta, apresentada n'esta camara em janeiro de 1868, para a suspensão da lei de administração civil. S. exa., lendo o meu nome entro os signatarios da proposta, acrescentou que eu fura membro da commissão de administração publica, que dera o seu parecer sobre essa lei.

Effectivamente eu fui membro d'essa commissão, mas assisti sómente a poucas das suas reuniões, porque o meu estado de saude me não permittiu maior assiduidade. Assisti, é facto, aos primeiros trabalhos d'essa commissão, mas estive ali em minoria.

Combati na commissão as disposições mais salientes e caracteristicas d'aquella proposta de lei, porque era então, e é ainda hoje, minha profunda convicção que a descentralização por aquella lei estendia se quasi só aos encargos, e que aquella reforma, emquanto a attribuições e prerogativas das municipalidades, era extremamente centralizadora. Os encargos descentralizavam se para as localidades, as attribuições eram absorvidas pelo poder central.

Ora, se eu tinha, e tenho ainda hoje, esta opinião, claro está que assignaria vencido o respectivo parecer da commissão; mas o meu nome não figurou entre os dos signatarios, porque o meu mau estado de saude me não permittiu achar-me na camara no dia em que o parecer foi apresenta-lo á assignatura dos membros da commissão. A hora já muito adiantada da tarde, perto das quatro, appareceu em minha casa um correio com um bilhete, em que eu era convidado a ir á camara prestar a minha assignatura; mas nem a minha saude o permittia, nem talvez coubesse já no tempo poder faze-lo.
Por consequencia aquelle parecer não levou a minha assignatura.

Tencionava aproveitar a primeira occasião opportuna para declarar que, se tivesse assignado, o faria vencido; mas o aggravamento da minha doença obrigou-me a sair de Lisboa, e não voltei mais a esta camara durante a sessão d'esse anno.

Aqui tem v. exa., e aqui tem a camara como desapparece essa especie de contradicção, que á primeira vista póde resultar da minha assignatura na proposta, que mais tarde vinha pedir a suspensão da lei de administração civil, e da minha cooperação na feitura d'essa lei na commissão de administração publica, de que eu era membro.

Está presente um distincto membro d'aquella commissão n'essa epocha, que é o meu illustre amigo, o sr. Santos e Silva, cujo testemunho eu emprazo, e que póde declarar qual foi a opinião que mantive sempre na discussão do projecto de lei de administração civil. (O sr. Santos e Silva:- Apoiado.)

Não é agora occasião de discutir essa lei; mas é certo que as apprehensões e resistencias levantadas no paiz pelas suas disposições, principalmente na parte em que cerceavam as prerogativas e os fóros municipaes, e não menos pela circumscripção territorial, não eram de tal ordem que admittam qualificar-se de - sacrificio ao lodo das ruas - a suspensão de uma tal lei.

As manifestações do paiz, que se não limitaram simplesmente ás manifestações tumultuarias do povo de Lisboa, e que haviam sido precedidas de tantas representações aos poderes publicos, assumiram um caracter tal, que tinham direito não só a não serem qualificadas de lodo das ruas, mas ao respeito dos homens verdadeiramente liberaes (apoiados).

Os signatarios da proposta a que alludiu o sr. Dias Ferreira não aceitam, e posso asseverar que sou interprete dos sentimentos de cada um d'elles, antes repellem devidamente tal qualificação (apoiados).

Não eram lodo das ruas, eram representantes do paiz que, convictos do desfavor e reprovação manifesta com que no animo dos povos aquella medida fôra recebida, vinham aqui, e n'uma grave conjunctura, pedir a suspensão d'ella. Quer v. exa. saber, e quer saber a camara a rasão que principalmente actuou no animo dos signatarios da ali adido, proposta para pedirem a suspensão d'aquella lei?

Pediram tal suspensão, porque alem de prestarem assim homenagem aos votos do paiz, manifestados do modo mais solemne e mais categorico, e que menos se prestava a interpretações ironicas e facciosas, entenderam que nas vesperas de uma eleição, a que necessariamente se ia proceder, pela inevitavel dissolução da camara, a auctorisação dada ao governo para rever e reformar a lei de administração civil, sobretudo na parte relativa á circumscripção territorial, era uma arma perigosa, e não queriam que o governo estivesse armado com esta espada suspensa sobre a cabeça dos povos, e sobre a liberdade da urna; e julgaram por isso que o melhor e unico meio a seguir n'aquellas circumstancias era suspender desde logo a execução da lei, visto como ella tinha incorrido na reprovação publica, tão imponente e energicamente testemunhada pelos povos.

Auctorisar o governo para a reformar não podia ser, porque tinha o gravissimo inconveniente que acabei de indicar; não havia senão o recurso de a suspender; eis a rasão por que veiu aqui propor-se a suspensão da lei.

Eu era ainda membro da commissão de administração publica, e quando essa proposta foi discutida na commissão conjunctamente com a da auctorisação pedida pelo governo, lembro me da grande repugnancia, da resistencia tenaz que o sr. ministro do reino e presidente do conselho, o nobre conde d'Avila, oppoz á suspensão. S. exa. queria ficar auctorisado para a rever e reformar; mas tal auctorisação não se lhe podia dar, porque alem de tudo o parlamento abdicaria da sua alta missão, se porventura auctorisado o governo a rever e a reformar uma lei de tanta importancia, a da constituição dos corpos populares.

Não fomos por consequencia incoherentes, e se a doença me não tivesse retirado d'esta casa, eu teria combatido aqui quanto o permittissem as minhas forças, palmo a palmo, pollegada a pollegada, e emquanto me podesse manter no terreno, a lei de administração civil, com mais vehemencia mesmo do que a combati na commissão.

E disse já e repito-as rasões que me levaram a tomar essa resolução, e que sustentaria se continuasse a estar aqui, eram porque estava então, como ainda estou hoje, intimamente convencido de que essa lei tinha graves defeitos (apoiados).

Eu tambem quero a descentralisação, mas não a quero do modo por que a lei de administração civil a estabelecia. Descentralisar despezas do estado para o municipio, do estado para o districto, será o modo de regularizar as finanças do estado; mas não sei se d'esse modo se regularisarão as finanças locaes (apoiados).

Vamos a ver se conseguimos a descentralização de attribuições e de funcções, que em resultado nos de simplificação e melhoramento de serviços e alargamento da iniciativa local. Assim entendo eu a descentralisação; mas descentralisar encargos e absorver direitos, não comprehendo, e era esta, segundo me parecia, a descentralisação da lei da administração civil (apoiados).

Não posso por esta occasião deixar de expressar a magua que me pungiu ao escutar a exageração e a acrimonia das palavras com que o meu illustre e antigo amigo, o sr. José Luciano de Castro, qualificou o movimento de janeiro. Diga-se o que se disser, qualifique-se como se quizer

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aquelle movimento, mettam-o a ridiculo, cubram-o de apodos, de sarcasmos e de epigrammas, é certo que aquelle movimento foi um grande acontecimento, que não está na mão de ninguem illudir nos seus mais extensos e largos resultados. Foi um facto, um protesto, levantou uma idéa, um pensamento, que a ninguem será dado contrariar impunemente, e que todos os governos e parlamentos d'este paiz hão de continuar, e se hão de empenhar no seu desenvolvimento, imposto pela dura e inexoravel lei da necessidade, pelo instincto da conservação (apoiados).

Hasteou-se uma bandeira que nenhuma mão, por mais audaz que seja, ou mais poderosa que se considere, ousará derrubar sem que se sujeite a ficar esmagada debaixo de seus proprios esforços. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)

O sr. Fontes Pereira de Mello: - Está em discussão o projecto n.° 7, que impõe certo tributo aos bens das corporações de mão morta pelo facto da desamortisação.

Este projecto não é inteiramente nocivo, mas não tem um alcance, uma gravidade tal que possa, na minha opinião, merecer a discussão que tem havido, e em que se tem feito largo exame de politica retrospectiva.

Eu voto o projecto, e voto-o como tenho votado outros, com uma certa repugnancia; porque a dizer a verdade fazem-me peso as observações apresentadas á camara pelo meu illustre collega, o sr. Andrade Corvo, desejando que fossem isentos d'este imposto os bens das misericordias, hospitaes, etc., porque são instituições de beneficencia, que se recommendam por todos os titulos á consideração publica.

Parece-me que a esta parte respondeu o sr. Luciano de Castro, dizendo que lhes não tiravamos o rendimento. Permitta-me s, exa. que lhe diga que se não tirâmos o rendimento a esses estabelecimentos diminuimos o capital, e que diminuição de capital áquellas corporações traduz-se n'uma somma importante e valiosa.

Ora, o estado não póde nem deve locupletar se com as migalhas dos pobres.
Eu não proponho nada, porque estou pouco disposto a fazer propostas. A minha posição n'esta casa não póde excitar as sympathias da maioria; isto é natural. E provavel que as minhas propostas por um principio politico, que eu não desconheço, que acato e respeito, pelo principio do maioria e minoria, não sejam approvadas.

Quando trato de interessei do paiz, não trato de interesses de politica; quando me parece ema ha vantagem em pausar uma certa idéa, abstenho-me de fazer proposta, ainda que a considere util, a ver se do seio da maioria alguem se levanta e sympathisa, não com a minha posição politica, mas com a minha opinião, e a traduz em factos.

Se a proposta não apparecer voto o projecto como está, porque as circumstancias do paiz são tão graves, na minha opinião, que provavelmente me hei de ver obrigado a votar mais de um imposto, que eu aliás nunca votaria em circumstancias normaes.

É difficil crear qualquer imposto que não offenda interesses e susceptibilidades, que não contrarie principios, e que, em uma palavra, não seja condemnado debaixo do um certo ponto de vista. Todos elles peccam por alguma d'estas circumstancias; entretanto se o governo ou a maioria entende que é bom, que é preciso e indispensavel votar o imposto, eu voto-o com grande repugnancia. Não faço questão politica d'isto.
A proposito de uma discussão, aliás innocente, levantou-se um incidente importante. Este incidente imo foi por mini provocado. A camara é testemunha de que nem uma só palavra tenho proferido n'esta assembléa até hoje que tenda a pôr em relevo os factos passados, nem a levantar os apparelhos das feridas que não estão cicatrizadas, mas que estão debaixo d'esses apparelhos. E, comtudo, apesar do proposito e da deliberação que tenho tomado de não fazer provocações algumas n'este sentido, as circumstancias do debate podiam impellir-me a tomar outra posição, se o meu espirito não estivesse profundamente convencido da utilidade de pôr de parte, quanto possivel, essas questões retrospectivas e irritantes, para tratar simplesmente com os meus collegas, em boa paz, dos projectos que possam concorrer para melhorar o futuro do meu paiz. Mas ha limites para tudo; e eu, sem transpor estes limites, porque me impuz esse dever, peço licença á camara para não- deixar passar censuras, que julgo immerecidas, feitas a alguns actos, dos quaes tem a responsabilidade o gabinete de que tive a honra de fazer parte, que era composto, fóra a minha humilde pessoa, de homens muito liberaes e muito intelligentes, e que tive a fortuna de ser apoiado n'esta assembléa por um grande numero das primeiras e mais importantes illustrações do paiz.

Estou tranquillo e completamente desapaixonado. Estou n'uma phase da minha vida publica em que desejo manter-me, emquanto o meu diploma me der um logar n'esta casa, expondo francamente as minhas idéas, defendendo-as até onde a minha consciencia e dever me obrigam, mas sem aspirações, sem pretensões, e por consequencia sem a paixão, que uma posição diversa póde trazer.

Vejo dois objectos districtos, ou entidades distinctas. Vejo a situação e vejo o gabinete, sou adversario politico do gabete, adversario franco e leal. Sou adversario do gabinete que está sentado n'aquellas cadeiras, e digo isto com toda a franqueza com que uso manifestar a minha opinião dentro da representação nacional a que tenho a honra de pertencer; digo-o sem acrimonia, nem paixão, mas firme nas minhas convicções.

A revolução de janeiro, assim chamada, não posso sympathisar com ella; e não posso sympathisar com ella, não porque ella produzisse a queda do ministerio de que tive a honra de fazer parte, mas porque me pareço que assentou em principios infundados, e obrigou-me a um programma difficil de execução, quasi impossivel de execução, programma que tem dado causa em grande parte ás contradicções, ás difficuldades e peripecias politicas que temos observado de então para cá.

Eu faço inteira justiça aos srs. ministros sendo seu adversario e declaro, alto e bom som, que estou convencido de que se a causa publica não tem tomado um caminho mais conveniente e mais vantajoso não é por falta nem de capacidade, nem de boa vontade por parte do governo, mas sim porque desde que os illustres ministros foram forçados a seguir um plano impossivel, desde que foram obrigados a edificar sobre um terreno falso e movediço, tornou-se impossivel o poderem apresentar obra que se veja.

N'esta conformidade, sr. presidente, os cavalheiros que estão sentados n'aquellas cadeiras podem ter responsabilidades como homens particulares, mas como ministros não têem senão a que lhes pertence por seguirem certos principios sem terem previsto que era impossivel realisa-los!

Não quero alongar esta discussão, porque é impertinente para o caso, mas eu terei occasião de entrar n'esse campo, e hei de mostrar que uma grande parte dos principios da revolução de janeiro foi calcada, rasgada, e posta de lado e não podia deixar de ser assim, quando muitos d'elles não podiam ser levados á execução.

Eu peço, não que se ponham de parte alguns principios santos, alguns principios que são recommendaveis em todos os tempos e m todos os paizes, por exemplo, o principio das economias justas, rasoaveis e bem entendidas; porém o que eu peço é que se não façam economias que desorganisam os serviços publicos, que os prejudicam, e que não servem senão para comprometter o paiz. Se o governo se quizer pôr á frente d'essas idéas economicas e de e de justiça eu, apesar de seu adversario; eu, que não o quero substituir n'aquellas cadeiras, hei de acompanha-lo em muitas das suas medidas, e não ha de achar em mim grandes difficuldades; talvez as encontre maiores em outros cavalheiros que lhe são mais affectos.

Eu, como politico, não sou nada affecto ao governo, mas talvez que alguns dos cavalheiros, que seguem a politica do

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actual gabinete, tenham difficuldades que eu aliás não tenho, quando se chegar ao ponto positivo, ao ponto em que seja preciso pronunciar um voto diante do paiz, quando se tratar de atacar de frente a falsa popularidade, que eu não cortejo, nem cortejarei nunca (apoiados). E então digo eu, sr. presidente, quando chegar essa occasião talvez me encontre mais facilmente ao lado do governo, e dizendo isto não me refiro a ninguem, do que muitos homens em quem elle põe mais confiança.

Mas, sr. presidente, a situação de janeiro revogou a reforma administrativa e a lei do consumo. Eu sabia que se tinham levantado dificuldades á execução d'aquellas leis, mas não foram essas difficuldades que fizeram trepidar a administração que caiu em janeiro. Em occasião propria, e se a isso for provocado, direi franca e lealmente a rasão por que essa administração caiu, e direi desassombradamente essa rasão, porque não lisongear ninguem, nem estou aqui para lisongear nenhum poder, alto ou baixo, de qualquer especie que seja. (O sr. Santos e Silva: - Apoiado.) Estou aqui para, como homem publico, dizer a verdade ao meu paiz (apoiados).

E digo, sr. presidente, que não foi essa manifestação imponente, de que fallou o sr. Coelho do Amaral, que obrigou a cair o governo, porque elle ainda podia incontestavelmente fazer aos seus projectos qualquer modificação que a prudencia ou as circumstancias aconselhassem. O regulamento da lei do consumo, que era a principal arma de que se serviam os adversarios do ministerio para o derrubar, podia ser alterado na parte em que isso fosse conveniente, lei de administração estava em execução em quasi todo o reino, com rarissimas excepções de quatro ou cinco camaras municipaes, que m tinham recusado a entregar os seus cartorios. Mas o que é facto é que em 27 de dezembro se tinham feito as eleições municipaes em todo o reino, e, com pequenas excepções, foram ganhas por grande maioria a favor do governo. Ora, se este facto não é muito significativo, se não quer dizer cousa alguma, então não sei como apreciar as cousas.
Portanto eu não sympathiso com a revolução, e n'essa parte ou cavalheiros que têem essa responsabilidade não podem evitar os meus reparos.

Mas quando vejo que á revogação da lei se seguiu a dictadura, e a dictadura, na minha opinião, não soube; manter-se na altura em que era necessario collocar-se para ser justificada, e as dictaduras não se justificam senão pelos seus resultados, as dictaduras são sempre a invasão dos poderes constituidos, e não podem os homem publicos, que se prezam de ser liberaes, aceita-las; e digo isto desapaixonadamente, porque eu já fui um bocadinho dictador, e não entro agora na apreciação das medidas que então adoptei em dictadura; digo, quando vejo á revogação da lei seguir-se a dictadura; quando vejo que se reprova a revogação da lei, mas que se approva a dictadura de janeiro de 1869; quando ouço o illustre deputado, antigo parlamentar, que levanta a sua voz sempre em defeza dos bons principios, e em nome da liberdade, quando vejo que elle explica o seu voto da revogação, ou suspensão da lei, e não da revisão d'ella pelo governo de 1868, porque não queria entregar ao governo na vespera das eleições uma arma terrivel de que podia abusar quando tratasse de fazer a revisão d'essa lei; quando ao mesmo tempo este illustre deputado votou ha bem poucos dias o bill de indemnidade, que relevava o governo da responsabilidade de ter, note se bem, na vespera das eleições alterado a lei eleitoral, formando os circulos a seu talante (apoiados), trazendo aqui cavalheiros, que de certo viriam com todas as leis e systemas eleitoraes, mas que podiam legitimamente vir por effeito de uma lei feita em harmonia e conformidade da carta constitucional; quando vejo tudo isto, ou não posso deixar de notar estas aberrações, que de modo nenhum se justificam (apoiados).

Eu não faço exames retrospectivos, mas note a camara que aceito toda a responsabilidade que me competir. Quando for chamado á autoria, quando os actos da administração de que fiz parte forem trazidos á discussão na camara a que tenha a honra de pertencer, levantarei a minha debil voz defendendo esses actos, e os meus amigos presentes o ausentes; e porque a reforma administrativa a que se tem feito referencia é da iniciativa de um illustre deputado, de quem me honro de ser amigo, que está ausente, e que de certo todos respeitam e consideram (apoiados), foi essa a rasão principal por que tomei a palavra dizendo alguma cousa a este respeito, e expondo á camara, em ligeiros traços, a minha posição politica n'esta casa, e o modo por que encaro este negocio.

Não quiz, nem quero fazer recriminações; não ganho nada com isso, e a causa publica ganharia mais se todos nós, não esquecendo os factos passados, porque não é possivel esquece-los, entrassemos na apreciação d'elles, e dos actos que são da responsabilidade alheia, sem acrimonia nem azedume (apoiados).

Parece-me que se ganharia um pouco mais se tratasse-mos de esclarecer os assumptos que o governo submette ao exame da assembléa, quando aqui se apresentam os pareceres das commissões respectivas; porque, a dizer a verdade, por maior que seja a nossa boa vontade, ainda quo todos nos unamos n'um só pensamento, isso ainda será pouco para vencermos as difficuldades com que lutâmos (apoiados.)

(O orador não reviu o seu discurso.)

O sr. J. T. Lobo d'Avila:- Pergunto a v. exa., sr. presidente, se a sessão está prorogada indefinidamente.

O sr. Presidente: - Foi o que a camara votou.

O sr. J. T. Lobo d'Avila: - Então estamos em sessão permanente?

O sr. Presidente:- A camara resolveu que se prorogasse a sessão até se votar o projecto.

O sr. Costa e Almeida: - Pedi a palavra, a proposito de uma phrase que ouvi pronunciar ao illustre deputado e meu collega o sr. Dias Ferreira, que me pareceu fazer-me uma allusão directa, queixando-se de que eu o injuriara pelas expressões que soltei aqui a proposito da discussão da questão de desamortisação, quando s. exa. era ministro da fazenda.
Declaro positivamente que, proferindo essas expressões, não tive intenção de injuriar a s. exa. Não é meu costume injuriar ninguem, nem eu tinha rasão para injuriar s. exa.

Fui talvez violento, excessivo na amargura da phrase com que ataquei as medidas financeiras e a politica de s. exa.; mas não podia estar no meu animo offende-lo. Não m'o consentem os meus habitos, nem o meu caracter.

Desejava unicamente dar estas explicações.

Não entro por consequencia na questão suscitada entre o sr. Dias Ferreira e outros illustres membros do parlamento, porque é ella completamente estranha á materia que se discute, e o seu assumpto completamente estranho á occasião em que nos achâmos.

Tambem não contesto nenhuma das asserções apresentadas pelo sr. Fontes com relação ao programem da revolução de janeiro, porque não me parece opportuna a occasião para isso, quando s. exa. apresentou essas asserções, e não tratou de as provar. Em occasião propria, se essa materia vier á discussão, sustentarei a minha posição.

O sr. J. T. Lobo d'Avila: - Peço a palavra para um requerimento.

O sr. Presidenta: - Tem a palavra.

O sr. J. T. Lobo d'Avila: - Antes de formular o meu requerimento, peço a v. exa. que tenha a bondade de dizer quantos srs. deputados estão ainda inscriptos.

O sr. Presidente: - Estão os srs. Dias Ferreira, Corvo e Coelho do
Amaral.

O sr. J. T. Lobo d'Avila: - Desisto do requerimento por agora.

O sr. Dias Ferreira: - A sessão vae longa de mais, e a camara está quasi deserta.

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V. exa. e a camara são testemunhas de que as minhas palavras, apreciando a proposta do governo e o projecto da commissão elaborado sobre essa proposta, não provocavam ninguem.

A circumstancia de eu encarecer a necessidade da reforma administrativa nunca podia significar a adopção de uma certa e determinada reforma.

É indispensavel a reforma da administração; mas não servia, no meu entender, a que eu revoguei em dictadura. Referiu-se o sr. Luciano de Castro a um telegramma, em que eu, como ministro da fazenda, o mandava recolher a Lisboa, achando-se elle no Porto, com licença minha, a tratar da sua eleição.

Não devia eu dar a mais pequena explicação a este respeito. O sr. Luciano de Castro era meu subordinado, e sujeito por isso ás consequencias da sua posição. No entre tanto, por attenção á camara, não deixarei sem correctivo a referencia do sr. deputado.

O sr. Luciano de Castro era, como é ainda hoje, director dos proprios nacionaes no thesouro, e eu, no exercicio do meu direito, como ministro da fazenda, dei-lhe duas vezes licença para se ausentar do seu logar, sabendo que elle ia tratar da sua eleição e propor-se contra mim em Aveiro. Peço á camara que repare n'este facto; e se o illustre deputado me dissesse que ia propor-se contra mim dava-lhe uma licença mais duravel, sem prejuizo do serviço publico, e creio que o sr. deputado não estava acostumado a estes actos de generosidade, que por isso não aprecia.

O sr. Fontes acabou de notar a contradicção palpitante em que se collocou o sr. Coelho do Amaral, declarando que não votara ao meu ministerio a proposta para a revisão da lei administrativa por não querer deixar nas mãos do governo a arma terrivel da divisão administrativa na vespera de umas eleições, e votando agora o bill de indemnidade ao actual ministerio, que na vespera das eleições alterára em dictadura, não a divisão administrativa, mas a eleitoral. Não voltarei pois sobre este ponto.

Referindo-me outra vez ao sr. Luciano de Castro, creio que s. exa., apelar dos ares de satisfação com que o sr. bispo de Vizeu ouvia as suas imprecações contra mim, do que eu, como ministro, obedecia ás inspirações das massas populares, estava com as suas invectivas ferindo mortalmente o coração do sr. ministro do reino. E deixaria eu a gloria da resposta ao sr. bispo de Vizeu, se não quizesse levantar as phrases injuriosas com que o sr. deputado chama ao povo = o lodo das ruas, e a multidão desenfreada.

Eu pertenço ao povo, e era tanto povo em janeiro de 1868 como hoje; era povo nas vesperas da eleição e conservo a qualidade de povo ainda depois da eleição. E os que injuriam o povo, depois de servidos, são em regra os que se sujeitam ás maiores baixezas nas vesperas de lhe pedirem o suffragio. Eu tinha dito simplesmente -que estranhava que o sr. Luciano de Castro, por quem tenho tido sempre consideração, viesse sem motivo justificado fazer-me aggressão por um facto, que elle, para ser coherente, devia ter approvado.
Eu, sr. presidente, tinha dito que me admirava que um acto do governo de que eu tinha feito parto fosse exactamente condemnado por aquelles que mais acremente haviam combatido a medida que por esse acto fôra revogada. Acrescentava eu - que as circumstancias eram tão graves, que as necessidades imperiosas da ordem publica reclamavam tão urgentemente a suspensão d'aquella medida, que aquelles mesmos que a tinham votado eram os primeiros a propor a suspensão.

O sr. Luciano de Castro, sem respeito pelo povo, diz que era o lodo das ruas que aconselhava e exigia essa suspensão! Mas quer a camara saber quem era o lodo das ruas que fazia a mesma exigencia? Eram até dois distinctos membros d'esta camara, o sr. Anselmo Braamcamp e o sr. Coelho do Amaral, que o sr. deputado fere directamente no meio dos seus odios e desejos de ferir-me a mim.

Se o illustre deputado viu panegyrico na defeza dos meus actos, ha de continuar a vê-lo, não panegyrico pessoal, mas defeza dos actos do homem publico, porque a defeza não significa outra cousa. E não me incommoda a ameaça do sr. deputado de analysar os meus actos publicos, com a condição do sr. presidente me não privar, como não ha de privar de certo, do direito de lhe responder quando o julgar conveniente. Felizmente das faculdades que Deus me deu nenhuma satisfaz melhor ao seu destino do que a lingua, que é expedita. Não faço sacrificio em fallar.

Mas dizia o illustre deputado, voltando se para mim com um aspecto carrancudo, de que tive medo (riso) = aquellas massas desenfreadas, e aquelle lodo da rua que o sr. deputado cortejava, e diante das quaes cedia =.

Sr. presidente, ainda se injuria o povo, mas as massas populares já são tratadas em 1869 com um nome menos feio do que em 1828 e 1845; até no nome que se dá aos populares que se levantam contra a oppressão em nome do seu direito e da sua soberania, já se fez grande progresso na nossa civilisação.

Sr. presidente, eu cortejo as massas populares, mas cortejo-as sempre na hora da prosperidade e na hora da amargura. O meu respeito é sempre igual pelo povo, ou se reuna na praça publica, ou n'outra qualquer parte, em nome do seu direito e dos interesses publicos.

Mas o sr. Luciano de Castro corteja as massas quando d'ellas precisa, para as cobrir de insultos depois de aproveitados os seus serviços.
Tenho aqui as provas, que é o manifesto que o illustre deputado fez aos eleitores de Villa Nova do Gaia em 1868 e a que se refere o jornal O 1.º de janeiro, orgão do centro eleitoral portuense.

Dizia elle: «Srs. eleitores, accusam-me por ter approvado as medidas propostas pelo ministerio passado, contra as quaes se insurgiu espontanea e quasi unanime a opinião do paiz enthusiasticammte manifestada. Mentem os calumniadores. Imputam me culpas que não tenho. Digo-o aqui bem alto.

Provoco-os a que me desmintam com a verdade e com os factos».

Sr. presidente, n'esta occasião, em que o sr. Luciano de Castro carecia do suffragio popular, chamava manifestação enthusiastica, espontanea e quasi unanime, o que hoje chama inspiração das massas desenfreadas e lodo da rua!

E, o que é mais, teve a coragem de asseverar que não era complice nas medidas do ministerio passado, que eram do sr. Fontes e Aguiar.

Não commento, sr. presidente!

Acrescenta mais o referido jornal: «Dizem que approvei o imposto de consumo». É verdade. Não declino a responsabilidade dos meus actos, srs. eleitores. Não fui eu que pedi o augmento de impostos, foi o ministerio passado. Eu pedi sempre economias. Ahi estão es meus discursos de alguns annos para o attestar; ninguem tem instado mais para que se reduzam as despezas publicas do que eu.

Sr. presidente, a culpa era toda do ministerio que elle apoiava, não era d'elle. Mas vou ler a parte que careço de aproveitar na ordem da minha argumentação.

Diz o manifesto:

«Desde que o actual governo (era o ministerio de que eu tinha a honra de fazer parte) veiu propor ás côrtes a revogação ou a annullação completa d'aquelle imposto (o imposto de consumo, fui eu o primeiro que, como relator da commissão de fazenda, propuz a suspensão indefinida do mesmo imposto, que valia o mesmo que a revogação proposta pelo governo.
Respeitei a opinião publica livremente manifestada. Se, errei foi em boa fé. Eis aqui como o sr. Luciano de Castro chama agora massas desenfreadas e lodo da rua ao que chamava em 1868 a livre manifestação da opinião publica!

E ao mesmo tempo acha-se o illustre deputado encostado agora aos patriotas.

(Interrupção que se não percebeu.)

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Pois o sr. ministro da fazenda, que eu vejo presente, não é o chefe da patriotica do Porto? Pois o illustre deputado veiu á camara contra os patriotas?

(Áparte que não se percebeu.)

Veiu contra mim, mas veiu mandado pelo governo dos patriotas.

Portanto os patriotas são seus amigos, e já ao menos servem para alguma cousa os taes patriotas. Emquanto elles bateram o sr. deputado em Villa Nova de Gaia e Pesqueira não veiu s. exa. cá.

Agora responda-me o illustre deputado se era o lodo, se eram as massas desenfreadas, ou se era a opinião publica livremente manifestada? Como em Villa Nova de Gaia a opinião publica se manifestou livremente, não havia ahi massas populares!

Se o sr. Luciano de Castro faz esses cortejos ao povo, ainda que só nas vesperas da eleição, que necessidade tem, sem ninguem o aggredir, sabendo que as suas armas de ataque o ferem profundamente; que necessidade tem, repito, de chamar aos populares massas desenfreadas, lodo da rua, etc.? Pois o lodo da rua marcava em janeiro um movimento completo e honroso em todo o paiz, que ainda subsiste e é respeitado.

Pois não vê s. exa. que, querendo ferir-me, vae ferir os seus mais dedicados amigos?

Eu, pela minha parte, estou prompto a responder por todos os meus actos. Estou ainda nas mesmas idéas. As considerações que tinha com o povo n'essa occasião tenho-as ainda hoje. Era povo, e sou povo ainda; e se isto traz comsigo o eu ser lodo da rua, serei lodo. Deixarei ao sr. deputado em paz os seus pergaminhos, as suas glorias, as suas pompas, as suas prosapias e vaidades, porque eu não tenho inveja a ninguem.

Tenho dito:

(Vozes:- Muito bem.)

O sr. Santos e Silva:- Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se julga esta materia suficientemente discutida.

Julgou-se discutida, e seguidamente foi approvado o projecto na generalidade e especialidade.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para a sessão de amanhã é a discussão do projecto de lei n.° 4 e o mais que occorrer.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e um quarto da tarde.

1:205-IMPRENSA NACIONAL-1869

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