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N.° 27
SESSÃO DE 31 DE MARÇO DE 1860
PRESIDÊNCIA DO SR. BARTHOLOMEU DOS MARTYRES DIAS E SOUSA
SECRETÁRIOS OS SRS.
José de Mello Gouveia
Luiz Albano de Andrade Moraes
Chamada—presentes 88 srs. deputados.
Entraram durante a sessão—os srs. Lacerda (Antonio), Dias de Azeredo, Gonçalves de Freitas, Gouveia Osorio, Ferreira Pontes, Avila, Barros e Sá, Arrobas, Fontes Pereira de Mello, Pinto de Albuquerque, Anlonio de Serpa, Sousa Azevedo, Palmeirim, Xavier da Silva, barão das Lages, Garcez, Carlos Benlo, Cyrillo Machado, Ramiro Coutinho, C. J. Nunes, conde da Torre, Silva Cunha, Faustino da Gama, Folque, Frederico de Mello, F. C. do Amaral, Costa Lobo, Pulido, Soares Franco, Magalhães Lacerda, Pereira de Carvalho e Abreu, Palma, Gomes de Castro, Márlens Ferrão, Ferraz de Miranda, Rebello Cabral, Castro Portugal, Aragão, Lobo d'Avi!a, Sousa Pinto Basto, José Estevão, Figueiredo de Faria, J. M. de Abreu, Casal Ribeiro, Nogueira, Justino de Freitas, Rebello da Silva, Camara Leme, Freitas Branco, Mendes de Vasconcellos, Teixeira dc Sampaio Júnior, Pinlo Martins, Moraes Soares, Pinto da França e Thiago Horta.
Não compareceram—os srs. Azevedo Cunha, Correia Caldeira, Paiva Pinto, Bicudo Correia, Posser, Gaspar Pereira, Mello e Minas, Sousa Machado, Pacheco, Julio do Carvalhal c Mariano de Sousa. "
Abertura—á meia hora da tarde. Acta—approvada.
DECLARAÇÕES
1.*—Do sr. visconde de Portocarrero, de que osr. Bicudo Correia não comparece á sessão por incommodo de saude. A camara ficou inteirada.
2."—-Do sr. Infante Pessanha, de que o sr. Sousa Feio não compareceu á sessão de hontem, não comparece á de hoje, nem talvez a mais algumas, por motivo justificado.
A camara ficou inteirada.
CORRESPONDÊNCIA
OFFICIOS
1.°—Do sr. Posser, participando que, por incommodo de saude, não pôde ser presente á sessão de honlem, á de hoje e talvez a mais algumas.
A camara ficou inteirada.
2."—D» camara dos dignos pares, participando ter sido ali approvada e reduzida a decrelo das cortes a proposição de lei sobre ser admittida até 30 de junho próximo a livre importação de trigo e centeio.
A camara ficou inteirada.
Vol. II—Makço—1860.
3.°—Do ministério do reino, acompanhando os processos eleiloraes das eleições nos circulos de Angra do Heroismo e Barlavento de Cabo Verde, a que se procedeu em 10 de setembro de 1859.
Foi á commissão de poderes.
4.'—Do mesmo ministério, acompanhando uma nota das alterações occorridas na despeza d'esle ministério, desde que foi organisado o orçamento para o anno económico de 1860-1861 alé 29 de fevereiro próximo findo; satisfazendo assim a um requerimento do sr. Justino de Freitas.
Foi á commissão de fazenda.
5.°—Do ministério da guerra, acompanhando a nota das alterações occorridas no orçamento d'este ministério para o anno económico de 1860-1861, desde a sua confecção em 30 de junho próximo passado até 17 do presente mez.
Foi á mesma commissão. .
6.°—Do ministério das obras publicas, acompanhando uma nola do material fornecido por sir Morton Petto para o caminho de ferro de leste; satisfazendo assim a um requerimento do sr. José Estevão. • Para a secretaria.
7.°—Do mesmo ministério, dando os esclarecimentos pedidos pelo sr. Francisco Costa, relativos á eslrada de Ovar para a villa da Feira.
Para a secretaria.
REPRESENTAÇÃO
Da camara municipal de Villa Viçosa, pedindo que se ap-proxime o traçado do caminho de ferro de lesle dos concelhos de Extremoz, Borba, Villa Viçosa e Alandroal.
Foi á commissão de obras publicas.
SEGUNDAS LEITURAS
PROPOSTA
A commissão do ultramar pede que lhe sejam adjuntos os srs. deputados Francisco Joaquim da Cosia e Silva e Francisco Rodrigues Batalha. —J. A. Maia, secretario.
Foi admittida e logo approvada.
Também leve segunda leitura um requerimenlo do sr. Arrobas para se recommendar ao governo a impressão de todos os documentos relativos ao tratado entre Portugal e a Hol-landa.
O sr. Presidente:—Devo dizer que, segundo as resoluções tomadas pela camara, nenhum requerimento dos srs. deputados, onde se inclua a clausula de recommendacão ao go-

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verno, pôde ser expedido pela mesa sem que seja admiltido á discussão, discutido e approvado pela camara.
Em consequência d'islo vou propor o requerimento á decisão da camara.
O sr. Mello Soares:—Sr. presidente, por ora não interponho o meu juizo sobre a conveniência ou necessidade de se imprimirem esses documentos, comquanto entenda que a impressão d'elles pôde dar luz ao negocio, que não é de monta, mas sobre o qual a camara deve ser esclarecida ; lambem não fallo em relação ao modo por que o requerimento deve ser expedido, e parece-me que o que v. ex.* disse é doutrina regimental, islo é, que requerimentos q?esles, nunca se devem expedir sem decisão da câmara,; m,as parece-me que não estando presente o auclor do requerimento, é pratica e boa pratica esperar-se para entrar em discussão quando elle estiver presente.
Assim se decidiu. ' ' ; !
O sr. Ramiro Coutinho: — Sr. presidente, é para mandar para a mesa uma representação das camarás municipaes de Cintra e Cascaes, para ser remettida á commissão á$ obras publicas, a fim de que essa commissão possa ver as ponderações que fazem aquellas duas camarás, sobre a necessidade da estrada de Cintra a Cascaes. Eu e o sr. deputado Aboim já fizemos uma proposta que foi remettida á commissão para este mesmo fim. As duas camarás reunidas çnlendem que é de absoluta, necessidade a conslrucção d'esta eslrada, que se torna de toda a facilidade por achar-se quasi germinada a de Paço d'Arcos a Cascaes, e podendo por consequência q partido que anda trabalhando n'esla ser enviado para a confecção d'aquella.
O sr. Alves Martins: — Mando para a mesa uma representação de trezentos trinta e seis moradores de Extrcmoz, em que pedem á camara dos deputados que approve a directriz da linha férrea á fronteira de Hespanhá, que vae por aquella povoação. Esle negocio está affeclo á camara; no entretanto parece que as obras que o governo mandou fazer por sua conta e risco n'outra directriz, estorvam este pedido que fazem os habitantes de Exlremoz. A representação vae para a mesa, que lhe dará o destino conveniente, e a camara apreciará os motivos e fundamentos que elles apresentam.
O sr. Plácido de Abrati —Peço a v. ex.* que me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas.
O sr. Visconde de Pindella: — Sr. presidente, tenho a honra de remetlcr para a mesa uma representação dos habitantes de Guimarães, pedindo que não seja alterada a directriz da estrada de Guimarães a Traz-os-Montes, como, se acha no contrato Charles Langlois, e como representou acamara municipal d'aquella cidade, como já tive a honra de apresentar aqui n'uma das sessões passadas. Esta representação, sr. presidente, çstá assignada poç lodos os principaes cidadãos, tanto da cidade de Guimarães, como do seu concelho, proprietários, negociantes, artistas e ... por todos.
Sr. presidente, porque a questão de que se trata é de todos, do rico e do pobre.
N'esla representação, sr. presidçnte, se dão as mesmas rasões já expostas por mim por diversas vezes, e já apresentadas igualmente pelos meus illuslres collegas de Celorico, Cabeceiras, e Villa, Pouca de Aguiar»
Eu, sr. presidente, depois de Ires vezes ter levantado a minha débil voz sobre este objecto,, e feito n'essas occasiões as considerações precisas para mostrar a v. ex.' e á camara a justiça d'esle pedido, depois, digo, que aquelles meus illus-tres amigos tão exuberantemente à fizeram v,er, pouco mais direi a esle respeito, mesmo porque bem, pi?uço tenho a qcresr cenlar.
Mas tenho, sr. presidente, lenho a levantar bem alto a minha voz, perante oparlamenlo, protestando d'este modo contra a palavra preferencia, que um illuslre depulado aqui disse n'uma das sessões passadas, recommendando a directriz d'esta estrada de Braga pelas Alturas.
Protesto, sr. presidente, e, protesto era nome de mais de mil e setecentos habitantes, cujos nomes aqui vejo, em nome
de uma grande e importantissima parte das províncias do Minho e Traz-os-Monles.
Sr. presidente, eu e os meus illustrcs collegas não fazemos opposição a eslrada nenhuma, eu entendo, como lodos nós, que todas são necessárias, mas não podemos admittir, e islo com a mão na consciência, que alguma oulra eslrada que ligue o Minho a Traz-os-Montes venha preferir esta, que é a eslrada central, a que vae directamente communicar com o Porto, emquanto que aquella pelas Alturas é marginal: e se o meu illustre amigo me consente, sempre direi que não supponho Portugal tão rico ainda de viação, que vá fazer uma estrada, com preferencia á outra, em que n'uma grande parte dp anno terá por passageiros os lobos e cabras bravas!
Sr. presidente, eu não quero ser infadonho; já, como tive a honra de dizer, é esla a terceira vez que recommendo ao governo e á camara esta directriz; o governo, pelo nobre ministro das obras publicas, já declarou que não alterava a di- , reclriz, que a conservaria como se acha no contrato Langlois; a camara ha de approva-lo, porque a camara faz justiça, e esla está toda da parle dos habitantes de Guimarães, cuja representação tenho a honra de enviar.
Por esla occasião permilta-me v. ex.", sr.-presidente, que eu adopte e faça meu o projecto de lei aqui apresentado por alguns illuslres deputados relativamente a melhorar a sorte dos infelizes officiaes de Évora Monte: eu quero unir os meus votos aos d'aquelles dignissimos deputados, que são a voz da humanidade a bradar justiça pela mais santa das causas!
Não basta dizer-se, sr. presidente, que é preciso lançar-se um véu sobre as nossas passadas discórdias politicas, é preciso que esse véu não seja tão diaphano que alravez d'elle se vejam as lagrimas, soffrimentos e misérias da maior parle d'aquelles cidadãos portuguezes que lêem direilo a que se lhes taça jusliça, jusliça que eu espero que o parlamento de 1860 ha de fazer, porque é illuslrado, independente e justiceiro. Apraz-me levantar aqui esle brado; é uma classe respeitável e infeliz, que lem direilo a que por uma vez acabem os seus soffrimentos; porlanto eu pedia a v. ex.*, á camara e á illustre commissão de guerra, que o mais breve possivel resolvam este negocio ião humanitário, como direi, nacional; pois é uma vergonha para todos e para a nação, qu,ç uma corporação d'aquellas soffra como está soffrendo! Eu quero dar com isto um alio leslemunho da minha considerarão por esla classe, testemunho que eslá no espirito, bem sei, de lodos nós, e que por conseguinte todos os meus illuslres collegas approvam, porque é de todos. Sr. presidente, eu não duvido nem por um momento de que se não faça justiça, pelo contrario, seria duvidar da justiça da causa que advogo; porém, sr, presidente, isto é uma queslão lambem de tempo. Nós os portuguezes, infelizmente, não damos valor ao tempo, aquillo justamente que mais valor tem. Para nós o tempo é nada, como infelizmente aqui, n'esta mesma casa o estou vendo todos os dias; para Inglaterra é tudo, porque não ha dinheiro que o compre; um dia portanto que passe sem que se repare o mal, sem que se faça jusliça aquelles infelizes portuguezes, é augmcnlar a sua quasi desesperada posição, e levar, o luto a muita familia honrada; eu entendo, sr. presidente, que este negocio se deve decidir o mais breve,, possivel, porque um momento n'es,le caso não é indifferente; um dia de amargura é um século para quem o passa; é uma scena atroz de marlyrios e pezares que deve acabar. Justiça a todos é um bellp mple;, mas justiça feita, e feita de prom-plo a quem a pede com lagrimas, é mais bello ainda, é a mais augusta das missões na terra!
Não incommodarei por mais lempo a camara; não quero abusar do favor com que me ouve, e visto mesmo a hora estar bastante adiantada.
Peço pois, unindo os meus rogos aos dos meus illuslres collegas auctores do projecto, para que se faça jusliça, mas com a possivel brevidade; o que recommendo a v. ex.', sr. presidente, e á illustre commissão de guerra, e recommen-do-o em nome do direilo, da justiça, da humanidade, e finalmente em nome da dignidade do paiz.

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tem; deixaram de soffrer, porque deixaram de viver! Isto é doloroso: poupemos dias a irmãos nossos que são contados por longas horas de soffrimenlos e dores; evile-se o mal, já que é impossível remediar o já causado; a justiça d'esta causa é sanla, é justa, não é uma esmola, bem longe d'isto, é um dever; é o cumprimento d'elle que eu peço, e que está no animo de lodos nós, faça-se portanto e quanlo antes: é o que eu tenho a honra de pedir a v. ex.* e á illuslre commissão de guerra.
O sr. Luiz Albano:—É para requerer ao governo que faça remetter a esla camara, pelo conselho superior de instrucção publica, os documenlos, que eu linha pedido para sè juntarem a uma proposla que fiz na sessão passada, renovando a iniciativa de um projeclo de lei n'essa occasião.
Parece-me escusado estar a Jer o requerimento; mando-o para a mesa.
O sr. Francisco Costa:—Eu pedia a v. ex.* que mandasse publicar no Diário de Lisboa um projeclo de lei que eu apresentei ha dias, relativo ao modo como se devem fazer as reformas para os empregados civis no ultramar.
O sr. Jacome Correia:—Alando para a mesa a seguinte proposta. (Leu.) ,
Se estivesse presente o sr. minislro das' obras publicas eu faria algumas considerações a respeilo d'esla proposla, mas como não está presente, mando-a para a mesa, e peço que seja depois remettida á commissão de obras publicas, e o nobre ministro na commissão lerá conhecimento d'ella.
O sr. Affonso Botelho:—Um empregado do Porlo requer á camara um augmenlo no seu ordenado.
Com quanlo eu não seja muilo inclinado a que o numero de empregados se augmenle, estou comludo convencido de que é preciso dar-lhes com que elles vivam, para se lhes poder exigir que sejam honestos e que cumpram os seus deveres. É esse o objecto d'este requerimenlo que eu remetlo para a mesa.
O. sr. D. José de Alarcão:—Eu desejava que estivesse presente o sr. minislro das obras publicas para chamar a sua altenção sobre um requerimenlo assignado por mim e mais alguns srs. deputados, e que prende com a questão que eslá em discussão; o requerimenlo é o seguinte. (Leu.)
Sr., presidenle, esta directriz é a mais económica, por isso que é mais curta; são sele léguas de menos; são 40 e tantos kilomelros. Eu vendo que a illuslre commissão, de accordo com o sr. ministro das obras publicas, apresentava a idéa de que a direclriz fosse junto á praça de Elvas, mais me animo a fazer este requerimento. Não quero incommodar mais a camara, e só peço a v. ex.* que lhe dè o deslino que julgar convenienle; e chamo a allenção do sr. ministro das obras publicas sobre um objeclo de tanto interesse e economia.
Osr. Plácido de Abreu:—Sr. presidenle, no requerimenlo que live a honra de apresentar na sessão de hontem, tive por objecta esclarecer e elucidar a proposta do governo, e evitar para o futuro duvidas na execução do contrato; duvidas que tèem apparècido no assumpto, e que não appareceriam por certo se ao contrato primitivo se reunissem os períis-typos geraes de construcção.
Amestrado pois por esse facto fiz o meu requerimento na idéa.que a matéria se esclarecesse, e não quiz de modo algum protrabir ou demorar a discussão.
Permitta-me o sr. ministro que diga ques. ex.*pódesatis-fozer o meu requerimento em poucos instantes, ordenando que na repartição technica do ministério a seu cargo se elaborem os perfis requeridos.
Ê negocio de poucas horas. A idéa de mandar vir de Madrid os perfis-typos, e de ser preciso um mez, é tal que me convenço de que s. ex.* não deu altenção ao que requeri, e então concebeu o objecto por modo muilo differenlc d'aquelle por que eu o tinha concebido. Creia o sr. ministro que não tenho em visla demorar a discussão, e menos fazer opposição a s. ex.', a quem só tributo respeito e consideração.
Entendo que o contrato fica defeituoso se a proposta do governo se não esclarecer com aquelles desenhos, e enlão peço a s. ex.* e ao governo que, por bem do seu paiz, ac-
ceda á idéa apresentada, que nada lem de reservada, e menos de querer embaraçar a presenle discussão. O contraio Hislop era n'esle ponlo mais amplo e perfeito, porque era instruído com Iodas as peças e desenhos mais essenciaes relativos ao assumpto, e os perfis-typos geraes de conslrucção eram uma parle componente. A camara fará o que entender na sua sabedoria; pela minha parle tenho cumprido o meu dever.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Antonio de Serpa): — Direi só duas palavras. Eu admillo que o illuslre depulado não tinha intenção de embaraçar o debate; no entretanto o que eu disse é que a execução da proposla do illuslre depulado podia Irazer esse embaraço. O illuslre deputado quer o perfil—typo dos caminhos de ferro hespanhoes. A camara não pôde* enlrar aqui na queslão technica; e o governo propox que ficasse bem consignado que os caminhos não haviam de ter dimensões inferiores aos perlis e dimensões dos caminhos de ferro hespanhoes; islo é, que os nossos caminhos teriam dimensões rasoaveis e próprias para a segurança e vantagem da exploração do caminho. Eu sei que em Hespanha ha diversas dimensões e perfis; por consequência, para satisfazer cabalmente ao requerimento do illustre depulado, é necessário mandar vir os perfis de todos os caminhos de ferro hespanhoes, e não só os que vem designados no requerimenlo.
Para se poder saber o que se ha de adoptar, e para se ter a certeza de que os perfis dos caminhos de ferro porluguezes não serão inferiores aos hespanhoes, é necessário manda-los vir de uma maneira aulhenlica, e não só de um, mas de todos os caminhos. Não se admitle uma cousa que se não conhece, admitle-se uma cousa que se sabe que é boa; é isso o que quer a camara; o que ella quer é ficar tendo a certeza de que os perlis são bons, de que as dimensões são rasoaveis.
Portanto, sr. presidente, não sei que vantagem ha em virem aqui os perlis de lodos os caminhos de ferro hespanhoes, ficando consignado no projecto, que os perfis nao hao de ser senão em harmonia com os que estiverem adoptados nos principaes caminhos hespanhoes.
O sr. Presidente: — Tem a palavra sobre a ordem o sr. José Estevão.
O sr. José Estevão:—V. ex.* não me pôde dar a palavra sobre a ordem porque é uma hora, eslamos na ordem do dia. Eu pedi a palavra para protestar contra mais caminhos de ferro e perfis pintados; lerei occasião para isso, e eu lhes direi Como todos, creio que alé os contínuos, tèem pintado perfis.
ORDEM DO DIA
CONTINUA A DISCUSSÃO DO ARTIGO 1."DO PROJECTON.« 13.
O sr. Lobo d'Avila: —Sr. presidente, eu vou hoje dizer muito poucas palavras para justificar a emenda que live a honra de mandar para a mesa a esle arligo 1.°, emenda pela qual elimino uma grande parte das condições que vem consignadas n'esse mesmo arligo. Não quero fatigar a allenção da camara, nem tirar a palavra aos srs. deputados que estão inscriptos sobre a matéria; não tenho portanto a prelenção de fazer agora um discurso, mas unicamente muito breves reflexões para justificar a minha emenda e mais nada.

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gar, que as dimensões que se propõem são inferiores aquellas que eslão estipuladas no contrato; mas suppondo que isso 6 duvidoso, é melhor deixar a decisão da questão aos árbitros, do que decidi-la desde já contra nós. (Apoiados.) Portanto não vejo vantagem em fixar desde já que as dimensões da via são inferiores ás estipuladas no contraio; podem os árbitros julgar, e não podem deixar de julgar que as dimensões fixadas no contrato são superiores aquellas que aqui se estipulam. (Apoiados.)
Devo dizer com boa fé e franqueza, que a única cousa que sc augmenla é a largura dos subterrâneos cm 0m,4; mas depois quando se tratar da execução do conlralo, se se vir que é indispensável haver subterrâneos, porque isso ainda é outra cousa a verificar; enlão depois de decidida a questão, se essa questão se ventilar e se provar que effeclivamente nas larguras propostas pelo concessionário ha um augmento em referencia ás que estão estipuladas no contrato, póde-se entrar n'um accordo sobre uma compensação pela largura dos subterrâneos sem o estado despender mais cousa alguma. Em lodo o caso isso é uma questão dc execução. Outro dia o sr. minislro do reino citou aqui uma consulta do conselho de obras publicas a respeilo da execução de um contraio, mas parece-me que não vinha a propósito a sua citação. Sabemos lodos que quando se faz um conlralo em que se estipulam condições lechnicas, quando se vae applicar o traçado ao terreno, lia sempre modificações, são permiltidas certas variantes, c n'essa occasião o governo decide essas questões; mas é uma cousa muito diversa fazer uma alteração essencial n'um contrato em beneficio do concessionário sem estar ainda provado que para sc applicar o traçado ao terreno se exige essa alteração. E tanlo islo é assim, que eu peço que se considere que o conselho dc obras publicas é tão imparcial n'eslas questões, que já na consulta que citou o sr. minislro do reino, de 3 de janeiro de 1835, em que não havia queslão alguma politica, elle sustentava exactamente a mesma opinião, e sinto que o illustre minislro não tivesse lido aqui toda a consulta do conselho a esle respeilo. Já então se levantou uma queslão sobre a execução do conlralo Hislop naapplicação do perfil ao terreno. No contrato estava apenas estabelecido que a largura do caminho de ferro seria tal; não quero citar cifras, porque sei que isso arripia os illuslres deputados ; era uma certa largura; 8m,30 para os aterros e 7m,40 para as escavações. Não se dizia ao nivel dos carris; houve uma reclamação da parte dos empreiteiros e o conselho consultou o seguinte:
«A largura do caminho estabelecida no contrato naturalmente deve ser contada nasuperficie superior do balastro e não na superfície inferior, na plataforma dos aterros e escavações; mas se restasse alguma duvida bastava reflectir para a desvanecer, que aquellas dimensões contadas como o têem entendido o governo de Sua Mageslade, os seus fiscaes e o conselho de obras publicas são litleralmente conformes ás adoptadas nos cadernos de encargos francezes, que n'aquelle paiz sempre se entenderam e executaram assim; o que se vê nos modelos dos projectos de caminhos de ferro distribuídos e mandados observar pelo ministério das obras publicas, e sobre estes dados, são formuladas as tábuas para o calculo dos volumes de terras, que partem da base de que o terrapleno nos aterros lem 10™,10 de largura, e nos desaterros 9m,20;»
Vozes: — Mande para a mesa; mande para a mesa.
O Orador: — Porlanlo já se vè que a final em França, onde ha a tal via de lm,44, a largura dos aterros é de 10m,*10 e as escavações de 9m,20, e aqui a largura para os aterros é 9m, e de 8m,50 para as escavações. Pois enlão estas dimensões não são inferiores? Quer-se negar o que dizem os documenlos officiaes, os perfis pelos quaes são feitos os diversos caminhos e alé as labuas pelas quaes os volumes são calculados? Quer-se porventura dizer que estas bases são falsas? Não pôde ser, islo não se pôde negar. É evidente para toda a gente sensata que o que se quiz foi fornecer um pretexto para sobre elle se fazer uma concessão; (Apoiados.) mas era melhor pôr esta queslão com franqueza. (Apoiados.) Eu dis-se-o na commissão. Diga-se anles, o concessionário não pôde
executar o contrato; o conlralo precisa de uma alteração que dc mais vantagem ao concessionário; a alteração que entendemos dever conceder é esta, é a dispensa dos movimentos de terra, veja a camara se o contrato ainda assim fica aceitável. Era melhor pôr'a queslão n'estes termos, pô-la com franqueza e verdade, considerarmos se effeclivamente o que se concedia era compensado pela vantagem de ter um caminho de ferro, se não haveria meio de. executar o contrato por outro modo e enlão decidiríamos a questão; mas querer-se sobre um falso pretexto fazer sssa concessão ao empreiteiro, isso é realmente uma cousa que não posso admittir. Foi isto o que disse o conselho de obras publicas em 1855 a propósito de um oulro conlralo. Já se vê que o conselho não é suspeito de parcialidade, não o pôde ser porque sempre entendeu as questões lechnicas do mesmo modo e conforme a verdade; agora o que o conselho não pôde nem deve fazer, nem. ninguém, permilta-me o sr. ministro do reino, que sinto não ver presente, é variar de opinião, porque o ministro varia de parecer. S. ex.' disse que eu o linha acompanhado cm outro tempo; é verdade, mas s. ex." separou-se de mim. Eu entendo as cousas actualmente como sempre as entendi, emquanto s. ex." asentende.hoje de um modo muito diverso d'aquelle, que as entendeu outr'ora; porlanlo foi s. ex." que se separou de mim, e nem eu nem ninguém pôde andar alrellado a pessoas, (Apoiados.) mas sim seguir cousas e principios, e defender sempre os inleresses do paiz.
Sr. presidenle, calculei eu aqui o valor dos movimentos de lerra de que era dispensado o emprezario em 2.000:000^000 proximamente. Esle calculo lem sido muito contestado, e não sei se pôde haver alguém que lenha supposlo que eu apresentei uma cifra redonda para fazer effeito sem ter fundamento algum. Não é assim, se alguém lem essa suspeita, ella é completamente infundada. Eu fui buscar os projectos de mr. Wat-ticr e mr. Bourá, engenheiros que foram mandados aqui pelo ministério da regeneração, para estudar o que era respectivo aos caminhos de ferro, que se tentava fazer no nosso paiz; estes projectos têem cálculos muilo detalhados a este respeilo, lêem os volumes de terra calculados para todas as linhas, os perfis longitudinaes e os perfis transversaes, eu fui ahi a esses projectos c vi que se calculam os movimentos de lerra para duas vias, termo médio, 20:000^000 rs. por kilometro. Mr. Watlier e mr. Bourá reputavam que estes trabalhos feilos. por operários francezes sairiam mais baralos e mais caros feilos entre nós por operários porluguezes, porque não estavam a fiei tos a esles trabalhos, e por causa também dos nossos maus. meios de transporte, não era possivel que aqui esles trabalhos produzissem os mesmos resultados úteis que produziriam em França. Portanto eu fui a esta cifra e deduzi 25 por cento que é quanto mr. Watlier suppoz que os trabalhos entre nós deviam custar mais, vista a inexperiência dos nossos operários, e porque effeclivamente o seu trabalho parece render menos que o dos operários estrangeiros, deduzi, digo, 25 por cento, ficam pois 15:000^000 por kilomelro, comparando como se deve comparar, aquillo que o sr. Salamanca linha obrigação de fazer, nos lermos do conlralo, com aquillo que effeclivamente faz, a differença entre esles dois lermos, esla differença equivale a um terço; tome-se um terço d'esta quantia acharemos que em relação a cada kilomelro custam as referidas terraplenagens dispensadas5:000$000;applicado a 418 kilomelros, dará mais alguma cousa que os 2.000:000^000 que referi, isto é na hypothese de que os declives não excederão a 0m,010 por metro, e que os raios das curvas nunca . sejam menores de 400m. Citou-se Miguel Chevalier; podia citar lodos quantos lêem escriplo sobre esta matéria de caminhos de ferro, todos elles dizem que varia muilo o preço dos caminhos de ferro conforme as condições com que elles são construídos, se em qualquer caminho de ferro se permitlirem muilo fortes declives, se os raios das curvas forem muito pequenos, se se fixar que a linha férrea possa adaptar-se mais ao terreno que lem de percorrer, o preço é menor.

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procurei outro meio de verificar este calculo, e direi qual é: a differença de movimentos de terra que o concessionário tinha que executar em virtude do contrato e aquelles que elle effectivamenle executará com os perfis propostos para uma via, a differença entre estes dois movimentos de terra que tem a fazer, achei que são 15m cúbicos que o concessionário deixa de fazer por cada metro corrente, a differença em relação a 418 kilometros dá mais de 6000000™, cúbicos de movimentos de lerra. Agora vejamos quanlo cusla cada metro cubico de movimentos de lerra, custa termo médio 240 a 300, multipliquem os illuslres deputados 300 por 6000000m cúbicos, verão que veiu a dar 1.800:000^000, islo é, perto de 2.000:000^000. E não são comprehendidas muitas obras, a que já aqui se referiu um illuslre depulado, que fallou n'esta matéria, como são obras correntes, pontilhões, canos, obras de revestimento, pedrados ele, emfim outros serviços que tem a fazer e que devem ir incorporados nos movimentos de terra que se contassem, elevariam a 2.000:000^000 aquella somma. Porlanlo por este methodo de calcular eu verifiquei a base dos estudos feitos por engenheiros francezes, e cheguei ao mesmo resullado que apresentei na primeira vez que fallei n'esla matéria.
Bem sei que esta somma se pôde reduzir consideravelmenla, se o conlralo não for executado como deve ser, se não for construído em boas condições de arte, se se consentir o augmento dos declives, nos terrenos fáceis e que não oíferecem graves difiiculdades. Mas eu entendo que se ijão deve sacrificar a boa conslrucção da linha férrea á economia no interesse de quem os ha de construir. (Àpoiadot.)
Disse eu por outro lado, que o caminho de ferro da fronteira como vae sendo construído não custaria mais de 30:000^000 por kilometro; e pareceram a alguém contradi-ctorias estas duas asserções; e não é assim, não são conlra-dictorias. O caminho de ferro que nós devíamos construir custava mais caro, porque os declives não podiam exceder a 0m,010, e os raios das curvas não deviam ser inferiores a 400 metros; mas construindo o caminho com muita liberdade, permittindo que os declives sejam superiores aOra,010, e que os raios das curvas sejam menores que 400 melros, ha de acontecer que a despeza diminue consideravelmente e que effectivamenle o caminho poderá custar 30:000^000 por kilometro; mas se não se permitirem essas liberdades, então o caminho poderá effectivamenle custar 40 a 50:000^000 por kilometro-
O sr. Presidente:—Eu tehno muita repugnância em cn-terromper o orador; mas não posso deixar de o fazer agora a fim de pedir ao illuslre deputado que cumpra a sua palavra dada hontem por occasião de apresentar uma moção de ordem, quando disse=que se limitaria a motiva-la e nada mais=«; mas eu vejo que o illustre deputado lem feito algumas considerações que é inteiramente a matéria do artigo em discussão, pois que alé está apresentando cálculos cm refutação, ou contra aquelles que na discussão da matéria principal foram apresentados por oulros oradores. (Apoiados.)
O Orador: — Peço perdão. Eu propuz a eliminação do artigo do parecer que concede a dispensa dos movimentos de terra, c propondo islo lenho de explicar as rasões por que propuz essa eliminação; (Apoiados) e propuz a eliminação do artigo do parecer da commissão, porque dá um encargo muito grande para o paiz; (Apoiados.) tenho por força de avaliar esse encargo (Apoiados.) e expor a rasão por que digo que não ha compensação alguma d'csle encargo para o eslado, e para isto tenho de seguir a ordem natural das minhas idéas: entretanto resumir-me-hei o mais que poder, c parece-me que não estou fóra da ordem. (Apoiados.)
Mas, como ía dizendo, poderá o caminho de ferro custar os 30:000^000 por kilometro, suppondo que os movimentos dc lerra e as obras de arte custam aquillo que os illuslres deputados disseram. Eu tirei a media dos caminhos de ferro francezes para uma só via, e achei o seguinte resultado. (Leu.)
Portanto não ha contradicção entre eslas duas asserções. Demais, sr. presidente, o que é que nós queremos conce-
der? O augmento da largura da linha. Mas esse já não existia pela modificação apresenlada, anles pelo contrario alinha vinha a ficar mais estreita do que aquillo que parece querer-se. Mas para emendar esse erro veiu a commissão de accordo com o governo fazer nova proposta; porém que é que se diz ahi n'essa emenda da commissão? Diz-se = que se adopte o perfil hespanhol =. Começo a ver muita confusão n'csta queslão. (Apoiados.)
A commissão principiou apresentando dimensões que declarou serem as que a sciencia, a malhemalica, determinavam; o que isto tudo mostra é a necessidade absoluta de que esta questão seja definida. (Apoiados.) Agora diz-se: «Propomos as dimensões hespanholas»; enlão quaes eram as outras que propozeram a principio? Não dissestes que eram hespanholas? Eu como não sei quaes são os perfis que sc propõem, como vejo umas vezes sustentar uma cousa outras vezes outra, e não sei que larguras são estas, entendo que ha necessidade absoluta de defini-las, e ha tanta mais necessidade absoluta de definir, e chamo a altenção da camara, porque se trata de uma queslão de segurança publica, dc uma queslão de vida de quem transitar por este caminho. Propoz-se aqui para uma via
Largura da parte superior do balastro.............2m,90
Comprimento das travessas.....................2m,78
Differença.............0m,12
quer dizer, ficam apenas 0m,06 de cada lado da via, entre a extremidade da travessa e a aresta do balastro, o que é muilo pouco para a segurança do caminho de ferro; nos perfis officiaes hespanhoes aquella dimensão é de Om,2<_5 de='de' alguma='alguma' parte='parte' do='do' eslá='eslá' pelo='pelo' cinco='cinco' ioda='ioda' menos='menos' segurança='segurança' em='em' cousa='cousa' _0m06='_0m06' _1='_1' pôde='pôde' francezes='francezes' exige='exige' está='está' metro='metro' vezes='vezes' seja='seja' margem='margem' que='que' cadernos='cadernos' circulação.='circulação.' seis='seis' impossível='impossível' ainda='ainda' se='se' nos='nos' para='para' estipulado='estipulado' não='não' contra='contra' mas='mas' ser='ser' a='a' e='e' apoiados.='apoiados.' ou='ou' perigar='perigar' aqui='aqui' é='é' apoiados.br='apoiados.br' o='o' distancia='distancia' caminho='caminho' da='da' porque='porque' dc='dc'> Porlanto esla dimensão não se pôde admiltir. Mas agora, diz-se: «As dimensões das diversas parles do caminho em perfil transversal tanlo para uma como para duas vias, em aterros ou desaterros e terrenos de rocha, assim como nas obras de arte, nunca serão inferiores ás dimensões correspondentes das principaes linhas dc ferro hespanholas.» Mas como eu não sei quaes são os perfis hespanhoes de que se trata, entendo que é preciso definir isto. (Apoiados.)
Quanto a dizer-sc — que esta questão é imprópria da camara =, não a trouxessem cá, a culpa não foi nossa; esta questão veiu da commissão; lá é que se quizeram introduzir no contrato estas alterações, para a pretexto d'ellas se fazer a concessão da dispensa dos movimentos de terra para a segunda via ao concessionário; (Apoiados.) por consequência não foi culpa nossa o tratar do exame d'esla questão, mas sim de quem introduziu aqui estas alterações...
O sr. Presidente:—Mas cu peço licença ao illuslre depulado para lhe observar que tratando de motivar uma moção de ordem, não pôde responder a argumentos que na discussão se apresentaram; o illustre depulado comprehende muito bem que uma questão de ordem não pôde envolver a replica aos argumentos que na discussão lêem apresentado os adversários, e que desde que o fizer deixa de estar sobre a ordem e entra na matéria;, por consequência p^ço-lhe que procure quanto poder não se afastar da sua questão de ordem, não-desejo interrompe-lo, pôde continuar, mas peço-lhe que se limite á questão dc ordem.

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Sr. presidente, a única vantagem que se pôde dizer qne se consegue em todas estas concessões c o alargamento dos tunneis. O custo d'esle alargamento foi calculado em 300 e tantos contos, escuso dc estar a fazer agora o calculo, porque já o publiquei pela imprensa; mas todos sabem que o alargamento dos tunneis não imporia em fazer um pé direito, é apenas escavar mais alguma cousa e metter mais nma fiada de aduellas. O seu rusto, suppondo que ha 5 kilometros de subterrâneo segundo o projeclo de mr. Watlier, será de 30 a 40:000^000 e não de 330:000$000, como por engano se disse.
Portanto eu entendo que esta e as outras alterações propostas não offerecem vantagem alguma pira o estado, e vão pelo contrario desde já resolver a queslão de modo mais desvantajoso possivel para nós, questão que os árbitros não podiam resolver contra nós, e quando a resolvessem não a podiam resolver peior; c o contrato ficando como eslava e com a condição de formação da companhia, fica em.melhoras condições de ser votado. (Apoiados )
O sr. José Estevão (sobre a ordem): — Sr. presidente, eu vou fallar sobre a ordem, vou fazer um requerimento que mando para a mesa; é uma utopia, uma extravagância, um desconcerto, uma" offensa clamorosa contra os principios da sciencia e da economia, e sobretudo uma petulantíssima desconsideração pelas . proficiências technicas, e as illuslradas pessoas que as representam n'csta casa. Entretanto não posso deixar de o fazer, e vem a ser, para que, por qualquer forma que seja, esta questão se não termine sem me ser permit-tido dizer duas palavras a respeilo d'ella; porque ha uma parte principal n'csta queslão que é a resposta por narrativa feita sobre o que se passou nas commissões, que eu tenho necessidade absolula de rectificar, appellando do testemunho de parte dos membros d'ellas, para o de todos os deputados que as formaram. Eu julgo que nós podemos resolver todas as questões do mais alto interesse para o eslado, sustentando todas as nossas vistas politicas, sem comtudo nos deslembrarmos d'aquillo que aconleceu ha dois dias, e que teve muitas testemunhas, e vir repetir no publico incidentes desagradáveis enlre pessoas honeslas, honradas e incapazes de vir sustentar o contrario do que proferiram e sustentaram. A esta parle responde a verdade dos factos, e eu em nome d'ella, c sob qualquer titulo que seja, peço que me seja permittido dizer duas palavras n'esla queslão. Não fallo de muitos outros assumptos em que se lem tocado, e sobretudo da moção do illustre depulado que não vejo presente; mas preciso fazer patente á camara quanto as estipulações, que se lançaram no contrato e que nos asseguraram a execução simultânea dos dois caminhos influiram sobre a maioria dos membros das commissões para se alterarem as condições do contrato, e direi mesmo qual a importância do caminho de ferro de leste debaixo das condições militares e estratégicas, que eu sinto que não fossem apreciadas por tão altas e tão intelligentes capacidades militares, quanda pozeram a nossa liberdade e a independência do nosso paiz á mercê da caritala segurança de levar o caminho por debaixo das baterias de Elvas; e acrescentaria, ainda para mais segurança, que o caminho de ferro fosse construído de maneira que fosse, enfiado pelas baterias, para com dois ou Ires tiros matarmos os hespanhoes todos, quando quizessem invadir o nosso paiz.
A minha moção, como disse, é a seguinte. Preparem-se para uma grande ousadia, para um grande desconcerto, um grande absurdo, um escândalo scientifico, uma atrocidade económica. (Leu.)
(Riso.)
(Continuando) Eu já vi que os senhores se riem. O sr. Xavier da Silva:—Fui eu.
O Orador:—Pois eu não lenho valor para me rir do illustre deputado, porque para elle não lenho senão o, sorriso dâ amisade, e esse sentimento sobrepuja todos os oulros, e por isso quanto ás risadas não podemos ajustar as contas.
Eu ha muilo tempo que me estou a rir por dentro, e nestas risadas intimas lenho contemplado grande parte dos meus collegas; e não me rio d'elles, rio-me do que elles.lêem dito.
Obrigar uma nação nas pessoas de seus representantes a estar ha nove dias a medir sele palmos de lerreno, sem consentirem sequer que as obras se façam pelo modelo que nós apresentamos!... .Mas quando se apresenta um modelo o que é que se faz? Diz-se: « Faça isto como o fez o nosso visinho, faça-me umas botas como as do sr. Lobo d'Avila, faça-me uma casaca como a do sr. Avila. »
Peço a v. ex.*, sr. presidenle, e peço á camara que mc deixem sustentar cm tempo competente esse requerimento que mandei para a mesa, e que hei de sustentar mostrando o incrível e horrível disperdicio que se fez cm mandar construir a estrada de Coimbra ao Porto por preços fabulosos. E não se ria o illustre deputado, que quando ministro a pror poz e a mandou fazer...
O sr. Presidenle: — Isso é deslocado.
O Orador: — Isto não são senão os prolegomenos.
Peço a v. ex.* que me dê a palavra sobre a matéria de qualquer modo; e vou remetter para a mesa oulro requerimenlo, que é conjunclo com esto assumpto. (Leu.)
O sr. Presidente: — Eslá sobre a mesa a moção que o sr. Lobo d'Avila hontem apresentou, e que não pôde então ser admittida. porque se reservou a palavra ao sr. deputado para a sustentar hoje. Vou propo-la agora á admissão da camara.
Foi admittida e entrou em discussão.
O sr. Presidente: — Agora ha os dois requerimentos do sr. José Estevão. Um d'elles vae ter o destino competente, O outro considero-o mais como uma moção do que como requerimento, porque é para que a directriz siga outra direcção, e porque o sr. deputado pede que fique sobre a mesa para ser apreciado pelos illuslres deputados que houverem de fallar. N'esle caso vou propor a admissão d'ella para ficar sobre a mesa.
E a seguinle
PROPOSTA
Requeiro que se recommende ao governo que, na determinação da directriz do caminho de ferro de Coimbra ao Porto, se considere se será preferível a todo e qualquer Ira-, çado, pelo menos em alguns ponlos, levar o caminho deferro pelo leilo da estrada aclual, accordando-se com a companhia do caminho de ferro na indemnisação a que porventura o governo tenha direilo pelas obras feilas na referida estrada, eque porventura aproveitem á companhia. = José Estevão.
Eoi admitlida e entrou cm discussão.
O sr. D. Rodrigo de Menezes (sobre a ordem):—Eu não tenho senão a pedir o rigor do regimento. E lambem peço licença para dizer aos dois oradores que mc antecederam que ambos estiveram fora da ordem; e tanlo o esteve o primeiro, que o segundo se desforçou contra elle. Ora se estão tantos illuslres depulados inscriptos para fallar sobre a matéria, acho uma grande injustiça que outros lhes tirem o uso da palavra fallando sobre a ordem. Não creio que o fazem com essa intenção, mas levados pelo calor do debate vão precedendo assim os seus collegas, que linham a palavra primeiro, o que faz com que, estando ha dois dias em discussão o artigo 1." do projeclo n.° 13, ainda não vi fallar os srs. depulados que pediram a palavra sobre a matéria.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Antonio de Serpa):— Sr. presidente, eu parecia-me não ter de novo de ratificar faclos e asserções, que me parece que na camara foram, não intencionalmente, um pouco desfigurados. Refiro-mc a algumas palavras que pronunciou ainda ha pouco um illuslre depulado, que pediu a palavra sobre a ordem, pretendendo defender o conselho de obras publicas de imputações que não lhe foram aqui feilas.
Sr. presidenle, o meu lestemuuho, se for necessário, parecia-me que linha sido bastante para provar que o conselho de obras publicas não merece imputações desfavoráveis.

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signndo no Diário da Camara. Eu disse que o conselho tinha tido sempre esta opinião a respeito da contagem das larguras do caminho, que o conselho era imparcial e não podia deixar de o ser, c que nas opiniões emittidas na sua consulta defendia os interesses do estado.
Sr. presidente, disse-se aqui com mais espirito do que exactidão: «O conselho de obras publicas não é competente para decidir esla queslão technica, não é competente o ministro das obras publicas, nem é competente a camara.» Quem é então o competente?
Sr. presidente, para decidir em these uma queslão technica, c competente o conselho de obras publicas, são competentes lodos os engenheiros hespanhoes, francezes, inglezes, lodos os homens de arte, e não é competente a camara nem o minislro das obras publicas, que não c engenheiro; mas para decidir a interpretação de um artigo do conlralo não são competentes nem o conselho de obras publicas, nem os engenheiros, nem os ministros, nem a camara ; não ha senão um tribunal competente, são os árbitros estabelecidos pelo conlralo.
Ora o que eu não quero é que os árbitros possam decidir esta queslão; o que eu não quero é que a camara voie um contrato sujeito já a um litigio cerlo, o que eu desejo é que, na occasião de se approvar o contraio, se removam as diffi-culdadcs que appareceram para a sua execução.
A questão, sr. presidente, da terceira modificação que aqui se ventila é uma questão muito simples, e eu noto que os illustrcs deputados que lêem faltado sobre a matéria tèem emillido opiniões oppostas e contraditórias. Uns consideram esta terceira modificação como um ónus para o estado, outros querem que esse ónus seja muilo maior; eu ouvi aqui propor que se dessem á companhia muito mais indemnisações e mais compensações, ouvi mesmo propor que sc augmen-tasse a subvenção em 2:000$000. E de cerlo o emprezario aceitava muito melhor essa transacção; mas é isso o que o governo não quer; o que ao governo parece conveniente, é, afastar todas as duvidas para a execução do contrato e ao mesmo tempo alcançar condições convenientes ao paiz, sem o eslado despender mais um só real de subvenção. Emquanto outros paizes mais adiantados de que nós n'estes aperfeiçoamentos maleriaes e em muilo melhores circumslancias, e que não precisam fazer tantos sacrifícios como nós para estabelecer as suas linhas férreas, emquanto esses paizes ou os seus governos dão gratuitamente estas impugnadas concessões para o adiamento dos movimentos de terra, nós conseguimos vantagens importantes fazendo essa concessão. A vantagem que se propõe por esla lerceira modificação é afastar duvidas e adquirir condições importantíssimas para o eslado, como são a brevidade da conslrucção do caminho e o seu bom acabamento, a para isto não concedemos mais do que lá fóra se lem concedido gratuitamente.
Sr. presidente, tem-se pretendido aqui exagerar o custo das obras, das quaes se dispensa temporariamente a companhia, i
Eu já mojtrei á camara, assim como outros illuslres deputados, que as obras que são dispensadas não importarão em mais de 800:000^000: tirámos estes cálculos dos que são apresentados por engenheiros acreditados, acerca de obras executadas na França, na Bélgica e Allemanha; tiramo-los do oaçamenlo feito por um distincto engenheiro porluguez o sr. Couceiro, com relação aos 58 kilometros da Ponte de Asseca a Thomar; tiramo-los do orçamento approvado pelo conselho das obras publicas, acerca do caminho de ferro de Lisboa alé Santarém; e o illustre deputado que acaba de fallar contrapõe e estes cálculos, os cálculos tirados da memoria do sr. Wallier para os movimentos de terra d'esles mesmos caminhos do Porto e de lesle.
Pois saiba a camara e o illuslre depulado que esse distincto engenheiro calculou o caminho de Lisboa ao Porto em 66:000^000. (Apoiados.) Por consequência aceito os cálculos do illustre deputado.
O sr. Lobo d'Avila :— E a reducção dos 25 por cento?
O Orador:—Mas eu não faço a reducção, aceilo os cálcu-
los mesmo sem reducção, e o illn«tredeputado ha dcaeeilar lodos os cálculos dosr. Wallier, c esles são que o caminho custava 66:000$000, c n'cssc caso n subvenção que nós damos c pequeníssima, e o conlralo muito mais vantajoso.
Sr. presidente, um illuslre depulado Ironxe outro elemento para formar os seus cálculos. Calculou primeiro qual o numero de melros cúbicos que ha a remover, e calculou pelo preço de 200 a 300 réis, c para tornar a conta mais favorável aos seus cálculos foi buscar os 300 réis. Eu sei que este preço, pelas obras que se fizeram, e se estão fazendo, é exagerado. Podia citar até um illuslre depulado que foi empreiteiro de obras publicas, e que n'um dos aterros mais diffi-ceis da celebre estrada de Lisboa ao Porlo, tomou de empreitada o aterro da Magdalena.que é dos mais consideráveis; não o fez por 300 réis o metro cubico, más por 140 réis, e diz que ainda auferiu lucros d'esla empreitada, e que passado pouco tempo a obra foi á praça, porque havia quem o fizesse ainda por menos.
Sr. presidente, a camara deve estar cansada d'estes cálculos, c eu não quero fatiga-la mais, e se pedi a palavra foi principalmente para rectificar certas expressões que aqui me foram altribuidas, e para dar algumas explicações qne aqui tèem sido pedidas, e aproveitarei a occasião para responder de passagem a alguns argumentos que se empregaram, que-rendo-secom elles combater a medida que se propõe.
Quando eu tomei a palavra pela primeira vez n'está matéria, não censurei os illuslres deputados que tinham feito parte do governo a que succedeu este minislerio. É uma regra de rhelorica, creio cu, esta de nos fazermos victimas e de suppormos que temos sido acre e fortemente censurados, e alé aceusados de crimes negros, como disse o illuslre deputado, porque isso nos dá molivo de usarmos de certas violências de linguagem, que mc parece que não é própria d'esle logar*nem d'esta discussão. Disse-se que eu tinha feito allusões pungentes, que en linha aceusado de crimes atrozes os illustrcs deputados r que se sentaram n'aquellas cadeiras antes do governo actual, e isto a propósito de um facto que aqui narrei singelamente á camara. Disse-se que tinha feito uma insinuação: é necessário ver o sentido das palavras, e eu pergunto o que é uma insinuação? É de cerlo o acto de inculcar certos factos sem tomar n responsabilidade da sua affirmação, e sobretudo faclos que são menos defensáveis, que são menos próprios do caracter das pessoas a quem são atlribuidos. Não houve da minha parle insinuação nenhuma, houve uma asserção muito clara e explicita. Disse eu que o governo que contratara com o sr. Peito o caminho do norte, iusinuára a este cavalheiro, ou lhe mandara dizer que pro-pozesse certas modificações: esle facto era ignorado por toda a gente, eu affirmei-o, mandando documenlos para a mesa. Seria islo uma insinuação? Não é, porque é. uma asserção positiva sobre um facto, tomando cu toda a responsabilidade d'elle, e apresentei documentos; mas este facto não era des-honroso para as pessoas que o praticaram; se ha alguma cousa a censurar n'esle faclo, permilta-me o illuslre deputado, a quem me dirijo, foi a falia de franqueza de o não ter dito á camara; mas os illuslres deputados, de cerlo com as melhores intenções, entenderam que o não deviam fazer.
Todos sabem, sr. presidente, as grandes aceusações que se fizeram n'esla camara ao concessionário Peito por não executar o seu contrato, no espaço dc dois annos, e depois propor tão importantes allerações a esse conlralo. O que admira é que um illuslre ministro d'essa epocha, que dizia ter fanatismo pelo sr. Petto, não viesse em sua defeza, tendo a franqueza de declarar que era o governo quem tinha proposto ao sr. Peito, unicamente de cerlo com o desejo de ver realisar um grande melhoramento para o paiz.

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nos auctorisa a dizer que havemos de colher reclamações: n'esla parle pode a camara eslar descansada, porque se as reclamações do sr. Petlo se fundam em portarias do governo, em cartas particulares c em telegrammas (e não digo que se justifiquem essas reclamações, está muito longe d'isso), no caso presente declaro á camara que nada d'islo existe, e que pôde votar contra sem receio de reclamações.
Se eu pretendesse influir na camara por motivos que não fossem tirados das rasões e das conveniências da questão e da medida que se propõe, podia talvez assustar a camara com receios d'essas reclamações. Mas esta questão deve ser tratada com toda a franqueza, c n'esta parte a camara pôde ficar certa que não ha cartas, nem telegrammas, nem portarias que auctorisem taes reclamações. O illustre deputado receia que de futuro appareçam indemnisações a respeito da auclorisação dada pelo governo para os trabalhos do Alemtejo. A camara sabe que o governo estava auctorisado a continuar por sua conta o caminho do ferro do norte, e que no conlralo que se fez com o sr. Salamanca elle podia continuar os trabalhos do caminho de ferro do norte, porque se a camará rejeitasse o contrato, pagava-lhe o governo, a obra feita para o que eslava auctorisado cm virtude de uma lei- por isso perguntava o illustre deputado ao governo por que rasão se linha auctorisado o concessionário a desenvolver os trabalhos do caminho de ferro do Alemtejo. A verdade é que não existe essa auclorisação, e esses receios de reclamações são tanto menos fundados quanlo o concessionário n'esta parte reporlou-se mais á boa fé do governo do que ás garantias que estipulasse no contrato; porque se acaso'fosse rejeitado o contraio pela camara, o governo teria só de pagar as obras feilas, lendo sido oulras e importantes as despezas do concessionário.
Sr. presidenle, eu fui lambem aceusado, c parece-me que injustamente, devir aqui censurar os meus antecessores, porque disse que a administração do caminho de ferro de lesle estava n'um estado deplorável. Mas, sr. presidente, a minha intenção não era dirigir uma censura, como se declarou; a minha intenção não era senão mostrar a vantagem que nós tínhamos tirado do concessionário tomar a exploração do caminho de ferro de leste; e fizeram-se aqui os cálculos de que o custo da exploração devia ser muilo pequeno, c não correspondia aos 32:0*00^000, nem aos 20:000$000 em que se tinha faltado. Era escusada essa demonstração, porque fui o primeiro a declarar que n'esta importância não iam incluídas só as despezas de exploração, eram as despezas de exploração e da administração geral, cm que entrava a administração das obras. E o faclo é que se não havia obras, pois linham parado ha muito as obras da construcção; quando entrei no ministério o pessoal eslava monlado para isso, e havia ainda a aperfeiçoar algumas das obras feitas, ca necessidade de proceder n'oulras a grandes reparos. O que é verdade é que os algarismos que citei são exactos. O governo pagava á administração do caminho de ferro de leste 32:000^000 por mez, alem do produclo da exploração no tempo em que o illustre deputado que fallou n'esla matéria era minislro das obras publicas; c ainda ultimamente quando a administração passou para o emprezario, se pagava 20:000^000 por mez alem do produclo da exploração; e aqui vinham incluídas as despezas da exploração e todas as oulras da administração d'aquelle caminho, com todo o seu pessoal c dependências. E o que eu pedi que se notasse foram as vantagens que o estado tirou de ficar desonerado dessas despezas, tanto das despezas de exploração propriamente dita, como dos reparos necessários e hoje feilos pela empreza, desde que tomou conta do caminho. Também não pretendi lançar censura sobre os empregados do caminho de ferro de leste, porque no estado do nosso paiz, aonde não havia a pratica d'aquclla administração e d'aquelles trabalhos, por mais zelosos e intelligentes que fossem os empregados, e eu affirmo que o eram, não era de admirar que o serviço se não fizesse com lanla regularidade c economia como lodos nós desejámos, porque o que é certo é que no nosso paiz ha, quando.se procuram, muilo hábeis e intelligentes empregados- (Apoiados.) ' -
' O illustre deputado que acabou dc fallar leu aqui umas contas, com as quaes se pretende mostrar que as despezas de exploração não diminuíram depois que eu entrei para o ministério. A camara sabe que a economia feita na exploração de um caminho de ferro se não pôde avaliar pela comparação das despezas de alguns mezes, e que só pela media dc muilos mezes successivos é que se calcula qual foi o custo mensal da exploração dc um caminho. Nas despezas de exploração entra a compra do combuslivel e de todo o outro material de exploração, assim como entra a importância dos salários dos trabalhadores que se empregam na conservação e nos reparos da via. Nos mezes portanto em que se fazem grandes compras dc material, ou em que os reparos empregam maior numero de operários, sobem muito as despezas, sem que isto signifique que se administrem sem menos economia. Pelo contrario, despedindo-se mais de setecentos empregados inuleis, cujos vencimentos mensaes importavam em mais de 3.600$000, fez-se uma grande economia, que significa no fim do anno algumas dezenas de contos de réis. Mas quando eu disse que fiz uma grande economia no caminho de ferro por despedir mais de trezentos empregados inúteis, o que montava poupar ao thesouro uma grande somma, não quiz enfeitar-me com essa pequena gloria. Quem fez esla economia, esle serviço, esla reforma, foram os empregados superiores que eslavam á lesta d'aquella repartição; porque são esses os competentes para conhecer das necessidades do serviço e propor ou effectuar o seu melhoramento. Da parle do minislro pódc haver o desejo da economia; o zelo, a vigilância, a instigação aos empregados para que cumpram o seu dever; o minislro pôde promover as reformas da administração, mas quem conhece o serviço é quem eslá á lesta d'elle. Os empregados, por certo muito dignos, que citou aqui o illuslre depulado, foram os que fizeram de accordo com o governo, e com auclorisação d'elle, essa economia. Sr. presidenle, lem-se trazido para esta questão uma outra que me parece que não lera com cila relação tão immediata como lem pretendido ver o illustre deputado = a questão da compa-nhia=. Como muilo bem disse o meu collega do reino, o governo é responsável por lodos os seus aclos; os aclos mesmo que dependem exclusivamente das suas altribuições, os actos propriamente do poder executivo, podem ser examinados por uma camara; o governo pôde ser censurado e mesmo aceusado por elles. Mas essa queslão é que não eslá ligada com esta que se discute. A camara approva o conlralo c as modificações, se as reputa boas, com completa independência da questão da companhia, cujos estatutos o governo approvou no uso das suas altribuições. Mas vislo que fui Irazido a esle campo, tenho necessidade de dizer alguma cousa a tal respeito. Disse-se: a companhia não existe, a companhia é um homem, a escriplura deve estabelecer obrigações e deveres com differentes pessoas; e quando ha uma pessoa só, essa pessoa não pôde contratar comsigo mesmo.
A objecção dava-se igualmente ainda que fosse mais de uma pessoa que fundasse a companhia com as condições d'aquelles estatutos, que são as mesmas que se acham cm muilos oulros estatutos de companhias de caminhos de ferro, como por exemplo nos estatulos dos caminhos de ferro da Rússia. Ali diz-se, como nos estatutos da companhia Salamanca: «A companhia será formada pelos portadores das acções que forem emiltidas.» Ora os estatutos não tratam dos deveres e obrigação c direitos dos concessionários, um ou muilos, que pedem licença para fundar uma companhia, mas sim dos direitos e obrigações de pessoas que ainda não existem no aclo de se ap-provarem os estatulos, porque serão os portadores das acções que forem emiltidas cm virtude da approvação dos mesmos estatutos.

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trato, e por isso elle toma todas as acções, emquanto as não emitte jíQ publico. Não se diga pois que elle quer formar a companhia de si próprio; para elle só responder por tudo, era escusada a concessão do governo, porque o governo não lhe impoz obrigação de formar companhia e fc-lo a elle só concessionário.
Mas disse-se: é impossível que o sr. Salamanca possa formar a companhia, e até o sr. Antonio José d'Avila perguntou se os capitalistas que se dispõem a entrar na empreza linham conhecimento dos estatutos. Posso dizer ao illustre deputado, que não só os cavalheiros que se dispõem a formar a companhia tiveram conhecimento dos estatutos, mas até posso dizer que os estatutos foram formulados de accordo com elles.
Eu .disse já que um d'estes capitalistas é mr. Chatelus, nome que é bem conhecido, que foi director do Grand Central, e hoje é da companhia dos caminhos dc ferro do meio dia, em França, assim como da companhia de Saragoça e Alicante na Hespanhá. O outro, dc dois que aqui vieram tratar de negócios da futura companhia, é osr. conde de Daru; e agora vou citar um livro que tem sido citado centenares de vezes n'esla discussão, é o de Perdonet. Esle auclor, no ultimo livro que publicou, porque esle distincto sábio que é hoje um dos mestres na arte de construcção de vias férreas, tem variado de opinião, é um engenheiro antigo, e tem variado de parecer sobre alguns pontos depois do aperfeiçoamento dos caminhos de ferro, e por isso é preciso dizer que a obra d'elle a que me refiro e que aqui tenho é das ultimas que lem publicado, porque já traz factos passados em 1859.
Mr. Perdonet n'esta sua obra traz uma relação dos homens que em França mais têem concorrido para a factura de caminhos, de ferro e entre outros cita o sr. conde de Daru.
A respeito do celebre engenheiro, mr. Talabol, que o sr. Avila julgou que era um agente ou creatura do sr. Salamanca, e que elle o impunha á companhia para decidir as questões de arte, esle mr. Talabol é um engenheiro que antes está ligado em varias emprezas com mr. Chatelus e com os oulros capitalistas que hão de formar a companhia. E este enge-genheiro é tão conhecido e reputado, que fallando mr. Perdonet, na sua obra, dos homens que mais serviços tèem feito á França como engenheiros, cila tambem mr. Talabol.
Por consequência já se vè que os nomes ligados a esle negocio são dos primeiros em França cm assumptos de caminhos de ferro.
Alguns srs. deputados tèem tratado mais de combater o governo e o"seu procedimento, do que o conlralo e projecto que as commissões apresentaram á camara-, alguns srs. deputados têem até confrontado as datas c declarado que o governo oscillou entre opiniões diversas, mas a final a exposição franca e sincera que eu fiz á camara explica todos os factos, e prova que não houve oscillação nem hesitação no procedimento do governo.
Asseverou-se que cu dissera que não aceitava nenhuma espécie de modificação, c que eslas exigências de modificações já eram conhecidas na occasião da dissolução da camara transacta. Fui eu o primeiro que declarei que estes pedidos de concessões c estas duvidas sobre as dimensões do caminho tinham apparecido na occasião em que se dissolveu a camara passada.
Alas disse-se que eu linha recusado essas modificações e que depois vim apresenta-las. É necessário separar o que era divergência com o concessionário sobre a interpretação de um artigo do contraio, e o que eram exigências dos capitalistas. Ora o governo vendo que capitalistas respeitáveis, que se achavam já associados n'outras companhias, se promplifica-vam a formar esla nova companhia, mas para isso exigiam modificações no conlralo, entendeu que devia examinar essas modificações e se fossem aceitáveis, aceita-las, porque n'esle caso havia maior certeza de que a empreza fosse uma realidade, depois de lanlas decepções com as emprezas dos nossos caminhos de ferro.
Mas disse um illuslre depulado que o governo devia apresentar essas modificações na commissão da camara transacta,
a que estava afleclo o contraio. Não podia apresenta-las por modo algum, porque devia primeiro consultar sobre os pontos de queslão com o concessionário, o conselho das obras publicas e os homens lechnicos, e emquanlo ás exigências dos capitalistas não o podia fazer, porque só passado lempo, e já depois de dissolvida a camara, foi que os capitalistas vieram a Lisboa, foi que o governo tratou com elles, rejeitou algumas das modificações proposlas, e accordou a final nas que o governo depois trouxe a esta camara.
Trouxe islo unicamente para mostrar que estou coherenle com a apreciação que já n'outra occasião fiz á camara.
Não é a primeira vez, sr. presidente, que capitalistas e concessionários de caminhos de ferro tèem tomado só por si uma concessão, lêem começado as obras e mais tarde se constiluem em companhia com outros capitalistas para acabarem os seus trabalhos. Um exemplo desles factos deu-se ha pouco com o próprio sr. Salamanca no caminho de ferro deSara-goça a Pamplona. O sr. Salamanca era o concessionário d'esse caminho, ediz o Jornal Francez do Credito Publico do dia. . . que n'essa linha, que foi concedida cm 9 de outubro de 1857, os trabalhos emprehendidos, immediatamente foram levados com tanta actividade que a primeira secção será entregue no fim d'esle mez á circulação, e o caminho completo no fim d'estc anno Já se vè que esle concessionário eslá habituado a fazer as obras depressa. E diz mais abaixo o mesmo jornal que os estatutos da sociedade foram approvados por decreto real de.. . Por consequência o sr. Salamanca começou a construir aquelle caminho, e só depois é que formou a sociedade ; e fez o mesmo em oulros caminhos dc Hespanhá, em que construiu perto de 200 kilometros figurando só como concessionário, c mais tarde formou as companhias, companhias respeitáveis em que entram Rotschild e Mires, banqueiros e capitalislas bem conhecidos na Europa.
Mas haverá contradicção entre ler o governo approvado os estatutos para uma companhia anonyma, e não fazer o governo o accordo sobre algumas das modificações, segundo as disposições do projecto que se discute, senão quando estiver formada uma companhia que dê garantias que agradem ao mesmo governo? Não ha contradicção, porque a companhia proposla pelo sr. Salamanca e para a qual foram approvados os estatutos eslá sujeila á condição de serem nominativas as acções, emquanto a importância das prestações desembolsadas pelos accionistas não chegar a 30 por cento; por consequência o governo quando as acções foram emittidas, sabe quaes são as capitalistas que fazem parte da companhia, e vê se elles dão ou não garantias e merecem ou não confiança.
Eu lamento que n'esta discussão se apresentassem idéas produzidas e rebatidas já em todos os parlamentos e em lodos os paizes, quando ahi lêem sido apresentados pela primeira vez projectos dc caminhos de ferro. Esta queslão da agricultura, estes receios dos agricultores de que os caminhos de ferro, levados os trabalhos com uma certa presteza, absorvam os operários e façam augmentar os salários de maneira que a lavoura fique prejudicada, são objecções que têem sido apresentadas em todos os paizes, e ainda alé hoje as fataes consequências annunciadas se não tèem realisado.

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de trabalhadores, a gente com quem estão habituados a trabalhar.
Mas, sr. presidente, eu tenho ouvido lamentar muilo esses 800:000^000 que se diz vão dar-se ao emprezario, e tem-se feilo a hypothese de que esses 800:000^000 empregados em obras publicas n'nm certo districto podiam produzir grandes melhoramentos. Diz-se :•« Pois se o emprezario não tem de fazer os aterros para a segunda via', nós podemos dispor d'essás grandes sommas para obras no districto da Guarda; teremos o gosto de as ver empregadas em beneficiar aquelle districto.» Dizem outros: «Não são 800:000^000, são 400:000^000 que vamos perder, dando-oj ao emprezario.» Se esle modo de argumentar fosse admissível poder-se-ía ir mais longe e dizer: «Em logàr de darmos á empreza uma subvenção de 24:000$000 para um dos caminhos, e de 20:000^000 para o oulroj demoí-lbe uma subvenção de 20:000$000 parSum e de 18:000^000 para o outro," on demos-lhe 15.000&000 para um e lO:000$000 para o outro, e teremos meios para fazer todas as estradas ho districto da Guarda:» Item; mas resta saber se com essa subvenção ou com as condições que phantasiam os illustres depulados haveria alguém que tomasse o caminho, e se o aclual contrato é vantajoso á Vista dos contratos que se fazem n'outros paizes, e que selem feilo n'e«te paiz sobretudo. E peço desculpa ao illustre depulado, que muito respeilo, qne fallou nos 400:000^000. O illuslre deputado n'este ponto pareceu-me que tinha comprehendido a questão melhor, porque disse = que- nós não perdíamos 800:000^000, mas 400:000^000, que era o que leríamos a desembolsar na subvenção, por isso que suppondo quea subvenção é metade do custo do caminho, Os 800:000^000 não haviam de ser dados todos por nós, metade era o concessionário que os havia dé desembolsar para fazer a segunda via. Portanto o qne devemos descontar na subvenção é 400:0Ó0$000, e devemos abate-los porque não podemos fazer desperdicios=. Mas perguntarei eu ao illustre deputado: não' approvou s. ex.* n'esta camara um contrato para o caminho de ferro do norte em que a subvenção era'mais avultada que na actual, e em que se supprimiu a ponte do Perto? E entãonão havia a fazer uma diminuição na subvenção? Pois essa suppressão não era muito mais que os 400:000^000 que se entenda agora que sepodem economisar?
Outro illuslre deputado, também jurisconsulto, fez aqui hypotheses que a dizer a verdade fazem arripiar os cabellos, e que se fossem conhecidas pelos capitalistas da Europa, e se elles pensassem que a maioria dos portuguezes pensava assim não vinham aqui contratar. S. ex.* formou uma hypothese ainda não ponderada, disse — que os illustres deputados que o tinham precedido a combater o projecto não tinham ainda tocado um dos pontos essenciaes, uma das grandes desvantagens das modificações; tem-se considerado o caso da remissão, mas não o da rescisão=, e s. ex.* começou a figurar a hypothese que vem no eontrato, hypothese que nunca se deu, mas que vem no contrato, porque é bom sempre prevenir todas as hypotheses.
Disse s. cx.': «Supponha-se que o caminho não rende nada, isto é, que a companhia não tem meios para explorar o caminho, que a exploração dá perda em logar de lucro, que a companhia empregou uma somma considerável de milhões na construcção do caminho, e não só não lira o juro do seu capita], mas nem ao menos lira o sufficiente para poder continuar a exploração.» N'este caso o que diz o contrato? Diz = que se ponha em hasta publica o caminho=. Vae o caminha á praça, e se a empreza é tão desgraçada, se somos tão infelizes e está em taes condições o paiz que não ha quem queira o caminho, adjudica-se gratuitamente ao goveno. E acrescenta o illustre depulado: «Aqui está o governo ficando com um caminho em que ha uma só via, lendo pago para duas=. De maneira que o illustre deputado, n'esse caso mais desgraçado em que os accionistas estariam completamente arruinados, ainda tem pena de que não se tivessem arruinado mais fazendo a segunda via.
Tem-se pretendido%demonstrar os graves inconvenientes de termos só aterros para uma via; mas o facto é que hoje em
França, pelo menos em 1857, anno á qué Se refere á côllpção de cadernos de condições que têem sido citadas, nnd é só em contratos de ramaes, como aqui se disse, e não é só em ca-' minhos para os quaes o estado não dá subvenção nem garantias; mas em contratos de caminhos importantes, e basta abrir esse livro para se ver que islo é exacto, em todos se contêem estas condições que queremos introduzir n'esle, e que Ião desvantajosas se consideram ; ás obras de arte é as expropriações fazem-se para duas vias,' e os aterros para umá só via; ião condições geraes em todos os cadernos de condições.
¦ MaS diz-se: «No nosso paizé muito desvantajosa para A exploração a falta dos alerros da segunda via, porque ha ter-> renos muito fáceis de se desmoronarem, e então baterá um grande inconveniente para a explorarão, e um illuslre deputado1 citou a este propósito a trincheira que está junto de Xabregas, w Ora o illuslre depulado é um homem dc vastos conhecimentos, B n'este ponto é officiálmente competente e perito, porquê o bacharel em philosophia pela universidade de Coimbra tem conhecimentos geológicos; S. ex.* Sabe de cerlo'que os terrenos da natureza dos de Xabregas são muito limitados no nosso paiz, pois quasi só existem n'esta baixa dê Lisboa. S. ex.*sabe que os terrenos quéasnossaslinhasferreas têenra atravessar são terrenos na maior parte graníticos eschis-tosos; s. exl* sabe muito bem que lodos os constructores de caminhos de ferro dizem que os pefores terrenos para a cort-strocção dos Caminhos e que dão logar a maiores esbroamen-tos ou desmoronamentos, são os terrenos1 pantanosos, e são exactamente os terrenos pantanosos, é são os terrenos qne menos abundam no nosso paiz, c que os terrenos graníticos eschislosos são os que síenconlram geralmente; são terrenos difficeis para a construcção, pela difficuldade dos movimentos de terraV mas são aquelles em que menos se dá o inconveniente ponderado.
Disse também outro illustre deputado que lhe parecia que havia para a exploração algum inconveniente em se não fazerem desde já os movimentos de terra para a segunda via, porque quando as locomotivas desencarrilham, se este des-encarrilbamenlo tem logar para o lado em que está construído o aterro para a segunda via podem ahi parar as viaturas e a machina, que aliás se precipitariam, não existindo tal aterro.
Ora o illustre deputado que tem andado em caminhos de ferro, e felizmente para elle e para nós, nunca passou por um sinistro, ignora que o comboio raras vezes se limitaria a ficar no terrapleno do caminho, se o houvesse para a segunda via, porque quando esse desencarrilhamento tem logar é ordinariamente na passagem das curvas, por consequência quando a locomotiva salta para fora dos earris segne a tangente á curva, e como leva grande velocidade não fica no terrapleno, ainda que seja largo, e precipita-se do aterro, ou bate contra a escarpa da trincheira.
Por consequência não me parece que esta rasão possa levar a camara a rejeitar o adiamenlo dos movimentos de terra para a segunda via, quando nos paizes aonde se fazem caminhos de ferro com mais facilidade e em maior extensão se está concedendo esta mesma faculdade.

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pulámos as dimensões que são sufficientes, porque são as mesmas com que estão construídos os principaes caminhos de ferro hespanhoes.
Temos alem d'isto a vantagem de conseguir os caminhos em menos tempo, com o augmento no peso dos carris, e sobretudo temos a vantagem de poder contar com certeza que, no caso em que o contrato passe com as modificações apresentadas pela commissão, a companhia se ha de formar im-mediatamente. E por tudo isto, que damos nós? Tudo o que n'outros paizes se dá sem concessão alguma, e ficámos com um caminho, que todos têem confessado que traz um ónus menor para o paiz do que todos os projectos que se tèem feito.
Preciso ainda rectificar certas expressões que meíoram at-tribuidas, e que não são exactas. Disse-se que eu tinha perfilhado os argumentos do concessionário estrangeiro, conlra os portuguezes, o o illustre deputado, que me attribuin isto, acrescentou = que cobrira as faces com vergonha =
Sr. presidente, o facto não é exacto, e ainda que o fosse, parece-me que o illustre depulado a que mc refiro, devia ser o ullimo, a aceusar o governo e a ultimo a dizer que cobria as faces de vergonha.
, A camara de certo estará lembrada de que eu comecei por me declarar incompetente na queslão lechnica. Mas quiz fazer á camara uma exposição franca e leal dos factos como tinham acontecido, e para islo precisava de lhe apresentar as duvidas que se tinham suscitado e as rasões em que essas duvidas se fundavam. Se perfilhei alguns argumentos, foram os do conselho das obras publicas. O mesmo sr. deputado o confessou quando disse =»o conflicto que se suscitou entre o governo e a empreza=. Pois se eu estivesse de accordo com a empreza, coma se havia de suscitar um conflicto;
Alem d'islo, sr. presidente, nos arestos da sciencia não ha nacionalidade. N'uma questão de jurisprudência eu posso estar de accordo com os jurisconsultos estrangeiros, e divergir da opinião dos nacionaes; mas o faclo não se verjficou. Eu não vim aqui perfilhar argumentos de ninguem, vim só reproduzir os argumentos.que se apresentaram dc uma e de outra parle,
Sr. presidente, o illustre deputado disse que se envergonhava de que eu tivesse ido buscar argumento aos argumentos do concessionário; o illustre depulado que assignou um contrato, no qual se estabelece a condição de que, no caso de duvida entre o concessionário e o governo, e quando não houvesse accordo entre os árbitros do governo e os do concessionário, a questão seria resolvida exclusivamente por um engenheiro da nação a que pertencia o concessionário, o illuslre deputado era o menos competente para vir fazer uma ta] exclamação. Pois então não haveria mais justos motivos para offender a susceptibilidade nacional então? O illuslre deputado envergonha-se agora d'isto, en'aquella occasião não julgou que era motivo de vergonha aceitar esta condição. Eu não censuro, nem discuto agora essa condição; eu approvei o contrato apesar d'ella, mas o que digo, é que quem assignou este conlralo não tem direito de vir dizer á camara que se envergonha de que o minislro fosse buscar argumento aos argumentos de um concessionário estrangeiro, que se envergonha de ver perfilhar os argumentos dos engenheiros eslrangeiros conlra os argumentos dos engenheiros portuguezes, pretendendo suscitar assim esta susceptibilidade nacional a propósito dc um facto, que ainda que fosse verdadeiro, não podia offender a susceptibilidade nacional, porque a susceptibilidade nacional não se pôde offender de que em matéria technica se perfilhem os argumentos de engenheiros estrangeiros.
Como disse, não quero cansar a camara, vejo que ella eslá elucidada sobre o ponto da questão, por isso termino aqui as minhas observações.
Vozes: — Muito bem.
O sr. Silva Cabral: — Sr. presidente: «Não ha telegram-mas, cartas ou portarias, e por isso não receieis indemnisa-ções» acaba dc dizer o illustre ministro das obras publicas; e as indemnisações ahi estão na camara, (Apoiados.) apoiadas, pelo próprio minislerio!
«Não foram auctorisa dos os trabalhos alem da ponte da Pedra» continuou o sr. ministro, quando elle mesmo no exórdio do seu primeiro discurso declarou o grande desenvolvimento de trabalhos que havia no Alemtejo, annunciando-nos ainda hoje a continuação d'esses trabalhos, para o que até se tinham mandado vir operários hespanhoes! (Apoiados:)
Entrego estas considerações á camara e. não ascommenlo, porque ellas por si mesmas se fazem valer.
A questão de que se trata lem tantos pontos de facto a considerar, e tantas theses de direito administrativo e politico, o de economia social a desenvolver e apreciar, que eu estou perplexo sobre o caminho que deva seguir de preferencia para o aproveitamento da discussão, e para bem merecer da benevolência da camara, que muilo desejo e solicito. ,
Depois de tantos e tão eruditos discursos, como os que a camara lem ouvido, receio ser taxado de temerário, por vir lançar n'uma das conchas da balança, em que se estão pesando os mais transcendentes negócios do paiz, o pequeno contrapeso, ou minguado contingente das minhas lucu-brações; mas pôde em meu espirito, mais do que a timidez, o amor da palria, e se aquella me faz presentir as habituaes recriminações, o desvario ou sarcasmo, arma favorita dos filhos queridos de certa escola, este me aponta para o bom senso, base de tudo o que ha de bom na sociedade; e, a despeito do contrasenso, não ha de permiltir que eu seja arrastado por essa força de attracção que õon- gré, mal gré parece impellir pessoas, ainda mais graves e sisudas, a reputar para o paiz, como occasião de ventura, aquillo mesmo que, na sua essência e verdade, é e deve ser causa de abatimento ou de ruina. .
A questão que se agita não é se os caminhos de ferro, essa portentosa invenção da industria moderna, reúnem vantagens de superior interesse e importância; contesta-lo, seria negar a luz á evidencia, á verdade a sua eflicacia, e ao sol o esplendor. Ninguem, por pouco versado que esteja na hislo-, ria económica dos povos, ignora que pelos caminhos de ferro se verificou aquelle salutar principio, que expressado entre os inglezes pelo adagio: atempo é dinheiro, e entre os americanos pela sentença : i o estofo de ijue a vida é feita, fornece um dos mais poderosos argumentos a favor do adiantamento d'aquclles grandes povos no caminho da civilisação. Tão pouco, não haverá ninguem que esqueça o dito d'esse grande philosopho que, extasiado diante da acção que os caminhos de ferro exercem na reciproca sympathia dos povos, e na fusão das raças, exclamou: «A idade do oiro, que uma cega tradição lem posto no passado, ahi está diante dos nossos olhos.»
Mas sendo, como são, incontestáveis as vantagens das vias férreas, podemos esperar que o contrata que se discute nos leve á terra da promissão, e a encontrar esse vêllo de oiro das modernas sociedades, sem perigo de sermos tragados pelos centauros da imprudência, do disperdicio ou da imprevisão? ...
Em outros termos: o contraio Salamanca foi feito e concluído de maneira que, guardadas as regras da moral e da justiça, avaliada devidamente a conveniência social, considerado o estado relalivo das nossas finanças, offereca garantias de execução? ou, ao revés, contém elle o lypo do contrato mais desaforado e leonino que jamais foi concebido ou admiltido em paiz algum?

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negareis que, demonstrado que seja que o que convencionastes tem uma perniciosa influencia nos destinos do paiz; vos haveis tornado réus de lesa politica por ferir no coração os interesses da pátria e da justiça?
' E não queiraes desviar a allenção publica dos vossos erros, lançando á face dos adversários, como tendes feito, o sophis-ma miserável e sediço da sede do poder como movei de opposição. Atncac c confundi os seus argumentos, não cureis das suas intenções. N'esle campo vós devíeis ha muito lempo eslar julgados. Mas se é preciso descer a este campo, pela parle que me loca, dir-vos-hei com a mão na consciência e á face de Deus que adoro, e da palria que amo, que não foi, nãoé, nem será nunca esse o movei dos meus trabalhos, e o fito das minhas ambições; sc o fosse, eu não repelliria com tanto desdém, como indignação, o commodo papel de lisongeiro; se o fosse, eu seria menos recolhido e mais inlrometlido; sc o fosse, eu trataria de colorir com lodo o cuidado a lai ou qual austeridade do meu caracter com o ouropel da volubilidade e hypocrisia; se o fosse adoptaria com mais empenho as lições da historia, não proclamaria as reformas e economias, não combateria os abusos e nichos, o que de cerlo não ó o caminho mais próprio para facilitar os degraus do poder. Não é o apostolo da reforma o que ordinariamente alcança co-Iher-lhe o fructo; mas a paz da consciência para mim é sobejo galardão. - v .
E como estou completamente desassombrado e desinteressado n'esle ponto, e porque não vejo nem sigo, socialmente fallando, outra trilogia que palria,.deter c jusliça, não lerei de medir quaesquer questões, e esta muilo menos, por.oulro prisma que não seja o da mais completa imparcialidade.
Considerando a sua importância inlrinscca, a sua influencia sobre a economia publica, a sua jusliça absoluta c relativa, emfim, o caracter moral que a domina, a minha convicção profunda, na hypothese dada, é que o ministério no conlralo atacou todas estas idéas e principios. Eu seria portanto aos meus próprios olhos réu de leso dever, sc mc mostrasse indifferente ao combale glorioso que se lem travado dignamente entre os que sinceramente querem os caminhos de ferro, e por isso condemnam os desperdícios, o dolo ou a ignorância que presidiram a este contrato, e os que nos apresentam uma amostra phantasmagorica d'esses melhoramentos, para á sombra d'elles sustentarem aquellas cadeiras, embora tenham de passar por cima da carta e das leis do paiz. (Apoiados.)
A nossa historia de.caminhos de ferro é desgraçada, e Ião desgraçada que os próprios minislros, varões insignes da triste epopéa que os representa e canla, não se lêem podido esquivar á confissão da sua incapacidade, lançando á conta de aprendizagem e inexperiência os importantíssimos prejuízos que o paiz tem supporlado: no caminho de ferro do sul, alem do encargo do juro, a nação tem pago grossas sommas, a titulo de fornecimento e transporte de madeiras, no que, segundo creio, nem sempre lem havido sinceridade, sendo sur-prehendida a boa fé dos minislros. No de leste succederam-se as peripécias umas ás oulras, c a lição antecedente nada instruía para se evitarem os males da seguinte.
A primeira lição, durante a empreitada Hyslop, custou á nação 2.550:001 $279. N'esla primeira lição figura o celebre accordo de Londres, pelo qual tivemos de satisfazer aos empreiteiros por ajuste de contas a enorme quantia de 366:621 $109, e cumpre mais notar que n'esla epocha estando consummidos rnais de dois terços do capital social, o caminho eslava em muito menos de metade.
Na segunda epocha, que é a da companhia geral peninsular dos caminhos de ferro, desde janeiro de 1855 a julho de 1857, a mesma lição ou lirocinio cuslou ao paiz 1.420:994$887, a qual quantia, junta á precedente, perfaz 3.978:995^166 ou cerca de 4.000:000^000.
Na terceira epocha, desde julho de 1857 a junho de 1859, despendeu-se 1.178:226^411; formando Iodas estas verbas a enorme somma de 5.157:222^577, havendo alem d'islo a considerar o que depois d'isso se gaslou com 1:640 metros alé 15 de novembro em que se entregou o caminho a Sala-
manca, e os accessorios em divida para com os accionistas brazileiros.
Compare-se agora esta somma com aquella que no documento n.° 5, d'enlre aquelles que foram distribuidos com o parecer que se discute, vem mencionada na quantia de 4.231:444$620, e ajuize a camara a sinceridade e lealdade dos documentos officiaes; e quanto é penoso ver, como em objecto tão transcendente, em que todo o paiz é interessado se pensara desfigurar a verdade pela altenuação de encargos, de certo com o fim de não fazer má impressão na camara. . • Mas, sr. presidente, apesar de tantas lições, e de um curso tão completo por quasi sele annos de esludo, na sciencia e pralica dos caminhos de ferro, o ministério n'csla nova Icn-laliya do contrato Salamanca foi mais acautelado e mais prudente? Aproveitou elle as lições do passado e aquellas mesmas que linha dado aos seus adversários polilicos, quando sentados n'aquellas cadeiras? Observou as regras da jusliça e conveniência publica, que lhe cumpria seguir? E por fim foi fiel a essa obrigação moral que se linha imposto por occasião da discussão para ser rescindido o contraio Petto, obrigação que vem confessada no relatório que precede a proposla de lei que se discute, eque por mais de uma vez foi lembrada e confessada pelo próprio sr. minislro n'aquella tribuna?
lnfandum Regina jubes renovare dolorem! Com quanlo me cusle, a verdade exige que se diga que o illuslre minislro não somente não satisfez a essa obrigação moral, mas infringiu redondamente a lei.
Enlre os quesitos que em março passado se propozeram á camara dissolvida, foi o terceiro —que no estado da questão era preferível o concurso publico assente em bases determinadas para as nossas vias — concurso publico — assente em bases determinadas — eis muilo explicitamente determinada a norma para o procedimento do ministério — concurso publico por não menos dc tres mezes, feito á face do plano, e descripção das obras com o respectivo orçamento, mandado fazer, e auctorisado pelo governo — eis o preceito legal estabelecido no artigo 14 da lei de 22 de julho de 1850.
Seguiu o ministério estas rasoaveis e justas prescripções da moral e da lei? Nem uma nem oulra cousa. O ministério, segundo elle próprio confessou, tratou desde logo directamente com D. José Salamanca, com este planisou o contraio provisório dc 30 de julho; não satisfeito com isto, cobriu c escudou o mesmo conlralo provisório com a augusla assignatura, approvando-o; passando ainda mais adiante, inverteu o preceito da lei vigente, e estreitou o praso d'esta a quarenta dias, não obstante a importância do negocio, c por fim, para não ficar duvida sobre suas intenções c modo tumullua-rio com que procedeu, reservou o arbilrio pleno da escolha de quaesquer oulros concorrentes, lendo a discrição de of-ferecer-lhe como typo unico aceitável D. José Salamanca!
Foi assim que o illustre minislro entendeu dever satisfazer as obrigações que a sociedade lhe impoz pela voz da moral e pelo preceito da lei! Desgraçado o paiz aonde por tal modo se desacata o sacrosanto e melindroso principio da imparcialidade, sem a qual é uma chimera a justiça dc um povo! E ainda assim, quando o illustre ministro nos apresenta um testemunho tão irrecusável da preferencia que deu a um pretendente, fosse elle quem fosse, vem dizer-nos que cumpriu o seu dever!
Quero de boa mente admittir no sr. ministro conhecimentos c lealdade bastante para não deixar de reconhecer perante o tribunal da rasão e da verdade, que a precipitação o dominou, e por isso, levado dc um enlhusiasmo que a sizu-dez do governo não comporta, foi arrebatado pelo sentimento de aferro aquellas cadeiras. O sr. ministro, assim, sem o pensar, o declarou e confessou, quando disse mui sinceramente á camara que a existência do ministério eslava ligada aos melhoramentos materiaes; mas, repito, tal motivo pôde cs-cusa-Io perante certa escola, que pouco embaraço acha nas leis para os seus arrojos; mas na escola da lei e da rasão não poderá encontrar senão a sua condemnação.

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se devem entender feitas no mesmo'espirito; que a força de moior rasão, como o contrario sentido da lei, pro lege ha-bentur; c quando ajudado d'essa regra de hermenêutica comparar o seu procedimento no assumpto sujeito com a lei e com o espirito ou feição moral d'ella, ha de reconhecer que a desprezou do modo mais censurável.
Á parle a pecha dc parcialidade e preferencia que levava já comsigo a convenção provisória Salamanca de 30 de julho, nunca nos principios do direilo administrativo, geral e especial, applicavel aos caminhos de ferro, podia conside-rar-se programma —isto é, como bases determinadas para um concurso publico, conforme tinha votado a camara dissolvida; ou como plano e descripcão de obras, feito á face do respeclivo orçamento, auctorisado pelo governo, segundo manda a lei de 22 de julho de 1850 no citado artigo 14."— aquella convenção anormal. Essa mesma convenção, se o ministério podesse seguir tal caminho, carecia do cumprimento da solemnidade previa, e é sabido e confessado pelo próprio minislro, que nem agora esse plano e orçamento estão completos, indo-sc approvando por parles.
Como, pois, podia sujeitar-se legalmente ao concurso e licitação aquillo que não estava previamente determinado e fixado, nem devidamente preparado conforme a lei?
O illustre minislro, n'este ponto, quiz mostrar-se, seguindo lai caminho, não somente hospede na legislação pátria, mas na legislação franceza, fonte immediata da citada lei de 22 de julho.
A determinação- do valor pelo meio da avaliação prévia, ou seja com relação ás pessoas dos menores e outras similhan-tes, como com respeito á fazenda, bens ou negócios do estado, é um principio que não admilte contestação pelo nosso direito civil; a determinação de planos como a camara dissolvida votou e eslá expresso n'aquella lei de 22 de julho, é uma jurisprudência que vogando em França desde 1775, se tornou mais saliente e explicita no tempo do primeiro império francez, em rasão do systema de viação publica que desen-
volveu Napoleão I. Sob a influencia da mesma necessidade vieram a regular permanentemente, não só com respeito aos trabalhos públicos e canaes, mas aos caminhos de ferro, as ordenanças de 28 de fevereiro de 1828, de 10 de maio de 1829, 18 de fevereiro de 183* e 4 de dezembro de 1836. O processo para os avant-projeets ou planos, segundo as differentes qualidades das obras, é tão essencial que nenhum direilo resulta ou pôde resultar ao adjudicatário, de uma adjudicação, quando o processo é feito irregularmente, não podendo por isso prover-se nem pelo meio contencioso, nem pelo meio gracioso da administração. E, sendo islo tão claro como direito correnle, como pôde o illuslre ministro ter a consciência segura de que cumpriu com lealdade a obrigação que se tinha imposlo, e que a lei sobretudo lhe impunha? Como nos veiu fallar na coragem com que linha tratado directamente com D. José Salamanca? Quem assim falta ao dever mais sagrado que a sociedade impõe aos ministros, que devem, sobretudo, não dar suspeita de affeição n'um objecto que só na praça deve resolver-se para lodos os effeilos, não pôde lisongear-se de ler feito o seu dever.
Passando agora a considerar o contrato em si mesmo, e em relação com o parecer da illuslre commissão e com os documentos que foram distribuídos n'esta camara, eu não posso deixar de lamentar que a tal contraio se concedam ex-cellencias que não lem, e requisitos de solidez que está muito longe de possuir.
Espero demonstrar as proposições que avanço, guiado pelo pharol da rasão e da hermenêutica, que n'eslcs casos não pôde de maneira alguma dispensar-se, para nos não transviarmos do caminho da jusliça.
Como deu a hora, peço que me fique a palavra reservada para segunda feira.
O sr. Presidente: — A ordem do dia para a sessão seguinte é a continuação da de hoje. — Está levantada a sessão.

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