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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO DE 15 DE FEVEREIRO

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. REBELLO DE CARVALHO

Secretarios os srs. [José de Mello Gouveia.

[Carlos Cyrillo Machado.

Chamada — presentes 72 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs. Affonso Botelho, Antonio Eleuterio, Antonio Feio, Barros e Sá, Pinto de Magalhães (Antonio), Secco, Couto Monteiro, Roballo de Azevedo, Lopes Branco, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Vaz da Fonseca, Aristides Abranches, Peixoto, Barão das Lages, Bento de Freitas, Abranches, Carlos Bento, Cyrillo Machado, Custodio Rebello, Domingos de Barros, Mousinho de Albuquerque, Diogo de Sá, F. J. Lopes, F. L. Gomes, F. M. da Costa, Pulido, Gaspar Pereira, Henrique de Castro, Hermenegildo Blanc, Palma, Gomes de Castro, Fonseca Coutinho, J. J. de Azevedo, Mello Soares, Rebello Cabral, Castro Portugal, Sousa Machado, Noronha e Menezes, Ferreira de Mello, Coelho de Carvalho, Mattos Correia, Neutel, Pinto de Magalhães (Joaquim), Faria Guimarães, Lobo d'Avila, Silva Cabral, Encarnação Coelho, Alves Chaves, Feijó, Sá Vargas, J. M. de Abreu, J. M. da Costa e Silva, Mello Gouveia, Pinto de Almeida, Faria Pereira, Oliveira Baptista, Aboim, Luiz Albano, Mendes de Vasconcellos, L. Pinto Tavares, Teixeira de Sampaio Junior, Affonseca, Vellez Caldeira, Azevedo Pinto, Almeida Junior, Charters, Pitta, D. Rodrigo de Menezes, Pinto da França, Ferrer e Visconde de Portocarrero.

Entraram durante a sessão — os srs. Cancella, Moraes Carvalho, Braamcamp, Alves Martins, Lacerda (Antonio); Coutinho e Vasconcellos, Gonçalves de Freitas, Ferreira Pontes, Avila, Fontes, Pinto de Albuquerque, Santos Lessa, Antonio de Serpa, Peixoto, Sousa Azevedo, Palmeirim, Zeferino Rodrigues, Garcez, Ferreri, Ramiro Coutinho, Pinto Coelho, Claudio José Nunes, Conde da Torre, Garcia Peres, Fortunato de Mello, Francisco Costa, Costa Lobo, Bicudo Correia, Chamiço, Magalhães Lacerda, Pereira de Carvalho e Abreu, Silva Andrade, Bruges, Mártens Ferrão, Ferraz de Miranda, Mello e Minas, Roboredo, Aragão, Mamede, Sousa Pinto Basto, Dias Ferreira, Chrispinianno da Fonseca, Frazão, José Horta, Sieuve de Menezes, Nogueira, Julio do Carvalhal, Justino de Freitas, Rebello da Silva, Camara Leme, Freitas Branco, Rocha Peixoto, Pinto Martins, Monteiro Castello Branco, Jacome Correia, Pedro Roberto, Placido de Abreu, Ricardo Guimarães, Moraes Soares, Thiago Horta, Thomás de Carvalho e Visconde de Pindella.

Abertura — aos tres quartos depois do meio dia.

Acta — approvada.

EXPEDIENTE

1.° Uma declaração do sr. secretario Mello Gouveia, de que o sr. Correia Caldeira não tem comparecido ás ultimas sessões, não assiste á de hoje, e talvez a mais algumas, por incommodo de saude. — Inteirada.

2.° Do sr. Azevedo Pinto, de que o sr. Chrispinianno da Fonseca, por motivo justificado, deixa de comparecer á sessão de hoje. — Inteirada.

3.° Do sr. Cancella, de que não assistiu á sessão do dia 9 por se achar incommodado. — Inteirada.

4.° Do sr. Lobo d'Avila, de que o sr. Thomás de Carvalho não tem comparecido ás ultimas sessões, e não poderá comparecer a mais algumas por se achar doente. — Inteirada.

5.° Um officio do ministerio das obras publicas, satisfazendo aos pedidos da commissão de fazenda sobre a representação da associação industrial portuense. — Á commissão de fazenda.

6.° Do mesmo ministerio, satisfazendo aos esclarecimentos que foram pedidos pelo sr. Telles de Vasconcellos, sobre os estudos feitos na estrada de Vizeu a Castro Daire, e da somma com elles gasta. — Para a secretaria.

7.° Do mesmo ministerio, dando os esclarecimentos pedidos pelo sr. Telles de Vasconcellos sobre os estudos executados na estrada de Oliveira de Azemeis a Arouca, e da somma com elles despendida. — Para a secretaria.

8.° Do ministerio do reino, dando os esclarecimentos pedidos pelo sr. Alves Martins ácerca do destino do livro Tirant el Blanco, pertencente á bibliotheca nacional do Porto.

O sr. Pinto de Almeida: — Acaba de ser lido na mesa um officio enviado do ministerio do reino, dando os esclarecimentos que foram pedidos a requisição do sr. deputado Alves Martins. D'esse officio fazem parte alguns documentos importantes sobre uma questão que tem sido do dominio da imprensa. Peço pois que tanto o officio, como os documentos que o acompanham, sejam publicados na integra no Diario de Lisboa.

O sr. Presidente: — O sr. deputado queira mandar para a mesa a sua proposta por escripto.

O sr. Pinto de Almeida: — Eu a vou mandar.

É a sequinte:

PROPOSTA

Proponho que se publique no Diario de Lisboa o officio do ministerio do reino, com os documentos, para esclarecer o publico sobre o destino que teve o livro Tirant el Blanco. = José de Moraes Pinto de Almeida.

Declarada urgente, foi admittida e logo approvada.

O officio e os documentos são os seguintes:

Ministerio do reino — Direcção geral de instrucção publica—Primeira repartição—Livro 18, n.° 419 — Urgente. — Respondendo ao officio de V. ex.ª, datado de 7 do mez corrente, remetto as copias authenticas dos officios pelos quaes foi pedido ao bibliothecario da bibliotheca publica do Porto o livro de cavallaria Tirant el Blanco; assim como do recibo do ex.mo duque de Saldanha, a instancias de quem o livro foi pedido. Nenhumas outras informações podem ser dadas por esta repartição.

Deus guarde a V. ex.ª, secretaria d'estado dos negocios do reino, em 13 de fevereiro de 1861. = Ill.mo e ex.mo sr. secretario da camara dos srs. deputados. = Marquez de Loulé.

Copia — Ministério do reino — Direcção geral de instrucção publica— 2.ª repartição — 1.ª secção — Livro 17, n.° 944. — Ill.mo, sr.: Tornando-se necessario ver nesta direcção geral o livro de cavallaria intitulado Tirant el Blanco, existente n'essa bibliotheca, vou rogar a V. s.ª que se sirva remetter com urgencia o sobredito livro com a devida cautela, o qual será devolvido apenas tiver satisfeito o fim para que é requisitado. Este mesmo officio servirá de recibo para os effeitos convenientes.

Deus guarde a V. s.ª, direcção geral de instrucção publica, em 3 de dezembro de 1859. = Ill.mo, sr. bibliothecario da bibliotheca do Porto. = José Maria de Abreu.

Está conforme. =Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 13 de fevereiro de 1861. — O chefe da primeira repartição, Francisco Palha de Faria Lacerda.

Copia — Ministério do reino — Direcção geral de instrucção publica — 2.ª repartição — 1.º secção — Livro 17, n.° 944. — Ill.mo, sr.: Respondendo ao officio de V. s.ª, de 10 do mez proximo passado, cumpre-me dizer a V. s.ª que póde fazer entregar ao ex.mo governador civil do districto o livro de cavallaria intitulado Tirant el Blanco, requisitado em officio d'esta direcção geral de 3 do dito mez, cobrando o competente recibo.

Deus guarde a V. s.ª, direcção geral de instrucção publica, em 5 de janeiro de 1860. = Ill.mo sr. bibliothecario da bibliotheca nacional do Porto. = José Maria de Abreu.

Está conforme. = Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 13 de fevereiro de 1861. = O chefe da primeira repartição, Francisco Palha de Faria Lacerda.

Copia — Foi-me entregue n'esta secretaria d'estado dos negocios do reino a obra que tem por titulo Tirant el Blanco, um volume em quarto encadernado, que a pedido meu foi requisitado da bibliotheca publica do Porto por este ministerio. Lisboa, 24 de janeiro de 1860. = Duque de Saldanha.

Está conforme. = Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 13 de fevereiro de 1861. = O chefe da primeira repartição, Francisco Palha de Faria Lacerda.

continuação do expediente

9.° Uma representação da camara municipal de Penafiel, pedindo a concessão do edificio e cerca das recolhidas da Conceição, logo que se achem vagos das duas usufructuarias que hoje as occupam. — Á commissão de fazenda, ouvida a de administração publica.

10.° Da camara municipal de Mezãofrio, pedindo que se isente a lavoura do Douro das novas medidas tributarias, pelo menos por cinco annos. — Á commissão de administração publica, ouvidas as de fazenda e obras publicas.

11.° Da camara municipal de Villa Pouca de Aguiar, reclamando contra a pretensão da desannexação da sua comarca do julgado da Ribeira de Pena. — Á commissão de estatistica.

12.° De varios cidadãos residentes na cidade do Porto, que militaram em defeza do throno legitimo e da liberdade, pedindo a remuneração de seus serviços pela reforma dos postos em que deram baixa. — Á commissão de guerra.

SEGUNDAS LEITURAS

PROJECTOS DE LEI

Senhores. — O novo formato do Diario de Lisboa trouxe ás partes, que litigam em juizo, um onus, que de certo ninguem teve intenção de impor.

Dobrou as folhas ao meio, para lhes diminuir o tamanho, em commodidade dos leitores; mas dobrou-lhe tambem o numero das folhas, e dobrou por conseguinte o imposto do sêllo, que é contado pelas folhas.

A este inconveniente juntou-se ultimamente outro.

Deliberou esta camara supprimir o seu Diario, e fazer publicar no Diario de Lisboa os discursos dos deputados por extenso.

Esta medida trouxe necessariamente um novo augmento de folhas ao jornal official, e augmentou por conseguinte aquelle onus aos litigantes.

Sabe-se que os annuncios judiciaes têem de ser feitos no Diario official, e que este ha de forçosamente juntar-se ao processo para prova de que se cumpriu o preceito legal.

Essa juncção torna-se mais frequente nas execuções e nos inventarios, em que ha menores interessados; e o onus vem portanto a recaír principalmente sobre pessoas, que rasões especiaes mandam favorecer.

Pareceu-me sempre, alem disso, muito desarrasoado que, para prova de que se fez um annuncio, que se lê na ultima pagina do Diario official, fosse preciso sellar as innumeras folhas d'elle.

Essa rasão procede tambem a respeito de qualquer outra isolada publicação, que queira comprovar-se com a folha official.

E o remedio é tanto mais urgente, quanto é certo que na forçada compra do jornal, tornado hoje mais caro, pagam já os interessados um augmento do imposto ao estado, que não deve ser-lhes exacerbado com o augmento proporcional no imposto do sêllo.

Parece pois mais regular que o imposto, no referido caso, se reduza a quantia certa.

E em harmonia com essa idéa, de accordo tambem com os interesses rasoaveis do fisco, tenho a honra de propôr o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Todo o periodico official, que houver de ser sellado com o sêllo de verba, conforme a legislação existente, pagará de sêllo a taxa certa de 100 réis, seja qual for o numero de folhas que tiver.

Art.. 2.° Fica revogada a legislação de 10 de julho de 1843, na parte opposta á presente lei, e toda a demais legislação em contrario.

Sala da camara, 13 de fevereiro de 1861. = Carlos Zeferino Pinto Coelho.

Foi admittido, e enviado á commissão de fazenda.

Senhores. — Em sessão de 18 de abril de 1857 tive a

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honra de apresentar á camara dos srs. deputados um projecto de lei para a creação de dois cursos superiores de letras em Lisboa e Coimbra.

Este projecto mereceu a approvação da commissão de instrucção publica no seu parecer n.°... de 22 do mesmo mez.

Posteriormente creou-se em Lisboa, pela carta de lei de 8 de junho de 1859, um curso superior de letras, para cuja dotação concorreu generosamente a real munificencia de Sua Magestade o Senhor D. Pedro V.

A primeira parte d'aquelle projecto está portanto realisada e a necessidade de uma tal instituição reconhecida pelos poderes publicos.

O numeroso auditorio, que concorre ás aulas do curso superior de letras, é um testemunho incontestavel da boa aceitação com que o publico illustrado procura colher os tractos de tão elevados estudos professados n'uma das mais bellas linguas do mundo.

Seria porém grave anomalia que esses estudos, cuja generalisação é uma das primeiras necessidades da nossa instrucção publica, ficassem fóra do quadro dos cursos universitários, e limitados exclusivamente a um curso professado na capital.

O que n'este ponto a boa rasão e as conveniencias da instrucção nacional aconselham, de sobejo o auctorisa o exemplo de todos os paizes cultos, para que fôra necessario demonstra-lo perante uma assembléa tão illustrada.

O curso superior de letras na universidade de Coimbra, independente da concorrencia dos alumnos que se destinarem ás diversas carreiras publicas para que estes estudos devem ser habilitação necessaria, terá por ouvintes os alumnos de todas as faculdades a quem o amor da sciencia e o enthusiasmo pela gloria das letras patrias attrahirá ás aulas, onde distinctos professores devem recordar as mais formosas paginas dos nossos mais elegantes prosadores e insignes poetas; onde os gloriosos feitos da historia patria devem ser commemorados em linguagem digna dos historiadores que a illustraram; onde emfim a litteratura classica com todos os seus primores, a moderna litteratura dos diversos povos da Europa, a philosophia e a sua historia devem apresentar-se como modelos sempre de proveitosa lição, e como assumptos proprios para elevar o espirito e dilatar os horisontes da intelligencia.

A necessidade de uma severa economia, que tolhe quasi sempre os mais bem traçados planos, poderá combinar-se com a organisação do curso superior de letras na universidade mais facilmente que em qualquer outra parte, porque os lentes das diversas faculdades e os professores do lyceu nacional que, pela especialidade dos seus estudos, forem dignos de reger as cadeiras d'este curso, poderão accumular este serviço com o da propria faculdade ou lyceu mediante uma gratificação deduzida do ordenado d'essas cadeiras, o que diminuirá da terça parte pelo menos a despeza orçada.

O curso de lingua hebraica nos lyceus de Lisboa e Coimbra, com que actualmente se despendem 800$000 réis, póde constituir um curso biennal de lingua e litteratura hebraica no curso superior de letras, sendo regido por turno por um lente substituto da faculdade de theologia, com grande vantagem dos lentes d'esta faculdade, para os quaes aquella lingua é um importante subsidio e com economia do thesouro.

N'estes termos tenho a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E creado na universidade de Coimbra um curso superior de letras.

§ unico. É o governo auctorisado a organisar este curso; fixar o numero e habilitações dos professores, os seus vencimentos e as gratificações aos que accumularem a regencia das cadeiras d'este curso com o serviço das faculdades ou do lyceu nacional de Coimbra a que pertencerem.

Art.. 2.° O governo comprehenderá na organisação do curso superior de letras em Coimbra o ensino da lingua e litteratura hebraica, ficando supprimida a cadeira d'esta lingua nos lyceus de Lisboa e Coimbra.

Art.. 3.° A despeza com o curso superior de letras em Coimbra não excederá a 4:000$000 réis.

Art.. 4.° A primeira nomeação dos professores do curso superior de letras em Coimbra será feita pelo governo, sob proposta graduada do conselho geral de instrucção publica.

Art.. 5.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da camara dos deputados, em 13 de fevereiro de 1861. = José Marta de Abreu.

Foi admittido, e enviado á commissão de instrucção publica, ouvida a de fazenda.

Leu-se na mesa uma proposta por parte da commissão do recrutamento, para que seja addicionado á commissão o sr. Mousinho de Albuquerque.

Foi admittida, e logo approvada.

O sr. Palma: — Peço a V. ex.ª em primeiro logar que me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas; e usando da palavra vou mandar para a mesa uma nota de interpellação ao mesmo sr. ministro. (Leu.)

Agora peço licença a V. ex.ª para chamar a attenção da commissão de guerra sobre um projecto que tive a honra de apresentar n'esta casa. Eu não precisaria dizer mais nada sobre a urgencia d'elle e sobre a alta importancia que tem, senão ler o discurso do sr. ministro da guerra sobre isto, em resposta ao sr. Pinto da França. S. ex.ª disse que acha perigoso para a disciplina do exercito a espera do cabimento para o militar gosar da reforma, e disse que esperava que esta camara o auctorisasse a reformar desde já os officiaes, que elle reconhece que existem nas fileiras, sem poderem com o serviço.

Quando um ministro da corôa faz uma declaração tão categorica, e havendo n'esta casa um projecto que tem por fim acabar com essa disposição do cabimento, parece-me que nada ha mais urgente do que a commissão de guerra apressar-se em dar o seu parecer sobre um negocio que tem a importancia que eu acabo de referir, e que está garantida pela opinião do sr. ministro.

O sr. Pinto da França: — Não vejo presente nem o presidente da commisão de guerra, nem o secretario, e para que não fique sem resposta o que disse o illustre deputado, direi que a commissão de guerra tem muito a peito aquelle negocio; comtudo não o considera quasi em nada da sua competencia. Isto é negocio da iniciativa do governo e deve ser considerado pela commissão de fazenda. (O sr. Pinto de Almeida: — Apoiado). Eu tenho idéa que já foi remettido á commissão de fazenda, e é á commissão e ao ministerio, por orgão do sr. visconde de Sá, que já deu a sua opinião sobre objecto tão momentoso, a quem cumpre remediar tão grande mal.

O sr. Palma: — Agradeço ao nobre deputado as explicações que deu, mas sinto não poder conformar-me com parte das idéas de s. ex.ª. Em que situação ficávamos nós, se estivessemos só dependentes da iniciativa do governo?

Os deputados têem iniciativa parlamentar; felizmente têem-n'a; mas infelizmente ella é pouco profícua; isso reconheço eu; mas depois que um deputado toma a iniciativa de um objecto importante, e o governo vem declarar dos bancos dos ministros que a existencia do cabimento para a reforma faz perigar a disciplina do exercito, pedindo a esta camara que o auctorise a reformar os officiaes que não podem servir, entendo que esse deputado que usou d'essa iniciativa tem mais uma justificação a seu favor, pelo reconhecimento do governo da urgencia d'este objecto. Se o governo não formulou uma proposta de lei n'este sentido, ao menos já a sanccionou pela sua opinião.

Emquanto á opinião de s. ex.ª de que este negocio é da iniciativa do governo, apoiado por um meu illustre amigo, não posso conformar-me com ella ainda que tenha sempre muito prazer em combinar com as opiniões de s. ex.ª.

O sr. Pinto da França: — O meu collega não me comprehendeu. Eu não venho aqui abdicar o meu direito de iniciativa, nem convidar os meus collegas a ceder d'elle. Tenho usado d'esta iniciativa, ainda mais, usei do direito de discussão para fallar sobre esta materia. Protestei, na ultima vez que tomei a palavra n'esta casa, contra a barbaridade d'este principio de cabimento; e agora o que digo é—que da minha parte tenho usado da iniciativa para promover o acabamento d'este grande mal; já na discussão o fulminei com todas as minhas forças; já o accusei de iniquo.

Agora, depois do uso que o nobre deputado fez da sua iniciativa para acabar com o principio de cabimento, e depois das palavras do sr. ministro da guerra, o que digo é — que o negocio por ora está entregue ao juizo a competencia da commissão de fazenda.

Ouvidas as palavras proferidas pelo sr. ministro, muita cousa nos resta a fazer; na occasião da discussão do parecer da commissão, é então que, se ella se não conformar com esta idéa, que nós podemos combater as idéas da mesma commissão, e pugnarmos na discussão pelo principio estabelecido no projecto do illustre deputado.

Não ha pois antagonismo entre as minhas palavras e as proferidas pelo nobre deputado.

O sr. D. Rodrigo de Menezes: — Antes de usar da palavra para o fim para que a havia pedido, permitta a camara que eu corrobore os argumentos que apresentou aqui o nobre deputado o sr. Affonseca a respeito da questão dos passaportes, com a noticia que vou referir.

No dia de entrudo, terça feira, vieram a Lisboa dezeseis individuos, aproveitando-se da meia rapidez dos nossos caminhos de ferro; e desembarcando na estação monumental de Santa Apolonia foram apprehendidos pela policia por não trazerem passaportes. Estes individuos, no goso dos seus direitos constitucionaes, vinham divertir-se a Lisboa, e quizeram aproveitar-se das grandes despezas que este paiz tem feito construindo o caminho de ferro com a rapidez e solidez com que está feito, não obstante ter-se desmoronado um d'estes dias uma parte da montanha de Xabregas, que inutilisou um bom par de metros.

Logo que cada um d'estes dezeseis individuos pagou a quantia de 4$700 réis a policia considerou-os com folha corrida, reputou-os homens livres e serios, e podendo gosar dos divertimentos de Lisboa, e deixou-os desembaraçados, sem mais formalidade alguma. Mas ainda isto não é tudo: um d'elles trazia passaporte, mas não trazia o sacramental visto das auctoridades onde tinha pernoitado; e as auctoridades entendem que o caminho de ferro já vem de tão longe que se possa pernoitar n'elle, e que devem por isso tomar conta aos passageiros da localidade em que pernoitarem, para, na falta do visto, lhes fazerem pagar a multa; e assim aconteceu com este a que me refiro.

Isto é um absurdo de uma ordem tal que não póde continuar (apoiados); e se é preciso ainda um terceiro governo que traga uma proposta para acabar com os passaportes, seria até o unico motivo por que eu pediria a queda d'este.

Mas para que servem os passaportes? Eu vou mostrar á camara a importancia d'elles.

Ha um negociante em Lisboa, chamado Bastos, a quem ha poucos dias chegou do Brazil um irmão muitissimo rico. Estes dois individuos foram viajar; e um d'elles deixou a sua familia no deserto da freguezia da Lapa ao pé da Estrella. Ora quer V. ex.ª saber o que n'esta capital civilisada e populosa de Lisboa aconteceu? Eu vou dizer a V. ex.ª Foi atacada a casa por uma quadrilha de ladrões; a familia gritou e elles fugiram sem ter de que. No dia seguinte novo ataque. Um amigo d'essa familia, que tambem é meu, um inglez, o sr. Lourenço Carlos Rivoti, que mora á Annunciada (digo o nome para a policia saber onde póde colher esclarecimentos), dirigiu-se ao regedor da freguezia da Lapa e deu-lhe parte que aquella familia tinha sido atacada dois dias seguidos por ladrões, e que não tinha outro recurso de que valer-se senão a auctoridade. O regedor, que estava na sua botica embrulhado n'um capote, disse: «isso é serio, mas eu não vou invadir a casa de cada um de noite»; e não deu as providencias que a familia esperava!

O meu amigo inglez foi ao governo civil, e de lá mandaram um aguazil observar as disposições da casa; e este, á vista dos muros caídos nos quintaes, disse: «é facil atacar-se a casa;» e não achou meio de a defender!

No terceiro dia a familia chamou gente a quem pagou para a defender.

Como a dona da casa é franceza, e não está costumada a ver no seu paiz taes faltas de segurança publica, aterrou-se a ponto de abandonar a casa, e foi alugar por cincoenta moedas outra na rua direita do Loreto, onde morou o sr. Mártens Ferrão; fez uma mudança rapida no dia de entrudo, e soffreu todo este prejuizo, porque não houve auctoridades que a defendessem contra uma quadrilha de salteadores que ha n'aquella freguezia! Pois ainda isto não foi tudo. Mudando-se todos os trastes da casa, ficaram n'ella algumas esteiras. Sabe V. ex.ª o que aconteceu? No dia seguinte quando foram buscar as esteiras, acharam a janella arrombada e as esteiras todas cortadas á navalha! (Vozes: — Ouçam! ouçam!)

Aqui está porque eu estou sceptico em tudo. Os nossos homens de estado quando não estão n'aquellas cadeiras (as dos ministros), fazem promessas pomposas de reformas e melhorias que nunca verificam. Eis aqui porque nós todos estamos frios e descrentes.

De que serve uma guarda municipal armada até aos dentes, com um capote de panno e outro de oleado que a embaraça de andar, com uma arma e sessenta cartuxos? Não sei como não a armaram á Minier, como fizeram aos guardas-barreiras! (Riso.) Aos guardas-barreiras deu-se armas á Minier para evitar o contrabando, á guarda municipal devem dar peças raiadas para evitar que as casas sejam atacadas por quadrilhas de ladrões. (Riso.) Como se póde fazer a policia de uma terra com patrulhas a cavallo embrulhadas em grandes capotes de oleado, com capacetes que parecem do tempo de Carlos Magno (riso), feios, horriveis, improprios para um soldado de cavallaria se poder defender? Um capacete deve suppor-se que é para aparar uma cutilada, e marchando a galope, á guarda municipal saltam os capacetes.

Tem-se-nos promettido a creação da guarda civil, tem-se-nos promettido a gendarmerie, tem-se-nos promettido a policia que se faz lá fóra, e a final temos um corpo municipal com bandeiras, musica, dois pares de estribos, dois capotes, um para de noite, outro para de dia, e quantos absurdos ha!

E assassinam os pobres soldados obrigando-os a um serviço pesado, e tão pesado que uma grande parte dos soldados da guarda municipal têem sido affectados do peito e têem morrido tisicos! Eu chamo a attenção do governo para este facto. Uma grande parte dos soldados da guarda municipal morrem, porque não podem com o serviço improprio que fazem.

Depois d'isto conservem os passaportes como meio de policia, quando sem passaporte emigra para o Brazil uma grande parte dos mancebos do Minho antes de serem recrutados.

Uma voz: — E depois de recrutados.

O Orador: — E depois de recrutados, muito bem diz o illustre deputado, a ponto de haver freguezia onde se não encontra um mancebo de vinte annos para servir! E vão sem passaporte. Os amadores de passaportes que os archivem e guardem para os povos mais civilisados da Europa usarem d'este meio de segurança publica!

Não digo mais nada, e aguardo o orçamento, que espero se discuta em poucos dias (interrupção). Espero e convido mesmo o governo a que acabados os tres mezes legaes nos mande embora, porque não tenho vontade de estar aqui. Discutamos o orçamento, mas deveras, e vamos-nos embora. Para o anno tomaremos contas ao governo, se cá voltarmos. Antes d'isso porém desejava que as medidas, que estão na outra casa do parlamento, fossem convertidas em lei, porque sem ellas a maioria desta casa que as votou não sáe d'aqui bem (apoiados). Sem a desamortisação, sem a medida dos vinhos, sem o credito predial, nós não saímos daqui decentemente (apoiados).

Nós não temos fallado, temos estado calados por differentes rasões. Cada um tem as suas, e eu não quero indicar as minhas, porque não desejo offender ninguem.

Passou o incidente dos passaportes, e agora vou dirigir-me ao sr. ministro da fazenda, e chamar a sua attenção para um caso grave, e grave, porque eu sou d'aquelles que entendem que quer se seja da opposição, quer se seja ministerial, na governação publica é necessario andar com muita seriedade, dar força ao governo e fazer acreditar as leis que d'aqui saem. (O sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado.)

Quando o nosso collega e distincto ex-ministro, o sr. Casal Ribeiro, apresentou as medidas de fazenda, lembrar-se-ha V. ex.ª e a camara, que uma das grandes melhorias em que s. ex.ª fundava grandes esperanças era na cobrança dos impostos. Disse s. ex.ª: «que os impostos haviam de ser cobrados aos trimestres por não poderem ser cobrados mensalmente, pois a perfeição n'este caso era a recepção mensal. A camara aceitou este principio e votou-o em todas as medidas de tributos; ha n'ellas um artigo expresso que determina que a cobrança seja aos trimestres. E isto é rasoavel. Supponha V. ex.ª que um homem da provincia vem a Lisboa, quer viver em Lisboa dois mezes, traz creados, cavallos, carruagens, tudo; este homem ha de ser obrigado a pagar um semestre de contribuição? E duro; só deve pagar

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um trimestre. Um logista, que quer antes dos tres mezes deixar o modo de vida que tem, escusa de pagar tributo de seis mezes, basta que pague de tres. Mas que aconteceu? Nos papeis que se distribuiram pelas freguezias de Lisboa, a que o povo chama papeletas, e a que eu chamarei tambem papeletas, exige-se a declaração para seis mezes. Já vê V. ex.ª que hoje com toda a rasão pergunta toda o gente — se ha obrigação de pagar o tributo de seis mezes ou o de tres mezes. A lei é expressa, note-se bem, e no relatorio do sr. Casal Ribeiro lá se diz — que o trimestre por completar é obrigado o contribuinte a paga-lo, mas não o seguinte.

O sr. Casal Ribeiro, homem que não comprehendo na censura que ainda ha pouco fiz aos nossos homens publicos, porque s. ex.ª trabalhou muito extraordinariamente e muito dignamente (apoiados); e o sr. ministro da fazenda, a quem tambem não me farto de render os devidos elogios pelo seu zêlo, trabalho e amor da patria, que tem mostrado em todos os negocios (apoiados), fez ao seu antecessor os elogios que elle merecia; o sr. Casal Ribeiro, digo, queria que os recebedores, por meio de delegados seus, recebessem nas parochias os tributos que se pagavam nas recebedorias, para facilitar ao pobre e ao infeliz o modo de pagar; mas nunca podia querer que se pagassem tributos de seis em seis mezes, quando a sua base era de que fosse de tres em tres mezes. É sobre isto que chamo a attenção de s. ex.ª, e espero que s. ex.ª ha de mandar pôr em execução o que a camara votou.

Mando para a mesa esta pequena nota, que peço a V. ex.ª o favor de a mandar remetter á illustre commissão de fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda (A. J. d'Avila): — Sr. presidente, não me demorarei na questão dos passaportes, porque a este respeito já me expliquei sufficientemente diante da camara, e este negocio compete mais ao meu collega o sr. ministro dos negocios do reino, que estou persuadido que podia dar, se estivesse presente, ao meu nobre amigo, o sr. D. Rodrigo, explicações cabaes a este respeito; limitar-me-hei simplesmente a responder a s. ex.ª aos objectos que dependem do ministerio da fazenda a meu cargo. O nobre deputado exprimiu o desejo de que o orçamento viesse muito depressa á discussão. O nobre deputado deve fazer ao governo a justiça de que o governo é o primeiro interessado em que essa discussão tenha logar quanto antes; mas eu tenho obrigação de declarar á camara, em obsequio á verdade, que a commissão de fazenda se tem occupado incessantemente d'esse trabalho. Na quarta-feira houve uma reunião de commissão em que ficaram quasi approvados os orçamentos de tres ministerios; hoje ha outra reunião da mesma commissão unicamente para tratar d'este objecto. Por consequencia não só o governo tem desejos de que o orçamento venha á discussão quanto antes, mas a illustre commissão de fazenda occupa-se incessantemente d'este assumpto, e é indispensavel que esse documento aqui se apresente, não só para que a camara possa fazer uso do seu direito de analyse e exame a respeito de um trabalho tão importante, mas para que a camara dos dignos pares possa fazer esse mesmo exame, e não ser mandado o orçamento, como quasi sempre tem acontecido, á ultima hora, para aquella casa, o que dá origem ás observações que ali se fazem por esse motivo, e quasi sempre com todo o fundamento.

Em relação ás medidas, que estão na outra casa do parlamento, tambem me parece que as explicações que o governo tem dado a este respeito devem satisfazer o nobre deputado: eu accrescentarei comtudo, que os trabalhos sobre algumas d'essas medidas estão por tal fórma adiantados na commissão respectiva, que estou persuadido que os pareceres serão apresentados em poucos dias, para seguir os tramites marcados no regimento. O governo tambem n'esta parte tem tanto interesse, como o illustre deputado e esta camara, em que essas medidas sejam convertidas quanto antes em lei, e ha de prestar por consequencia e tem prestado todo o seu concurso para que essas medidas possam merecer a approvação da outra camara, e a do outro ramo do poder legislativo, a fim de que quanto antes sejam leis do paiz.

Quanto á cobrança dos impostos devo dizer com franqueza ao meu nobre amigo, porque n'estes assumptos a franqueza é o primeiro dever do homem publico, e principalmente de um ministro que tem a seu cargo a pasta da fazenda, porque esta questão fere interesses que dizem respeito a todos, que quando o illustre ministro da fazenda o sr. Casal Ribeiro apresentou no parlamento o seu projecto de autorisação para reformar as repartições de fazenda, contendo outras disposições, algumas das quaes de alta importancia, como a theoria demonstrava e a experiencia o tem verificado, quando, digo, estabeleceu n'esse projecto que as cobranças se effectuariam de tres em tres mezes, eu declaro que entendi logo que essa disposição era impossivel de se executar, e manifestei os meus escrupulos na commissão de fazenda, de que tinha a honra de fazer parte. Argumentei com a experiencia que tinha como ministro da fazenda que tinha sido, e essa experiencia baseava-se em factos que tinham tido logar em muitas partes do reino. Ainda n'outro dia um illustre deputado, o sr. Pinto Coelho, que não está presente, veiu dar um documento de que eu tinha rasão n'essas apprehensões em relação a esta disposição. Acredite o illustre deputado que de toda a parte se pede que a cobrança das contribuições, exceptuando as cidades de Lisboa e Porto, se faça uma vez por anno, depois das colheitas; e para corroborar o que acabo de expor, a camara sabe que ainda na penultima sessão o sr. Pinto Coelho fez sentir a necessidade que havia de que no concelho de Oeiras fossem pagas as contribuições não em janeiro, mas em agosto, epocha posterior ás colheitas. Este pedido veiu de toda a parte, e deu origem á lei de 1850 em

que o governo, sendo eu ministro da fazenda, pediu ser auctorisado para fixar os prasos, em que as contribuições haviam de ser cobradas por uma só vez nas provincias, exceptuando as cidades de Lisboa e Porto, em que seriam pagas por semestres, fixando o governo a epocha em que esse pagamento se havia de effectuar, para o que havia de ouvir previamente os governadores civis e as camaras municipaes. O governo usou d'essa attribuição que lhe deu o corpo legislativo, e fixou as epochas em relação a todas as provincias; e para Lisboa e Porto estabeleceu—que os cofres estariam abertos nos mezes de fevereiro e agosto. O sr. Casal Ribeiro, annuindo a algumas d'essas considerações, consentiu em que a lei fosse redigida de maneira que o governo não ficasse obrigado (n'isso é que está o engano do meu nobre amigo) a estabelecer o pagamento de tres em tres mezes. Veja o illustre deputado o artigo 6.° e o § unico d'esse artigo. Diz o § unico do artigo 6.° da lei de 11 de agosto de 1860 o seguinte (leu).

Portanto o parlamento não prescreveu ao governo a obrigação de mandar fazer a cobrança das contribuições de tres em tres mezes; estabeleceu esse principio, mas auctorisou o governo a alterar esse praso. Ora o nobre deputado sabe que eu entrei no ministerio da fazenda em 4 de julho de 1860; pouco tempo depois foram convertidos estes projectos em lei; e eu agradeço ao nobre deputado a declaração que fez, creio que pela segunda vez, do concurso leal que prestei para que estes "projectos fossem convertidos em lei (apoiados); assim eu estou, persuadido de que foi uma das epochas da minha vida publica, em que alguns serviços prestei ao meu paiz, e que devem servir de expiação para algumas cousas más que tenha feito.

Quando me occupei dos regulamentos e dos prasos, que se deviam estabelecer para a feitura das matrizes, cada vez me convenci mais de que as apprehensões que tinha manifestado no centro da commissão eram exactas, e de que a lei não podia ter execução no sentido em que estava redigido o artigo 6.°, sem que o governo usasse da autorização que lhe dava o § unico d'esse mesmo artigo. Mas devo fazer ainda uma declaração ao nobre deputado, porque sei que estuda estas questões e que falla sempre n'ellas com conhecimento de causa. Vejo diante de mim amigos pessoaes e politicos do sr. Casal Ribeiro. S. ex.ª teve a fortuna, alem da sua alta capacidade, de se ver cercado de amigos, alguns dos quaes eu aqui vejo, muito habeis e de grande intelligencia, que prestaram um concurso muito leal a s. ex.ª Mas, entre os homens que estão n'estas circumstancias, ha um que não vejo aqui, o sr. Carlos José Caldeira, que tomou uma parte muito importante na redacção d'esta lei. Este cavalheiro tinha sido mandado como visitador, e declaro que sem vencimento, pelo sr. Casal Ribeiro. Faço esta declaração para que se saiba que quando o sr. Caldeira aceitou esta commissão o fez muito desinteressadamente, porque não recebeu senão louvores que eu lhe dei pelos trabalhos importantes que fez. O sr. Carlos José Caldeira aceitou do sr. Casal Ribeiro a commissão de ir como visitador ás provincias do norte do reino, e reconheceu que era indispensavel alterar os prasos, a que se referiu o illustre deputado, e assim o representou. Posso apresentar ao sr. D. Rodrigo este documento, que é muito insuspeito.

Foi, em vista d'isto e do conhecimento que eu tinha da impossibilidade do pagamento dos tributos aos trimestres, que puz em pratica os prasos anteriores á lei de 1860.

Posso assegurar ao nobre deputado, que até hoje não appareceu perante o governo reclamação alguma centra esses prasos. A lei que os estabeleceu tem por si a experiencia de dez annos; durante esses dez annos não se reclamou contra o pagamento dos tributos aos semestres. Ainda ninguem reclamou ou pediu que o pagamento das contribuições se fizesse de tres em tres mezes; pelo contrario todos reconhecem que a epocha mais competente e melhor para se pagarem os tributos é depois das colheitas (apoiados); é n'essa occasião que os contribuintes têem meios para satisfazer as suas contribuições (apoiados).

Aqui estão as rasões que tive para fazer uma alteração na lei quanto aos prasos para o pagamento das contribuições, mas alteração que estava auctorisado a fazer por uma disposição da mesma lei; se na lei não estivesse essa auctorisação, apresentar-me-ía perante o parlamento vindo pedir-lho uma medida a este respeito, a fim de que os prasos podessem ser alterados como o foram. E o nobre deputado sabe que levei os meus escrupulos a ponto de que estando auctorisado para estabelecer as quotas aos funccionarios administrativos e de fazenda, que as deviam receber e a que se refere o artigo 51.° do decreto de 30 de novembro de 1860, não só fiz essa distribuição, mas fiz mais alguma cousa — estabeleci o principio de que, passado um anno depois da execução do novo systema tributario, o governo podesse revêr estas mesmas tabellas para remediar quaesquer erros que porventura se podessem ter commettido: eu podia entender e sustentar mesmo que esta auctorisação estava comprehendida na disposição da lei, mas escrupulisei; apresentei estes meus escrupulos a alguns dos nossos collegas que me estão ouvindo o sr. Justino de Freitas, por exemplo, e vim ao parlamento pedir que approvasse essa disposição, que eu tinha inserido no decreto de 3 de novembro do anno findo. Não vim comtudo pedir ao parlamento a approvação para a alteração dos prasos, porque não tive a menor idéa de que isso seria preciso pela disposição da lei, que concede uma tal auctorisação ao governo; se essa auctorisação não estivesse concedida, eu viria aqui, e francamente diria á camara os motivos que tinha para lhe pedir uma mudança nos prasos para o pagamento e recepção dos impostos.

O nobre deputado disse — que o sr. Casal Ribeiro, quando fez esta reforma, estava de tal fórma compenetrado da conveniencia de melhorar a condição dos contribuintes, que foi levar a cobrança ás freguezias. Pois lá está esta disposição no decreto de 3 de novembro de 1860. E certamente uma das prescripções beneficas da reforma de fazenda que se adoptou. Aceito completamente o que o nobre deputado disse a este respeito; mas eu fiz mais—essa disposição foi consignada precisamente no decreto para a execução da auctorisação que o parlamento deu ao governo.

Tenho satisfeito, me parece, ás perguntas que me dirigiu o nobre deputado; mas, se estas explicações o não satisfizerem, estou prompto a dar outras que julgue necessarias.

O sr. D. Rodrigo de Menezes: — Acho que os regulamentos que estão a cargo do governo devem ser feitos com toda a cautela, de sorte que não alterem as leis (apoiados); porque os regulamentos não podem ser senão a indicação dos meios praticos de levar as leis á execução (apoiados.)

Ora, as leis de 30 de junho e julho de 1860, quero dizer, as leis sobre o tributo industrial e sobre a contribuição pessoal são expressas em que a cobrança d'estes tributos fosse feita de tres em tres mezes. Mas os bons principios n'esta terra, logo que começam a vigorar, acham uma tal resistencia que em pouco tempo, dentro da mesma sessão, sem pôr as leis em pratica, são alterados ou postos de parte. A lei de 11 de agosto de 1860 auctorisou o governo a reformar as diversas repartições de fazenda, mas não se incluiu n'essa auctorisação o poder o governo reformar o principio que se tinha votado. Ou o principio era verdadeiro e justo ou não; se o era, devia fazer-se uso d'elle; ou se o principio não prestava para nada, n'este caso era escusado terem-nos embalado com elle. Pôde haver muitos nobres deputados com grande intelligencia em muitos ramos, e comtudo «em dados objectos não terem a pratica precisa. Diz-se — a melhor epocha para pagar os tributos é depois da colheita. Appello para os lavradores que vivem da lavoura; ha muita differença entre os lavradores que estão em Lisboa, e que mandam cultivar pelos seus caseiros, e aquelles que dirigem ou fazem a lavoura e que vivem nas suas proprias terras ou herdades; estes que digam se a melhor epocha de pagar o tributo é quando colhem os generos, isto é, quando os vendem afogados aos monopolistas e aos homens que negoceiam com o suor e o trabalho dos lavradores. Ora a melhor epocha de pagar o tributo é quando se pede pouco, e isto não acontece só ao lavrador, acontece a qualquer homem que deve ao estado. Ha pessoas que devem contos de réis de decimas ao estado e atormentam os ministros da fazenda para lhe darem moratorias, e dão-se-lhes, porque as moratorias não acabam entre nós, e existem assim milhares e milhares de contos de réis em divida, que não entram no thesouro.

Ainda hontem, e digo isto por incidente, um proprietario me disse, que devia 2:000$000 réis de decima; dirigiu-se ao ministro da fazenda, pediu-lhe uma moratoria, que lh'a deu; e dão-se até com prasos fabulosos, ao passo que ao desgraçado que deve meia duzia de tostões penhora-se-lhe tudo, tirando-se-lhe inclusivamente a cama! (Apoiados.)

O tributo é uma verba que pésa sobre o povo, e não é para se lhe pedir o pagamento d'elle todo junto. Ao contribuinte é mais facil pagar 2:000$000 réis em vinte prestações do que todos juntos. O que acontece ao que deve 2:000$000 réis, acontece ao desgraçado que paga 4$800 réis de tributo. Se lhe pedirem 1$200 réis de tres em tres mezes póde melhor pagar do que se lhe pedirem de uma só vez os 4$800 réis.

Ora, é uma barbaridade que um industrial, que teve um estabelecimento tres mezes, e que no fim d'este tempo o desmanchou por qualquer motivo, pague uma contribuição correspondente a outros tres mezes em que elle já não tinha estabelecimento.

Ha mais: um homem que tem uma duzia de creados por tres mezes, paga o tributo correspondente a esses tres mezes; mas se este homem desmancha a sua casa e vae para uma quinta, comtudo tem a pagar o tributo pelos creados correspondente a seis mezes. Será isto justo? Ou o principio estabelecido pelo sr. Casal Ribeiro era santo ou diabólico; se era bom, execute-se; se não prestava para nada, para que é que o trouxeram aqui para se votarem as leis de fazenda? Ha pessoas dentro d'esta casa a quem tenho ouvido dizer, que se soubessem que a cobrança dos tributos havia de ser pedida do modo como acabou de dizer o sr. ministro da fazenda, não tinha votado a lei. O sr. ministro da fazenda diz que é impossivel pedir os tributos de tres em tres mezes, que se não deve alterar o systema velho; e eu não contesto que o governo está auctorisado pela lei a proceder como procede; mas a experiencia mostrará se o que faz é bom ou mau: entretanto isto não prejudica a rasão com que se lançaram os tributos. Eu votei por elles; mas declaro que o modo de executar essas leis tributarias é que ha de fazer com que ellas sejam bem ou mal recebidas, e que o principio de receber os tributos juntos, não permittindo ao contribuinte a paga em parcellas, faz com que essas leis se tornem mais odiosas do que necessariamente ellas são para aquelles que têem de pagar.

Não digo mais nada.

O sr. Ministro da Fazenda: — Quero só dizer duas palavras em explicação a um facto que citou o sr. D. Rodrigo.

O illustre deputado diz que as moratorias não acabam. Ainda hoje concedi umas poucas. Nem póde deixar de ser. Pois se o illustre deputado se sentasse na cadeira de ministro da fazenda, e fosse achar, por incuria de um empregado fiscal, um contribuinte pobre a quem se deixaram de pedir contribuições por dezenove annos seguidos, o illustre deputado mandava-o obrigar para pagar esses dezenove annos de contribuição de uma só vez? Como havia elle de pagar? Dezenove annos de contribuições levavam-lhe toda a propriedade, tudo quanto elle tinha. Pois o que é pagar deze-

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nove annos de contribuições? Dezenove annos de contribuições não deixam de fazer uma brecha consideravel em toda a fortuna que houver de os pagar.

É necessario que a camara note, e eu estou certo de que o notará com satisfação, que a nossa situação financeira, debaixo do ponto de vista da cobrança das contribuições, melhora todos os dias a olhos vistos. Mas note o illustre deputado que é a cobrança das contribuições correntes, do ultimo anno, que este é exactamente o ponto a que deve attender o ministro da fazenda; deve empregar todos os meios para que as contribuições correntes se paguem com toda a pontualidade, e tambem accelerar a cobrança do atrazado, mas por maneira que não vá arruinar o contribuinte, que muitas vezes deixou de pagar sem ser por culpa sua.

Ora note mais o illustre deputado: segundo os principios por que as moratorias são concedidas, só quem não póde por fórma nenhuma pagar é que as vem pedir. A primeira cousa que se lho exige é que pague immediatamente uma prestação, e o numero das prestações em que se lhe permitte o pagamento é muito limitado. Essas moratorias de prestações fabulosas não existem hoje. Actualmente as que se concedem são de tres, cinco, sete prestações. As que vão alem d'este numero são rarissimas. E são prestações pagas de seis em seis mezes, e a primeira paga logo. Portanto pagando-se em sete prestações, paga-se em tres annos, estabelecendo-se-lhes o juro que o governo paga pelos seus emprestimos. O governo está hoje pagando 6 1/2 por cento sobre os capitães que levanta, e quem pede uma moratoria, paga sobre as prestações que se lhe concedem o mesmo juro que o governo paga pelos seus emprestimos. Por consequencia quem pede uma moratoria é porque não tem absolutamente meios de pagar, e então não póde haver ministro da fazenda nenhum, tão pouco conhecedor dos interesses do thesouro, que vá arruinar o contribuinte sem por fim poder realisar a divida em que elle estava alcançado para com a fazenda.

Eu não quero appellar para a confiança que o illustre deputado possa ter n'um ou n'outro ministro; mas têem-se sentado n'estas cadeiras ministros da fazenda em quem o nobre deputado tem tido confiança, e saiba o nobre deputado que todos têem feito o mesmo, porque não póde deixar de ser pelas rasões que eu acabo de apresentar. E, quanto ás cobranças das contribuições correntes, digo-lhe que não ha hoje paiz nenhum em que a situação seja mais satisfactoria do que a nossa.

O sr. Presidente: — A mesa acaba de receber um officio do ministerio do reino, participando que Sua Magestade El-Rei receberá á meia hora depois do meio dia a deputação que tem de submetter á sancção do mesmo Augusto Senhor o authographo de um decreto das côrtes geraes; e por isso ficam prevenidos os membros da deputação do dia e hora em que ha de ser recebida.

A hora está muito adiantada, o vae passar-se á ordem do dia: os srs. deputados que estavam inscriptos terão a palavra ámanhã.

ORDEM DO DIA

CONTINUA A DISCUSSÃO DO PROJECTO N.º 20 NA SUA GENERALIDADE

O sr. Presidente: — Na sessão passada dei eu a palavra sobre a ordem ao sr. Abranches, e o sr. deputado apresentou uma proposta, que me pareceu uma completa substituição ao projecto; vi depois que a sua proposta não substitue de todo o projecto, e que apresenta alem d'isso alguns artigos addicionaes. Por consequencia o sr. deputado devia ter-se reservado para quando se tratasse da discussão na especialidade; mas, como já lhe tinha dado hontem a palavra, continuo a dar-lh'a hoje para fazer uso d'ella. Por esta occasião peço novamente aos srs. deputados que, quando queiram apresentar propostas que não substituam completamente o projecto, se reservem para as apresentar na discussão da especialidade.

O sr. Abranches: — Então reservo-me para fallar quando se tratar da discussão na especialidade.

A proposta do sr. Abranches era a seguinte:

EMENDA Á PARTE FINAL DO ARTIGO 1.º

Em logar de = quando lhes corresponderem quaesquer das penas maiores designadas no artigo 29.° do codigo penal =, diga-se = quando lhes corresponderem quaesquer das penas, para cuja imposição se requer a fórma do processo ordinario ou de querella, nos termos da carta de lei de 18 de agosto de 1853 =.

ADDITAMENTO AO ARTIGO 1.º

§ 1.° Fica restabelecida, nas provincias de Cabo Verde, S. Thomé e Principe, e na de Moçambique, a junta de justiça creada pela carta regia de 14 de novembro de 1761, unicamente para o julgamento em primeira instancia, com recurso para as respectivas relações, dos crimes commettidos pelos escravos ou libertos obrigados a serviço, quando a esses crimes corresponderem quaesquer das penas, para cuja imposição se requer a fórma do processo ordinario ou de querella, nos termos da carta de lei de 18 de agosto de 1853.

§ 2.° A alçada da junta de justiça será de um anno de prisão, trabalhos publicos ou degredo para dentro do districto da respectiva relação.

§ 3.° Os crimes, a que pelo codigo penal corresponderem algumas das penas correccionaes designadas no artigo 1.° da carta de lei de 18 de agosto de 1853, serão julgados pelos administradores de concelho com recurso para o governador da provincia.

Art.. 2.° Nas juntas de justiça, tanto em Loanda, como nas outras provincias, observar-se-ha provisoriamente a ordem e fórma do processo estabelecida nas cartas regias de 14 de novembro de 1761 e de 29 de novembro de 1806.

§ 1.° Nas juntas de justiça que por esta lei ficam restabelecidas nas provincias de Cabo Verde, S. Thomé e Principe, e na de Moçambique, lavrar-se-ha uma acta de audiencia de julgamento, aonde na sua integra se deverão escrever, sob pena de nullidade, não só os depoimentos das testemunhas da accusação e da defeza, como as respostas que os réus ou réu derem aos interrogatorios que na mesma audiencia se lhes devem fazer.

§ 2.° Tanto a parte accusadora como o réu ou réus poderão, na audiencia do julgamento, apresentar as suas allegações por escripto, com documentos ou sem elles, os quaes deverão ser juntos ao processo, para de tudo se poder tomar conhecimento na instancia superior.

§ 3.° Se na audiencia de julgamento quizerem as partes apresentar quaesquer documentos, assim o deverão declarar antes do inquerito das testemunhas, sendo pelo juiz relator lavrado o accordão do adiamento da causa, para quando pelo tribunal e partes for novamente o processo examinado, sendo impreterivelmente decidido na primeira sessão para que for destinado, quer n'ella as partes juntem ou deixem de juntar novos documentos.

Art.. 3.° A fórma do processo preparatorio para os crimes commettidos pelos escravos ou por libertos obrigados a serviço, e que, pelos artigos 1.º e 2.° d'esta lei, são julgados em junta de justiça, será o seguinte:

§ 1.° Depois do corpo de delicto, e junta ao processo a certidão em como o réu é escravo ou liberto obrigado a serviço, o juiz inquirirá de tres até oito testemunhas indicadas pelo ministerio publico, ou pelo queixoso, ou quatro por cada uma d'estas partes, para poder lançar a pronuncia e ordenar a prisão dos criminosos, quando esta dever ter logar.

§ 2.° Da pronuncia proferida pelo juiz de direito não haverá recurso algum. Porém a pronuncia proferida nos juizos provisorios dos presidios, ou nos juizos ordinarios, deverá ser ratificada ou não pelo juiz de direito da comarca, observando-se, no caso da annullação do processo, o disposto no artigo 50.° do decreto de 30 de dezembro de 1852.

§ 3.° Lançado que seja pelo juiz de direito o despacho de pronuncia, ou a ratificação da pronuncia nos casos em que ella é requerida nos termos do § 2.° d'este artigo, em harmonia ao que se acha determinado no artigo 8.° do decreto de 2 de junho de 1858, seguir-se-ha a accusação e citação do réu e do curador dos escravos com a entrega da copia da accusação; e nomes das testemunhas, para apresentar as da defeza até oito, e para os mais termos da causa.

§ 4.° Ao agente do ministerio publico sempre se continuará o processo em vista para dentro de oito dias apresentar a sua accusação; a parte queixosa, havendo-a, poderá tambem no mesmo praso apresentar a sua accusação, para o que se lhe intimará o despacho de pronuncia ou da ratificação da pronuncia, sem que comtudo para isso se lhe continue o processo em vista, salvo se assim o requerer, sendo-lhe então continuado unicamente por tres dias peremptorios.

Art.. 4.° O processo peremptorio para os crimes que, em virtude do § 3.° do artigo 1.°, são julgados pelos administradores de concelho, constará apenas do auto do corpo de delicto e da certidão em como o réu é escravo ou liberto obrigado a serviço, sendo depois por promoção do ministerio publico, a quem o processo se deverá continuar em vista por vinte e quatro horas, remettido á administração do concelho.

§ 1.° Perante o administrador do concelho seguir-se-ha a seguinte fórma de processo: intimado que seja o réu para em vinte e quatro horas apresentar a sua defeza e o rol de testemunhas, que poderão ser até cinco, intimação esta de que se deverá dar conhecimento ao curador dos escravos e libertos, e designado que seja o dia do julgamento, o administrador do concelho mandará ler o auto do corpo de delicto, que servirá de accusação, podendo no mesmo acto serem reperguntadas as testemunhas do mesmo auto ou perguntadas as que pelo ministerio publico forem apontadas depois do auto do corpo de delicto até ao numero de cinco, e procedendo depois á inquirição das testemunhas de defeza, devendo esta ser formulada pelo réu ou pelo curador dos libertos, o qual assistirá ao réu, e sendo este interrogado, escrevendo-se tudo na respectiva acta, proferirá em seguida a sua sentença, da qual o réu poderá recorrer para o governador dentro de quarenta e oito horas.

§ 2.º O governador, á vista do processo e da allegação que pelo réu ou seu curador póde ser feita no acto de interpor o recurso, confirmará ou não a sentença do administrador do concelho, sendo aquella immediatamente cumprida.

Art.. 5.° (É o que se acha no artigo 2.° do projecto de lei).

Sala da camara, 15 de fevereiro de 1861. = Bernardo Francisco de Abranches, deputado pela ilha de S. Thomé.

O sr. Mattos Correia: — Sr. presidente, cumprindo um preceito do regimento começarei por ler e mandar para a mesa a substituição, que entendo dever apresentar ao projecto de lei que se acha em discussão. (Leu.)

Pela simples comparação dos artigos da substituição, que acabo de ler, com os do projecto em discussão, vê-se que, adoptando o pensamento principal do projecto, me desviei d'elle, e me desviei consideravelmente na maior parte das suas disposições. Desviei-me, quanto ao artigo 1.°, porque entendi que o projecto não devia ser extensivo aos libertos. O projecto original do governo limitava-se aos escravos; a commissão porém julgou mais conveniente, que se fizesse tambem extensivo aos libertos obrigados a serviços temporaes. Estas duas classes são muito distinctas, e a minha substituição n'esta parte, extremando-as, é como a continuação de um pensamento de muito alcance com relação á prosperidade futura das provincias ultramarinas, que foi reduzido a lei durante o ministerio do nobre visconde de Sá da Bandeira. A segunda circumstancia, que me levou a apartar da opinião dos meus collegas, cujos talentos respeito, e cuja competencia na materia sujeita é para mim de grande peso, consiste em que a lei, tendo por fim occorrer de remedio a uma necessidade eventual e temporaria, e sendo como é uma excepção á lei geral, devia ter acção igualmente temporaria, e não o caracter de lei permanente, como se acha no projecto. Se esta lei continuasse a vigorar na provincia a que é destinada, quando terminassem as causas que determinam a sua feitura, a consequencia necessaria e immediata seria faze-la extensiva a todas as mais provincias aonde existe o facto deploravel da escravidão, o que fôra inconveniente, não tinha rasão de ser, nem se encontra no projecto.

A lei de excepção, que se discute, só póde ser justificada na presença de circumstancias graves e anormaes, circumstancias que se diz existirem actualmente na provincia de Angola: ora, este estado violento tem necessariamente causas que é indispensavel remover; e logo que ellas cessem, logo que as relações entre os escravos e os senhores voltarem ás condições em que sempre existiram, a acção da lei que se discute deve cessar igualmente.

Não obstante affastar-me da opinião do governo e dos meus collegas da commissão do ultramar, no que respeita ás disposições que acabo de mencionar rapidamente, eu não apresentaria uma substituição geral ao projecto que se discute, e limitar-me-ía a offerecer as minhas idéas como emendas ao artigo 1.°, se na segunda parte do artigo 2.º não encontrasse uma disposição que, no meu entender, importa verdadeira alteração a um artigo constitucional da carta.

No segundo artigo do projecto de lei em discussão decreta-se, que o governador geral fará executar immediatamente as sentenças da junta de justiça, salvo no caso excepcional do artigo 65.º do decreto com força de lei de 30 de dezembro de 1852, no qual só poderá faze-lo precedendo voto affirmativo do conselho do governo, quando a gravidade das circumstancias imperiosamente o exigir, disposições que eu entendo, pelo que respeita á ultima parte, não poder votar, no que talvez esteja em erro, mas de que cada vez mais me tenho convencido, ao passo que mais tenho meditado e estudado a questão; disposição que entendo, repito, que não posso votar, por isso que o meu mandato me não auctorisa para tanto.

Foi esta ultima discordancia, e em ponto tão capital, que me levou a apresentar uma substituição completa ao projecto; inclui nella a parte do projecto em que partilhei as idéas dos meus collegas e do governo, e affastei e substitui tudo aquillo com que não pude concordar.

Não pude concordar era que os libertos obrigados a serviço temporario fossem confundidos com os escravos, fazendo-se-lhes extensiva a lei que se acha em discussão. Os libertos, embora obrigados a serviço temporario, são homens livres, são a transição indispensavel entre a escravidão, ainda consentida nas colonias, e a sua completa abolição; são os colonos no sentido em que hoje é tomada esta palavra. Os escravos são desgraçados que, sem haverem commettido crime algum, se acham condemnados a trabalhos forçados por toda a vida, e sem que mesmo lhes falte a degradação moral. Os assassinatos, que a lei quer evitar pela intimidação, têem sido commettidos por estes contra os senhores, e não pelos libertos. Que conveniencia ou necessidade ha pois de sujeitar esta segunda classe, sobre que recáe em parte a esperança do desenvolvimento e prosperidade futura da provincia, a uma lei que tem por motivo e por ultima justificação os crimes commettidos ultimamente pelos primeiros!

Não pude tambem annuir a que a lei fosse permanente, porque nas condições ordinarias a sua acção seria um augmento de miseria para a classe dos escravos sem utilidade, e significaria que as idéas humanitarias entre nós, longe de progredirem, haviam retrogradado. Nós fundámos na America um imperio florecente, que conta hoje de sete a oito milhões de habitantes; e fundámo-lo com a intelligencia, com os capitaes dos portuguezes e com os braços dos pretos escravos; e não me consta que, no longo periodo de mais de tresentos annos que durou este grandioso trabalho de colonisação, se alterasse a lei geral para processar os escravos e executar n'elles a pena de morte. E é ainda para notar que, durante esses tresentos a quatrocentos annos, o regimen do paiz não era constitucional, não existia o systema representativo, existia o governo absoluto; e o rei, aconselhado pelos seus ministros, podia alterar a legislação como entendesse que mais convinha ao augmento da prosperidade e segurança do paiz.

O receio dos escravos no Brazil foi algumas vezes grande; na provincia da Bahia, onde havia seis a oito escravos por cada homem livre, e aonde os escravos eram todos de uma mesma raça, sobremaneira forte e intelligente, a dos pretos minas, o receio chegou mesmo a ter bem fundados motivos; mas nem ainda assim a legislação foi alterada n'esta parte, e os perigos e os receios cessaram sem o emprego de uma lei de excepção.

Ora, se isso não foi necessario ali, nem na nossa Africa até hoje, devem as circumstancias actuaes ser muito graves e extraordinarias para aconselharem o emprego da lei que se discute.

Quaes são pois essas circumstancias extraordinarias? Diz-se que se deram tres, quatro ou seis casos de escravos matarem os senhores na provincia de Angola, e é sobre estes factos que recáe o receio e o panico que levou as auctoridades da provincia a pedir providencias, o governo a apresentar esta proposta, e a commissão a dar este parecer.

Consta-me que um canarim fôra morto em Loanda por um de seus escravos, e que outro homem de côr fôra tambem assassinado por seus escravos em Novo Redondo; mas sejam só estes, ou sejam mais os assassinatos commettidos,

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o certo é que são factos isolados, que acontecem em todas as epochas e em todos os logares, filhos de variadas circumstancias, e que se não póde d'elles tirar a illação de que haja combinação entre todos os escravos contra os senhores, e sublevar a provincia: eu, pelo menos, confesso que não partilho d'esse panico.

Tendo tocado esta especie, direi mais alguma cousa: os riscos e perigos verdadeiros da provincia de Angola, e de que já se têem manifestado symptomas por mais de uma vez, nunca vieram nem hão de vir da classe dos escravos; não nos illudamos: a classe dos escravos em Angola, alem de carecer absolutamente de illustração, acha-se tambem em grande minoria com relação á dos homens livres, quer estes sejam brancos, pretos, ou homens de côr; e nenhum d'estes faz causa commum com os escravos. Se os registos não confirmam inteiramente esta asserção, é porque os senhores que têem quatro escravos registam quarenta, para annullarem a disposição da lei illudindo-a; e para continuarem por contrabando o odioso trafico da escravatura, que ainda infelizmente, para a humanidade e para o desenvolvimento agricola da provincia, não póde extinguir-se ainda completamente.

Eu approvo o pensamento da lei, pelo facto de existir o panico; e ainda que não concordo com aquelles que imaginam que a provincia de Angola se acha em perigo pelos acontecimentos, em virtude dos quaes se pede esta medida, comtudo o susto existe, e concordo em que é necessario que se faça o que se entender que é mais conveniente para que cesse inteiramente. O governo apresentou o projecto que se discute, e eu se fóra governo apresentaria a substituição que defendo; mas não pararei aqui, porque entendo que se deve indagar quaes são as causas verdadeiras que dão logar ás frequentes tentativas de assassinatos; factos que tão repetidos nunca se deram n'aquella provincia desde as primitivas conquistas. É necessario que o governo indague escrupulosamente a maneira por que os senhores tratam hoje os escravos, sobre o que eu tenho serias apprehensões. O valor infimo que ali têem os escravos póde concorrer para que senhores brutaes e deshumanos, considerando-os cousas e não pessoas, e demais cousas com pouco valor, os sujeitem a todo o genero de torturas, e os levem pelo desespero a praticar os actos criminosos que todos lastimamos. Eu tenho estado em paizes aonde existe a escravidão, e sei quaes são as idéas que ali recebem mais favor.

Passando á ultima parte do projecto, á que envolve a questão da legalidade com que possa dar-se execução á pena de morte, sem que o rei possa interpor a sua acção benefica, perdoando ou minorando a pena, direi, sr. presidente, que a ultima parte do artigo 2.° do projecto estabelece doutrina, e faculta ao governador geral attribuições que envolvem uma verdadeira alteração da carta constitucional, a qual diz no artigo 74.° § 7.°: «O rei exerce o poder moderador, perdoando e moderando as penas impostas aos réus condemnados por sentença».

Ora, se este artigo é constitucional, como eu entendo que é, e creio que ninguem porá em duvida, como é que a lei poderá mandar executar a pena de morte, pena que é irreparavel, sem que o poder moderador tenha conhecimento de que se proferiu a sentença? Como é que o rei, sem saber que existem condemnados a pena ultima, poderá dizer não perdoo; consequencia necessaria da disposição do projecto?

O artigo 144.° da carta constitucional diz: «Que só é constitucional o que diz respeito aos limites e attribuições dos poderes politicos, e aos direitos politicos e individuaes dos cidadãos».

Ora, pergunto eu: este artigo 74.° da carta constitucional é ou não é constitucional? Na minha maneira de ver, repito, é; e entendo tambem que por mais brilhantes que sejam os discursos produzidos para provar o contrario, por maiores que sejam os talentos dos distinctos deputados que sustentarem a doutrina contraria, a verdade ha de sobrenadar, e ha de saír da discussão mais clara e accessivel a todas as intelligencias, porque as verdades são sempre simples e formulam-se em poucas palavras. A meu ver pois o artigo 74.° da carta é constitucional, e considero tambem evidente que o § 7.° fica alterado se se approvar, o projecto na disposição que lhe diz respeito.

Mas quando nada do que fica exposto fóra verdade, ainda quando a disposição não coarctasse a prerogativa da corôa, eu ainda assim votaria contra, porque a julgo desnecessaria, e a considero tão sómente como barbaridade inutil. Nós estamos apenas a vinte e tantos dias de distancia de Angola; e não será de certo o intervallo de tres mezes, que por esta causa possa medear entre o julgamento e a execução da sentença de pena de morte, que ha de destruir o effeito benefico da intimidação, que por este meio se quer produzir. Eu assim o entendo, e creio que, sem espirito de contestação, todos a entenderão por igual modo.

Direi ainda duas palavras, para tocar uma especie connexa, que julgo bastante transcendente. Quando se promulgou a nova legislação para acabar definitivamente com a escravidão nas nossas provincias africanas, teve-se em vista ou pelo menos resulta d'esta legislação, satisfazer a duas necessidades, ambas importantes, quaes são — acompanhar as idéas do seculo pelo que pertence aos direitos da humanidade, e abrir novos campos á actividade do homem, fundando o desenvolvimento e prosperidade futura d'aquelles paizes sobre o trabalho livre, unico que na actualidade póde conduzir a verdadeiros e brilhantes resultados.

Imaginar a possibilidade de fundar hoje colonias e grandes estados, tomando por base a escravidão, é não só uma utopia singular, mas tambem uma grande atrocidade. E uma grande utopia, porque a Europa o não consente; e n'essa cruzada, eminentemente philosophica e humanitaria, não somos nós, digamo-lo com ufania, os que marcham na rectaguarda.

Não foi a Europa de alem dos Pyrinéus quem primeiro entrou n'este caminho, fomos nós; e se o não fizemos em tão larga escala, como o tem feito ultimamente a Gran-Bretanha, foi porque as nossas condições sociaes o não permittiram. A Inglaterra libertou os escravos nas Antilhas, e nós não fizemos o mesmo na Africa, porque? Porque não dispúnhamos de muitos milhões esterlinos, como aquella nação, para os poder empregar n'este mister. Sustentar n'este logar que seria uma grande atrocidade, e adduzir as rasões que demonstram esta asserção, fóra dirigir uma grave affronta aos cavalheiros que se sentam n'estas cadeiras.

Entendo pois que uma das primeiras cousas que devemos fazer, e que mais concorrerá para o rapido progresso das nossas colonias, será libertar os escravos, obrigando-os a servir temporariamente, como pratica hoje a França e Inglaterra com os seus colonos, a quem consideram como engajados para servirem por tempo determinado (apoiados).

Não nos illudamos pois: a exportação que hoje se faz em Angola — e bem valiosa é ella — é alimentada inteiramente pelo trabalho livre; não são os escravos que vão recolher o marfim, a cera e a urzela, nem mesmo quem conduz estes generos aos portos do embarque. O café e o algodão já se cultivam na provincia, e começam a apparecer nos mercados; estes generos riquissimos prestam-se admiravelmente á pequena cultura, e os pretos livres já sentem a vantagem de os cultivar em roda das suas cubatas; não tardará que o façam em maior escala, e que vejamos saír de Loanda navios carregados d'estes generos, especialmente se o governo prestar a estes assumptos toda a attenção que merecem. Terminarei, para não cançar a attenção da camara.

; Vou pois mandar para a mesa a minha substituição, e peço que se discuta conjuntamente com o projecto.

O sr. Presidente: — Vae ler-se a substituição mandada para a mesa pelo sr. deputado, para ver se a camara a admitte á discussão.

Leu-se, e é o seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° A junta de justiça militar da provincia de Angola julgará em primeira e ultima instancia todos os crimes que n'aquella provincia forem commettidos por escravos, e a que correspondam as penas maiores decretadas no codigo penal.

Art.. 2.° O governador geral fará executar immediatamente as sentenças da junta de justiça, com excepção das que impozerem a pena de morte; as quaes não serão executadas sem previo conhecimento do Rei.

Art.. 3.° As disposições d'esta lei vigorarão tão sómente pelo espaço de um anno, contado do dia em que for publicada no Boletim Official da provincia.

Art.. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara, em 15 de fevereiro de 1861. =Joaquim José Gonçalves Mattos Correia.

Foi admittida, e ficou em discussão juntamente com o projecto.

O sr. Affonseca (sobre a ordem): — É esta uma discussão das mais serias e das mais importantes que podiam ser trazidas ao parlamento (apoiados). Eu espero que ella tenha a maior latitude; espero que as disposições frias de um ainda mais frio regimento não venham embaraçar-lhe o passo...

O sr. Presidente: — Queira indicar a sua moção de ordem.

O Orador: — A minha moção de ordem é como comecei por dizer a V. ex.ª que esperava que o regimento não viesse embaraçar o passo á discussão. Mas não duvide V. ex.ª, hei de manda-la para a mesa, consentindo-se-me que antes d'isso diga alguma cousa.

O sr. Presidente: — Queira ter a bondade de indicar a sua moção de ordem.

O Orador: — É simplesmente uma emenda ao artigo 1.°

O sr. Presidente: — Não tem agora logar; já disse que as propostas relativas aos artigos do projecto só devem apresentar-se quando se tratar da sua especialidade, e agora trata-se da discussão na generalidade: portanto não posso continuar-lhe a palavra.

O Orador: — N'esse caso peço a V. ex.ª que me reserve a palavra para quando se tratar do artigo 1.º

O sr. João de Roboredo: — Prestei a maior attenção ao discurso eloquente, que acaba de pronunciar o sr. deputado por Macau, e sinto ter n'esta occasião de defender o parecer da commissão, que julgo ter sido taxado pelo illustre deputado, senão em phrases expressas, mas foi taxado, de deshumano.

Eu não quero aqui allegar os actos, de humanidade que possa ter praticado quando estive em uma das nossas provincias ultramarinas—na de que se trata; mas posso assegurar á camara, que nunca me animou nem anima o espirito de deshumanidade com relação aos escravos: tratei-os sempre bem, e mesmo como meus iguaes, assim como a qualquer individuo de qualquer côr ou condição que fosse. Por consequencia sinto que este parecer, que eu assignei, seja taxado de deshumano.

Mas se eu sinto muito defender este parecer por ser taxado de deshumano, mais sentiria ainda, muito mais, concorrer para se deixar em abandono a parte mais civilisada da provincia de Angola (apoiados), e entregar ao ferro do assassino, sem lhe conceder o unico recurso que as sociedades civilisadas tem encontrado até hoje para cohibir tão graves attentados, os habitantes pacificos d'aquella provincia. (apoiados).

No parecer da commissão não vamos estabelecer um novo codigo para impor penas aos criminosos. O codigo é o que está em vigor em Portugal; o que vamos é attender ás circumstancias especiaes d'aquella provincia, e que o governo na sua proposta menciona: á especialidade da distancia, que não é de vinte nem de trinta dias (apoiados). Vamos attender a essa distancia, como têem attendido todos os paizes civilisados que não querem perder as suas colonias, e que não querem arriscar ali a parte civilisada daquellas povoações. Digo e repito, sr. presidente, se por um lado sinto que o parecer seja taxado de deshumano por tal motivo, por outro lado sentiria eu mais, muito mais, que fosse por deixar a parte civilisada da provincia, ao desamparo, sem o unico recurso que as sociedades, como disse, têem até hoje reconhecido como necessario para garantirem a segurança dos individuos, e para a repressão dos crimes.

Ha uma ponderação muito importante, que foi apresentada pelo illustre deputado que combateu o projecto e apresentou a substituição, e ácerca da qual eu vou submetter á camara algumas considerações.

Disse s. ex.ª, que o projecto em discussão ataca a carta constitucional. Eu entendo que não ataca a carta constitucional, e exporei as rasões em que para isso me fundo, sem que comtudo seja minha pretensão convencer os illustres deputados, meus collegas, que pensam de outro modo, e que têem formada a sua opinião.

Não posso realmente seguir o illustre deputado em todos os variados pontos em que s. ex.ª tocou, mas irei respondendo aquelles que me forem lembrando. Disse s. ex.ª — que o artigo 74.° § 7.° da carta era violado por este projecto. Eu creio que similhante violação se não dá. Esse artigo estatue que o rei exerce o poder moderador commutando ou perdoando as penas; mas a reforma judicial, regulando esta parte da carta, diz o seguinte:

«Art. 1201.° As penas criminaes executar-se-hão promptamente, menos a de morte, que se não executará sem resolução do poder real».

Se se quer pois attender ao principio constitucional, digo que a reforma judicial já violou a carta; mas eu não quero argumentar assim, antes sou de opinião que essa reforma não violou a carta, mas que a regulou quanto a esta parte. E não se diga tambem que a execução immediata das penas, que não são capitães, não fere o principio constitucional na latitude em que o illustre deputado o entende, porque no caso da pena de degredo para logares insalubres, onde o individuo, que for cumprir a sentença, póde perder a saude e tambem morrer de uma morte lenta, a intervenção do poder moderador quando chegar já os effeitos da sentença se terão realisado. Pois não póde acontecer isto, e não acontece mesmo todos os dias?

É não é só por este motivo que eu digo que a carta não é violada: para o dizer, fundo-me tambem no acto addicional, que no artigo 15.° prescreve — que as provincias ultramarinas podem ser regidas por leis especiaes, e ninguem ignora que leis especiaes têem sido feitas e decretadas para o ultramar. Onde existem os jurados nas provincias ultramarinas, os jurados que a carta, no artigo 118.°, diz que, juntamente com os juizes, compõem o poder judicial?

E o artigo 119.°, que estabelece que os jurados julgam de facto, em que provincia ultramarina se cumpre? Isto entende com a formação de um poder do estado e com os direitos politicos, e entretanto ainda ninguem asseverou que a carta por este facto tenha sido violada! Ainda direi mais: onde existe o estado de escravidão reconhecido na carta? Não diz a carta no artigo 7.°—que são cidadãos portuguezes todos os que nascem em Portugal e seus dominios? Como se admitte então a escravidão nas nossas possessões? Não será por virtude do artigo 15.° do acto addicional? Onde está a liberdade de imprensa nas provincias ultramarinas, ainda que haja um decreto que permitte a publicação de periodicos, mas que attribue aos juizes de direito o julgar dos abusos que a imprensa possa commetter, sem a intervenção de jurados, que são a garantia da liberdade de imprensa? Em que principios se podem fundar os poderes publicos para tolerar esta excepção aos direitos dos individuos, a não ser no acto addicional?

Eu não sei como se entenda que as provincias ultramarinas podem ser governadas como a metropole; parece-me que não o podem ser, e não quero concorrer para o contrario. Se isto é verdade, e se isto se tem feito (refiro-me ás excepções que apontei), como é que se diz agora que este projecto de lei altera a carta? E como é que não podemos fazer tambem o que já se fez pela reforma judicial?

Eu tenho mostrado á camara a rasão de consciencia por que entendo que a carta não é em nada offendida n'este projecto; e esta minha opinião, que me lisongeio de ver apoiada por um illustre professor de direito da universidade, que está assignado no parecer, é ainda fortalecida pela intelligencia que tambem é dada por alguns paizes, que têem colonias, á suas constituições.

Citarei a legislação das colonias hespanholas: pelo artigo 45.º § 3.° da constituição hespanhola o rei tem a prerogativa de perdoar e commutar as penas: e os governadores e capitães generaes das suas colonias, em attenção á grande distancia em que se acham da metropole, exercem essa prerogativa; e as sentenças de pena capital são levadas á sua confirmação, podendo suspende-las e dar conta ao governo.

No relatorio que o sr. ministro dos negocios estrangeiros ha pouco apresentou a esta casa, cita-se o facto de um subdito portuguez ter sido condemnado nas ilhas Filippinas a pena ultima, e de ter o governador commutado essa pena.

Nas colonias hollandezas tambem se dá a mesma auctoridade ao governador. Em Java nenhuma execução de pena capital póde ter logar sem a auctorisação do governador geral; e quando circumstancias imperiosas o exigem, esta auctorisação póde ser dada por um chefe local: o governador geral tem ali o direito de perdoar — de faire grace.

Em França actualmente as colonias regem-se de uma particullar maneira. Não me referirei pois ao que ali agora se pratica; mas pela constituição de 1830 ao rei tambem

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pertencia a faculdade de commutar e perdoar as penas, achando-se igualmente n'ella estabelecido (artigo 64.°) que as colonias se regeriam por leis especiaes; e em 1833 o governo francez, modificando a legislação colonial para a pôr em harmonia com a nova ordem de cousas, modificou a legislação da ilha da Reunião, ou Bourbon, como se lhe chamava então, e decretou que os governadores em materia criminal ordenassem em conselho privado a execução das sentenças, ou pronunciassem a suspensão quando houvesse logar para recorrer á clemencia real; e note a camara, que a unica differença que n'esta parte se fez, com relação á legislação antiga, foi — que n'aquella exigia-se que o conselho privado pronunciasse que havia logar a recorrer, e n'esta limitavam-se as funcções do conselho a consultivas!

Disse o illustre deputado, referindo-se ao Brazil, que apesar de ser ali um homem livre contra cinco escravos, não havia n'aquelle imperio legislação especial; mas eu digo que no Brazil existe essa legislação especial. A constituição d'aquelle paiz tambem no artigo 101.° § 8.° contém a mesma disposição que a nossa carta, até pelas mesmas palavras; e todavia por uma lei de 10 de junho de 1835 impõe-se penas capitaes a grande numero de crimes commettidos pelos escravos, e se manda executar a sentença se for condemnatoria, sem recurso algum, exigindo-se n'este caso, isto é, para a imposição da pena capital dois terços do jury. O governo brazileiro depois, por decreto de 9 de março de 1837, admittiu o recurso ao poder moderador, excepto no caso de homicidio no proprio senhor, dando no artigo 4.° ao governo geral do municipio da corte e aos presidentes das provincias a faculdade de suspender a execução da pena quando o julgassem conveniente, submettendo o caso ao poder moderador.

Ora, se n'um paiz, que se governa todo elle constitucionalmente —e note-se que a constituição do Brazil reconhece a escravidão — os governos e os poderes do estado, attendendo ás necessidades publicas, estabeleceram similhantes disposições, não teremos nós direito de as estabelecer, quando temos na carta exactamente os mesmos artigos que ali tinham na constituição? Mas lá, note-se, que não era para as colonias que se legislava, que as não tem, que eu saiba, era para o proprio paiz, aonde podia ser levado o recurso, em algumas partes, immediatamente ao poder moderador!

Ora, falta-me aqui citar o que se pratica nas colonias de Inglaterra, d'esse paiz eminentemente humanitario e liberal; e vou fazer esta citação para convencer os illustres deputados, de que estes principios estão na mente de todos os governos que tratam e sabem tratar dos negocios publicos. As colonias inglezas têem a seguinte legislação:

«O governador tem a auctoridade de perdoar os criminosos que julgar dignos de clemencia, excepto unicamente nos casos de homicidio e alta traição; e mesmo n'estes casos póde suspender a execução da sentença até resolução do rei».

Esta noticia é extrahida de uma obra denominada Resumo da legislação colonial ingleza, por Charles Clark.

Aqui os poderes publicos o que quizeram foi coarctar o demasiado abuso de perdoar por parte dos governadores, e que elles perdoassem sem as devidas cautelas, e eu creio que n'aquelle paiz regem os mesmos principios do poder moderador. Mas ha mais; n'umas instrucções dadas ao governador inglez da Guianna, em 4 de março de 1831, diz o rei o seguinte:

«Que concedia ao governador a faculdade de perdoar, nos casos ordinarios, em nome do rei; e de suspender, nos casos de homicidio ou traição, a execução das sentenças».

Devo ainda acrescentar: que a Inglaterra, que aboliu a escravidão nas suas colonias, despendendo para isso a grande somma de 20.000:000 esterlinos; a Inglaterra, n'essa mesma occasião, mantinha nos estados aonde havia escravos uma legislação especial para o seu julgamento: o processo que julgava os escravos era especialissimo: eis aqui o que eu li, e creio ter entendido bem:

«O processo dos escravos era especial; seis, sete ou nove habitantes brancos, em casos de pena capital, eram chamados, e ajuramentados como um jury, para examinarem a questão de culpabilidade ou não culpabilidade, sendo a applicação da lei reservada para os juizes. Os processos eram verbaes, só se escrevia o mandado de execução e... Não havia recurso das decisões d'estes tribunaes, e podiam ser executadas sem intervenção do governador ou de outra qualquer auctoridade, e procedia-se á execução logo depois da sentença. Em nenhum d'estes tribunaes se conheceu nunca processo de pronuncia».

A Inglaterra, cujo exemplo citou ha pouco o illustre deputado; a Inglaterra, cujos principios humanitarios todos reconhecem, procedia d'esta maneira para dar garantia á outra parte da população de diversa condição, para que a vida do» cidadãos não ficasse arriscada.

Ora, quando eu tenho a favor da minha opinião não só os argumentos que tiro do acto addicional, mas a pratica de todas as nações, algumas das quaes têem nas suas constituições exactamente os mesmos principios que nós temos consignados na nossa, tenho a convicção de que o projecto não offende em nada a carta constitucional, que não é deshumano e que attende a uma grande necessidade publica (apoiados).

Disse o illustre deputado, que os escravos estavam n'uma pequena minoria na provincia de Angola: o illustre deputado não residiu ali, e por consequencia não admira que diga e assevere isto: ha sessenta a setenta mil escravos na provincia de Angola, e os europeus são dois mil talvez, e ¦ não mais; estão portanto em grande desproporção, e n'este caso eu devo dizer a verdade, toda a verdade, quando se trata de uma questão grave e séria (apoiados); é uma verdade, que quando os escravos apparecem contra os senhores, a outra parte da população da mesma côr segue-os, naturalmente, e ha de segui-los sempre; mas a parte civilisada da provincia é de dois mil, pouco mais ou menos, e os escravos são sessenta a setenta mil!

O illustre deputado fallou tambem a respeito dos libertos; mas, quanto a estes, dão-se quasi as mesmas rasões que se dão quando se pretende fazer julgar por um processo mais breve os escravos; as rasões são quasi as mesmas, porque estes são obrigados a servir os senhores (que foram) por dez annos, e estes podem vender os seus serviços, ou a obrigação de os prestar como é expresso no decreto de 14 de dezembro de 1854; e tanto ha a temer do escravo propriamente dito, como ha a temer dos libertos obrigados a servir; e se o governo não tinha incluido os libertos na sua proposta, e foi á commissão, como disse o illustre deputado, esta tambem estabeleceu, como garantia, que o voto do conselho do governo não fosse só consultivo, mas afirmativo.

O codigo penal está em execução nas provincias ultramarinas, não ha ali outra lei criminal, e a pena capital é no codigo unicamente imposta, creio eu, nos casos de homicidio voluntario, e premeditado attentado contra o rei, etc.; estão pois já limitados a poucos os casos em que tão grave pena póde ser imposta; fóra d'elles ha o degredo, os trabalhos publicos e a prisão perpetua, como as maiores penas.

Ora, quer ver a camara como a sociedade no ultramar fica exposta? Eu creio que nem os legisladores, nem os homens que se têem occupado de organisar as melhores leis penaes, têem outra cousa em vista que não seja intimidar os criminosos, o garantir assim á sociedade a liberdade e a vida dos seus concidadãos. Se isto é verdade, se todos o entendem assim, é necessario que nas provincias ultramarinas se não dêem menores garantias de segurança pessoal; e eu vou mostrar á camara, que a sociedade ali não tem as mesmas garantias que nós temos aqui, porque não ha igualdade nas penas para com os individuos nascidos nas proprias provincias, para com a população indigena, para com os escravos. A lei impõe a pena de degredo com trabalhos forçados logo depois da pena capital, e digam-me em consciencia (eu appello paro todos os srs. deputados que têem estado nas provincias ultramarinas) se ella tem a mesma importancia applicada aos escravos ou aos naturaes dellas? Para onde hão de ir eles cumprir a sentença? Para a Europa?!!

O sr. Ramiro Coutinho: — Se isto é fallar sobre a ordem, eu tambem peço a palavra sobre a ordem.

O sr. Presidente: — O sr. deputado pediu a palavra por parte da commissão como relator.

O sr. Ramiro Coutinho: — Pediu-a, mas sobre a ordem.

O sr. Presidente: — Estava inscripto já da sessão passada.

O sr. Ramiro Coutinho: — E tem estado a discutir e a defender o projecto, quando ninguem o atacou.

O Orador: — Ninguem o atacou! Pois o que foi o discurso do illustre deputado que me precedeu senão um ataque ao projecto? Pois o que foi uma substituição a elle offerecida, e que o altera na parte mais essencial?

Dizia eu... e vamos a ver se me posso lembrar do que tinha tenção de dizer, vamos a ver—são estes ás vezes os inconvenientes das interrupções: dizia eu que a pena de degredo, a de trabalhos públicos com degredo, e a de prisão, impostas pelo codigo penal, e que é immediata á pena de morte, não importa para os escravos nas provincias ultramarinas a gravidade do delicto que se pretende punir. O que importa a um homem natural dellas o degredo? Para onde? Para outro presidio: de Loanda para Pungo Andongo? E o mesmo para elle. O que importa a prisão? Importará o mesmo que a um homem livre? De certo que não. O que importam os trabalhos publicos para elles: não estão sempre sujeitos a prestar serviços?

E não se entenda, pelo que digo, que o meu coração não tem sempre vontade de concorrer para que se melhore o estado de escravidão, e se chegue a um tempo em que possamos declarar livres todos esses homens a ella sujeitos, e acabar com esse estado, contrario á constituição e aos principios e idéas da epocha; mas emquanto não se poder fazer isto, não quero deixar a sociedade ali exposta aos perigos que para ella resultam de um certo fanatismo, que assim se póde chamar o que se está vendo dos escravos.

O illustre deputado tratou de bagatella os crimes que se têem dado n'aquella parte da monarchia; e eu direi á camara, para que veja que não se trata de questões pequenas, mas da vida dos nossos concidadãos, que em quatro mezes houve em Loanda dois individuos assassinados a punhal por escravos: eram homens civilisados, e não quero saber que fossem canarins ou europeus; houve duas tentativas de assassinato, tambem por escravos, tendo estado em perigo de vida um dos individuos acommettidos; no Ambriz foi ferido gravemente um cirurgião; e em Cassange foi tambem assassinado um europeu por escravos; e houve ainda mais quatro tentativas de assassinio tambem por escravos, desde 29 de setembro até 7 de outubro seguinte; constando que depois tiveram ainda logar outras tentativas.

Aproveito esta occasião para dizer — que é necessario attender a que nem um unico governador n'estes tempos modernos tem deixado de procurar melhorar a sorte dos escravos. No tempo em que eu estive em Angola, um governador, cuja memoria eu venero, tomou medidas energicas contra todos os senhores que tratavam com crueldade os escravos, e perseguiu-os nos tribunaes; e depois outro governador que foi d'aqui, cujos principios humanitarios tambem se manifestaram amplamente, o sr. visconde do Pinheiro, publicou uma portaria em que se davam as providencias que se podiam dar a favor dos escravos; e longe de poder

ser considerado deshumano o procedimento dos governadores elle tem sido sempre ali tendente a protege-los.

É por isto que eu não desconfio, que não tenho receio da prerogativa, ou antes da auctorisação que ao governador se dá no artigo 2.°, tanto mais quanto é ouvido o conselho do governo, e com voto affirmativo!

O illustre deputado notou que a commissão tenha incluido os libertos obrigados a serviço no seu projecto, elaborado sobre a proposta do governo, quando n'esta proposta não vinham elles incluidos; mas não notou que na proposta do governo vinha só «ouvido o conselho do governo», e não com o voto affirmativo do conselho do governo! Esta garantia é importante, e tenho o convencimento de que nenhum governador ha de olhar com menos solicitude para a vida dos escravos!

Ouvi tambem dizer aqui que esta medida podia ser temporaria. Se se podesse marcar igualmente que haviam de ser temporarios os crimes ou a sua perpretação, eu diria que sim; mas como isso não se póde fazer, entendo que não tem logar; e que o contrario, isto é, não tomar a providencia de que se trata, será deixar a sociedade desarmada!

Se não se derem os crimes, se estes não forem praticados, a lei não terá execução, não terá applicação alguma! E alem disso devo dizer que na lei acautelou-se tudo, tanto por parte do governo, como da commissão, quando estabelece que o governo só poderá usar da auctorisação concedida quando a gravidade das circumstancias imperiosamente o exigir!

É certamente uma importante faculdade a de que se trata, mas da qual só em casos realmente perigosos o governador poderá usar!

Mas se uma medida d'estas, temporaria, não offende a carta constitucional, como me parece ter dito o illustre deputado, onde está o artigo da carta que auctorisa medidas d'esta natureza, ainda mesmo temporarias? Não o vejo em parte nenhuma (apoiados). Se não foi no acto addicional e em leis especiaes, que tanto vigoram para este caso como para outros que não sejam temporarios, onde vamos nós buscar auctorisação para a providencia ser tomada mesmo temporariamente? Na carta não me parece. Eu leiu o artigo, que creio ser este a que se faz referencia, nem póde ser outro (leu o § 34.° do artigo 145.º da carta constitucional).

Neste paragrapho porém, no caso de rebellião ou invasão do inimigo, só se permitte que se dispensem algumas formalidades. E portanto digo eu, que tanto de um como de outro modo, quer temporariamente, quer não, se offende a carta, porque em parte alguma da carta propriamente dita vejo eu que se auctorisem os poderes publicos a alterar na essencia os seus artigos que garantem a liberdade individual.

Tenho dito tudo que tinha que dizer para mostrar a sinceridade da minha opinião, e nada mais quero nem pretendo.

As rasões que apresentei não são de quem seja deshumano, ou com respeito aos criminosos, ou com respeito a toda a população civilisada; são de conveniencia, de alta conveniencia publica. Estes factos criminosos, gravemente criminosos, tão repetidos como têem sido, não mostram só a existencia de um certo interesse ou incentivo como aquelles que ordinariamente levam os homens ao crime; mostram mais, mostram uma certa tendencia geral nos individuos daquella condição, mostram até um certo fanatismo! E um illustre deputado que se senta n'esta casa, e veiu ha pouco de Angola, onde teve occasião de presencear o terror que ali havia, e o que se passou com relação aos actos criminosos da parte dos escravos contra os senhores, nos poderá informar, com verdadeiro conhecimento de causa, se é ou não real essa tendencia, essa especie de fanatismo, que põe em perigo não só a vida de um ou outro cidadão, o que já é grave, mas a segurança do paiz!

Tenho intima convicção de que a providencia é urgente; que ella não offende a carta constitucional pelas rasões que expuz; que não é deshumana nos casos em que poderá ser applicada; que o voto affirmativo do conselho do governo é uma garantia importante; e que os precedentes dos governadores, com relação aos escravos, asseguram tambem o prudente uso da medida. E alem de tudo isto tenho o exemplo de todas as nações, que me aconselha a que se adopte a providencia de que se trata.

Em vista de todas estas rasões, eu, que votei pelo projecto na commissão, e o assignei, voto aqui tambem por elle, com a consciencia de que não Voto uma lei deshumana, mas necessaria, indispensavel para garantir a integridade de uma das nossas mais importantes provincias ultramarinas, que se acha em um estado excepcional pela repetição de tão graves como horrorosos crimes.

Tenho concluido.

Vozes: — Muito bem.

Leu-se a ultima redacção do projecto n.° 15, que foi approvada.

O sr. Justino de Freitas: — Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre as alterações que na camara dos pares soffreu o projecto do sêllo, concluindo pela approvação d'essas alterações.

O sr. Costa e Silva: — Participo á camara que se acha installada a commissão de infracções. Nomeou ella para presidente o sr. Menezes Pitta, para secretario o sr. Simão Maria de Almeida, e a mim para relator.

O sr. Gomes de Castro: — Mando para a mesa um parecer da commissão de administração publica.

O sr. Presidente: — O sr. Ramiro Coutinho pediu a palavra sobre a ordem?

O sr. Ramiro Coutinho: — Eu desejava que V. ex.ª me dissesse o que está em discussão.

O sr. Presidente: — O projecto na sua generalidade.

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O sr. Ramiro Coutinho: — A minha questão é — se se pede a palavra sobre a materia ou sobre a ordem.

O sr. Presidente: — Sobre a materia.

O sr. Ramiro Coutinho: — Ouvi ha pouco o illustre relator da commissão fallar sobre a materia, tendo pedido a palavra sobre a ordem.

O sr. Presidente: — O projecto está em discussão na generalidade. E como um sr. deputado apresentou uma substituição a elle, o sr. João de Roboredo, como relator da commissão, pediu a palavra e usou d'ella para responder ao sr. deputado.

O sr. Ramiro Coutinho: — Como estou inscripto sobre a materia, desisto da palavra sobre a ordem.

O sr. Fontes Pereira de Mello (sobre a ordem): — Coméço lendo á camara a minha moção de ordem, que não diz respeito a nenhum artigo especial do projecto, porque então seriam perfeitamente cabidas as observações que V. ex.ª tem feito á camara, mas que importa uma questão que deve ser previamente resolvida n'esta casa. É a seguinte (leu).

E sobre este assumpto, e para fundamentar a proposta, que peço licença á camara para fazer algumas observações.

Em primeiro logar declaro solemnemente que não tenho a mais pequena intenção de fazer uma questão politica. Se podesse haver algumas duvidas sobre a minha sinceridade, bastava que a camara visse que amigos pessoaes e politicos meus se acham compromettidos a favor do projecto, para reconhecer que não podia ser. minha intenção apresentar a estas horas, depois de dado o parecer para a discussão, uma questão com esse caracter.

Tenho simplesmente um escrupulo de consciencia constitucional, que peço á camara aprecie em toda a sua importancia e gravidade. E creio que bastantes provas tenho dado, na sessão presente, de que não desejo suscitar embaraços ao governo, nem levantar questões para difficultar o andamento dos negocios publicos, para que se possa duvidar da minha sinceridade n'este negocio.

Proponho a resolução de uma questão constitucional. E creio que na manutenção da constituição do estado estão tão empenhados os homens que apoiam, como os que combatem o gabinete (apoiados); creio que isto não póde ser questão de partido, porque é um negocio que deve ser pensado maduramente por toda a camara, sem attenção ao individuo que faz a proposta, sem attenção ao lado da camara d'onde a questão se levanta.

Eu não emitto opinião definitiva, note a camara: faço uma pergunta, sujeito um negocio ao seu exame, peço-lhe que medite e resolva madura e reflectidamente sobre um assumpto de tanta gravidade.

Desejava que a commissão de legislação, onde estão reunidos muitos dos cavalheiros mais conspicuos d'esta camara e muitos dos seus mais distinctos jurisconsultos, pensasse maduramente n'este assumpto e trouxesse á camara a sua opinião illustrada, para depois ser debatida no parlamento.

Fuma palavra, peço só que se discuta em tempo; e que não passemos por alto sobre um assumpto de tanta gravidade, que não póde ser questão politica, mas que o é de principios, e interessa ao governo e aos membros das casas do parlamento.

Tenho escrupulos sobre a competencia das côrtes geraes da nação portugueza para resolver este assumpto.

Tenho ouvido citar a legislação de diversos paizes, tenho ouvido citar arestos da nossa propria legislação; mas o que não ouvi ainda dizer é que alguma das disposições do projecto não altera, modifica ou suspende as disposições consignadas no § 7.° do artigo 74.° da carta constitucional; e desde o momento em que nós tocarmos n'um artigo, que é essencialmente constitucional, porque diz respeito aos limites de attribuições de um dos poderes politicos do estado, seja para o alterar, modificar ou suspender, entendo eu que ultrapassamos os limites das nossas attribuições, para o que não temos mandato.

Aqui ha duas questões distinctas. Ha a questão da conveniencia, e a da legalidade.

Eu não entro na questão da conveniencia: pelo contrario estou de accordo a respeito d'ella com o governo e com os meus amigos membros da commissão. Nas circumstancias excepcionaes em que se acha a provincia de Angola, entendo que é necessario dar força ás auctoridades para impor ás massas que nos atacam e aggridem por diversos modos, a fim de se poderem fazer respeitar os poucos que ali estão. N'esta parte estou de accordo com o governo e com os illustres deputados: dê-se quanta força se póde dar legitimamente ás auctoridades constituidas para que possam satisfazer a este importante objecto.

Mas entendo que não se deve ir tão longe por ellas e com ellas, que me façam ultrapassar os limites das minhas attribuições, e praticar aquillo para que me parece não estou auctorisado, nem eu, nem ninguem.

Aqui não se trata de suspender garantias. E questão diversa. A suspensão da garantias póde-se fazer por uma lei ordinaria em casos excepcionaes; tem-se feito, e póde continuar a fazer-se, segundo as circumstancias; mas todos sabem que as garantias que se suspendem são as inscriptas no artigo 145.* da carta constitucional, algumas das individuaes e politicas, e designadamente a de se prender sem culpa formada, suspender a liberdade de imprensa e outras; mas o poder executivo não fica por esse facto investido de mandar executar as sentenças sem recurso ao poder moderador, nem fica investido dos poderes discricionarios. A carta constitucional previu o caso de rebellião, de invasão de inimigos, de guerra aberta, de umas poucas de circumstancias extraordinarias em que se achasse o paiz, e diante das quaes não fosse possivel, sem grave inconveniente para a causa publica, manter intactos todos os principios e garantias consignadas no codigo fundamental: para isso proveu de remedio. Mas pelo projecto, que apresentou o sr. ministro e que nós estamos discutindo depois do parecer da commissão do ultramar, não se trata de suspender as garantias em Angola, trata-se de suspender e supprimir a acção do poder moderador. Esta é a questão.

Nem é a de delegar, como já ouvi dizer. Delega-se o poder legislativo, mas poderá delegar-se o poder moderador? É uma questão grave entre os publicistas esta de delegar os poderes. E quando mesmo se admittisse a possibilidade constitucional de delegar o poder moderador, não se delega agora mesmo assim, porque o projecto não o delega, supprime-o. Delegar o poder moderador seria se acaso o projecto concedesse ao governador geral a faculdade de minorar as penas impostas aos réus, ou de lhes perdoar. Não é nada d'isso. O governador geral fica com a faculdade de mandar executar a pena; e, d'esse modo, supprime.

Eu estou convencido de que, em vista do artigo 74.° § 7.° da carta constitucional, não podem fazer isto as côrtes ordinarias. Tenho escrupulo, tenho duvidas; e não direi mesmo que não, ainda que me pareça que não. Mas o negocio é bastante grave e melindroso para todos nós que dêmos o juramento de manter a carta constitucional, e de velar pela sua execução, precisando por isso que o examinemos. Não peço mais nada. Não votemos de leve sobre um objecto tão grave e melindroso, que não sómente vae decidir da vida de muitos homens, o que é já bastante importante para todos, mas que vae destruir, ou pelo menos alterar uma disposição da carta constitucional da monarchia.

Eu ouvi fallar no modo por que se regulam as colonias hespanholas, francezas, inglezas e hollandezas; mas o que não ouvi foi comparar a legislação constitucional d'esses paizes com a nossa (apoiados). Se o illustre deputado e meu amigo comparasse essa legislação, veria que as circumstancias são completamente diversas, que as disposições são outras, e que as faculdades das auctoridades desses paizes não são iguaes ás das auctoridades de Portugal. Pergunto: se em alguma carta se estabeleceu as divisões de poderes, como estabelece a nossa carta de 1826? Qual é a disposição da carta franceza de 1830 ou de 1814, que faça essa divisão de artigos constitucionaes e não constitucionaes, alguns dos quaes se podem modificar pelo modo regular, e outros só depois de passado uma legislatura, como dizem os artigos 141.° e 142.°? Em parte alguma.

Pois fallam no Brazil? A legislação do Brazil está reformada, porque a legislação de 1854 a revogou por ser velha. Porque não notou o illustre deputado a de 1854? O illustre deputado ignora que n'essa epocha se revogou a legislação antiga? A carta do Brazil tem os mesmos principios fundamentaes da carta portugueza que foi coordenada sobre o projecto de constituição de Benjamin Constant; e sobre a carta do Brazil foi-o a carta portugueza; e são estas, cuja interpretação constitucional podemos directamente ir buscar ás doutrinas d'aquelle publicista. Quaes foram as rasões que levaram o illustre deputado a vir aqui citar a legislação dos paizes que têem disposições constitucionaes dissimilhantes das da nossa carta, para auctorisar uma lei que póde ser necessaria e conveniente, mas que na minha opinião é illegal? Nós não queremos nem podemos de certo por conveniencia, embora grave, mas a que talvez se possa occorrer por outro modo, passar por cima da constituição do estado e alterar as suas disposições fundamentaes, nem o quer o governo. Repito outra vez: não estou fazendo opposição ao governo; era eu talvez o mais improprio, porque o sr. ministro sabe que n'um tribunal, a que tenho a honra de pertencer, fui de opinião da conveniencia. Mas da conveniencia á legalidade vae grande differença. Aqui tenho direitos como deputado, e lá tenho outras obrigações. Lá digo ao governo o que me parece util para manter a acção das leis, e aqui digo o que, na minha opinião e na minha obrigação, entendo necessario para manter e para sustentar a carta constitucional que jurei quando entrei n'esta casa.

O Brazil tinha aquella legislação desde a sua infancia. Todos sabem como as leis se interpretam e se executam no principio das epochas; as difficuldades que os homens encontram na sua execução; e o illustre deputado meu amigo sabe muito bem do proceder do ministro da justiça de 1857 sobre duvidas ali occorridas, apesar de que o artigo 54.° ordena muito expressamente que em caso algum a justiça deixe de recorrer ao poder moderador. Esta é a legislação vigente.

Já disse que a constituição franceza não tem as mesmas disposições constitucionaes que tem a nossa; e em Hespanha, que o illustre deputado citou ha pouco como são regidas as suas colonias, direi que a legislação de 1845 reformou a de 1837. Mas a constituição ali não estabelece a divisão que estabelece a nossa carta. Não distingue, deixa o poder moderador envolto nas attribuições do poder executivo; e quando trata dos seus direitos, diz que — serão exercidos na conformidade das leis; quer dizer, que ha de haver leis orgânicas, que regulem o modo por que o rei, que é o chefe do poder executivo, e que exerce as funcções do poder moderador, póde exercer essas mesmas funcções. Por consequencia tem o direito as côrtes hespanholas, os poderes constituidos de Hespanha, em conformidade com a sua constituição, de regular o modo de o poder moderador exercer as suas funcções. A constituição portugueza é outra, e estabelece outras disposições e outras regras. Não tem as côrtes ordinarias direito de modificar as disposições do artigo 74.°; direito privativo da pessoa do rei, como diz a carta; que é inalteravel, irrevogavel e que não póde ser modificado pelas côrtes ordinarias. O illustre deputado, citando a legislação ingleza tambem em abono da sua opinião, disse-nos o modo como se regula o serviço ultramarino. A rasão de disparidade é a mesma. Todos sabem que em Inglaterra não ha um codigo constitucional, como nos paizes do continente. Não quero dizer que não haja uma constituição, a magna carta, que é mais um monumento do que outra cousa; e leis como fundamentaes, qual é a lei do habeas corpus e outras, legislação em que ninguem de certo se atreve a mecher, nem nas suas tradições que passam incólumes de geração em geração. Lá não se prohibe que os poderes publicos possam, pelos meios ordinarios, regular d'esta ou d'aquella fórma alguns casos identicos aquelle de que se trata; não ha ali disposições constitucionaes que vedem, n'este caso, a resolução que pretende o governo, visto não haver lá artigo de legislação ou codigo igual ao nosso. N'estes termos digo, que a legislação ingleza que o illustre deputado citou em abono da sua opinião, não póde applicar-se por aqui, porque não ha na carta ingleza disposição igual á que temos na nossa carta.

Citou-se a legislação franceza, mas a disposição da carta franceza não veda aos poderes publicos, como a nossa carta, modificar as attribuições do poder moderador. A lei do Brazil está revogada por se ter reconhecido que ultrapassava os limites constitucionaes de cada poder, porque offendia as attribuições de um dos poderes do estado e os principios fundamentaes da constituição do imperio. Citou-se a legislação hespanhola, mas ali a constituição do estado não consigna nenhuma das restricções que estabelece a nossa carta constitucional, restricções da carta que não podemos revogar pelos meios ordinarios. Citou-se a lei de 1838, mas n'esse tempo havia o congresso constituinte, e o congresso constituinte tinha direito de regular as cousas como entendesse.

Uma voz: — E a lei de 19 de novembro de 1834, que é uma lei passada em côrtes?

O Orador: — A lei de 19 de novembro de 1834 é uma lei passada em côrtes que resolveu um caso excepcional (apoiados).

Um áparte que não se ouviu.

O Orador: — Respeito e venero a memoria de tantos cavalheiros illustres que fizeram parte da assembléa de 1834; a elles, em grande parte, é que devemos a liberdade (apoiados); e basta esta circumstancia para me inclinar respeitoso diante da sua memoria (apoiados.) Talvez que dentro d'esta casa se achem alguns d'esses varões illustres (apoiados.) Mas repare bem acamara quaes as circumstancias extraordinarias d'aquella epocha, o momento em que se fez aquella lei, o fervor das paixões, a indignação e o soffrimento de muitos homens, o nosso estado então todo excepcional explica a lei de 19 de novembro de 1834. Esta é uma lei de circumstancias, basta ler o que se disse na sua discussão para nos convencermos de que não a podemos imitar agora. As leis feitas em momentos de excitações publicas são leis excepcionaes; mas agora que estamos em plena paz, quando as paixões se acham acalmadas, quando o espirito publico não pede vinganças e são outras as suas tendencias, quando as circumstancias não são excepcionaes, ninguem póde ir buscar aquella epocha e aquella lei modelo para imitarmos n'este caso.

Não quero fazer discursos, não quero convencer a camara, não quero senão desencarregar a minha consciencia de um escrupulo que tenho. Não quero guerrear o governo fazendo d'esta questão uma questão politica; peço até aos meus amigos pessoaes e politicos, que se desprendam completamente, se acaso tiverem alguma rasão para o fazer, que se desprendam de quaesquer considerações votando como melhor lhes parecer; não quero de modo algum que tenha politica aquillo que a não póde nem deve ter. Esta questão é uma questão constitucional, não pertence a nenhum partido exclusivamente (apoiados); é de todos; pertence ao governo tanto como aos deputados (apoiados); pertence emfim a todos os poderes publicos (apoiados): veja-se e examine-se. Vá essa questão á commissão de legislação, discuta-se detida e maduramente, e resolva-se depois. Estou certo que se acaso na commissão e na camara as rasões que se apresentarem forem bastantes fortes para convencer a todos de que não temos direito para promulgar esta lei, o governo ha de ser o primeiro a acompanhar a assembléa n'este ponto. Por minha parte declaro desde já, que me comprometto a ser da opinião do governo se se derem rasões que me convençam de que effectivamente se não altera, modifica, nem suspende o exercicio do direito consignado no § 7.° do artigo 74.° da carta constitucional que compete a um poder publico independente, um poder cujas attribuições estão fixadas na carta exclusivamente para aquelle poder, e que nós não podemos invadir nem supprimir.

N'estes termos mando para a mesa a minha moção. Peço que seja submettida á admissão da assembléa; mas não me atrevo a pedir que o negocio vá á commissão de legislação; não pretendo indicar ou insinuar á camara o que deve fazer, ella resolverá como entender. O meu desejo era que não se debatesse tão grave assumpto sem a opinião previa de uma commissão tão competente como a de legislação. Entretanto se a assembléa votar o contrario d'isto, eu respeitarei sempre a sua decisão.

Leu-se logo na mesa a seguinte proposta

Proponho que esta camara resolva, como questão previa, se as côrtes geraes ordinarias têem poderes sufficientes para modificar ou suspender o § 7.° do artigo 74.° da carta constitucional, como se dispõe no artigo 2.° do projecto que se discute. = Fontes.

O sr. Presidente: — Esta proposta contém uma questão previa; se for admittida, entra em discussão como questão previa, e fica por ora suspensa a discussão do projecto na sua generalidade.

Foi admittida.

O sr. Presidente: — Visto que a proposta foi admittida, entra agora em discussão a questão previa. A inscripção que havia sobre o projecto fica reservada para quando ella entrar novamente em discussão.

O sr. Ministro da Marinha (Carlos Bento): — Quando este projecto se apresentou na camara, as duvidas que se

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suscitaram para o approvar nasciam de um sentimento nobre, de um sentimento louvavel que se manifesta no parlamento portuguez sempre que se trata de questões de humanidade. E nem isto nos deve surprehender, porque todos sabem que a nação portugueza tem por esses titulos de humanidade merecido sempre logar entre as nações mais civilisadas e humanitarias: os nossos costumes, as nossas leis, emfim tudo attesta que nós effectivamente temos direito a ser collocados entre os povos que mais se distinguem pela bondade de coração (apoiados).

Direi pois que comprehendo facilmente essas duvidas; entretanto comprehendo, e a camara o apreciará da mesma fórma, que o legislador está obrigado, mesmo no interesse da humanidade, a promulgar medidas de necessidade que a causa publica reclama todas as vezes que se ataca a lei, a moral e a justiça, e lhe pede a applicação de leis especiaes.

Comprehendo as duvidas do illustre deputado á applicação das leis, quando suppõe que essa applicação importa offensa de principios tão ponderosos como são os consignados na carta constitucional, e que devem ser considerados como direitos fundamentaes d'ella.

Se acaso o illustre deputado está persuadido, como creio que está, e ninguem duvida da sinceridade das suas repetidas asserções, que a questão do que se trata é importante, e que as conveniencias publicas exigem que esta camara tome providencias para atalhar um grande mal, quer parecer-me que a questão previa apresentada pelo illustre deputado alguma cousa prejudica o interesse invocado em nome das conveniencias publicas (apoiados). Um illustre deputado, que se senta n'aquelle lado da camara, tambem teve duvidas, tambem entendeu que o projecto não podia passar tal qual se apresentava; mas porventura esse illustre deputado mandou para a mesa uma questão que equivale a um adiamento do projecto, ao adiamento de attender a uma circumstancia, que tambem, na opinião do illustre deputado, a conveniencia publica reclamava que fosse attendida? Não; ò illustre deputado, apesar de ter de commum com o illustre orador, que me precedeu, a opinião de que podia haver offensa aos principios constitucionaes, não pediu o adiamento do projecto; o illustre deputado apresentou uma substituição; o illustre deputado pediu que se discutisse na generalidade um projecto, cuja generalidade não importa o prejuizo da opinião sustentada pelo illustre orador que me precedeu.

Pois que! O projecto, que se discute na sua generalidade, comprehende desde já, approvada essa generalidade, o prejuizo da opinião sustentada pelo illustre orador?! Pois este illustre deputado, que não duvida da conveniencia d'este projecto, como é que o pretende fazer adiar inevitavelmente pela proposta de uma questão previa, cuja resolução necessariamente deve ser duvidosa?! Supponha o illustre deputado que a camara duvida, que approva a sua opinião. Pois a camara não sabe que esse assumpto se trata exclusivamente no artigo 2.° do projecto apresentado pelo governo?! Pois a camara não podia approvar o primeiro artigo d'este projecto e não prejudicar a opinião do illustre deputado; não podia sem a prejudicar votar no sentido contrario ao adiamento?! Não foi esse exemplo dado na opinião manifestada por um illustre deputado que se senta n'estes bancos (do centro)?! Como é que depois da conveniencia do projecto do governo, altamente reconhecida, reconhecida em mais de um logar, reconhecida aqui como deputado, reconhecida em outro logar quando o governo o consultou como conselheiro, como é que depois d'isso vem o illustre deputado, sem querer, prejudicar a prompta solução de uma medida, só porque ha um ponto em que tem duvidas?! Quando se tratar d'esse ponto impugne-o o illustre deputado, e não faça com que uma discussão sobre materia tão importante, que nos ha de levar muitas sessões, que nos ha de gastar muito tempo, vá impedir que se dê prompta solução a uma medida de muita conveniencia, reconhecida como tal aqui e em outro logar pelo illustre deputado. Pois o projecto é porventura o artigo 2.°?!

Eu entro em grande duvida de acompanhar o illustre deputado nos argumentos que apresentou para a sustentação da sua proposta. Eu supponho que esta camara, sem prejudicar a proposta do illustre deputado, póde occupar-se da discussão de um projecto, que é importante, que é util, que deve ser adoptado quanto antes, como remedio a males, que ninguem póde desconhecer. Mas poderei eu ficar calado, não dizendo de passagem alguma cousa em resposta a argumentos apresentados pelo illustre deputado, que parece dar uma victoria decisiva á sua opinião, desde que a apresenta n'uma camara? Parece-me que não; parece-me que as prerogativas. das camaras são principios constitucionaes, mas parece-me que ha mais alguma cousa que tambem o é — são as importantes prerogativas do poder moderador. Parece-me que uma d'essas prerogativas, a de approvar as leis, prerogativa que o poder moderador exerce em commum com os corpos legislativos; quer dizer, quando do concurso dos differentes ramos do poder legislativo depende a formação de uma lei, parece-me, digo, que essas attribuições do poder moderador são um principio constitucional, um poder constitucional importantissimo, porque a creação das leis depende do concurso d'esses tres ramos do poder legislativo: e entretanto o que vemos todos na carta constitucional? Vemos que para estas mesmas provincias ultramarinas, em casos excepcionaes, não só a prerogativa do poder moderador é posta em duvida, como tambem são postas em duvida as prerogativas das camaras, quando ha uma delegação, quando é necessario que o parlamento tenha de delegar as suas faculdades, não simplesmente no governo, mas até n'um governador, note-se bem, n'um governador de uma provincia do ultramar. E ha aqui uma offensa aos principios constitucionaes? Não está isso regulado pela carta?

! Mas note-se mais, e em resposta a outro argumento. Pois as garantias individuaes não serão objecto importante para I cada cidadão, não formarão parte dos principios constitucionaes da carta? E estão ellas reguladas nas provincias ultramarinas como estão reguladas no continente?

Estas simples considerações bastam para mostrar ao illustre deputado, que não é tão positiva, tão decisiva a sua opinião. Mas sobretudo o que a camara já vê é — até onde esta discussão nos ha de. levar; até onde esta discussão ha de comprometter o pensamento d'este projecto, as suas diversas disposições, se se entender que elle não póde dar um passo sem se decidir esta questão previa.

Eu não entro em mais amplo desenvolvimento da opinião que tenho para sustentar uma das disposições do projecto, a do artigo 2.°, emquanto a camara não considerar uma questão, que me parece muito importante; vem a ser—se o projecto não póde ser discutido na sua generalidade sem prejuizo da opinião apresentada pelo illustre deputado, porque o projecto não é aquella disposição do artigo 2.°, não se limita á disposição que o illustre deputado combate; essa disposição é da especialidade, e eu não posso deixar de ver grandes inconvenientes em que uma disposição da especialidade de um projecto seja convertida em questão previa para a discussão, da generalidade do mesmo projecto, de cuja utilidade e de cuja conveniencia o proprio illustre deputado, que me precedeu, não póde duvidar.

Por consequencia, eu entenderia que o serviço publico e a questão dos principios ganhavam muito em esperarmos que se tratasse do artigo 2.°, e em não se prejudicar a discussão da generalidade d'este projecto com a questão previa.

Por ora limito-me a estas simples considerações.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para a sessão de ámanhã é a continuação desta discussão, e depois os projectos que já estão dados. — Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

ORDEM DO DIA PARA 18 DE FEVEREIRO

A mesma que vinha, e alem d'isso:

Projecto de lei n.° 25, approvando o contrato celebrado entre o governo e a companhia união mercantil.

Projecto de lei n.° 23, auctorisando a camara municipal de Ponta Delgada a contrahir um emprestimo.

Ambos os projectos são d'este anno.

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