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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO DE 5 DE FEVEREIRO DE 1865

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios ou srs.

Joaquim Xavier Pinto da Silva

José de Menezes Toste

Chamada: — Presentes 78 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs. Adriano Pequito, Annibal, Vidal, Abilio, Soares de Moraes, Teixeira de Vasconcellos, Ayres de Gouveia, Carlos da Maia, Seixas, Magalhães Aguiar, Barjona de Freitas, Barão do Rio Zezere, B. F. de Abranches, Pereira Garcez, Poppe, Carlos Bento, Cesario, Claudio Nunes, Eduardo Cabral, Eduardo Cunha, F. J. Vieira, Coelho do Amaral, Diogo de Sá, Ignacio Lopes, F. J. da Costa e Silva, F. M. da Cunha, Medeiros, Sant'Anna e Vasconcellos, Reis Moraes, Santos e Silva, J. A. de Sousa, Mártens Ferrão, Assis Pereira de Mello, Ayres de Campos, Fonseca Coutinho, Mendonça Castello Branco, Barros e Cunha, Alcantara, J. Sepulveda Teixeira, Teixeira Soares, Torres e Almeida, Noutel, Xavier Pinto, J. A. Gama, Barbosa e Silva, Tavares de Pontes, Garrido, Homem de Gouveia, Alves Chaves, Luciano de Castro, D. José de Alarcão, Frazão, J. M. Lobo d'Avila, Rojão,

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Toste, José de Moraes, Gonçalves Correia, Oliveira Baptista, Mexia, Sampaio e Mello, Julião Mascarenhas, Julio do Carvalhal, Levy, Sá Coutinho, Alves do Rio, Rocha Peixoto, Macedo Souto Maior, Sousa Junior, Leite Ribeiro, Lavado de Brito, Tenreiro, Mathias de Carvalho, Miguel Osorio, R. F. da Gama, Ricardo Guimarães, R. Lobo d'Avila, Carvalho e Lima, Pinto Pizarro, Thomás Ribeiro, Visconde dos Olivaes e Visconde de Pindella.

Entraram durante a sessão — os srs. Affonso Botelho, Garcia de Lima, Braamcamp, Camillo, Brandão, Gonçalves de Freitas, Barros e Sá, A. Pinto de Magalhães, Pinto Ferreira, Fontes, Antonio Pequito, Antonio de Serpa, Belchior Garcez, Bento de Freitas, Albuquerque e Amaral, Pinto Coelho, Almeida Pessanha, Custodio Freire, Delphim, Quental, F. F. de Mello, Lampreia, Soares de Freitas, G. de Barros, Silveira da Mota, Abreu e Lima, J. A. de Carvalho, Gomes de Castro, J. A. Sepulveda, Aragão Mascarenhas, Tavares de Almeida, Vieira Lisboa, Matos Correia, Proença Vieira, Rodrigues Camara, J. Pinto de Magalhães, Vieira de Castro, Sette, Correia de Oliveira, Fernandes Vaz, Casal Ribeiro, Alvares da Guerra, Barros e Lima, Mendes Leal, Freitas Branco, Amaral Carvalho, Severo de Carvalho, Monteiro Castello Branco, Placido e Teixeira Pinto.

Não compareceram — os srs. Quaresma, A. Pinto de Albuquerque, Gaspar Pereira, Blanc, João Chrysostomo, Costa Xavier, J. A. Maia, Infante Passanha, Mendes Leite e Marquez de Monfalim.

Abertura: — Á uma hora e um quarto da tarde.

Acta: — Approvada.

EXPEDIENTE

Uma representação dos amanuenses de 2.ª classe da repartição de fazenda do districto de Braga, pedindo augmento de ordenados. — Á commissão de fazenda.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

PROJECTO DE LEI

Senhores. — Quando o governo da nação procura desenvolver a riqueza das possessões ultramarinas e approxima-las da metropole pela rapidez das communicações, despendendo para isto avultadas sommas, nas quaes sobresáe a subvenção da companhia de navegação por vapores para a provincia de Africa occidental, é conveniente remover-se todos os embaraços que possam obstar a similhante desenvolvimento ou neutralisar tantos sacrificios, pondo-se obstaculos ao movimento da emigração e de passageiros entre a metropole e as ditas possessões, empecendo-se d'esta fórma o espirito de emigração dos nossos compatriotas que os leva para as emprezas de alem mar, e que convem animar para as nossas vastas colonias de Africa.

Senhores: a lei de 31 de janeiro de 1863, extinguindo os passaportes para o interior do reino e ilhas adjacentes, conservou-os sómente para fóra do reino. Julgo desnecessario recordar aqui as porfiadas lutas da imprensa periodica, e de muitos representantes do povo n'esta camara, para conseguirem do governo a extincção dos passaportes, este grande flagello dos viandantes, herdado dos governos absolutos.

Acontece porém, senhores, que este grande beneficio não se fez extensivo ás nossas provincias ultramarinas, considerando-as d'este modo, ao que parece, como paizes estrangeiros.

Nada ha que justifique esta impolitica e absurda excepção, porque tanto pertencem á monarchia as ilhas adjacentes, como as denominadas provincias ultramarinas, visto que as provincias ultramarinas estão, como as ilhas adjacentes, situadas alem mar.

Uma similhante excepção traz comsigo o odioso inconveniente, senão absurdo, de que no mesmo vapor da carreira de Africa com escala por algumas das ilhas adjacentes vão passageiros portuguezes, que são obrigados ao pesado e despendioso passaporte, alem de muitos incommodos e perda de tempo para se obter, e outros passageiros isentos de tudo isto. Estes porque vão para uma das ilhas adjacentes, e aquelles para Cabo Verde ou S. Thomé, que demoram um pouco mais afastados.

Os motivos que levaram os poderes publicos á extincção dos passaportes no reino e ilhas adjacentes abundam e sobram para que tambem se extingam para as provincias ultramarinas, ao menos as de Africa occidental, em rasão da navegação por vapores para ellas. Só argumentos futeis poderão sustentar, como se tem sustentado, que os passaportes devem continuar para obstar á fuga dos desertores e individuos criminosos ou sujeitos ao recrutamento.

Taes argumentos não se podem sustentar, porquanto os desertores, criminosos e recrutas podem mais facilmente evadir-se do continente do reino para o paiz vizinho, pela nossa extensa fronteira, apesar do tratado de extradição, para as ilhas adjacentes e outros pontos do estrangeiro, do que para as provincias ultramarinas, ao que se oppõe a distancia dellas, carestia de passagens, incommodos da longa viagem e insalubridade do clima.

Mas quando algumas rasões se dessem para continuar o tributo vexatorio dos passaportes, para os homens sujeitos ao recrutamento e no caso de desertarem da vida militar, não se poderiam estabelecer aquelles argumentos, insustentaveis e mesmo absurdos como são, para as mulheres e para os homens de avançada idade.

Comprehende o paiz, e comprehendem-no melhor os seus illustrados representantes, que se faz necessario levarmos ás nossas possessões ultramarinas o elemento civilisador do reino, e o de estabelecermos meios indirectos, mas proficuos, de desviarmos os nossos activos emigrantes dos paizes estrangeiros para os nossos dominios do ultramar.

E, para alcançarmos este grande beneficio, é indispensavel estabelecer-se communicações rapidas com aquella parte da monarchia, e facilitar-se para ella o movimento de passageiros e de colonisação activa e voluntaria.

O governo acaba de contratar uma empreza de navegação a vapor. Urge que se acabem os passaportes. Para que d'esta medida se colham todas as vantagens é necessario que no interior das provincias ultramarinas, sobretudo nas que estiverem em condições iguaes ás da vasta e rica provincia de Angola, se acabe com o vexatorio systema de passaportes, ou guias de transito, pelos quaes se põem todas as peias ao movimento dos passageiros entre localidades da mesma provincia, muitas vezes a negociantes e lavradores mui conhecidos e respeitaveis, que têem necessidade de rapidamente virem dos seus domicilios a uma distancia de poucas leguas providenciar sobre as suas feitorias de commercio ou propriedades ruraes, e que, sem passaporte ou guia de transito, o não podem fazer, pela observação rigorosa do decreto de 17 de outubro de 1859 que, sem designar as distancias em que se póde viajar sem guia de transito, tem dado origem a exigencias da parte das auctoridades, sobretudo das subalternas, na provincia de Angola, que prejudicam todos os cidadãos e passageiros no movimento licito dos seus negocios e profissões.

A extincção dos passaportes para o reino e paizes estrangeiros nas provincias ultramarinas, a dos passaportes e guias de transito no interior das mesmas provincias, exige, como medida de justiça e equidade, que sejam indemnisados os respectivos empregados administrativos do ultramar do desfalque que possam soffrer em seus emolumentos (como já se fez aos do reino) com a referida extincção, providencia que julgo indispensavel em rasão dos mesquinhos vencimentos que estão arbitrados aquelles funccionarios; sendo facil calcular esta indemnisação em vista do decreto de 17 de outubro de 1859, que manda escripturar todos os emolumentos e sua origem.

Emquanto não forem designados por uma lei especial os presidios que no ultramar hão de servir para os criminosos do reino cumprirem as sentenças de degredo dos respectivos tribunaes, designação que é conveniente não demorar para livrar importantes povoações do ultramar do contacto e repugnante espectaculo de taes criminosos, entendo ser conveniente substituir na lei da extincção dos passaportes e das guias de transito uma disposição, pela qual se evite a evasão dos degradados das provincias ultramarinas (onde os possa haver) para fóra d'ella; se sobre o transito dos escravos e indigenas.

Em vista de todo o expendido tenho a honra de submetter ao vosso patriotismo e á vossa illustração o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São extinctos os passaportes do continente do reino e ilhas adjacentes para as provincias ultramarinas da monarchia portugueza.

Art. 2.° São igualmente extinctos os passaportes nas provincias de Angola, Cabo Verde, e ilhas de S. Thomé e Principe para o continente do reino; e tambem os passaportes e guias de transito para os passageiros que viajarem de uma para outra d'estas possessões, ou pelo interior e por mar de cada uma dellas.

§ unico. O disposto n'este artigo será extensivo ás provincias ultramarinas que estão situadas alem do cabo Esperança, quando se poderem harmonisar os interesses dos povos com os da publica administração.

Art. 3.° Fica o governo auctorisado a regular a execução do artigo e paragraphos precedentes, com a segurança necessaria a respeito dos criminosos degradados nas referidas possessões de modo que se evite a sua evasão; e tambem a regular o transito dos pretos escravos, libertos e indigenas, segundo as leis e tratados em vigor.

Art. 4.° É o governo auctorisado a indemnisar os empregados administrativos do ultramar do cerceamento ou desfalque que possam soffrer em seus emolumentos pela execução da presente lei, pelos modos que julgar conveniente.

Art. 5.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, 7 de fevereiro de 1865. = O deputado pelo 1.° circulo de Angola, Antonio José de Seixas.

Foi admittido e enviado á commissão de administração publica, ouvida a do ultramar.

PROPOSTAS

1.ª Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 118 da sessão de 1857. = Torres e Almeida.

Foi admittida e enviada á commissão de guerra.

2.ª Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 166 da illustre commissão de guerra da passada legislatura, datado de 24 de maio de 1864. = Francisco Coelho do Amaral.

Foi admittida e enviada á commissão de guerra.

3.ª Renovámos a iniciativa do projecto de lei n.° 140 da sessão de 1864, sobre a estrada do Caes do Pinhão a Mirandella por Alijó e Abreiro, o qual já foi approvado n'esta casa, e deixou de ser discutido e votado na outra casa do parlamento por falta de tempo. = Julio do Carvalhal Sousa Telles = Jeronymo Barbosa de Abreu e Lima = Afonso Botelho Sampaio e Sousa = Guilhermino Augusto de Barros = Sebastião Maria da Nobrega Pinto Pizarro = Joaquim Pinto de Magalhães = Albino Garcia de Lima = Filippe José Vieira = Antonio Julio de Castro Pinto de Magalhães = Antonio Julio Pinto Ferreira.

Foi admittida e enviada á commissão de obras publicas.

O sr. Sepulveda Teixeira: — Mando para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos ao governo; e sinto não ver presente o sr. ministro das obras publicas, porque queria chamar a attenção de s. ex.ª para as providencias que é necessario tomar sobre os melhoramentos dos campos de Leiria.

O sr. C. J. Nunes: — Pedi a palavra para chamar a attenção da illustre commissão de guerra ácerca de um requerimento do cidadão Francisco Ignacio Maia, que serviu durante trinta e um annos o logar de secretario graduado da arma de engenheria, com a gratificação de capitão, no fim d'este tempo de serviço pediu a sua reforma; e parecendo-lhe dever ter a reforma no posto de major, só lh'a deram no posto de tenente, tendo servido na campanha da Peninsula como combatente desde 1810 a 1817, em que foi despachado official da secretaria do corpo de engenheiros; e no fim de cincoenta e dous annos de serviço, tem apenas 15$000 réis mensaes.

Peço portanto á illustre commissão de guerra que examine com a maior attenção este negocio.

O sr. F. M. da Cunha: — Por parte da commissão de guerra posso afiançar ao illustre deputado que todos os projectos que lhe foram affectos foram distribuidos, e s. ex.ª sabe que a maior parte dos processos dizem respeito a assumptos individuaes, sobre os quaes é necessario ouvir o ministro; portanto não é possivel dar parecer sobre elles, tão de prompto como se deseja; e acredite s. ex.ª que ha da parte da commissão interesse em não preterir petição alguma, assim como em dar parecer a respeito de cada negocio o mais breve possivel.

O sr. C. J. Nunes: — Agradeço ao illustre deputado a explicação que acaba de dar.

O sr. Mathias de Carvalho: — Mando para a mesa a seguinte nota de interpellação:

«Pretendo interpellar aos srs. ministros da fazenda e obras publicas ácerca dos effeitos que produziu entre nós, tanto na circulação metallica como na fiduciaria, a crise monetaria que ultimamente ameaçou os mercados estrangeiros.»

Deliberei-me a interpellar os srs. ministros das obras publicas e da fazenda sobre o objecto que acabo de enunciar, porque me parece grave e momentoso.

O abalo monetario pelo qual acaba de passar a Europa e que poderia ter produzido uma crise, veiu tornar patente o que já estava reconhecido — a constituição anormal da nossa circulação metallica.

É certo que essas circumstancias extraordinarias dos mercados estrangeiros contribuiram para que tivesse logar a exportação do oiro em grande escala, mas independente dellas a saída de libras esterlinas em numero sufficiente para desfalcar consideravelmente a nossa circulação póde dar-se, e o facto é que já esta semana partiram cerca de 400:000$000 réis para Londres e que, continuando por esta fórma a exportação, seremos forçosamente conduzidos a uma posição embaraçosa. Bem dizia eu que o negocio é grave o momentoso; merece de certo a attenção do parlamento.

Dou-me por feliz em levantar esta questão no seio da representação nacional, porque vejo que as questões de interesse e melhoramento do paiz merecem toda a solicitude d'esta camara.

Ouviremos da bôca dos srs. ministros quaes são as medidas que tencionam apresentar ao parlamento para que se possa obviar aos inconvenientes já reconhecidos, pois que se nos vissemos reduzidos exclusivamente á nossa moeda legal, deveria este acontecimento desastroso affectar profundamente a circulação metallica e a circulação fiduciaria do paiz.

Não digo mais nada por agora, reservo-me para occasião opportuna, para quando se verificar a interpellação annunciada.

Peço pois a v. ex.ª que tenha a bondade de empregar os meios competentes para que esta interpellação se verifique o mais breve possivel, visto que é urgente e importante.

O sr. J. A. de Sousa: — Mando para a mesa cincoenta o dois requerimentos de officiaes, sendo vinte dos officiaes de infanteria n.° 3; vinte dos de infanteria n.° 6; e doze dos infanteria n.° 16; os quaes pedem a approvação do projecto do sr. deputado Alcantara, apresentado na sessão de 1 do corrente.

O sr. Ferraz: — Em uma das sessões do mez de janeiro ultimo, e logo depois de constituida a camara, mandei para a mesa um requerimento, para que, pelo ministerio das obras publicas, fosse remettida a esta camara copia do auto da arrematação da construcção do um lanço de estrada de Celorico ao Alva.

Creio que v. ex.ª deu o destino competente ao meu requerimento, comtudo é certo que até hoje ainda não chegou a esta casa o meu pedido.

Preciso de examinar o documento a que me refiro, para verificar as condições d'aquella arrematação, assim como se tem sido ou não cumprida, a fim de pedir ao governo que faça cumprir o contrato como demanda o interesse dos povos d'aquella localidade.

Peço a v. ex.ª que torne a instar com o sr. ministro para que mande a esta camara o documento a que me refiro.

O sr. Julio do Carvalhal: — Mando para a mesa oitenta e oito requerimentos de officiaes dos regimentos de infanteria n.ºs 3, 4 e 17, que pedem a esta camara a approvação do projecto de lei do sr. Alcantara; e alem d'isso que seja revista e alterada a lei de reforma que concede aos militares a reforma aos trinta e cinco annos, emquanto que aos outros empregados se concede aos trinta, e que sejam dispensados do pagamento de direitos de mercê os militares agraciados com mercês honorificas.

Aproveito a occasião para agradecer aos signatarios d'esta representação a honra que me fizeram escolhendo-me para advogar aqui a sua causa.

O sr. Torres e Almeida: — Mando para a mesa uma representação dos possuidores de papel moeda e de outros titulos de divida antiga, pedindo a discussão e approvação do projecto que apresentou o sr. ministro da fazenda, em sessão de 18 de novembro de 1858, e foi renovado em 1861, para capitalisação destas dividas, ou para que se adopte qualquer medida legislativa que tenda ao pagamento d'estes creditos.

A camara conhece a justiça d'esta pretensão, por isso não me detenho em demonstra-la, e mesmo porque a moralidade e credito publico exigem que se pague quanto antes a estes individuos.

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O sr. Alcantara: — Mando para a mesa uma proposta, renovando a iniciativa de um projecto de lei.

Mando tambem para a mesa seis requerimentos dos sargentos quarteis-mestres de infanteria n.° 1, 5, 7, 16 e 18, e caçadores n.° 9, pedindo a extincção da classe dos quarteis-mestres na infanteria, permittindo-se-lhes concorrer com os officiaes inferiores ao posto de alferes.

E mando tambem para a mesa dois requerimentos de alferes graduados, que pedem ser levados á effectividade do posto, a fim de poderem ter direito á reforma, visto terem optado pelo serviço do ministerio das obras publicas.

O sr. Paula Medeiros: — Mando para a mesa o seguinte requerimento (leu).

O sr. Alves do Pio: — Mando para a mesa dois requerimentos, sendo um dos aspirantes de 2.ª classe da repartição de fazenda do districto de Evora, e outro do continuo da mesma repartição, pedindo augmento de ordenado.

O sr. Severo de Carvalho: — Mando para a mesa vinte e quatro requerimentos dos srs. officiaes de caçadores n.° 5, em que pedem a esta camara se lhe augmente o soldo; e tenho a declarar que me encarreguei d'esta commissão com muito prazer, porque entendo em consciencia que o pedido é justo, e que elles não podem hoje viver com o mesmo soldo que tinham ha vinte ou trinta annos; e manifesto á camara que concordo perfeitamente com as considerações apresentadas nos mesmos requerimentos.

A classe militar é uma das menos abastadas da sociedade; advertindo que esta é uma d'aquellas que por obrigação tem de apparecer decentemente vestida e com uma certa e determinada qualidade de fato; tem quasi constantemente serviço, que muitas vezes é de destacamentos para longe do ponto onde tem estabelecido o seu quartel, e por conseguinte o da residencia das suas familias, não fallando de despezas extraordinarias. Emfim julgo-a digna e muito de ser attendida pelo parlamento.

Já n'uma das sessões passadas vi com prazer que o nobre deputado, o sr. João José de Alcantara, levantou a voz em favor d'esta tão nobre classe.

Permitta-me a camara que eu lhe faça sentir que hoje as classes menos abastadas da sociedade, taes como a classe operaria, militar e outras, vêem-se a braços lutando com a carestia das habitações e dos generos alimenticios de primeira necessidade.

Finalmente confio que esta illustrada camara ha de attender e fazer tudo quanto poder para minorar os males que affligem algumas das classes sociaes.

O sr. Presidente: — Vae passar-se á ordem do dia.

O sr. Levy: — Peço a palavra para uma explicação.

O sr. Presidente: — O sr. Levy pediu a palavra para uma explicação, por consequencia vou consultar a camara sobre se lh'a concede.

Decidiu-se afirmativamente.

O sr. Levy: — Começo por agradecer á camara a sua benevolencia para comungo, concedendo-me a palavra para uma explicação, que protesto não alongar.

Deve comprehender-se, attendendo ao que se passou hontem n'esta sala, que, depois de uma allusão que me fez o sr. Pinto Coelho, eu faltaria aos deveres de homem pundonoroso se deixasse de levantar essa allusão, e de dar duas palavras de explicação á camara.

Deve esta fazer-me a justiça de acreditar que não entrarei hoje em assumpto estranho depois do que hontem se passou nesta casa do parlamento; seria não corresponder á benevolencia da camara, seria faltar a conveniencias que devo e sei respeitar. Limitar-hei pois unica e exclusivamente a responder á allusão do sr. Pinto Coelho, que sinto não ver presente; mas isso não obsta porque, repito, não dou satisfação a elle, dou-a á camara e ao partido liberal (apoiados).

Se a theocracia, o absolutismo, os odios inveterados de um partido carecessem de representante mais genuino e mais puro, não poderiam encontra-lo melhor do que no sr. Pinto Coelho; da theocracia, porque renovou em pleno parlamento e no meio do seculo XIX, as doutrinas de Gregorio VII e Bonifacio VIII; do absolutismo, porque parece adorar as excellencias e doçuras do systema que a civilisação julga bem amargo; dos odios inveterados, porque, apesar da caridade evangelica, affectada pela facção que o sr. deputado representa, ressumam no seu discurso esses odios, apesar de toda a suavidade de expressão que elle sabe dar ás suas phrases, dirigidas ao partido liberal; mas sendo eu a victima escolhida para alvo dos seus tiros, por uma astucia que, apesar de fina, todos comprehenderam, e perdeu por isso o effeito.

Alludindo á reacção disse o sr. deputado por Braga que = estranhava ver-me em campo combatendo-a, quando houve tempo em que tambem me julgou reaccionario =.

Eis o ponto sobre que peço a attenção da camara, e para a minha resposta ser mais frisante preciso dizer ou antes repetir o que já, mais de uma vez, disse n'esta sala, e o que nós, homens do partido liberal, repetimos todos os dias.

Não se deve confundir a religião com os seus abusos, a religião não é incompativel com a liberdade, antes se allia com ella. No partido, representado pelo sr. Pinto Coelho, é tactica querer inculcar que só os realistas, absolutistas, ou como lhe queiram chamar, são religiosos e que ninguem o póde ser senão elles, e é tactica tambem querer sempre identificar a religião com os seus abusos (apoiados).

Quando combati a reacção, traduzia, exprimindo o meu pensamento, o de todo o partido liberal (apoiados). Quando nós, homens liberaes, combatemos a reacção ou lhe resistimos, não combatemos a religião. Sustentar o contrario é uma perfidia dos adversarios, para nos desconceituar no animo dos povos (apoiados); o que combatemos são os abusos que se praticam em nome do catholicismo, os abusos dos especuladores ao divino que se servem da arma da religião como pretexto para nos malquistar com o povo, para introduzir a discordia no seio das familias, para desacreditar os poderes publicos, para fazer crer ao paiz que o systema constitucional e as instituições livres são obras de Satanaz, condemnadas por Deus. Isto é que é a reacção, é isto o que combatemos (apoiados).

Disse o sr. deputado por Braga «sois reaccionario, porque já estivestes sentado commigo em reuniões para fins religiosos». Pois isto é ser reaccionario? O meu collega ha de sempre achar-me a seu lado, assim como a todos os homens de sentimentos religiosos, sempre que se reunir com elles para fins licitos e honestos; mas nunca me encontrou, nem encontrará, em reuniões para em nome da religião propagar doutrinas contrarias aos poderes constituidos e ás instituições liberaes do paiz, que á custa de tanto sangue chegámos a implantar (apoiados).

Sempre que se tratar de esmolas para hospitaes, para pobres, para obras de igrejas, ou para outro qualquer acto de caridade christã, ha de encontrar-se não só commigo, mas com todos os homens liberaes, com estes sobretudo, que não fazem distincção de côres politicas quando praticam a caridade (apoiados), e estão sempre promptos a defender a verdadeira religião, que se allia perfeitamente com a liberdade.

Disse mais o sr. deputado por Braga «sois reaccionario, porque o vosso nome figurou n'uma representação a favor das irmãs da caridade, e até me consta que a redigistes».

Imaginou com este dicto talvez ter-me cravado um punhal com toda a caridade; enganou-se (apoiados), dando-me mais uma occasião de declarar publicamente que sempre fui liberal, e que se tenho peccado é por excesso de liberdade.

A questão das irmãs da caridade dividiu-se em dois periodos, o da introducção (em que comprehende o seu estabelecimento e reclamações que provocou), e o da expulsão. No primeiro os homens do partido liberal dividiram-se; uns observantes, porventura supersticiosos da liberdade de associação, que é uma das feições mais importantes da liberdade, entenderam que, fieis a este principio, deviam deixar a instituição, palpar-lhe os resultados praticos, e só usar dos meios repressivos quando se manifestasse o abuso; outros, que se julgaram mais previdentes, e que viram mais alem no futuro, entenderam que aquella instituição havia de dar maus resultados, e crear embaraços ao partido liberal.

Dos que seguiram a primeira opinião fui eu um d'elles; porque supersticiosamente fiel aos principios da liberdade que, sempre na sua maior extensão, sustentei desde os bancos das escolas, como póde testemunhar o meu prezado amigo e mestre de nós todos jurisconsultos d'esta casa, o sr. Vicente Ferrer, que está presente, via um principio e não previa as consequencias, só queria sacrificar esse principio á prevenção.

E não fui eu só; foram muitos homens liberaes, alguns dos quaes, como é publico, se sentam hoje, ou sentaram hontem, nos bancos do poder.

Mas se peccar por excesso de fidelidade ao principio absoluto de liberdade de associação, é ser reaccionario, e se por isso me quiz o sr. Pinto Coelho arrastar para o campo da reacção, então tambem havia de arrastar mais alguem; e sinto não ter a eloquencia de um homem cuja memoria sempre recordâmos com respeito, para evocar o espirito de um homem illustre d'este paiz, o visconde de Almeida Garrett, victima do absolutismo, apostolo da liberdade e um dos mais notaveis ornamentos da tribuna livre. Elle lhe diria que, apesar de como vogal do conselho ultramarino ter chegado até a propor a creação de congregações religiosas no ultramar, nem por isso era reaccionario, nada queria com os reaccionarios (apoiados).

Dada esta explicação á camara, devo acrescentar que, ainda que eu não fôra liberal por convicção, deveria se-lo por tradição de familia, e indigno seria se o não fosse.

Tive toda a minha familia perseguida e torturada pelos homens do absolutismo; isto basta para dizer que ha entre mim e esses homens um abysmo (apoiados). Liberal, como sou, obedeço á voz do sentimento e da rasão, que felizmente vejo apoiada nas tradições de familia.

O sr. Pinto Coelho defende o absolutismo e a reacção; faço-lhe justiça acreditando que obra por convicção, e que tambem obedece talvez a tradições de familia, está no direito de seguir essas idéas, como eu estou no de as combater.

Resumindo: sou catholico, e posso dize-lo francamente, estando n'um paiz livre; n'esta religião que, sem reserva, jurei defender ao entrar n'esta casa, nasci, e espero morrer; mas sendo catholico nunca fui nem hei de ser reaccionario; fui, sou e hei de sempre ser liberal, e pugnarei por estes principios emquanto Deus me der força para os defender com a palavra e com a penna, o até com as armas se tanto for mister (apoiados).

O partido que o sr. Pinto Coelho representa n'esta casa, que não comprehende, nem quer comprehender o que é liberdade, é que nunca póde comprehender o que é a religião. O Divino Mestre, que foi um libertador, deixou dito á humanidade que onde está a liberdade está o espirito de Deus.

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

ORDEM DO DIA

DISCUSSÃO NA GENERALIDADE DO PROJECTO DE LEI N.° 8

Senhores. — As commissões reunidas de legislação, administração, publica, negocios ecclesiasticos e de fazenda examinaram com a devida attenção a proposta de lei n.° 5-F, apresentada em sessão de 25 do corrente pelo sr. ministro da fazenda, sobre desamortisação dos bens pertencentes a camaras municipaes, juntas de parochia e estabelecimentos de piedade e beneficencia, ampliando e alterando algumas disposições da lei de 4 de abril de 1861; e

Considerando que é de incontestavel utilidade o desenvolvimento dos fecundos principios de economia publica, contidos na citada lei de 4 de abril de 1861, não só em relação ao melhoramento do credito do estado, senão tambem no tocante á boa e regular administração de uma grande porção de bens ainda hoje excluidos da circulação e do commercio;

Considerando que a experiencia tem sobejamente demonstrado a efficacia d'aquelles principios e desvanecido as resistencias e contrariedades que ao tempo da promulgação da primeira lei de desamortisação dificultavam a sua execução;

Considerando que na proposta de lei apresentada pelo governo são devidamente conciliadas as boas doutrinas economicas com as conveniencias e interesses dos povos;

Considerando finalmente que sem a reducção dos laudemios é quarentena e outras modificações da legislação vigente sobre desamortisação não póde executar-se eficazmente o grandioso pensamento que dictou as primeiras providencias sobre este assumpto:

Parece ás quatro commissões reunidas que a proposta do governo deve ser convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° A remissão de fóros, censos e pensões e quinhões pertencentes aos conventos e corporações religiosas, de que trata a lei de 4 de abril de 1861, continuar-se-ha a verificar pela fórma estabelecida n'essa lei, durante o praso de seis mezes, contado da publicação da presente lei no Diario de Lisboa, com as seguintes declarações:

§ 1.° Se a remissão for só de parte do fôro, conservando a propriedade a natureza emphyteutica, não poderá comprehender parte alguma de laudemio.

§ 2.° Se o preço das remissões for pago antes do vencimento dos respectivos fóros, censos, pensões ou quinhões do anno em que as remissões se effeituarem, pertencem os fóros, censos, pensões ou quinhões d'esse anno aos remidores, na sua totalidade, na fórma estabelecida para a remissão dos fóros, censos ou pensões na posse e administração da fazenda nacional. Se porém for pago depois do referido vencimento, pertencem os d'esse anno, tambem na sua totalidade, aos respectivos conventos e corporações religiosas.

Art. 2.° O laudemio nos prasos pertencentes aos referidos conventos e corporações religiosas fica, da publicação d'esta lei em diante, reduzido a quarentena em todos os casos em que outro maior fosse devido, á similhança do que foi determinado para os prasos da corôa ou fazenda nacional pelo § 4.° do artigo 7.° da lei de 22 de junho de 1846.

§ unico. A disposição d'este artigo é applicavel aos prasos pertencentes aos estabelecimentos annexos á universidade de Coimbra.

Art. 3.° Findo o praso estabelecido para a remissão, nos termos do artigo 1.°, mandará o governo proceder em hasta publica, e na conformidade da lei de 4 de abril de 1861, á venda de todos os ditos fóros, censos, pensões e quinhões que não forem remidos.

Art. 4.° São applicaveis aos fóros, censos, pensões e quinhões de que trata esta lei as disposições do artigo 11.° do decreto do 21 de outubro de 1852, confirmado pela lei de 1 de junho de 1853, que se acham reproduzidas no artigo 40.° do regulamento de 12 de dezembro de 1863.

§ unico. Se o preço das arrematações for pago antes do vencimento dos respectivos fóros, censos, pensões ou quinhões do anno em que a arrematação se verificar, pertencem os fóros, censos, pensões e quinhões d'esse anno aos arrematantes, na sua totalidade, na fórma estabelecida nas arrematações dos fóros, censos e pensões na posse e administração da fazenda nacional. Se porém for pago depois do referido vencimento, pertencem os d'esse anno, tambem na sua totalidade, aos respectivos conventos e corporações religiosas.

Art. 5.° São applicaveis aos predios rusticos e urbanos pertencentes aos conventos ou corporações religiosas, de que trata a lei de 4 de abril de 1861, as disposições do artigo 6.° do decreto de 29 de dezembro de 1846, confirmado pelo artigo 17.° da lei de 13 de julho de 1848, reproduzidas no artigo 67.° do regulamento de 12 de dezembro de 1863.

§ unico. As rendas d'estes predios do anno em que a arrematação se effeituar, se o preço d'esta for pago antes do seu vencimento, pertencem aos arrematantes sómente desde o dia em que verificarem este pagamento, e dividem-se entre elles e os respectivos conventos e corporações religiosas na devida proporção, na fórma estabelecida emquanto ás rendas dos bens nacionaes arrematados. Se porém só for pago depois, pertencem integralmente a estes conventos e corporações.

Art. 6.° As disposições dos artigos 6.°, 7.°, 8.° e 10.° da lei de 4 de abril de 1861 são extensivas, com as modificações estabelecidas pela presente lei, a todas as camaras municipaes, juntas de parochia, casas de misericordia, hospitaes, irmandades, confrarias, recolhimentos e quaesquer outros estabelecimentos pios ou de beneficencia.

§ 1.° Não são comprehendidos na disposição d'este artigo:

1.° Os terrenos baldios, que constituem logradouro commum dos municipios e parochias, continuando a subsistir a seu respeito a legislação em vigor.

2.° As residencias e passaes dos parochos, nos quaes se não comprehendem os fóros que constituem dotação parochial. Fica porém auctorisado o governo a conceder a subrogação dos bens dos passaes nos termos d'esta lei, quando lhe for requerida pelos parochos.

3.° Os edificios, jardins, passeios e quaesquer terrenos que o governo, depois de havidas as necessarias informações das competentes auctoridades, julgar indispensaveis a estes estabelecimentos, com audiencia dos seus representantes, para o desempenho das suas funcções e goso e serviço do publico.

§ 2.° Os bens que, pela sua applicação e nos termos do § antecedente, forem exceptuados da desamortisação esta

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belecida por esta lei, ficam a ella sujeitos e comprehendidos em todas as disposições da mesma lei, logo que deixem de ter a applicação que assim os isentou.

Art. 7.° Fica prohibido ás camaras municipaes, juntas de parochia e mais estabelecimentos comprehendidos no artigo 6.° d'esta lei a acquisição por titulo oneroso de fóros, censos, e pensões, quinhões e predios rusticos ou urbanos; e fazendo-a, incorrem no perdimento d'esses bens para a fazenda nacional, e havendo denunciante receberá elle o premio estabelecido pelas leis, procedendo-se na sua conformidade.

§ 1.° Não são comprehendidas nas disposições d'este artigo as acquisições por virtude de adjudicações judiciaes.

§ 2.° Podem porém estes estabelecimentos adquirir por titulo oneroso, precedendo as solemnidades estabelecidas pela legislação em vigor:

1.° Bens de raiz dos especificados no n.° 3 do artigo 6.° d'esta lei, unicamente para os fins ahi declarados, e ficando sujeitos á disposição do § 2.° do mesmo artigo.

2.° Foros, censos, pensões ou quinhões impostos em predios rusticos ou urbanos dos exceptuados da desamortisação, só para o fim de consolidarem os dois dominios.

Art. 8.° As camaras municipaes, juntas de parochia e mais estabelecimentos comprehendidos no artigo 6.° d'esta lei, podem continuar a adquirir, precedendo licença do governo, que será concedida gratuitamente, fóros, censos, quinhões ou capitaes, e quaesquer predios rusticos ou urbanos por legado ou qualquer outro titulo gratuito; mas logo que os adquirirem effectivamente, ficam sujeitos ás disposições d'esta lei, e n'ellas comprehendidos para todos os seus effeitos.

Art. 9.° Os capitaes pertencentes aos estabelecimentos, a que se refere o artigo antecedente, poderão ser subrogados ou mutuados pelas respectivas administrações, se o julgarem conveniente, precedendo as formalidades legaes, que dêem segurança a estes estabelecimentos.

Art. 10.° São nullos ipso jure os arrendamentos a longo praso e quaesquer outros contratos celebrados depois da publicação d'esta lei sem as solemnidades legaes pelas corporações religiosas de que trata esta o a lei de 4 de abril de 1861.

§ unico. Os agentes do ministerio publico são declarados competentes para reclamarem em juizo, como partes principaes, a annullação dos contratos celebrados sem as formalidades legaes pelas ditas corporações antes da publicação da presente lei.

Art. 11.° Fica assim alterada e ampliada a lei de 4 de abril de 1861, e revogada a disposição do artigo 15.° do decreto de 5 de novembro de 1851 e toda a mais legislação em contrario.

Sala da commissão, em 3 de fevereiro de 1865. = Anselmo José Braamcamp = José de Oliveira Baptista = Bernardo de Albuquerque e Amaral = Pedro Augusto Monteiro Castello Branco = Levy Maria Jordão — Annibal Alvares da Silva = José de Sande Magalhães Mexia Salema (com declaração quanto ao § unico do artigo 1.°) = Miguel Osorio Cabral = Claudio José Nunes = José Joaquim Fernandes Vaz = Augusto Cesar Barjona de Freitas = João Antonio Gomes de Castro = João Correia Ayres de Campos = Henrique Ferreira de Paula Medeiros (com declaração quanto ao praso marcado no artigo 1.°) = Martinho Augusto Tenreiro — Joaquim Pinto de Magalhães = José Tiberio Roboredo Sampaio e Mello (com declaração) = Joaquim Januario de Sousa Torres e Almeida = Caetano Francisco Pereira Garcez = Jacinto Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos = Ricardo Augusto Pereira Guimarães = Ignacio Francisco Silveira da Mota (com declarações) = Antonio Augusto Teixeira e Vasconcellos = João Antonio dos Santos e Silva = Mathias de Carvalho e Vasconcellos = Custodio Joaquim Freire = Guilhermino Augusto de Barros = Hermenegildo Augusto de Faria Blanc = Antonio Carlos da Maia = José Luciano de Castro, relator.

O sr. José de Moraes: — Pedi a palavra, não para combater o projecto em discussão, mas para querer mais do que o projecto propõe. N'elle se propõe a desamortisação de fóros de corporações religiosas, e de todos os bens de raiz; mas eu julgo que a camara, se quer a desamortisação, deve-a querer completa e não a retalho. Não entendo que se desamortisem os bens de algumas corporações religiosas e de beneficencia, ao mesmo tempo que se deixem outras que, emquanto a mim, eram de mais necessidade do que aquellas que a commissão menciona. Refiro-me aos passaes dos parochos. Sobre passaes terei a honra de mandar para a mesa uma proposta.

Quanto aos baldios, parece-me que um collega meu ha de mandar para a mesa uma proposta; mas se o não fizer, eu a mandarei, apesar de que s. ex.ª é muito mais competente, para a mandar e para a sustentar do que eu, entendo pois que não devo entrar agora na discussão d'este assumpto.

O artigo 2.° não comprehende nem os passaes, nem os baldios, nem as fabricas das igrejas, nem imagens, nem santos, que tambem têem bens de raiz. Aqui estão deputados do districto de Castello Branco que sabem, que ha ali uma senhora, parece-me que a Senhora do Carmo, que tem mais de 150:000$000 réis em bens de raiz que eu entendo que devem ser desamortisados, como o vão ser os bens das misericordias, porque se os bens dos hospitaes e das misericordias vão ser desamortisados, os bens d'aquellas irmandades devem ser comprehendidos no projecto de lei. E não se repita agora o que se disse aqui, quando se discutiu a lei de 4 de abril de 1861, que ella comprehendia já essas irmandades e confrarias, porque o resultado mostrou que no districto de Coimbra desamortisaram-se os bens das freiras e dos cabidos, mas não se desamortisaram os bens de alguns santos, pela rasão de não estarem comprehendidos na disposição da lei. Portanto, peço á commissão que adopte e amplie, o mais possivel, a providencia que se estabelece no projecto, porque entendo ser de grande vantagem, como se tem visto já pela desamortisação dos bens das freiras e como se está observando no districto de Coimbra.

Pela desamortisação dos bens do hospital de Coimbra, esses bens que até ali rendiam 1:400$000 réis, hoje que o hospital tem vendido parte d'esses bens em praça, possue em juros de inscripções 3:200$000 réis, tendo ainda para vender a quarta parte dos bens, quer dizer, que o hospital de Coimbra emquanto arrendava os bens tinha 1:400$000 réis, mas hoje que está vendida uma parte d'esses bens, tem o rendimento de 3:200$000 réis, isto é, mais do dobro do capital.

Ha outro ponto em que eu não posso concordar com a illustre commissão de fazenda e de administração publica, e vem a ser emquanto ao laudemio.

Esta questão de laudemio é uma questão velha, porque já foi suscitada por mim n'esta casa quando se discutiu a lei de 4 de abril de 1861.

Por essa occasião sustentei, e com boas rasões, tão boas que me tornei propheta, mas fiquei vencido pelo numero; que essa lei de 4 de abril não havia de dar resultado algum emquanto aos fóros, porque ella determinava que = se observasse na remissão dos fóros o pagamento do contrato para o laudemio =, inconveniente que eu logo notei, porque previa o que havia de acontecer. Não me enganei, porque o resultado foi que as freiras que tinham vinte mil foreiros, hoje os fóros que têem remido talvez não cheguem a cem! Têem sido esses fóros postos em praça, mas tem acontecido que ninguem os quer comprar.

Por isso, quando se discutir o projecto na especialidade, hei de mandar para a mesa uma emenda ao artigo 6.°, para que o laudemio para as remissões seja no capital das vinte pensões, e não seja como a commissão propõe.

Alguns membros da commissão já de alguma maneira modificaram a opinião que tinham quando se discutiu a lei de 4 de abril de 1861, porque já propõem o laudemio de quarenta pensões para todos os contratos, mas manda pagar o laudemio do capital da propriedade, o que no meu entender é inaceitavel, resultando que ha de acontecer com a lei em discussão o mesmo que aconteceu com a lei de 4 de abril de 1861.

Nós já vimos que o sr. ministro da fazenda, apresentando aqui um projecto de lei, que foi convertido na lei de 13 de julho de 1863 para a remissão dos fóros que estavam incorporados na fazenda nacional, permittiu no artigo 23.° que a remissão dos fóros fosse feita sem laudemio. Eu não vou tão longe; a minha opinião era que fosse completa, que não houvesse laudemio, mas como vejo que essa opinião poderia ter talvez meia duzia de votos na camara, quero ver se a commissão vem a um meio termo, concordando em que o laudemio seja sómente das vinte pensões, o que não é novo, porque quando se discutiu a lei de 22 de julho de 1846, lei que revogou o decreto de 13 de agosto de 1832, os legisladores trataram de dar n'essa lei grandes beneficios aos foreiros, mandando reduzir o laudemio de todas as pensões a quarenta. E ainda assim tanto esta lei não facilitava a remissão dos fóros, que o sr. ministro da fazenda veiu apresentar uma proposta de lei para se converter na lei de 13 de julho de 1863.

Fiz toda a diligencia, mas inutilmente, para ver se achava o projecto de lei tambem do sr. ministro da fazenda, o sr. Lobo d'Avila, que é o projecto que apresentou em 1862, para a desamortisação das confrarias, irmandades e misericordias. N'esse projecto, se a memoria me não falha, parece-me que s. ex.ª n'um artigo, supponho que o artigo 18.°, propunha que os laudemios fossem das vinte pensões, mas esta opinião não foi só de s. ex.ª, foi tambem do sr. Antonio José d'Avila, que em 1862, antes de saír do ministerio, apresentou um projecto assignado pelo sr. duque de Loulé, ampliando um outro projecto de lei, que tinham apresentado em 1857, em que tambem o laudemio era das vinte pensões e não do capital do fôro.

Por consequencia approvo o projecto, porque entendo que a desamortisação deve trazer grandes vantagens para o paiz, e porque entendo que as corporações religiosas e de beneficencia publica hão de tirar d'ella grande resultado, mas, como quero a desamortisação do coração, entendo que estes resultados não podem ter o andamento que devem ter, e que nem a propriedade póde ficar livre, sem que o laudemio seja das vinte pensões.

O sr. Aragão Mascarenhas: — Não contava com a discussão d'este projecto hoje, em consequencia do estado em que tinha ficado pendente hontem uma questão que me parecia que levaria hoje a sessão toda. Não estava, portanto, prevenido para esta discussão, no entanto entendo que devo dizer alguma cousa, ainda que muito pouco, porque não e posso deixar de lançar um quasi protesto e registar o meu voto, da minha opinião talvez seja só eu, e porque, pelo numero dos signatarios do projecto e pelas disposições em que vejo a camara, o projecto ha de ser approvado como está.

Por isso tenho poucas palavras que dizer, tomando parte na discussão da generalidade.

Adopto o principio geral do projecto, isto é, estender a desamortisação tanto quanto for possivel sem inconveniente.

Nós já aqui tratámos em outra occasião da desamortisação em larga escala, ou antes em duas occasiões, porque a lei da desvinculação foi tambem uma lei do desamortisação, e n'essas duas occasiões uni o meu voto ao dos meus collegas que votaram essas, leis, e votei tambem pela des e amortisação, mas por que se adoptou um principio, por que uma cousa é boa em geral, não se segue que o seja sempre, em todas as occasiões e em tudo, e que não tenha um unico lado desvantajoso por onde possa ser encarada.

N'este mundo, em politica, e em administração ainda mais do que em politica, nada ha que seja absolutamente bom, nem cousa alguma que seja absolutamente má. Todas as cousas têem de se accommodar ás circumstancias e ás conveniencias particulares.

Ora, adoptando eu, como adopto, a desamortisação n'uma parte do que o governo propõe, não posso acompanhar o governo nem os signatarios d'este parecer, quando estendem esta medida até ás misericordias e hospitaes.

O hospital e a misericordia não estão absolutamente nas mesmas circumstancias em que estão outras corporações, para quem nós temos determinado a desamortisação.

O hospital não póde prover aos meios da sua dotação por si mesmo, como póde prover uma camara municipal. Uma camara municipal, a quem hoje tirâmos os bens de raiz, se ámanhã os seus rendimentos de inscripções escassearem por qualquer fórma, tem acção propria, tem meios de ir crear um rendimento, que immediatamente vá cobrir o desfalque que porventura possa soffrer por falta de pagamento dos juros das inscripções; mas um hospital não tem esses meios.

Em Lisboa e Porto, e em certos pontos principaes do paiz, quando por um acontecimento qualquer as inscripções não rendessem, o estado manda 800:000$000, 1.000:000$000 ou 1.500:000$000 réis para o custeio dos hospitaes, mas na minha pobre aldeia e nas terras de muitos que aqui estão, o doente ha de morrer na lama, nas pedras da rua, porque o hospital póde dizer-lhe: «não nos têem pago os juros das inscripções, e não temos dinheiro para vos dar uma cama nem de comer». Esta é a verdade...

Lanço, portanto, aqui um protesto contra esta medida. Lanço este protesto porque desejo que o meu voto seja sempre conhecido, e porque não quero tomar a responsabilidade moral de se ir tocar na cama, nos alimentos e no receituario do pobre, que, diga-se com franqueza, é quem paga tudo; do pobre, que carrega com os enormes tributos das nossas alfandegas, porque a massa geral da população é quem paga esses tributos; do pobre, que trabalha; do pobre para o qual as unicas instituições que existem no nosso paiz são os velhos e antigos hospitaes e misericordias.

Por isto mesmo não devemos trocar esses bens por papeis, essas propriedades, que os bemfeitores particulares deixaram com esse fim especial, não podemos ir converte-las n'um papel de um valor ephemero, de um valor sujeito ás altas e baixas do mercado, á mais leve alteração da politica, á paz da Europa, e a tantos mil incidentes que nem a imaginação os póde alcançar. Vamos trocar por esse papel a propriedade seguríssima que têem hoje essas instituições, e dizer ao pobre: «Has de ter cama no hospital quando as inscripções forem pagas, e não a has de ter quando houver falta de pagamento».

E não sou eu que venho aqui propor uma excepção, é a camara, é o governo, somos nós todos, que já votámos uma excepção.

Como já disse, a lei da desvinculação foi uma lei de desamortisação em grande escala; e porventura não exceptuámos nós a casa de Bragança? E não digo isto para censurar essa excepção, porque aceitei então, e aceito ainda hoje, as rasões de conveniencia que ha para exceptuarmos a casa de Bragança. Entendo hoje, e entendi então, que fizemos muito bem exceptuando essa casa, porque havia n'isso conveniencias politicas.

Por consequencia aceitei essa excepção, mas se fomos respeitosos para com o thesouro, sejamos igualmente respeitosos para com o pobre e moribundo, que vae á porta do hospital pedir asylo. Não tenhamos menos respeito pelo pobre, do que tivemos pela primeira pessoa do estado.

Mas diz-se lá, que as inscripções são a cousa mais segura do mundo, são melhores que a propriedade, e que estes estabelecimentos d'aqui por diante é que vão ficar bem administrados, vão ter um rendimento solido e seguro, que hoje não têem. No momento actual as inscripções são cousa boa, e eu desejo muito, como portuguez, que ellas conservem o valor que hoje têem, porque desejo muito a prosperidade do thesouro publico e o credito nacional, tanto como qualquer dos outros meus collegas.

Mas póde qualquer dos meus collegas dizer com a mão na consciencia: «asseguro que d'aqui a cem annos as inscripções hão de valer tanto como hoje?» Quem nos póde dizer que os acontecimentos da guerra peninsular nunca mais se poderão repetir? Que não póde haver um caso de guerra? Que os acontecimentos de 1834 são a cousa mais impossivel de se poderem repetir? Que uma guerra entre a França, por exemplo, e a Inglaterra, que envolva Portugal, não ha de nunca ter logar? Ha alguem aqui que o possa affirmar?

Quem se atreveria a duvidar no tempo do marquez de Pombal de que um padrão do juro real não era cousa certa e segura? E se as misericordias tivessem trocado os seus bens pelos padrões de juro real, onde estariam os hospitaes, e onde se poderia abrigar um pobre?

As inscripções são cousa boa, mas de certo ninguem nos garante que o hão de ser d'aqui a um seculo, d'aqui a dois ou tres seculos. E de proposito fallo em seculos para não fazer politica do dia; como legisladores temos mesmo obrigação de olhar para o futuro.

Mas se ninguem me póde garantir que as inscripções hão de conservar sempre o seu valor, cousa que nem a propria moeda, nem a terra conserva; se ninguem ha, repito, que me possa garantir que esse valor ha de ser o mesmo e mais do que hoje, eu tenho fundadas rasões para pedir que se faça excepção a respeito dos bens dos hospitaes e misericordias.

E parece-me que estou já ouvindo dizer outra cousa. «Se achaes má a desamortisação com relação ás misericordias, para que a votastes com relação ás freiras, e para que a votaes com relação a outras corporações»? É porque os hos-

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pitaes se acham em circumstancias especialissimas. Votei a desamortisação dos bens das freiras, porque as freiras são destinadas a desapparecer; e como eu não quero freiras, tanto me importa que as inscripções tenham mais ou menos valor, porque em vida d'essas senhoras, sempre hão de ter valor com que ellas se possam sustentar. As camaras municipaes se tiverem desfalque no seu rendimento, o municipio occorre a esse desfalque. Os passaes dos parochos estão no mesmo caso; a auctoridade que distribue as congruas havia de tomar em consideração uma percentagem mais, para o parocho haver sempre a sua congrua. Mas o hospital que não tem influencia politica que o represente, esse é que ha de ficar mal, e contra este resultado é que eu hei de levantar sempre a minha voz.

O sr. presidente do conselho está presente, e eu desejava que s. ex.ª dissesse se quando assignou este projecto possuia no ministerio do reino os esclarecimentos necessarios que o habilitassem a formar uma opinião firme e decidida em materia tão importante. Desejava que s. ex.ª dissesse se colligiu uma estatistica dos bens dos hospitaes e misericordias; se se informou da maneira como estes bens eram geridos por estes estabelecimentos, á dos abusos ou boa administração que nos mesmos possam dar-se. Se se convenceu de que não havia meio, nem na sua auctoridade, nem por propostas que viesse aqui trazer, de remediar estes abusos (caso os houvesse) e de collocar estes estabelecimentos em melhores condições de administração do que aquellas em que se acham; e finalmente se viu unicamente esta medida extrema, como unico meio de melhorar aquelle ramo de serviço.

Tenho n'estas poucas palavras lançado o meu protesto, e não canso mais a attenção da camara.

O sr. Ministro do Reino (Duque de Loulé): — Sr. presidente, esta questão não é d'aquellas em que se tornam necessarias grandes investigações para a resolver. A desamortisação produziu um optimo resultado quando se applicou aos conventos das freiras: é por conseguinte permittido julgar que o mesmo resultado se obtenha, applicado ás corporações de que no projecto se trata.

O argumento principal de que o illustre deputado se serviu para combater esta medida em relação ás misericordias e hospitaes, podia e tinha igual applicação a todos os outros estabelecimentos, porque não se diga que as camaras municipaes podem ter, como uma varinha de condão, a possibilidade de substituir por outros os rendimentos que lhes faltassem. Haviam de ver-se em grandes embaraços para repentinamente poderem occorrer á falta que proviesse do não pagamento das inscripções. Mas ou temos fé que o nosso credito progride e ha de melhorar ou não; se temos fé, a medida ha de ser boa, se não temos fé então a medida é má.

O sr. Barros e Sá: — Não me levanto para impugnar o projecto em discussão que tem por si os bons principios da economia publica, os dictames da rasão, e o preceito de que na administração dos estabelecimentos, a que se refere, deve haver a maior simplicidade, porque só assim podem ser convenientemente fiscalisados; o meu fim é outro, é pedir alguns esclarecimentos ao governo.

Sinto não poder pedi-los directamente aos srs. ministros da fazenda ou da justiça, porque não estão presentes; mas estou persuadido de que o sr. ministro do reino terá a bondade de os substituir n'esta occasião.

Não posso prescindir d'estes esclarecimentos, em vista do que se diz no relatorio do governo: «Basta volver os olhos para a relação das remissões e vendas effectuadas em cumprimento d'aquella lei (de 4 de abril de 1861), para a seu tempo se apreciarem as vantagens auferidas pelas corporações, cujos bens foram comprehendidos na desamortisação, e os incalculaveis beneficios que d'ali se reflectiram no credito publico, no desenvolvimento da circulação, na largueza das transacções, e no augmento da riqueza nacional».

Eu tenho confiança em que da realisação d'este projecto, que estende a desamortisação a outras corporações que não foram comprehendidas na lei de 4 de abril de 1861, hão de resultar muitas vantagens ao publico na parte administrativa e economica; mas desejaria que esta confiança que tenho á priori fosse confirmada á posteriori pelos resultados que no relatorio se dizem já auferidos em consequencia da desamortisação dos bens das corporações religiosas.

Desejava pois que os srs. ministros, quando o poderem fazer, me informassem e á camara sobre os seguintes pontos:

1.° Qual a importancia, em titulos de divida fundada, que resultou da venda em praça dos bens ecclesiasticos, auctorisada pela lei de 4 de abril de 1861.

2.° Qual a importancia dos fóros, censos e pensões que têem sido remidos em virtude da mesma lei.

3.° Qual a execução que tem sido dada ás disposições dos artigos 8.° e 10.° das instrucções approvadas pelo decreto de 31 de maio de 1862 ácerca da arrecadação dos bens dos conventos supprimidos.

O projecto em discussão tem essencialmente duas partes. Uma dellas tende a melhorar a lei anterior de 4 de abril de 1861, facilitando a remissão e venda ali estabelecida, em vista das vantagens que tiraram por ella as corporações religiosas. E por isso parece-me que é occasião de sabermos com exactidão quaes os effeitos da mesma lei...

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Duque de Loulé): — Está tudo publicado.

O Orador: — Se está publicado posso ir procurar estas informações, e fica inutilisada a minha proposta...

O sr. Luciano de Castro: — No relatorio do sr. ministro da fazenda, apresentado este anno, bem como nos relatorios anteriores, vem a relação não só das remissões e vendas effectuadas no anno, e a sua importancia em inscripções, mas a de todas as remissões e vendas effectuadas depois que a lei de 4 de abril de 1861 se começou a executar.

O Orador: — N'esse caso fica só de pé o meu pedido relativamente ao terceiro ponto.

Como digo, as disposições d'este projecto tendem em parte a melhorar a lei de 4 de abril de 1861. N'essa lei, depois de se prescrever que fossem vendidos os bens das corporações religiosas que não tivessem sido previamente remidos, dispoz-se que os rendimentos dos bens dos conventos, canonicamente supprimidos, tivessem uma certa e particular applicação para sustentação do clero, dotação de estabelecimentos de caridade e instituições similhantes e analogas. Ora, sendo certo que muitos dos conventos, então existentes, foram supprimidos, e que outros estão nas circumstancias de o ser, porque não têem o numero canonico, o numero legal de religiosas para constituir communidade; eu desejava ainda hoje ou na melhor occasião ser informado sobre os seguintes pontos:

1.° Quaes os conventos de religiosas que têem sido supprimidos em virtude das leis em vigor.

2.° Qual a importancia dos bens que por virtude d'esta suppressão deixaram de ter a applicação ordenada no artigo 10.° da lei de 4 de abril de 1861.

3.° Qual a importancia das congruas que foram destinadas para sustentação das religiosas que existiam nos conventos supprimidos, com declaração de quantas preferiram continuar em clausura.

4.° Qual a execução que se pretende dar ao artigo 11.° da lei de 4 de abril de 1861 para regularisar a dotação do clero.

Estas informações que não são essenciaes para se votar o projecto de lei em discussão, que não são essenciaes, digo, aquelles que, como eu, têem uma opinião formada e a sua convicção estabelecida, podem, comtudo, fortificar-me a mim proprio, e, porventura esclarecer aquelles que ainda duvidam dos effeitos da desamortisação.

Isto posto, reservo-me para na especialidade tomar a palavra, em um ou outro artigo do projecto, e dizer o que entender a seu respeito.

O sr. Luciano de Castro: — Tenho a declarar que me reservava para dar explicações aos illustres deputados, quando tivesse usado da palavra maior numero d'elles. Parece-me que não convem á ordem da discussão que, logo que cada um falle, eu lhe responda, e que, pelo contrario, o que convem é que aquelles que tiverem a apresentar algumas considerações sobre o projecto em discussão, o façam, e eu responda depois a todos.

Feita esta declaração, limito-me por agora a dar ao sr. Barros e Sá os esclarecimentos que s. ex.ª pediu e que posso dar-lhe.

Pelo que respeita ás vendas e remissões effectuadas em virtude da lei de 4 de abril de 1861, já disse que era todos os relatorios do ministerio da fazenda consta qual o numero do vendas effectuadas em cada anno e a sua importancia em inscripções, e não só isso como tambem o numero de todas as vendas effectuadas desde que se poz em execução aquella lei.

E pelo que toca aos esclarecimentos que o illustre deputado pede relativamente á administração dos conventos supprimidos, não posso desde já satisfaze-lo, mas posso, em uma das sessões proximas, dar-lhe esses esclarecimentos particularmente, porque é negocio que corre pela repartição a que pertenço, e não officialmente.

O que posso asseverar é que se tem cumprido a lei, tem-se dado execução ás instrucções respectivas e têem sido postos em deposito os bens dos conventos supprimidos.

Por emquanto não posso dar mais -esclarecimentos e aguardo as observações que façam outros illustres deputados para poder responder a todos.

O sr. Freitas Soares: — Pedi a palavra não para impugnar a idéa geral do projecto de desamortisação, mas para combater os meios por que se quer realisar esta idéa.

Ouvi dizer ha pouco que = quem tivesse fé no futuro devia votar com facilidade o projecto, o que quem não a tivesse devia rejeita-lo =. Eu tenho fé no futuro, mas tenho mais fé nos principios, e creio que não póde haver fé no futuro sem a haver nos verdadeiros principios liberaes e economicos.

Não me opponho á idéa geral da desamortisação, porque é facil achar na lei fundamental do estado e nas leis vigentes, e sobretudo nos principios que nos regem, o meio de justificar a desamortisação; o que não acho nem encontro nos bons principios, principalmente da escola progressista, são rasões sufficientes para justificar os meios que se indicam para realisar a chamada desamortisação.

Digo chamada desamortisação porque o projecto é alcunhado de desamortisação, mas de que elle tem menos é de desamortisação.

A idéa geral do projecto vem a ser a ampliação da lei de 4 de abril de 1861 ás camaras municipaes, ás juntas de parochia, e aos estabelecimentos de caridade e de beneficencia.

Na maior parte d'estes estabelecimentos, se existe alguma propriedade amortisada, é por excepção. Não se póde dizer que a emphyteuse é uma amortisação. Se alguma propriedade existe n'estes estabelecimentos, que não está amortisada, existe por excepção da lei geral e por uma auctorisação especial. Portanto mal e indevidamente se póde dizer que este projecto, ampliado ás camaras municipaes, aos hospitaes e estabelecimentos de piedade, é um projecto de desamortisação.

Examinarei as rasões que moveram o governo a fazer a applicação do principio de desamortisação a estes estabelecimentos, para ver se por elles se póde chegar ao fim que se deseja.

Os fundamentos são principalmente tres.

Melhoramento do credito publico. A boa e regular administração dos bens excluidos da circulação.

A conciliação das boas doutrinas economicas com as conveniencias e interesses dos povos.

Começarei pelo ultimo d'estes fundamentos.

Não são verdadeiras doutrinas economicas nem verdadeiras conveniencias aquellas que offendem os fundamentos do systema liberal (apoiados). E eu vou mostrar em poucas palavras, porque nem quero cansar a camara, nem a natureza me concedeu os dotes de orador, que pelos meios indicados no projecto offendem-se evidentemente as liberdades individuaes, as liberdades sociaes, e as liberdades municipaes, que fazem a gloria e a força dos povos civilisados.

Estas liberdades são verdadeiros direitos naturaes, são os fundamentos do systema que nos rege.

Todos sabem, escuso de repetir aqui, o que se chama liberdade individual; mas o que não me será estranhado lembrar é que esta liberdade é complexa, e que convem muito ao legislador ter sempre em vista os elementos de que ella se compõe.

A liberdade individual comprehende, permitta-se-me a expressão, a liberdade corporal, a liberdade de acção, ou o livre exercicio da actividade individual e o livre emprego da propriedade e do capital, que são o fructo da nossa actividade.

Ora eu desejava que o governo me dissesse se effectivamente o meio aconselhado para realisar o grande principio economico da desamortisação, não offende na sua essencia uma d'estas partes da liberdade individual.

Porventura fica livre ao individuo o emprego da sua propriedade e do seu capital, que são o fructo da sua actividade? Não fica.

Eis-aqui como o meio indicado é, no meu entender, offensivo de uma das primeiras garantias do systema liberal, porque desde que não for acatada a liberdade individual, póde-se muito embora proclamar que existe o governo liberal, mas elle não existe effectivamente (apoiados).

Pelo menos eu não concebo verdadeira liberdade onde não ha perfeita iniciativa e perfeita responsabilidade, e pelo projecto a iniciativa é prohibida não só ao cidadão mas ao individuo.

Isto nasce de um grave erro herdado das monarchias velhas. Imaginâmos ordinariamente que entre o individuo e o estado nada existe, e quando chegâmos a uma certa altura, temos uma tendencia desgraçada para dar toda a força ao estado, entendendo que elle deve intervir em tudo.

Assim temos visto e vemos ainda hoje, o estado querer regular a nossa fé, querer educar os nossos filhos, querer fazer caridade por nossa custa (apoiados), e dentro em pouco creio que nos não deixarão senão o direito de pagar impostos. Ora é contra todos estes abusos que eu entendo, sem espirito de opposição, que nos devemos revoltar. Sem deixar de attender aos verdadeiros principios liberaes, o governo podia, meditando um pouco mais nos meios de realisar a sua idéa, respeitar os verdadeiros principios economicos sem offender o que fica acima d'estes principios, que são os principios moraes.

Dentro do estado dos individuos existem associações; existe o que se póde chamar sociedades, existem essas associações em virtude da força natural das cousas, a que chamarei primeiro, associações ordinarias, como confrarias, misericordias, hospitaes, etc. Existem as associações naturaes filhas da natureza das cousas, como são as municipalidades e parochias. Cada um d'estes individuos tem direito a ser respeitado pelo estado, porque são a derivação verdadeira dos direitos individuaes, e por este projecto, não digo bem, pelos meios escolhidos pelo governo para realisar as suas idéas, tudo isto fica grave e profundamente offendido (apoiados).

Portanto já se vê, que nem as boas doutrinas economicas e, sobretudo, as conveniencias e interesses dos povos não foram respeitados; e note-se que os interesses dos povos são os que podem servir para levar os poderes publicos a adoptar este meio do principio chamado desamortisação.

Uma outra base é (leu).

Já aqui disse que houve um pequeno descuido. Todos estes bens, a que se quer estender a desamortisação, estão em circulação; e se ha algum que o não esteja, isso é excepção.

Querer regular a boa administração, quer dizer, querer cortar os abusos servindo-se de outro abuso, não me parece que seja muito racional, nem conveniente. O meio de cortar o abuso é fazer o bom uso; e não se corta o abuso servindo-se de outro abuso; portanto parece-me abusivo o meio, e para nós todos é fóra de duvida que se devem respeitar os direitos dos cidadãos.

O outro fundamento, que eu creio que é o verdadeiro, e é bom dar ás cousas o seu verdadeiro nome, é o melhoramento do credito do estado; e realmente é o que é este projecto, e nada mais.

(Interrupção do sr. Ferraz de Pontes, que não se ouviu.)

O Orador: — O meu amigo sabe muito bem que não ha nenhum; só por excepção.

O sr. Ferraz de Pontes: — Se o nobre deputado me dá licença, direi que ha muitos hospitaes, muitas misericordias e muitas casas que têem muitos fundos em terras; têem grandes rendimentos com que se sustentam, por exemplo, o hospital de Ponta Delgada. É um hospital que o sr. Bento de Freitas Soares sabe que tem 30:000$000 réis de rendimento, e este rendimento procede todo de fundos em terras. Póde acreditar isto, porque estive ali e tive occasião de o saber.

Por conseguinte o que se não póde dizer é que estes estabelecimentos vivem só de predios que estão em circulação.

O Orador: — Agradeço as explicações que acaba de dar

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o illustre deputado; mas ellas não servem senão de confirmar exactamente o que eu disse. Disse que havia excepções, porque o illustre deputado sabe que não é permittido a nenhuma d'essas corporações possuir bens do raiz, e se os possuem, é requerendo ao governo essa excepção, e...

O sr. Ferraz de Pontes: — Quantas corporações ha que têem fundos em terras?

O Orador: — Não nego que as haja; o que sustento é que se não póde chamar a este projecto, um projecto de desamortisação, e que não é esse o seu fim principal.

As camaras municipaes não podem ter senão emphyteuses ou aforamentos, e não se póde dizer que isto é propriedade amortisavel. A maioria dellas não tem, ou se tem é requerendo a excepção da lei geral, e então a culpa é do governo. Portanto o illustre deputado ha de concordar commigo, que o fim principal do projecto não é desamortisar.

O outro fundamento é o melhoramento do credito do estado.

Este é o fim principal do projecto; é obrigar a trocar por inscripções um grande capital. Este é que é o fim, e pouco devia custar ao governo fallar com franqueza.

Mas será isto um meio de melhorar a fazenda publica, e será conveniente que se adopte este chamado meio de melhorar a fazenda com o sacrificio dos principios que nós devemos sustentar intactos, como são os verdadeiros principios politicos e verdadeiramente progressistas e constitucionaes?

Não valia a pena, porque o meio é apenas paliativo e nada mais.

O meio de melhorar a fazenda publica não é dar curso forçado aos titulos da mesma fazenda ou ás mesmas inscripções; e este projecto não é outra cousa. Parte d'este projecto é verdadeiramente uma lei de curso forçado ás inscripções, curso forçado para as camaras municipaes, para os hospitaes e para outros estabelecimentos, curso forçado para o paiz inteiro. Ora isto é legislar o descredito e não o credito da fazenda publica. Por conseguinte não entendo que este seja o meio de melhorar e acreditar a fazenda publica, se se quer effectivamente alcançar esse fim, e salvar o paiz do negro futuro que se deixa ver no modo como vamos a respeito de administração da fazenda publica, que se póde reduzir á formula geral de gastar mais do que se deve, de recorrer annualmente ao credito em larga escala. É esta ha muitos annos, sem fazer censura a governo nenhum, a formula geral por que administrâmos a fazenda publica. O futuro é desgraçado, pouca fé se póde ter em tal futuro, e principalmente quando nós não respeitemos os principios que nos podem salvar.

Vou concluir, porque não quero cansar a camara, e vejo que todos em geral acham bom o meio escolhido pelo governo para realisar a desamortisação.

Eu apenas sei de dois meios que podem salvar os povos e os governos quando se acham em risco: esses meios são — a justiça e a liberdade —, e os meios escolhidos pelo governo para realisar a idéa da desamortisação, á qual me não opponho, offendem, como já mostrei, a justiça, porque invadem os direitos do cidadão e invadem os direitos sociaes e os direitos municipaes; e offendem a liberdade, porque atacam os verdadeiros principios liberaes, como tambem já mostrei.

O sr. Pinto Coelho (sobre a ordem): — Pedi a palavra para requerer á camara que interrompesse esta discussão e passasse a qualquer outro objecto. O objecto de que se trata é importantissimo, e é um projecto eminentemente governamental: é assignado por tres dos srs. ministros, hontem veiu aqui um, hoje veiu outro; mas presentemente não está aqui nenhum: parecia-me por conseguinte conveniente sustar-se n'esta discussão. Eu não quero com isto fazer censura nenhuma ao governo. Sei que ha uma discussão importante na outra casa, aonde o ministerio foi talvez chamado todo; e como elle tem differentes deveres a cumprir nas duas casas do parlamento, se n'uma precisa estar todo presente, não póde estar na outra. Não lhe quero, repito, fazer censura nenhuma; mas parece-me que por deferencia para com a questão e importancia d'ella, nós devemos interromper esta discussão. Além d'isso, muitos collegas foram tambem para a outra camara, esta camara está em muito pequeno numero, eu teria algumas observações a fazer, outros dos meus collegas as têem de certo, porque vejo uns poucos inscriptos: por isso parecia-me conveniente, por interesse mesmo da questão, que se interrompesse a discussão, e se adiasse para o primeiro dia da sessão em que o ministerio podesse estar presente.

Proponho por conseguinte o adiamento.

Foi apoiado o adiamento e entrou em discussão.

O sr. Luciano de Castro: — Eu estou prompto para dar aos illustres deputados, que os quizerem, os esclarecimentos que estiverem ao meu alcance por parte da commissão, mas reconheço o inconveniente de não estar presente, pelo menos, o sr. ministro da fazenda, e por conseguinte, vistas as rasões que apontou o sr. deputado, parece-me que não havia nenhum inconveniente em se interromper a discussão para ámanhã, attendendo tambem ao adiantado da hora, e a ser a questão importante e grave (apoiados).

O sr. Presidente: — Nomeio para formarem a commissão de redacção os srs.: José de Oliveira Baptista, Antonio Pequito Seixas de Andrade e Antonio Gonçalves de Freitas.

Não ha na sala numero sufficiente de srs. deputados para a camara poder continuar a funccionar, por isso e pelo adiantado da hora levanto a sessão. Amanhã ha trabalhos em commissões, e a ordem do dia para sexta feira é a mesma que está dada.

Está levantada a sessão.

Eram mais de tres horas da tarde.

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