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N.º 31

EM 20 DE MARÇO DE 1899

Presidencia do exmo. sr. Luiz Berquó Poças Falcão

Secretarios - os exmos. srs.

Joaquim Paes de Abranches
Frederico Alexandrino Garcia Ramirez

SUMMARIO

Approvada a acta, nomeia o Sr. presidente a deputação que tem de ir cumprimentar Suas Magestades pelo anniversario de Sua Alteza o Principe Real e communica que estão sobre a mesa as contas da commissão administração. - Dá-se conta da correspondencia e faz-se a segunda leitura de dois projectos de lei, que são admittidos. - Participa o sr. Queiroz Ribeiro a constituição da commissão interparlamentar do paz o arbitragem. - O sr. Avellar Machado refere-se a quarenta e quatro requerimentos, que vae lançar na respectiva caixa, de officiaes do exercito, reclamando contra a base 17.ª do projecto de bases para a reforma do exercito.-Apresenta o justifica duas representações, em referencia á proposta de lei sobre serviços modico-legaes, o sr. Silva Amado. - Participa o sr. Frederico Ramirez ter desanojado o sr. Moraes Sarmento. - Apresenta quinze propostas de lei e o relatorio sobre administração ultramarina o sr. ministro da marinha.-Apresentam projectos de lei os srs. Francisco Machado e visconde da Ribeira Brava.

Na ordem do dia continua a interpellação do sr. João Franco sobre a questão da prata, terminando o seu discurso, começado na sessão anterior, o sr. Jeronymo Barbosa.-A requerimento do sr. Tavares Festas proroga-se a sessão até se julgar a materia discutida.- Usa da palavra sobre a ordem o ar. conde de Burnay, seguindo-se os srs. Alexandre Cabral o Marianno de Carvalho.- Esgotada a inscripção, são postas á votação as moções do ordem dos srs. conde de Burnay o Alexandre Cabral, sendo rejeitada a primeira e approvada a segunda. - Consultada a camara sobre o pedido do sr. conde de Burnay, que pretendia usar da palavra para explicações, foi resolvido negativamente. - Representações.

Primeira chamada - Ás duas horas da tarde.

Presentes - 8 srs. deputados.

Segunda chamada- As tres horas da tarde.

Abertura da sessão - Ás tres horas e dez minutos da tarde.

Presentes - 50 srs. deputados.

São os seguintes: - Abel da Silva, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Cariou Le-Cocq, Alfredo Cazimiro do Almeida Ferreira, Antonio Augusto Gonçalves Braga, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Antonio Simões dos Reis, Antonio Tavares Festas, Antonio Teixeira de Sousa, Arnaldo Novaes Guedes Rebello, Bernardo Homem Machado, Carlos Augusto Ferreira, Carlos José de Oliveira, Conde de Silves, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico Ressano Garcia, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, João Antonio de Sepulveda, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João de Mello Pereira Sampaio, João Monteiro Vieira de Castro, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Heliodoro Veiga, Joaquim Paes de Abranches, Joaquim Simões Ferreira, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José da Cruz Caldeira, João Gil de Borja Macedo e Menezes (D.), José Joaquim da Silva Amado, José Malheiro Reymão, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Matos, Julio Ernesto de Lima Duque, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Manuel Pinto de Almeida, Marianno Cyrillo do Carvalho, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro e Sebastião de Sousa Dantas Baracho.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Alberto Affonso da Silva Monteiro, Alvaro de Castellões, Antonio Eduardo Villaça, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto João da Cunha, Conde de Burnay, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco Silveira Vianna, Henrique Carlos do Carvalho Kendall, Jacinto Candido da Silva, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu e Lima, João Abel da Silva Fonseca, João Baptista Ribeiro Coelho, João Marcellino Arroyo, Joaquim José Pimenta Tello, José Adolpho de Mello e Sousa, José Benedicto de Almeida Pessanha, José Bento Ferreira de Almeida, José Dias Ferreira, José Eduardo Simões Baião, José da Fonseca Abreu Castello Branco, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Barbosa de Magalhães, José Maria Pereira de Lima, Lourenço Caldeira de Gama Lobo Cayolla, Luiz José Dias, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Telles de Vasconcellos e Visconde da Ribeira Brava.

Não compareceram á sessão os srs.: - Alfredo Cesar de Oliveira, Anselmo de Andrade, Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco, Antonio Maximo Lopes de Carvalho, Arthur Alberto de Campos Henriques, Conde de Idanha a Nova, Condo de Paço Vieira, Conde da Serra de Tourega, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior, Francisco Furtado de Mello, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Manuel de Almeida, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Henrique da Cunha Matos de Mendia, João Catanho de Menezes, João Joaquim Izidro dos Reis, João Lobo de Santiago Gouveia, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Ornellas de Matos, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Capello Franco Frazão, José Estevão de Moraes Sarmento, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Mathias Nunes, Leopoldo José de Oliveira Mourão, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro, Sertorio do Monte Pereira e Visconde de Melicio.

Acta - Approvada.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Presidente: - Tenho a communicar á camara que a deputação que ámanhã deve ir ao paço cumprimentar Suas Magestades pelo anniversario de Sua Alteza o Principe Real, será composta, alem da mesa, dos seguintes srs. deputados:

Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral.

Antonio Augusto Gonçalves Braga.

Antonio ferreira Cabral Paes do Amaral.

Antonio Tavares Festas.

Conde de Silves.

Eusebio David Nunes da Silva.

D. José Gil Borja de Macedo e Menezes.

José Maria de Oliveira Matos.

Libanio Antonio Fialho Gomes.

Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro.

A esta deputação podem aggregar-se todos os srs. deputados que assim o desejem.

Communico tambem á camara que estão sobre a mesa as contas da commissão administrativa, relativas aos periodos decorridos de 7 de julho a 4 de setembro de 1897 e de 18 de janeiro a 4 de junho de 1898.

Serão remettidas á commissão de fazenda.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio das obras publicas, remettendo copia do parecer da procuradoria geral da corôa e fazenda, pedida pelo sr. deputado Antonio de Menezes e Vasconcellos, em sessão de 28 de fevereiro lindo, ácerca de uma representação da companhia mineira metallurgica do Braçal.

Para a secretaria.

Da associação commercial do Porto, acompanhando dois exemplares do relatorio d'esta associação, referente ao anno findo de 1898.

Para a secretaria.

Telegramma

Da Feira - Em 16, ás 3 horas e 23 minutos da tarde.

A commissão vigilancia do comicio Feira protesta energicamente contra intervenção associações do Porto contra integridade concelho da Feira, caso sem exemplo, que tem irritado todos os feirenses. = Presidente, Costa.

Apresentado pulo sr. - presidente da camara, Poças Falcão, e enviado á commissão de administração publica.

Projecto de lei

Senhores deputados da nação portugueza. - A lei de 26 de fevereiro de 1892 dispoz no artigo 13.º § 2.º que nenhum augmento, por diuturnidade de serviço, seja concedido, emquanto durarem as disposições tributarias da mesma lei.

Uma tal disposição parecia attingir sómente aquelles que posteriormente á sua publicação viessem a completar o tempo que lhes dava direito ao augmento; pois de contrario dar-se-ía á lei effeito retroactivo e offender-se-íam direitos legitimamente adquiridos.

É certo, porém, que, não obstante ser uma lei de excepção, se lhe tem dado a interpretação mais desfavoravel; e d'ahi resulta que um distincto magistrado, actual juiz de direito da comarca de Castello Branco, o dr. Luiz Candido de Faria e Vasconcellos, que venceu o augmento do terço em 30 de outubro de 1889, está d'elle privado.

Esta conclusão é muito para notar-se, tanto mais que por lei de 13 de maio de 1896 foi mandado liquidar o tempo de serviço e abonar o terço ao juiz de segunda instancia, conselheiro Adelino Anthero de Sá, que, aliás, preencheu o tempo de serviço posteriormente á publicação da lei de 26 de fevereiro de 1892.

Para corrigir esta desigualdade, evitar uma errada interpretação de lei e resalvar um direito legitimamente adquirido, garantido pelo artigo 145.° § 26.° da carta constitucional, tenho a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É concedido ao juiz de direito de l.ª instancia, Luiz Candido do Faria e Vasconcellos, o terço por diuturnidade de serviço, a contar do dia em que completou o tempo indispensavel para esse fim.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 16 de março de 1899. = O deputado, João Abel da Silva Fonseca.

Lido na meça, foi admittido e enviado ás commissões de legislação civil e de fazenda.

Projecto de lei

Senhores deputados da nação portugueza. - A camara municipal do concelho de Celorico da Beira, inspirada no louvavel intuito de equilibrar o orçamento do municipio e occorrer á satisfação de encargos que lha foram legados pelas gerencias anteriores deliberou, com annuencia dos quarenta maiores contribuintes do respectivo concelho, elevar a percentagem dos impostos directos, addicionaes ás contribuições geraes do estado a 90 por cento.

É um aggravamento penoso, mas inevitavel, e em todo o caso preferivel ao systema de successivos emprestimos em que têem vivido as vereações transactas.

Carecendo esta deliberação da approvação do poder legislativo, tenho a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É auctorisada a camara municipal do concelho de Celorico da Beira a elevar a percentagem dos impostos directos municipaes addicionaes ás contribuições geraes do estado que hão de constituir receita para o anno de 1900 e seguintes, a 90 por cento, sendo 75 por cento para despezas geraes do municipio e l5 por cento para instrucção primaria.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 16 de março de 1899. - O deputado, João Abel da Silva Fonseca.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de administração publica.

O sr. Queiroz Ribeiro: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte

Participação

Tenho a honra de communicar a V. exa. e á camara que se constituiu a commissão interparlamentar de paz e arbitragem, tendo nomeado para presidente o sr. José Dias Ferreira e para secretario o sr. Pereira de Lima.

Sala das sessões, em 20 de março de 1899. = O deputado, Queiroz Ribeiro.

Para a acta.

O sr. Avellar Machado: - Communico á camara que vou mandar lançar na caixa de petições 44 requerimentos de officiaes de cavallaria, infanteria e engenheria, reclamando contra a base 17 do projecto de bases para a reforma do exercito, tal como está, porque affecta direitos adquiridos de duração secular.

Entre os requerentes figuram 5 tenentes coroneis e 12 capitães.

Opportunamente mostrarei á camara a rasão que assiste

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SESSÃO N.º 31 DE 20 DE MARÇO DE 1899 3

aos requerentes, que confiam plenamente em que o parlamento lhes fará a devida justiça.

O sr. Silva Amado: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa duas representações; uma da sociedade de medicina e cirurgia do Porto, e outra do conselho da escola medico-cirurgica de Lisboa.

A representação da escola medico-cirurgica diz o seguinte:

(Leu.)

A representação da sociedade de medicina e cirurgia do Porto é concebida nos seguintes termos:

(Leu.)

Pela leitura que acabo de fazer, se vê claramente que, tanto o conselho da escola medica, como á sociedade do medicina do Porto, que representa certamente bastante auctoridade, por reunir n'ella a maior parte dos medicos d'aquella cidade, demonstram claramente o grande serviço que prestou o sr. ministro da justiça, com a apresentação d'aquella proposta de lei, que tem realmente uma grande opportunidade e era uma verdadeira necessidade.

Todos concordam em que esta proposta de lei não é tão completa como seria para desejar; mas todos reconhecem ao mesmo tempo que pelas condições em que se encontra o thesouro, não seria possivel dotar os serviços mais largamente e fazer uma reforma mais completo.

Evidentemente, uma reforma ampla dos serviços medicos legaes, tinha, por um lado, de melhorar o ensino e tornal-o pratico; por outro lado, devia visar a constituir verdadeiros especialistas que dedicassem todo o nau estudo e todo o seu trabalho a esta ordem do serviços que são perfeitamente distinctos e alheios aos labores clinicos.

Por conseguinte, deveria haver uma organização analoga e que existe em alguns paizes, como na Allemanha e especialmente na Baviera, que a esse respeito, se póde considerar um paiz verdadeiro modelo, onde em cada conselho, digamos assim, ha um medico destinado á pratica da hygiene publica e um outro a da medicina legal. Este resultado seria o mais perfeito a que se podia aspirar, e que outros paizes mais ricos e de mais recursos do que o nosso, ainda não conseguiram obter.

Mas ter um medico que ao mesmo tempo se possa dedicar aos variadissimos serviços do hygiene publica e aos de medicina legal, parece-me que seria uma cousa exequivel, quando as condições do thesouro o permitissem. (Apoiadas.)

De resto ninguem pensa que actualmente se poderia obter uma reforma que attendesse do um modo tão completo a esta organisação dos serviços.

Ainda ha um outro ponto que não é menos importante e que vem a ser uma instancia superior para os recursos, para a revisão dos relatorios medico-legaes, e para as consultas, quando haja duvidas sobre ellas.

Do mesmo modo que, na organisação da magistratura, se considera era toda a parte a necessidade de haver instancias para os julgamentos, tambem se considera parallelamente para os serviços medico-legaes que tanta influencia tem nas decisões. Era preciso não só haver peritos e peritos verdadeiros, mas que os seus pareceres podessem ser revistos, e que se tivesse a convicção de que esta revisão se faria.

Assim, seria o unico modo de fiscalisar o serviço dos peritos; e não ha outro modo de exercer essa fiscalisação senão submettendo os seus relatorios a outros peritos competentes, de auctoridade incontestavel.

Portanto, se a proposta do sr. ministro da justiça não é tão completa, póde dizer-se, attende quanto possivel a estes pontos, sobretudo á reforma do ensino e á revisão dos processos.

Como inicio, esta proposta de lei é realmente muito digna de louvor e n'este ponto parece-me que as collectividades de tão grande valor, como são a escola medica e cirurgica de Lisboa e a associação do medicina e cirurgia do Porto bem fizeram em representar, porque alguns pontos podem ser modificados em harmonia com as suas idéas.

E sem querer antecipar-me, porque o assumpto ha de ser devidamente descutido na camara, julgo poder affirmar que algumas d'estas reclamações foram attendidas pelas commissões de direito criminal e de hygiene publica; e certamente outras poderão tambem ser ainda attendidas, ficando d'esta fórma a proposta de lei mais perfeita e em condições de poder ser approvada.

Podia a v. exa. que consultasse a camara sobre se autorisa a publicação d'estas representações no Diario do governo.

Tenho dito.

Consultada a camara, foi permittida a publicação.

As representações vão por extracto no fim da sessão.

O sr. Frederico Ramirez: - Pedi a palavra para participar a v. exa. e á camara que, tendo sido incumbido, em virtude de participação do sr. João Franco, de desanojar o sr. Moraes Sarmento pelo fallecimento de seu pae, o illustre parlamentar recebeu extremamente penhorado a manifestação da camara.

O sr. Ministro da Marinha (Eduardo Villaça): - Vou ler, e em seguida mandar para a mesa, o relatorio sobre administração ultramarina, acompanhado de quinze propostas de lei.

(Leu.)

Vão publicadas no fim d'esta sessão.

O sr. Presidente: - Vão passar-se á ordem do dia. Os srs. deputados que tenham papeis a mandar para a mesa, podem fazel-o.

O sr. Francisco Machado: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Barcellos, pedindo a abolido do imposto do portagem, na ponte de Celorico, da estrada real n.° 29, na freguezia de Encourados d'aquelle concelho. Mando tambem sobre este assumpto um projecto de lei.

(Leu.)

A representação vae por extracto no fim da sessão.

O projecto ficou para segunda leitura.

ORDEM DO DIA

Continuação da interpellação do sr. João Franco ao sr. ministro da fazenda
ácerca da questão da prata

O sr. Presidente: - Ficou com a palavra reservada na ultima sessão o sr. Jeronymo Barbosa.

Tem s. exa. a palavra para continuar o seu discurso.

O sr. Jeronymo Barbosa: - Continúa o seu discurso, começado na sessão anterior, e que, por falta de tempo, não póde concluir.

Será muito breve, porque não deseja fatigar a camara, e mesmo por estar convencido de que o assumpto já não carece de maior discussão.

As responsabilidades do governo estão bem liquidadas, desde que fallou o illustre chefe da maioria. Ha ainda, porém, outras responsabilidades a liquidar; e tanto assim é que elle, orador, ainda não sabe bem se o discurso do sr. Mello e Sousa foi de ataque ao governo ou de defeza do partido a que s. exa. pertence, como foram os do outros seus collegas.

Isto obriga-o a fazer ainda algumas considerações.

Refere depois o orador como o por que foi celebrado em 1891, com a casa Burnay, um contrato para a compra, em Portugal, de vinhos do Porto, até ao valor de 2:700 contos, para serem vendidos em Inglaterra, sendo o producto da venda invertido em prata, destinada a ser introduzida no paiz e amoedada.

Refere tambem, como, em janeiro de 1882, se celebrou novo contrato entre o governo, a mesma casa e o banco de Portugal, e como, n'esse mesmo mez, a casa contrata-

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4 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

dora celebrou com o Anglo foreing bancking, de Londres, um contrato para o fornecimento da prata ao preço de 48 7/8 pence por onça, tendo essa casa, que deu logo começo às operações, entregado ao governo até ao fim de l892, e por aquelle preço, a somma de 1:310 de prata.

Accentua, quo, por effeito da baixa no preço da prata, foi então que se levantavam duvidas sobre se convinha ao governo manter o preço estabelecido pela casa contratadora, e que tendo sido consultado o sr. director da casa da moeda, este apresentou ao governo um parecer em que claramente aconselhava a rescisão du contrato e a cessação de novas remessas de prata.

O sr. ministro da fazenda de então, que era o sr. Dias Ferreira, conformou-se com esta informação e despachou neste sentido, mas não teve tempo de fazer executar o seu despacho.

O governo que se lhe seguiu, consultou a direcção geral da thesouraria e a procuradoria geral da corôa, e ambas estas estações o aconselharam, no sentido de dever rescindir o contrato da prata; mas o sr. Hintze Ribeiro, então ministro da fazenda, depois de ter recebido da casa Burnay uma longa exposição, entendeu que a questão devia ser resolvida por arbitragem. Ficou ella, porém, sem andamento até que o sr. Ressano Garcia, em 20 de fevereiro de Ib97, realisou o contrato definitivo com a casa contratadora.

Pondera o orador que antes do despacho do sr. Hintze Ribeiro poderia alimentar-se a esperança de que todos concordavam no direito que assistia ao governo de rescindir o contrato, sem que para isso a casa contratadora tivesse direito a indemnisações; mas depois d'esse despacho ficou se sabendo que o sr. Hintze Ribeiro se inclinava a que eram devidas indemnisações, e que era contrario á rescisão do contrato.

Foi n'estas condições que o sr. Ressano Garcia encontrou a pendencia, quando assumiu a pasta da fazenda, e s. exa. que estava impossibilitado de rescindir o contrato, por effeito do anterior despacho ministerial, tambem não podia forçar a um accordo, favoravel aos interesses publicos, a casa contratadora, porque esta tinha a esperança de que a arbitragem lhe d'esse rasão.

Resolveu, portanto, fazer uma liquidação do contrato de 1891, e fel-o nas melhores condições que poude obter, salvaguardando os interesses do thesouro. E se estas condições não foram ainda mais favoraveis, a culpa não foi de s. exa.

Não quer fazer accusações ao sr. Hintze Ribeiro; mas as responsabilidades do contrato não pertencem a quem encontrou tudo perdido; pertencem a quem tudo deixou perder.

E, se s. exa. entendia que eram devidas indemnisações á casa contratadora, devia então apressar a resolução da questão, porque, quanto maior fosse a demora, maiores tinham de ser aquellas indemnisações.

Passando depois a responder aos argumentos do sr. Mello e Sousa, sustenta que o preço da prata, quando foi vendida, era differente do preço que ella tinha quando foi comprada, resultando que s. exa. calculou sobre quantidades heterogeneas para chegar á conclusão de que a perda tinha sido de 390 contos.

Quanto á venda das inscripções, acha elle, orador, perfeitamente natural a condição de ser ella feita dois pontos abaixo da cotação, por ser indispensavel dar uma margem para que podessem ser collocadas pouco a pouco no mercado. Se todas fossem offerecidas simultaneamente á venda, o preço baixaria immediatamente.

Depois de mais algumas considerações em defeza do procedimento do sr. Ressano Garcia, o orador passa a demonstrar que o sr. Espregueira, por meio do contrato com a casa Torlades, que possuia cambiaes, evitou uma depressão nos cambios, merecendo por isso os maiores elogios.

Quanto a ter o sr. Mello e Sousa lamentado que o paiz se conserve indifferente perante os actos do governo, deve observar a s. exa. que está enganado. O paiz não está indifferente, está tranquillo, e esta tranquilidade é o melhor signal de confiança que elle póde dar ao governo.

O paiz é o mesmo que ainda ha pouco luctava pelas suas liberdades e protestava contra uma dictadura que até lhe coarctava a livre expressão do pensamento. O paiz é o mesmo, o governo é que é outro.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.}

O sr. Tavares Festas (para um requerimento): - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro a v. exa. se digne consultar a camara sobre se permitte que se prorogue a sessão até se dar por terminada a discussão da interpellação. = Tavares Festas.

Foi approvado.

O sr. Conde de Burnay (sobre a ordem): - Começa por ler a seguinte

Moção

A camara, reconhecendo que os assumptos da interpellação envolvem questões complexas, que convem esclarecer completamente, passa á ordem do dia. = Conde de Burnay, deputado por Pombal.

Proseguindo, declara o orador que não se alongará muito na sua exposição, porque, tendo sido a sessão prorogada, não quer exercer violencia sobre os seus collegas, obrigando-os a conservar-se na camara até muito tarde.

É de opinião que a questão da prata, ao contrario do que tem sido affirmado, por parte da maioria, não está morta, e que até precisa ser ainda muito esclarecida.

Conhece, como a camara facilmente comprehende, melhor do que ninguem, a questão da prata, e por isso a vae expor detalhadamente, referindo-se não só aos documentos que estão publicados, mas ainda a outros, que o não foram o que para esclarecimento da questão são essenciaes.

Allude em seguida ás accusações que em uma das sessões anteriores, que ficou memoravel, lhe foram feitas pelo sr. Antonio Cabral, dizendo que de todas ellas póde perfeitamente defender-se.

Em abono d'esta asserção, cita varios factos.

Ha quem diga, accrescenta o orador, que os banqueiros estão no exercicio das suas funcções, quando contratam com os governos, e que, portanto, não deve ser estranhado que elles defendam os seus interesses. Aos governos é que compete precaver-se.

Assim o entende tambem; mas uma cousa é fazer-se negocio, outra é abusar-se da situação, fazendo-se perfeita agiotagem. É enorme a differença entre uma e outra cousa.

Pela sua parte, tem direito a dizer que pertence ao numero d'aquelles que procedem lisamente.

Quem chegou á posição que elle, orador, hoje occupa, vindo de simples caixeiro; quem possue o credito de que hoje gosa no estrangeiro, tendo a sua casa estabelecida ha quarenta annos, é porque sempre tem procedido correctamente.

E entrando agora propriamente na questão, vae expor o que foi o contrato iniciado em 1891.

Era ministro da fazenda o sr. Marianno de Carvalho. S. exa. ou antes o ministro de Portugal em Paris tinha assignado o contrato do supprimento para occorrer ás necessidades d'aquelle anno e do coupon; mas esse contrato, inesperadamente, deixou de ser cumprido. Foi então que o sr. Marianno de Carvalho, e elle, orador, refere estes fa-

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ctos, auctorisado por s. exa., se dirigiu a alguem, pedindo-lhe que procurasse os meios de rapidamente substituir o contrato que lhe falhára.

Para não alargar a discussão, apenas dirá que as difficuldades para se conseguir um contrato que substituisse aquelle, e que, por ultimo, effectivamente se obteve com as mesmas garantias e com uma economia de centos de contos para o thesouro, foram taes e tão grandes que o sr. Marianno de Carvalho, que não é homem que se surprehenda facilmente, dirigiu ao seu agente um telegramma dizendo: vous aves fait des merveilles. E não contente com isto, ainda enviou segundo telegramma em que dizia: «Felicito-o e nunca esquecerei os serviços que fez».

Cita estas phrases, porque partindo da pessoa do sr. Marianno de Carvalho, com quem n'aquella occasião não estava nas melhores relações, têem alto valor, porque significam quaes tinham sido as difficuldades enormes com que se tinha luctado para se conseguir o dinheiro de que se precisava e ainda com a economia sobre o primitivo contrato de centos de contos.

Foi no meio d'essas difficuldades que se imaginou o contrato da prata que o sr. Ressano Garcia, chamou engenhoso.

Sem indagar agora, de quem partiu a idéa, dirá comtudo que tal apreciação é lisonjeira, para quem a inventou.

Pensando-se nos vinhos, que era uma operação do commercio que curava, como se costuma dizer, a ferida do cão com o pello do mesmo cão, a casa Burnay fez a proposta de 23 de dezembro de 1891.

Essa proposta mereceu a approvação do ministro da fazenda d'aquella epocha, o sr. Mariano do Carvalho, do ministro que ao lhe succedeu, o sr. Oliveira Martins, e do governador do banco de Portugal, que então era o sr. Pedro de Carvalho. E não só mereceu a approvação d'essas entidades, mas mereceu a publicação de uma portaria em que se baseava o apoio que o banco deu á casa Burnay, emprestando-lhe 1:000 contos para se poder realisa essa operação, que o governo reputava utilissima n'aquelle, moment para o paiz.

Era condição d'essa proposta a compra do vinhos nacionaes, proprios para exportação, pagaveis em notas do banco do Portugal, fornecendo-se assim uma somma importante ao commercio dos vinhos. Essa somma foi-lhe fornecida tão promptamente, que, no espaço de quinze dias, todos os vinhos comprados estavam pagos.

O banco de Portugal concorreu com 1:000 contos e a casa Burnay com perto de 2:000 para que essa operação se realisasse.

A transferencia, dos vinhos fez-se rapidamente e a entrega da prata é que levou mais algum tempo, visto que ella havia de ser comprada com o producto da venda do vinho, e esta, como facilmente se comprehende, não era possivel realisar-se de um momento para outro.

Do proprio contrato se vê que não era obrigação da casa contratadora a entrega immediata da prata, pois tratando-se da venda de 16:000 pipas do vinho, n'elle se marcava o praso de seis mezes para a sua liquidação.

O preço por que a prata havia do ser adquirida, tambem estava fixado no contrato, visto que se estabelecia o maximo alem do qual esse preço não podia ir.

No mesmo contrato se marcava tambem que o governo não pagava commissão alguma.

Com um contrato d'esta ordem, accrescenta o orador, é claro que a casa contratadora tinha que se precaver contra as differenças do preço da prata, que em dez annos baixou quasi meio por meio.

No banco do Portugal estão alguns mimares de contos de prata amoedada; pois toda essa prata, mais de 1.350:000 onças, foi comprada pela casa Burnay.

Uma das grandes preoccupações do banco de França é tambem a depreciação que tem soffrido a sua reserva de prata, devida á depreciação que esse metal tem tido.

Ora, como a prata baixasse de preço, começaram logo a apparecer varias desculpas para não se receber a prata que constava do contrato, sendo uma d'ellas que não havia auctorisação legal para amoedar mais prata, o que fez com que uma das casas interessadas no contrato escrevesse uma carta dizendo que, se a não queriam receber, dessem ao menos uma indemnisação entre o preço por que essa prata foi comprada e aquelle por que havia de ser vendida.

Mas, disse-se ainda que não foram entregues as facturas da compra dos vinhos; e todavia essas facturas foram todas vistas pelo sr. ministro da fazenda. Se não foram publicadas, é porque em operações commerciaes d'esta ordem não é costume proceder-se assim.

Disse se mais que a casa contratadora não tinha exportado todo o vinho a que se havia obrigado. O vinho importava em 2:100 contou, e só deixaram de se exportar algumas centenas de pipas da colheita de 1891, que foi má, e que representavam o valor de uns 100 contos, o que era uma verdadeira insignificancia comparada com a somma total. E, n'este ponto, deve dizer que a procuradoria geral da corôa e a casa da moeda se equivocaram, confundindo a prata Standard com a prata fina, que são muito differentes.

Depois das desculpas a que já alludiu, concordou-se na arbitragem, e n'esse ponto estava a questão, quando entrou para o ministerio o sr. Ressano Garcia.

S. exa. quiz fazer uma operação no estrangeiro, e então a casa Burnay disse-lhe quo, havendo uma questão pendente, seria talvez difficil fazer essa operação. S. exa. chamou a si todos os documentos da questão, e examinando os, reconheceu que o direito assistia á casa Burnay, chegando-se, depois de alguma discussão, á celebração do contrato de 20 de fevereiro de 1897.

Por esse contrato fez-se um supprimento de £ 600:000 em oiro e recebeu o governo mais £ 400:000 para dar á praça de Lisboa.

As condições d'esse contrato eram de 6 1/2 por cento de commissão ao anno, quando até ali o costume, em operações identicas, era pagar-se 8 por cento. Nas successivas reformas manteve-se sempre a mesma commissão.

As 16:000 e tantas pipas do vinho exportadas para Londres foram vendidas em condições excepcionaes, com reclame extraordinario, n'uma grande sala repleta de compradores de todos os paizes, chegando-se a vender caixas de 12 garrafas a 18 sehellings, preço por que até ali em Londres nunca fôra vendido, conseguindo-se assim que esse producto entrasse no consumo de algumas classes menos abastadas que, até então, só quasi o conheciam de nome. A vantagem que d'esse leilão resultou foi enorme, pois augmentou muito a exportação, e fez com que algumas casas, como a sua, que não se occupavam d'esse commercio, hoje exportem vinho para Londres.

Não lhe parece por isto que se possa dizer com justiça que o contrato de 1891 só serviu para dar lucros á casa contratadora, mesmo porque elles foram de tal ordem que se alguem quizer os resultados que d'esse contrato advieram para essa casa, ella os dá por cinco tostões.

O prejuizo que esta casa soffreu com este contrato, affirma-o sob sua palavra de honra, foi superior á quantia que se diz ter ella ganhado, e se alguem puzer em duvida esta sua affirmação, póde pedir para verificar a escripturação d'essa casa que lhe será promptamente facultada.

Uma das rasões por que a prata não póde ser remettida immediatamente, foi porque em 8 de abril, tres mezes depois de feito o contrato, o governo officiava á casa contratadora, pedindo-lhe que promovesse o pagamento no praso mais curto de toda a divida fluctuante, de modo que o governo não tivesse que remetter papel para Londres.

Ora, francamente, não era possivel dar ao governo £ 150:000 em Londres e prata em Lisboa pelo mesmo

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valor, o que demonstra que o governo estava perfeitamente de accordo com a applicação do producto dos vinhos.

Dois são os factores n'esta questão da prata: um é o preço da prata, e outro o cambio do oiro com que ella se pagou. Em 1891 o preço da prata variou entre 48,75 que foi o maximo e 43,50 que foi o minimo, e em 1898 variou entre 28,31 e 20. O cambio em 1891 era de 41 e em 1898 variou entre 39 e 29 3/8. O preço da prata era por consequencia muito inferior, mas o cambio a que ella se havia de pagar, é que se tinha aggravado.

Durante o tempo em que a casa contratadora teve a seu cargo a regularisação dos cambios, este teve altas e baixas, mas nunca se deram as bruscas oscillações com que os pequenos soffrem e os grandes auferem grandes lucros.

E agora dirá que não póde deixar de lhe causar estranheza o facto de ter dito o sr. Ressano Garcia, quando, ha ha dias, fallou n'esta discussão, em justificação do contrato de 1897, que a casa Burnay era uma casa seria, e depois, referindo-se ao contrato de 1898, lhe chamasse chicaneira, quando s. exa., como ministro, depositou n'ella toda a confiança.

O orador já declarou que nunca a casa Burnay se recusou a acceitar a antecipação do pagamento. Na camara leu-se uma carta, em que essa casa dizia que não reconhecia ao governo o direito de substituir prata por inscripções, nem de antecipar o pagamento, o que era uma verdade; mas n'ella accrescentava-se tambem que, se o governo desejava fazer a antecipação, essa casa gostosamente se apressaria a fazer o que o governo lhe pedia.

Essa carta, porém, não teve resposta e o sr. ministro da fazenda foi tratar com outra casa, o que lhe causou estranheza, porque sempre o tratara com toda a deferencia. Cita o orador varios factos que o comprovam.

O governo recebeu a offerta de 16 por cento sobre inscripções, para poder levantar a prata, mas o sr. ministro da fazenda disse que não queria a prata, senão em troca de inscripções, o que, no entender do orador, era o mesmo que dizer que não queria fazer contrato, pois que se quizesse, teria feito em agosto o que depois fez em setembro.

Se s. exa. quizesse chegar a um accordo podia ter chamado a casa contratadora, que ella não se recusaria a isso; podia ter pedido ao banco de Portugal que lhe emprestasse a prata que tinha, para depois pagar com a que recebesse; podia, emfim, ter dito á casa Torlades que comprasse a prata que estava na casa Burnay, e assim não teria perdido nada.

O governo, porém, não quiz proceder assim, e foi dar a commissão de 2 por cento, que é exorbitante, que nunca se deu, a não ser por prata em rodelas.

A casa contratadora recebeu a commissão, mas nunca chegou a pagar a prata; nem sequer a recebeu.

A gravidade da questão, porém, está Em que a operação da prata, alem dos encargos que trouxe para o thesouro, trouxe a especulação cambial que se pretendia evitar.

E fez-se tudo isto, vendo-se que a casa que vendeu a prata não foi a mesma que a comprou, e que ella comprava as letras, retirando depois, no vencimento, todo o papel, para obrigar a pagar muito mais caro aquillo que tinha pago por menos dinheiro!

O sr. Presidente: - Observa ao orador que já decorreu o praso que o regimento lhe concede para usar da palavra.

O Orador: - N'esse caso põe termo nas suas considerações, sentindo ter que calar o muito que ainda lhe restava a dizer. N'outra occasião o fará.

Lida na mesa a moção, foi admittida á discussão.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)

O sr. Alexandre Cabral: - Sr. presidente, nos termos do regimento, começo por ler a minha moção de ordem:

(Leu.)

Sr. presidente, depois do que declarou perante a camara o nobre ministro da fazenda, em face das explicações dadas sobre este assumpto pelos illustres oradores d'este lado da camara, que me precederam no uso da palavra, julgo que posso affirmar com segurança o que consta da minha moção. (Apoiados.)

Sr. presidente, na ultima sessão legislativa, ao findar um debate como este, apaixonado e vehemente por parte da opposição parlamentar, levantava-se d'este lado da camara um dos membros mais distinctos do parlamento, que hoje se senta com inteira justiça n'aquellas cadeiras, e começava o seu brilhante discurso por uma phrase já duas vezes repetidas no decorrer desta interpellação: «a questão está morta».

Dois parlamentares a pronunciaram agora, mas com sentido diverso: com inteira verdade e com inteira justiça o sr. Ressano Garcia, e n'um sentido que não era verdadeiro, nem justo, o sr. Mello e Sousa.

E eu direi tambem, como o sr. Eduardo Villaça então dizia, que a questão está morta; e talvez o paiz j á nos censure por ainda nos occuparmos d'ella.

Liquidaram-se as responsabilidades do governo, demonstrou-se que elle procedeu como devia, provou-se que teria errado, se não procedesse assim. E por mais alevantados que tenham sido os esforços da opposição, por maior brilho que os seus oradores mais distinctos tenham posto nos seus discursos, não póde a questão resurgir, porque a questão morreu. (Apoiados.)

Eu vi e viu a camara que ella nasceu enfraquecida e enfezada no discurso do illustre leader da opposição o sr. João Franco. (Apoiados.) O sr. Luciano Monteiro, com o seu brilhantissimo talento, com aquelle brilho de palavra que tanto lhe admirâmos, não conseguiu dar-lhe novo alento. Não lhe deram tambem os calculos heterodoxos do sr. Teixeira de Sousa, parlamentar distincto e illustrado. Seguiu-se-lhe depois o sr. João Arroyo; e o seu discurso, tão primoroso na fórma, tão altisonante, que ficará registado nos annaes d'esta camara como peça oratoria de subido valor, afastando-se da orientação seguida por todos os outros oradores da minoria, não trouxe tambem á questão, que tão enfezada tinha nascido, nem vida, nem vigor. (Apoiados.)

Depois, o sr. Mello e Sousa, fugindo d'esta vez ao seu habito de fazer calculos sobre calculos, amontoando cifras sobre cifras, fez um discurso habil, incontestavelmente, em que procurou responder ao sr. Ressano Garcia e defender o partido regenerador e o governo, que tinha saído d'essa aggremiação politica, das accusações que o sr. Ressano Garcia lhe fizera, parecendo que, d'esta fórma, passou a opposição interpellante para interpellada, na defeza dos actos praticados por um governo do seu partido.

O sr. Mello e Sousa, com toda a habilidade que demonstrou no seu discurso, não póde dar vida á questão, já de todo extincta; mas, se alguma cousa houve no discurso de s. exa. que podesse fazer impressão na camara, isso já está inteiramente destruido pelo discurso do meu amigo o sr. Jeronymo Barbosa, a quem felicito pela sua estreia parlamentar. (Apoiados.)

Fallou, finalmente, o sr. conde de Burnay. O que s. exa. disse veiu simplesmente, a meu ver, defender o governo, a não ser no final do seu discurso, em que teve umas expansões de cholera por ver a sua casa preterida por outra em negociações d'esta natureza. A não ser isso, o que fez, principalmente, foi defender o governo. Não me parece, portanto, que a questão, que eu disse ter morrido, resurgisse depois das declarações de s. exa.

Este assumpto, que s. exa. considerou tão complicado e complexo, foi elle que o complicou, fallando da questão

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dos tabacos, do emprestimo de D. Miguel, do convenio com os credores externos, faltando-lhe apenas fallar, segundo aqui me dizem, do centenario de Santo Antonio. Parece-me todavia, que a questão é extremamente simples na sua essencia. Eu direi a v. exa. em que ella consisto.. .

Não. Perdoe-me v. exa. e a camara este mau proposito de fazer novamente a historia da questão, que tantas vezes tem sido repetida. Eu, que tanto careço da benevolencia da camara, não quero incorrer, não direi na sua antipathia, porque é extremamente amavel, mas na sua má vontade, fatigando-a, a esta hora da noite, em sessão prorogada, com a historia das negociações, que tantas vezes tem sido tratada o que ella já conhece era todas nu suas minucias.

Deixando, portanto, isso, vejamos quaes são as responsabilidades do governo.

Não me referirei, é claro, aos contratos de 1891 e 1892, porque o primeiro é da responsabilidade de um distincto parlamentar e estadista que tem voz n'esta casa, e s. exa. sabe bem como ha de defender os seus actos; alem de que esse contrato não tem sido atacado. O segundo foi referendado por um estadista, infelizmente já fallecido e cuja falta é extremamente sensivel á politica portugueza, e sobretudo ás letras patrias. (Apoiados) Esse estadista, Oliveira Martins, fez parte de uma situação cujo chefe, natural defensor dos actos da sua responsabilidade, tem tambem assento n'esta casa, o sr. conselheiro Dias Ferreira. Se esses contratos tivessem sido atacados naturalmente os dois illustres parlamentares teriam tomado a defeza d'elles. Não me referirei, como já disse, a esses dois contratos, mas apenas no que é puramente da responsabilidade dos dois governos progressistas de 1897 e 1898.

Antes, porém, referir-me-hei ao que disse o sr. conselheiro João Franco ao iniciar este debate. Começou s. exa. por dizer que esta questão tinha uma feição verdadeiramente escandalosa. N'esta questão, sã ha feição escandalosa, não lh'a dá o governo, cujo procedimento durante ella tem sido sempre prudente, correcto e harmonico com os verdadeiros interesses do paiz. (Apoiados.)

Quem lha dá é a opposição, tratando-a como a tratou nos artigos dos seus jornaes, e trazendo-a para aqui (como direi eu?) embrulhada nas apreciações apaixonadas dos seus oradores. (Apoiados.)

Disse mais s. exa. que os documentos publicados no Diario do governo relativamente a esta questão produziriam no estrangeiro uma impressão extraordinaria e trariam comsigo o descredito do paiz. A esse respeito direi a s. exa. que póde estar descansado.

As nossas difficuldades financeiras são bem conhecidas lá fóra, o que é mau certamente, mas existem na realidade, o que é peor; mas disto não é culpado o governo. (Apoiados.} O que póde causar má impressão lá fóra é tornar os nossos embaraços financeiros conhecidos, uso pelo que elles são em si, mas por se frisar que a culpa d'este estado de cousas, que propositadamente se aggrava e exagera, é dos governos, pelo mau tino com que têem dirigido os negocios publicos, quando n'isso aliás nenhuma responsabilidade cabe ao actual. (Apoiados.) A culpa de existir lá fóra uma verdadeira desconfiança para com os governos do nosso paiz não é do actual ministerio, mas sim da opposição regeneradora por trazer, como disse, para aqui estas questões apaixonadas, quando deviam ser tratadas de outra fórma. (Apoiados.)

Mas, sr. presidente, não deixarei de notar, n'esta occasião, que, ao passo que a opposição traz este debate ao parlamento e, durante oito ou dez dias, não deixou passar um unico sem fallar na questão do convenio, deixou seguir, sem o menor estudo, a reforma administrativa, quando o governo não tinha intuito politico com essa proposta e apenas procurava melhorar a lei, introduzindo-lhe modificações que a pratica tinha aconselhado que n'ella fossem introduzidas. (Apoiados.)

Mas bom foi que esta questão viesse á camara, porque o governo sáe d'aqui perfeitamente limpo, e toda a gente fica convencida do que teve um procedimento legal e honrado; (Apoiados.) o a opposição ha de ficar arrependida de ter travado este combate. (Apoiados.)

Eu disse ha pouco que não me referia aos contratos de 1891 e 1892, nem faria a historia da questão, que estava largamente feita, em todos os detalhes, e referir-me-ia apenas ao que fosse da responsabilidade do governo pelo contrato de 1897 e actos subsequentes do actual sr. ministro da fazenda; e, n'esse ponto, querendo referir-me ao que disse o sr. conde de Burnay, encontro-me em uma grande difficuldade para responder a s. exa.

Tomei as minhas nulas; mas encontro-as por tal fórma embrulhadas, porque s. exa. tocou n'um assumpto, passou para outro, andou de trás para diante e de diante para trás, que, francamente, não me entendo com os meus proprios apontamentos, nem de fórma alguma os percebo!

S. exa. dividiu o eu posso dividir o seu discurso em tres partes: uma - o réclame da sua pessoa e da sua casa; outra - a defeza dos actos d'este governo e dos governos anteriores; a terceira foi (como direi?...) a desforra por o sr. Espregueira o ter posto fóra das negociações da prata.

Relativamente á primeira parte do seu discurso, direi que não sei só s. exa. aproveitaria bem a sua qualidade de deputado para vir fazer aqui o reclame da sua casa de banqueiro; mas, com isso nada tenho.

Com relação ao ponto, que foi o mais largo do seu discurso, em que defendeu não só este governo, mas todos os governos anteriores que intervieram na operação, e especialmente o contrato feito pelo sr. Ressano Garcia, tambem não tenho que dizer: concordo completa e absolutamente com o que s. exa. disse.

Agora passarei á parte final do seu discurso, e procurarei ver se alguma cousa respigo no meio dos meus confusos apontamentos.

Começou s. exa. por declarar á camara que, logo que soube que o sr. Espregueira tinha sido bem recebido por importantes banqueiros estrangeiros (o que é natural, pelos seus merecimentos o pela qualidade especial de ministro do gabinete portuguez), telegraphou ao seu representante em Lisboa, de onde estava ausente, para que fizesse constar este facto.

S. exa. entendo que fez por esta fórma um altissimo serviço ao paiz e em especial ao sr. Espregueira. Creio que o sr. ministro da fazenda não podia deixar de ser bem recebido pelas casas estrangeiras; mas quer-me bem parecer que, se o nobre ministro tivesse ido ao estrangeiro depois do dia 4 de outubro, e, se o er. conde de Burnay o soubesse, talvez se não apressasse a telegraphar para a sua casa, a fim do dar conhecimento á imprensa de que o sr. Espregueira tinha sido bem recebido... (Apoiados.)

O sr. conde de Burnay, referindo-se á compra da prata feita á casa Torlades com uma commissão de 2 por cento, entendo que essa commissão é exorbitante.

Direi á camara, e não á novidade, porque foi dito aqui, que já se fizeram transacções d'esta natureza com commissões de 3 por cento, e o sr. Marianno de Carvalho já o confirmou.

A commissão de 2 por cento não é, pois, exorbitante, visto que já se fizeram transacções a 3; e o sr. Marianno de Carvalho, que então era ministro, não foi, nem podia ser, attentas as circumstancias da occasião, accusado por isso.

Agora accusam o sr. Espregueira de as fazer a 2 por cento, isto é, por um terço menos?

Mas quem analysar o Diario do governo, onde vêm publicados os documentos relativos a esta questão, vê que, em 9 de setembro de 1898, o governo pediu ao sr. conde

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de Burnay a entrega da prata, que pertencia ao estado, e elle possuia como caução de supprimentos da sua casa bancaria.

Trocaram-se varias telegrammas, até que apparece um do sr. Burnay, de 14 de setembro. Depois d'essa data só encontramos no Diario do governo um telegramma do sr. Burnay, de 4 de outubro. Note v. exa. o intervallo de 14 de setembro a 4 de outubro.

Passaram vinte dias; e durante esse tempo esteve o sr. ministro da fazenda sem receber telegrammas, nem officios, nem cartas, nem cousa alguma.

Todavia, o sr. conde de Burnay ainda ha pouco nos disse que, alem d'estes documentos publicados no Diario do governo, ha mais officios, mais telegrammas o mais cartas; elle, que escreve tanto, que não faz senão telegraphar, officiar e escrever, durante vinte dias nada, absolutamente nada, disse ao governo a respeito da prata, cuja entrega lhe pediam.

Porque foi em 4 de outubro que o sr. conde de Burnay resuscitou e veiu com o seu telegramma offerecer prata ao governo? Foi porque no dia 3 se tinha fechado o contrato para a compra da prata á casa Torlades. E o que pareço.

O governo tinha pedido ao sr. Burnay que entregasse a prata, e o sr. Burnay respondera com subterfugios e propostas de novas operações.

O sr. ministro da fazenda pedia-lhe simplesmente a entrega do metal, recebendo em substituição d'esse penhor titulos da divida interna, como era direito do governo por virtude das estipulações dos contratos de 20 de fevereiro de 1897.

S. exa. offerecia-se para arranjar mais prata; e perguntava: «Quantas libras querem?» Isto consta dos documentos.

Desde 14 de setembro até 4 de outubro o sr. conde de Burnay nada disse.

N'esta data expediu um telegramma de Paris, offerecendo-a. No dia seguinte repetiu a offerta em officio, agora com estranha insistencia-elle que durante vinte dias emmudecêra.

N'esse officio expunha as condições da nova offerta.

O custo da prata seria adiantado ao juro de 6 por cento, a commissão de compra de 1/4 por cento, a corretagem de l/8 por cento, e os adiantamentos seriam caucionados por titulos da divida interna.

Era realmente muito mais barata a commissão do que a da casa Torlades; mas, então, note a camara, já era conhecido e sabido que havia uma casa que fornecia a prata com 2 por cento de commissão. E, quando um negociante sabe que outro vendeu um objecto, que o contrato está ultimado e o comprador não carece de mais, nada perde em dizer que vendia igual mercadaria por preço muito inferior.

O sr. Conde da Burnay: - Eu já tinha uma proposta antes, em 23 de agosto.

O Orador: - Antes?! Mas não a vejo aqui, nos documentos do Diario do governo

(Apartes.)

O sr. Conde de Burnay: - É porque não está publicada.

O Orador: - Admira-me que s. exa., tendo occupado a attenção da camara durante uma hora e um quarto a fallar de si, (Apoiados.) a fallar dos titulos de D. Miguel, da questão dos tabacos, do convenio, de tudo, emfim, (Apoiados.) não lesse documentos que esclarecessem a questão. (Muitos apoiados.)

Porque effectivamente o sr. Burnay começou por declarar a v. exa. e á camara que elle era dentro d'ella a pessoa que melhor conhecia, o assumpto sujeito ao debate.

Mas, n'esse caso, entrando s. exa. na discussão, por que o não fez minuciosamente? apresentando todos os documentos que a esclarecessem, em logar de se entreter com largas divagações que nada elucidaram a questão, para vir agora...

(Interrupção que não se percebeu.)

Peço perdão: v. exa. fallou do convenio, (Apoiados.) fallou dos titulos de D. Miguel, (Apoiados.) fallou dos tabacos, fallou de tudo, mas não apresentou nem se referiu a esses documentos. (Muitos apoiados.)

Mas, sr. presidente, voltando á questão, declarou o sr. conde de Burnay que era elle o homem mais habilitado para a esclarecer; mas eu não vi, francamente, senão que s. exa. estava convencido de que o sr. Ressano Garcia tinha procedido muito bem, e até o elogiou, a principio. Depois censurou-o, e muito, porque o illustre ex-ministro disse que a casa Burnay tinha feito chicana com os seus officios, com as suas circulares e com os seus telegrammas.

Ora, francamente, não posso deixar de dizer que o sr. Ressano Garcia teve rasão.

Pois então o sr. ministro da fazenda não dizia ao sr. Burnay que o thesouro carecia de receber a prata para amoedar, dando-lhe titulos da divida publica interna para substituir essa caução?

Dizia.

E que respondia s. exa.?

Nada de positivo.

Não declarava clara e francamente: dou ou não dou. (Apoiados.)

Disse sempre: «Dou a prata, mas olhe que ha mais uma operação que talvez lhe convenha; os prestamistas querem isto; não sei se lha poderemos dar d'esta ou d'aquella fórma.» Não dava nunca uma resposta clara e terminante. (Apoiados.) Tudo eram subterfugios.

Não será isto chicana? Este é um termo consagrado no fôro; e eu creio que o sr. Ressano Garcia não teria usado d'elle, se não fosse perfeitamente parlamentar. (Apoiados.)

Mas, a não ser n'este ponto, o sr. conde de Burnay applaude em tudo o sr. Ressano Garcia, porque tendo-se convencido de que a casa Burnay tinha rasão, quanto ás duvidas que se suscitaram desde 1893, tinha-lha dado; e era muito melhor isto, do que esperar eternamente a decisão do tribunal arbitrai, que não se tinha constituido. (Apoiados.)

O sr. Ressano Garcia deu rasão ao sr. Burnay n'aquillo que entendeu que elle a tinha, e procurou depois fazer com elle um contrato favoravel para o thesouro, o obteve-o. Porque é que o sr. Ressano não o havia de fazer?

Pois foi pouco que descesse o preço lixado para a prata de 42 7/8 por onça, para 38? (Apoiados.) Pois foi pouco liquidar esta questão, que estava preoccupando o sr. ministro da fazenda, que tinha mais que fazer e em que pensar? (Apoiados.)

Sr. presidente, eu disse a v. exa. que desejava responder ás observações do sr. conde de Burnay; mas comecei tambem por dizer que s. exa. as tinha apresentado por uma maneira tão confusa, que eu não poderia facilmente discriminal-as e seguil-as.

Não sei, pois, se respondi claramente á ultima parte do seu discurso; mas a camara, que ouviu os distinctos oradores que fallaram sobre este assumpto, deve estar convencida de que o sr. Espregueira procedeu como devia e não podia ter procedido de outra maneira. (Apoiados.)

Desde que a tremenda crise exigia como prompto remedio a amoedação da prata, e o sr. conde de Burnay se recusava a entregar a que tinha em seu poder, como caução de supprimentos de sua casa, o meio que se antolhava era a acceitação da offerta equitativa e rasoavel da casa Torlades.

Disse aqui tambem o illustre parlamentar, o sr. João Arroyo, que as responsabilidades d'esta questão não eram tanto do ministro da fazenda, que foi, nem do actual,

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camo do sr. presidente do conselho; e entendia-o s. exa. assim porque, tendo ella sido tratada por dois gabinetes progressistas, sob a presidencia do sr. João Luciano, a elle pertencera as principaes responsabilidades, tanto mais que era certo que s. exa. não era um presidente de situação, como outro qualquer, não era um mero collector das iniciativas individuaes dos titulares das diversas pastas, mas sim um presidente, que governava, que intervinha na organisação intima dos serviços de diversos ministerios.

Ora, isto não é assim. (Apoiados.) O sr. José Luciano é o presidente respeitado do gabinete, como é o chefe prestigioso o querido do partido progressista. No seio do governo todos ouvem o seu conselho, como dentro do partido todos acatam as suas opiniões, (Muitos apoiados.)

Mas, em todo o caso, ha uma grande differença entre o respeito que o seu conselho merece, e a obediencia cega ás suas determinações; (Apoiados.) e nem os ministros são do molde a obedecer cegamente, nem o sr. José Luciano é capaz de impor a sua vontade. (Apoiados.)

O sr. Ressano Garcia já n'outro dia accentuou que no partido progressista havia um só chefe, e todos os outros eram soldados. Effectivamente assim é.

Todos soldados: uns na primeira fila dos combatentes, como os ministros que são, os ministros que foram o os chefes parlamentares; outros, como eu, o mais infimo de todos, na ultima linha da reserva, mas todos no posto de honra, promptos a entrar em todas as luctas e em todos os combates. (Apoiados.)

Sr. presidente, o illustre deputado, o sr. João Arroyo, tambem ha dias, não na discussão d'este assumpto, mas n'um lever-de rideau, como espirituosamente lhe chamou a sr. Ressano Garcia, fez umas referencias aos diversos ministros que só encontrara nas cadeiras do poder; e, começando pelo sr. conselheiro José Luciano de Castro, s. exa. esqueceu-se de dizer que o sr. presidente do conselho é a garantia mais segura da liberdade e da ordem n'este paiz, que entrou em uma nova era de legalidade, desde que para as mãos de s. exa. passou a direcção dos negocios publicos. (Apoiados.)

Disse que o sr. João de Alpoim era muito estimado pela maioria parlamentar, mas não accrescentou que o é como merece sel-o, pelo brilho do seu talento, pela bella fluencia da sua palavra, pelo estylo fulgurante da sua penna. (Apoiados.)

Referiu-se ainda ao sr. Espregueira, mas não disse que justamente n'esta questão, em que s. exa. o visava directamente, alcançou o sr. ministro da fazenda o seu maior titulo de gloria, porque, resolvendo a como resolveu, s. exa. procedeu como um verdadeiro estadista, que sabe dar aos negocios publicos a solução acertada que, elles deverão ter. (Apoiados.)

Alludiu tambem ao sr. Sebastião Telles...

O sr. Arroyo: - O sr. Telles é o que está na masmorra?

O Orador: - Não é o que está na masmorra: é o que está, como deve estar, nos conselhos da corôa, (Apoiados.) e de quem s. exa. não disse, que o partido regenerador quizera confiar-lhe a pasta da guerra, quando esteve no poder. Devo, portanto, s. exa. conhecel-o bem e saber que é pelo seu talento, pelo seu conhecimento das cousas militares, que elle occupa aquelle logar. (Apoiados.)

(Interrupção do sr. Arroyo.)

Já lá não está; a discussão já terminou na commissão de guerra e o projecto já foi publicado e até distribuido.

Referiu-se ainda s. exa. ao sr. Beirão, mas esqueceu-se de que o sr. João Franco ainda ha, poucos dias lhe fizera aqui uma justa referencia, dizendo que o nobre ministro era um valiosissimo jurisconsulto; mas não é este o unico motivo por que s. exa. occupa dignamente um logar no governo. Pelo seu caracter e pela honestidade da sua vida publica impõe-se á admiração de todos nós; e, se é certo que a alguns correligionarios deu s. exa. motivo de magua, breve dava a conhecer que essa magua não devia existir, porque acima de tudo punha o interesse publico e aquillo que entendia que era justo.

Alem d'isto, desde que s. exa. gere a pasta dos estrangeiros, nenhum attricto se tem levantado com as nações estrangeiras, e, se alguns têem existido, s. exa, tem sabido removel-os de fórma tão digna e correcta, que nem sequer têem transpirado. (Apoiados.)

Do sr. Eduardo Villaça disse s. exa. que elle era amigo de nós todos; mas não accentuou que é um dever para todos nós estimar e respeitar o illustre ministro da marinha, tendo s. exa. o coração que possue e a intelligencia que todos lhe reconhecem; (Apoiados.) assim como nos não disse, em referencia ao sr. Elvino de Brito, que s. exa. é um trabalhador incansavel, um homem que, quer como burocrata, quer como ministro da corôa, tem mostrado ao paiz que trabalha quanto póde, que trabalha mais do que deve, que trabalha sempre e sempre bem orientado. (Apoiados.)

Sr. presidente, estes são os ministros que são; os que foram, e que têem tambem responsabilidades n'este contrato, são tão distinctos como estes; (Apoiados.) e eu pergunto se homens assim podem deixar de assumir todas as responsabilidade n'esta questão, e se era preciso ir pedil-as ao sr. José Luciano de Castro?

Quando o ministro da fazenda é o sr. Espregueira e o da ultima situação foi o sr. Ressano Garcia, pergunto se o sr. José Luciano de Castro póde ter alguma duvida em assumir a responsabilidade d'esta questão?

O que elles não quizeram foi assumir outras responsabilidades, ainda ha poucos dias aconselhadas pelo sr. Mello o Sousa, quando nos dizia que era melhor fazer dictadura rasgada do que acobertar-se o governo com os votos da maioria; o que elles não quizeram foi rasgar as leis fundamentaes do paiz; (Apoiados.) o que elles não quizeram foi trazer para si encargos como o da celebro troca dos predios do Porto e dos conhecidos desastres diplomaticos. Isso é que são verdadeiros trambolhos - a palavra é do sr. Mello e Sousa - presos ás pernas do partido regenerador! (Apoiados.)

Em vista de tudo isto e do mais que podia dizer, se não temesse cansar a attenção da camara, pois estamos em sessão prorogada e são mais de sete horas da noite, faço á camara uma pergunta, a que, o paiz já respondeu: - Devemos, ou não, ter confiança n'aquelles homens? (Apoiados.)

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi cumprimentado por todos os ministros presentes e por muitos srs. deputados.)

A moção foi admittida á discussão.

O sr. Marianno de Carvalho: - Começa dizendo, que chega tarde, mas por sua vontade.

é seu costume ser dos ultimos a pedir a palavra por um sentimento natural de modestia que lhe faz nutrir o desejo de se esclarecer, com as reflexões feitas pelos seus collegas, e n'esta questão principalmente, porque tem visto que n'ella quasi se tem tratado só de interesses de casas commerciaes e de cousas inuteis, passando se por alto sobre a questão principal, que não é pouco importante.

A discussão tem por vezes assumido um tal caracter que ao orador se lhe afigura estar n'um collegio de meninos em que andam a aprender a conjugar o verbo herdar. Tanto se tem fallado em heranças e legados.

Fallou-se na herança deixando ao sr. Dias Ferreira, na herança legada ao governo regenerador, na que d'estes passou para o governo progressistas, etc., e não lhe parece que isto venha nada para a questão; entretanto tambem vae dizer a situação que herdou em 1891.

Então, devia herdar 18:000 contos dos tabacos, mas herdou 11:000 contos a pagar em julho, 15.000 a pagar em dezembro e 600 contos, a todo, a receber.

Mas deixando isto, em que elle, orador, só uma vez

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fallou em defeza propria, vae occupar-se do assumpto por maneira a ver se póde conseguir que o paiz perceba alguma cousa do que é esta questão, mais emaranhada do que a celebre charada latina de Plinio.

Como n'essa charada, ha prata que vem a Lisboa sem vir, prata que são de Londres sem sair, prata que regressa a Londres sem regressar, prata que fica em Lisboa sem ficar, prata que deu lucros sem dar, e finalmente prata que existiu sem existir, porque se existiu foi na massa dos impossiveis, de onde nunca ninguem a conseguiu arrancar.

A tal prata não foi senão um formidavel aventesma para o thesouro, de que não resultou nenhum beneficio, uvas grandes prejuizos.

Não acompanhará o orador que o precedeu na ladainha de todos os santos, entoada a todos os ministros, nas investidas ao partido regenerador, nem na declaração de que a questão está morta. D'isto pede desculpa, mas vae cingir-se unicamente ao fim que se propoz, quando pediu a palavra.

Foi accusado, em defeza do governo, de ter dado 3 por cento de commissão pela compra da prata. Como resposta indica os contratos d'esse genero que fez, em que não houve commissão ou em que ella foi apenas de 1/4, explicando que se no de l891 deu a commissão de 3 por cento, foi porque não se tratava simplesmente de prata standard ou prata fina, umas de prata em rodelas, já prompta para amoedar.

Foi professor de mathematica do sr. Ressano Garcia, trouxe-o pela sua mão para a politica, mas hoje é obrigado a reconhecer que o discipulo excedeu o mestre; tal foi a admiração que lhe cansou o engenhoso discurso por s. exa. proferido n'esta discussão.

Havia dito o sr. Arroyo que o governo fizera moeda falsa o vendera inscripções sem auctorisação legal, o que não era de facil resposta, porque o facto era absolutamente verdadeiro; mas s. exa. tomou as contas da prata comprada e da prata amoedada e baralhou tudo de tal maneira, que, quem o ouviu, ficou convencido de que o procedimento do governo tinha sido correcto.

Pois elle, orador, não só affirma que se comprou muita mais prata do que a lei permitte, mas tambem que se amoedou muito mais da que estava auctorisada.

A lei de 17 de julho de 1891 auctorisou o governo a, pelos meios que julgasse mais conveniente, adquirir 7:200 contos de prata para amoedar, mas recorrendo-se ás contas do ministerio da fazenda de 1804-1895, encontra-se que a prata comprada até 31 de dezembro de 1895 foi de 8:134 contos; e se a isto se juntar a prata comprada á casa Torlades na importancia de 2:944 contos, desprezando mesmo a prata comprada pela casa da moeda, por isso que só trouxe encargos para o thesouro, ver-se-ha que a auctorisação legal foi excedida em muito.

Tem-se dito que as operações da prata, se trouxeram prejuizos, tambem trouxeram vantagens ao thesouro; e que estas vantagens foram os lucros da amoedação e a melhoria dos cambios.

Quanto á amoedação, parece-lhe que, para haver lucros, não era preciso comprar por 38 o que valia 29 3/8 nem dar commissões de 2 por cento por se escrever uma carta e uma factura.

Com respeito á melhoria dos cambios, o orador indica quaes foram as oscillações que elles soffreram desde a assignatura do protocollo da paz entre a Hespanha e os Estados Unidos, e nota que com as datas dos pagamentos á casa Torlades sempre coincidiu uma baixa, de onde conclue que aquella casa não tinha cambiaes, e as foi comprar á praça.

Não tem, portanto, valor a allegação dos lucros da amoedação e da melhoria dos cambios.

A desculpa de tudo é que o sr. Espregueira se encontrou a braços com uma crise temerosa. Mas desde quando está no poder o ministerio progressista? Desde quando está á testa da administração publica o sr. José Luciano de Castro? Então esta crise tambem é herança do governo regenerador, do sr. Dias Ferreira, e d'elle, orador? Então o governo desculpa-se com crises que cria e amima?

O que fez o sr. Ressano Garcia para luctar com a crise que encontrou, porque s. exa. tambem diz que encontrou uma crise afflictiva?

Fez desfilar perante a camara uma dança macabra de propostas de fazenda.

Foi a na beterraba, que morreu na commissão de fazenda.

Foi a dos phosphoros, que chegou a sair d'ali, mas que morreu mais depressa do que vae morrer a questão da prata.

Foi a do convenio, que se votou, contando-se que teriamos, no fim de dois annos, a esperança de uma probabilidade de que os credores se reuniriam em Paris, mas parecendo que é agora o governo quem solicita que tal reunião se não effectue.

Foi a dos tabacos, que passou n'esta camara, mas que morreu na camara dos dignos pares, não porque a opposição a matasse, mas porque o sr. presidente do conselho lhe deu sepultura em campo raso.

Só foi por diante a do addicional de 5 por cento!

Para combater aquella crise, o governo o que fez, foi vender as obrigações dos caminhos de ferro, augmentar a divida fluctuante interna e externa, vender titulos, augmentar a conta com o banco de Portugal, e pedir a este banco o emprestimo das classes inactivas, despendendo em dois annos de gerencia 19:241 contos, alem das receitas ordinarias do estado!

Disse o sr. Ressano Garcia que o contrato de 1891 não marcava o preço da prata.
Não é assim. Quem souber ler aquelle contrato, vê bem que elle marca o preço. Não marcou um numero fixo, nem o podia marcar, porque a prata tinha de ser comprada em varias epochas; mas por elle se conhece que o preço da prata era o seu custo em Londres e o transporte para Portugal. Nada mais.

Mas aquelle documento era um contrato? Se se entende que uma proposta feita por uma parte, e acceita pela outra, implica compromisso mutuo e imporia um contrato, está de accordo. Se, porém, para existir um verdadeiro contrato, são precisas todas as minucias que a lei marca, então não fez contrato; quem o fez foi o sr. Oliveira Martins.

E n'aquelle contrato estabelecia-se que a transferencia da prata para Portugal devia ser rapida e immediata.

Sendo assim, como é que se quer justificar o contrato de 1897 pelo de 1891, quando já tinham, passado seis annos?

Acha extraordinario que o sr. Ressano Garcia phantasiasse um lucro de 286 contos com a amoedação da prata. Se s. exa. não recebeu a prata, se nem s. exa. nem ninguem a viu, como é que tira d'ella um lucro de 286 contos?

A proposito refere-se o orador a um conto das «Mil e uma noites», onde se diz que um carniceiro, tendo vendido um dia uma perna de carneiro a troco de dinheiro que lhe parecia muito bom, foi no outro dia encontrar, em logar d'elle, folhas seccas. Assim foi a prata; reduziu-se a folhas seccas, o só ficaram os prejuizos do thesouro.

Passa depois o orador a fazer outras considerações para mostrar que, ou a prata fosse precisa, ou não fosse precisa, o governo podia ter procedido de fórma que o estado apenas ficasse pagando os juros das inscripções que alienou, ao passo que, procedendo como procedeu, o estado fica pagando os juros das inscripções, e alem d'isso os juros da prata, que era sua, e que foi empenhada; donde resultou, alem d'isso, que nem sequer serviu para robustecer as reservas do banco de Portugal, fim a que se dizia ser ella destinada.

Concluindo, tem a dizer ao governo, como diria ao sr.

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Hintze Ribeiro, que é opposição ao actual governo, e que o será a todos que se sirvam unicamente de expedientes.

O erro do governo regenerador foi fazer reformas politicas, não se occupando da questão de fazenda. O erro do governo actual é fazer operações financeiras como nunca se viram.

Vote a maioria a moção do confiança, e sanccione todos os actos do governo. Pela sua parte dia apenas que ou saiam d'esta situação por meio de medidas energicas, ou, se continuarem a viver de expedientes, cairão na alienação das colonias ou no controle estrangeiro, se não nas duas cousas ao mesmo tempo.

O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.

O sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção.

Vão votar-se as moções mandadas para a mesa.

Leu-se a seguinte

Moção de ordem

A camara, reconhecendo que o contrato da prata, objecto d'esta interpellação, alem do muito prejudicial para os interesses do thesouro, difficulta a realisação de qualquer convenio sobre a divida publica em boas condições para o paiz, continua na ordem do dia. = Mello e Sousa.

Foi rejeitada.

Lida depois a moção do sr. conde de Burnay, foi igualmente rejeitada.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção apresentada pelo sr. Alexandre Cabral,

Leu-se a seguinte

Moção de ordem

A camara, satisfeita com as explicações do governo, continua na ordem do dia. = O deputado, Alexandre Cabral.

Foi approvada.

O sr. Presidente: - O sr. conde de Burnay pediu a palavra para explicações. Vou consultar a camara sobre se lhe deve sor concedida.

Resolveu-se negativamente.

O sr. Presidente: - A proxima sessão é na quarta feira, 22, e a ordem do dia é a discussão dos projectos de lei n.° 7 (contrato de navegação para a Africa), n.° 10 (obras de reparação no porto de Leixões), n.° 6 (responsabilidade editorial), e n.° 8 (assistencia judiciaria).

Está levantada a sessão.

Eram sete horas e quarenta minutos da tarde.

Documentos mandados para a mesa n'esta sessão

Relatorio e propostas de lei apresentadas pelo sr. ministro da marinha

N.° 13-0

Senhores: - As questões coloniaes attingiram no momento presente uma importancia excepcional.

É um facto indiscutivel, qualquer que seja a causa a que tenha de attribuir-se: ou só considero a consequencia de phenomenos do ordem economica, ou o effeito da evolução natural das cousas humanas, ou ainda o resultado da acção conjuncta d'estes dois factores.

O desenvolvimento constante das populações do velho mundo, o progresso crescente das suas industrias, as exigencias de applicação dos capitaes que se accumulam, - tudo isto tem determinado a necessidade do acquisição de novos terrenos e a conquista de mercados ainda não explorados.

Sem me reportar mais longe e considerando tão sómente o seculo actual, distinguem-se n'elle dois periodos perfeitamente caracterisados. Até 1850 a colonisação faz-se lentamente, sem preceitos definidos. As annexações effectuam-se com modestia; as conquistas realisam-se com parcimonia. A partir, porém, d'aquella epocha, apodera-se da Europa uma febre intensa de colonisação. Uma corrente poderosa e irresistivel impelle as grandes nações europêas no porfiado empenho de obterem novas terras. A iniciativa dos particulares e a actividade dos governos rivalisam de esforço na creação de emprezas e na realisação de emprehendimentos coloniaes, principalmente em relação ao continente negro, tão cheio ainda de mysterios e tão promettedor de esperanças.

Livingstone, Cameron, Stanley, Brazza e toda essa legião de barões, conhecidos e desconhecidos ciosos de devassar os segredos da Africa equatorial, são os percursores d'este enorme movimento moderno, a que Portugal não ficou estranho tambem.

Povo historico, de gloriosissimas tradições, nenhuma nação nos excedeu, se é que alguma nos igualou, na obra grandiosa dos commettimentos maritimos e da descoberta de novos mundos. E ainda recentemente os nossos exploradores Serpa Pinto, Hermenegildo Capello, Roberto Ivens, e tantos outros, podem competir com os de maior renome das nações estrangeiras.

Como os demais estados da Europa, Portugal tem, e não podia deixar de ter, uma politica colonial, a que lhe dão acontestavel direito a sua situação proeminente na historia dos descobrimentos maritimos, as suas faculdades colonisadoras já tão brilhantemente documentadas, e o ingente esforço que, através dos seculos e a despeito de todos os sacrificios, vem despendendo na manutenção e valorisação do patrimonio dos nossos maiores.

Realisada em 1884 a conferencia de Berlim, em que foram proclamadas internacionaes as grandes arterias de navegação fluvial da Africa, terminados em 1891 os diversos convenios que fixaram as linhas de separação das espheras de influencia entre as possessões portuguezas e as colonias ou estados vizinhos, bem póde definir-se hoje a nossa politica-colonial de conservação e fecundação.

Cumpre-nos conservar o dominio colonial, que pelos tratados nos ficou garantido, e procurar aproveital-o, desenvolvei-o, exploral-o agricola e commercialmente, fecundal-o em summa. Sem duvida que deve ser nosso proposito marchar de accordo com os outros paizes na grande obra da civilisação africana, em que fomos dos primeiros; não recusar o concurso de estados vizinhos, nem tão pouco negarmos-lhes a nossa coadjuvação, mas salvaguardando sempre a integridade do nosso solo e mantendo a inteireza da nossa soberania.

É de transcendente importancia o nosso problema colonial, sob qualquer aspecto que só encare: economico, financeiro ou politico.

Basta attentar na vastidão das nossas colonias e sobretudo nos excepcionaes elementos de producção e de commercio que quasi todas, só não todas, offerecem, para que se fortaleça no nosso animo a esperança de que, sabendo aproveitar successivamente esses elementos, transformaremos a vida economica do paiz, alargando-lhe a esphera de acção, e poderemos contar com recursos que prudentemente applicados, afastem por completo ou receios de futuras difficuldades financeiras.

Poderá objectar-se que as provincias ultramarinas não têem até hoje desempenhado o papal primacial que julgamos poder attribuir-lhes no futuro, e apontar-se-ha para

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

as verbas consideraveis que representam os subsidios directa ou indirectamente dados pela metropole com o fim de occorrer ás deficiencias das receitas das nossas possessões. Mas seria injusto não descriminar qual a parte que têem n'essas verbas as despezas que devem, considerar-se propriamente de soberania, as que representam melhoramentos, que por igual interessam á metropole e ás provincias ultramarinas, e ainda as que podem ter sido provocadas por considerações, valiosas de certo, mas mais de interesse geral do que de interesse especial das colonias.

E não menos desarrasoado seria deprehender do facto de ter havido necessidade por parte da metropole de acudir durante um certo periodo aos deficits dos orçamentos das provindas ultramarinas, que estas não poderiam em epocha mais ou menos proxima pagar generosamente com os seus avultados saldos todos os auxilios recebidos.

Mas principalmente se me afigura injusto não attender aos assignalados serviços que já hoje prestam á economia nacional as possessões de alem-mar, e que devem constituir para nós um poderoso estimulo, a fim do procurarmos, por meio de acertadas providencias, dar ao commercio, á industria e á agricultura as condições de expansão que difficilmente encontrariam fóra do nosso dominio colonial.

Para avaliar bem a importancia que já têem, na actualidade, as colonias, bastará, sem mesmo recorrer a epochas afastadas, recordar os factos que podem com rasão ser attribuidos á influencia benefica do desenvolvimento colonial e com os quaes lucra inquestionavelmente muito a situação economica da metropole.

Começando pelo commercio entre a metropole e as provincias ultramarinas, vejamos as modificações occorridas desde 1887 até 1897.

O movimento geral das mercadorias entre a metropole e as provincias ultramarinas portuguezas, não comprehendendo moeda e barra de oiro e prata, foi o seguinte:

1887............................. 5.091:200$000
1883............................ 6.481:300$000
1889............................. 7.925:600$000
1890............................. 8.532:700$000
1891............................. 9.162:400$000
1892............................ 11.089:000$000
1893............................ l2:576:400$000
1894............................ 13 236:400$000
1895............................ 12.427:600$000
1896.............................11.549:900$000
1897.............................12.568:800$000

Assim, o commercio geral mais que duplicou nos ultimos dez annos.

O exame dos differentes elementos que constituem as bases do movimento geral dar-nos-ha ainda mais favoravel idéa do acrescimo de relações commerciaes.

A importação de mercadorias das provincias ultramarinas é representada no periodo indicado pelos seguintes numeros:

1887.........................................................................................3.063:900$000
1888.....º........................ 3.561:000$000
1889............................. 4.555:000$000
1890............................. 5.016:800$000
1891............................. 5.119:300$000
1892............................ 7.241:400$000
1893............................. 7.479:300$000
1894............................ 8.446:100$000
1895............................ 7.825:600$000
1896............................. 7.100:200$000
189?............................ 7.362:400$000

D'esta totalidade de mercadorias procedentes das provincias ultramarinas exportámos os seguintes valores:

1887 ............................. 2.255:000$000
1888 ............................. 2.704:220$000
1889 ............................. 3.715:000$000
1890 ............................. 3.848:100$000
1891 ............................. 3.951:100$000
1892 ............................. 5.832:700$000
1893. ... ........................ 6.146:100$000
1894 ............................. 7.123:800$000
1895 ............................. 6.301:000$000
1896 ............................. 5.860:000$000
1897 ............................ 6.291:000$000

A simples inspecção d'estes numeros mostra, não só o successivo augmento da importação de productos coloniaes, mas o importante auxilio que tal facto veiu trazer-nos durante o periodo mais agudo da crise financeira, attenuando a necessidade do exportação de oiro para saldar os nossos encargos nas praças estrangeiras.

E não menos favoravel é a impressão que nos deixa o exame das verbas que constituem a exportação de Portugal para as colonias.

Ao passo que a exportação nacional e nacionalisada cresce em uma escala muito notavel, a reexportação difficilmente se mantem em condições iguaes ás de 1887.

D'isto são confirmação os numeros que passo a apresentar.

A exportação nacional o nacionalisada foi:

1887 .............................. 621:000$000
1888 ............................ 906:000$000
1889 .............................. 1.028:800$000
1890 .............................. 1.137:500$000
1891 ............. ................ 1.287:400$000
1892 .............................. 1.649:400$000
1893 .............................. 2.090:100$000
1894 .............................. 2.211:000$000
1895 .............................. 2.632:700$000
1896 .............................. 2.899:900$000
1897 .............................. 3.507:500$000

E a reexportação é representada do modo seguinte:

1887 ............................. 1.377:500$000
I888 ............................. 2.003:400$000
1889 ............................. 2.333:000$000
1890 ............................. 2.223:000$000
1891 ......... ....................2.669:100$000
1892 ............................. 2.137:900$000
1893 ............................. 2.951:900$000
1894 ............................. 2.531:800$000
1895 ............................. 1.925:600$000
1896 ............................. 1.518:000$000
1S97 ............................. 1.027:400$000

Dos numeros precedentes poderá já inferir-se com bastante probabilidade de acerto que a nossa industria tem alargado a collocação dos seus productos nos mercados coloniaes; mas a analyse das estatisticas de exportação por differentes classes de mercadorias e de importação nas alfandegas ultramarinas, comparada com o estudo dos factos que tão indicadores do desenvolvimento industrial, confirmam-nos inteiramente na certeza de que, com o successivo aproveitamento e conquista de alguns d'aquelles principaes mercados, a industria da metropole tem adquirido nos ultimos annos um notavel e assignado progresso.

Examinando os mappas da exportação vê-se que em 1892, 1.ª classe de animaes vivos, exportámos para as provincias ultramarinas o valor de 5:400$000 réis e em
1897 e de 8:100$000 réis; na classe de materias primas

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para as artes e industrias exportámos respectivamente nos dois mencionados annos os valores do 54:000$000 e réis 90:600$000; na classe de fios, rendas, feltres o obras correlativas, 337;100$000 e 1.393:300$000 réis; na de substancias alimenticias, 856:700$000 e 1.349:800$000 réis; na de apparelhos, instrumentos, machinas e utensilios, armas, embarcações vehiculos 43:600$000 e 52:400$000
réis; na de mercadorias diversas 332:700$000 e 611:300$000 réis.

Os mappas estatisticos do nosso commercio ultramarino, que acompanham o presente relatorio, dispensam-nos da accumular n'este logar outros numeros para confirmar um facto, que ninguem póde com plausibilidade contestar; mas não será fóra do proposito buscar na situação actual de algumas das nossas industrias mais um testemunho irrecusavel do que avançâmos.

É, sem duvida, a importação de tecidos de algodão nacionaes que mais tem augmentado nas nossas colonias, particularmente nas provincias da Africa occidental, desde que as pautas decretadas em 1892 concederam excepcional favor aos productos da metropole. E o progresso da respectiva industria evidencia-se no augmento consideravel dos seus motores e na força por estes representada.

Em 1890 as differentes fabricas de algodão do paiz possuiam 112 motores com a força total de 3:779 cavallos; em 1896 o numero de motores elevou-se a 202 com a força total de 9:240 cavallos.

A industria ceramica, que não tinha nenhum motor em 1890, em 1896 contava 24 com a força de 378 cavallos.

A chapellaria possuia 201 motores com a força do 197 cavallos em 1890, e o seu numero elevava-se em 1896 a 1:698 com a força total do 1:174 cavallos.

A cutelaria, que não dispunha de motor algum em 1890, em 1896 tinha 27 com a força de 134 cavallos.

A industria das conservas passou de 49 motores a 54; e a da fundição de metaes do 20 com a foiça de 165 cavallos, a 60 com a força do 534.

E não fallamos em outras industrias que por em quanto pouco têem aproveitado dos mercados ultramarinos.

Tudo quanto resumidamente fica exposto teve por principal intuito demonstrar quanto seria injusto julgar das vantagens ou desvantagens que nos advêem das colonias, unicamente pela apreciação isolada dos subsidios que têem onerado o thesouro da metropole.

É certo que doado o exercicio de 1870-1871 até o de 1896-1897, como resultada inspecção do quadro I, annexo a este relatorio, se elevaram a 35.197:8l7$367 réis as importancias pagas pelos cofres do reino para despenas do ultramar, realisadas na metropole, o que representa em media por anno 1.303:712$206 réis.

Evidenciam os numeros do referido quadro os cuidados que têem merecido os melhoramentos das nossas possessões, as quaes se não póde deixar de reconhecer haverem passado por uma transformação profunda e progredido de modo notabilissimo desde 1851 até hoje. Mas a conveniente exploração e o methodico aproveitamento do nosso dominio colonial ha de trazer como consequencia necessaria, o acrescimo das receitas proprias das provincias ultramarinas, permittido assim que ellas possam auxiliar a metropole na satisfação dos encargos, que em parte contrahiu por sua cousa.

Portugal, quando considerado sómente no seu territorio continental e das ilhas adjacentes, occupa posição inferior da escala no confronto com os demais estados da Europa: o 13.º logar em relação á area territorial, e o 11.° relativamente á população. Mas é de ver que a nação se não circunscreve á estreita faxa encostada ao Oceano Atlantico e limitada pela vizinha Hespanha. São tambem solo querido da patria todos esses extensos tractos de terreno que na Asia, na Africa, na Oceania, attestam a nossa grandeza passada e constituem a mais ridente esperança do nosso futuro.

Feita a comparação á luz d'este criterio, muito outro é o logar que passamos a occupar na lista das nações, tendo apenas á nossa direita alguns dos principaes estados europeus. Recorrendo ás estatisticas mais recentes e rigorosas, a area e população das principaes nações da Europa e das respectivas colonias póde synthetisar-se no seguinte quadro;

Superficie (em milhares de kilometros quadrados) e população (em milhões de habitantes) dos estados europeus que possuem colonias ou protectorados fóra da Europa (»)

[Ver quadro na imagem...]

(a) Os dados estatisticos d'este quadro, com excepção dos relativos a Portugal, são extrahidos da Geographiach - Statisticha - Tabellen, do professor Fr. Von Juraschek, Francfort, 1898.
(b) Sem incluir a região de Sahara.

Pouca confiança deve inspirar-nos o computo da população de algumas das nossas colonias; mas o exame da area territorial é bastante para justificar a affirmativa acima feita. Cria-nos este facto uma situação privilegiada, dá-nos direitos, cuja importancia não é licito desconhecer; mas impõe-nos tambem deveres a cujo cumprimento não podemos faltar.

Assumindo a gerencia da pasta da marinha e ultramar, ha alguns mezes apenas, foi meu primeiro cuidado examinar a situação economica das nossas colonias. E radicou-se-me no espirito o grato convencimento dos importantes o incontestaveis progressos n'ellas realisados.

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14 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

E se a influencia benefica, que para nós se deriva das colonias, não póde ser contestada mesmo nas condições actuaes, o estudo mais demorado das suas largas faculdades productoras, dos seus excepcionaes recursos, mostra que podemos, com justificada rasão, fundamentar n'ellas esperanças de uma regeneração economica que nos ponha completamente ao abrigo de temerosas e violentas crises.

Muito se tem feito, é certo; mas ficou-me tambem a convicção de que muito resta ainda a fazer.

Basta recordar que Portugal importou no ultimo anno: 2.042:165$000 réis de assucar, 672:589$000 réis de café, 3.658:154$000 réis de trigo em grão, 3.532:06$000 réis de algodão e 1.021:441$000 réis de substancias oleaginosas. E vamos buscar estes productos a paizes situados quasi na mesma latitude e possuindo condições climatericas identicas ás de algumas das nossas possessões.

Só esta quantia de 10.926:416$000 réis, que pagâmos em cada anno ao estrangeiro, seria sufficiente para imprimir a algumas das nossas colonias a actividade de que tanto carecem, ao mesmo tempo que constituiria um estimulante para a exploração de outras riquezas.

Por seu turno as possessões de alem-mar podem e devem abrir vastos mercados ás industrias metropolitanas, resultando d'esta dupla acção um desenvolvimento importantissimo das nossas relações commerciaes.

Mas a grande obra do resurgimento colonial, o aproveitamento agricola, industrial e commercial de todas as nossas possessões, não póde realisal-a um só governo, menos ainda um só ministro. Tem de ser a resultante do espirito de sequencia, de perseverança, de tenacidade na administração das provincias ultramarinas. Faz-se mister um plano previamente estudado e definido; e leval-o em seguida á pratica com paciencia e constancia. Poderão modificar-se as questões secundarias, accessorias, mas é indispensavel que o pensamento fundamental se mantenha o mesmo, perpetuando-se através das diversas situações politicas que se forem succedendo no poder. As questões coloniaes, como as de caracter internacional, carecem de pairar sobranceiras aos debates da politica partidaria.

Faço inteira justiça e presto deferente homenagem ao trabalho indefesso de quantos, antes de mim, tiveram de desempenhar a difficil tarefa de gerir os negocios do ultramar.

Aprecio bem a pesada responsabilidade que sobre mim impende. Mas os interesses em nome dos quaes desejo appellar para a sabedoria, para a experiencia e para o patriotismo do parlamento, são de tal natureza, tão intimamente se prendem com a prosperidade do nosso dominio colonial, que elles me inspiram a confiança de que bem preciso n'esta conjunctura.

Até onde me permittiu o escasso tempo de que pude dispor, na esphera restricta das minhas faculdades e não me poupando a fadigas, venho trazer tambem um contingente modestissimo para juntar ao trabalho dos meus predecessores. Vale apenas, talvez, pela sinceridade com que é apresentado, pelo pensamento unico, que o dictou, de bem servir o meu paiz.

Senhores: - O nosso problema colonial é demasiado vasto e complexo, para que possa ser atacado de uma só vez em todos os seus pontos.

Para que as colonias se desenvolvam e prosperem são indispensaveis bons funccionarios, bons colonos e boas leis.

Para valorisar o nosso dominio ultramarino faz-se mister attrahir, o capital, crear emprezas agrícolas e commerciaes. É grave erro suppor que simplesmente com braços e audacia se vence nas colonias. A questão dos capitaes sobreleva a todas as outras. Procurar, pois, facilital-os, em boas condições, ao agricultor, ao industrial, ao commerciante, é empenho em que desveladamente devem lidar os que têem a seu cargo a administração ultramarina.

Precisamos de iniciar os indigenas nas artes manuaes; ir-lhes ensinando gradualmente os processos aperfeiçoados de cultura do solo, de modo a convertel-os, para proveito nosso, em agentes productores.

E carecemos tambem de orientar a nossa industria de maneira a fornecer productos fabricados em harmonia com os gostos e costumes dos mesmos indigenas, -unico processo efficaz e pratico de conquistar os mercados das colonias.

Cumpre alargar, organisando-as methodica e systematicamente, as missões ultramarinas, esses pioneiros avançados da civilisação, que pelo seu benefico influxo e pacifica propaganda tanto contribuem para radicar nas populações do interior o respeito e amor pelo nome portuguez, rasgando no coração e no espirito do preto, pelas crenças da religião e pelos ensinamentos da escola, os primeiros alvoreceres de vida moral e intellectual.

É de todo o ponto necessario fazer incidir a attenção publica, o interessal-a nas questões coloniaes, para o que muito póde e deve contribuir a acção dos corpos legisladores, no exemplo salutar que offereçam de exame e discussão de todos os projectos que se relacionem com o engrandecimento e prosperidade dos nossos dominios de alem-mar.

É indispensavel tambem orientar e estimular a actividade e os capitaes nacionaes para emprehendimentos nas colonias, que não haja de repetir-se entre nós a phrase que num dia de desalento ditou em França o grande espirito de Julio Simon: «Ce n'est pas pour l'étranger que nous avons dépensé notre or et versé notre sang».

Faz-se mister ainda modificar em muitos pontos a nossa legislação ultramarina. Não é possivel transportar alem dos mares os processos de administração que são applicaveis á metropole, nem mesmo submetter a regimen uniforme regiões, por vezes, tão distinctas pelas circumstancias do solo e por condições climatericas e ethnographicas. Cada colonia tem necessidades especiaes que as outras não conhecem, todas ellas, necessidades do que a mãe patria não soffre.

Ha um trabalho importante a fazer na metropole em favor das colonias: é a preparação, a educação d'aquelles que se dirigem para as provincias ultramarinas, quer vão como particulares applicar a sua actividade, quer como funccionarios exercer actos de administração.

O recrutamento do funccionalismo merece ser rodeado das mais acertadas disposições e dos mais solicitos cuidados. A lição da nossa propria experiencia e os exemplos dos paizes mais auctorisados em materia de administração ultramarina não deixam subsistir duvida ácerca de tal necessidade e indicam-nos claramente o caminho a seguir. A Inglaterra, a França, a Allemanha têem escolas especiaes para o pessoal das colonias. E sobretudo é digno de memorar-se o facto que nos offerece a Hollanda, esse pequeno estado europeu de 33:000 kilometros quadrados e 5 milhões de habitantes, dominando ha mais de tres seculos, o enorme imperio colonial da Insulinda com perto de 35 milhões de habitantes e comprehendendo ilhas de area superior á dos grandes estados europeus, -algumas das quaes têem attingido o maior desenvolvimento e prosperidade.

Conjuguem-se, pois, os esforços do parlamento e do governo, secunde-os a opinião publica, na santa cruzada em favor do engrandecimento das nossas possessões ultramarinas, - o padrão mais glorioso das nossas grandezas passadas e o esteio mais seguro do nosso resurgimento futuro. Entre os assumptos que no momento actual mais dêem occupar a attenção dos que têem a seu cargo a administração superior das colonias, ha um de inadiavel e urgente necessidade.

E a balisagem da fronteira das nossas possessões ultra-

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marinas, -unico meio de evitar incidentes e conflictos, desagradaveis sempre, muitas vezes perigosos, e tanto mais para receiar quanto é certo que a maior parte das linhas estipuladas nos tratados são convencionaes e não coincidem com linhas definidas do terreno, como cursos de agua, cumiadas de montanhas, etc.

É incontestavel que bastante se tem feito já n'este sentido. No momento actual officiaes da armada e do exercito procuram demarcar parte da linha envolvente do nosso vasto dominio colonial. Mas muito resta ainda a fazer. E eu confio plenamente que o parlamento, com a nitida e superior comprehensão dos deveres que a nossa situação nos impõe, não recusára o seu concurso para que os trabalhos de definição se executem com toda a celeridade.

Quando se pretende determinar os elementos que mais contribuem para o desenvolvimento e prosperidade das colonias, dois problemas primordiaes se apresentam, relativo um aos trabalhos publicou, concernente o outro no regimen das terras.

Os trabalhos publicos são o futuro das colonias, a vida para o dia de hoje, o triumpho para o dia de ámanhã, a prova irrefragavel do direito da posse e da effectividade do dominio.

Na maior parte das nossas colonias o litoral é safaro, pouco productivo; pelo contrario, o interior é feracissimo, é ali que existem os terrenos aptos para a cultura intensiva, que se encontram as regiões mineiras, onde, emfim, é possivel crearem-se e desenvolverem-se centros importantes de população. Como valorisar, porém, esses hinter-lands, como trazer os productos de sertão até á costa, nem que se tornem navegaveis os cursos de agua, se abram estradas, se rasguem caminhos de ferro?

É a falta do trabalhos d'esta natureza que explica em grande parte o naufragio de muitas tentativas de colonisação. Confinadas as colonias nos limites da area territorial que lhes foi assignada, adstrictas aos seus proprios recursos, sem possibilidade do permutarem os productos do solo por ellas laborado, estiolam-se e acabam por dos apparecer.

Um exemplo notavel do valor das vias de communicação como meio de accelerar o desenvolvimento da colonisação é nos offerecido pelos Estados Unidos da America do norte. O principal instrumento de colonisação d'esse prodigioso paiz, cuja população mais que duplicou no periodo de vinte e cinco annos, foram os caminhos de ferro. Estes precederam, não se seguiram á colonisação.

Chailley-Bert, cuja auctoridade em assumptos coloniaes, é indiscutivel, entende que a politica dos trabalhos publicos nas colonias deve sobrelevar a todas as outras e que a primeira preoccupação de poderes publicos tem de ser a execução e desenvolvimento de melhoramentos materiaes em todas as novas possessões.

É a opinião, póde bem dizer-se, unanime dos tratadistas, modernos. Os inglezes, que tantas provas de sabedoria o senso pratico têem dado na administração do seu enorme dominio colonial, praticam de igual modo, fazendo preceder a installação dos colonos de um conjuncto de trabalho que designam sob o nome de preparatory works.

É de ver que em materia de trabalhos publicos não convem applicar as colonias as soluções classicas usadas na metropole. Ao passo que na Europa as estradas ordinarias precedem a construcção da via ferrea, ali deve succeder o contrario, é a viação accelerada que ha de determinar a necessidade da execução da rede d'aquellas estradas.

Raro será necessario tambem que se tenha de recorrer á via larga; a via estreita dará satisfação a todas as exigencias, e ainda na exploração haverá conveniencia em seguir processos mais em harmonia com as circumstancias peculiares ás regiões que as mesmas linhas ferreas servirem.

Em obediencia aos principios que ficam expostos e tendo em attenção as mais urgentes necessidades das nossas possessões ultramarina:, elaborei algumas das propostas que ao diante apresento e desenvolvidamente justifico em relatorios especiaes.

Refere-se uma á reorganisação dos serviços de obras publicas e applica-se a todas as provincias ultramarinas. Procuram as outras attender ás mais instantes necessidades de algumas das nossas coloniaes, em materia de obras publicas, e taes, são:

- Viação em S. Thomé e Principe;
- Caminho de ferro de Benguella;
- Caminho de ferro de Cabinda; e
Obras do porto de Lourenço Marques.

A par da execução da trabalhos publicos ha um outro problema importantissimo para as colonias, é o regimen das terras. A descoberta e a occupação fizeram do conquistador proprietario; mas a escolha do processo pelo qual as terras têem de passar para as mãos dos individuos que as devem explorar, é assumpto capital.

A este respeito, porém, pende da camara dos dignos pares um projecto, e por isso limitarei aqui as minhas considerações.

Mas submetto á apreciação do parlamento uma proposta de lei sobre colonisação, assumpto que intimamente se relaciona com o do regimen de concessão de terrenos.

Alem das seis propostas já enunciadas apresento mais nove, que são as seguintes:

- Reorganisação da secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar;
- Reorganisação das forças militares ultramarinas;
- Fomento industrial das colonias;
- Trabalho dos indigenas;
- Serviços agronomicos nas provincias ultramarinas;
- Auxilios do estado á agricultura nas provincias ultramarinas;
- Imposto sobre o alcool em Angola;
- Navegação para a costa oriental da Africa e para a India;
- Recenseamento geral da população nas colonias.

D'estas propostas, umas applicam-se indistinctamente a todas as colonias, dizem respeito outras em particular a algumas das nossas possessões. A sua necessidade e conveniencia deriva-se dos principios que procedentemente estabeleci, a justificação da sua contextura explana-se nos relatorios especiaes que as acompanham.

Pareceu-me conveniente fazer preceder a apresentação das minhas propostas de lei, e respectivas relatorios, do estudo sobre a situação das differentes provincias ultramarinas, bem como de uma noticia rapida dos principaes diplomas promulgados desde que assumi a gerencia da pasta da marinha e ultramar até a abertura das camaras. Vêem em seguida os quadros de estatisticas numerica e graphica.

Em outro volume inclui aquelles diplomas e varios outros documentos, especialmente as respostas dadas á circular que sobre fomento colonial dirigi a differentes associações e entidades do paiz e das provincias ultramarinas.

D'este modo se poderá apreciar melhor a unidade do meu modesto trabalho e os principios a que obedeceu. Pela minha parte, ficou-me bem firmemente impresso no espirito o convencimento, que ouso esperar seja tambem o vosso, de que das nossas colonias podemos e devemos fiar a nossa restauração economica e financeira e o resurgimento brilhante da nossa nacionalidade.

Situação economica das possessões ultramarinas

No relatorio apresentado á camara dos srs. deputados pelo meu illustre antecessor na pasta da marinha, na ses-

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são legislativa do anno findo, encontram-se reunidas grande numero de informações ácerca das provincias ultramarinas, que constituem um valioso elemento de estudo para a resolução das questões a que urge attender no empenho de apressar o desenvolvimento e o progresso das nossas possessões de alem-mar.

Com rasão procurou o illustrado ministro que firmou esse relatorio, não só conhecer qual a verdadeira situação economica e financeira d'aquellas provincias e apurar, tanto quanto possivel, o inventario dos seus recursos actuaes, mas tambem investigar a possibilidade de obter novos recursos e novas fontes de receita, alargando a actividade economica e assegurando condições mais desafogadas e mais prosperas para as relações entre a metropole e as colonias.

O relatorio a que me refiro não póde comprehender, pela escassez do tempo, informações completas ácerca das provincias alem do Cabo da Boa Esperança, e por isso foi meu empenho, seguindo o exemplo tão distinctamente iniciado, não só reunir os elementos relativos a essas provincias, mas addicionar aos que se referem ás possessões da Africa occidental todos os demais esclarecimentos que fosse possivel colligir.

Escusado me parece repetir as informações do alludido relatorio, com as quaes estou perfeitamente de accordo; mas julguei de interesse, para assim proseguir no empenho de dar annualmente conta ao parlamento de tudo quanto possa interessar o progresso colonial, empenho que entendo da maior conveniencia se traduza em pratica constante, completar as informações estatisticas n'aquelle relatorio exaradas com as demais que poderam ser colligidas e ainda com as que se referem a epocha posterior.

Estou convencido de que, reorganisados como estão sendo os serviços estatisticos na metropole e no ultramar, a satisfação d'aquelle empenho, ou antes o cumprimento de tal dever, se tornará facil no futuro, com grande proveito para a administração publica e para a conveniente elucidação e acertada direcção da iniciativa particular.

L - Cabo verde

Não é certamente esta provincia uma d'aquellas de que possamos obter coadjuvação efficaz para o augmento das relações commerciaes, ou para o alargamento das industrias da, metropole; mas o que sem duvida d'ella devemos esperar é a facil acquisição dos recursos sufficientes para fazer face a todos os seus encargos.

A sua producção agricola, hoje contrariada principalmente pela irregularidade das condições metereologicas, póde ser menos sujeita a contingencias, se conseguirmos, com um persistente systema de arborisação, attenuar as prolongadas seccas que, a miudo, flagellam a provincia, reduzindo uma, parte da sua população á necessidade de recorrer ao auxilio official.

N'este sentido se têem por vezes adoptado providencias, mas quasi sempre por falta de perseverança não têem dado resultado importante.

O actual governador convencido, como todos os que conhecem as condições do archipelago de Cabo Verde, de que só, por meio do revestimento, com arvoredo, dos extensos terrenos inteiramente desnudados, se podem combater as principaes causas das repetidas crises agricolas, tem se empenhado em promover a arborisação em algumas das ilhas. Para dirigir os trabalhos n'esse sentido ordenados, foi auctorisada a ida para Cabo Verde de um agronomo pertencente a outra provincia; mas é preciso dar a este serviço caracter de permanencia, condição essencial para que possam ser proveitosos os trabalhos feitos e as quantias a esse fim applicadas.

Não basta fazer plantações; é necessario tambem remover o principal obstaculo que existe no archipelago para o bom exito das tentativas feitas para o revestimento dos seus terrenos descalvados.

A grande quantidade de gado caprino que se cria nas ilhas de Cabo Verde obsta seriamente a que cresçam e se avigorem as plantações. Se não ha todo o cuidado em as defender no principio, todo o trabalho e despeza são completamente perdidos. Para reunir os elementos necessarios que permitiam assentar em um bem coordenado conjuncto de resoluções, tenho expedido as ordens convenientes, por me parecer que assumpto, que tem aliás sido objecto de tão variadas providencias sem resultado efficaz, deve ser detida e maduramente estudado.

Teem-se procurado os meios de evitar a devastação dos arvoredos, teem-se tomado variadas providencias no sentido de promover a arborisação, tem-se mandado fazer propaganda sobre a vantagem de determinadas culturas, tem-se imposto aos proprietarios a obrigação de plantarem arvores nos terrenos baldios concedidos; numa palavra não ha alvitre que não tenha sido posto em pratica.

Mas, por desconnexas, por não terem as condições precisas de execução e de permanencia, por attenderem só a uma das phases do complexo problema a resolver, póde afoutamente dizer-se que a provincia de Cabo Verde está hoje, como sempre foi, sujeita ás mesmas crises periodicas, restricta a poucas e pouco remuneradoras culturas, e requerendo a cada passo o auxilio da metropole para acudir á miseria que assalta as populações quando as seccas lhes não deixam vingar as colheitas de que tiram os recursos para a sua sustentação.

Não basta promover a arborisação, se de par com esse melhoramento se não adoptarem as providencias indispensaveis para evitar a destruição do arvoredo pelo gado caprino, que tanto abunda no archipelago. Mas não é possivel, sem aniquilarmos um elemento de riqueza de algumas das ilhas, acabar com a creação do gado caprino, e importa portanto encontrar o meio de, sem o fazer desapparecer, evitar que elle contrarie o desenvolvimento das plantações que se fizerem.

Tambem não me parece possivel chegar a conseguir resultado apreciavel nas providencias que se adoptarem, sem procurar combater a indolencia dos naturaes, ou pelo estimulo do favor para os que acompanharem o proposito do governo com a sua iniciativa e coadjuvação, ou pela imposição de obrigações e de multas que supponho perfeitamente justificaveis perante o enorme interesse geral que se pretende conseguir.

Para que tudo isto se combine para o mesmo fim, é ainda indispensavel que ao lado do governo se colloquem a actividade e a cooperação das corporações municipaes e ainda se provoque e incite por todos os modos a coadjuvação de quantos devam ter interesse e portanto empenho em melhorar as condições economicas e financeiras da provincia de Cabo Verde.

Desejaria apresentar-vos, não a exposição de um problema, mas a sua solucção; parece-me, porém, que a experiencia de uma larga serie de providencias completamente inuteis nos aconselha a proceder sem precipitações para podermos ter a garantia de um resultado seguro. Isto não obsta a que a arborisação se vá fazendo onde possa realisar-se mais facilmente e sem os inconvenientes apontados, e, quando houver reunidos todos os elementos de informação, procurarei então form [... ILEGIVEL] plano que pareça mais conveniente, e para cuja execução, se assim for requerido, solicitarei a approvação do parlamento.

É claro que, se a arborisação póde modificar em pouco ou muito as condições da vida economica da provincia de Cabo Verde, não é o unico meio de promover a maior producção e a melhor e mais regular exploração dos seus terrenos, em grande parte incultos e desaproveitados.

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A par das providencias que possam corrigir, pela arborisação, a irregularidade das condições meteorologicas, deverá figurar as que, mais ou menos directamente, tendam a promover as culturas que melhorem a economia da provincia, augmentando a sua producção e alargando as suas relações commerciaes e os seus recursos.

Póde dizer-se que quasi todas as culturas e todas as producções que é possivel emprehender na provincia de Cabo Verde têem sido mais ou menos tentadas.

Para lhes dar impulso, quer ás que foram abandonadas quer ás que actualmente existem, têem sido em differentes epochas promulgadas providencias; mas, já porque causas naturaes o de difficil remoção immediata as tenham tornado inefficazes, já porque o problema em muitos casos se complique com soluções que affectam os interesses da metropole, Cabo Verde tem tido pouco sensivel melhoramento na sua producção agricola.

Hoje as principaes producções da provincia são café, semente do purgueira, assucar o aguardente; mas estas mesmas, que, parece, pela sua permanencia deveriam contar com dementou seguros do progresso, embora vagaroso, não se póde dizer que manifestem sensivel melhoramento.

Na falta de estatisticas que accusem a producção, só temos o meio indirecto de estudo que nos offerece a estatistica aduaneira e por ella vemos que o café se exportou em 1873 no valor dó 67:277$450 réis e que o valor da sua exportação foi nos cinco annos ultimos o seguinte:

1893............................... 91:264$940
1894...............................150:938$666
1895...............................175:060$300
1896...............................144:278$350
1897...............................147:327$133

As sementes do purgueira exportaram-se em 1873 no valor total de 136:007$635 réis, sendo o valor da expor tacito nos ultimos cinco annos de:

1893................................ 85:4l9$295
1894................................ 78:443$235
1895................................ 91:854$786
1896..:............................. 116:144$466
1897................................ 88:268$008

A exportação de assucar, que em 1873 representou o valor de 43:318$480 réis, no periodo indicado apenas é representada pelos seguintes numeros:

1893................................ 6:228$630
1894................................ 2:518$800
1895............................... 17:224$330
1896................................20:794$405
1897................................ 6:874$695

A aguardente, cuja exportação em 1873 teve o valor total do 2:046$770 réis, nos ultimos cinco annos apresenta os valores seguintes:

1893................................ 6:560$990
1894............................... 10:885$421
1895................................11:935$223
1896................................ 9:832$500
1897................................ 7:099$740

Entre as producções da provincia devemos ainda mencionar o milho, que em annos de abundancia se exporta, mas que é um dos productos mais directamente afectados pela irregularidade das condições metereologicas, não assegurando por isso o principal alimento das populações nos periodos do secca.

Como se vê dos numeros acima mencionados, as duas producções de alguma importancia na provincia de Cabo Verde são actualmente o café e a purgueira.

A producção do assucar poderia ganhar muito mais importancia se fosse possivel garantir-lhe os mercados da metropole. Mas este assumpto liga-se com um problema geral que interessa ás nossas provincias ultramarinas, e para resolver o qual é mister attender a considerações de differentes ordens, de modo a conciliar, quanto possivel-o desenvolvimento o progresso colonial com os justos favores a assegurar ás industrias da metropole e ainda com as nossas exigencias economicas e financeiras. D'esse problema mo occuparei mais largamente em outro logar d'este relatorio.

É sem duvida a sómente da purgueira um da productos que mais facilmente se obtem nos territorios de Cabo Verde; dependendo pouco das condições meteorologicas, tem constituido um dos valores mais importantes da sua exportação e poderá, convenientemente estimulada a respectiva plantação, dar ainda elementos para um commercio muito consideravel.

Referir-me-hei apenas a outras producções e culturas que mais ou menos têem sido já ensaiadas em Cabo Verde e algumas das quaes poderão ainda ser desenvolvidas, se experiencias acertadamente dirigidas demonstrarem que são remuneradoras. Citarei: o algodão, o tabaco, o anil, a quina, que, mais ou menos tentadas em outros tempos no archipelago, pareciam offerecer algumas condições de desenvolvimento.

Todas estas questões se ligam entre si e seria, a meu ver, de pequeno resultado pratico promover isoladamente a solução de qualquer d'ellas; sem assentar primeiro nos favores que podem ser concedidos, quer á exportação da provincia, quer á importação na metropole, dos generos e productos coloniaes; sem determinar os auxilies, incitamentos ou imposições que podem ser empregados para despertar a iniciativa e provocar a actividade dos proprietarios e agricultores, cuja collaboração é essencial para que produzam resultado as providencias promulgadas no sentido de desenvolver a agricultura; sem, n'uma palavra, encarar o assumpto sob todos os seus aspectos, e principalmente nem ter achado a formula de conciliar os interesses coloniaes com os interesses economicos e financeiros da metropole.

Não seria logico querer resolver as questões relativas a Cabo Verde, do mesmo modo que as que se referem às outras provincias ultramarinas, tão diversas são as condições e as necessidades de cada uma d'ellas; mas o problema a que me refiro não póde deixar de ser estudado nos seus traços geraes em relação a todas as colonias, estabelecendo em bases seguras e duradouras as regras que devem regular as relações industriaes e commerciaes entre aquellas e a metropole.

Assim pois julgo que convirá assentar primeiro no favor que ou productos coloniaes poderão gosar, quer na propria provincia,, quer na metropole; proseguindo entretanto na reunião de todas as informações que convenha ter presentes para promover do mesmo tempo a execução de um systema regular de arborisação e de desenvolvimento de culturas e plantações productoras.

Os dois problemas da arborisação e das culturas não me parece que devam ser tratados separadamente, porque a execução simultanea das providencias mais apropriadas para attingir o fim que se pretende facilitará, pela intima relação que prende estes assumptos, a sua mais conveniente solução.

Podem ao mesmo tempo corrigir-se as irregularidades

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meteorologicas, desenvolvendo a arborisação o augmentando-se a producção agricola com a escolha de plantações e culturas de reconhecida utilidade commercial.

É este o meu proposito, de que não desistirei, tanto me parece que é elle o unico meio de melhorar as condições agricolas de Cabo Verde.

No começo das considerações que estou fazendo ácerca de Cabo Verde disse que me parecia que desta provincia não podia aguardar-se um grande auxilio para o alargamento das relações commerciaes ou para a prosperidade das industrias da metropole, mas que seria rasoavel esperar que ella facilmente obtivesse os recursos suficientes para fazer face a todos os seus encargos. Para que isto succeda, ainda quando não contassemos com o desenvolvimento da agricultura, bastaria o augmento progressivo do movimento do porto de S. Vicente, que, apesar da concorrencia dos portos das Canarias e de por vezes ter estado em circumstancias que ainda mais tornaram vantajosa essa concorrencia, é um dos melhores e mais frequentados portos de escala, e; dadas as condições actuaes da navegação transatlantica, terá sempre assegurada a frequencia do navios do vapor.

Não me esqueço de que se tem por vezes aventado a idéa de tornar S. Vicente um porto franco, suppondo-se que por este modo se poderia constituir ali um importante emporio commercial; mas este problema carece de ser considerado attentamente sob seus differentes aspectos, e não póde, nem deve resolver-se senão depois de detido exame e do bem ponderadas todas as consequencias administrativas, economicas e politicas que de tal facto se derivariam.

Não me alongarei em mais considerações ácerca da provincia de Cabo Verde, porque o meu proposito é lealmente expor ao parlamento o que penso das providencias a adoptar para cada provincia, reportando-me, quanto ás informações estatisticas o aos demais esclarecimentos sobre a situação economica e financeira, ao relatorio do meu illustre antecessor, completado, quanto á parte estatistica, com os que posteriormente chegaram á secretaria da marinha e ultramar, como se poderá ver pelos mappas juntos a este relatorio.

II. - Guiné

De todas as provincias ultramarinas é a Guiné a que apparentemente se nos apresenta em condições menos favoraveis. Com uma receita apenas de 72:280$000 róis, segundo as provisões do orçamento para 1898-1899, e uma despeza de 180:864$149 réis, com um movimento commercial que, segundo a estatistica aduaneira, não foi alem de 479:000$000 réis em 1897, atormentada a miudo por guerras e perturbações locaes que obrigára a metropole a despezas extraordinarias, a sua situação não offerece perspectiva muito lisonjeira para alentar esperanças de facil transformação e de efficaz e prompta regeneração na sua economia e nas suas condições financeiras. Mas, quando mais de perto procurâmos estudar as aptidões d'aquella região africana, quando attentâmos na fecundidade do seu solo e nas circumstancias excepcionalmente favoraveis do seu regimen hydrographico, quando procurâmos na sua propria historia e na das regiões vizinhas os factos que nos denunciem se ha rasão para contar n'aquella provincia com elementos de larga producção agricola e consideravel progresso commercial, somos necessariamente levados a crer que, se conseguirmos remover as causas transitorias da sua decadencia, havemos de transformar a Guiné em uma possessão prospera, com largos recursos para um successivo desenvolvimento.

Mas o convencimento que nos vem do um mais demorado estudo das suas condições geographicas, da feracidade dos seus terrenos e de todas as demais circumstancias favoraveis para um largo movimento commercial, se é incentivo poderoso para que envidemos todos os esforços no empenho de melhorar a situação economica da provincia da Guiné, nem por isso nos póde fazer esquecer a importancia das difficuldades, que tão poderosamente têem actuado para a manter na precaria situação que ainda hoje subsiste.

É portanto o problema a resolver quanto á Guiné dos mais difficeis, porque ha a combater causas de decadencia que têem creado fundas raizes e a reformar completamente systemas de administração, cuja inefficacia pareço inteiramente demonstrada.

Se o estudo das condições da provincia da Guiné não nos determinasse a empregar todos os esforços para aproveitar os seus muitos recursos e pelo contrario nos persuadisse da inefficacia absoluta de quaesquer tentativas de transformação, seria providencia que necessariamente se imporia como inadiavel o reduzir as despezas de tal fórma que pesassem sobre a metropole os menores encargos possiveis, por parte de uma provincia ultramarina de que não havia a esperar nenhuma compensação apreciavel aos sacrificios que se fizessem para o seu melhoramento e progresso.

Mas, não sendo esse felizmente o caso, parece-nos que devemos com a maior attenção estudar os meios praticos mais convenientes para fazer da Guiné uma colonia prospera, realisando na sua administração, nas suas condições economicas, nas suas relações com a metropole e com as colonias vizinhas, na sua economia agricola e commercial as reformas e alterações que, acertadamente combinadas e inspiradas no mesmo pensamento e concorrendo para o mesmo fim, dêem garantia de exito e de resultados seguros.

Será indispensavel fazer convergir para esta possessão a iniciativa particular do trabalho e do capital. Este tem sido desde longas epochas o empenho dos poderes publicos, como o denunciam a organisação, com formas especiaes, de companhias de agricultura e de commercio.

Não faremos a historia das antigas companhias, como a de Cacheu, Rios e costa da Guiné, creada em 1676, e a do Gran Pará e Maranhão, á qual em 1750 foi tambem concedido o commercio d'aquella provincia, porque as respectivas concessões assentaram em bases que hoje não têem a menor justificação, nem correspondem á realidade dos factos.

Estava então auctorisado pelas leis, não só nossas, mas das outras nações, o trafico dos escravos, e n'elle se fundavam as principaes receitas, quer do estado, quer das emprezas que se organisavam para o commercio nas nossas possessões.

Devemos, porém, confessar que nem as companhias citadas, nem outras identicas que as substituiram, lograram dar senão um ephemero desenvolvimento ao commercio da Guiné, o que, de certo, se explica pelas causas a que alludimos.

O mesmo pensamento, porém, continua a manifestar-se em epochas modernas.

É assim que, por decreto de 17 de maio de 1839 e com o proposito, no mesmo diploma declarado, de melhorar o commercio e administração dos dominios portuguezes da Guiné, cuja decadencia ou quasi total ruina reclamava ás mais promptas e efficazes providencias, se approvou a constituição da companhia da Guiné, com o capital de 800 contos do réis, e que era na sua organisação, muito similhante ás modernas companhias privilegiadas e com poderes soberanos. Nas condições impostas á companhia comprehendiam-se a obrigação de sustentar missionarios, de levar colonos de Portugal, estabelecendo duas colonias de familias livres, de 400 fogos pelo menos cada uma, de

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promover a fabricação do assucar e da aguardente, e bem assina a cultura do café e de outros productos, e de explorar as minas. Tinha a companhia faculdade de manter forças do terra o mar, concedendo o governo licença aos officiaes que se empregassem nos respectivos serviços.

A companhia cobrava todos os rendimentos publicos, e possuia, amplas faculdades quanto ao commercio, embora não tivesse o exclusivo d'elle.

Não nos consta que d'esse quaesquer resultados esta nova tentativa.

Recentemente, tem-se proseguido no mesmo caminho como o provam os decretos de 15 de janeiro de 1891 e de 27 de setembro de 1894.

O primeiro concedia para explorações agricolas e commerciaes uma larga area de terrenos baldios da provincia da Guiné, devendo a companhia exploradora constituir-se com capital superior a 900:000$000 réis, e impondo-se-lhe a obrigação de ter em regular andamento os seus trabalhos em 1 de janeiro de 1893, e em regular exploração agricola e commercial, ao cabo de dez annos, um terço pelo menos da area de terrenos concedidos, e de proceder ás obras de canalisação do rio Corubal, alem da participação do estado nos seus lucros e de outros encargos. Esta concessão não se tornou effectiva, porque os concessionarios não constituiram a companhia no praso fixado.

O segundo decreto concedia para explorações agricolas, mineiras, commerciaes e industriaes, os terrenos incultos ou desoccupados da Guiné, devendo a companhia exploradora constituir-se com capital effectivamente subscripto não inferior a 1.500:000$000 réis, e ser para todos os effeitos considerada portugueza. As condições da organisação da companhia deviam ser, pouco mais ou menos, as que só haviam estabelecido nas cartas organicas das companhias de Moçambique e do Nyassa. A administração da provincia passaria á companhia que se constituisse em condições analogas áquellas em que estas duas companhias administram os respectivos territorios.

Esta concessão, por virtude do decreto de 27 de setembro de 1894, que se refere ao modo de executar a disposição do artigo 15.° do 1.° acto addicional á carta constitucional, está ainda pendente de resolução das côrtes.

Tambem á deliberação das côrtes está affecto um projecto de lei regulando a concessão de terrenos nas provincias ultramarinas.

N'estas circumstancias o caminho a seguir para se poder assentar no systema mais conveniente de exploração da nossa provincia da Guiné está dependente da orientação adoptada pelo parlamento.

E estou certo de que o parlamento reconhecerá quanto importa estabelecer sobre o assumpto legislação definida,

Não podemos continuar n'esta situação transitoria, que impede todas as iniciativas o que está sendo um obstaculo ao alargamento da exploração colonial.

Muito importa de certo acautelar os perigos de concessões demasiado amplas, que nem a todas as regiões se podem adaptar com vantagem, e é de interesse geral que de preferencia estimulemos os capitaes nacionaes e lhes não regateemos concessões, procurando que estas se convertam em garantias da nossa maior preponderancia o mais effectivo dominio; mas, estabelecidas e ponderadas as condições e as restricções que devem impor-se á iniciativa do capital e do trabalho, não ha senão vantagem em promover que a actividade particular se applique a valorisar as riquezas que nos offerecem as nossas provincias ultramarinas, coadjuvando e completando a acção official, que não deve ir alem dos rasoaveis limites, dentro dos quaes póde ser salutar e proveitosa.

Aguardando, pois, as resoluções parlamentares sobre os importantes assumptos a que me referi, posso assegurar-vos que, de accordo com essas resoluções, eu me empenharei em melhorar as condições actuaes da provincia da Guiné, no intuito, não só de desenvolver a sua expansão commercial e a sua, exploração agricola, mas de cada vez mais affirmar e consolidar ali a nossa occupação e dominio.

III. - S. Thomé e Principe

Não nos desalentam as condições das duas provincias ultramarinas a que nos temos referido, porque tudo leva a crer que, mais cuidadosamente exploradas, hão de ser ainda colonias prosperas e de importantes recursos. Differente é, porém, o sentimento que nos desperta a provincia de S. Thomé e Principe, que em um curto periodo adquiriu tal valor, que é hoje, pela exuberancia da sua producção e sobretudo pela fundada esperança de progressivo desenvolvimento, uma das mais ricas possessões do nosso dominio colonial. Ao examinarmos o seu rapido adiantamento, temos a certeza de que tudo quanto fizermos pela sua prosperidade será largamente compensado, e que com ella podemos contar como elemento seguro para firmar em bases solidas a nossa regeneração economica.

Possessão, em que a influencia o a acção do trabalho e do capital são exclusivamente, portuguesas, póde, dizer-se que, se a iniciativa nacional deve o seu rapido progresso, tambem só com a metropole reparte os beneficios da sua excepcional feracidade e riqueza.

Poucas colonias poderão dar documento de tão accentuada prosperidade. As suas culturas predominantes, o cacau e o café, alargam-se successivamente, dando logar a um movimento commercial que só approxima do 4:000 contos, e que ha trinta annos não chegava a ser a decima parte do de hoje.

Para este desenvolvimento contribue o Principe, que ainda ha poucos annos estava em manifesta decadencia, não porque lhe escassiassem as condições de larga producção, mas porque lhe haviam faltado completamente os capitaes e a iniciativa intelligente, que ultimamente lhe têem transformado a situação economica.

Não precisaremos de confirmar estas asserções, reproduzindo informações estatisticas que constam do relatorio que no anno findo vos foi apresentado, e que entrareis ampliada nos mappas juntos.

Mas o que não posso dispensar de vos expor são as questões que mais reclamam a iniciativa official, que é de justiça não esmoreça, nem afrouxe onde tão assignalados resultados tem logrado colher a iniciativa particular.

Dois assumptos principalmente exigem, com respeito á provincia de S. Thomé e Principe, a desvelada attenção dos poderes publicos: a questão dos serviços e do trabalho, e a facilidade das communicações.

Desde que S. Thomé e o Principe tenham os braços de que precisam para iniciar e activar a exploração nos terrenos ainda incultos ou insufficientemente aproveitados, desde que, pelo estabelecimento de vias de communicação, os productos dos pontos mais internados possam ser facilmente conduzidos para os portos de embarque, estas duas ilhas entrarão em uma exploração muito mais activa, e o movimento commercial da provincia, cujo crescimento, como vimos, tem sido rapido, tornar-se-ha extraordinario, attingindo proporções que nem mesmo hoje podemos facilmente prever.
É difficil de resolver a questão dos braços que o desenvolvimento da agricultura incessantemente reclama. Não póde ella depender unicamente da acção official, e reclamará sobretudo a intelligente e leal reunião dos esforços persistentes dos agricultores e proprietarios, concertando-se para realisar em boas condições os contratos dos serviços, que têem de ser procurados fóra da provincia, visto

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como a população propria das ilhas de S. Thomé e Principe não basta para os serviços exigidos pelos trabalhos da exploração agricola.

Mas a acção official póde e deve influir efficazmente para que este elemento do progresso da agricultura preste o serviço importante que d'elle se requer. Pareceu-mo, porém, que a legislação que regula as condições do trabalho nas possessões portuguezas, não só me satisfazia em muitos casos aos deveres de tutela e protecção aos serviçaes e de garantia de regular observancia dos contratos, mas não continha as disposições necessarias para estimular os indigenas ao trabalho, e approximal-os cada vez mais dos habitos e affeiçoal os ás exigencias da vida dos povos civilisados.

Commettendo o exame d'este assumpto a uma commissão, presidida por um estadista, cujo nome todos respeitâmos, e que o conhecimento das nossas colonias especialmente rccommendava para tão importante estudo, em que foi dedicadamente coadjuvado pelos outros illustrados membros da commissão, procurei habilitar-me a propor ao parlamento uma lei que será o primeiro passo para a resolução de questões que se me afiguram essenciaes, se quizermos contar com resultados favoraveis de muitas outras reformas necessarias ao progresso moral e material das nossas possessões ultramarinas.

A questão da facilidade das communicações entre os differentes pontos da provincia, e principalmente na ilha de S. Thomé, deve tambem merecer a maior attenção dos poderes publicos.

Em parte podia ella considerar-se resolvida, executando-se o decreto de 19 de novembro de 1896, que auctorisava a construcção de uma rede de estradas nas ilhas de S. Thomé e Principe, mandando inscrever no orçamento a verba de 50:000$000 réis com applicação especial e exclusiva aos respectivos trabalhos, destinando-se ainda ao mesmo fim 20 por cento dos excedentes era mais de réis 50:000$000 nas receitas da provinda. Pareceu-me, porém, da maior conveniencia dar prompto e rapido impulso aos melhoramentos d'esta ordem, e ao diante terei occasião de justificar mais demoradamente a proposta de lei que n'esse intuito vos apresento.

IV. - Angola

Nenhuma provincia merece tanto como Angola que para ella appliquemos a nossa mais desvelada attenção. A sua grande superficie, a feracidade da maior parte das suas regiões, as circumstancias favoraveis á colonisação europea que algumas dessas regiões reúnem, o predomínio dos elementos e da influencia portuguezes, são poderosos motivos para não pouparmos esforços para lhe acrescentarmos cada vez mais as condições de rapido progresso.

Se, relembrando todas as circumstancias apontadas, examinarmos isoladamente e sem comparação com o passado, os factos que representam a situação actual da provincia, parecer-nos-hão apoucados os seus rendimentos, o seu movimento commercial, todas as manifestações em fim do seu adiantamento moral e material.

Effectivamente, com uma superficie que é quatorze vezes a de Portugal, com um solo fertilissimo que se adapta ás mais variadas producções, com regiões onde se encontram todos os requisitos de permanencia e de constituição de familias de colonos europeus, com uma organisação e uma vida social onde predominam os habitos, os costumes, a actividade portugueza, mal se comprehende que as receitas da provincia de Angola não excedam 1.500:000$000 réis, o seu movimento commercial não vá alem de réis 14.000:000$000, a industria não tenha algum desenvolvimento senão na producção de aguardente, não haja colonias europêas em grande numero e em manifestas condições de prosperidade, e escasseiem ainda muitos melhoramentos moraes e materiaes.

Mas, se nos recordarmos de que só relativamente em epochas modernas começámos a encaminhar para Angola a actividade official e a iniciativa particular, e fizermos portanto a comparação da situação actual com a dos annos anteriores, reconheceremos então quanto ella accusa um progresso consideravel e denuncia a pujança de vida e a abundancia de recursos e de riquezas naturaes d'essa provincia.

Assim é que se avaliarmos da situação actual comparada com a de 1852, em que os rendimentos de Angola não eram computados em mais de 238 contos de réis, o movimento commercial não excedia 1:700 contos, e a acção administrativa e economica se restringiam a regiões pouco afastadas do litoral, encontraremos assignalado um extraordinario progresso. Mas a transformação não se salientará menos se fizermos o confronto apenas no periodo dos ultimos vinte annos, em que com o desenvolvimento dos melhoramentos materiaes, mais se tem affirmado o nosso empenho de concorrer para a prosperidade das colonias. Assim, antes de 1876 encontrâmos a receita da provincia de Angola computada em 565 contos de réis, o seu movimento commercial não excedendo 3:976 contos, isto é, no periodo indicado os rendimentos e o movimento commercial quasi triplicaram, devendo attender-se a que os ultimos annos têem sido affectados pelas consequencias de uma crise commercial determinada pela depreciação do café.

Mas, se estas comparações devem satisfazer-nos, porque nos demonstram os grandes elementos de riqueza da provincia e o favoravel resultado colhido dos melhoramentos e sacrificios feitos, nem por isso podemos esquecer que estamos apenas no inicio da exploração agricola, industrial e commercial de Angola, e que tudo nos aconselha a redobrar de esforços para dar maior impulso a essa exploração, de modo a concorrer para que esta provincia se colloque, como lhe permittem os seus enormes recursos, a par dos mais ricos e mais productores paizes coloniaes.

Os generos coloniaes que hoje se obteem do solo por meio de processos ainda rudimentares de exploração, como a borracha e o café, ou da industria, não muito mais adiantada, como a cêra e a aguardente, são os que representam a parte mais importante da exportação, não fallando no marfim e no peixe.

Mas qualquer d'estes productos do solo ou da industria é susceptivel de uma larguissima producção, desde que o impulso official em parte, e principalmente o estimulo do interesse e a iniciativa particular, consigam levar o capital a applicar-se mais afoutamente na exploração colonial e vão successivamente substituindo aos processos primitivos da cultura methodos aperfeiçoados e aos auxiliares imperfeitos do fabrico os machinismos e as applicações industriaes mais convenientes, e ao mesmo tempo afastando das transacções commerciaes do sertão todas, as causas de perturbação e de concorrencia desleal, que hoje as embaraçam e lhes diminuem as probabilidades de lucro.

Bastará que nos lembremos do que hoje succede com relação a alguns dos principaes generos coloniaes de Angola. A borracha, que actualmente representa o maior valor na exportação da provincia, constituirá por assim dizer uma riqueza transitoria, se não se conseguir evitar que pelo errado processo da sua extracção se destruam as plantas, ou se não provocar por todos os modos o repo-

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voamento das areas devastadas e a plantação dos terrenos que se encontrarem mais apropriados para tal fim.

Este assumpto tem nos ultimos annos merecido a attenção dos poderes publicos; colligiram-se todas as informações que podiam ser uteis, publicando-se e distribuindo-se não só aos funccionarios da provincia, mas a todos quantos da sua leitura podiam aproveitar e com a una coadjuvação concorrer para melhorar as condições de que deponde tão importante riqueza colonial; mandaram-se vir do Brazil sementes de plantas de borracha susceptiveis de vantajosamente se acclimarem em Angola; e foi auctorisado o contrato de um individuo habilitado para proceder na provincia aos ensaios praticos de plantações, e culturas que possam ser ali tentadas com vantagem. E indispensavel proseguir sem cessar n'este empenho, porque aliás, afastada cada vez mais para o interior, pelo successivo devastamento, a area onde se colher a borracha, não decorrerá largo periodo sem que a sua exportação tenha de restringir-se consideravelmente.

O café, que representa na exportação, principalmente de Loanda, valor muito importante, é susceptivel de fornecer ao commercio quantidades muito mais avultadas. A sua cultura, o seu tratamento, os cuidados empregados para o levar nos mercados consumidores, são verdadeiramente primitivos, exceptuadas algumas fazendas em que se começa a cuidar com mais solicitude d'este producto colonial.

Não nos demoraremos a expor o que se dá com os demais generos, e unicamente nos referiremos ainda á industria da preparação do peixe que, tendo adquirido bastante importancia no sul da provincia, e podendo fornecer os mercados, não só de Angola, mas de outras regiões da Africa, occidental, recorre a processos primitivos que impedem o seu desenvolvimento.

Mas, se em relação aos principaes artigos da exportação da provincia só reconhece que a sua producção está ainda muito longe do que deve vir a ser, em virtude de successivos melhoramentos e aperfeiçoamentos, o que se obterá de muitos productos que hoje pouco ou quasi nada vaultam na exploração e no commercio da provincia, é, póde dizer-se, incalculavel.

O algodão em rama apenas figura na exportação de Angola em 1897 com as seguintes quantidades: Benguella 1:305 kilogrammas, Loanda 16:171 e Mossamedes 44:665, e comtudo é certo que elle cresce espontaneo em muitas regiões da provincia, e em epochas não remotas foi a sua exportação para a metropole em quantidade muito maior do que actualmente.

Em 1872 a estatistica dá-nos a seguinte exportação de algodão em rama:

Kilog. Réis

Loanda .................... 270:503 45:459$680
Benguella ..................185:572 41:818$293
Mossamedes ................ 375:450 69:472$470

A estes numeros ainda poderiam addicionar-se, em Mossamedes, os seguintes:

Fazendas de algodão ........................................ 23:372$197
Algodão em fio............................................... 416$734
Algodão em ponto de malha...................... 331$274

Temo, pois, que em 1872 o algodão produzido em Angola era exportado n'uma quantidade de 837:531 kilogrammas no valor de 156:750$143 réis e ainda fornecia materia prima para a industria da provincia, que exportava productos no valor de 24:150$205 réis.

Póde, pois, não contando mesmo com qualquer consumo na provincia, computar-se a producção de 1872 em valor superior a 180 contos de réis.

E n'aquella epocha parte do algodão em rama ia para o estrangeiro, como se vê da seguinte nota:

Kilog. Réis

Loanda.................... 83:059 17:815$966
Mossamedes................ 355:556 65:672$470

as informações obtidas em relação aos annos anteriores a 1872 podemos concluir que a producção de algodão teve um periodo de rapido progresso na provincia de Angola. Assim, ao passo que em 1859 só se exportaram 29:488 kilogrammas, em 1860 já a exportação se elevou a 24:734, em 1861 a 11:798, em 1862 a 33:729, em 1863 a mais de 100:000, chegando em 1867 a 273:669 kilogrammas, em 1870 a 588:031, em 1871 a 812:516 e em 1872, como acima fica indicado, a 837:531.

Todos estes numeros servem principalmente para mostrar que a producção do algodão se póde facilmente alargar na provincia de Angola, desde que haja circumstancias, quer de economia geral, quer do protecção especial, que favoreçam o seu desenvolvimento.

O periodo a que me referi teve a favorecer o alargamento da cultura causas por assim dizer externas e um especial incitamento e protecção official.

A guerra da seccessão nos Estados Unidos tornando impossivel ou restringindo muito a cultura de algodão n'aquella parte da America que fornecia os principaes mercados industriaes do mundo, d'esta materia prima, incitou naturalmente a cultura nos paizes que, tendo condições favoraveis para ella, não podiam até então concorrer em preço com o producto de procedencia americana.

O governo, levado igualmente do desejo de aproveitar a conjunctura favoravel para augmentar a producção nas nossas colonias, e especialmente em Angola, que mais condições parecia offerecer para o seu desenvolvimento, empregou os meios que julgou mais convenientes para promover a cultura.

As indicações e a experiencia anterior em varias regiões, principalmente no territorio do Mossamedes, eram concordes em assegurar que havia na provincia vastissimos tractos de terrenos que podiam applicar-se com grande vantagem á cultura do algodão.

Alem d'isso o incitamento á producção, quando não bastasse, para a promover, a crise por que estava passando o mundo industrial em consequencia da elevação do preço do algodão, vinha dos paizes que mais soffriam com essa crise, principalmente da Inglaterra.

Foi para responder a pedidos de informações emanados do Liverpool que o sabio explorador Welwitsh dirigiu ao governo em 5 de outubro de 1861 um relatorio ácerca da cultura do algodão em Angola, onde assegurava a aptidão de muitos terrenos da provincia para esta cultura, e mostrava como seria possivel, com algumas providencias de facil execução, dar lhe largo desenvolvimento.

N'esse mesmo anno nomeou o governo uma commissão encarregada de indicar os meios mais efficazes de se promover em grande omita a cultura e o commercio de algodão nas provincias da Africa, e o conselho ultramarino apresentou sobre o assumpto um relatorio acompanhado de diversas propostas.

De accordo com o parecer do conselho ultramarino foram promulgadas varias providencias, sendo a mais importante a que se encontra consignada no decreto com força de lei de 4 dezembro de 1861, que isentou por dez annos do direito a exportação do algodão nas provincias de Africa, e auctorisou o governo a despender, por conta das ditas provincias, até a quantia do 20:000$000 réis em

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cada anno, durante tres annos, com a compra de sementes de algodão, machinas de descaroçar e quaesquer instrumentos agrarios para a cultura e preparação do mesmo genero, com o fim de os distribuir pelos agricultores que se dedicassem á dita cultura. O mesmo decreto instituiu premios annuaes para os proprietarios que apresentassem mais extensas e melhores culturas de algodão, devendo esta disposição durar por dez annos.

No mesmo empenho de promover a cultura do algodão em Angola era contratado em janeiro de 1862 o subdito portuguez Antonio Jacinto Pacheco, residente no Brazil, para ir áquella provincia ensinar os melhores processos de cultura; procedia-se á publicação de todas as noticias e informações que pareciam convenientes para despertar a iniciativa particular e mandavam-se distribuir aos agricultores.

E, em obediencia ao decreto citado de 4 de dezembro de 1861, fazia-se acquisição de sementes que igualmente se mandavam distribuir aos agricultores e adquiriam-se diversas machinas, uma de imprensar e varias de descaroçar algodão, devendo a machina de imprensar ser montada na alfandega em logar conveniente a fim de ser posta á disposição dos exportadores de algodão mediante retribuição modica, e as machinas de descaroçar ser vendidas aos cultivadores.

Não me alongarei fazendo a historia da cultura do algodão na provincia de Angola, porque o que fica dito, me parece, basta para provar que, dadas circumstancias favoraveis, nada ha que embarace o largo desenvolvimento d'esta cultura.

Não se dão actualmente algumas das causas que, durante a crise do algodão provocada principalmente pela guerra civil dos Estados Unidos da America do Norte, tanto animaram em differentes paizes esta cultura, e é por isso hoje necessario empregar estimules de outra ordem e conceder garantias mais seguras aos productores que se abalancem a emprehendel-a em larga escala.

A nossa orientação colonial está definida em relação á Africa Occidental. Ainda quando fosse facil encontrar rasões para lhe oppor outro systema, fundado em principios diversos, parece-nos que seria erro indesculpavel mudar de rumo, no momento exactamente em que do systema adoptado só estão colhendo beneficios de alta valia e que é impossivel desconhecer ou contestar.

Entrâmos desde 1892 mais decididamente e mais empenhadamente no caminho do protecção á industria e ao trabalho nacional, tanto na metropole como nas colonias, consistindo o difficil problema que esta orientação nos obriga a ter constantemente presente em conciliar e harmonisar os interesses industriaes e commerciaes de uma e de outras.

Não nos parece, pois, que possa entrar em duvida a conveniencia de proteger efficazmente a producção de um artigo que, representando para Angola um elemento valioso de riqueza e de progresso, constituo para uma das nossas principaes industrias a materia prima indispensavel, e para obter a qual ella está na actualidade dependente da producção de paizes e colonias estrangeiras.

Se ha portanto producto ácerca do qual se combinem a incitar o desenvolvimento da sua producção ao mesmo tempo os interesses da metropole e os das provincias ultramarinas, é sem duvida o algodão.

Até onde deve ir a protecção para que se assegure aos cultivadores e aos commerciantes a collocação, em condições remuneradoras e sem risco de concorrencia, do algodão produzido na provincia de Angola, que parte de protecção deve pertencer á provincia o qual á metropole, por que periodo e em que circumstancias devem ser concedidas,- é o que mais largamente terei occasião de expor e justificar quando me referir especialmente á proposta de lei que sobre este assumpto tenho a honra de submetter á approvação do parlamento.

O que fica ponderado ácerca do algodão applica-se, na sua generalidade, ao assucar, e talvez com maior fundamento.

Para alguns póde ainda entrar em duvida se a nossa provincia de Angola tem condições para uma larga producção de algodão, e se não serão precisos largos sacrificios para que consigamos abastecer os mercados da metropole da quantidade necessaria para a nossa industria. Mas o que ninguem de certo contesta é que a provincia tem excepcionaes condições para a producção da canna saccharina.

Esta cultura é hoje já uma das mais importantes de Angola, sendo a canna saccharina aproveitada, não para a extracção do assucar, mas para o fabrico da aguardente.

Calcula se geralmente em 4.500:000 litros a producção da aguardente, sendo proximamente metade no districto de Benguella, um terço em Loanda e o resto em Mossamedes; mas o calculo deve estar muito abaixo da verdade.

Quasi toda a producção é proveniente da canna saccharina, porque as fabricas do interior, que utilisam principalmente para a distillação a batata doce, são muito pouco importantes.

A plantação da canna saccharina está-se desenvolvendo em larga escala nos districtos de Benguella e Loanda, e são concordes todas as informações em assegurar que ha na provincia vastissimas regiões onde ella póde ter ainda um desenvolvimento extraordinario.

O successivo alargamento das plantações de canna saccharina e das demais que se aproveitam para a extracção da aguardente é em grande parte devido á orientação colonial a que já nos referimos e que foi affirmada de um modo ainda mais efficaz pelo decreto de 25 de abril de 1895.

A tributação preceituada para as bebidas distilladas de origem estrangeira tornou possivel o predominio nos mercados da provincia do producto n'ella fabricado, e d'ahi o successivo estabelecimento de novas fabricas de distillação. A aguardente estrangeira tem sido successivamente banida dos mercados da provincia.

Não poderia ser providencia de facil realisação a que visasse a acabar com o fabrico do alcool.

O alcool é, e será infelizmente por muito tempo, a bebida predilecta das raças indigenas e só muito lentamente se poderão transformar habitos, que condições de clima, e outras não menos difficeis de annullar, arreigaram e tomaram como que imprescindiveis.

Mas o que se afigura possivel, o que parece se recommenda como de elevado alcance economico é aproveitar as notaveis aptidões do solo para a producção da canna saccharina, incitando, pelo maior interesse, os agricultores a applicarem esta producção ao fabrico de um género mais rico e que ao mesmo tempo lhes poderá fornecer maiores lucros e dar á economia nacional um importante elemento de prosperidade, libertando-nos da importação estrangeira de um producto de tão largo consumo.

Para o fabrico da aguardente não escasseiam na provincia outras materias primas, algumas já aproveitadas, outras que o poderão ser com vantagem, desde que vá diminuindo a producção da aguardente da canna saccharina pela applicação d'esta ao fabrico do assucar.

Não é de resultados immediatos a transformação que nos parece util tentar, mas cremos que os beneficios de quaesquer providencias que n'esse sentido se tomem se começarão a assignalar em um curto periodo, porque o que ha a fazer não é obter a materia prima, mas mudar os machinismos e os processos industriaes, o que de certo

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se irá realisando desde que os agricultores contem com os mercados nacionaes para um producto muito mais rico do que a aguardente.

Temo-nos referido mais demoradamente á possibilidade de alargar na provincia de Angola a producção do algodão e o fabrico do assucar, porque são estas, pelas condições especiaes que só encontram no solo e no clima da provincia, duas das mais valiosas applicações a que podem entregar-se a actividade e o capital no empenho de darem á provincia, e ao mesmo tempo á metropole, elementos de incontestavel riqueza e progresso.

Mas, só consultarmos as informações quo, nos fornecem os estudos da flora africana e particularmente as que só referem á provincia de Angola, e se attentarmos nos productos que, em outras epochas, ou ainda hoje, representam valores mais ou menos importantes na producção e na exportação da provincia, convencer-nos hemos de que, melhor assegurada a protecção que as pautas da metropole concedem aos generos coloniaes, facilitados as communicações entre as differentes regiões do interior e do litoral, alargada por uma bem dirigida colonisação e pela melhor applicação e aproveitamento do trabalho indigena a esphera de actividade das possessões ultramarinas, veremos desenvolver-se a riqueza da provincia em uma progressão do que mal podem dar-nos approximada idéa as suas condições actuaes.

A algumas das principaes providencias julgo poderem concorrer para esta transformação procuro attender com as propostas de que ao diante me occupoe que mais de moradamente justificarei.

No mesmo intuito, o procurando sempre realisar os melhoramentos mais convenientes sem reclamar do thesouro novos sacrificios, redigi tambem algumas das propostas de lei juntas, que tendem a alargar as communicações na provincia de Angola, facilitando as relações commerciaes entre o interior e os portos do litoral e tornando facil, pela barateza dos transportes, o accesso aos mercados da Europa, de productos menos ricos, que não podem actualmente, pelas grandes despezas requeridas para a sua conducção até os pontos de embarque, constituir objecto do commercio lucrativo.

Não teremos dado a Angola elementos seguros de um rapido progresso, para o qual aliás a habilitam as condições do seu solo e do seu clima, emquanto não houvermos levado até os pontos mais internados do seu sertão as vias de communicação rapida.

Quando o caminho de ferro que parte de Loanda poder attingir as regiões para alem de Malange, quando de Benguella se dirigir por Caconda outra linha ferrea até os limites da nossa esphera de acção a leste, quando, por outros caminhos de ferro menos extensos, mão igualmente importantes, houvermos assegurado o trafego de outras regiões, que naturalmente devo affluir aos nossos portos de Angola, teremos dado a esta possessão elementos de adiantamento que lhe hão de assegurar um dos primeiros logares entre as colonias, não só portuguezas, mas de outras nações.

N'este empenho submetto á vossa approvação varias propostas a que mais largamente me referirei; o não esquecerei quanto importa que o caminho de ferro de Loanda não fique em Ambaca e se prolongue para o interior a fim do servir esse feracissimo districto da Lunda, cujos productos, de outro modo, em vez de dirigidos para os pontos da nossa costa, poderão ser encaminhados para as colonias vizinhas.

Mas muito convirá ainda fazer no mesmo sentido e não afrouxarei no proposito de dotar successivamente a provincia de Angola com elementos tão valiosos, como são as vias de communicação, porque só assim as suas excepcionaes condições naturaes poderão traduzir-se em larga producção agricola e em importantissimo commercio.

Os melhoramentos propostos serão, quando realisados, já poderoso auxiliar para este desenvolvimento.

É certo que, se podessemos dispor de recursos extraordinarios para applicar no rapido fomento dos provindos ultramarinas, se não houvessemos de attender á necessidade impreterivel de, por virtude de uma larga modificação na nossa vida economica resultante do estreitamento intimo das relações entre as colonias e a metropole, não produzirmos profunda alteração na situação financeira, augmentando-lhe as difficuldades do momento, a transformação da provincia de Angola seria muito mais rapida. Convem, porém, ainda advertir que, em paizes onde escasseiam por completo muitos elementos dos mais importantes para um grande desenvolvimento agricola e industrial, se não póde deixar de marchar cautelosamente, para não cairmos no erro dever malbaratados capitaes e trabalho em applicações menos productivas.

O que é preciso é não desistir do empenho, em que lidamos ha alguns annos, de promover o progresso colonial, considerando-o como a melhor garantia do nosso engrandecimento e da prosperidade da patria. Adiantar sempre, não desperdiçando tempo nem forças, parece-me que será o meio mais efficaz e mais pratico de alcançar este resultado.

Tenho-me referido particularmente aos elementos de riqueza da provincia de Angola e á necessidade e meios de os valorisar, porque entendo que o principal dever de uma nação colonial é promover o adiantamento e progresso das suas possessões; mas seria injusto esquecer quanto importa que o desenvolvimento das colonias se enlace intimamente com a prosperidade da metropole, e que os interesses d'aquellas e d'esta se conciliem e se harmonisem.

Não tem sido outro, felizmente, o empenho dos governos e a orientação colonial adoptada, sobretudo para a Africa occidental, que nos ultimos annos tem já concorrido para uma larga transformação na nossa vida industrial e economica.

As pautas ultramarinas decretadas em 1892, e a legislação posterior, sobretudo o decreto de 25 de abril de 1894 relativo aos vinhos nacionaes, têem operado favoravel acção em algumas industrias da metropole e aberto aos productos da nossa agricultura os mercados ultramarinos. Escusado é repetir a este respeito o que já foi claramente demonstrado pelo meu illustre antecessor e o que bem se evidencia dos mappas que acompanham este relatorio.

Parece-mo que o que nos cumpre é proseguir na orientação iniciada, procurando por todos os modos tornar efficaz a protecção dispensada á industria e á agricultura nacional, mas diligenciando tambem que essa protecção só se applique aos productos que tenham as condições requeridas para utilisarem e servirem os mercados ultramarinos, e não redunde em inutil sacrificio e em grave damno para o desenvolvimento colonial.

V. - Moçambique

A provincia de Moçambique é, de certo, uma das nossas possessões ultramarinas que reune maiores condições de vitalidade economica.

Com terrenos foracissimos que permittem variadas culturas, dando transito a regiões do interior igualmente ferteis e algumas em estado já adiantado de civilisação, dotada de numerosos e excellentes portos, a sua prosperidade está por tal fórma assegurada, que ainda mesmo quando se dessem causas que a contrariassem, não poderia a acção d'ellas ser duradoura nem valer contra, o concurso do tantos elementos que conspiram em favor do seu adiantamento.

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Desde os primeiros tampos do seu descobrimento e conquista que as regiões da Africa oriental attrahiram os portuguezes. Foi principalmente a noticia das riquezas mineiras que ali levou os primeiros exploradores, e os convidou a penetrar no sertão, arrostando por vezes com os maiores perigos.

As afamadas riquezas de Ophir, que não eram apenas fabulosas, como o estão provando as modernas explorações mineiras, póde assegurar-se que por nenhum outro povo foram mais procuradas do que pelos portuguezes; os trabalhos do que todos os dias se encontram vestigios em muitas minas o terrenos hoje em lavra são incontestavelmente a elles devidos.

Mas, ou porque essas tentativas não dessem resultados animadores, ou porque a nossa attenção só derivasse para as regiões da India, certo é que Moçambique foi successivamente decaindo e que apenas no principio d'este seculo restavam ruinas ou vestigios dos muitos fortes, igrejas, feiras e explorações, que haviam attestado a nossa actividade, a nossa ousadia, o nosso empenho de devassar e civilisar as regiões mais internadas.

Tarde, n'este seculo, começámos a voltar a nossa attenção para Moçambique; e foi ainda a exploração mineira que serviu de incentivo ás novas tentativas emprehendidas.

Aquella exploração foi objecto das concessões feitas em 1879 a Paiva de Andrada, as quaes, após variadas peripecias, vieram, dar origem á formação de uma companhia que se transformou em outras, vindo a final a encorporar-se na companhia de Moçambique, creada em 1888.

Foi principalmente após as concessões feitos em 1879 e depois dos trabalhos de obras publicas iniciados pela expedição para tal fim enviada em 1877, que a provincia de Moçambique começou a despertar mais vivo interesse, a nacionaes e estrangeiros.

Não é a historia da provincia que me proponho fazer, mas tão sómente apontar os principaes factos que podem servir para bem se comprehender quaes eram, n'aquella epocha, as suas condições economicas e financeiras.

Se abrirmos o orçamento de 1875-1876, encontraremos que as receitas eram calculadas apenas nas seguintes importancias:

Impostos directos..................... 12:700$000
Impostos indirectos................... 200:160$000
Proprios e diversos rendimentos........ 84:853$000
Total.................... 247:713$000

A esta receita correspondia uma despeza de 249:953$804 réis, o que representava o deficit de 2:240$804 réis.

Como se vê d'estes numeros, a unica receita apreciavel era a das alfandegas.

Do imposto predial apenas se computava a receita em 2:000$000, do industrial em 2:700$000, do sello em rei 3:500$000, da contribuição de registo 2:000$000 réis, sendo a differença para o total de 12:700$000 réis dos impostos directos obtida de dizimos, direitos de mercê, multas, contribuição de registo, imposto sobre os libertos e emolumentos sanitarios.

Entre os proprios e rendimentos diversos figurava a receita dos prazos da corôa com a verba de 5:000$000 réis

A despeza era na maior parte constituida pelos encargos do pessoal do governo e administração geral, da administração militar e da marinha, e de fazenda.

Como a instrucção publica despendia-se apenas a verba de 3:750$000 réis, com o serviço de saude 14:929$200 réis, com as obras publicas 26:000$000 réis, mas d'esta verba pagavam-se ainda as dotações das camaras municipaes e o serviço braçal das alfandegas.

Se estes numeros não bastassem para demonstrar quanto era pouco prospera a situação da provincia, dil-o-ia o relatorio do illustrado engenheiro, encarregado em 1877 da expedição de obras publicas á provincia de Moçambique.

Depois de descrever a traços largos aquelle vastissimo paiz com um litoral de 2:000 kilometros, onde se encontram excellentes portos de mar, terrenos de uma fertilidade extraordinaria, adequados á cultura de todos os productos tropicaes, com florestas virgens e ricos jazigos de mineraes, com um clima a que se adapta facilmente o europeu e o asiatico, uma população enorme, vigorosa, selvagem, mas perfeitamente apta ao trabalho e susceptivel de educação, eis como elle descrevo o estado geral da provincia e a sua situação relativamente a melhoramentos publicos:

«A provincia de Moçambique tem tudo isto, mas as povoações portuguezas formadas desde seculos não têem desenvolvimento, mas o rendimento das suas alfandegas foi apenas de 210:527$315 réis em 1877, não ha agricultura, nem industria, os colonos queixam-se da falta de braços e da selvageria e roubos dos indigenas; não ha escolas profissionaes que eduquem os filhos do paiz; não ha força militar que conserve o prestigio do nome portuguez garanta a segurança da propriedade; não ha instrucção nem religião; não ha conhecimento dos deveres civicos, nem consciencia das obrigações municipaes.

«Edificações publicas notaveis só existem n'esta provincia as que foram construidas na antiguidade; podem citar-se em Moçambique: a fortaleza de S. Sebastião, o palacio do governo (antigo convento de frades), o edificio da junta de fazenda, o edificio da repartição de obras publicas (antigo convento de S. Domingos), o edificio da alfandega, a casa da prelasia, a igreja da Sé, a da Misericordia, a da Saude, a casa da camara municipal. Fóra da ilha de Moçambique só existe a fortaleza de Sofala e tres pequenas obras de fortificação permanente no Ibo.

«Nos tempos modernos muito pouco se tem construido para utilidade publica; podem citar-se a ponte de Moçambique, as igrejas do Ibo, de Quelimane e Inhambane».

E, depois do se referir a alguns melhoramentos realisados nos portos com o imposto especial creado por portaria provincia de 13 de dezembro de 1867, acrescentava:

«Em todas as localidades ha por consequencia grande falta de edificios necessarios ao exercicio da administração, de obras que facilitam o desenvolvimento do commercio, de vias de communicação que permittam o desenvolvimento da agricultura, de quarteis commodos e hygienicos que alogem forças militares que imponham o necessario respeito e mantenham a indispensavel confiança, de igrejas em que se celebre o culto religioso que tanto concorre para a civilisação, de escolas profissionaes em que as creanças recebam uma instrucção utilitaria e a educação propria do homem civilisado, meios de incutir na geração moderna os habitos de trabalho e as necessidades que d'elles derivam».

Esta exposição imparcialmente feita, com o empenho natural de indicar com verdade o estado de cousas a que se tratava de dar prompto remedio, mostra bom a que grau de decadencia havia chegado a provincia de Moçambique.

Escolhi principalmente a epocha a que me refiro para ponto de comparação com o estado actual, porque, como disse, foi depois de 1877, com a expedição de obras publicas o com as verbas successivamente destinadas, extraordinariamente, para obras e melhoramentos na provincia, e depois com a renovação de tentativas de exploração mineira, que se abriu para a provincia um periodo do assignalado e não descontinuado progresso.

Para melhor, porém, avaliarmos a situação economica de Moçambique na epocha a que nos referimos, convém examinar qual era o movimento commercial da provincia, segundo as indicações que nos fornecem as notas da estatistica aduaneira, que podemos colligir.

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SESSÃO N.º 31 DE 20 DE MARÇO DE 1899 25

A importação n'esse anno foi a seguinte:

[Ver tabela na imagem...]

Temos, pois, que o movimento commercial da provincia, em 1877, era apenas de 1.656:113$565 réis, convindo notar que em parte d'esse anno já vigorou a pauta decretada em 1876, dictada por principios que visavam principalmente a dar maiores facilidades ao commercio dos differentes paizes.

Se compararmos a situação que nos denunciam estes numeros com a que se deduz d'aquelles que representam a situação actual, reconhecemos desde logo o enorme adiantamento que a provincia tem tido num periodo de cerca de vinte annos.

Abrindo o orçamento, formulado na provincia para o anno económico corrente, encontraremos as receitas calculadas do seguinte modo:

Impostos directos.................... 1.46õ:556$000
Impostos indirectos.................. l.361:393$000
Proprios e diversos rendimentos.......1.405:377$000
Total................. 4.282:326$000

A esta verba corresponde a despeza calculada em réis 3.945:765$138, representando a differença um saldo positivo de 286:560$862 réis.

Mas ainda que nos limitemos a fazer a comparação com as receitas arrecadadas em 1896, o confronto não deixará de significar um grande melhoramento.

As receitas cobradas n'aquelle anno subiram a réis 2.675:059$839, sendo as principaes verbas arrecadadas as seguintes:

Alfandegas......................... 1.243:857$857
Caminho de ferro de Lourenço Marques. 496:979$250
Imposto de palhota.................. 160:691$174
Contribuição industrial...............115:881$574
Receitas eventuaes................... 106:306$685
Prazos da corôa..................... 76:368$224
Sêllo.............................. 75:568$354
Contribuição de registo............... 69:116$611
Licenças commerciaes................ 52:821$953
Multas............................. 47:996$403
Contribuição predial.................. 43:771$347
Correio............................ 28:735$495
Telegraphos........................ 16:020$282

Basta comparar estas verbas com as poucas que representavam a receita no orçamento de 1875 a 1876 para se reconhecer como cresceram consideravelmente os recursos da provincia.

A receita das alfandegas, que era então a unica na realidade importante, pausou do 200:160$000 réis para réis 1.243:857$357; o imposto predial, calculado então apenas em 2:000$000 réis, deu a receita de 43:771$347 réis; o imposto industrial passou de 2:700$000 réis para réis 1.15:881$574; o rendimento do sêllo elevou-se de réis 3:500$000 a 75:568$354 réis; a contribuição do registo augmentou de 2:000$000 réis para 69:116$611 réis; e, não fallando mesmo na receita do caminho de ferro de Lourenço Marques, encontrâmos o imposto de palhota, que nem era mencionado no orçamento de 1876 a 1877, produzindo um rendimento de 160:691$174 réis, os prazos da corôa dando rendas no valor total de 76:368$224 réis, e o correio rendendo 28:735$495 réis.

Preferimos fazer a comparação das duas epochas, pondo em frente o orçamento de 1875-1876 com a conta das receitas cobradas em 1896, porque, embora os orçamentos formulados posteriormente tivessem sido de certo organisados com o devido cuidado, apenas se fundaram em probabilidades, em relação a algumas das receitas, e não em factos anteriores, do onde podessem sair medias acceitaveis.

A provincia passára por um periodo agitado de successivas guerras, que haviam alargado a area do dominio mais directo; contava-se naturalmente com o producto dos impostos e receitas nas regiões que entraram em administração regular, mas para o computo das receitas só havia bases pouco seguras. Podem por isso ter sido exageradas as presumpções feitas quanto ás receitas, e como é meu empenho approximar-me o mais possivel da verdade, porei de parte, para estas apreciações, os orçamentos a que alludo.

Para mais nos confirmarmos no adiantamento notavel que tem tido a provincia, comparemos agora o seu movimento commercial de 1877 com o do anno de 1897, isto é, no intervallo de vinte annos.

A importação em 1897 foi a seguinte:

[Ver tabela na imagem...]

A exportação no dito anno foi:

[Ver tabela na imagem...]

Sommando os valores da importação e da exportação encontramos o total de 6.286:498$069 réis, o que, em relação a LS77, representa muito mais do triplo do movimento commercial d'este anno. Mas devemos ainda at-

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tender aos valores representados pela reexportação e principalmente ao das mercadorias em transito, que são importantissimos.

Estes valores são assim representados:

[Ver tabela na imagem...]

Temos, pois, que o movimento commercial em 1897 comprehende os seguintes elementos:

[Ver tabela na imagem...]

Comparando este total com o de 1.056:113$565 réis, que representa o movimento commercial de 1877, melhor avaliaremos a transformação operada na vida economica da provincia, e em resultado da qual o seu commercio externo mais do que decuplicou.

Os numeros que deixâmos apontados não apresentam ainda a completa expressão da realidade dos factos, porque não comprehendem, os que se referem a 1897, todo o territorio da provincia, visto como uma parte d'esse territorio está entregue hoje á administração de companhias privilegiadas.

Para que a comparação seja pois exacta devemos acrescentar a estes ultimos numeros os que dizem respeito aos territorios de Sofala e Manica, actualmente sob a administração da companhia do Moçambique, e ao de Cabo Delgado, cuja administração pertence á companhia do Nyassa.

Segundo o relatorio da companhia de Moçambique referido ao anno de 1897, as receitas que ella cobrou no seu territorio importaram em 612:274$450 réis, sendo as principaes as seguintes:

Alfandegas .......................... 297:788$824
Concessões de terrenos ................97:335$34l
Imposto de palhota ................... 38:740$300
Licenças ............................ 38:194$725
Receita eventual ......................30:430$088
Capitanias ........................... 15:367$127
Contribuição de registo ...............14:922$212

O movimento commercial do dito territorio foi em 1897:

Importação nacional .................. 205:321$779
Importação estrangeira ..............2.437:092$650
Exportação .......................... 142:987$682
Reexportação e baldeação ..............286:143$489
Transito ............................ 924:042$295
Total ................................................................................ 3.995:597$895

Segundo o relatorio da companhia do Nyassa referido ao anno de 1897, as receitas cobradas importaram em 33:825$647 réis, entrando n'este total a alfandega com a
verba de 25:586$087 réis. Não está publicada a nota relativa ao movimento commercial correspondente, mas, calculando pelos direitos cobrados não iremos longe da verdade computando esse movimento approximadamente em 500 contos de réis.

Acrescentando portanto aos numeros acima exarados os que se referem aos territorios das duas companhias, podemos computar os rendimentos actuaes da provincia de Moçambique em cerca de 4:000 contos em 1897 e o movimento commercial n'esse anno em cerca de 23:000 contos.

Dada assim uma idéa geral da actual situação economica e financeira da provincia de Moçambique, convem, para fazer juizo acertado ácerca da transformação operada, descer a mais demorado exame dos elementos de riqueza e de prosperidade, que explicam a transformação realisada e porventura asseguram o progresso successivo das valiosas possessões da nossa Africa oriental.

Seguiremos n'este exame a ordem por que, de accordo com a sua maior importancia, se podem classificar os rendimentos cobrados.

O primeiro e o mais importante rendimento é o das alfandegas.

Este rendimento foi no anno de 1897, por alfandegas, o seguinte:

Moçambique......................... 195:197$136
Lourenço Marques.................... 599:700$050
Inhambane.......................... 97:300$194
Quelimane.......................... 163:938$190
1.006:135$570

Se juntarmos a este rendimento o das alfandegas dos territorios das companhias de Moçambique e do Nyassa, na importancia de 323:374$911 réis, podemos computar o rendimento das alfandegas da nossa Africa oriental em cerca de 1:400 contos de réis.

Para melhor avaliarmos como este rendimento tem successivamente crescido, juntaremos a nota relativa a quasi todos os annos do periodo decorrido entre 1877 e 1897, que é a seguinte:

1877................................ 169:974$141
1878............................... 185:611$354
1879............................... 209:029$297
1880............................... 288:298$287
1884.............................. 262:091$963
1885............................... 287:344$017
1886............................... 204:818$291
1887............................... 304:301$866
1888............................... 408:759$330
1891............................... 550:797$085
1892............................... 412:865$244
1893............................... 728:675$570
1894............................... 775:990$074
1895............................... 999:309$655
1896...............................1.453:068$849
1897...............................1.379:510$481

Nos annos de 1894 e 1895 computámos o rendimento da alfandega de Cabo Delgado em réis 35:0000$000; no de 1896 esse rendimento foi de 28:209$992 réis e no de 1897, como já dissemos, de 25:586$087 réis, devendo a diminuição attribuir-se principalmente á prohibição do commercio da polvora e armas.

Dos numeros precedentes vê-se que, ao passo que desde 1877 a 1887 o rendimento não chegou a duplicar, nos ultimos dez annos esse rendimento mais que quadruplicou.

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Procuremos, pois, nos numeros que representam o movimento commercial do ultimo periodo a confirmação d'este rapido progresso na vida economica da provincia, examinando as regiões e os artigos, do commercio em que elle mais especialmente se manifesta.

Comecemos pela alfandega de Moçambique. O seu movimento commercial foi o seguinte no periodo de 1888 a 1897:

1888..............................1.080:310$943
1889..............................1.148:946$656
1890..............................1.159:330$139
1891..............................l.635:642$236
1892..............................1.160:337$332
1893..............................1.039:152$801
1894............................... 842:466$657
1895............................... 826:380$823
1896..............................1.105:388$138
1897..............................1.301:822$135

Por esta alfandega o augmento do movimento não só tem accentuado, o que se explica pela importancia, successiva adquirida por outros portos da provincia e pelo commercio directo que com elles se realisa actualmente.

Passando ao porto do Lourenço Marques, encontramos os seguintes numeros para representar o seu movimento commercial:

1888.............................. 1.020:109$849
1889.............................. 1.195:402$868
1890...,.......................... 2.445:897$616
1891............................. 1.472:128$093
1892............................. 1.655:749$861
1893............................. 1.497:947$715
1894............................. 3.642:456$210
1895.......,..................... 4.494:317$313
1896............................. .9.197:613$285
1897............................. 15.657:613$850

A comparação d'este numeros é por si só bom eloquente para que seja necessario procurar pôr mais em evidencia o rapido crescimento do commercio de Lourenço Marques.

Quando, pelas obras que no estão realisando no porto, e pela execução do plano de melhoramentos destinados a dar á navegação e ao commercio as commodidades, que justamente reclamam, se vierem juntar às condições favoraveis para o commercio do transito pelo nosso territorio a modicidade de despezas do embarque e desembarque das mercadorias e a rapidez da sua expedição para os paizes do interior a que se destinarem, devemos razoavelmente suppor que o movimento commercial continuará a subir em progressão ainda mais rapida.

Passando á alfandega de Inhambane encontrâmos o movimento commercial, no periodo a que nos estamos referindo, representado pelos seguintes numeros:

1888............................... 439:280$285
1889............................... 546:864$219
1890............................... 368:640$731
1891............................... 265:872$274
1892............................... 254:536$360
1893............................... 307:858$827
1894............................... 291:923$579
1895............................... 426:720$234
1896............................... 516:004$770
1897............................... 461:194$857

Não denunciam estes numeros grande alteração nas condições da respectiva região ; a verdade é, porém, que se o sou commercio não tem augmentado, tem ella progredido, como teremos occasião de ver, na exploração agricola, e possue elementos de consideravel desenvolvimento.

O movimento commercial da alfandega de Quelimane é indicado pelos seguintes numeros:

1888 ............................... 837:859$556
1889 ............................... 898:552$895
1890 ............................... 918:705$513
1891 ..............................1.207:323$987
1892 ..............................1.158:679$668
1893 ............................... 887:401$339
1894 ..............................1.079:425$761
1895 ..............................1.033:428$159
1896 ..............................1.124:010$412
1897 ..............................1.115:530$468

O acrescimo de movimento commercial do porto de Quelimane é relativamente pequeno. E comtudo este porto póde, pela sua situação geographica, adquirir uma grande importancia, quando ao construir um caminho de ferro que, dirigindo-se á fronteira e ligando-se ali com outra linha ferrea que siga para a região dos Lagos, possa trazer a esto porto o commercio de uma das mais ricas e mais ferteis regiões da Africa.

Resta-nos ainda fallar do movimento commercial dos portos dos territorios sob a administração das companhias de Moçambique e do Nyassa.

Tomando a companhia do Moçambique posse do respectivo territorio em junho de 1892 é d'esse periodo em diante que o movimento commercial adquiriu um largo desenvolvimento.

Os numeros seguintes representam, pois, o movimento até 1891 sob a administração do governo e de 1892 em diante sob a administração da companhia de Moçambique:

1888 ............................... 139:736$238
1889 ............................ . .70:988$907
1890 ............................... 40:845$000
1891 ............................... 178:002$885
1892 (segundo semestre) .............290:913$844
1893 ............................... 615:646$899
1894 ............................... 761:352$600
1995 ................... , ........1.446:653$600
1896 ..............................2.306:164$486
1897 ..............................3.995:598$895

Este notavel crescimento do commercio dos territorios sob a administrarão da companhia de Moçambique explica-se, como em Lourenço Marques, pelo grande commercio de transito para os territorios vizinhos e pelo notavel desenvolvimento que têem adquirido a Beira e outros pontos, em virtude de exploração mineira o agricola que ali attrahe constantemente um grande numero do colonos e aventureiros de differentes nações. Com o prolongamento do caminho de ferro, já completo em territorio portuguez, em direcção a Salisbury, tudo deixa prever que o movimento commercial crescerá ainda mais rapidamente do que até agora.

No territorio da companhia do Nyassa, ao qual, por causas diversas, esta companhia só ha pouco começou a applicar mais solicita attenção, o movimento commercial não tem por emquanto augmentado, como acima foi indicado ao referirmos-nos ao rendimento aduaneiro.

As condições especiaes da provincia e as próprias rasões do seu desenvolvimento commercial, que é em grande parte devido ao commercio de transito, não têem permittido, nem permittirão facilmente do futuro, que as mercadorias e productos do procedencia nacional entrem por parte importante nos valores que constituem o commercio geral de Moçambiqne.

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É em pequena escala que a importação de productos nacionaes tem augmentado, como melhor se poderá verificar comparando os annos de 1887 e 1896 de que ha organisadas estatisticas desenvolvidas, em relação a quasi todas as alfandegas.

Em 1887 o valor das mercadorias nacionaes importadas em Moçambique, segundo as alfandegas de destino, foi como segue:

Moçambique......................... 66:217$030
Cabo Delgado........................ 2:642$110
Quelimane...........................24:144$484
Chiloane............................ 885$430
Inhambane.......................... 16:579$001
Lourenço Marques....................39:359$652
Total........... 149:827$712

O valor total da importação no anno de 1887 foi de 2.605:867$128 réis, representando portanto as mercadorias nacionaes pouco mais de 5 por cento d'este total.

Em 1896 a importação de productos nacionaes foi a seguinte:

Moçambique......................... 68:608$240
Quelimane...........................35:56S$561
Inhambane.......................... 38:418$532
Lourenço Marques...................423:746$004
Beira..............................101:527$297
Total........... 667:598$634

O valor total da importação em 1896, incluindo a importação por transito, foi de 11.049:776$737 réis, o que representa cerca de 16 por cento para a importação nacional.

Com o favor concedido pelas pautas actuaes de Moçambique e amiudadas as communicações entre a metropole e os portos da provincia, e provavel que os productos nacionaes possam encontrar mais larga collocação nos mercados d'esta; mas não deve esquecer-se em todo o caso que a necessidade de darmos transito às mercadorias que se destinam aos paizes vizinhos não permitte n'esta provincia larga protecção aos productos portuguezes, porque, traduzindo-se em muito elevados direitos dos productos estrangeiros, seria em detrimento do commercio licito que mal poderia luctar com o contrabando dos productos similares que revertessem d'esses paizes vizinhos para o nosso territorio.

A remodelação das pautas da provincia de Moçambique impõe-se em presença das condições actuaes em que ali se realisa o commercio, mas convem que esse estudo se faça depois de obtidas todas as informações indispensaveis para que se attenda, em quaesquer providencias que d'elle resultem, a todos os legitimos interesses, ás condições especiaes da provincia, e ao empenho de dar todas as facilidades ás relações commerciaes com os paizes vizinhos.

Depois das alfandegas é o caminho de ferro de Lourenço Marques que apresenta a maior verba da receita da provincia de Moçambique. É certo que essa receita tem a corresponder-lhe uma avultada despeza, não só porque a nossa linha é de curta extensão, e por isso a sua exploração é necessariamente mais cara, mas porque as condições da construcção primitiva e o successivo acrescimo do trafego têem obrigado e obrigarão ainda a importantes melhoramentos e transformações para a adaptar a um movimento cada vez mais activo.

Mas desde que a linha ferrea esteja em condições de dar prompta vasão a todo o trafego, é de crer que o seu rendimento, augmentando consideravelmente, exceda muito as despezas de exploração.

O seu rendimento tem sido o seguinte:

1889 (segundo semestre)............... 25:336$058
1890............................... 85:754$434
1891............................... 105:948$167
1892............................... 119:720$289
1893............................... 244:376$981
1894............................... 264:475$182
1895............................... 369:803$460
1896............................... 679:445$351
1897 .............................. 727:092$179

As despezas de exploração, não computadas as reparações ou construcções, são representadas pelas seguintes importancias:

1889 (segundo semestre)............... 85:469$912
1890............................... 221:593$388
1891............................... 202:086$010
1892............................... 113:614$240
1893............................... 108:655$825
1894............................... 149:019$894
1895............................... 235:396$658
1896............................... 387:919$949
1897............................... 552:075$799

Mas o saldo entre as receitas e as despezas de exploração foi até hoje absorvido, quando não excedido, pelas outras despezas a que tem sido necessario proceder para melhorar as condições da linha ferrea.

Na enumeração que fizemos dos rendimentos principaes da provincia encontramos em seguida o imposto de palhota na importancia de 160:691$174 réis.

Este imposto, que desde longa data era cobrado nos territorios constituidos em prazos da corôa, o que o decreto de 22 de dezembro de 1851, que visava á abolição d'esta instituição, manteve, fixando-o no pagamento de l$600 réis por cada fogo, palhota, funco ou qualquer outra habitação, foi acertadamente regularisado pelo decreto de 5 de julho de 1883, que com rasão entendeu que, em materia de tributos, convinha, quanto possivel, evitar innovações e antes aproprial-os aos usos e costumes dos povos.

E não obstante o decreto de 20 de outubro de 1880 haver isentado do imposto predial as casas de habitação dos indigenas, denominadas palhotas ou cubatas, a creação ou renovação do imposto de palhota foi acceita sem difficuldade; e, se por vezes alguma reluctancia se tem apresentado em um ou outro ponto da provincia contra a sua cobrança, póde assegurar-se que essa reluctancia não provem propriamente da exigencia de um imposto que o indigena, de accordo com as tradições e habitos seculares, considera como demonstração da sua sujeição á auctoridade do dominador, mas quasi sempre, ou do exagero da taxa exigida, ou de quaesquer violencias dos encarregados da cobrança.

Desde que se proceda com a maior moderação e prudencia póde calcular-se que o rendimento do imposto de palhota ha de ir successivamente crescendo, o que, alem das vantagens financeiras, representará o reconhecimento cada vez maior da nossa auctoridade e soberania.

Para comprovar estas asserções parece-nos que bastará apenas mencionar as receitas d'esta origem que, em vista das cobranças realisadas, se têem successivamente inscripto nas tabellas posteriormente ao decreto de 5 de julho de 1883:

1884-1885................................................ 5:000$000
1885-1886............................................ 5:000$000
1887-1888.............................................. 6:000$000

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SESSÃO N.º 31 DE 20 DE MARÇO DE 1899 29

1888-1889........................... 6:000$000
1889-1890........................... 6:000$000
1890-1891...........................17:030$000
1891-1892...........................17:030$000
1893-1894...........................55:500$000

Nas tabellas de 1896-1897 o imposto de palhota é avaliado em 461:149$600 réis, mas a sua cobrança em 1896 não foi alem de 160:691$174 réis, entrando para este total o districto de Inhambane com a quantia de 142:975$194 réis; o que, porém, nos não auctorisa a dizer que, quando a cobrança se possa, fazer regularmente em toda a provincia, elle não attinja aquella verba ou mesmo não a exceda.

A verdade é que, por emquanto, só em uma parte relativamente pequena da provincia se cobra este imposto em condições normaes.

A contribuição industrial, como vimos, figurava em 1875-1876 apenas com a pequena verba de 2:700$000 réis, e no orçamento de 1896-1897 vem calculada em 469:548$000 réis.

Mas não nos referindo, para maior exactidão dos calculos, sendo á cobrança de 1896, vemos que em vinte annos esta contribuição se elevou d'aquella pequena verba á de 115:881$574 réis, o que revela um importante acrescimo na actividade industrial.

Devemos em seguida referir-nos á verba de 76:368$224 réis, cobrada em 1896 de rendas dos prazos da corôa. Esta receita apenas figurava em 1875-1876 com a verba de 5:000$000 réis; mas as modificações operadas no regimen dos prazos da corôa permittiram augmentar consideravelmente esta fonte de receita.

De accordo com o lucidissimo relatorio da commissão nomeada por portaria de 15 de novembro de 1888, foi em 28 de novembro de 1890 publicado o decreto que estabeleceu um regimen regular de administração e arrendamento dos prazos da corôa.

Respeitando os costumes e usos tradicionaes, mantendo o que a experiencia de largos tempos aconselhava como mais pratico, mas ao mesmo tempo procurando transformar successivamente os prazos da corôa em terrenos regularmente agricultados e aproveitados, de modo a irem pouco a pouco entrando no regimen ordinario, aquelle decreto operou uma notavel mudança na região da Zambezia.

Os prazos toem, em geral, melhorado nos processos de aproveitamento o de cultura, e o estado conseguiu, pelo systema de arrendamento adoptado, obter uma receita valiosa, que vae crescendo dentro do determinado periodo, na proporção do augmento da população.

Não julgo necessario referir-me especialmente ás verbas de receitas, cujo augmento é natural consequencia do crescimento das relações commerciaes e do maior desenvolvimento industrial, como sejam as relativas ao imposto de sêllo o as licenças do commercio.

Mencionarei o augmento da contribuição de registo, que passou de 2:000$000 a69:116$611 réis, porque esse facto representa um melhoramento sensivel nas condições economicas da provinda, pelo desenvolvimento das transacções sobre a propriedade movel e immovel.

Não é menos digno de notar-se o acrescimo da contribuição predial, passando de 2:000$000 para 43:771$347 réis, o que revela a maior valorisação da propriedade immovel e sobretudo confirma o maior desenvolvimento e riqueza de alguns dos centos populosos da provincia, dos quaes principalmente provém esta contribuição, visto como as construcções o as habitações indigenas não são directamente attingidas pelo imposto predial, substituído pela contribuição do mussoco e imposto do palhota.

Importa ainda fazer referencia especial á receita do correio e do telegrapho, não porque o estado deva organisar serviços d'esta ordem com a mira no rendimento que elles possam produzir, mas porque essas receitas correspondem a um determinado movimento postal e telegraphico, que são dos indicadores mais seguros do adiantamento e progresso do um paiz.

Em 1875-1876 o rendimento do correio na provincia do Moçambique era computado em 150$000 réis; e em 1896 cobrou-se d'esta procedencia a quantia de réis 28:735$495.

Em 1875 as communicações entre Moçambique e a metropole eram pouco frequentes, e as viagens entre os portos da provincia faziam-se por modo muito irregular, por meio de hiates. Só por essa epocha começaram com certa regularidade as camaras dos vapores das companhias Union e British India.

Actualmente as communicações são amiudadas, quer entre a metropole e a provincia, quer entre os differentes portos d'esta, e o serviço com as povoações do interior faz-se em condições regulares. Muito ha, porém, ainda que melhorar para que tão importante serviço corresponda aos requisitos que d'elle se exigem.

O serviço telegraphico, que não existia em 1875, abrange hoje uma rede já bastante extensa, nos districtos de Lourenço Marques e da Zambezia, como se evidencia pelos mappas juntos a este relatorio, mas, por emquanto, deve dizer-se que o movimento telegraphico e o respectivo rendimento estão longe de corresponder á despeza feita.

As outras verbas de receita da provincia não são importantes, nem podem ser apreciadas pelo lado dos recursos financeiros.

Tendo assim assignalado quaes as principaes receitas da provincia de Moçambique o procurado pôr em relevo aquellas que apresentam probabilidade do largo e successivo augmento, importa agora examinar as despezas que se fazem com os principaes serviços e especialmente com aquelles de que juntamente ha a esperar progresso e melhoramento, quer moral, quer material.

Recorremos para este exame ao orçamento de 1896-1897, que foi approvado pela metropole.

Calculava-se a despeza total em 3.592:234$342 réis, com a seguinte classificação geral:

Administração geral .................. 1.458:128$930
Dita de fazenda ..................... 192:209$875
Dita de justiça ...................... 62:080$000
Dita ecclesiastica .................... 52:895$500
Dita militar ......................... 5l9:687$040
Dita de marinha ..................... 309:561$373
Encargos geraes ........................ 188:198$000
Diversas despezas ................... 429:500$740
Exercicios findos .................... 4:500$000
Despezas imprevistas ................. 375:417$912

Destrinçando das verbas d'estes grandes agrupamentos as que se referem aos serviços que mais especialmente importa examinar, reuniremos as despezas que se fazem com os seguinte: obras publicas, caminho de ferro do Lourenço Marques, serviços dos portos, correios, telegraphos e pharoes, saude, instrucção publica e missões.

A exclusão de mais demorada apreciação para os outros serviços não significa que elles não tenham a maior utilidade, e que não dependa do seu regular exercicio o assegurar aos territorios que compõem a provincia elementos essenciaes para a sua boa administração, para a sua tranquillidade, para a manutenção do nosso dominio, para o regalar funccionamento, n'um a palavra, de todos os differentes meios de acção que requer o governo de um paiz. Mas esses serviços, embora indispensaveis, são a consequencia necessaria da nossa dominação, e têem de corresponder ás necessidades que ella nos impozer, sem que tenhamos em conta muitas vozes ou quasi sempre

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30 DIARIO DA CAMASA DOS SENHORES DEPUTADOS

o resultado que possam mediata ou immediatamente trazer para o alargamento da nossa vida economica ou dos nossos recursos financeiros.

E, dada esta explicação, passemos a reunir as verbas que, segundo o orçamento, a que nos estamos referindo, devem ter sido applicadas aos serviços de obras publicas. São ellas, segundo os districtos:

Moçambique........................ 41:764$000
Zambezia...........................23:000$000
Inhambane..........................12:040$000
Lourenço Marques...................79:200$000
Total ............................................................................... 156:004$000

Em 1875-1876 despendiam-se apenas com os serviços de obras publicas na provincia 26:000$000 réis.

Se, em relação á arca da provincia sob a administração do estado, e não esquecendo o que em serviço analogo despendem nos respectivos territorios as companhias de Moçambique e do Nyassa, a verba de 156:004$000 réis póde julgar-se insufficiente, é certo que ella demonstraria, ainda quando não tivéssemos de lhe acrescentar outras, o empenho que nos modernos tempos têem tido os governos de corresponder, na organisação e na dotação d'este serviço, aos melhoramentos reclamados por uma provincia que entrou em uma phase de vida de reconhecido progresso.

Mas ás verbas que o orçamento classifica propriamente sob a denominação de serviço de obras publicas tem de acrescentar-se o que despendemos com o caminho de ferro de Lourenço Marques e ainda com o grande numero de construcção n'este districto, que, embora classificadas sob o titulo de despezas diversas, nem por isso deixam de representar melhoramentos materiaes de grande importancia.

Referir-nos-hemos primeiro a estes ultimos para os quaes foi destinada a importancia total de 25l:880$000 réis. Basta enumerar as principaes verbas para se reconhecer a verdade do que avançâmos. Assim temos:

Construcção de armazens o outros melhoramentos na alfandega ....... 91:100$000
Construcção de um paiol .................................................................................................. 15:000$000
Constrição de edificios e quarteis .................................................................................. 44:000$000
Ampliação do hospital .................................................................................................... 53:000$000

Na realidade, pois, a dotação das obras publicas deve considerar-se elevada no anno economico de 1896-1897 a uma quantia approximadamente de 456:000$000 réis. É certo que as verbas destinadas a melhoramentos em Lourenço Marques foram extraordinarias, mas não é menos verdade que outras obras, tanto n'este districto, como em outros, são exigidas, e obrigam a avultadas despezas.

Mas se ás verbas acima descriptas juntarmos as despezas feitas com o caminho de ferro de Lourenço Marques, ver-se-ha que, não só não temos descurado os melhoramentos da provincia, mas a elles applicâmos grande parte das receitas que ella fornece ao thesouro.

Para o caminho de ferro incluia se no orçamento de 1896-18917 a consideravel verba de 765:092$400 réis, da qual ora destinada para acquisição de material circulante e ferramentas para officinas e locomotivas a quantia de 220:000$000 réis, para melhoramentos no traçado réis 60:000$000, para construcção, conservação e reparação de obras de arte, apparelhos telegraphicos, material circulante e edificios 125:115$000 réis; para acquisição de materiaes 142:115$000 réis.

Do que fica exposto se deduz que, se a receita effectiva da provincia em 1896 foi de cerca de 2.675:000$000 réis, destinamos no orçamento de 1896-1897 para obras publicas e caminho de ferro de Lourenço Marques mais de metade das receitas com que era rasoavel coutar.

Rasões de todos conhecidas justificam este elevado dispendio em obras e melhoramentos materiaes, e justificam mesmo quaesquer outros sacrificios que tenhamos de fazer para attender principalmente aos melhoramentos reclamados no porto e caminho de forro de Lourenço Marques; mas não deverá essa consideração impedir, antes reclamará, que envidemos todos os esforços para que os sacrificios que fizermos tenham uma justa compensação, traduzindo-se efficazmente, não só em largas facilidades offerecidas ás communicações internas e externas e ao desenvolvimento das relações commerciaes, mas tambem em maiores recursos e em mais avultados rendimentos para o estado.

E para que assim seja, tenho empregado e continuarei a empregar, como em outro logar exponho, todos os esforços, diligenciando que as verbas destinadas a melhoramentos publicos, não só em Moçambique, mas em todas as provincias ultramarinas, tenham a mais util e efficaz applicação.

Ao serviço dos portos e da navegação, a cargo da provincia, applicam-se as seguintes verbas:

Cinco vapores para serviço da provincia.................................. 31:767$500
Lanchas de vapor no Nyassa..................................................... 8:500$000
Serviço do porto em Moçambique................................................ 13:929$450
Dito na Zambezia................................................................. 2:363$250
Esquadrilha de fiscalização e policia dos rios da Zambezia...39:662$400
Serviço do porto em Inhambane.................................................. 51:365$500
Dito em Lourenço Marques......................................................... 20:967$150
Esquadrilha deste porto e do Limpopo....................................... 89:205$700
Réis...................................................................................................... 257:760$950

Se compararmos esta despeza com a que se fazia em 1875-1876, em que as verbas destinadas aos serviços dos portos e á manutenção do hiate Inhamissengo não iam alem de 1:674$200 réis, a que poderá acrescentar-se a de 13:500$000 réis para subsidio á navegação entre os portos da provincia, reconheceremos que temos prestado a devida attenção a um dos mais poderosos elementos do progresso da provincia.

Com um litoral extenso, onde se abrem numerosos e excellentes portos, com um territorio cortado de rios, alguns de facil navegação em parte do seu percurso, mal poderemos, sem grande numero de vapores, de lanchas e de embarcações apropriadas, não só fazer a policia em muitas regiões, mas assegurar ao commercio licito a protecção que lhe é devida.

A policia maritima e fluvial, que por este modo se exerce, é ainda o mais seguro meio de evitar conflictos e guerras, que a presença ou a prompta apparição, quando reclamada, dos navios das esquadrilhas que temos em Moçambique, basta para evitar ou fazer abortar.

Tudo quanto acertadamente se despender em melhorar este serviço não poderá, pois, redundar senão em verdadeira economia.

Aos serviços dos correios, telegraphos e pharoes applicaram-se no alludido anno as seguintes verbas:

Moçambique......................... 8:609$685
Zambezia............„..............68:905$600
Inhambane.......................... 6:987$400
Lourenço Marques...................22:349$500
Réis.................... 106:852$185

No orçamento para 1875-1876 não figurava nenhuma verba para aquelles differentes serviços. O unico que tinha uma tal ou qual organisação era o dos correios, mas estava entregue aos empregados das alfandegas.

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O resultado das despezas feitas para melhorar estes serviços é bem evidente em presença da mappas que vão juntos a este relatorio.

Os serviços de saude são dos mais dignos de attenção em todos os paizes, mas especialmente d'aquelles em que a acção do clima ou talvez mais ainda a de outros agentes morbidos e deprimentes concorre poderosamente para tornar pouco possivel a permanencia n'elles aos europeus, debilitando-lhes as forças e prostrando-os a miudo com doenças que lhes abreviam a vida.

Combater por todos os modos as causas que possam contribuir para estes resultados, e procurar attenuar-lhes os effeitos, com soccorros promptos, com tratamento adequado ás differentes doenças, empregar emfim todos os meios ao alcance da sciencia para remover uma das calamidades mais poderosas com que lucta a exploração das regiões intertropicaes, é um dos principaes deveres do estado e uma das suas missões mais dignas do solicitude.

Para este serviço se fixaram no orçamento de 1896-1897 quantias cujo total ascende a 96:483$685 réis, era vez de 20:520$210 réis, que elle custava em 1875-1876.

O serviço de saude tem sido alargado aos principaes centros de população da provincia, e, se ainda não satisfaz completamente a tudo quanto se póde exigir para que elle corresponda ás necessidades de todas as regiões, póde dizer-se, com verdade, que se tem successivamente melhorado.

Temos ainda de nos referir aos serviços que visam principalmente ao progresso moral, e que não são certamente dos que menos devem merecer a attenção dos poderes publicos. Verdade seja que, posto que indirectamente, não concorrem menos para case progresso muitos dos melhoramentos materiaes do que temos tratado.

As transformações que vão dando em resultado um contacto mais intimo entre os europeus e os indigenas, que pouco a pouco vão afeiçoando estes a um trabalho regular, que lhes vão creando necessidades e desejos do um modo de vida differente, e fazendo-lhes perder habitos de ociosidade e costumes ainda selvagens, não são muitas vezes meios menos aludisses para conduzirem a um melhoramento moral mais rapido do que a influencia das missões ou a frequencia das escolas.

Não quer isto dizer que não sejam de grande influição benefica estes meios de acção, mas que fôra erro confiar sómente d'elles o progresso moral das populações, e que muito importa saber conciliar acertadamente os melhoramentos materiaes e moraes, e dar, quanto possivel, a estes ultimos um caracter de ensinamento pratico que, sem contrariar de frente habitos e costumes seculares, procurem lentamente insinuar-se em animos rudes, pela evidencia dos beneficios da civilisação e da elevação dos principios, que se lhes apresentem como superiores ás suas grosseiras crenças e inveteradas superstições.

A despeza com o serviço ecclesiastico, segundo o orçamento a que nos referimos, à de 39:267$500 réis, e com a instrucção publica de 20:788$000 réis.

Parte da despeza com o serviço ecclesiastico é constituida pela dotação dos missionarios e das missões de Bolama, Gaza e Macassene. São dignos do maior respeito os serviços prestados por muitos missionarios na provincia de Moçambique, principalmente os que têem sido destinados ás regiões internadas. Não tem sido poucos os que succumbiram no desempenho da sua ardua missão, sem que a sua sorte tenha entibiado a fé de outros que os vão substituir.

São relativamente poucas as escolas de instrucção primaria, missionarias ou parochianas, estabelecidas na provincia e não é muito consideravel a sua frequencia; mas não deve ser isso rasão para que não nos empenhemos em alargar, quanto possivel, este meio de civilisação, procurando o mais possivel accommodal-o ás condições, aos habitos, aos costumes d'aquelles que desejâmos encaminhar para um estado de civilisação mais perfeito.

O numero actual das escolas é 16, e a sua frequencia media não excede a 500 alumnos do sexo masculino e a 170 do sexo feminino.

Para completar as informações que precedem devem acrescentar-se, para mais exacta apreciação, as quantias que representam as despezas fixadas nos territorios das duas companhias privilegiadas. Quanto ao territorio da companhia de Moçambique, com relação a 1896, são as seguintes, approximadamente:

Obras publicas....................... 88:000$000
Serviço da portos.................... 7:000$000
Correios e pharoes.. . ................9:500$000
Saude............................... 11:500$000
Instrucção........................... 700$000
116:700$000

No anno de 1897 as quantias applicadas a estes serviços augmentaram consideravelmente; bastando indicar que nos serviços do construcções se despenderam 278:762$193 réis.

Da companhia do Nyassa não temos informações exactas quanto ás despezas realisadas com os serviços a que nos referimos especialmente.

Para os que imparcialmente apreciarem os esforços empregados para arrancar a provincia de Moçambique do abatimento a que havia chegado, bastariam sem duvida as informações que precedem para que fizessem plena justiça ao empenho que tem havido em lhe fornecer importantes elementos de transformação. Nem tudo está feito, e por certo muito ha ainda que fazer.

E que não devemos hesitar era proseguir no caminho encetado, aconselham-nos não só os resultados obtidos dos esforços já empregador, mas ainda a certeza de mais brilhantes resultados no futuro, que nos vem do conhecimento das incalculaveis riquezas, quasi inexploradas ate agora, que encerra a provincia de Moçambique.

Do que póde advir-nos das relações com os paizes da Africa central dão-nos já incontestavel testemunho o movimento commercial de caminhos de ferro de Lourenço Marques e da Beira e da respectivos portos. E tudo nos faz crer que, construido o caminho de ferro do Ruo, Quelimane se tornará igualmente um emporio commercial do primeira ordem.

Do que podemos obter da exploração do nosso proprio territorio, não fallam tão eloquentemente os factos, porque essa exploração está ainda, em relação a algumas regiões, em estado rudimental1, mas é facil aprecial-o, conhecendo como são promettedores os ensaios feitos, e como se apresenta por toda a parte exuberante e fecundo na producção expontanea dos mais ricos generos coloniaes o solo da provincia de Moçambique, e com extraordinaria pujança de minerios ricos uma parte do seu sub-solo.

Já alludimos às riquezas mineiras, que foram o attractivo das primeiras explorações do sertão de Moçambique. Que essas riquezas não eram uma ficção, mesmo na parte do territorio que hoje noa pertence, attesta-o a exploração de Manica, onde n'este momento por toda a parte se abrem poços a galerias, e já trabalham os mais aperfeiçoados machinismos para o tratamento dos minerios auriferos.

Os vastos jazigos carboniferos da região de Tete, que, quando facilitado o transporte para o litoral, parece deverem tornar-se de grande importancia commercial, são tambem valioso attestado da riqueza do sub-solo; não fal-

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lando das probabilidades de haver uma zona mineira tambem na fronteira de Lourenço Marques, nem de iguaes probabilidades quanto ao territorio de Cabo Delgado.

Mas nem mesmo é preciso fundar esperanças nas riquezas mineraes, embora ellas devam trazer á provincia vastos recursos, como poderoso estimulo que são para attrahir capitaes e largos elementos de colonisação. A fertilidade do solo será mais que sufficiente para assegurar uma excepcional prosperidade a Moçambique.

E os nossos primeiros exploradores bem o comprehenderam, porque, passado o impulso que lhes havia sido dado pelas noticias dos ricos jazigos auriferos do interior, trataram de assentar mais duradouros estabelecimentos, procurando aproveitar pela agricultura as feracissimas regiões da Zambezia. E com um espirito pratico, que nem sempre temos sabido imitar, accommodando-se aos usos e tradições dos povos, organisaram a instituição dos prazos, que, sem outras causas que a contrariaram posteriormente, teria sido, por largos annos e seculos, um factor importante da prosperidade d'aquella região.

Da fertilidade da Zambezia encontrariamos concordes os testemunhos de quantos desde o seculo XVII têem escripto ácerca da provincia de Moçambique, se fosse preciso invocal-os, em presença dos factos recentes que nos attestam que, por virtude de mais accurada exploração e da applicação de capitaes mais importantes, os rendimentos de grande numero de prazos têem crescido de modo extraordinario. E comtudo o maior numero d'elles estão apenas ainda explorados em area relativamente pequena. Mal se póde calcular o que será a producção só da Zambezia quando todos os terrenos estiverem convenientemente aproveitados.

Hoje apenas o districto produz, em maior quantidade, amendoim, cêra, copra, borracha, gergelim; e bastaria lançar os olhos para os valores dos productos exportados em 1896 para se reconhecer quão longe estamos de uma exploração activa.

Os productos exportados n'aquelle anno foram:

Amendoim .......................... 108:945$900
Gergelim ............................15:990$950
Copra .............................. 38:427$000
Borracha ............................16:890$150
Pelles e couros ....................... 24$900
Cocos .............................. 10$000
Cêra ............................... 25:616$100
Pontas de cavallo marinho ............. 797$500
Marfim ............................. 37:682$240
Pimenta............................. 31$000
Pau preto ........................... 1:90$490
Oiro em pó .......................... 1:923$500
Diversas mercadorias ..................2:282$748
Mercadorias nacionalizadas ............2:304$000
Total ............ 252:122$978

Mas o solo presta se admiravelmente, não só ás producções, de que hoje se faz exportação, e que póde ser extraordinariamente augmentada em relação a alguns generos ricos, como a borracha e a era, mas a outras não menos valiosas, como o assucar, café, algodão, tabaco, baunilha e anil.

Em alguns prazos da Zambezia se tem já feito algumas plantações d'estas, e, como é sabido a cultura da canna saccharina já faz objecto de uma exploração especial para a producção de assucar, que é exportado para o mercado de Lisboa.

Fallamos especialmente da exploração agricola do districto da Zambezia, mas quasi o mesmo podemos dizer do districto do Inhambane, região admiravelmente apta para uma larga producção, e já hoje em graudo parte aproveitada, e de outras regiões da provincia, prodigamente dotadas pela natureza de aptidões para culturas remuneradoras.

Não desejo dar demasiada extensão a este relatorio e por isso não me referirei a todas as variadissimas producções que poderiam obter-se do solo, quasi todo fertilissimo, da provincia, nem ainda às applicações industriaes a que ellas darão logar, quando uma actividade maior e mais abundante capital se aventurarem nas emprezas africanas.

Muito haveria ainda que dizer das incalculaveis riquezas florestaes que encerra a provincia, e da outros muitos elementos favoraveis ao alargamento da agricultura e da industria, mas creio que o que fica indicado é mais do que sufficiente para nos affirmar no convencimento de que a provincia de Moçambique tem as mais favoraveis condições de progresso e prosperidade.

Nem mesmo lhe escasseiam regiões que offereçam condições favoraveis ao estabelecimento de europeus e onde se poderiam crear com probabilidade de exito colonias agricolas, quando na sua fundação se não preterisse a observancia dos requisitos que a sciencia e a experiencia aconselham como meios de garantir o resultado d'estes emprehendimentos.

VI. - India

Padrão glorioso, não só das nossas mais arrojadas emprezas maritimas, mas tambem, das nossas mais assignaladas conquistas e dos nossos mais heroicos feitos em terras do Oriento, a India portugueza, pequeno retalho das vastissimas regiões a que levámos o dominio no Indostão, é uma das provincias ultramarinas onde mais se accentua a influencia e a acção directa da nossa civilisação e da nossa politica colonial.

Mais ou menos modificado, ou mais menos transformado pelas condições especiaes da região, o elemento portuguez predomina n'este recanto do Oriente o espalha ainda as suas ramificações por varias outras regiões d'esta parte da Asia.

Não póde a India portugueza aspirar a converter-se n'uma colonia que, em riqueza se compare com algumas d'essas provincias ultramarinas a que já nos referimos, mas seria contradizer a sua historia, desconhecer as suas aptidões naturaes, e fazer injuria ao estado de adiantamento da sua população, se negássemos que, afastadas as causas excepcionaes que a miudo têem perturbado o seu progressivo caminhar, ella poderia tornar-se uma possessão prospera, que contasse com todos os recursos necessarios para o seu successivo desenvolvimento.

Os nossos conquistadores não encontraram na India, como em muitos pontos da Africa, povos selvagens, e inteiramente avessos ao trabalho e ao aproveitamento do solo; acharam povos já effeitos á agricultura, com instituições regulares, que elles tiveram em geral o bom senso de respeitar e de imitar. E tão vigorosa era essa organisação, que resistiu á conquista e tem atravessado os seculos, mais ou menos modificada, mas conservando sempre a sua feição primitiva.

Agrupados em aldeias, tendo cada habitante uma certa area de terreno, mas sendo a cultura feita em commum, com uma administração propria e por assim dizer patriarchal, os habitantes da nossa India eram, no tempo de Affonso de Albuquerque, o que são hoje passados seculos; e, se ha alguma cousa a registar ou condemnar no seu estado social, não é de certo esse afincado amor a uma organisação agricola, que não tem podido annular a acção do tempo, nem a excessiva tendencia reformadora da nossa administração, sem com isto pertendermos dizer que não se hajam realisado, e se não possam realisar modificações uteis e acertadas, mantendo as bases tradicionaes em que assenta, essa organisação.

Não e meu proposito fazer a historia das communidades agricolas da India portugueza, que não caberia ella

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N'este relatorio, mas não posso deixar de começar por me referir a esta instituição que é caracteristica e que até certo ponto devo estar constantemente presente a quem se occupa do descrever as condições actuaes d'esta possessão portugueza.

Com estas tradições agricolas, com ao tendencias da sua população para a cultura do solo, com as aptidões derivadas de tão larga experiencia, e ainda com o estado de adiantamento e do civilisação a que chegou, a nossa India deveria estar hoje em circumstancias economicas muito diversas, se não tivesse sido contrariado o seu progresso por successivas perturbações internas, que, alem do obrigarem a metropole a sacrificios consideraveis, têem infelizmente redundado em retrocesso e paralysação da sua actividade trabalhadora.

Não seria do certo contrario a verdade se considerassemos, a par das repetidas revoltas e sedições, as luctas eleitoraes, como uma das causas mais efficazes do atrophiamento de muitas condições do actividade e do progresso da India.

Cremos sinceramente que, desde que esta provincia se possa entregar unicamente ao trabalho e á cultura, desde que uma sensata administração consolido os elementos de paz e de tranquillidade, o que não perturbemos a miudo com luctas eleitoraes a actividade laboriosa dos seus habitantes, a India portugueza tomará o logar que lhe pertence e que não póde ser dos ultimos entre as nossas possessões ultramarinas, não só porque, como nenhuma outra, attesta os brilhantes feitos dos nossos antepassados, mas tambem porque lhe sobram aptidões o faculdades para gosar de uma vida desafogada e prospera.

Para dar uma idéa da sua situação actual, e melhor avaliar do seu progresso e da influencia que têem tido as causas a que muito ligeiramente nos vamos referindo, compararemos, do mesmo modo por que fizemos em relação a Moçambique, a sua situação economica e financeira com a de uma epocha distanciada de cerca de vinte annos.

O orçamento do 1875-1876 computava as receitas do estado da India em 528:648$887 réis e as despezas em 476:968$319 réis, o que representava um saldo positivo de 51:680$568 réis.

As principaes verbas eram as seguintes:

Dizimos............................ 124:777$777
Impostos indirectos..................92:833$333
Sêllo............................... 11:944$444
Decima urbana...................... 10:388$888
Contribuição do registo..............l0:000$000
Subsidio litterario...................6:660$666
Fóros.............................. 73:666$666
Licença para venda de licores espirituosos 16:000$000
Venda de bens nacionaes.............. 55:555$555
Correio............................. 34:722$222
Matas nacionaes...................... 8:388$888

O ultimo orçamento organisado, o do 1898 a 1899, computava as receitas do estado da India em 924:394$000 réis, e as despezas em 1.070:584$636 réis, o que representa um deficit do 146:190$636 réis.

As principaes receitas que se encontram n'este orçamento são as seguintes:

Contribuição predial e addicionaes...... 137:060$000
Impostos indirectos................... 241:484$000
Sêllo............................... 69:700$000
Contribuição de registo................ 41:300$000
Licenças para lavra de palmeiras........ 203:900$000
Fóros............................... 58:110$000
Rendimentos do predios............... 53:200$000
Matas nacionaes...................... 7:600$000

Dos numeros que ficam exarados, embora, pelas modificações profundas realisadas em alguns impostos, não possa fazer-se comparação exacta entre as differentes verbas, vê-se que a receita quasi duplicou no periodo indicado, mas que as condições financeiras peoraram, porque as despezas se elevaram muito alem das receitas.

Quando tratarmos especialmente das despezas apontaremos as principaes causas d'este excesso.

Vejamos, porém, se o exame das receitas nos fornece, como só mo affigura, a demonstração de que, dadas circumstancias normaes, no póde na realidade ter fundada esperança de que os recursos d'esta provincia hão de vir a bastar para as exigencias da sua vida ordinaria, sem necessidade do sacrificiou por parte da metropole.

Como não podemos levar o exame a epochas em quo, pela differente organisação tributaria, as verbas não sejam comparaveis, estudemos a successão de algumas das principaes receitas no periodo que se segue ao anno economico do 1885-1886.

A contribuição predial, cuja cobrança, em. 1887-1888, foi de 15:098$800 réis, no anno de 1897-1898 representava 104:407$600 réis, tendo a receita sido n'este periodo como mostram os seguintes numeros:

1887-1888.................................................. 15:098$800
1888-1889................................................. 83:801$200
1889-1890............................................... 75:850$800
1890-1891. ......................................... 84:029$200
1891-1892............................................... 85:446$000
1892-1893............................................... 86:572$400
1893-1894............................................... 89:563$000
1894-1895................. 93:654$000
1895-1896............... 91:981$600
1896-1897................ 105:482$800
1897-1898............... 104:400$000

A contribuição predial calculada no orçamento de 1898-1899, sem ou addicionaes, equivale a 99:200$000 réis, o que não póde considerar-se exagerado em presença cobrança provavel do anno da anterior.

Vemos, pois, que no periodo a que nos estamos referindo, esta receita, que é a mais importante, tem apresentado successivo crescimento, se exceptuarmos os annos do 1888-1889 e do 1895-1890, este ultimo em que todos os rendimentos quasi sem excepção decresceram por virtude da alteração da ordem publica e das commoções originadas pela revolta do 1895.

A importancia do rendimento do imposto predial revela-nos bem que são muito differentes das condições de outras provincias ultramarinas as do estado da India.

A importancia da propriedade rustica e urbana é ali consideravel.

Para o confirmar, o que aliás não seria necessario, juntaremos a seguinte nota do valor dos predios descriptos nas conservatorias do registo predial no anno de 1897, segundo as comarcas:

Ilhas.............................. 158:858$800
Salsete.............................116:346$400
Bardez ............................ 127:817$200
Bicholim .......................... 65:608$000
Quepem............................ 101:317$600
Damão............................. 5:204$000
574:952$000

As quantias asseguradas por hypothecas sobre os predios registados subiam a 439:114$800 réis.

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Depois da contribuição predial figuram, pela importancia da receita arrecadada, os impostos indirectos, nos quaes entram, porém, receitas importantes, alem das cobradas nas alfendegas.

N'esse grupo de impostos figuram, como verbas principaes:

Alfandegas......................... 162:600$000
Abkari............................ 74:282$000

O rendimento das alfandegas é relativamente pouco importante e corresponde a um movimento commercial pouco consideravel. No anno economico de 1897-1898 a receita cobrada foi de 171:805$000 réis, superior em pequena quantia á receita calculada no orçamento do anno economico seguinte.

No anno economico de 1896-1897 o movimento commercial foi o seguinte:

Importação..........................1.758:499$600
Exportação......................... 564:780$400
Transito........................... 493:434$000
Total................................................................ 2.816:714$000

Os principaes artigos de importação foram:

Arroz.............................. 566:345$200
Cereaes (trigo e milho).............106:096$000
Algodão e tecidos de algodão........237:618$400
Gado............................... 78:045$200
Bebidas............................ 51:ll3$600
Tabaco............................. 61:778$400
Oleos.............................. 62:387$200
Assucar............................ 65:432$800

O exame d'estes numeros denuncia-nos logo que, não obstante a India ser um paiz agricola, não obstante estar nos habitos tradicionaes da população a cultura da terra, e de haver até instituições que têem, embora modificadas, conservado os traços principaes de uma organisação secular, está ainda em grande atrazo o aproveitamento do seu solo, porque permanece a necessidade da importação em grande quantidade de generos alimenticios, especialmente do arroz, que é o alimento principal, se não exclusivo, de grande parte da população.

Examinando as estatisticas durante um largo periodo encontraremos que as condições n'este ponto são as mesmas; a importação de arroz tem sido sempre avultada.

A seguinte nota da importação d'este genero dará a confirmação do que affirmâmos:

1879............................... 237:168$400
1880............................... 342:515$200
1881.............................. 236:922$000
1882............................... 220:513$200
1883............................... 306:946$800
1884............................... 294:708$000
1885............................... 340:961$200
1886............................... 421:037$600
1887............................... 453:969$600
1888............................... 367:553$600
1889............................... 298:662$000
1892-1893.......................... 501:958$400
1893-1894.......................... 519:961$200
1894-1895.......................... 430:096$600
1895-1896.......................... 281:287$600

Não trataremos de applicar a estes numeros quaesquer correcções, que se tornariam necessarias se estivessemos estudando o assumpto sob outro aspecto. Para o nosso proposito, taes como são, demonstram que effectivamente a cultura do arroz na nossa India fica ainda muito aquém das necessidades do consumo.

Devemos esperar que as providencias successivamente tomadas desde 1895 e as que no empenho excepcional dedicado ao melhoramento da agricultura, o actual governador geral tem posto em pratica, hão de tornar cada vez menos necessaria a importação do arroz e de outras substancias alimenticias, que actualmente representam verbas valiosissimas da importação.

Outro artigo que constitue uma verba consideravel na importação é o algodão e respectivos tecidos, que foi, como fica dito, no anno de 1896-1897 de 237:618$400 réis.

Encontramos na estatistica dos annos anteriores figurando com verbas igualmente avultadas a importação d'aquelles artigos. Citaremos apenas alguns annos:

1879............................... 184:174$800
1884.............................. 152:190$400
1889............................... 154:069$600
1892-1893.......................... 214:345$200
1893-1894.......................... 210:533$200
1894-1895.......................... 259:782$800
1895-1896.......................... 243:680$000

Não parece impossivel aos que conhecem as circumstancias especiaes da nossa India que, estando ella nas vizinhanças de regiões riquissimas pela producção do algodão da India britannica, se possa estabelecer com vantagem o fabrico de tecidos de algodão naquella provincia.

Não nos occuparemos das outras verbas da importação, porque relativamente não têem importancia consideravel e algumas, ou quasi todas, correspondem, a artigos que não poderiam com vantagem ser produzidos na nossa India.

Devemos em seguida referir-nos aos artigos principaes da exportação que, como vemos, é muito inferior á importação, pois equivale a menos de um terço d'esta.

Os artigos principaes da exportação no anno do 1896-1897 foram os seguintes:

Cocos.............................. 272:646$800
Areca.............................. 44:775$600
Sal................................ 43:140$400
Peixe.............................. 65:560$800

O coco tem sido sempre o artigo principal da exportação da India. Demonstra-o claramente a seguinte estatistica que abrange um largo periodo:

1879............................... 152:553$600
1880............................... 175:688$400
1881............................... 199:199$600
1882............................... 170:652$000
1883............................... 233:908$800
1884............................... 185:506$800
1885............................... 262:656$800
1886............................... 228:106$000
1887............................... 222:342$400
1888............................... 214:976$400
1889............................... 257:110$000
1892-1893.......................... 280:264$000
1893-1894.......................... 406:125$600
1894-1895.......................... 739:448$800
1895-1896.......................... 279:060$800

O coqueiro é uma arvoro de grande valor na India, não só pela exportação de cocos, cuja importancia se de-

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duz da nota precedente, mas ainda pulos outros productos que d'elle se podem extrahir, taes como a copra, a aguardente, o cairo, a sura, e ainda alguns artigos industriaes como na olas tecidas, as vassouras. E ainda a industria poderia obter outros artigos ou aperfeiçoar os que se fabricam.

Segundo uma estatistica, que não é recente, podo calcular-se o numero do coqueiros em mais de 3.500:000, sendo os concelhos onde a sua cultura o mais extensa os de Salsete, Bardez, Canácona, Sanquelim, Ilhas e Pernem, calculando-se a area plantada em 34:2:328 hectares.

A areca, cuja exportação offerece, como vimos, alguma importancia, é ainda o producto de uma arvore cia família das palmeiras, e que tem, na nossa India, cultura nas regiões mais apropriadas para o seu desenvolvimento.

O sal é artigo do consideravel fabrico na India; n'um o tratado entre Portugal e a Gran-Bretanha, de 26 de dezembro de 1878, concedendo ao governo britannico o exclusivo da fabricação do sal, produziu praticamente a restricção consideravel da lavra das salinas. Grande numero de salinas ficaram em pousio e a producção póde calcular-se que foi metade do que deveria ser durante a vigencia do tratado, isto e, até 1892.

Com o termo do tratado, extinguiram-se os estancou officiaes do sal e a industria voltou ao antigo regimen, procurando com difficuldade readquirir a anterior importancia. A exportação do sal, que no anno de 1878-1879, anterior ao tratado, foi no valor de 28:606$405 réis, posteriormente ao termo do tratado tem sido a seguinte:

1892-1893.......................... 18:189$200
1893-1894.......................... 53:285$600
1894-1895.......................... 80:000$000
1895-1896.......................... 28:498$800
1896-1897.......................... 43:440$400

O poiso, tanto secco como salgado, é tambem artigo de algum valor na exportação.

Tambem soffreu com o tratado, que impoz restricções á industria da salga de peixe.

A seguinte nota mostra as vicissitudes por que tem passado o seu commercio:

1879............................... 96:012$800
1880................................60:836$000
1881................................ 9:484$000
1882................................12:164$800
1883................................50:712$800
1884................................76:751$900
1885................................83:196$000
1886................................76:659$000
1887................................90:773$600
1888...............................116:031$200
1889................................69:160$000
1892-1993...........................93:817$600
1893-1894..........................104:380$000
1894-1895...........................53:372$000
1895-1896...........................47:276$400
1896-1897...........................65:566$300

Temo-nos referido aos principaes generos de exportação, que são tambem os que de preferencia occupara a actividade dos povoa da India.

Deveremos ainda citar, como artigos do alguma exportação, as castanhas de caju e as mangas.

A mangueira é, depois do coqueiro, a arvore que merece mais cuidado aos habitantes, que lhe aproveitam os fructos e a madeira; o cajueiro dá ainda logar a uma exportação relativamente valiosa, pois que no anno de 1890-1897 as castanhas de caju saídas do nosso territorio representarem o valor de 18:430$400 réis.

Quando a agricultura da India portugueza adquirir maior desenvolvimento, quando ali se introduzirem processos mais aperfeiçoados de aproveitamento do solo, é do crer que outros generos coloniaes possam ter vantajosa cultura. Bastará referirmos-nos ao algodão e ao café. As experiencias feitas provaram, assim parece, que tanto uma como outra cultura poderiam alargar-se muito, dando remunerador resultado á actividade do agricultor e aos capitaes que se empregassem n'ellas.

Temos-nos referido á importação e exportação do territorio da India portugueza; resta-nos agora fallar do commercio de transito.

As mercadorias que passam em transito pelo territorio da India portugueza, quer dirigidas para a India britannica, quer d'ella procedentes e destinadas para fóra d'aquella possessão, são isentas de direitos, na conformidade do artigo 13.° do decreto com força de lei de 16 de abril de 1892. Este movimento do mercadorias interessa, portanto, especialmente o rendimento da linha ferrea e o porto de Mormugão.

Vejamos em primeiro logar qual o valor das mercadorias que atravessam o nosso territorio.

Recorrendo á estatistica aduaneira de 1896-1897 encontramos o seguinte:

Algodão e seus tecidos................ 149:303$000
Copra.............................. 440$000
Especiarias.......................... 7:103$200
Substancias alimentarem................ 14:852$000
Madeira............................ 248$000
Materiaes do caminho de ferro.......... 82$000
Tolhas.............................. 7:831$600
Ferro e aço......................... 4:006$800
Oleos.............................. 264:744$000
Phosphoros.......................... 794$000
Sacaria............................. 3:147$200
Sementes............................ 9:541$000
Sal................................ 6:860$800
Diversos generos..................... 24:480$400
Total............... 493:434$000

A parte mais importante d'este trafego é de importação, a qual representa o valor de 317:612$800, emquanto que os valorou exportados em transito só attingem 175:821$200 réis.

O trafego do transito pelo caminho de ferro no anno de 1896 a 1897, como no periodo decorrido até o fim de 1898, póde considerar-se anormal, porque, em resultado da lucta de tarifas por parte de algumas companhias de caminhos de ferro da India britannica, o movimento do caminho de ferro do Mormugão teve uma depressão extraordinaria. Esta depressão do certo se modificará por ter a companhia Southem Mathratta, resolvido chegar a accordo com a do caminho do ferro de Mormugão, conforme as indicações do governo britannico, que reconheceu, como plenamente justificadas, as reclamações que lhe foram dirigidas pelo governo portuguez.

E para só ver que o trafego de transito pelo caminho do ferro em 1896-1897 foi anormal, bastará attentar nos numeros seguintes, que representam o movimento dos annos anteriores:

Importação Exportação

1892-1893.......... 1.916:718$000 1.669:980$600
1893-1894.......... 1.069:182$400 2.130:843$600
1894-1895.......... 2.179:075$600 1.728:182$000
1895-1890......... 1.584:996$800 1.078:435$200

E ainda este movimento é muito inferior ao que naturalmente poderá realisar-se, pela linha ferrea, com o porto

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de Mormugão, quando este estiver em ligação directa com a Europa por uma navegação regular de barcos de vapor, no que sinceramente me empenho, melhoramento que de certo já se teria realisado, se as circumstancias do thesouro nos não recommendassem a maior parcimonia nas despezas, ainda as de mais incontestavel utilidade.

As regiões que, afastada qualquer lucta menos leal de tarifas, têem vantagem em aproveitar o caminho de ferrei de Mormugão são tantas, e algumas d'ellas tão ricas em producção, que, desde que o porto de Mormugão lhes offereça communicação prompta com a Europa, não estando dependentes de transporte até Bombaim e das despesas a que a procura forçada d'este porto as obriga, hão de necessariamente preferir a via que lhes offerece mais rapido, commodo e barato transporte.

Entre os impostos indirectos, e depois da receita das alfandegas, figuram com uma verba relativamente importante os impostos conhecidos sob o nome de abkari, isto é, o imposto sobre as palmeiras lavradas á sura e sobre as bebidas alcoolicas, a que devemos acrescentar, para mais facil comparação e exame, a receita, classificada entre os impostos directos, proveniente das licenças para a lavra do palmeiras e cajuris.

Este imposto, que já existia antes do tratado da India de 1878, e que então se modificou para ficar em condições iguaes ás estabelecidas na India britannica foi, quando cessou a vigencia d'aquelle tratado, remodelado pelo decreto de 6 de maio de 1892.

Acabando com o tratado a compensação de 4 laques de rupias que o governo portuguez recebia do governo britannico, procurou-se na elevação das receitas, que principalmente se haviam restringido em virtude das clausulas do accordo internacional, occorrer á deficiencia d'aquella compensação, já modificando a pauta, já alterando as taxas e, em parte, o systema do imposto de abkari.

O tratado forçara-nos a adoptar, como dissemos, as taxas da India britannica, o que financeiramente não nos causou nenhum prejuizo, porque o imposto, que antes do tratado não excedera o rendimento de 28:000$000 réis, rendeu durante o tratado, approximadamente em media por anno, 254:000$000 réis.

No orçamento a que nos estamos referindo figura entre os impostos indirectos, como producto de imposto do abkari, a quantia de 74:282$000 réis, o que, com a verba em que é computada a receita das licenças para lavra das palmeiras e cajuris, isto é; 203:900$000 réis, dá a somma do réis 278:182$000.

Depois do tratado, o producto das receitas do abkari tem sido o seguinte:

Desde 1 de agosto de 1892 até dezembro

de 1893.......................... 371:698$400
Em 1894...........................244:916$800
Em 1895...........................284:893$600
Em 1896...........................274:524$400
Em 1897...........................285:502$800
Em 1898 (1.° semestre)............136:196$400

Para melhor se fazer idéa dos differentes elementos d'esta receita, decomporemos nas suas parcellas a de 1896:

Taxas das palmeiras lavradas para distillação de espirito....190:105$200
Ditas para fabricação de jagra........................ 4:906$400
Ditas para fermento de pão............................. 347$600
Ditas do tadd madd lavradas......................... 384$800
Ditas de cajuris lavrados............................... 9:967$600
Ditas de distillação de espirito de canna doce............ 3$200
Ditas de palmeiras bravas lavradas.............................................................. 40$000
Ditas de licenças para a venda de espiritos nativos.......... 17:118$400
Ditas para a venda de sura............ 192$000
Ditas para a venda de vinhos e espiritos europeus........... 1:506$000
Ditas de alambiques para a distillação do espirito de palmeira 1:514$000
Ditas de alambiques para a distillação do espirito de caju..... 208$000
Ditas de alambiques para a distillação de espirito de canna doce.. $400
Ditas de distillação de espirito de caju armazenado........ 23:410$000
Exclusivo da distillação e renda de espiritos nativos....... 21:942$400
Exclusivo da venda de sura................................................................................. 450$000
Taxas de distillação de espiritos de sura.......................................................... 152$400
Ditas de distillação de espiritos de maurá, jagra e tamara... 2:083$600
Rendimento de drogas enebriantes......................................................................... 73$600
Multas......................................................................................................... 118$800
274:524$400

Distribuida segundo os concelhos, a receita do abkari decompõe-se do seguinte modo:

Ilhas............................... 33:811$600
Bardez............................. 42:467$600
Salsete............................. 72:608$800
Pernem............................. 31:405$200
Sanquelim........................... 13:386$200
Pondá.............................. 20:717$200
Sanguem............................ 4:392$400
Quepem............................. 13:278$400
Canácona........................... 4:360$400
Damão............................. 31:256$000
Diu................................ 6:790$600
274:524$400

As informações estatisticas que temos presentes com relação ao anno de 1897 e parte do de 1898, se nos não permittem fazer comparações completas com os annos anteriores, por não comprehenderem ainda todo o territorio, mostram-nos que o rendimento do abkari não tende a diminuir.

Assim o rendimento cobrado no anno economico de 1896-1897 foi de 292:541$600 réis.

No territorio de Goa o rendimento geral do abkari foi, no 1.° semestre de 1897, 134:189$200 réis e em igual periodo de 1898 foi 136:198$400 réis.

A receita em Damão e Diu, no anno economico de 1897-1898, foi 36:381$200 réis, que é proximamente a media dos annos anteriores.

Temos tratado dos impostos directos e indirectos que constituem o maior rendimento, e prestado attenção aos factos economicos que com elles se relacionam; mas não podemos deixar de nos referir ainda a algumas das outras receitas.

Depois das que temos descripto a mais avultada é a do sêllo, calculada no ultimo orçamento em 69:700$000 réis. É esta uma receita que apresenta tendencia para successivo augmento, como se póde deduzir da nota da cobrança nos seguintes annos:

1889-1890.......................... 37:480$800
1890-1891.......................... 33:727$200

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1891-1892.......................... 42:880$400
1892-1893.......................... 44:904$800
1893-1894.......................... 54:088$400
1894-1895.......................... 67:417$200
1895-1896.......................... 56:783$600
1896-1897........................ 69:660$400

O mesmo se póde dizer da contribuição do registo cuja cobrança em igual periodo foi:

1889-1890.......................... 18:726$800
1890-1891.......................... 21:063$600
1891-1892.......................... 31:574$800
1892-1893.......................... 22:050$800
1893-1894.......................... 27:106$000
1894-1895.......................... 24:513$800
1895-1896.......................... 20:034$400
1896-1897.......................... 41:326$000

Têem grande importancia as receitas dos predios, fóros e matas nacionaes, cujos rendimentos estão calculados no orçamento em 118:910$000 réis.

A attenção que ultimamente se tem prestado, no intuito de dar uma organisação mais proficua, aos serviços que interessam o melhor aproveitamento dos terrenos e das matas que pertencem a provincia, e o cuidado que este assumpto está merecendo ao actual governador geral, hão de certamente concorrer para que os rendimentos alludidos augmentem e que as propriedades do estado sejam devidamente explorada.

É incontestavelmente rica a flora da provincia e têem excepcional valor algumas das matas e florestas nacionaes; mas durante largo periodo se deixou, por falta da devida fiscalisação e de regular administração, em prejudicial abandono tão importante riqueza, que póde som duvida avaliar-se em alguns milhares do contos de réis.

Alem das de Goa possue o estado as magnificas matas da Pragana-Nagar-Avely, no territorio de Damão, que abundam em teca, o que, acertadamente exploradas, o evitadas por uma conveniente fiscalisação e regulamentos bem ordenados as devastações de que a miudo têem sido objecto, podem fornecer excellentes madeiras e produzir valiosa receita.

Convencido da importancia das riquezas florestaes da India, não deixarei de envidar todos oo esforços, para que não volte ao abandono em que durante muito tempo permaneceu o serviço florestal da India portugueza.

Tenho feito um exame rapido dos principaes recursos financeiros da India e dopar tenho procurado avaliar tambem quaes os principaes factores da sua vida economica.

Parece-me que, mesmo sem descer a mais minuciosas informações, o que, fica dito é bastante para nos convencer de que, se a India não é uma possessão rica, da qual possamos esperar, como de outras, extraordinario progresso e notavel transformação, não lhe escasseiam comtudo elementos para vida desafogada, desde que sejam devidamente aproveitados alguns da valiosos recursos de que dispõe.

Para completar o rapido exame da situação financeira e economica d'esta provincia, devemos ainda referir-nos ás suas despezas, e especialmente áquellas que podem mais directamente influir no seu adiantamento moral e material.

Como vimos, o orçamento de 1898-1899 computou as despezas em 1.070:584$636 réis, isto é, mais 146:190$436 réis do que as receitas.

Segundo os diversos capitulos do orçamento as despezas classificam-se do seguinte modo:

Administração geral................................ 181:521$937
Dita de fazenda.................................... 72:398$350
Dita de justiça.................................. 40:691$575
Dita ecclesiastica............................. 64:466$375
Dita militar....................................... 311:403$943
Dita de marinha...................................... 8:890$800
Encargos geraes.................................... 105:635$681
Diversas despezas.................................. 37:975$775
Pagamento dos encargos de ferro de Mormugão... 240:000$000
Exercicios findos.................................. 2:000$000
Despeza extraordinaria............................. 5:600$000
1.070:584$436

Antes de destrinçarmos algumas d'estas verbas, convem desde já attentar na que se refere ao caminho de ferro de Mormugão.

Está o orçamento da India onerado com a verba de 240:000$000 réis para pagamento dos juros do capital levantado pela companhia do caminho de ferro do Mormugão; mas, infelizmente, pelas rasões já ligeiramente esboçadas, esta via ferrea, que com rasão se contava fosse, para aquella provincia um dos factores mais poderosos de prosperidade, tem sido nos ultimos tempos apenas pesado encargo, sem a menor compensação directa ou indirecta.

A India, atormentada por outras causas de paralisação no seu desenvolvimento, não tem podido reservar de facto aquella quantia pare auxiliar a metropole, no pagamento dos encargos do caminho de ferro.

Modificadas as causas que motivaram a depressão das receitas e que por completo quasi paralisaram o movimento da linha ferrea, as condições financeiras n'este ponto hão de tomar forçosamente feijão mais favoravel.

Passaremos agora a examinar nos differentes capitulos de despeza as verbas que nos devem merecer especial attenção.

Nos capitulos da administração geral e da administração militar encontramos as seguintes:

Instrução publica e bibliotheca.................................................................. 17:300$000
Saude publica, comprehendendo os hospitaes militares....... 27:639$200
Beneficencia publica.................................................................................... l:124$800
Obras publicas............................................................................................ 78:660$000
Correios e telegraphos.................................................................................. 19:580$000
144:304$000

Vê se por estes numeros, desde logo, que a India é uma das nossas possessões onde, dadas ás condições da sua area e população, maior largueza têem os serviços que representam melhoramentosmoraes e materiaes, cuja despeza equivale á setima parte da despeza total.

É perfeitamente justificado que assim seja, se attendermos ao estado do adiantamento e de civilisação de uma parte consideravel da população da India.

A arca d'esta possessão é 3:806 kilometros quadrados apenas e a sua população, segundo o recenseamento de 1887, comprehende 561:384 habitantes.

A estatistica diz-nos que a parte da população que sabe ler e escrever está para o total dos habitantes na rasão de 7 por 100, o que não é, no ultramar, uma percentagem inferior, havendo alem d'isso um numero relativamente grande de individuos que possuem habilitações superiores.

A influencia do elemento portuguez é assignalada, e embora misturada com aã tradições hindus a acção benefica do christianismo predomina em grande parte da população.

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A importancia que no orçamento da India se da á instrucção é, pois, perfeitamente justificada, principalmente em todos os serviços que têem por fim ministrar a instrucção primaria e secundaria.

Ha na India actualmente, alem dos seminarios, uma escola medico-cirurgica, um lyceu com uma escola normal annexa, escolas municipaes secundarias, e setenta e sete professsores de instrucção primaria.

Nos mappas juntos a este relatorio melhor se poderá ver a distribuição e a frequencia d'estas differentes escolas.

A par das escolas devem mencionar-se como demonstração do estado mais adiantado da civilisação da India os estabelecimentos de beneficencia, que ali são numerosos. Não póde a pequena verba que figura no orçamento dar idéa de grande numero de instituições d'esta natureza, porque ella apenas comprehende as quantias que saem dos cofres publicos como subsidio a misericordias e outros estabelecimentos pios. Mas são numerosas as confrarias e irmandades que, alem do culto religioso, destinam, fundos para actos de beneficencia, não fallando nas instituições hindus, aliás sujeitas a regulamentos e que até certo ponto podem ser comprehendidas no grupo de que estamos tratando.

O serviço de saude publica está devidamente organisado, havendo delegados de saude nos differentes concelhos, hospitaes em Goa, Damão e Diu, e em geral todas as condições que podem ser requeridas em relação á area da provincia e á sua população.

A verba destinada para obras publicas, devidamente applicada, póde corresponder às necessidades da provincia, cooperando com a acção do respectivo governo os elementos locaes, e aproveitando, com uma conservação e reparação opportunas, as differentes estradas e caminhos construidos em uma parte da provincia.

O serviço postal, que está regularmente organisado na India, prova evidentemente o estado de adiantamento da população d'esta provincia. O exame dos mappas juntos a este relatorio dá perfeita idéa do movimento postal, bastando aqui citar que no anno de 1895 se transmittiram: no serviço interno, 518:076 cartas franqueadas, 49:504 cartas não franqueadas, 108:940 bilhetes postaes, 186:840 impressos, 29:648 objectos registados; e no serviço internacional se expediram 417:300 cartas franqueadas, 52:890 cartas não franqueadas, 128:360 bilhetes postaes, 52:126 impressos, 18:354 objectos registados, e 64 encommendas postaes, tendo-se recebido 496:376 cartas franqueadas, 26:260 cartas não franqueadas, 196:450 bilhetes postaes simples, 2:360 com resposta paga, 210:625 impressos, 22:793 objectos registados e 945 encommendas postaes.

Referir-me-hei, em relação aos outros capitulos do orçamento, a algumas verbas, que como as antecedentes me recem menção mais especial, deixando de fazer n'este logar referencia a outros, como o do serviço militar, porque d'elles terei de occupar-me em outro logar d'este relatorio.

Pelas condições especiaes da nossa India, pela influencia que, na propaganda religiosa, exercitâmos em parte consideravel do Indostão, o capitulo do orçamento, que se refere á administração ecclesiastica, tem incontestavel importancia.

Nos termos da concordata assignada em 23 de junho de 1886 o padroado da corôa portuguesa foi mantido nas igrejas cathedraes das Indias orientaes, constituindo a provincia ecclesiastica metropolitana de Goa, alem da séde, tres dioceses, Damão, Cochim e S. Thomé de Meliapor, e estendo se a uma arca consideravel da India britannica nos territorios de Bombaim, Madrasta e Calcuttá.

Calculou-se então que de 1.640:000 catholicos espalhados pela India, 500:000 approximadamente ficavam obedecendo ao arcebispo de Goa, e aos tres bispos portuguezes.

O padroado impõe-nos, pois, obrigações e encargos consideraveis que se traduzem na sustentação de bispados e missões fóra do nosso territorio, e que justificam por isso plenamente a despeza attribuida á administração ecclesiastica.

Alem do patriarchado e dos tres bispados, temos, na India, 100 parochias e 232 capellas e fóra do nosso territorio os tres vicariatos geraes de Bombaim ou do Norte, dos Gattes e do Canará ou do Sul, comprehendendo o primeiro 43 igrejas ou missões, o segundo 15 missões e o terceiro 17 missões, e alem d'aquelles vicariatos as missões nos territorios suffraganeos, onde se contam 82 parochias e 354 igrejas e capellas filiaes.

Do nosso extenso padroado no Oriente resta-nos ainda muito onde exercer a nossa missão de paz e de civilisação, e se as tradições, o respeito pelos gloriosos exemplos que nos legaram os nossos antepassados, e o justo empenho de continuar a exercitar n'essas extensas regiões da India a influencia e a acção religiosa, nos persuadem a não olhar a sacrificios para corresponder a tão patriotico intuito, é de rasão que procuremos tambem, por uma sensata exploração do solo, pela acertada execução de melhoramentos materiaes, pelo augmento da industria e do commercio, collocar o territorio, em que temos dominio, nas condições de poder, a par do progresso moral, assignalar-se tambem pelo seu desenvolvimento economico e pela sua desafogada situação financeira.

VII. - Macau

A provincia de Macau, comprehendendo apenas uma pequena peninsula na proximidade das embocaduras do rio de Cantão e as dependencias d'esse territorio, na conformidade do tratado celebrado entre Portugal e a China, assignado em 1 de dezembro de 1877, não póde aspirar a ter se não um logar secundario no nosso ainda vasto e rico dominio colonial, o que não significa que, em relação á sua pequena area, ella não tenha condições de desenvolvimento, e que financeiramente não seja uma das nossas provincias ultramarinas que se tem mantido quasi sempre em circumstancias favoraveis.

Com uma superficie approximadamente de 10 kilometros quadrados, occupada em parte pela cidade e por outras povoações, claro é que Macau não póde ser uma possessão agricola, e que só a industria e o commercio terão condições para constituirem elementos de prosperidade economica e financeira. De facto, é principalmente no commercio e na industria que assenta a actividade economica e se fundam os principaes recursos financeiros da provincia, como facilmente se poderá concluir de um exame rapido da sua situação actual comparada com a de periodos anteriores.

No exame do seu orçamento e na analyse das differentes verbas d'elle teremos ensejo de ir apresentando as informações que sirvam para dar idéa das circumstancias economicas que caracterisam a situação actual e que podem dar esperança do seu progresso futuro.

No orçamento para 1898-1899, as receitas de Macau foram avaliadas em 433:575$360 réis, as despezas em 388:929$866 réis, havendo portanto um saldo positivo de 44:645$494 réis, devendo notar-se que na despeza está incluida a dotação de 38:400$000 réis para o districto autonomo de Timor, na conformidade do decreto de 15 de outubro de 1896.

Que esta tem sido a situação financeira, em geral, da provincia de Macau, basta, para o reconhecer, attentar nos orçamentos de um largo periodo, visto como os respectivos calculos assentam regularmente na media das cobranças e das despezas anteriores. Assim encontramos desde 1852 as seguintes differenças entre as receitas e as despezas.

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[ver tabela na imagem]

D'estes numeros se conclue que Macau, salvo o caso de circumstancias extraordinarias, e ainda quando incluida na administração da provincia a possessão de Timor, tem-se mantido em condições financeiras favoraveis.

Examinemos agora as receitas que figuram no seu orçamento. São:

Impostos directos..................... 347:948$800
Impostos indirectos................... 63:820$800
Proprios e rendimentos diversos....... 21:805$760
Réis.................................. 433:575$360

As principaes verbas que constituem entes tres grupos de receitas são as seguintes:

Rendimento do jogo do fantan.......... 96:000$000
Loterias.............................. 86:336$000
Exclusivo do o pio..................... 83:200$000
Direitos da venda do sal.............. 27:584$000
Contribuição predial.................. 20:416$000
Exclusivo da petroleo e polvora....... 18:624$000
Contribuição indirecta................ 17:600$000
Renda da carne de porco............... 14:784$000
Sêllo e loteria da misericordia....... 10:624$000
Rendimento da Taipa.................... 8:012$800
Exclusivo do peixe..................... 7:680$000

Da simples leitura d'estas verbas se conclue que as principaes receitas de Macau são constituidas pelo rendimento do jogo, das loterias e dos demais exclusivos.

Seria excellente que podessemos eliminar do orçamento da provincia estas receitas, substituindo-as por outras que menos repugnassem ás idéas moralisadoras e ao empenho civilisador que deve predominar na nossa politica colonial.

É preciso, porém, attender a que se não transformam, senão lentamente, habitos inveterados, e que, ao quizessemos de um momento para o outro acabar com o jogo e com as loterias em Macau, o mesmo seria que vermos esta colonia abandonada pela sua população maio consideravel, e privado o thesouro da provincia dos seus mais importantes recursos.

De certo que nem por isso deixa de constituir um dever para os governos e procurar por todos os modos possiveis modificar uma situação que não deve reputar-se a mais conforme aos sãos principios da moral e da civilisação.

Já no empenho de acabar com os gravissimos abusos que se commettiam com a emigração da culis chinezes, o governo portuguez, sem olhar á receita que d'esse facto lhe resultava, acabou, por portaria de 20 de dezembro de 1873, com a emigração contratada dos colonos chinezes; esse acto, porém, tinha a apoial-o taes considerações de ordem humanitaria que não havia consideração nenhuma financeira que demisso prevalecer no animo do governo. Não é de igual ordem, nem póde trazer as mesmas consequencias desgraçadas para a propria população chineza a permissão official do jogo e das loterias, que, quando prohibidas, não deixariam de continuar, por qualquer fórma mais ou menos occulta, a ser occupação predilecta dos habitantes de Macau, como o são dos que habitam o imperio da China.

Ao ter de me referir às receitas de Macau, seria pouco justificavel que francamente não dissesse o que penso ácerca d'este assumpto, o não declarasse que, entendendo ser dever do governo procurar successivamente substituir as que provém da exploração dos vicios da população chineza, me parecia inconveniente anniquilar importantes recursos da provincia sem a certeza de uma rasoavel substituição e ao mesmo tempo, e principalmente, sem a probabilidade de que assim se attingisse o fim moralisador que se tem em vista, mas que só poderá conseguir-se com a influencia demorada da civilisação nos habitos e costumes d'aquelles povos.

Se compararmos as principaes receitas da actualidade com as dos ultimos vinte annos veremos que ellas não têem variado muito, nem quanto á sua importancia, nem quanto á origem e á incidencia dos impostos.

No orçamento de 1879-1880 encontramos as receitas calculadas em 397:653$000 réis, sendo as principaes:

Jogo do fantan....................... 118:800$000
Loteria.............................. 111:000$000
Venda de opio........................ 14:500$000
Venda de sal......................... 3:650$000
Contribuição predial................. 31:600$000
Renda da carne de porco e de vacca... 17:000$000
Sêllos............................... 2:000$000
Rendimento da Taipa.................. 15:000$000
Exclusivo do peixe................... 10:000$000

Notam-se, é certo, variações na importancia annual arrecadada, especialmente nas verbas que são resultado de arrematação, em consequencia das circumstancias que têem concorrido para elevar mais ou menos o preço obtido; mas as differenças não são consideraveis.

Como receita falta a Macau uma das mais importantes em outras provincias ultramarinas, - a das alfandegas.

Por decreto de 20 de novembro de 1845 foram declarados francos para o commercio de todas as nações os portos da cidade de Macau e absolutamente isentos de direitos de importação todos os generos e mercadorias ali importados, havendo apenas prescripções especiaes para determinados productos procedentes de portos portuguezes.

Aconselhára esta providencia o receio de que com a abertura de alguns portos do imperio da China ao commercio e navegação de todas as nações, o commercio se afastasse do porto de Macau, contando-se que, com as facilidades concedidas, e levando em conta a vantajosa situação geographica do nosso porto, ao conseguiria, não só manter, mas augmentar consideravelmente o trafego commercial que ali affluia.

É na realidade importante o commercio que se faz pelo porto de Macau, e embora não possa haver grande confiança nas estatisticas relativas a portos francos, principalmente nos primeiros tempos do seu estabelecimento, mesmo considerando-as como approximadas, e dando-lhes o devido correctivo, não póde deixar de se reconhecer que elle é avultado, e muito maior seria se differentes causas se não tivessem conjurado para lhe difficultar a concorrencia com outros portos successivamente abertos ao commercio no litoral e nos rios do imperio chinez,

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Acceitando, pois, os valores dados pela estatistica, e calculando que as mesmas causas de erro influem nas informações que lhe serviram de base em cada um dos annos, acharemos que o total da importação e exportação feitas em juncos, vapores, navios de alto bordo e lanchas de vapor, desde 1880 a 1896, foi o seguinte, em patacas:

1880 ................................. 24.929:735
1881 ................................. 22.500:902
1882 ................................. 23.794:692
1883 ................................. 24.501:471
1884 ................................. 22.574:325
1885 ................................. 25.017:279
1886 ................................. 25.428:466
1887 ... ............................. 16.954:297
1888 ................................. 25.316:470
1889 ................................. 22.292:533
1890 ................................. 26.580:834
1891 ................................. 30.753:843
1892 ................................. 27.915:866
1893 ................................. 32.771:192
1894 ................................. 35.099:724
1895 ................................. 33.558:792
1896 ................................. 31.430:115

Assim, pois, o movimento commercial tem augmentado, posto que não muito consideravelmente, devendo attender-se a que o valor da pataca no commercio tem baixado. Mas é sem duvida importante este movimento, por isso que, calculando a pataca pelo valor commercial approximado de 500 réis, attingiu no anno de 1896 a verba avultada de 15:715 contos de réis.

O movimento do commercio feito em navios de alto bordo e lanchas de vapor elevou-se no anno de 1896 a 18.121:675 patacas, representando 8.132:220 a importação e 9.989:455 a exportação, sendo os principaes artigos da importação o opio, fio de algodão, pannos, azeite, e da exportação o chá, o opio e a seda.

O movimento commercial feito em juncos foi no referido anno 13.248:440 patacas, representando 8.045:476 a importação e 5.202:964 a exportação, sendo os principaes artigos da importação o arroz, os bambus, o azeite, a palha, a seda e a jagra, e da exportação o opio, o peixe, o fio de algodão e o azeite.

Estas resumidas indicações do movimento commercial levam-nos naturalmente ao exame da situação industrial de Macau, como meio de explicar alguns factos que deixâmos citados.

Não temos informações mais recentes, nem mais completas do que as que nos forneceu o recenseamento realisado em 1896, que é dos mais minuciosos e interessantes que se têem feito n'aquella provincia.

O maior numero de estabelecimentos industriaes e commerciaes de Macau pertence a chinezes. Os estabelecimentos d'esta ordem portuguezes e estrangeiros são poucos e o recenseamento a que nos referimos não enumerava mais de 22, entre os quaes 3 typographias, 2 pharmacias, 2 hospedarias, 1 fabrica de conservas, 5 lojas de fazendas europêas, 3 de chá e 2 de generos alimenticios.

Pertencentes a chinezes contou o recenseamento 1:064 estabelecimentos commerciaes e 848 estabelecimentos industriaes e fabris.

Entre os primeiros devem mencionar-se 52 de opio, 36 de seda e rendas de algodão, 150 de peixe, 40 de fructas, 21 de madeiras, 89 de jogo e loterias, 29 de artigos de bambú e ola.

Entre os segundos devem citar-se: 1 fabrica de desfiadura de seda, 25 ourivesarias, 2 manufacturas de caixas para chá e 10 para caixas de tabaco, 3 de torrefacção de chá, 27 fabricas de artigos de papel e vélas, 1 de tijolo e telha, 9 de artigos de chumbo, 3 de flores artificiaes, 4 de balanças, 5 de vélas de sebo, 8 de torcidas e cobertores de algodão, 6 de meias chinezas, 2 de esteiras, 5 de guardas-soes, 2 de tamancos, 3 de cabelleiras, 1 de louça de barro, 16 de idolos e bustos, 14 de panchões e papel para panchões, 4 de artigos de rota, 2 de vidros.

Os estabelecimentos commerciaes chinezes occupam uma população de 6:803 individuos, sendo o numero de operarios e empregados nos estabelecimentos fabris 5:311.

A fabrica de desfiadura de seda occupa 698 operarios, as de panchões 168, as de caixas de chá e tabaco 276.

Para mais cabal idéa da industria chineza em Macau deve acrescentar-se que do recenseamentos e apurou haver 260 descascadores de arroz, 161 preparadores de opio, 250 desfiadores de seda, 106 escolhedores de chá, 52 torradores de chá.

Designamos especialmente as profissões que correspondem às principaes industrias exercidas pela população chineza.

Do que fica dito vê-se que o nosso estabelecimento de Macau tem condições para desenvolver a sua industria que de certo muito poderá augmentar, quando o trabalho da população chineza e a sua aptidão para varios misteres for acertadamente dirigida por europeus.

Ao desenvolvimento do commercio são obstaculo as condições pouco favoraveis do seu porto, cujo successivo assoriamento vae tornando cada vez mais difficil o accesso á navegação.

A estatistica do movimento maritimo accusa já um pouco a depressão, como se póde ver dos seguintes numeros que se referem aos navios entrados durante o periodo de 1880 a 1896:

[ver tabela na imagem]

Desde muito que o melhoramento do porto de Macau tem merecido a attenção do governo da metropole e do governo da provincia.

Estudado este assumpto em 1884 pelo distincto engenheiro Adolpho Loureiro, cujo valioso trabalho é ao mesmo tempo um repositorio de informações de alto apreço ácerca de Macau, circumstancias diversas e principalmente o elevado orçamento das obras que elle reputava essenciaes para assegurar ao porto as condições precisas para annullar as causas do assoriamento, têem obstado a que se realise este importante melhoramento.

Para conciliar, porém, com as exigencias financeiras a necessidade de pelo menos evitar que peorem as condições do porto, está auctorisado o estabelecimento de um serviço de dragagem mais efficaz, e em estudo um plano de trabalhos que tenda a melhorar successivamente as con-

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dições do porto, sem contrariar o plano geral dos obras. N'este proposito foi auctorisada tambem a acquisição de uma draga, procurando assim occorrer á satisfação de uma das mais urgentes necessidades da provincia.

As condições especiaes da nossa possessão de Macau, se até certo ponto justificam as fontes mais importantes dos seus recursos financeiros, explicam tambem a organisação do orçamento na parte que se refere às despezas. É chineza a maior parte da sua população. O recenseamento de 1896 contou 78:627 habitantes, dos quaes 3:898 portuguezes, 74:568 chinezes e 161 de outras nacionalidades.

É portanto indispensavel que as instituições officiaes se accommodem, tanto quanto possivel, às condições de uma população, cujos usos e costumes, cujos habitos e vicios, não é facil modificarem-se senão muito lentamente, e que ao mesmo tempo constitue a parte mais industrial e mais activa no trafego commercial.

Por estas rasões se encontra organisada a procuradoria administrativa dos negocios sinicos, a repartição de expediente sinico, e estão em differentes serviços designados logares para serem exercidos por chinezes.

Ainda para attender, na conformidade do tratado com a China, á fiscalisação da importação e exportação de opio, cuja industria em Macau é exercida quasi exclusivamente por chinezes, apparece no orçamento um serviço especial.

Das outras despezas do orçamento, alem das que são por sua natureza indispensaveis para o regular funccionamento da administração, apenas convem alludir às que se referem na obras publicas, á instrucção publica, ao correio e às missões.

Para as obras publicas destinava o orçamento de 1879-1898 a quantia de 50:423$680 réis, dos quaes 14:976$000 réis para as despezas de dragagem do porto e 10:000$000 réis para amortisação e juros do emprestimo para a compra de uma draga.

Vê-se, pois, que as principaes verbas são destinadas ao porto, o que é perfeitamente justificavel, attenda a pequena area de Macau e suas dependencias e a importancia que podem exercer no seu desenvolvimento commercial as condições de facil accesso á navegação, quer dos grandes navios, quer das pequenas embarcações que se empregam no serviço de cabotagem com os portos vizinhos.

A instrucção publica figura no orçamento com a verba destinada ao lyceu nacional de Macau, equiparado, para todos os effeitos, pela lei de 27 de julho de 1893, nos lyceus nacionaes do reino; mas as despezas da instrucção primaria estão a cargo do leal senado, e esta instrucção é ministrada na escola centrel e nas escolas de instrucção primaria, havendo uma escola especial para os chinezes. O serviço do correio de Macau não póde ainda considerar-se como feito em condições regulares. Tem sido difficil conseguir que os chinezes se accommodem ás regras do serviço postal e tem havido a indispensavel tolerancia com ou habitos d'esta população, que prefere o seu systema de correspondencia, que se subtrahe á acção das regras geraes do serviço postal nos paizes mais civilisados. É difficil combater usos inveterados, e só lentamente se poderá conseguir sujeitar este serviço às normas mais convenientes.

Temos ainda de nos referir ao serviço das missões. Portugal, pela concordata de 1886, conservou o seu padroado sobre as christandades de Malaca e Singapura, que ficaram dependentes da jurisdicção do bispo de Macau, e por isso no orçamento d'esta, provincia figuram a despeza com um parocho em Singapura, a de vigario geral em Malaca, e a de varios missionarios, em dos quaes na ilha de Hainan.

De tudo quanto fica dito, sua me parece errado concluir que, se Macau não nos offerece na probabilidades de um largo desenvolvimento pelas suas riquezas naturaes, tem todas as condições para affirmar o seu direito a figurar dignamente a par das outras nossas colonias, não só porque não exige da metropole escepcionaes sacrificios, antes muitas vezes tem fornecido com o excesso das suas receitas meios de obviar às difficuldades temporarias de outras possessões, mas porque, convenientemente auxiliada, e aproveitados todos os elementos para promover o incremento da sua industria e commercio, póde continuar a ser no extremo oriente, padrão glorioso das nossas conquistas de outr'ora e foco d'onde se irradie a nossa benefica influencia em proveito da civilisação e do progresso moral dos povos d'aquella parte da Asia.

VIII. - Timor

Chegâmos á Oceania e ali encontramos apenas, como recordação dos nossos antigos descobrimentos, como testemunha dos brilhantes feitos dos nossos maiores n'essas remotas paragens, uma parte da ilha de Timor e pequenas dependencias d'ella. Mas se temos de fechar esta nossa rapida excursão pelas provincias ultramarinas fallando da possessão de Timor, hoje uma das menos importantes pelas suas condições economicas e financeiras, uma das que meios é citada quando se quer dar vulto ao nosso dominio colonial, devemos confessar que não nos sentimos desalentados n'este termo da viagem, por isso que considera-nos Timor uma possessão que tem elementos de grande desenvolvimento.

Timor tem passado por excepcionaes vicissitudes. Ora encorporada na provincia da India ou na do Macau, ora d'ellas separada, um pouco ou muito esquecida pelos governos da metropole, atormentada por guerras internas, sem os incentivos indispensaveis para poder aproveitar os seus muitos recursos, tem tido largos periodos do quasi completo abandono, como se se descresse da possibilidade de explorar e desenvolver devidamente tão longinqua e solada possessão. E comtudo o exame demorado das suas condições geographicas, das suas aptidões agricolas e do seu commercio, leva-nos a considerar esta possessão como uma das que mais podem aspirar a segura e bem fundada prosperidade.

Se no litoral Timor é pouco salubre, ha no interior regiões que são geralmente reputadas saudaveis e até perfeitamente adaptadas à colonisação europeu.

Os seus terrenos são ferieis e em grande parte admiravelmente proprios para a cultura do café, dos cereaes, do tabaco e de outros generos coloniaes, e para a creação gados.

O commercio, desde que se desenvolva a produção da ilha, a que se estabeleçam communicações directas, que a libertem da subordinação em que se encontra aos mercados hollandezes da Oceania, póde attingir movimento consideravel.

A constituição em districto autonomo, por decreto de 15 de outubro de 1896, da possessão do Timor não basta de certo para lhe dar os elementos de transformação de que ella precisa, mas liberta-a de difficuldades de administração, que são muitas vezes embaraço serio para um mais rapido progresso.

Quando por vozes, mudando de parecer, se tem entendido que Timor deve estar ligada administrativamente a outra provincia ultramarina, argumentou-se sempre com a despesa a que dá origem um governo independente, mas nunca se poz em duvida que aquella possessão possuisse condições para ser uma colonia importante.

Depois de ter estado, por decreto de 7 de dezembro de 1836, subordinada ao estado da India, de haver sido declarada provincia independente por decreto de 17 de setembro de 1863, quando por a decreto de 26 de novembro de 1866, foi constituida em districto dependente da provincia de Macau, o legislador fundamentou a sua resolu-

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ção na supposta economia que d'ahi resultava, e não na falta de condições de progresso economico, pois que no relatorio que precede aquelle decreto se affirma que o territorio de Timor é naturalmente muito rico, pela feracidade do seu solo, e tem extensão bastante para ser uma possessão importante.

Desde que a administração d'esta colonia seja inspirada pelo empenho de aproveitar os grandes recursos naturaes do seu solo, e que na organisação dos differentes serviços não haja despezas inuteis, a independencia do governo, dadas as condições geographicas de Timor, não póde senão ser um elemento de mais rapido progresso e desenvolvimento, acabando com as complicações e com os transtornos que se derivam da subordinação a uma provincia demorando a consideravel distancia.

Mas circumstancias em que se constituiu o novo districto autonomo, difficil seria contar desde logo com recursos que fizessem face às despezas. Assim o orçamento de 1898-1899 apresenta um deficit de 30:239$280 réis, resultado da differença entre a receita calculada em réis 146:726$245 e a despeza avaliada em 176:965$530 réis.

Os recurso foram assim computados:

Impostos directos..................... 10:396$6225
Impostos indirectos................... 93:009$220
Proprios e rendimentos diversos....... 43:320$800 146:726$245

N'estes grupos de receitas as principaes verbas são as seguintes:

Alfandegas............................ 92:309$220
Exclusivo do opio cozido............... 4:106$225
Receita eventual....................... 3:500$000
Sêllo.................................. 3:000$000
Licenças para casas de venda e penhores 2:560$000
Fintas................................. 2:500$000
Correio................................ 1:500$000
Licenças para casas de jogo............ 1:324$000
Rendimento da plantação do café em Remexio 1 :024$000

A estas receitas deve acrescentar-se a dotação paga pela provincia de Macau na importancia de 38:400$000 réis.

Dos recursos proprios da provincia o mais importante é, pois, o que provém do movimento commercial; e o seu augmento, a despeito de todas as contrariedades, confirma as esperanças dos que crêem nas favoraveis condições de desenvolvimento d'esta possessão. Não obstante o estado de guerra em que Timor esteve durante muito tempo, a receita cobrada pela importação e exportação, em 1897, foi 59:957$274 réis, tendo sido, em 1885, 38:957$454 réis, como se vê dos seguintes numeros:

1885................................. 38:957$454
1886..................................40:485$611
1887................................. 45:420$239
1888................................. 52:258$774
1889................................. 62:940$260
1890................................. 54:895$917

1891................................. 53:101$885
1892................................. 48:443$765
1893................................. 49:600$210
1894 ................................ 51:536$485
1895 ................................ 72:772$465
1896................................. 38:909$221
1897................................. 59:907$274

Este rendimento não corresponde, porém, se examinarmos a estatistica aduaneira, a acrescimo no movimento commercial, por isso que este foi, em 1885, 660:186$398 réis e em 1897 não excedeu 651:898$424 réis. Ainda mesmo que possamos attribuir este desaccordo á imperfeição das estatisticas, é certo que o augmento do commercio de Timor não tem sido consideravel, no periodo a que nos referimos.

Assim, examinando primeiro a exportação, vemos que, no periodo indicado, é representada pelos seguintes valores:

1885................................ 447:691$181
1886................................ 422:841$870
1887................................ 272:402$664
1888................................ 499:806$908
1889................................ 310:426$617
1890................................ 323:663$084
1891................................ 352:387$687
1892................................ 361:856$975
1893................................ 262:752$076
1894................................ 177:403$447
1895................................ 368:973$126
1896................................ 135:161$101
1897................................ 246:502$731

Não são na realidade animadores estes numeros, posto que principalmente em relação aos ultimos annos seja necessario descontar as consequencias do estado de guerra em que esteve a possessão de Timor.

Se levassemos a comparação a epochas mais afastadas, achar-se-ía differença favoravel. Assim, no anno de 1860, o valor total da exportação foi 38:643$520 réis, isto é, 15 por cento apenas da que é actualmente.

Mas estes factos não destroem as condições favoraveis em que se encontra Timor para uma larga producção, principalmente de café, e bastará que a cultura d'este genero e, portanto, a sua exportação se desenvolvam para que o rendimento da alfandega cresça rapidamente. E assim teria succedido, se os trabalhos emprehendidos, quer pelo governo, quer pelos missionarios, para alargarem as plantações, não tivessem sido interrompidos, e em grande parte annullados, pelas guerras continuadas, a que devemos esperar se tenha posto termo com as victorias ultimamente obtidas e com as acertadas providencias tomadas pelo governo provincial para acabar com as causas de insurreição quasi permanente.

O café de Timor é de excellente qualidade. Affirma-o, não só o preço que obtem no mercado de Makassar, para onde é exportado, preço que aliás é inferior ao que obteria se a facilidade das communicações lhe permittisse concorrer a outros mercados, mas a opinião dos homens competentes que têem feito analyses, das quaes se prova ser elle muito rico em cafeina e rivalisar com os melhores productos similares conhecidos. E, se fosse requerida ainda alguma prova da excellencia do café de Timor, bastaria citar o facto conhecido de ser em geral empregado para se misturar com o de Java e das outras colonias hollandezas, attenta a superioridade dos elementos que o compõem.

Sempre que o governo local, ou por mais desembaraçado de outros cuidados, ou por mais empenhado em desenvolver a riqueza de Timor, tem provocado e incitado a cultura do café, se reconheceu quanto é facil obter uma larga producção d'este artigo.

Convencer-nos-hemos da verdade d'esta asserção, attentando nos numeros que se podem obter ácerca da exportação do café em alguns annos.

Assim temos:

Kilogrammas
1858-1859.................. 19:461
1859-1860.................. 24:461
1860-1861.................. 46:058
1861-1862 (approximadamente) 92:000

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SESSÃO N.º 31 DE 20 DE MARÇO DE 1899 43

1865 .......................... 145:278
1878........................... 870:424
1879........................... 1.413:881
1880-1881...................... 2.416:000
1889 (approximadamente)........ 1.264:000
1890 « ..................... 1:364:000
1891 « ..................... 1:442:000
1892 « ..................... 1:476:000
1893 « ..................... 1.040:000
1894 « ..................... 850:000
1895 « ..................... 1.303:000
1896 « ..................... 445:000
1897 « ..................... 1:037:000

Foi exactamente em 1880-1881, estando em socego a possessão de Timor, e tendo-se o governo local empenhado em promover a cultura, que a producção attingiu maior importancia.

É de suppor que o mesmo succeda em resultado dos esforços que no mesmo sentido se têem empregado ultimamente, estabelecendo-se plantações modelou em Remexio e Hatoregas e incitando os regulos a fazerem plantações de café.

Em geral procura explicar-se pela indolencia dos indigenas a difficuldade de dar grande desenvolvimento á cultura d'este artigo, mas a verdade é que essa indolencia nunca foi obstaculo serio áquelle desenvolvimento, quando n'este empenho lidaram solicitos esforços.

A exportação de Timor, alem do café, quasi só conta mais dois productos de alguma importancia, - a cêra e o sandalo. O valor da exportação d'estes generos nos ultimos annos foi o seguinte:

Cera Sandalo

1889...................... 6:129$600 14:906$316
1890...................... 9:267$384 7:460$354
1891...................... 12:958$398 9:891$857
1892...................... 13:5310878 15:355$530
1893...................... 10:624$460 14:901$165
1894...................... 11:400$600 8:283$516
1895...................... 9:960$300 4:500$080
1896...................... 10:125$000 4:907$520
1897...................... 5:223$342 7:859$160

É certo que o desenvolvimento da cultura do café será o meio mais rapido de augmentar a riqueza e prosperidade de Timor; mas outras producções poderão tentar-se ou alargar-se com vantagem, porque parece que a ellas admiravelmente se prestam o solo e o clima, e ha tambem uma industria que apresenta todas as condições de poder prosperar, - a da creação do gado.

Teve já, um certo valor esta industria, havendo alguma exportação de cavallos, bois e bufalos, mas não se curou de a aperfeiçoar e a sua decadencia precipitou-se.

O illustre prelado D. Antonio Joaquim de Medeiros, que a morte veiu ferir quando tão assignalados serviços estava prestando, não só ao progresso da fé, mas ao desenvolvimento agricola de Timor, tinha com acertado empenho aproveitado os serviços da missão no estabelecimento de dois centros de producção de gado bovino, onde já hoje ha grande numero de cabeças, e que podem ser o inicio da prosperidade d'esta industria.

Referimo-nos acima a varios productos agricolas cuja cultura poderia fazer-se com vantagem, e n'este caso devem considerar-se, guiando-nos pelos factos de outras epochas, o trigo, que já se produziu de excellente qualidade em varias regiões da ilha, o milho que outrora se exportava, o arroz, que se cultivava em grande quantidade para consumo local e que só agora começa novamente a produzir-se em mais larga escala, e o tabaco e o algodão que crescem espontaneamente em muitos pontos.

Vieram naturalmente a proposito as considerações procedentes ao examinarmos a receita proveniente do movimento commercial, e portanto os productos que constituem a exportação, ou que podem ainda vir a constituil-a.

Tratando agora da importação, não se nota tão grande depressão como na exportação. Assim foi ella no periodo de 1885 a 1897:

1885............................... 212:495$417
1886............................... 228:771$193
1887............................... 312:985$239
1888............................... 250:834$450
1889............................... 396:499$039
1890............................... 477:681$542
1891............................... 368:735$156
1892............................... 532:387$800
1893............................... 583:079$614
1894............................... 445:620$457
1895............................... 534:811$325
1896............................... 376:990$142
1897............................... 318:312$552

Convem observar que, estando incluido o dinheiro nos valores da importação, em alguns annos estes avultam mais pela maior quantidade da moeda recebida.

Em 1897, por exemplo, o valor do dinheiro entrado pela alfandega, foi 71:464$140 réis.

A importação comprehende grande variedade de artigos, mas os que representam maior valor são, tomando por base a estatistica de 1897, os seguintes:

Arroz.............................. 67:526$460
Tecidos de algodão................. 61:983$900
Seda............................... 21:529$800
Canipa............................. 17:903$760
Tabaco.............................. 6:753$780
Comidas............................. 6:395$220
Peixe............................... 3:654$720
Ferro em obra....................... 3:320$560
Vinho............................... 3:142$800
Assucar............................. 2:174$040
Conservas........................... 1:542$780

A enumeração que acabâmos de fazer da principaes artigos de importação vem ainda confirmar o que dissemos, quanto ao atrazo agricola de Timor. Figura entre esses artigos com o maior valor o arroz, que se produz n'esta ilha e cuja cultura póde ser facilmente augmentada, de modo que satisfaça às necessidades do consumo da população.

Tambem entre os artigos de importação figura o petroleo; e comtudo ha em Timor nascentes abundantes d'elle, que felizmente, parece, serão em breve exploradas, attentos os bons resultados obtidos pela companhia concessionaria, que está procedendo aos trabalhos de installação e de exploração das nascentes de Laclubar.

Dos productos mencionados raros são os que vão de Portugal, por intermedio de Macau. Apenas algumas conservas e algum vinho.

O commercio, tanto de importação como de exportação, faz-se com Macau, Hong-Kong, Singapura e ilhas neerlandezas, quasi todo com estas ultimas, como se vê da seguinte nota relativa a 1897 :

Importação Exportação

Hong-Kong............. 15:895$931 9:757$146
Macau................. 6:377$567 2:192$637
Singapura.............. 47:460$972 21:383$551
Ilhas neerlandezas..... 248:578$259 213:722$760

O exame das outras verbas de receita, alem da que provém das alfandegas e do movimento commercial, mostra-nos que pouco importante é actualmente a materia col-

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44 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

lectavel, o que aliás era facil de prever, attento o atrazo da industria agricola e fabril. Sommam aquellas verbas no orçamento apenas 22:417$025 réis.

Embora pouco avultadas, tambem como receitas figuram em Timor verbas provenientes do jogo e dos exclusivos, que sommam 5:431$025 réis.

Entre os impostos directos figuram as fintas pagas pelos differentes reinos avassallados. É uma contribuição que pouco tem rendido e que no orçamento está calculada apenas em 2:500$000 réis, mas que, existindo desde tempos muito antigos e estando portanto nos habitos da população, poderá, quando adoptados methodos regulares de cobrança, e estando agora avassallado todo o territorio, produzir receita mais avultada.

Mas esta e todas as demais receitas estão intimamente ligadas com o progresso agricola e economico da provincia, com que é licito contar, aproveitados devidamente os elementos de exploração e os consideraveis recursos naturaes que Timor proporciona ao trabalho e ao capital.

Na actual organisação do districto autonomo de Timor, decretada em 30 de dezembro de 1897, attendeu se muito particularmente á creação e á conveniente dotação dos serviços que mais podem concorrer para levantar esta posses são do abatimento, de que apenas lentamente começa a resurgir. Não era possivel, sem provocar um consideravel desiquilibrio entre as receitas e as despezas, dispor os differentes serviços para uma rapida transformação, que, aliás incitada pelo elemento official, melhor póde e deve ser levada a cabo pela iniciativa particular. Mas parece-me que, persistentemente seguido o plano traçado, os resultados favoraveis não tardarão a manifestar-se.

No orçamento de 1898-1899, formulado em seguida ao decreto da organisação do districto, encontram-se as seguintes verbas, que denunciam o empenho a que alludo:

Instrucção publica...................... 1:700$000
Obras publicas......................... 17:240$000
Fomento da agricultura................. 5:700$000
Missionarios........................... 5:678$000
Serviço maritimo....................... 11:349$750
Subsidio á navegação entre Timor, Macau e
Hong-Kong.............................. 3:240$000
Construcção da ponte em Dilly.......... 12:600$000

Representam estas verbas, que são de incontestavel importancia para o progresso o melhoramento de Timor, a terça parte da despeza total inscripta no orçamento.

A instrucção primaria alargou-se bastante, tornando-se obrigatorio o ensino d'ella por parte dos missionarios e fazendo contribuir para as despezas as juntas e commissões municipaes.

Dotou-se e organisou-se melhor o serviço de obras publicas, habilitando-o a realisar alguns melhoramentos essenciaes e a proseguir na execução de obras, como o dessecamento de pantanos perto da capital, e a abertura de estradas.

Está auctorisada a creação de officinas de serralheiro, carpinteiro e pedreiro, no intuito de instruir n'estes officios os indigenas, acabando com a necessidade de mandar procurar artifices d'este genero em Java ou na China.

No proposito de dar desenvolvimento às plantações de café creadas pela iniciativa do governo local, de dar impulso á industria da creação de gado, e de promover, em geral, o progresso agricola, organisou-se em regulares condições o serviço do fomento agricola, á testa do qual deve estar um agronomo.

Ao serviço missionario que em Timor tem sido um auxiliar dedicado da administração e não só de progresso mora, mas do progresso agricola, attribuiu-se uma parte importante no alargamento da instrucção.

A despeza destinada para o serviço maritimo, permittindo ter em Timor dois vapores, devo concorrer para se pôr cobro ao grande contrabando que se fazia pelo litoral.

O estabelecimento de carreiras regulares de vapores entre Dilly e Hong-Kong, pondo assim a possessão de Timor em communicação amiudada com Macau e com a China, augmentar-lhe-ha as relações commerciaes e ao mesmo tempo tornará mais faceis e mais regulares tambem as suas communicações com a metropole.

Finalmente, a nova ponte de Dilly dará grandes facilidades ao commercio de Timor, barateando o abreviando as cargas e descargas das mercadorias.

Proseguindo-se n'este caminho de transformação economica, e tendo a certeza de que as condições do solo tão efficazmente auxiliam todas as tentativas e promettem remunerar todos os sacrificios, não se me offerece duvida de que Timor será dentro em pouco uma colonia prospera e rica; e creio bem que, afastados os receios de novas guerras por um prudente, energica e sensata administração, á iniciativa official virá juntar-se a iniciativa particular, para que mais rapidamente se opercessa transformação, que só circumstancias excepcionaes e o como que esquecimento de uma possessão tão longinqua têem impedido de se realisar.

Principaes actos da administração ultramarina desde 18 de agosto a 31 de dezembro de 1898

a) - Delimitação de fronteiras

Assumindo a gerencia da pasta da marinha e ultramar em 18 de agosto de 1898, foi um dos meus primeiros cuidados o exame do estado em que se encontrava a delimitação das nossas provincias ultramarinas.

Escuso de encarecer perante o vosso illustrado criterio a capital importancia e urgente necessidade de realisar, em praso breve, a demarcação dos nossos dominios de alem-mar, nos termos dos diversos convenios já approvados e que fixaram as linhas de separação das espheras de influencia entre as possessões portuguezas e as colonias ou estados vizinhos.

D'esta falta se origina, e subsistirá, uma situação grave, pelas reclamações e prejuizos que, frequentemente, podem advir dos conflictos de fronteira.

Para se avaliar com segurança o que ha a fazer n'esta ordem de trabalhos, basta lembrar, por exemplo, que na Guiné, cujo convenio de limites se ultimou em 1886, apenas se levou a cabo um simples reconhecimento da fronteira na parte sul, n'aquelle anno; e precisamente n'esta provincia não ha uma unica linha de limites naturaes, sendo tudo linhas hypotheticas, cuja balisagem é sempre mais difficil e dispendiosa.

Em Angola, ao sueste, a parte que confina com o Barotze, e ao sul a fronteira com a colonia allemã, regiões ainda não demarcadas, só por si abrangem uma linha na extensão de 2:300 kilometros.

Analogamente na provincia de Moçambique, apesar de estar delimitada a parte confinante com a colonia do Natal e uma secção da fronteira da Swazilandia e Transwaal e de se ultimar a balisagem de Manica e do Barué, falta ainda determinar cerca de 2:460 kilometros de fronteira.

Se desde 1887, ou pelo menos a partir de 1891, em que fechámos o ultimo convenio com a Inglaterra, tivessemos proseguido systomatica e persistentemente nas operações de demarcação das Tonteiras ultramarinas, outra seria hoje a nossa situação, e porventura se teriam evitado damnos e complicações de diversa ordem.

Importa, pois aproveitar da lição dos factos; e do exame de tão importante problema se não ha de seguramente desinteressar a esclarecida attenção do parlamento.

Convindo estabelecer preceitos e instrucções a observar

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nos trabalhos de delimitação de fronteiras, do modo que estes possam realisar-se methodica o successivamente, com o menor dispendio e com a maior vantagem para o conhecimento de muitas regiões, ainda mal exploradas, do nosso sertão africano, commetti esse encargo, pela regia portaria de 23 de setembro ultimo, á commissão de cartographia.

N'este diploma procurei definir os pontos principaes a que cumpria attender; e do modo proficiente o distincto como a referida commissão se desempenhou da importante e difficil tarefa que lhe fóra confiada, dá testemunho o trabalho por ella apresentado, com o qual me conformei e que brevemente será decretado.

Importa agora regular a ordem de precedencia a seguir nas delimitações das possessões ultramarinas. E, se bem que tal assumpto se deva considerar sempre de inadiavel necessidade, é certo que existem troços de fronteiras que, por se confundirem com as linhas mais profundas dos cursos de agua ou com as de maior elevação das cadeias de montanhas, linhas facilmente perceptiveis pelo exame do terreno, não exigem tão urgentemente demarcação como os de outras regiões que, por conveniencias de diversa natureza, tiveram de sujeitar-se a linhas imaginarias, quer sejam parallelos ou meridianos, que mesmo linhas rectas de orientação variavel.

São estas ultimas regiões que convem de preferencia demarcar; e tal é o caso da maior parte das secções da fronteira de Moçambique, de toda a fronteira da Guiné e de quasi toda a de Angola.

N'esta ordem de considerações, e de harmonia com as verbas orçamentaes que tudo aconselha sejam augmentadas, deveria considerar-se em primeiro logar, na provincia de Moçambique, a região norte do Zambeze, na parte confinante com o territorio do protectorado da British Central Africa, e a seguir a parte occidental do Chire em direcção ao Zumbo. D'este modo na referida provincia as secções de delimitação seriam:

Fronteira com os territorios britannicos

1. Desde o Nyassa (parallelo de 13° 30 S.) até o Ruo;

2. Desde Chinanga até o parallelo da 14° S;

3. Do parallelo de 14° S. até o ponto em que o parallelo de 15º corta o Aruangoa;

4. Do Zumbo, pelo sul do Zambeze, até a região do Barué;

5. Desde o ponto de confluencia do Lunde com o Save até e da confluencia do Pafuri com o Limpopo;

Fronteira com o Transwaal

6. Desde o Pafuri até o Singnédse;

Fronteira com a colonia allamã

7. Curso do Rovuma e parallelo da foz do M'Singe até o Nyassa;

Fronteira com os territorios britannicos

8. Curso do Ruo e curso do Chire, na parte referida no tratado de 11 de junho de 1891.

Podem estas secções ser demarcadas em uma ou mais quadras favoraveis do anno; as restantes da fronteira de Moçambique estão já delimitadas ou em via de delimitação.

Quanto á Guiné, torna-se urgente fixar, por meio de marcos ou pyramides adequadas, toda a extensão da sua fronteira, constituida por uma linha ficticia.
E conviria começar pelo sul, a partir da ponta Cajé, visto ser aquella parte onde mais complicações têem surgido.

N'esta provincia os trabalhos de campo, attendendo às condições metereologicas, só podem verificar-se nos mezes de janeiro a abril. A julgar pela extensão da linha limitrophe, calcula-se que em quatro campanhas ficaria balisada a fronteira.

Pelo que respeita a Angola, está-se ultimando a dilimitação com o Congo francez, o proseguem os trabalhos para a fixação da fronteira com o Estado Independente do Congo, devendo achar-se em principio a balisagem do parallelo de Noqui; concluiu-se a demarcação das fronteiras de Cabinda e Molembo, e a da Lunda entre o Quango e o Cassai.

Resta terminar a linha de separação das espheras de influencia ao longo do rio Quango, entro o parallelo do Noqui e o Umtungila; e do rio Cassai, entre o parallelo do 7° 17' S. e o lago Dilolo; e ainda d'aqui para o oriente ao longo da divisoria das aguas Zaire-Zambeze.

A balisagem d'estas tres secções, pelo facto de coincidirem as suas linhas divisorias com limites naturaes bem conhecidos, não é de tão immediata necessidade. Já não succede o mesmo em relação às linhas que dividem os territorios meridionaes da provincia, das colonias, ingleza e allemã. Seriam, pois, estas secções as que conviria limitar em primeiro logar.

A succinta resenha que venho de expor é sufficiente para mostrar a importancia e o alcance do problema da delimitação das fronteiras dos nossos dominios de alem-mar. E a camara, em face do muito que ainda resta fazer, não deixará de habilitar o governo a poder dar maior desenvolvimento a estes trabalhos, e até onde o permitiam as circumstancias do thesouro.

b). - Fomento industrial das colonias

No intuito de colligir o maior numero possivel de elementos que habilitassem o governo a resolver um dos mais importantes problemas, embora tambem dos mais complexos, qual é o de promover o progresso das colonias favorecendo ao mesmo tempo o desenvolvimento economico da metropole, dirigi, em 29 de setembro de 1898, uma circular aos governadores das possessões ultramarinas e bem assim a todas as associações e entidades que, no reino ou n'aquellas provincias, pela natureza especial dos seus trabalhos e experiencia, mais podiam concorrer para esclarecimento da questão indicada.

N'esse documento, que vem publicado, na integra, no volume II, depois de apresentar uma rapida resenha das tentativas feitas nos ultimos annos e dos esforços empenhados no sentido de desenvolver a industria e o commercio da metropole e das colonias, procurei definir as circumstancias particulares às nossas possessões africanas da costa occidental e oriental, e expôr o problema em termos concretos.

Quanto á metropole, tratei de synthetisar nos seguintes quesitos as questões que naturalmente havia a considerar:

1.ª Quanto as industriais da metropole que, tendo largo desenvolvimento actual, ou podendo contar com as condições indispensaveis para um largo desenvolvimento futuro, devem ser protegidas por fórma a que possam conquistar os mercados ultramarinos?

2.ª Quaes são as provindas ou as regiões e mercados d'ellas que, sem perigo para a sua situação financeira e economica, devem, por meio de excepcionaes favores, ser como que reservadas para a exploração nacional?

3.ª Deve levar-se a protecção às industrias da metropole até o ponto de prohibir que se estabeleçam industrias similares nas provincias ultramarinas?

E quanto às colonias:

1.ª Quaes são os generos coloniaes, cuja producção mais convem proteger nas provincias ultramarinas e especialmente nas provincias africanas?

2.ª Quaes as industrias que podem crear-se ou desenvolver-se no ultramar, o qual a protecção que lhes deve ser dispensada, tanto no ultramar como na metropole?

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3.ª Deve, para a protecção concedida no reino á importação dos generos coloniaes e productos das industrias coloniaes, fixar-se um periodo durante o qual essa protecção seja invariavel?

4.ª O beneficio da pauta deve ser identico para todos os generos e productos coloniaes, ou variar conforme as circumstancias que se derem em relação a cada um d'elles?

5.ª Convem, em relação a alguns generos ou productos coloniaes, estabelecer differentes periodos em que o beneficio vá successivamente diminuindo?

Não foi debalde que dirigi o meu appello.

Até ao momento actual já responderam á minha circular as seguintes collectividades: camara de commercio e industria de Lisboa; associação commerical de Lisboa; associação industrial portugueza; atheneu commercial de Lisboa; associação commercial de lojistas de Lisboa; centro commercial do Porto; associação industrial portuense; união dos industriaes do norte; associação commercial de Aveiro; syndicato agricola de Nellas; syndicato agricola do concelho do Fundão; commercio de Loanda, etc.

Todas estas respostas vão publicadas, na integra, no vol. II.

Constituem os documentos que deixo apontados um repositorio valioso de informações, e prestam subsidio importantissimo para a resolução de um grande numero de problemas que interessam às nossas possessões ultramarinas.

Tornam-se alguns dos pareceres verdadeiramente notaveis pela largueza de vistas e proficiencia com que foram elaborados, pelo estudo profundo que revelam, pelo modo patriotico como n'elles se tratam as questões coloniaes. Alguns dos alvitres indicados acabam-se já attendidos nas propostas submettidas ao vosso exame.

Aguardo as restantes respostas para, reunidos todos os elementos de estudo e ouvidas as diversas estações consultivas dependentes d'esta secretaria, poder assentar as ha bases seguras do importante problema das relações industriaes e commerciaes da metropole com as colonias.

É dever meu, porém, congratular-me desde já com os resultados obtidos do inquerito a que procedi e deixar aqui consignado o meu profundo reconhecimento às associações e entidades acima referidas.

c). - Serviço de informações commerciaes

Se a circular de 29 de setembro de 1898 dirigida a todas as aggremiações de Indole industrial e commercial, tanto do reino como do ultramar, teve por fim colligir os elementos de estudo necessarios para se poder formular o conjuncto de providencias que promovam por igual o desenvolvimento economico das colonias e da metropole, o decreto de 10 de outubro do mesmo anno, creando um serviço permanente de informações commerciaes, obedeceu ainda á mesma ordem de principios que presidiram á elaboração d'aquelle documento.

Dadas as transformações porque vão passando as provincias ultramarinas, não seria rasoavel limitarmo-nos ao inquerito feito por uma só vez, antes é indispensavel ir acompanhando, dia a dia, as modificações que se operam no commercio e na industria, e isto tanto em relação às colonias como á metropole.

A este fim visou a creação do serviço permanente de informações, a que me estou referindo.

O favor com que foi recebido pelas associações commerciaes e industriaes do paiz o decreto de 10 de outubro de 1898, e os resultados que já deu, sendo em breve publicado um grande numero de estatisticas e informações obtidas das nossas possessões ultramarinas, aconselha a proseguir no caminho encetado e a procurar desenvolver aquelle serviço, como devendo constituir um auxiliar constante para encaminhar o governo nas modificações de que irá carecendo o regimen economico e financeiro das colonias nas suas relações com a metropole, e para orientar ao mesmo tempo do modo mais conveniente a actividade do commercio e da industria.

d). - Conselho das pautas ultramarinas

O conselho das pautas ultramarinas, instituido pelo decreto de 12 de novembro do anno findo, foi uma providencia administrativa, por assim dizer, complementar das duas que anteriormente ficam indicadas.

Cercar a administração central dos elementos de exame, de critica e de trabalho, que a auxiliem na resolução, opportuna e conveniente, do importante problema das relações do commercio e da industria da metropole com as provincias ultramarinas, e das questões que d'elle naturalmente decorrem, e contribuir ao mesmo tempo para que a actividade e iniciativa particulares se orientem e fixem no sentido de aproveitar as enormes riquezas que encerra o nosso vasto dominio colonial, - foi o pensamento primacial a que obedeceu a elaboração d'aquelle diploma.

É certo que já pela regia portaria de 30 de janeiro de 1896 havia sido nomeada uma commissão tendo especialmente por fim rever as pautas ultramarinas. Mas as transformações que desde essa epocha se têem operado nas relações commerciaes e industriaes da metropole com o ultramar, os novos interesses creados e que de continuo se vão desenvolvendo, a necessidade de considerar, no modo de ser do regimen economico das nossas possessões, o que se passa nos estados e paizes limitrophes d'ellas, estavam naturalmente aconselhando a organisar-se uma instituição, com funcções mais latas, e que, pela representação que n'ella tivessem os elementos officiaes e parallelamente o commercio colonial e as principaes associações do commercio e da industria do paiz fosse um cooperador activo e valioso do governo nas providencias que tem de successivamente ir adoptando em harmonia com a evolução dos dominios ultramarinos, nossos e das outras nações europeias.

Foram estes os motivos que principalmente determinaram o decreto que creou o conselho das pautas ultramarinas, e aos quaes procurei subordinar a sua constituição. E pareceu-me ainda de toda a conveniencia que, a par das funcções consultivas que ficam indicadas, deveria ter tambem o conselho a de colligir todos os elementos para a publicação de um boletim annual, que agrupasse as estatisticas aduaneiras ultramarinas, que tão carecidas andam de unidade, e compendiasse todas as informações que mais directamente possam interessar ao commercio e industria nacionaes e quantas se relacionem com o regimen das colonias estrangeiras, vizinhas das nossas possessões.

Estou profundamente convicto de que o conselho das pautas ultramarinas ha de prestar valiosos serviços ao paiz, e que os tres diplomas a que me tenho referido e que intimamente se enlaçam e completam, hão de contribuir poderosamente para que se esclareça e elucide, e, portanto, para que mais acertadamente se resolva uma parte do nosso importante problema colonial, - qual é a que diz respeito ao commercio e industria da metropole e das colonias nas suas mutuas relações.

e). - Trabalho dos indigenas

Entre os factos que devem assignalar na historia a segunda metade do seculo que vae findar ha de destacar-se a febre de emprehendimentos coloniaes que se apoderou das nações da Europa, e ter logar de honra o seu generoso movimento em favor da libertação dos milhões de individuos que povoam o continente negro.

E com desvanecimento póde dizer Portugal que nenhuma nação, mais do que elle, cumpriu a sua missão civilisadora em Africa, de que é testemunho brilhante essa serie honrosissima de providencias com que desde 1836 até

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1878 demos a prova irrefragavel do nosso empenho em banir completamente das possessões ultramarinas portuguezas todos os preceitos legaes que auctorisavam o trafego de escravatura e o estado de escravidão.

É innegavel, porém, que a maior parte d'aquelles aos quaes se entenderam os beneficios da liberdade não comprehenderam desde logo e não comprehendem ainda hoje as vantagens do livre exercicio da sua natividade, e procedem, a maior parte das vezes, como se estivessem sujeitos ainda ao dominio dos mais fortes e poderosos.

Importa, pois, completar o pensamento generoso e elevado d'aquellas leis, pela adopção de providencias que tornem praticamente aproveitaveis as liberdades outhorgadas aos indigenas e permitiam por meio de todos os incentivos de adiantamento moral attrahil-os gradual e successivamente ao convivio da civilisação.

Se em virtude do atrazo moral e intellectual dos indigenas, é indispensavel ainda exercitar sobre os seus actos uma tutela protectora, effectiva e persistente, necessario se torna tambem obrigal-os a, um trabalho regular, que proporcionando-lhes melhores condições de existencia, concorra de igual passo para a mais proveitosa explorarão do solo, e, portanto, para o mais rapido desenvolvimento das colonias.

A elaboração de uma lei de trabalho para os indigenas, concebida sob um ponto de vista bastante largo para abranger n'ella as questões intimamente connexas, das quaes dependerá em grande parte que ella se possa tornar pratica, afigurou-se-me ser uma instante necessidade das nossas possessões ultramarinas.

Mas comprehendi tambem quanto uma questão d'esta natureza era complexa e difficil, e como ella requeria competencia especial e o conhecimento profundo das diversas provincias do nosso dominio colonial.

Foi por isto que, pela regia portaria de 26 de outubro de 1898, commetti este encargo a uma commissão presidida pelo eminente estadista o sr. conselheiro Antonio Ennes, e de que faziam parte os Srs.: conselheiro Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, e bacharel Anselmo de Asais de Andrade, deputado da nação, conselheiro Jayme Augusto de Brito Godins, antigo secretario geral na provincia de Angola, e Henrique Mitchell de Paiva Couceiro, capitão de artilheira.

N'esse documento, sem de modo algum pretender restringir a liberdade da commissão, indicava-lhe como escopo especial os seguintes pontos

a) Providencias a adoptar, conforme as provincias ultramarinas, para que os contratos de prestação de trabalho se façam nos termos mais convenientes, assegurando-se o seu exacto cumprimento, tanto por parte dos serviçaes, como por parte dos agricultores, proprietarios, industriaes, ou quaesquer individuos ou emprezas;

b) Obrigações especiaes a impor aos que tiverem ao seu serviço um certo numero de indigenas, em relação ao estabelecimento de escolas e outras instituições que possam concorrer para a civilisação e progresso dos mesmos indigenas;

c) Faculdades que devem ser concedidas aos magistrados a quem for incumbida a tutela dos serviçaes, devendo alargar-se essas faculdades por fórma que tenham por fim acabar com abusos e com a falta de execução dos regulamentos respectivos;

d) Medidas a tomar para prohibir ou regular, conforme os casos, a emigração de indigenas de umas para outras provincias ultramarinas, ou de qualquer d'estas para paizes estranhos ao dominio de Portugal;

e) Aproveitamento do trabalho dos indigenas na execução dos melhoramentos materiaes de utilidade geral das provincias;

f) Meios praticos mais efficazes para obrigar os indigenas a um trabalho regular, empregando para esse effeito todos os incentivos e todas as imposições que, sem representarem violencia, nem derogação das leis e regulamentos liberaes em vigor, em tudo quanto é essencial e fundamental, possam conseguir uma salutar transformação das condições actuaes das populações indigenas das nossas colonias, tendo em consideração, n'este assumpto, as circumstancias especiaes de cada uma das nossas provincias ultramarinas, e ainda na mesma provincia, as condições proprias das suas differentes regiões.

Do modo como a commissão se desempenhou do encargo que lhe fôra commettido, podeis apreciar pelo exame do projecto que elaborou e do relatorio que o precedo e onde se justificam as principies disposições n'elle consignadas, o que tudo vem publicado no volume II.

A commissão encarou o problema do trabalho indigena nas colonias sob um ponto de vista largo, adoptando todas as disposições que assegurassem a sua realização em condições praticas.

Adoptando por completo o projecto da commissão, formulei tres propostas, de que mais desenvolvidamente trato em outra parte d'este relatorio.

Estou profundamente convencido, e confio que esta será tambem a vossa convicção, do que aquelle projecto, quando levado á pratica com acerto, ha de contribuir efficazmente para a rapida valorisação do nosso dominio colonial.

f). - Obras publicas no ultramar

Publiquei dois diplomas em relação a este assumpto de primordial importancia para o desenvolvimento das nossas possessões do alem mar: a portaria de 22 de setembro de 1898 e a de 14 de novembro do mesmo anno.

Pela primeira, confiei ao estudo de uma commissão, composta de individuos de reconhecida competencia em assumptos de engenharia e de administração colonial, alguns dos quaes com larga folha de serviços nas nossas possessões, o encargo de formular um projecto de reorganisação dos serviços de obras publicas no ultramar. Esta commissão era comporta dos engenheiros João Joaquim de Matos, Joaquim Pirca de Sousa Gomes e Adolpho Ferreira de Loureiro, membros da commissão superior technica de obras publicas do ultramar, Tito Augusto de Carvalho, chefe da 3.ª repartição da direcção geral do ultramar e conselheiro Antonio João de Araujo, membros da dita commissão, e dos engenheiros Affonso de Moraes Sarmento, José Maria de Sousa Horta e Costa, Alvaro Castellões e Belchior José Machado, chefe do secção d'aquella repartição. E n'aquelle diploma justifiquei a necessidade da organisação e defini os requisitos principaes a que entendi deveria satisfazer, deixando comtudo á commissão a faculdade de apresentar quanto o estudo do assumpto lhe suggirisse de mais conveniente e opportuno.

Não se poupou ella a labores, e depois de constantes e prolongadas sessões tem quasi ultimado um projecto de organisação, com o qual me conformo, e de que foram extrahidas as bases que, fazem parte da proposta de lei que tenho a honra de submetter á vossa apreciação.

Na segunda portaria, de 14 de novembro, procurei occorrer desde logo, dentro das faculdades do poder executivo, a uma instante necessidade do serviço, a do que as dotações das obras publicas do ultramar sejam applicadas por fórma que, com o menor dispendio possivel, se realisem trabalhos de incontestavel utilidade geral.

Para este fim determinei no mesmo diploma que se formulasse um plano geral das obras a executar em cada provincia, no qual se deveriam comprehender a construcção de estradas e vias ferreas, o melhoramento das communicações maritimas e fluviaes, o estabelecimento de linhas telegraphicas, edificios publicos, pharoes, trabalhos de irrigação e saneamento e outros que mais possam contribuir para o desenvolvimento das colonias, devendo indicar-se a ordem de preferencia das diversas obras.

Approvados estes planos geraes, depois de ouvidas as

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Estações competentes, e elaborados os projectos das obras de mais instante necessidade, fixar-se-ha especialmente, em cada anno economico, nos orçamentos das diversas provincias ultramarinas, as verbas destinadas às mesmas obras, a que não poderá ser dada applicação diversa.

Outras disposições, que me parecem convenientes e vantajosas, se encontram no diploma alludido e que me absterei de reproduzir aqui.

g) Obras do porto de Lourenço Marques

Entendi que devia referir-me, sob uma rubrica especial, às obras do porto de Lourenço Marques, cuja importancia, sob qualquer aspecto que se considere, me parece desnecessario encarecer perante o illustrado criterio da camada.

Procurando occupar-me com solicitude de todos os assumptos de administração ultramarina, que mais instantemente se impunham á attenção do governo, não podia deixar de offerecer-se-me, como um dos primeiros, e dos melhoramentos d'aquelle porto.

Pela carta de lei de 21 setembro de 1897 foi auctorisado o governo a proceder á construcção e exploração das obras necessarias para os melhoramentos do porto de Lourenço Marques, obras que não deveriam, exceder a verba de 5:000 contos de réis e ser feitas por empreitadas parciaes com previa adjudicação em concurso publico.

Determinavam mais as bases da mesma lei que o plano geral seria dividido em secções, abrangendo cada uma d'ellas todas as acquisições de terrenos, construcções e installações necessarias para que, quando concluida, se podesse immediatamente proceder á sua exploração, e que a verba para a 1.ª secção não excederia 1:350 contos de réis, em oiro.

Procurando dar cumprimento, no mais curto praso possivel, às clausulas da referida lei de 21 de setembro de 1897, e achando-se em viagem para o reino o conselheiro Silverio Augusto Pereira da Silva, que dirigia os trabalhos do porto, aguardei a sua chegada, e depois de conhecidas as suas informações e submettidos os seus trabalhos ao exame da commissão superior technica de obras publicas do ultramar, de accordo com a mesma commissão, approvei, pela portaria de 25 de outubro de 1898, as instrucções consideradas mais convenientes para a organisação do projecto geral e orçamento das obras para melhoramento do porto de Lourenço Marques, determinando que a 1.ª secção deveria comprehender as obras desde a Ponta Vermelha até a ponte do caminho de ferro.

Foi meu principal empenho, n'aquellas instrucções, que as obras projectadas para o porto de Lourenço Marques, dando inteira satisfação ao presumido acrescimo do seu movimento commercial, se podessem comtudo realisar com rapidez e com a maior economia possivel. Pareceu-me tambem que a 1.ª secção deveria ser delineada de modo a poder satisfazer, por um periodo sufficientemente largo, às provaveis necessidades do movimento maritimo.

É por isto que, aproveitando do conhecimento de algumas sondagens e de outras informações, entendi que se deveriam substituir as pontes-caes, metallicas, com as testas parallelas á margem, ao muro continuo de caes, de custo despendiosissimo e de demorada execução.

Esta e outras disposições, que igualmente me pareceram de vantagem, encontram-se minuciosamente explanadas nas instrucções referidas, pelo que não insistirei na sua justificação.

Acrescentarei apenas que os estudos feitos posteriormente á publicação da lei de 21 de setembro de 1897, o conhecimento de factos que d'aquelle estudo resultou e os trabalhos já realisados no porto estão aconselhando a modificação de algumas disposições da mesma lei.

A este assumpto, porém, que faz objecto de uma das propostas de lei me refiro mais largamente em outra parte d'este relatorio.

h) Legislação mineira do ultramar

Entre as innumeras riquezas das nossas possessões ultramarinas occupam logar importante a substancias mineraes do seu sub-solo. Conhecidas em grande parte desde os primeiros tempos das descobertas e conquistas, foram ellas que, por vezes, levaram os nossos antepassados a internarem-se no sertão.

A historia dos vastos e numerosos jazigos de substancias mineraes das nossas colonias, desde a segunda metade do seculo XVI, acha-se largamente feita nos relatorios que antecedem os decretos de 4 de dezembro de 1869 e de 4 de igual mez do anno de 1888.

O primeiro d'estes diplomas applicava-se a todas as provincias ultramarinas, o segundo regulamentava especialmente a exploração de minas de pedras e metaes preciosos na provincia de Moçambique; e ambos elles constituiam a legislação mineira em vigor para o ultramar. Firmados por nomes illustres, que já hoje pertencem ao dominio da historia, representaram um importante progresso para a epocha em que foram promulgados; mas é forçoso reconhecer que não corresponderam ao pensamento elevado que os dictou, nem às esperanças que n'elles se haviam depositado.

Assumpto de tanta magnitude como este não podia deixar de merecer a attenção dos poderes publicos; e, patenteada a necessidade de modificar a legislação existente, adaptando-a às condições especiaes do nosso dominio ultramarino e aproveitando da proficua lição da experiencia, propria e alheia, foi confiado o encargo a uma commissão composta de individuos, de reconhecida competencia, os srs. engenheiros: Joaquim Filippe Nery da Encarnação Delgado, Affonso de Moraes Sarmento, Antonio José de Araujo, Severiano Augusto da Fonseca Monteiro, Alfredo Augusto Freire de Andrade e Belchior José Machado.

O trabalho apresentado pela commissão, ao qual dei o meu pleno assentimento, e que foi decretado em 29 de dezembro de 1898, constitue um verdadeiro codigo de minas para o ultramar, distribuido por 14 capitulos e 233 artigos.

O objectivo principal que se procurou attingir foi dar rapida expansão aos trabalhos de minas, salva guardando ao mesmo tempo todos os interesses do estado.

Não entrarei aqui em mais pormenores, porque o meu intento é tão sómente fazer rapidas referencias aos diplomas que promulguei antes da abertura do parlamento. E o relatorio que precede o decreto relativo às minas no ultramar explana os principios fundamentaes a que obedeceu a nova legislação, os fins que se teve em vista e os meios empregados para os conseguir.

É minha firme convicção que o diploma a que me tenho referido ha de contribuir de modo efficaz e seguro para o rapido desenvolvimento e maior valorisação do nosso dominio colonial.

i) Despezas e receitas das possessões ultramarinas

Procurando, desde que assumi a gerencia da pasta da marinha e ultramar, e dentro das faculdades de que podia dispor, tomar as providencias que mais podessem contribuir para o progresso das nossas colonias e aproveitamento das riquezas que ellas encerram, foi tambem meu constante cuidado reduzir, quanto possivel, as despezas e não desviar as receitas da sua applicação legal e conveniente.

N'este intuito dirigi aos governadores do estado da India, das provincias ultramarinas e do districto autonomo de Timor a portaria de 21 de setembro de 1898. Recommendava n'este diploma o mais escrupuloso cuidado no ordenamento das despezas e o maior rigor no lançamento

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e cobrança das receitas, de modo que por esta dupla acção se conseguisse attenuar, visto que não seria possivel annullar desde logo, os deficits ultramarinos.

Recommendava ainda às mesmas auctoridades superiores que adoptassem ou propozessem as providencias mais consentaneas, quer á realisação de todas as economias compativeis com o regular funccionamento dos serviços, quer á creação de maior numero possivel de fontes de receita ou ao desenvolvimento dos já existentes.

Não foi inutil este meu appello. Por parte de todos aquelles funccionarios tenho encontrado o mais decidido empenho em reduzir as despezas de administração e augmentar as receitas.

Dentro de alguns dias hei de apresentar á camara os orçamentos das provincias ultramarinos e districto autonomo de Timor, organisados sobre os projectos por elles enviados; e entre as propostas de lei que submetto ao vosso exame algumas ha em relação a Angola, para as quaes me forneceu proveitosos esclarecimentos e respectivo governador.

Outros diplomas promulguei e outras providencias adoptei antes da abertura do parlamento o que constam dos documentos publicados no volume II; mas não faço d'elles referencia aqui, visto serem de menor importancia e não se tornarem necessarios para a sequencia de idéas que venho expondo.

Propostas de lei

Reorganisação da secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar

O conhecimento da situação economica e financeira das possessões ultramarinas portuguezas, de que procurei dar idéa tanto quanto possivel exacta, em outra parte d'este relatorio, impõe aos poderes publicos o dever de aproveitar os excepcionaes recursos que ellas offerecem, applicando a mais desvelada attenção a promover todos os melhoramentos que, organisando devidamente a sua administração, alargando a sua exploração e o seu commercio, e despertando a iniciativa e a actividade particular, possam apressar o desenvolvimento e o progresso do nosso dominio colonial.

Cabe-me, em grande parte, o desempenho d'esse dever, que tanto mais se me afigura imprescindivel e inadiavel, quanto da exploração das nossas colonias, do alargamento das suas faculdades productoras, do acertado aproveitamento das suas muitas riquezas, eu fio principalmente a nossa regeneração economica e financeira, que só assentará em bases solidas com o acrescimo de recursos proprios e perduraveis.

Mas, se no cumprimento d'este dever eu tenho de submetter á vossa approvação differentes providencias que me parecem de alcance para dar novos elementos do progresso ás nossas possessões de alem mar, não posso deixar de á frente d'essas propostas pôr a que me habilite a organisar do modo mais conveniente a direcção superior da administração ultramarina. Essa direcção deve ser constituida por fórma que imprima acção intelligente, energica, harmonica nos seus principios fundamentaes, a todo o movimento colonial. Não podemos por emquanto contar com uma larga descentralisação no governo das possessões ultramarinas, porque a não permitte o estado ainda atrazado de civilisação de quasi todas ellas; e esta circumstancia mais requer que a direcção superior estabelecida na metropole tenha as condições indispensaveis para occorrer com a sua resolução prompta e acertada ás variadas necessidades do nosso dominio ultramarino.

A direcção geral do ultramar, á qual incumbe actualmente a administração superior das provincias ultramarinas, não tem, infelizmente, por circumstancias diversas, acompanhado nos seus meios de acção o desenvolvimento colonial.

Está ainda hoje dotada com elementos de trabalho que correspondiam a uma epocha de menos larga vida colonial, e não póde em boas condições cumprir a importantissima missão que lhe, está confiada.

Nos ultimos vinte annos as nossas mais importantes provincias ultramarinas têem passado por uma notabilissima transformação, multiplicando-se o seu movimento commercial, alargando-se a esphera do nosso dominio effectivo, e iniciando-se a exploração de muitas fontes de riqueza, para o que concorreu poderosamente a acção do estado, affirmada pela realisação de melhoramentos de grande alcance e que representam para a metropole valiosos sacrificios. E, não obstante esta transformação, e esta actividade e iniciativa official, a direcção geral do ultramar conserva a organização e os quadros, com pequena differença, que lhe foram dados pelo decreto de 19 de setembro de 1878.

Bastaria este simples facto para que desde logo se reconhecesse que não póde aquella direcção occorrer hoje, devidamente, às imperiosas exigencias dos serviços coloniaes.

Mas ainda mais nos convencem da insufficiencia dos seus meios de acção perante as necessidades actuaes a propria affirmativa do reformador de 1878, que já n'essa epocha julgava acanhada a organisação que decretava, e principalmente as considerações com que o ministro da marinha, conselheiro Frederico Ressano Garcia, justificava a proposta de reorganisação da secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar que apresentou ao parlamento em 24 de maio de 1889. N'esse relatorio lêem-se os seguintes periodos:

«Por virtude d'aquella auctorisação foi publicado o decreto de 19 de setembro de 1878 reorganisando a administração superior dos negocios da marinha e ultramar, que já a esse tempo luctava com innumeras difficuldades para corresponder efficazmente ao maior desenvolvimento dos muitos serviços que era chamada a desempenhar, principalmente pela direcção geral do ultramar.

«Mas o zeloso ministro, ao pedir a auctorisação que lhe foi concedida, significava claramente, no relatorio, que procedeu a respectiva proposta de lei, que, subordinando-a ás condições em que então se achava a fazenda publica, e restringindo-a por isso à desposa inscripta no orçamento para pagamento dos vencimentos do pessoal da secretaria, não esperava realisar completamente a reforma que se lhe antolhava indispensavel, e, que se contava, assim, melhorar um pouco a organizarão dos importantes serviços commettidos ao ministerio que tinha a seu cargo.

«As commissões de camara dos senhores deputados, que approvaram a proposta ministerial e à converteram em projecto de lei, ajustaram com a do ministro a crença do que aquella proposta, modesta e apertada no orçamento, não lograria fazer face as necessidades sempre crescentes dos serviços incumbidos á secretaria do que se trata, tendendo apenas a melhoral-os e collocal-os em maior regularidade.

«E com effeito, moldada a alludida organisação dentro da exigua verba, que não podia ser excedida, reconheceu-se logo que o decreto de 19 de setembro de 1878 não correspondia as exigencias de uma administração difficilima, pelas suas especiaes condições, tendo, como tem, de interpor a sua actividade em todos os ramos de serviço que na metropole se repartem, discutem e resolvem em diversas secretarias d'estado, e ainda em outros que requerem peculiar conhecimento de circumstancias variadas que sómente aptidões, tambem especiaes, habilitam a estudar e preparar para despacho superior.

«Subiram de ponto as exigencias da administração colonial depois de 1878.

«O movimento da secretaria tem crescido de um modo

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superior às forças dos seus empregados. Vieram os caminhos de ferro na Africa e na India; o maior desenvolvimento dado às obras publicas n'aquellas regiões; a constituição de companhias para abastecimento de aguas e outros emprehendimentos importantes; as reformas fiscaes e administrativas; os telegraphos; as missões catholicas na Huilla, no Congo e em outros pontos; o alargamento da nossa esphera de acção; a colonisação africana, que convem por todos os modos desenvolver e animar; a maior frequencia das communicações, que têem triplicado; os trabalhos estatisticos, que é preciso aperfeiçoar e desenvolver muito mais do que até agora se ha feito; e, emfim, a reforma de fazenda decretada em 20 de dezembro do anno passado, e que em breve vae ser iniciada e executada na firme esperança de se melhorar e fiscalisar a administração dos redditos publicos no ultramar. Tudo isto tem produzido um trabalho tal, principalmente pela celeridade que demanda a resolução das questões correlativas, que é impossivel occorrer devidamente às exigencias de tantos, tão importantes e tão diversos serviços com o pessoal que compõe actualmente o quadro da secretaria d'estado.

«Não é justo explorar o zêlo, a boa vontade e a dedicação dos funccionarios superiores com perda das suas forcas e saude, nem, ainda quando tal sacrificio se lhes podesse exigir, bastaria elle para assegurar a regularidade do serviço».

Na proposta a que me refiro pedia-se auctorisação para um augmento de despeza de 10:000$000 réis. Não chegou essa proposta a ser discutida pelas côrtes.

Em 19 de dezembro de 1892 foi, é certo, reorganisada a secretaria da marinha e ultramar, mas, embora no relatorio que precedia o respectivo decreto se dissesse que o serviço não podia considerar-se sufficientemente dotado com pessoal, não foi este augmentado, antes se procurou fazer pequenas reducções de despeza.

Não julgo necessario recorrer a outros testemunhos para demonstrar que a organisação da direcção geral do ultramar não satisfaz às necessidades dos nossos serviços coloniaes.

Poderia ainda em 1878 a organisação decretada n'essa epocha accommodar-se, se não cabalmente, pelo menos em grande parte, a uma acertada direcção superior da nossa administração ultramarina; mas, decorridos vinte annos, em que tão largo desenvolvimento se tem dado a quasi todos os serviços coloniaes, é impossivel, sem que corramos o risco de sacrificar esse mesmo desenvolvimento, conservar os estreitos e acanhados moldes em que foi vasada aquella organisação.

Não ha considerações de economia que devam prevalecer perante o sacrificio de interesses de tão alto momento, como os que estão ligados ao nosso progresso colonial. E, comtudo, é o que succederá necessariamente, se hesitarmos ante um pequeno augmento de despeza. Basta examinar, mesmo perfunctoriamente, o modo por que hoje estão organisados na direcção geral do ultramar alguns dos serviços mais importantes, para se reconhecer que a deficiencia da sua organisação não póde deixar de reflectir-se na administração colonial, á qual escasseiarão assim condições de mais rapido progresso e desenvolvimento.

Serviços tão importantes como os da colonisação, agronomia, sylvicultura e estatistica estão apenas esboçados; alguns, como os de obras publicas, carecem de elementos essenciaes de trabalho e de estudo; os assumptos diplomaticos que interessam às colonias, e que são de certo os que quasi exclusivamente occupam n'este momento a nossa diplomacia, constituem com muitos outros, que exigem não pequeno expediente, o serviço de uma só repartição; têem ganho importancia cada vez maior e requerem attenção especial os serviços militares e os dos correios e telegraphos.

Continuar com a deficiente organisação actual a dirigir superiormente a administração das colonias póde, na apparencia, representar uma pequena economia; mas bastará que uma direcção mais acertada evite que se commettam erros, que quasi sempre se traduzem na perda de quantias valiosas, ou que pela indicação de ajustadas providencias se dê impulso a novas e productivas explorações e a fecundas iniciativas para que qualquer acrescimo de despeza fique largamente compensado.

Parece-me desnecessario accumular considerações para defender a proposição que avanço. Não se me afigura facil encontrar argumentos com que sustentar que, sendo indispensavel por todos os modos desenvolver os nossos dominios ultramarinos, na convicção de que d'elles póde vir a nossa prosperidade, se deva, ao mesmo tempo, manter na metropole, sem condições de poder corresponder a esse patriotico intuito, a direcção superior de toda a administração colonial.

Persuadido, porquanto fica exposto, de que só poderemos entrar em um caminho de verdadeiro progresso relativamente às nossas possessões de alem-mar, quando da metropole partir a iniciativa esclarecida, o estudo meditado e a acção vigorosa e convicta, não hesito em submetter á vossa approvação o pedido de auctorisação para reorganisar a secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar em determinadas bases. Procurei reunir n'essas bases os principios essenciaes por que tenciono guiar-me n'aquella reorganisação, em que será meu empenho trazer para a administração superior colonial os elementos de estudo e de trabalho que possam dar uma acertada orientação aos negocios ultramarinos e auxiliar efficazmente o ministro da marinha e ultramar, não só na resolução das multiplices e variadas questões que a cada passo suscita o governo das nossas possessões, mas iniciar e acompanhar solicitamente a realisação de reformas e melhoramentos que dêem novo e vigoroso impulso ao progresso das colonias.

Não me demorarei na justificação das bases que acompanham e restringem, o pedido de auctorisação para reorganisar a secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, porque a simples leitura d'ellas vos dirá claramente qual o pensamento que presidiu á sua elaboração. Para uma desejo, comtudo chamar mais especialmente a vossa attenção. É a que se refere á unificação do quadro dos primeiros e segundos officiaes da secretaria e dos secretarios geraes das provincias ultramarinas e do districto autonomo de Timor. D'este modo, se conseguirá ter junto dos governos das nossas possessões funccionarios que avaliam bem as exigencias da administração central, e reciprocamente na secretaria do ultramar pessoal conhecedor das condições, dos costumes, das necessidades peculiares a cada região do nosso dominio colonial.

E sem duvida vantajoso que se generalise, de futuro, o principio exarado no § unico da base 2.ª Por agora, porém, pareceu-me conveniente, para ser pratico, não levar mais longe aquella disposição.

Em materia de organisação da administração superior ultramarina dois processos se podem seguir. Consiste um em agrupar os serviços por especialidades, a cargo de repartições, reunidas estas por sua vez de modo a constituirem-se direcções geraes, que superintendem indistinctamente a administração de todas as colonias. Segundo outro systema, para cada provincia ou grupo de provincias ultramarinas se destina uma administração central superior, dentro da qual se criam as especialidades.

Este ultimo processo, que indubitavelmente offerece mais vantagem sob o ponto de vista da administração, dadas as differenças que existem de provincia para provincia, é comtudo o mais dispendioso, motivo pelo qual me não abalanço a propor-vos desde já a sua adopção. Dentro

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das bases propostas, creio, porém, que é possivel dar satisfação às necessidades actuaes da administração superior do nosso dominio colonial.

No uso da auctorisação que solicito não me esquecerá a obrigação, que, no presente, a todos impõem na circumstancias financeiras, de observar a maior parcimonia nas despezas, empenhando-me em que, as que for indispensavel fazer, correspondam a necessidades urgentes e inadiaveis e se traduzam em beneficios que largamente as compensem.

Entendi deverem ser pagas pelas provincias ultramarinas as despezas resultantes do augmento dos quadros, porque é principalmente no interesse d'estas provincias que é preciso modificar alguns dos serviços da metropole ou organisar outros. Serão ellas que particularmente tirarão vantagens das despezas que resultam das transformações propostas.

Poderá dizer-se que, havendo actualmente deficit no orçamento de algumas das provincias ultramarinas, não deixará de pesar a nova despeza sobre o thesouro da metropole; mas não ha rasão para suppor que a situação financeira d'aquellas provincias, devida em algumas d'ellas a crises passageiras, não melhore, habilitando-as a satisfazer sem sacrificio a pequena parte que a cada uma d'ellas póde caber, o que será sobejamente compensada com as vantagens que devem resultar de uma mais regular, prompta e conveniente direcção dos negocios que interessam o nosso dominio colonial.

Emquanto não se estabelecer o equilibrio orçamental em todas as provincias será o augmento de despeza, que vier a realisar-se, pago por aquellas cujos orçamentos apresentarem saldos positivos na proporção que annualmente se decretar.

Por estas considerações espero que merecerá a vossa approvação a proposta a que me tenho referido.

Reorganisação dos serviços de obras publicas das possessões ultramarinas

Nos codigos de administração ultramarina das nações que possuem dominios coloniaes está, desde longa data, inscripto o preceito de que o desenvolvimento economico d'esses dominios só póde efficazmente affirmar-se quando tenha sido preparado e for parallelamente favorecido pela realisação dos indispensaveis melhoramentos materiaes, feitos á custa da mãe patria, como incentivo e adjutorio da iniciativa particular.

Com effeito, o estudo, saneamento e preparado dos terrenos nas regiões de alem-mar que mais se prestam a uma justificada colonisação; a abertura de estradas e canaes, e, mais intensamente, a construcção de caminhos de ferro, que assegurem facil, economica e rapida communicação entre regiões mais ou menos longinquas no interior, bem como entre estas e os portos maritimos, no intuito especial de auxiliarem a distribuição e permuta dos productos e, subsidiariamente, o estabelecimento de relações entre o indigena sertanejo e o homem civilizado; a construcção de pharoes, que possam guiar a navegação e conduzil-a com segurança aos portos coloniaes; os trabalhos emprehendidos n'estes portos para garantirem as necessarias commodidades á carga e descarga de mercadorias e às transacções commerciaes; a igreja e a escola onde, por um sublime sentimento de altruismo christão, e indigena recebe a primeira noção da dignidade humana e ao lhe incuto o conhecimento do que deve a si proprio e aos seus similhantes; e humanitario hospital; e, finalmente, entre outros muitos exemplos, que seria facil enumerar, as construcções militares, quer consideradas como guarida, quer como posto de honra aos que têem por missão manter na colonia a ordem e respeito pela lei ou defendel-a contra aggressões estranhos; todos entes beneficios, que são o producto de um trabalho difficil, violento e, por vezes, perigoso, tornam-se indispensaveis para promover e activar o progressivo desenvolvimento economico de uma colonia, como auxiliar obrigatorio na grande cruzada em que se acham empenhadas as potencias do velho e novo mundo, no intuito de fazer partilhar da civilisação geral já vastas e porventura ricas regiões, cujos aborigenes ainda jazem mais ou menos profundamente immersos nas trevas da ignorancia e da selvagoria.

Do preceito, que ficou exposto, resulta a indispensabilidade de manter nas colonias um serviço de obras publicas, organisado por fórma que possa cumprir cabalmente a sua missão nas diversas phases por que aquellas vão successivamente passando na sua evolução economica.

Como nação colonial de primeira ordem, não tem o nosso paiz descurado tão importante ramo de administração ultramarina: assim o attestam, sem retroceder a eras mais remotas, as reformas dos serviços de obras publicas do ultramar de 3 de dezembro de 1869, 23 de dezembro de 1876, 23 de dezembro de 1880 e 20 de agosto de 1892, actualmente em vigor.

Não é necessario fazer aqui a historia dos factos que provocaram estas reformas, tanto mais que elles se acham magistralmente descriptos nos respectivos relatorios, firmados com as assignaturas de estadistas notaveis pelo seu saber, pela sua competencia, e pela sua dedicação ao paiz. Que elles foram muito bem elaboradas, consoante o estado economico das colonias e o pensamento patriotico que as inspirou nas epochas em que foram decretadas, demonstra o implicitamente o extraordinario incremento das receitas ultramarinas, cujo orçamento, sendo apenas de réis 1.275:258$482 no anno economico de 1867-1868, se elevou a 1.943:620$399 réis em 1874-1875, a 2.746:663$300 réis em 1885-1886, e finalmente a 3.921:514$895 réis, excluindo a provincia de Moçambique, no presente anno economico.

Estudando as bases da reforma de 20 de agosto de 1892, reconhece-se que ella visou essencialmente a applicar as verbas consignadas para obras publicas de modo a tornar cada vez mais intensa a iniciativa particular, realisando trabalhos que avigorassem e fortalecessem os esforços estranhos, e constituindo para tão util emprehendimento um quadro unico de funccionarios technicos, possuindo as habilitações e offerecendo as garantias necessarias para bem desempenhar-se da sua missão e no qual o governo podesse escolher os mais aptos para as differentes commissões do serviço de obras publicas ultramarinas.

Comquanto seja indiscutivel a vantagem de tal orientação, as lições da experiencia têem comtudo demonstrado que, em virtude de causas estranhas e a despeito da salutares preceitos contidos n'aquella reforma, a sua applicação não realisou por completo o fim que se tinha em vista, sendo facto averiguado não se ter prestado á execução de obras de reconhecida utilidade geral todo o concurso que poderia o deveria esperar-se das verbas, relativamente importantes consignadas ao serviço de obras publicas no ultramar.

Quando outras rasões se não apresentassem, seria sufficiente esta circumstancia para aconselhar uma modificação n'aquelle serviço, no sentido de evitar, até onde seja necessario, o que possa haver de arbitrario ou de menos conveniente na applicação das verbas que lhe são destinadas.

Não contestando a vantagem de manter ás auctoridades locaes o direito de attenderem, dentro de certos limites, às necessidades das respectivas provincias ultramarinas, segundo os dictames do seu criterio orientado pelas instrucções que receberem, exigem os interesses mais vitaes d'aquellas provincias que o governo, ouvidas as referidas auctoridades, não só estabeleça um plano de trabalhos de

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interesse geral a realisar em cada uma d'ellas de accordo com o seu desenvolvimento, faculdades productoras e relações com as colonias os estados vizinhos, mas tambem fixe a ordem por que devem succeder-se esses trabalhos conforme a sua utilidade, importancia e urgencia, bem como as sommas annuaes a despender com a sua execução.

Tal é a base primordial da reorganisação dos serviços de obras publicas no ultramar, que o governo se propõe realisar, nos termos das bases annexas á proposta de lei, que tenho a honra de submetter ao vosso exame e apreciação.

Para coadjuvar o poder central no exercicio das attribuições que acima ficam expostas, entende dever introduzir na futura reorganisação duas entidades especiaes.

Uma d'ellas, collectiva e com caracter consultivo, constituida por engenheiros respeitaveis pela sua competencia technica ou porque alliam aos conhecimentos da sua profissão a pratica de serviço nas colonias, é destinada a prestar o seu auctorisado parecer ácerca das questões de obras publicas ultramarinas, dependentes de resolução do ministerio da marinha e ultramar. Para justificar tal instituição parece sufficiente expor que a sua necessidade foi reconhecida pelo ministro que, ha poucos annos, creou a commissão superior technica de obras publicas do ultramar e solicitou a vossa attenção para os utilissimos serviços prestados, á metropole pelo conselho superior de obras publicas e minas, e às colonias - em especialidades de outras ordens - pela junta consultiva do ultramar.

A segunda entidade proposta é a de inspector de obras publicas. Não constitue novidade, porque já se encontra na reforma de obras publicas de 23 de dezembro de 1880. Abolida pela reorganisação de 20 de agosto de 1892, revelou se depois por tal modo a sua necessidade que ainda recentemente foi nomeado um engenheiro da metropole para ir inspeccionar os serviços de obras publicas da Africa occidental. Está n'este facto o melhor certificado dos serviços que podem prestar funccionarios d'esta categoria, escolhidos entre os engenheiros de reconhecida aptidão, possuindo sufficiente pratica de serviços ultramarinos. Na verdade, o inspector, munido de attribuições especiaes na sua qualidade de delegado technico, será um utilissimo auxiliar do governo, durante as suas visitas annuaes obrigatorias às colonias: quer na fiscalisação exercida nos serviços de obras publicas, modificando, corrigindo ou eliminando, por si proprio ou por proposta sua, o que n'elles houver de menos regular, de inconveniente ou inutil; quer nas resoluções que tomar ou promover com respeito aos trabalhos em via de execução; quer, finalmente, nas valiosas informações que póde prestar superiormente e nos estudos de questões especiaes do que for incumbido.

A introducção d'estas duas entidades na futura reorganisação, alliada com o estabelecimento pelo previo governo de um plano geral dos trabalhos a executar em cada provincia ultramarina e das verbas para elles annualmente consignadas, torna dispensaveis os conselhos technicos no ultramar, que demais, pela propria natureza da sua organisação, nunca corresponderam na pratica ao fim que teve em vista o legislador que os creou ou manteve.

Estabelecidas por este modo as bases geraes, referentes á direcção e fiscalisação superior dos serviços de obras publicas no ultramar, é preciso assegurar que a execução dos trabalhos obedeça aos devidos preceitos technicos e economicos.

Para conseguir este duplo resultado é mister:

1.° Organisar o quadro do pessoal technico por modo que, sendo este o indispensavel em cada provincia ultramarina para a conveniente direcção e fiscalisação dos trabalhos a executar, se evite comtudo a necessidade de distribuir serviços a funccionarios, que, pelas suas categorias, não possuem todas as habilitações technicas precisas para a sua boa execução;

2.° Dar rigoroso cumprimento aos preceitos estabelecidos na legislação vigente, constituindo o quadro normal do pessoal technico de obras publicas do ultramar exclusivamente com funccionarios que tenham habilitações iguaes às exigidas para o pessoal da mesma categoria em serviço de obras publicas na metropole;

3.º Ampliar o campo de offerta de materiaes de construcção destinados a obras publicas, favorecendo a concorrencia entre os fornecedores da metropole e os da localidade.

É um facto incontestavel que, nos primeiros tempos em que se começou a prestar a devida attenção ao desenvolvimento das nossas colonias, a organização dos serviços de obras publicas do ultramar se ressentiu da difficuldade de recrutar pessoal technico competente, que se prestasse a ir servir em regiões longinquas e quasi só conhecidas por uma exagerada fama de insalubridade. Esta difficuldade foi, porém, successivamente diminuindo, á proporção que se adquiria mais completo e exacto conhecimento das nossas colonias, dos seus recursos, do seu clima, e graças tambem á maior facilidade de communicações entre ellas e a metropole, não sendo hoje difficil organisar um quadro do pessoal technico, que satisfaça às condições acima expostas.

Se, para honra do funccionalismo portuguez, é possivel citar exemplos de offertas de serviços no ultramar, essencialmente dictadas por um acrisolado patriotismo, não é comtudo licito contestar a necessidade de retribuição condigas ao pessoal technico de obras publicas, com o fim de attrahir as melhores aptidões a inscreverem-se no grupo de funccionarios que convem recrutar para a execução d'aquelles serviços. Não permitte, infelizmente, a situação financeira do nosso paiz que a remuneração se eleve até onde seria de equidade, propondo-se o governo apenas adoptar uma mais justa relação entre os vencimentos correspondentes às diversas categorias do pessoal, os quaes serão fixados de antemão, conforme a qualidade de serviços que este houver de desempenhar e as localidades onde devem ser prestados, eliminando-se a possibilidade de abonos concedidos arbitrariamente, o que produz, em regra, anomalias que, a todos os respeitos, é indispensavel evitar. É, porém, possivel compensar até certo ponto a deficiencia de vencimentos pela garantia de vantagens, quer immediatas, regularisando mais convenientemente o abono, durante um certo periodo em cada anno, das ajudas de custo destinadas a restringir os sacrificios provenientes da deslocação temporaria do pessoal technico para localidades onde muitas vezes escasseiam todos os recursos quer mediatas, modificando as condições de aposentação dos funccionarios da classe civil, approximando-as, quanto ser possa, das que subsistem para os funccionarios militares.

Como complemento indispensavel das disposições que ficam expostas, e no intuito de evitar, quanto seja possivel, erroneas interpretações das relações que devem existir entre as differentes classes de funccionarios technicos, bem como entre os chefes de serviços e a auctoridade superior, em cada provincia, proponho-me ainda definir de um modo preciso, na futura reorganisação as attribuições o deveres de cada classe do pessoal technico; os preceitos que regulam a distribuição dos serviços pelas differentes classes; as penalidades a applicar nas faltas que porventura se commetterem, e condições da sua applicação; e, finalmente, o limite onde cessam as attribuições dos directores de obras publicas para começarem as que competem aos governadores das respectivas provincias. Por este modo se pretende evitar a producção de deliberações menos equitativas, resoluções pouco conformes com os interesses e exigencias das colonias, attrictos e difficuldades no serviço, que o governo não póde, em geral, remediar de prompto, porque não tem immediatamente á sua disposição os documentos e informações necessarios para se elucidar e proceder quando taes factos chegam ao seu conhecimento.

Ao mesmo intuito deve obedecer a futura reorganisação

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na parte que diz respeito às nomeações e promoções do pessoal technico, as quaes ficam sob a exclusiva jurisdicção do governo, regidas por preceitos claramente definidos.

Em obediencia á ordem de idéas já consignadas n'este relatorio, é meu proposito tambem fixar os quadros do pessoal administrativo e pessoal auxiliar em serviço de obras publicas no ultramar, seus vencimentos, sua admissão, seu accesso de umas para outras classes, penalidades a que fica sujeito e regras para a sua applicação, e, finalmente, facilitar de um modo indirecto o recrutamento de machinistas e fogueiros para o caminho de ferro de Lourenço Marques, instituindo-lhes o justissimo direito a uma aposentação, sempre modesta, mas variavel com o numero de annos de bom serviço que tiverem prestado.

Expondo finalmente que se estabelecerá um conjuncto de regras simples e praticas concernentes á administração e contabilidade dos serviços de obras publicas no ultramar, delegando as repartições de fazenda, até onde for exequivel, o pagamento dos documentos de despeza feita n'aquelles serviços, terei enumerado todas as bases mais essenciaes em que deve ausentar a futura reorganização.

Considerada sob o ponto de vista, financeiro, a remodelação dos serviços de obras publicas ultramarinos, não só se não exime no imperioso dever de evitar novos sacrificios ao thesouro, mas nem mesmo affecta por fórma algum a actual dotação, já de si tão deficiente, exclusivamente destinada á execução de melhoramentos matemos no ultramar. Assim, o governo manterá intacta esta dotação, já que infelizmente não póde augmental-a, e realisará as modificações indicadas n'este relatorio, relativas ao pessoal technico, administrativo e auxiliar, dentro dos limites da verba hoje consignada a esta parte do serviço de obras publicas.

N'estes termos, parece-me que merece ser approvada a proposta submettida ao vosso esclarecido criterio.

Reorganisação das forças militares ultramarinas

Um dos assumptos que mais se impõe á attenção dos poderes publicos é a reorganisação das forças militares ultramarinas, factor indispensavel para garantir o exercicio da soberania nacional e assegurar o livre e regular desenvolvimento do commercio e da industria nos nosso dominios coloniaes. Sem esse importantissimo factor não póde haver segurança para as pessoas e para as propriedades em regiões onde o estado de cultura e as condições especiaes da população indigena não inspiram inteira confiança no respeito pela lei e pelas liberdades individuaes.

Muitas e variadas têem sido as disposições tomadas com relação às nossas forças militares ultramarinas. Sem nos reportarmos muito longo, basta citar o decreto de, 2 de dezembro de 1869, que reorganisou as forças militares de todas na nossas possessões, e de 12 de dezembro de 1871, que reformou o exercito da India, a carta de lei de 22 de fevereiro de 1876, que creou o regimento do ultramar, extincto pelo decreto dictatorial de 8 de junho de 1892, o decreto de 19 de julho de 1894, e de 16 de agosto de 1895 e ainda posteriormente a reorganisação parcial das guarnições de algumas d'aquellas provincias e districtos, para se concluir que tão vasto e complexo problema não obteve ainda uma solução que abranja o seu conjuncto, sem deixar subsistir disposições anteriores ou por tal fórma vagas e indeterminadas que não pequenos embaraços têem errado á regularidade dos serviços.

A tudo isto acresceu que as necessidades da manutenção da ordem publica e da segurança das colonias deram causa a que successivamente tenham sido enviadas ao ultramar expedições constituidas por unidades do exercito da metropole, onde se evidenciaram mais uma vez as brilhantes qualidades de valor e constancia dos officiaes e soldados portuguezes, mas que têem acarretado despezas consideraveis que vieram aggravar a situação da fazenda publica e a cuja repetição urge obviar por fórma a restringir o mais possivel a repetição de taes factos.

Para estudar o momentoso problema da reorganisação das forças militares ultramarinas por fórma a satisfazerem às necessidades das colonias, foi nomeado, uma commissão de officiaes, na qual estavam simultaneamente representados uma distincta pratica nos serviços do ultramar e o constante cultivo dos conhecimentos militares, commissão que se houve com inexcedivel zêlo e elevado criterio no desempenho do encargo que lhe fôra commettido, apresentando trabalhos que serviram de fundamento á proposta de lei que vimos submetter á vossa apreciação e exame.

É hoje principio assente que as tropas coloniaes, para poderem bom cumprir a sua missão, carecem de ter os seus quadros do officiaes constituidos por europeus, que mantenham firmes os laços da disciplina o que ministrem a instrucção em harmonia com os actuaes preceitos da arte da guerra. Era, pois, esse o assumpto a que convinha attender com maior cuidado, de fórma a evitar os inconvenientes que por varias vezes se tinham evidenciado nas organisações anteriores, sobretudo no que respeita a esses quadros.

O decreto de 16 de setembro de 1799 determinára que os officiaes, que do exercito de Portugal fossem despachados para as provincias ultramarinas, só regressariam ao reino quando tivessem o posto do coronel; o decreto de 16 de setembro de 1806 tornou extensiva aquella determinação aos officiaes de patente, que tivessem preenchido todas as condições dos despachos e servido bem, ficando, comtudo, addidos às armas a que pertenciam, a fim do que, mostrando aptidão e prestimo, podessem passar a effectivos, mandando depois o alvará de 2 de janeiro de 1807 contar a antiguidade aos que murassem na effectividade, desde a data do decreto da collocação de addidos; e o decreto com força de lei da 10 de setembro de 1846 estabeleceu que os officiaes, que do exercito de Portugal fossem servir n'aquellas provincias, ficassem pertencendo ao mesmo exercito e se lhes podesse conferir um posto de accesso, designou o tempo que ali deviam servir, e deu-lhes a vantagem de, por antiguidade ou serviços extraordinarios, serem contemplados em promoção dos corpos das mesmas provincias, e contados no exercito de Portugal, se a promoção tivesse logar por distincção em combate.

Este ultimo decreto auctorisava, pois, que fosse conferido o posto de accesso sem restricção alguma, e, portanto, com prejuizo, e, assim se fez n'alguns despachos; mas depois estabeleceu-se a praxe de se fazer sempre aquella concessão do posto de accesso, nem prejuizo, porém, dos mais amigos da mesma classe e arma. Esta foi a legislação que subsistiu com relação ao recrutamento dos officiaes, até que o decreto de 16 de agosto de 1895 aboliu aquelle posto de accesso, passado os officiaes do exercito da metropole a servir nas colonias com o mesmo posto effectivo que anteriormente tinham.

Comtudo, em todas na organisações das tropas ultramarinas se manteve o principio de haver quadros especiaes do ultramar, sendo as vagas preenchidas, parte por individuos pertencentes a esses quadros e que n'elles faziam a sua carreira, e parte pelos officiaes em commissão do exercito da metropole, do que resultaram inconvenientes de varias ordens, sobretudo desde que cessou a concessão do posto de accesso para estes ultimos.

Para resolver o assumpto, apresentavam-se os tres alvitres seguintes:

1.° A conservação de um quadro especial ultramarino;

2.° A obrigação do serviço no ultramar imposta a todos os officiaes do exercito da metropole;

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3.° A creação de um voluntariado de officiaes do reino para o serviço do ultramar, mediante certas vantagens;

Comquanto nos actuaes quadros do ultramar tenha havido muitos officiaes distinctos e com larga folha de serviços ao paiz, a conservação de taes quadros especiaes traria como consequencia a continuação do actual estado de cousas, e, sendo necessario mandar para as colonias officiaes do exercito da metropole, as condições em que aquelles se encontrariam em concorrencia com estes, tornariam insustentavel a sua existencia.

A constituição, no exercito do reino, de um quadro unico de officiaes que servissem no ultramar quando por escala lhes pertencesse, apresenta tambem graves inconvenientes, pois que não só d'ahi resultaria uma mutação constante do pessoal das diversas unidades e serviços, incompativel com a sua boa ordem e regularidade, como tambem acarretaria consideraveis despezas para o thesouro publico em vista do necessario augmento de vencimentos, que correspondesse a uma tal obrigação, e ainda pelo repatriamento forçado a breve trecho, por não ser justo impor aos officiaes da metropole uma larga permanencia em climas mais ou menos insalubres, quando se determinasse aquella obrigação.

Resta o terceiro alvitre, sem duvida, pratico e acceitavel, tanto mais que, d'essa fórma, o exercito do reino virá a aproveitar com o desenvolvimento de qualidades, preciosas para um militar, que as circumstancias permittem muitas vezes demonstrar nas colonias, como são: espirito de iniciativa, promptidão de resoluções, improvisando habilmente os meios para remover difficuldades imprevistas, tenacidade e força de animo. É, porém, necessario dar aos officiaes vantagens que garantam o voluntariado em numero sufficiente, e a sua permanencia, por um periodo rasoavel, nas commissões para que sejam nomeados, evitando-se assim as constantes mudanças de pessoal, que desorganisam os serviços e, o que é mais importante ainda, enfraquecem consideravelmente a consistencia e o valor dos quadros e tropas em que tal facto se dá.

A concessão do posto de accesso com prejuizo constitue a base essencial do systema que temos a honra de propor á vossa consideração, rodeando-a, porém, de condições de tempo de serviço, de antiguidade do posto anterior e outras, que garantam absolutamente todo o official que voluntariamente se não queira deixar preterir. D'esta fórma cremos que nunca faltarão officiaes que se offereçam para o serviço colonial e, ao mesmo tempo, obtem-se uma consideravel diminuição das despezas militares, porque os augmentos de vencimentos a conceder-lhes devem naturalmente ser calculados sobre o posto effectivo que tiverem no exercito da metropole.

Ha, comtudo, alguns elementos que convem aproveitar, garantindo-se-lhes o accesso, embora não pertençam aos quadros da metropole; são os oriundos das proprias colonias, e ainda outros que, tendo alcançado o posto de sargento no exercito do reino, se destinam exclusivamente ao serviço colonial. A todos esses se dá a promoção a alferes e tenentes privativos das forças indigenas, fixando-se-lhes um numero relativamente consideravel, e dando-se-lhes, depois de dez annos de serviço no posto de tenente, a reforma como se fossem capitães. E assim não deixam de aproveitar-se os serviços d'esses funccionarios e de se lhes dar por elles uma recompensa condigna.

Este é o processo seguido pela França com os indigenas argelinos que pretendem seguir carreira nos regimentos de spahis, e aos quaes é reservada metade das vagas que haja nos esquadrões de cada corpo. Como regra, o official indigena deve, porém, terminar a sua carreira no posto de tenente, podendo, comtudo, em casos muito excepcionaes, e por serviços particularmente distinctos, ser promovido a capitão, mas não lhe sendo nunca permittido aspirar ao posto de capitão commandante; em igualdade de posto, e em todas as circumstancias, o official francez tem o commando e, em caso algum, o official indigena póde ser encarregado da administração de um esquadrão.

Entre nós, dá-se actualmente um facto similhante com a disposição que creou os alferes privativos da guarda fiscal, sem que d'ella tenham resultado quaesquer difficuldades ou attrictos, e antes com vantagem manifesta para o bom desempenho dos serviços.

Alem dos quadros de officiaes, são necessarias praças graduadas, igualmente europêas, e as lições de experiencia propria e alheia mostram que se devem de preferencia empregar praças da metropole voluntarias, e só, quando não as haja em numero sufficiente, fazer uso da imposição de serviço no ultramar, segundo regras fixas e rigorosamente determinadas. Sem duvida, a imposição do serviço para o ultramar é uma dureza que só deve ser applicada em ultimo recurso, mas os factos têem provado que o voluntariado não falta desde que se lhe dêem as correspondentes vantagens e regalias.

Esse mesmo voluntariado preencherá, sem duvida, os effectivos das unidades exclusivamente europêas que, em maior ou menor proporção, são indispensaveis na quasi totalidade dos nossos dominios ultramarinos, para servirem de apoio seguro às auctoridades e de exemplo suggestivo para as tropas indigenas, devendo, comtudo, estas ultimas constituir a massa principal das guarnições coloniaes.

O recrutamento dos indigenas para o serviço militar é uma das questões mais complexas e difficeis da organisação militar colonial, porque n'ella entram factores de mui diversa origem e valia, quando por vezes não sejam até certo ponto antagonicos. Não convem, portanto, fixar senão as condições geraes do recrutamento das praças indigenas, estabelecendo, porem, como regra o regimen do alistamento por contrato voluntario, e deixando aos governadores, auxiliados pelos seus delegados administrativos, o cuidado de estudar os habitos, usos e costumes dos povos que governam, e d'esse estudo deduzir as normas de applicação local, traduzidas em regulamentos especiaes, sujeitos, comtudo, á sancção do governo central.

Fixar em absoluto as forças militares que devem constituir as guarnições das diversas provincias ultramarinas seria trabalho inopportuno, pois que depende de multiplas condições, variaveis, alem d'isso, com as circumstancias de momento. É indispensavel, porém, partir de uma base, para a qual devem fornecer os necessarios elementos as indicações dos governadores de provincias e districtos, reguladas por um prudente criterio e em harmonia com as forças da fazenda publica.

Assente o principio de dotar, em regra, cada provincia e districto, pelo menos, com uma fracção de tropa totalmente europêa, esteio da auctoridade e apoio das forças indigenas em eventuaes operações de guerra, as restantes tropas serão constituidas pelo elemento indigena fortemente enquadrado com europeus, tendo, porem, o cuidado de nunca encorporar promiscuamente com elle praças da fileira europêas, e formando unidades distinctas com as praças castigadas, quer europêas, quer indigenas.

D'esta fórma, e assegurado o recrutamento dos quadros pela maneira indicada, poderá sempre o governo, em harmonia com as necessidades do serviço, variar, sem difficuldades nem attrictos, os effectivos d'aquellas guarnições, requisitando ao exercito da metropole maior ou menor numero de voluntarios, e augmentando ou diminuindo o numero dos alistamentos voluntarios dos indigenas. É essa uma das vantagens capitães do systema proposto nas ba-

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ses que submettemos á vossa apreciação, alem da que resultará de uma consideravel diminuição da despeza com as pensões de reforma, que em maior numero têem de ser concedidas aos officiaes de carreira unicamente ultramarina, os quaes, pela sua demorada permanencia nas colonias, se inutilisam para o serviço muito mais rapidamente do que succederá com os que, por periodos intercalados, vierem ao continente europeu remediar os estragos produzidos no organismo pela acção depauperante dos climas coloniaes.

Comquanto, em grande extensão das nossas provincias ultramarinas, ainda hajam de volver longos tempos até que o estado de civilisação dos indigenas permitta o funccionamento de systemas implicando serviços obrigatorios, recenseamentos rigorosos e contingentes fixou, as disposições da lei de 19 de julho de 1894, na parte concernente á organisação das reservas e tropas de segunda linha nas provincias ultramarinas, podem considerar-se como uma aspiração perfeitamente acceitavel, porque synthetisam um processo methodico, cujos moldes poderão eventualmente servir de guia na applicação pratica local, regulada em cada região pelos respectivos governadores.

Convem, comtudo, incluir nos quadros organicos o numero de sargentos e cabos de 1.ª linha necessarios para que se possa ir dando às companhias de 2.ª linha a instrucção indispensavel, á medida que forem creadas.

Conservando aos governadores de provincia e districto o commando superior das tropas, comquanto se lhes definam claramente as competencias e attribuições visto que representam directa e legalmente os poderes constituidos, torna-se necessario determinar a composição e attribuições dos quarteis generaes, onde se ache reunida a direcção superior da todos os serviços militares, estabelecendo se, ao mesmo tempo, junto de cada governador, como seu subordinado immediato, um competente technico para despacho e transmissão de ordem, o qual é o chefe da secretaria militar.

Alem d'esta, que será dividida em duas repartições, n'uma das quaes se centralisará tudo quanto diz respeito ao processo e liquidação de todas as despezas militares e tudo quanto importo receita e despeza da fazenda militar e sua escripturação haverá nos mesmos quarteis generaes as inspecções de engenharia do material de guerra, a justiça e a direcção dos serviços sanitarios. Na organisação d'aquellas inspecções se procederá, porém, de fórma a empregar o menor numero de officiaes e a aproveitar, quanto possivel, os que já estiverem exercendo outras commissões de serviço militar que com aquellas sejam compativeis.

Torna-se igualmente necessario fixar as commissões de serviço publico que devam ser exercidas por militares e como taes consideradas nos respectivos quadros. D'esta fórma se evitará a confusão que hoje existe, e se poderão determinar precisamente as verbas gastas com as forças militares e as despezas que pertencem a outros capitulos dos respectivos orçamentos.

Alem d'isso, torna-se indispensavel aquella fixação pois que não é justo que uns e outros usufruam as mesmas vantagens, quando os riscos que podem correr, pela natureza dos serviços que são chamados a desempenhar, são muito differentes.

Sendo a vida nas colonias sujeita a grandes vicissitudes, e tornando-se necessario acautelar o mais possivel a saude e o bem estar das tropas, o serviço medico-castrense, com todos ou seus auxiliares e estabelecimentos appropriados, deve ser estudado e attendido com especial cuidado. Não permittindo, porém, a economia que nas possessões ultramarinas haja um quadro privativamente castrense, serão aquellas necessidades attendidas com o conveniente augmento do actual corpo de saude do ultramar, providenciando-se, porém, para o caso de este eventualmente não chegar para taes necessidades. Igualmente se providencia com relação aos veterinarios.

Reorganisadas as forças militares coloniaes segundo as bases que temos a honra de submetter ao vosso esclarecido exame, esses elementos bastarão, certamente, para manter a ordem o suffocar rebeldias, na maior parte das circumstancias, ficando assim afastada, quanto possivel, a necessidade de expedições do exercito do continente europeu, que tão subidos gastos têem occasionado.

Prevendo, porém, o caso de poderem sobrevir occorrencias que demandem a repetição de sacrificios identicos aos que têem sido feitos em passados annos, convem regular a nomeação e serviço dos destacamentos que a metropole haja de fornecer às colonias, por fórma que as glorias ou as obscuras fadigas cheguem a quem devem, sem possibilidade de arbitrio e das consequentes reluctancias.

Taes são, succintamente expostas, as rasões e fundamentos que presidiram á elaboração das bases que fazem parte da proposta que temos a honra de apresentar. Estudada e aperfeiçoada pelo vosso esclarecido criterio, representará mais um relevante serviço por vós prestado ao paiz, pois que d'este modo dareis ensejo a que as nossas colonias fiquem dotadas com os elementos de força publica necessarios ao seu desenvolvimento material, proporcionando, ao mesmo tempo, os meios de as tornar conhecidas e de chamar para ellas a attenção de muitos que ainda hoje procuram outras terras para campo da sua actividade.

O problema da organisação das forças militares ultramarinas está ainda para resolver se definitivamente em algumas das potencias coloniaes, e neutras a solução adoptada depende de elementos que não podem ter applicação entre nós, por serem muito differentes os meios com que se tem de contar para tal effeito. Por isso, carecemos de recorrer principalmente á pratica desde muito seguida nas nossas colonias, adaptando-a, quanto possivel, ao modo de ser actual, sem deixar de aproveitar as multiplas lições da experiencia, que o nosso já longo dominio ultramarino nos fornece em larga copia, e subordinando-a às imposições que nos são feitas pelo estado da fazenda nacional, que força a uma severa economia em todos os ramos da administração publica.

É casa severa economia que guiará o governo no desenvolvimento das bases que fazem objecto d'esta proposta de lei, caso ella mereça a vossa approvação; e, comquanto se não possa desde já delimitar precisamente a verba a despender, não será, por certo, superior á que está consignada nos respectivos orçamentos, sem entrar em linha de couta com a parte que ao ministerio da guerra cabe pelas forças expedinionarias ainda hoje existentes na provincia de Moçambique, e com outras despezas que resultam do systema e dos processos actualmente vigentes. Alem d'isso a transição não se fará bruscamente, do que resultará que se não desorganisação os serviços militares, quer na metropole, quer nas colonias, por uma mudança repentina de regimen, nem os augmentos de despeza, quando os haja, se farão sentir immediatamente, antes acompanharão o crescente desenvolvimento das colonias, para o qual não pouco deve concorrer a reorganisação das forças militares destinadas a guarnecel-as.

Confiâmos, por isso, que, depois de devidamente estudada e apreciada, não negareis a vossa approvação á proposta de lei a que me tenho referido.

Colonisação

Um dos problemas que mais importa resolver acertadamente no interesse do progresso das provincias ultramarinas e, de certo, o que se refere á emigração portugueza para estas provincias e á sua colonisação.

Desviar a emigração de paizes estranhos e encaminhal-a

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para as nossas colonias é intuito que naturalmente se apresenta como devendo ser empenho patriotico de quantos desejam o engrandecimento das nossas possessões do alem-mar. E n'esse sentido têem sido dirigidos os esforços officiaes realisando-se varias tentativas de colonisação com mais ou menos exito. A verdade é, porém, que os resultados colhidos não têem correspondido aos sacrificios feitos; e vae calando, cada vez mais, no animo dos que se dedicam a assumptos coloniaes o convencimento de que a indispensavel adoptar regras definidas, de accordo com os principios da sciencia e com a experiencia propria e das outras nações, de modo a acabar com ensaios ephemeros que não redundam, nem em proveito da metropole, nem em utilidade das provincias ultramarinas.

Não é meu proposito fazer a historia das diversas tentativas de colonisação dos modernos tempos, porque seria ella demasiado extensa, e não serviria senão a confirmar a, opinião, que na actualidade parece predominar, de que é erro de funestas consequencias partir da hypothese de que se presta um serviço ao engrandecimento das colonias, favorecendo por todos os modos o desvio na direcção d'ellas da corrente de emigração, que hoje se encaminha para a America e para a Oceania, sem que ao mesmo tempo se disponham todos os elementos para que os emigrantes ali encontrem clima apropriado, e todas as condições favoraveis para que possam utilmente applicar o seu trabalho e actividade.

A larga experiencia das nações colonisadoras e os estudos de muitos homens de elevada competencia já não consentem hoje proseguir n'esse caminho, que só póde levar ao triste resultado de illudir com falsas miragens os que na patria se encontram em menos favoraveis circumstancias, e que vão em paizes longinquos luctar, alem da miseria, com as fataes consequencias de um clima que mais depressa lhes depaupera as forças e lhes destroe a saude.

Não creio, pois que actualmente possa soffrer contradicção seria a necessidade impreterivel de ligar o problema da emigração para as provincias ultramarinas com o da colonisação.

Favorecer e auxiliar por todos os modos a emigração sómente d'aquelles aos quaes possa assegurar-se applicação util á sua actividade em pontos, onde haja condições favoraveis ao seu estabelecimento e ao desenvolvimento da familia, é pois, me parece, o intuito a que deve visar directamente a acção official, embora tenha de ser preoccupação não menos constante dos poderes publicos a adopção de todas as demais providencias que concorram indirectamente para attrahir às colonias a collaboração fecunda do trabalho e do capital nacional.

Tão convencido estou de que precisâmos, sem hesitações, sem contemplação com quaesquer praticas ou tendencias em contrario, apresentar francamente o problema e procurar resolvel-o de um modo efficaz, não deixando sequer pretexto para a reincidencia em praticas que, continuadas, teriam necessariamente como consequencia e aliás immerecido descredito das nossas possessões de alem-mar que não duvido propor-vos a adopção de regras, cujo resultado immediato será difficultar a emigração para aquellas possessões. O estado tem obrigação de evitar, tanto quanto possivel, a errada direcção que, porventura, possa tomar a opinião publica, e de oriental a no sentido mais conveniente aos interesses geraes.

Ora a verdade é que nos ultimos annos tem-se despertado no paiz um interesse muito mais accentuado pelas nossas colonias, que esse interesse se vae insinuando ainda nas classes menos illustradas, e que o nome de algumas possessões, pela sua mais rapida prosperidade, está sendo um attractivo poderoso que incita os desprotegidos da fortuna a dirigirem se para ellas sem precisamente inquirirem se encontrarão ali occupação provavel, e muitas vezes sem possuirem quasi nenhumas condições que os habilitem a prestar qualquer trabalho util.

Os resultados d'esta emigração desordenada, constituida por elementos em que não ha a devida selecção e sem se attender nem às condições dos emigrantes, nem às circumstancias especiaes do paiz de destino, têem sido pouco favoraveis.

Grande numero d'esses emigrantes reconhecem, pouco depois de desembarcarem, quanto se haviam illudido, e não raros d'estes em pouco se vêem obrigados a solicitar das auctoridades os subsidios necessarios para se alimentarem, emquanto não obtêem passagem de regresso para a metropole.

Factos d'esta ordem só podem concorrer para tornar difficil a preponderancia do elemento nacional em algumas colonias, onde aliás ha condições favoraveis para o estabelecimento de grande numero de portuguezes, quer em trabalhos agricolas, quer em profissões industriaes ou commerciaes.

Não faltam, em verdade, nas nossas possessões ultramarinas nem regiões para o estabelecimento de colonias agricolas, nem escasseiam circumstancias favoraveis para o trabalho de grande numero de operarios e artifices, acrescendo ainda a circumstancia apreciavel da maior facilidade com que os portuguezes se adaptam às condições do clima dos paizes tropicaes; o que urge, portanto, é unicamente dirigir a iniciativa particular, desde que ella reclame o auxilio do estado, por fórma que tanto a emigração, como a colonisação, se realisem em proveito ao mesmo tempo dos emigrantes e das provincias ultramarinas.

É este o intuito da proposta de lei que tenho a honra de submetter á vossa approvação.

Para a elaboração d'essa proposta aproveitei muitas das disposições da que foi apresentada ao parlamento por um meu illustrado antecessor, na sessão de 6 de novembro de 1894; mas, concordando em geral com os sensatos principios enunciados no relatorio que a precede, julguei, em presença dos factos e da experiencia dos ultimos annos, dever levar ainda mais longe as consequencias que se inferem d'esses principios.

Considerei indispensavel em primeiro logar regular as condições do estabelecimento de colonias agricolas, não poupando nenhuma das recommendações que me pareceram acertadas e que constituem hoje preceitos definidos para garantir a existencia e duração d'essas colonias; afigurando-se-me que para esta colonisação, a mais util, mas tambem, por mais difficil e dispendiosa, a que menos póde esperar-se da iniciativa particular, devem convergir de preferencia a attenção e o auxilio por parte do estado.

Temos nas nossas possessões ultramarinas regiões que se consideram eminentemente adaptaveis á colonisação europêa. Não fallando em outras provincias, porque entendo que para as primeiras colonias d'este genero a estabelecer devem preferir-se, pela sua excepcional importancia, Angola e Moçambique, temos na primeira as regiões de Caconda e Mossamedes, e na segunda as regiões de Manica e de Inhambane, que reunem condições excepcionalmente favoraveis de clima, de salubridade, de aptidão agricola e onde com facilidade se poderão encontrar sitios perfeitamente adequados para tal effeito. N'essas regiões as colonias europêas terão todos os elementos de vida e de prosperidade, porque, só a par das condições geographicas, houver o cuidado de attender a todas as demais que são requeridas para uma acertada e proveitosa colonisação agricola, os colonos não só poderão manter-se ali e as suas familias, mas dar-se hão as condições de reproducção que, só excepcionalmente, se encontram, para a raça europêa, nos paizes tropicaes.

A todos estes requisitos é, porém, impreterivel attender com a maior solicitude e cuidadoso empenho, porque a falta só de uma das condições essenciaes tem produzido a decadencia e o anniquilamento de varias colonias estabelecidas nas provincias ultramarinas; e por isso procurei rodear a creação d'estas instituições de todas as cautelas.

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quer na encolha do local, quer na da colonos, quer nos auxilios prestados a estes nos primeiros tempos, para que se não perdessem os esforços e as quantias despendidas e se não desacreditasse um dos meios maio poderosos de acção que póde empregar-se para o progresso colonial.

A colonisação agricola, pelo limitado numero de regiões em que póde exercitar-se, por isso que exige elevadas altitudes e condições geologicas especiaes, não póde ser o objecto unico da attenção dos poderes publicos, no empenho de levarem para as nossas colonias o maior numero possivel de elementos de nacionalidade portugueza.

Alem dos meios indirectos a que já me referi, e que resultariam de todas as providencias que tem por fim o desenvolvimento das explorações agricola, industrial e commercial do territorio, procurando dar n'essa exploração preponderancia à influencia portugueza, é da maior vantagem favorecer a emigração do maior numero de colonos com profissão e officios, que são um elemento muito aproveitavel de nacionalisação das provincias ultramarinas. Mas, como já tive occasião de ponderar, precisâmos n'este ponto de ser tambem extremamente cautelosos, para não alimentar uma corrente excessiva de emigração em completa desharmonia com as necessidades coloniaes.

A restricção que a presente proposta de lei impõe á emigração, que recorre ao auxilio do estado, ha de contribuir para que, assegurados aos que forem para as provincias ultramarinas, tanto quanto possivel, a sua collocação e o seu futuro, para ali pouco a pouco se dirija a classe de emigrantes com recursos proprios, de todas a mais proveitosa, e que tanto escasseia infelizmente entre nós, talvez pelo convencimento da importancia das nossas possessões não estar ainda tão radicado a ponto de destruir nos que possuem alguns bens o receio de tentarem uma aventura, que consideram por extremo arriscada.

São estes resumidamente os fundamentos que me persuadiram á redacção da proposta de lei que venho considerando. O assumpto é, porém, de tal maneira importante, que todo o estudo será pouco para que se consiga o resultado que tenho em viste, e que é, de certo, tambem o proposito dos representantes da nação - a maior e mais efficaz nacionalisação dos nossos dominios ultramarinos.

Entregando, pois, ao vosso exame a proposta a que me referi tenho esperança de que ella será completada ou modificada de maneira a corresponder a tão levantado o patriotico intento.

Trabalho dos indigenas - Serviços agronomicos nas provincias ultramarinas - Auxilios do estado á agricultura das provincias ultramarinas

Só o trabalho e o capital, animados e favorecidos por leis sabias e instituições próvidas, podem augurar ás nossas provincias ultramarinas o desenvolvimento economico que em algumas d'ellas se tem accentuado já tão lisonjeiramente; e o primeiro d'esses factores de producção tem ao seu dispor, n'essas mesmas provincias, numerosos e prestantes agentes. O ultramar portuguez avantaja-se a muitas possessões coloniaes, de que aliás as soberanias europêas fizeram rendosos dominios, pelo facto venturoso de possuir os braços de que precisa para o seu proprio grangeio, pois que em grande parte é povoado por gente pacifica e docil, que a civilisação póde converter em instrumentos uteis. Os seus milhões de habitantes devem fornecer legiões de trabalhadores robustos, disciplinados e baratos, logo que as leis e os costumes consigam vencer n'elles a nativa indolencia e, especialmente, desde que a sua actividade possa ser estimulada pelo aproveitamento e pela retribuição.

Empenhado, como está, o governo em dar vigoroso impulso a todos os progressos do ultramar e, nomeadamente da Africa portugueza, cuidou de utilisar e preparar a utilisação d'esse tão valioso elemento da sua prosperidade; e querendo ajudar-se, n'este empenho, de alheias luzes e experiencias, publicou a portaria de 26 de outubro passado incumbindo a uma commissão o estudo de disposições legaes que, do mesmo passo, movessem os indigenas a trabalhar e lhes assegurassem, com o exercicio dos seus direitos, a justa retribuição da sua actividade.

D'essa commissão, a que já em outra parte d'este relatorio me referi, acceitou a presidencia o sr. conselheiro Antonio Ennes, vindo assim juntar mais um prestantissimo serviço aos muitos de que lhe são devedores a metropole e as colonias; e dignos são igualmente de apreço os serviços de todos os membros da mesma commissão.

Na portaria citada recommendei especialmente á commissão que buscasse e propozesse os meios praticos de brigar os indigenas a um trabalho regular, pois que, sendo o trabalho, mormente para todos os homens que só por elle podem adquirir meios certos de subsistencia, uma obrigação moral e social a que as leis dão sancção juridica, não podem ser isentos do seu cumprimento precisamente os individuos que, vivendo ainda em condições sociaes avizinhadas da barbaria, precisam do trabalho, mais que nenhuns outros, se não para viver, no sentido physico da palavra, para ao melhorarem e para se habilitarem a entrar no gremio da civilisação. Para taes individuos, o trabalho é um dever, não só para com a sociedade, mas tambem para comsigo; não é só um meio de utilisação, mas tambem de aperfeiçoamento individual; e a auctoridade publica, que sobre elles exerce, a tantos respeitosa, uma verdadeira acção tutelar, tem certamente o direito de lh'o impor, embora por processos persuasivos e judiciosos, e de modo que elle lhes aproveite como beneficio e nunca se lhes torne sacrificio inutil.

A commissão compenetrou-se inteiramente d'este pensamento e procurou dar-lhe completa execução. Propoz modificações na legislação vigente, que, em odio á escravidão e por medo de que revivessem as suas praticas ominosas, cercou as liberdades dos indigenas de tantas precauções que quasi lhes deixou a liberdade de vadiagem aliás condemnada pelo codigo penal. Considerou a obrigação do trabalho como legal e juridica, e, ao mesmo tempo, como justificada por uma necessidade imperiosa de caracter politico.

«Portugal precisa - diz o lucido relatorio que acompanha o projecto da commissão, - precisa absolutamente, precisa inadiavelmente, de fazer prosperar os herdamentos de Africa, e a prosperidade d'elles só póde advir da sua productividade... Ora, os milhões de kilometros quadrados de terra uberrima, que adquirimos com tanto esforço e conservamos com tanto gasto, só nos darão e só nos pouparão, como podem e devem poupar e dar a punhados esse oiro que os mercados de credito ameaçam senão nos vender senão a preço da autonomia, só os fecundar o braço das suas populações; e esse braço robusto ha de ser inerte ou frouxo emquanto os coqueiros derem côcos e o sol derramar calores enervantes. É forçoso dar-lhe movimento e energia, primeiro, certamente, com o codimento de interesses proprios, mas depois e sempre por meio de impulsos entranhos irresistiveis; e se essa necessidade não chega a ser, para os jurisconsultos, fundamento bastante de direito, constitue lei imperiosa para os homens d'estado.»

Obedecendo aos dictames d'esta lei imperiosa, a cuja observancia tantos e tão levantados interesses nos impeliam o governo vem pedir auctorisação para adoptar um conjuncto de providencias que, devendo provocar uma salutar transformação nas condições da existencia das populações das nossas colonias, proporcionem tambem, á ex-

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piorarão economica dos seus territorios, trabalho abundante e disciplinado.

Os principies fundamentaes d'essas providencias estão expostos nos artigos das propostas de lei n.ºs 5, 6 e 7, e foram largamente justificados no relatorio da commissão. Não são violentos, não offendem direitos naturaes, não transgridem os preceitos da legislação liberal e humanitaria, de que tanto nos ufanamos. Ao mesmo tempo são facilmente praticos. Obrigar populações numerosas a trabalharem, obriga a facultar-lhes trabalho, o que póde ser ainda mais difficil commettimento; mas o systema de compulsão, que se propõe, attenua em grande parte essa difficuldade, permittindo que essa compulsão se gradue pela procura que houver de trabalhadores, tanto para serviços publicos e municipaes, como para serviços particulares.

D'este meão evitar-se-ha tambem o perigo, que tanto serve de argumento contra as leis repressivas da vadiagem, de mandar trabalhar, e de castigar por não trabalharem, individuos que porventura padecem por não encontrarem quasi lhes aproveite os serviços.

Mas impor a obrigação de trabalho seria baldado esforço se o cumprimento d'essa obrigação não podesse ser utilisado; as providencias destinadas a tornal-a effectiva exigem, pois, como seu necessario complemento, muitas outras que se proponham a promover, no ultramar, um intenso movimento productor, em que se empreguem os braços indigenas. Segundo o plano, para cuja execução o governo pede o auxilio dos corpos legislativos, - e de que as propostas de lei acima referidas representam apenas os principios fundamentaes, - esses braços serão dirigidos principalmente para a agricultura, industria que póde rapidamente fazer prosperar a Africa portugueza. E o fomento agricola ultramarino receberá d'este modo quantos impulsos lhe póde communicar uma vigorosa e persistente acção do estado, que, sem prejudicar, antes estimulando, as iniciativas particulares, lhes remedeie a natural tibieza, desbravando e explorando terreno onde ellas se lancem desafogadamente, e dando-lhes exemplos da confiança que hes falta e cuja deficiencia lhes quebranta as energias.

Regularisando a occupação e o usufructo, pelos indigenas, de terrenos incultos do estado, e constituindo legalmente, em favor dos occupantes, um colonato, livre, mas sujeito ás obrigações da agricultura e residencia; offerecendo isenção e vantagens aos colonos, para que essa condição seja desejada e procurada; fazendo distribuir glebas aos individuos que pareçam capazes de as aproveitar; facultando recursos aos cultivadores e ministrando-lhes ensinamentos a fim de os habilitar a produzir com o maximo proveito para elles proprios e para a economia geral, o governo espera provocar o desenvolvimento d'essa agricultura indigena que já hoje fornece ao commercio alguns artigos importantes da exportação e que póde vir a dar valiosas contribuições á riqueza publica, se for mais assidua e se encaminhar para a producção dos chamados generos coloniaes, de que a metropole ainda precisa para a alimentação dos seus habitantes ou para materia prima das suas industrias.

Tambem o estado deverá dar exemplo de desvelo pelos progressos agricolas do ultramar e impulsionar esses progressos mandando fazer estudos e experiencias culturaes por sua propria conta, em terrenos seus onde se reunam mais e melhores condições de exito e nomeadamente em colonias, livres ou penaes, que empreguem o trabalho dos sentenciados e o dos indigenas, cuja actividade não possa ter outra applicação.

Emprehendimentos similhantes foram já tentados, por iniciativa dos governos locaes, mormente no districto de Lourenço Marques, e o seu resultado foi dos mais animadores. Não convirá, certamente, dar-lhes tal desenvolvimento que possam arriscar os cofres publicos a prejuizos sensiveis; mas são talvez um dos processos com que mais se póde contar para iniciar em Africa certas culturas, que dispensariam o reino de pagar quantiosas contribuições em oiro a colonias estrangeiras.

Essas culturas, em terrenos onde nunca foram feitas, têem uma aprendizagem, cujas contingencias assustam os capitães particulares; necessario será, pois, que o estado se sujeite alguma vez a essas contingencias, pondo a sua iniciativa na vanguarda de outras, mais largas e mais fecundas. A verdade é - como bem ponderou a commissão - que uma parte do nosso ultramar não está ainda conhecida sob o ponto de vista do seu aproveitamento agricola; tem de ser explorada de um modo pratico e experimental, e d'essa exploração não póde desinteressar-se o estado, mormente n'um paiz como o nosso, em que tudo se espera da sua acção.

Esta mesma ordem de necessidades aconselhou tambem o governo a propor-vos a organisação do ensino agricola colonial.

Cuida-se d'elle, attentamente, em todos os paizes que têem possessões alem-mar; nada se fez ainda por elle em Portugal. Faltam sem duvida elementos, e dos mais essenciaes, para a sua organisação. São precisos professores, compendios, campos de ensaios e museus. Tudo continuará, porém, como até agora, se alguma vez se não cuidar de remediar as faltas que existem, pelos meios possiveis, embora deficientes. Se não temos hoje especialistas de culturas tropicaes, elles se crearão, ainda que tenha de ser com lição extranha, desde que sejam animados e favorecidos, e esses educarão outros. Alguma despeza se fará, sem duvida, com taes diligencias; mas não será avultada nem parecerá illegitima. Agora, que no reino se estão principiando a fazer sentir praticamente os beneficios da propagação do ensino agricola, ninguem na metropole quererá condemnar a agricultura ultramarina, a ficar sendo, como hoje é em quasi toda a parte, menos que empírica, quasi instinctiva, ou apenas guiada pelas indicações da natureza e pelas praticas tradicionaes de indigenas.

Para que a sciencia da cultura agricola irradie para o ultramar, é forçoso que lá lha levem e por lá a espalhem os seus propagandistas profissionaes; urge, portanto, melhorar e desenvolver em cada provincia os serviços agronomicos officiaes, começando por multiplicar o numero dos agronomos. Um unico para uma provincia inteira, que póde ter milhões de kilometros quadrados, só bastará se elle tiver apenas encargos officiaes, e esses restrictos e localisados; ora, o que convem é, pelo contrario, que cada agronomo derrame noções uteis, distribua conselhos, forneça indicações a quaesquer que, indigena ou europeu, funccionario ou particular, possa aproveitar essa doutrinisação; e para tal propaganda ainda será pouco um agronomo por districto. Também elle, para que a sua missão seja efficaz, deve de ter, como subsidiarios do exercicio d'essa missão, campos de ensaio, hortos experimentaes, onde estude e pratique, e d'onde possa tirar elementos de novas e uteis culturas, que convenha vulgarisar.

A tudo isto deseja o governo attender, e por isso pede igualmente que o auctoriseis a ampliar, ou antes, a crear os serviços agronomicos ultramarinos, actualmente tão rudimentares, que mal se dá por elles e pela sua utilidade pratica.

Cuidando de tornar obrigatorio o trabalho dos indigenas, era dever do governo, e é seu empenho, providenciar

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para que esse trabalho em caso algum se converta em vexame e espoliação para o trabalhador, e por isso tambem a portaria de 26 de outubro recommendou á commissão, por elle nomeada, que indicasse as providencias mais efficazes para que os contratos de serviços se fizessem em condições humanas e equitativas, e para que o cumprimento das suas clausulas ficasse assegurado.

As propostos que ella fez, e os alvitres que suggeriu, n'este sentido, parecem de todo ponto dignas de ter execução legal.

As principaes d'ellas fornecem á acção tutelar do estado meios novos de se tornar effectiva, já alargando as attribuições dos seus agentes especiaes, os curadores, e augmentando o numero d'esses agentes, já definindo melhor os direitos e deveres reciprocos dos patrões e dos serviçaes. Algumas, destinadas a manter a disciplina e a subordinação dos serviçaes, foram evidentemente aconselhadas por uma necessidade quotidianamente reconhecida. Se podem parecer severas a quem, não tendo nunca tratado com o negro rude, imagina que é sempre possivel dirigil-o com mão leve e cariciosa, como se o brio ou a noção de dever o tornasse docil às redeas da moral, julgal-as-ha benignas, e até frouxas, quem as comparar com disposições parallelas de regulamentos estrangeiros, que, inclusivamente, conferem aos amos o direito de castigar os dependentes com um rigor de que, entre nós, o proprio codigo penal se abstem.

Tambem a commissão, desenvolvendo o pensamento da portaria que lhe deu instrucções, procurando os meios praticos de tornar effectiva a obrigação do trabalho, e considerando que todos elles, para serem reaes e positivos, precisam, em ultima analyse, de que o capital se preste a aproveitar o trabalho tornado obrigatorio, pensou na solução de um dos mais melindrosos problemas da nossa administração ultramarina, e de facultar capitães ou proporcionar credito que se appliquem á exploração dos territorios do ultramar. «Bastará - pondera o relatorio, - que haja braços abundantes e baratos para que os capitães acudam á Africa portugueza a contratal-os para um intenso movimento productor? De certo não, e por isso é que uma lei reguladora e compulsora do trabalho indigena, seja, ella qual for, deve de ser considerada como incompleta em si, e só terá realidade e utilidade pratica se fizer parte de um vasto plano de providencias, destinadas a crear e estimular todos, - e não um só, - todos os elementos e todos os agentes essenciaes do desenvolvimento economico do ultramar portuguez».

Um d'esses agentes tem de ser, certamente, o credito; mas a commissão reconheceu, acertadamente, as difficuldades de estabelecel-o em condições de poder ser utilisado para primeiras explorações agricolas, emprehendidas em terrenos do ultramar. «Tanto é preciso - diz ella, - abrir credito á exploração rural do ultramar, quanto será difficil abril-o em toda a parte onde essa explorado haja de iniciar-se. Está, encontrada desde muito a formula das operações creditorias destinadas a valorisar mais o que já tem valor: consiste em tornar o valor existente responsavel pelas quantias que se pedem para o augmentar. Taes operações fazem-se agora, comquanto em pequena escala, nas provincias onde ha propriedade rural formada, que rende e dá esperanças de maior rendimento, como em S. Thomé, o poderão bastar para a maxima expansão da agricultura local; mas sobre que base hão de ellas effectuar-se onde e quando os proprietarios não possuirem ainda senão terra nua ou vestida de mato, tomada de aforamento talvez na rasão de 10 ou 20 réis por hectare, e precisarem de credito para cultivar essa terra quasi sem valor venal? N'este caso, que tem de ser considerado especialmente por ser o mais commum no nosso ultramar, claro está que falta de todo a garantia material para emprestimos o que, portanto, faltará tambem o auxilio do credito, ou, pelo menos, do credito como elle está organisado geralmente para promover e facilitar os progressos da agricultura; e haverá de dar-se-lhe outra organisação ou de dispensal-o. Mas dispensal-o é impossivel, visto como, em regra, que só tem raras excepções individuaes, quem possuo capital disponivel não vae semeal-o na Africa. Se o credito é necessario para tudo, é imprescindivel para as emprezas coloniaes de toda a especie, o que explica em grande parte porque progridem como nenhumas outras as colonias de paizes onde elle é facil e barato».

Pareço-lhe, pois, de quasi impossivel solução directa ao problema de estabelecer um credito agricola que possa ser aproveitado para as primeiras culturas de terrenos que só depois de cultivados poderão ter valor venal»; mas, entendendo que é precisamente um credito assim que conviria organisar para facilitar o desbravamento e a arroteia de tanta terra inculta que hoje desvalorisa muitas das provincias ultramarinas, imaginou suppril-o por um systema de auxilios dados pelo estado á agricultura, e pagos; pela agricultura no estado par meio de prestações temporarias ou de um censo perpetuo. Este systema cujos lineamentos geraes a commissão expoz em algumas das bases da sua proposta «reduz-se - explica o relatorio - a facultar aos agricultores, proprietarios e rendeiros a longo praso, das provincias ultramarinas onde se reconheça a inefficacia das instituições communs de erudito agricola, auxilios do estado, que elles deverão pagar nas mais benignas condições, o que poderá consistir na prestação de serviços necessarios á melhoria ou desenvolvimento dos predios rusticos, ou, no fornecimento de artigos necessarios á cultura, como sementes ou alfaias, - mas nunca em dinheiro. O dinheiro necessario á acquisição d'esses artigos e ao custeio d'aquelles serviços, pedil-o-ha o estado, se for preciso, sob a sua responsabilidade, a uma instituição bancaria ou por meio d'ella ao publico, mas só o entregará nos agricultores convertido em auxilios reaes e positivos, e pagal-os-ha com as prestações que for recebendo por conta do seu credito, que ficará garantido pelas propriedades a que houverem sido applicados os mesmos auxilios. D'este modo, o estado servirá de intermediario responsavel, por que assim digamos, entre o credito e os individuos que precisarem recorrer a elle nem lhe poderem offerecer seguranças que só por si o satisfaçam, e aproveitará essa interferencia para evitar que os capitães mutuados se desviem da applicação remuneradora a que se destinam; ao mesmo tempo usará de privilegios creditorios para se assegurar do reembolso d'esses capitães».

Com quanto este systema constitua uma inovação em materia do credito agricola, o governo julga conveniente pôl-o em pratica, embora o principio em pequena escala e a titulo de experiencia. As suas vantagens são indubitaveis, e a mais importante de todas ellas expõe-na o relatorio n'estes conceituosos termos: «Se na Europa são consuetudinarios, tanto o desvio dos capitães pedidos (ao credito) a pretexto de bemfeitorias, para destinos em que se consomem esterilmente, como a sua applicação a emprehendimentos mal calculados e por isso improductivos, é para recear que, no nosso ultramar, por uma parte os vicios e desregramentos, e por outra as ignorancias, as inexperiencias, o espirito de aventura, multiplicassem os desbarates a ponto tal que nem houvesse instituições que lhes resistissem nem do sacrificio d'ellas se tirasse proveito algum economico. Deve contar com isso quem n'esses territorios, estabelecer credito agricola sob qualquer das fórmas usuaes; e, ou terá de difficultal o, diminuindo-lhe os beneficios theoricos, ou de dotal-o para soffrer incalculaveis perdas. Ora, não succederá assim se esse credito, - seja permitta a comparação comesinha, - imitar a caridade cautelosa que em vez de dar ao pobre faminto dinheiro, que elle irá talvez liquifazer na taberna, lhe dá antes um pão; se fa-

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cultar ao agricultor o que elle precisa realmente e não os meios de o adquirir. Não só ficarão cohibidas as applicações illegitimas do capital prestado, senão que se tornará possivel fiscalisar as applicações todas, evitando-se as que não forem sensatas e habeis. Tratando-se de organisar credito especialmente destinado a uma ordem de explorações novas ou ainda mal conhecidas, em que haverá uma aprendizagem a papar, tal fiscalisação, exercida pelo dispensador d'esse credito, deverá ser utilissima, obstando a muitas aventuras desastrosas, a muitas imprudencias compromettedoras, mórmente se o dispensador for o estado, que, zelador nato dos interesses collectivos, poderá regular as concessões que fizer de modo que o seu uso se oriente sempre no sentido d'esses interesses.»

Esta vantagem é incontestavel, e tanto valor tem que compensa fartamente as difficuldades e os riscos inherentes á execução do systema, que precisa, de certo, ser feito muito cautelosa e honestamente. Mas que idéa, ou que disposição legal, será tão boa, que não pareça má sendo viciosamente executada? O relatorio demonstra cabalmente que os serviços que, por meio das repartições de obras publicas e agronomia, o estado prestará aos agricultores, devem ser reais baratos, mais promptos e mais habeis do que se fossem feitos por elles proprios ou sob a sua direcção, com pessoal adventicio e collecção. O reembolso das despezas d'esses serviços e de outros quaesquer auxilios fica assegurado pela protecção, cobrados como se fossem impostos, e garantidos pelos predios beneficiados. N'esses predios estarão empregadas real e effectivamente, as quantias mutuadas; portanto, o seu valor venal deve cobrir essas quantias. Não é impossivel, ainda assim que algumas vezes o estado soffra prejuizos; mas esses prejuizos, que aliás só poderão resultar de uma viciosa applicação do systema, serão compensados pelo impulso que elle deve dar ao progresso agricola do ultramar, que tanto carece de ser animado.

Claro está que o governo não usará da auctorisação pedida na proposta de lei n.º 7, que tem a honra de submetter-vos, sem se ter habilitado para dar ao pensamento da commissão, que ella expoz apenas como alvitre que não impede a apresentação de outros, mas que o governo perfilha e considera de grande alcance, uma realisação quanto possivel perfeita, que o torne seguramente proficuo sem expor o estado a avultados desembolsos.

Empenhado, porém, em impulsionar, com uma acção rapida e energica, o fomento agricola do ultramar, e desejando aproveitar quanto possivel, para a satisfação d'esse empenho, a collaboração dos corpos legislativos, deu-se pressa em sujeitar á vossa esclarecida apreciação todos os principios fundamentaes por que, segundo os seus propositos, ha de reger-se essa acção impulsora, embora alguns d'elles tenham ainda de ser maduramente estudados nas suas applicações e nos seus desenvolvimentos. Para esse mesmo estudo póde e deve concorrer valiosamente a discussão parlamentar.

Fomento industrial das colonias

Da exposição que na segunda parte d'este relatorio fiz das condições economicas das provincias ultramarinas resalta, me parece, a toda a evidencia a necessidade de alargar a sua exploração agricola e industrial aproveitando grande numero de recursos e riquezas naturaes, hoje quasi completamente descurados.

Se é de incontestavel conveniencia que por todos os modos facilitemos, a expansão da industria e do commercio da metropole, assegurando-lhes os mercados ultramarinos; se esta orientação, principalmente seguida com firme empenho nos ultimes annos, tem proporcionado a algumas industrias do paiz condições para um largo desenvolvimento; é certo que não podem realisar-se tão notaveis resultados sem sacrificio financeiro para as colonias, que, d'este modo, menos habilitadas ficam para cuidar com mais largueza de muitos melhoramentos necessarios para um mais rapido progresso.

Foi com o proposito de reunir todos os elementos para o estudo das providencias que mais conviesse adoptar no sentido de harmonisar da maneira mais rasoavel os interesses da metropole e os das colonias, que não devem estar em antagonismo, desde que o mesmo empenho e as mesmas aspirações patrioticas as incitem e dirijam, que eu redigi a circular consultando as associações commerciaes e industriaes, os governadores das provincias ultramarinas, todos aquelles emfim a quem podia interessar a resolução d'este momentoso problema, para que me fornecessem as indicações e os alvitres que lhes parecessem mais adequados á realisação do fim que desejâmos attingir.

Não tenho ainda todos os pareceres e informações que espero me sejam remettidos, e por isso não posso desde já apresentar-vos uma proposta de lei, que encare o problema colonial a que me refiro sob os seus differentes aspectos, e comprehenda portanto todas as providencias que pareçam as mais apropriadas para o resolver do modo mais conveniente.

Ha, porém, um ponto em que se me afigura não póde haver divergencia de opiniões. Desde que se reconhece, por um lado, a conveniencia de proseguir no caminho, mais accentuadamente traçado em 1892, da protecção nos mercados ultramarinos aos productos da agricultura e da industria da metropole, e por outro lado se reconhece de igual modo quanto é justa a concessão feita aos generos coloniaes reduzindo consideravelmente os seus direitos de importação d'elles nas alfandegas do paiz, não póde contestar-se que a protecção a muitos d'esses artigos só se tornará verdadeiramente efficaz quando se lhes assegure que o regimen protector actualmente, estabelecido não será alterado pelo periodo necessario para que elles possam conquistar definitivamente os mercados a que se destinam.

Não é propriamente protecção nova que se dispensará, por este modo, quer aos generos da metropole, quer aos das provincias ultramarinas, mas confirmar-se-ha, por assim dizer, o pensamento de legislador, que não podia ter em mente conceder com a apparencia de indefinido o como que permanente aquelle beneficio, reservando-se o proposito de o anniquilar sem prevenção, nem previo aviso.

Para as industrias que, com a protecção da pauta, começaram já a conquistar os mercados, quer da metropole, quer do ultramar, abolir aquella protecção seria inutilisar os capitães que têem concorrido para o seu já importante adiantamento; para as que podem vir a conquistar esses mercados, a abolição representaria um embaraço injustificavel ao progresso economico do paiz, que tanto precisa de crear novos recursos e novas fontes de riqueza.

Para umas e outras a certeza de que a protecção durará por um periodo certo e definido, será condição para mais ousada iniciativa e maior concurso de capitães, ou para a creação dos elementos indispensaveis para se estabelecerem e prosperarem.

O que só faz mister é estudar quaes são, quer na metropole, quer nas colonias, os generos e productos, cujo commercio entre umas e outras mais convenha favorecer, por terem as condições essenciaes de que julgo dever tornar-se dependente qualquer favor excepcional: não importarem uma competencia nociva, e ao contrario só concorrerem para, harmonisando interesses, augmentarem a vida e o progresso economico do paiz.

Acerca de alguns dos productos da metropole e de alguns dos generos e productos coloniaes não póde já haver necessidade de quaesquer informações, para que se vacille em conceder-lhes a maxima protecção e favor. Realisando a condição essencial de não irem concorrer nos mercados a que se destinam com productos similares, tambem de

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procedencia nacional e reunindo as demais condições para adquirirem larguissimo desenvolvimento, não seria justo hesitar em lhes dar a certeza de que poderiam por um determinado periodo contar com a protecção consignada na lei, facilitando por esse modo o alargamento da esphera do aceito e a organisação em bases seguras das respectivas industrias.

Na exposição que fiz do estado actual das differentes provincias ultramarinas, tive ensejo de assignalar generos e productos coloniaes que podem dar logar a um importante commercio com a metropole, mas que o têem por emquanto muito acanhado, em grande parte porque, requerendo, para adquirirem maior desenvolvimento, o emprego de avultados capitães, não os encontram facilmente desde que impende sobre o seu commercio a possibilidade de annullar-se ou ainda de diminuir-se a reducção de 50 por cento nos direitos de importação nas alfandegas da metropole.

Nada parece, pois, mais rasoavel do que assegurar por um determinado numero de annos a manutenção de favor pautal, a que me refiro, a todos os productos quer da agricultura quer da industria colonial que, não tendo similares na metropole, antes constituindo n'esta artigos de importação estrangeira, precisem, para adquirirem a importancia commercial a que podem aspirar, de contar durante um certo periodo com os mercados nacionaes, e de se encontrarem ali protegidos contra a concorrencia dos outros paizes.

O que haverá, a examinar é quaes são os generos e artigos coloniaes que reunem as condições indicadas e dão garantia de utilisar, em proveito geral, d'aquelle favor, e ainda qual o periodo indispensavel de protecção.

Se attendessemos unicamente às condições actuaes das provincias ultramarinas, não seria rasoavel que hositassemos em manter por determinado periodo o favor concedido nas pautas da metropole indistinctamente às mercadorias de producção propria d'aquellas provincias. Não ha n'ellas productos em condições de serem exportados e de constituirem objecto de commercio mais ou menos importante, a que correspondam actualmente no reino generos similares. Mas as circumstancia podem mudar e a propria garantia de favor ser incitamento á producção de artigos n'estas condições. E, se não seria justificavel o tolher-se nas nossas possessões a livre applicação da actividade industrial, deve, a meu ver, ser pensamento fixo da nossa politica colonial harmonisar os interesses mutuos das colonias e da metropole, por fórma que não collidam entre si e se não tornem antagonicos.

Temos dispensado toda a protecção às industrias da metropole e o seu rapido progresso desde 1892 não póde senão persuadir-nos a mantel-a em termos rasoaveis, a fim de que continue, como até agora, a ser efficaz, e a traduzir-se em assignalados beneficios para a economia nacional. Mas essa protecção não nos obrigou a anniquilar nem a sacrificar nenhuma industria das colonias.

A mesma regra, me parece, nos deve guiar, quando procuremos attender mais directamente ao fomento colonial. È forçoso não levar tão longe esse empenho, que causemos damno a interesses já estabelecidos e legitimamente firmados na metropole.

N'esta orientação, que se me afigura a unica plausivel, uma vez traçado o caminho por que temos seguido nos ultimos annos, entendo que não devemos alargar a protecção aos productos de origem colonial que possam vir fazer concorrencia nociva aos similares da metropole.

Mas nem para favorecer o desenvolvimento das colonias se torna necessario alargar inconvenientemente a protecção a todos os productos d'ellas originarios, tantos são aquelles, cuja exportação, com largo proveito para a riqueza publica e sem nenhum damno para os interesses da metropole, póde ascender a valores verdadeiramente extraordinarios.

Em outra parte d'este relatorio descrevi com alguma largueza as condições actuaes das differentes provincias ultramarinas, e procurei reunir todas as informações estatisticas que concorressem para dar idéa ajustada da importancia, tanto dos generos coloniaes, que eram actualmente objecto de mais larga producção e commercio, como ainda d'aquelles que pareciam possuir condições para adquirirem, muito maior importancia na nossa economia colonial.

Entre estes ultimos ha alguns que, tendo nas aptidões do solo e do clima, e nas demais circumstancias que favorecem a sua larga producção todas as condições necessarias para figurarem entre os primeiros no commercio colonial, ou não constituem ainda artigos do exportação, ou figuram n'ella com uma parcella de valor insignificante. Referir-me-hei especialmente ao algodão e ao assucar, porque são sem duvida, de entre os generos coloniaes mais importantes pelo largo consumo que d'elles se faz em todos os paizes, aquelles que figuram por valores relativamente diminutos nas nossas exportações ultramarinas.

E comtudo, não nos occupando senão dos mercados da metropole, a importação d'estes generos representa actualmente valores consideraveis.

Nos ultimos annos a importação para consumo pelas nossas alfandegas foi a seguinte:

Assucar:

Annos Kilogrammas Réis

1893....................25.075:801 1.869:937$000
1894....................25.993:317 2.029:387$000
1895....................26.742:495 1.953:896$000
1896....................26.439:783 1.917:527$000
1897....................25.511:736 1.907:532$000

Algodão em rama ou caroço:

1893................... 10.951:539 2.583:711$000
1894................... 10.546:668 2.399:708$000
1895................... 12.821:015 2.590:330$000
1896.................. 9.862:945 2.103:664$000
1897.................. 13.356:988 2.840:265$000

Para esta importação apenas concorreram as nossas colonias com as pequenas parcellas constantes dos numeros seguintes:

Assucar:

Annos Kilogrammas Réis

1893................... 357:193 30:951$000
1894................... 577:014 41:671$000
1895................... 600:895 44:422$000
1896................... 517:992 38:724$000
1897................... 794:758 62:193$000

Algodão em rama ou caroço:

1893....................... 197:815 22:490$000
1894....................... 68:157 14:852$000
1895........................ 87:180 17:374$000
1896....................... 153:531 28:376$000
1897....................... 63:848 16:324$000

O assucar colonial vem de Cabo Verde e Moçambique; o algodão quasi todo de Angola o pequena quantidade de Cabo Verde.

A seguinte nota montra quaes as provincias ultramarinas que quasi exclusivamente concorrem para a importação na metropole dos generos coloniaes a que me referi.

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Assucar

[ver tabela na imagem]


Que as nossas provincias ultramarinas, principalmente as de Africa, podem produzir em larga escala a canna saccharina e o algodão já procurámos proval-o em outra parte d'este relatorio.

Unicamente acrescentaremos, pois, mais algumas considerações para corroborar o que fica dito.

Em todas as nossas possessões africanas, e nomeadamente nas de Cabo Verde, Angola e Moçambique, só póde dizer que está reconhecida a possibilidade da cultura em larga escala da canna saccharina.

Em Cabo Verde e Angola esta cultura tem larga importancia, mas é ella quasi exclusivamente aproveitada para a distillação do alcool.

Já por vezes se projectou promover o desenvolvimento do fabrico do assucar em Cabo Verde, mas as propostas para a isenção de direitos na metropole, por que se instava da parte dos agricultores e commerciantes da provincia, não lograram favoravel acolhimento das estações consultadas.

O differencial de 50 por cento, estabelecido desde 1870 para os productos coloniaes, apesar de representar um favor importante, não tem conseguido dar largo impulso áquella industria, como se vê dos numeros acima indicados.

Em Angola já vimos que larga extensão tem adquirido a cultura da canna saccharina, mas sabemos que ella é tambem exclusivamente applicada para a producção da aguardente, que, pelo menos, póde avaliar-se em cerca de 5 milhões de litros.

Mas a larga extensão que adquiriu o fabrico da aguardente, excedendo, ao que pareço, as necessidades do consumo provincial póde collocar esta industria em situação pouco favoravel. Seria de certo o meio de evitar a ruina de muitos capitães n'ella empregados, applicar uma parte da producção da canna saccharina ao fabrico do assucar; mas esta transformação industrial só póde realisar-se com a acquisição de machinismos proprios e condições especiaes, que requerem o emprego de capitães relativamente avultados.

Em Moçambique ha actualmente uma fabrica de assucar extrahido da canna saccharina e é ella que exporta para a metropole a quantidade d'este genero que apparece na estatistica representando a producção da provincia. Isto não significa que não haja n'esta provincia outras plantações da canna, mas é esta applicada para o fabrico do alcool.

A rasão por que não se alarga ali a industria do fabrico do assucar, póde ainda affirmar-se que é a falta de segurança de que o favor do differencial actualmente existente não seja modificado ou extincto.

A substituição successiva da industria do fabrico da aguardente pela do assucar teria vantagens incontestaveis, porque tornaria menos abundante um producto, que só concorre para manter o preto nas condições de embrutecimento e nos habitos de indolencia e ociosidade que elle tanto aprecia e que o enervamento das bebidas alcoolicas Alvorece, e forneceria ao mesmo tempo á metropole um dos generos alimenticios, em que ella está sendo tributaria dos paizes estrangeiros.

Não póde a transformação deixar de ser lenta, porque o fabrico da aguardente ha de ser por largos tempos, ou talvez sempre, uma industria remuneradora nas colonias, visto que satisfaz a uma das necessidades da parte mais numerosa da população, e além d'isso porque, para obter-se um producto de elevado valor, como o assucar, a industria exije, para uma bem ordenada installação e conservação, capitães mais consideraveis do que para o alcool.

Mas desde que haja a certeza de que o differencial da importação na metropole se manterá por um periodo largo, a transformação ha de dar-se mais ou menos lentamente; o, alargando-se ao mesmo tempo as plantações, a producção do assucar colonial ha de chegar a attingir proporções consideraveis, não sendo difficil que em pouco tempo seja mais do que sufficiente para abastecer os mercados nacionaes.

Se não póde haver duvida quanto á possibilidade de dar um grande desenvolvimento ao fabrico de assucar nas nossas colonias, não póde tambem deixar de affirmar-se a possibilidade de abastecer os mercados da metropole com o algodão produzido nas provincias ultramarinas.

Em todas as possessões da Africa, e principalmente nas de Cabo Verde, Angola e Moçambique, o algodoeiro encontra-se espontaneo ou em cultura mais ou menos imperfeita.

Têem havido epochas, como já em outra parte d'este relatorio expuz, em que a sua exportação para a metropole attingiu quantidades de alguma importancia.

E todo o algodão colonial era empregado nas fabricas do continente em concorrencia com o de colonias e paizes estrangeiros, não podendo, nem pelas opiniões favoraveis de homens competentes, nem pelo proprio testemunho dos fabricantes, duvidar-se de que elle tivesse as condições apropriadas para um regular fabrico.

Teremos a confirmação do que avanço, se recorrermos aos relatorios das emprezas e companhias de fabrico de tecidos de algodão em epochas em que era mais importante a exportação para a metropole de algodão colonial, e bem assim aos inqueritos industriaes. Especialmente no de 1881, nos depoimentos do inquerito indirecto então feito e nas informações colhidas nas visitas às fabricas, encontraremos o testemunho de fabricantes assegurando que o algodão das nossas colonias podia rivalisar com o do Brazil, quando se empregassem mais acurados methodos de limpeza e mais perfeitos processos de escolha.

O pequeno valor da objecção que uma ou outra vez se tem apresentado, affirmando-se que os terrenos das nossas colonias se não prestam a uma cultura remuneradora, parece que está bem demonstrado, pelos factos a que temos alludido e a que poderiamos juntar a opinião de abalisados exploradores scientificos, como Welwitseh, e de grande numero de governadores e funccionarios das nossas provincias ultramarinas.

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Tambem se tem adduzido, como devendo ser causa da limitada extensão que se diz poderia attingir a cultura, a pouca possibilidade de obter o numero de braços necessarios na occasião da colheita, que deve fazer-se em epocha determinada e difficilmente adiavel.

Mas nem é excepcional o numero de braços que se reclama na epocha das colheitas, nem os exemplos anteriores nos podem persuadir da impossibilidade de os obter na occasião propria. Desde que se iniciaram os trabalhos do caminho de ferro de Ambaca, o pessoal indigena trabalhador foi affluindo ás secções em construcção e os braços não escassearam.

Parece-nos, em vista das considerações precedentes, que não será rasoavel pôr em duvida a importancia que póde adquirir nas nossas colonias africanas a cultura algodoeira.

Nem a industria do fabrico do assucar, nem a cultura do algodão prejudicam producções ou industrias analogas da metropole. Ao contrario, viriam ellas ainda favorecel-as industrias aqui estabelecidas, porque, alargando-se, com a consideravel producção d'aquelles generos coloniaes, o movimento commercial das provincias ultramarinas para a metropole, abrir-se-ía mais largo mercado aos productos do continente n'aquellas provincias, determinando a maior exportação d'estas, naturalmente, correspondente importação.

E como nenhuns mercados em melhores condições do que as das provincias ultramarinas se podem offerecer às industrias nacionaes, encontrariam estas exactamente no desenvolvimento da exploração colonial uma causa favoravel e deveras efficaz do proprio progresso.

Assim se realisaria do modo mais completo a harmonia de interesses da metropole e das colonias, pensamento a que entendo, não me cansarei de o repetir, dever subordinar todas as reformas que tenham por fim o fomento colonial.

Não esquecemos a unica objecção que póde ser digna de exame, ao tratar de tão importante assumpto. Os dois generos coloniaes, a que nos referimos, importados actualmente de paizes estrangeiros, representam uma receita aduaneira, que é de certo valiosa.

Indicámos acima o valor da importação do assucar e do algodão em rama e em caroço nos annos de 1893 a 1897; vejamos agora o rendimento que no mesmo periodo correspondeu á mencionada importação.

Assucar

Direitos em réis
1893...............................3.026:326$033
1894...............................3.110:607$546
1895...............................3.220:240$137
1896...............................3.188:807$229
1897...............................3.050:967$994

Algodão em rama ou caroço

1893............................... 43:612$472
1894............................... 42:056$163
1895................................ 50:934$431
1896................................ 39:131$580
1897................................ 53:248$628

Bastam estes numeros para desde logo afastar qualquer duvida quanto á conveniencia de proteger a cultura algodoeira; são porém de molde para nos obrigar a attender com todo o cuidado á questão do fabrico do assucar colonial.

Suppondo que com a protecção concedida se operaria ao mesmo tempo e rapidamente a transformação da actual industria do alcool na da extracção de assucar e se fariam novas plantações de canna saccharina, de modo que este genero colonial podesse abastecer por completo os mercados da metropole, a perda para o thesouro não poderia computar-se, em media, inferior a 1.500:000$000 réis.

Mas, como já tive occasião de dizer, nem a transformação da actual industria, nem o estabelecimento de novas plantações as podem operar senão lenta e successivamente, porque requerem capitães relativamente avultados para a sua installação e laboração regular. E tambem não podem esquecer-se as larguissimas compensações que d'este facto economico resultariam para a metropole.

Já disse como o alargamento da producção colonial, principalmente nas provincias onde, como em Angola, o commercio é na maior parte feito por negociantes portuguezes, e cujas relações mercantis são quasi exclusivamente com as praças de Lisboa e Porto, deverá reflectir-se favoravelmente na metropole. A industria nacional alargaria a sua area de acção e o commercio nacional augmentaria consideravelmente.

As provincias veriam augmentar a sua riqueza, o que se reflectiria na sua situação financeira, e portanto indirectamente na da metropole, que tem de contar com o pagamento da deficiencia das receitas coloniaes.

Mas a todas as considerações sobreleva a grande conveniencia de nos libertarmos, em dois dos artigos mais importantes do consumo, da sujeição a paizes estranhos, o que extinguiria desde logo parte consideravel dos encargos provenientes dos cambios e que pesam por quantias exorbitantes nos orçamentos do reino.

Não tendo na maior conta todos estes factos, difficilmente entraremos em um regimen economico que nos assegure uma situação financeira desafogada. Levados do receio de poder sacrificar parte da receita, afastaremos o unico meio de a augmentar em condições de successivo progresso.

Se em vez de adoptar confiadamente um systema altamente protector para as industrias nacionaes, quando em 1892 reformamos as pautas da metropole e das provincias ultramarinas, nos deixassemos a tomar de iguaes receios, não teriamos hoje, decorridos apenas seis annos, transformado parte das nossas industrias, algumas d'ellas já actualmente com um desenvolvimento notabilissimo, como a dos tecidos de algodão, e outras tendo ganho alento e forças que se vão traduzindo em maior producção e riqueza nacional.

Se com as colonias contamos para a nossa regeneração economica, se d'ellas fiamos o nosso engrandecimento, mal se comprehenderia hesitarmos ante os meios de lhes facultar a valorisação das enormes riquezas que lhes proporcionam a feracidade do seu solo e as demais condições verdadeiramente excepcionaes com que a natureza dotou algumas d'ellas, ou antes quasi todas.

E n'esta ordem de idéas não vacille em declarar que podemos e devemos ir mais longe ainda que a simples confirmação por determinado periodo de um favor já concedido.

Se em relação ao assucar me parece que, para o gradual, mas seguro progresso da respectiva industria colonial, nem é necessario, nem seria prudente, attentas as nossas condições financeiras, ir mais longe do que a manter por quinze annos e differencial actualmente estabelecido, as mesmas considerações não militam com relação ao algodão, a que e preciso dar o maior incentivo possivel, visto como a experiencia tem mostrado haverem sido insufficientes as providencias em varias epochas adoptadas pelo governo da metropole e pelos do ultramar para promover a cultura do algodoeiro.

É necessario libertar completamente do imposto a exportação colonial de algodão, e provocar o alargamento da cultura pelo estabelecimento de premios concedidos ao que for exportado para a metropole. Convirá que os premios vão successivamente diminuindo á medida que este genero colonial for conquistando os mercados do reino.

Para conseguir este resultado, que seria da mais alta importancia economica para o paiz, devemos contar, alem da favores que deixamos enumerados, com o proprio interesse dos fabricantes de tecidos, e não pouco tambem com o seu patriotismo, que, é de esperar-se, os levarão a concertar-se no empenho de desenvolver aquella cultura colonial.

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Da sensata comprehensão d'este importante problema economico já um grande numero de interessados deram assignalado testemunho, apresentando ao governo, por intermedio da associação industrial portuense, o alvitre do estabelecimento de uma sobretaxa nos direitos de importação do algodão, que não só bastará para satisfazer os premios de exportação do producto colonial, mas deixará ainda disponivel uma valiosa receita que poderá ser applicada a alguns melhoramentos de urgente necessidade nas provincias ultramarinas. Adoptando este alvitre, será facil ao mesmo tempo dar importante impulso á cultura do algodão nas possessões portuguezas e alcançar recursos que concorram para facilitar a execução de alguns melhoramentos inadiaveis em Benguella, se quizermos ver extraordinariamente augmentado o movimento commercial e a exploração agricola de um districto que é hoje, na provincia de Angola, o que está demonstrando mais pujante riqueza e mais condições de prosperidade.

Se em relação às colonias não hesito em propor a applicação aos generos indicados, desde já, do favor da manutenção por determinado periodo do differencial de 50 por cento, em relação á metropole seria injustificavel a menor hesitação em assegurar favor identico aos tecidos de algodão e outros, mantendo para elles, durante um periodo rasoavel, o differencial das pautas ultramarinas.

Tem sido verdadeiramente notavel o progresso da industria algodoeira entre nós, desde que pelas pautas decretadas em 1892, se lhe dispensaram excepcionaes facilidades para a collocação dos seus productos nos mercados das provincias ultramarinas. Evidencia-se esse progresso, comparando o numero actual das fabricas, a activa laboração d'ellas, os lucros accusados pelos industriaes, e successivo acrescimo da importação n'aquellas provincias ultramarinas dos tecidos de algodões nacionaes, com a situação que se dava antes da reforma das pautas.

Não eram favoraveis em 1891 as condições da industria. Quasi se limitava o consumo dos seus productos aos mercados da metropole; a laboração das fabricas era pouco intensa; algumas emprezas e companhias não obtinham lucros ou só os auferiam escassos. Os nossos mercados ultramarinos eram quasi exclusivamente abastecidos por productos de procedencia estrangeira.

Em 1891 apenas se exportaram para as provincias ultramarinas as seguintes quantidades e valores de fio e tecidos de algodão:

Quantidades - Kilogrammas Valores - Réis
Angola.................... 23:648 21:006$000
Cabo Verde................ 44:113 42:377$000
Guiné .................... 4:068 2:227$000
S. Thomé e Principe ....... 10:336 8:290$000
Moçambique................. 5:432 5:372$000
India...................... 40 7$000
Macau e Timor................ - - 87:637 79:279$000

Em 1897 a exportação encontra-se já elevada pela fórma que denunciam os numeros seguintes:

Quantidades - Kilogrammas Valores - Réis

Angola.................. 1.575:385 1.055:655$000
Cabo Verde.............. 96:787 74:677$000
Guiné................... 1:691 1:262$000
S. Thomé e Principe....... 102:649 87:982$000
Moçambique................ 13:115 11:857$000
India..................... 22 55$000
Macau e Timor............ 53 52$000 1.789:702 1.231:510$000

Talvez parecesse escusado procurar em outros numeros a confirmação da situação favoravel que as estatisticas acima exaradas nos accusam; mas é tão grande a importancia que tem para a nossa economia o desenvolvimento da industria algodoeira, que não será sem utilidade pôr em completa evidencia o facto importantissimo da conquista feita por essa industria dos mercados das nossas principaes provincias da Africa Occidental, e especialmente de Angola.

Á maior exportação dos productos da industria nacional para as colonias deve corresponder a successiva diminuição da reexportação dos productos similares estrangeiros.

É effectivamente o que nos revelam os seguintes numeros.

Em 1891 reexportaram-se as seguintes quantidades e valores:

Quantidades - Kilogrammas Valores - Réis

Angola ................ 2.122:863 168:299$000
Cabo Verde ............ 133:475 46:907$000
Guiné .................. 34:662 19:334$000
S. Thomé e Principe..... 78:220 57:300$000
Moçambique.............. 13:368 7:775$000 2.362:588 1.299:615$000

Em 1897 a reexportação encontra-se reduzida do modo indicado pelos numeros seguintes:

Quantidades - Kilogrammas Valores - Réis

Angola.......................... 835:519 517:851$000
Cabo Verde...................... 66:163 47:313$000
Guiné........................... 26:775 15:356$000
S. Thomé e Principe ............. 20:837 18:373$000
Moçambique....................... 7:930 5:728$000 957:324 604:621$000

As estatisticas das possessões ultramarinas, e especialmente a de Angola, por ser esta provincia o principal mercado hoje dos tecidos de algodão nacionaes, demonstram ainda com mais evidencia, se é possivel, a influencia benefica realisada pelas pautas de 1892.

Para não alongar demasiadamente a demonstração a que me referi, occupar-me-hei tão sómente da provincia de Angola.

Se examinarmos a importação pelas alfandegas de Loanda, Benguella, Mossamedes e Ambriz, dos tecidos de algodão, no periodo decorrido desde 1890 a 1897, abrangendo portanto annos anteriores e posteriores á promulgação das alludidas pautas, veremos como tem desde 1892 progredido successivamente a importação de tecidos nacionaes, diminuindo ao par a dos tecidos similares estrangeiros. Eis os numeros que resumem os resultados d'este exame:

[ver tabela na imagem]

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São eloquentes os numeros que ficam transcriptos, que significam como, especialmente nos tecidos crus ou branqueados, a importação que era, quasi por completo, de productos estrangeiros, esta hoje substituida por productos nacionaes.

A conquista dos mercados angolenses pelos tecidos tintos ou estampados é progressiva; mas, como é natural, tem sido mais lenta.

Parece-me que, em presença do que deixo dito, não póde haver sombra de duvida sobre a inteira justiça de applicar desde já á industria algodoeira o principio consignado na proposta de lei a que especialmente me estou referindo, e que consiste em assegurar a determinadas industrias a manutenção do differencial dos direitos de importação nas colonias por um determinado periodo.

Outros artigos de producção da metropole ganharão com a certeza da conservação do favor actual, mas parece-me indispensavel aguardar estudos mais completos e informações mais especificadas, para que haja confiança de que na applicação do principio só não perturba de qualquer modo a harmonia e a conciliação de interesses entre a metropole e as colonias, condição essencial e imprescindivel.

Escolhendo desde já os artigos, quer das colonias, quer da metropole, aos quaes devo fixar-se o periodo de protecção, porque em favor d'elles militam circumstancias excepcionaes, que dispensam qualquer novo inquerito ou informação, parece-me indispensavel, quanto aos demais, que a resolução seja precedida de um estudo, referido a cada um d'elles porque são varias as circumstancias a que é necessario attender.

Julguei dever tornar qualquer applicação dos principios consignados na proposta de lei, a que me estou referindo, dependente de rigoroso exame, porque é meu empenho que se tenham na maior conta os interesses da metropole e das colonias, o que, com o aliás louvavel proposito de favorecer os de uma ou de outras, se não vão offender interesses mais valiosos.

Por todas estas considerações confio que ella merecerá a vossa approvação, pois espero reconhecereis que, sendo a continuação da politica colonial seguida por consenso geral desde alguns annos, essa proposta representa um passo firme dado no caminho do nosso resurgimento economico e o mais seguro meio de conseguirmos que ao diante a nossa regeneração financeira assento em bases solidas e perduraveis.

Viação em S. Thomé e Principe

Merecendo ao governo particular solicitude o estudo de todas as fontes da riqueza nacional era seu dever occupar-se acuradamente das questões que se relacionam com os melhoramentos materiaes que mais podem contribuir para o desenvolvimento economico dos nossos dominios ultramarinos.

Mas, se este importante problema póde enunciar-se sob uma fórma generica que abranja todas as colonias, a solução pratica tem de ser diversa para cada uma, em virtude das suas condições especiaes.

E ainda é por tal fórma complexo o conjuncto de providencias a adoptar para cada possessão, que seria muito difficil, se não impossivel, a sua applicação simultanea. Estudar particular e demoradamente cada região, determinar as modificações accidentaes que ella impõe ao plano geral preestabelecido e applicar justa e progressivamente as medidas aconselhadas pelas necessidades locaes, são os preceitos de uma boa administração, que procuro seguir nas nossas provincias do ultramar.

Entre as nossas colonias, as ilhas de S. Thomé e Principe, se não se impõem pela sua extensão territorial, despertam comtudo vivo interesse pelo seu rapido incremento agricola, largamente attestado já, quanto a S. Thomé, pelo valor sempre crescente das suas exportações n'estes ultimos dez annos.

É de justiça dizer que a sua prosperidade se deve mais á fertilidade do solo e á iniciativa particular, do que aos cuidados officiaes; mas corre ao governo a obrigação impreterivel de promover o fomento agricola, para avolumar ainda mais esta fonte da riqueza nacional. Desenvolver a agricultura e baratear a producção, eis as necessidades mais instantes das ilhas de S. Thomé e Principe.

Dos 82:000 hectares da ilha de S. Thomé, só menos de metade estão completamente arroteados, e estes nos sitios de onde os transportes são mais curtos ou mais faceis.

Se a viação ali fosse mais desenvolvida e mais economica, é facil prover que o valor dos productos exportados poderia certamente attingir 4:000 ou 5:000 contos de réis, em vez da 2:500 que as alfandegas accusam actualmente; e os rendimentos respectivos augmentariam ainda em maior proporção, compensando largamente os encargos correspondentes às despezas feitas com a melhoria e prolongamento de faceis communicações.

O valor das importações é hoje 1:600 contos de réis annuaes, approximadamente, e o peso d'estas, sommado com o das exportações póde calcular-se em mais de 30:000 toneladas, que transitam pela ilha, estando apenas construidos pouco mais de 30 kilometros de caminhos, em que se adoptam ainda processos de transporte quasi primitivos.

Na ilha do Principe, onde o desenvolvimento agricola se tem accentuado nos ultimos annos, as condições são sensivelmente as mesmas que em S. Thomé, quanto á falta de meios de communicação.

É preciso, e é urgente, tornar mais rapidos e economicos os meios de transporte para promover o desenvolvimento agricola o commercial d'estas ilhas, para permittira escolhas de locaes salubres onde se estabeleçam nucleos importantes de população, e para determinar consequentemente a creação de industrias locaes.

Resolver, pois, o problema da viação na provincia de S. Thomé e Principe é providencia inadiavel e condição imprescindível da sua maior prosperidade e riqueza.

É certo que os poderes publicos em mais de uma diploma têem consignado o proposito de occorrer às necessidades da provincia. Infelizmente, porém, algumas das resoluções adoptadas não tiveram execução e outras são insufficientes.

O decreto de 19 de setembro de 1896 mandou estudar e construir uma rede de estradas ordinarias nas ilhas de S. Thomé e Principe. Esta rede, depois da sua realisação, facilitaria os transportes a deixaria disponivel para os trabalhos agricolas maior numero de serviçaes, substituindo a carga a dorso pelo transporte em carros de bois, mas não resolveria satisfactoriamente o problema proposto.

A agricultura ficaria ainda muito aggravada com a acquisição e sustentação de um material e pessoal numeroso, e installações multiplicadas e dispendiosas, e os habitantes adstrictos a permanecerem em pontos onde as condições de salubridade não são as mais favoraveis. E o onus resultante da despeza e da demora dos transportes mais se accentuaria para os centros agricolas do sul, alguns dos quaes distam mais de 40 kilometros do porto de embarque.

Se nos paizes antigos succedeu ao caminho vicinal a estrada ordinaria, e depois d'esta se construiu a via ferrea, alguma vezes com prejuizo d'aquellas, n'um paiz nascente não deve acontecer o mesmo. Cumpro estudar um plano racional e harmonico, onde cada systema concorra com as vantagens que lhe são proprias, a fim de se obter a solução mais util e economica, attentas as condições locaes.

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A via maritima, sempre util quando aproveitavel, não é aqui considerada, por muito contingente, para a solução do problema, e seria muito dispendiosa, alem de demorada, se se multiplicassem os pontos adequados ao trasbordo de mercadorias.

É indispensavel, portanto, recorrer á viação accelerada, e numerosas têem sido as propostas de particulares para construcção de vias ferreas na ilha de S. Thomé. Mas umas limitando-se a extensões restrictas e certamente às mais lucrativas, com aproveitamento do leito das poucas estradas existentes, nem resolveriam o problema da viação, nem concorreriam para o progredimento e interesse geral da ilha de S. Thomé. Outras, mais completas no seu conjuncto, e mais acceitaveis pelas suas condições economicas, têem sido abandonadas pelos seus auctores, certamente porque estes as julgaram pouco remuneradoras, depois de mais reflectido exame. E ainda ha outras, por tal fórma exigentes, procurando tantas fontes de lucros, que são absolutamente inacceitaveis.

E todas estas propostas, dictadas principalmente pelo interesse particular, carecem de bases seguras para justa apreciação das estações competentes. Ao governo faltam tambem indicações technicas sufficientes que o habilitem a resolver immediata e satisfactoriamente o problema, apesar de já ter sido ordenado o reconhecimento geral de uma rede ferro-viaria na ilha de S. Thomé.

É certo que não póde exigir-se um projecto completo em regiões, como esta, onde a falta de recursos, as condições do terreno e a acção deleteria do clima difficultam e demoram extraordinariamente os trabalhos d'aquella ordem; mas precisa o governo colligir todos os elementos que o habilitem, o mais depressa possivel, a fixar bases seguras e bem definidas para a realisação das obras que se consideram o meio mais rapido e idoneo de prover de remedio ás instantes necessidades da agricultura e commercio das ilhas de S. Thomé e Principe.

Não augmentar as verbas que actualmente são applicadas para as obras publicas da provincia, procurar, por meio de operações financeiras comprehendidas dentro dos limites d'aquellas verbas, apressar a realisação dos melhoramentos que se reconhecerem de interesse essencial para o progresso da provincia, quer se adopte o systema de administração, quer o de adjudicação - é assumpto que instantemente se impõe á attenção dos poderes publicos; como visando a preencher uma das necessidades urgentes e inadiaveis das feracissimas ilhas de S. Thomé e Principe.

A proposta de lei que tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido criterio tem precisamente por fim o estudo rapido d'este plano geral de obras e a sua realisação no mais breve espaço de tempo, sem augmento de encargos financeiros, pelo que me parece merecerá a approvação do parlamento.

Imposto sobre o alcool em Angola

Quando justifiquei a proposta de lei que tem por um dos seus fins garantir, por determinado periodo, aos generos productos coloniaes, cuja concorrencia não prejudique producções ou industrias similares da metropole, o favor do differencial nos direitos de importação, referi-me às vantagens que poderiam advir da producção do assucar nas nossas possessões ultramarinas. Essa producção poderia obter-se, aproveitando as actuaes plantações e transformando a industria da extracção da aguardente da canna saccharina em industria da fabricação do assucar. Mas, como já procurei mostrar, essa transformação só póde operar se lentamente, porque o fabrico do assucar reclama machinismos mais dispendiosos e mais difficeis operações industriaes, e portanto muito mais avultado capital. Ao contrario, a industria da producção da aguardente é pouco dispendiosa e conta com o consumo immediato na propria região em que se exerce ou nos mercados da provincia.

Se acrescentarmos a todas estas circumstancias a protecção pautal, que hoje a põe completamente ao abrigo da importação estrangeira, concluir-se ha facilmente que a industria do alcool tem nas nossas provincias ultramarinas, e particularmente em Angola, condições verdadeiramente excepcionaes de prosperidade. Assim pois, se muito convem favorecer a creação da industria do assucar n'aquella e nas demais possessões ultramarinas, seria insensato imaginar que acabariamos com o consumo do alcool, sem primeiro ter conseguido extinguir um dos habitos mais perniciosos e mais contrarios ao progresso moral e ao bem-estar das populações indigenas, o immoderado uso das bebidas alcoolicas.

Parece-me, pois, que deve ser nosso empenho concorrer por todos os modos indirectos para ir modificando esses habitos, que contrariam a civilisação das raças indigenas, promovendo o alargamento successivo do consumo dos nossos vinhos, e empregando ao mesmo tempo todos os processos de influencia moral que mais possam contribuir para tal fim. Os incentivos á producção do assucar hão de exercer uma acção que se manifestará em resultados lentos, e, embora consigam distrahir para aquella industria parte da actual colheita da canna saccharina, não evitarão, de certo, que a aguardente continue a fabricar-se na larga escala reclamada pelo consumo, podendo apenas dar-se o facto de se irem desenvolvendo as culturas que já hoje em algumas regiões se destinam, a par da canna saccharina, para a extracção da aguardente.

Póde, pois, proseguir-se no proposito, que é de altas consequencias economicas, de promover a industria do assucar, com a certeza de não aniquilar a do alcool, o que seria de nenhum resultado pratico, porque se ao indigena faltar o alcool provincial, o commercio se encarregará de lhe fornecer o alcool estrangeiro.

Mas, se não póde operar-se rapidamente a transformação da actual industria do alcool na do fabrico do assucar, pelas rasões que ficam apontadas, se não póde sequer haver vantagem em aniquilar aquella industria, não obstante a perniciosa applicação que têem os seus productos, justo é que lhe não seja dispensada protecção excepcional, que tem o grande inconveniente, que actualmente se está dando já, de provocar um excesso de producção, que traz difficuldades aos proprios productores.

Mas o que de nenhum modo póde tambem ser considerado como rasoavel é que exactamente a industria em condições mais favoraveis, não só pelo beneficio das pautas, mas pela facilidade de encontrar prompto e facil consumo para os seus productos, seja aquella que dá menor rendimento e menos compensa os sacrificios indispensaveis para lhe, garantir a protecção.

É justo, portanto, obrigar a actual industria do alcool a concorrer mais valiosamente do que hoje para augmentar as receitas ultramarinas, sem que a exigencia do imposto vá alem do que for equitativo e sem de nenhum modo tornar impossivel o regular funccionamento d'essa industria.

Examinemos, pois, até onde póde ir a tributação do alcool n'esta provincia, sem prejudicar a respectiva industria, antes exigindo d'ella apenas o que parece rasoavel em vista dos lucros que lhe proporciona a efficaz protecção que as pautas lhe garantem contra a importação estrangeira.

E mais uma vez devemos lembrar que não é nosso proposito atacar uma industria colonial, que, representando grandes capitães, larga iniciativa e excepcional actividade por parte dos colonos portuguezes, fóra insensato destruir sem ter conseguido primeiro modificar os habitos da população indigena, porque, d'esse modo, apenas se favoreciam os interesses da industria estrangeira.

Nos trabalhos da commissão encarregada de formular as pautas decretadas em 1892, mereceu muita attenção a

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questão das bebidas alcoolicas na provincia de Angola, procurando-se conciliar os interesses da industria da fabricação da aguardente, a principal da provincia, com os interesses da viticultura nacional, e não se perdendo de vista outras considerações, entre as quaes os principios e doutrinas consignados na conferencia de Bruxellas.

Entendeu-se que o incitamento á explorarão agricola da canna e fabricação da aguardente devia ser tal que esta industria compensasse aos agricultores o trabalho, o sacrificio da saude e todas as difficuldades que têem de vencer para assegurarem uma producção regular, mas que a protecção não devia ir tão longe que os agricultores pesassem sobre o commercio de uma fórma exagerada, prejudicando as relações commerciaes com o gentio.

Os direitos estabelecidos para a importação das bebidas distilladas, pelas alfandegas de Angola, tornando difficil a concorrencia do alcool estrangeiro com o de producção provincial, vieram reanimar esta industria, que se encontrava em grande decadencia.

A maior parte dos distilladores estavam em circumstancias pouco favoraveis, sendo-lhes quasi impossivel luctar com o alcool importado de Hamburgo, que chegava ao mercado de Angola por um preço não superior a 40$000 réis por pipa de 450 litros. Com as pautas de 1892 tornou-se possivel elevar os preços por fórma a tornar bastante remuneradora a industria da fabricação d'aquelle artigo. Mas muito mais favorecida ficou ella ainda com o decreto de 25 de abril de 1895, que lhe deu uma nova protecção, augmentando em 50 por cento os direitos estabelecidos em 1892. A margem, que já era grande entre o custo da aguardente provincial e da estrangeira, alargou-se assim de tal modo, que os direitos se tornaram verdadeiramente prohibitivos. Acceitando os calculos feitos em uma exposição firmada por agricultores e industriaes de Angola, o custo, incluindo freteis e direito, de uma pipa de alcool estrangeiro excede 93$000 réis, o que representa por certo muito mais do dobro de todas as despeza que oneram, na peor hypothese, o agricultor e industrial da provincia.

Como a protecção concedida pelas pautas de 1892 e pelo decreto de 1895 libertou a industria provincial quasi completamente da concorrencia estrangeira, reconhece-se, pelo simples exame dos seguintes numeros, que representam a importação de alcool e aguardente, n'um periodo de sete annos, pelas alfandegas de Loanda, Benguella e Mossamedes:

Quantidades (litros) Valores (réis) Direitos (réis)

1891............. 707:077 93:268$064 57:502$133
1892 ............ 457:181 63:886$400 51:337$564
1893 ............ 970:586 130:947$984 95:546$698
1894 ............ 1.038:160 104:947$250 104:421$209
1895............. 237:164 28:835$600 30:109$902
1896............. 131:211 38:034$040 21:321$881
1897............. 77:882 26:746$610 16:927$461

As alfandegas a que se referem estes numeros são as que correspondem aos districtos onde está largamente desenvolvida a producção de alcool. Nas do Ambriz e do Congo, pelas circumstancias especiaes e pelas condições commerciaes a que é preciso attender, os direitos não podem subordinar-se a intuitos proteccionistas da industria da provincia ou da metropole.

Nos numeros que acima ficam exarados não se assignala a influencia das pautas de 1892 nos annos immediatamente seguintes, o que deve em parte attribuir-se a não ter a industria da fabricação do alcool na provincia obtido o desenvolvimento que adquiriu mais tarde, mas é manifesta a decadencia da importação estrangeira, principalmente a partir do decreto de 1895, que garantiu uma protecção verdadeiramente efficaz aquella industria.

Á diminuição da importação do alcool e aguardente estrangeira deve corresponder naturalmente o acrescimo da producção provincial; tanto mais que a exportação que da aguardente se faz para outras provincias ultramarinas apresenta tendencias para augmentar em vez de diminuir, como se vê dos seguintes numeros, igualmente referidos sómente às alfandegas de Loanda, Benguella e Mossamedes:

Quantidades (litros) Valores (réis)
1891....................... 318:497 47:587$756
1892....................... 171:072 87:725$520
1893....................... 339:477 79:445$821
1894....................... 309:248 44:698$937
1895....................... 348:665 88:038$680
1896....................... 247:210 61:020$271
1897....................... 347:505 51:481$934

O desenvolvimento da industria da fabricação do alcool em Angola, auxiliado pela elevação dos direitos de importação dos productos similares estrangeiros, representou até hoje diminuição de receitas para aquella provincia, porque o decrescimento das verbas cobradas nas alfandegas não foi compensado por um rendimento igual, e muito menos acompanhou aquelle desenvolvimento na proporção que pareceria rasoavel.

A receita das alfandegas já vimos que baixou a uma quantia muito diminuta, pois que tendo attingido ainda em 1894 a importancia de 104:421$209 réis:, em 1897 foi apenas 10:827$161 réis.

Poder-se-ha dizer que a maior importação do vinho nacional terá offerecido alguma compensação á diminuição dos direitos do alcool e aguardente, mas, posto que tenha crescido aquella importação, nem o seu augmento tem sido consideravel, nem o minimo direito estabelecido para aquelle producto nas pautas, especialmente depois do decreto de 25 de abril de 1895, dá margem para acrescimo nas respectivas receitas.

O decreto com força de lei de 10 de agosto de 1893, procurando obter receita para fazer face às despezas da creação de uma companhia de infanteria montada, destinada ao planalto de Mossamedes, estabeleceu o imposto de 10 réis por litro do alcool e aguardente de producção provincial, quer fosse consumida na arca do concelho em que era produzida, quer nos portos ou concelhos do litoral dos districtos aduaneiros de Loanda, Benguella e Mossamedes.

O relatorio do decreto a que me refiro, calculando a producção media annual de aguardente na provincia em 4.000:000 litros, computava a receita que deveria obter-se do imposto creado em 40:000$000 réis. Mas, não obstante a producção dever com fundamento calcular-se em quantidade superior, só no anno findo se chegou a arrecadar maior quantia do que a prevista no relatorio.

A arrecadação nos ultimos annos tem sido a seguinte:

1895-1896............................ 28:405$220
1896-1897............................ 32:466$131
1897-1898............................ 53:581$416

No orçamento de 1898-1899, em vista das quantias anteriormente arrecadadas, só se inscreveu como provavel rendimento do imposto creado pelo decreto de 10 de agosto de 1893 a verba de 21:764$000 réis.

Já acima mostrámos que o rendimento do imposto cobrado nas alfandegas attingíra, em 1894 quantia superior a 104 contos de réis.

Não nos parece justificavel que, em vista da excepcional protecção concedida á industria do alcool, que lhe permitte monopolisar os mercados de uma parte consideravel da provincia de Angola, ainda se lhe sacrifique uma receita importante, quando a differença entre o preço por que podem vender-se nos referidos mercados o alcool e a

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aguardente de producção estrangeira e aquelle que se póde considerar remunerador da industria provincial, é tão consideravel como já indicámos.

Mas o sacrificio da receita é na realidade muito maior do que póde inferir-se das considerações anteriores, porque o calculo da producção provincial, que serviu de base ao decreto de 10 de agosto de 1893, se já então provavelmente estava abaixo da verdade, com certeza se encontra hoje muito mais distanciado da realidade dos factos.

Em 1891 a producção era calculada em 9:600 pipas ou 4.320:000 litros, entrando n'este total o districto de Benguella com 1.300:000 litros, e de Mossamedes com 450:000, e o de Loanda com 2.520:000.

Depois d'aquella epocha a producção tem augmentado consideravelmente, o que, alem de parecer consequencia necessaria da menor importação do alcool e aguardente estrangeiros, é ainda demonstrado pelas informações e estatisticas, embora incompletas, organisadas ultimamente na provincia.

Procurando o governador geral de Angola obter a nota do numero de fazendas agricolas de canna saccharina e da sua laboração, apurou-se, não de todos os concelhos, mas com a omissão de alguns importantes, o numero de 327 fazendas, cuja producção era calculada, no anno de 1895-1897, em 3.642:524 litros, dos quaes eram consumidos nos proprios concelhos productores 2.072:677 litros, exportando-se para outros concelhos 1.569:947. N'estes calculos, como dissemos, não entram alguns concelhos importantes, de que não foi possivel obter informações que se considerassem dignas de credito.

No concelho de Calumbo, um dos que não entra no calculo, existe uma das mais importantes fazendas da provincia, a do Bom Jesus, cuja producção tem attingido cerca de 1:000 pipas ou 450:000 litros.

E nos concelhos que foram computados para o calculo ha notaveis deficiencias, como se verifica pelas lotações a que se tem procedido para base das avenças municipaes.

Combinando, portanto, todos os elementos de informação, ficar-se-ha muito aquém da verdade se avaliarmos a producção em 12:000 pipas, ou 5.400:000 litros. E cremos bem que nos distanciamos muito da producção effectiva, porque, pelos calculos feitos na provincia em presença dos esclarecimentos a que temos alludido, não se julga inverosimil que essa producção exceda 30:000 pipas ou 13.500:000 litros.

Ainda preferindo o primeiro calculo, como me parece prudente, para não assentar em bases pouco seguras quaesquer previsões, é obvio quanto póde elevar-se a receita desde que estabelecido um imposto - que de nenhum modo ataque a industria nas suas condições essenciaes - se formuem os regulamentos e se adoptem os processos de fiscalisação efficaz que assegurem uma cobrança regular abrangendo todos os productores.

Nas condições expostas seria inteiramente injustificavel privar a provincia de uma receita que póde ser avultada, quando nem o seu orçamento se fecha sem deficit, nem é rasoavel - sem contrariar o progresso e desenvolvimento economico de tão rica e promettedora possessão - deixar de attender de prompto á realisação de melhoramentos que ella justamente reclama e considera inadiaveis.

Foram estas considerações que me persuadiram a formular a proposta de lei junta, e que assenta nas seguintes bases:

1.ª Augmentar a receita proveniente do imposto sobre alcool e a aguardente provincial, sem atacar a industria nas condições essenciaes da sua regular existencia;

2.ª Tornar esse imposto igual para todos os productores, evitando as desigualdades provenientes da tributação varia e nada uniforme das corporações municipaes;

3.ª Manter, melhorando-os por uma acertada regulamentação e por uma fiscalisação efficaz, os processos de cobrança que estão adoptados, sem innovações, nem alterações radicaes que, não garantindo mais avultada receita, possam contrariar os habitos da administração e dos contribuintes e causar difficuldades graves.

Parece-me que o imposto unico de 80 réis por litro de liquido fabricado não affecta, nas suas condições essenciaes, a industria provincial, desde que com o addicional de 70 por cento sobre a importação, se oppõe difficuldade, maior do que a actual, á concorrencia de productos similares estrangeiros.

A aguardente simples, com menos de 24° Cartier, paga actualmente, sendo estrangeira, 180 réis por litro; com o addicional de 70 por cento ficará pagando 306 réis.

A aguardente provincial, sujeita ao imposto unico de 80 réis, terá, portanto, a margem de 226 réis para cobrir todas as despezas e para lucros; devendo não esquecer-se que fazemos apenas o calculo sem metter em conta, para o custo da aguardente estrangeira, o valor do producto no local da procedencia e as despezas de transporte.

A iguaes resultados chegaremos, e com mais saliente differença, se fizermos a comparação entre o alcool e aguardente simples superior a 24° Cartier e o producto similar provincial, por isso que, pela pauta, e com o addicional agora proposto, cada litro d'aquellas bebidas distilladas ficará sujeito ao imposto de 1$020 réis.

Como esclarecimento, que bem justifica, me parece, o imposto indicado, convirá dizer que no fim do anno ultimo os preços por que se vendia a aguardente no districto de Loanda eram os seguintes, por pipa: 150$000 réis em Loanda; 130$00 réis em Cambambe; 110$000 réis no Alto Dande, Icolo e Bengo e Novo Redondo; 80$000 réis em Ambaca; 60$000 réis no Golungo e 50$000 a 60$000 réis no Ambriz.

Parece-me, pois, que a industria provincial ficará ainda melhor garantida contra a concorrencia estrangeira do que o estava actualmente; devendo a esta vantagem acrescentar-se a de se acabar com a faculdade que têem as corporações municipaes de tributarem o commercio do alcool e da aguardente, o que dava origem a desigualdades muito inconvenientes para a industria e para o commercio, pois que os impostos municipaes variavam entre 30 e 150 réis por litro.

Mantida a protecção contra a concorrencia estrangeira em condições muito mais efficazes do que até agora, extincta a tributação municipal, o imposto de 80 réis de nenhum modo póde prejudicar a industria da fabricação do alcool e da aguardente.

E os encargos resultantes da proposta, para calcular exactamente os quaes devemos diminuir os que já legalmente pesavam sobre a industria, em virtude do decreto de 10 de agosto de 1893, e os que eram representados pelos impostos municipaes, estão longe dos que pesam sobre a producção e consumo do alcool na metropole; sem que em Angola haja menor facilidade de producção, nem menor facilidade de prompta venda do producto fabricado.

O empenho, revelado na redacção da proposta, de manter, tanto quanto possivel, os processos e regulamentos corresponde ao convencimento que tenho do que, principalmente em materia de impostos e ainda em paizes tão atrazados em civilisação como grande parte das regiões de Angola, o mais conveniente é conservar a legislação e os processos a que os povos já estão costumados, procurando pouco a pouco corrigir os defeitos que a pratica vá evidenciando. Não póde, porém, para que o imposto seja regularmente cobrado, e produza o que devo, deixar-se inteiramente em vigor o regulamento actual só com as alterações que naturalmente derivam da proposta de lei. Convirá que

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a modificação seja mais profunda e sobretudo importa dar á auctoridade os meios de fiscalisação, que são essenciaes para que o rendimento do imposto, sem vexames e sem desigualdades, attinja a elevada quantia que é licito esperar.

Do modo por que se organisarem os serviços de fiscalisação dependo, de certo, o obter-se um avultado rendimento do imposto a que me tenho referido.

Desejaria comprehender na proposta de lei as disposições destinadas a definir as bases em que devem assentar os serviços de fiscalisação e cobrança; mas, tendo esses serviços de organisar-se de accordo com as circumstancias muito especiaes das regiões em que houverem de funccionar, correr se-ía o risco de não attender convenientemente aos requisitos essenciaes da respectiva remodelação. Pareceu-me por isso conveniente que tal organisação fosse devidamente estudada e preparada na provincia, em presença das informações que são indispensaveis, de modo a habilitar o governo com todos os elementos para definitivamente resolver sobre tão importante assumpto.

Devidamente definidos os serviços a que me referi, estabelecida a cobrança em condições regulares, estou convencido de que a receita que advirá para a provincia de Angola, da proposta de lei junta, será muito importante e não só concorrerá para equilibrar o seu orçamento, mas constituirá um valioso elemento para a, realisação de alguns melhoramentos de grande alcance para o progresso d'aquella possessão.

São tão notaveis as condições naturaes do desenvolvimento que nos offerece a provincia de Angola, como me parece haver demonstrado em outra parte d'este relatorio, que realisar os melhoramentos que lhe podem dar impulso é o caminho mais seguro para obter um largo movimento commercial entre essa provincia e a metropole, e para apressar, portanto, a nossa regeneração economica e com ella melhorar a nossa situação financeira.

Buscar no imposto do alcool e da aguardente produzidos na provincia de Angola, sem prejudicar as condições de vida d'essa industria, um dos meios de chegar a taes resultados, afigura-se-me que não póde deixar de merecer a approvação dos que se empenham pelo progresso colonial, devidamente conciliado e entrelaçado com o progresso da metropole.

Por estas considerações ouso esporar que merecerá a vossa approvação a proposta de lei a que me tenho referido.

Caminho de ferro de Benguella

Entre os districtos que constituem a nossa provincia de Angola é de justiça classificar e de Benguella como um dos que mais merece os disvelos do governo da metropole, graças á sua riqueza intrinseca, que indubitavelmente lhe garante um largo futuro quando se lhe facultem os meios necessarios para desenvolver devidamente a sua exploração commercial e agricola, já hoje de notavel importancia. Não é gratuita esta asserção.

Com effeito, a borracha, a cêra, as pelles, o marfim, e, com quanto em menor escala, os oleos vegetaes, o café, o coconote, as gemmas e ainda, como producto maritimo, o peixe secco, constituem actualmente producções valiosas do districto, que, permutadas, quer por productos indigenas, como o alcool e o sal, quer por productos importados, como os tecidos do algodão e lã, a polvora, as armas grosseiras, a cantaria, etc., representam, n'uma percentagem muito importante, o seu commercio de exportação.

É o que muito bom se póde reconhecer com o auxilio de alguns dados estatisticos.

A exportação de borracha e cêra, feita pela alfandega de Benguella desde 1891 a 1897, foi a seguinte:

[ver tabela na imagem]

A producção de alcool no districto póde computar-se pelo modo seguinte:

Litros

No concelho de Dombe Grande............. 1.800:000
No concelho de Catambella................ 405:000
No concelho de Egito..................... 135:000
Nos concelhos do interior................ 55:000
Total................................... 2.395:000

ou seja mais de 50 por cento da producção total da provincia de Angola.

Se attendermos a que no mercado de Benguella o alcool é cotado a 167 réis o litro, reconhecer-se-ha que importantissimo valor attinge a producção d'este genero tão apreciado para as permutas com o gentio.

No que respeita a importação, mostram as estatisticas aduaneiras que a dos tecidos do algodão, de 1890 a 1896, foi a seguinte:

[ver tabela na imagem]

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Finalmente, para apreciar-se o movimento total de importação e exportação do districto, apresentarei os seguintes dados estatisticos, referidos ao periodo já mencionado de 1890 a 1897:

[ver tabela na imagem]

D'estes quadros se deduz que Benguella constitue uma excepção feliz á depressão que nos ultimos annos tem soffrido o commercio dos outros districtos da provincia de Angola, manifestando-se aliás de modo notavel a intensidade do seu desenvolvimento.

Mas comquanto sejam, como vimos, muito valiosos o commercio e a producção do districto de Benguella, não é apenas sob este exclusivo ponto de vista que elle deve ser apreciado.

Não entrando já em linha de conta com o muito que talvez póde esperar-se da sua exploração mineira, como deixam prever os jazigos auriferos de Cassinga e Huambo, a producção e, como consequencia natural, o desenvolvimento commercial do districto de Benguella devem necessariamente attingir um elevado grau de prosperidade, quando se utilisem os consideraveis tratos de terreno ainda inaproveitados, existentes, não só no Dombe Grande, Catumbella e Egito, nas regiões de Ganda e Baixa Hanha, mas muito especialmente no grande planalto, onde o clima rivalisa com o de Humpata, do Lobango e de Huilla, e o solo se presta tão facilmente a variadas culturas, quer intertropicaes, quer européas, como o demonstram tão eloquentemente as experiencias officiaes, realisadas ha alguns annos no campo experimental de Caconda.

Perante tão favoraveis condições naturaes impõe-se indiscutivelmente a obrigação de promover com o auxilio de providencias apropriadas, quer o desenvolvimento dos actuaes centros agricolas e industriaes, quer a formação de novos nucleos de actividade nas extensas regimes do planalto de Benguella, onde tudo aconselha uma exploração e colonisação agricolas em larga escala.

Tão benefico resultado só poderá, porém, conseguir-se, quando sejam removidas as enormes difficuldades provenientes da falta e carestia da meios de transporte entre o planalto e a costa. Os meios actuaes, traduzindo-se no emprego restricto da carreta bõer e no uso quasi exclusivo do carregador indigena são, na verdade, obstaculo a qualquer iniciativa para desenvolver a exploração agricola do districto.

Por cada tonelada de mercadorias, transportada em carretas bõers da costa para o interior, ha a pagar 382 réis por kilometro, e 238 réis nas mesmas condições, quando o transporte se faz em sentido inverso. O custo do transporte d'esta mesma tonelada, feito em qualquer dos sentidos pelo carregador indigena, é de 298 réis por kilometro. Cem tão exageradas tarifas, e acrescendo ainda que o indigena em serviço de carregador faz apenas, em regra, uma viagem annual de ida volta, entre o interior e a costa, comprehende-se que, dada mesmo a existencia de energica iniciativa para desenvolver uma exploração onerada com tão pesados encargos, ella seria forçosamente inutilisada por falta de transportes sufficientes para o augmento de productos obtidos.

N'estas circumstancias, a construcção de um caminho de ferro ligando Benguella com as regiões do planalto, e tendo mais tarde como testa a esplendida bahia de Lobito, impõe-se como uma necessidade inadiavel.

Este caminho de ferro, cujo desenvolvimento entre Benguella e o planalto de Caconda, é 280 kilometros, tem necessariamente um largo futuro, porquanto absorverá o trafego que, ao presente, transita pelos caminhos de Caconda e Ganda, logo que estejam construidos 100 a 180 Kilometros e mais tarde o trafego, entre o interior, Benguella e Catumbella, quando attingir aquelle planalto.

Tomando como base as estatisticas actuaes do movimento de mercadorias, póde attribuir-se ao caminho de ferro, quando concluido, o trafego já existente de 7:900 toneladas, as quaes, com uma tarifa media, perfeitamente acceitavel, de 159 réis por tonelada e kilometro, produzirão uma receita certa annual de proximamente réis 350:000$000. Póde igualmente admittir-se com segurança um trafego de 600 passageiros de 1.ª classe; 400 passageiros de 2.ª classe; 9:000 passageiros de 3.ª classe; - que é e consideravelmente inferior ao do caminho de ferro de Loanda a Ambaca.

Suppondo estabelecidas as tarifas de, respectivamente, 80, 60 e 20 réis por kilometro, obter-se-ha outra receita de cerca de 70:000$000 réis. D'este modo chega-se a um rendimento bruto total de 420:000$000 réis, de que, deduzindo 50 por cento para despezas de exploração, attenta a facilidade de grande parte do traçado, resultará uma receita liquida de 200:000$000 réis approximadamente.
Considerando, porém, como já ficou indicado, que a construcção do caminho de ferro será um poderoso incentivo para o desenvolvimento agricola e commercial da região, deve esperar-se que a receita liquida, excedendo bastante a que foi agora calculada, compensará largamente os encargos contrahidos, constituindo mais tarde um novo e importante rendimento do districto.

Demonstrada a necessidade inadiavel da construcção do caminho de ferro de Benguella ao planalto de Caconda, como meio de valorisar o grande numero de riquezas naturaes que existem n'esta parte do sertão africano, evidenciada a importancia que a breve trecho deve assumir esta linha de penetração, importa examinar agora qual o processo a seguir para levar a cabo tão util e urgente melhoramento.

Dois methodos se poderiam adoptar: o da construcção directa por conta do estado, e o de adjudicação a uma empreza ou companhia sob a acção fiscalisadora do governo. Um e outro d'estes methodos têem vantagens e inconvenientes, que, por demasiado conhecidos já, me julgo dispensado de explanar aqui.

Nas circumstancias actuaes afigura-se-me que a adjudicação em hasta publica, para estimular a concorrencia, mediante condições sufficientemente desenvolvidas e clara-

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mente expressas, nas quaes fiquem bem definidos os direitos e deveres das duas partes contratantes, e com uma fiscalisação activa e constante por parte do estado, será o meio de assegurar mais rapidamente e sem sacrificio para o thesouro a realisação d'este importante emprehendimento.

E tanto mais me confirmei n'esta opinião, quanto é certo que as propostas já apresentadas no ministerio da marinha e ultramar são garantia do que o concurso aberto para tal fim não ficará deserto.

Afastando-me dos processos, geralmente empregados, da garantia do juro ou da subvenção kilometrica, e que na pratica, como a experiencia mostra, nem sempre têem dado os melhores resultados, adoptei como variante do concurso a partilha mais ou menos elevado, por parte da companhia ou empreza adjudicataria, no excesso do rendimento das alfandegas do districto, avaliado pela media das receitas nos ultimos tres annos.

Dadas as condições d'esta linha ferrea, a sua construcção, assegurando e facilitando os transportes dos diversos productos do interior, ha de promover um intenso desenvolvimento do commercio local e portanto o progresso das receitas aduaneiras. Na sua partilha e no rendimento liquido da exploração encontrará, portanto, o adjudicatario remuneração condigna dos capitães despendidos. Pela sua parte, o estado beneficiará tambem directamente d'esse augmento de rendimento, afóra as vantagens que, por indirectas, nem por isso são menos importantes e efficazes, da construcção de um caminho de ferro em tão fercissima região.

Como vereis da contextura das bases annexas á proposta de lei, procurei definir em termos precisos e claros as relações do estado com a empreza adjudicataria, nem tolher o amplo exercicio da iniciativa d'esta, mas acautelando ao mesmo tempo tudo quanto possa relacionar-se com os interesses geraes d'aquelle. Tarifas, horarios, numero de comboios, tudo fica dependente da approvação do governo. De igual modo os projectos de construcção accrescendo ainda a fiscalisação constante e activa que, por meio da seus agentes, o estado exercerá continuamente, a fim de que a linha ferrea e todas as mias dependencias com o material fixo e circulante se mantenha em perfeito estado de conservação.

Dispensando-me de entrar em maiores minudencias, porque d'ellas não carece o vosso esclarecido e illustrado criterio, a este confio o aperfeiçoamento da proposta de lei, que visa á realisação de um incontestavel melhoramento para as nossas possessões do sul da Africa occidental.

Caminho de ferro de Cabinda

Uma das regiões da provincia de Angola em que predomina a riqueza agricola e o trafego mercantil é, de certo, a situada ao norte do rio Zaire no districto do Congo.

Nas bacias hydrographicas dos rios que banham essas regiões, como o Chiloango, o seu affluente Lueulla, alem do Luali e Lubuzi, e outras linhas de agua inferiores, existem os vastos e densos palmares, de cujo fructo, o dendem, se extrahe o oleo conhecido no commercio por azeite de palma, e o caroço, ou semente d'esse mesmo fructo, denominado coconote: dois productos de boa cotação nos mercados europeus, pelas varias applicações industriaes a que servem.

Não tem tido este districto o desenvolvimento que seria para desejar, devido sem duvida á falta de vias de communicação faceis e rapidas que liguem o litoral com as regiões do interior.

O futuro do nosso Congo, quando se cruzarem vias de communicação, póde avaliar-se pelo movimento commercial que, quasi desprovido d'ellas, já hoje elle apresenta.

Esse movimento commercial e, na realidade, consideravel, mas a estatistica denuncia-nos que não tendo a augmentar, e muito importa portanto evitar que o trafego, por falta de meios rapidos de communicação no nosso territorio, se desvio para portos estranhos. Este convencimento mais se affirmará attentando nos seguintes numeros, que representam o movimento commercial d'esta região no periodo de 1891 a 1897:

[ver tabela na imagem]

E se examinarmos o movimento da exportação, que melhor idéa dá da situação economica em geral e especialmente do progresso agricola e commercial da região do que nos occupamos, mais se radicará a nossa convicção de que muito convém facilitar o accesso aos portos do littoral dos productos do interior.

No periodo indicado a exportação é representada pelos seguintes valores:

1891.............................. 1.082:904$101
1892.............................. 828:410$764
1893.............................. 1.192:407$857
1894.............................. 470:870$453
1895.............................. 1.081:281$183
1896.............................. 999:136$092
1897.............................. 950:726$540

Se examinarmos qual a exportação dos generos mais importantes, chegaremos á mesma conclusão de que o commercio do districto do Congo mais tende a diminuir, do que apresenta tendencias para augmentar, como aliás deveria esperar-se do desenvolvimento que estão tendo regiões que naturalmente deviam ser servidas pelos portos d'aquelle districto.

Não nos occupamos senão dos generos mais ricos, a borracha, o café, o azeite de palma e o coconote, a estatistica, no periodo a que nos estamos referindo, dá-nos os seguintes valores da exportação:

[ver tabela na imagem]

Quando um caminho de ferro ligue Cabinda com a margem esquerda do rio Chiloango em ponto convenientemente encolhido, a exportação agricola e commercial augmentará muito e com ella tambem os rendimentos aduaneiros.

Parece, pois, que seria providencia de alto alcance economico e financeiro a construcção de um caminho de ferro, de via reduzida, que facultará largamente o desenvolvimento da riqueza agricola e cuja realisação se effectuará

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applicando para tal fim o excesso de um imposto que forneça os meios de satisfazer os encargos, juro e amortisação de capital necessario para emprehender tão util melhoramento, que tudo indica será de limitado dispendio.

Este caminho de ferro de via reduzida não terá longo percurso, podendo computar-se o seu custo em não mais de 300:000$000 réis, attendendo a que o movimento de terras será insignificante devido á orographia do terreno, e as obras de arte serem pouco dispendiosas.

É inutil encarecer, porque são obvias, as consideraveis vantagens da construcção do caminho de ferro de Cabinda, pelo que influirá efficazmente no progresso das regiões que atravessar, estimulando a creação de novas culturas e explorações agricolas, industriaes e mercantis; offerecendo seguro attractivo á colonisação europêa; concorrendo poderosamente para a civilisação e aperfeiçoamento dos costumes dos povos indigenas; e ainda impedindo que o commercio seja desviado dos territorios portuguezes ao norte do rio Zaire para oeste, em terras do dominio estranho, o que importaria a desvalorisação completa d'aquella nossa importante região.

Concluido este caminho de ferro, a circumscripção do Cacongo poderá encorporar-se na de Cabinda, de que provirá uma economia apreciavel.

Uma percentagem do excesso do rendimento do novo imposto sobre o alcool na provincia de Angola, que faz objecto de uma das minhas propostas de lei, será o sufficiente para fazer face ao juro e amortisação do capital necessario para levar a cabo tão util melhoramento.

Não desconheço que a construcção do caminho de ferro para Boma no Estado Independente do Congo póde restringir a esphera de influencia d'esta linha ferrea, que seria para desejar estivesse já construida ha alguns annos; mas é firme resolução minha não usar da auctorisação que o parlamento me haja de conceder sem primeiro ter adquirido elementos seguros que justifiquem, no momento actual, a necessidade e conveniencia da mesma linha.

Creio que estes fundamentos serão considerados como motivo bastante para que approveis a proposta de lei que tenho a honra de submetter ao vosso exame.

Construcção e exploração das obras do porto de Lourenço Marques

Pela carta de lei de 21 de setembro de 1897 foi o governo auctorisado a proceder á construcção das obras necessarias para os melhoramentos do porto de Lourenço Marques, por meio de empreitadas parciaes, com previa adjudicação em concurso publico.

Preferindo este processo, ponderou o governo que a qualidade das obras que provavelmente deveriam realisar-se n'aquelle porto, como melhor satisfazendo às necessidades locaes, exigia o concurso de meios de trabalho por certo dispendiosos, que não só não existiam na localidade, mas até mesmo seria necessario adquirir, ou pelo menos alugar por preços, sem duvida, elevados, se as mesmas obras tivessem de ser feitas por administração directa; parecendo, portanto, preferivel entregar a sua execução a individuos ou emprezas dignas de confiança, que possuissem todos os recursos necessarios para convenientemente as construirem n'um periodo compativel com as circumstancias especiaes em que ainda hoje se encontra o porto de Lourenço Marques.

Mais tarde, porém, demonstraram os estudos feitos para a elaboração do plano geral dos melhoramentos do porto, que era absolutamente indispensavel seguir uma nova orientação na escolha das obras a executar, por isso que as difficuldades provenientes da natureza do solo, em que de via realisar-se a parte mais essencial d'aquelle plano, fariam elevar a despeza alem dos limites impostos pelas condições do thesouro e sem trazer vantagens correspondentes.

Forçoso era, pois, buscar uma outra solução do problema, que permittisse attingir o fim que se tinha em vista á custa de encargos mais modestos.

Está esta solução expressa nas instrucções dadas pelo governo, em portaria de 25 de outubro de 1898, para a elaboração do plano geral das obras a executar no porto de Lourenço Marques e do projecto definitivo da 1.ª secção, segundo as quaes a parte mais essencial dos trabalhos consiste na montagem de pontes-caes metallicas, acostaveis para os navios que podem demandar aquelle porto, e na regularisação da sua margem esquerda por meio de aterros defendidos por um empedrado.

Resulta do exame d'estas instrucções que, á parte a execução e defeza dos aterros marginaes e a abertura de docas de abrigo, a quasi totalidade das construcções n'ellas indicadas póde ser incumbida, conforme for necessario, a casas constructoras, que se encarregarão tambem da sua montagem; tornando-se assim relativamente facil realisar o plano geral por administração directa do governo, com a grande vantagem de que este póde regular aquella execução pelo modo mais conveniente para attender às exigencias commerciaes do porto de Lourenço Marques, segundo o grau de intensidade com que estas se apresentarem, e dentro dos recursos de que o thesouro poder dispor.

Se é evidente que o porto de Lourenço Marques se deve ir dotando com todos os melhoramentos materiaes de que for carecendo para bem desempenhar-se da missão que is suas qualidades e posição geographica lhe impõem, não é duvidoso que na realisação d'estes melhoramentos, e á similhança do que se tem praticado nos outros portos sul-africanos, convém apenas executar o que seja absolutamente necessario e nunca o superfluo á custa de encargos onerosos para o paiz. Ora é manifesto que só a administração directa do governo póde levar a effeito o plano geral d'aquelles melhoramentos, nos termos prescriptos pelas já citadas instrucções, imprimindo-lhe a malleabilidade que não poderia por certo esperar-se da adjudicação por empreitada de cada uma das respectivas secções.

E a esta vantagem acresce ainda a de poder utilisar-se convenientemente a actividade dos engenheiros e conductores a que no reino não seria facil dar commissões, habilitando além d'isso o pessoal technico portuguez na execução de obras importantes. Por este processo de administração poderá dar-se tambem preferencia, em maior escala, ao pessoal operario do paiz, concorrendo assim para alargar a influencia do elemento portuguez em uma localidade aonde affluem em grande numero individuos de differentes nacionalidades.

O plano geral das obras do porto de Lourenço Marques, já formulado, importa a necessidade de modificar a verba destinada á construcção da primeira secção, para que ella represente vantagens effectivas para o commercio e para a navegação, e possa assegurar todas as commodidades reclamadas em um porto como Lourenço Marques, emquanto o seu trafego não crescer muito alem do que está calculado.

Alem d'isso nas obras feitas têem-se despendido já outras quantias alem das que mencionava a carta de lei de 21 de setembro de 1897, o que reduziria a verba fixada n'aquella carta de lei a proporções diminutas, que não habilitariam a realisar as obras consideradas indispensaveis.

Parece-me que os trabalhos a emprehender no porto de Lourenço Marques devem ser encaminhados por fórma que correspondam em cada uma das suas secções às necessidades do commercio e da navegação, dado um determinado trafego e movimento maritimo, e é por isso que entendo dever ser alterada para 2:000 contos de réis a verba que havia sido fixada para a primeira secção, de accordo com o parecer das estações competentes e com o plano geral a que me referi.

São estas as considerações que me persuadiram a submetter á vossa approvação a proposta modificando o que havia sido disposto na já citada carta de lei de 21 de setembro de 1897.

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Navegação para a costa oriental da Africa e para a India

É desde muito tempo empenho do governo ligar a metropole com os portos da Africa oriental e com o de Mormugão por carreiras regulares de navegação por barcos de vapor. Seria, de certo, da maxima conveniencia que esta ligação se podesse realisar por paquetes portuguezes; mas não permittem as circumstancias financeiras, por emquanto, dispor do subsidio necessario para assegurar o estabelecimento de uma empreza que satisfizesse a estas condições. Se não é possivel, porém, pelos encargos muito avultados que importaria, um melhoramento de tão grande alcance para estreitar as relações da metropole com duas importantes provincias portuguezas do ultramar, como Moçambique e a India, não póde ser justificado, mesmo em presença de taes considerações, deixar de attender, embora em condições mais modestas, á regularidade do serviço de transportes para aquellas colonias.

Poderia, em verdade, desde que é necessario aproveitar as actuaes carreiras de navegação estrangeiras entre a Europa e a Africa oriental, contratar-se um serviço regular entre a metropole e Moçambique em condições approximadamente identicas áquellas em que o mesmo serviço se tem realisado nos ultimos annos. São varias as companhias que mantêem carreiras apenas para a Africa oriental, e grande numero dos seus paquetes fazem escala por Lisboa; mas estes paquetes, tendo principalmente que attender aos interesses commerciaes das respectivas companhias, não tocam, em geral, senão em alguns portos da nossa provincia de Moçambique. Se temos, pois, mesmo sem qualquer contrato, a certeza de relações amiudadas por barcos de vapor com os portos principaes da provincia de Moçambique, nada póde garantir-nos a navegação para os demais portos, com os quaes aliás é indispensavel manter communicações regulares.

Tem o governo recebido diversas propostas relativamente á navegação entre Lisboa e Moçambique, e poderia já, como aliás reconhece indispensavel, ter assegurado relações directas com os portos d'aquella provincia por meio de um contrato em condições similares às que vigoraram até agosto de 1898, se não entendesse dever igualmente garantir as communicações regulares entre a metropole e a India portugueza.

Fazer de Mormugão um porto de communicação directa com a Europa é o unico meio de aproveitar as condições excepcionalmente favoraveis em que elle se encontra e de attrahir ao caminho de ferro o trafego que naturalmente por elle deve encaminhar-se, se considerarmos a vasta e fertilissima região da India britannica, que a nossa linha ferrea póde servir com a grande vantagem de um muito menor percurso até o littoral.

Não deixam de existir certamente para o trafego do caminho de ferro de Mormugão as condições favoraveis que lhe provém da sua situação, a qual representa uma enorme differença de percurso para uma parte muito importante da India britannica; mas essa vantagem é consideravelmente attenuada pela necessidade que têem as mercadorias, quer exportadas, quer importadas, de seguirem por Bombaim, por não haver communicação directa entre Mormugão e a Europa. Este percurso forçado entre Mormugão e Bombaim representa, alem do tempo perdido, augmento importante de despeza que será forçosamente causa de se restringir a area de acção commercial que do direito pertenci ao nosso caminho de ferro e porto de Mormugão.

Estabelecida a navegação directa entre Mormugão e a Europa, as vantagens naturaes da nossa linha ferrea e porto attrahirão a uma e outro o trafego que lhes pertence, que só poderia ser desviado pela repetição da guerra de tarifas posta em pratica durante certo tempo por algumas companhias de caminhos de ferro da India britannica. Mas não ha rasão plausivel para suppor que tal facto se repita pois, constituindo elle uma derogação dos principios fundamentaes dos accordos que precederam a construcção do caminho de ferro e porto de Mormugão e que levaram o governo portuguez a acceitar os pesados encargos resultantes de taes melhoramentos, e tendo o proprio governo britannico, em virtude de reconhecer o abuso praticado, promovido o imposto a cessação d'elle, devemos confiar que se manterá a igualdade de tarifas, aliás justa, porque apenas nos garante as probabilidades de trafego para a nossa linha ferrea e porto de Mormugão, que foram exactamente invocadas como recommendando, no interesse reciproco dos dois paizes, a construcção d'aquellas obras.

Escusado me parece recordar que tanto foi reconhecido que a linha ferrea de Mormugão devia prover às necessidades dos districtos britannicos interessados na sua construcção, que o governo inglez se obrigou a desistir da linha para Karwaar, que, embora em peiores circumstancias, podia tambem servir a mesma região.

Os factos a que muito perfunctoriamente venho alludindo, parece-me que devem persuadir-nos, hoje que podemos considerar afastada qualquer causa artificial de depressão do trafego, a completar por assim dizer, os melhoramentos representados pela construcção do caminho de ferro e do porto do Mormugão, proporcionando ao commercio as vantagens importantissimas de communicações regulares e directas com a Europa.

Só assim se me afigura que corresponderemos cabalmente ao pensamento que nos levou e acceitar os pesados encargos derivados da realisação d'aquelles melhoramentos, não só porque daremos ao trafego dirigido pela nossa linha ferrea e porto todas as vantagens que o podem attrahir, mas porque d'esse modo augmentaremos as probabilidades do crescimento de receitas que possam fazer face áquelles encargos. E sobretudo ficaremos assim mais seguros de que não prevalecerão facilmente quaesquer combinações de tarifas de outras companhias, porque augmentarão consideravelmente os motivos de preferencia para o nosso caminho de ferro e porto, dentro da esphera natural da sua acção economica.

O porto de Mormugão está em condições muito favoraveis, podendo offerecer grande commodidade á navegação, e ao commercio as maiores facilidades para as operações de carga e descarga. Todas estas vantagens se inutilisam nas circumstancias actuaes, por falta de navegação directa para a Europa.

O embarque e desembarque directo em Mormugão poupará ao commercio os fretes entre Bombaim e aquelle porto, as despezas de descarga e outras, de armazenagem e as de reembarque.

Examinando as estatisticas das mercadorias exportadas pelo porto de Mormugão desde 1890 a 1895, e não podemos rasoavelmente abranger periodo maior, porque em março de 1896 começou a guerra de tarifas que quasi aniquilou o trafego pelo nosso caminho de ferro, acharemos que a media das mercadorias transportadas, vindas da territorios britannicos, foi de 42:000 toneladas em numeros redondos. Todas estas mercadorias se dirigiram a Bombaim.

Desde que haja navegação directa de Mormugão para a Europa, é de esperar que não só aquella quantidade de mercadorias deixe de dirigir-se primeiro a Bombaim, mas que seja muito maior a exportação, attentas as menores despezas de embarque n'aquelle porto. E ha artigos, em cujo movimento de certo influirá consideravelmente a diminuição das despezas, e que hoje representam uma grande parte da exportação, como sejam o algodão, os cereaes e as sementes.

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Não me parece necessario accumular mais argumentos para justificar a necessidade de promover a navegação regular entre o porto de Mormugão e a Europa. Essa necessidade está ha muito reconhecida por todos os que têem estudado as questões suscitadas com respeito ao caminho de ferro de Mormugão e póde dizer-se até que ficou logo evidenciada quando se concluiu aquella linha.

Já em 1885 se assignára um contrato para o estabelecimento de carreiras mensaes entre Lisboa e a nossa India, que não chegou a ter execução, e posteriormente tentou-se realisar este melhoramento, ligando o serviço de navegação d'aquelle estado com o da Africa oriental. Todas as tentativas feitas, porém, levam-nos ao convencimento de que só poderá conseguir se resultado favoravel, assegurando nos primeiros tempos á empreza que se propozer a navegação directa para a nossa India vantagens que a ponham ao abrigo dos possiveis riscos do periodo de iniciação.

Haverá necessariamente nos primeiros tempos difficuldades, que só pouco a pouco se poderão remover. É preciso que o commercio se prepare com os estabelecimentos e agencias necessarias em Mormugão, e que ali se reunam condições favoraveis de armazenagem, deposito e outras, que aliás se não farão esperar muito, desde que a corrente commercial esteja fixada e haja a certeza de que ella se mantem.

Fundamentada, como me parece, pelas considerações precedentes, a necessidade inadiavel de attender às communicações directas com o porto de Mormugão, creio que justificado está tambem o facto que me persuade a tornar dependente qualquer contrato de navegação para a Africa oriental da realisação d'aquelle melhoramento.

Não sómente ha a attender a que qualquer das companhias que hoje fazem a navegação para a Africa oriental poderá mais facilmente e em melhores condições encarregar-se do serviço para a India, mas devemos não esquecer que muito convirá ligar os dois serviços por fórma que se favoreçam as relações entre esta provincia e a de Moçambique, que sempre foram, e ainda hoje são, muito importantes.

Para se obter o serviço de navegação para Mormugão em circumstancias que correspondam aos elevados interesses que importa favorecer, e que estimulem o desenvolvimento das relações commerciaes e a creação de novos recursos e novas fontes de receita, é porém necessario, como já indicámos, fazer concessões mais valiosas do que as que bastariam para manter em condições regulares o serviço tão sómente com os portos da provincia de Moçambique.

Não suppouho, porém, pelas considerações expostas, que o sacrificio do thesouro possa ser avultado o estou convencido de que daremos garantia efficaz, desde que, nos primeiros tempos, asseguremos aos navios que fizerem as carreiras uma determinada carga. N'este convencimento, julgo que será sufficiente a garantia de 700 toneladas de carga por mez, porque, estabelecida a corrente commercial directamente para Mormugão, e ainda quando não contassemos com maior trafego do que a media do periodo normal de 1890 a 1895 todas as probabilidades são de que apenas durante poucos mezes haverá de preencher qualquer deficit.

Nem esta probabilidade de encargo, embora diminuto, desejava eu ter de apresentar-vos; mas, ainda quando o sacrificio a fazer excedesse o que é rasoavel suppor, como este será em todo o caso temporario e largamente compensado, não hesitaria ainda assim em vos apresentar a proposta de lei auctorisando o governo a conceder tal garantia, porque o mesmo era que faltar ao meu dever se não concorresse para dar á India portugueza o elemento mais importante para a sua regeneração economica e financeira, - o augmento do trafego da sua linha ferrea e a creação de um vasto entreposto commercial em Mormugão.

Recenseamento geral da população nas colonias

O problema da população tem na actualidade um interesse universal e impõe-se á desvelada attenção de todos os paizes cultos. Entre todos os inqueritos a que uma nação póde proceder, nenhum sobreleva de importancia ao da sua população, cujo valor é indiscutivel sob qualquer aspecto que se considere.

Nas proprias questões economicas a população representa um papel preponderante, porque ella é agente e objecto da producção e do consumo, termos extremos de toda a actividade social.

É por isto que desde as mais remotas epochas todos os estados têem procurado conhecer das respectivas populações, embora usando a principio de processos grosseiros. Mas só modernamente se definiram os methodos e se fixaram as regras a observar n'esta primacial operação da estatistica. D'ella se occupou largamente, em diversas sessões, o Congresso internacional de estatistica, sendo geralmente adoptados, na actualidade, os principios por elle estabelecidos.

Hoje é lei em quasi todas as nações o principio dos censos decennaes. Em Portugal a carta de lei de 25 de agosto de 1887 estabeleceu o mesmo principio para o continente do reino e ilhas adjacentes, determinando mais que os futuros recenseamentos se verificassem em annos cujo algarismo das unidades fosse zero, preceito este já seguido tambem em muitos outros paizes e que, referindo os recenseamentos da população a uma mesma epocha, permitte as comparações internacionaes dos resultados obtidos.

Censos, dignos propriamente d'este nome, verificaram-se já em Portugal os de 1864, 1878 e 1890, devendo nos termos da legislação em vigor realisar-se em 1900 o quarto inquerito da população portugueza.

Mas não é só sob o ponto de vista da metropole que o conhecimento do numero e demais circumstancias da população offerece interesse; importa tambem, e muito, igual conhecimento, embora apenas approximado, quanto á população das colonias.

Nas possessões ultramarinas o trabalho agricola, industrial e commercial depende directamente da população indigena e da que para ali tenha emigrado dos estados metropolitanos. É, portanto, da maior vantagem, mesmo de imprescindivel necessidade, conhecer essas populações nas suas qualidades, numero e procedencia, o que só os recenseamentos periodicamente realisados podem facultar.

Pareceu-me, pois, conveniente applicar ao ultramar os salutares principios que n'esta materia se acham já legislados para a metropole pelo diploma citado de 25 de agosto de 1887.

D'este modo, o primeiro recenseamento geral da população do continente do reino, ilhas adjacentes e possessões ultramarinas levar-se-ha a effeito no anno de 1900, epocha em que identico inquerito se verificará para a maior parte das outras nações, graças á propaganda e aos trabalhos para esse fim emprehendidos pelo Instituto internacional de estatistica, que veiu substituir o antigo congresso.

É certo que em algumas das nossas colonias se tem obtido por mais de uma vez o computo das respectivas populações, merecendo especial referencia entre os trabalhos regulares d'esta natureza os recenseamentos de Cabo Verde, da India e de Macau; mas são apenas operações isoladas, nunca se havendo verificado até hoje o censo geral das colonias.

Reconheço tambem que não é possivel applicar a grande parte das provincias ultramarinas as operações que se

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usam nos estados civilisados para realisar estes inqueritos, nem tão pouco adoptar os mesmos questionarios. Devemos contentar-nos com o conhecimento, embora approximado da população, distinguindo-se os sexos e as raças e quaesquer outras circumstancias que seja possivel obter, recorrendo a processos indirectos de averiguação e nunca á distribuição directa de boletins, o que não seria do modo algum exequivel. Só regulamentos e instrucções especiaes permittirão determinar os meios a seguir para cada caso particular.

Quanto ao mez e dia em que tem de effectuar-se o censo, não é possivel tambem fixar-se o mesmo para todas as provincias, nem, talvez para as diversas regiões da mesma provincia. É assumpto que tem de ser opportunamente resolvido de accordo com os respectivos governadores.

Por quanto resumidamente fica exposto parece-me estar sufficientemente provadas necessidade e justificada a contextura da proposta de lei que tenho a honra de submetter ao vosso elevado criterio.

Conclusão

Senhores. - Do inquerito feito, na segunda parte d'este relatorio, á situação das nossas provindas ultramarinas, largamente documentado com quantas informações e estatisticas me foi possivel colligir, resaltam, em meu parecer, a toda a luz da evidencia, dois factos.

Attesta o primeiro a nossa acção civilisadora em terras de alem-mar. Testemunha o segundo que é do solo uberrimo d'esses tractos de terreno que na Africa, na Asia e na Oceania recordam as nossas grandezas passadas, das riquezas do seu sub-solo, das qualidades das suas populações robustas e doceis, em que tão profundamente arreigados se encontram o respeito e o prestigio do nome portuguez, que devemos, em grande parte, confiar o resurgimento brilhante da nossa nacionalidade.

Ninguem póde com verdade affirmar que a metropole se tenha alguma vez poupado a sacrificios para conservar, desenvolver, valorisar o nosso dominio colonial. São d'isso prova irrefragavel os melhoramentos de muitas das nossas possessões ultramarinas, o incremento do nosso commercio, o progresso das nossas industrias. Sempre que as circumstancias a têem solicitado, nunca ella se recusou a despender os recursos do seu erario ou a derramar o sangue generoso dos seus soldados na defeza dos nossos incontestaveis direitos e em favor da civilisação do nosso dominio ultramarino.

Mas é tambem para essas regiões longinquas, aonde, antes que ninguem, levámos com os nossos guerreiros e missionarios, as primicias da civilisação e a influencia benefica do christianismo, para esses mysteriosos hinterlands onde os nossos maiores deixaram vestigios impereciveis da sua passagem e da sua acção, que hoje devem convergir a iniciativa dos governos e dos corpos legislativos, a propaganda da imprensa, o capital e o trabalho nacionaes.

Podem servir nos do exemplo o estimulo os factos de experiencia alheia e alguns tambem da propria experiencia.

E se outras nações, por mais poderosas e dispondo de grande numero de recursos, têem conseguido, modernamente, avantajarem-se-nos de muito na valorisação de parte dos seus dominios coloniaes, não é isto motivo para nos entibiarmos e antes nos cumpre redobrar de empenho, adoptando uma orientação bem definida, seguindo-a com tenacidade, e pondo ao serviço da causa, que é para nós vital, - do desenvolvimento agricola, industrial e commercial das provincias ultramarinas, - o melhor do nosso esforço, os meios de que dispomos, as faculdades que possuimos.

E nada temos que invejar em qualidades de raça, nem mesmo áquelles que no seculo actual assentaram as suas feitorias desde as frias regiões do Canadá até os adustos terrenos que demoram entre os tropicos.

Das nossas aptidões colonisadoras, quando podessem surgir duvidas, tinhamos ahi, entre outros, um argumento vivo - a America.

Da sobriedade, do espirito de disciplina, da resistencia á acção deleteria e deprimente do solo e do clima, da valentia, do genio aventuroso, de todas essas raras qualidades, emfim, que tornam o europeu apto para viver e dominar em terras de Africa, dão prova incontestavel as recentes campanhas, - vencendo nós sempre, onde, por vezes, têem succumbido os soldados aguerridos e disciplinados de tantas nações poderosas.

Da nossa influencia profunda e persistente nas populações do sertão africano offerecem testemunho insuspeito as narrativas dos modernos exploradores, que quasi por toda a parte encontraram os vestigios da nossa passagem e a affirmação do nosso trabalho.

Não nos faltam, portanto, nenhumas das condições necessarias para a lucta, ao fim da qual lograremos o exito appetecido. Unam-se, pois, todas as iniciativas, congreguem-se todos os esforços, orientem-se na mesma direcção todas as energias, e a victoria será nossa. Que vencer em Africa é triumphar na Europa.

As quinze propostas de lei que tenho a honra de submetter, como modestissimo fructo do meu trabalho, ao elevado criterio e á esclarecida apreciação do parlamento, para que elle, no interesse da causa publica, as modifique, corrija e aperfeiçoe, podem reduzir-se a dois grupos.

Comprehende o primeiro as que indistinctamente se applicam a todas as regiões do nosso dominio colonial, afigurando-se me que são de natureza a prover de remedio a algumas das suas mais instantes necessidades. Acham-se n'este caso - a organisação dos serviços da administração superior do ultramar, a das obras publicas e a das forças militares, a colonisação, o regimen do trabalho indigena, os serviços agronomicos, os auxilios á agricultura, e o fomento industrial.

Assentes as questões de interesse geral, procurei satisfazer ao que de mais urgente se me deparou em cada possessões, como meio de dar vigoroso impulso ao desenvolvimento da sua economia.

Em relação á provincia do S. Thomé e Principe, que tão merecedora é da, protecção dos poderes publicas, pela feracidade do seu solo, pela prosperidade que já attingiu e pelos valiosos interesses, genuinamente nacionaes, que representa, elaborei a proposta que visa a dotal-a, em praso curto, da facilidade de communicações, de que tão carecida está, a fim de que possa alcançar o desenvolvimento a que tem direito. De um outro mal soffre esta possessão, - é a falta de braços; mas este procurei remedial-o na proposta relativa no trabalho dos indigenas.

Quanto a Angola, tres são as propostas que exclusivamente lhe dizem respeito: a tributação do alcool, o caminho de ferro de Cabinda e o caminho de ferro de Benguella. Para este ultimo melhoramento, tão justa e calorosamente recommendado pela maior parte das associações industriaes e commerciaes do paiz, aproveitei os trabalhos feitos pelo distincto capitão de engenheria o sr. Manuel Francisco da Costa Serrão.

A Moçambique especialmente se referem duas propostas. Uma diz respeito às obras de melhoramento do porto de Lourenço Marques, a outra ao estabelecimento de uma carreira de navegação regular para os portos da provincia.

A proposta referente á navegação interessa tambem, e muito, á prosperidade da nossa India. Em virtude do ul-

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timo accordo, tem-se animado mais o movimento do porto e linha ferrea de Mormugão, faltando apenas o estabelecimento de uma carreira regular de vapores, para que attinja o natural desenvolvimento a que a sua posição lhe dá direito.

Quanto às demais provincias não apresento desde já propostas especiaes, porque, ou as suas mais instantes necessidades são attendidas nas propostas de interesse geral, ou dependem ainda de elementos de estudo, que já ordenei se fizessem, mas que ainda não tenho convenientemente apurados.

Ha duas questões de elevado valor para a vida das nossas colonias, e que importa resolver com brevidade. São as que se referem ás concessões de terrenos e ao regimen bancario. Mas como os projectos de lei a tal respeito estão respectivamente dependentes da deliberação da camara dos dignos pares e da dos senhores deputados, não tenho que occupar-me aqui do assumpto.

A outros trabalhos dedico ainda n'este momento a minha attenção, especialmente á reorganisação dos serviços de fazenda do ultramar, que apresentarei na presente sessão, se a ultimar a tempo.

Já alludi às commissões incumbidas de elaborar os projectos do regimen do trabalho e da reorganisação dos serviços de obras publicas no ultramar, às quaes deixo aqui expresso o meu agradecimento.

É dever meu referir-me á terceira repartição da direcção geral do ultramar, onde foram elaborados os numerosos quadros de estatistica, numericos e graphicos, que acompanham este relatorio. E destacarei, em especial referencia, o illustrado chefe da mesma repartição, o sr. Tito Augusto de Carvalho, que lealissima, prestimosa e dedicadamente me coadjuvou, pelo que me é grato deixar-lhe aqui affirmados o meu reconhecimento e o meu apreço.

Senhores: - Avalio bem as responsabilidades que pesam sobre mim e reconheço de que fracos recursos disponho para lhes corresponder. Mas n'este momento, o mais grave de todos na minha vida publica, diz-me a consciencia, porventura n'um impulso de instinctiva justiça, que eu procurei servir, honrada e devotadamente, o meu paiz.

Que esta seja tambem a vossa opinião, e tanto me basta.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 20 de março de 1899. = Antonio Eduardo Villaça.

PROPOSTA DE LEI N.° 13-P

Reorganisação da secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar

Artigo l.° É o governo auctorisado a reorganisar a secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, nos termos das bases annexas a esta lei e que fazem parte integrante d'ella.

Art. 2.° O governo dará conta às côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.

Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 20 de março de 1899. = Antonio Eduardo Villaça.

Bases para a reorganisação da secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar

Base 1.ª

A secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, sob a superior direcção do respectivo ministro, incumbe a administração dos negocios da marinha e ultramar.

§ 1.° Os negocios de administração da marinha serão tratados pela direcção geral da marinha, que continuará a reger-se pelas disposições do decreto de 21 de dezembro de 1897.

§ 2.° Os negocios de administração das provincias ultramarinas são divididos, conforme a sua natureza, por tres direcções geraes e uma repartição autonoma, encarregada dos serviços militares.

§ 3.° Os serviços, a cargo das tres direcções geraes, serão distribuidos por nove repartições.

§ 4.° O logar de director geral será exercido cumulativamente com o de chefe de uma das repartições da respectiva direcção geral.

§ 5.º Os serviços de contabilidade, relativos ás possessões ultramarinas, continuarão a ser desempenhados por uma repartição subordinada á direcção geral da contabilidade publica.

Base 2.ª

Os serviços das diversas repartições das direcções geraes serão desempenhados por:

a) Primeiros e segundos officiaes, e amanuenses;

b) Pessoal technico do quadro de obras publicas do ultramar;

c) Um official de marinha, um agronomo e um veterinario;

d) Dois facultativos do quadro de saude do ultramar.

§ unico. Os logares de primeiros e segundos officiaes, e de secretarios geraes das provincias ultramarinas e do districto autonomo de Timor, constituirão um quadro unico. Os individuos pertencentes a este quadro desempenharão alternadamente serviço na secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, e nos governos das provincias ultramarinas e districto autonomo de Timor, não devendo o periodo d'esta commissão ser inferior a tres annos, e procedendo-se por fórma que, quanto possivel, os mesmos individuos exerçam successivamente os logares de secretario geral nas diversas provincias.

Base 3.ª

As nomeações, promoções, aposentações e vencimentos do pessoal em serviço nas direcções geraes, comprehendendo os directores geraes, chefes de repartição, primeiros e segundos officiaes, e amanuenses, são applicaveis os preceitos estabelecidos no decreto de 25 de novembro de 1897; applicando-se aos demais funccionarios a legislação especial por que se regular a organisação dos quadros a que pertencerem.

§ 1.° O logar de chefe de repartição, á qual pertencerem os serviços da administração civil, politica, ecclesiastica e judicial, será sempre provido em bacharel formado em direito.

§ 2.° Para os casos em que, de accordo com as prescripções do decreto de 25 de novembro de 1897, os logares tenham de ser providos por concurso, poderão ser estabelecidas as habilitações que mais se accommodem á natureza dos serviços a desempenhar, e em geral as que revelem conhecimentos especiaes ácerca das possessões ultramarinas portuguezas.

Base 4.ª

A repartição autonoma terá como chefe um official superior do exercito, havendo servido no ultramar, e o restante pessoal será constituido por officiaes e officiaes inferiores do exercito do reino ou das forças ultramarinas, todos da livre escolha do ministro da marinha e ultramar.

Base 5.ª

Como corpos consultivos nos assumptos relativos ao ultramar haverá:

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SESSÃO N.º 31 DE 20 DE MARÇO DE 1899 77

a) Ajunta consultiva do ultramar;

b) O conselho superior technico de obras publicas;

c) O conselho das pautas ultramarinas;

d) A commissão de cartographia;

e) A commissão de informações commerciaes,

§ 1.º A junta consultiva do ultramar será composta, alem dos membros permanentes, de tres membros, renovaveis depois de tres annos de serviço, que serão escolhidos entre os individuos que mais recentemente hajam exercido os logares de governadores ou outros de categoria superior, por um periodo não inferior a oito annos, com reconhecida intelligencia e zêlo.

§ 2.° O conselho superior technico de obras publicas será constituido como for estabelecido na reorganisação dos serviços de obras publicas do ultramar.

§ 3.° O conselho das pautas ultramarinas e a commissão de informações commerciaes conservarão a organisação que lhes foi dada pelos diplomas que os crearam.

§ 4.° A commissão de cartographia será convenientemente reorganisada, não se excedendo, porém, a actual despeza.

§ unico. Alem dos corpos consultivos acima indicados, organisar-se-ha um conselho de gabinete, composto dos directores geraes e chefes de repartição das tres direcções e da repartição autonoma, a fim de consultar ácerca de quaesquer negocios sobre que o ministro entenda dever ouvil-o.

Base 6.ª

A despeza que actualmente se faz com os serviços a cargo da direcção geral do ultramar, não poderá ser excedida pela nova organização decretada nos termos d'estas bases em mais de 15:000$000 réis.

§ 1.° O excesso de despeza a que se refere esta base será pago pelos cofres das provincias ultramarinas que forem designadas annualmente pelo governo nos respectivos orçamentos.

§ 2.° A reorganisação da direcção geral do ultramar só se levará a effeito quando as economias provenientes da simplificação de serviços de administração nas provincias ultramarinas permitiam fazer face ao excesso de despeza a que se refere a presente base.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 20 de março de 1899. = Antonio Eduardo Villaça.

PROPOSTA DE LEI N.º 13-Q

Reorganisação dos serviços de obras publicas das possessões ultramarinas

Artigo 1.º É o governo auctorisado a reorganisar os serviços de obras publicas das possessões ultramarinas, nos termos das bases annexas a esta lei e que fazem parte integrante d'ella.

Art. 2.° O governo dará conta às côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 20 de março de 1899. = Antonio Eduardo Villaça.

Bases para a reorganisação dos serviços de obras publicas das possessões ultramarinas

Base l.ª

O governo fixará um plano geral dos trabalhos de interesse publico colonial a realisar em cada provincia ultramarina, bom como a ordem de preferencia a seguir na execução d'esses trabalhos e, annualmente, as despezas a fazer com elles dentro das respectivas verbas auctorisadas.

Base 2.ª

Serão abolidos os conselhos technicos ultramarinos, creando-se uma commissão technica, com séde no ministerio da marinha e ultramar, á qual incumbira dar parecer sobre assumptos technicos, economicos, administrativos e disciplinares, referentes nos serviços de obras publicas, bem como emittir apreciação ácerca dos engenheiros e seus auxilares, devendo aquella commissão ser constituida por sete vogaes effectivos das seguintes classes:

a) Tres membros, á escolha do ministro da marinha e ultramar, de entre os engenheiros inspectores e engenheiros chefes de obras publicas ou caminhos de ferro na metropole, e dos officiaes superiores da arma de engenheria;

b) Dois membros, á escolha do mesmo ministro, de entre os engenheiros que tenham desempenhado o cargo de director de obras publicos ou commissões especiaes de serviço no ultramar;

c) Um engenheiro de entre os directores de obras publicas de Cabo Verde, S. Thomé e Principe, Angola, Moçambique e estado da India, successivamente nomeados para fazerem parte da commissão;

d) O engenheiro chefe da repartição de obras publicas do ministerio da marinha e ultramar.

Base 3.ª

Será restabelecido o serviço, devidamente regulado, de inspecções de obras publicas do ultramar, nomeando para tal fim dois inspectores escolhidos entre:

a) Os membros da classe b (base 2.ª), da commissão technica;

b) Os engenheiros chefes do quadro de obras publicas do ultramar que tenham exercido por tres annos o cargo de director de obras publicas;

c) Os engenheiros nas condições dos membros da classe a (base 2.ª), da mesma commissão.

§ 1.° Alem da inspectores effectivos poderá o governo encarregar engenheiros de reconhecida competencia de fazer inspecções extraordinarias aos serviços de obras publicas do ultramar.

§ 2.° Os inspectores effectivos serão considerados como delegados technicos do governo e deverão executar os serviços de inspecção segundo instrucções que d'este receberem.

Base 4.ª

Organisar-se-ha um quadro unico para cada classe do pessoal technico por fórma a attender às actuaes exigencias dos serviços de obras publicas nas provincias ultramarinas, sendo este pessoal, alem dos inspectores, composto das seguintes classes:

a) Engenheiros chefes, que serão os directores de obras publicas de Cabo Verde, S. Thomé e Principe, Angola, Moçambique e do estado da India, accumulando este ultimo os deveres do seu cargo com os de chefe do serviço de fiscalisação do caminho de ferro de Mormugão, excepto quando o desenvolvimento do trafego d'este caminho de ferro exigir um chefe especial de fiscalisação;

b) Engenheiros subalternos, como directores de obras publicas da Guiné, Macau e Timor, chefes dos serviços de fiscalisação do caminho de ferro de Ambaca e de exploração do caminho de ferro de Lourenço Marques e, finalmente, como chefes de secção de obras publicas e de caminhos de ferro em Angola, Moçambique e estado da India;

c) Engenheiros auxiliares;

d) Conductores de 1.ª, 2.ª e 3.ª classe;

e) Desenhadores.

Base 5.ª

Na constituição normal dos quadros do pessoal technico dos serviços de obras publicas no ultramar, exigir-se-ha,

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78 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

para as differentes classes, habilitações technicas iguaes às dos funccionarios das mesmas classes de obras publicas da metropole, accumuladas, sempre que seja possivel, com a pratica de serviço, facultando-se a nomeação de conductores de 3.ª classe aos sargentos da arma de engenheria, habilitados com o curso de construcções do respectivo regimento, quando tenham, pelo menos, dois annos de bom serviço n'aquelle posto.

§ 1.° Estabelecer-se-ha a antiguidade de classe, dependente do bom comportamento e da aptidão physica, como base para o accesso nas diversas classes de engenheiros e nas de conductores, exigindo-se, porém, em todas ellas, certo tempo de serviço, variavel para cada uma, para constituir direito ao accesso á classe immediatamente superior.

§ 2.° Pertencerá exclusivamente ao governo a nomeação e promoção do pessoal technico.

Base 6.ª

Serão regulados pelo modo seguinte os ordenados do pessoal technico de obras publicas no ultramar:

Inspectores effectivos ........... 80$000 réis mensaes
Engenheiros chefes ............... 60$000 » »
Engenheiros subalternos ......... 55$000 » »
Engenheiros auxiliares .......... 45$000 » »
Conductores de 1.ª classe ........ 30$000 » »
Conductores de 2.ª classe ........ 25$000 » »
Conductores de 3.ª classe ........ 20$000 » »
Desenhadores ..................... 20$000 » »

§ 1.° Estabelecer-se-hão as gratificações d'este pessoal, tomando como base as da organisação actual, modificando-se algumas d'ellas apenas no preciso para estabelecer uma melhor proporção entre as differentes classes do pessoal, tendo em attenção a qualidade dos serviços que lhe são exigidos e as localidades onde estes devem ser prestados.

§ 2.° Serão fixadas as gratificações aos inspectores effectivos, quando temporariamente na metropole e quando em visita de inspecção, por fórma que a totalidade dos seus vencimentos annuaes nunca seja superior aos que competem aos engenheiros chefes, nas provincias de Angola e Moçambique, incluindo para uns e outros o maximo abono das ajudas de custo a que tiverem direito.

Base 7.ª

Regularisar-se-ha o abono das ajudas de custo ao pessoal technico, por deslocação, limitando este abono a:

240 dias em cada anno para os inspectores;

180 dias em cada anno para os directores de obras publicas;

120 dias em cada anno para os engenheiros chefes de secção;

90 dias em cada anno para os engenheiros auxiliares a conductores.

§ 1.° Estabelecer-se-hão ainda ajudas de custo ordinarias, durante 60 dias em cada anno, aos engenheiros da fiscalisação ou exploração de caminhos de ferro quando, em serviço na linha, pernoitarem fóra da sua residencia official; e ajudas de custo extraordinarias aos mesmos funccionarios por todo o tempo em que estiverem ausentes da sua residencia official, em serviço e com auctorisação superior, em localidades fóra das linhas sob a sua jurisdicção.

§ 2.° As ajudas de custo serão fixadas em relação aos serviços exigidos às diversas classes do pessoal e a localidades onde são prestados, devendo aquellas ser comprehendidas entre 6$000 e l$500 réis diarios, para os engenheiros, e entre 2$000 e 800 réis diarios para os conductores, e serem abonadas, depois de devidamente justificadas e sem prejuizo do abono de transporte exclusivo do pessoal, desde o dia da partida até ao de regresso d'este á sua residencia official.

Base 8.ª

Serão modificadas as condições da aposentação do pessoal technico europeu, da classe civil, concedendo-se-lhe o ordenado da categoria e mais uma percentagem comprehendida entre 15 e 45 por cento, crescente com o numero de annos de effectivo serviço, a partir de dez, sendo contado com a reducção de um terço o tempo de serviço na provincia de Macau ou no estado da India e o da permanencia do funccionario na metropole, e descontando-se para os effeitos da aposentação todo o tempo de licença registada.

Base 9.ª

Fixar-se-hão as attribuições e deveres das differentes classes do pessoal technico, bem como a distribuição dos serviços por cada uma d'ellas, por fórma a evitar quaesquer embaraços ou difficuldades que prejudiquem a boa execução d'aquelles serviços.

Serão ainda convenientemente definidas as relações officiaes de serviço entre os directores de obras publicas e os governadores geraes, deixando áquelles a superintendencia technica em todos os serviços sob a sua jurisdicção e reservando para os governadores geraes, como principaes attribuições, as seguintes:

a) Elaborar o plano geral de trabalhos a que se refere a base 1.ª, ouvindo o inspector que estiver na provincia e o respectivo director de obras publicas;

b) Indicar aos directores de obras publicas as bases que devem presidir á organisação dos orçamentos annuaes, que devem ser presentes ao governo;

c) Resolver ácerca das transferencias de verbas de umas para outras secções do orçamento que lhes tenham sido propostas pelos inspectores;

d) Em casos urgentes, deliberar provisoriamente ácerca de quaesquer tarifas de caminhos de ferro, contratos ou accordos entre as linhas ferreas exploradas pelo estado ou por companhias e as linhas estranhas em serviço combinado, que lhes sejam propostas pelos directores de obras publicas;

e) Quando as conveniencias do serviço assim o exigirem, estabelecer novas sub-secções de obras publicas, precedendo proposta do respectivo director;

f) Approvar orçamentos de obras, de valor comprehendido entre 50$000 e 500$000 réis, bem como contratos de empreitada ou de fornecimento de materiaes de custo superior a esta ultima quantia;

g) Applicar penas de reprehensão aos engenheiros e de suspensão, até noventa dias, a todo o pessoal de obras publicas e de caminhos de ferro.

Base 10.ª

Será fixado o quadro do pessoal administrativo e auxiliar em cada provincia ultramarina, de accordo com a mais conveniente organisação de serviços, e bem assim as habilitações e mais condições de admissão d'este pessoal; seus vencimentos, tomando por base os actualmente estabelecidos, modificando-os apenas no que for necessario para obter uma melhor relação entre as differentes classes; condições de accesso de umas para outras classes, respeitando a antiguidade, dependente de bom comportamento e aptidão physica; penalidades a applicar e regras para esta applicação.

§ unico. Conceder-se-ha aposentação aos machinistas e fogueiros do caminho de ferro de Lourenço Marques, variavel com o numero de annos de bom serviço a partir de dez, como meio indirecto de facilitar o recrutamento d'estas classes de pessoal.

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Base 11.ª

Será determinado o processo a seguir na confecção dos orçamentos annuaes de despeza de obras publicas, devendo estes ser feitos pelos directores de obras publicas, segundo as indicações dadas pelos governadores geraes e tendo em attenção os preceitos e ordem, de preferencia a seguir na execução dos trabalhos fixados no plano geral a que se refere a base l.ª; a verba consignada para obras publicas no orçamento da provincia; a necessidade do não se interromper a construcção de qualquer obra até a sua conclusão, e, finalmente, as indicações expressas nos mappas especiaes de distribuição de fundos, formulados pelos chefes de secção.

Base I2.ª

Estabelecer-se-ha um conjuncto de preceitos que regulem o serviço administrativo de obras publicas para o triplice fim do uma conveniente fiscalisação dão despezas; da necessaria economia na acquisição de materiaes, facilitando a concorrencia entre os mercados europeus e coloniaes; de delegar ás repartições de fazenda, até onde seja exequivel, o pagamento directo dos documentos de despeza dos differentes serviços de obras publicas.

Base 13.ª

A despeza a fazer com a nova reorganisação não deverá exceder as verbas actualmente auctorisadas para pessoal technico, auxiliar e administrativo em serviço de obras publicas e de caminhos de ferro no ultramar.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 20 de março de 1899. - Antonio Eduardo Villaça.

PROPOSTA DE LEI N.º 13-R

Reorganisação das forças militares ultramarinas

Artigo 1.° É o governo auctorisado a reorganisar as forças militares nas provincias ultramarinas, nos termos das bases annexas a esta lei e que fazem parte integrante d'ella.

Art. 2.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisalão.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 20 de março de 1899.= Antonio Eduardo Villaça.

Bases para a reorganização das forças militares ultramarinas

Base 1.ª

As commissões ordinarias de serviço militar, e nos quadros dos officiaes das forças das guarnições das provincias ultramarinas, serão desempenhadas:

a) Por officiaes do exercito do reino, em commissão nas referidas provincias;

b) Por tenentes e alferes dos quadros especiaes e privativos das forças indigenas das guarnições das mesmas provincias, aos quaes se refere a base 6.ª

Base 2.ª

As vacaturas occorridas nos quadros ultramarinos serão preenchidas por officiaes do exercito do reino do posto immediatamente inferior, que sejam oa mais antigos dos que voluntariamente se tenham offerecido n'esse anno para servir no ultramar, quando satisfaçam a todas as condições exigidas pela lei vigente para ascenderem ao posto immediato.

Os afficiaes nomeados n'estas condições serão promovidos ao posto immediato sem prejuizo dos officiaes mais antigos da respectiva classe e arma ou serviço, ficando obrigados a servir effectivamente no ultramar: - quando promovidos a majores ou alferes, seis annos; quando promovidos a capitães, quatro annos; quando promovidos a generaes de divisão e de brigada, coroneis, tenentes coroneis ou tenentes, tres annos.

Terminado o tempo de serviço a que se obrigaram, aquelles officiaes passarão a contar a antiguidade do posto, a que foram promovidos sem prejuizo de antiguidade, da data em que terminaram aquelle tampo, se antes lhes não tiver pertencido por escala.

Aos officiaes a quem, por antiguidade, tiver competido, no exercito do reino, o ponto a que foram promovidos sem prejuizo, e que quiserem continuar no mesmo serviço ultramarino, bem como áquelles que tiverem terminado o tempo de serviço e quizerem continuar no referido serviço, será concedido um augmento de 20 por cento sobre o soldo, gratificação e ajuda do custo a que tenham direito, e emquanto o desempenharem.

Base 3.ª

Os officiaes que forem nomeados para exercer commissões especiaes de serviço no ultramar, e quando não sejam os mais antigos dos que n'esse anno se hajam offerecido para o serviço colonial, serão promovidos ao posto immediato sem prejuizo dos officiaes mais antigos da respectiva classe e arma ou serviço; e, regressando do ultramar por haverem terminado o tempo marcado na base anterior, conservarão o posto a que haviam sido promovidos e serão collocados na disponibilidade até lhes chegar a devida altura na respectiva escala do exercito do reino.

Base 4.ª

Aos officiaes que foram servir no ultramar será contado, para os effeitos de reforma e outras recompensas, um augmento de 50 por cento no tempo que permanecerem nas provincias ultramarinas, e de 100 por cento quando em campanha, bem como, no acto da reforma, terão, alem das percentagens sobre o soldo, estabelecidas pela carta de lei de 22 de agosto de 1887, mais 5 por cento do soldo da sua patente por cada periodo de tres annos, que hajam servido no ultramar.

Base 5.ª

Quando excepcionalmente se não tiverem offerecido officiaes de qualquer posto e arma ou serviço, em numero sufficiente para preencher, n'um anno, as vacaturas que occorrerem no serviço do ultramar, serão nomeados os officiaes mais modernos do mesmo posto, os quaes serão promovidos ao posto immediato, e gosarão todas as vantagens e regalias concedidos aos que se hajam offerecido voluntariamente.

Base 6.ª

Será creada uma classe de subalternos privativos das forças ultramarinas, cuja j o numero não poderá exceder a um terço do numero de subalternos fixado para as unidades indigenas das guarnições de todas as provincias ultramarinas. Para essa classe terão accesso, no posto de alferes, os sargentos ajudantes e primeiros sargentos das forças ultramarinas que não tiverem as condições e habilitações para poderem ascender ao posto de alferes no exercito da metropole, desde que satisfaçam a determinadas condições e sejam mais antigos que os sargentos ajudantes do exercito do reino.

Os alferes, n'estas condições, serão promovidos a tenentes quando forem mais antigos que os alferes de infanteria do exercito do reino.

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Quando tiverem dez annos do posto de tenente, esses officiaes senão considerados capitães para effeitos de reforma.

Os officiaes, sargentos ajudantes, sargentos quarteis mestres e primeiros sargentos, que fazem actualmente parte dos quadros militares das provincias ultramarinas, continuarão a ser promovidos nas vacaturas que occorrerem nos respectivos quadros, até completa extincção d'estes, nos termos da legislação vigente, podendo ser mandados servir nas provincias ultramarinas que o governo julgar conveniente.

Base 8.ª

Alem dos individuos que houverem incorrido na sanação do artigo 23.° da carta de lei de 13 de maio de 1896, relativa aos serviços do recrutamento, os contingentes de praças de pret europêas das forças ultramarinas serão preenchidos:

a) Pelos que voluntariamente se offereçam do exercito da metropole ou das suas reservas;

b) Quando não haja voluntarios em numero sufficiente, por praças a quem será imposto o serviço no ultramar.

Base 9.ª

Os quadros de segundos e primeiros sargentos do ultramar serão preenchidos:

1.º Por concurso respectivamente entre os primeiros cabos e segundos sargentos já em serviço nas tropas ultramarinas;

2.° Por transferencias do exercito do reino, com posto de accesso, quando os concorrentes tenham as necessarias habilitações;

3.° Por imposição de serviço aos mais modernos de cada classe, gosando os primeiros sargentos a vantagem determinados os tres annos de serviço, subir na escala do accesso, no exercito do reino, tantos logares quantos der o valor de na formula x = 3/2 n, em que n representa a media das promoções annuaes nos ultimos dez annos immediatamente anteriores áquelle em que a imposição de serviço se tiver dado.

Base 10.ª

Para as vagas de soldados e cabos mandados servir no ultramar, nos termos da alinea b) da base 8.ª, serão nomeados:

1.° Os da classe dos refractarios;

2.º Os compellidos;

3.° Os escolhidos pela sorte de entre as praças promptas no primeiro anno do alistamento.

Base 11.ª

O tempo de serviço das praças de pret no ultramar será de tres annos, terminados os quaes terão direito a transporte para a metropole, quando não queiram readmittir-se por periodos de dois annos, ou fixar-se no ultramar, sendo-lhes, n'este ultimo caso, concedidos, onde os haja, terrenos e prestados os primeiros auxilios para a sua exploração.

Base 13.ª

As mulheres das praças e seus filhos maiores de um anno terão direito, durante o primeiro anno de residencia nas provincias ultramarinas, ao abono de pão, ao do equivalente de auxilio para rancho, e a alojamento, havendo-o.

Base 13.ª

O recrutamento das praças indigenas será feito com voluntarios e contratados, sendo o tempo de serviço fixado em regulamentos provinciaes, mas nunca inferior a um anno, nem superior a quatro.

Base 14.ª

As forças da l.ª linha, que devem constituir as guarnições das provincias ultramarinas, serão reguladas segundo as necessidades de cada uma d'ellas, mas de fórma que:

a) Em regra, deve existir, em cada provincia e districto, pelo menos uma fracção europêa;

b) A maioria das guarnições será constituida por indigenas com quadros europeus;

c) As praças de fileiras europêas não poderão servir promiscuamente com as praças indigenas;

d) As praças castigadas, quer europêas, quer indigenas, constituirão unidades distinctas, com regimen especial.

Base 15.ª

Serão organisadas forças de 2.ª linha á medida que for sendo possivel e em harmonia com o disposto no decreto de 19 de junho de 1894, na parte applicavel, devendo ser incluidos nos quadros da 1.º linha os sargentos e cabos necessarios para a instrucção d'aquellas forças.

Base 16.ª

Será organisado, em cada provincia ou districto autonomo, um quartel general com a seguinte composição:

a) Chefe de estado maior;

b) Secretaria militar;

c) Inspecção de material do guerra;

d) Inspecção de engenheria;

e) Conselho de guerra permanente;

f) Chefe do serviço de saude.

Base 17.ª

Os conselhos de guerra permanentes das provincias ultramarinas e districto autonomo de Timor serão compostos e funccionarão pela fórma estabelecida na carta de lei de 26 de maio de 1896, com as alterações seguintes:

a) Um dos adjuntos da secretaria militar desempenhará as funcções de promotor de justiça;

b) O logar de defensor officioso será exercido por um capitão ou subalterno, accumulando este serviço com o de outra commissão na sede da provincia ou districto;

c) O logar de secretario será exercido pelo archivista da secretaria geral militar.

Base 18.ª

Será fixado o quadro de commissões de serviço militar, e de serviço publico que devam, ser desempenhadas por officiaes, quer do exercito da metropole, quer das forças ultramarinas.

Base 19.ª

Serão augmentados os quadros dos facultativos do ultramar, de modo a satisfazerem ás necessidades do serviço medico-castrense, e, quando esses não cheguem, serão nomeados cirurgiões do exercito da metropole, nas condições e com as vantagens concedidas aos officiaes combatentes do mesmo exercito.

Base 20.ª

Os veterinarios, que forem precisos para o serviço das tropas montadas das guarnições ultramarinas, serão nomeados de entre os do exercito da metropole, nas condições e com as vantagens concedidas aos officiaes combatentes do mesmo exercito.

Base 21.ª

Serão fixadas as regras e preceitos que devem regular a nomeação das unidades constituidas, que houverem de

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ser mandadas destacar do exercito da metropole para o desempenho de serviços extraordinarios nas provincias ultramarinas, quer para defeza contra inimigos externos, quer para restabelecimento da ordem publica.

Secretaria d'estado dos negociou da marinha e ultramar, em 20 de março de 1899. = Antonio Eduardo Villaça.

PROPOSTA DE LEI N.° 13-S

Colonisação

Artigo 1.° As verbas inscriptas no orçamento geral do estado e nos orçamentos das provindas ultramarinas para serviços de colonisação e todas as demais que com o mesmo destino forem designadas n'esta lei serão applicadas:

1.° A estabelecer colonias agricolas;

2.º A auxiliar emprezas coloniaes que se proponham promover a colonisação agricola;

3.° A auxiliar o estabelecimento de colonos que tenham profissões industriaes.

Art. 2.° Decretada a organisação de uma colonia, o governador da provincia onde ella houver de estabelecer-se nomeará uma commissão, composta dos funccionarios e mais pessoas competentes, á qual incumbirá formular o plano de organisação da colonia. Esse plano deverá corresponder ás seguintes condições:

1.ª O logar escolhido para o estabelecimento da colonia será em uma região reconhecidamente salubre e com as condições necessarias á vida de colonos europeus, e deverá ficar proximo de alguma colonia militar, commando ou séde de forças militares ou auctoridades administrativas, ou junto de colonias ou missões já organisadas;

2.ª O terreno escolhido será dividido em lotes de 5 hectares, devidamente demarcado, e estando todos os lotes, tanto quanto possivel, em condições iguaes de aproveitamento e cultura;

3.ª Em cada lote, ou a pequena distancia d'elle, se for indispensavel, será construida uma habitação em condições modestas, mas duradoura e solida, do accordo com os recursos locaes, procurando dispor-ue as habitações por fórma que não fiquem distanciadas por grandes intervallos;

4.ª A cada habitação deverão pertencer os objectos de uso pessoal que forem indispensaveis, e os instrumentos de trabalho agricola mais convenientes;

5.ª A cada chefe de familia será dada uma espingarda e munições respectivas, que será obrigado a restituir logo que lhe seja reclamada;

6.ª No local mais apropriado da colonia será construido um edificio que comprehenda residencia de uma auctoridade administrativa, de um missionario, uma sala para aula de instrucçSo primaria, uma pequena capella e uma pharmacia, quando a colonia fique a mais de 5 kilometros e distancia de qualquer povoação onde haja estabelecidos os respectivos serviços.

§ 1.° O plano elaborado pela commissão nas condições acima indicadas comprehenderá:

1.° A divisão do terreno em lotes, com a indicação dos logares em que devera ser construidas as habitares dos colonos;

2.° A nota das estradas e caminhos a abrir e das demais obras a realisar para collocar o terreno nas condições referidas;

3.° A indicação do numero e qualidade dos utensilios de trabalho, sementes e mobilia, que devem pertencer a cada familia e respectivos serviçaes, nos termos d'esta lei e conforme as circumstancias especiaes da colonia;

4.° O orçamento de todas as despezas necessarias para satisfazer ás referidas condições, na hypothese do estabelecimento simultaneo do cincoenta familias, pelo menos.

§ 2.° O plano deverá ser formulado por fórma que attenda a todas ao condições necessarias para a sua prompta e fiel execução, e tendo sempre em vista que os colonos deverão encontrar todas as condições requeridas para poderem desde logo entregar-se ao aproveitamento e cultura dos terrenos.

§ 3.° O plano assim formulado será submettido, depois de examinado pelo governador geral, e com informação d'este, á approvação do governo, e publicado, com todos oa pareceres e informações que para a sua organisação tenha havido, no Boletim da provincia.

Art. 3.° Alem dos lotes de terrenos que forem necessarios para o numero de familias que for destinado para cada colonia agricola, serão sempre demarcados em continuação d'aquelles um igual numero de outros lotes, em condições identicas, que serão destinados ás familias dos colonos que, sem auxilio ou subsidio do estado e por compra dos ditos lotes, ali se queiram estabelecer.

§ unico. O preço da venda d'estes lotes ou as condições da sua acquisição, serão fixadas de accordo com as informações do governo da provincia e annunciadas, depois de approvadas pelo governo no Diario do governo e nos boletins das provincias ultramarinas.

Art. 4.° O governo, ouvidas todas as estações competentes, approvará o plano de organisação da colonia e fixará o orçamento das despezas, de accordo com o numero de familias que a houverem de compor, o qual não deverá ser inferior a cincoenta.

Art. 5.° De accordo com o plano approvado, o governador mandará proceder á preparação dos terrenos, á construcção de casas de habitação, á acquisição de utensilios e alfaias agricolas e a todos os mais preparativos necessarios para a installaçâo da colonia e, logo que todos os elementos de installação estejam concluidos, enviará ao governo uma planta especificada, com a divisão de lotes e todas as demais informações convenientes.

Art. 6.º O governo mandará, por intermedio dos governou civis, dar a maior publicidade a todas as informações relativas á colonia agricola, cuja installação se pretenda realisar, e bem assim ás condições a que deverão satisfazer os chefes de familia que pretendam obter lotes de terrenos.

§ 1.° Essas condições são as seguintes:

l.ª Não terem mais do quarenta annos;

2.ª Terem, bem como as pessoas da sua familia, condições de robustez que dêem probabilidade de se aclimarem facilmente em Africa;

3.ª Terem bom comportamento;

4.ª Serem casados e obrigarem-se a levar a familia para a colonia;

5.ª Terem pratica de trabalhos agricolas.

§ 2.° Para provarem que têem as condições indicadas, os individuos que pretenderem obter lotes de terrenos deverão apresentar aos respectivos governadores civis requerimentos acompanhados do seguinte:

1.° Certidões de idade e de casamento;

2.° Attestado do delegado ou sub-delegado de saude, ou medico do partido municipal;

3.° Attestado de bom comportamento passado pelas auctoridades administrativas e ecclesiasticas da localidade;

4.° Declaração passada pela auctoridade administrativa e pelo agronomo ou qualquer funccionario local que tenha competencia em assumptos agronomicos, attestando a pratica de trabalhos agricolas e indicando todas as condições de local, tempo e especie de serviços, em que essa pratica foi adquirida;

5.° Declaração assignada perante o parocho e por elle attestada do que se obrigam a cumprir as condições do contrato que fizerem com o estado.

Art. 7.° Ás familias de colonos serão concedidas as seguintes vantagens:

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l.ª Transporte, por conta do estado, desde a terra da sua residencia até ao local da colonia;

2.ª Um subsidio, pago no acto de embarque, de 30$000 réis em dinheiro ao chefe da familia e mais 5$000 réis por cada pessoa, além do dito chefe, de que ella se compozer;

3.ª 5 hectares de terreno, demarcados por conta do estado, sem nenhum encargo durante os primeiros dez annos;

4.ª Casa de habitação, instrumentos do defeza e de trabalho agricola e objectos de uso pessoal, na conformidade das disposições d'esta lei;

5.ª As sementes em quantidade necessaria para a cultura do terreno durante o primeiro anno;

6.ª Um subsidio diario durante os primeiros annos de 200 réis por cada pessoa de familia, e de 100 réis por cada serviçal indigena, não sendo o numero d'estes superior a cinco;

7.ª A restituição de um terço dos adiantamentos que houverem reembolsado ao estado, se no decimo anno do seu estabelecimento na colonia provarem que têem aproveitado, ou em cultura dois terços da area que lhes foi distribuida, e ainda o direito á concessão de outros 5 hectares de terreno, isentos de qualquer encargo, durante cinco annos, quando a area total haja sido aproveitada ou esteja em cultura;

8.ª O abono de 50$000 réis por cada colono do reino que vá trabalhar no seu lote, e que não haja recebido do estado nenhum auxilio, alem da passagem, uma vez que se prove que o dito colono tem permanecido na colonia por mais de tres annos;

9.ª A acquisição, no fim de dez annos, da posse do respectivo lote, comprehendendo a casa de residencia e tudo o que representar auxilio do estado, pelo preço de l0$0000 réis por hectare, podendo o pagamento verificar-se em prestações no praso de dez annos, ou em numero menor de annos, se assim convier ao colono.

Art. 8.° As condições a que ficam obrigados os chefes de família, a quem forem concedidos lotes de terreno, são as seguintes:

1.ª Permanecerem na colonia durante dez annos, pelo menos, tendo depois d'esse periodo direito á passagem de regresso para a metropole, para elles e suas familias;

2.ª Restituirem ao estado os subsidios que houverem recebido de accordo com as concessões enumeradas 2.ª a 7.ª do artigo antecedente, em prestações que deverão distribuir-se pelos ultimos sete annos, de modo que no quarto anno paguem apenas um duodecimo e nos annos restantes um sexto em cada um; podendo, se assim convier ao estado, esta restituição, no todo ou em parte, ser feita por meio de prestação de trabalho;

3.ª Concorrerem annualmente com um dia de trabalho, por cada pessoa de familia e por cada serviçal indigena, para a construcção e reparação das estradas e outras vias de communicação, ou para quaesquer melhoramentos publicos que interessem á colonia.

§ 1.° A familia de colonos que não tiver durante o primeiro anno iniciado os trabalhos de cultura ou de aproveitamento de terrenos, perderá o direito a qualquer subsidio posterior.

§ 2.° Quando no fim de dois annos não estiver aproveitada nenhuma parte do terreno, o contrato ficará rescindido e a familia respectiva não terá direito á passagem de regresso á Europa.

§ 3.° As condições a que se refere este artigo serão exaradas na declaração que os chefes de familia que pretenderem lotes de terrenos são obrigados a assignar nos termos do n.° 5 do artigo 6.°

Art. 9.° Terminado o praso que houver sido fixado para a recepção dos requerimentos, os governadores civis mandarão proceder, pelo modo que julguem mais conveniente, á verificação das condições dos requerentes, ordenando, se assim o entenderem necessario, quaesquer indagações especiaes, e muito principalmente procurarão assegurar-se de que os requerentes têem effectivamente pratica de trabalhos agricolas. Os requerimentos serão depois enviados ao governo, acompanhados de informação especial, em que dêem conta de todas as averiguações realisadas.

Art. 10.º Logo que na secretaria da marinha e ultramar estiverem reunidos todos os requerimentos e correspondentes informações, será nomeada uma commissão, composta, alem dos outros funccionarios que convenha para tal fim escolher, de um agronomo e um medico, que sejam tambem funccionarios do estado.

A esta commissão incumbirá:

1.º Examinar os requerimentos e informações e solicitar das auctoridades competentes quaesquer esclarecimentos que julgue necessarios;

2.º Classifical-os segundo as condições mais favoraveis em que se apresentem os requerentes para o fim a que se propõem;

3.º Escolhidos pelo ministerio da marinha e ultramar os requerentes que devem ser contemplados, fazer a distribuição dos lotes de terrenos;

4.° Enviar aos respectivos governadores civis os contratos, que deverão ser assignados pelos chefes de familia;

5.º Verificar, á chegada dos colonos a Lisboa, se elles estão nas condições exigidas, e no caso de reconhecer que houve errada informação ou fraude, propor ao ministro o procedimento official que convenha adoptar;

6.° Acompanhar os colonos até bordo, a fim de se certificar que seguem ao seu destino aquelles a quem foram concedidos os lotes de terreno.

§ 1.° Os contratos serão assignados pelos colonos perante a auctoridade civil e o parocho respectivos, que assignarâo tambem os ditos contratos.

§ 2.° Os contratos serão assignados em triplicado, sendo um exemplar entregue ao chefe de familia, e os outros remettidos á secretaria da marinha e ultramar, que enviará um d'elles ao governador da provincia onde for installada a colonia.

§ 3.° Nos contratos deverão especificar-se todas as condições d'esta lei, que representem obrigações dos colonos para com o estado ou direitos e vantagens a elles concedidos.

§ 4.° Oito dias depois da assignatura dos contratos ou no dia em que superiormente for designado, deverão as familias dos colonos apresentar-se na secretaria da marinha e ultramar.

§ 5.° Quando se prove ser indispensavel, será abonada aos colonos, alem da passagem até Lisboa, sustento e alojamento até o embarque.

Art. 11.º A auctoridade superior da provincia ou do districto, para onde se destinarem os colonos, proverá ao seu sustento e alojamento emquanto não poderem ser transportados para o local da colonia.

Art. 12.° Os lotes de terrenos serão entregues em vista dos respectivos contratos, devendo no acto da entrega ser assignadas pelos colonos relações em duplicado de todos os artigos que receberem, com a designação do valor que lhes é attribuido.

Art. 13.° Quando, nos termos do artigo 2.°, n.° 6.°, a colonia deva ter auctoridade administrativa especial, missionario, professor de instrucção primaria e pharmaceutico, todos estes empregados, previamente nomeados, deverão estar installados no local da colonia, ao chegarem ali as familias dos colonos.

Art. 14.° Durante o primeiro anno da existencia da colonia, pelo menos, o agronomo da provincia ou um regente agricola, havendo-o na provincia, ou nomeado especialmente pelo governo, terá residencia na colonia, a fim de prestar aos colonos as indicações e os conselhos necessarios para o melhor aproveitamento e cultura dos terrenos.

Esse funccionario será obrigado a enviar trimestralmente

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ao governo da provincia um relatorio em que dê conta minuciosa dos trabalhos executados.

Art. 15.° Os colonos que desejarem possuir outros instrumentos agricolas alem dos que lhes forem concedidos em virtude do artigo 7.°, ou bois e outros animaes, quer para trabalho, quer para exploração industrial, poderão requisital-os ao governador da provincia, ficando obrigados á entrega da importancia respectiva no mesmo periodo marcado para a restituição dos subsidios que lhes forem abonados.

§ unico. O governo poderá organizar, junto de cada colonia, um deposito de instrumentos agricolas e gados, que cederá aos colonos nas condições d'este artigo ou alugar, nos termos de um regulamento especial, que para esse fim será approvado pelo governo.

Art. 16.° Em cada centro de colonisação e no local mais apropriado serão construidas até dez habitações destinadas a serem concedidas a colonos que tenham profissões industriaes, devendo para cada colonia ser contratados, pelo menos, dois carpinteiros, dois pedreiros, dois ferreiros, dois sapateiros, um alfaiate e um barbeiro.

§ 1.° As condições exigidas para estes colonos são as mesmas que para os colonos agricolas, á excepção da 5.ª do artigo 5.°, que deverá ser substituida pela pratica do officio que se propozerem exercer, o que será comprovado por exame a que se mandará proceder em um estabelecimento do estado, ou pelo modo que for mais conveniente.

§ 2.° Ser-lhes-ha concedido o transporte gratuito e os subsidios no acto do embarque nas mesmas condições que aos colonos agricolas, casas de habitação, instrumentos de defeza e do trabalho do seu officio, e objectou do uso pessoal, e o subsidio de 200 reis diarios durante um anno unicamente ao chefe da familia.

§ 3.° Serão obrigados a permanecer na colonia durante dez annos, tendo depois direito á passagem do regresso para a metropole para elles e suas familias, e a restituir ao estado os subsidios em dinheiro que houverem recebido, em prestações nas mesmas condições dos colonos agricolas.

Art. 17.° Serão concedidas vantagens especiaes aos colonos que se constituirem era associações ou sociedades agricolas, quer para o estudo dos melhores methodos de cultura e para o exame de todas as quentões propriamente agricolas, quer para a exploração em commum de uma parte dos terrenos ou de todos os terrenos que pertençam aos associados,

Art. 18.° Os estatutos d'estas associações serão approvados pelo governador da provincia.

§ unico. Quando as associações ou sociedades agricolas que se pretenderem fundar reclamarem auxilio ou subsidio do estado, a approvação dos seus estatutos dependerá do governo.

§ 1.° O governo poderá conceder-lhes um subsidio, em machinas e instrumentos agricolas, gado e outros auxilios, que concorram para e melhor e mais rapido aproveitamento dos terrenos, fazendo introduzir nos estatutos as clausulas que entender mais convenientes como compensação da coadjuvação assim prestada.

§ 2.° O subsidio ou auxilio do governo, e o facto da exploração era commum dos terrenos, não desobrigam, nem o estado, nem os colonos das obrigações exaradas nos respectivos contratos.

Art. 19.° O governo poderá contratar com as companhias actuaes que têem a obrigação de estabelecer colonos nos territorios destinados á sua exploração, a creação do colonias agricolas nas condições d'esta lei, prestando-lhes unicamente o auxilio ou dando-lhes o subsidio correspondente ás obrigações que por este facto lhes advierem e que não estejam comprehendidas nos termos das respectivas concessões.

§ unico. Quando se reconhecer que nos territorios das ditas companhias não ha regiões com as condições requeridas para o estabelecimento de colonias agricolas, é o governo auctorisado a contratar com essas companhias a realisado da obrigação que lhes foi imposta, mediante uma indemnisação a fixar por cada familia de colonos a que oram obrigadas a dar collocação nos seus territorios, não podendo a indemnisação ser inferior a 200$000 réis por cada familia.

Art. 20.° Em todas as concessões de terrenos superiores a 1:000 hectares, será inserido como clausula obrigatoria o estabelecimento de cinco familias do colonos portuguezes por cada 1:000 hectares que abranger a concessão, devendo o concessionario fornecer aos colonos terrenos de cultura, casa, de habitação, instrumentos do trabalho e mobilia nas condições indicadas n'esta lei, e sendo o transporte até o local da concessão por conta do governo.

§ unico. O concessionario terá o direito de haver dos colonos, nos prasos e condições d'esta lei, as despezas feitas com a sua installação e subsidios concedidos.

Art. 21.° Quando, por circurnstancias de clima ou outras que forem julgadas attendiveis pelo governo, os concessionarios que sejam obrigados ao estabelecimento de colonos reconheçam que não podem cumprir com vantagem para a colonisação a respectiva clausula, o governo poder-lhes ha conceder que se exonerem d'ella pagando no estado 200$000 réis por cada familia que eram obrigados a receber.

§ unico. Para os effeitos d'este artigo e do antecedente considera-se cada familia de colonos constituida por um individuo adulto do sexo masculino e outro do sexo feminino.

Art. 22.° O governo poderá contratar com qualquer companhia colonial que não esteja nas condições dos artigos antecedentes o estabelecimento de familias de colonos ou de colonias agricolas nas condições d'esta lei, comtanto que os encargos para o estado sejam inferiores aos que lhe adviriam do estabelecimento das mesmas familias ou colonias nos termos da mesma lei.

Art. 23.º O governo poderá conceder passagem nos navios do estado ou nos paquetes pertencentes a companhias que, pelos seus contratos, tenham obrigação de dar transporte gratuito a um determinado numero de colonos, aos individuos que desejam ir estabelecer se nas provincias ultramarinas, nas condições seguintes:

1.ª Só será concedida passagem aos emigrantes que provem ter os requisitos mencionados no artigo 10.°, § 1.°

2." Não se dará passagem a nenhum emigrante, sem requisição previa da governadores da provincia, assegurando que têem ali collocação devendo, para tal effeito, quaesquer individuos, emprezas ou companhias que pretendam utilisar os serviços de determinados operarios, dirigir os seus pedidos aos ditos governadores.

3.ª Quando assim for indicado pelos governadores, poderio a estes colonos ser fornecidos instrumentos de trabalho do seu officio, que só lhes serão entregues no local de seu destino, assignando contrato em que se obriguem a restituir a sua importancia ou a trabalhar durante um certo periodo em estabelecimentos do estado.

Art. 24.° Os chefes de familia das colonias agricolas poderão requerer a concessão de passagem para a colonia de individuos que vão trabalhar nos objectivos lotes, juntando aos requerimentos ou requisições, dirigidas ao governador da provincia, termo lavrado perante a auctoridade administrativa, obrigando-se a pagar a despeza de repatriação dos individuos requisitados, quando estes tenham de retirar por motivo de doença.

Os individuos assim requisitados deverão provar que têem as condições de idade, robustez, comportamento e pratica de trabalhos agricolas indicadas no § 1.° do artigo 6.°

Art. 25.° Para constituir um fundo especial de colonisação serão applicados as seguintes verbas e receitas:

l.ª A verba inscripta no orçamento geral do estado

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para serviços de colonisação portugueza nas provincias ultramarinas;

2.ª As verbas inscriptas para o mesmo fim nos orçamentos das provincias ultramarinas;

3.ª O producto da venda dos lotes de terrenos a que se refere o artigo 3.°;

4.ª As prestações recebidas dos colonos na conformidade dos artigos 7.° e 8.°;

5.ª O producto da remissão da obrigação do estabelecimento dos colonos, a que se referem os artigos 18.° e 19.°;

6.ª Metade dos lucros recebidos pelo estado, em virtude da participação estabelecida nos contratos com companhias coloniaes, ou de juros e dividendos dos trabalhos d'essas companhias possuidos pelo estado;

7.ª O producto das estampilhas coloniaes vendidas na metropole.

Art. 26.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 20 de março de 1899. = Antonio Eduardo Villaça.

PROPOSTA DE LEI N.º 13-T

Trabalho dos indigenas

Artigo 1.° Todos os indigenas das provincias ultramarinas portuguezas são sujeitos á obrigação, moral e legal, de procurar adquirir pelo trabalho os meios, que lhes faltem, de subsistir e de melhorar a propria condição social.

Têem plena liberdade para escolher o modo de cumprir essa obrigação; mas se a não cumprem de modo algum, a auctoridadc publica póde impor-lhes o seu cumprimento.

Art. 2.° A obrigação reconhecida no artigo antecedente julga-se cumprida:

1.° Pelos indigenas que possuem capital ou propriedade cujos rendimentos lhes asseguram meios sufficientes de subsistencia, ou exercem habitualmente commercio, industria, profissão liberal, arte, officio ou mister de cujos proventos podem tirar essa subsistencia.

2.° Pelos que persistentemente cultivam por conta propria parcellas de terreno de determinada extensão, ou plantaram e continuam a cultivar certo numero de arvores ou plantas vivazes, que produzem artigos de exportação da provincia. Os regulamentos locaes especificarão a extensão d'aquellas parcellas de terreno e o numero e a qualidade d'estes vegetaes.

3.° Pelos que trabalham por soldada ou salario, ao menos um certo numero de mezes em cada anno, sendo esse numero fixado pelos regulamentos locaes.

Art. 3.° A auctoridade publica não imporá o cumprimento da obrigação de trabalho:

1.° Aos individuos mencionados nos n.ºs 1.° a 3.° do artigo 2.°;

2.° Ás mulheres;

3.° Aos homens de mais de sessenta annos de idade e aos menores de quatorze;

4.° A doentes e invalidos;

5.° Aos sipaes do estado ou de particulares auctorisados para os terem, e aos individuos alistados em qualquer corpo, regular ou irregular, incumbido de serviços de policia e segurança;

6.° Aos chefes e grandes indigenas, como taes reconhecidos pela auctoridade publica.

Art. 4.º Julgar-se-ha provado que um indigena não cumpre voluntariamente a obrigação de trabalho, devendo cumpril-a, sempre que durante o ultimo anno civil decorrido a não tiver satisfeito por algum dos modos indicados no artigo 2.°, sem poder allegar impedimento proveniente de doença, serviço publico ou força maior.

Art. 5.º Para facilitar o cumprimento da obrigação de trabalho pelo modo indicado no n.° 2.° do artigo 2.°, o estado permitte que em todas as provincias ultramarinas onde ha terrenos publicos devolutos, incultos e sem applicação especial, os indigenas occupem e usufruam, nas condições preestabelecidas pelo presente diploma, parcellas d'esses terrenos, cultivando-as e estabelecendo n'ellas residencia.

§ 1.° A faculdade que este artigo concede aos indigenas só aproveitará aos que não possuirem propriedade immovel de valer superior a 50$000 réis.

§ 2.° Nenhum indigena poderá, em virtude das disposições d'este artigo, occupar o usufruir terrenos publicos cuja area total seja superior a 1 hectare.

§ 3.° A occupação não dependerá, para ser legitima, de previo contrato com o estado ou de licença de qualquer auctoridade, quando o terreno a occupar não estiver destinado a applicação especial. Todavia, os indigenas poderão dirigir-se á auctoridade administrativa para ella lhes designar os terrenos que hão de occupar.

Art. 6.° A occupação facultada pelo artigo anterior dá e impõe aos indigenas os seguintes direitos e deveres:

1.° Á occupação, para ser reconhecida como legitima, não será interrompida por mais de um anno, e será assignalada:

a) Pela cultura de não menos de duas terças partes da area do terreno occupado;

b) Pela residencia habitual do occupante n'esse terreno.

2.° O colono que se ausentar do predio ou deixar de o cultivar durante mais de um anno consecutivo, não sendo por motivo legitimo, perderá o direito de continuar a occupal-o e usufruil-o, devendo ser expulso d'elle pela auctoridade administrativa.

3.° O colono não poderá alienar o predio, nem exercer, a respeito d'elle, nenhum direito inherente á propriedade plena.

Tão pouco transmittirá, a não ser por herança, nos termos do n.° 8.°, os direitos que lhe resultam do facto da occupação.

4.° Durante os primeiros cinco annos de occupação, o occupante não será sujeito ao pagamento de qualquer pensão; passado, porém, esse periodo, ficará pagando ao estado uma pensão certa, que os regulamentos locaes prefixarão.

5.° A falta de pagamento da pensão durante tres annos consecutivos sujeita o colono a ser expulso administrativamente do predio, sem lhe deixar direito a qualquer indemnisação, nem mesmo por bemfeitorias.

6.° A pensão exigida pelo n.° 4.° poderá sempre ser paga em generos.

7.° No fim de vinte annos de occupação, o colono que houver cumprido todas as obrigações do colonato terá adquirido a propriedade plena do predio.

8.° Por morte dos colonos, os predios occupados, cuja propriedade plena não tenha sido adquirida nos termos do n.° 7.°, transmittir-se-hão indivisos, com todos os direitos ganhos pela occupacão, aos seus herdeiros descendentes ou ascendentes, se estes se prestarem a cultival-os e residir n'elles. Na falta d'estes herdeiros, ou não cumprindo elles as condições essenciaes do colonato, reverterão os predios para o estado, com todas as bemfeitorias recebidas.

§ 1.° Os predios occupados pelos colonos não serão sujeitos á contribuição predial.

§ 2.° Os predios cuja propriedade plena tiver sido adquirida pelos colonos, nos termos do n.° 7.° d'este artigo, serão sujeitos á contribuição predial.

§ 3.° Os regulamentos locaes poderão dispensar por mais de cinco annos o pagamento da pensão exigida pelo n.° 4.°, sempre que essa dispensa for aconselhada por motivos de equidade ou por conveniencias de ordem publica, especialmente nas regiões onde os indigenas pagam imposto de palhota ou capitação (mussoco, etc.).

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Art. 7.° Os colonos do estado, no goso dos direitos inherentes a essa qualidade, serão isentos:

l.° Do serviço obrigatorio nos corpos militares e policiaes;

2.º Do trabalho compellido;

3.° De ser requisicionados pelas auctoridades para servir como machileiros, barqueiros, carregadores ou escoteiros.

§ 1.° Não ficarão, porém, dispensados de acompanhar os chefes indigenas, de quem dependam, ou os seus cabos de guerra, nas operações militares que elles emprehenderem por ordem das auctoridades competentes.

§ 2.° Todas as disposições d'este artigo e seus paragraphos são applicaveis aos colonos que se transformam em proprietarios dos terrenos que occupavam, em virtude da doutrina do n.° 7.° do artigo 6.°

Art. 8.° O estado nunca alienará, a não ser em caso de necessidade previsto na legislação, o dominio util dos terrenos que estejam occupados por colonos, só a occupação tiver durado já um anno e dever ser considerada legitima e valida, segundo as disposições d'esta lei. E se alienar a propriedade d'esses terrenos, estipulará sempre no contrato de alienação que aquelle dominio util ficará reservado aos colonos, como cmphyteutas, se elles quizerem sujeitar-se ao pagamento de um fôro, cuja quotidade será fixada no mesmo contrato. Caso não queiram, o acquerente só poderá desapossal-os pagando-lhes o valor de todas as bemfeitorias.

§ 1.° Se o estudo alienar o dominio util de terrenos cuja occupação não tenha ainda durado um anno, estipulará, no contrato de alienação, que o acquerente só poderá desapossar os colonos, que estiverem cultivando esses terrenos, depois de lhes pagar o valor das bemfeitorias por elles realisadas.

§ 2.° Quando, em virtude das disposições d'este artigo e seu § 1.°, os indigenas perderem a posse dos terrenos que cultivavam, o estado assegurar-lhes-ha outros da mesma extensão.

§ 3.° As curadorias dos serviçaes e colonos serão sempre ouvidas ácerca dos projectos de alienação, pelo estado, de terrenos em que houver occupações legitimas, e intervirão na celebração dos contratos de venda ou emprazamento d'esses terrenos, a na execução d'elles, para assegurar os direitos dos colonos.

Art. 9.° Todas os disposições d'esta lei, que regulam as occupações futuras de terrenos publicos e a situação juridica dos occupantes, são applicaveis ás occupações similhantes do preterito.

Art. 10.° É permittido em todas as provincias portuguezas de Africa o contrato de sub-emphyteuse, sendo em cada uma d'ellas regulados os preceitos a que deve ser sujeito esse contrato.

Art. 11.° Os proprietarios de predios rusticos que consentirem, tacita ou explicitamente que n'esses predios se estabeleçam indigenas e cultivem parcellas do solo, sem condições especiaes exaradas em documento que possa fazer fé, não poderão expulsal-os em tempo algum sem lhes pagarem as bemfeitorias que elles tiverem feito.

E se esses indigenas houverem, á sua propria custa, plantado arvores ou plantas vivazes que produzam artigos de exportação, e as tiverem cultivado até ellas produzirem, terão por esse facto adquirido o dominio util dos terrenos cobertos pelas plantações e pelas moradias que junto d'ellas tenham construido, não podendo os proprietarios exigir d'elles senão um fôro annual, como emphyteutas ou sub emphyteutas.

§ l.º O valor d'aquellas bemfeitorias e o quantum d'este fôro serão arbitrados pela curadoria dos serviçaes e colonos, mediante processos cujos tramites serão especialmente regulados.

§ 2.° Quando não houver accordo entre o occupante e o proprietario, ácerca do direito regulado n'este artigo, será a questão resolvida pelos tribunaes ordinarios.

Os administradores do concelho, e os funccionarios civis ou militares que forem chefes administrativos de determinadas circumscripções territoriaes, deverão incitar os indigenas a aproveitarem-se da faculdade que lhes concede o artigo 5.° d'esta lei. E para lhes facilitarem o uso d'essa faculdade, ser-lhes-ha dada competencia legal para:

1.º Distribuir parcellas de terrenos publicos, devolutos e incultos, a indigenas que se prestem a cultival-os e a residir n'elles, demarcando-os e assignalando-lhes os limites;

2.° Fiscalisar permanentemente o cumprimento das obrigações de cultura e residencia, a que são sujeitos os colonos do estado;

3.° Expulsar os colonos que não houverem cumprido as obrigações essenciaes do colonato, nos termos dos n.ºs 2.° e 5.° do artigo 6.°;

4.° Cobrar ou fazer cobrar, conforme a organisação dos serviços de fazenda da sua circumscripção, as pensões devidas pelos colonos, segundo o disposto nos n.ºs 4.° e 6.° do artigo 6.°;

5.º Reconhecer os factos de que, segundo a doutrina do n.° 7.° do mencionado artigo 6.°, resultam para os colonos a acquisição da propriedade plena dos predios que occupavam;

6.° Assegurar aos colonos o exercicio dos direitos e o goso das isenções e mais vantagens que a lei lhes concede;

7.° Resolver as contendas que se suscitarem entre os colonos, por causa da terrenos por elles ocupados, dos seus limites e dos seus fructos.

§ unico. Aos mesmos funccionarios comprirá organisar o cadastro da propriedade nas suas circumscripções, em harmonia com os preceitos que se estabelecerem.

Em cada circumscripção administrativa das provincias portuguezas de Africa, o respectivo chefe é competente para passar o titulo comprovativo:

a) Da posse constituida pela occupação de terrenos, effectuada nos termos do artigo 5.° d'esta lei;

b) Do dominio adquirido pelos colonos do estado em virtude do n.° 7.° do artigo 6.°;

c) Das emphyteuses e sub-emphyteuses resultantes dos preceitos dos artigos 8.° o 11.°

§ 1.º Estes títulos serão transcriptos em livro especial, e os que se referirem aos factos mencionados nas alineas b} e c) serão remettidos officiosamente pelo chefe administrativo ao conservador da comarca, o qual, em vista d'elles, fará o competente registo, á custa do dono ou senhorio directo.

§ 2.° O registo de qualquer da direitos mencionados nas alineas b) e c), quando requerido directamente na conservatoria da comarca, nem que esse requerimento seja acompanhado de certidão negativa do, na circumscripção administrativa respectiva, se achar notado qualquer titulo nos termos das mesmas alineas, só poderá ser feito provisoriamente, sendo convertido em definitivo quando aquella certidão seja apresentada.

§ 3.° Os titulou e sua nota no livro especial, que não forem registaveis, constituem principio de prova, que poderá ser completada nos termos da lei commum.

§ 4.º Nos regulamentos se determinará o processo para a averiguação dos factos a que se referem as alineas a) b) e c), a fórma dos respectivos titulos, e o preparo que deve ser feito, em mão do chefe administrativo, para as custas do registo na conservatoria da comarca.

§ 5.° Todo o processo perante o chefe administrativo, incluindo os titulos, que se houver de passar, será isento de custas e sellos.

Art. 14.° Os indigenas das provincias ultramarinas portuguezas têem o direito de contratar os seus serviços como bem o entenderem, devendo os contratos ser regidos pelas

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86 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

disposições applicaveis do codigo civil e pelos preceitos d'esta lei e seus regulamentos.

§ l.° São nullos os contratos:

1.° Que estipularem prestação de serviços durante toda a vida de um dos contratantes, ou por mais de cinco annos;

2.° Que dispensarem o patrão ou amo de dar ao serviçal uma retribuição certa em dinheiro;

3.º Que auctorisarem o patrão a applicar ao serviçal castigos corporaes;

4.º Que inhibirem o serviçal do exercicio de direitos e faculdades legaes, ou o obrigarem a actos prohibidos pela lei;

5.° Que impozerem serviços em que haja perigo manifesto ou damno consideravel para quem os prestar.

§ 2.° Os contratos para aprendizagem de artes ou officios poderão ser feitos por um periodo superior a cinco annos, mas não serão celebrados sem intervenção da curadoria dos serviçaes e colonos.

Art. 15.° Os contratos de prestação de serviços dos indigenas podem ser feitos sem intervenção de auctoridade publica, ou com a intervenção d'ella. No primeiro caso, se algum dos contratantes deixar de cumprir as condições ajustadas, o outro só terá acção contra elle nos termos da legislação geral. Quando, porém, os contratos tiverem sido celebrados com a intervenção e a sancção da auctoridade publica, essa auctoridade intervirá tambem para assegurar o cumprimento, ou para punir o não cumprimento, das suas clausulas, pela fórma especial regulada nos artigo subsequentes.

§ unico. As unicas auctoridades competentes para intervir na celebração do contrato de prestação de serviços dos indigenas são os curadores dos serviçaes e colonos e os seus agentes.

Art. 16.º Os contratos que obrigarem os serviçaes a prestar serviço fóra da comarca judicial, em que residirem, só poderão ser feitos com a intervenção da auctoridade publica.

Art. 17.° Os curadores dos serviçaes e colonos só intervirão em contratos de prestação de serviço a pedido das partes, e depois de se terem certificado de que ambas ellas consentem livremente em todas e em cada uma das clausulas a que ficarão obrigadas. Recusar-se-hão a fazer lavrar e sanccionar todos aquelles em que houver causa de nullidade, e os que não contiverem estipulações claras e expressas regulando:

1.° O periodo, não superior a cinco annos, durante o qual a prestação de serviço será obrigatoria;

2.° A natureza do serviço;

3.° A retribuição em dinheiro:

4.° O local ou os locaes onde o serviço deverá ser prestado;

5.° Qual dos contrahentes pagará o custo do transporte de ida e volta da serviçaes entre o local da sua residencia e aquelle ou aquelles onde tiverem de servir.

§ 1.° Todos os contratos de prestação de serviço feitos tem a intervenção da auctoridade deverão tambem conter clausulas que obriguem os patrões:

1.º A soccorrer ou mandar tratar o serviçal, á custa da sua soldada, se o não quizerem fazer por caridade, sobrevindo-lhe molestias e não podendo o serviçal olhar por si, ou não tendo familia no logar onde serve, ou qualquer outro recurso;

2.° A prover á subsistencia do serviçal, á custa da sua soldada, no caso de crise alimenticia no logar onde elle estiver servindo;

3.° A dar-lhe alojamento hygienico e alimentação saudavel e abundante, se tiver estipulado sustental o e alojal-o;

4.° A abster-se escrupulosamente de compellil-o, por meios directos ou indirectos, a comprar-lhe, ou a comprar a agentes seus, quaesquer artigos de que elle queira ou precise prover-se;

5.° A não lhe reter as soldadas, ou parte d'ellas, nem apoderar-se de qualquer valor que lhe pertença, sob pretexto algum.

§ 2.° Os regulamentos locaes poderão determinar que nos contratos se introduzam clausulas, obrigatorias para os serviçaes ou para os patrões, não mencionadas n'este artigo, uma vez que não sejam contrarias ás disposições da presente lei.

Art. 18.° Os individuos que, perante a auctoridade publica, contratarem indigenas para serviço domestico ou assalariado, ficam obrigados para com essa auctoridade, não só a cumprir rigorosamente todas as obrigações que pelo contrato acceitaram, mas tambem a desempenhar-se para com os serviçaes dos deveres moraes de uma tutela bemfazeja, e a empregar os meios possiveis para lhes melhorar a educação, corrigindo-os moderadamente, como se elles fossem menores.

§ unico. N'esta conformidade, os regulamentos locaes poderão determinar que os patrões do numerosos serviçaes domesticos lhes facultem meios especiaes de instrucção e moralisação, taes como escolas e catecheses religiosas.

Art. 19.° Pelo facto do contrato celebrado perante a auctoridade publica, os patrões recebem os poderes indispensaveis para - quando e emquanto essa auctoridade o não possa fazer por si propria, - assegurar o cumprimento das obrigações acceitas pelos serviçaes ou a repressão legitima da falta d'esse cumprimento. No exercicio d'esse poder ser-lhes-ha permittido:

l.° Prender os serviçaes que houverem commettido algum delicto previsto pelas leis penaes, e apresental-os immediatamente sob prisão á auctoridade administrativa;

2.º Oppor-se, empregando para isso os indispensaveis meios, a que elles se evadam antes de ter findado o periodo dos seus contratos, quando não tenham causa justa para se despedirem, e fazel-os capturar depois de evadidos;

3.° Apresentar presos, aos curadores ou seus agentes, os que se tiverem evadido, quando capturados, e os que se recusarem a trabalhar, ou causarem algum damno que devam e não queiram reparar;

4.° Conservar guardados, fóra das horas de trabalho e durante o trabalho, os que houverem tentado evadir-se ou manifestado claramente propositos de evasão;

5.° Corrigir moderadamente as faltas que elles commetterem, e empregar os meios preventivos necessarios para os desviar da embriaguez, do jogo e de quaesquer vicios e maus costumes que lhes possam causar grave damno, physico ou moral.

§ 1.° É, porém, expressamente prohibido aos patrões maltratar os serviçaes, conserval-os detidos em logares insalubres, pôr-lhes algemas, grilhetas, gargalheiras ou quaesquer outros instrumentos que tolham, a liberdade de movimentos, prival-os de alimentos, e applicar-lhes multas pecuniarias descontando-lh'as nos vencimentos.

§ 2.° Fica entendido que os poderes que este artigo confere aos patrões não aproveitam áquelles que tiverem contratado indigenas sem intervenção e approvação da auctoridade publica. Esses só terão, sobre os serviçaes e contra elles, os direitos e a acção que lhes conferirem as disposições do codigo civil portuguez.

Art. 20.° Os curadores dos serviçaes e colonos terão competencia para julgar e punir, mediante processo summario, cujos termos serão regulados, as seguintes faltas de cumprimento, por parte dos patrões e dos serviçaes, das obrigações dos seus contratos celebrados com intervenção da auctoridade publica:

1.° Por parte dos patrões:

a) Falta de pagamento das retribuições devidas aos serviçaes;

b) Detenção forçada dos serviçaes, quando haja findado

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o seu tempo obrigatorio de serviço ou elles tenham causa justa para se despedirem;

c) Maus tratos inflingidos aos serviçaes, quando não tenham produzido impossibilidade de trabalho;

d) Transgressão dos preceitos do § 1.° do artigo 19.°;

e) Falta de cumprimento de algumas das obrigações impostas pelos n.ºs do § 1.° o pelo § 2.° do artigo 17.°

2.º Por parte dos serviçaes:

a) Evasão, não legitimada por causa justa do despedimento;

b) Recusa da prestação de trabalho;

c) Desobediencia contumaz, ou insubordinação, não acompanhadas de aggressões pessoaes ou damno causado em propriedade alheia;

d) Vicios ou maus costumes inveterados, que determinem inhabilidade para o trabalho ou causem prejuizo alheio.

§ 1.° As faltas, acima mencionadas, dos patrões serão punidas com multa de 5$000 até 200$000 réis, alem do pagamento das indemnisações que forem devidas aos serviçaes queixosos; as dos serviçaes, com trabalho correccional de quinze até noventa dias.

§ 2.° Quando as faltas ou os delictos commettidos pelos patrões para com os serviçaes, ou vice-versa, estiverem fóra da alçada jurisdiccional dos curadores, definida por este artigo, casos magistrados promoverão a sua repressão pelos tribunaes ordinarios, fazendo a competente participação ao respectivo agente do ministerio publico.

§ 3.° Dos actos jurisdiccionaes dos curadores, permittidos por este artigo, poderá haver recurso para o governador em conselho do governo.

§ 4.° Os curadores não tomarão conhecimento de faltas de cumprimento, por parte dos serviçaes, das clausulas de contratos de prestação de serviços celebrados sem intervenção da auctoridade publica; tomarão conhecimento, porém, das que os patrões commetterem para com os serviçaes, e julgal-os-hão ou promoverão a sua repressão pelos tribunaes ordinarios, em conformidade com as disposições d'este artigo.

§ 5.° O serviçal que se evadir será obrigado a voltar para o serviço do patrão, excepto quando o curador o julgar inconveniente; n'este ultimo caso, alem de ser condemnado na pena em que incorrer nos termos do § 1.°, ficará sujeito a trabalho compettido por tanto tempo quanto lhe faltar para cumprir o contrato feito com caso patrão.

Art. 21.° O governo do estado poderá prohibir temporariamente a emigração, do serviçaes indigenas do territorio todo onde determinadas regiões das provincias ultramarinas, sempre que assim o aconselharem conveniencias politicas ou economicas.

Art. 22.° Para que a prohibição permittida pelo artigo antecedente possa tornar-se effectiva, estabelecer-se-ha que nenhum indigena poderá sair sem passaporte da região onde ella vigorar. Esse passaporte, quando não for exigido por lei geral, só será concedido pelas auctoridades administrativas a indigenas que exerçam artes ou profissões liberaes, desempenhem funcções publicas ou municipaes, sejam contribuintes da contribuição predial ou industrial, tenham licença para estabelecimento mercantil, bem como áquelles que precisem ausentar-se por motivo justo, e cuja ausencia não possa importar transgressão do preceito prohibitivo da emigração de serviçaes.

§ 1.° Os individuos que contratarem serviçaes indigenas para emigrarem de territorio onde essa emigração tenha sido prohibida, e todos os bens cumplices e auxiliares, incorrerão na pena de prisão correccional não remivel até um anno e multa até 1:000$000 réis, devendo tambem, depois de cumprida a pena, ser expulsos do territorio portuguez, se forem estrangeiros.

§ 2.º Os indigenas contraventores das dispostos d'este artigo deverão ser presos em qualquer logar do territorio portuguez onde forem encontrados sem passaporte, reconduzidos ao districto da sua residencia e ahi condemnados a trabalho correccional até um anno. Se voltarem espontaneamente a esse districto, ser-lhes-ha applicada uma multa pecuniaria, que os regulamentos locaes fixarão, devendo pagal-a com trabalho quando não poderem satisfazel-a em dinheiro.

Art. 23.° Nos termos do artigo 16.°, todos os contratos de prestação de serviço que obrigarem os serviçaes a sair da comarca judicial, onde residirem, devem ser celebrados com a intervenção das curadores dos serviçaes e colonos. Os patrões ou seus agentes, que transgredirem este preceito, incorrerão, pela primeira vez, na multa de réis 20$000 a 50$000, por cada serviçal que tiverem contratado, e, no caso de reincidencia, na pena até um anno de prisão correccional não remivel e multa de 200$00 a 1:000$000 réis, sendo tambem expulsos do territorio portuguez se forem estrangeiros. Quanto aos serviçaes contratados, ser-lhes-hão applicaveis as disposições do § 2.° do artigo 22.º

Art. 24.° Os contratos a que se refere o artigo anterior estipularão sempre, alem das outras clausulas preceituadas pelo artigo 17.°, que o patrão será obrigado a repatriar o serviçal quando elle tenha findado o tempo de serviço e não se haja contratado novamente, assegurando-lhe os meios de transporto e pagando á sua custa as despezas d'esse transporte.

§ unico. Se o serviçal não quizer ser repatriado, o patrão deverá apresental-o ao curador da comarca em que elle só encontrar, ou ao agente consular portuguez, se o caso se der em paiz estrangeiro, e não podendo apresental-o por motivo legitimo, participará o facto a algum d'esses funccionarios.

Art. 25.° Os contratos de prestação de serviços feitos com a intervenção da auctoridade publica só podem ser legalmente renovados perante o curador ou agente consular que funccionar na localidade onde o serviçal tenha servido.

Art. 26. ° Os curadores que intervierem em contratos de prestação de serviços que tenham de ser cumpridos em territorios estranhou á sua jurisdicção, enviarão directamente copias d'elles aos curadores ou aos agentes consulares que funccionaram n'esses territorios. Esses curadores ficarão obrigados a velar pela execução dos referidos contratos, devendo exercer, em relação nos contratantes, a jurisdicção determinada pelo artigo 20.°

§ 1.° Os curadores das comarcas onde estiverem servindo indigenas contratados fóra d'essas comarcas, assegurarão especialmente o cumprimento da clausula preceituada no artigo 24.º, que obriga os patrões a repatriarem os serviçaes, e terão competencia jurisdiccional para punir os que a não cumprirem com multa de 100$000 a 500$000 réis.

§ 2.° Os consules e agentes consulares portuguezes promoverão tambem, pelos meios ao seu alcance, a execução fiel dos compromissos tomados para com os indigenas contratados para servir no estrangeiro.

Art. 27.° As multas impostas pelos curadores serão cobradas administrativamente.

Art. 28.º Só será permittida a emigração de serviçaes indigenas, contratados perante a auctoridade publica, para paizes estrangeiros, não condições e nos casos seguintes:

1.° Em virtude de convenções diplomaticas;

2.º Se os governou dos paizes que deverem receber os emigrantes tiverem pedido officialmente que a emigração seja permittida, responsabilisando-se pela execução fiel das clausulas dos contratos que forem de interesse dos serviçaes;

3.° Se os patrões, ou os seus agentes, que figurarem nos contratos, depositarem nos cofres publicos a importancia das despezas da viagem do regresso dos serviçaes, sujeitando se a perder o deposito se, n'um dado praso contado da data da expiração dos contratos, não apresentarem

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os serviçaes já repatriados, ou não provarem documentadamente que elles falleceram, contrataram-se novamente ou não acceitaram a repatriação. Este deposito poderá ser substituido por fiança idonea.

§ 1.º Os agentes da emigração contratada nos termos dos n.ºs 1.° e 2.° serão sempre, e unicamente, individuos apresentados pelos governos dos paizes que receberem os serviçaes.

§ 2.° Os contratos para serviço militar ou policial só serão concedidos por ordem expressa e especial do governo do estado.

Art. 29.° O transporte, de ida ou de regresso, de serviçaes contratados para fóra das comarcas onde residem, deverá ser fiscalisado pelos curadores dos serviçaes e colonos, para que se effectue sempre em condições regulares de segurança, hygiene e commodidade.

§ 1.° Os regulamentos locaes poderão especificar as condições era que os transportes devem ser effectuados.

§ 2.º Os consules e agentes consulares tambem velarão, até onde as suas attribuições e os seus poderes o permittam, para que se faça convenientemente a repatriação da indigenas que tiverem servido nas localidades onde elles funccionam.

Art. 30.° Os curadores de serviçaes e colonos receberão emolumentos pelos contratos de prestação de serviços de indigenas, que fizerem lavrar e sanccionarem. Esses emolumentos, sempre modicissimos, serão estabelecidos pelos regulamentos locaes, e pagal-os-hão unicamente os patrões.

Art. 31.° Para facilitar a fiscalisação do cumprimento da obrigação de trabalho, os regulamentos locaes poderão determinar que todas as pessoas que empregarem serviçaes indigenas lhes passem gratuitamente certificados de trabalho, em que declarem durante quanto tempo elles lhes prestaram serviço e em que datas principiou e acabou esse serviço.

Admittir-se-ha que esses certificados sejam manuscriptos e redigidos em quaesquer termos, uma vez que contenham a declaração acima exigida e a assignatura do declarante, com a indicação da sua residencia; mas convirá que haja formulas impressas d'esses certificados, com espaços em branco para serem preenchidos com os dizeres eventuaes, e que as auctoridades as distribuam gratuitamente, soltas ou reunidas em livretes, tanto aos patrões como aos serviçaes.

§ unico. Mais poderão esses regulamentos estatuir que quando o patrão se recusar a dar certificado de trabalho feito ao serviçal, este deverá queixar-se ao curador ou a algum dos seus agentes, o qual, se averiguar que a queixa é justificada, punirá o patrão com multa de réis 5$000 a 20$000, e bem assim que os individuos que passarem certificados falsos serão enviados para juizo pela auctoridade que descobrir a fraude, e incorrerão na multa de 20$000 a 50$000 réis.

Art. 32.° Os indigenas sujeitos á obrigação de trabalho, que a não cumprirem voluntariamente por nenhum dos modos especificados no artigo 2.°, deverão ser intimados pela auctoridade administrativa para trabalhar em serviço do estado, dos municipios ou de particulares, sempre que essa auctoridade possa proporcionar-lhes trabalho. Se não obedecerem á intimação serão compellidos.

§ unico. Antes de intimar e compellir qualquer indigena, a auctoridade averiguará cuidadosamente se elle está isento da obrigação de trabalho pelas disposições do artigo 3.°, ou se realmente a cumpriu nos termos do artigo 2.° No caso negativo, levantará auto, que enviará por copia ao curador dos serviçaes o colonos da comarca, podendo esse auto referir-se a mais de um individuo.

Art. 33.° Os meios de compulsão de que a auctoridade administrativa poderá servir-se para fazer acatar as suas intimações, quando ellas tiverem sido desattendidas, serão unicamente os seguintes:

a) Chamar á sua presença, sob custodia se for preciso, os transgressores, explicar-lhes a obrigação cujo cumprimento se exige d'elles, e admoestal-os por não a terem cumprido;

b) Fazel-os conduzir, com as precauções necessarias para que não se evadam, aos logares onde se lhes tiver offerecido trabalho;

c) Apresental-os, ou mandal-os apresentar, aos funccionarios do estado ou dos municipios, ou patrões, que tiverem trabalho para lhes dar.

§ unico. Será prohibido o emprego de quaesquer outros meios compulsorios.

Art. 34.° Os indigenas que desobedecerem á intimação e resistirem á acção compulsoria permittidas pelos artigos 32.° e 33.°, tornando-as inefficazes; os que se evadirem dos logares onde lhes tiver sido dado trabalho, ou a caminho para esses logares; os que, apresentados aos patrões, se recusarem á prestação do trabalho, serão entregues ao curador dos serviçaes e colonos da comarca, ou a algum dos seus delegados, para serem condemnados a trabalho correccional.

Art. 35.° Para que a auctoridade administrativa possa proporcionar trabalho aos indigenas que o não procuram, os regulamentos locaes determinarão que os funccionarios que dirigirem serviços publicos ou municipaes, e os particulares, nacionaes ou estrangeiros, mencionados no § 1.° do artigo 36.°, que precisarem empregar serviçaes em misteres licitos, poderão requisitar á auctoridade administrativa que ponha á disposição d'elles, para esse fim e nas condições prescriptas n'esta lei e seus regulamentos, indigenas intimados e compellidos, nos termos do artigo 32.°, a cumprirem a obrigação de trabalho.

§ 1.° As auctoridades competentes para receber essas requisições são:

Os governadores das provincias em que residirem os serviçaes, se elles forem requisitados para servir n'outra provincia ultramarina;

Os governadores dos districtos da residencia dos serviçaes, quando elles forem, pedidos para outro districto ou outro concelho da mesma provincia;

Os chefes das circumscripções em que habitam os serviçaes, administradores de concelho, commandantes militares, chefes ou sub-chefes de terras da corôa, etc., quando os requisicionados deverem trabalhar dentro d'essa mesma circumscripção.

§ 2.° Os governadores das provincias e dos districtos mandarão satisfazer as requisições, que poderem ser attendidas, pelas auctoridades administrativas, suas subordinadas, das localidades de onde entenderem que os serviçaes deverão ser tirados.

Art. 36.° Todas as requisições de serviçaes, quer para serviço publico ou municipal, quer para serviço particular, serão feitas por escripto e conterão as seguintes indicações:

1.° Numero dos serviçaes a fornecer;

2.° Logar ou logares em que elles serão empregados;

3.º Natureza do trabalho que se exigirá d'elles;

4.° Tempo durante o qual o requisitante se obriga a empregal-os.

§ unico As requisições para serviço particular só poderão ser feitas por proprietarios ou arrendatarios de terrenos, destinados a cultura, de não menos de 10 hectares de extensão, por industriaes ou commerciantes estabelecidos, ou pelos seus gerentes e feitores.

Art. 37.° Não poderão requisitar serviçaes compellidos:

1.° Os individuos que tiverem sido condemnados pelos tribunaes ordinarios, ou pelos curadores de serviçaes e colonos, por não cumprirem as suas obrigações para com serviçaes indigenas:

2.° Os que estiverem cumprindo sentença penal;

3.º Os estrangeiros em serviço dos seus governos;

4.° Os estrangeiros não domiciliados em territorio portuguez.

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§ 1.° Os funccionarios administrativos não poderão requisitar serviçaes compellidos para seu serviço particular.

§ 2.° Sem embargo da disposição do n.º 4.°, os exploradores scientificos, apresentados e recommendados como taes pelos seus governos, poderão requisitar serviçaes para os acompanharem em territorio portuguez.

Art. 38.° Não serão attendidas requisições:

1.° De menos de dez serviçaes;

2.º Para serviços caseiros (creados, cozinheiros, etc.);

3.° Para serviço particular de machilas, macas, ou similhantes vehiculos;

4.º Para serviço particular de menos de tres mezes de duração consecutivos;

5.° Para serviço particular a bordo de embarcações que naveguem fóra dos portos;

6.° Para serviço em paiz estrangeiro;

7.° Para serviços perigosos ou gravemente insalubres;

8.° Para caçadas ou montarias;

9.° Para misteres immoraes ou prohibidos por lei.

Art. 39.° As auctoridades, a quem compete receber as requisições de serviçaes compellidos, em caso algum são obrigadas a satisfazer as dos particulares, e nunca as satisfarão com prejuizo das requisições para serviço publico.

Deverão, porém, attender umas e outras com a maxima diligencia, sempre que nas suas circumscripções houver indigenas que estejam nas circumstancias previstas no artigo 4.°, e que sobre elles se possa exercer efficazmente acção compulsoria.

Art. 40.° Os chefes administrativos das circumscripções, de qualquer denominação, em que se fazem, ou em que de futuro se fizerem, recenseamentos da população para cobrança dos impostos, para recrutamento militar, ou para outro qualquer fim, deverão aproveitar essas operações para averiguarem, com o possivel rigor, quaes são, em cada povoado, os indigenas que cumprem a obrigação de trabalho por alguns dos meios previstos no artigo 2.°, ou estão isentos d'ella em virtude do artigo 3.°, e quaes os que habitualmente a não cumprem, assignalando os nomes de uns e outros nos cadernos d'esses recenseamentos.

§ unico. Os regulamentos locaes poderão estabelecer outros quaesquer processos para, quanto possivel, descriminar e arrolar os indigenas que cumprem e os que não cumprem a obrigação de trabalho, uma vez que d'esses processos não resultem vexames inuteis.

Art. 41.° As auctoridades administrativas deverão, quanto possivel, servir-se da intervenção das auctoridades indigenas, - regulos, sobas, cabos, etc., - tanto para reconhecer os indigenas que não cumprem a obrigação de trabalho, como para os intimar e compellir a cumprirem-n'a, conforme o disposto nos artigos 32.° e 33.°

§ 1.° Os regulamentos locaes poderão determinar que essas auctoridades indigenas, que, a requisição da auctoridade administrativa, lhe apresentarem indigenas reconhecidos por ella como refractarios á obrigação de trabalho, sejam gratificados com uma quantia certa por cada um que tenham apresentado.

§ 2.° Esses mesmos regulamentos estabelecerão um conjuncto de preceitos, adequados às circumstancias particulares das diversas regiões de cada provincia ultramarina, destinados a evitar vexames e violencias no serviço da imposição de trabalho aos indigenas, podendo tambem dispensar essa imposição onde ella se não possa effectuar pacificamente.

Art. 42.° As requisições de serviçaes compellidos para fóra das provincias em que residem só poderão ser satisfeitas quando o governo do estado assim o auctorisar expressamente, por não haver n'essas provincias trabalho em que empregar os braços indigenas.

Art. 43.° Os serviçaes serão apresentados aos requisitantes nos logares onde residirem as auctoridades a quem tiverem sido dirigidas as requisições, ou n'aquelles onde deverem trabalhar, conforme mais convier. Em todos os casos, porém, correrão por conta dos requisitantes todas as despezas do seu transporte, bem com as do pessoal que os acompanhar o guardar.

Art. 44.° Antes de apresentar os serviçaes ao requisitante, a auctoridado que satisfizer a requisição fal-o ha assignar um termo, lavrado perante testemunhas, era que elle se obrigue expressamente:

1.° A pagar aos serviçaes a soldada que for fixada conforme as regras estabelecidas no artigo 47.°;

2.° A fornecer-lhes, á sua custa, alimentação saudavel e abundante;

3.º A dar-lhes, á sua custa, alojamento hygienico, ou fornecer-lhes materiaes para construirem palhotas;

4.º A soccorrel-os em caso de doença, pagando todas as despezas do tratamento;

5.° A conserval-os ao seu serviço durante um tempo determinado, que, se esse serviço for particular, não será de menos de tres mezes nem de mais de cinco annos;

6.° A apresental-os, pagando as despezas de transporte, á auctoridado que os tiver fornecido, quando elles tiverem acabado o tempo de serviço ou no caso de se inhabilitarem;

7.° A não obstar, se os serviçaes tiverem de deixar a sua habitual residencia, a que as familias os acompanhem e vivam com elles;

8.° Caso elles devam saír da sua residencia e não queiram ou não possam fazer-se acompanhar pelas familias, a adiantar-lhes, por conta das soldadas, uma quantia, que os regulamentos locaes fixarão;

9.° A cumprir para com elles todos os preceitos dos n.ºs 4.° e 5.° do § 1.º do artigo 17.°, e as obrigações moraes prescriptas no artigo 18.°;

10.° A não ceder a outrem, gratuita ou remuneradamente, o trabalho da serviçaes compellidos, sem auctorisação da curadoria.

§ unico. Os patrões a quem fugirem os serviçaes compellidos deverão participar immediatamente a fuga á curadoria que tiver jurisdicção na localidade de onde elles tiverem fugido; faltando essa participação, sem motivo justificado, o serviçal que for encontrado a trabalhar para qualquer indivíduo que não seja o que o tiver requisitado, será considerado como cedido por este, que incorrerá na pena de prisão correccional até seis mezes e multa até 1:000$000 réis. E se a referida participação for dolosa e destinada a encobrir a cedencia, o concessionario será castigado com o maximo da pena applicavel a essa cedencia.

Essa pena só poderá, porem, ser inflingida pelos tribunaes ordinarios.

Art. 45.° Os patrões de serviçaes compellidos exercerão, em relação a elles, os direitos e os poderes que o artigo 19.º confere aos patrões de serviçaes contratados.

Art. 46.° Os curadores de serviçaes e colonos terão competencia para julgar e punir, mediante processo summario, cujos termos serão regulados, as seguintes faltas dos patrões dos serviçaes compellidos para com estes, e dos serviçaes para com os patrões:

l.° Por parte dos patrões:

a) Falta de pagamento das soldadas;

b) Detenção forçada dos serviçaes, quando elles hajam findado o seu tempo obrigatorio de serviço;

c) Maus tratos, inflingidos aos serviçaes, que não hajam produzido impossibilidade de trabalho;

d) Transgressões dos preceitos do artigo 44.°

2.° Por parte dos serviçaes:

a) Evasão;

b) Recusa de prestação de trabalho;

c) Desobediencia contumaz, ou insubordinação, não acompanhadas de aggressões pessoaes ou damno causado em propriedade alheia;

d) Vicios ou maus costumes inveterados, que determinem inhabilidade para o trabalho ou causem prejuizo alheio,

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§ 1.° As faltas acima mencionadas dos patrões serão punidas com multa de 5$000 até 20$000 réis, alem do pagamento das indemnisações devidas aos serviçaes queixosos, salvas as disposições especiaes do § unico do artigo 44.°; as dos serviçaes, com trabalho correccional até trezentos dias.

§ 2.º Quando as faltas ou os delictos commettidos pelos patrões para com os serviçaes compellidos, ou vice-versa, estiverem fóra da alçada dos curadores, definida por este artigo, esses magistrados promoverão a sua repressão pelos tribunaes ordinarios.

§ 3.° Dos actos jurisdiccionaes dos curadores, permittidos por este artigo, poderá haver recurso para os tribunaes ordinarios.

§ 4.° Os serviçaes compellidos que se evadirem poderão ser obrigados, depois de cumprida a pena da evasão, a voltar a trabalhar com os mesmos patrões, excepto quando a evasão houver sido motivada por faltas d'estes.

Art. 47.° As soldadas dos serviçaes compellidos serão reguladas por tabellas publicas e fixas, devendo as taxas d'essas soldadas ser equivalentes ás que em, media se pagar em cada localidade aos serviçaes em condições similhantes.

Art. 48.° Os particulares que requisitarem serviçaes compellidos pagarão, por cada um que a auctoridade lhes fornecer, uma quantia modica, proporcional ao tempo de serviço requisitado, que os regulamentos locaes estabelecerão.

Art. 49.° A pena de trabalho correcional, que o artigo l.º do decreto com força de lei de 20 de setembro de 1894 estabeleceu para ser applicada aos indigenas de Timor, S. Thomé e Principe e das costas oriental e occidental da Africa, poderá applicar-se, em todas as provincias ultramarinas onde vigorar a presente lei aos indigenas que os seus artigos 1.° e 3.° sujeitam á obrigação do trabalho.

Art. 50.° A pena de trabalho correccional será sempre mandada applicar por um certo numero de dias uteis de trabalho, e não se considerará cumprida emquanto o condemnado não tiver, seja por que motivo for, trabalhado effectivamente n'esses dias todos.

Art. 51.° A pena de trabalho correccional poderá ser applicada pelos tribunaes ordinarios, pelos juizes municipaes, pelos curadores dos serviçaes e colonos e pelos seus delegados.

Art. 52.° Os juizes municipaes terão competencia para applicar a pena de quinze a noventa dias de trabalho correccional aos indigenas culpados dos delictos e transgressões mencionados no artigo 3.° do citado decreto de 20 de setembro de 1894.

Art. 53.° As transgressões dos preceitos regulamentares do trabalho dos indigenas, a que o decreto de 20 de setembro de 1894 manda applicar a pena de trabalho correccional de quinze a noventa dias, bem como os delictos - de vadiagem quando praticados por indigenas, serão sempre julgados pelos curadores dos serviçaes e colonos e seus delegados, nas provincias ultramarinas onde tiver execução a presente lei e em harmonia com as suas disposições.

Art. 54.º A pena de trabalho correccional a que o artigo 34.° sujeita os indigenas que desobedecerem á intimação e resistirem á compulsão da auctoridade administrativa, poderá ser de quinze a trezentos dias, e será applicada pelos curadores dos serviçaes e colonos ou pelos seus delegados.

Art. 55.° Quando os indigenas que praticarem delictos ou transgressões previstos nos n.ºs 2.° a 7.° do artigo 3.° do decreto de 20 de setembro de 1894 residirem ou forem encontrados em localidades situadas a mais de 20 kilometros de distancia da séde da comarca judicial ou do julgado municipal mais proximo, tambem os delegados dos curadores dos serviçaes e colonos, que tiverem jurisdicção n'essas localidades, poderão applicar-lhes a pena de quinze
a noventa dias de trabalho correccional, dando parte immediata d'essa applicação á curadoria de que dependerem.

Art. 56.° Os delegados dos curadores dos serviçaes e colonos terão competencia para julgar e castigar com pena de trabalho correccional os serviçaes contratados ou compellidos que praticarem os delictos e as transgressões mencionadas no n.° 2.° do artigo 20.°, e no n.° 2.º do artigo 46.°, bem como os que incorrerem nas comminações do artigo 34.°, sempre que elles residirem ou forem encontrados na area da sua jurisdicção. As transgressões e os delictos commettidos por patrões ou agentes seus, previstos nos n.ºs l.ºs dos citados artigos 20.° e 46.°, serão sempre julgados pelos curadores, a quem os seus delegados darão parte d'elles, quando forem commettidos nas suas proprias circumscripções.

§ 1.° Os delegados dos curadores informarão, justificadamente, as curadorias de todas as applicações que fizerem da pena de trabalho correccional.

§ 2.° Os indigenas condemnados a trabalho correccional pelos delegados poderão sempre recorrer para as curadorias de que elles dependerem, tendo o recurso effeito suspensivo.

Art. 57.° Os indigenas condemnados a trabalho correccional ficarão entregues á auctoridade administrativa, que tomará as precauções necessarias para que elles não fujam ao trabalho.

§ 1.° O trabalho correccional será prestado na provincia, e, sempre que seja possivel, no districto em que funccionar o tribunal ou a auctoridade que o tiver applicado como sancção penal, salvas as disposições do § 2.°

§ 2.° O indigena condemnado a trabalho correccional que pertinazmente se recusar a trabalhar, e o que se evadir e for capturado, serão postos á disposição do governador da provincia, que poderá alistal-os nos corpos militares, fazel-os servir a bordo de navios de guerra, empregal-os em trabalhos internos de algum presidio ou mandal-os para outra provincia, para ali lhes ser dado algum d'esses destinos.

Art. 58.° Os indigenas condemnados a trabalho correccional serão sustentados e alojados pelo estado ou pelo municipio que os empregar, e receberão salario em dinheiro, correspondente á terça parte da retribuição que se abonar aos serviçaes compellidos nos termos do artigo 47.°

Art. 59.° Quando o estado e os municipios não poderem empregar os indigenas condemnados a trabalho correccional, poderão elles ser obrigados a servir particulares, que os requisitarem para serviçaes.

§ 1.° Só poderão fazer essas requisições os individuos que os artigos 36.° e 37.° auctorisam a requisitar serviçaes compellidos.

§ 2.° Os individuos que requisitarem indigenas condemnados a trabalho correccional terão, em relação a elles, os mesmos direitos e os mesmos deveres que os patrões de serviçaes compelidos, excepto quanto á retribuição, que deverão pagar-lhes em conformidade com o disposto no artigo 58.°

§ 3.° Os indigenas condemnados a trabalho correccional, que servirem particulares, ficarão entregues á guarde e vigilancia dos patrões, os quaes todavia poderão fazel-os recolher á cadeia publica fóra das horas de trabalho, mediante convenção especial com a auctoridade.

§ 4.° Os particulares que empregarem indigenas condemnados a trabalho correccional obrigar-se-hão, para com a auctoridade que lh'os fornecer, a apresentar-lh'os no fim do tempo de serviço ou quando ella o exigir, sob pena de pagamento de 100$000 réis de multa por cada um, que não tenha morrido.

§ 5.° Serão revogadas as disposições do artigo 7.° do decreto de 20 de setembro de 1894.

Art. 60.º Em cada uma das provincias ultramarinas, cujo territorio constituir mais de uma comarca judicial, haverá um curador geral de serviçaes e colonos, residindo

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na capital, e um curador de serviçaes e colonos em cada comarca; n'aquellas em que houver uma só comarca, funccionará apenas um d'estes ultimos magistrados.

§ 1.° O curador geral será o procurador da corôa e fazenda da provincia, nas provincias onde existir esse tribunal; nas outras, de mais de uma comarca, será o delegado da comarca da capital.

§ 2.° Em cada comarca judicial, o curador aos serviçaes e colonos será o delegado do procurador da corôa o fazenda d'essa mesma comarca.

§ 3.° Nas comarcas onde não for possivel o delegado accumular as suas funcções proprias com as da curadoria, poderá haver um curador privativo, cuja nomeação recairá era individuo habilitado com os requisitos exigidos para exercer o cargo de delegado de procurador da corôa.

§ 4.º Continuarão em vigor as disposições do § unico do artigo 47.°, e as do artigo 48.° do decreto de 22 de fevereiro de 1894.

Art. 61.° O curador de cada comarca terá delegados seus em todos os julgados municipaes e em todas as circumscripções territoriaes d'essa comarca onde funccionar uma auctoridado administrativa, civil ou militar. N'aquelles julgados, esse delegado será o sub-delegado do procurador da corôa e fazenda; n'estas circumscripções o seu chefe, civil, ou militar.

Art. 62.° As curadorias e suas delegações prestarão nos indigenas pobres, por dever de officio e gratuitamente, perante os tribunaes, todos os serviços de assistencia judiciaria de que elles carecerem, nos termos e nas condições que os regulamentos determinarem, quando aquelles serviços não forem incompativeis com as attribuições do ministerio publico.

Art. 63.º O curador geral será o chefe de todos os serviços da curadoria da provincia, cumprindo-lhe superintender n'esses serviços, para que sejam executados com regularidade, e corrigir ou promover a correcção das faltas e dos abusos que commetterem os curadores das comarcas.

Competir-lhe-ha tambem:

1.° Resolver, ou promover a resolução competente, dos conflictos de jurisdicção que se suscitem entre os curadores das comarcas, ou entre elles e outros funccionarios ou magistrados;

2.° Interpretar, ou promover a interpretação authentica das leis e dos regulamentos que as curadorias houverem de executar;

3.° Velar superiormente pela execução fiel dos preceitos d'esta lei e da seus regulamentos, ordenando aos curadores das comarcas que reprimam, ou promovam a repressão legal das suas infracções e transgressões;

4.° Apresentar ao governo, em cada anno, um relatorio geral dos serviços das curadorias da provincia, indicando n'elle, se o julgar preciso, as alterações que convem introduzir na legislação reguladora d'esses serviços;

5.° Zelar, junto do governo geral da provincia, os direitos e os interesses legitimos dos indigenas, para o que será ouvido por esse governo ácerca de todas as providencias, por elle projectadas, que possam influir nas condições geraes de existencia d'esses indigenas.

§ unico. O curador geral perceberá uma gratificação annual, que poderá accumular com os seus vencimentos de representante do ministerio publico.

Art. 64.° Aos curadores das comarcas compete, alem das attribuições que lhes impõem e conferem os artigos antecedentes:

1.° Velar pela execução de todos is preceitos d'esta lei e seus regulamentos, e reprimir ou promover a repressão, pelos meios legaes, das infracções d'esses preceitos;

2.° Zelar, junto das auctoridades administrativas que tiverem residencia na comarca, os direitos e os interesses legitimos dos indigenas, devendo ser ouvidos por essas autoridades ácerca das providencias, que projectarem, que
devam influir nas condições de existencia d'esses indigenas;

3.° Redigir no fim de cada anno um relatorio dos serviços da curadoria a seu cargo, e envial-o ao curador geral da provincia.

§ l.° Os curadores das comarcas receberão, alem dos emolumentos que lhes pertencem nos termos d'este diploma, uma gratificação annual, que poderão accumular com os seus vencimentos de delegado do procurador da corôa e fazenda.

§ 2.° Regulamentos especiaes definirão as attribuições dos delegados dos curadores de comarca.

Art. 65.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha o ultramar, em 20 de março de 1899. - Antonio Eduardo Villaça.

PROPOSTA DE LEI N.° 13-U

Serviços agronomicos nas provincias ultramarinas

Artigo 1.° Km cada districto de cada provincia ultramarina haverá um agronomo official, contratado pelo governo do estudo ou pelo da provincia, devendo o primeiro contrato ser feito por dois annos e podendo ser renovado por periodos de tres.

§ unico. Os agronomos poderão ser nacionaes ou estrangeiros.

O que d'elles ao exigirá essencialmente é que tenham conhecimento pratico das culturas proprias das regiões em que deverem servir, e das applicações industriaes dos seus productos.

Art. 2.° Competirá aos agronomos districtaes:

l.º Estudar as culturas mais remuneradoras que poderão ser applicadas a cada região do districto, e elaborar, para essas culturas, instrucções que sejam publicadas e propagadas;

2.° Estudar o regimen a que deverão ser sujeitas as matas e florestas, e elaborar instrucções para a execução d'esse regimen;

3.° Superintender na cultura dos terrenos das colonias agricolas estabelecidas por conta do estado, e dar aos seus directores todas as instrucções de que elles possam carecer;

4.º Superintender nas culturas particulares dos colonos do estado, e ensinar-lhes a pratica d'essas culturas;

5.° Dirigir a cultura dos hortos de que trata o artigo 4.º;

6.° Dirigir as cultura que por conta do estado forem estabelecidas fóra das colonias agricolas a que se refere o n.º 3.°

7.° Superintender na exploração agricola dos prazos da corôa administrados pelo estado, havendo-os;

8.º Aconselhar os funccionarios incumbidos, nos termos do artigo 5.°, da acquisição e distribuição de plantas e sementes;

9.° Fazer missões agricolas;

10.º Ministrar nos cultivadores particulares todos os esclarecimentos e todas ss instrucções technicas que elles lhes pedirem, nos termos do artigo 3.°

11.° Desempenhar todos os demais serviços, proprios da sua profissão, que superiormente lhes forem ordenados.

Os serviços, permittidos pelo n.° 10.° do artigo anterior, que o agronomo prestar aos particulares, serão por estes retribuidos, em conformidade com os regulamentos e as tabellas que se fizerem. Deverão ser requisitados ao governador do districto, para elles os auctorisarem sem prejuizo ao serviço publico.

Art. 4.º Estabelecer-se-ha em cada districto, em terrenos do estado, pertencentes ou não a colonias agricolas, um horto destinado a experiencias de culturas e á for-

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mação de viveiros de plantas, cuja exploração convenha introduzir ou melhorar n'esse districto. Estes hortos serão subordinados administrativamente aos governos districtaes, s technicamente aos agronomos.

Art. 5.° Os governadores de districto, por si ou por meio das administrações suas dependentes, encarregar-se-hão de adquirir, de fornecer a quem lh'as encommende, a de distribuir gratuitamente a quem possa aproveital-as, sementes e plantas de especies que convenha cultivar e cujas culturas devam prosperar nos terrenos districtaes. Distribuil-as-hão gratuitamente aos colonos do estado, e
fornecel-as-hão, nos termos do regulamento aos cultivadores que possam pagal-as.

Art. 6.º As missões agricolas, de que falla o n.° 9.° do artigo 2.°, consistirão em excursões, que o agronomo, acompanhado pelas auctoridades administrativas, fará pelos territorios do districto, examinando as culturas de quaesquer particulares que desejem esse exame, e especialmente as pos colonos do estado, dando-lhes conselhos para o melhor aproveitamento da terra, diligenciando persuadil-os a cultivarem as especies mais remuneradoras, e fornecendo-lhes para isso plantas e sementes.

§ unico. Estas missões deverão durar, pelo menos, seis mezes em cada anno.

Art. 8.° Na capital de cada districto haverá, de dois em dois annos, uma exposição de productos agricolas d'esse districto e das suas applicações industriaes, distribuindo-se recompensas aos expositores que se assignalarem pela introducção ou desenvolvimento de culturas remuneradoras.

Art. 8.º No Instituto de agronomia de Lisboa serão creadas, por conta, do ministerio da marinha e ultramar, as cadeiras necessarias para o ensino dos processos culturaes applicaveis ás provincias ultramarinas, conforme o clima as condições geologicas e a flora de cada uma d'ellas.

§ 1.º Estas cadeiras poderão ser regidas por estrangeiros, contratados temporariamente, se não houver nacionaes habilitados para a sua regencia.

§ 2.° Estas cadeiras farão parte, obrigatoriamente, do curso geral de agronomia, mas tambem poderão ser frequentadas em separado.

§ 3.° A frequencia d'estas cadeiras será recommendada por meio da concessão legal de vantagens e preferencias aos individuos que se propozerem a exercer funcções publicas no ultramar.

§ 4.° O governo abrirá, por largos prasos, concursos para elaboração da compendies destinados á leccionação d'essas cadeiras, dando premios pecuniarios aos concorrentes preferidos.

Art. 9.° É auctorisado o ministerio da marinha e ultramar a subsidiar individuos habilitados com o curso de agronomia, para irem estudar theorica e praticamente as culturas tropicaes, applicaveis ás provincias ultramarinas, nos paizes estrangeiros onde essas culturas mais prosperarem.

Art. 10.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 20 de março de 1899. = Antonio Eduardo Villaça.

PROPOSTA DE LEI N.° 13-Y

Auxilios do estado á agricultura das provincias ultramarinas

Artigo 1.° Todos os logares das provincias ultramarinas, fóra das grandes povoações, em que tiverem residencia official auctoridades administrativas, civis ou militares, ou que forem sédes de missões religiosas, serão tambem, quando não houver inconveniente, assento de colonias agricolas, livres, penaes ou mixtas, superiormente dirigidas pelos chefes d'essas missões ou por aquellas auctoridades, e organisadas conforme as regras estabelecidas n'esta lei e seus futuros regulamentos.

Art. 2.° Os terrenos do estado que se escolherem para as colonias serão quanto possivel proximos das residencias officiaes dos funccionarios que deverem dirigil-as, quando não poderem ser-lhes contiguos. Compor-se-hão de uma area destinada a ser, com o auxilio do estado que os regulamentos estabelecerem, cultivada ou applicada á creação de gado, outra reservada para habitações e culturas particulares de colonos, e uma terceira onde se construirão os edificios necessarios aos serviços das colonias, como moradias do seu pessoal dirigente, alojamentos para sentenciados, quartel de destacamento militar, officinas, etc.

Art. 3.° O terreno destinado a culturas e habitações particulares será dividido em lotes. Parte d'elles deverão ser vendidos ou dados de aforamento, nos termos da legislação vigente, e parte distribuidos a indigenas, que os cultivem e residam n'elles, nos termos da legislação especial.

§ unico. Serão applicaveis a estes colonos todas as disposições da lei que regular as condições do colonato indigena, com as modificações seguintes:

l.ª Os colonos receberão gratuitamente do estado materiaes para construcção de palhotas, ferramentas cafreaes, se as não tiverem, e sementes ou plantas para as primeiras culturas.

2.ª Em compensação, esses colonos ficarão obrigados:

a) A cultivar, em parte dos lotes de terreno que lhes tiverem sido distribuidos, as plantas que lhes forem indicadas pelos directores das colonias;

b) A trabalhar no terreno da colonia cultivado por conta do estado, mediante soldada equivalente á dos serviçaes compellidos, sempre que o seu trabalho for necessario e elles possam prestal-o sem prejuizo das proprias culturas;

c) A sujeitar-se aos regulamentos internos da colonia, na parte que lhes for applicavel.

Art. 4.° As culturas por conta do estado, nos terrenos das colonias a esse fim destinados, serão dirigidas pelos directores das mesmas colonias, auxiliados pelo pessoal official que lhes estiver subordinado, e pelos agronomos dos districtos. N'essas culturas poderão os directores empregar:

Serviçaes compellidos;

Indigenas condemnados a trabalho correccional;

Individuos, indigenas ou não, sujeitos a trabalho penal;

Serviçaes contratados, á falta de outros.

§ 1.° Todos estes trabalhadores receberão, quando em serviço, as retribuições pecuniarias a que tiverem direito nos termos da legislação especial.

§ 2.° As praças dos destacamentos de tropas indigenas e os sipaes em serviço nas colonias tambem poderão ser empregados nos trabalhos agricolas, sem prejuizo do cumprimento dos seus deveres militares e policiaes, recebendo por isso gratificações.

Art. 5.° Os governadores das provindas e os governadores dos districtos distribuirão pelas colonias agricolas do estado os sentenceados, europeus ou indigenas, que forem obrigados a trabalho, que não deva ter outra applicaçâo. Esses sentenceados ficarão ahi sujeitos a um regimen disciplinar especial.

Art. 6.° Os indigenas condemnados a trabalho correccional prestal-o-hão nas colonias agricolas do estado, quando não poderem ser aproveitados n'outra parte. Se forem bem comportados poder-se-ha distribuir-lhes terras, para as cultivarem por conta propria na condição de colonos do estado.

Art. 7.° Nos prazos da corôa onde a cobrança do mussoco estiver arrematada no regimen do decreto de 18 de novembro de 1890, não se estabelecerão colonias agricolas do estado sem accordo com o arrendatario.

N'aquellas, porém, em que os arrendamentos não forem regidos pelos preceitos d'esse decreto, poder-se-ha fundar

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colonias d'aquella natureza, sendo applicadas a sua organisação as mesmas regras que a todas as outras, com a unica restricção de que os colonos não serão dispensados do pagamento do mussoco. Pagal-o-hão, porém, aos directores das colonias, que entregarão o sou producto aos arrendatarios, podendo estes auxiliar a cobrança.

Art. 8.° Nos terrenos das colonias pertencentes ao estado emprehender-se-hâo culturas cujos productos possam ser exportados, e ensaiar-se-hão aquellas que mais convier desenvolver ou introduzir na provincia.

A escolha d'essas culturas será feita pelos governadores das provincias, de accordo com os agronomos.

Tambem nos mencionados terrenos se deverá, sempre que seja possivel, estabelecer creação ou engorda do gado.

Art. 9.º As receitas provenientes das culturas e das industrias agricolas, que se emprehenderem nos terrenos publicos das colonias, entrarão nos cofres publicos; parte d'ellas, porém, será distribuida pelo pessoal dirigente das colonias e pelos agronomos districtaes, nas proporções que os regulamentos estabelecerem.

Art. 10.° Os governadores das provincias ultramarinas serão auctorisados a, de accordo com o governo do estado, emprehender n'essas provincias, por conta do mesmo estado, com braços livros ou compellidos, culturas em larga escala, cujos productos, não similares a quaesquer da metropole, devam encontrar n'ella consumo certo, dispensando-a de recorrer, para os alcançar, a mercados estrangeiros. As condições d'estas culturas serão, porém, reguladas especialmente.

§ 1.° As culturas a que se refere este artigo poderão ser emprehendidas fóra dos terrenos das colonias agricolas do estado, e n'um regimen differente do d'essas colonias.

§ 2.° Os terrenos desbravados e cultivados por conta do estado deverão ser por elle vendidos ou dados de aforamento em praça publica, sempre que haja particulares que pretendam adquiril-os em condições equitativas, sendo a receita proveniente d'essas alienações applicada integralmente a novas culturas.

Art. 11.° Emquanto se não podér organisar credito agricola propriamente dito nas provincias ultramarinas, o governo deverá, n'aquellas em que a auctoridade dispozer de numerosos braços indigenas, animar a iniciativa particular a applicar-se a exploração agricolas, prestando-lhe, a credito, serviços e auxilios necessarios a taes explorações. As bases d'este systema de fomento, que os regulamentos locaes accommodarão do circumstancias particulares das diversas regidas, serão as seguintes:

l.ª Os proprietarios e emphyteutas de terrenos incultos que quizerem desbraval-os e pol-os em cultura, os que pretenderem beneficiar os seus predios rusticos fazendo n'elles trabalhos de irrigação, drenagem ou quaesquer outros similhantes, os que precisarem construir edificios essenciaes as explorações agricolas, os que intentarem plantações e sementeiras em larga escala, poderão, com auctorisação previa do governo local, contratar com a direcção aos obras publicas da provincia a realisação, por empreitada, d'esses melhoramentos, nas condições seguintes.

2.ª Os governadores só concederão a auctorisação exigida no numero anterior, depois de se haverem certificado quanto possivel, por meio do exame e do parecer das estações e dos funccionarios competentes:

a) De que os trabalhos a emprehender serão remuneradores;

b) De que o valor venal do predio beneficiado por esses trabalhos ficará sendo superior ao custo d'elles;

e) De que as bemfeitorias a realisar não prejudicarão direitos ou interesses legitimos do terceiro.

A referida auctorisação nunca será dada:

Para plantações ou sementeiras cujos productos não sejam artigos de exportação;

Para construcção de predios urbanos e de quaesquer edificios do luxo ou não strictamente necessarios ás explorações ruraes;

Para melhoramentos em predios rusticos cuja area seja inferior a 10 hectares;

Para quaesquer trabalhos requeridos por individuos que, tendo contratado com as obras publicas outros trabalhos similhantes, tenham faltado a alguma condição do contrato.

3.º O preço da empreitada será ajustado livremente entre o proprietario e a direcção das obras publicas, com a approvação do governador da provincia ou, por delegação d'este, do governador do districto. Sempre que seja possivel, organisar-se-hão tabellas dos preços, fixos ou approximativos, mediante ou quaes essa direcção poderá encarregar-se de determinados trabalhos dos que o n.º 1.º auctorisa.

4.ª A fórma de pagamento dos trabalhos a effectuar será tambem objecto de livre accordo entre as partes contratantes, uma vez que, não seja mais desvantajosa para o estado do que alguma das seguintes combinações:

a) O proprietario pagará o preço dos trabalhos, com o juro de 6 por cento ao anno, n'um certo numero de prestações annuaes, não superior a dez. Essas prestações serão consideradas como impostos, e cobradas juntamente com as contribuições que recairem sobre o predio em que os trabalhos tenham sido feitos, pelos mesmos processos que ellas, gosando o estado, em relação a taes prestações, do privilegio creditorio de que trata o § l.º do artigo 887.° do codigo civil;

b) A quantia que o proprietario ficar devendo ao estado será considerada prestada por este áquelle, mediante condição de pagamento perpetuo de uma renda ou censo, a que ficará consignado o predio em que os trabalhos tiverem sido feitos. Esse censo corresponderá ao juro annual de 6 por cento da mencionada quantia; o contrato será distractavel nos termos do artigo 1648.° do codigo civil; e no caso do concessionario deixar de pagar por tres annos, o credito do estado, definido pelo artigo 1649.° do mencionado codigo, gosará do mesmo privilegio que os impostos.

5.ª Os contratos para empreitadas permittidas pela base l.ª serão feitos por escriptura publica.

6.ª Tambem os governadores dos districtos poderão fornecer a credito, aos proprietarios de predios rusticos que lh'o requererem:

Sementes e plantas, cujos productos sejam artigos de exportação;

Alfaias e ferramentas agricolas;

Materiaes para construcções rusticas, quando os haja em propriedades do estado.

A importancia d'estes fornecimentos será paga em não mais de quatro prestações annuaes, sendo cobradas as prestações juntamente com a contribuição predial, pelo mesmo processo e com o mesmo privilegio creditorio.

Art. l2.° O banco nacional, que tiver o privilegio da emissão de notas nas provincias ultramarinas, deverá abrir ao estado, nas suas succursaes ou agencias d'essas provincias, creditos annuaes gratuitos, cuja importancia será fixada por contrato, destinados exclusivamente:

1.º Ás despezas das culturas que por conta do mesmo estado se emprehenderem nas colonias agricolas ou fóra d'ellas, emquanto essas despezas não forem cobertas pelas receitas das mesmas culturas;

2.° A auxilios á agricultura, prestados nos termos do artigo 11.°

§ unico. Estes creditos liquidar-se-hão no fim de cada anno, pela fórma regulada nos artigos subsequentes, abrindo-se novamente integros, no anno seguinte, durante o periodo de dez annos.

Art. 13.° O banco poderá emittir, em cada anno, as obrigações que forem necessarias para que o producto da sua emissão cubra as quantias que o estado tiver levanta-

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do, n'esse mesmo anno, por conta do credito a que se refere o artigo antecedente. Essas obrigações serão amortisaveis e vencerão juro fixo, sendo o pagamento do juro e da amortisação garantido cumulativamente pelo banco emissor e pelo estado.

§ 1.° As epochas, as importancias e todas as outras clausulas das emissões serão reguladas por accordo do governo do estado com o banco.

§ 2.° O producto das emissões, liquido das despezas do seu expediente, será creditado ao governo.

Art. 14.° Para pagamento da amortisação e do juro das obrigações emittidas, o governo do estado consignará ao banco, em cada provinda ultramarina, as seguintes rendas e receitas eventuaes:

a) As prestações que, nos termos do artigo 11.°, lhe forem devidas pelos agricultores que tiverem recebido auxilios do estado;

b) O producto da venda dos predios que forem executados para pagamento das prestações a que se refere a alinea a) da base 4.ª do mesmo artigo;

c) A receita liquida das culturas que por conta do estado se emprehenderem nas colonias agricolas ou fóra d'ellas;

d) O producto da venda de quaesquer bens proprios nacionaes, situados nas provincias ultramarinas;

e) Todos os fóros, impostos em predios rusticos ou urbanos, que nas provincias ultramarinas deverem ser pagos ao estado.

§ 1.° O banco cobrará directamente dos devedores as receitas mencionadas nas alineas a) e b), gosando n'essa cobrança de todos os direitos e privilegios que competem ao estado.

§ 2.° As receitas designadas nas alineas b) e d) serão entregues nos cofres do banco pelos proprios compradores, mediante guias passadas pelas repartições competentes.

§ 3.° O banco terá o direito de fiscalisar, pelos meios que se estabelecerem, a administração e a contabilidade das emprezas agricolas a que se refere a alinea c).

Art. 15.° Se o banco, de accordo com o governo, não effectuar a emissão annual de obrigações auctorisada pelo artigo 13.° ou se a effectuar e o seu producto não cobrir as quantias levantadas n'esse mesmo anno pelo estado, as receitas consignadas nos termos do artigo antecedente serão pelo mesmo banco applicadas ao reembolso d'essas quantias ou da parte d'ellas que a emissão não tiver coberto, sem prejuizo do pagamento dos encargos das emissões anteriores. Ficando saldo contra o governo, esse saldo constituirá divida do mesmo governo, que a caucionará com fundos publicos e por ella pagará juros.

§ unico. Esta divida poderá ser paga pelo producto das emissões posteriores de obrigações.

Art. 16.° Se no fim do anno as receitas consignadas ao pagamento da amortisação e do juro das obrigações não chegarem para esse pagamento, a differença ficará constituindo divida do governo, que a caucionará com fundos publicos e por ella pagará juros, podendo, porém, a importancia d'essa divida ser comprehendida na de posteriores emissões de obrigações e paga pelo producto d'ellas.

Art. 17.° Se, pelo contrario, as receitas consignadas excederem os encargos das obrigações emittidas, o saldo será applicado ao resgate d'essas obrigações, ou ficará constituindo fundo de reserva para o pagamento dos encargos venciveis em annos subsequentes, cumprindo ao governo determinar qual d'estas applicações lhe será dada.

Art. 18.º O juro das obrigações e a sua amortisação serão pagos na séde e em todas as agencias do banco, bem como em todas as repartições de fazenda das provincias ultramarinas.

Art. 19.° Sempre que a somma das dividas do governo ao banco, contrahidas em virtude das disposições dos artigos 5 ° e 6.°, attingir a importancia da decima parte do capital do banco, o governo será obrigado a pagal-a por inteiro ou, pelo menos, a reduzil-a a quantia não superior á vigesima parte d'esse capital.

Art. 20.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 20 de março de 1899. = Antonio Eduardo Villaça.

PROPOSTA DE LEI N.° 13-X

Fomento industrial das colonias

Artigo 1.° É o governo auctorisado a assegurar, por um periodo não superior a quinze annos, a manutenção da disposição consignada no artigo 4.° da carta de lei de 27 de dezembro de 1870 em favor dos generos e mercadorias de producção propria das provincias ultramarinas, importadas nas alfandegas do continente do reino ou das ilhas adjacentes, quando dos referidos generos e mercadorias não haja no reino ou nas ilhas adjacentes producção similar.

§ 1.° A applicação d'este artigo a qualquer genero ou mercadoria não poderá ser decretada sem accordo previo dos ministerios da fazenda, da marinha e ultramar, e das obras publicas, commercio e industria, cada um dos quaes deverá ouvir a tal respeito as estações officiaes da sua dependencia ou quaesquer corporações que possam esclarecer o assumpto.

§ 2.° Fica desde já assegurada por quinze annos, e nos termos do artigo 4.º da citada carta de lei, a manutenção do differencial de 50 por cento em favor do assucar e do algodão em rama ou caroço, de producção das possessões ultramarinas e d'ellas importados em navios nacionaes,

§ 3.° E elevado a 10 réis por kilogramma o direito de importação do algodão em rama ou caroço nos portos do continente do reino ou das ilhas adjacentes, sendo ao imposto assim fixado que se applicará o differencial indicado no § 2.° d'este artigo.

Art. É o governo igualmente auctorisado a assegurar, por um periodo não superior a quinze annos, a manutenção do differencial estabelecido nas pautas das possessões ultramarinas em favor das mercadorias de producção e industria do continente do reino ou ilhas adjacentes, que forem importadas nas alfandegas das ditas possessões, quando o desenvolvimento da respectiva producção ou industria assim o justifique.

§ 1.° A applicação d'este artigo a qualquer genero ou mercadoria não poderá ser decretada, sem ser ouvido o governador da respectiva possessão, cujo parecer será acompanhado das consultas das estações officiaes e das corporações commerciaes ou outras que devam ser ouvidas a tal respeito; e sem que, sobre as indicadas informações e as demais que se julgue conveniente solicitar, seja ouvido por ultimo o conselho das pautas ultramarinas.

§ 2.° Fica desde já assegurado por vinte annos, e nos termos do artigo 4.° da carta de lei de 27 de dezembro de 1870, em favor dos tecidos de producção do continente do reino ou das ilhas adjacentes, o differencial estabelecido nas actuaes pautas das provincias ultramarinas, seja qual for o direito que se estabeleça para a importação dos referidos artigos.

Art. 3.° O algodão em rama ou em caroço, exportado em navios nacionaes pelas alfandegas das possessões ultramarinas com destino aos portos do reino ou das ilhas adjacentes, é livre de direitos.

Art. 4.° A differença entre a receita actualmente cobrada nas alfandegas do continente do reino e ilhas adjacentes dos direitos de importação de algodão em rama ou em caroço, e a que produzir o imposto estabelecido pelo § 3.° do artigo 1.° d'esta lei, será exclusivamente destinada:

1.° A estabelecer premios de importação ao algodão de

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producção das provincias ultramarinas que for transportado em navios nacionaes para o continente do reino e ilhas adjacentes;

2.º Ao pagamento dos encargos resultantes de melhoramentos materiaes na provincia de Angola.

Artigo 5.° O governo clara annualmente conta ás cortes do nso que fizer d'esta auctorisação.

Artigo 6.° Fica revogada a legislado em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 20 de março de 1899. - Antonio Eduardo Villaça.

PROPOSTA DE LEI N.º 13-Y

Viação em S. Thomé e Principe

Artigo 1.° O governa mandará proceder, com a major brevidade, ao estudo de um plano geral de viação, que satisfaça, quanto possivel, ás necessidades agricolas, commerciaes e industriaes das ilhas de S. Thomé e Principe.

§ 1.° Este estudo comprehenderá:

a) Uma rede ferro-viaria, na ilha de S. Thomé, do systema de tracção mais economico, attentas as condições particulares da ilha;

b) As estradas ordinarias que completem aquella rede, ligando-a aos principaes centros de producção

c) A rede de estradas ordinarias na ilha do Principe;

d) Os systemas funiculares a construir, se as condições locaes e a economia os aconselharem.

§ 2.° O estudo a que se refere o paragrapho antecedente deverá estar concluido dentro de um anno, a contar da data d'esta lei, e comprehenderá todas as indicações necessarios para se poder proceder á adjudicado por concurso publico, das obras respectivas, conjuncta ou separadamente.

§ 3.º No estudo a que se referem os paragraphos antecedentes procurar-se-hão reunir os elementos, necessarios, para a elaboração das cartas chorographicas das duas ilhas.

Art. 2.° É o governo auctorisado a contrahir um emprestimo exclusivamente destinado á construcção da rede ferro-viaria da ilha do S. Thomé e das demais obras comprehendidas no plano geral a que se refere o artigo 1.°, não podendo os encargos do juro e amortisação do dito emprestimo exceder as verbas actualmente consignadas no orçamento da provincia de S. Thomé e Principe, em conformidade com a disposição do decreto com força de lei de 19 de novembro de 1896.

§ 1.° Se o orçamento de todas os obras do plano geral for tal que os encargos do juro e amortisação do emprestimo a contrahir excedam as quantias consignadas no orçamento, ás quaes se refere este, artigo, o governo limitará a oonstrucção ás que forem de mais urgente necessidade, reservando as restantes para quando se realisar o augmento da receita prevista no § unico do artigo 4.° do mencionado decreto.

§ 2.° No caso de ter de se restringir o plano geral das obras, será sempre contemplada a ilha do Principe com uma verba equivalente á quarta parte da que for destinada para estradas na ilha de S. Thomé.

Art. 3.° A construcção da rede ferro-viaria na ilha de S. Thomé poderá ser feita por administração ou adjudicada em hasta publica.

§ 1.° No caso de adjudicação, ficará o concessionario obrigado a apresentar o projecto definitivo, successivamente, por secções e nos prasos fixados pelas condições do concurso, devendo a construcção estar concluida e todas as secções abertas á exploração no praso de quatro annos, a contar da data do respectivo contrato.

§ 2.° O custo da construcção, que resultar do concurso, poderá, se assim for mais conveniente, constituir um emprestimo, de que o adjudicatario ficará credor, devendo, n'esse caso, o governo contrahir outro emprestimo para as restantes obras, comtanto que os encargos totaes não excedam os que foram estabelecidos no artigo 2.°

Art. 4.° Na construcção das estradas ordinarias dar-se-ha preferencia ás que forem, mais urgentes por servirem centros importantes de população ou de producção.

§ 1.° Na construcção de estradas que sirvam centros de produção dar-se-ha preferencia áquellas que atravessem fazendas agricolas, cujos proprietarios se obriguem a ceder gratuitamente os terrenos incultos, que seja necessario expropriar, se conformem com o valor attribuido aos terrenos cultivador e offereçam ao estado qualquer auxilio em trabalho ou dinheiro, concorrendo assim para diminuir os encargos da respectiva obra.

§ 2.° A construcção das estradas, ordinarias, sempre que as circumstancias indicadas no paragrapho antecedente o não tornem difficil, será feita por empreitada, adjudicada em concurso publico.

A construcção das linhas funiculares, constantes do plano geral, ou outras cuja necessidade venha a reconhecer-se, será feita do modo mais consentaneo aos interesses do estado, e dentro das verbas a que se refere o artigo 2.°

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha o ultramar, em 20 de março do 1899. = Antonio Eduardo Villaça.

PROPOSTA DE LEI N.º 18-Z

Imposto sobre o alcool em Angola

Artigo l.º O alcool e aguardente produzidos nos districtos de Loanda, Benguella, Mossamedes e Lunda, da provincia de Angola, ficam sujeitos ao imposto unico de 80 réis por litro de liquido fabricado, com a força alcoolica não superior a 24 graus Cartier; sendo este imposto augmentado com 10 réis por cada grau a mais de força alcoolica alem de 24.

Art. 2.° Este imposto será liquidado por avença ou por manifesto e pago em prestações trimestraes adianta-as, de accordo, tanto quanto possivel, com os processos e regulamentos actualmente estabelecidos.

Art. 3.° É prohibido ás camaras e commissões municipaes lançarem qualquer imposto sobre o consumo do alcool e da aguardente; sendo-lhes tão sómente permittido cobrar taxas de licença de venda a retalho, ao quaes não poderão de fórma alguma exceder a 20 por cento das actualmente era vigor.

Art. 4.º A quinta parte do imposto creado pelo artigo 1.° será destinada a pagar ás camaras e commissões municipaes o equivalente á receita que actualmente cobram pelos impostos municipaes sobre o consumo do alcool e da aguardente; devendo esta receita calcular-se pela media dos ultimos tres annos,

Art. 5.° A apresentação de documento que prove ter-se pago o imposto creado pelo artigo 1.° isenta do imposto de exportação o alcool e aguardente de producção provincial a que o mesmo documento se refira.

Art. 6.° As taxas estabelecidas no decreto de 25 de abril de 1895 para, a importação do alcool e aguardente serão acrescentadas com o addicional de 70 por cento.

Art. 7.º É o governo auctorisado a modificar os regulamentos actuaes ou a formular quaesquer outros regulamentos, bem como a organisar os serviços de fiscalisação e cobrança, necessarios para a execução d'esta lei; não devendo a despeza com estes serviços ir alem de réis 18:000$000.

Art. 8.° Fica abolido o imposto de 10 réis por litro de alcool ou aguardente provincial, creado por decreto de 10

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de agosto de 1893 e revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 20 de março de 1899. = Antonio Eduardo Villaça.

PROPOSTA DE LEI N.° 13-AA

Caminho de ferro de Benguella

Artigo 1.° É o governo auctorisado a adjudicar em basta publica a construcção e exploração de um caminho de ferro de via reduzida e sua respectiva linha telegraphica entre o porto de Benguella e o planalto de Caçoada, nos termos das bases annexas a esta lei e que fazem parte integrante d'ella.

§ 1 .° A base da licitação é a percentagem, que o governo terá de entregar ao concessionario, do excesso, quando o houver, dos rendimentos da alfandega de Benguella, em cada um dos annos que durar a concessão, sobre a media dos que se houverem realisado durante os tres ultimos annos que precederem a assignatura do contrato relativo á mesma concessão.

§ 2.º Quando os concorrentes proponham percentagens iguaes, o governo poderá fazer a adjudicação áquelle que offerecer quaesquer vantagens especiaes, sobretudo ao que se obrigar a estabelecer maior numero de familias de colonos portuguezes nos territorios que ficarem pertencendo ao concessionario.

§ 3.° O governo não é obrigado em caso algum a fazer a adjudicação, quando entender que ella não é conveniente aos interesses publicos, em vista das propostas apresentadas no concurso.

Art. 2.° O governo dará conta ás cortes do uso que fizer d'esta auctorisação.

Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 20 de março de 1899. = Antonio Eduardo Villaça.

Bases para a construcção e exploração do caminho de ferro de Benguella

CAPITULO I

Obrigações que contrahe a empreza. Condições relativas á construcção do camiaho de ferro e ao fornecimento do respectivo material fixo e circulante. Direitos do estado e da empresa sobre as diversas construcções e material fornecido.

Base 1.ª

A empreza, entendendo se por esta palavra os concessionarios ou a companhia que são obrigados a organisar, efectuará á sua custa e por sua conta e risco, nos termos, pelo modo e nos prasos n'estas condições estipulados:

1.° Os estudos e a construcção de um caminho de ferro que, partindo do porto de Benguella, vá até o planalto de Caconda, com o seu terminus no ponto que, em vista dos estudos, for escolhido pelo governo de accordo com a empreza; sendo o dito caminho de ferro completo em todas as suas partes, com todas as expropriações, aterros e desaterros, obras de arte, assentamento de via, estações, officinas de pequena e grande reparação, edificios accessorios, casas de guarda, barreiras, passagens de nivel, muros de sustentação, muros de vedação ou sebes para separar a via ferrea das propriedades contiguas, e em geral as obras de construcção previstas ou imprevistas, sem escepção ou distincção, que forem necessarias para o completo acabamento da linha ferrea e exploração da mesma;

2.° O fornecimento, conservação e renovação das locomotivas, carruagens para viajantes, wagons para mercadorias, machinas e utensilios para as officinas, plataformas giratorias, reservatorios e apparelhos hydraulicos, guindastes, signaes e em geral de todo o material fixo e circulante designado ou não designado, que for necessario para manter a linha em perfeito estado de exploração;

3.° O estabelecimento de um telegrapho electrico ao lado da linha ferrea, e a conservação e renovação dos materiaes e apparelhos que forem precisos para o manter em bom estado de serviço;

4.° A collocação dos marcos kilometricos, e o levantamento do cadastro do caminho de ferro, com a descripção de todas as obras de arte e mais dependencias, entregando ao governo duas copias d'esse cadastro, devidamente authenticadas;

5.° A construcção de uma ou mais pontes, caes e docas no porto de Benguella e as vias ferreas de serviço necessarias para ligar o caminho de ferro ao mesmo porto, com o fim exclusivo de facilitar o desenvolvimento do trafego d'aquelle caminho de ferro.

Base 2.ª

A fim de favorecer e facilitar a colonisação europêa portugueza no districto de Benguella, a empreza obriga-se a empregar, nas obras que executar em virtude do prescripto nas presentes bases, o maior numero possivel de operarios portuguezes e, bem assim, nos primeiros cinco annos que se seguirem á construcção do caminho de ferro, a estabelecer nos terrenos que lhe forem concedidos e nas localidades escolhidas, de accordo com o governo, pelo menos, até duzentas familias de colonos portuguezes, que o governo fizer transportar para esse fim ao porto de Benguella.

Base 3.ª

A empreza obriga-se tambem a entregar ao governo 10 por cento do seu capital em acções inteiramente liberadas.

Base 4.ª

As obras mencionadas nos n.ºs 1.° e 5.° da base l.ª, que a empreza é obrigada a executar serão feitas conforme os projectos definitivos por ella preparados em harmonia com estas condições, depois de terem sido approvados pelo governo.

§ 1.° Os projectos para as obras, a que se refere o n.° 1.° da referida base, comprehenderão:

1.° O reconhecimento geral do caminho de ferro com a indicação dos pontos terminus e intermedios de passagem mais importantes;

2.° Por secções, o perfil longitudinal, os perfis transversaes, a planta cadastral e as obras de arte, tudo nas escalas usuaes, e uma memoria descriptiva e justificativa do traçado.

§ 2.° Dos projectos approvados fará a empreza tirar duas copias que serão authenticadas pela respectiva direcção geral do ultramar e entregues uma á empreza e outra á fiscalisação do governo.

Base 5.ª

O caminho de ferro será construido com leito e obras de arte para uma só via, excepto nas estações, em que haverá as necessarias vias de resguardo e de serviço.

Base 6.ª

A largura da platafórma do caminho de ferro ao nivel dos carris, não comprehendendo os fossos, será pelo menos de 3m,60 nos aterros e nas trincheiras, e de 4 metros entre os parapeitos das pontes, viaductos e subterreneos.

A largura da via será de 1 metro entre as faces interiores dos carris. Quando houver duas vias, a largura da

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entrevia medida entre as faces exteriores dos carris será pelo menos de lm,80.

A largura da parte superior do balastro será de 2m,10 e a sua espessura de 0,30, pelo menos.

Base 7.º

O maximo dós declives deverá ser de 25 millimetros por metro.

Os raios das curvas de concordancia que ligam os alinhamentos rectos deverão ser no minimo de 150 metros. Poderão ter, porém, em casos excepcionaes e com approvação do governo, 120 metros, e nas vias de resguardo 100 metros.

Base 8.ª

Quando o caminho de ferro passar sobre alguma estrada ou caminho publico, a abertura do viaducto será fixada pelo governo, em vista das circumstancias locaes, sem que em caso algum possa ser inferior a 4 metros. Quando o viaducto for em arco, a distancia entre o pavimento da estrada ou caminho e o fecho do arco não será inferior a 5 metros. Se o viaducto for du vigas rectas, esta distancia poderá reduzir-se a 4m,30.

Base 9.ª

Quando o caminho de ferro passar por baixo de uma estrada, a largura entre os parapeitos da ponto ou viaducto será fixada pelo governo, em vista das circumstancias locaes, sem que possa ser inferior a 4 metros.

Quando o viaducto for em arco, a distancia entre a face superior de cada carril e a abobada não será inferior a 4m,30.

Se o viaducto for de vigas rectas, o minimo da distancia no eixo do caminho de ferro será de 4m,30.

Base 10.ª

A largura dos subterraneos nas secções de uma só via será de 4 metros, pelo menos.

A distancia vertical entre e intradorso e o plano tangente á superficie superior dos carris não será inferior a 4m,30, nem a altura, do fecho da abobada acima do mesmo plano será inferior a 5 metros.

Base 11.ª

A empreza estabelecerá ao longo do caminho de ferro os fossos e valletas que forem precisos para dessecamento da via e esgoto das aguas.

Base 12.ª

A empreza estabelecerá e assegurará á sua custa o curso das aguas que se tenha suspendido ou modificado em consequencia das obras do caminho de ferro, ou indemnisará o proprietario, segundo as leis que forem applicaveis.

Base 13.ª

Nos cruzamentos com as estradas e caminhos deverão estabelecerão todos os meios de precaução que se julgarem necessarios para segurança dos transeuntes.

Base 14.ª

Nos pontos de encontro das estradas ordinarias com a via ferrea, durante a feitura d'esta, a empreza providenciará de modo a evitar que a circulação seja interrompida.

Base 15.ª

As terras para a formação da aterros serão sempre extrahidas de maneira que se evite a estagnação das aguas prejudicial á saude publica e de modo que se não diminua a estabilidade das obras.

Base 16.ª

A empreza deverá, na construcção das obras, empregar materiaes de boa qualidade.

Serão construidos de pedra, ferro ou tijolo, os viaductos, pontões, aqueductos e canos de rega, e as passagens superiores, inferiores e de nivel que, em numero sufficiente, terão as dimensões exigidas pela sua estabilidade e segurança, e apropriadas ao volume das aguas, á largura do caminho de ferro e á das estradas ordinarias a que essas obras devam dar passagem.

Os paramentos das abobadas, os cunhaes, os soccos e os coroamentos serão, quanto possivel, de pedra apparehada, de boa qualidade; podendo, onde não houver pedral n'estas condições, ser permittido o emprego do tijolo.

Base 17.ª

Os carris e outros elementos constitutivos da via ferrea devem ser de boa qualidade e dos melhores modelos, proprios para preencherem o fim a que se destinam.

Os carris a empregar serão de aço, e de peso não inferior a 20 kilogrammas por metro corrente; devendo ser fixados pelo systema que a empreza julgar mais conveniente, segundo os ultimos aperfeiçoamentos e com previa approvação do governo.

Base 18.ª

A empreza estabelecerá uma estação de partida em Benguella, em communicação com o porto por meio de vias ferreas, pontes, caes e docas, e com as accommodações necessarias para passageiros, mercadorias e empregados; e mais as estações para passageiros e mercadorias que forem necessarias entre os pontos extremos do caminho.

§ unico. Quando as distancias entre essas estancies forem consideraveis e as conveniencias da exploração o exigirem, poderá o governo determinar em qualquer epocha que se estabeleçam, em pontos intermedios, vias de resguardo especialmente destinadas para o cruzamento dos comboios.

Base 19.ª

Serão igualmente estabelecidas pela empresa as officinas, machinas e apparelhos necessarios para a feitura e concerto do material de exploração, comprehendendo as locomotivas, e bom assim os armazens, telheiros, e depositos necessarios para o estacionamento e pintura das locomotivas, tendera, carruagens e wagons, os fossos necessarios para picar fogo, e os apparelhos e reservatorios para alimentação das machinas.

Base 20.ª

As machinas locomotiva e demais material circulante serão da melhores modelos conhecidos e proprios para garantirem uma boa exploração.

As carruagens dos viajantes devem ser apropriadas ao clima, havendo-as de tres classes, pelo menos, e preencher as condições prescriptas pelo governo no interesse da segurança publica e da commodidade dos passageiros. Os wagons o restante material devem ser de boa qualidade e solida construcção

Base 21.ª

O caminho de ferro de Benguella ao planalto de Caconda, com todos os edificios necessarios para o serviço e mais accessorios e dependencias, como carris, cochins, travessas, e em geral todo o material fixo de qualquer especie, fica, desde a sua construcção ou collocação e na linha,

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pertencendo ao dominio do estado para todos os effeitos juridicos, nos termos do direito commum e especial dos caminhos de ferro, e das diversas condições do contrato. Todo o material circulante, machinas, apparelhos e ferramentas, carvão, coke e quaesquer outros provimentos, ficarão pertencendo ao dominio da empreza, para os mesmos effeitos e nos mesmos termos; com a declaração, porém, de que o material circulante, machinas, apparelhos e ferramentas não poderá ser alienado senão para o effeito de ser substituido com vantagem do serviço publico. Igualmente não poderão ser alienados, emquanto forem importados livres de direitos, o carvão, coke e quaesquer outros aprovisionamentos.

CAPITULO II

Concessões que o estado faz á empreza

Base 22.ª

Em compensação das obrigações que a empreza toma sobre si, concede o governo á mesma empreza, pelo espaço de noventa e nove annos, a contar da data da assignatura do respectivo contrato, a exploração do caminho de ferro de Benguella ao planalto de Caconda, nos termos e com as condições estipuladas nas presentes bases; bem como a auctorisação necessaria para cobrar, durante o referido praso, os direitos de portagem e os preços de transporte que forem fixados com tarifas devidamente approvadas pelo governo.

Base 23.ª

Concede o governo á empreza, sem prejuizo dos direitos estabelecidos por concessões anteriores:

1.º Todos os terrenos do estado que deverem ser occupados pela linha que faz objecto d'estas bases, e pelos edificios respectivos, bem como todas as madeiras do estado que estiverem sobre os mesmos terrenos;

2.° Metade dos terrenos n'uma zona de 500 metros para cada lado do eixo do caminho, fazendo-se a divisão alternadamente entre o estado e a empreza, de modo que não fique pertencendo a esta nenhuma parcella com um comprimento superior a 5 kilometros;

3.° O direito, durante o praso da construcção, de extrahir das florestas e terrenos do estado todas as madeiras e materiaes que forem necessarios para a construcção da linha, com previa auctorisação do governador geral da provincia, e de accordo com os regulamentos e instrucções que o governo entender decretar para este effeito.

§ 1.° No caso de uma parte do caminho de ferro atravessar terrenos que não pertençam ao estado e de não ser por esse motivo exequivel o determinado no n.° 2.° da presente base, a falta d'esses terrenos será compensada pela concessão de outros, de igual extensão, escolhidos de commum accordo no districto de Benguella, não ficando o estado obrigado, caso não tenha terrenos nas condições indicadas, a dar qualquer compensação á empreza.

§ 2.° A empreza terá a plena posse das faxas de terreno que lhe pertencerem, em virtude das disposições d'esta base, assistindo-lhe o direito de cortar madeiras, extrahir materias e explorar minas, sujeitando-se em cada um d'estes casos a todos os regulamentos actualmente existentes ou que vierem a decretar-se, bem como ás restricções estabelecidas por concessões anteriores.

§ 3.° Quando o governo, em virtude dos direitos que se reserva nas presentes bases, quizer construir ou conceder a construcção de qualquer estrada, canal ou outras obras analogas, nos terrenos concedidos á empreza, e nos quaes não haja edificios, não terá a empreza direito a indemnisação alguma, mas terá preferencia, em igualdade de circumstancias, para a execução das referidas obras.

§ 4.° Não são comprehendidos nas disposições do n.° 2.° d'esta base os terrenos do estado circumjacentes ás estações; devendo, para o effeito d'esta excepção, delimitar-se uma area quadrada de 1 kilometro de lado, tomando-se para linhas medias o eixo do caminho de ferro e uma linha perpendicular a este, passando pelo meio do edificio de passageiros, a fim de que esta area seja dividida em partes iguaes entre o estado e a empreza.

§ 5.° A posse dos terrenos, a que se refere o n.° 2.° d'esta base, será dada á proporção que se forem concluindo os differentes lanços de cada secção da linha ferrea, precedendo sempre a demarcação, que será feita por termo administrativo, e cem assistencia dos funccionarios que para tal fim forem superiormente designados. Tres mezes depois de terminada cada secção deverá estar entregue á empreza a porção de terrenos a que fica com direito, em virtude da disposição anterior.

§ 6.° A concessão, tanto dos terrenos como da exploração das minas, não ficará dependente da duração do contrato do caminho de ferro, devendo subordinar-se ás respectivas leis e regulamentos; entendendo-se, porém, que tal concessão ficará nulla, ipso facto, quando este contrato seja rescindido por falta de cumprimento das suas condições por parte da empreza.

Base 24.ª

Concede mais o governo ao adjudicatario ou á empreza que elle organisar:

1.° O producto do imposto de transito que venha a cobrar-se sobre as mercadorias transportadas pelo caminho de ferro de Benguella a Caconda;

2.° Uma percentagem sobre o excesso: que houver nos rendimentos da alfandega de Benguella sobre a media dos que se houverem realisado durante os ultimos tres annos que precederem a assignatura do contrato;

3.º Isenção durante o periodo da concessão de qualquer imposto especial lançado sobre a linha ferrea;

4.º Entrada livre de direitos, durante o periodo da construcção, de todos os materiaes e utensilios, machinas, combustiveis e mais objectos que forem necessarios para a construcção e exploração da linha ferrea e seus ramaes ou prolongamentos.

§ 1.° As garantias a que se referem os n.ºs 1.° e 2.° da presente base serão successivamente reduzidas pela fórma seguinte: a metade logo que com este auxilio, os lucros liquidos da empreza lhe permitiam distribuir um dividendo equivalente a 3 por cento do capital, e a um terço logo que nas mesmas condições, o dividendo possa attingir 6 por cento, e annullar-se-ha completamente logo que, sempre nas mesmas circumstancias, o dividendo attingir 8 por cento.

Base 25.ª

O governo facilitará ao adjudicatario ou á empreza que elle organisar os estudos do caminho de ferro de Benguella a Caconda existentes na secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar.

Base 26.ª

Quaesquer expropriações que a empreza houver de fazer para as obras do caminho de ferro serão reguladas amigavelmente, ou pelas leis respectivas, tanto geraes como especiaes dos caminhos de ferro, devendo no segundo caso intervir o ministerio publico, para auxiliar a empreza, em nome do interesse geral, nos termos da leis em vigor, ou d'aquellas que venham a promulgar-se para facilitar estas expropriações.

Base 27.ª

O governo reserva-se o direito de fazer novas concessões de quaesquer caminhos de ferro que venham entron-

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car com a linha de Benguella ao planalto de Caconda ou que sigam em prolongamento d'ella; devendo porém ser ouvida a empreza, a qual, era igualdade do circumstancias, terá preferencia para o fim de lhe serem feitas taes concessões.

Poderá igualmente o governo ordenar ou conceder a construcção de qualquer estrada, canal ou via ferrea, que atravesso a linha concedida ou siga em qualquer direcção, devendo n'esse caso tomar todas as medidas e fazer todas as despezas necessarias para, que não resulte impedimento ou obstaculo á circulação da dita linha.

A abertura de qualquer das vias de communicação ou a construcção das obras indicadas, feita nas condições declaradas, não poderá auctorisar reclamação alguma por parte da empreza.

CAPITULO III

Condições relativas á exploração. Fiscalisação do governo

Base 28.ª

A empreza deverá conservar, durante todo o praso da concessão, a linha ferrea e suas dependencias, com todo o seu material fixo e circulante, era bom estado de serviço, e no mesmo estado deverá entregar tudo ao governo, terminado aquelle praso, fazendo sempre para esse fim á sua custa todas as reparações, tanto ordinarias como extraordinarias.

§ unico. Se, porém, durante o praso estabelecido no artigo antecedente, for destruida ou damnificada alguma parte do caminho de ferro, por motivo de guerra, sem culpa da empreza, o governo a indemnisará, pagando-lhe o valor das reparações depois de avaliadas por louvados escolhidos pelo governo e pela empreza.

Base 29.ª

A companhia sujeitará á approvação do governo as tarifas de transporte no caminho de ferro; ficando, todavia, com a faculdade de as baixar quando isso convenha á sua exploração.

Base 30.ª

Os funccionarios civis, viajando em serviço, pagarão metade dos preços estipulados nas tarifas respectivas; os militares e marinheiros em serviço, viajando em corpo ou isoladamente, as praças com baixa do serviço e as licenciadas com destino ás terras das suas naturalidades, pagarão um quarto dos ditos preços.

Base 31.ª

Os empregados do governo, que forem incumbidos da fiscalisação do caminho de ferro ou do telegrapho, transitarão na linha ferrea sem pagar importancia alguma de transporte.

Base 32.ª

A empreza será obrigada a pôr á disposição do governo, por metade do preço da tarifa, todos os meios de transporte estabelecidos para a exploração do caminho de ferro, quando elle precisar dirigir tropas ou material de guerra para qualquer ponto servido pelo mesmo caminho de ferro.

§ unico. Quando, porém, os transportes a que se refere o presente artigo forem determinados por uma requisição da empreza e exigidos pela sua segurança, serão elles gratuitos, e a empreza indemnisará o estado das despezas extraordinarias que a sua alludida requisição tiver motivado.

Base 33.ª

A empreza será obrigada a transportar gratuitamente, e nos comboios que o governo designar, as malas do correio, e os seus respectivos conductores, em vehiculos, proprios da empreza ou doestado, e apropriados para este serviço.

O governo fará, do accordo com a empreza, o regulamento d'este serviço, tomando, no que for possivel, por base os regulamentos adoptados em Portugal.

Base 34.ª

O numero de viagens por dia será fixado pela empreza, do accordo com o governo, segundo as necessidades da circulação

O maximo e minimo da velocidade dos comboios de viajantes e mercadorias, bom como a duração do transito completo, serão sujeitos ás regras de policia, para segurança publica, que o governo tem direito a estabelecer, de accordo com a empreza.

Base 35.ª

Todo o comboio ordinario de viajantes deverá, em regra, conter carruagens de todas as classes, em quantidade sufficiente para as pessoas que se apresentarem a tomar logar

Base 36.ª

O uso do telegrapho electrico da empreza será gratuitamente permittido ao governo para os despachos officiaes, e aos particulares mediante os preços do uma tabella estabelecida pela empreza, de accordo com o governo, cujos despachos terão preferencia aos dos particulares e aos da empreza, salvo os casos de urgente necessidade no serviço da exploração.

Base 37.ª

O governo terá igualmente o direito de collocar, aproveitando os postes telegraphicos da empreza, os fios de que precisar para seu serviço especial, fornecendo á empreza, para esse effeito, os materiaes necessarios.

Base 38.ª

A execução de todas as obras do caminho de ferro concedida por este contrato e o fornecimento, collocação e emprego do seu material fixo e circulante, ficam sujeitos á fiscalisação dos engenheiros que o governo nomear para esse fim; ficando a empreza obrigada a fazer todas as alterações que o ministerio da marinha e ultramar exigir da administração da dita empreza na metropole em presença do contrato, tendo sido consultadas as auctoridades competentes.

Base 39.ª

O caminho do ferro, na sua totalidade, ou em quaesquer de suas secções, não será aberto ao transito publico emquanto a empreza não tiver obtido a approvação do governo, que para esse fim mandará examinar miuda e attentamente por pessoas competentes todas as obras fritas e material fixo e circulante.

§ unico. Os engenheiros que forem incumbidos d'este exame, procederão a elle com o maior cuidado e circumspecção o lavrarão um auto em que dêem relação minuciosa e exacta de tudo quanto encontrarem com respeito á segurança da via ferrea, interpondo por fim o seu juizo que submetterão á sancção do governo para o habilitarem a resolver.

Base 40.ª

O governo terá o direito de fiscalisar, por meio dos seus agentes, a exploração da linha ferrea durante todo o tempo da concessão.

Base 41.ª

O governo regulará por decreto o modo de se dar execução prompta e facil ás disposições do contrato que reu-

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lisar com os concessionarios, que dependerem da sua intervenção, delegando no governador geral da provincia de Angola e nos engenheiros, quer da direcção das obras publicas, quer da fiscalisacão da linha ferrea, como melhor entender, a acção e ingerencia que no dito contrato directamente lhe forem attribuidas.

Base 42.ª

O governo poderá estabelecer todos os meios que julgar convenientes para verificar as receitas provenientes da exploração da via ferrea; publicará e ordenará os regulamentos que para esse fim julgar necessarios; e a companhia fica obrigada a patentear para o mesmo fim toda a sua escripturação e correspondencia.

Base 43.ª

Á empreza é obrigada a conformar-se e a pôr em execução no serviço do caminho de ferro as providencias que o governo julgue conveniente estabelecer no interesse da saude publica ficando sujeita aos regulamentos de policia e exploração dos caminhos de ferro decretados para o ultramar; é porém auctorisada a fazer os regulamentos especiaes da exploração, submettendo-os á approvação do governo.

Estes regulamentos são obrigatorios para a empreza e em geral para todas as pessoas que fizerem uso do mesmo caminho de ferro.

Base 44.ª

O governo terá o direito de nomear um commissario regio junto da empreza que o adjudicatario organisar.

CAPITULO IV

Condições relativas â organisação da companhia, deposito de garantia e prasos para os estudos e construcção. Resgate da concessão, penas convencionaes e legislação applicavel.

Base 45.ª

Os adjudicatarios que em virtude do concurso obtiverem do governo a concessão da construcção e exploração do caminho de ferro ficam obrigados a assignar, até um mez depois de lhes ter sido notificada pelo governo a approvação da mesma concessão, o contrato respectivo.

§ 1.° Antes da assignatura do contrato os adjudicatarios obrigam-se para garantia da sua execução a elevar á quantia de 80:000$000 réis a importancia do deposito exigido para admissão ao concurso, podendo aquella quantia ser levantada depois de realisadas obras n'uma importancia igual ou superior, as quaes substituirão aquelle deposito para o effeito da garantia de execução do contrato.

§ 2.° Se o deposito for feito em titulos, a empreza tem o direito de receber os juros respectivos emquanto durar o mesmo deposito.

§ 3.° O não cumprimento por parte dos adjudicatarios de alguma das clausulas das presentes bases annulla ipso facto a concessão, revertendo para a fazenda nacional a importancia dos depositos que os mesmos adjudicatarios tenham feito, não ficando com direito a reclamação alguma.

Base 46.ª

Os concessionarios ficam obrigados a constituir no praso de seis mezes, a contar da data da assignatura do contrato, uma sociedade anonyma de responsabilidade limitada, com a sua séde em Lisboa, para a execução dos fins a que se referem as presentes bases, devendo os seus estatutos ser submettidos á approvação do governo.

Esta sociedade será considerada portugueza para todos os effeitos.

§ unico. Se os concessionarios não organisarem a sociedade anonyma na conformidade d'esta base, o seu contrato considerar-se-ha ipso facto rescindido e perderão em beneficio da fazenda nacional o deposito de garantia a que se refere o § 1.° da base 45.ª

Base 47.ª

Dentro do praso de doze mezes depois de publicado no Diario do governo o contrato, é obrigada a empreza a submetter á approvação do governo o reconhecimento geral da linha, e até seis mezes depois d'este ter sido approvado submetterá a empreza á approvação do governo os estudos definitivos da 1.ª secção.

§ unico. Os estudos das secções seguintes, as quaes não serão em geral inferiores a 50 kilometros, irão sendo apresentados successivamente á medida que forem avançando os trabalhos de construcção das secções anteriores, mas sempre por fórma que estes trabalhos possam ir sendo executados de modo a ficarem concluidos no praso estabelecido na base 49.ª

Base 48.ª

Os trabalhos de construcção da l.ª secção do caminho de ferro, bem como os da sua ligação com o porto de Benguella, devem começar dentro do praso de vinte e quatro mezes, contados a partir da data da publicação do contrato no Diario do governo.

Base 49.ª

A empreza obriga-se a construir dentro de um periodo de seis annos, a contar da data da constituição da companhia, a linha ferrea e todas as obras referidas na base l.ª

§ 1.° O projecto da linha ferrea e mais obras de que trata a mencionada base, ou o projecto de cada uma das suas secções, não poderá ser posto em execução sem previa approvação do governo.

§ 2.° A empreza poderá abrir ao trafego a linha ferrea por secções, cuja extensão será fixada de commum accordo.

Base 50.ª

Logo que tenha expirado o praso da concessão, acima estabelecido, a empreza entregará ao governo, em bom, estado de exploração, este caminho com todo o seu material fixo e seus edificios e dependencias, de qualquer natureza que sejam, sem que por isso tenha direito a receber d'elle indemnisação alguma. Tambem lhe entregará todo o material circulante, mas tanto o valor d'este como e do carvão de pedra e de outros quaesquer provimentos, que entregar ao governo, ser-lhe-hão pagos segundo a avaliação dos louvados.

§ unico. O governo não será obrigado a adquirir o carvão e demais provimentos, que excedam ao fornecimento necessario para seis mezes.

Base 51.ª

Em qualquer epocha, depois de terminados os trinta e cinco primeiros annos, a datar do praso estabelecido para a conclusão da linha, terá o governo a faculdade de resgatar a concessão do caminho de ferro com as linhas telegraphicas ou telephonicas que lhe estiverem annexas, bem como as pontes, caes e docas, necessarias para a sua exploração.

Para determinar o preço da remissão, toma-se o producto liquido obtido pela empreza durante os sete annos

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que tiverem precedido aquelle em que a remissão deva effectuar-se, deduz-se d'esta somma o producto liquido correspondente aos dois annos menos productivos, e do restante torna-se a media que multiplicada por vinte constituirá a totalidade da remissão; a qual, no seu conjuncto, não poderá ser inferior ao capital despendido pela empreza na construcção da mesma linha ferrea, linhas telegraphicas ou telephoninas, pontes, caes e docas.

§ unico. Para os effeitos derivados d'este calculo é desde já fixado o custo kilometrico do caminho de ferro com as suas linhas telegraphicas, era 15:000$000 réis. O custo das pontes, caes e docas do porto será o que resultar da escripturação da companhia sob a fiscalisação do governo.

Base 52.ª

Quando o governo tomar conta do caminho de ferro, finda a concessão, terá direito de se pagar de quaesquer despezas que sejam necessarias para o pôr em bom estado do serviço, pelo valor do material circulante, carvão e mais provimentos.

Base 53.ª

Se a empreza, tendo começado as obras, não as continuar em escala proporcional á sua extensão, ou se não concluir a construcção do caminho de ferro com todo o seu material fixo e circulante, edificios, accessorios e dependencias, nos termos e no praso estipulado na base 49.ª, ou se não cumprir as clausulas estipuladas no respectivo contrato, ou se se recusar a obedecer á decisão dos arbitros, nos casos da sua intervenção, terá o governo, por sua auctoridade, direito de declarar rescindido o contrato.

§ 1.° N'este caso a construcção do caminho, com todas as obras feitas e material fornecido, depois do competentemente avaliada, será posta em hasta publica por espaço de seis mezes, com as mesmas condições, e arrematada á empreza que maior lanço offerecer. O preço da arrematação será entregue á empreza depois de deduzidas quaesquer despezas que o governo tiver feito incluindo as da fiscalisação d'este caminho de ferro.

§ 2.° Se dentro d'estes seis mezes não houver quem as arremate, serão as obras e o material fornecido adjudicados ao estado sem indemnisação alguma e o contrato rescindido para todos os effetos juridicos.

§ 3.° Exceptuam-se das disposições d'esta base os casos de força maior devidamente comprovados.

Base 54.ª

Se a empreza não conservar, durante todo o praso da concessão, a linha ferrea e suas dependencias, assim como todo o material fixo e circulante, em perfeito estado de serviço, fazendo sempre para este fim á sua custa todas as reparações que forem necessarias, assim ordinarias como extraordinarias, coonforae as disposições da base 28.ª, ou se for remissa em satisfazer as requisições que para esse fim lhe forem feitas pelo governo, poderá este mandar proceder ás necessarias reparações por sua propria auctoridade, e nesse caso tem direito de apropriar-se de todas as receitas da empreza, até completar a importancia das despezas feitas, augmentadas de um quinto a titulo de multa.

Base 55.ª

No caso de interrupção total ou parcial da exploração do caminho de ferro, o governo proverá por sua propria auctoridade, provisoriamente, para que a dita exploração continue por conta da empreza o intimal-a-ha logo para ella se habilitar a cumprir com a sua obrigação respectiva.

§ 1.° Se tres mezes depois de intimada, na fórma d'esta base, a empreza não provar que está habilitada para continuar com a exploração da linha ferrea, nos termos do contrato, incorrerá por esse mesmo facto, depois da declaração do governo devidamente communicada á administração da empreza, na metropole, na pena da sua rescisão, e perderá o direito a todas as concessões que por elle lhe são feitas, e o governo entrará immediatamente na posse do caminho de ferro e de todas as suas dependencias sem indemnisação alguma.

§ 2.º Ficam salvos das disposições d'esta base os casos de força maior, devidamente comprovados.

Base 56.ª

A empreza, seus empreiteiros, agentes e operarios, ficarão sujeitos, em tudo quanto diz respeito a este contrato, ás leis e tribunaes do reino de Portugal.

Base 57.ª

Todas as questões que se suscitarem entre o governo e a empreza sobre a execução do contrato serão decididas por arbitros, dos quaes dois serão nomeados pelo governo e dois pela empreza.

Para prevenir o caso de empate sobre o objecto em questão, será um quinto arbitro nomeado a aprazimento de ambas as partes. Faltando accordo para esta nomeação, será deferida á relação de Loanda a nomeação do quinto arbitro.

§ unico. Se a questão for suscitada na séde da companhia, ou ainda quando, sendo-o na provincia de Angola, o governo ou a empreza preferirem que a nomeação do quinto arbitro seja deferida ao supremo tribunal de justiça, assim se procederá.

Base 58.ª

A empreza poderá trespassar mas só com previa auctorisação do governo, ou direitos adquiridos e as obrigações contrahidas pelo contrato a qualquer outra companhia portugueza.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 20 de março de l899. = Antonio Eduardo Villaça.

PROPOSTA DE LEI N.º 18-EE

Caminho de ferro de Cabinda

Artigo 1.° É o governo auctorisado a contrahir um emprestimo não excedente a 300:000$000 réis, para ser applicado á execução de um caminho de ferro de via reduzida, que ligue o porto de Cabinda á margem esquerda do rio Cniloango, em ponto convenientemente escolhido.

§ unico. Este caminho de ferro será construido e explorado por administrativo directa do estado.

Art. 2.º Os juros do emprestimo não excederão 6 por cento ao anno, devendo esses juros e a respectiva amortisação ser pagos pelo rendimento do imposto do alcool na provincia de Angola, para o que será inscripta annualmente no orçamento da provincia a verba necessaria.

Art. 3.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 20 de março de 189. = Antonio Eduardo Villaça.

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102 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

PROPOSTA DE LEI N.° 13-CC

Construcção e exploração das obras do porto de Lourenço Marques

Artigo 1.° É o governo auctorisado a proceder á construcção e exploração das obras necessarias para o melhoramento do porto de Lourenço Marques, nos termos das bases annexas a esta lei e que fazem parte integrante d'ella.

Art. 2.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.

Art. 3.° Fica revogada a lei de 21 de setembro de 1897 e mais legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 20 de março de 1899. = Antonio Eduardo Villaça.

Bases para a construcção e exploração das obras do porto de Lourenço Marques

Base 1.ª

A construcção das obras necessarias para o melhoramento do porto de Lourenço Marques será feita por administração directa do governo.

Base 2.ª

O governo formulará o plano geral de todas as obras a executar no porto de Lourenço Marques, não devendo a despeza total ser superior a 5:000 contos.

§ 1.° Este plano será dividido em secções, abrangendo cada uma d'ellas todas as acquisições de terrenos, construcções e installações necessarias para que, quando concluida, se possa immediatamente proceder á sua exploração.

Base 3.ª

O plano definitivo da l.ª secção deverá obedecer aos requisitos seguintes:

1.° Comprehender as obras necessarias para a acquisição de todos os meios que facilitem a carga e descarga e armazenagem de mercadorias, computando-se o trafego respectivo na quarta parte de um movimento commercial, pelo menos, duplo do havido no anno economico de 1896-1897;

2.° Abranger, nas condições devidas, os aterros indicados pelo plano geral das obras;

3.° Incluir a abertura de praças e ruas, correspondentes á referida secção, que forem requeridas para as communicações e serviço publico;

4.° Não exceder a despeza de 2:000 contos, incluindo o custo dos trabalhos já executados por conta do governo.

Base 4.ª

Para o pagamento das obras da 1.ª secção é o governo auctorisado, se o julgar necessario, a levantar, por emprestimo com um banco nacional, até a quantia de 2:000 contos de réis.

§ 1.º O encargo effectivo proveniente do juro e mais despezas da emissão do emprestimo de que trata a presente base, excluidas as verbas para amortisação, não poderá exceder por 5,25 cento.

§ 2.º Para fazer face aos encargos resultantes das obras de 1.ª secção, será applicado o rendimento liquido da sua exploração, e, na parte indispensavel, o producto da venda, aforamento ou arrendamento, dos respectivos terremos disponiveis conquistados pela execução das mesmas obras.

Base 5.ª

Para a construcção das outras secções poderão ser applicadas, pela fórma que se julgar mais conveniente, quaesquer receitas provenientes dos terrenos adquiridos, e da exploração das obras já construidas, depois de satisfeitos os encargos correspondentes á l.ª secção; devendo o governo opportunamente apresentar ao parlamento as providencias de ordem financeira que lhe parecerem mais conducentes á realisação do plano geral dos melhoramentos do porto.

Base 6.ª

A exploração das obras do porto de Lourenço Marques será feita directamente pelo estado, nos termos dos regulamentos que forem decretados.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 20 de março de 1899. = Antonio Eduardo Villaça.

PROPOSTA DE LEI N.° 13-DD

Navegação para a costa oriental da Africa e para a India

Artigo 1.° É o governo auctorisado a contratar, em concurso publico, o serviço de navegação regular por barcos de vapor entre Lisboa e os portos portuguezes da Africa oriental e de Mormugão, em condições, pelo menos, tão vantajosas como as exaradas no programma do concurso, aberto em 20 de junho de 1898, quanto ao numero de viagens redondas, escalas de paquetes, transporte de malas e encommendas postaes, abatimento no transporte dos passageiros e carga do estado.

§ unico. O governo poderá conceder á empreza com a qual for realisado o contrato:

l.° O exclusivo de transporte de passageiros e carga do estado, não se comprehendendo, porém, o transporte em navios do estado ou o que, por motivo urgente e extraordinario, tenha de verificar-se em outros navios.

2.° A garantia de um determinado numero de toneladas de carga, não superior a 700 em cada mez, aos paquetes que saírem de Mormugão para a Europa, devendo o minimo da carga a garantir ser a base da licitação no concurso, computando-se para este effeito o preço de cada tonelada em 10$000 réis.

Art. 2.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 20 de março de 1899. = Antonio Eduardo Villaça.

PROPOSTA DE LEI N.º 13-EE

Recenseamento geral da população nas colonias

Artigo 1.° Proceder-se-ha de dez em dez annos ao recenseamento geral da população nas possessões ultramarinas portuguezas.

§ 1.° O primeiro recenseamento geral realisar-se-ha no anno de 1900, determinando opportunamente o governo a epocha mais propria para a sua realisação em cada provincia e districto.

§ 2.° Nas regiões onde pelo seu estado de atrazo não é possivel applicar os processos de recenseamento seguidos nos paizes civilisados, procurar-se-ha sobretudo, por meios indirectos, conhecer approximadamente a totalidade da população, destrinçando-se, quanto possivel, os sexos e as raças.

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Art. 2.° O governo fará inserir nos orçamentos das diversas provincias ultramarinas e districto autonomo de Timor, relativos aos annos em que deverem realisar-se os recenseamentos, as verbas necessarias para occorrer á execução d'este serviço.

Art. 3.° Serão decretados em diplomas especiaes os regulamentos e instrucções necessarios para a execução d'esta lei.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 20 de março de 1899. - Antonio Eduardo Villaça.

Representações

Da associação de classe dos operarios fiandeiros do Porto, pedindo que se dê execução á lei de 14 de abril de 1891, que favorecia as classes trabalhadoras, e mormente a sua classe.

Apresentada pelo sr. presidente da camara Poças Falcão, e enviada á commissão de artes e industrias.

Do conselho da escola medico-cirurgica de Lisboa e da sociedade de medicina o cirurgia do Porto, apresentando algumas modificações á proposta de lei em que se organisam os serviços medico-legaes, e protestando contra o artigo 14.º da mesma proposta de lei.

Apresentadas pelo sr. deputado Silva Amado, enviadas á commissão de saude, publica e mandadas publicar no Diario do governo.

Da camara municipal do concelho de Barcellos, pedindo a abolição do imposto de portagem na ponte de Celorios, da estrada real n.º 29, na freguezia de Encourados, d'este concelho.

Apresentada por sr. deputado F. J. Machado e enviada á commissão de fazenda.

O redactor = Lopes Vieira.

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