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SESSÃO DE 14 DE JUNHO DE 1869

Presidencia do exmo. sr. Diogo Antonio Palmeiro Pinto

Secretarios - os srs.

José Gabriel Holbeche
Henrique de Barros Gomes

Chamada - 47 srs. deputados.
Presentes á abertura da sessão - os srs. Agostinho de Ornellas, Villaça, Falcão de Mendonça, Sousa e Menezes, Magalhães Aguiar, Costa e Almeida, Falcão da Fonseca, Barão da Trovisqueira, B. F. Abranches. B. F. da Costa, Caetano de Seixas, Cazimiro, A. Ribeiro aã Silva, Palmeiro Pinto, Fernando de Mello, F. F. de Mello, F. Diogo de Sá, Costa e Silva, Bessa, G. Quintino Lopes de Macedo, H. Gomes, H. de Macedo, Gil, Vidigal, Santos e Silva, Assis Pereira de Mello, Mendonça Cortez, Alves Matheus, Matos Correia, Nogueira Soares, J. Pinto de Magalhães, Cardoso, Bandeira de Mello, Infante Passanha, Firmo Monteiro, Holbeche, J. M. Lobo d'Avila, J. M. dos Santos, José do Moraes, Nogueira, Silveira e Sousa, Luiz de Campos, Camara Leme, Affonseca, Fernando Coelho, Penha Fortuna, Valladas, Raymundo V. Rodrigues, Visconde de Guedes.
Entraram durante a sessão - os srs. Adriano Pequito, Braamcamp, Alves Carneiro, Costa Simões, Ferreira de Mello, Pereira de Miranda, Sá Brandão, Silva e Cunha, Veiga Barreira, Guerreiro Junior, A. J. Pinto de Magalhães, Fontes, Eça e Costa, Montenegro, Saraiva de Carvalho, Barão da Ribeira de Pena, Belchior Garcez, Carlos Bento, Conde de Thomar (Antonio), Custodio Joaquim Freire, Coelho do Amaral, Noronha e, Menezes, Baima de Basto, Corvo, Mártens Ferrão, Aragão Marscarenhas Joaquim Thomás Lobo d'Avila, J. A. Maia, Galvão, Correia do Barros, Sette, Dias Ferreira, Mello e Faro, Latino Coelho, Rodrigues de Carvalho, Mello Gouveia, Oliveira Baptista, Levy, L. A. Pimentel, Daun e Lorena, Espergueira,
M. A. de Seixas, Paes Villas Boas, Mathias de Carvalho Visconde dos Olivaes.
Não compareceram - os srs. Sá Nogueira, A. J. de Seixas, Antonio Pequito, F. J. Vieira, F. L, Gomes, Lemos e Napoles, Luciano da Castro, Teixeira de Queiroz, Mendes Leal, Visconde de Bruges, Visconde do Carregoso.
Abertura - Á uma hora da tarde.
Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officio

Da camara dos dignos pares, participando que foi adoptada por aquella camara a proposito de lei sobre o bill de indemnidade, e que subiu á sancção real.
Á secretaria.

Representação

Da camara municipal do Funchal, pedindo certas providencias indicadas na mesma representação, e em especial para se augmentar o imposto sobre a importado de sal, destinando-se a importancia respectiva ao melhoramento d'aquelle municipio.
A commissão de administração, ouvida a de fazenda.

Requerimento

Requeiro que, pela direcção geral das contribuições directas, seja remettido com urgencia a esta camara um mappa das terras do continente e ilhas adjacentes, classificadas em virtude da carta de lei de 30 de julho de 1860 e de disposições posteriores. = O deputado pelo circulo n.° 28, Mathias de Carvalho.
Foi remettido ao governo.

Interpellação

Declaro que pretendo interpellar o sr. Ministro dos negocios estrangeiros sobre os pontos da reforma consular que se referem á falta de providencias que garantam os dinheiros recolhidos aos cofres consulares. = Mello e Faro.
Mandou-se fazer a devida participação.
Leram-se na mesa e foram approvadas sem discussão as seguintes

Propostas

1.ª Requeiro que a proposta do sr. deputado Henrique de Macedo, seja enviada á commissão de regimento para dar o seu parecer sobre a conveniencia de ser disposição permanente do regimento. = José de Moraes Pinto de Almeida.
2.ª Por se dar o caso de urgente necessidade do serviço publico, pede o governo á camara dos senhores deputados da nação haja de permittir, na conformidade do artigo 3.º do acto addicional á carta constitucional da monarchia, que os srs. deputados conselheiro José Pedro Antonio Nogueira, secretario da junta geral da bulla da cruzada; e o bacharel Antonio Augusto de Sousa Azevedo Villaça, substituto dos juizes de direito da comarca de Lisboa, possam accumular, querendo, o exercicio das funcções legislativas com o dos seus logares na capital.
Secretaria d'estado dos negocios eclesiasticos e de justiça, 12 de junho de 1869 = Antonio Pequito Seixas de Andrade.
O Sr. Fernando de Mello: - Depois da conversa parlamentar que tive com o sr. ministro do reino na sessão antecedente, depois da camara lhe ter ouvido dizer que desejava, e muito, ter algumas conferencias com a commissão de instrucção publica, para conjunctamente avaliarem o valor do decreto dictatorial de 31 de dezembro de 1868, depois da opinião insuspeita de s. exa. o sr. ministro sobre aquella reforma e sobre a necessidade de uma outra providencia mais completa e radical do que aquella, e finalmente depois da promessa do governo, se se póde suppor promessa, de que trataria do se habilitar suficientemente para trazer á camara em janeiro proximo uma proposta de reforma da instrucção publica, que cortasse pelas despezas que porventura houvesse a mate, e que regulasse o ensino com o maximo proveito para o paiz, parece-me que a camara receberá bem uma proposta que tenho a honra de mandar para a mesa.
Não a justifico com opiniões minhas, justifico a com as palavras do governo proferidas aqui pelo sr. ministro do reino, e já ditas em outro logar pelo mesmo sr. ministro, e que transparecem do que têem dito todos os membros d'esta e da outra casa do parlamento, que se têem occupado d'esta questão.
A minha proposta é a seguinte (leu).
Na sessão antecedente tinha eu dito á camara que não formularia uma proposta de suspensão, porque me parecia, e me parece ainda hoje, que essa proposta, desde o momento que não partisse do governo, não teria o apoio da camara.
Hoje não faço nenhuma proposta de suspensão para já, mas sim peço que seja ouvida a commissão de instrucção publica para ella dar o seu parecer sobre a reforma e necessidade da suspensão.
A camara depois apreciara a opinião da commissão.
Por consequencia parece-me que a camara, votando esta proposta, não pratica um acto desagradavel ao governo, pelo contrario, o governo desejando ouvir a commissão, vae de accordo com o bem do paiz, porque a final é instruir e elucidar as questões, o que é sempre um beneficio para todos.

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A camara não perde o seu tempo ouvindo e discutindo o parecer da commissão que não é insuspeita, visto ser composta, á excepção da minha humilde pessoa, de cavalheiros competentes na materia.
Peço a dispensa do regimento e que v. exa. considere esta proposta como urgente, a fim de poder desde já entrar em discussão.
Posta á votação a urgencia, não foi vencida.
O sr. Fernando de Mello: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara se quer uma votação nominal sobre esta proposta, não havendo outra fórma de se verificar a votação agora.
Parece-me que a camara não viu bem o alcance da minha proposta; é apenas para ouvir a commissão. Creio que a camara não recusará este meio de se elucidar.
Repito, o que peço é apenas que a minha proposta vá á commissão; e, nós não perdemos cousa alguma em ouvir a sua opinião. Á camara fica-lhe o seu planíssimo direito de approvar ou reprovar o parecer que vier depois da commissão. Pedia portanto a repetição da votação.
O sr. José de Moraes: - Peço a v. exa. que faça observar a disposição do artigo 92.° do regimento, que diz assim «que nenhum deputado se póde ausentar da sala quando se proceder a votação nem eximir-se a votar, estando presente». Não peço mais nada.
O sr. Presidente: - Agradeço ao sr. deputado as observações que faz á mesa, sempre que tem occasião; roas parece-me que s. exa. assim como a camara tem a consciencia de que empreguei todos os meios para se conhecer bem o voto dos srs. deputados. Se a camara condescende vae proceder se a nova votação sobre a urgencia.
Consultada a camara, foi rejeitada.
O sr. J. M. Lobo d'Avila: - Em sessão de 4 de maio, eu e o meu amigo e collega, o sr. deputado Abranches, mandámos para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos pelo ministerio da marinha e ultramar, e uma nota de interpellação ao sr. ministro da mesma repartição, sobre um acto por elle praticado, com relação a um empregado superior do ultramar.
Tem pasmado um mez sem que s.exa. se tenha dado por habilitado para responder áquella interpellação, e emquanto ao requerimento fui respondido em officio, por tal fórma, que eu, pela minha parte, e supponho que tambem o meu collega, não nos podemos dar por satisfeitos só pelo que contém o officio da repartição competente.
Sem se negar o direito que o governo tem de nomear, transferir ou demittir uns certos empregados, ha comtudo raspes que não devem ser occultas, e que se devem dar para justificar qualquer d´esses actos, quando d'elle se não reconheça por maneira clara a sua conveniencia e urgencia.
O sr. ministro da marinha teve a bondade de me dizer ha dias que brevemente se daria por habilitado paru responder a esta interpellação, que diz respeito á transferencia do governador de S. Thomé para Timor.
Vejo-me ura pouco embaraçado em ter de apresentar estas reflexões na ausencia do sr. ministro; estou certo porém que lhe hão de constar pelo Diario da camara, e a não ser por este modo não poderia fazer chagar estas observações ao seu conhecimento, porque s. exa. poucas vezes vem á camara, e quando vem é á hora em que, pelas disposições do regimento, temos entrado na ordem do dia, inutilisando assim o meio de nos dirigirmos directamente a s.exa.
Por esta occasião permitta-me v. exa. e a camara que diga que tenho notado com desprazer o silencio que se tem guardado com relação aos negocios do ultramar, porque nem na falla do throno, em janeiro, nem n'aquella que teve logar em abril, se disse uma unica palavra com respeito ao estado das nossas colonias e dos seus negocios, alguns dos quaes, ou pela maior parte, são importantes.
V. exa. e a camara sabem que um caso extraordinario se deu com relação á provincia de Moçambique, que se adoptaram serias e importantes providencias. Essas providencias tornadas de momento, algumas d'ellas foram alteradas, o que occasionou e continuará a occasionar muita despeza ao paiz, e comtudo nada se disse com relação a estes acontecimentos.
Ha outros factos pendentes, que de certo não são menos importantes, quero referir-me á revolta da provincia de Timor em que houve e continua a haver serios conflictos entre as auctoridades do governo portuguez e os regulos d'aquella possessão.
Isto deu logar a mandarem-se forças de Macau e fazerem se despezas importantes pelo cofre d'aquella provincia, o que eu lamento, porque se tem desfalcado os seus recursos, podendo dar-se o caso de dentro em pouco não ter tão largamente como convem os meios para fazer face ás suas despezas.
Desejára que os meus collegas pelo ultramar quizessem concordar commigo para trazermos ao parlamento uma serie de questões a respeito das nossas colonias, que muito convem agitar, porque se os deputados pelo continente têem de certo muito interesse pelo bom andamento dos negocios das colonias, nós temos a immediata responsabilidade de não tratarmos d'elles.
Não se falla no orçamente das provincias ultramarinas ha muito tempo. Creio que desde 1864 que não ha orçamento decretado para o ultramar; sei que alguns trabalhos se têem feito para o completar, porém até hoje ainda não se concluiu, e receio que se não apresente á camara.
Estou persuadido que já era tempo d'esses negocios extremamente importantes terem vindo ao parlamento para serem discutidos e approvados.
Tenho visto decretadas pelo sr. ministro da marinha algumas providencias, cuja proficuidade não posso comprehender, entendo mesmo que algumas são inconvenientes; comtudo se ellas tivessem vindo á discussão, ou se ouvissem as explicações do sr. ministro competente sobre os expedientes de que tem lançado mão, certamente no intituito de melhorar a administração das nossas possessões, nós assim poderiamos convencer-nos da utilidade das medidas que s. exa. tem adoptado.
Fico por ora com esperança de que occasião mais azada e ensejo mais opportuno se apresente para se tratarem desenvolvidamente como julgo conveniente e necessario os negocios do ultramar, que lamento tenham sido um tanto esquecidos pelo sr. ministro competente.
O sr. Fernandes Coelho: - Mando para a mesa dois requerimentos que passo a ler (leu).
Peço a v. exa. que tenha a bondade de lhes dar o destino conveniente.
O sr. Abranches: - Começo por declarar a v. exa. e á camara que estou plenamente de accordo com as reflexões feitas pelo meu amigo e collega o sr. José Maria Lobo d'Avila.
S. exa. concluiu o seu discurso perguntando a v. exa., se o sr. ministro da marinha tinha ou não participado, achar-se preparado para responder á interpellação que s. exa. e eu annunciámos, com relação á transferencia do governador de S. Thomé.
A falta da resposta de v. exa. faz-me acreditar que o sr. ministro ainda se não deu por habilitado para responder a esta interpellação.
O sr. Presidente: - Não respondi ao illustre deputado, o sr. José Maria Lobo d'Avila, porque não o ouvi dirigir-me essa pergunta, mas declaro desde já que no caderno que tenho presente, não se acha declaração alguma de que o sr. ministro da marinha se desse por habilitado para responder á interpellação.
O Orador: - Conclui logo pelo silencio de v. exa., que não havia tal declaração, por parte do sr. ministro da marinha, e por isso peço novamente a v. exa. que haja de sollicitar do sr. ministro a mercê de se dar por habilitado, apresentando-se em qualquer dia para responder, não só

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a esta interpellação, mas a outras perguntas que os deputados do ultramar estão anciosos por dirigir a s.exa.
As questões do ultramar são todas de administração, e raras vezes prendem como a política geral do paiz (apoiados).
O sr. Mendes Leal, quando era ministro da marinha, inaugurou um principio que foi geralmente bem recebido por todos os deputados do ultramar; s. exa. quando queria apresentar alguma medida com relação ás provincias ultramarinas, reunia os deputados, ouvia os, e consultava-os.
Uma voz: - Era um parlamento privado.
O Orador: - Fosse ou não um parlamento privado, o facto é que aquelle systema deu em resultado tomarem-se muitas providencias uteis para o ultramar (apoiados).
Não me importa que o actual sr. ministro da marinha queira ou não seguir este systema, está no seu plenissimo direito de não ouvir os deputados do ultramar, quando queira adoptar quaesquer medidas; mas o que s. exa. tem é rigorosa obrigação de apresentar aqui os seus relatorios e orçamentos, e vir á camara a tempo e horas para responder ás perguntas ou interpellações que se lhe dirigirem (apoiados).
Dito isto vou mandar para a mesa um requerimento, concebido nos seguintes termos (leu).
Desejo avaliar o conteúdo da portaria de 27 de abril de 1867, visto ter sido em virtude d'ella que o governo obteve os mappas, cujas copias enviou a esta camara.
Todos sabem que desde muito tempo tenho declarado francamente a minha opinião a respeito da relação de Loanda. Entendo que ella não póde nem deve existir, e os mappas que o governo me enviou e que foram formulados em virtude da portaria de 27 de abril de 1867, vieram convencer-me mais uma vez de que é impossível a existencia d'aquella relação, não só pelo diminuto numero de processos que ali são distribuidos e julgados, mas sobretudo pela deficiencia, e, permitta-se-me a expressão, inepcia com que foram formulados estes mappas, com os quaes me parece o governo se satisfez.
Esta portaria a que me refiro, e que supponho foi a unica que se expediu para a presidencia da relação de Loanda, pedindo-se lhe a remeda dos mappas estatísticos, foi o resultado, como se póde ver pelos annaes parlamentares dos muitos e repetidos requerimento que fiz, instando pela remessa dos mappas estatísticos, por onde se podesse avaliar o movimento dos processos distribuidos e julgados n'aquelle tribunal.
Entendo que não havia necessidade d'aquella portaria, porque os presidentes das relações, tanto do ultramar como do continente, têem obrigação de mandar esses mappas ao governo; entretanto não faço agora cargo d'isso para censurar esta falta, e só direi que, a datar de 27 de abril de 1867, epocha em que o governo lembrou a obrigação que tinha a presidencia da relação de Loanda de mandar os mappas estatísticos, tinha elle rigorosa obrigação de ver a deficiencia e inepcia com que foram formulados os mappa e exigir outros, pelos quaes se podesse avaliar não só o numero dos processos distribuidos e julgados annualmente n'aquella relação, como tambem o numero dos processos que ficavam pendentes de julgamento, o que por certo se não avalia pelos mappas de 1866 e de 1867, unicos que existem na secretaria da marinha, e cujas copias o governo enviou a esta camara, em virtude do meu ultimo requerimento, que foi lido na sessão do dia 10 de maio d'este anno.
Quer v. exa. saber como é que foram formulados os mappas de 1866?
«Por julgar no dia 1 de janeiro de 1866, 18 processos; distribuidos durante o anno de 1866, 90; julgados, 73; por julgar em 31 de dezembro de 1866, 17.»
Pois, sr. presidente, eu digo que ficavam pendentes de julgamento 35 processos, e não 17.
Se nós compararmos o numero dos processos julgados com o dos que ficaram por julgar em 31 de dezembro de 1866, vemos que a somma d'estas duas parcellas faz o numero de 90, exactamente igual ao numero dos processos que foram distribuidos em 1866; porém não se faz menção dos que ficaram pendentes dos annos anteriores, que eram 18.
Este mappa é deficientissimo e não sei como é que o governo se contentou com elle.
O mappa relativo ao anno de 1867 já foi formulado sobre uma outra base. Não se menciona n'elle o numero de processos que ficaram pendentes do anno de 1866 e somente se diz, que foram distribuidos 89 em todo o anno; julgados 70 e por julgar 19. São exactamente 89, porém ficamos ignorando qual foi o numero dos processos que ficaram pendentes dos annos anteriores.
Mappas assim não os formularia um juiz ordinario no continente e por consequencia é muito para estranhar, e muito para lamentar, que viessem de uma relação e que o governo os aceitasse.
Não preciso fazer mais commentarios sobre este assumpto e espero que s. exa., dignando-se mandar quanto antes a copia da portaria que pedi, me dê logar em vista da maneira por que ella foi formulada, a poder analysar o seu conteudo, ou indicar a maneira por que entendo que ella devia ser concebida, e a maneira por que devem ser formulados os mappas estatísticos.
Aproveitando-me da palavra que v.exa. se dignou conceder-mo, e sem entrar agora na discussão da proposta apresentada pelo meu collega o sr. Fernando de Mello, cuja urgencia a camara entendeu não dever approvar, e por consequencia a sua discussão ha de ter logar amanhã, peço desde já a v. exa. que me considere inscripto para poder tomar parte n'esta discussão. Eu entendo que, por dignidade da camara e mesmo para que se não repita o facto que infelizmente já se deu, isto é, de estarmos uns poucos e dias em férias por não haver objecto para se discutir, que é indispensavel que as commissões se dignem dar os seus pareceres sobre muitos dos objectos que entendo devem já estar no seio das mesmas commissões; e se o não estão, desejava saber como é que v. exa. considera as medidas que foram promulgadas pelo governo, em virtude da carta de lei de 9 de setembro de 1868. Como v. exa. sabe e a camara toda, o governo foi auctorisado por aquella carta de lei a decretar no material e pessoal dos serviços publicos dependentes de todos os ministerios, as simplificações e reducções compatíveis com os mesmos serviços, sendo o governo obrigado a dar conta ás côrtes do uso que tivesse feito d'aquella auctorisação. Foi-nos aqui distribuido um volume contendo não só as medidas que foram decretadas pelo governo em virtude da lei de 9 de setembro do anno passado, mas tambem outras que elle entendeu dever decretar, usando para isso da dictadura. Estas ultimas já a camara as approvou por occasião da discussão do bill de indemnidade, as outras deve aprecia-las quando houver um parecer especial sobre cada uma d'ellas.
Eu creio, e creio para credito do governo, que a apresentação d'estas medidas fez cessar a obrigação que elle tinha de dar contas do uso da auctorisação que lhe foi concedida, e que sendo ellas do domínio da camara pertence ás commissões dar os seus pareceres com relação a cada uma d'ellas. Se as commissões assim o entendem, sinto que até hoje não tenha havido um unico parecer sobre aquellas medidas, algumas das quaes não posso approvar; e se as commissões entendem que o governo deve apresentar um relatorio e submetter especialmente estas medidas á apreciação da camara, n'esse caso pediria ao governo que quanto antes o apresentasse, declarando que vinha submetter á apreciação da camara as medidas por elle promulgadas em virtude da lei de 9 de setembro de 1868.
Não está presente nenhum dos srs, ministros, entretanto estão presentes os membros das differentes commissões, e se esses cavalheiros quizerem ter a bondade de me respon-

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der alguma cousa, aceitarei a resposta para esclarecimento meu; porém, se s. exas. não julgam opportuno responder ás minhas perguntas, então ámanhã, ou n'outro qualquer dia, estando presente qualquer dos srs. ministros, pedirei novamente a palavra para repetir as minhas perguntas, e declaro desde já a v. exa. que instarei pela discussão das medidas promulgadas desde 10 de setembro de 1868 até 26 de janeiro do corrente anno, porque entendo que ellas carecem da approvação e confirmação do poder legislativo.
O sr. Affonseca: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal do Funchal em que pede um augmento de imposto no sal para prover a necessidades absolutas.
A Madeira é um paiz desgraçado, um paiz pobre.
Dizia o nosso primeiro epico:

Passámos a grande ilha da Macieira,
Que do muito arvoredo assim se chama.

Assim hoje póde dizer-se:

Passámos a pobre ilha da Madeira,
De famintos espectros habitada.

É o que ella é hoje na realidade.
Este salto geographico que nós demos, fazendo da Madeira provincia de Portugal, foi fatal para nós. Resta-nos comtudo o bréveté d'invention.
A Hespanha nunca se lembrou de chamar ás Canarias provincia das Canarias; Maiorca, provincia de Maiorca. A Inglaterra nunca chamou Bombaim, provincia de Bombaim; Calcutá, provincia de Calcutá. Só nós é que temos estas felizes lembranças.
Isto faz-me lembrar um homem pequeno que a natureza não deixou crescer, lá sabe porque, e que quando vae ao sapateiro pede que lhe ponha saltos altos para parecer um gigante.
A camara municipal do Funchal tem especialidades que as outras não têem. A Madeira é um hotel no meio do oceano, que tem de receber personagens que de passagem vão para a America, para a India, para a Africa, etc.; tem que fazer despeza se precisa ter habilitada com meios para isso, e pede modestamente que o governo consinta n'um augmento no imposto do sal, que seja dividido entre a camara municipal do Faial e o resto das outras camara, entendo que é uma cousa que se deve conceder pela sua especialidade.
Desejaria que no montão de leis que nós fazemos aqui todos os dias, entrasse uma que era para que todos os deputados fossem obrigados, ao menos uma vez na vida, a visitar a Madeira, assim como os turcos fazem com relação ao túmulo do propheta. Quisera isso para conhecerem o que é a Madeira, e para não termos grandes difficuldades a vencer sempre que se trata de questões que lhe dizem respeito.
Não quero entreter por mais tempo a camara, que tem de occupar-se de outros objectos serios. Remetto para a mesa a representação da camara municipal do Faial, e parece-me que, se v. exa., me permitte que o diga, convem que vá á commissão de administração publica, ouvida a commissão de fazenda.
O sr. Carlos Bento: - Mando para a mesa uma nota de interpellação dirigida ao sr. ministro da marinha sobre o estado dos negocios da provincia de Moçambique.
Entendo que a situação doesta provincia tem se tornado bastante digna da attenção da camara dos senhores deputados.
Effectivamente, apesar do que acaba de dizer o illustre deputado que se senta nos bancos interiores, isto é, que nos negocios das provincias ultramarinas não deve haver política, e deve-se tratar unicamente dos seus interesses, entretanto quando se dão circumstancias extraordinarias, quando a metropole é obrigada a subsidiar, em larga escala, aquellas provincias por excesso de despezas d'essas mesmas provincias, em relação ás suas receitas, e como a questão dominante é a questão financeira, é muito conveniente que n'esta camara se possa fazer idéa da situação em que ellas estão, e mesmo para resistir á pressão exagerada de opiniões que muitas vezes obrigam governos a fazer muito maiores despezas do que aquellas que ellas realmente exigem.
Esta camara sabe muito bem que um digno ministro da marinha que se sentou n'aquellas cadeiras (apontando para as cadeiras dos srs. ministros), o sr. Amaral, disse como ministro da marinha que, na occasião em que elle se lisonjeava muito como governador da provincia de Angola, que se achava em circumstancias extraordinarias, lhe mandassem 20.000$000 réis, e nós entendemos que era indispensavel mandar lhe 200:000$000 réis, que achámos uma somma muito insufficiente.
Era o governador d'aquella provincia que se achava em circumstancias muito difficeis, que entendeu que era muito sufficiente uma somma dez vezes mais pequena do que aquella que se lhe mandava.
Por isso, para corrigir mesmo qualquer excesso na exageração de opiniões, e indispensavel que a camara tenha conhecimento das circumstancias em que se acham aquellas provincias (apoiados); porque senão, acontece que nós, pelo desconhecimento que temos d'essas circumstancias, tomâmos uma grande responsabilidade a similhante respeito.
O sr. B. F. da Costa: - Tinha pedido a palavra para participar a v. exa., como secretario das duas commissões do ultramar e de marinha, que o sr. Matos Correia tinha sido nomeado, por parte da de marinha, para auxiliar a commissão de fazenda nos trabalhos do orçamento, e que por parte da do ultramar tinha eu sido nomeado; mas como tenho a palavra, aproveito-a para declarar que, depois do que ouvi ao meu illustre collega, o sr. Lobo d'Avila, não tenho mais do que ajuntar os meus votos para que o sr. ministro da marinha venha responder, quanto antes, ás interpellações que estão pendentes, entre as quaes está uma que subscrevi, e que veria sobre um assumpto muito importante. Espero que depois d´esta moção o nobre ministro não deixará de vir. Não acrescentarei palavra alguma, acompanhando só os meus collegas nos sentimentos que manifestaram de que se trate aqui alguma cousa dos negocios do ultramar.
O sr. Valladas: - Por parte da commissão de obras publicas mando para a mesa um parecer d'esta commissão sobre a proposta de lei apresentada pelo governo, e que se refere ao contrato para a continuação da navegação, por meio de barcos a vapor, entre Alcacer do Sal e Setubal. A commissão fundamenta as raspes que houve para se estabelecer não só o antigo contrato, mas até o presente contrato provisorio, e entende que a digna commissão de fazenda deve dar o seu parecer sobre se deve ou não continuar o subsidio de que se trata na proposta.
Peço a v.exa. remetta este parecer á respectiva commissão de fazenda.
O sr. Nogueira: - Mando para a mesa um parecer sobre a proposta de lei que auctorisa a camara de Villa Viçosa a contrahir um emprestimo.
O Sr. Costa e Almeida: - Tinha pedido a palavra para tornar parte na discussão da proposta apresentada pelo sr. Fernando de Mello, mas uma vez que a urgencia d'essa proposta não foi vencida, prescindo agora da palavra.
O sr. Saraiva de Carvalho: - Mando para a mesa uma nota de interpellação.
O sr. Luiz de Campos: - Pedi a palavra a v. exa. para apresentar ao parlamento alguns projectos de lei sobre organisação do exercito. A camara me dispensará de longas reflexões a este respeito, porque me acho bastante incommodado, a simples leitura do relatorio dará, pouco maís ou menos, uma idéa da importancia do assumpto (leu).
Sr. presidente não leio os doze projectos para não tirar tempo á camara, visto que elles têem de ser lidas na mesa.
Calculei em 10 réis a diminuição do custo em cada ração

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de pão, segundo o systema proposto, e não receio enganar-me, visto que a avalio em menos 50 por cento do que o meu illustre collega o sr. Pimentel, que, como major do exercito e muito pratico em todos os ramos do seu serviço, não deve suppor-se em erro.
Quando calculei em 43 réis a diminuição no custo de cada forragem, creio tambem não haver sido exagerado. Maior economia do que esta, podia fazer-se actualmente em Lisboa só na forragem da palha (riso de alguns srs. deputados).
Vejo que alguns srs. deputados sorriem, e não podendo ser da asseveração que eu fiz e vou provar, foi de certo da palavra palha. É realmente triste, sr. presidente, trazer para o seio do parlamento uma questão de palha, para aqui onde as flores e os grandiosos discursos abundam; mas é mister de quando a quando descermos das altas regiões da eloquencia a estas pequenezas da vida pratica (apoiados). Do estudo d'esta e de outras palhas póde sair muito fructo para as necessidades do estado e muito allivio para o suor do pobre (muitos apoiados).
Servindo-me da auctoridade de um distincto official do exercito, major de lanceiros, poderei dizer que as forragens de palha são actualmente pagas, segundo a arrematação, pelo preço de 150 réis; ora, custando no mercado cada panno de palha 750 réis, vem cada uma d'ellas a sair ao fornecedor por 75 réis.
Já se vê que não exagero a economia quando em toda a forragem a supponho apenas a 43 réis, e se me fosse mister outra abonação recorreria á informarão insuspeita do meu amigo e collega o sr. D. Luiz da Camara, que tem sidado com este serviço e sobre elle tem feito detidos estudos. Sr. presidente, peço a v. exa. licença para fazer esta pergunta ao illustre deputado.
O sr. D. Luiz da Camara: - É exacto; a economia não é exagerada.
O Orador: - Muito bem; não me refiro a mim, refiro-me ao illustre informador.
Tambem me não parece diminuta a verba arbitrada para a organisação da reserva, se se observar que na arma de infanteria vão já incluídos os vencimentos de 8 coroneis, 7 tenentes coroneis e 55 subalternos que n'ella colloca do quadro effectivo para o não reduzir consideravelmente; bem como as gratificações aos 155 officiaes reformados, que possam desempenhar este serviço, leve em demasia.
Com parte dos officiaes do quadro da reserva espero, quando tratar de um projecto de lei sobre recrutamento, compor as commissões districtaes, e substituição ás que hoje existem e não têem rasão de ser.
É este o trabalho que tenho a honra do mandar para a mesa: sobre elle faria, apesar do meu pouco lisonjeiro estado de saude, como já disse, algumas considerações se estivesse presente qualquer dos srs. ministros, não só porque sobre ellas desejava ouvir a opinião do gabinete, mas porque nobre esta opinião deve assentar a minha em questão de tributos (apoiados).
Em assumptos sujeitos a discussão, cada um firma o seu juizo no remanso do estudo no seu gabinete (apoiados). As opiniões entram aqui formadas : não tenha ninguem a pretenção de suppor que póde alterar, sensivelmente, essas opiniões, em fazer variar o sentido do voto (apoiados). Quando aqui entrâmos já todos sabemos se diremos sim ou não (apoiados).
A epocha vae avessa aos longos discursos; não quer isto dizer que não discutamos; esclareçam se as questões, mas quanto baste para que o paiz avalie de uns e outros. Menos discussão e mais trabalho (apoiados).
Justificarei, pois, o meu á luz da política do paiz e do governo, sem lanhar recriminações ou allusões aggressivas para lado algum. É mister tomar do hyssope e atirar a agua benta em todas as direcções (apoiados).
Erros temo-los todos (apoiados); eu mesmo não quero isentar me d'esse peccado, não obstante ser perfeitamente novel em política. Venha o perdão reciproco portanto.
Todavia o paiz quer obras, e n´este sentido formulou o seu programma de reducções, como imposição aos governos, e de tributos e sacrificios, como dever de propria abnegação (apoiados). Venham conjunctamente as duas faces do programma. Eis a rasão do meu trabalho.
E n'esta ordem de idéas, permitta-me o meu illustre collega, o sr. Fontes, que eu discorde absolutamente de s. exa. sobre a opínião emittida aqui ha alguns dias por s. exa. Não sei se me falta a memoria, que a tenho eu fraca, mas creio que o distincto orador disse que = combatia a situação, e o governo que a tinha continuado, porque uma e outro eram filhos de uma revolução; não porque esta revolução o houvesse derribado do poder, mas por que tinha tornado as cadeiras do poder impossiveis. Aceito as premissas do illustre deputado, mas tiro-lhe uma consequencia diametralmente contraria (apoiados).
Eu é que estou de certo em erro, pois a longa pratica que s. exa. tem, e o seu illustrado talento, não devem engana lo.
Sr. presidente, desde que a revolução estatuiu programmas que tornam os governos impossíveis (s. exa. queria dizer difficilimos), eu não posso deixar de ver alguma cousa de providencial n'essa revolução (muitos apoiados).
Curvo-me respeitoso ante a força da sua idéa, que faz das cadeiras dos ministros, não cama de rosas, mas sede de trabalhosos espinhos (muitos apoiados), não digo de moralidade, porque sou d'aquelles que têem a boa fé de pensar que sempre ella ali se sentou (apoiados). Erros involuntarios têem d'ali saído muitos; quanto aos voluntarios...
Abro aqui um parenthesis, pedindo licença ao sr. Pereira da Miranda, ao distincto orador que fallou Da ultima sessão por fórma que, pela sua illustração, excedeu os poucos annos que conta de idade, para levantar uma ponta d'aquelle véu que S. exa. lançou sobro todas as políticas d'este paiz, de 1851 para alem.
A historia não podem faze-la os contemporaneos, pertence aos vindouros, o nós somos todos d'esta, epocha, não podemos ser bons juizes (apoiados).
Em moral, como em sciencia, como em politica, o que teve uma certa rasão de ser em dado tempo, póde ser um erro avaliado á luz do progresso e das necessidades da actualidade (apoiados).
Se eu levantasse uma ponta d´esse véu, podia mostrar ao illustre deputado grandiosos vultos que prepararam, fizeram e continuaram as nossas liberdades pátrias e o nosso progresso (apoiados). Podia mostrar lhe o vulto do Senhor Duque de Bragança; podia citar lhe os Passos, os Mousinhos da Silveira, os Aguiar, os conde de Thomar, que todos e muitos outros serviram com dedicação este paiz. Não repare na citação do ultimo, que expressamente citei:
governou á altura da sua epocha, e é n'esta que deve ser avaliado.
Commetteu erros, mas tão involuntarios como os mais que têe errado, e são todos (apoiados). Demais quando que governa segundo o adiantamento de idéas do mesmo paiz; e de muitos cavalheiros sei eu que acompanharam com lealdade o nobre conde, e que foram e são honestíssimos (apoiados).
Não se me tome á conta de immodestia recordar um nome que me é caro, o nome de meu pae, que já não póde defender-se, e esse sei eu que morreu na isolação da sua aldeia, como desconhecido, que era, mas cavalheiro (O sr. Coelho do Amaral: - Apoiado). Não teve duvida em sacrificar por o seu paiz parte da sua fortuna, comendo o pão negro da cadeia durante as lutas de 28 e 34, e servindo-o sempre como soube e pôde.
Este sei eu que achou boa a política a que me refiro, que nunca o estipendiou nem lhe deu graças, e que era honesto, affirmo-o eu (apoiados). E como elle ha os de sobra entre nós (apoiados).
Mas voltando á ordem de idéas em que seguia, dizia eu

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que aquellas cadeiras, hoje de espinhos, nunca foram abandonadas da moralidade; mas se hoje são de espinhos, graças á revolução que o sr. Fontes condemna (apoiados), eu louvo essa revolução, porque marcou normas e traçou caminhos aos governos; nem eu conheço como governos senão os que governam o paiz pelo paiz (apoiados). Nem considero em nada aquelles que, tendo-se na conta de infalliveis, não escutam os conselhos dos parlamentos, e não modificam por elles a sua opinião (apoiados).
Eu admiro essa revolução legal, porque era a da idéa a manifestarem no direito de petição de que não abusou (apoiados). Respeito-a profundamente, e maior consideração lhe tributarei se esta um dia souber inspirar os representantes do paiz a ponto de lhes levar a consciência a promulgar aqui uma lei de responsabilidade de ministros, de fórma que possam ainda converter as cadeiras já impossíveis em bancos de réus, quando o governo falsear as idéas do paiz (apoiados).
V. exa. declarou se aqui impenitente, e o meu respeito por v. exa. não decresceu; eu tributo sempre aos homens que têem a coragem dos seus actos, quando a boa fé os abona, superior consideração. Nem é dado a um homem d'estado mudar profundamente os seus systemas, emquanto a sua consciencia lhe não mostra nas dos outros mais profícuos resultados (apoiados). Ve-los-ha um dia, e quando os actuaes ministros tenham cumprido a sua missão, e se tenham gasto n'aquelles bancos, tendo deixado a s. exa. (que tem condições para voltar aos conselhos da corôa) ou aos que se lhes seguirem o terreno desbravado, embora a edificação não seja grandiosa, e, vaidade que elles não têem s. exa. reconhecerá a necessidade de modificar as suas opiniões, moldando-as nas do paiz.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado por grande numero de srs. deputados.)
O Sr. Mello e Faro: - V. exa. e a camara sabem que ha poucos dias fui aqui trazida pelo sr. ministro dm obras publicas uma proposta, renovando a iniciativa de um contrato anteriormente feito, sobre linhas telegraphicas sub marinas; e sabem v. exa. e a camara tambem, que nos ultimos annos têem sido feitas ao governo differentes propostas sobre similhante assumpto, e quanto é inconveniente que por meio de medidas especiaes esteja a camara a perder tempo com propostas isoladas, quando é certo que ha outras de igual natureza, e talvez de mais importancia e utilidade para o paiz, as quaes comtudo têem sido preteridas.
Está na memoria de nós todos que, desde o contrato feito com o major general Wylde e mr. Riardo até hoje, têem-se feito ao governo propostas differentes, contando-se entre ellas a convenção feita com mr. Ballestrini, depois o contrato com mrs. Rose Cooper e Clark, e ainda posterior outro contrato para o estabelecimento de um cabo telegraphico submarino do porto de Falmouth a um ponto da costa de Portugal, feito com mrs. Medlicot e Rumball. Ora, quando se reflecte que outras propostas têem sido apresentadas ao governo, julgo que não é conforme com o interesse publico trazer ao parlamento propostas isoladas, pondo de parte proponentes que me parecera ser tão dignos de consideração como aquelles outros.
Portanto, é minha opinião que o corpo legislativo não póde proceder de outra fórma que não seja collocar todos os pretendentes em igualdade de condições, para que o governo por meio de uma lei geral fique habilitado a aceitar a proposta que trouxer ao paiz maior somma de vantagens (apoiados).
É este o fim do projecto de lei que apresento, e peço licença a v. exa. para o mandar para a mesa, sem proceder á sua leitura, porque, como tem de ser impresso e distribuido, julgo que é inutil e perdido o tempo que levasse a lê-lo.
O sr. Presidente: - Como não está presente nenhum dos srs. ministros, o sr. ministro da fazenda acaba de communicar á mesa que tem de acompanhar Sua Magestade a Rainha até ao soa embarque, consultando a camara sobre se quer continuar a discussão, ou que se interrompa por um pouco a sessão até s. exa. estar presente.
Consultada a camara sobre se se devia suspender a sessão, houve 37 votos a favor e 30 contra.
O sr. Presidente: - Como não ha vencimento, continua a discussão e tem a palavra o sr. Henrique de Macedo para continuar o seu discurso.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 9 na especialidade

O sr. Henrique de Macedo: - ... (O sr. deputado neto restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n este logar.)
O sr. J. T. Lobo d'Avila: - Não acompanharei o orador que me precedeu nas suas divagações alheias ao assumpto que se discute.
Deixo á camara e ao publico ajuizar se, em presença do modo grave por que todos entraram n'esta discussão, s. exa. fez bem, procedendo do modo por que procedeu.
As demasias de linguagem ficam mal a quem as emprega; são armas que ferem a quem as maneja.
O que me parece é que convem que n´estas debates haja toda a placidez e cordura (apoiados). Discutam se muito embora todos os actos das administrações passadas a par dos da actual, mas observem-se as boas regras do certamen parlamentar e guardem-se as conveniencias (apoiados).
Podem analysar-se os actos dos homens publicos, podem comparar-se os de uns com os de outros, e respeitarem-se esses homens (apoiados).
Não acompanharei portanto, como disse, o nobre deputado nos seus arrojados vôos políticos, nem nas suas escavações historicas e archeologicas.
Restringir-me-hei unicamente ao artigo em discussão, e tratarei da proposta que mandei para a mesa, que me parece dever modificar agora, em presença das novas considerações que se apresentaram.
Propuz eu, a proposito d'este artigo, que a somma do emprestimo, de que se trata, se reduzisse quanto possivel ao estrictamente necessario, por ser este emprestimo demasiadamente oneroso, como todos reconhecem (apoiados).
O illustre orador que acaba de fallar, todos os que fallaram por parte da maioria, e o governo reconheceram que era mau e que não tinha defeza possivel; e o modo unico por que intentaram defende lo foi recorrendo ao campo das recriminações. Como se, por se ter feito um acto mau, admittindo hypotheticamente que se tenha feito, isso justificasse a repetição de um acto igualmente mau ou peior (apoiados).
O que se vê é que o contrato não é defendido pelos membros da commissão, nem pelos oradores da maioria, nem pelo proprio governo (apoiados). Todos reconhecem que é mau, e só appellam para as circumstancia, e entemdem que no aperto d´ellas não era possivel contratar melhor.
Eu não quero entrar agora de novo na apreciação dos factos que deram origem a estas circunstancias, nem ver se a responsabilidade cabe inteira ou não ao actual governo. Parece-me ter já provado que lhe cabe muita responsabilidade na maneira como dirigiu este negocio; mas o que é facto é que todos confessam que o emprestimo é mau, e se é mau, já se vê que se deve evitar o mal quanto possivel, reduzindo o emprestimo de que se trata ao estrictamente necessario para fazer face aos encargos impreteriveis do thesouro (apoiados).
Eu estou persuadido de que era possivel ter feito um emprestimo melhor (apoiados); mas o certo é que o sr. ministro comprometteu o governo e o paiz de tal modo no contrato que, para se passar para outro, é necessario que o paiz pague 265:000$000 réis, para o pagamento dos quaes se deixou penhor nas mãos do contratador! Eu não sei, re-

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pito, quem é que deu ao governo, ou ao sr. ministro, o direito de dispor d'estes fundos publicos, porque não tinha nenhuma auctorisação legal para isso (apoiados). Incorrer o paiz n'uma perda, se a camara rejeitar este contrato, confesso que não sei com que direito se estabeleceu no contrato uma tal clausula! Mas o que é verdade, é que nós nos achâmos collocados n'estas circumstancias terríveis e funestas. A camara, approvando a generalidade do projecto, approvou o pensamento de contrahir um emprestimo, e n'isto todos estamos de accordo; mas não ficou por isso inhibida de reduzir o sacrificio ao menos que for possivel.
Sr. presidente, propuz eu que a somma do emprestimo se reduzisse a 10.000:000$000 réis, porque me pareceu que esta somma era sufficiente. Alguns oradores procuraram demonstrar o contrario, e entre elles o sr. deputado por Lisboa, cuja estreia auspiciosa eu muito felicito, pela amenidade e pela cordura com que elle, sendo tão moço, entrou n'esta questão (apoiados). E sempre muito melhor recebido, não só pelo talento que revela, mas pela delicadeza e pela fórma attenciosa, qualquer orador que enceta a sua carreira como s. exa. encetou a sua (muitos apoiados).
Pretendeu demonstrar este orador que esta somma não era sufficiente. Não me convenceram as suas rasões.
Quaes são as despezas a que tem de fazer face o producto do emprestimo? Em primeiro logar é a divida fluctuante externa contrahida sobre penhor. Qual é a somma da divida fluctuante externa, não referida a 31 de março, mas a 30 de abril, que é data mais recente que temos em documentos officiaes, e compreendendo a contrahida com penhor e sem elle? É de 7.600:000$000 réis pouco mais ou menos.
Qual é a segunda verba que temos a pagar com este emprestimo? É o conpon da divida consolidada externa, a vencer no 1.° de julho, que importa, segundo a declaração do sr. ministro da fazenda, inserta na sessão do dia 3 d'este mez, em 1.278:000$000 réis.
Qual é o deficit até ao fim do actual anno economico, segundo a declaração do sr. ministro da fazenda, inserta tambem na mesma sessão? Anda por 200:000$000 réis pouco mais ou menos.
São estas as tres verbas principaes a que temos de fazer face pelo producto do emprestimo, e sommadas ellas dão pouco mais de 9.000:000$000 réis.
Portanto tinha eu calculado que pendo a despeza indispensavel e impreterivel de 9.000:000$000 réis, bastava que o emprestimo fosse de 10.000$000 réis, porque ainda mesmo deduzidos todos os encargos da operação, calculados em 6 por cento sobre o effectivo pela illustre commissão, isto é, 600:000$000 réis no caso de ser o emprestimo de 10.000:000$000 réis, ficavam ainda 400:000$000 réis na mão do governo, para qualquer caso imprevisto.
Mas eu devo advertir que reduzi tanto a verba do emprestimo, porque propuz outra fórma de pagamento em relação á quantia destinada á extincta companhia do caminho que ferro de sueste.
Os 2.376:000$000 réis arbitrados á extincta companhia, hão de ser pagos segundo este projecto, pelo producto do emprestimo, emquanto que eu proponho que sejam pagos em fundos publicos ordinarios pelo valor do mercado.
E por esta occasião devo dizer que eu não proponho esta fórma de pagamento, porque approve o decreto de 10 de março, que arbitrou aquella somma á companhia; mas esse decreto, pelo facto de ser approvado o bill de indemnidade, ficou convertido em lei, e hoje é esse pagamento uma obrigação que pesa sobre o governo (apoiados.) Portanto a questão não póde hoje versar sobre a approvação ou rejeição d'aquella medida, mas sim unicamente sobre a fórma de pagamento.
Não se julgue pois que eu approvo esse decreto (apoiados). Para mim e para todos, é um facto consumado, e resta me ver qual a fórma de pagamento pelo qual o estado vem a ficar menos onerado.
Eu subtrahio portanto a somma dos 2 376:000$000 réis da importancia do emprestimo, e já por este lado se vê que não são precisos os 18.000:000$000 réis.
Qual é a outra despeza a que o governo quer occorrer com este emprestimo? E aquella que póde provir de se retirarem da divida fluctuante interna alguns prestamistas, por verem que têem no novo emprestimo um meio de auferirem maiores lucros dos seus capitães. Calculou-se já que seria 3.000:000$000 réis pouco mais ou menos, a somma a que por este motivo obrigatoriamente teria de se satisfazer, por isso que a divida fluctuante interna anda por 4.500:000$000 réis; mas ha uma parte d'essa divida, réis 1.500:000$000, que não póde ser immediatamente exigível. Diz a commissão que póde haver uma corrida ao thesouro, e este ver se na obrigação de satisfazer essa divida.
Em primeiro logar permitta me a camara que eu note que a vantagem que o sr. relator da commissão pretendeu fazer sobresair, de que sendo, segundo o seu calculo, o juro que actualmente se paga pela divida fluctuante externa de 14 por cento, e o juro do emprestimo de 12 por cento, se lucrava 2 por cento; essa vantagem desapparece, porque póde o governo ver se obrigado a pagar pelo producto d'este emprestimo divida fluctuante que vence só 7 1/2 por cento, e portanto perde essa differença (apoiados). A operação já collocou o governo era circunstancias de ter de pagar uma divida fluctuante, pela qual paga um juro muito menor, para a ir pagar com o dinheiro que levantou a 12 por cento, e essa vantagem da comparação da divida que se veiu apresentar, desapparece era grande parte por esta consideração; e pelo contrario o que fica é justamente o inverso; é que o governo foi contrahir uma divida por um juro muito maior, para amortisar outra de que elle paga um juro menor (apoiados).
Mas parece me que essa divida fluctuante interna não póde ser exigível, e portanto obrigatoriamente pagavel n'uma escala tilo grande como suppõem os nobres deputados.
Em primeiro logar, alem da parte que separavam d´essa divida, e que é importante, ha uma outra parte que é vencível só no mez de outubro, e outra em agosto; portanto os fundos que se vencem n'estas epochas não se podem levantar agora para irem entrar n'esta operação; não são exigíveis immediatamente, e para o futuro entendo que o governo póde lançar nulo de outros meios que indicarei, pelos quaes obtenha dinheiro em condições menos onerosas, do que por meio d'este emprestimo, para occorrer ao deficit do anno economico proximo, e mesmo a qualquer exigencia da divida interna, que se possa dar mais a diante, chegados os prasos dos vencimentos das letras (apoiados).
Eu declaro conscienciosamente, como sempre costumo, que procurei colher todas as informações dos homens mais competentes a este respeito, porque não quero collocar o thesouro em circunstancias de lhe exigirem um pagamento e de não estar habilitado para o fazer, o que quero é dar-lhe só os meios necessarios para pagar os encargos indispensaveis, para que se não veja em circumstancias difficeis.
Mas não quero ir mais alem, por isso que este emprestimo é extremamente oneroso, e o estado tem meios de contrahir outro em melhores condições; e tanto isto é assim, que se diz, e sobre isto chamo a attenção do sr. ministro da fazenda, que o governo está tratando de um novo emprestimo; que até deu cartas a alguns individuos que foram tratar d'esse negocio a Paris, e que existem até propostas mais vantajosas que permittem pagar se a multa de 265:000$000 réis, e ainda assim contratar-se com maiores vantagens.
Isto vem provar mais uma vez que, apesar das nossas circumstancias, era possivel contratar em melhores condições, independentemente de haver outros expedientes de que lançar mão (apoiados).
Se o governo não presumisse que era possivel obter um

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emprestimo em melhores condições, não tinha continuado estas negociações, com o fim de evitar assim os encargos d'este, emprestimo, que todos consideram altamente onerosos. E porque vi possibilidade de tratar outra operação mais vantajosa, e que lhe desse margem a pagar os réis 265:000$000 da multa, e ainda assim ficar muito melhor para o estado.
Parece-me que isto indica que da parte do governo houve uma certa precipitação em se prender com um contrato d'esta ordem (apoiados). Bem sei que se allega que havia uma letra a pagar na importancia de 500:000 libras de divida fluctuante, que não havia recursos, e que não se póde achar senão este meio; mas o que digo é que se o governo tivesse sido mais previdente; se tivesse andado com a devida antecipação, tinha achado outro meio muito menos oneroso para poder satisfazer a estes encargos (apoiados). Repito, não sou só eu que me queixo, nem só os membros da opposição, são os proprios jornaes que têem sustentado esta situação que se queixam que s. exa. tivesse formulado na sua mente um contrato ideal, de um modo inconveniente, não escolhendo as melhores propostas d'entre as dos concorrentes, mas communicando-as a uns e outros de modo que foram copiando umas das outras a parte mais vexatoria, mais humilhante e mais onerosa, para depois apurar n'este crisol o contrato mais vexatorio que temos tido (apoiados).
Este contrato não é só oneroso, é o mais vexatório, o mais humilhante que se tem apresentado (apoiados); e estas idéas foram sustentadas pelo Jornal do commercio de Lisboa, que não é suspeito a esta situação, porque sempre tem sustentado o governo actual.
E se tal idéa tem tido sustentada por esta folha, é porque tem um fundo de verdade, pois que não é levantada por espirito de opposição (apoiados).
S. exa. entrou para o ministerio com muito boa vontade com as melhores intenção, mm não tinha, forçoso é confessa-lo, tem fazer com isto ofensa á sua intelligencia, toda a experiência dos negocios e por isso ato certo ponto fui illudido, não soube apreciar devidamente as circunstancia» e foi levado a uma situação deploravel, difficil, em que se achou collocado entre a espada e a parede, com o vencimento de uma letra de 500:000 libras, sem ter outro meio de pagar senão este (apoiados).
Mas a responsabilidade d'esta situação cabe a quem n'ella se collocou (apoiados) e nem se me diga, porque ninguem póde aceitar tal asserção, completamente gratuita e destituída de fundamento, que não havia outro meio. Ter-se-ia evitado isso se se tivesse andado d'um modo mais habil e com a devida antecipação, pagando-se essa letra no devido tempo (apoiados).
Peço ao sr. ministro que me diga se está algum emprestimo em prospectiva. Isso seria uma alegria para nós, eu estou triste e não me regosijo que o governo faça este emprestimo e estimo mais que contrate outro melhor.
Desejava saber se s. exa. deu carta a alguem, auctorisando até não sei que ponto n'este sentido, e se effectivamente ha propostas e alguma esperança de que se possa fazer um emprestimo, pagando-se a multa e ficando-se em melhores condições do que indo avante o emprestimo actual. Se s. exa. nos podesse dar essa boa noticia, seria de grande regosijo para todos (apoiados).
O sr. Ministro da Fazenda: - Se me dá licença, respondo já á sua pergunta.
O Orador: - com muito gosto.
O sr. Ministro da Fazenda (Conde de Samodães): - Respondo já em poucas palavras ao illustre deputado.
Não pude assistir ao final da sessão de antes de hontem, porque fui chamado para a camara dos dignos pares, aonde se estava discutindo tambem uma questão de fazenda; e a camara me desculpará se algumas vezes mais isto acontecer, porque não havendo senão projectos de fazenda actualmente em discussão, e tendo de ser tratados nas duas camaras, é possivel que falte ora a uma, ora a outra involuntariamente.
Constou-me que durante o tempo que estive ausente, o illustre deputado e meu amigo, o sr. Fontes Pereira de Mello, se referiu a um boato que corria de que se estava tratando de um emprestimo em Paris. O meu collega das obras publicas participou-me que o illustre deputado, o sr. Fontes, tinha feito esta pergunta, e até me deu apontamentos a este respeito; infelizmente porém perdi esses apontamentos, esqueceram me e creio que ficaram em cima da carteira na outra camara. Sendo porém a mesma pergunta repetida hoje pelo illustre deputado que teve a palavra, peço licença para responder a ella desde já.
Não tenho a menor idéa de que se trate de emprestimo algum em Paris. A unica pessoa que ali estava auctorisada por mim com uma portaria para poder fazer reforma de letras, e mesmo para poder contrahir um emprestimo, na epocha em que d´isso se tratava, que é esse a que se referem os documentos que vem juntos ao relatorio, ha muito tempo que teve ordem minha para se recolher a Portugal, porque não tinha já ali de que tratar. Tive d'elle um telegramma, dizendo que, querendo aproveitar a sua estada em Paris para tratar de negocios seus particulares, se conservava ali mais alguns dias, e que brevemente regressava a Portugal, effectivamente, se não está já em Lisboa, deve estar a caminho; porque hoje não está incumbido de cousa alguma por parte do governo.
É facto que ha tempo appareceu em um jornal inglez, a noticia de que o governo portuguez queria contrahir um emprestimo na praça de Paris; e invocava se o nome do sr. duque de Saldanha, como encarregado de o promover.
Apenas soube isto, immediatamente mandei desmentir nos jornaes inglezes similhante noticia; e recommendei que se perguntasse ao Sr. duque de Saldanha, se elle tinha auctorisado a que se invocasse o seu nome para tal fim, porque em toda a correspondencia que tenho tido com s. exa., nunca lhe recommedei que se occupasse d'esta questão financeira. Efectivamente o agente financial da praça de Londres dirigiu-se ao nobre duque, dizendo lhe que se tinha invocado o seu nome como encarregado de promover este emprestimo; e o nobre duque do Saldanha escreveu-lhe uma carta em ingle, cuja copia tenho na secretaria, aonde ainda hoje não pude ir, e que vem publicada nos jornaes inglezes, onde se desmente completamente essa noticia.
Portanto, com relação a este ponto, não tenho mais nada a dizer senão que não encarreguei ninguem de tratar de emprestimo de qualidade alguma.
Com referencia á outra reflexão que s. exa. fez de que o governo está inhibido completamente de tratar outro emprestimo pelo facto do ter feito este contrato provisorio, já eu tive occasião de dizer que era inexacta essa asserção, porquanto o contrato não se torna definitivo senão depois do ser ratificado pelas camaras, e e n'este sentido que se interpreta o artigo em que se dispõe que = o governo fica inhibido de contratar outro emprestimo, por qualquer fórma que seja, depois de ratificado e posto em execução este contrato, mas nunca outro.
Concluo esta interrupção, de que peço desculpa ao illustre deputado, repellindo a interpretação que s. exa. quiz dar áquelle artigo do contrato provisorio, e dizendo que emquanto á negociação em Paris, sejam essas noticias mandadas por quem quer que for, não têem caracter nenhum official, e nada n'esse sentido foi por mim encarregado a pessoa alguma.
O Orador: - Agradeço ao nobre ministro a declaração que teve a bondade de fazer, e lastimo por mim, pela camara e pelo paiz que não se arranje um contrato melhor, que não obstante termos de pagar a multa desse ainda vantagens (apoiados).
Disse s. exa. que este contrato tem um caracter provisorio, que só vigora depois de ratificado, e que eu lhe quiz dar um caracter definitivo. Não concordo com s. exa.

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O illustre ministro diz que este contrato é provisorio; é verdade, mas lá tem uma penalidade, porque está marcada a multa de 265:000$000 réis para o governo pagar, no caso quo se não execute o contrato (apoiados).
Isso é que dá a este contrato um caracter especial ou vexatorio, mas não um caracter provisorio que deixe o governo em liberdade e sem comminação alguma (apoiados). O sr. ministro da fazenda póde não executar o contrato, mas o que não póde é eximir o estado a pagar essa multa de 265:000$000 réis, se o não executar (apoiados).
Portanto nào se diga que fica liberdade ao governo; fica-lhe apenas a liberdade de perder 265:000$000 réis (apoiados). Não se diga que este contrato tem uma natureza provisoria, como outros contratos sujeitos á ratificação das camaras, mas que, quando as camaras os não approvavam, não impunham penas algumas ao governo.
Aqui estabelece-se que, se a camara não approvar este contrato, o governo pagará uma multa, e para garantia d'isso tem já o contratador os respectivos titulos na sua mão, com a faculdade de os vender em qualquer mercado do mundo, titulos que o sr. ministro da fazenda lhe deu, não sei com que auctorisação, porque sem auctorisação do parlamento o sr. ministro da fazenda não podia dispor de uma parte da fortuna publica e entrega-la a um particular (apoiados).
Faz-me isto lembrar um caso, quo me contaram, de um administrador de um menor, que fez um contrato com a seguinte clausula: quando o menor chegasse á maioridade e quizesse desfazer o contrato, devia pagar uma multa de
10:000$000 réis. (Riso.)
Portanto parece que n'este contrato tambem se consideram a nação como um menor. Impoz-se-lhe esta multa para que se ella, chegada á idade da rasão, quizesse rejeitar o contrato, fosse obrigada a pagar a multa de 265:000$000 réis.
Isto não póde ser. Isto é um precedente horrível, e eu sinto que s. exa. creasse todas as circumstancias que o levaram, de certo com muita repugnancia, a praticar este acto (apoiados).
Faço-lhe justiça; não foi com certeza de muito boa vontade que praticou este [...] mas o certo é que o praticou, o certo é que deixou [...] cousas de modo que chegou a ponto de se ver [...] pratica lo, e nísto tem uma grande responsabilidade (apoiados.)
Repito, pois, não [...] que este contrato é provisorio, parecendo indicar-se depende da ratificação da camara e que, não sendo ratificado, não tem effeitos alguns, porque a sua rejeição importa uma grande multa que pesa sobre o paiz (apoiados.)
Como eu disse, como se tem calculado, sendo este emprestimo muitíssimo oneroso, porque basta dizer-se que é um emprestimo em que se vão dar immediatamente de mão beijada aos contratados [...] 1.035:000$000 réis de commissão, que é uma commissão [...] de que não encontro exemplo ainda que [...] investigações historicas e archeologicas que [...] se houver esse exemplo não é digno de imitação (apoiados) sendo este emprestimo de tal ordem, repito, que [...] um encargo enorme para o estado, entenmdo que se deve restringir o mais possivel e elever-se só até ao ponto aonde as necessidades imperiosas exigirem (apoiados.)
Parece-me que procedendo assim não quero collocar o governo em embaraços, mas poupar á nação todos os sacrificios que se lhe possam poupar, o que é obrigação de nós todos.
Já provei que, não se pagando o caminho do ferro em obrigações d'este emprestimo, os 10.000$000 réis que eu propuz seriam sufficientes, por isso que sommados os encargos da divida fluctuante externa, 7.600:000$000 reis, do coupon da divida interna 1.278:000$000 réis, e do deficit até ao fim do actual economico, 200:000$000 réis, andam proximamente por 9.000:000$000 réis, e juntando-se a esta verba a tal commissão ainda fica um excesso.
Mas ha uma parte da divida fluctuante interna que effectivamente póde retirar-se para entrar n'este novo emprestimo, e vem assim a desfalcar o lucro que se diz tirar-se d'esta operação, porque vem dar capital ao governo por um juro muito superior ao que existe agora (apoiados).
Eu supponho que essa verba pouco póde ir alem de réis 1.500:000$000, e estou convencido de que esta verba não póde ir alem de 2.000:000$000 réis, e portanto, como não desejo collocar o governo em embaraços para algum pagamento, não tenho duvida alguma em elevar o quantitativo da minha proposta a 12.000:000$000 réis, mas cotou convencido de que não é preciso.
E qual é a rasão por que fiz a proposta para que o caminho de ferro, em logar de ser pago pelas obrigações d'este emprestimo, seja pago pelos titulos de divida publica, segundo o seu valor no mercado? Por uma rasão muito simples. É porque os titulos d'este emprestimo dão um encargo de 12 por cento, e os titulos de divida publica, segundo o seu valor no mercado, tem o juro de 8 ou 8 1/2 por cento. Por consequencia o governo ganha a differença entre estes dois encargos (apoiados).
Pergunto: não póde o governo fazer este pagamento debaixo d'esta fórma? Póde, porque o decreto de 10 de março arbitrou aquella somma, mas não fixou fórma de pagamento. Portanto o governo ficou livre, e póde pagar de qualquer fórma (apoiados).
Os titulos de divida publica, pelo seu valor no mercado, são equivalentes a dinheiro. Não se póde pois dizer, que se não cumpriu o decreto de 10 de março de 1868. Nem ha condição alguma no contrato de se satisfazer debaixo de outra fórma. O artigo 7.º, no qual estava estipulada a obrigação do producto d'este emprestimo, se pagasse á companhia sueste, foi modificado por uma proposta do proprio contratador, e de accordo com o governo; e hoje o que existe é um artigo que diz:
«Os contratadores do caminho de ferro serão pagos quando a subscripção do publico se verifique, e se não se verificar, as obrigações ou titulos do novo emprestimo ficarão nas mãos dos contratadores, na importancia equivalente áquelle credito, a fim de serem entregues á companhia. Isto pela prescripção do governo.»
Ora, a companhia do caminho de ferro, ou quem direito tiver, ha de receber essas sommas em titulos de divida publica pelo valor que estiverem no mercado; isto é equivalente a dinheiro; parece-me que tanto valem os titulos novos ou obrigações, como valem os titulos de 3 por cento. Todos estes titulos de divida publica são garantidos pelo governo portuguez, e equivalentes pelo preço do mercado a dinheiro, com a differença que uns sáem a 12 por cento, e os outros a 8 por cento (apoiados).
Portanto, repito, não se falta ao decretado, dando aos interessados valores equivalentes a dinheiro, nem se contrariam as disposições do contrato (apoiados). Não ha nenhuma obrigação do estado pagar de outra fórma; proporcionamos uma economia para o paiz, e ninguem se póde queixar (apoiados). E esta somma não póde ser entregue, nem deve ser aos contratadores, mas deve ser entregue depois do feita a liquidação a quem de direito representar esses interesses como liquidatario officialmente reconhecido pelos tribunaes. O contratador d'este emprestimo não póde metter-se de intermediario, não tem que fazer n'este negocio (apoiados).
Repito, o governo póde pagar d'esta fórma com uma economia, e sem que se possam queixar da sua menos boa fé.
Se isto é assim, só a dadiva é de 2.376:000$000 réis, que o governo considera como um favor, porque não nos trouxe nenhuma compensação nas condições menos onerosas do contrato, tendo menino s. exa. o sr. ministro declarado que os contratadores declararam que nada lhes importava com o negocio do caminho de ferro de sueste, nem por

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esse motivo attenuavam em nada os onus e durezas do contrato de emprestimo (apoiados), porque não se ha de pagar de um modo menos oneroso?
E certo que pelo decreto de 10 de março de 1869 foi arbitrada dictatorialmente uma certa somma para ser entregue á companhia do caminho de ferro de sueste, mas não se disse a fórma como esse pagamento devia ser feito. Portanto como não ha compromisso algum da parte do governo sobre a fórma de pagamento, desejo eu que esse pagamento se faça debaixo da fórma menos onerosa para o estado. Parece-me que assim não faço senão zelar os dinheiros publicos, e n'este ponto deve estar de accordo o governo, porque não lhe supponho outros sentimentos, nem outros interesses, nem a nenhum dos membros d'esta casa (apoiados).
Diz-se «essa somma reduzida do emprestimo deixa a descoberto o deficit do anno economico proximo».
Em primeiro logar ninguem póde fixar o deficit do anno economico proximo (apoiados), isso depende ainda das medidas que esta camara votar, depende da discussão do orçamento (apoiados).
Ainda hoje vi apresentar um projecto de lei por um membro da maioria, que reduz só no exercito 700.000$000 réis! Ha outra proposta tambem de um membro da maioria que reduzia no exercito 400:000$000 réis. Hoje foi indicado por um nobre deputado da maioria que a medida da desamortisação podia fazer desapparecer do orçamento do ministerio da justiça um encargo de tresentos e tantos contos de réis.
Em presença d'estas reducções e de muitas outras que sei que tem em mente o meu antigo amigo, o sr. Coelho do Amaral, e outros srs. deputados (apoiados), que zelam constantemente a bolsa dos contribuintes, de certo que hão de introduzir- se no orçamento todas as reducções que forem compativeis com o serviço. ( O sr. Pimentel: - Apoiados, apoiados).
Em presença das propostas de impostos do governo, de que julgo que elle fará questão, não do modo absoluto de não admittir alteração alguma, mas não inutilisando o pensamento d'essas propostas. (O sr. Ministro da Fazenda): - Apoiados) Em presença d'esse augmento de receita em perspectiva, d'essas reducções de despeza annunciadas e garantidas pelos deputados, antigas zeladores de bolsa dos tribuintes, eu vejo o deficit assumir proporções tão mesquinhas, que não aterra. O deficit está entregue em muito boas mãos (riso). O deficit deixa de ser aterrador para o anno economico futuro. Está entregue em muito boas mãos. Em presença d'isto não é necessario deixar já uma somma muito avultada nas mãos do governo para occorrer a um deficit problematico, deficit que lhe dará tanto menos cuidado, quanto maiores forem os meios que tiverem na sua mão de que possa dispor (apoiados).
Sr. Presidente, nós todos somos os primeiros interessados em que o deficit se reduza tanto quanto for possivel, e em que se discutam as propostas financeiras, o orçamento e as leis de impostos; e parece-me que não haverá um unico membro n'esta casa que queira concorrer com o seu voto para que se protráhia a resolução da questão financeira (apoiados). Se as cousas continuarem do mesmo modo, satisfazendo-se depois ao deficit com o excesso que ficar d'este emprestimo contrahido em similhantes condições, o governo será de certo obrigado a contrahir um novo emprestimo baseando indubitavelmente em muito peiores condições do que este. ( Apoiados).
Já que o pais está entre a espada e a parede, e a camara se vê na dura necessidade de approvar este contrato, entendo que tambem nos devemos collocar na necessidade de reduzirmos o deficit ás menores dimensões a que for possivel, evitando estes tristes expedientes (apoiados). Para isso é preciso que se criem meios que habilitem o governo do paiz a viver sem recorrer a estes expedientes deploraveis (apoiados).
Segundo o total da divida flutuante indicada a nota que o governo apresentou, esta divida tem decrescido de março para abril em 500.000$000 réis, á custa das inscripções que se têem vendido (Apoiados).
Peço a v. exa. queira mandar á camara a nota dos títulos da divida publica que se têem vendido desde que apresentou o ultimo documento a esse respeito.
O Sr. Ministro da Fazenda: - Sim, senhor.
O Orador: - Entendo que n'este intervallo se têem vendido títulos de divida publica, nem de outra maneira se póde explicar esta differença (apoiados).
Não censuro o governo por ter vendido inscripções, porque sei que pela lei de 3 de setembro de 1868 estava auctorisado a vender até um certo e determinado numero d'ellas; porém o que eu entendo é que o governo, com relação á proposta de que se trata, tinha este e outros recursos de que lançar mão, que de certo trariam ao paiz encargos muito menores do que os d'este emprestimo (apoiados).
Pois o governo não podia recorrer á desamortisação (Apoiados.)
Sinto que um certo reflexo de opinião ministerial que vi assomar n'esta casa, me indique que ha certo espirito reaccionario n'esta questão da parte do governo, que ha uma tendencia para reagir contra esta medida da desamortisação (apoiados), tendencia que se acoberta, que se envolve n'um ou outro pretexto, debaixo de uma ou outra fórma, mas que parece existir no fundo (apoiados).
Ha tendencia para se não propor a lei da desamortisação, uma vez porque a desamortisação é destinada para a dotação do clero e esplendor do culto, outra vez a desamortisação é applicada a dar uma transformação no orçamento de modo a alliviar o ministerio da justiça da despeza de 300:000$000 réis, fazendo-se uma distribuição mais equitativa dos passaes; e ainda se collega uma outra rasão, é a de se não venderem estes bens ao desbarate; e tambem se invoca o principio do direito de propriedade, e até se diz que póde haver uma espoliação, etc.
Em primeiro logar na questão de direito de propriedade há muito bons jurisconsultos que contestam esse direito ás corporações de mão morta (apoiados); consideram-se como meros administradores d'aquelles bens, e não têem direito de dispor á sua vontade d'aquella propriedade( apoiados) Não têem em toda a sua extinção o direito de propriedade. Isto é sustentado por muitos abalisados jurisconsultos. Não entro n'essa questão, mas digo que se a sociedade estabeleceu uma certa ordem de leis para ao abrigo d'ellas se crearem essas instituições, a sociedade tambem se póde modificar (apoiados). Eu sou de opinião que se não tire nada a essas corporações (apoiados); mas o que digo é que uma subrogação não é uma espoliação (apoiados). A substituição d'esses bens por titulos de divida publica com valor equivalentes, pelo preço do mercado, não é uma espoliação (apoiados). A substituição d'esses bens por titulos de divida publica com valor equivalente, pelo preço do mercado, não é uma espoliação (apoiados). Portanto digo que a desamortização d'esses bens é a substituição, a inversão d'esses bens por titulos de divida publica pelo preço do mercado (apoiados). Não é espoliação, é substituição de valor por valor. Muito longe de ser espoliação acrescenta os rendimentos d'essas corporações como a experiencias veiu mostrar (apoiados).
Pergunto - esta medida da desamortização não poderá d'ella tirar-se grande vantagem, servindo mesmo para sobre ella levantar fundos? E mesmo os compradores d'esses bens em titulos de divida publica pelo preço no mercado, não virão procurar esses titulos em grande escala. E o governo não realisará uma somma avultadas de dinheiro para poder fazer face ás necessidades immediatas (apoiados). E não se diga que esses titulos vem depois fazer concorrencia no mercado, pois que taes titulos vão ser immobilisados por essas corporações
(apoiados), mas não os vão lançar bens em inscripções. Ao contrario as inscripções de valor no mercado (apoiados). Mas independente de todas as

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circumstancias economicas, que resultam d'esta desamortisação, como são maiores direitos de transmissão de propriedade, maior riqueza d'essa propriedade entregue nas mãos de particulares, que de certo hão de desenvolver mais que as corporações que estão de posse d'esses bens, e alem d'isso a vantagem de trazer para o orçamento a tal economia, em que eu concordo, dos tresentos e tantos contos; porque é necessario que, por nenhum espirito de egoísmo ou preconceito de qualquer especie, se deixe de ir tocar em todos aquelles pontos que affectam a governação publica e podem influir para diminuir os encargos do estado o augmentar de um modo vantajoso a sua receita (apoiados).
É necessario não só prégar com boas doutrinas, mas com o exemplo (apoiados).
Eu respeito muito todo o clero, como respeito todos os funccionarios do estado, que todos merecem respeito. Tenho profundo respeito pelo clero, e não quero atacar os seus direitos nem os seus interesses; mas desejava (eu já tinha apresentado esta idéa, e não me cansarei de a repetir, porque a julgo profícua para o meu paiz; e estimo muito que um orador que me precedeu insistisse n'ella) que se desamortisassem os bens e direitos prediaes, que constituem a dotação do clero, do que póde vir uma alteração no orçamento, diminuindo-se muitas verbas que ali figuram (apoiados).
Os bispos têem todos a mesma verba de 2:400$000 réis. Pois essa verba, realisando se a desamortisação dos passaes, devia desapparecer (apoiados), porque muitos têem rendimentos muitíssimo superiores, e não é justo que se dê desigualdade entre elles (apoiados).
Já aqui o sr. Dias Ferreira citou outro dia muitos membros do clero, que têem um rendimento muito avultado comparativamente com outros, exactamente os que trabalham com mais actividade e prestam mais serviços á igreja (apoiados).
É necessario acabar com esta desigualdade, não só em proveito d'aquella illustre e respeitavel corporação, mas em proveito do estado; porque se conciliam perfeitamente estes dois interesses (apoiados).
Eu já pedi uma relação do valor dos bens das mitras e cabidos. Dizem-me que ha difficuldade em a obter. Parece-me que não a devia haver (apoiados).
Recorrendo entretanto a um jornal, onde vem publicadas certas indicações sobre o assumpto, vejo que em bens das mitras de Angra, Aveiro, Beja, Bragança, Castello Branco, Coimbra, Elvas, Evora, Leiria, Lisboa, Portalegre e Vizeu, são avaliados na somma de 557:000$000 réis.
É para notar que estas avaliações estão baixíssimas.
E ainda cumpro advertir que não se falla nas dioceses de Braga, Faro, Funchel, Guarda, Lamego, Pinhel e Porto.
Todas sommadas dão uma verba muito avultada.
Para se ver como foram feitas as avaliações, basta ver o seguinte (leu).
O paço episcopal de Vizeu 4:000$000 réis, e a celebre quinta do Fontello 12:000$000 réis (Riso) Todos os bens d'esta diocese são avaliados em 65:000$000 réis, valor muito inferior á realidade.
Não figuram no inventario muitos outros bens que têem um certo valor, e que existem (apoiados). Isto prova que a avaliação é muito baixa, e que reunidos todos estes bens e dando-lhe um justo valor, o resultado se eleva a uma somma avultadissima, e juntando-se a isto o valor dos passaes não fica abaixo de 3.000:000$000 réis (Uma voz: - Ou mais.), 3.000:000$000 ou 4.000:000$000 réis.
Portanto, do producto de todos os bens das mitras, cabidos dos passaes e dos direitos prediaes, podia fazer se uma divisão entre todos os membros do clero muito mais equitativa e mais justa, ao passo que se exonerava o estado de despezas que carregam no orçamento e que dizem respeito ao clero (apoiados).
O que é necessario portanto, é lançar mão d'esta desamortisação; e lastimo que o governo não tivesse recorrido a este expediente antes de se chegar a ver na dura necessidade de aceitar um encargo tão humilhante e oneroso como o que nos traz o emprestimo que se discute (apoiados).
Não quero cansar mais a attenção da camara. Provei qual a vantagem e economia que resulta das propostas que fiz, e que o encargo com que se vae aggravar o deficit deve ser o menor possivel, para que esta operação se torne menos onerosa (apoiados).
Tenho concluído.
(Vozes: - Muito bem.)
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o effectivo do emprestimo seja fixado em 12.000:000$000 réis.
Sala das sessões, 14 de junho de 1869. = Joaquim Thomás Lobo d'Avila.
Foi admittida.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã ó a continuação da que vinha para hoje.
Está fechada a sessão.
Eram quatro horas e vinte minutos da tarde.

RECTIFICAÇÃO

Declara-se que o sr. deputado Luiz de Carvalho Daun e Lorena compareceu ás sessões de 20 de maio e 11 de junho.

Discurso do sr. deputado Dias Ferreira, proferido na sessão de 9 de junho, e que devia ler-se a pag. 293, col. 2.ª

O sr. Dias Ferreira: - V. exa. faz-me o favor de mandar ler Segunda vez a moção que o meu amigo, o Sr. Carlos, acaba do enviar para a mesa.
(Leu-se.)
Cabe-me tarde a palavra e não me queixo d'isso. Oradores de uma competencia reconhecida têem entrado n'este debate, e têem tocado a questão quasi por todos os lados porque ella podia ser apreciada. Conseguintemente menos considerações tenho a fazer, e menos tempo tomarei á camara.
Aprecio como sempre o discurso que acaba de ser proferido pelo illustre deputado que me precedeu, discurso que para lhe fazer completo elogio, basta recordar á camara que sobre um assumpto, em que podia assentar um sermão de lagrimas, o illustre deputado durante hora e meia prendeu a attenção do auditorio no meio de alegrias.
Á jeremiada plangente do relatorio do nobre da fazenda, ás alegrias do meu amigo, o sr. Carlos Bento, não vou eu associar-me. Discutirei o emprestimo, mas collocando a questão no terreno onde ella deve ser apreciada.
O assumpto é gravíssimo, e é gravíssimo, porque abrange dois objectos em si mesmo já graves, que podiam ser tratados cm separado, como eu desejava que o fossem, porque qualquer d'elles, só por si, tinha a importancia necessaria para durante duas semanas, ou mais, prender a attenção de uma assembléa tão illustrada, e de uma assembléa que tem sobre si a responsabilidade de salvar a fazenda publica do estado gravíssimo em que se encontra.
Já caminhámos muito desde a sessão passada para esta, já conseguimos a apreciação do emprestimo, já ninguém discute a necessidade do emprestimo. Todos concordam em que é preciso fazer um emprestimo, e o mais é que ninguem trata de por embaraços ao governo, porque podendo propor-se o adiamento d'esta medida até se completarem as reducções na despeza que ainda podiam fazer-se, ninguem insistiu pelo cumprimento d'este programma.
Todos concordam na necessidade do emprestimo, como condição principal que deve preceder a resolução de todos os assumptos que estão submettidos á attenção do parlamento, e por uma singular coincidencia, que não chamarei felicidade, todos os oradores da opposição e da maioria, in-

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cluindo o illustre relator da commissão e o sr. ministro da fazenda, estão de accordo em que o contrato é mau (apoiados). Ha de ser difficil, ha de ser raro encontrar-se nos annaes parlamentares discussão sobre assumpto tão grave, e uma discussão tão larga, em que todos os oradores, tanto da maioria, corno da opposição, estejam de accordo (apoiados). Se porventura eu aceitasse a discussão no terreno em que a collocou o meu illustre amigo, o sr. relator da commissão e o sr. Carlos Bento, de certo cederia immediatamente da palavra. Se acaso nós partimos da idéa e do principio de que havemos de approvar o contrato pelo facto do sr. ministro da fazenda nau poder fazer contrato melhor, ou cedia da palavra, porque estou persuadido do que o sr. ministro fez os maiores esforços, como elle nos contou mais minuciosamente, do que era indispensavel, para esclarecer a sabedoria da assembléa. Portanto não posso aceitar a questão n'este terreno; hei de colloca-la no terreno aonde ella realmente deve ser posta, apresentando e apreciando factos, e unicamente factos que constem de documentos officiaes, ou dos discursos dos srs. ministros, ou dos discursos dos illustres oradores da maioria, ou que sejam tão salientes, tão evidentes, e tão conhecidos de todos, que ninguem d'elles possa duvídar.
Sr. presidente, tenho uma grande parte, e não era preciso que m´a recordassem todos os dias, na responsabilidade dos acontecimentos graves que produziram a mudança da situação em janeiro do 1863; e póde v. exa. e a camara ter a certeza de que ainda que ficasse só com a responsabilidade d'esses acontecimentos, era incapaz de renegar as minhas opiniões ou a minha responsabilidade (apoiados). Digo mais. Não careço até de invocar o auxílio de muitos cavalheiros que se associaram a esse movimento, votando o bill de indemnidade que se trouxe ao parlamento, para poder esclarecer os factos, seguir as suas verdadeiras consequencias, e tirar d´ahi as iliações convenientes para a situação em que nos achâmos.
Sr. presidente, eu em regra desvio-me de tratar política retrospectiva; e sacrifico os meus desejos ou os meus caprichos individuaes em nome do interesse publico ou politico, quando com isso não ferem as minhas convicções ou a minha dignidade. Mas, Sr. presidente, eu hei de ver se sáio incolume dos fogos cruzados do sr. Fontes e do sr. ministro da fazenda nobre a minha responsabilidade, discutindo este assumpto com a dignidade com que costumam discutir os homens que só apreciam factos, que não duvidam assumir a sua responsabilidade, mas que evitam questões pessoaes para entrarem unicamente nas grandes questões de doutrinas e de administração (apoiados).
Comprehendo perfeitamente a posição do illustre deputado que abriu este debate, s.exa. poz a questão no seu verdadeiro terreno e onde a devia pôr, e é necessario não nos illudirmos a este respeito. A situação, de que fazia parte o illustre deputado, tinha sido derribada por um movimento do paiz, e s. exa. vindo pela primeira vez a esta casa, tinha direito de perguntar quaes eram as consequencias d'esse movimento, quaes as reformas feitas em virtude da idéa que o originára, e quaes os remedios que se tinham applicado aos erros que se lhe attribuiam. Esta situação é perfeitamente logica, perfeitamente regular, situação é perfeitamente logica, perfeitamente regular, situação que s. exa. nunca renegou, assim como não renega a responsabilidade que lhe cabe nas medidas destruidas em janeiro de 1868.
Sr. presidente, ninguem tinha mais necessidade de se defender e de fazer política retrospectiva do que ou, porque saí do ministerio, assim como os meus collegas, fulminado pela sentença condemnatoria de ter feito pouco no sentido do programma do paiz. Esta sentença ainda pesa bastante no meu animo, e é a sentença mais incommoda que podiam lavrar contra mim. Mas, sr. presidente, dou os parabens a mim mesmo por ter sido provocados; e sem exceder os limites das observações que se fizeram, creia v. exa. e a camara que eu hei de rasgar um por um todos os considerandos d'essa sentença iníqua, E para assim proceder
não me hei de fundar em theorias abstractas. Hei de constatar factos, factos que constam dos aumentos publicos, dos registos parlamentares e dos registos das secretarias d'estado.
E, sr. presidente, não digo isto por vaidade, porque não fallo em meu. nome, fallo em nome de todo o ministerio, de que tive a honra de fazer parte.
Fique-se já sabendo, e escusada era esta minha declaração, que tomo a responsabilidade de todos os meus actos sem excepção, e dos actos dos meus collegas no gabinete, de que fiz parte, de que toda a defeza, que eu faça dos actos da minha gerencia, se refere a todo o ministerio, e de que toda a gloria que d'ahi possa resultar, que será pequena provavelmente, é para todo o gabinete e não para mim só.
Portanto aceito as consequencias da sentença que me condemnou, e aceito-as com a cabeça fria e com a maior placidez de espirito.
Já lá vão onze mezes proximamente depois que saí dos conselhos da corôa, e já por duas vezes depois d'isso tem estado reunido o parlamento, e tem-se feito observações aliás graves e de grande magnitude com relação á minha administração; e eu tenho guardado o maior silencio, não só para não por o mais pequeno embaraço á marcha governativa, mas esperando a monção opportuna para serem apreciadas as razões da minha defeza. Tenho apenas protestado com o meu voto contra aquelles actos que me pareceram uma violação directa dos princípios constitucionaes, abstendo-me completamente de discutir e de apreciar, por meio da palavra, a importancia e consequencia d'esses mesmos actos.
O movimento de janeiro pediu economias, pedia córtes, e pedia reducções, mas nunca nas representações que vieram a esta camara durante o anno de 1867, desde que começou a discussão da reforma dos estrangeiros até que se encerrou o parlamento, nunca n'essas representações o, contra as medidas que então se discutiram, vi eu a condenmação do imposto (apoiados), nem a exigencia de que nós, a titulo de uma triste economia, rasgassemos um por um os princípios constitucionaes (muito apoiados). É preciso constatar este facto em honra do paiz (apoiados). O que vimos depois durante a actual administração, e a respeito de uma medida importante, a reforma eleitoral? Vimos que toda a imprensa do paiz levantou unanime reprovando esse acto (apoiados). O que prova que o sentimento liberal não estava amortecido no paiz, e que a nação portuguesa tem fé nos princípios do governo representativo (apoiados).
Eu avalio perfeitamente o alcance da minha responsabilidade, pela revogação dictatorial, em janeiro de 1868, de leis importantes, e principalmente da que creava o imponto geral de consumo que merecia especial attenção, sobretudo nas circumstancias graves em que se achava a situação da fazenda publica. E a lei administrativa, pela necessidade que nós todos sentimos de uma reforma na nossa administração, tambem merecia particular cuidado.
Estas medidas não podiam riscar-se com um traço de penna, nem que gravissimas salvassem a responsabilidade dos que tomaram sobre si o encargo de as revogar.
Todos conhecem m minhas opiniões com relação áquellas medidas, e sobretudo com relação á reforma administrativa. Eu tinha-a combatido, quando deputado, e ainda agora a combato, persuadido do que não trazia as vantagens que se auguravam ao digno ex-ministro que teve a iniciativa do trabalho.
Eram todo o caso a discussão em que entro com mais repugnancia da reforma administrativa, por ser aquella que combati com mal vohemencia n'esta casa na sessão de 1867. Por esse motivo fugi á discussão d'esta medida, sendo talvez a isso provoca-lo, quando era ministro.
Porém seja dito de passagem, quando eu estava nos conselhos da corôa, em logar de escrever pamphletos politicos contra os meus antecessores nos relatorios officiaes, em lo-

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gar de encaminhar os meus trabalhos no sentido do lançar toda a responsabilidade das difficuldades com que lutava sobre os meus antecessores, fiz sempre o contrario. Nem nos meus relatorios, nem nos meus discursos d'aquelle tempo a situação que me precedeu encontrou nunca uma palavra de desconsideração ou desfavor. Obrigavam-me a esta posição as conveniencias políticas, e as regras de boa cortezia, que a ninguem é dado preterir. Por isso não discuti n'aquella occasião a reforma administrativa, nem a discutirei hoje; nem de leve direi as rasões que tive para a condemnar. E comtudo a camara não póde persuadir-se de que eu julgasse boa similhante medida.
A situação a que eu succedi, deixava-me um emprestimo de 7.000:000$000 ou 7.200:000$000 réis. Na direcção geral da thesouraria deve encontrar-se a conta detalhada do emprestimo, conta que eu recebi de 'Londres no mesmo dia em que me foi comunicado o decreto de demissão, e que mandei logo para o ministerio da fazenda.
Havia um saldo d'este emprestimo, com relação ao dia 30 de junho, 2:600 e tantas libras, que não sei se entrou nos cofres da agencia durante a minha administração, se depois.
Mas a quantia exacta do producto do emprestimo só podia saber se depois de se ver em quanto importava o desconto pelas antecipações das prestações, e o juro que Stern devia abonar ao governo pelas sommas que em si tivesse.
No entretanto eu aceito a conta redonda dos 7.000;000$000 réis, e devo recordar á camara que eu, sem provocação de ninguem, me apressei a vir dar conta a assembléa d'este facto.
No primeiro trabalho que eu, como ministro, apresentei ás côrtes, que é o relatorio de 27 do abril de 1868, dizia eu = não existia portanto disponível em 31 de dezembro de 1867, do emprestimo de 5.500:000 libras esterlinas, senão o capital effectivo de libras 1.604:063, e este ainda sujeito ao desconto de 5 por cento pelas antecipações das prestações que os subscriptores fizessem, deduzido o juro que Stern abonaria pelo capital que em si tiveste, e á nos cambios pelas remessas que se fizessem para Londres, dos fundos provenientes da subscripção de Lisboa, por não ser possivel effectua-las pelo cambio de 53 1/2 estabelecido para a subscripção =. Portanto a declaração de que eu tinha encontrado 7.000.000$000 réis do emprestimo estava feita ha muito tempo.
Era a minha obrigação, era o meu dever como ministro da fazenda, logo que se abrisse o parlamento, dar lhe conta do todos os contratos de supprimentos provisorios que havia feito; e cumpri esse dever, e ao meu relatorio juntei os respectivos titulos de iguaes contratos, que pela administração anterior haviam sido feitos, e ainda se não achavam publicados.
E qual era a divida contrahida no estrangeiro? Seis mil setecentos e tantos contos de réis proximamente.
Já se vê que 6.700:000$000 réis de dívida contrahida no estrangeiro, pagavam-se perfeitamente com 7.000:000$000 réis. Porém alem d'essa divida havia outra, que póde dizer-se contrahida no paiz, mas que era pagável no estrangeiro, que vinham a ser os saques sobre a agencia de Londres, que importavam em 2.400:000$000 réis. Por consequencia tinha eu a pagar em Londres 9.000.000$000 réis approximadamente. E por isso o saldo do emprestimo não me chegava nem para pagar toda a divida flutuante que havia no estrangeiro, sommados os supprimentos provisórios com os Baques. Com 7.000:000$000 réis não podem pagar-se 9.000:000$000 réis, alem da despeza a descoberto até ao fim do anno economico.
Isto não é fazer censura a ninguem. Do dinheiro do emprestimo não chegar para pagar toda a divida flutuante no estrangeiro, não tem culpa o meu illustre antecessor, que ate tinha contratado ao principio, em condições mais favoraveis, porque primeiramente contratou o emprestimo a 40, e depois, obrigado pela necessidade, fez a emissão a 38 1/2; e é provavel que, quando contratou a 40, julgasse que o producto do emprestimo chegasse para pagar os supprimentos provisorios, e os saques no estrangeiro.
Portanto já v. exas. vêem qual era a situação do thesouro na occasião em que eu entrei no ministerio. Tinha réis 7.000:000$000 para pagar ao estrangeiro 9.000:000$000 réis, e tinha o deficit a descoberto até 30 de junho, aggravado com 700:000$000 réis a mais, em consequencia da revogação da lei que creou o imposto do consumo, e de outras medidas importantes.
E aproveito esta occasião para dar uma resposta á imprensa da opposição, que constantemente me incommodava... incommodava não, porque só me incommodam quando eu não tenho rasão, mas que me arguia de eu ter distraindo dinheiro do emprestimo para ás despezas correntes, com o fundamento de que elle fôra contratado unicamente para pagar a divida flutuante no estrangeiro. Na occasião em que o meu ministerio succedeu á situação anterior, fizeram-se as mais inexactas apreciações sobre o estado do thesouro.
Diziam uns que eu encontrára um grande emprestimo feito e intacto, e que por consequencia tinha dinheiro para poder occorrer desassombradamente a todas as despezas ordinarias e extraordinarias do estado. Diziam outros que não havia dinheiro, nem para os encargos mais urgentes. Nem uma nem outra das apreciações era exacta, porque nem eu tinha o dinheiro preciso para os encargos, nem tinha achado o thesouro completamente a descoberto. Todos os pagamentos estavam feitos regularmente, e havia alguns contos de réis em cofre; e eu igualmente deixei alguns centos de contos, e creio que todos os ministros têem feito o mesmo, porque não é possivel regular dia a dia a despeza que tem de se fazer.
É-me indispensavel fazer estas declarações como rectificação de factos. Não se trata do censurar ninguem, porque feliz ou infelizmente ninguem póde ser censurado n'este ponto; trata-se de apreciar e rectificar os factos. Mas n'essa occasião dizia a imprensa que eu tinha achado um emprestimo contrahido para pagar a divida fluctuante estrangeira, e só a devida fluctuante estrangeira, e que tinha distrahido os fundos d'esse emprestimo para as despezas correntes.
Em primeiro logar eu poderia responder que depois das providencias que tínhamos tomado, em dictadura, actos que tinham sido approvados por aquelles mesmos que nos censuraram, por alguns pelo menos, não podia observar-se em toda a sua extensão a lei do orçamento que tinha tomado em conta a receita do imposto do consumo, imposto que fôra revogado, e que achando-nos em condires extra normaes, era dever meu adoptar o expediente que fosse roais conducente a livrar o thesouro das dificuldades em que se encontrava. Mas não era exacto que o emprestimo fosse contrahido unicamente para pagar a divida flutuante estrangeira. Eu vou ler á camara a parte respectiva do contrato, que diz assim: «Sendo este emprestimo levantado principalmente com o fim de se habilitar o thesouro a pagar os supprimentos temporarios obtidos pelo governo fôra do paiz, etc.»
Por consequencia o emprestimo tinha sido levantado principalmente, mas não exclusivamente, para pagar a divida flutuante no estrangeiro, e eu empreguei o principalmente na amortização d'esse supprimentos temporarios contrahidos fora do paiz, e tanto o emprestimo não tinha sido levantado só para este fim, tanto a intellegencia que dou ao contrato, que de mais a mais é claro em todas as suas condições, e especialmente n'este ponto, é verdadeira, que esta era a opinião do ministro que o tinha feito, porque como eu disse no relatorio, estavam já gastos 150.000$000 réis, que foram necessarios para despezas na agencia de Londres. Portanto, está liquidada esta questão dos 7.000:000$000 réis. Recebi 7.000:000$000 réis para pagar 9.000:000$000 réis só no estrangeiro, alem do deficit ordinario até ao fim do anno economico.

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As difficuldades em que eu me encontrava, não vem para aqui agora. Direi sómente que os 7.000:000$000 réis estavam apenas contratados, e não definitivamente realisados. Todos sabem que ha grande differença entre o estar contratado um emprestimo e o estar cotado e realisado; este emprestimo nem cotado estava ainda.
Sr. presidente, de tudo quanto disse o illustre deputado que abriu o debate, a unica cousa que me obriga a ser um pouco mais largo nas minhas considerações, foi o envolver a minha administração financeira na administração financeira do actual governo. Em primeiro logar eu pertenço ao numero dos condemnados, por essas respeitaveis manifestações populares que tiveram logar no mez de janeiro ultimo, e de que o Diario nos deu noticia em grande parte. N'essas manifestações só eram considerados economicos, illustrados, e não esbanjadores, os actuaes srs. ministros. Esta sentença, que sobre mim caiu tambem, ainda se não levantou, e por consequencia não posso deixar de aceitar as suas consequencias, admittindo o parallelo, mas não a confusão da minha administração com a do gabinete.
E não foi um movimento pequeno o que se fez a favor dos srs. ministros. Associava se a esta demonstração politica a maior parte da cidade de Lisboa e quasi toda a cidade do Porto. Todos se hão de lembrar d'isto. É por isso que eu com tristeza li a parte do relatorio do sr. ministro da fazenda, em que s. exa. dizia que se via repassado de desgostos. Desgostos diante de manifestações de sympathia tão imponente! Pois não deve o homem publico estar cheio de regosijo quando vê as portas de uma cidade meio fechadas, as bandeiras a meio pau em signal de luto, e os patriotas do Porto reunidos em comicio para decidirem se haviam de offerecer a paz ou a guerra ao marechal Saldanha, que se esperava do estrangeiro? (Riso.) E tudo isto só porque o actual gabinete pedíra a sua demissão! Pois estas demonstrações do paiz não hão de fazer elevar o homem publico ainda acima do que é, e obriga-lo a dizer comsigo - eu fui aos astros? O que se póde conceder ao homem publico que valha este triumpho? (Riso.)
Mais. Na mesma sentença, em que eram elevados aos astros os actuaes srs. ministros, eram todos os seus antecessores arrastados mesmo sem contemplação com os mortos, porque já estão na outra vida ministros que fizeram relevantes serviços a esta terra, e todos foram fulminados pelo mesmo anathema.
Eu faço estas apreciações, porque me parece que os desgostos e amarguras do sr. ministro da fazenda não chegam á gloria de ter tido em seu favor representações, as mais solemnes e honrosas que tem tido gabinete algum d'este paiz; e o fim principal do meu discurso é pedir aos srs. ministros que não desmintam tantas esperanças, e que não deixem envergonhados os cavalheiros que, com as melhores intenções e patriotismo, lhes deram tantas demonstrações de reconhecimento e de benevolencia.
É difficil a posição dos srs. ministros, não só porque têem de satisfazer á missão elevada a que os obrigam tão repetidas provas de confiança publica, mas porque podem deixar em posição deploravel quem fez tantos e tão estrondosos sacrificios para obter a conservação de s. exas. no poder.
No entretanto os srs. ministros têem recursos de sobra para vencerem as dificuldades da situação.
Eu gosto de ver o paiz inteiro intervir na governação do estado. Contra o que eu clamei sempre aqui n'esta casa foi contra a indifferença politica, contra o desanimo, contra a descrença popular nos negocios da governação publica.
Sustentei sempre aqui que a representação nacional, que os verdadeiros representantes do paiz éramos nós, os deputados, e os pares do reino, e o Rei. Porém a soberania nacional, essa reside exclusivamente no povo; e por isso folguei, quando vi que as principaes cidades do paiz, Lisboa, Porto, Coimbra e outras, e mesmo algumas aldeias, se associavam para significar a sua dor pela queda do gabinete, porque vi que o paiz se interessava na governação do estado, e apreciava, como entendia, as difficuldades da situação.
Logo veremos se elle tinha rasão.
Eu sou adversario d'este governo, porque sou do movimento de janeiro de 1868, que este governo não representa na minha opinião.
Sou porém opposição benevola, isto é, não desejo a queda do governo, porque ainda o vejo cercado da popularidade precisa para levar á execução algumas medidas odiosas, das quaes aliás não podemos prescindir.
Eu já aqui estive combatendo os actos de uma administração composta de cavalheiros, que eu muito respeitava, e de alguns dos quaes eu era e sou amigo, e n'essa occasião dizia eu que me parecia que a maioria do paiz estava do meu lado. Pois a opposição era então bem pequena n'esta casa!
No principio d'esta sessão legislativa talvez eu não podesse dizer o mesmo com relação ao actual gabinete, e por isso a minha opposição será benevola para que elle tire, em beneficio da causa publica, todo o proveito possivel do prestigio que ainda o cerca.
A opposição deve procurar sempre estar de accordo com as opiniões da maioria do paiz; a opinião da maioria deve ser respeitada e acatada; mas a opinião do individuo não se eclipsa na familia, como a da familia se não eclipsa na sociedade (apoiados). Ainda que o paiz inteiro tenha uma opinião, é livre ao individuo ter outra opinião, nem de outro modo se comprehende a liberdade de crenças e a liberdade de opiniões (apoiados).
Eu respeito muito a opinião do paiz, e fallo n'isso cheio de enthusiasmo e de orgulho, porque vejo a nação, tomando uma attitude energica na decisão dos negocios publicos.
Foi sempre minha opinião que uma medida qualquer com pouco proveito poderá ser executada, só porque foi votada pelos corpos legislativos e obteve a sancção real, se não foi bem recebida pelo paiz. E por isso folgo quando vejo o paiz associar-se nas suas manifestações ás tendencias e intuitos do governo do citado.
Mas diz-se: a lei de administração foi revogada, e essa, lei era altamente economica, produzia urna economia do 211:000$000 réis!
Sr. presidente, a lei de administração deslocava ou descentralisava, é verdade, algumas despezas que estavam pesando e pesam agora sobre o thesouro. Não desenvolverei agora as minhas opiniões acerca de descentralisação. No entretanto sempre direi, que para mim a descentralisação não é unicamente tirar encargos do thesouro e lança-los ás localidades. Podia isso ser conveniente n'um systema devidamente organizado, mas não é uma economia no sentido restricto da palavra, porque a despeza lá vae caír do mesmo modo sobre o contribuinte.
A tal economia dos 211:000$000 réis era a deslocação de uma despeza, que deixava de onerar o thesouro para recair sobre as municipalidades, e referia se principalmente aos encargos da policia civil e á extincção de subsidios que o governo prestava a algumas municipalidades.
Sinto que não esteja presente o cavalheiro que tomou a iniciativa da reforma administrativa, mas como não venho dizer uma unica palavra que possa offender o caracter ou a intelligencia de s. exa., continuo desassombradamente na sua ausencia as minhas observações.
A questão de administração não se resolve só pelo augmento de encargos sobre as municipalidades. V. exa. e a camara sabem perfeitamente que ha muitos municipios, cuja fazenda está em grandes apuros, principalmente por via das despezas com o serviço dos expostos (apoiados). Ha muitas camaras municipaes que têem os pagamentos em atrazo aos empregados, devido principalmente á grande verba de despeza com os expostos. E acrescem ainda as despezas com a viação e com a instrucção primaria, que augmentam todos os dias (apoiados).

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Eu não me opponho a que umas certas despezas que pesam sobre o thesouro vão para a municipalidade; mas o que desejo é que não façamos leis de administração sem verdadeiro conhecimento de causa, e que saibamos que as municipalidades, no estado em que se acham, não têem as suas finanças tão florescentes que possam com um augmento de encargos consideravel.
A reforma administrativa creava despezas com que eu não sympathisava; e combati-a aqui, porque a minha opinião é que emquanto a fazenda publica estiver na situação grave em que se acha, não podemos augmentar despezas, que não sejam de urgente necessidade ou directamente reproductivas. Sei que ha serviços que se não pagam e que deveriam pagar-se, mas julgo que devemos adiar o pagamento d'esses serviços, agora gratuitos, ainda que seja conveniente remunera-los; e lembro me de bastantes encargos creados pela reforma administrativa que, se não oneravam o thesouro, oneravam as municipalidades.
Sabem v. exas. que pela lei de administração havia a inspecção obrigatoria do governador civil e do administrador do concelho; havia as aposentações concedidas aos empregados administrativos; o ordenado do administrador do concelho, por essa reforma, era 300$000 réis o minimo, quando hoje o maximo, termo medio, orça por 200$000 réis, e este augmento de vencimento aos administradores de concelho obrigava depois a elevar os ordenados de todos os outros empregados municipaes na proporção correspondente.
Elevava se o subsidio diario dos procuradores ás juntas geraes de districto; creavam-se ouvidores com o ordenado 300$000 réis em todos districtos; eram remunerados os serviços do administrador de parochia, etc., etc. E eu não contesto cm principio nem o augmento dos vencimentos, nem a remuneração de serviços, nos termos d'aquella medida. Mas parecem-me inopportunos aquelles augmentos de despeza n'esta situação. Porém o que principalmente me deixava na duvida ácerca das economias que dava a reforma, e em que fallei muitas vezes n'esta casa, era um artigo que reservava para a lei especial a organisação dos quadros dos empregados dos governos civis e da s administrações dos concelhos. Ora, eu tenho muito medo de organisação de quadros (apoiados), e emquanto não os visse organisados, não podia apreciar as vantagens financeiras que aquella medida produzia. Mas para mim há ainda outra rasão mais elevada, pela qual não considerava a medida economica.
Para mim não é medida economica, na reforma administrativa, a divisão territorial com annexação de povoações que se odeiam e se aborrecem, e que hão de viver em guerra permanente (apoiados). Não quero ver subordinada a regras arithmetricas exclusivamente a divisão municipal e concelhia. E querem v. exas. saber o que dizia, n'um dos ultimos dias do mez de maio, o nobre ministro da fazenda de Hespanha no relatorio que precede o orçamento do estado: « Entre as reformas discute-se a conveniencia de reduzir o numero de provincia civis, de dioceses, de audiencias de universidades e de algumas instituições administrativas, que levam consigo necessariamente a importancia de muitas localidades; reformas que, se no momento podem produzir uma economia material que em nenhum caso cobre a somma do deficit, pelo contrario, causam depois sucessivamente a diminuição da riqueza publica e da força tributaria dos povos, que soffrem effeitos de uma reforma, subordinada unicamente á economia financeira, em vez de adaptar ás necessidades publicas, á assencia da instituição e ao melhor modo de desenvolve-la».
Escuso declarar a v. exa. e á camara que o ministro da fazenda do governo revolucionario de Hespanha tem revelado os mais altos dotes como homem de sciencia e como estadista. As reformas são realmente audazes. Não sei se produzirão grande augmento de receita publica; mas a audacia, sobretudo, é a primeira qualidade que deve ter o homem revolucionario, ainda superior á intelligencia, porque se esta faculdade não acompanha completamente aquella qualidade, póde o revolucionario cercar-se de homens que o esclareçam e auxiliem. Mas a primeira condição do revolucionario é a audacia.
Vejam v. exa. e a camara como este notavel homem d'estado reconhece que na divisão territorial não devemos attender só á economia que resulta de reduzir um districto, uma diocese ou uma comarca; mas que se deve attender tambem aos inconvenientes que podem resultar de muitas vezes se sacrificar uma terra que está prosperando, tirando-lhe uma instituição que auxilia o seu desenvolvimento, a troco de uma economia insignificante e mal cabida.
Este ministro hespanhol, com quem muito sympathiso, e escuso de dizer a v. exa. a rasão por que, tambem não pertence á escola que proclama a necessidade de diminuir os melhoramentos publicos.
A Hespanha está n'uma situação difficillima; ali querem-se fazer economias em tudo, menos nos melhoramentos publicos.
A proposito de melhoramentos publicos devo dizer, que durante o ministerio de que tive a honra de fazer parte, se deu desenvolvimento o mais largo ás obras publicas. Mandámos fazer obras publicas em toda a parte, não só como medida economica, mas até como medida do ordem publica.
Sinto ter ouvido hoje a um cavalheiro tão illustrado, como é o sr. Carlos Bento, contentar a utilidade de certas obras, porque o seu rendimento não compensa o dinheiro que se gasta com ellas. Não considero as obras publicas pelos resultados financeiros, mas pelos resultados economicos (apoiado).
Se quisermos considerar a construcção de obras publicas pelos resultados financeiros immediatos, não fazemos estradas nem caminhos de ferro (apoiados). O que as determina é o desenvolvimento económico. Considero o caminho de ferro mais como instrumento de producção do que como meio de transporte (apoiados). O caminho de ferro leva a vida forçosamente a toda a parte (apoiados).
Seja-me licito dizer agora que não posso ver com agrado esta fluctuação constante da opinião publica sobre questões de interesse publico, que são fundamentaes.
A opinião publica é por sua natureza variavel, mas há uma certa ordem de idéas em que a persistencia é uma necessidade.
Custa a crer que em 1867 se votasse, com applauso do paiz, um caminho de ferro para o Minho, outro para o Douro, e se pedisse ainda um terceiro para a Beira, e que logo no anno seguinte começasse a condemnar-se o desenvolvimento em larga escala dos Melhoramentos publicos.
Registo a declaração do nobre ministro da fazenda, quanto ao caminho de ferro da Beira, e espero que s. exa. só não demore em tomar todas as providencias indispensaveis para que a promessa a respeito da construcção d'aquelle caminho de ferro da Beira, e espero que s. exa. se não demore em tomar todas as providencias indispensaveis para que a promessa a respeito da construção d'aquelle caminho de ferro se torne uma realidade (apoiados)
Sem entrar na questão das escolas, porque eu não tenho escola, nem pertenço a escola nenhuma determinada, mas tenho convicções e sigo principios, não conheço ninguem que no seu enthusiasmo e amor pelos melhoramentos publicos, vá mais longe do que eu.
Entendo que a organisação da fazenda publica há de provir principalmente do desenvolvimento dos melhoramentos economicos do paiz, e que sem tratarmos de desenvolver a riqueza publica, difficilmente poderemos caminhar (apoiados).
Pois julgam que podemos ir buscar os impostos indispensaveis para a nossa organisação financeira á riqueza publica existente? Estão enganados, completamente enganados (apoiados).
A propriedade póde e não póde dar mais, quer dizer, se ha proprietarios que possam pagar mais, outros ha que es-

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tão nimiamente sobrecarregados. A propriedade podo dar mais alguma cousa fora de Lisboa e Porto, mas é necessario organisar primeiro novas matrizes e sob novas bases, e estou persuadido de que a camara não terá a coragem de augmentar a contribuição predial sobre a base das matrizes actuaes.
Nós já augmentamos em 700:000$000 réis a contribuição predial no anno de 1867, augmento assente sobre uma base irregular, e não podemos aggravar mais o imposto com a mesma base. E note-se que a propriedade não paga só 2.200:000$000 réis para o estado, porque ha municipios que para as suas despezas lançam cento por cento sobre a contribuição predial (apoiados), emquanto que ha outros que se sustentam quasi só com a receita do imposto de consumo. Acresce ainda que ha parochias onde a contribuição predial para a derrama, que faz parte da congrua, eleva o imposto a proporções onerosissimas, emquanto que, n'outras as congruas se compõe só dos passaes e pé de altar. É preciso sommar todas estas verbas para se saber ao certo qual é a somma do imposto predial que o paiz já paga. Ha concelhos no paiz que não podem absolutamente pagar mais imposto predial, e nos quaes qualquer pequeno augmento excede as suas forças productivas. Portanto o aggravamento d'este imposto depende de medidas preparatorias o complementares, nas quaes o governo deve fixar as suas attenções.
Quanto á lei do imposto de consumo não creia v. exa. que eu, como ministro da fazenda, e nos apuros do thesouro, a revogasse com prazer, apesar de julgar violentas e odiosas muitas das suas disposições. Os ministros da fazenda sentem sempre repugnancia em diminuir a receita do thesouro, ainda que reconheçam inconveniente no imposto.
Eu li ha pouco, sobre este ponto, um artigo de um distincto escriptor ácerca das medidas financeiras, adoptadas o anno pausado na Italia, medidas altamente odiosas, mas indispensaveis para a organização da fazenda publica d'aquelle paiz. E fallo da Italia, porque desejo que quando tratarmos das finanças portuguezas olhemos para o que se passa na Italia, na Austria e na Hespanha, paizes cujas finanças não estão em melhores circumstanciais do que as nossas. Quando o ministro da fazenda de Italia propunha o levantamento de um imposto odioso, que recaía sobre as farinhas ou moagem, a commissão de fazenda da camara dos deputados de Italia, em logar de dizer - vamos primeiro ao orçamento para estudar-lhe todos os seus arcanos e penetraes, e do fazer a este respeito muita poesia - como procedeu? Approvou os impostos propostos pelo governo, e obrigou-o a lançar mais impostos. Não só não combateu, mas não se contentou com os impostos que o governo propunha. Obrigou-o a aceitar unia deducção sobre o juro da divida publica, dizendo que = na occasião em que só ia sobrecarregar o pobre, tributando-lhe um genero de primeira necessidade, como as farinhas, era impossivel consentir que o capitalista que recebia 1O por cento de rendimento, ficasse completamente isento de impostos =. Dizia isto a commissão de fazenda de Italia.
O ministro da fazenda pediu e instou para que ao menos se exceptuasse da deducção e do imposto o juro da divida externa; mas a commissão não aceitou essa excepção. Juros da divida interna e da externa, tudo foi tributado. E a este respeito, dizia aquelle illustre escriptor: «Eu assisti á discussão parlamentar, o ministro foi derrotado, mas pareceu-me muito satisfeito com essa derrota, porque na verdade 4.000:000 ou 5.000:000 de rendimento a mais eram sufficientes para consolar um vencido» (riso).
Noto este facto para fazer comprehender á camara que só gravissimas rasões politicas me obrigaram a revogar aquella medida. E tanto essas rasões eram importantissimas, que a propria commissão de fazenda d'aquella epocha, da qual era presidente o auctor da proposta, que depois tinha sido convertida na lei do imposto de consumo, esse mesmo cavalheiro, vendo que as circumstancias eram tão graves e urgentes, não aceitava a revogação da lei, mas concordava na suspensão, bem como todo o resto da commissão, que era aliás composta de cavalheiros insuspeitos n'aquelle assumpto. Esta circumstancia é a prova mais cabal de que houve rasões graves, não rasões financeiras, mas politicas, que obrigaram o governo a decretar aquella medida, e que já antes o tinham obrigado a trazer ás côrtes uma proposta para esse fim.
Mas porventura a revogação de medidas tributarias e administrativas em dictadura é facto sem precedente entre nós? Eu sou responsavel por todos os meus actos, e não declino essa responsabilidade, mas sempre vou buscar alguns companheiros n'este delicto se o é, para que se não supponha que eu pratiquei um acto insolito e excepcional, e sem precedente na nossa vida constitucional.
Não é a primeira vez que, depois de votada pelo parlamento uma lei de impostos, depois de sanccionada pela corôa e posta em execução, é a tinal revogada.
Pelo decreto de 21 de agosto de 1846 foram revogadas as leis que tinham estabelecido o imposto pessoal para as obras das estradas, creado pela lei de 26 de julho de 1843; o augmento do subsidio de vinho verde, creado pela lei de 21 de novembro de 1844, o direito de consumo de 20 réis em alqueire de sal, creado pela mesma lei, e o quinto para estradas, creado pela citada lei de 1843. Todos estes impostos foram revogados por aquelle decreto, tendo sido estabelecidos por leis de 1843 e 1844, que estavam em vigor havia muito tempo. E sabe v. exa. quem era então ministro, quem revogou esses impostos? Joaquim Antonio de Aguiar, o presidente do gabinete, cujas medidas eu revogu ei tambem!
Portanto parece-me que é um bom companheiro, para vir commigo para o banco dos réus, por ter revogado medidas tributarias; e eu, como patriota, que sou, gosto sempre de ver os meus actos confirmados e sanccionados tambem por aquelle venerando homem d'estado.
Quer v. exa. saber quem eram os signatarios d'esse decreto do 1840, alem do sr. Aguiar? Eram os seguintes: duque de Palmella, Mouzinho de Albuquerque, Sá da Bandeira, condo de Lavradio e Julio Gomes!
Todos estes cavalheiros eram patriotas verdadeiros. Honro-me com tão boa camaradagem.
Antes da entrada do sr. Aguiar n'aquelle ministerio, e por consequencia pesando a responsabilidade sobre este cavalheiro, foi revogada, por decreto de 22 de maio de 1846, a lei de 19 de abril do 1845 que estabelecêra as contribuições directas de repartição, havendo imensa occasião ainda só dois ministros, duque de Palmella e duque da Terceira.
E agora aproveito a occasião para responder a uma observação do sr. Fontes Pereira de Mello, mencionando as difficuldades financeiras resultantes da revogação da lei do consumo.
O sr. Fontes Pereira de Mello disse que, se não tivesse sido revogada a lei do imposto de consumo, o sr. conde de Samodães não se teria visto em tão graves difficuldades como aquellas em que se acha; e eu digo agora que, se o sr. Aguiar não tivesse revogado tantas medidas tributarias em 1840, o sr. Fontes Pereira de Mello, sendo ministro em 1851 e 1852, não se teria talvez visto nas grandes difficuldades com que teve a lutar.
Aproveito tambem esta occasião para levantar as censuras que se fizeram a alguns dos meus illustres collegas, que cooperaram para a revogação das medidas, com o fundamento de que elles tinham votado algumas d'ellas.
Ora, quer v. exa. saber como se deu este facto, e mais aggravado em 1846? Quer v. exa. saber o que fez um dos nossos homens d'estado mais respeitaveis, um dos homens que mais relevantes serviços prestaram a este paiz, um homem de cujo nome nos havemos de recordar sempre com saudade, porque a esse nome está ligada a implantação da

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arvore da liberdade em Portugal, o que fez o sr. duque da Terceira?
O sr. duque da Terceira era o presidente do gabinete, em que estava tambem o sr.conde de Thomar, quando se votaram as medidas revogadas em 1846. Pois o sr. duque da Terceiro, quando caiu aquelle ministerio, ficou fazendo parte do outro, que se lhe seguiu, com o sr. duque de Palmella, e conjunctamente com este assignou a proclamação real de 21 de maio de 1840, em que se dizia que por um acto real iam ser abolidas as leis de saude publica, e da reforma do systema tributario.
Póde dizer-se que o movimento de 1840 tinha sido assignalado por outras circurnstancias, mas o que é preciso ver é que cm differentes occasiões se podem dar rasões politicas que nos levem aos mesmos fins.
Estou a perceber já que os illustres deputados dizem comsigo que o movimento de janeiro não foi tão importante como foi o chamado da Maria da Fonte, porque na Maria da Fonte se juntou a tropa ao povo.
Eu, respeito muito o exercito, por quem tenho a maior consideração a que lhe dá direito a missão elevada que elle dos empenha. Mas pela sua posição de essencialmente obediente e de mantenedor da ordem publica, não reputo menos elevadas as manifestações em que entra só o povo.
O movimento de janeiro de 1868 teve alguma differença do de 1846, foi exclusivamente popular, o desacompanhado de sangue.
Não me demoro a comparar estes dois movimentos. Trato ao de mostrar que em differentes occasiões, e em differentes epochas se têem praticado factos analogos, aos que se censuram agora, por parte de cavalheiros que estão superiores a toda e qualquer insinação politica, por parte de cavalheiros a cuja conducta politica se não póde pôr a mais pequena suspeição, e que esses factos foram praticados sem se levantarem contra os seus auctores as accusações que se levantam agora contra um e contra os meus illustres collegas.
E, cousa notavel, aquelle ministerio de 1846 morreu ás mãos dos que lhe deram o nascimento, como me succedeu a mim, que caí ás mãos dos patriotas.
Até n'esta facto ha similhança!
E o que fizeram os revolucionarios em Hespanha?
Parece me estar já ouvindo uma objecção, mas logo lhe respondo.
O que fizeram os revolucionarios em Hespanha? Rasgaram a lei do imposto de consumo e substituíram esse imposto por outro mais violento. É o imposto da capitação, e que não dá tanto como o de consumo. Mesmo pelos calculos do ministro da fazenda Hespanhol, ainda que se faça a cobrança completa, o imposto de capitação dá menos a sexta parte do imposto do consumo.
Quando se revogam os impostos, não pelas indicações dos principios economicos e das necessidades financeiras, mas por motivos politicos, muitas vezes os que se estabelecem são peiores do que aquelles que se substituíram, porque a obrigação de substituir é impreterivel. Nós revogando a lei do imposto do consumo, collocámo-nos na estricta obrigação de trazer, como medida primeira, a substituição d'aquella receita.
Os programmas das situações fazem-nos as circumstancias e as necessidades; e ainda que cada um de nós tivesse um programam particular, desde o momento em que approvamos o acto da revogação da lei do consumo, a nossa primeira obrigação era substitui-la por outra. Contrahimos uma divida sagrada, e era necessario solver essa divida (apoiados). E eu pela minha parte cumpri.
Mas o que observamos? Leiam o registo das nossas sessões parlamentares do anno passado, e ahi verão um patriotismo amavel, encatador; pedindo a toda a hora, não que se olhasse pela divida publica, não que se tratasse do desenvolvimento economico do paiz, mas que se f9izessem reducções, allegando que ainda se não tinha acabado com certas gratificações, que ainda se não tinha reduzido o vencimento a certo funccionario, etc.! (Riso.)
Acodem-me estas lembranças da sessão passada, e vou-as trazendo a proposito.
Eu entendo que o funccionalismo deve contribuir para as despezas do estado como todos os cidadãos; a este respeito creio que ha accordo geral; a questão toda é sobre a fórma de larçar o imposto (apoiados).
Mas se tivessem seguido á risca o programma das deducções elevando-as a 50 por cento nos vencimentos dos empregados do estado e nos juros da divida publica, estava saldado o deficit.
Com a mesma habilidade com que se faz uma deducção de 15 por cento se faz uma de 50, a habilidade é a mesma. Por consequencia podiamos facilmente ter o deficit saldado por este modo; eu porém tinha repugnancia de o fazer. (Vozes: - Muito bem.)
Querem ver como se faz uma economia? Ha tempo o governo reduziu o numero dos membros do conselho (Testado. Eu declaro que apoiava uma proposta para o conselho d'estado ser gratuito (numerosos apoiados). Isto sim. Mas reduzir a menos dois o numero dos conselheiros d'estado sem a organisação do serviço não póde ser. Se os processos eram lá muito demorados com o numero que existia, como é possivel diminuir ainda o numero sem organisar o serviço? (Apoiados.)
Tem se tal lado em descentralisação. A primeira questão entre nós é a descentralisacão do serviço, e n'esta parte estou de accordo com os srs, ministros. Mas pergunto: porventura é descentralisação do serviço ter apparecido apenas um decreto assignado por todos os srs. ministros, em que se transferiu para o governador civil o direito de dar licenças para representações dramaticas? (Riso. - Vozes: - Muito bem.)
Ha até serviços em que se torna indispensavel o augmento de despeza, como é a creação de novas comarcas judiciaes. Extinctos os juizos ordinarios, nós não podemos prescindir de crear mais algumas comarcas (apoiados). Mas não é necessario crear as vinte e cinco que estão auctorisadas, reformando-se devidamente o processo.
Occorre-me agora outra reflexão. Está em vigor o codigo civil, e não se podem executar algumas instituições que elle estabelece sem se publicar o codigo do processo. Pois trate se de fazer alguns regulamentos sobre assumptos especiaes, emquanto não apparece o codigo do processo; porque devo dizer francamente aos srs. ministros - o codigo do processo é obra difficillima, e não sei quando será presente ao parlamento (apoiados).
Está em vigor a instituição do casamento civil. Pois desde 22 de março de 1868 vigora o codigo que estabelece esta instituição, e não appareceu o competente regulamento!(apoiados).
Fazem isto e chamam-se patriotas! Eu declaro que tenho muita desconfiança d'este patriotismo (apoiados).
Durante a minha administração não se indicavam reformas que não tendessem a diminuir os vencimentos do funccionalismo.
Muitos dos meus amigos, e outros indifferentes, me avisavam de que o favor da opinião publica me ia abandonando, porque eu não apresentava as reformas reclama das pelo publico. Quaes reformas, perguntava eu? As deducções no vencimento dos funcionarios, me respondiam elles!
Ora, eu entendia que era necessario tratar de organizar os serviços, e que para o funccionalismo tambem devia haver uma especie de matrizes, isto é, que era indispensavel averiguar quaes os funcionarios, cujos vencimentos comportavam deducções, e quaes os que as não podiam soffer sem serem deduzidos a miseria. Lançar uma deducção ás cegas, sem perfeito conhecimento de causa, e sem descriminar os rendimentos das differenças classes de funcionarios, parecia-me, sobre injustiça, barbaridade.

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Quando se discutiu aqui a questão dos passaes, eu trouxe á camara um processo curioso, pelo qual se via a desigualdade que havia nos vencimentos dos parochos, havendo um no Minho que percebia 2:000$000 réis, creio eu.
Quero a desamortisação dos passaes, não para empregar o producto d'esses bens nas despezas correntes, mas para com elle fazermos a dotação do clero, e alliviarmos o contribuinte dos encargos da derrama que pesam sobre elle ou aproveitar esses encargos em beneficio do thesouro. A medida da desamortisação não era uma providencia isolada, mas parte de um systema combinado.
Quer a camara saber quanto recebe o cabido de Évora? Este cabido tem a quantia de 800:000$000 réis em fundos publicos, que lhe rendem 25:000$000 réis annuaes. E a par d'isto lá estão os cabidos da Guarda, Leiria, etc., miseravelmente remunerados. Isto não deve continuar, porque não é possivel que uns dos membros da igreja estejam largamente retribuidos, e outros tenham um mesquinho rendimento (apoiados).
É necessario melhorar os diversos serviços, e as suas organisações, para que possamos dar ordenados equitativos e proporcionaes. Mas para isto não basta cortar ás cegas; é preciso trabalhar e estudar. O ministro da fazenda de Hespanha, no já citado relatorio, que precede o orçamento, dizia: «Á sabedoria das côrtes comprehenderá desde logo que o clamor geral para que n'este ponto (referia-se ás economias no funccionalismo) se reduzam ás despezas publicas, sem deixar de ser justificado quanto á systematica organisação do serviço, que póde experimentar notaveis melhoramentos e reducções, é summamente exagerado quanto ao limite das economias que no pessoal se podem fazer.»
Esta doutrina é racional, é rasoavel. É a minha. Eu tinha tanto a peito a reducção e simplificação dos serviços para poder diminuir a despeza com o pessoal, que nomeei uma conmissão, a que eu presidia como ministro da fazenda, composta de empregados de todas as secretarias d'estado, para fazermos uma reorganisação completa nos serviços publicos. Sabe v. exa. o que alguem disse, com relação á escolha da commissão? Disse se que a commissão era incompleta, porque não entravam n'ella dois industriaes e dois lavradores! (Riso.)
Quando o paiz inteiro reclama reducções nas despezas publicas, e o sentimento nacional é tão unanime, a rasão está da sua parte. É preciso attende-la, e tratar da sua realisação depois de meditado estudo e profundo exame. Mas se nós começámos a cortar sem verdadeiro conhecimento de causa, havemos de nos achar com desperdícios e não com economias (apoiados).
O illustre deputado, que abriu o debate, até me censurou, ou não me censurou, metteu em conta do preço d'esta situação o ter eu elevado o juro da divida fluctuante.
Eu tomo a responsabilidade completa d'esse acto; e aproveito esta occasião para declarar á camara que n'esta ou n'outra discussão direi as rasões por que resolvi elevar o juro da divida fluctuante, preferindo isso á creação de novos titulos de divida publica, e em dictadura.
Logo na minha entrada para o ministerio, assim que vi o estado da fazenda publica, tomei com os meus collegas duas resoluções importantes - a primeira não vender uma só inscripção, e a segunda fazer uma operação de credito sobre qualquer garantia, menos sobre titulos de divida publica.
Para a camara comprehender bem a necessidade da medida que adoptei, basta dizer que os penhores estavam a 40, e as inscripções, como s. exa. sabe, fluctuavam entre 40 e 42. Por consequencia os prestamistas não se accomodavam com os penhores a 40; e pediam uma de duas cousas, ou reforço dos penhores, para o que era necessario crear inscripções em dictadura, ou a elevação do juro de 6 1/2 a 7 por cento. Não hesitei um só momento, e preferi a elevação do juro á creação de inscripções em dictadura. Se eu tivesse creado inscripções em dictadura, seria pouca toda a eloquencia do illustre deputado para fulminar o meu acto, como subversivo das boas regras do credito publico.
Eu governava segundo as regras da boa administração, e não havia de praticar actos que nos pozessem pelas ruas da amargura o credito do estado. Eu queria levantar dinheiro não a todo o preço, mas a preço barato, e por isso não havia de tomar providencias que fossem prejudicar o credito publico. Aceitava todo e qualquer expediente que não fosse crear inscripções em dictadura, porque era um ataque ao credito publico e pôr em desconfiança os capitalistas. Eu queria soffrer as consequencias futuras resultantes d'essa medida, como está soffrendo o governo com o deploravel contrato, sujeito á nossa apreciação.
O ministro tem obrigação de olhar para os resultados futuros de qualquer medida, encarando-a não só nas suas disposições, mas nos seus resultados mediatos.
O ministro deve examinar se as providencias que toma, podem produzir effeitos que mais tarde seja impossivel remediar, e não administrar ás cegas.
Se nós abandonarmos de uma vez estes principios geraes do credito publico, estes principios do governo representativo, á sombra dos quaes estamos vivendo, não ha depois economia que nos salve (apoiados).
O anno passado apresentei eu aqui uma proposta para que se não concedesse aposentação, jubilação ou reforma, sem se verificar a impossibilidade absoluta de trabalhar.
Era o principio moral - cada um trabalha emquanto póde -, reconhecido n'aquella proposta. Pois avaliaram este principio moral, que é insusceptivel de ser apreciado senão á face dos principios da rasão absoluta, em réis. Diziam que valia 14 por cento (riso). Tanto predominava a idéa material das economias? E a proposito. Os terços já não são justificados pelo contrato bilateral entre o funccionario e o estado.
Já lá vão os terços, e eu tenho n'aquella gaveta, para apresentar em occasião opportuna, uma representação feita e assignada pelo nobre ministro da marinha, meu collega no professorado, em que s. exa. chamava a medida de abolição dos terços, que ora minha, o retrocesso para a selvageria e a condemnação completa do desenvolvimento da instrucção publica. E depois foi elle mesmo quem os aboliu
Eu propunha que as aposentações, jubilares e reformas só se concedessem, verificada a impossibilidade de trabalhar, e levantaram-se geraes clamores contra mi m. Não havia accusações que se me não fizessem. Pois o sr. conde de Samodães, no seu orçamento rectificativo, propõe o cabimento em todo o seu rigor para a concessão das reformas, aposentações e jubilações, sujeitando a elle até os que estão impossibilitados de trabalhar.
Pela proposta do sr. conde de Samodães, dentro em poucos annos aquelle beneficio acabará, e desde já póde ficar reduzido á miseria e á fome o funccionario que por muitos annos serviu e bem o seu paiz, o que é horrível.
Pois ainda ninguem se queixou do sr. ministro da fazenda. Se fosse eu quem tivesse commettido essa barbaridade, já de certo se teriam levantado contra mira os clamores de todos os interessados.
Ha onze mezes soffria eu guerra sem treguas por vir propor cousas rasoaveis! Até um jornal de Coimbra redigido por collegas meus na universidade, me comparava, por via da medida dos terços e das aposentações, com a víbora a morder no seio da mãe! (Riso.)
E agora ninguem se queixa das medidas aliás violentas do sr. ministro da fazenda!
Lisonjeio-me de ver as rainhas opiniões triumpharem, e de serem bem aceitas hoje as rainhas medidas, e mais aggravadas. Sou adversario benevolo do gabinete, porque o julgo o mais auctorisado para fazer o bera, visto que até o mal lhe toleram!
Vejo que quem está nas circumstancias de poder salvar o paiz das difficuldades em que se acha, são os srs. ministros, porque têem por si a força parlamentar, e a força da opinião. Emfim ainda nenhum jornal se referiu sequer ao

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artigo do orçamento que n'uma epocha próxima extingue completamente o direito á aposentação, jubilação e reforma!
O sr. Ministro da Fazenda: - Ainda não deram por elle (riso).
O Orador: - Ainda não deram por isso, porque eu não estou no ministerio, aliás já o teriam descoberto e combatido.
É com estas observações que eu estou rasgando cada um dos considerandos da sentença que me condemnou pelo falso pretexto de eu ter feito pouco como ministro.
Estou mostrando á camara com provas irrefragaveis que, se não fiz mais, foi porque me não deixaram. Agora está-se adoptando tudo o que eu propuz, e mais aggravado, e sem reclamação.
E o actual ministerio tem licença para tudo. Emfim já exerceu duas dictaduras e agora pede terceira. A primeira dictadura foi-lhe conferida em agosto por auctorisação parlamentar, que durou até janeiro, a segunda tomou-a o governo por sua conta, e durou desde janeiro até á reunião das côrtes, e agora pede-se terceira dictadura.
O sr. conde de Samodães pede auctorisação para, sob sua responsabilidade, fixar os vencimentos do funccionalismo de todas as alfandegas do reino, que é immenso. Creio que é uma terceira dictadura!
E não passarei adiante sem responder a uma objecção que logo no principio eu preveni que seria formulada. Quem me ouviu encarecer tanto a revolução de Hespanha e fallar com tanta sympathia dos revolucionarios no interesse da causa publica, ha de chamar-me o homem menos revoluciorio, porque tendo tido nas mãos uma dictadura a exerci unicamente para demolir e não para edificar.
Eu me explico, sr. presidente, de modo a refutar cabalmente similhante objecção.
As dictaduras exercem-se nos governos representativos quando os gabinetes estão apoiados na força publica para adoptar providencias que a opinião não reclama, ou quando as circumstancias são tão graves e tão urgentes, que se não póde esperar pela reunião do parlamento para a approvação de certas medidas.
Mas ora essa a nossa situação? Pois o governo de que eu tive a honra de fazer parte, subindo ao poder em nome do paiz, e dissolvendo a camara dos deputados para se cercar dos representantes da nação, livremente eleitos, havia de ser o primeiro a não confiar no zêlo e illustração dos eleitos? Começar nestas circumstancias a exerceria dictadura é cousa qui não lembraria a ninguem (apoiados), é um facto que não teria justificação possivel (apoiados). Só este governo o póde fazer; o actual gabinete promulgou medidas dictatoriaes até já depois de eleita esta camara, constituinte na opinião do sr. ministro da fazenda.
O sr. ministro da fazenda disse aqui que = votado que fosse o bill de indemnidade n'esta casa, e antes de ser approvado na outra camara, apresentaria logo as suas medidas financeiras á assembléa =.
Ora, para mim é fora de duvida, salvas as restricções expressamente marcadas na carta constitucional, que o direito da outra casa do parlamento para approvar ou censurar o procedimento do governo é igual ao da camara dos deputados (apoiados).
Vou agora referir-me a uma reforma em que se tem falado muitas vezes, em que estava empenhado o meu nobre amigo o sr. conde de Samodães, e que eu sinto que s. exa. não levasse á execução segundo as suas idéas, visto que se lhe offereceu occasião para isso. Fallo da reforma parlamentar (apoiados).
O sr. conde de Samodães tinha idéas largas sobre a reforma parlamentar; entretanto essas suas idéas não as poz em pratica.
É verdade que muitas vezes, por consideração de boa camaradagem, se modificam no gabinete as opiniões e as idéas que individualmente se têem apresentado ou professado; mas o sr. conde de Samodães parece que cedeu completamente das suas idéas com relação á reforma parlamentar reforma que tem sido tão altamente reclamada.
É verdade que o governo tocou n'este assumpto. Mas eu pergunto se é reforma parlamentar reduzir o numero dos membros da camara electiva a um numero menor que o dos membros da camara dos pares? Creio que não.
Mas o sr. conde de Samodães, a respeito da reforma parlamentar, até tinha feito um programam que lerei á camara; e eu não fallaria ao sr. ministro da fazenda no programma do sr. conde de Samodães, se s. exa. se não tivesse referido a elle.
Eu tambem fiz um programma com os meus collegas Sá Nogueira, Eugenio de Almeida e outros quando estivemos constituidos em 1867 em commissão politica, que depois passou, segundo creio, para as mãos do sr. Latino Coelho, e de que não tornei mais a saber.
O sr. conde de Samodães, apesar das idéas largas do seu programma, limitou a sua reforma parlamentar á reducção do numero dos deputados, com uma organisação de circulos especial, e publicada á ultima hora. E se a reforma parlamentar se reduz á diminuição do numero de deputados, amanhã vem outro ministerio, e pela mesma logica por que o actual ministerio reduziu a 107 os deputados, os póde reduzir a 95, por exemplo, publicando tambem a organisação dos circulos na vespera da eleição (apoiados).
O governo só entendeu com a organisação dos circulos, porque só isto lhe convinha e lhe era preciso para melhor conseguir o triumpho nas eleições.
O programma do sr. ministro da fazenda sobre a reforma parlamentar e sobre a lei eleitoral dizia assim: «Alargar os circulos eleitoraes de fórma que o numero de deputado diminua um terço, e introduzir na lei eleitoral as incompabilidades necessarias para dar á camara popular toda a independencia de que ella carece; e por outro lado reformar, para o mesmo fim, a camara alta, sem offensa da constituição, mas em harmonia, quanto possa ser, com o estado social da sociedade portuguesa, os exemplos das nações cultas e as licites da experiencia».
O governo devia ter reformado a camara alta...
O sr. Ministro da Fazenda: - Sim, senhor, apoiado.
O Orador; -Isso é que era de patriotas e progressistas. Mas reduzir a camara dos deputados a menor numero do que o da camara dos pares, nunca, que é um attentado contra os verdadeiros principios da escola progressista.
Pois quando tiveram força para lançar as deducções nos vencimentos dos funccionarios publicos, porque não fizeram a reforma da camara dos pares? Porque não a fizeram, se era essa uma das condições indispensaveis do programma do nobre ministro? Pois a deducção nos vencimentos dos empregados foi só para levantar uma espécie de separação entre o povo e a classe do funccionalismo, e satisfazer aos desejos das procissões que caminhavam para o paço?
Os srs. ministros tiveram occasião de salvar o paiz quando se constituíram em dictadura, exerceram-na desigualmente, saltaram por cima de todas as considerações, e limitaram-se a tirar uns vintens aos empregados publicos, e a reduzir o numero dos membros da camara electiva a ponto de ficar inferior ao dos membros da camara alta, o que não se faz em paiz nenhum, nem está nos principios da escola progressista!
E eu lanço a responsabilidade da dictadura ao sr. ministro da fazenda, porque o sr. bispo de Vizeu não queria dictaduras.
Como as palavras do sr. bispo de Vizeu são mais auctorisadas do que as rainhas, eu vou lê-las á camara (leu).
N'uma das sessões do mez de agosto, dizia o sr. ministro do reino n'esta casa «Dizia-se que não havia salvação senão por uma dictadura; que por uma dictadura é que havia de chegar o remedio heroico para os males que soffremos, e o governo não obstante entendeu que a dictadura nada remediava».

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O sr. bispo de Vizeu dizia a verdade. E sobretudo urna dictadura como a que o governo exerceu, longe de remediar, desorganisa tudo.
E a proposito das declarações que por ahi anda a fazer o sr. bispo de Vizeu, pergunto ao nobre ministro da fazenda: n'esta sessão não se trata de impostos?
O sr. bispo de Vizeu declarou tambem n'uma Sessão da camara dos dignos pares (tenho aqui o discurso) que n'esta sessão legislativa não se tratava senão de economias.
Se não tratarmos de impostos, então os encargos do emprestimo aggravam a situação de um modo perigoso por falta de garantia. Se o governo já se acha em gravíssimas difficuldade, muitas vezes para pagar o coupon da divida consolidada de janeiro e de julho, essas difficuldades hão de subir de ponto com a annuidade de 1.900.000$000 réis que nos custa o emprestimo, e sem o augmento de receita ficamos posição deploravel.
Se n'esta sessão legislativa se não trata senão de economias, tiro eu por conclusão que n'esta sessão legislativa não se trata de negocios nenhuns, porque medidas de economias não vejo uma só na tela parlamentar (apoiados).
Responde o sr. ministro da fazenda, por estas declarações do seu collega do reino, ou não toma a responsabilidade d'ellas, como parece não querer tomar já a responsabilidade do programna da patriotica?
E creio que s. exa. ficou escandalizado commigo pelas palavras que pronunciei ha dias n'esta camara, chamamdo-lhe presidente da patriotica, suppondo que eu o tinha chamado instituidor da patriotica, quando eu apenas lhe dei o titulo de presidente...
O sr. Ministro da Fazenda: - Fui presidente, mas do centro eleitoral portuense.
O Orador: - Sim, dos patriotas.
E instituidor que fosse da patriotica maior honra lhe cabia, porque o nobre ministro não se envergonha de certo de ter estado com os patriotas.
Não abandone s. exa. os patriotas, como já abandonou o seu programma, tratando da lei eleitoral de preferencia a outras medidas, que reputava mais urgentes.
O sr. ministro da fazenda dizia no seu relatorio que as medidas mais urgentes eram a reforma da lei hypothecaria e a lei de desamortisação, e que só depois d'estas é que se trataria da reforma eleitoral e parlamentar.
Quaes eram pois as medidas mais instantes? Era o registo hypothecario e a lei de desamortisação. E que e feito da lei da desamortisação que é a primeira
Não estejamos a illudir-nos: ou havemos de ir francamente á desamortização, ou aceitar expedientes como medidas financeiras, que cada vez compromettem mais a situação da fazenda.
Hoje receio muito que se realise o que eu escrevi n meu relatorio apresentado n'esta casa em 1868, isto é, que se adoptassemos como expediente financeiro a medida da dos amortisação que eu propunha, não podiamos sair das difficuldades senão por meios violentos.
Agora diz-se = os bens a desamortisar das corporações hão de ser applicados para que haja um culto esplendido Eu entendo que podemos passar com um culto modesto, porque os fieis não hão de ter mais respeito, nem hão de adorar mais em espirito e verdade a Deus, por terem um culto esplendido. Pois os fieis não hão de adorar a Deus da mesma fórma, tendo um culto modesto? Eu comprehendo o pensamento que determina todas estas bajulações ao clero, mas os patriotas têem que carregar com a responsabilidade que lhes impõe os principios da escola progressista avançada.
Pergunto, porque não vem a lei da desamortisação? Sabe v. exa., sr. ministro da fazenda, a rasão por que as camaras irão votar um contrato ruinoso e degradante, de que não ha memoria n'este paiz, nem talvez em paiz nenhum? É porque se não votou a lei da desamortisação, como eu a propuz aqui no anno passado.
O governo tinha promettido vir apresentar a lei da desamortisação, e as promessas, que faz um ministro da corôa, cumprem se. Onde está a realidade da promessa feita aqui pelo governo de trazer a camara uma lei da desamortisação dos bens das corporações? Como ha de o paiz olhar para uma crise ministerial, em virtude da qual saíu um ministro que fazia um contrato melhor do que este, e que transigia com a companhia do caminho de ferro, e que saíu por estes motivos; e no outro dia os seus collegas fazem peior contrato e peior transacção, e ficam? Esta é a questão politica. Não quero saber das questões de familia entre o sr. Carlos Bento e os seus collegas. Mas aprecio o facto publico e politico. Se assim continuamos, o principio da solidariedade acabou, assim como acabou a moralidade (apoiados). Pois terem os srs. ministros a coragem de n'uma dada questão atirarem á margem um collega, porque não aceitam o seu plano, e no outro dia adoptarem o mesmo plano, e mais aggravado, e em logar de entregarem o poder a quem de direito pertence, continuarem nas cadeiras ministeriaes, a pretexto de abnegação, com um arrojo, que ao mesmo tempo que faz descrer da nossa moralidade politica, é uma grave offensa ao systema representativo, póde admittir-se?
Eu comprehendo que em consequencia de opiniões manifestadas contra um ministro, ou para se dar satisfação ás vezes por uma medida que encontra resistencias no paiz ou no parlamento, um membro do gabinete se sacrifique para salvar a situação; um ministro póde sair do governo e os seus collegas continuarem; mas o que não comprehendo é que saia um ministro por causa de uma dada medida, para o seu successor, com os antigos collegas, vir adoptar o seu plano e mais aggravado. Isto é que não é governo constitucional (apoiados).
Ás vezes com a saída de um ministro os attritos modificam-se, e salva-se a situação; mas não comprehendo que saia um ministro para no dia immediato os outros ministros adoptarem as suas idéas, que na vespera rejeitaram, e que o tinham obrigado a sair dos concelhos da corôa. Isso é incompativel com as boas regras do governo constitucional e do systema representativo.
O gabinete tinha preparado e estabelecido a opinião de não se dever dar subsidio algum á companhia do caminho de forro de sueste, e depois vae dar um subsidio onerosissimo a essa companhia, tendo mandado dizer muito claramente
a casa Goschen que, qualquer que fosse a concessão á companhia, o emprestimo havia de ser igualmente oneroso! Isto não póde ser. Nós temos principios que nos regem, e devemos carregar com a responsabilidade que nos vem d'esses principios (apoiados).
Porque está o governo em condições deploraveis quanto á situação financeira? Qual é a rasão por que nós vamos fazer um emprestimo em tão más condições? Vou dize-lo francamente a v. exa. e á camara, salvo o muito respeito que eu tenho pelo caracter, intelligencia o patriotismo dos srs. ministros; mas eu aprecio simplesmente os factos, e para isso preciso fazer um pequeno termo de comparação
da minha administração com a que se lhe seguiu. Eu não vendi uma só inscripção, e este facto era consequencia de um systema ligado e completo, que não cheguei a apresentar á camara em todo o seu desenvolvimento.
Sabe v. exa. a que preço fiz as operações necessarias para levantar 1.421:000 libras, não só para despezas correntes, mas para reforma sucessiva de letras? O termo medio das minhas operações foi de 8 1/2 por conto, comprehendidos todos os encargos. Fiz operações a 4, a 6, a 8, a 9, e só duas a 9 1/2 por cento. Por mais do 9 1/2 nem um só emprestimo contraiu. Sabe a camara o que isto representa de economias com relações á administração que se seguiu, e que fez as mesmas operações, termo medio, 15 por cento? Centos de contos de réis. E estas são as economias mais valiosas, as que se não vêem, mas as que influem no orçamento.
No dia 21 de julho, dia exactamente em que eu saí do

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ministerio, entravam na agencia de Londres 225:000$000 réis, que eu negociei estando já em expediente, a 8 1/2 por cento.
Pergunto eu agora - qual foi a rasão por que as operações, que logo se seguiram, foram a 12 e a 12'/a por cento, sem fallar dos emprestimos a 17 e a 18 por cento? As circumstancias não variaram, antes eram mais favoraveis para os srs. ministros.
Respondam s. exa., que este confronto colloca-os n'uma posição defficil.
E agora farei uma observação ao meu amigo, o sr. Fontes Pereira de Mello, a respeito de administração barata, visto que achou mais cara do que a sua administração de 1868, confundindo injustamente a minha administração financeira com a d'este gabinete.
Eu comparo o 1.° semestre de 1867-1868, em que administrou o sr. Fontes, com o 2.° semestre de 1867-1868 em que eu administrei, e vejo, pelos documentos officaes e presentes n'esta casa, que todas as operações que o sr. Fontes Pereira de Mello fez saíram a 12 por cento, e só uma ali por cento, e isto depois de votada a lei do imposto consumo, que era mais uma garantia de solvabilidade para o nosso thesouro.
E eu n'este ponto limito me a apreciar os factos para comparar preço por preço as duas administrações, como s. exa. fez.
O sr. Fontes Pereira de Mello linha inquestionavelmente mais experiencia dos negocios publicos, e não menos zêlo do que eu polo estado da fazenda.
Mas a verdade é que as suas oparações financeiras pairam a 12 por cento, e as minhas a 8 1/4 por cento termo medio. E um simples exemplo convence a todos de que as verdadeiras economias são as que se fazem no levantamento dos fundos; 6.400.000$000 réis, que eu levantei, venceriam de juros n´um anno, a rasão de 12 por cento, 768:000$000 réis, e a rasão de 8 por cento, 512.000$000 réís, sendo a economia de 256:000$000 réis; economia que se não faz no funccionalismo durante muitos annos, ainda que alguns empregados sejam condemnados á miseria e á fome.
O preço barato da minha Administração absolve-me ainda de ter revogado a lei do imposto de consumo, porque se privei o thesouro do rendimento de 600:000$000 réis, as economias que fiz na negociação de supprimentos provisorios, se continuassem, amortisavam em pouco tempo o capital e os juros d'aquella quantia.
Tenho comparado a minha administração com a do sr. Fontes, mas se a comparasse com a do actual gabinete, os resultados seriam muito mais profundos. A administração do Sr. Fontes é mil vezes melhor do que a d'este gabinete.
N'uma palavra, é preciso que os Srs. ministros expliquem claramente como é que logo em seguida á queda do meu gabinete foi necessario elevar o preço das operações financeiras. Este facto é grave, e não póde passar despercebido.
Em 14 de julho ainda as operações financeiras se faziam a 8 1/2 por cento, e subiram logo para 12 por cento as operações de alguma importancia.
Isto é um facto grave, não para o caracter pessoal dos srs. ministros, porque eu não tenho mais zêlo nem mais patriotismo do que s. exa.s; mas, com franqueza, esta mudança foi devida ater o governo adoptado um programma impossível, que envolvia princípios completamente subversivos da ordem economica e politica, e attentatorios do credito publico. E o Sr. Carlos Bento fez hoje uma revelação de que eu logo hei de aproveitar- me, que confirma da maneira mais clara e terminante o que deixo dito.
Pois que fizeram os illustres ministros logo á sua entrada no poder? Reuniram as côrtes em agosto, e para quê?
Digo isto sem animo de censura, mas quero dizer francamente a verdade, porque me parece que é chegada a occasião de não estarmos com mutuos comprimentos, visto que a situação é gravissima.
Reuniu-se a camara, para quê? Para votar 100:000$000 réis para as fortificações. E discutiu-se esta medida em meia hora, emquanto que o projecto das aposentações, jubilações e reformas, que eu aqui trouxe, levou a discutir dez dias, e ainda n'uma sessão nocturna varios srs. deputados pediram a palavra sobre o ultimo artigo «Fica revogada toda a legislação em contrario»!!
Quando o sr. marquez de Sá aqui fallava na necessidade de reforçar as pragas e de pôr o paiz em pé de guerra para poder resistir ao inimigo estranho, era apoiado freneticamente e «com os mesmos applausos que o sr. Casal Ribeiro recebia um anno antes, quando sustentava que não era nas armas, mas sim na diplomacia que estava a salvação e a defeza do paiz!
Mas, sr. presidente, o paiz póde com esses 100:000$000 réis. Com o que não póde é com a administração que se está fazendo, se continuar ainda por muito tempo. O gabinete veiu por aqui em exposição publica o accordo que o meu ministerio fizera com os interessados no caminho de ferro, para aqui se proclamarem, conjunctamente com alguma desabafou contra os ministros demittidos, doutrinas perigosas para o credito publico; e o gabinete não ergueu a sua voz para socegar os interessados; e manter o credito na praça de Londres. O pensamento do governo n'essa occasião era levantar o seu throno sobre as ruínas dos antecessores, e indispor a opinião contra as medidas mais graves que estes tinham tomado. Ainda tenho no ouvido as palavras que o sr. bispo de Vizeu proferiu n´esta camara ao apresentar-se aqui pela primeira vez: «É facil dissolver o adiar, a quentão é governar com a camara; esta camara já estava condemnada, mas espero que hei de governar com ella». Pois foi o Sr. bispo que condemnou essa camara, e que tem vivido dai dissoluções e adiamentos. Paga-se tudo aqui (apoiados). Pois o governo disse porventura quaes eram as suas idéas sobre os negocios mais graves do estado, como eram a questão de credito e do caminho de ferro, apesar
bispo apenas disse que vinha de Portugal e ia para Portugal! Substancioso e elevado pensamento! Isso já nós sabiamos, porque felizmente está na carta constitucional que o estrangeiro, ainda naturalisando, não póde ser ministro d'estado. Com este systema o corollario é o contrato que estamos discutindo.
O governo não emittiu opinião sobre a questão do caminho de ferro, por consequencia tinha os interessados, que de mais influíam nas praças estrangeiras, em uma inquietação constante e até em guerra aberta.
A linguagem dos jornaes ministeriaes n'aquella occasião era contra qualquer concessão ou transacção no negocio do caminho de ferro, e diziam apenas que o sr. bispo lhes daria alguma cousa uma esmola! N'esta epocha não se fallava senão no sr. bispo, como a synthese de todo o gabinete e de toda a situação.
E eu folguei com estas demonstrações de confiança no sr. bispo, porque é sempre honroso e util para um paiz o ter homens para a direcção dos negocios publicos, que tenham a força da opinião e a sympathia dos povos. Por isso eu quero que s. exa. se conserve n'aquellas cadeiras emquanto tiver por si essa opinião, para com tão valioso auxilio fazer alguma cousa era proveito do paiz.
Não é por comprimento que digo isto; é porque reconheço que o sr. bispo tem ainda popularidade, e quero que s. exa. se sirva d'essa popularidade para mudar de caminho, e salvar a situação do thesouro, e resolver os problemas graves da nossa administração.
Eu apresentei ao parlamento nos primeiros dias da minha administração uma proposta para um emprestimo, e um accordo com a companhia do caminho de ferro, que eram as questões vitaes n'aquella occasião, como são hoje. Fizeram me uma guerra tenaz e injusta, arguindo-me, de eu assignalar a minha administração por um grosso emprestimo nas praças estrangeiras, e por um accordo com o caminho

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de ferro. Mas o governo vingou-me d'esta affronta, vindo sanccionar completamente os meus actos, pelo que estou muito agradecido ao sr. bispo de Vizeu, que apresentou um contrato para um emprestimo, e comprehendido n'elle uma concessão á companhia do caminho de ferro, e muito mais onerosa do que o accordo que então se lhe fazia.
O sr. bispo de Vizeu disse: «Não quizeram votar no anno passado o emprestimo nem o accordo separadamente. Pois hei de castiga-los agora. Hão de votar um gordo emprestimo contrahido n'uma praça estrangeira, e com condições as mais onerosas e ignominiosas para o paiz, e hão de votar uma concessão á companhia do caminho de ferro, e tudo de uma só vez. Hei de desaggravar os meus antecessores. Já que não lhes quizeram votar o emprestimo e o accordo como medidas separadas, agora hão de passar pelas forcas caudinas, e hão de votar as duas cousas por uma só vez.»
Agradeço pois a s. exa., e agradeço sinceramente este desforço. Desaggravou-nos, e castigou severamente os que condemnavam as concessões á companhia do caminho de ferro, e com esse fundamento pediram a resurreição do gabinete. Querem os illustres deputados saber como a patriotica do Porto avaliava a demissão do ministerio sob o ponto de vista da questão do caminho de ferro, e o que dizia n'uma mensagem á corôa: a Com geral e profundíssimo desgosto recebeu a cidade do Porto a notícia da votação da camara dos senhores deputados na eleição da presidencia. O ministerio resistira intrepidamente ás espoliadoras imposições das companhias dos caminhos de ferro... Ir-se-hão fazer novos favores ás companhias dos caminhos da ferro, para, com o auxilio d'ellas, se obter um emprestimo que aggravando o mal que nos corroe, nos leve inevitavelmente á banca rota? Voltará o imposto de consumo...) Ora, cá está trazido pelo sr. bispo tudo o que os patriotas temiam que viesse, demittido elle!
O sr. Pinto Bessa: - Faz favor de me dizer se ahi está o meu nome, e quem foi que assignou esse papel?
O Orador: - Não estão aqui os nomes de todos os signatarios, mas eu leio os unicos nomes que estão aqui assignados, que creio serem os da mesa. Presidiu o sr. José Pereira de Loureiro, e occuparam os logares de secretarios os srs. Joaquim Antonio da Silva Guimarães e Alberto Borges de Castro. O sr. presidente, expondo o fim da reunião, pediu ao sr. dr. Delphim para ler a mensagem.
Preciso agora de fazer uma declaração ao sr. Bessa, e é que nunca empreguei expressão alguma que posta Ser desagradavel a s. exa., e nem ao sr. Faria Guimarães, que sempre me acompanhou com a maior dedicação e lealdade.
O sr. Thomás Lobo: - E eu estou ahi assignado?
O Orador: - Não, senhor.
O sr. ministro do reino praticou um acto de moralidade, desaggravando assim os seus antecessores, e castigando sem contemplação as arguições infundadas que se faziam contra elles.
Sr. presidente, é indispensavel que os poderes publicos tenham a convicções, e procurem encaminhar a opinião publica a favor das medidas necessarias e urgentes.
Não é digno, nem nobre, nem conveniente, agitar a opinião contra providencias uteis, com o fim unicamente de ganhar uma ephemera popularidade, e logo em seguida ver-se na triste necessidade de passar pelas forcas caudinas, adoptando essas mesmas medidas que antes se tinham combatido. Isto é mau, produz sempre pessimo effeito, e concorre poderosamente para o nosso descredito, porque quando os capitalistas lá fóra vêem a maneira por que se respeitam aqui os princípios constitucionaes, e observam a marcha da administração publica que nós seguimos, desconfiam todos da solubilidade do nosso thesouro, e do estado das nossas finanças (apoiados).
Desenganemo-nos. Nós não estamos a legislar para fóra paiz; as leis que fazemos não transpõem as raias do territorio portuguez, mas temos necessidade de mostrar lá fora que temos coherencia, que temos juizo, e que tratâmos dos nossos negocios com a circumspecção que elles demandara, porque nós precisâmos e havemos cie precisar por muito tempo dos mercados de Londres e de Paris. É necessario pois que os nossos credores confiem em nós e reconheçam que da nossa parte empregâmos todos os esforços possiveis para lhes merecer essa confiança.
O sr. Carlos Bento deu-nos uma noticia que prova exuberantemente a verdade do que acabo de expor. Disse s. exa. que a certos credores de letras, lá fóra, fez tão má impressão um artigo publicado em jornal dos mais affeiçoados ao governo, que mandaram esse jornal ao governo, acrescentando que em vista d'aquelle artigo não estavam dispostos a reformar as letras. Isto é verdade, e no jornal a que se refere o illustre deputado, lia-se em data de 29 de novembro de 1868 o seguinte:
«Pela nossa parte nenhuma concessão (referia-se á companhia do caminho de ferro de sueste) faríamos, e, se a necessidade tanto exigisse, prefiriríamos recorrer á antecipação do imposto, a um emprestimo forçado, ao papel moeda, á suspensão dos pagamentos aos funccionarios publicos, a tudo emfim. Não julgâmos necessarios taes meios, mas havíamos de recorrer a elles sem hesitação, se tanto fosse preciso. Tornamos a repetir, não sabemos o que haja de verdade nos boatos que correm, mas é certo que não está feito o emprestimo que se julgava concluído, e certamente alguma cousa grave succedeu em Paris. Oficialmente nada consta».
Aqui estão as doutrinas subversivas que proclamava um jornal em taes relações com o governo, que dizia: oficialmente nada consta. Fazia mais. Publicava sempre com antecedencia tudo o que devia sair mais tarde no Diario da Lisboa, e os nossos credores que liam isto, porque todos lêem jornaes, menos os srs. ministros, tinham rasão para desconfiarem do nosso credito. Um ministro da situação indicou um facto, que revela assim a causa do nosso descrédito.
E digo sinceramente que ouvi com muito desgosto a declaração feita aqui pelo sr. ministro da fazenda, e que o sr. ministro do reino repetiu na camara dos dignos pares, de que não liam jornaes (apoiados). Que se ha de dizer lá fóra ácerca do modo por que se comprehende aqui o systema representativo, quando os ministros dizem em pleno parlamento, com um certo ar de alarde, que não lêem jornaes, o que significa desprezo completo pela instituição da imprensa, essencialmente ligada com os dogmas do governo representativo!
Declarações taes não podem deixar do produzir mau effeito lá fóra, e eu senti profundamente que esta camara não manifestasse de uma maneira clara a má impressão que de certo lhe havia ter feito tal declaração. Sabe porém v. exa. como essa má impressão se manifesta no estrangeiro? É nos supprimentos a 18 e 20 por cento (apoiados).
É o proprio governo que pelo seu modo de proceder nos tem levado por este caminho, concorrendo para que a sua imprensa ou os jornaes mais affeiçoados á sua política, publiquem, por exemplo, = tal dia não se pagou uma letra a um estabelecimento particular por não haver dinheiro no thesouro =; dias depois, (em) = em tal data, vence-se uma letra de réis 40:000$000, e sabemos que o governo não está habilitado para a pagar, = e outras cousas n'este sentido.
Ora, imaginem que apparecia no pelourinho da imprensa todos os dias que a casa mais rica de Lisboa não estava habilitada para pagar uma letra de 4$500 réis? Não havendo reputação que resistisse a esta especie de diffamação, por esse simples facto ficava a casa completamente desacreditada (apoiados).
Sabe v. exa. o que eu dizia, tanto aos capitalistas de Lisboa, como aos do estrangeiro, com quem contratava? Dizia-lhes que eu tinha um projecto para apresentar sobre desamortização dos bens das corporações; que esses bens tinham um grande valor; que eu intentava lazer um emprestimo, dando em hypotheca esses bens, e mostrava-lhes finalmente todos os meios que o paiz tinha á sua disposição, para fazer

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frente a esta crise financeira. Porventura eu havia de dizer aos capitalistas = o credito está morto, o paiz está falto de recursos? Seria de uma inhabilidade indesculpavel.
Pois acredite a camara que muitas vezes me vi embaraçadissimo, e que algumas noites passei bem pouco socegado por via dos negocios do thesouro.
Sobretudo a minha entrada no ministerio da fazenda foi cercada de terríveis embaraços.
Mas a minha primeira obrigação era ser homem de governo. Eu não me esquecia de ponderar aos capitalistas que, se a lei do imposto de consumo tinha sido revogada, seriam todavia apresentadas ao parlamento medidas que supprissem a falta d'aquella receita.
E não apresentei aqui um systema completo de fazenda, note-se bem. Eu entendia que o paiz estava ainda bastante agitado para aceitar facilmente um systema tributario completo; trazia portanto unicamente as propostas de receita necessarias para substituir o imposto de consumo, que eu tinha tirado ao thesouro. E a proposito direi que o sr. Carlos Bento, que tinha apoiado a generalidade do meu projecto de desamortisação, logo que foi ao ministerio, trouxe á camara como expediente financeiro uma proposta tambem de desamortisação, em que não incluía os passaes, com a promessa de que n'este anno se trataria d'esse assumpto. Comprometteu se a isso solemnemente o governo, e por emquanto nada fez.
O sr. ministro da fazenda declarou no seu discurso que só depois do interregno parlamentar, que terminou pela dissolução da camara, é que começou a pensar sobre um dos negocios mais graves d'este paiz, sobre o negocio do caminho de ferro de sueste. Ora, a primeira obrigação dos homens que estão á frente dos negocios publicos, é terem opinião sobre os negocios mais gravei, tomarem a esse respeito as convenientes resoluções, e não virem dizer á camara que só sete mezes depois da constituição do gabinete é que começaram a pensar sobre o assumpto mais grave da actualidade.
Deu a hora e peço a v. exa. que me reservo a palavra para amanhã. _ Vozes: - Muito bem.
Discurso do sr. deputado Dias Ferreira, proferido na sessão de 10 de junho, e que devia ler-se a pag. 207, col, 1ª.
O sr. Dias Ferreira: - Vou resumir o mais, que poder, as minhas observações e prometto que serei breve, sentindo ter ficado com a palavra para hoje, porque me é sempre desagradavel cortar o fio das minhas idéas, fazendo um discurso em duas sessões successivas, e mesmo porque desejo que em um debate, que deve ser largo pela natureza ao assumpto, os oradores que estão inseriptos possam emittir as suas opiniões sobre objectos tão transcendentes como são os que se comprehendem no projecto de lei que está era discussão.
Concluía eu hontem as minhas observações sobre as circumstancias políticas que precederam a aceitação d'este contrato; e todas essas observações tendiam a mostrar que o contracto era uma consequencia logica e necessaria da situação financeira a que o governo nos conduziu pelos seus actos.
Mas de envolta com o emprestimo ha um assumpto gravíssimo, que é uma das suas condições, e não é de certo a condição menos onerosa, porque é uma condição que desde o presente lança sobre o paiz um encargo de 288:000$000 réis, e que de futuro póde augmentar esse encargo n'uma proporção que não posso agora calcular.
Refiro-me á questão do caminho de ferro de sueste; refiro-me ás chamadas indemnisações dos interessados na companhia do caminho de ferro de sueste.
E hoje póde fallar-se á vontade n'este assumpto; hoje póde discutir-se desassombradamente qualquer accordo sobre este objecto, ou qualquer concessão aos interessados no caminho de ferro de sueste. Digo hoje, porque durante muito tempo, á mais pequena providencia tomada pelo governo a este respeito, ao mais pequeno e rasoavel accordo que se tentava, em logar de se examinar e discutir esse accordo e essa providencia em todos os seus pontos, para se irritarem as paixões políticas e sacrificando talvez os interesses publicos a essas paixões, declarava-se apenas que era um presente que se queria fazer aos estrangeiros.
Não se discutia mais nada, porque effectivamente é mais facil dizer-se que um accordo qualquer é um presente feito a interessados estrangeiros, do que discutir e apreciar sob todos os aspectos uma medida de elevado interesse publico, de que depende até certo ponto a mudança das circumstancias economicas e financeiras do paiz.
Eu nunca apreciei isoladamente esta questão do caminho de ferro de sueste, apreciei-a sempre em harmonia com outras circumstancias, e sobretudo apreciei-a subordinada ás considerações economicas da necessidade que temos de dotar com os beneficios da viação accelerada as provincias do Alemtejo e do Algarve, que formam mais de um terço do paiz.
Apreciei-a de mais a mais subordinada ás considerações financeiras da necessidade que sente o governo de ter o seu credito bem estabelecido lá fóra; e é necessario que a camara saiba que estas considerações nos têem collocada na obrigação não só de conservarmos abertos os mercados estrangeiros, mas tambem de conservarmos seguro principalmente o mercado de Londres, porque ali ha muitos interessados no nosso credito.
Todos sabem que temos ali uma grande somma de valores da divida externa, e por consequencia em todas estas questões é dever nosso não só de attender aos interesses o paiz, mas ir mais longe, ver as questões de mais alto, e attender tambem á necessidade de termos sempre aberto o mercado de Londres para as operações a que havemos de recorrer ainda por algum tempo.
Mas, sr. presidente, a concessão que fez o governo de 2.876:000$000 réis parte quasi da mesma base, de que partiu o accordo que achei feito pela administração que me precedeu no ministerio.
Se me não associei a esta providencia, careço de desenvolver as rasões que me determinaram n'aquelle procedimento, e que passo a expor á camara.
As questões de caminhos de ferro não têem dado cuidados só a Portugal. Não somos só nós que estamos envolvidos em graves difficuldades por causa dos caminhos de ferro, não só por causa do caminho de sueste, mas tambem pelo de norte e leste. Quasi todas as nações estão envolvidas cm grandes difficuldades por causa dos negocios de caminhos de ferro...
E em Hespanha, cuja situação financeira é gravíssima, o governo provisorio a primeira cousa que fez foi conceder um subsidio, e um subsidio forte ás companhias de caminhos de ferro, apesar das condições financeiras d'esse paiz serem tão más ou talvez peiores do que as nossas.
Eu hei de dizer logo a v. exa. e á camara qual era o pensamento fundamental do meu accordo, c exposto elle, v. exa. e a camara avaliarão a justiça das rasões que me assistem, e o dever de consciencia que eu tenho para combater a concessão que fez o governo á companhia; concessão que eu combato não na sua essencia, mas unicamente pela fórma por que é feita.
Na situação difficil era que se achara as nossas finanças, e que se aggrava todos os dias, emquanto não nos propozermos firmemente a sair d'ella entendi eu sempre que a primeira obrigação do governo era adiar quanto possivel os encargos que tivesse a satisfazer.
A primeira das nossas necessidades era organisar a fazenda publica, e para organisar a fazenda publica entendia eu que devíamos adiar os encargos quanto possivel.
Alem d'isso, eu via que a Áustria, que é um grande paiz, que luta com gravíssimas difficuldades, e que tem homens

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d'estado muito distinctos, fazia operações sobre caminhos de ferro, não para os comprar, mas para os vender.
A operação que eu achára feita pela administração anterior era filha de um systema que não era o meu, comquanto podesse ser abonado com boas rasões. Entretanto estava feita e eu devia respeita-la. No fim de tudo a questão n'este ponto é de systema, não é de princípios; é uma questão em que cada um póde adoptar o systema que julgar melhor.
Mas havia uma cousa singular, que tive occasião de observar nas negociações com os inglezes que vieram aqui tratar com o governo. Os interessados no caminho de ferro de sueste não queriam o caminho por circumstancia nenhuma, o que queriam era dinheiro, o que queriam era a liquidação das despezas que tinham feito n'esse caminho e nada mais; o dinheiro para elles, o caminho de ferro para nós.
Eu e os meus collegas estamos exactamente na opinião opposta, o que não queríamos era dar dinheiro ou dar o menos possivel. O nosso desejo era não aggravar os encargos do thesouro, e adiar, sem prejuizo da vantagem economica de se concluir uma certa secção das linhas férreas, tanto quanto fosse possivel os encargos da operação.
Finalmente foi necessario vir a um meio termo, como é
indispensavel em todos os accordos. Por isso nós davamos aos interessados no caminho de ferro de sueste 3.000:000$000 réis, números redondos, sendo uma grande parte d´esta subvenção destinada á conclusão de l19 kilometros de caminho, e habilitavamos assim a companhia a satisfazer o seu contrato nas condições ajustadas.
E devo dizer á camara em esclarecimento, que nós pagávamos uma parte d'este subvenção em titulos de 7 por cento com 1/2 por cento de amortisacão.
A companhia queria primeiro que tudo pagar aos portadores das obrigações. Os portadores das obrigações tinham-se já conformado em receber o pagamento dos seus creditos era titulos de 7 por cento, no accordo feito pela administração anterior, e por consequencia os que contratavam comnosco, que eram os representantes da companhia, entendiam que pagando nós em titulos de 7 por cento, os portadores das obrigações haviam de ficar satisfeitos. E a companhia com quem fizemos o accordo encarregava o governo de pagar elle directamente, por couta d'ella, aos portadores das obrigações.
É natural que o gabinete encontrasse, no ministerio das obras publicas, a carta que nos tinham escripto espontaneamente os concessionarios, pedindo nos que pagassemos directamente aos portadores das obrigações á conta dos fundos que elles haviam de receber. O resto havia do pagar-se em titulos pelo preço que estavam no marcado, que attendendo á sua cotação n'aquella epocha não davam tambem encargo superior a 7 por cento. Assim pela operação que nós íamos fazer com os interessados no caminho, o encargo annual era de 221:000$000 reis, e é muito menos do que se fica pagando pela concessão feita pelo governo. E note v. exa. que eu não estou comparar verdadeiramente os accordos, nem os podia facilmente comparar, porque não se comparam quantidades heterogeneas. Estou a comparar os encargos.
O governo preferiu ficar com o caminho, nós não queríamos tomar sobre o estado a conclusão e exploração do caminho. Eu comparo os encargos resultantes da minha operação com a do actual governo. Pelo systema seguido pelo governo os encargos annuaes orçam por 288:000$000 réis contando a 12 por cento o encargo do levantamento dos fundos para pagar 2.400:000$000 réis, numeros redondos. Mas é preciso notar outra circumstancia que vem aggravar os encargos.
O governo quer concluir umas secções d'aquella linha ferrea, onde os trabalhos estão muito adiantados, as quaes medem 119 kilometros, que vem a ser a secção de Beja a Casevel, de Beja ao Guadiana, e de Evora a Extremoz.
Por consequencia o governo alem dos 288:000$000 réis, tem que levantar os fundos precisos para concluir estas secções da linha ferrea que são indispensaveis. A linha de Beja a Casevel é de 47 kilometros, a de Beja ao Guadiana de 19 kilometros, e a de Evora a Extremoz de 54 kilometros. Para estes trabalhos, pois, precisa o governo do 600:000$000 a 700:000$000 réis.
Eu não estudei engenheria, mas estudei logica; e comparando os orçamentos e as contas posteriores, costumo sempre augmentar um terço aos calculos da sciencia, com relação ao custo das obras. Mas não quero ser exagerado em cousa nenhuma. D'esta vez quero fundar-me em bases todas favoraveis ao governo. Por isso longe de acrescentar o terço do valor ao calculado, torno por base os 600:000:000$000 réis, e nem calculo a rasão de 12 por cento a quantia que o governo ha de levantar, mas sim a 8 por cento.
Quero ser benevolo quanto possivel; não quero aggravar a situação do governo com as minhas palavras, e muito menos estar a exagerar os factos. Desejo dizer bem claro ao paiz, e principalmente á camara, quaes são os motivos por que não posso votar a concessão feita pelo governo, e que e uma das condições do emprestimo.
Mas é preciso mais alguma cousa. O governo não tem só que fazer esta despeza cios 600:000$000 réis. A outros encargos ha de sujeitar-se com obras na testa da linha, que são indispensaveis.
Pelo meu accordo ficava o estado com a testa do caminho, com a secção do Barreiro ás Vendas Novas e o ramal de Setubal.
Aquella testa da linha, comquanto tenha ao estado custado 2.127:000$000 réis, tem figurado nas diversas transacções 1.008;000$000 réis, alem das despezas com o alargamento da via.
Mas alem d'isso ficava a companhia obrigo da á construcção de estações e pontes de embarque e desembarque nas margens direita e esquerda do Tejo, e á feitura do ramal do Lavradio.
Disse-se na discussão d'este accordo que algum trabalhos podiam adiar se, o que nós pegavamos obras na testa da linha, de que a companhia se aproveitava.
Porém, em primeiro logar todos os augmentos n'esta parte do caminho redundavam em beneficio do estado, porque a testa da linha pertencia ao governo. E o adiamento; das obras em geral ora impossível. Não póde adiar-se o prolongamento da linha ferrea do Beja até Casevel e até ao Guadiana, e do Evora a Extremoz, o tambem não podem adiar se, sem gravissimo prejuizo para o serviço, as obras por nós contratadas para serem feitas na margem esquerda do Tejo.
Todos os cavalheiros que conhecem o caminho do ferro do Alemtejo sabem que desde o ponto do desembarcadouro no Tejo á estação do caminho do ferro do Barreiro ha uma distancia de 300 metros proximamente, sendo assim o transito dos passageiros, mercadorias e bagagens sujeito não só a grandes demoras, mas á intemperie das estações.
É impossível approximarem-se ali embarcações de todo o lote, a toda a hora e com todo o tempo. Por consequencia é indispensavel absolutamente para não prejudicar os fins de aviação accelerada, e evitar todos os prejuizos das baldeações que são inevitaveis, fazer a estação em ponto aonde possam entrar os navios e aonde se possa embarcar e desembarcar a toda a hora do dia e da noite, e com todo o tempo.
Era pois absolutamente indispensavel fazer já as obras, pelo menos na margem esquerda do Tejo.
Podia adiar-se por algum tempo a estação e a ponte na margem direita; e ficar para mais tarde.
Mas tambem é necessaria.
Todas estas obras com o alargamento da via importam em muito mais de 1.500:000$000 réis. Se o governo tinha vendido á companhia aquella secção por 1.008.000$000 réis, foi com a condição de esta fazer o alargamento da via.

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V. exa. sabe perfeitamente que a secção do Barreiro ás Vendas Novas e ramal de Setubal não tinha menor largura que a linha que depois se construiu das Vendas Novas a Evora e a Beja.
A largura d´aquelle caminho era de 1m,44, quando a, d'este era de 1m,67.
Primitivamente a secção do Barreiro ás Vendas Novas ora a testa de uma estrada ordinaria para Elvas, mas desde que se prolongou ate ao centro do Alemtejo, a testa do caminho de ferro tomou uma importancia decisiva, e era indispensavel fazer o alargamento da via de modo que ficasse nas mesmas proporções do caminho que se lhe seguia.
Pelo meu accordo pois ficava o governo com a testa da linha, com a qual d'aqui a seis annos podia fazer nova operação financeira, libertando se até de metade dos encargos que o accordo creava.
O meu systema era adiar quanto possivel o encargo. Precisamos de caminhos de ferro, sobretudo na provincia do Alemtejo, que contém riquezas immensas, que é preciso desenvolver. A provincia do nosso paiz era que o caminho de ferro ha de ser mais profícuo instrumento de prolucção é o Alemtejo. Creia v, exa. que com muita pena minha e dos meus collegas, não podemos ajustar com a companhia, porque as circunstancias do thesouro não o permittiam, o prolongamento dos ramaes de Casevel ao Algarve, de Beja ao Guadiana e de Extremoz ao Entroncamento. Mas não renunciavamos a estes trabalhos. Adiavamo-los apenas para quando a situação do thesouro fosse mais desembaraçada.
Pelo systema do governo fica o estado com o rendimento do caminho, que está calculado em 54:000$000 réis.
Mas este rendimento desapparece logo que se concluam os 119 kilometros em construído, e emquanto se não prolongarem os ramaes do Guadiana á fronteira, e de Extremoz, ao entroncamento.
E note-se, sr. presidente, que a metade d'aquelles encargos não eram permanentes, íam-se amortizando todos os que eram representados pelos títulos de 7 por cento.
Sr. presidente, durante o meu ministerio o governo es lava collocado n'uma situação pouco favoravel para tratar com a companhia. Rejeitava-se in limine qualquer accordo ou concessão. Porém, hoje póde-se serenamente discutir,
sem que os que se inclinam ao accordo estejam debaixo da pressão do uma opinião falsa que os condemna.
E a este respeito preciso rectificar uma declaração que fez n'esta casa o sr. ministro da fazenda, attribuindo inexactaente, aos meus collegas, ao presidente do conselho e ao ministro das obras publicas, declarações e factos a este respeito que são sem fundamento.
O nobre ministro disso que nós tínhamos trazido a esta casa o accordo feito pela administração anterior, que tinha sido rejeitado, e que tendo nós feito um outro accordo tinha sido rejeitado tambem ; e referindo se a umas palavras pronunciadas pelos meus collegas, presidente do conselho ministro das oubras publicas, palavras que pareciam não estar do accordo com as notas trocadas entre o governo e o representante do paiz, em Londres, dizia que attribuia a essas declarações as dificuldades com que lutou, encontrando as praças estrangeiras hermeticamente fechadas. Foram pouco mais ou menos estas as palavras que o sr. ministro da fazenda pronunciou, respondendo a um áparte do sr. Corvo ; e se não foram estas as suas idéas, espero que s. exa. as rectifique.
Em primeiro logar tenho a declarar que o contrato feito com o sr. Fontes não chegou a ser rejeitado, porque esse contrato foi remettido para a commissão ; e, quando lá estava, appareceram os interessados de Londres, e fez-se ura segundo contrato que importava a revogação do primeiro, que por isso não podia ser já discutido.
Os meus telegrammas e as declarações dos meus collegas não têem effeitos que discutir, desde que nós viemos a um accordo com os interessados, que sanava todas as difficuldades se algumas houvesse, que pão havis.
No entretanto não me eximo de explicar o meu procedimento e dos meus illustres collegas, n'este ponto.
Eu telegraphei para Londres assegurando aos interessados, que levava o accordo feito á camara, porque era essa a minha obrigação.
As obrigações contrahidos por um ministerio ligam os seus sucessores, e só podem ser quebrados pelo parlamento. Mas não me comprometti a fazer questão ministerial do accordo, comquanto na minha declaração fosse implícita a idéa de resolver esta questão, no intuito de não privar os interessados de capitaes que ali tinham enterrado em benefício do paiz.
A minha declaração era dictada por um bom principio de economia publica, por um principio financeiro, pela necessidade de manter o nosso credito lá fóra, para assegurar que, se um governo tinha resolvido não se locupletar com os capitaes estrangeiros empregados n'este paiz e com vantagem do mesmo paiz, apesar da companhia ter faltado ás condições do seu contrato, o governo, que lhe succedia, estava firme no mesmo pensamento.
O que eu queria era que em Londres se soubesse de uma maneira clara e positiva que o governo não queria locupletar-se á custa alheia com os capitaes estrangeiros empregados no nosso paiz.
Mais tarde levantou-se uma discussão parlamentar n'esta casa, fundada n'um documento publicado n'um jornal da capital, em que se dizia que = um dos ministros tinha assegurado para Londres que o governo fazia questão ministerial do accordo =. Ora nenhum ministro tinha feito tal promessa. E se há alguma nota a esse respeito, ou algum documento em contrario, como o parece indicar o Sr. Ministro da fazenda, traga-o s. exa. á camara, e eu o explicarei. Mas acabem as reticencias e as insinuações.
A verdade é que se publicou um artigo no Times em que se dizia que = o governo pediria aos seus amigos para rejeitarem o accordo que elle tinha promettido levar á camara = e um dos ministros respondeu para Londres que = não tinha fundamento algum o artigo do Times =, e é que o governo não tinha pedido aos seus amigos que rejeitassem o accordo. E o artigo do Times era sem fundamento. O governo levou o accordo á commissão, e a commissão quasi unanime se pronunciou contra o accordo sem querer saber da opinião do governo ( apoiados). E esta a verdade (apoiados). Aqui estão os factos que hoje não têem importancia, porque esses accordos caducaram, mas cuja exposição era indispensavel para rectificar factos inexactamente narrados pelo sr. ministro da fazenda.
Agora pergunto eu - se as portas das praças estrangeiras estavam hermeticamente fechadas por esforços dos interessados no caminho de ferro de sueste, fui eu e os meus collegas que os fechámos vindo trazer ao parlamento um
accordo combinado com elles, e com o qual elles a final ficaram satisfeitos?
Fomos nós que fechámos as portas ou foram os que vieram á camara rejeitar esse accordo sem ao menos darem alguma palavra de segurança aos interessados de que o governo tinham empregado no nosso paiz? (apoiados) Foi o governo de que o illustre ministro da fazenda faz parte (apoiados). Não o accuso por isso, defendo- me a mim (apoiados).
De tudo quanto o illustre ministro escreveu no seu relatorio e disse n'esta camara, o que mais me doeu foi asseverar s. exa., com tanta inexactidão como injustiça, que = os seus antecessores lhe tinham fechado hermeticamente as portas das praças estrangeiras =. E esta accusação referia-se indubitavelmente a mim, porque o nobre ministro de certo não quiz ferir os srs. Carlos Bento e Calheiros que me succederam e o precederam.
Disse-se que não fizemos economias valiosas. Ora, querem

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v. exa. e a camara saber qual é a economia mais valiosa que se póde, fazer? É a organisação da divida publica (apoiados). É diminuir os encargos da divida fluctuante (apoiados). Todas as economias que o illustre ministro da fazenda fizer, e todos os seus collegas, supprimindo empregos, absorve-lh'as uma operação financeira em Londres (apoiados). Por isso os meus primeiros cuidados voltaram-se para a organisação da divida publica, e para a amortisação da divida fluctuante.
Se eu tivesse feito operações a 17 e a 18 por cento, como este ministerio, talvez concorresse para se fecharem as praças de Londres.
Mas eu levantava dinheiro, como já disse, a 4, a 6 e 8, e nunca a mais de 9 1/2.
Não receio o confronto da minha administração. Tragam-na sempre que queiram para a téla da discussão.
Mas eu tambem quero as economias no serviço e no funccionalismo, e já disse hontem que tinha nomeado e estava funccionando uma commissão para estudar as reformas dos serviços, e propor as modificações que julgasse convenientes á organisacão geral dos serviços públicos.
Mas a primeira questão é a da organisação da divida publica, e foi n'esse sentido que eu apresentei á camara uma proposta de lei, que não chegou a ser approvada, porque n'essa epocha não se acreditava na necessidade de um emprestimo ; discutia- se tudo menos o emprestimo. Agora sim; hoje já todos estão convencidos de que é preciso um grande emprestimo, e eu dou por isso os parabens ao sr. ministro da fazenda e ao paiz. Se nós hoje ainda puzessemos em duvida a necessidade d'este emprestimo, tínhamos uma discussão interminavel. No anno passado, em logar de se tratar a questão, allegava-se que não estavam feitas todas as economias; que tal e tal verba devia ser cortada, tal e tal ordenado diminuído, etc. É por isso que eu agradeço á commissão de fazenda as palavras que escreveu no seu parecer, que encerram uma verdade, e que eu folgo de ver confessada por ella.
A commissão de fazenda, composta de cavalheiros muito respeitaveis e que já na sessão passada eram quasi todos deputados, diz no seu parecer que as reformas devem entender com toda a organisação dos serviços, que hão de ser morosas na sua execução, e que no entretanto os supprimentos da divida fluctuante nos vão absorvendo todos os recursos, podendo deixar-nos por fim só os do desespero.
Veja v. exa. como são as cousas. No anno passado trouxe eu á camara um relatorio descrevendo o grave estado da fazenda publica, sem exagerar nem attenuar as difficuldades da nossa situação, mas com a prudência e discrição que um ministro da fazenda deve a si, ao seu paiz e aos estranhos.
Dizia eu n'esse relatorio que se nós não saíssemos do caminho em que andavamos, e não adoptassemos o expediente financeiro que eu propunha, talvez depois não podessemos sair d'estas difficuldades senão por meios extremamanete violento. Mais tarde, a commissão de fazenda veiu dizer-nos que se nós continuassemos no systema que eu condemnava, e não fossemos de prompto á divida fluctuante como eu propunha, talvez que os unicos recursos que depois achassemos fossem os do desespero, que eu não sei quaes são.
Eu peço á camara que me desculpe o insistir tanto n'estas circumstancias. Faço-o unicamente por amor á verdade, para explicar a situação em que estamos, para dizer como as cousas têem marchado, e até isto é indispensavel ao sr. ministro da fazenda, para s. exa. se justificar de ter assignado o contrato mais infeliz, que nós temos cá tido, infeliz, não por ser o sr. ministro da fazenda quem o negociou, mas pelas terríveis circumstancias em que elle foi feito, e que foram preparadas pelo gabinete de que s. exa. faz parte.
Pois no anno passado não era já precisa a amortisação da divida fluctuante? Pois havemos de passar pela vergonha de que fosse necessario que o sr. ministro da fazenda usasse de expressões inconvenientíssima, fazendo antever a bancarota, para nos convencermos da necessidade do emprestimo? Para encarecer a gravidade da situação bastava a declaração do ministro da fazenda, de que a receita regula por dois terços da despeza, e de que os encargos da divida absorvem metade d'essa receita. Não precisava de dizer mais nada (apoiados).
Pois o sr. ministro da fazenda tinha porventura rasão para dizer que os seus antecessores lhe tinham deixado as praças estrangeiras hermeticamente fechadas ? Eu já aqui disse hontem que não fiz supprimento nenhum pelo alto preço por que depois se fizeram. Fiz dois supprimentos a 9 1/2 e os mais a 4, 6, 8 e 9 por cento. Fiz depois o accordo com a companhia do caminho de ferro de sueste. Quer dizer, desembaracei completamente os meus successores para poderem recorrer ás praças estrangeiras; não lhe deixava difficuldades; deixava-lhe encargos, encargos que podiam vencer-se convenientemente, se os negocios tivessem sido tratados com tino e circumspecção.
Mas o primeiro que confessou, que só depois da crise que terminou pela dissolução da camara e que tratou da questão do caminho de ferro, foi o sr. ministro da fazenda. A camara sabe perfeitamente que esta era a nossa questão vital, e que era a primeira de que e governo se devia occupar. É verdade que o sr. ministro da fazenda veiu mais tarde associar-se ao gabinete. Mas esta questão, que era uma das bases da nossa situação financeira, devia ser uma questão de todo o governo. É impossível que, quando entrou para a pasta da fazenda o sr. conde de Samodães, o governo não tivesse já uma opinião a este respeito. E que a tinha mais ou menos definida, provam no os documentos juntos ao relatorio e á proposta de emprestimo.
O seu antecessor, o sr. Carlos Bento, tinha já contratado uma operação sobre os bens desamortisados, e era impossível que aquelle cavalheiro tratasse de operações financeiras sobre aquelles bens, sem accordo com os outros ministros Esta questão é para ser tratada em conselho de ministros, é da responsabilidade de todo o gabinete. É uma questão muito grave.
Portanto eu espero que o nobre ministro retire as phrases que, como já disse á camara, me doeram, de que tinham ficado hermeticamente fechadas as praças estrangeiras, porque os supprimentos que eu tinha feito eram a juro rasoavel para as circumstancias, eram mais baratos que os emprestimos anteriormente feitos, e muito mais baratos do que os que se fizeram depois. De mais a mais note v. exa. que eu empenhei sempre o§ titulos a preço rasoavel, E muita gente está enganada, suppondo que é indífferente empenhar os titulos a 30, a 20, ou a 15 por conto, com o fundamento de que o empenho não é a venda. Mas não é assim, porque o empenho a preço baixo um documento de descrédito para o paiz (apoiados).
Deixei portanto resolvidas todas as dificuldades que podiam obstar a um emprestimo nas praças estrangeiras. Mas não me admira, depois dos factos que hontem contei á camara, que o nobre ministro da fazenda trouxesse aqui este emprestimo em condições ruinosas. Não me admira de ver n'esta casa um contrato de emprestimo para uma somma tão avultada, levantado a 12 por cento; era logico e natural. Era uma consequencia da marcha governativa do gabinete.
Eu hontem narrei alguns dos actos de gerencia do gabinete, que nos conduziram a este estado calamitoso, e hoje mencionarei um que nos causou grande mal pelo modo por que foi dirigido. Refiro me ao emprestimo patriotico das libras 350:000, pelo modo por que foi feito.
Espalhou o governo que sem aquelle emprestimo não podia pagar o coupon da divida externa que se vencia era janeiro, e por tal fórma dirigiu a negociação que todos ficaram sabendo da difficuldade de levantar o emprestimo todo,

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e ninguem ignorava de que esta operação era um mero palliativo, que adiava os encargos, tendo de repetir-se passados tres mezes a operação. Por esta fórma certificámos os capitalistas estrangeiros de que podiam impor-nos as condições mais duras, porque sem elles não podíamos viver, attento o estado do mercado nacional.
As praças estrangeiras estavam seguras completamente, de que quaesquer que fossem as condições que impozessem nós havíamos de aceita las.
Podia fazer-se o emprestimo das 350:000 libras, podia recorrer-se aos capitães nacionaes, mas era necessario te-lo feito em termos e por fórma que não parecesse que era o ultimo recurso da pobreza do thesouro, e um appello de salvação ao paiz.
Eu sinto e deploro que aquella operação fosse feita nos termos e na fórma por que foi realisada, e que na reunião dos capitalistas se fizessem declarações inconvenientissimas por parte dos illustres ministros. E n'isto não me refiro de terminadamente ao actual sr. ministro da fazenda, porque s. exa. ainda então não estava á frente dos negocios publicos; refiro-me ao governo.
Todos sabem que os jornaes transcreveram as declarações que se fizeram n'aquella occasião, declarações que eu acho inconvenientes para o credito. O governo de um paiz tem obrigação de ser prudente e reservado, segundo o pedem as conveniencias publicas. A franqueza é boa; mas da ingenuidade e da sinceridade á franqueza a distancia é immensa.
Por todas estas rasões não estranho que o emprestimo saia a 12 por cento. Ainda que a divida fluctuante não estivesse por tão alto preço, ainda que os seus encargos não fossem tão elevados, não estranhava eu que o emprestimo fosse tão oneroso.
Não discuto as condições do emprestimo, porque ellas já foram discutidas. Não discuto mesmo a questão da multa, porque, ou o contrato seja approvado ou rejeitado, os titulos estão na mão do credor e póde vende-los. O mal está feito, e sem remedio. A minha questão é outra; a minha moção de ordem refere-se a outro ponto.
No contrato diz-se que o governo se obriga a pedir ás curtes a sua ratificação. Portanto esperava eu que o governo trouxesse uma proposta de lei nos termos geraes e ordinarios, declarando que era approvado e ratificado o contrato feito entre o governo e a casa Goschen.
Ha diversas fórmas de negociar. O sr. ministro da fazenda podia pedir uma auctorisação para depois contratar ou fazer o contrato, e pedir depois ás côrtes a sua ratificação. Mas desde que o governo contratou e se obrigou a trazer o contrato ás côrtes, devia propo-lo á apreciação parlamentar, e não um projecto de auctorisação. É o que me parece regular (apoiados).
Mas ha mais. O governo inhibe-se por este contrato de negociar outro qualquer emprestimo emquanto não passarem os prasos estipulados para os concessionarios tomarem posse d'este emprestimo. O sr. ministro da fazenda não póde ámanhã, contra vontade d'estes concessionarios, ir levantar um emprestimo em qualquer parte.
Uma voz: - Póde, póde.
O Orador: - Não póde. E expressa a letra do contrato em contrario, e não posso interpretar as suas disposições de outro modo. Se o sr. ministro da fazenda, ou alguem que o substitua, quizer fazer um emprestimo, não o póde contrahir senão com a casa Goschen.
O sr. Ministro da Fazenda: - Peço licença para interromper o illustre deputado, dizendo-lhe que essa condição, que ahi está no contrato, tem sido mal interpretada por todos os illustres deputados que têem fallado sobre este assumpto. Essa condição diz positivamente que o governo fica inhibido de contratar outro qualquer emprestimo debaixo de qualquer outra fórma que seja dentro dos prasos que estão marcados n'este artigo; mas esses prasos não se contam senão depois da ratificação, e não se contam até essa data. Antes de ratificado o contrato, o governo póde contratar o que quizer; depois d'elle ratificado, não póde contratar nenhum outro emprestimo dentro d'esse praso.
Desculpe-me o illustre deputado esta pequena interrupção; mas isto dispensa-me mesmo de pedir a palavra n'este assumpto.
Tanto a casa contratante estava n'essa convicção que na occasião em que se rompeu o contrato, porque havia certas condições secretas, que o governo julgou da sua dignidade não dever aceitar, os agentes d'essa casa pediram-lhe au-ctorisação para eliminar essas condições secretas, e essa auctorisação veiu, mas na occasião em que o governo tinha roto o contrato, e estava contratando com outra casa.
Foi n'essa occasião que, apresentando uma declaração expressa de que as condições eram inaceitaveis, elles nos disseram que era conveniente que, para que o governo ficasse seguro, e para que não houvesse rasão de se protestarem letras, que estavam a vencer-se, que o governo assignasse esse contrato. Eu disse que não o assignava de fórma alguma, visto que estava contratando com outra casa; e se acaso se contratasse, então o governo tinha de pagar a bonificação.
Então elles responderam-me de uma maneira categorica, que a unica cousa que arriscava o governo era a bonificação, porque o governo antes da abertura da camara, e mesmo depois, mas antes do contrato ratificado; estava no seu plenissimo direito de contratar com qualquer casa e de aceitar quaesquer condições mais vantajosas do que as que elles propunham, quando essas condições dessem margem ao pagamento d'essa bonificação; e do contrario está claro que o governo preferia a outra casa, e apesar da quantia ser apparentemente avultada, com uma pequena deducção no juro, se poderia satisfazer essa bonificação.
Não entenderam que o governo estava inhibido de contratar com outra casa, mas não depois do contrato ratificado, e a rasão é clara. É para se não agglomerarem emprestimos com titulo, e para haver o tempo necessario de se completar a emissão.
Dada esta explicação ao illustre deputado, de que este artigo tem sido mal interpretado por todos aquelles que têem entrado no debate, tanto mais que tenho aqui uma carta em que se diz, que o contrato é meramente provisorio, e que não se tornava effectivo, nem para o paiz, nem para o governo, senão depois de ratificado.
O Orador: - Agradeço ao nobre ministro a explicação que acaba de dar, explicação aliás indispensavel, porque, tendo combinado o artigo 17.º d'este contrato com os 6.° e 7.º do contrato para o supprimento das 510:000 libras, a interpretação que eu lhe dava era exactamente a contraria.
Satisfez-me ainda mais a declaração de que tem uma carta da casa contratadora, confessando que o contrato tem um caracter meramente provisorio, tanto para ella como para o governo; porém sem essa carta; que póde considerar-se parte do contrato, não poderia o governo ir contratar com outra casa.
A declaração pois do nobre ministro deixou-me satisfeito n'esta parte, e oxalá que s. exa. me possa satisfazer igualmente a respeito de duas outras condições, que vem exaradas no mesmo contrato, condições que eu considero durissimas, mas d'aquellas que ainda podem ter remedio, visto que o contrato tem a natureza de provisorio. Tenciono mesmo mandar para a mesa additamentos ou alterações a estas condições, salvo se o nobre ministro me disser que ellas não significam o que se deprehende da sua leitura no contrato provisorio, e que no contrato definitivo se hão de eliminar ou redigir de modo que não possam depois dar logar a duvidas.
A primeira d'estas condições é aquella, pela qual o governo fica auctorisado a destinar para garantia especial do juro e amortisação d'este emprestimo os direitos do tabaco, que houverem de ser cobrados nas alfandegas do continente

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do reino, disposição proposta pelo governo e aceita pela commissão.
O sr. Corvo tratou já d'esta questão com a proficiencia com que costuma tratar todas as questões era que toma parte. Se o nobre ministro estipular como garantia do juro e amortisação d'esta emprestimo o rendimento do tabaco, sem comtudo ficar inhibido de fazer na pauta da alfandega as modificações, que provavelmente tem de fazer, nos tremos da proposta já presente a esta camara para alterar alguns artigos da pauta, não tenho nada a dizer. Mas desejo que esta circunstancia fique bem esclarecida no contrato definitivo,
O tabaco rende hoje approximadamente 2.000:000$000 réis, e o governo portuguez póde ver-se na necessidade, em virtude da reforma aduaneira que se projecta na Hespanha, para não ficar sem rendimento algum de tabaco, a modificar muito os direitos da pauta n'esta parte. No projecto provisorio vem a condição de que o governo dá para garantia do pagamento do juro e amortisação o rendimento do tabaco, sob a declaração do nobre ministro da fazenda á casa contratadora, de que elle rende 500:000 libras. Parte d'este rendimento esta hoje consignado á junta do credito publico para pagamento dos juros da divida consolidada; mas a este respeito póde o governo providenciar por qualquer outro modo. O que não quero é que pelo facto de se dar como garantia ao emprestimo o rendimento do tabaco, o governo fique inhibido de poder fazer na pauta das alfandegas as alterações que as conveniencias publicas aconselharem a respeito d'este imposto.
Ora, se esta condição passar para o contrato definitivo exactamente como está no contrato provisorio, estou persuadido de que, o governo não póde quando julgar conveniente, alterar os artigos da pauta de modo a influir no rendimento.
O sr. Ministro da Fazenda:-Se me dá licença respondo tambem já á observação de s. exa.
O Orador: - Com todo o gosto.
O sr. Ministro da fazenda: - Peço a v. exa. e á camara que me permitta, visto que o illustre deputado consente n'estas interrupções, que eu responda já a esta pergunta, porque me parece que fica isto assim mais claro, do que tomando apontamento que podem depois esquecer. Uma vez que s. exa. me concede a benevolencia de o interromper, eu respondo desde já.
A condição que está aqui com relação aos direitos do tabaco, é interpretada como v. exa. diz; não ha alteração alguma, e o governo fica na plenissima liberdade, ou a camara e o paiz de fazerem todas as modificações convenientes que forem aconselhadas pelas circunstancias, e não fica obrigado a sustentar este rendimento.
Eu peço licença para ler á camara uma indicação que me foi feita pela casa com quem se contratou, logo que se começou a tratar d'esta negociação (leu).
Isto é o que elles tinham proposto primeiro, e eu disse-lhes que era absolutamente impossível, porque o governo não podia inhibir o parlamento de fazer todas as reducções, augmentos ou diminuições nos direitos do tabaco, conforme fosse necessario; eu até acrescentei que era o principio mais anti-economico que podia haver, o manter nas circumstancias actuaes os direitos do tabaco no estado em que estão, porque podia ser conveniente augmenta-los, como eu propuz, e o illustre deputado tinha proposto, ou diminui-los se amanhã a politica a isso nos aconselhasse. E então dizia eu = quererão que se mantenha um direito certo que póde até trazer diminuição de rendimento? =
Portanto esta condição foi completamente eliminada, e estamos em plenissima liberdade de poder augmentar ou diminuir o direito do tabaco, É claro que se o rendimento do tabaco não for sufficiente para pagar a annuidade, o paiz não fica dispensado de pagar o resto.
O Orador: - Agradeço mais uma vez ao sr. ministro as explicações claras que deu, e creio que não ha nunca inconveniente em que se tirem todas as duvidas. Desejo que todos os contratos sejam claros, e muito principalmente os contratos feitos com estrangeiros, e com casas poderosas.
N 'estes casos é sobre tudo conveniente a clareza (apoiados).
Ha outro ponto em que apenas desejo tocar, e chamar para elle a attenção do sr. ministro da fazenda. Eu vejo no projecto de auctorisado que os titulos do presente emprestimo não serão feridos com impostos. Esta clausula geral significa que estes titulos ficara aqui equiparados ás inscripções, e que o governo pagará integralmente os juros. Mas isto não significa de certo que em caso nenhum serão tributados os juros, porque ha circumstancias especiaes a respeito dos quaes não emitto agora a minha opinião, que podem obrigar os poderes publicos a tributar as rendas publicas e os juros dos fundos públicos, e eu desejo que estes titulos fiquem nas mesmas circumstancias e condições dos titulos de divida fundada.
O sr. Ministro da Fazenda: - Exactamente.
O Orador: - Agradeço a explicação do sr. ministro, e vou concluir.
Concluo dizendo a v. exa. a rasão mais importante por que não posso votar este emprestimo, e pedindo explicações ao governo sobre um assumpto grave.
Sr. presidente, eu tinha aqui apresentado uma proposta de lei de desamortisação ou chamada de desamortisação, porque ella era sobretudo um expediente financeiro...
Era-me absolutamente indispensavel um emprestimo e não podia contrahi-lo por meio de titulos de divida publica, não só porque o emprestimo feito pelo meu antecessor não estava ainda completamente pago, mas porque no semestre que precedeu a minha entrada no ministerio tinham sido 30.000$000 réis de titulos de divida fundada mettendo em linha de conta de os emittidos para a realisação do emprestimo.
Estavamos em janeiro. Eu precisava de dinheiro para pagar o resto da divida fluctuante externa, e o deficit até 30 de junho de 1869, não só na agencia de Londres, mas no paiz; e não podia levantar dinheiro pelos meios ordinarios, porque todos os ministros de fazenda o tinham sempre. . Foi-me indispesavel recorrer a outro expediente, porque me era indispensavel adquirir fundos não só para pagar os supprimentos contrahidos no estrangeiro, e os saques sobre a agenda de Londres, mas tambem para occorrer á despeza ordinaria e extraordinaria do estado dentro e fóra do paiz.
Como já tínhamos desamortizado muitos bens de corporações e estabelecimentos publicos, que ainda não estavam vendidos, resolvi ampliar a desamortisação aos passaes, e fazer uma operação financeira sobre todos os bens, á similhança da que tinha feito o governo italiano em occasião de crise.
O governo italiano, com a sua operação sobre os bens do clero, tinha salvado de uma grande crise o thesouro publico em certa occasião.
Pela operação que eu projectava, as inscripções eram averbadas ás corporações e estabelecimentos publicos com a clausula de inalienabilidade, e não vinham fazer concorrencia no mercado, não prejudicando assim o meu pensamento de não trazer para a circulação mais titulos de divida fundada.
Obtinha eu o dinheiro de que carecia, por meio de um emprestimo amortisavel, mas sem os inconvenintes da amortisação, porque era amortizado pelo producto dos bens d'essas corporações, ás quaes se averbavam os titulos da divida fundada, representativos d'esse producto.
Ora, sendo a minha diligencia, n'essa occasião, obter um emprestimo consideravel para o thesouro, significava aos capitalistas e casas bancarias que contratavam commigo o meu pensamento, para me communicarem as suas propostas, e eu me decidir por aquellas que mais vantagem trouxessem para o thesouro.
Tres dias antes da minha demissão recebi uma carta de

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uma casa bancaria respeitavel d'esta cidade, da casa Fonseca Santos e Vianna, mandando-me offerecer 9.000:000$000 réis, de que eu precisava, e que eu soube ferem fornecidos pela casa Stern. Eu precisava de 1.200:000 libras para a divida fluctuante externa, e 800:000 libras para o deficit, até ao dia 30 de junho de 1869, e por consequencia bastavam me os 9.000:000$000 réis.
Dizia se n'essa carta que se emprestava esta quantia com os encargos do crédit lyonnais, que eram de 8 por cento. Agora creio que esses encargos são de 14 por cento; mas n'essa occasião eram de 8 por cento, 6 de juro e 2 de commissão.
Não me recordo, porque recebi essa carta tres dias antes de dar a minha demissão, se deixei copia na secretaria da fazenda. O que sei é que essa mesma casa fez logo ao governo, que me succedeu, iguaes communicações, e iguaes propostas.
O governo teve a idéa de aproveitar á desamortisação para levantar um emprestimo, e para esse fim trouxe aqui um projecto, que não era só do sr. Carlos Bento, que era do governo; chegou a fazer um contrato em Paris, sobre a base da desamortisação; contrato que não só era do sr. Carlos Bento, que era do governo.
Pergunto eu agora, porque é que o governo não aceitou este emprestimo a 8 por cento? A 8 por cento?!... E podia ser a menos.
Tenho aqui a carta, que vou mandar para o Diario conjunctamente com o discurso, na qual se offereciam os 9.000:000$000 réis a 8 por cento, e a casa pedia para ser ouvida sobre qualquer resolução que eu tomasse, o que prova que ella Cotava disposta ainda a diminuir o preço da operação.
Mas eu quero suppor que nenhuma outra proposta apparecia, e que a casa Stern não vinha a condições mais rasoaveis, isto é, que se contratava a 8 por cento, segundo as condições do crédit hynnais ainda assim o emprestimo era admiravel com relação ao que se propõe. Porque não aceitou pois o governo esse contrato de que teve conhecimento, porque a communicação foi feita ao meu successor, eu mesmo não sei se deixei copia d'esta carta na secretaria da fazenda?
Porque não se aceitou este emprestimo? Pois quando se tinha um emprestimo em condições tão favoraveis, abandona-se? O abandono foi unicamente ara attenção ao esplendor do culto, para se nos apresentar depois este contrato ruinoso?
E a responsabilidade não é individualmente do sr. ministro da fazenda, é de todo o gabinete; e é por isso que eu tenho dito muitas vezes que todos os ministros devem ser ministros da fazenda, que todos devem tomar parte na resolução d'esta grave quentão, não ficando só o ministro da fazenda para a resolver.
Se o governo não queria adoptar a minha proposta primitiva sobre a desamortização, nem mesmo depois de modificada pela commissão, aproveitasse as idéas approvadas pela camara. A camara ia quasi toda para votar aquella proposta, se se entregassem as inscripções, não a 50 por cento, mas pelo valor do mercado.
Em se dando as inscripções pelo valor do mercado, era aquella proposta votada por quasi toda a camara (apoiados), declararam não aqui os proprios deputados da opposição. Eu não podia aceitar essa modificação, porque já tinha feito uma transacção sobre a proposta primitiva que era excellente e salvadora n'aquellas circumstancias.
Mas se não se podia vencer que as inscripções fossem entregues a 50 por cento, podia aceitar-se a inversão pelo preço do mercado.
A outra difficuldade eram os passaes. Mas o que succedeu quando caju o meu ministerio? Assim que o meu ministerio caiu, este achou-se logo em leito de rosas. O governo fez aqui todos os esforços para que não se votasse a desamortisação dos passaes que a camara queria votar, ao passo que eu fizera todos os esforços para que ella fosse votada, e não m'a votaram.
Consta me até que o sr. ministro do reino se queixava d'isto. Consta-me que s. exa. se queixava de que, quando eu queria a desamortisação dos passaes, não a queria a Camara, e quando o sr. bispo a não queria, já a camara a votava.
Podia pois aceitar-se a proposta da desamortisação ainda nas condições em que a cantara a votava, e fazer-se sobre ella um emprestimo em termos rasoaveis. D'esse emprestimo que se podia fazer era condições aceitaveis, teve Conhecimento o governo; e porque o não fez?!
É esta uma pergunta que tem direito de fazer um homem que desejava que se fizesse um emprestimo em condições vantajosas, e que vê aqui um em condições as mais onerosas.
A obrigação dos governos não é fazerem tudo muito bom; a obrigação dos governos é fazerem o melhor que às circumstancias permittem.
Pois se o governo, n'aquella occasião, em logar de discutir as fortificações, que não sei se já estão feitas, em logar de discutir a impertinente questão do caminho de ferro, tratasse de levar até ao fim aquella proposta da desamortisação que estava já votada na generalidade; se o governo, em logar de duvidas e hesitações, fizesse uma operação financeira sobre os bens desamortisados e aproveitasse as boas disposições da camara, não teria andado melhor? (Apoiados.)
Eu n'esta parte lisonjeio me de ter feito um serviço importante.
Na primeira occasião em que veiu aqui uma proposta de lei de desamortisação, estando eu na camara, neguei franca e desassombradamente ás corporações de mão morta o direito da propriedade, e emquanto aqui se estranhava este modo de pensar, vi lá fóra a minha opinião adoptada por um dos jornalistas mais distinctos do paiz (apoiados).
Mais tarde quando entrei no ministerio trouxe aqui uma proposta de desamortização de accordo com essa opinião. Mas é preciso que eu diga a v. exa. que, apesar de contar com uma camara muito patriota e filha de legitimas manifestações populares, presentia grandes difficuldades na approvação da medida, e por isso separei d'ella os baldioss. Se eu ajuntasse os baldios aos bens que eu queria desamortisar, então a minha proposta era de vencimento impossivel, não podia passar (apoiados).
Mas ultimamente vi que se applicou á votação da rainha, proposta a medicina homcopathica; porque assim que o governo, que se me seguiu, a trouxe aqui reduzida á decima millionesima parte, logo a votaram (riso).
Ouço dizer em aparte que as circumstancias eram outras. As circumstancias eram as mesmas; tinhamos uma divida fluctuante como agora, exactamente a mesma cousa (apoiados).
Já foi maior, é verdade. Mas sabe v. exa. a rasão por que o sr. ministro da fazenda diminuiu a divida fluctuante ? Foi porque vendeu inscripções para fazer essa diminuição (apoiados), de outro modo não podia ser, o dinheiro não cae do céu.
Quando eu saí do ministerio, em 21 de julho, a divida fluctuante era de 12.088:000$000 réis; hoje a divida fluctuante é de 12.140:000$000 réis. As difficuldades eram pois exactamente as mesmas; a differença é que nós não tinhamos caminhado tanto como o governo actual, no augmento da despeza publica, proveniente dos juros da divida fluctuante e fundada (apoiados).
Mas quando eu aqui apresentei a proposta de lei da desmortisação, houve um discurso de um amigo meu, que terminou por uma proposta assignada por muitos cavalheiros que hoje fazem parte da commissão de fazenda, que já faz uma deducçãozinha de 9,4 n'esses bens, em que dizia: «Ao sr. Dias Ferreira cabe-lhe a gloria de encetar um novo caminho, porque todos os legisladores e todos os parlamentos

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n'este paiz têem feito uma excepção a respeito d´esses bens, quanto á contribuição predial e á de registo, e é o sr. Dias Ferreira o primeiro que não a fez; cabe lhe essa gloria» (apoiados).
Por isso, digo eu, já fiz um grande serviço a este respeito, porque hoje já não causa horror a ninguem dizer na camara que se faça uma reducção de 9,4 nos bens d'essas corporações, e que se faça uma operação financeira sobre esses bens (apoiados).
Eu então vi que se podia fazer um emprestimo em vantajosas condições sobre os bens, e que o podiam fazer os meus successores, mas não o fizeram, e por isso s. exas. não hão de estranhar que eu os não acompanhe na sua marcha financeira.
O nobre ministro da fazenda diz que as opposições tambem dão conselhos. Eu não tenho experiencia larga dos negocios para o aconselhar; mas como quero, a todo o custo, pelas rasões que hontem disse n'esta casa, que os srs. ministros se conservem no poder, porque precisamos de sair d'esta situação gravissima em que estamos; e os cavalheiros que têem mais força e mais popularidade, são os srs. ministros: e como não desejo que fiquemos constantemente n'esta situação dolorosa, pediria ao sr. ministro da fazenda que reduzisse o emprestimo á menor somma que podesse ser (apoiados), para não arriscar a sua posição politica.
Eu peço ao sr. ministro da fazenda, em nome do seu patriotismo, que reduza o emprestimo onerosissimo á menor somma possivel.
Traga immediatamente a lei da desamortisação, e, por mais larga que seja, conte com o meu voto. Eu vou n'esta parte até onde os seus amigos politicos e não acompanham. Decrete s. exa. este pensamento, fique preparado com esse recurso para no intervallo d'esta sessão á outra poder levantar os fundos de que carecer. Venham medidas que são indispensaveis; não venha só a desamortização, venham mais impostos, que eu voto-os, ainda que não vote alguns dos que s. exa. já apresentou, porque os acho anti-economicos.
Voto tudo o que seja indispensavel para se poder governar rasoavelmente, e se poder sair da situação difficilima em que nos encontramos. Agora o que eu não quero é fogo de vistas.
Alem d'estes conselhos ainda dou outros a s. exa. Vamos a tratar da reforma dos serviços publicos. Proponha maiores reformas nos serviços publicos, e não essas que se decretam isoladamente, fazendo no ministerio da marinha uma cousa e no ministerio do reino outra.
Em 23 de maio de 1868 publiquei um documento com relação á reforma dos serviços publicos, em que dizia o seguinte:
«As reformas nas secretarias de estado, feitas depois do estabelecimento do systema representativo, têem sido sempre parciaes e isoladas, accommodadas especialmente ao serviço de cada uma sem ligação com o das outras, predominando assim nas reformas mais o espirito de cada ministro organisando a sua secretaria, do que a opinião do ministerio organisando os serviços publicos.»
Os srs. ministros deixaram tudo no estado que eu condemnava.
Dizia eu mais no relatorio:
«É certo que em cada secretaria deve haver todos os serviços e só os serviços compativeis com a sua indole, e não acharem-se ou deslocados ou multiplicados trabalhos da mesma ordem e natureza em repartições differentes.»
«Assim ha nos differentes ministerios serviço de inactividade, pagadorias, thesourarias, repartições de contabilidade e muitos outros serviços que é preciso destacar e uniformisar. Nem é possivel, sem a reforma completa dos serviços, fazer do orçamento um livro claro e accessivel a todos, como convem que seja.»
O meu pensamento era entregar a cada ministerio os serviços que naturalmente lhe competissem, e não outros; e que não se achassem divididos por differentes ministerios serviços da mesma ordem. Eu não queria thesoureiros pagadores nos districtos, pagadores de obras publicas e pagadores militares.
O meu pensamento era que os dinheiros publicos estivessem arrecadados só nas caixas do ministerio da fazenda, e que o chefe militar ou das obras publicas se limitasse a mandar um cheque sobre o thesoureiro pagador, delegado do ministerio da fazenda.
Indico este facto apenas como exemplo do plano que me propunha seguir. O que é necessario é não fazer reformas isoladas, e deixemo-nos de fogo de vistas.
Eu pedia ao nobre ministro da fazenda que aconselhasse o seu collega do reino a que não ande pela camara dos dignos pares fallando em finanças, dizendo cousas inconvenientissimas, que compromettem o gabinete, e estão em contradicção com os documentos officiaes. Se o sr. ministro da fazenda me asseverasse que é verdadeira uma declaração que o sr. ministro do reino fez na camara dos dignos pares, eu propunha que por acclamação se votassem todas as propostas de impostos, sem parecer da commissão, embora depois tivessemos de gastar algum tempo a emenda-las.
Tenho confiança no sr. ministro do reino, acredito nas suas palavras, mas nos negocio de fazenda sigo antes a opinião do sr. ministro da fazenda.
O sr. ministro do reino disse aqui no anno passado que o nosso deficit era de 500:000$000 réis mensaes, e que assim não se podia viver. E já n'este mez foi dizer á camara dos dignos pares que o governo tinha reduzido o deficit réis 200:000$000 por mez. N'este caso temos ura deficit de 3.600:000$000 réis por anno. As medidas que foram apresentadas importam um augmento de receita de 4.000:000$000 réis, segundo declara o sr. ministro da fazenda. Votem-se por acclamação, e matemos já o deficit (apoiados).
O nobre ministro da fazenda no seu orçamento calcula o deficit era 5.600:000$000 reis, e a isto é preciso ainda acrescentar o juro dos titulos emittidos e vendidos desde 28 de fevereiro para cá.
Deixemo-nos de illudir o paiz (apoiados}, é preciso dizer-lhe a verdade.
Vamos francamente á questão. Votado o emprestimo só os encargos da divida orçam por 9.000:000$000 réis, isto é por muito mais de ametade da nossa receita.
Nós temos pelo orçamento 6.854:000$000 réis de juros de divida consolidada com relação a 28 do fevereiro. Nós ficâmos pagando pelo emprestimo dos 4.000:000 de libras effectivos 1.900:000$000 réis annuaes. Fica o juro da divida fluetuante interna, que andará por 300:000$000 réis. Fica o juro que se paga ao banco de Portugal, e que está subindo todos os dias, para o pagamento das classes inactivas. Temos o juro de alguns emprestimos, comquanto pequenos. Estimarei muito que algum dos illustres deputados me possa dizer que tudo isto está abaixo de 9.000:000$000 réis, porque isso era de satisfação para mim e de interesse para o paiz.
Apresento esta idéa para mostrar á camara a necessidade de sair da situação em que nos achámos. Quando um paiz paga só de juros mais de metade da sua receita, são precisas medidas de alcance. Não são as economias que se fizeram ou se possam fazer que nos habilitam para sair d'esta situação. A principal economia era a organisação da divida publica, e depois a reforma dos serviços, que é preciso fazer com certo vagar. Hoje felizmente a camara e o paiz estão na idéa de que é necessario augmentar a receita publica, sem esperar pelos resultados sempre vagarosos das reformas economicas. Declaro á camara que sobretudo o que me impressiona são os encargos da divida publica, e quando os encargos da divida publica chegam a estas dimensões e altura, é absolutamente indispensavel que nos estudemos os meios de superar uma situação gravissima. Não quero cansar mais a camara; peço desculpa do tempo que lhe tenho tomado. Todas as minhas observações

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foram dictadas pelo desejo de ser esclarecido pelos cavalheiros que haviam de fallar por parte do governo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados.)

(Carta a que se refere o discurso)

Illmo. e exmo. sr. - Communicando para Londres que v. exa. precisaria de 1.200:000 libras pouco mais ou menos, para a divida fluctuante externa desde os mezes de setembro até dezembro proximo, e as restantes 800:000 libras divididas pelos mezes do anno economico actual, o que fizemos em virtude da resposta que v. exa. se dignou dar á carta de 8 do corrente, que a v. exa. entregámos, estamos auctorisados a propor o seguinte:
O adiantamento das referidas 2.000:000 libras effectivas mediante as seguintes condições:
Que os encargos d'este adiantamento serão os mesmos que o governo actualmente paga ao crédit lyonnais.
Que este adiantamento será pago pelo producto do emprestimo que o governo tem a realisar sobre os bens a desamortisar, na conformidade do projecto apresentado ao parlamento.
Que os fornecedores das referidas 2.000:000 libras serão os encarregados da emissão d'este emprestimo, que terá logar até fevereiro proximo futuro, mediante as condições combinadas com o governo.
Se uma proposta da importancia d'esta não póde ter uma solução immediata, esperâmos que v. exa. se dignará toma-la em toda a consideração para sermos ouvidos sempre que v. exa. esteja disposto a concluir a operação indicada.
Deus guarde a v. exa. - Lisboa, 10 de julho de 1868. - Illmo. e exmo. sr. conselheiro José Dias Ferreira, digníssimo ministro da fazenda = Fonseca Santos & Vianna.

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Publica-se o seguinte:

Mappa da divida fluctuante no dia 31 de maio de 1869, contrahida no paiz e no estrangeiro, com especificação dos encargos e datas dos vencimentos

[Ver tabela na imagem]

(a)Alem de 1/4 por cento de commissão (á l´usage de Londres). - (b) Pelos dias decorridos até ao vencimento. - (c) Alem de 1.635:000$000 réis, penhor das 57:500 libras, importancia da multa.

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