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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO DE 21 DE FEVEREIRO DE 1865

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Joaquim Xavier Pinto da Silva

José de Menezes Toste

Chamada: — Presentes 60 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs. Affonso Botelho, Garcia de Lima, Annibal, Braamcamp, Abilio, Ayres de Gouveia, Quaresma, Seixas, A. Pinto de Magalhães, Lemos e Napoles, Magalhães Aguiar, Faria Barbosa, B. F. de Abranches, Poppe, Cesario, Claudio Nunes, F. J. Vieira, Coelho do Amaral, Ignacio Lopes, Gavicho, F. M. da Cunha, Valladares Aguiar, Guilhermino de Barros, Reis Moraes, Assis Pereira de Mello, Ayres de Campos, Mendonça Castello Branco, Barros o Cunha, J. J. de Alcantara, Loureiro, Aragão Mascarenhas, Sepulveda Teixeira, Teixeira Soares, Albuquerque Caldeira, Noutel, Xavier Pinto, Correia de Oliveira, Freire Falcão, Garrido, Homem de Gouveia, Alves Chaves, Fernandes Vaz, D. José de Alarcão, Frazão, Toste, José de Moraes, Oliveira Baptista, Julio do Carvalhal, Amaral Carvalho, Alves do Rio, Macedo Souto Maior, Sousa Junior, Leite Ribeiro, Lavado de Brito, Monteiro Castello Branco, Placido de Abreu, Ricardo Guimarães, Pinto Pizarro, Thomás Ribeiro e Visconde dos Olivaes.

Entraram durante a sessão — os srs. Vidal, Soares de Moraes, Teixeira de Vasconcellos, Carlos da Maia, Brandão, Gonçalves de Freitas, Barros e Sá, Pinto Ferreira, Fontes Pereira de Mello, Pinto de Albuquerque, Antonio de Serpa, Belchior Garcez, Bento de Freitas, Albuquerque e Amaral, Pereira Garcez, Carlos Bento, Pinto Coelho, Almeida Pessanha, Custodio Freire, Delphim Ferreira, Domingos de Barros, Eduardo Cunha, Quental, Bivar, Diogo de Sá, F. J. da Costa e Silva, Lampreia, Bicudo Correia, Mello Soares de Freitas, Cadabal, Pereira de Carvalho e Abreu, Medeiros, Silveira da Mota, Sant'Anna e Vasconcellos, J. A. de Carvalho, Gomes de Castro, Santos e Silva, J. A. de Sepulveda, J. A. de Sousa, Mártens Ferrão, João Chrysostomo, Costa Xavier, Fonseca Coutinho, Tavares de Almeida, Lisboa, Torres e Almeida, Matos Correia, Proença Vieira, Rodrigues Camara, J. Pinto de Magalhães, J. T. Lobo d'Avila, J. A. Maia, J. A. da Gama, Barbosa e Silva, Vieira de Castro, Sette, Tavares de Pontes, José Luciano, Casal Ribeiro, J. M. Lobo d'Avila, Alvares da Guerra, Sieuve de Menezes, Gonçalves Correia, Barros e Lima, Magalhães Mexia, Sampaio e Mello, Vasconcellos Mascarenhas, Levy, Sá Coutinho, Rocha Peixoto, Mendes Leite, Marquez de Monfalim, Tenreiro, Mathias de Carvalho, Miguel Osorio, Severo de Carvalho, R. F. da Gama, R. Lobo d'Avila, Carvalho e Lima, Teixeira Pinto e Visconde de Pindella.

Não compareceram — os srs. Adriano Pequito, Camillo, Antonio Pequito, Barjona de Freitas, Barão do Rio Zezere, Eduardo Cabral, F. F. de Mello, Gaspar Pereira, Blanc, Abreu e Lima, Calça e Pina, Infante Passanha, Rojão, Mendes Leal e Freitas Branco.

Abertura: — Á uma hora e um quarto da tarde.

Acta: — Approvada.

EXPEDIENTE

1.° Uma declaração do sr. Carlos da Maia, de que faltou á sessão de hontem por motivo justificado. — Inteirada.

2.° Um officio do sr. barão do Vallado participando que, por motivos justificados, não tem podido apresentar-se na camara, o que fará logo que lhe seja possivel. — Inteirada.

3.° Do ministerio da guerra, acompanhando 179 exemplares da estatistica criminal do exercito nos annos de 1853 a 1861 inclusivè. — Mandaram-se distribuir.

4.° Do provedor da misericordia de Lisboa, acompanhando 130 exemplares do relatorio e contas d'esta casa no anno de 1863—1864. — Mandaram-se distribuir.

5.° Uma representação da collegiada de S. Martinho de Cedofeita, da cidade do Porto, contra as disposições do projecto de lei n.° 8. — Á commissão de fazenda.

6.° Da misericordia da cidade de Vizeu, no mesmo sentido que a antecedente. — Á mesma commissão.

7.° Dos aspirantes de 2.ª classe da repartição de fazenda do districto de Bragança, pedindo augmento de vencimento. — Á mesma commissão.

8.° Do continuo da repartição de fazenda do districto de Coimbra, pedindo augmento de vencimento. — Á mesma commissão.

9.° Do porteiro e do guarda da escola medico-cirurgica da cidade do Porto, pedindo augmento de ordenados. — Á commissão de instrucção publica, ouvida a de fazenda.

10.° Quatorze requerimentos de officiaes do exercito, pedindo a approvação do projecto de lei apresentado pelo sr. Alcantara. — Á commissão de guerra.

11.° Onze requerimentos de officiaes do exercito, pedindo augmento de soldo, diminuição no tempo de serviço para a reforma e isenção de pagamento de direitos de mercês honorificas. — Á mesma commissão.

12.º Dez requerimentos de officiaes do exercito, pedindo augmento de soldo e diminuição no tempo de serviço para a reforma. — Á mesma commissão.

13.° Quatorze requerimentos de sargentos quarteis mestres, pedindo a extincção da sua classe, podendo concorrer com os primeiros sargentos á promoção do posto de alferes. — Á mesma commissão.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

NOTAS DE INTERPELLAÇÃO

1.ª Pretendo interpellar o illustre ministro das obras publicas, sobre a urgencia que se dá para a classificação das estradas nos districtos dos Açores e Madeira. = Sieuve de Menezes.

2.ª Tendo que interpellar o ex.mo ministro dás obras publicas, sobre a necessidade que ha de mandar fazer reparos na estrada marginal do Douro, em grande parte destruída pelas ultimas chuvas, por isso pretendo que s. ex.ª seja convidado a comparecer n'esta casa em qualquer das proximas sessões.

Pretendo, n'essa mesma occasião, interpellar s. ex.ª, o mesmo ministro, em relação á necessidade que ha de fazer dar maior desenvolvimento aos trabalhos de construcção da referida estrada até á fronteira do reino vizinho, e o do prolongamento da linha telegraphica da Regua á Barca de Alva, estabelecendo-se estações na Pesqueira e Villa Nova de Foscôa.

Pretendo tambem interpellar s. ex.ª, se tenciona mandar continuar a construcção da estrada de Celorico da Beira ao Pocinho, e d'este ponto a Bragança, com a brevidade que reclama esta importante via de communicação. = José Tiberio de Roboredo Sampaio e Mello = Antonio Julio Pinto Ferreira = Jeronymo Barbosa de Abreu e Lima = Julio do Carvalhal Sousa Telles = Affonso Botelho.

Mandaram-se fazer as communicações respectivas.

REQUERIMENTOS

1.° Requeiro que, pela secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, sejam com urgencia remettidos a esta camara todos os documentos do concurso, que teve logar em 14 de janeiro de 1864, para provimento de um officio de tabellionado, vago por fallecimento do tabellião d'esta cidade de Lisboa, José Maria Rodrigues Grillo.

E logo que estes documentos cheguem á camara, desejo ser prevenido da sua vinda, porque pretendo interpellar o respectivo ministro sobre este assumpto. = O deputado, José Antonio Maia.

2.° Requeiro que, pelo ministerio da marinha, se mande a esta camara, com a maior urgencia, copia dos seguintes documentos:

I Da escriptura de cedencia de certos direitos que o estado tem para indemnisar os habitantes de Cabo Verde da importancia de 32:284$812 réis, que figuram no projecto publicado no Diario de 17 d'este mez;

II Da resposta do fiscal, o dr. Levy Maria Jordão, a este respeito;

III Da conta corrente da respectiva commissão de soccorros de Cabo Verde;

IV Do calculo ou conta da despeza que o estado fará annualmente para ter direito ao seguro cedido na alludida escriptura de cedencia. = Sieuve de Menezes.

Foram remettidos ao governo.

SEGUNDAS LEITURAS

PROPOSTA DE LEI N.° 15-PP

Senhores. — As rasões invocadas para annexar o ministerio dos negocios estrangeiros a qualquer dos outros seis que tem um ministro privativo, apresentam na actualidade inconvenientes que não attenua nem justifica a insignificante economia que resulta do disposto no decreto, com força de lei, de 31 de dezembro de 1852.

O restabelecimento pois do logar de ministro e secretario d'estado dos negocios estrangeiros, como existia antes de vigorar o referido decreto, é um acto que se não pôde protrahir sem grave prejuizo para as necessidades do serviço que, tendo augmentado em todos os ministerios, tornam indispensavel esta providencia.

N'estas circumstancias tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É restabelecido o logar de ministro e secretario d'estado dos negocios estrangeiros, como existia antes da promulgação do decreto, com força de lei, de 31 de dezembro de 1852.

Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Presidencia do conselho de ministros, em 20 de fevereiro de 1865. = Duque de Loulé.

Foi enviada á commissão diplomatica, ouvida a de fazenda.

PROPOSTA DE LEI N.° 15-QQ

Senhores. — Tendo o governo de Saxonia Coburgo Gotha proposto ao de Sua Magestade a celebração de uma convenção para se abolir o direito de albinagio e de detracção, entre os dois paizes, e sendo conveniente regular este assumpto por meio de um reciproco accordo, foi nomeado o ministro de Sua Magestade na corte de Berlin para tratar d'esta negociação, sendo-lhe para esse fim transmittidas as necessarias instrucções.

Em 2 de julho do anno findo foi com effeito assignada, em Berlin, pelos respectivos plenipotenciarios a referida convenção, a qual se acha em harmonia com os ajustes já feitos, sobre o assumpto, entre Portugal e a Suecia; e por isso, em conformidade com o disposto no artigo 10.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção entre Portugal e os ducados de Saxonia Coburgo Gotha para a abolição do direito de albinagio, de detracção e outros similhantes, assignada na cidade de Berlin em 2 de julho do anno proximo findo.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 20 de fevereiro de 1865. = Duque de Loulé.

Foi enviada á commissão diplomatica.

PROPOSTA DE LEI N.° 15-RR

Senhores. — Na conformidade do disposto no artigo 10.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, venho hoje apresentar-vos a convenção celebrada na cidade de Genebra, em 22 de agosto do anno findo, entre Portugal, o Grão-Ducado de Baden, a Belgica, Dinamarca, França, Hespanha, Grão-Ducado de Hesse, a Italia os Paizes Baixos, a Prussia, Confederação Suissa e Wurtemberg, a fim de melhorar a sorte dos militares feridos ou doentes durante a campanha.

Por este convenio se estabelece a neutralisação dos feridos e doentes, a do pessoal dos hospitaes, ambulancias e conductas, e se fixam outras disposições tendentes a suavisar quanto possivel os males provenientes da guerra.

Os principios humanitarios consignados n'este convenio internacional, firmado entre doze nações, aos quaes, segundo consta, já adheriram outras e que é de esperar se

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jam abraçados por todas, são mais um testemunho que a historia ha de consagrar á civilisação do seculo actual; e bem certo de que vós assim o haveis de apreciar, tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção celebrada entre Portugal, o Grão-Ducado de Baden, a Belgica, Dinamarca, França, Hespanha, o Grão-Ducado de Hesse, a Italia, os Paizes Baixos, a Prussia, Confederação Suissa e Wurtemberg, e assignada na cidade de Genebra pelos respectivos plenipotenciarios, em 22 de agosto do anno proximo preterito, a fim de suavisar quanto possivel os males da guerra e melhorar a sorte dos militares feridos no campo de batalha.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 20 de fevereiro de 1865. = Duque de Loulé.

Foi enviada á commissão diplomatica.

PROPOSTA DE LEI N.° 15-SS

Senhores. — As leis que actualmente regem a administração publica não estabelecem o direito de aposentação para os empregados que na carreira administrativa se impossibilitam de continuar no serviço do estado, ou por idade provecta, ou por molestias, ou outra impossibilidade physica.

D'esta falta de providencia legislativa resulta que em alguns dos governos civis do reino existam empregados que ha annos não comparecem nas repartições nem prestam serviço, porque estão incapazes disso; mas que são conservados nos quadros apesar dos inconvenientes que d'ahi provém, porque seria uma dureza injustificavel despedir estes servidores do estado, e priva-los dos meios de subsistencia no ultimo quartel da vida, que consumiram no serviço publico.

N'estas circumstancias está o governo civil do Porto. Com um pessoal já pequeno e insufficiente para satisfazer as variadas exigencias do serviço administrativo, figuram ainda assim n'elle um official maior e dois officiaes ordinarios, que não podem prestar serviço ou por molestias, ou por idade provecta.

E porque é mister dar promptamente remedio a esta situação anormal, emquanto uma providencia geral não estabelece regras applicaveis a todos os empregados administrativos em circumstancias identicas, e os funccionarios a que alludi tem todos longos e bons serviços que os tornam dignos da attenção dos poderes publicos, tenho por isso a honra de apresentar-vos a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° São aposentados com o ordenado por inteiro o official maior da secretaria do governo civil do Porto, José Maria Vieira Ribeiro de Castro, e os primeiros officiaes Manuel Joaquim do Outeiro e Ignacio Antonio Marques Paiva Neto.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria do reino, em 20 de fevereiro de 1865. = Duque de Loulé.

Foi enviada á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda.

PROJECTO DE LEI

Senhores. — Partidário da mais plena liberdade religiosa, entendo comtudo que, se é sempre de justiça prover á sustentação dó clero e á dotação do culto, muito mais n'um paiz cuja constituição declara o catholicismo religião do estado.

É injusto que o clero, prestando á igreja e á sociedade um relevante serviço quando comprehende a sua missão, deixe de ser devidamente remunerado, ao passo que todas as outras funcções publicas são mais ou menos recompensadas.

É, sobre injusto, immoral que o culto, essencial á religião, não possa sustentar se pelo menos com decencia, senão com explendor.

Comprehendem-se, sentem-se estas necessidades; todos os annos o sentimento dellas se traduz em promessas; mas nunca estas têem chegado a ter realidades.

Pague-se por uma vez esta divida sagrada, e para este fim, dispensando-me de mais longo relatorio, tenho a honra de vos submetter o seguinte projecto de lei: CAPITULO I

Da dotação do episcopado, cabido e fabricas das cathedraes

SECÇÃO 1.ª

Da reducção das dioceses e cabidos

Artigo 1.° É o governo auctorisado:

1.° A reduzir legalmente as dioceses existentes, harmonisando, quanto possivel, a divisão ecclesiastica com a administrativa e judicial;

2.° A reduzir o numero dos conegos, beneficiados e capellães cantores nos termos d'esta lei;

3.° A fazer estabelecer vigarios geraes com titulos episcopaes in partibus infidelium nas dioceses supprimidas.

SECÇÃO 2.ª

Da dotação do episcopado

Art. 2.° Os prelados perceberão do estado os seguintes vencimentos:

O cardeal patriarcha................... 6:000$000

Os arcebispos.......................... 4:0001000

Os bispos.............................. 3:500$000

Os bispos in partibus.................. 800$000

Os vigarios capitulares ou governadores do bispado... 800$000

§ 1.° O actual cardeal patriarcha continuará a perceber do estado o vencimento que actualmente lhe é fixado por lei.

§ 2.° O arcebispo coadjutor vigario no patriarchado terá o vencimento de 900$000 réis.

Art. 3.° Os rendimentos dos bens das mitras será levado em conta na dotação dos prelados, devendo estes receber do estado sómente a differença (havendo-a) entre esse rendimento e a dotação fixada.

Art. 4.° As aposentações dos prelados serão reguladas nos termos do artigo 23.°

SECÇÃO 3.ª

Da dotação dos cabidos

Art. 5.° Nenhum cabido terá mais de 12 conegos, 8 beneficiados e 6 capellães cantores.

§ unico. Exceptua-se o de Lisboa, que conservará o quadro actual.

Art. 6.° Os vencimentos dos cabidos serão os seguintes:

Dignidades............................. 550$000

Conegos................................ 500$000

Beneficiados........................... 400$000

Capellães-cantores..................... 250$000

§ unico. Em Lisboa, Porto e Madeira a dotação das dignidades será de 750$000 réis, a dos conegos de 700$000 réis, a dos beneficiados de 500$000 réis, e a dos capellães cantores de 300000 réis.

Art. 7.° O rendimento dos bens dos cabidos será levado em conta na dotação dos mesmos cabidos, devendo o estado dar só a differença.

§ unico. Dos bens actuaes dos cabidos o que constitue excesso da dotação fixada no artigo 6.º será applicado á dotação dos outros cabidos que não possuirem bens sufficientes.

SECÇÃO 4.ª

Da dotação das fabricas das cathedraes

Art. 8.° A dotação das fabricas das cathedraes será para cada uma dellas de 500$000 a 800$000 réis, conforme as necessidades do culto.

§ unico. Nas cathedraes de Lisboa e Porto essa dotação poderá ser elevada a 1:000$000 réis.

SECÇÃO 5.ª

Das gratificações ás curias ou relações metropolitanas

Art. 9.° A cada um dos juizes das curias ou relações metropolitanas será abonada a gratificação annual de 100$000 réis em Lisboa, e 80$000 réis nas outras dioceses, quando não sejam conegos ou parochos, ou não percebam outros vencimentos, porque n'esse caso perceberão apenas metade d'essa gratificação.

§ unico. A mesma disposição é applicavel aos promotores.

CAPITULO II

Da dotação do clero e culto parochial

SECÇÃO 1.ª

Da divisão e classificação das parochias

Art. 10.° Feita a divisão parochial, para que o governo está auctorisado pela carta de lei de 4 de junho de 1859, serão as parochias do reino e ilhas adjacentes classificadas, em attenção á sua importancia e população, em quatro classes, comprehendendo:

A 1.ª as das cidades, e as de 1:600 fogos ou mais;

A 2.ª as de 800 ou mais fogos, tendo menos de 1:600;

A 3.ª as de 200 ou mais fogos, tendo menos de 800;

A 4.ª as de menos de 200 fogos.

Art. 11.° Das parochias de 4.ª classe poderão ter a natureza de curatos amoviveis as que o governo, de accordo com os prelados, julgar convenientes.

Art. 12.° A classificação será feita pelo governo, segundo as bases estabelecidas no artigo 10.°

§ unico. Esta classificação não poderá ser alterada sem terem decorrido dez annos, a não ser por disposição de lei; e todas as alterações que de futuro se fizerem, só poderão effectuar-se por periodos decenaes.

SECÇÃO 2.ª

Da dotação dos parochos e coadjutores

Art. 13.° Feita a classificação das parochias, nos termos do artigo 10.°, e ordenado o pagamento da dotação parochial, ficarão desde logo supprimidos e abolidos os direitos de estola, benesses, pé de altar, premidas ou imprimas, bolos, folares ou quaesquer outras da mesma especie, seja qual for a sua denominação, natureza ou procedencia; e bem assim as congruas, derramas ou qualquer outra imposição parochial em generos ou dinheiro recebidos pelos parochos actualmente.

§ unico. Exceptuam-se os emolumentos de cartorio, que continuarão a subsistir nos termos do artigo 21.°

Art. 14.° Os parochos e seus coadjutores prestarão officiosamente e sem retribuição alguma aos fieis todos os serviços que, n'essa qualidade, devem prestar-lhes, e são responsaveis por qualquer omissão ou relaxação no cumprimento officioso de seus deveres.

Art. 15.° Os parochos e seus coadjutores, em compensação do serviço parochial, perceberão do estado a dotação fixada nos artigos seguintes.

Art. 16.° A congrua dos parochos será:

1.° Nas parochias de 1.ª classe 500$000 réis;

2.° Nas de 2.ª classe 400$000 réis;

3.° Nas de 3.ª classe 300$000 réis;

4.° Nas de 4.ª classe 250$000 réis.

§ Único. Em Lisboa, Porto e Funchal perceberão os parochos mais 100$000 réis.

Art. 17.° Nas dotações fixadas nos termos do artigo 16.°, serão levados em conta (havendo-os) os rendimentos de quaesquer bens destinados para a sustentação dos parochos, de modo que estes só venham a receber do estado a differença entre esses rendimentos e as dotações.

§ unico. Para esse fim mandará o governo proceder á avaliação d'esses bens.

Art. 18.° Quando os rendimentos, a que se refere o artigo antecedente, excederem a dotação correspondente á respectiva classe, será o excedente applicado á dotação do coadjutor; e se ainda sobrar alguma cousa, ou não houver coadjutor, pertencerá á fabrica.

§ unico. Esta disposição, na parte em que applica o excesso ás fabricas, é sem prejuizo dos parochos collados ao tempo da publicação d'esta lei.

Art. 19.° Se a extensão do territorio ou outras circumstancias peculiares á parochia obstarem a que o serviço parochial possa regularmente ser desempenhado pelo parocho sem coadjutor, será este (convindo o governo na necessidade) proposto pelo parocho e approvado pelo prelado e pelo governo.

§ unico. Esta disposição não inhibe os parochos, que quizerem ter coadjutores, de os tomarem sem annuencia do governo; mas d'ahi não resultará encargo para o estado, nem para os respectivos parochianos.

Art. 20.° A dotação dos coadjutores será fixada pelo governo, no acto de approvar a sua creação, em quantia não superior a um terço, nem inferior ao quinto da dotação dos respectivos parochos, conforme a importancia do serviço na parochia.

SECÇÃO 3.ª

Dos emolumentos de cartorio

Art. 21.° Ficarão subsistindo em proveito dos parochos os emolumentos de cartorio, pela fórma estabelecida nas tabellas respectivas, que serão organisadas uniformemente pelo governo.

SECÇÃO 4.ª

Das aposentações dos parochos

Art. 22.° Os parochos, tendo completado setenta annos de idade, e estando impossibilitados de exercer o seu ministerio, têem direito á aposentação nos termos seguintes, resignando o beneficio para outro ser n'elle instituido.

1.° Tendo trinta annos ou mais de serviço com a sua dotação por inteiro;

2.° Tendo vinte a trinta annos de serviço com dois terços d'ella;

3.° Tendo dez a vinte annos de serviço com um terço.

§ unico. Para a aposentação será contado sómente o tempo de serviço effectivo como parocho, ou ainda como coadjutor ou encommendado.

Art. 23.° É applicavel ao patriarcha, arcebispos e bispos o disposto no artigo antecedente, devendo contar-se para as suas aposentações o tempo de serviço effectivo que porventura tiverem prestado como parochos ou coadjutores, ou como conegos, beneficiados ou capellães.

§ unico. Se renunciarem ou resignarem antes do tempo fixado para a aposentação, terão apenas direito a uma pensão de 600$000 réis, uma vez que renunciem precedendo licença do governo.

Art. 24.° É igualmente applicavel aos conegos, beneficiados e capellães das sés o disposto no artigo 23.°, devendo tambem contar-se-lhes para as suas aposentações o tempo que tiverem servido n'outros beneficios ecclesiasticos.

SECÇÃO 5.ª

Da perda, suspensão ou reducção da dotação

Art. 25.° Os parochos e coadjutores perderão a dotação sendo condemnados por sentença passada em julgado, na perda de direitos politicos como pena principal ou como consequencia de outra, ou por sentença canonica na privação do beneficio ou em pena que a envolva.

Art. 26.° Ficará reduzida a dois terços a dotação quando, alem de um mez, estiverem impossibilitados de servir por motivo de molestia, salvo quando, nos termos do artigo 22.°, estiverem no caso de ser aposentados, porque então o serão.

§ unico. O outro terço da dotação, sendo a impossibilidade do parocho, pertencerá ao coadjutor (havendo-o), ou ao encommendado; sendo do coadjutor pertencerá a quem interinamente o substituir.

Art. 27.° Ficará reduzida a um terço a dotação dos parochos e coadjutores:

1.° Sendo pronunciados por crime commum no fôro commum, ou por crime canonico no fôro ecclesiastico;

2.° Sendo legalmente suspensos do exercicio de suas funcções por sentença ecclesiastica, não podendo nunca ter este effeito a suspensão ex informata conscientia não admittida pela disciplina da igreja portugueza.

§ unico. Em qualquer das hypotheses os outros dois terços da dotação pertencem no caso do parocho ao respectivo encommendado, salvo sendo este o coadjutor, porque então só receberá um terço, e no caso do coadjutor a quem o substituir.

Art. 28.° Será suspenso o vencimento da dotação ao parocho ou coadjutor que se ausentar da parochia sem licença, e por todo o tempo que durar a ausencia.

Art. 29.°, As disposições d'esta secção são applicaveis aos prelados, conegos, beneficiados e capellães-cantores das sés; ficando sempre salvo com relação aos primeiros o direito do reino sobre temporalidades.

SECÇÃO 6.ª

Das permutas

Art. 30.° As permutas de igrejas parochiaes não serão auctorisadas pelo governo senão dentro de cada classe e em casos marcados em direito.

§ unico. O disposto n'este artigo não inhibe o parocho de concorrer á igreja de outra classe e de ser n'ella apresentado pelo governo.

SECÇÃO 7.ª

Do pagamento da dotação parochial

Art. 31.° A dotação dos parochos e coadjutores, assim como as pensões de aposentação, serão pagas por prestações mensaes nas cabeças dos respectivos concelhos.

SECÇÃO 8.ª

Das isenções da dotação parochial

Art. 32.° A dotação dos parochos e coadjutores, assim como as pensões de aposentação, são isentas:

1.° De todo e qualquer imposto ou deducção;

2.° De penhora, aresto ou embargo;

3.° De pagamento de direitos de mercê e de sêllo.

§ unico. Serão tambem isentos de direitos de mercê e sêllo as encommendações ou provimentos temporarios de parochias ou coadjutorias.

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SECÇÃO 9.ª

Das fabricas das igrejas parochiaes

Art. 33.° As fabricas das igrejas parochiaes, alem de quaesquer rendimentos proprios que lhes pertençam, perceberão os denominados direitos ou emolumentos de fabrica, os quaes serão regulados por uma tabella feita pelo governo, e graduados segundo a maior ou menor pompa com que forem exercidos os actos parochiaes, e o logar do seu exercicio.

§ 1.° Não poderão os parochos, sob qualquer pretexto eximir-se ao exercicio dos actos parochiaes pela fórma que lhes for requerida, segundo o estabelecido na mesma tabella.

§ 2.° Os pobres são isentos do pagamento dos direitos de fabrica, sendo reconhecidos como taes pelo parocho ou pela auctoridade administrativa parochial.

Art. 34.° Quando as fabricas não tiverem rendimentos sufficientes para a sustentação do culto, prover-se-ha a essa necessidade:

1.° Por uma verba annual fornecida pelo governo, não inferior a 50$000 réis, nem superior a 150$000 réis, conforme as necessidades da igreja;

2.° Por uma verba annual fornecida pela respectiva camara municipal, não inferior a 4$000 réis, nem superior a 1$200 réis por cada parochia do concelho, devendo esta verba ser considerada despeza obrigatoria do concelho;

3.° Por uma verba da mesma importancia fornecida por cada uma das irmandades existentes na parochia, salvo pela que for fabriqueira.

Art. 35.° As fabricas pertence, alem das despezas geraes a que são obrigadas, o fornecimento dos livros, rubricas e mais despezas necessarias para o registo parochial.

Art. 36.° Ao parocho pertence exclusivamente a administração interna do templo, no que for relativo ao exercicio do culto, assim como o emprego dos utensilios e adornos pertencentes ás fabricas, e que forem necessarios para esse exercicio.

Art. 37.° O parocho é obrigado a manter no exercicio do culto o aceio e decencia conveniente, e a administração da fabrica a prestar-lhe os meios necessarios, em harmonia com o seu orçamento e recursos de que dispozer.

CAPITULO III

Do fundo da dotação do culto e clero

Art. 38.° São applicados exclusivamente á dotação do clero:

1.° Todos os bens das freiras e mais religiosas, á medida que os respectivos conventos forem sendo extinctos;

2.° Todos os bens das irmandades ou confrarias que, nos termos do direito, houverem de ser extinctas.

Art. 39.° As sommas necessarias para complemento da dotação do clero, depois de para ella applicados tanto os bens que hoje tem esse destino, como os declarados no artigo antecedente, serão encorporadas proporcionalmente nas contribuições predial, industrial e pessoal, e cobradas conjunctamente com ellas, entrando nos cofres publicos como receita geral do estado.

CAPITULO IV

Disposições finaes

Art. 40.° A sustentação dos seminarios continuará a ser feita pelo rendimento dos proprios e pelo producto da bulla da cruzada.

Art. 41.º É auctorisado o governo a ir applicando esta lei por dioceses ou districtos administrativos.

Art. 42.° Fica revogada a legislação em contrario.

Lisboa, 20 de fevereiro de 1865. = Levy Maria Jordão.

Foi admittido, e enviado á commissão ecclesiastica, ouvida a de fazenda.

PROJECTO DE LEI

Senhores. — As villas de Chão de Couce, Maçãs de D. Maria, Pousa Flores, Aguda e Avellar, que até 1834 formavam a comarca chamada das cinco villas, passaram depois com a villa da Arega a constituir os dois concelhos de Chão de Couce e Maçãs de D. Maria, os quaes por decreto de 24 de outubro de 1855 foram unidos ao antigo concelho de Figueiró dos Vinhos.

Contra esta annexação têem constantemente reclamado os povos dos extinctos concelhos, sendo a primeira representação apresentada a esta camara em 24 de maio de 1856, a segunda e terceira em 29 de abril de 1857, e a quarta em 1859, o que tudo levou o deputado Fernando Luiz Mousinho de Albuquerque a apresentar no mesmo sentido um projecto de lei em 1860.

Emfim o proprio governador civil de Leiria, no ultimo relatorio a junta geral, propoz tambem a desannexação d'aquelles dois concelhos do de Figueiró para formarem e constituirem um só.

Por estes fundamentos:

Considerando que os extinctos concelhos de Chão de Couce e Maçãs de D. Maria têem mais de 2:000 fogos, e perto de 10:000 habitantes;

Considerando que estão separados por grande distancia e pessimos caminhos da cabeça do concelho de Figueiró a que os annexaram;

Considerando que se promptificam a fazer cadeia e paços do concelho', como consta de suas reclamações:

Ha de parecer de justiça o seguinte projecto de lei, que tenho a honra de submetter á vossa consideração:

Artigo 1.° São desannexados do concelho de Figueiró dos Vinhos os dois extinctos concelhos de Chão de Couce e Maçãs de D. Maria, e ficarão ambos constituindo um só concelho, cuja sede será em Chão de Couce.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Lisboa, 20 de fevereiro de 1865. = Levy Maria Jordão.

Foi admittido e enviado á commissão de estatistica. PROPOSTA

1.ª Renovo a iniciativa do projecto n.° 13-A, da sessão de 1860 a 1861 sobre a creação de uma comarca no julgado, da Praia da Victoria da ilha Terceira. = Sieuve de Menezes.

Foi admittida e enviada á commissão de legislação, ouvida a de fazenda.

2.ª Renovo a iniciativa do projecto n.° 13-B, da sessão de 1860 a 1861 sobre o pagamento em praso a letras dos direitos cobrados nas alfandegas dos Açores e Madeira. = Sieuve de Menezes.

Foi admittida e enviada á commissão de fazenda. 3.ª Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 73, de 1862, que tem por fim fazer extensivas as disposições da carta de lei de 11 de fevereiro do mesmo anno aos officiaes que, servindo no exercito libertador, pediram a sua demissão logo que terminaram as campanhas da liberdade; e offereço junto o mesmo projecto. = Julio do Carvalhal Sousa Telles.

Foi admittida e enviada á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

O sr. F. M. da Costa: — Mando para a mesa uma proposta renovando a iniciativa de um projecto de lei.

Aproveito a occasião para enviar tambem um requerimento do coronel João Pinto de Sousa Montenegro, em que pede melhoramento de reforma; e um outro do tenente de cavallaria n.° 2, José Lourenço Franco de Matos, em que pede se lhe conte a antiguidade de alferes desde 6 de novembro de 1846.

O sr. Ricardo Guimarães: — Mando para a mesa quinze requerimentos, sendo cinco de officiaes de caçadores n.° 8, sete dos officiaes de infanteria n.° 11, e tres dos ajudantes das praças de Almeida, Lagos e Marvão, em que pedem a approvação do projecto apresentado pelo sr. Alcantara. Peço a v. ex.ª que lhes dê o destino competente.

O sr. Pinto de Magalhães (Antonio): — Mando para a mesa, para que v. ex.ª se digne dar-lhe o destino competente, o requerimento de Antonio Maria Campello, primeiro official da secretaria dos negocios do ultramar, e actualmente servindo de secretario do gabinete do ministro, em que pede a esta camara haja de resolver, em vista do decreto de 30 de dezembro de 1836 e outros que cita no seu requerimento, se está ou não sujeito ao pagamento de direitos de mercê, pela gratificação que lhe compete por esta commissão. Como á camara dos senhores deputados é que compete a interpretação das leis, o requerente recorre a ella, para que haja de resolver esta questão.

Peço portanto a v. ex.ª que mande este requerimento com urgencia á respectiva commissão, porque ha outros empregados em iguaes circumstancias, a quem se exige tambem o pagamento de direitos de mercê por commissões que elles exercem temporariamente, commissões que podem durar seis, oito ou dez dias.

O sr. Aragão Mascarenhas: — Mando para a mesa o seguinte requerimento (leu).

Desejava fazer algumas perguntas ao sr. ministro do reino, sobre o estado da administração municipal em Setubal, e sobre a contabilidade da camara municipal da mesma cidade, e sinto que s. ex.ª nunca esteja presente antes da ordem do dia, para lhe poder dirigir estas perguntas.

Consta-me, não sei se é verdade, que a cidade de Setubal está ás escuras; que a companhia deixou de fornecer gaz para a illuminação da cidade; que a camara municipal se apoderara judicialmente da fabrica do gaz e começára a fornecer illuminação á cidade. Consta-me mais, que por uma portaria do ministerio do reino se estranhára á camara o seu procedimento, e se mandou entregar á companhia a fabrica.

Não sei se isto é verdade; se é, é muito estranhavel que, pelo ministerio do reino, se ordenasse a annullação de um acto do poder judicial. Não sei o que ha de verdade, e por isso desejava a presença do sr. ministro do reino, para lhe fazer algumas perguntas sobre este objecto.

Como s. ex.ª não está presente, limito-me a mandar simplesmente o meu requerimento para a mesa.

O sr. Faria Barbosa: — Pedi a palavra: primeiramente, para cumprir um dever, qual é o de participar á camara que a minha demora foi motivada pela falta de saude, e nunca por menos consideração e respeito devido á camara.

Em segundo logar, é para mandar para a mesa os seguintes requerimentos, dirigidos ao ministerio da fazenda (leu).

O sr. Fernandes Vaz: — Mando para a mesa uma representação do continuo da repartição de fazenda do districto da Guarda, em que pede augmento de ordenado, isto é, perceber 150$000 réis em logar de 100$000 réis.

Este empregado está hoje exercendo as funcções de continuo e porteiro, funcções que no governo civil são distribuidas por dois empregados, e mesmo porque o pequeno ordenado, que actualmente vence, não é compativel com o augmento das subsistencias e com a decencia com que precisa apresentar-se.

Peço a v. ex.ª queira enviar esta representação á commissão de petições, para dar sobre ella o seu parecer.

O sr. Annibal: — Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de me inscrever para quando tiver logar a interpellação annunciada ao nobre ministro do reino, pelo sr. deputado Aragão Mascarenhas, com referencia á empreza de illuminação a gaz na cidade de Setubal, porque sendo eu o presidente da camara d'aquella cidade, e estando ao facto das occorrencias que tiveram logar sobre este objecto, desejo dar por essa occasião á camara as informações que estou habilitado a dar.

O sr. Barros e Cunha: — O sr. ministro das obras publicas não está presente, mas não é indispensavel a sua presença para aquillo que vou dizer.

Acha-se approvada a 5.ª secção da estrada de Loures a Torres Vedras, que é entre o Torcifal e as Barras, e como essa estrada tem dotação sufficiente e o tempo permitte agora que possa trabalhar n'ella maior numero de operarios, pedia a s. ex.ª, e espero que isto lhe conste pelo Diario, que queira mandar quanto antes proceder á conclusão d'esta secção.

Nada mais digo por agora.

O sr. Pinto Coelho: — Mando para a mesa as seguintes representações contra o projecto n.° 8, que está em ordem do dia: do juiz e irmãos da confraria do Santissimo Sacramento, da freguezia da Palmeira; da irmandade de S. Sebastião, da mesma freguezia; da irmandade do Bom Jesus dos Passos, de Santa Cruz e de Sant'Anna; da real casa da misericordia e hospital de S. Marcos; todas da cidade de Braga.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO, NA ESPECIALIDADE, DO PROJECTO DE LEI N.° 8

O sr. Ayres de Gouveia:. — Não entrei até agora na discussão d'este importante projecto da desamortisação porque, sendo membro da commissão, concordei com todas as doutrinas n'elle expendidas, menos n'um dos §§ do artigo 6.°, que está actualmente em discussão. É o motivo d'esta minha discordancia que venho agora a explicar.

Se rasões simplesmente locaes actuassem sobre o meu voto, eu teria por certo de votar contra o artigo 6.°, na parte em que se refere aos municipios, hospitaes, misericordias e outros estabelecimentos pios ou de beneficencia.

Se ha terra no paiz aonde estes respeitaveis estabelecimentos sejam zelosamente administrados, é de certo na cidade que tenho a honra de representar perante esta camara. Ali o municipio, os hospitaes e a misericordia são religiosa e exemplarissimamente administrados (apoiados). Posso discordar da opinião politica de alguns d'esses dignos administradores sem nunca desavaliar os seus muitos meritos sociaes. Mas considerações de outra ordem e mais de uma vez apresentadas pelos illustres oradores, que têem entrado n'este amplo debate, me fazem votar pelo projecto como está. Venhamos porém ás rasões do discordar.

A minha primeira duvida, em relação ao artigo que se discute, existe no n.° 1.° do § 1.°

Começo por não entender bem a latitude d'este numero, e desejo que o illustre relator, no caso de querer e estar presente, me explique a amplitude d'elle.

O n.° 1.° do artigo 1.° diz: «Os terrenos baldios, que constituem logradouro commum dos municipios e parochias, continuando a subsistir a seu respeito a legislação em vigor».

A minha primeira duvida, repito, está na phrase = os terrenos baldios, que constituem logradouro commum =. Porventura ha no paiz terrenos baldios que não constituam logradouro commum? E esses terrenos ficam por esta lei desamortisados e hão de ser vendidos em hasta publica? Se tal é a opinião do illustre relator, desde já declaro que voto contra essa venda. Eu quero que esses terrenos sejam aforados em sortes o não vendidos assim em globo.

Em segundo logar, diz o projecto: «Os terrenos baldios que constituem logradouro commum dos municipios e parochias...»

Ora ha terrenos d'esta natureza que constituem logradouro commum, não dos municipios e parochias, mas directamente dos moradores e povoadores do varios logares. Estes terrenos estão dentro do n.° 1.° do § 1.°? E desamortisam-se da mesma maneira que os outros bens? O silencio do projecto faz-me prever que se teve isso em vista, mas não posso perceber a causal de similhante differença.

Em terceiro logar, n'estes mesmos terrenos baldios, a que o projecto se refere, encerram-se todas as coutadas, marinhas e herdades do Alemtejo, que em certa parte são divididas pelas camaras municipaes aos moradores? (Um áparte que não se ouviu.)

O Orador: Não sei se encerram ou não. Em todo o caso eu desejo que esta materia dos terrenos baldios, de qualquer natureza que sejam, as praias do mar, as matas, as coutadas, as herdades, os montados, os maninhos, os logradouros communs, etc... todos os terrenos mais ou menos productivos e incultos, que estão fóra do commercio, sejam reduzidos á cultura, e que esta camara considere estes graves assumptos em toda a sua extensão e importancia. Proponho portanto o seguinte (leu). Antes de tratarmos da abolição dos vinculos, antes de tratarmos de desamortisar os bens dos conventos, antes de tratarmos dos bens das corporações de mão morta, dos municipios, irmandades, confrarias e dos mais terrenos que já produziam, e que mais ou menos directamente estavam no commercio, deviamos, no meu entender, tratar d'esta grande parte de terrenos que ha em todo o paiz, e que não produzem nada; que a titulo de logradouros communs, que ninguem logra, são antes uma logração commum que nos logra a todos.

Mettamos n'estes terrenos a relha do arado e façamo-los produzir, levemos a civilisação e cultura aonde existe apenas mato ou a terrenos completamente incultos.

Não é um pedido que faço, não é uma simples idéa minha que apresento á consideração da camara; esta convicção acha-se hoje no animo de todos os que meditam solicitamente no progresso da nossa agricultura, e em mais de uma das mais illustradas juntas geraes de districto; ainda outro dia a junta geral do districto de Aveiro pediu isto mesmo, e aqui tenho diante de mim o excellente relatorio que a junta geral do districto do Porto fez subir á presença de Sua Magestade, que peço perdão para ler, onde se diz o seguinte:

«Esta junta geral tem a honra de se congratular com Vossa Magestade pela extincção dos vinculos, impermeáveis ao credito e incapazes de todo o melhoramento. As terras, agora livres, poderão mudar de senhor, procurando outro que as trate melhor. Sairão da mão do prodigo pela venda voluntaria ou pela execução, e tornar-se-hão mais producti-

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vas na posse do agricultor. A extincção dos vinculos assignala uma epocha nova na historia economica do paiz.

«Agora é mister caír sobre o baldio. Por causa d'elle ainda está inculta a maior parte da provincia do Minho, com ser a mais cultivada de Portugal. Tem este districto não menos de 235:000 hectares, dos quaes apenas 36:000 ou 37:000 estarão empregados em cereaes e legumes, a julgar pelas sementes que as diversas camaras em 1861 diziam necessarias para as culturas annuaes. É menos da sexta parte. É verdade que o resto não jaz todo por cultivar. Extensões consideraveis têem pinhaes e matos semeados, mas uma parte muito maior está visivelmente sem cultura nenhuma.

«Tal estado é calamitoso e requer providencia.

«Não queremos que o legislador venha lavrar-nos a terra; pedimos-lhe apenas que no-la deixe aproveitar.

«Deixará, se revogar a lei ou leis que tributam os aforamentos.

«Ha quem falle contra os aforamentos, e ainda ha mais quem defenda os baldios. A favor d'estes dizem que são bons para darem mato e apascentarem o gado.

«Todavia, não ha pratico intelligente que não saiba que o mato em terreno aberto gasta cinco e seis annos para chegar ao estado roçadouro, ao passo que tapado não gasta senão tres, e sendo semeado apenas dois, dando então muito maior abundancia. Logo, deixem vidar e semear, e ahi têem duplicada e triplicada a sua riqueza.

«Quanto aos pastos, para refutar o argumento basta olhar para o concelho da Maia, um dos bons concelhos pecuarios de Portugal, apesar da sua pequena area (8:000 a 10:000 hectares), no qual, se exceptuarmos duas ou tres freguezias do nascente, apenas haverá um metro de terreno baldio. A maior parte da sua superficie está occupada com pinhaes e matos cultivados.»

Não tenho por ora a acrescentar nada a esta lucida e profunda opinião, e limito-me a declarar que combato a existencia dos baldios como nociva ao progresso da agricultura.

É sabido de todos que, não obstante o grande melhoramento e progresso da nossa industria, nós não somos um paiz manufactor e fabril, mas sim um paiz essencialmente agricola (apoiados).

Voltemo-nos pois para a agricultura; é este o meu pedido. Não apresento uma lei para que se reforme desde já, para que se desamortise de todo o baldio, mas peço á camara que considere este assumpto na sua profunda gravidade. Não é uma lei que possa taxar-se de um expediente financeiro o que proponho, mas é um pensamento franco e sincero de cuidar com desvêlo do engrandecimento agrario da nossa terra.

Reduzamos o baldio á cultura, façamos com que elle entre no commercio, e que se dê a propriedade d'elle a quem o cultive e trabalhe seriamente, e os baldios darão só em impostos mais e muito mais do que hoje dão em todos os seus productos; darão convertidos em matas, por exemplo, em lenhas, em desbastes, em podas mais e muito mais do que hoje dá o mato que se rossa, ficando sempre a grande riqueza de boas matas. Estamos a toda a hora queixando-nos da fugida dos nossos braços mais válidos para o Brazil, para os grandes tratos de terra que a America do Sul offerece a explorar; braços que podiamos ter no nosso paiz a cultivar o nosso solo, e não buscamos por este meio evitar essa emigração fazendo que elles convirjam todos para o trabalho das nossas terras.

Eu creio que a minha moção de ordem não é d'aquellas que têem de ir á commissão, e que affectam essencialmente o projecto apresentado; é uma proposta que a camara póde de prompto resolver; se julga que os baldios não devem ser considerados e devem continuar a existir como actualmente existem, rejeita-a; se julga que póde fazer com os baldios uma boa parte da sua gloria, como a camara passada fez á extincção dos vinculos, approva-a.

Não emitto a minha opinião sobre as bases em que devem modificar-se os baldios, deixo isso completamente á commissão; mas digo que é grave o assumpto e que é digno de ser tratado por esta illustrada camara. Para então, no caso da commissão ser nomeada e a proposta discutida, reservo as considerações que agora seriam talvez impertinentes em meio da presente discussão. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

A proposta é a seguinte:

PROPOSTA

Proponho que esta camara eleja uma commissão especial para apresentar um projecto de reforma de toda a legislação de baldios, maninhos, praias do mar e logradouros communs, a fim de que todos esses vastos terrenos incultos possam convenientemente aproveitar-se e entrar no commercio. = Dr. Ayres, deputado pelo Porto.

Foi admittida.

O sr. Luciano de Castro: — Eu não sei a ordem que v. ex.ª quererá seguir na discussão, mas parece-me que esta proposta não póde seguir o mesmo caminho que têem seguido as outras apresentadas.

Parece-me que a proposta do sr. Ayres de Gouveia póde ser considerada pela camara, mas julgo que seria melhor que a camara approvasse o § 1.° do artigo 6.°, em que são exceptuados os terrenos baldios, que constituem logradouro commum dos municipios e parochias, continuando a existir a legislação em vigor.

O sr. Ayres de Gouveia propõe a nomeação de uma commissão especial para reformar este ramo de legislação, mas seria muito conveniente que o § 1.° do artigo 6.° fosse approvado, antes de qualquer deliberação da camara, parecendo-me que a camara póde tomar em consideração a proposta, no seu logar competente, sem comtudo prejudicar a discussão d'este projecto.

V. ex.ª fará o que entender melhor, mas o que eu supponho é que a proposta do sr. Ayres de Gouveia deve ser tomada em consideração separadamente da parte do projecto, porque diz respeito a um assumpto inteiramente differente.

Agora responderei a duas perguntas que me dirigiu o sr. Ayres de Gouveia.

Emquanto á extensão que tem o § 1.° do artigo 6.°, devo dizer que não são comprehendidos na disposição d'esta lei os baldios, que constituem logradouro commum dos municipios e parochias, e é claro que a commissão se refere unicamente aos baldios que estiverem n'este caso, porque ha baldios que são dos municipios e parochias, e logradouros communs; a commissão refere-se aquelles baldios que constituem logradouro commum, porque os outros são comprehendidos na desamortisação.

Emquanto aos baldios, que s. ex.ª disse serem propriedade particular de algum povoadores ou moradores, responderei que elles não constituem propriedade de nenhuma das corporações a que se refere o artigo 6.° d'esta lei; não estão comprehendidas portanto na desamortisação essas propriedades particulares, e não podem ser incluidas na proposta de lei de que se trata.

Emquanto ás coutadas, declaro francamente a v. ex.ª que não sei bem o que esta palavra significa na actual organisação economica do paiz. Tenho ouvido differentes explicações a alguns illustres deputados; mas reservo-me, para quando se tratar da proposta mandada para a mesa pelo sr. D. José de Alarcão, a este respeito, e que talvez seja hoje á noite, receber dos meus amigos da commissão, que tiverem conhecimento d'esta materia, explicações que habilitem, a commissão a tomar uma resolução segura a este respeito, sabendo-se se a palavra coutada tem ou não alguma analogia com os baldios, que constituem logradouro commum e que eram das parochias ou concelhos.

Emquanto ás praias, a que s. ex.ª se referiu, parece-me que o illustre deputado labora n'um equivoco. As praias de mar não podem ser sujeitas á desamortisação, porque não estão no mesmo caso das propriedades a que se refere o artigo 6.°, são propriedades nacionaes.

Torno a renovar o pedido, que hontem fiz a v. ex.ª n'uma proposta, para que os srs. deputados hajam de mandar para a mesa as suas propostas, a fim de se tomar uma resolução sobre ellas.

Agora a proposta mandada para a mesa pelo sr. Ayres de Gouveia...

O sr. Lavado de Brito: — Se está em discussão a proposta, peço a palavra.

O sr. Presidente: — Esta discussão corre alguma cousa confusa.

Foi hontem approvada a proposta do sr. José Luciano, para se convidarem os srs. deputados a mandarem para a mesa todas as emendas que tenham a offerecer aos diversos artigos d'este projecto, para irem á commissão. Em consequencia d'esta proposta ser approvada, alguns srs. deputados têem apresentado emendas ao artigo 6.°, não fallando nos artigos 3.°, 4.° e 5.°, nem deixando votar o artigo 2.°, que é o que estava em discussão; porque tambem decidiu a camara que todos aquelles, a que os srs. deputados mandassem emendas, ficassem adiados para depois da commissão dar o seu parecer (apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Agora o sr. Ayres de Gouveia mandou para a mesa uma proposta, que foi admittida á discussão, para se nomear uma commissão especial, e eu não posso deixar de a submetter a uma votação da camara, mesmo porque não tem connexão immediata com o artigo em discussão; póde a camara approvar o § 1.° do artigo 6.°, e póde tambem approvar a proposta do sr. Ayres de Gouveia, que uma cousa não prejudica a outra.

O sr. Luciano de Castro: — O que me parecia mais conveniente era não se tratar agora da proposta do sr. Ayres de Gouveia, para não a confundir com a discussão do projecto.

O sr. Presidente: — Se a camara consente fica esta proposta para segunda leitura (apoiados).

Continua pois a discussão do projecto.

O sr. Alves do Rio: — Cumprindo o regimento começo por ler a minha moção de ordem (leu).

Desde que a camara deliberou hontem que a sessão de hoje fosse destinada para a apresentação das propostas que tivessem a offerecer-se a este projecto, entendo que servirá tambem de muito, para esclarecer as illustres commissões, as representações que em numero valioso foram remettidas á camara transacta sobre este mesmo assumpto.

Creio que esta lembrança teve iniciativa na misericordia de Evora; rasão mais forte que me obrigou a tomar esta resolução; e depois foi este exemplo seguido por outras misericordias.

Estas representações foram remettidas alternadamente ás commissões de fazenda e de administração publica. Dou estes esclarecimentos para que melhor se saiba aonde se hão de ir buscar.

Entendo que este meu requerimento não precisa de discussão da camara; basta só que a mesa faça esta recommendação á secretaria. O que julgo em todo o caso indispensavel é que estas representações vão ás commissões reunidas, para mais facilitar o seu exame.

A minha proposta vae tambem assignada pelos srs. Coelho do Amaral e D. José de Alarcão.

Leu-se na mesa e é a seguinte:

PROPOSTA

Proponho que sejam mandadas com urgencia ás commissões collaboradoras do projecto de lei sobre desamortisação todas as representações dirigidas pelas misericordias do reino a esta camara, na legislatura passada, tendentes a que na lei que se confeccionasse sobre este assumpto fosse

consignada a disposição de ficar ao arbitrio das respectivas administrações inverter os valores provenientes da desamortisação, ou em inscripções ou em contratos de mutuo celebrados com todas as cautelas estabelecidas nas leis. = Manuel Alves do Rio = D. José Manuel de Menezes de Alarcão = Bernardo Coelho do Amaral.

O sr. Presidente: — Não ha difficuldade nenhuma em que a mesa mande que pela secretaria estas representações sejam enviadas ás commissões, sem ser preciso para isso resolução da camara.

O sr. Aragão Mascarenhas: — Mando para a mesa a seguinte proposta (leu).

Esta discussão vae já longa, e no decurso do debate tem-se dito tudo quanto é possivel dizer-se sobre a materia. Eu podia apresentar a minha proposta e desacompanha-la de considerações. Mas como esta parte da materia é a que tem sido mais questionada; e como me coube a honra de abrir a discussão nesta camara; como fui eu que levantei esta questão, não devo deixar de fundamentar a minha proposta, o que farei em poucas palavras.

Quando pela primeira vez pedi a palavra sobre esta materia, ergui a minha voz, fraca como é, em favor das misericordias e hospitaes. Perguntei ao sr. ministro do reino que dados estatisticos tinha s. ex.ª colligido, que informações tinha alcançado, quaes eram os rendimentos d'estes estabelecimentos, qual era o seu estado de administração, e se esta administração era boa ou má, prospera ou decadente; se s. ex.ª tinha chegado ao convencimento de que não tinha meio de fazer administrar os bens das misericordias senão tirando-lhes a terra e dando-lhes papel.

O sr. presidente do conselho levantou-se e respondeu-me: «O governo não precisou de grandes investigações para propor esta lei; o governo viu que a desamortisação dos bens das freiras tinha sido boa, e applicou-a ás misericordias e hospitaes».

Eu pasmei quando ouvi dizer ao sr. ministro do reino que = o governo não tinha precisado de investigações para dar este golpe fatal n'estes estabelecimentos! = Pasmei e corei pelo meu paiz, quando vi que o governo se apresentava n'esta camara tratando com tal leveza medida tão importante, dizendo que = assim como se tinha applicado esta medida aos bens das freiras, se applicava tambem ás misericordias e hospitaes =. Isto será tudo, mas não é serio, não é governar, não é esta a maneira por que o governo se devia apresentar n'uma questão d'esta ordem, diante da representação nacional.

Os hospitaes e misericordias são em geral bem administrados. As pessoas mais honradas e intelligentes de cada localidade tomam parte na gerencia d'estes estabelecimentos.

(Interrupção de um sr. deputado que não se ouviu.)

O Orador: — O illustre deputado póde pedir a palavra e usar d'ella quando lhe competir, mas eu não costumo nunca interromper ninguem.

Esta é a minha opinião; eu já tive occasião de praticamente conhecer a administração de muitos hospitaes e misericordias, e achei que em geral são os homens mais capazes e abastados de cada localidade os que exercem a administração d'estes estabelecimentos, e muitas vezes quando escasseiam os meios de occorrer ás despezas os seus administradores fazem lhes adiantamentos do seu proprio dinheiro.

Isto é o que eu em geral tenho observado, isto é o que tenho visto praticado na maior parte das terras que conheço. E quando, como auctoridade administrativa, procurei melhorar o estado de administração de algum d'estes estabelecimentos, nunca encontrei resistencias, antes fui zelosamente coadjuvado pelas administrações das misericordias, e applaudido pelas povoações onde ellas se achavam estabelecidas.

Ao governo incumbia provar o contrario do que deixo dito, e convencer da necessidade da medida, e não se limitar ás rasões que deu aqui o sr. presidente do conselho.

Mas supponhamos nós que ha misericordias mal administradas, que ha hospitaes mal administrados, de quem é a culpa? Não estão esses estabelecimentos debaixo da tutela do governo, e as suas administrações não têem de formular orçamentos e de prestar contas? E não é o governo e os seus agentes que approvam e rejeitam as suas contas e orçamentos? Não está o governo, pelo codigo administrativo, auctorisado a dissolver as administrações d'estes estabelecimentos quando ellas não marchem convenientemente? Não tem o governo a faculdade de nomear commissões da sua liberrima escolha para melhorar a administração de um hospital onde se notaram abusos?

Portanto não se lancem suspeitas de má administração sobre estes estabelecimentos, quando aquelles que as lançam são os proprios que, pelo seu desleixo, têem dado causa a ella.

O sr. presidente do conselho falla pouco é verdade, mas n'esse dia apartou-se um pouco do seu systema, e foi fallar de mais. S. ex.ª quasi sempre é mais forte pelo que cala do que pelo que diz, mas n'esse dia estava em veia de fallar.

Eu tinha dito — se ás camaras municipaes, por falta de pagamento de juros das inscripções, faltassem no futuro meios de occorrer ás suas despezas, as camaras municipaes tinham na sua propria organisação meios faceis e promptos para occorrer a essas despezas, lançando tributos; por exemplo, uma percentagem sobre as decimas, ou tributos sobre consumo. Mas o que disse o sr. presidente do conselho, e o que me respondeu? Disse: «Não sei que haja differença nenhuma entre administração das camaras municipaes, misericordias e hospitaes; não sei que as camaras municipaes (formaes palavras de s. ex.ª) tenham alguma varinha de condão para crearem recursos de prompto, que não possam crear as misericordias e hospitaes».

Custa ouvir dizer isto ao sr. ministro do reino, e ter que

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lhe recordar que existe um livro chamado codigo administrativo. A varinha de condão é o codigo administrativo que s. ex.ª deve conhecer, pelo qual as camaras municipaes têem todos os meios de realisar os recursos de que carecem para as despezas necessarias.

Depois s. ex.ª disse que = se era mau com relação aos hospitaes e misericordias o projecto em discussão, era mau com relação a todos os estabelecimentos; que isto era uma questão de fé e confiança no futuro; quem tinha fé e confiança votava o projecto; quem não tinha, rejeitava-o =.

N'esta parte respondeu s. ex.ª com seriedade, deu uma rasão que podia dar-se.

Eu aceito completamento a questão n'este terreno.

Fé e confiança no futuro!

Eu tambem, como já aqui disse, faço votos pela prosperidade do meu paiz; supponho que a prosperidade do paiz ha de ser sempre crescente, desejo isso do coração; porém não tenho fé em que ella exista sempre, nenhum homem a póde ter, porque é impossivel que a tenha; o que póde ter é esperança e desejo; mas fé e crença inabalavel de que o que hoje é ha de ser amanha, ha de ser d'aqui a dois mezes, a um anno, a um seculo, não a tem ninguem, não a póde ter; nenhum dos que me ouve póde dizer — tenho eu.

Os accidents que passam sobre as sociedades são tão variados, dependem tão pouco da previsão humana, que não ha ninguem no mundo que diga que o credito que hoje existe ha de existir ámanhã, que o papel que hoje vale dez ha de ámanhã valer o mesmo.

Disse o meu illustre collega, que se senta d'aquelle lado da camara, cujos talentos todos nós temos applaudido e saudado como um novo ornamento d'esta casa, como uma nova esperança para a patria, que = era quasi um crime levantar aqui uma voz do desalento a respeito do credito nacional! =

Entendo que a minha missão aqui é a verdade; é dizer o que tenho na consciencia para o bem do paiz, e mesmo apontar as feridas onde ellas estiverem, para que os poderes publicos acudam com o remedio; não é cantar um hymno permanente á prosperidade publica, é apontar as causas que podem fazer decair essa prosperidade; entendo que tenho obrigação de fallar em favor do credito publico, mas que não tenho menos obrigação de apontar os desvarios e os abusos que se opponham ao desenvolvimento do mesmo credito.

Portanto entendo que não commetto uma falta para com o mandato que tenho aqui; entendo que cumpro o meu dever quando digo, com relação ao futuro longinquo, que tenho falta de crença, como o hão de ter todos os homens que conhecem a historia.

Parece-me que ha uma inversão de idéas, fallando-se do credito como grande alavanca economica do nosso seculo, apresentando-o como a origem da prosperidade publica, quando elle me parece que não é senão resultado d'essa prosperidade. O credito ajuda e auxilia o desenvolvimento da riqueza nacional, mas como não cria capitães o sómente augmenta a intensidade e a acção dos capitães já existentes, é mais effeito do que causa de prosperidade publica. Se um paiz estiver em boas condições administrativas e economicas, tem credito. Se estiver em condições oppostas, não o tem.

O credito é uma cousa excellente, mas tem limites. Reconhecem-n'o todos os economistas, e recommendam todos que é preciso não abusar d'elle; o credito tem um limite natural, é aquelle que aggrava o tributo até alem do ponto onde o tributo póde ir. N'esta questão ha sempre, como dizia Frederico Bastiat, o que se vê e o que se não vê; o que se vê é a facilidade de levar á praça vim pedaço de papel e no dia seguinte por meio d'esse pedaço de papel fazer estradas, canaes, caminhos de ferro; mas o que se não vê são as lagrimas do pobre, os vexames que soffre o contribuinte, vexames de toda a especie, que são as consequencias do tributo aggravado que vem atrás da emissão.

Desenganemo-nos. Por mais que se não falle em novos tributos, todas as vezes que o governo é auctorisado a emittir titulos de divida publica, o governo ha de lançar outros tantos tributos sobre o paiz, porque a emissão de um pouco de papel é a derrama de um tributo. E isto ha de necessariamente ser assim, a não se suppor que se vão pagando os juros de novas emissões com outras novas; mas isto sabe a camara que é o caminho de uma cousa, cujo nome eu não quero pronunciar n'esta casa.

Portanto é preciso apreciar o credito tal como elle é economicamente. É preciso não levantar um hymno ao credito, e é preciso reconhecer que elle, assim como é um grande beneficio, póde ser tambem uma grande causa para o mal e para a decadencia.

Este projecto apresenta-se como um projecto altamente economico, como um projecto unicamente de liberdade da terra, como um projecto de prosperidade agricola. O projecto póde ser tudo isto, póde dar todos estes resultados, mas o que se quer com este projecto vê-se claramente.

A este projecto até o nome se inverteu. O projecto não é de desamortisação, é um projecto de amortisação. O governo não tem em vista principalmente desamortisar estes bens, o governo occupa-se com outra idéa. Amortisar o papel é a idéa mãe d'este projecto.

Ora, será uma cousa tão desejavel amortisar o papel? Não será fazer saír o credito das suas leis naturaes? Não será inverter todos os bons principios economicos o amortisar a circulação dos titulos de divida publica? Parece-me que sim. Isto, que a muitos se afigura como uma grande cousa, a mim afigura-se-me como um grande perigo, embora longinquo.

Amortisar a divida publica é retirar do mercado uma porção de papel que ali andava em giro livremente, e cujo preço era debatido entre o vendedor e o comprador. Com a retirada de uma grande porção de papel, a divida publica, que é muito grande, afigura-se mais pequena no mercado, e o governo não é advertido tanto a tempo de que o preço do seu papel começa a baixar, e de que o credito começa a declinar.

O papel do governo, como valor movel, como uma letra de qualquer individuo, ha de ter o valor que a liberdade lho der. Esta liberdade commercial, este livre debate entre o vendedor e o comprador da inscripção é que podem dar o verdadeiro valor ao papel. São principios triviaes de economia politica.

Mas, quando o governo pega n'uma porção de titulos de divida publica e a dá ao possuidor, que a ha de reter necessariamente fóra do giro, fica limitada a porção que anda em circulação e adquire, como limitado no mercado, um valor fictício e não real; conserva uma certa altura de cotação no mercado, não porque a divida publica seja pequena, mas porque os seus titulos não podem concorrer todos ao mesmo mercado. A abundancia de titulos em circulação deixa do ser o indicativo natural da grandeza da divida publica, e o signal para os povos e governos se acautelarem.

Quando o papel é livre, quando gira todo na praça, o mais leve receio de abundancia de papel adverte o publico; e os governos não hão de ser tão faceis, como são, em vir pedir auctorisação para emissões continuadas.

Portanto não posso adoptar a idéa do projecto, nem applaudi-lo como pensamento fiscal.

Vejamos outro lado da questão:

Que quer dizer dotar com valores moveis estabelecimentos destinados a serem eternos? Que quer dizer dotar com papel, cujo valor depende de mil oscillações, de mil circumstancias, estabelecimentos cuja duração todos nós fazemos votos para que seja eterna?

Diga-se o que se disser do credito publico, diga-se o que se disser de probabilidades de paz, diga-se o que se disser em favor desta medida, o que se não póde contestar é que as misericordias e os hospitaes tinham os seus rendimentos muito mais bem garantidos nas propriedades do que em papel.

Isto não quer dizer que não adopto em principio a desamortisação. Votei a desamortisação dos bens das freiras, porque não tinha estes inconvenientes; votei a desvinculação da terra, que foi uma grande desamortisação; voto algumas das disposições que vem n'este projecto, mas não voto outras, e uma excepção não destroe a regra. Uma excepção, quando é fundada nos bons principios de utilidade publica, confirma a regra, não a destroe.

As misericordias e os hospitaes, creados durante seculos por nossos paes á custa de esmolas particulares, chegaram até nós como estão, porque estas leis que se fazem hoje não se tinham promulgado ha alguns seculos. Se ellas se tivessem promulgado, estes estabelecimentos teriam deixado de existir.

Portanto entendo que é de summa conveniencia fazer uma excepção para estes estabelecimentos.

E não tenhamos tanto medo das excepções. Pois não fizemos uma para a casa de Bragança, excepção que eu approvei? Pois não fizemos uma excepção para uma poderosa companhia que ahi está, e que tem muitos centenares de contos em propriedades? Pois o governo não propõe mesmo excepções n'este projecto que apresenta aqui?

E alguma d'estas excepções será mais sagrada do que aquella que eu proponho? Não o creio, e tenho ainda uma certa esperança do que esta disposição não ha de chegar a ser lei do estado. A discussão está em meio, e por isso posso dize-lo ainda, porque depois da lei ser votada, se o chegar a ser, hei de respeita-la.

Hoje posso dizer, visto que a lei está ainda em discussão, que tenho ainda esperança de que esta parto do projecto não ha de chegar a ser lei.

Tem-se apresentado aqui um argumento, que não desejo deixar passar; e é: «Voto a inversão dos bens das corporações de mão morta em inscripções sem receio de faltar o juro, porque se chegar a faltar para pagar o juro d'essas inscripções ás misericordias e hospitaes morre o paiz, falta tudo, é um segundo diluvio universal, não se salva ninguém».

Eu direi — salve-se o direito de propriedade, salve-se a terra, pois se salvou de tantos cataclysmos por que temos passado.

O credito publico de alguns paizes e seu estado economico ainda hoje é lamentavel, entretanto não morrem, nem morre tudo. A Austria ainda não morreu, a Turquia tambem ainda não morreu: paizes estes pessimamente administrados, economicamente fallando. Apesar d'isso ainda não morreram, lá estão, e os proprietarios das terras atravessaram todas as dificuldades, como têem atravessado as propriedades das misericordias e hospitaes durante as epochas das grandes revoluções que temos tido. Nos nossos dias nós temos visto, por uma pennada de tinta, por um simples decreto, reduzir os juros dos titulos de divida publica. Temos assistido a atrazos e a pontos nos pagamentos do estado, mas os bens das misericordias e hospitaes têem ficado intactos.

Ha ainda uma rasão capital que me leva a insistir ainda nas minhas idéas a respeito d'este projecto. Todos sabem a depreciação do oiro, e que os generos vão de anno para anno subindo de valor, e quem tinha ha vinte annos um certo rendimento em dinheiro, e que era n'esse tempo abastado, está hoje pobre, e quem era rico está apenas abastado; porque os generos têem subido a um preço bastante elevado; e ao passo que quem tinha os seus rendimentos em generos tem hoje o que então tinha, porque se compra todos os objectos de que precisa por um preço mais caro, tambem mais caro vende todos os generos de suas rendas, dando-se assim uma verdadeira compensação.

Ora os hospitaes e misericordias têem, pela maior parte, os seus rendimentos em generos, os seus fóros e rendas são em generos. Supponhamos que este projecto tinha vindo ha vinte e cinco ou trinta annos, quando um alqueire de trigo custava na minha provincia 240 e 320 réis, e que tinham sido convertidos em juro de inscripções aquelles rendimentos, tomando por base o alqueire a 300 réis; hoje que está a 600 réis, quanto não teriam perdido estes estabelecimentos? Isto que se daria de ha vinte annos para hoje, poderá dar-se de hoje para vinte annos. Ora a depreciação do oiro parece-me que continuará é a subida do preço dos generos ha do continuar. Quando não tivesse outra rasão bastava-me esta para deixar estes estabelecimentos na posse dos bens que tem, e não os obrigaria á conversão d'elles em inscripções.

Desejo cansar pouco a attenção da camara, mas não posso concluir sem protestar contra um argumento que se tem apresentado. Tem-se sempre fallado n'esta materia como credo do partido progressista, e diz-se «quem impugna o projecto n'uma virgula não é progressista, está com o sr. Pinto Coelho e adopta as suas doutrinas». Ora demos o seu a seu dono. Eu sou progressista e tenho sido progressista toda a minha vida, desejo continuar a sê lo; mas não entendo que o partido progressista pretenda nobilitar-se com a iniciativa d'este projecto. O principio da desamortisação é da velha monarchia. Todos que conhecem as nossas leis sabem quantos esforços se praticaram no tempo da velha monarchia para se chegar á desamortisação possivel dos bens amortisados. E nem se diga que a velha monarchia tinha os vinculos que estavam em opposição com esta idéa, porque os vinculos não eram da velha monarchia, porque o principio vincular não era um principio monarchico, era um principio feudal, e a monarchia velha lutou contra os vinculos como nós lutámos. Ella lutava em nome da igualdade perante o absolutismo e o poder real, nós em nome da igualdade perante a lei, mas lutámos ambos.

Portanto a iniciativa d'este projecto é da velha monarchia e não do partido progressista; e, não se diga que não é progressista aquelle que não adopta sem alteração de uma só virgula este projecto.

Eu adopto o principio da desamortisação, conformo-me muito n'essa parte com essa iniciativa da velha monarchia, que é boa, porque temos algumas cousas boas dos tempos que já lá vão. Não ha systema nenhum n'este mundo, ainda que mau, que nos não legasse alguma cousa boa; pelo contrario, as civilisações vão legando todas umas ás outras alguma cousa boa que se vae tomando para base da nova civilisação, e nós recebemos esta herança da velha monarchia como uma das cousas boas que nos legou.

Mas não se diga que esta é a bandeira do partido progressista, e que quem não adopta este projecto sem alterações não é progressista. Protesto contra esta asserção, e espero em Deus que hei de continuar a ser progressista.

Estou cansado, e ainda mais a camara de me ouvir.

Mando para a mesa a minha proposta.

Vozes: — Muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte

PROPOSTA

Proponho que no artigo 6.° sejam eliminadas as palavras = casas de misericordias e hospitaes. = Aragão Mascarenhas.

Foi admittida.

O sr. Ministro da Fazenda (Lobo d'Avila): — Parece-me que não é necessario, na altura em que está esta discussão e depois do que se tem dito sobre a materia, responder extensamente ao que acaba de dizer o illustre deputado, que não fez mais que repetir aquillo que já tinha sido dito e refutado (apoiados). Além d'isso não podemos eternisar a discussão na generalidade que já se deu por linda (apoiados). O que é verdade é que toda a camara, ou pelo menos uma numerosa maioria d'esta camara, cento e tantos votos contra oito pronunciaram-se pelo principio da lei (apoiados). Este principio está vencido, é escusado estar a insistir na ordem dos argumentos que serviram para o combater (apoiados), porque a camara ouviu o pró e o contra, estudou a questão e decidiu-a; é portanto inutil estar a perder o tempo renovando uma argumentação já refutada e já rejeitada pela votação da camara (apoiados).

Agora senti que o illustre deputado escolhesse o momento de não estar presente o meu nobre collega, o sr. presidente do conselho, para lhe dirigir algumas censuras acres, que elle de certo não merece (apoiados). Mas emfim, elle está desde certo tempo habituado ás amabilidades do nobre deputado, e então de certo lhe não fará muita impressão a noticia de que o aggrediu.

Não posso porém deixar de dizer que me parece que o illustre deputado attribuiu ao nobre presidente do conselho idéas que de certo elle não emittiu, porque não podia dizer que = era desnecessario estudar a questão da administração dos hospitaes e misericordias =. O que s. ex.ª disse é que = para se conhecer se o principio da desamortisação é util, era escusado ter estudado a administração especial dos hospitaes e misericordias, porque era um principio aceito por todos que a mão morta não é aquella que administra melhor = (apoiados).

Repito, o que o sr. presidente do conselho podia significar é que, para se conhecer o que este principio tinha de racional, era escusado descer ao estudo especial d'estas corporações, mas nunca o que o illustre deputado lhe quiz attribuir.

Parece-me pois que o illustre deputado foi um pouco acre e violento no modo por que se dirigiu ao sr. presidente do conselho, que de certo todos reputam um homem muito sensato, dotado de juizo (apoiados), muito serio e muito grave (muitos apoiados), e por consequencia todas as accusações que tendam a negar-lhe estas qualidades, que lhe são

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geralmente reconhecidas, são apaixonadas e não revelam apreciação justa e imparcial.

O nobre deputado tornou ainda a insistir n'este argumento, que já tem sido repetido mais de uma vez — de que o credito póde decair, de que podemos não pagar os juros, e de que estas administrações podem, como actualmente existem, ser mais vantajosas, sobretudo nos hospitaes e misericordias, assegurando assim mais recursos aos indigentes, ou aquelles que se abrigam n'estas instituições.

Parece-me que não ha rasão alguma para duvidar do progresso e da civilisação; a sociedade marcha, caminha e progride constantemente (apoiados), e portanto a tendencia não é para diminuir o credito, e antes sim para augmentar o credito d'estes titulos. Esta é a marcha que temos visto seguir por todas as nações quando se desenvolvem os elementos da sua prosperidade, e isto leva-nos tambem a crer que o nosso credito ha de augmentar, como effectivamente augmenta. Eu tenho esperança e fé, e parece-me que todos os homens que commungam nas idéas do progresso a devem ter, de que os nossos titulos de divida publica tendem a acreditar-se cada vez mais. Logo estas administrações ficam com titulos que, em logar de serem depreciados, têem a qualidade de poderem crescer constantemente de valor no mercado. Parece-me que não póde haver ninguem que não pense que isto é assim, a não serem aquelles que não crêem no progresso da sociedade. Eu acredito nos meios, tanto moraes como materiaes, que a sociedade emprega para se desenvolver (apoiados).

Ninguem dirá que uma nação que póde trocar todos os seus productos e fazer operações commerciaes, que tem instituições de credito que fornecem os capitães mais baratos ás industrias e á agricultura, que dá a instrucção profissional, para haver o trabalho mais facil e melhor, e que tem estradas e caminhos de ferro, é uma nação que vae direita para o seu descredito e aniquilamento. Ninguem acredita em similhante cousa (apoiados). A rasão mesmo está indicando que uma sociedade, que assim augmenta os seus meios, tende a consolidar o seu credito. É um facto reconhecido por todos, que o nosso paiz tem visto crescer o seu commercio, a sua riqueza, e desenvolver a sua prosperidade. Escusamos do lançar mão das estatisticas.

Todos sabem que ha certos productos que d'antes importavamos e que hoje exportamos em larga escala; todos sabem que as instituições de credito vão prosperando entre nós; todos sabem que hoje ha muito maior quantidade de commodos e gosos da vida, e maior quantidade de pessoas que estão habilitadas para fruírem esses commodos, e tudo isto revela que a sociedade portugueza acha-se em um estado mais prospero do que anteriormente. Todos os srs. deputados, cada um no seu districto, hão de reconhecer que isto é uma verdade (apoiados).

Para que havemos então de estar a proclamar o contrario? Para que imaginar que vamos no caminho da nossa decadencia? Parece-me que isto é pessimismo totalmente destituido de fundamento.

Mas diz-se «vão-se buscar estes papeis que não offerecem meios tão seguros de prosperar». Pois não sabem todos que os particulares, não só de Lisboa e Porto, mas mesmo das provincias, estão empregando parte da sua fortuna em titulos de divida publica? Pois estes particulares, que não preferem empregar os seus capitães em transacções de outra especie, buscam a sua ruina? Pois não ha muitos proprietarios que preferem dar este emprego aos seus capitães antes do que em emprestimos particulares, d'onde podiam tirar mais lucros, mas sujeitos a muitas questões? Em que consiste uma grande parte da renda das casas mais abastadas, senão em titulos de divida publica?

No relatorio que eu apresentei este anno ha de ver-se o movimento do emprego de capitaes em titulos de divida publica; no anno de 1864 o movimento espontaneo de capitaes das provincias empregados em titulos de divida publica anda por cerca de 3.000:000$000 réis. E o que prova isto senão que o paiz tem confiança na sua prosperidade e n'estes titulos?

Isto não quer dizer que o capital se eleve empregar todo n'estes titulos, mas quer dizer que não é um facto proveniente da obrigação imposta pelo governo, mas espontaneamente praticado por muitos individuos particulares, o que mostra que o emprego não é tão arriscado como se pretende inculcar.

Mas não se sabe que grande parte dos fundos d'estes estabelecimentos, principalmente universidades e hospitaes, consistem em capitaes moveis, dos quaes muitos estão perdidos, porque se fizeram emprestimos a particulares que nunca os pagam, não obstante as clausulas com que foram feitos?

Estas perdas, pelas informações que o governo tem colhido, sobem a 400:000$000 réis.

Diz-se: «Póde reformar-se a administração d'estes estabelecimentos, e exercer o governo uma severa fiscalisação sobre elles». Isto é muito bom de dizer, mas impossivel de executar. Trata-se de uma corporação que é mera administradora, e por muito respeitaveis que sejam os membros que a dirijam, a circumstancia de ser sujeita á eleição e reeleição, ás influencias locaes e a uma infinidade de considerações, faz com que muitas vezes, sem querer, se vejam obrigados a fazer favores a individuos, que se acham em situações difficeis (apoiados).

Uma voz: — Acontece isso todos os dias.

O Orador: — Portanto essas administrações, por maior que seja a fiscalisação que se exerça, por mais respeitaveis, que sejam as pessoas que as administram, estão sujeitas a estes inconvenientes,... e, o resultado é o que a pratica tem demonstrado, isto é, que esses capitaes estão em grande parte mal parados e perdidos para essas corporações (apoiados).

Não me refiro a nenhum sr. deputado; mas ha muita gente que tem interesse na conservação do estado actual. Todos aquelles que recebem capitaes d'essas corporações, e que conseguem não pagar juros nem amortisar o capital tem grande interesse em que isto se conserve, e até em que se augmente (apoiados). Se todos os fóros e bens vendidos fossem convertidos em capitaes, e se estes se conservassem em poder das corporações para irem para a mão d'esses individuos, longe de se queixarem haviam de applaudir a providencia (apoiados); mas quem perdia com isso eram os hospitaes e misericordias, que veriam decrescer as suas rendas, e com ellas uma parte dos seus capitaes, vindo depois o pobre e o desvalido estender a mão, e pedir ao estado que o soccorra, porque os capitaes d'essas corporações foram desbaratados e perdidos.

Ora querer que essas corporações sejam um symbolo de perfeição administrativa, de uma fiscalisação a toda a prova, que não haja abuso de qualidade alguma, com a indole que têem, é querer um impossivel, porque este mal acontece mesmo ás mais cautelosas. De uma tenho eu noticia que conserva os capitaes em cofre sem os emprestar com medo de os perder, fallo da de Coimbra; e o que acontece é que esse capital está morto para esse estabelecimento, que lhe não dá juro nenhum, o que importa uma diminuição na sua renda. Não lhe aconteceria se o tivesse empregado em titulos de divida publica.

Pois inspira mais confiança a propriedade particular tão sujeita á viciação de titulos e inscripções, etc. do que ter o dinheiro em fundos publicos com a garantia do estado e do parlamento?

Mas diz-se «vão facilitar-se as emissões», como se o governo tivesse na sua mão fazer emissões sem estar auctorisado pelo parlamento! Pois em que paiz estamos nós? Não temos o parlamento que fiscalisa a fazenda publica e dá o seu voto sobre a receita e despeza do estado? O governo não ha de emittir senão aquillo que for auctorisado por lei a emittir, e cá está o parlamento para fiscalisar.

O que acontece por esta medida, considerada pelo lado financeiro, é que se abre uma nova collocação aos titulos de divida publica, e havendo maior procura aos titulos, e tendendo uma parte d'elles a immobilisar-se n'essas corporações, o seu credito deve augmentar. E que mal resulta ao paiz de que se augmente o credito de seus titulos? O mal é que, reconhecendo o parlamento ser necessario levantar ainda alguns fundos para obras extraordinarias, o governo ha de poder levantar esses fundos com menos encargos para o estado; e levantando com menos encargos, terá de pedir menos tributos. Portanto é de vantagem papa os proprios contribuintes, é de utilidade para todos que os titulos de divida publica sejam negociados por um preço mais vantajoso, pelo mercado que se lhes abre.

Mas esta medida, como disse, não é só financeira, nem envolve a idéa de se fazer necessariamente uma nova emissão; habilita o governo para a fazer, se for necessaria, e o parlamento lh'a votar; mas póde mesmo não ser preciso fazer-se a emissão, e todavia esta medida é sempre vantajosa, porque abre aos titulos, que já existem em circulação uma nova collocação.

Repito, esta idéa de desamortisação não traz como consequencia necessaria uma nova emissão, nem é só uma medida financeira.

Se bem me recordo, o illustre deputado que me precedeu, n'outra epocha, quando um ministro muito illustrado, que já se sentou n'estas cadeiras, o sr. conde d'Avila, apresentou esta mesma medida, ou outra identica, com pequenas alterações, a apoiou, pelo menos com o seu voto, na occasião em que foi apresentada. Então não tinha tão fortes apprehensões sobre o alcance d'esta medida, em referencia ás corporações que agora quer exceptuar. Não tinha as mesmas apprehensões sobre o credito publico, sobre a decadencia necessaria d'esse mesmo credito, nem sobre o abysmo que vê diante de nós. Já se vê portanto que modificou um pouco a sua opinião a este respeito; e que nós por isso a não podemos ter como muito segura (riso), visto estar sujeita a taes modificações.

Esta medida, como disse, não é só financeira, repito, é uma medida tambem administrativa, economica e altamente politica (apoiados), porque tende a lançar no commercio e circulação propriedades que hoje estão furtadas ao commercio e á circulação, porque tende a multiplicar o valor, a augmentar o numero de trocas, a fazer com que a sociedade aufira todas as vantagens que se podem tirar da propriedade livre. Este é que é o grande principio — tende a libertar a terra.

Portanto a medida, economica e administrativamente fallando, é de uma grande vantagem, e é ainda de grande alcance por outras considerações. Porque, fallemos com franqueza, e o nobre deputado disse que = se devia fallar a verdade ao paiz =, a administração d'estas corporações está perfeita, está boa, está conveniente? Ninguem o dirá (apoiados). É susceptivel de se aperfeiçoar até ao ponto que é necessario? Não o julgo. Póde aperfeiçoar successivamente; mas os homens publicos devem tomar os factos como se apresentam, e não imaginar uma sociedade que não existe. O facto é que as corporações, pelas suas tradicções, pelas suas tendencias e pelo seu modo de existir, não têem sido bem administradas, mesmo pelo systema politico que nos rege, porque elle até certo ponto tolhe um pouco a acção fiscal da auctoridade administrativa. Todos sabem que quando um governador civil (é preciso dizer a verdade toda) vae correr um districto e é rigoroso n'esta parte de administração, e quer tomar contas a todas estas corporações, faz-se-lhe uma guerra de morte (muitos apoiados), até o pôrem d'ali para fóra, creando-lhe obstaculos innumeros (apoiados); e porque? Porque á sombra d'esses abusos abrigam-se muitos interesses (apoiados).

Nós não devemos desconhecer isto, e não devemos dizer que é facil debellar esses interesses. Não é facil debella-los, pelo contrario é muito difficil.

Portanto não se podendo esperar, nas circumstancias em que nos achâmos, uma reforma que dê todas as garantias de uma boa administração d'estes estabelecimentos, e ainda assim havia uma questão a debater, se essa reforma mesmo mais perfeita era a mais vantajosa; não se podendo esperar, repito, uma reforma que leve esses estabelecimentos a um ponto de perfeição, devemos no estado de imperfeição em que existe acautelar os inconvenientes que d'ahi se derivam, e acautela-los em beneficio d'estes mesmos estabelecimentos (apoiados).

Devemos sempre preferir os interesses geraes do paiz, os, interesses reaes d'esses estabelecimentos, a quaesquer interesses que se abriguem atrás dos abusos (apoiados); e não se esteja com ostentações de idéas generosas, para seduzir os espiritos, quando atrás dellas está muitas vezes o interesse individual. Disse pois muito bem o nobre presidente do conselho de ministros que = para aceitar como racional, como justo e como conveniente a idéa da desamortisação, para saber que a mão morta não é a melhor administradora, não carecia de estudos especiaes =. Isto não queria dizer que os não tivesse feito, e que não conhecesse os diversos ramos da administração do ministerio do reino; mas sim que não carecia, não precisava de concorrer á ostentação d'esses estudos e ao exame d'esses factos administrativos, para reconhecer que a idéa era em si racional e convenientissima (apoiados).

A tendencia d'esta reforma, como disse, é tirar a má administração das corporações de mão morta, desamortisar os bens, e abrir nova circulação aos titulos de divida publica. Isto não é abrir um abysmo, é pelo contrario elevar o nosso credito, economicamente fallando.

Mas diz-se «porque não se applica a tudo, porque não se applica aos baldios e aos passaes?» Uma reforma ainda que seja boa, pede a prudencia humana que se não faça repentinamente em todo o seu alcance (apoiados). Reformas repentinas só se fazem no meio de convulsões revolucionarias; mas no regaço da paz e á sombra das instituições normaes, aconselha a prudencia que se façam successivamente, para que a sociedade experimente o menor abalo possivel.

Eu lamento que os baldios não produzam tanto como podiam produzir se estivessem agricultados; esta transformação ha de vir, mas porque não podemos lá chegar desde já, não devemos deixar de dar um passo n'este caminho. Era até uma cousa inconcebivel querer acabar com os baldios, sem querer dar um passo que nos approxime d'esse desideratum.

Parece-me que é escusado dizer mais nada, creio que todos estão convencidos da necessidade da lei, e a camara já emittiu o seu voto a este respeito.

Quanto ás emendas para tornar a lei mais perfeita, o governo não faz d'isso questão; o que deseja é que os principios fundamentaes não sejam alterados, porque então destruia-se todo o effeito util e proficuo que da lei se póde tirar.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Levy: — Mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. visconde de Pindella sobre a ordem, mas permitta-me a camara lhe lembre que este projecto está discutido na generalidade, por isso que foi ella mesmo que assim o resolveu, e parece-me que não vae muito de accordo com essa decisão o estar-se discutindo ainda na generalidade.

O sr. Visconde de Pindella (sobre a ordem): — Esteja v. ex.ª certo, sr. presidente, de que não abusarei, e de que hei de fallar sobre a ordem, e para cumprir o regimento começo por ler a minha moção de ordem.

Já vê v. ex.ª, a camara e o nobre ministro que eu voto a desamortisação, como tive a honra de dizer quando fallei a respeito da generalidade: voto a desamortisação, mas opponho-me á applicação forçada que se quer dar ao producto dos bens que se venderem. Desejo que as corporações possam applicar, como muito bem quizerem e como muito bem entenderem, o dinheiro que for producto dos bens que se venderem, por muitas rasões que já dei, e por muitas que podia agora acrescentar, e que estando no animo dos illustres deputados seria quasi um pleonasmo traze-las de novo ao debate (apoiados).

Eu entendo, sr. presidente, que d'este modo, como este projecto quer, os capitaes mutuados vinham a enfraquecer, e que deixariamos de ter estes recursos para a lavoura e para a agricultura, que eu julgo indispensaveis, porque assim em logar de augmentarem, tendem a diminuir, e acabarão em muito breve tempo, e a augmentar nunca.

É por estes principios, alem de outros, que eu tenho a honra de mandar para a mesa esta proposta, na qual estabelecendo-se a desamortisação dá faculdade ás corporações de empregarem os seus fundos n'aquillo que melhor entenderem. Já vê o nobre ministro que esta minha proposta não combate o principio da desamortisação, que é o ponto fundamental do projecto; não o combate, é completamente liberal, justa, e direi mesmo humanitaria (apoiados).

Mas o nobre ministro fallou na má administração d'estes estabelecimentos, o que eu até certo ponto não posso deixar de negar, pelo menos quanto aquelles de que tenho conhecimento.

Estou certo que alguns haverá que são mal administrados, mas outros são bem administrados, principalmente na terra que tenho a honra de representar n'esta casa.

Não digo por agora mais nada, porque logo, respondendo ás observações do nobre ministro, serei mais largo a este respeito, ou pelo menos virá mais a proposito dize-lo.

Desejo que nos voltemos para a agricultura, e como eu

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quero voltar-me para ella, assim como todos nós, porque é a nossa primeira fonte de riqueza publica, é a rasão por que faço esta proposta, por isso que desejo que estes pequenos bancos ruraes, unicos depositos onde os lavradores vão buscar aos 1$000 réis, onde vão buscar pequenas quantias, mas que lhes são necessarias, e sem as quaes ficariam as terras incultas (apoiados), os encontram ali; porque, sr. presidente, por um lado desejar que a agricultura prospere e não dar aos lavradores os meios de poderem agricultar os seus campos, parece-me uma contradicção. Se as instituições forem boas e bem reguladas, não temamos que as administrações vão empregar mal os fundos, e então elles as comprarão, creiam.

Agora respondendo a algumas observações do nobre ministro, direi a s. ex.ª que tenho toda a esperança de que o nosso credito prospere e que melhoremos sempre. Deve-se sempre acreditar o que for melhor para o paiz; mas ainda que assim seja, veja o nobre ministro que se estes estabelecimentos tiverem todos os seus rendimentos em inscripções, se por qualquer motivo, qualquer circumstancia, qualquer eventualidade, estes estabelecimentos não podessem ter relações com a capital durante um mez, dois, ou tres, os recursos escasseavam, ou paravam completamente; e um mez, dois ou tres, ou mesmo dias de interrupção de relações, podia ser fatal para estas administrações. Bastava só esta consideração, para se dever attender a isto.

Diz o nobre ministro que = os particulares compram titulos =. É verdade, mas têem tambem outros recursos, e quem tem outros recursos, vende como e quando quer, podendo n'isto fazer até negocio, emquanto que as corporações de mão morta, hão de conservar estas inscripções e ter só ali o seu rendimento. Note se a differença, que é palpitante (apoiados).

O proprietario é n'este caso negociante. Hoje compra, porque entende que o preço lhe convem, e ámanhã vende melhor, por consequencia compra hoje e vende ámanhã, negoceia e lucra, e sempre livremente e conforme lhe faz conta.

Por consequencia este argumento não colhe completamente, como o nobre ministro aqui no-lo apresentou. Não colhe.

S. ex.ª disse que = as administrações d'estes estabelecimentos em geral são más, são pessimas e que parece que alguem lucra com ellas =. Ainda que a insinuação não vae direita a ninguem, porque s. ex.ª assim o declarou, comtudo para descargo de consciencia, sempre digo que posso asseverar a s. ex.ª que nunca fui provedor, nem procurador, nem cousa alguma n'essas corporações, misericordias; assim como digo que as administrações d'estas casas de misericordias e hospitaes no meu concelho têem sido perfeitamente administradas, com o maior zêlo e intelligencia, por cavalheiros insuspeitos e dignissimos a todos os respeitos. E uma questão de logar, dir-me-hão, convenho. Já se vê que de serem bem administradas aquellas, não se segue que não haja algumas que o não sejam. Mas eu, na minha posição, não podia deixar de dizer isto ao nobre ministro, mas creio mesmo que geralmente a sua administração é boa; quem queria especular, o menos lucrar, com o pão do pobre e da desgraça?! Ninguem, acreditem: quem ali entra, penalisa-se, não especula (apoiados).

Diz s. ex.ª que = não ha perigo nas emissões das inscripções no mercado, porque o governo não póde faze-las sem que o parlamento lh'as vote =. S. ex.ª sabe perfeitamente que o governo que viesse propor ao parlamento uma emissão e lhe não fosse votada, deixava de ser governo, pelo menos constitucionalmente fallando, e era substituido por outro a quem o parlamento, onde provavelmente tinha maioria, votava essa emissão...

(Interrupção do sr. Luciano de Castro, que não se ouviu.)

O Orador: — A terra é que paga todos esses impostos, mascarados com esta ou aquella mascara. Sabe-o o illustre deputado melhor do que eu. É a propriedade quem paga sempre o tributo (apoiados).

Sr. presidente, uma das rasões que o nobre ministro dá da impossibilidade que tem até hoje existido de uma boa administração por parte d'esses estabelecimentos, e de fiscalisação do governo por parte das suas auctoridades superiores dos respectivos districtos, é que «se o governador civil for lá metter mão, tem uma guerra de morte a ponto de o fazerem saír do districto». E o governo diz isto?

Eu não me refiro nem por sombras ao meu districto, ou a outro qualquer, fallo na generalidade, mas parece-me que tambem posso dizer que se muitas vezes os governadores civis são victimas d'essas administrações, o que nunca serão cumprindo a lei, tambem outras vezes elles querem servir-se dellas para fins que não deviam ter em vista, como fins eleitoraes e outros (apoiados). Não queiram dellas o que não devem, administrem e cumpram os seus deveres.

Argumenta-se sempre com o abuso, e não é bom argumento. Assim como se póde sustentar que em alguns casos ha uma certa má vontade da parte d'essas administrações para com a auctoridade superior do districto, tambem se póde dizer que em outros casos essa auctoridade quer servir-se dellas para fins que não devia ter em vista, repito, querendo metter a politica onde só deve estar a caridade e a boa governação. E portanto o argumento não colhe, porque tanto se abusa de um lado como do outro, e já concedo, muito com isto.

Cumpra a auctoridade o seu dever, mantenha o governo n'ella toda a força que a lei e a justiça lhe dá, e provavelmente não ha de ser de morte a guerra que porventura lhe promoverem essas administrações. Estou d'isso muito convencido, como creio que todos o estamos.

Feitas estas considerações em resposta ao nobre ministro, vou terminar, para não cansar a camara e para dar logar a que na sessão de hoje, cuja hora já vae adiantada, os meus illustres collegas, que têem de apresentar propostas sobre o projecto de lei em discussão, o possam fazer.

Por ultimo. Recommendo ao meu nobre amigo relator da commissão, o sr. Luciano de Castro, que attenda a esta minha proposta, que não fere o principio da desamortisação, e que é de uma grande justiça e utilidade publica.

O que eu peço n'ella, é que se deixe á vontade das misericordias e hospitaes o emprego dos dinheiros provenientes da desamortisação, disposição em que não comprehendo as outras corporações, porque se têem igual direito não têem de certo tanta necessidade como estes estabelecimentos, aos quaes póde ser fatal o empate do seu rendimento por alguns dias; quando esse caso venha a dar-se é, emquanto a mim, um pedido justo.

Rogo ao nobre ministro, em nome do infeliz e do indigente, que abrace esta proposta, rogo-o ao nobre relator da commissão, e rogo-o á camara. E espero que ella será aceita e approvada (apoiados).

Mando pois para a mesa a minha proposta, que é a seguinte:

§ 3.º AO ARTIGO 6.°

§ 3.° As misericordias e hospitaes poderão empregar como julgarem mais conveniente, a bem dos mesmos estabelecimentos, os dinheiros provenientes da desamortisação. = Visconde de Pindella = Sieuve de Menezes.

O sr. J. A. de Carvalho (sobre a ordem): — Mando para a mesa a seguinte substituição ao artigo 2.°

Dispenso-me de fazer agora considerações para a fundamentar. Reservo-as para quando vier á discussão o parecer da commissão a seu respeito.

A minha proposta é esta:

SUBSTITUIÇÃO AO ARTIGO 2.º

O laudemio nos prasos pertencentes aos referidos conventos e corporações religiosas será sempre o que consta da respectiva investidura, calculado sobre o valor do dominio util. = João Antonio de Carvalho.

O sr. Lavado de Brito (sobre a ordem): — Mando para a mesa duas propostas ao artigo 6.°— uma, para que não sejam comprehendidos no principio da desamortisação os bens dos hospitaes e misericordias; e outra, que parece estar em contradicção com esta, para que, se a camara, na votação que ha de ter logar sobre o artigo 6.°, decidir que os bens d'estes estabelecimentos sejam desamortisados, o producto da venda d'estes bens não seja empregado na compra de inscripções da junta do credito publico, mas na compra de letras hypothecarias (leu).

Necessito de fundamentar estas propostas. Em primeiro logar, desejo que não se supponha que eu, propondo que os bens das misericordias e hospitaes não sejam desamortisados, sou absolutista, reaccionario, ou retrogrado, quando pelo contrario sou muito liberal. E em segundo logar, desejo desviar de mim a presumpção de que eu ou a minha familia tenhamos interesse em que a administração dos bens dos hospitaes e misericordias continue como está agora, porque nada devemos a estes estabelecimentos, quando a verdade é que nem eu nem a minha familia temos interesse nisso.

O interesse que me leva a apresentar as propostas é o interesse dos pobres e desgraçados, que costumam ter uma cama dos hospitaes, e receber uma esmola das misericordias.

Vou em poucas palavras dizer quaes os fundamentos que tenho para as apresentar.

Eu voto o principio da desamortisação em relação a todos os bens das corporações de que faz menção o artigo 6.°, mas com excepção das misericordias e hospitaes. E não é porque não tenha confiança no futuro e não acredite na lei do progresso. Creio no futuro e sou progressista de todo o coração. Entretanto é certo que algumas vezes o progresso em seu incessante caminhar encontra já n'um ponto já n'outro difficuldades o obstaculos, que ou lhe retardam a marcha ou a suspendem temporariamente; é certo que de tempos a tempos apparece um cataclysmo, uma crise que tem resultados muito funestos o desastrosos. E quem é que póde asseverar que Portugal não ha de soffrer uma crise, que póde vir de uma complicação da politica europea, que póde vir mesmo de circumstancias internas e peculiares ao nosso paiz, que póde vir de uma guerra civil? De certo que isto póde verificar-se, a não se querer sustentar que Portugal ha de ser uma excepção de todos os paizes.

Por consequencia se é provavel, se é possivel pelo menos (e ninguem póde negar a possibilidade) uma crise, quem póde assegurar que na presença d'ella, quando tudo é anormal, quando a sociedade está n'um completo estado de anarchia, hão de ser necessariamente pagos os juros das inscripções ás misericordias e hospitaes?

Portanto, apesar de tudo quanto se tem dito a respeito de nem ser possivel esta crise, nem mesmo quando ella chegasse haviam deixar de ser pagos os juros ás misericordias e hospitaes, de certo que estarei em erro, porque intelligencias muito superiores têem sustentado uma opinião contraria á minha; mas declaro que não me têem convencido, e que hei de votar que a desamortisação se não estenda aos bens das misericordias e hospitaes, em attenção aos santos e importantissimos fins que estes estabelecimentos têem em vista.

Póde objectar-se-me dizendo, que para ser logico devo votar que se não amplia o principio da desamortisação ás outras corporações, de que faz menção o artigo 6.°; porque, quando o governo na presença de uma crise deixar de pagar os juros das inscripções ás misericordias e hospitaes, tambem os não pagará ás camaras municipaes, juntas de parochia, confrarias e irmandades.

Respondo que os effeitos de não pagamento de juros das inscripções ás misericordias e hospitaes são muito diversos dos effeitos que esse não pagamento póde ter em relação ás camaras municipaes, juntas de parochia, irmandades e confrarias.

A rasão é a seguinte. Ha necessidades, cuja satisfação se póde adiar por um mez, seis mezes e um anno mesmo, sem correr perigo a vida de alguem; ha porém outras necessidades a que não se póde deixar de satisfazer desde logo, sob pena de perigar a vida de alguns infelizes.

Se um desgraçado adoecer, por exemplo, de uma catarrhal, não tendo recursos para se tratar, não lh'os fornecendo a caridade privada e estando fechados os hospitaes, como necessariamente hão de estar se não tiverem meios para occorrer ás suas despezas, esse individuo póde, para assim dizer, morrer vinte vezes antes que a crise tenha passado, se fosse possivel morrer mais de uma vez.

Não são porém da mesma natureza as necessidades a que têem de satisfazer as camaras municipaes e as juntas de parochia.

Se uma camara municipal tem necessidade, por exemplo, de construir um bocado de estrada e não o faz durante o tempo que a crise dura, nem por isso morre alguem por não ser satisfeita esta necessidade.

O mesmo acontece a respeito das irmandades e confrarias. Embora esses estabelecimentos deixem de cumprir os preceitos a que os obrigam os seus compromissos, durante o tempo da crise, nem por isso morre alguem, nem mesmo creio que periga a salvação das almas dos individuos que compõem essas associações.

São estes os fundamentos da proposta que mando para a mesa. Mas como receio muito que a camara resolva que o principio da desamortisação se estenda tambem aos hospitaes e ás misericordias, apresento outra proposta, para que o producto da venda dos bens d'estes estabelecimentos seja empregado, não em inscripções, mas em letras hypothecarias, que offerecem uma garantia muito mais segura, porque, alem das firmas muito respeitaveis dos bancarios, têem a garantia da terra que lhes serve de hypotheca, e que representa um valor duplicado d'aquelle que representarem as letras hypothecarias.

As propostas são as seguintes:

PROPOSTA

Se porventura a camara, na votação que ha de ter logar sobre o artigo 6.°, decidir que sejam desamortisados os bens das misericordias e hospitaes, n'esse caso, e só quando elle se verifique, proponho o seguinte:

«§ 1.° do artigo 6.° O producto da venda dos bens pertencentes ás misericordias e hospitaes será empregado pelas mesas administrativas d'estes estabelecimentos na compra de letras hypothecarias. (O § 1.° passa para § 2.°) = Lavado de Brito.»

PROPOSTA

Proponho que do artigo 6.° sejam eliminadas as seguintes palavras = casas de misericordias e hospitaes =; e que o n.° 1.° do § 1.° seja concebido nos termos seguintes = as casas de misericordias, hospitaes e os terrenos baldios que constituem logradouro commum dos municipios e das parochias, continuando a subsistir a seu respeito a legislação em vigor. = Lavado de Brito.

O sr. Ministro das Obras Publicas (João Chrysostomo): — Pedi a palavra para mandar para a mesa as seguintes propostas de lei:

A primeira é sobre o commercio dos cereaes. Peço á camara que me dispense de ler o relatorio que diz respeito á mesma proposta, por isso que é summamente longo e tem de ser publicado no Diario de Lisboa (apoiados).

Faço igual pedido para o relatorio que precede a proposta sobre vinhos, que tambem apresento.

(Leu estas duas propostas de lei.)

Escuso de encarecer a importancia d'estas medidas. Andam ellas ha muito tempo na téla da discussão, e por muitos annos os poderes publicos se têem esforçado por lhes dar solução. São portanto de summa importancia, mas as circumstancias actuaes, alem dos interesses geraes do paiz, fazem com que ellas se tornem não só importantes, mas de grande urgencia (apoiados).

Estamos entrados n'uma nova crise de subsistencias (apoiados).

Eu peço a v. ex.ª que o projecto sobre cereaes seja enviado á commissão respectiva com toda a urgencia, para ella dar o seu parecer, porque o estado actual não póde subsistir por muito tempo (apoiados).

As medidas que acabo de apresentar mereciam ter um advogado, cujos recursos correspondessem á importancia dellas; mas eu conto com a benevolencia da camara, e confiando no seu patriotismo e espirito de justiça, espero que ella quererá illustrar esta legislatura com actos de tão grande alcance.

Se a legislatura passada se tornou memoravel por muitas medidas de grande importancia, entre ellas a da desvinculação da terra, não se tornará menos memoravel esta legislatura decretando a desvinculação do trabalho, pois tanto importa dar pão ás classes laboriosas e arredar do paiz as crises de subsistencias, com as quaes não póde haver actividade industrial e commercial (apoiados), nem prosperidade publica, que todos desejâmos, e para o que anelhâmos...

Vozes: — Muito bem.

O Orador: — Tenho tambem a apresentar uma proposta de lei para ser subsidiada a associação do palacio de crystal, que pretende no presente anno levar a effeito uma exposição internacional.

O pensamento summamente grandioso d'aquella benemerita associação, e que póde reflectir no nosso paiz muita gloria e muita vantagem, não podia deixar de ser coadjuvado pelos poderes publicos (apoiados). Em consequencia tenho a honra de apresentar a seguinte proposta de lei (leu).

As propostas apresentadas pelo sr. ministro das obras publicas ficaram para segunda leitura.

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O sr. Moraes Soares: — Em virtude da resolução tomada pela camara em uma das sessões passadas, mando para a mesa uma substituição ao n.° 2.° do § 1.° do artigo 6.°, posto que esse artigo não esteja em discussão. Peço que seja remettida á commissão esta proposta.

SUBSTITUIÇÃO Á 2.ª PARTE DO N.° 2.º § 1.º DO ARTIGO 6.º

Fica porém auctorisado o governo a conceder gratuitamente a subrogação de parte ou de todos os bens dos passaes nos termos d'esta lei, quando lhe for requerida pelos parochos, sendo estes preferidos no lanço da praça, podendo satisfaze-lo em tres prestações annuaes sem juro. = Antonio Augusto Soares de Moraes.

O sr. José Tiberio: — Mando para a mesa a seguinte

PROPOSTA

Proponho que ao artigo 6.° se addicione o seguinte paragrapho:

§ 3.° Às administrações das corporações a que se refere o artigo poderão subrogar ou mutuar os capitães pelo preço das remissões ou vendas, conforme o julgarem conveniente, devendo o preço das mesmas remissões ou vendas ser pago sempre a dinheiro no caso de optarem pelo mutuo. = José Tiberio Sá Roboredo = José Correia de Oliveira.

O sr. Custodio Freire: — Mando para a mesa a seguinte

PROPOSTA

Proponho as seguintes emendas aos n.ºs 1.° e 2.° do § 1.º do artigo 6.°:

1.º Os terrenos que constituem logradouro commum de algumas povoações.

2.º As casas de residencia parochial. = Custodio Joaquim Freire.

O sr. Abilio Costa: — Vou mandar para a mesa as seguintes

PROPOSTAS

Proponho o seguinte artigo addicional, que tomará o logar do artigo 11.°

Artigo 11.° São tambem os agentes do ministerio publico declarados competentes para intervir, em juizo, como procuradores das mencionadas corporações.

§ O ministerio publico intervirá ex officio em todas as causas em que forem partes as corporações e estabelecimentos mencionados n'esta lei, e intentará todas as acções judiciaes, que competirem ás mesmas corporações e estabelecimentos, quando estes o não façam. = Antonio Abilio Gomes Costa.

Considerando que a questão que se pretende resolver no artigo 2.° do projecto n.° 8 é de solução muito difficil sem offensa de direitos;

Considerando que as opiniões estão muito divergentes sobre tal assumpto:

Proponho que, sem prejuizo da discussão e votação dos outros artigos do projecto, se nomeie uma commissão especial para dar o seu parecer sobre o artigo 2.° do projecto n.° 8. = Antonio Abilio Gomes Costa.

O sr. Faria Barbosa: — Depois de ouvir os distinctos e insignes oradores que me precederam, deveria desistir da palavra, porém entendo do meu dever fundamentar o meu voto, para que os eleitores que me honraram com o seu mandato sejam esclarecidos do meu proceder n'esta casa.

Já disse hontem que este projecto para mim é grave e muito grave, e precisa de toda a latitude na discussão.

«Credito do governo, liberdade da terra», serão palavras muito bonitas, e confesso que já me illudiram, já me encantaram. Hoje não.

Este projecto não dá credito, tira-o. Uma casa ganha credito quando a sua receita é maior do que a sua despeza, quando o seu activo é maior que o seu passivo; mas quando se observa o contrario o seu credito caiu, desappareceu.

Proceda o governo como o bom administrador, iguale a receita com a despeza, faça diminuir o passivo, ou pelo menos não o augmente mais, que o credito apparecerá, sem precisar do auxilio d'este projecto, nem de auxilio algum. O credito augmenta ou diminuo segundo a boa ou má administração. O credito está na mão do governo.

Estive n'esta casa na legislatura de 1848 a 1851, e a divida do estado estava em setenta mil e tantos contos. Já então este passivo assustava, e se pedia o tratar-se da sua amortisação. Hoje não está em 70.000:000$000, está em 200.000:000$000 réis; desde então é que começou a venda dos fóros, dos conventos e das commendas, que produziram milhões. A receita do estado era então de 10.000:000$000, hoje é de 16.000:000$000 réis, e infelizmente ainda não houve um governo que a igualasse com a despeza. Ainda se não disse ao povo: «O que temos recibo é tanto, despendemo-lo n'estes e n'aquelles melhoramentos, que dão o rendimento de tanto»; e só se diz ao povo «paga!» Como quer pois ter o governo credito, e que n'elle haja confiança?

«Liberdade da terra». Como deseja o governo a liberdade da terra em presença da lei do registo ou das transmissões em presença das crescidas contribuições com que a tem onerado, e d'este mesmo projecto em que só se concede a remissão no limitado praso de seis mezes?!

Sr. presidente, não é possivel ouvir-se o que se diz, nem mesmo os tachygraphos podem ouvir. Estive, como já disse, n'esta casa, na legislatura de 1848 a 1851; confesso que quando hontem n'ella entrei senti ver o estado em que encontrei a camara. Sr. presidente, é preciso melhor ordem.

O sr. Presidente: — Os srs. deputados que lh'o agradeçam.

O Orador: — Respeito, como devo, todos os srs. deputados, mas ainda mais respeito a ordem e o regimento.

Sr. presidente, não posso deixar de responder a algumas das considerações que apresentou o sr. ministro da fazenda. S. ex.ª lançou graves censuras sobre as administrações das corporações de mão morta, dizendo que = todas essas administrações são más =.

Admira que um ministro da corôa assim se pronuncie n'esta casa. Se isso é verdade, no que não concordo, a culpa é do governo, que tem os meios necessarios para as fazer boas e os não emprega. Quem será mais digno de censura — as corporações ou o governo? De duas uma, ou o governo pecca por fraco ou por negligente.

Não se diga que quando os governadores civis querem ingerir-se no exame d'essas más administrações se lhe faz uma guerra cruel. O governador civil que tem medo d'essa guerra não é capaz do logar que occupa, e as queixas que eu ouço é porque elles não fiscalisam como devem; e quem me diz que não seja essa a vontade do governo para mais depressa, com o descredito d'ellas, dar o golpe. De mais, as contas das misericordias de 4:000$000 réis para cima são prestadas rio tribunal de contas, e não perante os governadores civis.

Disse mais s. ex.ª: «O progresso caminha, são visiveis os melhoramentos da agricultura».

«O progresso caminha», e n'essa marcha os grandes reinos baqueiam e os pequenos florecem, e muitas grandes casas desapparecem, e outras mediocres fazem-se grandes. Diz-se-me — é ordem do mundo, e eu digo o bom governo e a boa administração são quem faz sustentar e florecer os imperios e as casas.

«A agricultura tem melhorado». Tem, eu o confesso; e a quem deve esse melhoramento? Deve-o ás beneficas leis do Libertador, de D. Pedro IV, que a alliviou dos dizimos e da grande somma, de pensões que d'ella se pagavam aos conventos e ás commendas.

Esse grande homem é que desejava a liberdade da terra e o melhoramento da agricultura, alliviando o lavrador dos grandes onus que sobre elle pesavam.

Aos governos que lhe succederam nada lhe deve. As pensões dos conventos e commendas foram restabelecidas, foram postas em praça, e nem ao menos se concederam mais longos prasos para os foreiros poderem remir; as contribuições pesam sobre a terra como nunca pesaram; e para cumulo de tudo veiu a lei das transmissões, com a qual o governo á decima transmissão recebe todo o valor do predio. São estes os beneficios que a agricultura tem recebido, e este o desejo que se apregoa da liberdade da terra! Com que vontade o lavrador n'este estado ha de agricultar?!

Disse mais s. ex.ª — este projecto tende a melhorar as corporações que têem perdido muito capital mutuado. Mas o que se deseja é que os capitaes da desamortisação vão ter á mão de alguem, pouco importa se mutuem com risco, o que sempre se obtém, porque as mesas não dispõem do que é seu; outras, como a de Coimbra, têem capitães amontoados sem rendimento, porque não tem quem lh'os queira, quando as inscripções tudo evitam.

Sr. presidente, melhorar as corporações, obrigando-as a vender seus bens por papel, que de um dia para o outro póde depreciar; melhorar as corporações não declarando o projecto o valor dos laudemios, não entendo que seja melhoramento, mas sim prejuizo, e grande.

Admira encontrar o governo, na revista que passou aos cofres das irmandades, o dinheiro amontoado em Coimbra, e não encontrar os padrões reaes e o papel moeda. As irmandades têem perdido muito com o mutuo aos particulares, e não têem perdido com os padrões e com o papel moeda; pois para mim é de fé que as corporações hão de ter a mesma sorte com as inscripções.

Os particulares têem comprado as inscripções pelo grande credito a que têem subido, não me consta que tenham vendido seus bens de raiz para essa compra; compram algumas emquanto observam que terão algum lucro, e acresce que elles têem a liberdade de se desfazerem dellas quando presentirem o risco, o que não podem fazer as corporações. Estas hão de ver perder esses creditos e seus rendimentos sem lhes poder valer.

Sr. presidente, eu concordo com a desamortisação, mas o que não concordo é com o methodo e fórma por que se quer fazer a desamortisação.

Como deu a hora mando uma proposta para a mesa, e peço a reserva da palavra para ámanhã.

A proposta é a seguinte:

«No final do paragrapho — acrescentar = mas não é applicavel aos sub-emprasamentos. = A. do R. de Faria Barbosa.»

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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