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SESSÃO DE 6 DE MARÇO DE 1877

Presidencia do ex.mo sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios—os srs.

(Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos Barão de Ferreira dos Santos

SUMMARIO

Dá a sua entrada na camara o novo ministerio, e em breves palavras o sr. presidente do conselho do ministros, marquez d'Avila e de Bolama, expõe o pensamento do governo pelo que respeita á gerencia dos negocios. Faliam, fazendo uns a sua adhesão condicional ao governo, outros explicando a sua posição politica em relação ao novo gabinete, os srs. Anselmo Braamcamp, A. Rodrigues Sampaio, Mariano de Carvalho, Pinheiro Chagas, Osorio de Vasconcellos, Thomás Ribeiro, Arrobas, Dias Ferreira, Luciano de Castro, Visconde do Moreira de Rey, Manuel d'Assumpção e Julio de Vilhena. — Dá explicações o sr. ministro das obras publicas, Barros e Cunha.

Presentes á chamada 92 srs. deputados.

Presentes na abertura da sessão — Os srs.: Adriano de Sampaio, Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Pereira de Miranda,. Teixeira de Vasconcellos, Cardoso Avelino, Antunes Guerreiro, Avila, A. J. Boavida, A. J. de Seixas, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Arrobas, Pereira Carrilho, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Ferreira de Mesquita, Augusto Godinho, Sousa Lobo, Mello Gouveia, Neves Carneiro, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Carlos Testa, Vieira da Mota, Conde de Bertiandos, Conde da Foz, Conde da Graciosa, Forjaz de Sampaio, Eduardo Tavares, Filippe de Carvalho, Cardoso de Albuquerque, Pinheiro Osorio, Mouta e Vasconcellos, Francisco Costa, Pinto Bessa, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Illidio do Valle, Jacinto Perdigão, Jeronymo Pimentel, Ferreira Braga, J. M. de Magalhães, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Matos Correia, Correia de Oliveira, Dias Ferreira, Pereira da Costa, Guilherme Pacheco, Figueiredo de Faria, Namorado, José Luciano, Ferreira Freire, Moraes Rego, Pereira Rodrigues, J. M. dos Santos, Nogueira, Julio de Vilhena, Lourenço de Carvalho, Sampaio e Mello, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Freitas Branco, Faria e Mello, Manuel d’Assumpção, Pires de Lima, Alves Passos, Mello Simas, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Cunha Monteiro, Miguel Coutinho (D.), Pedro Franco, Pedro Jacome, Pedro Roberto, Placido de Abreu, Julio Ferraz, Ricardo do Mello, Thomás Ribeiro, Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde de Guedes Teixeira, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Sieuve de Menezes, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Rocha Peixoto (Alfredo), Falcão da Fonseca, Custodio José Vieira, Vieira das Neves, Francisco Mendes, Palma, Jayme Moniz, Klerck, Luiz de Campos, Bivar, Rocha Peixoto (Manuel), Visconde de Carregoso.

Abertura—ás duas horas e um quarto da tarde.

Acta — approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.° 111.º10 e ex.mo sr. — Tenho a honra de participar a V. ex.ª, para conhecimento da camara dos senhores deputados da nação portugueza, que tendo Sua Magestade El-Rei, por decretos datados de hontem, concedido a exoneração que lhe pediu o ministerio presidido pelo conselheiro d'estado Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello o houve por bem por decretos da mesma data nomear-me para os cargos de presidente do conselho de ministros e ministro e secretario d'estado dos negocios do reino e interino dos negocios estrangeiros; dignando-se outrosim

de nomear para o ministerio dos negocios ecclesiasticos o de justiça o deputado da nação portugueza, juiz da relação de Lisboa, conselheiro José de Sande Magalhães Mexia Salema; para o ministerio dos negocios da fazenda o conselheiro d'estado Carlos Bento da Silva, pardo reino; para o ministerio dos negocios da guerra, interinamente, o general de brigada, Antonio Florencio de Sousa Pinto, director geral da arma de artilheria; para o ministerio dos negocios da marinha e ultramar o conselheiro José de Mello Gouveia; e para o ministerio dos negocios das obras publicas, commercio e industria o deputado da nação portugueza João Gualberto de Barros e Cunha.

Deus guarde a V. ex.a— Presidencia do conselho de ministros, em G de marco de 1877. — 111.1110 e ex.mo sr. presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza. — Marquez d'Avila e de Bolama,.

2.° Do ministerio da fazenda, acompanhando nota da cobrança da contribuição predial efiectuada nos tres annos economicos de 1873-1874 a 1875-187G nas ilhas dos Açores e Madeira, e bem assim outra nota do rendimento, dos impostos e 1,5 por cento ad valorem, e de 200 réis em caixa de laranja, applicados á construcção da doka da ilha de S. Miguel, nos referidos tres annos.

Enviado para a secretaria.

3.° Do mesmo ministerio, acompanhando copias authenticas da portaria que permittiu ás companhias de illuminação a gaz de Lisboa e Porto o deposito da differença dos direitos dos tubos de ferro, que forem por ellas importados — do officio da direcção geral das alfandegas e contribuições indirectas, communicando á alfandega do Porto o despacho que auctorisou a substituição do deposito por fiança idonea e do termo de fiança lavrado na mesma alfandega em virtude do referido despacho.

Enviado para. a secretaria.

4.º Do me,-mo ministerio, participando que os esclarecimentos pedidos pelo sr. deputado Mariano de Carvalho, ácerca dos fundos postos á disposição do ministerio das obras publicas para construcção dos caminhos de ferro do Minho e Douro do producto da 4.ª emissão do emprestimo para os ditos caminhos e dos contratos celebrados em Londres para supprimentos, desde agosto de 187G até ao fim do mesmo anno, se acham publicados no relatorio dos actos d'aquelle ministerio, já distribuido aos srs. deputados.

Enviado para a secretaria.

5.° Do mesmo ministerio, participando que os esclarecimentos pedidos pelo sr. José Luciano, ácerca da rescisão do contrato de 22 de junho de 1872 para o pagamento das classes inactivas, se acham publicados no relatorio dos actos d'aqucllc ministerio, já distribuido aos srs. deputados.

Enviado para a secretaria.

6.° Do mesmo ministerio, participando que os esclarecimentos pedidos pelo sr. Mariano de Carvalho,em relação aos titulos de divida publica, na, posse da, fazenda, que em 31 de dezembro de 1876 e 31 de janeiro de 1877 estavam servindo de caução a diversos emprestimos ao thesouro, se acham publicados no relatorio dos actos d'aquelle ministerio, já distribuido aos srs. deputados.

Enviado para a secretaria.

Representações 1.º¦ Dos empregados no serviço das aulas do instituto industrial e commercial de Lisboa, pedindo melhoria de

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vencimentos. (Apresentada pelo sr. deputado Monta e Vasconcellos.)

Enviada á commissão de fazenda, ouvida á de obras publicas.

2.ª Da camara municipal do concelho de Mafra, pedindo que seja convertido em lei o projecto de lei apresentado na sessão de 12 de março de 1875 pelos srs. deputados Jeronymo Pimentel e Vasco Leão, que permitte ás camaras municipaes remirem os fóros do que forem directos senhorios. (Apresentada pelo sr. deputado Francisco Costa.)

Enviada á commissão de administração publica.

Declaração

Declaro que por motivo justificado não tenho podido comparecer ás sessões da camara.

Pala das sessões, 5 de março de 1877. = = O deputado por Villa Real, Agostinho da Rocha.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros

(Marquez d'Avila e de Bolama): — A camara foi informada em tempo de que o ministerio presidido, pelo sr. conselheiro d'estado Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello, pedíra a El-Rei a sua demissão, e que Sua Magestade concedendo-lh'a, me fizera a honra de me encarregar da organisação do novo gabinete.

Não julguei dever subtrahir-me a este penoso encargo, e tive a fortuna de conseguir do patriotismo dos homens, que se sentam ao meu lado, que se prestassem a acompanhar-me na difficil posição em que estamos collocados.

A camara tem direito de querer saber qual é a politica do gabinete, o parece-me que a melhor respostas que poderei dar-lhe, a melhor garantia que poderei offerecer-lhe não os actos de toda a minha vida publica, que 6 já bem longa.

Em todas as situações officiaes em que me tenho encontrado, o meu primeiro dever tem sido sempre fazer cumprir a lei, manifestar o meu profundo respeito pela constituição do estado, a minha dedicação sincera ás instituições que felizmente nos regem, procurando interpretal-as pela maneira mais conforme, com o seu espirito liberal e com as necessidades da civilisação.

Tenho tambem procurado promover os melhoramentos do que o paiz carece, tanto na ordem moral como na ordem material, não perdendo nunca de vista os principios da mais severa economia na applicação das receitas do thesouro ás despezas publicas (Apoiados.), porque é a minha profunda convicção de que uma das necessidades imprescriptiveis d'este paiz é o restabelecimento do equilibrio entro a receita e a despeza, (Muitos apoiados.)

São estes tambem os principios dos cavalheiros que me fizeram a honra de se associarem a mim. Alguns d'elles já occuparam estas cadeiras, e deram provas inconcussas da sua lealdade a estes mesmos principios.

O ministerio lisonjeia-se de que n'isto interpreta fielmente os sentimentos do paiz, os sentimentos d'esta camara que o representa, e por isso espera confiadamente merecer o seu apoio, sem o qual não póde desempenhar-se da difficil missão que lhe foi confiada.

Vozes: — Muito bem, muito bom.

O sr. Braamcamp: — As declarações claras e francas do illustre presidente do conselho desejo responder em meu nome, e em nome dos meus amigos politicos, com igual franqueza, e lealdade.

Sr. presidente, durante muitos annos combatemos o ministerio passado com todas as nossas forças, por todos os meios legaes ao nosso alcance; combatemol-o, porque entendíamos que o systema que elle seguia, tanto na administração geral do estado, como na gerencia dos interesses economicos do paiz, era prejudicial e, funesto; combatemol-o sem despeitos pessoas. sem ambição desregrada, ao poder; combatemol-o, respeitando, como nos cumpria, os individuos que o compunham, mas guerreando os actos da sua administração, que julgavamos que

impeliam o paiz para uma situação difficil e cheia de perigos.

Hoje apresenta-se perante esta camara o novo gabinete presidido pelo illustre marquez d'Avila, composto de cavalheiros já conhecidos" na vida politica, uns já experimentados na gerencia dos negocios publicos, outros que têem dado nas discussões d'esta camara provas da sua competencia e capacidade.

O actual ministerio apresentou como programma o passado do illustre presidente do conselho, e declarou positivamente que as suas aspirações são de ordem e de economia, e que tem como fim principal da sua administração restabelecer o equilibrio das finanças, e prover quanto possivel á boa organisação da nossa fazenda publica.

Os precedentes do illustre presidente do conselho são garantia bastante de que taes promessas serão cumpridas.

Sr. presidente, o novo gabinete, insistindo n'este ponto, pelo qual sempre temos pugnado, e mais ainda desde o principio d'esta sessão, não póde deixar de merecer o nosso apoio.

O partido progressista não veiu a esta camara soffrego do alcançar o poder, apresentou-se perante ella resolvido a sustentar os principos que tinha consignado no seu programma, a propugnar pelas reformas que elle julga essenciaes, e a concorrer por todos os meios ao seu alcance para melhorar o estado da fazenda publica.

O illustre presidente do conselho, apresentando como programma d'esta administração principios que nós consignámos no nosso programma, devia, encontrar o nosso apoio. E não pense a camara que nos illudamos, julgando que o ministerio levará a effeito todas os reformas que enumerámos n'aquelle programma; nem o esperámos, nem lhe pedimos, mas prestando-lhe apoio leal e franco, não abdicámos das nossas opiniões, nem engeitâmos os principios que sempre temos sustentado.

Sr. presidente, não podemos deixar de acompanhar o actual gabinete, desde que o nobre presidente do conselho declara que acceita como seus os principios de moralidade, de economia, de respeito ás leis, principios que inscrevemos entro os primeiros do programma do partido progressista.

Quando a questão de fazenda se apresenta tão difficil e tão momentosa, que se sobrepõem a todas as mais, faltaríamos ao nosso dever se não nos pozessemos ao lado do ministerio para o coadjuvarmos no desempenho da "sua tão ardua missão.

Seguindo este caminho, torno a dizel-o, não renegámos o nosso programma, nem os principios n'elle consignados, nem as reformas que n'elle enunciámos, antes, e bem pelo contrario, começámos a pôr em execução esses principios e essas reformas.

Sr. presidente, terminando, só tenho que affirmar aos illustres ministros que, n'este empenho que elles manifestam de firmar os principios do moralidade na administração, de manter o respeito á lei, de estabelecer a boa ordem na gerencia da fazenda, publica, s. ex.ªs podem contar com o nosso apoio sincero. (Apoiados.)

O sr. A. R. Sampaio: — Ainda antes do illustre presidente do conselho dizer á camara que elle era representante da maioria, o nosso apoio estava já decidido (Apoiados.)

Havia maioria e opposição. O illustre presidente, do conselho diz que o governo representa a maioria; a nossa deliberação está tomada, Que programma apresentou aqui o illustre presidente do conselho? Ha uma questão que domina todas as outras, é a questão da liberdade, da ordem, do respeito á lei, e da sustentação das nossas instituições. (Apoiados.)

Emquanto o illustre presidente do conselho não abraçar o programma da Granja que revolve toda a sociedade,

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estamos com elle (Apoiados.); não havemos de saír d'esta camara para a rua, havemos de estar no nosso posto, havemos de subordinar o nosso apoio a esta questão magna, a esta questão de principios, e havemos tambem, sem abdicarmos as nossas convicções, de transigir com as necessidades da nova situação; não desejando tambem, não concorrendo para ella fazer reformas que a nossa consciencia nos diz que não é ainda occasião opportuna para as realisar.

N’este sentido os ministros demittidos, e creio que os seus amigos, estão todos n'este proposito; entendemos que isto nos convem a nós, convem ao paiz, e convem ás instituições; que não podemos exigir mais de ministros que não querem ser tão arrojados como nós.

Creio que nós commettemos, talvez, algumas prodigalidades; creio que lançámos á terra muita semente, que os nossos adversarios julgaram não podia fructificar, mas que nós julgavamos que eram elementos de riqueza (Apoiados.) que haviam de produzir cento por um.

Nós hoje respeitámos as suas convicções; e largando o poder não podemos exigir que elles façam tudo aquillo que nós mesmos não podemos fazer por acharmos tambem difficuldades.

A nossa aspiração é pelo progresso, pela moralidade, por todos os melhoramentos, que todos apregoam, mas que nem todos têem realisado e satisfeito. N'este sentido damos o nosso apoio ao governo, e creio que o novo gabinete não exigirá nada mais de nós, e nós tambem nada mais lhe podemos dar.

N'este sentido creio que tenho dado todas as explicações; e n'esta occasião agradeço em nome do governo demissionário á maioria o apoio sincero e leal que sempre nos deu, e até mesmo á opposição o seu modo de proceder, que muitas vezes foi mais favoravel ao governo do que a ella propria. Não seria esse o seu intuito, mas comtudo não é motivo para deixar de lhe agradecer o facto, embora a sua intenção não tivesse por fim o ser-nos agradavel.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Mariano de Carvalho: — Não tenho que acrescentar uma só palavra á declaração que, em nome do partido progressista, ao qual tenho a honra de pertencer, fez o illustre deputado o sr. Anselmo Braamcamp.

Nós fomos algures accusados de sermos um partido de violencia o de desordem. Estimamos, pois, ter uma occasião do demonstrar, não com palavras vãs que o vento leva, mas com factos que ficam registados, que somos principalmente um partido de ordem e de liberdade (Muitos apoiados); que não queremos senão pela propaganda e pela convicção, desde os degraus do throno até á cabano do mais humilde cidadão, espalhar as nossas idéas, fazendo-as vingar judos meios legitimos que as instituições nos facultam. (Muitos apoiados.)

Pedi principalmente a palavra por causa das allusões transparentes que o sr. Sampaio fez ao partido progressista.

A essas allusões respondo — nós conhecemo-vos muito bem, e conhecemos as vossas subtilezas e as vossas astúcias. (Apoiados.)

Vós quereis provocar um debate politico acerbo, quando nós procuramos acercar nos do gabinete para restabelecermos o equilibrio da fazenda publica e as boas condições do thesouro prejudicadas por vós (Apoiados.); nós não vos acompanhamos no intuito de provocar esse debate politico, porque, repito, conhecemos bem as vossas subtilezas e as vossas astúcias. (Muitos ajudados.) Sabemos quaes são os vossos fins.

Se não soubestes ser grandes no poder pela alteza das vossas aspirações e proveitosas reformas, se não soubestes ser dignos na. queda, sabei ao menos ser resignados e prudentes na posição em que vos vedes hoje collocados. Pôde a camara estar tranquilla, porque os srs. ministros demissionários, se alguma vez saírem d'esta casa, não vão para a praça onde está o povo que os repelle. (Apoiados.) Talvez vão para. outra parte.

Escuso de pronunciar mais nenhuma palavra, ou de emittir mais nenhuma opinião, porque me parece que tenho explicado cabalmente o motivo pelo qual hoje, n'esta occasião solemne, n'este momento em que se apresenta o novo gabinete a quem queremos lealmente acompanhar, pelo modo que disse o sr. Anselmo Braamcamp, não pretendemos provocar de modo nenhum um debate politico.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Pinheiro Chagas: — O novo ministerio apresenta-se modestamente na camara, e parece-me que é este mais um motivo para captar as nossas sympathias.

Confesso a V. ex.ª que já vou gostando pouco dos programmas pomposos dos governos, porque correm sempre o perigo de ser dilacerados por todas as urzes do caminho (Apoiados.); prefiro que os ministros promettam menos do que aquillo que tenham talvez tenção de fazer, do que tenham que illudir as esperanças d'aquelles que confiaram cegamente nas suas promessas.

Economia, diz o sr. marquez d'Avila e de Bolama, será a principal divisa do novo governo. A economia é efectivamente hoje mais do que nunca indispensavel na gerencia dos negocios publicos. (Apoiados.)

Bem sei que esta palavra não basta só por si para constituir o programma de um ministerio, porque devo ser a base. principal do programma de todos os ministerios, mas a experiencia tambem nos tem mostrado que a pratica nem sempre corresponde completamente a estas theorias, isto é, que muitas vezes os factos desmentem este ideal que todos os governos devem ter em viria.

Hoje é mais do que nunca indispensavel a economia, porque a situação em que se encontra a fazenda publica, depois de seis annos de larga prosperidade, é má comtudo, e exige, e exige indisputavelmente que haja muita prudencia no manejo dos negocios publicos (Apoiados.) e especialmente na administração financeira (Apoiados.), para nos não vermos de novo a braços com uma crise terrivel, igual aquella que ha dez annos affligiu o paiz, e que começava agora de novo a ennegrecer o horisonte.

E dever de todos os homens publicos auxiliar os novos ministros na tarefa patriotica que vão emprehender. Para nós o nome do nobre marquez d'Avila é sufficiente garantia de que. as promessas feitas serão realisadas(Apoiados.), e por isso os meus amigos politicos o eu lhe, damos sincero apoio, entendendo que todos devem auxiliar o novo gabinete no grande emprehendimento do estabelecer o equilibrio entre a receita o a despeza do estado (Apoiados.); esse que ainda nos ultimos dias do governo demissionário o sr. ex-ministro das obras publicas apresentára como um sonho financeiro, delegando-o para o campo da phanthasia, pura. O paiz espera que os factos agora correspondam ás declarações. O nobre marquez d'A vila. e de Bolama não é novo na vida publica, póde dizer-se que a sua vida politica coincide com a nossa vida constitucional; o seu nome está escripto em todas as paginas da nossa historia, contemporanea: o sempre com honra (Apoiados.), o sempre com lustre: (Apoiados.) o paiz conhece a respeitabilidade do seu nome, respeitabilidade que soube conquistar pela pratica, constante de todas as virtudes civicas (Apoiados.) o pelos muitos e importantissimos serviços que tem sempre prestado ao seu paiz (Apoiados.) A sua vida é, pois, garantia sufficiente para nós entendermos que essas palavras estampadas no seu programma hão de tornar-se uma realidade. (Apoiados.)

E confiados n'isto que eu e os meus amigos politicos, que tinhamos concentrado ultimamente todas as nossas attenções na questão financeira, e que temos como a questão roais vital para o paiz, e que estava sendo a mais perigosa e grave; é por isso, digo, que eu e os meus amigos

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politicos damos o nosso mais sincero e franco apoio ao acual governo (Apoiados.) Entendemos que é necessario antepor agora ás questões politicas a questão de fazenda, que de novo se levantava grave e perigosa depois de seis annos de prosperidade.

Voltemo-nos, pois, para esta questão, e por isso acompanho plenamente o sr. 11 ariano de Carvalho nas palavras que ha pouco proferiu, do que não é occasião de oppor programma, nem de apreciar esta ou aquella politica, nem de travar uma pugna politica; mas nós deputados da opposição, que combatemos aqui tenazmente um governo que as suas tendencias eram todas para a despeza excessiva, não podemos deixar de apoiar um governo que adopta o programma opposto, e que, se representa a maioria, como disse o sr. Sampaio, representa n'esse caso a maioria arrependida. (Muitos apoiados.)

O programma do ministerio, o programma que foi resumido pelo sr. marquez d'Avila de Bolama n'uma palavra, a economia, é agora o programma da opposição.

Ha seis annos, quando eu entrei pela primeira vez no parlamento, já tinham de se pôr de parte as questões politicas para se tratar da questão de fazenda; decorreu um periodo de prosperidade, e é ainda a questão de fazenda que se impõe ás nossas preoccupações preterindo todas as outras. E se assim acontece, nem é culpa da opposição nem é culpa do paiz. (Apoiados.)

Vozes: — Muito bem.

O sr. Osorio de Vasconcellos: - Não praticaria eu uva. acto honrado, coherente e logico se, ao apresentar-se pela primeira vez n'esta casa o novo ministerio, não dissesse com toda a franqueza e com toda a hombridade do meu caracter quaes as minhas idéas e opiniões com relação á nova administração.

Sr. presidente, eu tambem venho da opposição ao antigo governo. Fiz-lhe opposição desde que elle nasceu para a vida politica e administrativa até ao ultimo momento em que das mãos imbelles deixou caír as pastas.

Ouvi com a devida attenção, e com o respeito que me merece, o programma do sr. presidente do conselho, as phrases com que s. ex.ª como que nos defrontou com o adito do gabinete a que preside, o nas quaes resumiu qual o proposito do ministerio, qual a sua politica.

S. ex.ª disse, e com apoio meu, que é necessaria toda a economia na administração da fazenda publica, Apoiei, e approvo o que disse o sr. presidente do conselho. Na gerencia dos negocios publicos a economia deve ser norma constante, deve ser uma aspiração legitima de todos os dias, deve ser uma pratica ininterrupta.

Administrar sem economia, administrar com franquezas predularias e continuos esbanjamentos é concorrer para a destruição da nação, é semear a ruina o a morte. (Apoiados.)

Eu quero, portanto, a economia, quero que se tenha sempre em, mira os preceitos saudáveis e severos da moralidade em todos os actos de administração. Quero-o agora, como sempre o quiz. E commigo estão todos os homens honrados. (Apoiados.)

Mas uma nação não póde só governar-se pela economia e pela moralidade, precisa que os governos dêem largo e fecundo desenvolvimento aos seus melhoramentos moraes e materiaes. O governo não deve attentar sómente nas circumstancias de momento, é necessario ter vistas mais largas, perscrutar o futuro, aproveitar todas as forças vivas da nação para que possam dar o que devem dar legitima mente. (Apoiados.)

E é por isso que eu, com o animo perfeitamente desassombrado, sem paixão, com toda a imparcialidade, sem pretender por fórma alguma lançar a menor suspeição no caracter individual e politico dos srs. ministros, lhes vou fazer algumas perguntas, a que espero que respondam.

Estas perguntas, se acaso não podiam brotar n'este momento de qualquer dos partidos aqui representados, imporia que sejam proferidas por um homem de boa fé que occupasse uma posição tão definida e concreta como a que eu occupo n'esta casa. Bom é que ao lado das phalanges robustas, que compõem os partidos, haja algumas individualidades humildes que apresentem francamente a sua opinião sem ambages nem reticencias, o sejam a expressão sincera do paiz, que é o julgador soberano e imparcial. A consciencia individual tambem é alguma cousa perante a consciencia collectiva dos partidos. (Apoiados.) E não raro, sr. presidente, vale mais, muito mais, porque é muito mais sincera. (Muitos apoiados.)

Sr. presidente, não quero eu, com estas phrases, estigmatisar a existencia dos partidos. Não. São essenciaes os partidos, são especialissimos os dois partidos progressista e conservador. (Apoiados.) É necessario que haja conservadores, assim como progressistas. E necessario que todas as cambiantes e opiniões estejam representadas legitimamente o legalmente, que vivam lado a lado, que se combatam e gladiem, mas que nunca esqueçam as leis sagradas e imperiosas da tolerancia reciproca. (Apoiados geraes.)

Não sei se o governo é conservador, se é progressista, e quizera sabel-o, e imporia que o saiba o paiz, porque as duas escolas excluem-se. Ha differenças caracteristicas entre os dois. Qual é o caracteristico entre os dois partidos? Sobre a moralidade e a economia creio que não póde nem deve haver discrepancia. Quem ousaria dizer n'este logar «eu não quero economias, eu não quero moralidade na administração e em todos os actos, assim publicos como privados, dos ministros?»

Quem leria esse arrojo, quem se atreveria a fazer esta cynica declaração? (Apoiados.) Ninguém. (Muitos apoiados.)

Eu declaro que sou progressista, e sou progressista franco e leal. Eu quero que a evolução lenta, successiva, gradual, logica, rasoavel e necessaria se effectue constantemente, dia a dia, momento a momento, porque as idéas não param, porque o mundo caminha, porque as sociedades transformam-se e aperfeiçoam-se, porque o movimento é a condição essencial da vida. (Muitos apoiados.) Mas nem por isso desconsidero o partido conservador; é por isso que eu elogiarei francamente o governo, se elle me disser com igual franqueza que é conservador.

Eu respeito os conservadores, respeito todos os homens que tenham idéas justas e rasoaveis. Portanto, para aferir desde já o criterio do novo gabinete, cujos homens são dignos da minha consideração, eu começarei por perguntar ao illustre presidente do conselho, cuja carreira, cujos talentos e cujas habilitações ninguem ha que tanto respeite e confesse como eu, quaesquer que tenham sido as dissidências politicas que tenha havido entre mim e s. ex.ª em epochas passadas, dissidências que nunca poderam eliminar o meu respeito por s. ex.ª; eu, pergunto se s. ex.ª deseja ou julga opportuno fazer as reformas no pacto politico do paiz, que têem sido invocadas, pedidas e propaladas ha muito tempo n'esta casa, lá fóra, em toda áparte, em todas as tribunas legaes. Mas se o nobre presidente do conselho entender que não é esta a occasião opportuna de fazer essas reformas, ou, ainda mais, que não está isso no seu papel, declaro-me perfeitamente de accordo, eu applaudo a s. ex.ª Ninguém é obrigado a fazer aquillo que não está na sua consciencia, mas nós precisámos de uma, resposta, que torne evidente o que nos é licito esperar do novo gabinete no largo capitulo das reformas politicas.

Sr. presidente, dividam-se e extremem-se as escolas liberaes; ha escolas, aliás respeitaveis, que negam a necessidade das reformas politicas, e nós precisámos saber qual é a opinião do governo a este respeito.

Sr. presidente, se eu não quero que com as despezas loucas se estanquem os fundos da receita, antes exijo que se façam as economias que sejam compativeis, é tambem necessario não cruzar os braços perante os melhoramentos

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publicos que as necessidades impreteriveis da civilisação reclamam urgentemente. (Apoiados.)

Sr. presidente, eu tive a honra de defender aqui a necessidade de construir o caminho de ferro da Beira Alta; e digo-o com aquella hombridade que sempre tenho mostrado na minha vida, que reputo esse commettimento uma grandissima necessidade. E esta a minha convicção.

Por muito graves que sejam as circumstancias financeiras do paiz é necessario não esquecer os melhoramentos publicos. Tudo tem termos, o tudo tem uma fórma de equilibrio. Quero o equilibrio das finanças, mas para que este equilibrio se possa manter é preciso que, a par das economias nas despezas e da moralidade na administração,. haja o que se chama melhoramentos materiaes (Apoiados.), haja a erupção da actividade o da riqueza pelo aproveitamento dos recursos naturaes. (Apoiados.) ¦ Estas perguntas são feitas do uma maneira geral ao nobre presidente do conselho, a quem muito considero, mas referem-se tambem a cada um dos srs. ministros, por quem professo o maior respeito.

Houve uma reforma de instrucção primaria, que foi votada n'esta camara, reforma que eu entendia, e ainda entendo, que não podia satisfazer as aspirações que tenho dentro do peito; mas que, em relação ao estado actual, é muito melhor, porque o estado actual é uma vergonha e um vilipendio. (Muitos apoiados.)

Pergunto ao nobre presidente do conselho, se s. ex.ª está disposto a empregar todos os seus esforços para que esta reforma seja approvada na outra camara. Foi votada tambem uma proposta para a reforma administrativa; essa proposta não mereceu os meus applausos, comquanto em certos pontos melhorasse o estado actual. Ouso perguntar ao sr. presidente do conselho se está disposto a empregar as suas diligencias para que esta reforma possa saír á luz ou como está ou modificada conforme a vontade de s. ex.ª ou das maiorias das duas camaras.

Não sei se o sr. ministro da justiça do ministerio passado chegou a apresentar a proposta para o registo civil, segundo os compromissos solemnes que tomou com algum deputado. Na minha opinião o registo civil é uma necessidade urgente o instante. A falta do registo civil é uma affronta á liberdade de consciencia. Portanto, o nobre presidente do conselho, que nos declarou que era liberal e que foi liberal toda a sua vida, e que tem sempre tratado os negocios da maneira mais consentanea com os principios liberaes, o sr. presidente do conselho certamente ha de fazer com que o registo seja emfim uma verdade, e. não continue este regimen de hypocrisia em que temos vivido; temos o registo civil no codigo civil, mas realmente não existe. (Apoiados.)

E sabido que o ministro anterior da marinha, o sr. Andrade Corvo, que não tem assento n'esta camara porque é membro da outra casa do parlamento, tinha organisado varias expedições para a costa d'Africa, subordinando-as a um pensamento geral, que não pretendo discutir n'este momento, até porque já em outra occasião mais opportuna tivesse manifestado a minha opinião. Do pensamento do sr. Andrade Corvo eram essas expedições o principal instrumento. Pergunto, pois, ao nobre ministro da marinha se porventura entende que aquelle pensamento deve ser posto de parte ou se deve continuar a realisar-se e emfim ser uma verdade.

Ainda mais uma pergunta, e é dirigida ao actual ministro da guerra, de quem tenho a honra de ser amigo e camarada ha muito tempo, pelo qual tenho todo o respeito e consideração.

Pergunto ao nobre ministro da guerra, de uma maneira perfunctoria, quaes são as suas idéas sobre a organisação do exercito. Quer s. ex.ª o serviço pessoal obrigatorio, ou quer o systema que hoje existe, com o qual é impossivel defender a autonomia e independencia do paiz? E seja-me permittido dizer desde já que essa questão foi uma das rasões porque impugnei a administração militar do sr. Fontes, presidente do ministerio anterior.

Entendo que emquanto o serviço militar não for pessoal e obrigatorio o d'uma verdade palpavel; emquanto n'este tributo de sangue houver excepções odiosas — em quanto imperar a aristocracia do dinheiro, as instituições militares não passarão de um sorvedouro, onde se perderá o melhor dos tributos, o melhor da substancia publica. (Apoiados.)

Portanto, a organisação militar por tal modo apposta que abranja no seu vastissimo âmbito todas as forças do paiz, é a organisação primordial, essencial para nos dar segurança, para o paiz se poder defender o resistir de uma maneira efficaz a todas as arremettidas que possam tentar contra nós.

Podia alongar demasiadamente este interrogatório se porventura pretendesse abrir debate politico, o que não está no meu animo, ou assetear o ministerio, o que ainda muito mais longe está dos meus desígnios. Quero apenas que os ministros, que tão honradamente se apresentam perante a representação nacional, me digam, com a lisura e franqueza propria do seu caracter, qual o seu pensamento sobre todos estes assumptos.

Depois (Visto eu tenho a acrescentar apenas breves palavras.

Tenho simplesmente a dizer que para mim as questões de pessoas são questões perfeitamente secundarias. Se em logar dos illustres cavalheiros que vejo sentados.laquei-las cadeiras, estivessem ali outros quaesquer que correspondessem, não do uma maneira absoluta, porque o absoluto não é d'este mundo, mas da maneira mais approximada possivel, ás idéas que eu entendo que são as melhores, creia V. ex.ª que as minhas sympathias individuaes lhes seriam votadas. (Apoiados.)

As pessoas podem ser muito respeitaveis, mas as funcções que ellas exercem são mais respeitaveis ainda. Por muito que valham as individualidades vale muito mais o paiz, que nos Contempla, que nos examina, que nos vê e que. espera que todos nós caminhemos concordes para em commum empenharmos todos os esforços, todos os vigores do nosso animo no proposito de resolver de uma vez para sempre as difficuldades que infelizmente nos assoberbam, e estão tolhendo e tornando seriamente embaraçosa a realisação de todos os melhoramentos. (Apoiados.)

Dito isto, não tenho senão a agradecer á camara o silencio e a attenção com que se dignou escutar-me.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por varios srs. deputados e pares do reino.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: —

Levantando-me para tomar parte n'este debate, permitta-me a camara que eu lhe peça desculpa da emoção que de mim se assenhoreia, lembrando-me de outros debates, em que aqui tomei parte, durante longos annos que foram os melhores da minha vida! (/Sensação.)

Começo por agradecer a todos os cavalheiros que tomaram parte n’este debate, representando as diversas fracções liberaes que compõem a camara, as expressões benevolas de que usaram para com o ministerio, e principalmente para commigo.

Estas expressões de que se serviram s. ex.as, e as considerações que as acompanharam, apesar de parecerem tender a fins diametralmente oppostos, deixam-me a esperança de que havemos de acabar por nos entendermos todos.

Ha pontos no programma do ministerio que merecem a approvação de todos os lados da camara (Apoiados.), do todas as fracções liberaes que aqui estão representadas, e é esse o desejo do governo.

O ministerio tem ainda tambem outra pretensão, ambiciosa talvez em demasia—é a de cooperar com todos os

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meios ao seu alcance para que desappareçam quanto possivel essas divergencias mais apparentes do que reaes que dividem hoje a familia liberal. E se o conseguir considerará este acto como o mais importante da sua vida.

O illustre deputado que acaba de fallar obriga-me a responder-lhe com a franqueza com que s. ex.ª se exprimiu.

S. ex.ª disse que não bastava a economia, que era preciso mais alguma cousa do que isso para governar um estado.

Concordo, e parece-me que eu tinha sido bem explicito a este respeito. Eu tinha dito que nas diversas posições officiaes em que me tenho encontrado, tenho sempre procurado promover os melhoramentos de que o paiz carece, tanto na ordem material como na ordem moral.

Foi esta pelo menos a idéa que eu quiz exprimir. Talvez não me expressasse com toda a clareza.

Repito, nas diversas posições officiaes, era que me tenho encontrado, e são já numerosas, tenho procurado sempre promover os melhoramentos de que o paiz carece, tanto na ordem moral como na ordem material; e acrescento, comtudo, que foi tambem sempre meu timbre seguir os principios da mais rigorosa economia na applicação da receita do estado ás despezas publicas. Porque eu tenho a profunda convicção de que uma das primeiras necessidades, hoje e sempre, do estado é o restabelecimento do equilibrio entre a receita e a despeza.

Ora parece-me que assim tinha eu respondido ao illustre deputado, tanto no que me perguntou em relação ao caminho de ferro, como ao que me perguntou a respeito do projecto de instrucção primaria, que já foi approvado n'esta camara, e que está na outra casa do parlamento.

Não nos illudamos. O ministerio não quer illusões. A sessão esta muito adiantada.

Nós como ministros somos de hontem; nós não tivemos ainda tempo para concordarmos a respeito dos projectos submettidos ao parlamento, e das grandes questões que é preciso resolver. (Apoiados.)

Com relação a esses projectos e a essas questões, cada um de nós póde ter opinião formada, cada um de nós póde responder por si; nenhum de nós póde responder como governo.

E o governo entendia que era do interesse publico que nos occupassemos agora, sobre tudo, das questões de fazenda, da votação da lei de meios, e das medidas costitucionaes, que são indispensaveis para a governação do estado, reservando para mais tarde, se o governo merecer o apoio da camara, e poder voltar a estas cadeiras, o occupar-se especialmente de todos esses projectos de que fallou o illustre deputado.

O illustre deputado concordará que não é n'uma sessão da legislatura que está quasi no seu fim, e com um ministerio que acaba de se formar, que se podem tratar assumptos d'esta gravidade.

Permitta a camara esta franqueza a um homem, como disse o sr. Pinheiro Chagas, que está vinculado ao restatabelecimento do systema representativo em Portugal. Não tenho essa pretensão; mas sou de 1831, e em 1834 tive. a honra de occupar n'esta camara uma cadeira, e d'ahi por diante quasi constantemente: sou portanto um velho servidor da causa liberal, e posso fazer a historia do meu paiz, e hei de fazel-a com imparcialidade.

O illustre deputado insistiu sobre a designação do partido conservador e do partido progressista, e declarou que não levará a mal que o governo se declare conservador.

Eu francamente declaro que toda a minha vida tenho sido considerado como pertencendo ao partido conservador, e não renego essa qualificação: todos os factos da minha vida provam, porém, que eh não comprehendo que se possa. ser conservador sem ser liberal e sem ser progressista. Entre esses factos submetterei os dois seguintes á apreciação do illustre deputado.

Eu caí com a carta em 1830. Eu tinha jurado a carta; ella era dadiva de um principe generoso, que tive a honra de conhecer e de servir; e a minha convicção era, e é ainda hoje, que sem elle, não só porque outorgou a carta, mas porque a defendeu á custa da sua vida, nós não estavamos hoje aqui. Um sentimento de gratidão para com elle, e um sentimento de respeito pelo juramento que tinha prestado, obrigou-me a caír com a carta. Occupando n'essa occasião um logar administrativo, de governador civil de um districto, pedi a minha demissão, e como deputado eleito protestei contra a revolução de setembro. Mas d'essa revolução resultou um congresso eleito pela nação; esse congresso fez uma constituição nova, e para isto chamo muito a attenção do illustre deputado, essa constituição nova tinha melhorado alguns artigos da carta e preenchido algumas das suas omissões, ou melhor ainda, tinha definido mais claramente algumas das suas disposições.

A nação jurou esse pacto, e eu entendi que estava desligado do juramento que havia prestado para com a carta, porque era a nação que me tinha desligado d'elle. Os eleitores de alguns collegios acreditaram as declarações que eu fiz de ser fiel á nova constituição como o havia sido á carta, e honraram-me com os seus votos; vim á camara, e cumpri fielmente o meu novo juramento. Fui chamado aos conselhos da corôa. Foi proclamada a carta. Não quero apreciar agora esse acontecimento, o que é certo é que eu que tinha caído com a carta, caí com a constituição de 1838. Acha o illustre deputado que estes dois actos são os de um conservador, na accepção odiosa que se dá a este nome?

O sr. Osorio de Vasconcellos: —Odiosa, não!

O Orador: — Não digo que é o illustre deputado que lhe liga este odioso; mas s. ex.ª concordará commigo em que geralmente se entende por conservador um homem retrogrado, que não quer nenhum melhoramento politico na constituição do seu paiz. Estes factos, pergunto eu, revelam porventura um conservador, no sentido que se tem dado a esta palavra?

E note o illustre deputado, que é um homem novo (o que eu lhe invejo), que os homens que em 1834 se chamavam conservadores, foram os homens do verdadeiro progresso. Chamavam-se esses homens duque de Palmei-la, José da Silva Carvalho, Agostinho José Freire, Rodrigo da Fonseca Magalhães; veja o illustre deputado os discursos d'esses homens no parlamento; veja os serviços que elles prestaram; veja o modo como combateram um projecto de lei, que era fatalmente exigido pelas circumstancias dolorosas d'essa epocha, fallo do projecto de lei das indemnisações, habilmente combatido por esses homens a par de Manuel Passos e Mousinho da Silveira, a quem ninguem negará a qualificação de verdadeiros progressistas. Quem fez caír tal projecto? Foram esses homens.

O chamado partido conservador voltou ao poder, e governou o paiz de 1842 a 1816, e n'esse praso organisou a companhia de obras publicas, e fez com ella um contrato em virtude do qual essa companhia se obrigou a abrir as principaes estradas do reino e a melhorar os nossos portos, a construir uma penitenciaria, e a construir um caminho de ferro de Lisboa á fronteira de Hespanha. Essa companhia não póde levar á execução aquellas obras, porque veiu depois a revolução de 1846, e destruiu o imposto estabelecido para fazer frente ás respectivas despezas, e o ministerio, que então se organisou, e se chamou progressista, e realmente o era, e os ministerios que se lhe seguiram até 1849, nada poderam fazer.

Voltou ao poder em 1849 um ministerio conservador, e d'esse ministerio fiz eu parte, e occupou-se logo da creação de um imposto para a construcção de estradas, de uma lei que regulava essa construcção, e de uma lei de expropriações. Consulte o illustre deputado a legislação de 1850,

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e lá verá o meu nome associado a essas leis. Ha ainda um documento que o illustre deputado poderá encontrar no ministerio da fazenda, e é a resposta que dei ao presidente do conselho e ministro do reino, que me perguntou se, como ministro da fazenda, eu teria duvida de que se construísse um caminho de ferro de Lisboa á fronteira; na minha resposta favoravel, apesar das muito difficeis circumstancias do thesouro, eu alleguei algumas das rasões que hoje são dadas no sentido de aconselhar aquelles melhoramentos como outros tantos meios de augmentar a riqueza publica. (Apoiados.)

Portanto classifique-me o illustre deputado como quizer, mas eu entendo que se não pode ser conservador sem ser liberal e sem ser progressista. O conservador liberal, se não for progressista, é retrogrado, porque o mundo marcha, as instituições carecem de ser aperfeiçoadas todos os dias, á medida que progride a civilisação, e quem estiver parado recua. (Apoiados.)

Creio, com estas declarações, ter respondido ás perguntas do illustre deputado.

Quanto ás minhas idéas sobre reforma da carta, não sou opposto de modo algum a essa reforma; o que eu quero, o que eu desejo é que essa reforma se faça pelos meios estabelecidos n'ella (Apoiados.); não quero que se faça tumultuariamente, revolucionariamente. (Apoiados.)

Estimo muito que um illustre deputado tivesse levantado esta questão, porque realmente a adhesão da camara ao que eu acabo de dizer enche-me de satisfação.

A carta, ella mesma reconheceu que carecia de ser melhorada, o lá estabeleceu os meios para esse aperfeiçoamento; os illustres deputados sabem-n'o muito bem.

Quanto ao mais. como não quero cansar a camara, e estão inscriptos muitos illustres deputados, que talvez desejem tomar tambem largamente parte no debate, digo só ao illustre deputado, que não exija do gabinete a sua opinião decidida sobre certas e determinadas questões, sobre certos e determinados projectos, que ou estão submettidos ao parlamento ou ainda não vieram. O ministerio não teve ainda tempo para combinar a respeito d'esses projectos, e não se quer apresentar na camara sem um pensamento que possa dizer que é o seu, e que elle entenda que é da sua dignidade fazer triumphar. (Apoiados.)

Vozes: — Muito bem.

O sr. Thomás Ribeiro: — Sr. presidente, ao principiar esta sessão sentia necessidade de pedir a V. ex.ª a concessão de me dirigir aos illustres ministros fazendo-lhes algumas perguntas; depois julguei que seria mais conveniente, ouvido o programma do nobre presidente do conselho, esperar que. s. ex.ªs no remanso do gabinete podessem preparar os seus negocios, e responder depois ás perguntas que eu tivesse de lhes dirigir.

Fallou em nome do meu partido o meu illustre amigo, ex-ministro do reino, o sr. Rodrigues Sampaio; desde esse momento mais me convenci da desnecessidade de fallar eu, simples soldado da maioria. Peço perdão a V. ex.ª para continuar a chamar maioria aos deputados regeneradores, porque nós continuamos unidos, hoje, fóra do poder, como quando apoiávamos o ministerio passado, e nenhum de nós tem tenção de se desviai de fórma nenhuma nem do programma que sempre aqui sustentámos, nem dos principios que lhe servem de base o que têem sido até hoje apoiados por nós conscienciosamente.

Dizia eu, sr. presidente, que em vista das explicações do nobre ex-ministro e meu antigo amigo pensava que podia reservar para melhor occasião as minhas explicações meramente individuaes, quando notei que da parte da antiga opposição, hoje felizmente encorporada na maioria, ' se dirigiam ao partido regenerador allusões que me não agradaram, e entendi do meu dever responder-lhes.

Começo por dar aos nobres ministros os meus parabens pela quasi unanimidade (se não pela unanimidade) de boas vontades com que são recebidos n'esta casa do parlamento. E como não desejo, apesar do muitissimo respeito que consagro ao illustre presidente do conselho e amizade que lhe tributo (s. ex.ª sabe perfeitamente que eu sou sincero no que digo) e a todos os seus collegas como não desejo, repito, que o governo se persuada de que a maioria antiga d'esta casa lho dá mais votos do que realmente lhe dá, devo, com a consciencia que me acompanha sempre em todos os meus actos, fazer uma declaração que sómente a mim diz respeito.

Sr. presidente, ouvindo as declarações feitas pelo illustre deputado, o sr. Anselmo Braamcamp, em nome do partido a que s. ex.ª preside, e as que depois se lhe tem seguido, entraram no meu animo duvidas que antes não tinha.

Sinceramente, quando vejo asseverar, ou, quando menos, simolar convergências de opiniões tão divergentes, confesso a V. ex.ª que a disposição do meu animo é para se retrahir, e a prudencia ensina-me a que, sem esperar nem desesperar, aguarde os actos do governo.

N'este estado digo, pois, ao ministerio, eu singularmente, entenda-se bem, que reservo o meu voto para o modelar pelo seu procedimento. Que póde contar com o meu voto e com o meu apoio se, em geral, como devo crer, se não mostrar em antagonismo com o que tenho defendido, acompanhando o ministerio transacto, porque eu não renego o programma do partido regenerador a que tenho muita honra de pertencer. (Apoiados.)

Digo tambem, como o sr. Antonio Rodrigues Sampaio, que não se póde exigir do actual gabinete que tome por mão todas as medidas que o antigo ministerio tinha trazido ao parlamento; fóra exigir demasiado; o que, porém, não acceito, e creio que a maioria não póde tambem acceitar, é um programma que seja adverso ao nosso, accorde com aquelle que sempre temos impugnado, e que é bandeira de outro partido. (Apoiados.)

Cheguei ao ponto, por consequencia, de declarar que a minha espectativa, espectativa a que me vejo forçado, não é, nem o podia ser, malevolente, mas, com franqueza, tambem não é desde já benevolente. Confessarei, porém, com o mesmo desassombro, que a acompanha um grande desejo de poder ajudar o governo dissipadas as duvidas que se fizeram no meu espirito, e de o secundar em todas as suas aspirações, que eu julgo hão de ser justas, liberaes e patrioticas. Exceptuo d'esta reserva o illustre ministro da justiça.

Seja qual for o meu procedimento para com o ministerio actual, o illustre ministro póde contar com a minha dedicação sincera e franca. Não abdico, porém, com isso os meus sentimentos politicos nem as minhas opiniões a respeito da administração da justiça, mas ajudarei com inteiro desprendimento a s. ex.ª, a quem entendo que devo prestar coadjuvação, quanta caiba nas minhas limitadas forças. Pôde s. ex.ª contar com isso.

Feita a minha declaração tão sincera como V. ex.ª a ouviu, cumpro-me dizer aos nossos antigos adversarios politicos, e especialmente ao sr. Pinheiro Chagas, que não somos maioria arrependida, (Apoiados.)

E note V. ex.ª que não tenho nenhum horror ao arrependimento. No dia em que me parecer que vou por mau caminho hei de arrepender-me e penitenciar-me. S. ex.ª esqueceu depressa a amisade que ainda ha bem pouco tempo nos consagrava (Apoiados.); s. ex.ª esqueceu-se tambem de que tinha amigos no governo e na maioria, com quem n'este momento devia ser justo, ou, ao menos, mais benevolo.

S. ex.ª esqueceu-se ainda de que estava sendo apoiado no seu discurso, o quando fallava de arrependimentos pelo antigo partido historico, que se arrependeu de ter combatido o antigo partido reformista. (Apoiados.) S. ex.ª esqueceu-se, quando fallava de arrependidos, do que estava sendo apoiado pelo partido que foi presidido pelo illustre prelado de Vizeu, que vejo na minha frente, partido que

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se arrependeu de combater o partido historico seu antigo adversario (Apoiados.); e ainda por maior desgraça se esqueceu de que s. ex.ª mesmo se tinha arrependido de caminhar ao nosso lado nos nossos esforços e emprehendimentos. (Muitos apoiados.) Aqui tem uma grande somma de arrependidos, e bem vê que não somos nós. (Muitos apoiados.)

Disse tambem um illustre deputado da opposição, que nós queriamos provocar a antiga opposição. Engana-se se o diz sinceramente. Bem sabe que não é esse o nosso habito, e quando o quizessemos fazer não seria de certo no momento em que todos se esforçavam por comprimentar e felicitar os cavalheiros que hoje se sentam nas cadeiras de ministros.

Nós não fazemos provocações; tinhamos mesmo tenção de ouvir silenciosamente o programma do governo, e de sairmos d'esta casa sem ter dito uma palavra.

Tivemos, porém, de pedir a palavra para repellir com a dignidade que é propria de homens que se prezam as provocações d'aquelles que, para mostrarem o seu alegre enthusiasmo pelo poder que se levanta, se lembraram de nos aggredir", desviando as pontarias das cabeças dos nobres ministros para nos metralharem e ferirem, a nós que tinhamos saído do poder, e que não eramos nada para os assumptos d'este debate. (Apoiados.)

Disseram-nos tambem que não sabemos morrer. Certamente; esse é um defeito do partido regenerador; mas d'esta vez sabe V. ex.ª qual foi o maior defeito que os nossos adversarios acharam na morte do governo? Foi o não ficarem seus herdeiros.

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado)

O sr. Arrobas: — Reina completa paz em toda a igreja!.. Já não ha divergencias entre os partidos!.. Todos sacrificam as suas divergencias no altar da patria. D'antes não era assim.

Uniam-se os srs. historicos aos srs. regeneradores debaixo da mesma bandeira, e assim guerreavam hostilisados pelos srs. reformistas. Vinham depois os srs. reformistas e guerreavam os srs. historicos, sendo quasi espectadores os srs. regeneradores. Veiu ainda a junção dos conservadores progressistas com os reformistas formando governo hostilisado por historicos e regeneradores, e por fim regeneradores, primeiro apoiados pelos conservadores progressistas e constituintes, e hostilisados por historicos e reformistas; e depois, só regeneradores hostilisados por historicos, reformistas e conservadores progressistas; porém, agora o caso é ainda melhor: agora estão todos de accordo, e é por isso mesmo que todos fallam. (Riso.)

Será real ou apparente, sincera ou calculada tanta unanimidade em apoiar o actual governo: já não ha differente modo de pensar nos differentes matizes que se notam no partido constitucional? O futuro mostrará: qui vivra verra.

Pedi a palavra, sr. presidente, quando fallava o honrado sr. Anselmo Braamcamp, cheio de jubilo por ver como s. ex.ª por fim faz tão completa justiça ao sr. marquez d'Avila e de Bolama: enche-me de jubilo que s. ex.ª, cuja nobreza de caracter ninguem contesta, e cujas qualidades pessoaes eu de ha tanto estou habituado a admirar, declare tão explicitamente que os precedentes do sr. marquez são uma garantia da boa administração que ha a esperar do governo por s. ex.ª presidido! Estamos a final de accordo sobre um ponto importante; os precedentes do sr. marquez d'Avila e de Bolama são optimos, e assim o entendem todos n'esta casa; pena é que em tempos que não vão longe s. ex.as sustentassem differente opinião, e então era eu como agora que tinha a mesma opinião a respeito do illustre estadista.

S. ex.ª, o sr. Braamcamp, disse que, o partido progressista apoiava este governo, porque admirava os precedendo sr. marquez d'Avila e de Bolama, e porque este governo representava uma perfeita antithese d'aquelle que acabava de deixar o poder; mas s. ex.ª esqueceu-se de que um dos precedentes do sr. marquez d'Avila era ter com os seus amigos a responsabilidade da maior parte dos actos do governo transacto, porque s. ex.ª e os seus amigos, entre os quaes eu me honro de ser contado, apoiaram e votaram em tudo com o governo demissionário até até ao meiado da sessão de 1876, isto é, durante quatro annos e meio (Apoiados.)

Ora n'este caso não póde o governo actual ser classificado de antithese do antecedente só pelos precedentes do seu illustre presidente, como disse o illustre orador.

Já que todos estão com tanto afan apressados em louvar o governo que entra, permitta-me a camara que eu, agora que o governo regenerador já não é poder, declare bem alto que me honro muito de ter apoiado esse governo, e que ainda não me arrependi de o ter feito.

Respeito as opiniões dos illustres deputados que o combateram, mas permitta-se-me a mim, que não estou filiado nem no partido regenerador, nem no historico, nem no reformista, nem no constituinte, que manifeste com franqueza e desassombro tambem a minha opinião.

Eu apoiei o governo transacto, porque elle soube acabar com as maças; soube manter a ordem e a paz em Portugal durante os cinco annos em que esteve no poder: apoiei-o porque emquanto a Europa ardia em guerras e revoluções gosou Portugal de paz e prosperidade: aqui havia respeito aos direitos individuaes, havia liberdade e crescia a confiança e o credito publico dentro e fóra do paiz. (Muitos apoiados.)

Ainda hoje existe a mesma situação politica, porque ainda ahi está a mesma gente constituindo maioria (Apoiados.), e no regimen constitucional são as maiorias constitucionaes quem governa. (Apoiados.) O governo transacto não caiu por votação contraria em nenhuma das casas do parlamento; não caiu por lhe faltar a confiança da corôa, nem a opinião publica. Não estão os mesmos homens no governo, mas a situação politica é a mesma.

Uma voz: Então por que caiu o governo?

O Orador: — Caiu por estar gravemente doente o seu presidente, e porque o sr. Serpa, ministro da fazenda, estava tão doente que saíu d'aqui deitando sangue pela bôca, e foi dar a sua demissão.

Vozes: — Foi só isso?

O Orador — Adoeça o sr. marquez d'Avila.(o que Deus tal não permitta), e veremos com que saude fica o governo actual: desapparece logo este governo. (Hilaridade prolongada.) Esta é a verdade, e eu gosto sempre de a dizer completa.

Eu tenho o maior respeito e consideração pelo sr. marquez d'Avila e de Bolama.

Julgo agora os seus precedentes e as suas qualidades pessoaes como sempre julguei, optimos a todos os respeitos: tenho por isso bem fundada esperança de que os actos do governo presidido por s. ex.ª sejam os melhores, e por isso me conservo em espectativa benevola, sem declarar se apoio ou se combato o actual governo, esperando para me resolver pelos seus actos.

Não posso, comtudo, deixar de exigir desde já que o sr. ministro das obras publicas explique umas palavras ultimamente proferidas por s. ex.ª n'esta casa, e que pareceram dirigidas com injuria ao primeiro estabelecimento de credito do nosso paiz.

S. ex.ª, fallando do projecto relativo ao banco de Portugal, fez allusão a D. Baldomera. Ora, como esse nome equivale a uma insinuação de roubo, abuso de confiança, o quanto ha de mau e abjecto em abuso de operações bancarias, é necessario saber se s. ex.ª, agora que está no governo, mantem o que disse, a fim de eu regular, pela resposta que tiver, o meu procedimento. Preciso depois saber o que pensa a este respeito o governo, isto é, o

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sr. marquez d'Avila. S. ex.ª que, em 1868 e 1870, teve occasião de saber se o banco de Portugal merece injuria ou acatamento, e se foi ou não elle que n'essa epocha fez ou não (desinteressada e patrioticamente) com que o governo de s. ex.ª, e em que era ministro da fazenda o sr. Dias Ferreira, podesse levantar o credito nacional.

O sr. Presidente do Conselho: — Apoiado.

O sr. Dias Ferreira: — É verdade, apoiado.

O Orador: — Bem, já sei a opinião do governo, e agora até dispenso o sr. ministro das obras publicas de se explicar.

Concluo repetindo que me honro muito de ter apoiado o governo transacto, e sem me pronunciar desde já a favor nem contra o actual governo fico em espectativa benevola esperando pelos seus actos.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Barros e Cunha): — Agradeço ao illustre deputado que acaba de fallar o ter provocado da minha parte explicações que elle julgou essenciaes.

A primeira é ácerca do meu accordo com os cavalheiros que estão a meu lado; a segunda é uma phrase que proferi, e que mantenho, quando censurei o projecto da reconstituição do banco de Portugal. Na primeira parte estou dispensado de dar explicações ao illustre deputado, porque o discurso que proferi na primeira vez que fallei na actual sessão legislativa foi de que eu e os meus amigos não tinham outro fim senão occorrer por todos os modos ao equilibrio da receita e despeza publica, instando que a commissão de fazenda se occupasse d'este assumpto, e por isso apresentei uma moção em perfeita e completa harmonia com o que ha pouco acabou de dizer o nobre presidente do conselho de ministros.

Emquanto á segunda parte mantenho a phrase que pronunciei, sem ter lançado a mais pequena suspeita sobre a probidade do banco do Portugal. (Apoiados.) Explicarei melhor o que essa phrase continha.

Eu disse que o governo, privado, pela exageração da divida fluctuante, dos meios do poder continuar a recorrer a ella para despezas impreteriveis, se um periodo de prosperidade menos definida se seguisse, o governo recorreria ao banco de Portugal, e que, permittindo-lhe uma emissão de notas em todo o paiz, o abuso d'ella seria talvez causa de que o numerario se fosse afastando, expulso pela demasiada emissão. E, em verdade, presumi que d'esse facto podia resultar a organisação de... a palavra é a que o illustre deputado me attribuiu, que eu podia empregar como deputado da opposição, mas que peço licença á camara, vista a explicação, que me dispense de a transportar para os conselhos da corôa. (Apoiados.)

O sr. Dias Ferreira: — -Poucos momentos hei de tomar á assembléa. Não entro n'esta especie do pugna parlamenta]-, que se travou entro alguns dos nossos collegas representantes de differentes grupos politicos, que têem assento n'esta casa. Hoje dirijo-me simplesmente aos srs. ministros.

Desejava muito fazer ao governo algumas perguntas attinentes a assumptos importantes de interesse publico, mas cedo por hoje do meu proposito, porque me acho debaixo da impressão dos louvores e das felicitações que lhe tem sido dirigidos por differentes lados da camara, e a que eu me associo, até ao ponto necessario para não perturbar os harmonias que hoje reinam no parlamento.

Estes factos não me surprehendem. Os acontementos de hoje não apresentam novidade.

Ha seis annos que o nobre presidente do conselho entrava n'esta casa com um ministerio organisado tambem de amigos seus, com uma responsabilidade politica definida, e encontrava o apoio quasi unanime dos representantes do paiz.

Esta harmonia o que significa é que todos estão empenhados no mesmo pensamento e depositam igual confiança no governo, porque elle é destinado a satifazer alguma necessidade publica de elevada importancia, em que to dos estão de accordo.

Eu sou o primeiro a respeitar o sr. presidente do conselho, e n'essa parte me associo francamente aos meus collegas, que têem tomado a palavra no debate.

Respeito todos os sr. ministros, honro-me com a amisade de alguns, e não abrigo nenhum sentimento de animosidade pessoal ou politica contra s. ex.ªs

Eu estou quasi enthusiasmado. Desde que vi os grupos mais importantes da camara associados ao pensamento do sr. presidente do conselho, que é o equilibrio orçamental, e sobretudo depois da declaração sincera e leal d'aquelle cavalheiro, de que vae envidar os seus esforços para acabar com as divergencias que existem entre o partido regenerador e o partido progressista, eu prevejo que não vem longe a idade de oiro para a nossa terra. E folgo sempre com esta situação de paz, porque é no meio da paz, da tranquillidade o do accordo entre todos, que podem empregar-se com mais vantagem os meios para resolver desassombradamente as questões que assoberbam a nossa fazenda e a nossa administração.

Não é um governo só por si que póde resolver todas as grandes questões e os problemas mais importantes da administração publica.

Faço justiça ás boas intenções do sr. presidente do conselho, com quem já tive a honra de servir nos conselhos da corôa.

E comquanto as nossas relações pessoaes estejam cortadas ha longos annos hei de fazer-lhe justiça, como justiça desejo fazei a todos.

Os meus principios e os meus intuitos partidarios podem obrigar-me a estar em contradicção aberta com qualquer grupo politico; mas não me accusa a consciencia de ter faltado jamais aos deveres de urbanidade politicos e aos preceitos da justiça para com ninguem.

Procedendo assim julgo respeitar-me a mim, respeitar aquelles a quem me dirijo, respeitar a assembléa onde fallo e os eleitores que me abriram as portas do parlamento, confiando-me o mandato popular.

O sr. presidente do conselho declarou que o seu pensamento era empregar todos os meios e possiveis esforços para restabelecer o equilibrio orçamental.

Acredito que esta declaração é sincera, e associo-me francamente a ella. E conto que s. ex.ª está exactamente na opinião que sempre sustentou, que espero que continuará a sustentar, e que todos os homens illustrados que têem uma larga experiencia de vida publica não podem deixar de reconhecer, quanto á reducção das despezas do estado. Deixemo-nos de illusões, desenganemo-nos de que a principal economia, a que não é tão visivel, mas a que é verdadeiramente productiva, consiste em levantar por meio de operações financeiras os fundos necessarios para occorrer aos encargos do estado a preço baixo, e equilibrar quanto possivel a receita com a despeza do estado por meio do augmento de receita, e de economias e reducções na despeza. A primeira e mais fundamental economia é o equilibrio orçamental.

Mas este programma não é monopolio de ninguem, não é privilegio do governo que occupa aquellas cadeiras.

Está dado para ordem do dia n'esta casa (Apoiados.) um parecer que tem por base essa doutrina.

Ahi está o parecer da commissão de fazenda sobre o orçamento da despeza assignado por onze ou doze membros d'esta assembléa, que apoiavam os ministros demissionários, em que se impõe ao governo a obrigação de na proxima sessão legislativa trazer ás côrtes as medidas necessarias para estabelecer o equilibrio orçamental; e este parecer foi aqui apresentado de accordo com o governo. (Apoiados.) Portanto o programma do sr. presidente do conselho é programma que tinha a maioria que apoiava os ministros demissionários; e é tambem programma das an-

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tigas opposições parlamentares. (Apoiados.) Por isso digo francamente a V. ex.ª, que não me surprehende a quasi unanimidade que vejo, comquanto não possa associar-me a ella.

Tambem eu apoio os srs. ministros nas medidas de interesse publico, porque nenhum pensamento, que não seja inspirado pelos meus deveres de patriotismo, me anima n'este momento nas minhas relações com o poder executivo.

Eu hei de apoiar os srs. ministros em todas as medidas de interesse publico que trouxerem ao parlamento, e sobre tudo o meu ministro, o sr. Barros e Cunha, quando elle trouxer ao parlamento medidas de interesse publico tão incontestavel, como a que apresentou, sendo deputado, para a revogação do ultimo decreto eleitoral.

Pertencemos ambos á commissão especial encarregada de dar parecer sobre essa proposta, votámos ambos no mesmo sentido, e ambos ficámos vencidos, porque a maioria de accordo com o governo julgou inopportuna a realisação de tão boa idéa. E nem é de estranhar que eu, embora pertencesse á maioria, me pronunciasse contra o governo n'aquella medida especial.

Já, disse aqui o sr. Thomás Ribeiro, que todos consideram de certo como regenerador convicto, que n'esta casa tinha algumas vezes votado contra o seu partido politico.

Tambem eu votei n'esta casa algumas vozes contra os srs. ministros demissionários sem comtudo me separar da situação. Ahi está a minha assignatura no parecer da commissão de fazenda do anno passado ácerca da venda do caminho de ferro do sul e no parecer da mesma commissão d'este anno sobre a construcção por conta do estado do caminho de ferro da Beira Alta. Na questão da revogação do decreto eleitoral de 18 de março de 1869, achei-me na commissão unicamente com o voto do sr. Barros e Cunha. E para mostrar que as minhas primeiras manifestações de adhesão aos srs. ministros em todos os assumptos de interesse publico não são palavras vãs, obrigo-me desde já a acompanhar o sr. ministro das obras publicas nas diligencias necessarias para que quanto antes seja revogado o decreto de 18 de março de 1869, que os seus proprios auctores reputaram inconveniente vindo trazer ás côrtes as medidas indispensaveis para elle ser deitado por terra. (Apoiados.) E agora a occasião mais opportuna para se tratar essa questão.

Quando todos os partidos estão de accordo; quando ninguem póde arguir nem os membros do poder legislativo, nem os membros do poder executivo, de que um pensamento reservado possa determinar esta indicação; quando não apparece uma nuvem negra no horisonte politico, e tudo se apresenta côr de rosa; quando não ha senão palavras de louvor e applauso ao governo; quando não apparece indicio nem symptoma de ser necessario appellar desde já para o suffragio eleitoral, porque a situação é de santa paz e de santa tranquilidade, é que nós podemos revogar aquelle decreto e restaurar a lei antiga. (Apoiados.)

As minhas exigencias quanto a reformas politicas com relação ao actual gabinete são modestas. O meu pedido é perfeitamente exequivel, e vae de accordo com as idéas de todos. Não peço ao sr. ministro das obras publicas que apresente agora ás côrtes uma reforma completa da lei eleitoral. Não lhe lembro, nem aos seus collegas, um programma politico a respeito de todas as cousas e de muitas outras mais. Não indico aos srs. ministros a necessidade de apresentarem ainda n'esta sessão legislativa, comquanto a sessão possa ser prorogada, medidas do largo alcance para melhorar as instituições politicas, ou para se reformar a administração. Contento-me por agora com que dotemos a nação com uma reforma da lei eleitoral, como convem ao paiz. No meu entender a lei actual, como está, é completamente prejudicial á livre e espontanea manifestação do voto popular. E preciso fazer uma lei que não deixe a eleição á mercê da auctoridade publica, e que, pelo contrario, vá quebrar nas mãos dos agentes do poder executivo as armas com que elles hoje atacam violentamente a pureza do suffragio. (Apoiados.)

Sobre este ponto uno os meus votos aos do sr. Barros e Cunha. S. ex.ª é hoje ministro, e eu sou deputado, e tomo desde já o compromisso de concorrer quanto em mim caiba para que seja revogado o decreto de 18 de março de 1869, de que foi victima principalmente o grupo que o publicou.

Quanto mais os partidos crescem e se multiplicam, ou sob a denominação de grupos ou de confrarias, mais profunda é a desorganisação partidaria. O meio mais proficuo de levantar um paiz collocado n'esta infeliz situação politica é estabelecer as providencias indispensaveis para tornar liberrimo o suffragio eleitoral, e até para não ouvirmos aqui constantemente proclamar que as maiorias não são o echo da vontade popular.

Sr. presidente, V. ex.ª e a assembléa comprehenderão que eu não sou muito exigente em relação ao actual governo, e que até me offereço para auxiliar o sr. ministro das obras publicas na revogação da lei eleiotral.

Acompanhando, porém, o governo, como membro da commissão de fazenda e como membro d'esta assembléa, em todas as medidas de interesse publico, reservo absolutamente o meu voto politico.

Os ministros demissionários lêem quem os defenda no seu partido, e a isso estão obrigados os seus correligionarios pelos principios e pelas exigencias do seu credo politico.

Devo, porém, declarar, que me dou por satisfeito se todos os governos que se sentarem n'aquellas cadeiras deixarem, como o que acaba de abandonar o poder, tão largos vestigios da sua illustrada administração emquanto á paz publica, a melhoramentos materiaes e a tolerancia politica.

Tenho concluido.

Vozes: — Muito bem, muito bem. O sr. Luciano de Castro: —Pedi a palavra quando o ar. Rodrigues Sampaio fez algumas allusões demasiadamente transparentes ao partido progressista, e ao seu programma, com o intuito de repelir essas allusões, e de protestar contra o pensamento que as inspirava.

Já o meu amigo e correligionario, o sr. Mariano de Carvalho, respondeu cabalmente a essas calculadas provocações. Mas como mais tarde o sr. Thomás Ribeiro voltou a referir-se, em termos pouco lisonjeiros, ao programma do partido progressista, certamente com iguaes intuitos, permitta V. ex.ª que eu lhe repita com o sr. Mariano de Carvalho: conhecemos ha muito as vossas astúcias e ardilezas; sabemos o que pretendeis, e vemos a cilada que nos quereis armar, e o caminho por onde desejaes conduzir-nos. Percebemos os vossos intuitos. Quando estaveis no poder, e vos provocámos a discutir o nosso programma, e a indicar claramente os perigos que d'elle deviam resultar para a ordem o para a liberdade, não acceitastes a discussão e fugistes sempre diante de nós.

Agora, que caístes tristemente do poder, e quando não se discute o nosso programma, mas sim o do governo, vindes então fazer desleaes insinuações ao programma e ao partido progressista!

Tende paciencia. Não vos acompanharemos no debate a que nos provocaes. Somos desambiciosos.

Uma novidade nos deu o sr. Thomás Ribeiro. E que uma das mais importantes prerogativas da corôa, qual é a nomeação dos ministros, e a designação dos successores de qualquer situação, passou para o seu partido. Disse-nos s. ex.ª que nós estavamos indignados contra o ministerio transacto, por não ter tido a condescendencia de nos deixar seus herdeiros!

Ora para que o ministerio anterior nos deixasse seus herdeiros, era necessario que para elle tivessem sido transferi

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das as prerogativas do poder moderador. É isto que nós ignorávamos, e que só agora ficámos sabendo pelas revelações do illustre orador.

Não bastava que tivessem abusado no governo das condescendências da prerogativa real em exclusivo beneficio da sua conservação. Ainda depois de caídos do poder tentam enfraquecer e desluzir o prestigio da corôa!

Sr. presidente, somos desambiciosos, e sabemos elevar-nos á altura da nossa missão, e das nossas responsabilidade? politicas. Não temos despeitos por não termos sido chamados ao governo. A prova mais eloquente do que os não temos, é que vamos pôr os nossos serviços e a nossa leal cooperação á disposição do ministerio, sem compensações nem reservas. Se estivessemos contrariados com a organisação do gabinete, viriamos collocar-nos ao seu lado? (Apoiados.)

Direi agora duas palavras para mostrar a rasão por que eu dou o meu apoio ao actual gabinete.

Eu apoio leal e francamente o ministerio presidido pelo sr. marquez d'Avila, porque elle representa para mim a negação da politica immoral e dissipadora que caracterisa e distingue todas as administrações regeneradoras. (Apoiados.)

Para mim o gabinete actual significa a antithese e a contradicção do systema administrativo e financeiro do ministerio passado. (Apoiados.)

E eu não careço de pedir aos srs. ministros garantia ou fiança do seu futuro procedimento. Bastam-me as suas declarações e os seus discursos anteriores á sua elevação ao poder.

O nobre presidente do conselho, o sr. marquez d'Avila e de Bolama, é para mim já sufficiente garantia de que a administração do actual gabinete será moral, parcimoniosa e economica.

O sr. ministro da fazenda, pelos seus discursos na camara dos dignos pares, pela sua opposição declarada aos actos da administração passada na presente sessão legislativa, affiança-me que a sua gerencia procurará por todos os modos fazer esquecer as tradições da administração regeneradora. (Apoiados.)

O sr. ministro da justiça, Mexia Salema, cavalheiro illustrado e sympathico, que todos nós conhecemos, desde que os amigos do sr. marquez d'Avila e de Bolama se separaram do governo transacto, acompanhou-nos sempre n'esta camara na renhida luta que aqui sustentámos contra elle. Sobejamente sabemos, pois, qual será o seu procedimento.

O sr. ministro da marinha, José de Mello Gouveia, não era membro d'esta camara, mas ninguem ignora como s. ex.ª pensava a respeito da gerencia do ministerio anterior, e todos os que o conhecem sabem que s. ex.ª não é capaz de negar aqui as suas opiniões a respeito do gabinete demissionário.

Mas onde mais se concentram as nossas esperanças e mais se affirma a nossa confiança é no sr. ministro das obras publicas.

O sr. ministro das obras publicas é o defensor mais fervoroso das nossas idéas, e o mais decidido adversario do ministerio caído.

Não foi s. ex.ª o presidente do grande meeting que se convocou em Lisboa no anno passado em que se decidiu a accusação criminal dos ministros demissionários? (Apoiados.) Não foi em resultado da resolução d'esse meentig que nós viemos apresentar aqui uma proposta para se nomear uma commissão de inquerito, proposta que motivou a nossa saída d'esta casa? (Apoiados.)

E os discursos sobre administração financeira que ainda n'esta sessão mesmo proferiu o illustre ministro? (Apoiados.)

E podeis vós, antiga maioria do ministerio caído, juntar-vos comnosco para dar apoio ao actual governo? Folgo com isso, mas, por Deus, não venhaes allegar a nossa incoherencia politica. Nós estamos onde estavamos, (Apoiados.) e onde estavam os nossos amigos. (Apoiados.) Todos os cavalheiros que ali estão sentados estavam na opposição e saíram da opposição para o governo. (Apoiados.)

Eu não censuro ninguem. Dou apenas a rasão do nosso procedimento.

O programma do gabinete está escripto nos discursos, nas opiniões e nos actos dos seus membros. Não careço de novas declarações. Confio que s. ex.as realisarão esse programma, que é a negação completa e peremptoria dos actos e da politica funesta de dissipação e immoralidade do ministerio demissionário. (Apoiados.)

Não lhe peço, por isso, explicações categoricas n'este sentido, porque as não julgo precisas, e porque estou convencido que os srs. ministros hão do corresponder lealmente com actos inconcussos de severa moralidade e economia ás esperanças que n'elles deposito, e á confiança que me inspiram.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Estou sob a pressão de uma atmosphera que me incommoda, a que não estou habituado; e a que não quero nem posso habituar-me. Francamente não é a minha organisação propria para viver n'estas condições. Por isso, e primeiro que tudo, procurarei poder respirar e ficar á vontade, leal e franca mente, a meu modo, que é um modo muito diverso d'aquelle que os meus illustres collegas usam, modo que eu n'elles respeito, e que até poderia invejar, se eu fosse capaz de invejar aos outros qualidades que me faltam. Respeito em todos o seu systema, mas sigo o meu.

Perante o parlamento vejo um facto importante que me pertence considerar; é a apresentação de um ministerio novo, organisado em condições tão excepcionaes que nenhum parlamento que se respeite, póde, na minha opinião, deixar de as apreciar e julgar, logo e desde o primeiro momento, seja qual for a pressa que homens ou partidos sintam de se agrupar em roda dos nobres ministros, seja qual for o amor de todos pelos interesses puramente patrioticos e politicos que com tanta violencia os precipitam a assegurar ao novo ministerio o seu apoio.

Apresenta-se perante nós um governo, que nenhuma indicação parlamentar auctorisa e cujo apparecimento a todos suprehende. Eis para mim o facto unico importante. Esse governo apresentou-nos o seu programma. Esse programma tão simples, que consta apenas de tres ou quatro generalidades communs a todos os programmas, dispensa commentarios ou explicações, e o nobre presidente do conselho muito bem o deixou indefinido, porque não tinha definição possivel. Definiram-no, porém, logo e em sentido diametralmente opposto os chefes respeitaveis dos dois grupos ou partidos politicos, que mais importante representação conseguiram n'esta assembléa. Esses partidos, regenerador progressita, são, segundo parece e elles mesmos declaram, absolutamente incompativeis entre si, mas acham e descobrem desde logo nas primeiras palavras do programma do governo não só motivo de perfeito accordo, mas causa do mais vivo enthusiasmo pelo governo que os une e que ao mesmo tempo garante a cada um d'elles a execução das suas idéas e a não execução das contrarias. Isto é bom, ainda que eu não o entendo. A logica e a rasão ensinam que é absurdo e impossivel, mas é original, e tanto basta para auctorisar a tentativa realmente heroica, em que vae empenhar-se o nobre presidente do conselho, que nos prometteu congraçar e unir aquelles que se declararam inconciliáveis e. incompativeis, e que podiam viver n'essa illusão emquanto o nobre marquez d'Avila lhes não declarava, como acaba de fazer, que as suas divergencias de familia liberal são mais apparentes do (que reaes, e por isso faceis de harmonisar.

E possivel que o nobre marquez tenha desgosto e que o resultado não corresponda aos seus generosos intuitos, mas essa parte da questão pouco me interessa, porque seu estranho a taes reconciliações, e não quero nem preciso

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ser unido ou congraçado. Eu não sei illudir posições, acceito aquella que os acontecimentos me assignam.

Sem querer dar largo desenvolvimento a este ponto, eu não posso realmente ouvir sem profunda magna cavalheiros tão inteligentes, tão respeitaveis, com tanta experiencia e pratica dos negocios, como são os srs. Braamcamp Luciano de Castro e Mariano de Carvalho, afirmarem que o governo actual representa o principio da execução do seu programma, ao mesmo tempo que outros cavalheiros igualmente respeitaveis como os srs. Rodrigues Sampaio e Thomás Ribeiro proclamam que o governo actual é a mais solida garantia de não se começai a executar o mesmo programma, que para elles é cheio de perigos e aventuras. Isto, a serio, parece impossivel.

Por isso eu repito que esta atmosphera é para mim insuportável. Por mais que se goste de theatro, por maior que seja a habilidade dos actores, por melhor que seja o drama e a perfeição com que o representem, nunca assisti a uma representação que chegasse a perder a consciencia de que a acção, que se desenvolve perante mim, é uma ficção onde não póde prender-se verdadeiramente a attenção de homens serios. Prender em ficções a attenção de homens púbicos, é peior ainda: eu não sei nem posso fazel-o.

O sr. Paula Medeiros: — Apoiado.

O Orador: — Afirme embora o sr. Braamcamp, que o governo é o encarregado de dar execução ao programma do partido progressista; eu não afirmo nem discuto esse ponto. Não o nego, mas crel-o não ouso, desculpe-me s. ex.ª, acreditar não posso.

Vozes: — E dar na direita e na esquerda.

O Orador: - A verdade tem estes inconvenientes, e só os não experimenta quem a não diz. Eu digo e quero dizer á direita e á esquerda, com igual franqueza, aquillo que sinto e que todos talvez sintam igualmente.

Se eu não represento aqui uma opinião puramente individual, fallo em nome de um grupo ou partido tão pouco numeroso, que os illustres deputados podem sem difficuldade conceder-nos a maior latitude na discussão, com a certeza plena de que a nossa divergencia não os incommoda, nem por um, nem por outro lado, na parte mais essencial para decidir as questões n'esta casa, que é o numero de votos.

Se eu não posso acreditar na declaração do sr. Braamcamp, tambem fico incredulo, quando o sr. Sampaio diz, que o nobre presidente do conselho saíu da maioria, e que a maioria, seguindo-o, fica no seu posto.

Tambem não discuto com o sr. Sampaio a este respeito. Não nego, não afirmo, tambem não creio (Riso.), e é por isso que eu com os meus amigos me separo, com magna minha, da antiga maioria que apoiava o ministerio passado; é por isso que me desvio do caminho que actualmente seguem os diversos grupos o partidos que protestam a sua adhesão e apoiam o actual ministerio.

Desde já declaro que sou opposição formal, decidida e immediata ao actual governo. Na nossa posição não ha nem queremos possibilidade de disfarce, nem illusão possivel. E julgo até perfeitamente inutil esta declaração. As circumstancias são taes, que, se eu podesse violentar-me a ponto de afirmar contra a minha consciencia, que prestava o meu apoio ao governo, não podia ter a pretensão de ser acreditado por elle, porque nem eu mesmo acreditava em mim.

Pouco doloroso póde ser para o actual governo, no qual encontro amigos que muito prezo, pouco doloroso póde ser para elles o apparecimento de tão pequena divergencia, que de certo mais fará sobresair, se ella é sincera e firme, a quasi unanimidade que espontanea e enthusiastica os acolhe.

É possivel e é provavel que alguma vez o cumprimento do meu dever me obrigue a incommodar o nobre presidente do conselho ou algum dos seus collegas, mas s. ex.ªs poderão afirmar em todo o tempo, assim como o nobre presidente do conselho já póde affirmar em relação ao passado, que, sejam quaes forem os desgostos que de mim recebam, ha uma especie de incommodo que nunca causei ao nobre marquez d'Avila e de Bolama, e que desde já me inhabilito completamente para lhe causar a elle ou aos seus collegas. Esse desgosto, que consiste em perder de repente a doce illusão de se contar com o apoio e dedicação de um grupo, do um partido ou de um individuo, de se dissipar de repente uma cara esperança, de se converterem em amarguras os fallazes prazeres, de se transformar em espinhos quanto parecia rosas; esse desgosto nunca eu dei ao nobre, presidente do conselho de ministros nem o darei a este governo. Digo-lhe desde o primeiro dia a posição em que fico, e digo-lh'o immediatamente e sem a menor hesitação.

Se a minha posição não lisonjeia os ministros, ao menos é franca e clarissima. O que ella não é, nem podia ser, é de pretensões a illudir com promessas que eu não cumprisse, ou de dar esperanças que eu não podesse realisar.

Agora, sr. presidente, é tempo de dizer á camara e ao paiz francamente o que eu julgo da situação actual: logo terei de me referir á queda do governo que passou.

Eu acompanhei esse governo, como V. ex.ª o todos sabem, desde o dia em que começou até ao dia em que caiu. O meu voto nunca lhe faltou. (Apoiados.) O meu voto, porém, ía faltar-lhe pela primeira vez em uma questão que esse governo tinha declarado ministerial, na discussão de um projecto do qual elle tinha declarado que fazia questão vital; refiro-me ao caminho de ferro da Beira, Já se vê que eu apoiando, mas conservando-me independente, não considerava caso do immenso perigo, ou de mal irreparavel para o paiz a possibilidade do governo passado caír parlamentarmente, desde que sem hesitação ía dar um voto, que se fosse acompanhado pelos meus collegas d'esta casa, produzia necessariamente a queda do gabinete. (Apoiados.)

Eu declaro a V. ex.ª, e creio que já disse mais que o sufficiente para o mostrar, que não quero, nem pretendo captar a benevolencia do governo actual, nem é meu intuito empregar excessivas amabilidades para com o seu presidente, que eu não desejo illudir.

Posto isto, posso dizer que a substituição do governo pelo nobre marquez d'Avila e de Bolama encarregado de organisar o novo ministerio me satisfez completamento.

Dada a queda do governo transacto, o meu desejo era que fosse s. ex.ª o chamado e o encarregado de organisar o novo gabinete. Satisfez-me ainda mais do que o chamamento de s. ex.ª o modo por que s. ex.ª se desempenhou d'esse encargo; e eu felicito-me sinceramente por ver que s. ex.ª conseguiu uma vez, tendo organisado partido proprio, apresentar-se n'esta casa com um ministerio perfeitamente definido, com um governo que representa o partido a que preside o nobre marquez d'Avila e de de Bolama.

Digo mais. Se o nobre presidente do conselho tiver de consultar o paiz, e conseguir d'elle que eleja uma camara em que prepondere grande maioria propriamente sua, propriamente do seu partido, eu declaro que s. ex.ª não só satisfaz completamente os meus desejos, mas causa-me um momento de verdadeiro enthusiasmo. Este é o caminho, em que s. ex.ª entrou tarde talvez, mas ainda a tempo, para mostrar ao paiz o que póde esperar de uma administração sua, em que não encontre embaraços nem dificuldades internas, em que esteja perfeitamente á vontade com os homens que seguem as suas idéas, e que n'ellas o acompanham decididamente. E eu tenho, não direi esperança, mas verdadeira curiosidade, e terei verdadeira satifação se por acaso o nobre, marquez conseguir ver resolvidas por si e pelo seu partido as difficuldades que para os outros parecem insuperaveis. (Apoiados.).

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Já se vê, que apesar de ser opposição clara e immediata, não desejo mal aos novos ministros, e escusado é declarar que eu, em relação aos membros do gabinete actual, não tenho contra nenhum d'elles, nem contra o nobre presidente do conselho a menor indisposição nem o menor indicio de má vontade.

Respeito muito o seu caracter, e respeito em s. ex.ª todos os serviços que em muitas occasiões tem prestado a este paiz. Não conservo no peito odios, nem na memoria recordações de lutas violentas, em que ás vezes a discussão, posterior ás paixões excitadas durante a luta eleitoral, obriga naturalmente a excessos de palavras e inconveniencias de expressões os oradores que se combatem.

Longe de ressentimentos, eu tenho prazer em declarar que depois de ter feito ao nobre presidente do conselho a opposição mais violenta, a defeza de s. ex.ª nunca me ficou a dever nada, (Riso.) e a violencia reciproca não podia deixar no animo de s. ex.ª impressões que eu não sentisse tambem. Adversário terrivel nestas lutas de palavra o reconheço até para gloria de com elle ter combatido, mas não é proprio do meu caracter, nem ainda da minha idade sentir rancores, nem conservar recordações odiosas.

Portanto, as palavras que dirijo ao governo, respeitando sempre os cavalheiros que o compõem, são dictadas unicamente pelo desejo que tenho de não disfarçar em ponto algum a verdade que julgo util e indispensavel dizer-se.

Sou opposição immediata e decidida, mas em relação ao programma apresentado pelo nobre presidente do conselho, reconheço que tem pontos era que s. ex.ª affirma que vem representar as idéas de todos nós.

E, n'essa parte, quando quizer cumpril-o, escusado é dizer-lhe que, longo de encontrar em mim a menor difficuldade, encontrará tudo quanto de mim dependa para facilitar a sua missão, e um voto para apoiar as suas medidas, quando forem convenientes ao interesse do paiz.

Mas um dos pontos do programma do illustre presidente do conselho, de que tomei especial nota, é que s. ex.ª, affirmando o seu intuito de cumprir a lei e respeitar a constituição, do que ninguem duvida, affirma tambem que o seu programma é interpretar as instituições politicas existentes no melhor sentido para que produzam os resultado que devem produzir.

Referindo-se ás nossas instituições politicas e á interpretação que ellas precisara ter, porque a têem em todos os parlamentos, como a têem em todos os livros que tratam de direito publico constitucional em systema representativo, esperava eu, e era natural, que s. ex.ª fizesse uma declaração explicita dos motivos por que foi encarregado da organisação do novo ministerio, assumindo franca e claramente a responsabilidade que lhe resulta de ter acceitado o encargo de formar gabinete em condições que são a negação radical e absoluta das instituições que nos regem e da lei fundamenta] do estado.

A demonstração é facil.

Ninguém póde esquecer, nem fazer esquecei ao paiz, por maior que seja o empenho de disfarçaras circumstancias politicas, que a situação que caiu tinha grande maioria na camara dos dignos pares, e n'esta casa tinha-a de tal ordem, que ainda nas ultimas votações a opposição apenas conseguiu 15 ou 16 votos.

N'estas condições, quando não ha nenhuma votação de parlamento, quando não ha indicação nenhuma constitucional, é estranho e lamentavel, que não só um governo appareça repentinamente demittido, mas que uma situação que se ostenta forte e vigorosa, seja de um dia para o outro completamente mudada, com surpreza do paiz, e sem que o presumam nem possam suspeitar os representantes da nação nas duas casas do parlamento. Isto vê-se e não se crê.

Parece, porém, que este absurdo não bastava; quando se espera a explicação d'este caso, racionalmente pouco explicavel, apparece a declaração feita pelos ministros de missionarios nas duas casas do parlamento, e para essa declaração chamo eu toda a attenção d'esta camara, não que eu espere na possibilidade de dar ao absurdo presente remedio immediato, mas sómente para mostrar os perigos que um tal precedente póde trazer. Precedentes d'esta ordem são a negação do direito publico constitucional, são a inversão do systema representativo, são o desprestigio dos parlamentos, e são um perigo gravissimo, porque desde que as instituições se desconsideram e desacreditam, abrem-se de par em par as portas a todas as aventuras que as podem substituir.

A insolita declaração feita pelos ministros demissionários é que a doença repentina do sr. ministro da fazenda, coincidindo com o incommodo do illustre presidente do conselho, tinham obrigado o ministerio a pedir a sua demissão, logo, depressa, em segredo, sem consultar nem ouvir nenhum dos seus amigos politiicos. Diz mais que El-Rei tinha encarregado o sr. marquez d'Avila e de Bolama do organisar novo gabinete.

Todos sabem, todos ouviram, e eu ouvi muitas vezes dizer aos ministros demissionários, que a situação representada por s. ex.ªs não se restringia apenas aos cinco homens que occupavam aquellas cadeiras, mas que se compunha do paiz que os apoiava o queria a sua continuação, e das maiorias parlamentares que seguiam a sua politica.

Isto diziam os ministros, e isto é elementar em systema representativo.

Quando em uma situação d'esta ordem, os ministros adoecem, ou alguns homens se inhabilitam para continuar" a exercer as suas funcções, comprehende alguem, ou admitte o simples bom senso, que elles possam vir ás duas casas do parlamento declarar simplesmente e sem cerimonia: nós demittimo-nos depressa o em segredo, e toda a situação ahi está por terra? Isto é serio, isto é possivel, isto é legal?

Comprehende-se porventura que toda a situação, tão forte, desappareça como uma sombra, só porque a doença não deixa fallar na camara ou priva de saír de casa dois ministros? Pois n'essas maiorias extraordinarias não lia nem podem apurar-se substitutos para os doentes e hohomens capazes de salvar a situação?

Isto só se faz em Portugal, mas não póde fazer-se impunemente em nenhum outro paiz do inundo, porque é um insulto e uma affronta a toda a nação civilisada e que se presuma livre; é lançar ás faces do parlamento a declaração da incapacidade absoluta de todos os amigos politicos, é o supremo insulto, é o desprezo em publico e sem disfarce aos representantes da nação.

Isto não se faz, nunca se fez, não se póde fazer impunemente n'um paiz regularmente educado para o systema representativo. E eu, que alem do apoio politico que me honro e glorio de ter dado aos ministros demissonarios, conservei e mantenho com todos elles as relações da mais cordeal amisade, posso dizer-lhes e digo, que se s. ex.as procedessem por esta fórma n'um paiz regularmente preparado para o jogo das instituições do systema representativo, tinham-se inutilisado por uma vez e aponto que nunca mais poderiam occupar logar algum que dependesse do mandato popular.

Cáe o governo porque se impossibilitaram dois homens. Não ha nada mais natural; mas as maiorias são compactas, estão cheias de vida, o paiz não dá manifestação alguma de que a situação lhe seja desagradavel, pelo contrario, são evidentes o successivas as demonstrações de confiança, e porque dois homens adoecem a situação desapparece!

E já suspeito que fica estabelecido o precedente, pois acabo de ouvir ao meu illustre amigo, o sr. Arrobas, em frase eloquente e sincera, o annuncio que lhe parece muito natural, de que se o presidente do conselho actual adoecer desapparece logo este ministerio tambem!

Ora este direito publico constitucional é que eu não

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aprendi era livro nenhum; nunca o vi praticar em nenhum paiz; é um desmentido solemne a todos os verdadeiros principios; é a negação formal de toda a theoria do systema representativo, em que as maiorias eleitas são a indicação permanente dos governos a estabelecer. E isto vae passar desapercebido n'este parlamento, occupando-se todos os homens mais importantes pela sua posição e pelo seu saber, não em averiguar se houve violação flagrante dos principios do systema representativo, mas sómente em louvar as pessoas dos novos ministros, e em declarar um enthusiasmo incomprehensivel por um programma tão pouco explicito, que se presta a dizer tudo talvez porque não diz nada, e que por isso attrae as diversas parcialidades em volta do novo astro ministerial, que por acaso se levanta, e que surge, isso reconheço eu, luminoso e radiante. Pois façam isso embora os partidos numerosos, os homens mais importantes. Eu protesto e julgo cumprir o meu dever.

Eu já disse a V. ex.ª que os meus desejos foram satisfeitos desde que, dada a queda do gabinete, foi encarregado de formar ministerio o sr. marquez d'Avila e de Bolama,

Particularmente estou satisfeitissimo, e apesar d'isso desde o primeiro dia sou completa opposição, porque a questão para mim não é do opiniões individuaes sobre merecimentos de ministros ou opportunidade de pessoas. O que se fez não póde fazer-se, nunca se fez impunemente, e muito menos se póde fazer em nome dos principios conservadores, porque não consta que a significação das palavras definidas em todos os diccionarios se alterasse até hoje a ponto de que «conservar» seja synonimo de «demolir.

O que se fez é tanto mais censuravel, quanto é certo, com magoa minha, que foi feito e preparado por dois dos primeiros e mais importantes homens d'este paiz, conservadores ambos, o sr. Fontes e o sr. marquez d'Avila, ambos os quaes devem a auctoridade de que gosam, o conceito que inspiram, os seus nomes illustres, as suas altas posições, unica e exclusivamente ao parlamento onde principiaram e seguiram a sua brilhante carreira.

Taes homens têem, mais que ninguem, obrigação de respeitar o parlamento de que saíram e de velar pelo seu prestigio.

Nenhum de s. ex.ªs veiu dos campos de batalha, como general victorioso, para poder calcar aos pés impunemente a representação nacional.

Se queriam fazer o que fizeram, salvassem as apparencias, e fizessem-o legalmente. Não era difficil provocar antes da queda uma indicação parlamentar que produzisse o mesmo resultado, que tanto enthusiasmou a quasi unanimidade dos membros d'esta assembléa,

A todos pareceria naturalíssimo que mesmo n'aquelle projecto que estava em discussão, o caminho de ferro da Beira Alta, apparecesse uma divergencia que podesse assegurar ao nobre marquez d'Avila e de Bolama uma indicação parlamentar, em virtude da qual s. ex.ª fosse chamado a organisar gabinete e podesse constitucionalmente encarregar-se d'essa missão.

Mas ninguem comprehende de certo o estranho caso de s. ex.ª se encarregar d'essa missão, quando o seu partido e as suas idéas appareciam meias confusas entre a pequenissima opposição existente n'esta casa; quando o seu partido e as suas idéas estavam representadas por uma minoria, que não direi invisível, mas que era difficil de ver. Assim não se comprehende o facto de se apresentar s. ex.ª, com tanta consciencia de si mesmo, a organisar um gabinete, sem nenhuma indicação parlamentar, quando era representante do um grupo pouco maior do que aquelle a que tenho a honra de pertencer, embora muito superior pela illustração e pelas qualidades, para vir receber a quasi unanimidade da camara, que cousa alguma podia fazer-lhe prever, e da firmesa da qual tanto me parece licito duvidar, que não serei muito temerário, se me persuadir de que o nobre marquez d'Avila e de Bolama não acredita n'ella com tanta confiança como, por exemplo, n'um artigo de fé.

Eu estou convencido, e faço justiça a s. ex.ª, de que apesar de todos os protestos e dos enthusiasmos que todos sentem ao ve-lo representante do poder n'este paiz, a s. ex.ª por differentes vezes ha de parecer, para me servir de uma expressão vulgar, que a esmola é grande (Riso.) e já se vê que eu concorro quanto posso, quanto em mim cabe para a tornar menor, para atenuar a grandeza de uma offerta que pelo tamanho póde assustar s. ex.ª (Riso.)

Eu concordo com as idéas manifestadas por esta camara, e a que ha pouco se referiu o meu illustre collega e amigo o sr. José Dias Ferreira, de que é de primeira necessidade a reforma da lei eleitoral.

A lei eleitoral anterior ao ultimo decreto para mim não basta, e não bastará de certo para muitos; todavia é o remedio que mais de prompto se offerece, porque é muito superior ao systema actual.

Eu desejava muito que tanto o nobre marquez d'Avila e de Bolama como os nossos homens publicos mais importantes se convencessem de que a continuação do systema representativo, conservando, ou empregando esforços para conservar, o paiz estranho ao exame das leis e dos negocios publicos, é uma ficção que não póde prolongar-se indefinidamente; nem mesmo sei como se tem prolongado tanto.

Os que amam as instituições e querem, a par do seu aperfeiçoamento, a sua conservação, são os primeiros interessados em empregar os meios de retirar os estorvos que actualmente existem, para que o paiz se faça verdadeiramente representar, e são, por certo, os primeiros interessados em restituir á vida parlamentar a importancia e o prestigio que elle tem n'este systema, e que não póde perder, sem risco para os interesses de maxima importancia em politica, e na vida social. (Apoiados.)

Organisar ministerios por esta fórma, trazel-os ao parlamento, solicitar ou acceitar do parlamento o apoio, que, segundo todos os principios, é impossivel; não quero dar-lhe outro nome; é desauctorisar o systema parlamentar, é interpretar ás avessas e falsamente as instituições que nos regem, é contrariar todos os principios, é, emfim, abrir um precedente funesto de que mais tarde todos nos podemos arrepender. Tenho dito. (Apoiados.)

Vozes: — Muito bem.

O sr. Manuel de Assumpção: —...(O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado neste logar.)

O sr. Julio de Vilhena: Não me levantei da minha cadeira para fazer um longo discurso, já pelo adiantado da hora, já pelo assumpto que o não permitte, já pela impaciencia da camara. A assembléa está realmente fatigada e a occasião não é propria para vastas considerações.

Levantei-me simplesmente para fazer uma declaração. Entrei na vida politica ha tres annos, acompanhei até ao ultimo momento o governo que esteve no poder, e sustentei consoante as minhas debeis forças alguns dos seus projectos quer no seio das commissões, quer nos bancos d'esta casa. Eu que fui seu auxiliar nos dias da prosperidade sou hoje seu companheiro na adversidade. Caiu o ministerio, não caiu a minha lealdade politica. (Vozes: — Muito bem.)

Mas a questão toda está em saber se nós regeneradores podemos, sem passar por cima da nossa dignidade politica e da nossa lealdade partidaria, apoiar o ministerio presidido pelo sr. marquez de Avila e de Bolama, e nem ha outro assumpto para nós a tratar n'este momento.

O sr. presidente do conselho declarou que queria a manutenção das instituições, e disse que era conservador liberal: s. ex.ª invocou os factos da sua vida publica, e

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Sessão de 6 março de 1877

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mencionou alguns melhoramentos dos muitos que o paiz lhe deve, o disse que muitas vezes tinha declarado aqui que não era conservador na accepção que vulgarmente se costuma dar a esta palavra. O que pretendemos nós? Queremos a evolução lenta, gradual, das instituições consentanea ás necessidades, harmonica com as legitimas aspirações da sociedade portugueza. Defendemos a alliança do elemento conservador com o elemento liberal, e por isso entre nós e o sr. presidente do conselho não ha um antagonismo de principios que se opponha a que demos o nosso apoio ao governo. (Apoiados.)

A questão, sr. presidente, resume-se n'este ponto, e tudo o mais é agora alheio ao nosso proposito. (Apoiados).

Existem aqui dois partidos oppostos. No evangelho de um lêem-se os melhoramentos de toda a ordem, a liberdade em todas as suas manifestações, a civilisação em todas as suas conquistas, mas melhoramentos, liberdade e civilisação em harmonia com as circumstancias do paiz, por meio de uma evolução pacifica e natural e não por meio da revolução. (Apoiados.) O outro proclama uma doutrina que reforma a carta, que abala as instituições existentes, que ataca os orgãos vitaes da sociedade. (Muitos apoiados.)

Para qual d'estes partidos se inclina o ministerio que se sentou hoje nas cadeiras do poder?

O sr. presidente do conselho já disse, que pertencia ao partido conservador liberal. Está ao lado da maioria, e ella por isso não póde deixar de dar-lhe o seu voto sincero e leal. (Apoiados.)

É o sr. marquez d'A vila um homem d'estado venerando. Na vasta galeria de estadistas que vae desde 1832 até hoje, desde Mousinho da Silveira até ao sr. Fontes, destaca-se o vulto eminentissimo de s. ex.ª; tem direito ás nossas homenagens, e ninguem poderá suppor de certo, sem offender as suas tradições, que s. ex.ª esteja de accordo com os que fizeram o pacto da Granja. (Muitos apoiados.)

Qual de nós rasga o seu programma, apoiando o ministerio que se senta n'aquellas cadeiras?

Esta é que é a questão. (Apoiados.)

Nós apoiamos o sr. marquez d'Avila, porque representa a ordem, a prosperidade nacional e progresso da sociedade sem sacudimentos nem revoluções. E parece-me que, procedendo nós assim, ninguem poderá ferir a lealdade politica dos homens novos que entram pela primeira vez na vida publica na presente legislatura. (Apoiados.)

Mas note-se que, se o ministerio declarar que está de accordo com o pacto da Granja, declarar-nos-hemos opposição aberta e combatel-o-hemos com todas as nossas forcas; mas se o governo proceder em harmonia com a declaração que ha pouco fez o sr. presidente do conselho, póde contar com o nosso apoio. (Apoiados.)

"Vozes: Muito bem, muito bem.

O sr. Thomás Ribeiro: — Não tenho senão a dar algumas explicações a V. ex.ª e á camara, explicações que hão de levar muito pouco tempo.

Em primeiro logar espero que não fique na convicção do sr. Luciano de Castro, que proferi as palavras que s. ex.ª mencionou e que não pronunciei (Apoiados.); e desejo bem que toda a gente saiba que quando me referi á herança do poder sabia, como todos sabem, que os regeneradores, caindo, não podiam fazer testamento d'esse poder, referi-me á triste eventualidade de s. ex.as não addirem a herança como tantissimo desejavam (Apoiados.), desejo que não fica mal a qualquer partido regularmente organisado.

Disse tambem que ficava por ora na espectativa a respeito dos actos do governo, e que esses actos poderiam levar-me a apoiar ou não o gabinete. E disse a V. ex.ª que uma das rasões que tinha para isto era a desconfiança que entrou no meu espirito depois que ouvi os meus adversarios politicos.

Pois a declaração do sr. Luciano de Castro veiu acrescentar ainda a minha desconfiança, quando s. ex.ª affirmou que apoiava os seus correligionarios, que estavam sentados nas cadeiras do poder!

A ser assim, uma de duas cousas aconteceu: ou os illustres ministros adoptaram o programma do sr. José Luciano de Castro, e n'esse caso tenho a fazer desde já opposição ao governo, ou o sr. Luciano de Castro e os seus amigos adoptam os principios politicos do sr. presidente do conselho, e n'esse caso abro-lhes os braços e appluado-os, porque deixaram finalmente á porta do hospício o pobre engeitado do seu programma, que me parece terá de morrer cá fóra, porque é provavel que o sr. provedor da misericordia o não addmitta lá dentro (Riso — Apoiados.)

Não pergunto agora, nem desejo saber n'este momento, se foram s. ex.ªs que vieram para aqui, ou se os srs. ministros foram, para o seu lado. Sabel-o-hei depois. O meu animo está já mais desassombrado desde que me asseguraram que «aquelle papel, que a principio tinha tendencias para codigo de leis, a final se reduzia a simples cathecismo de propaganda.

Ainda assim não acceito a catechese, nem desejo a evangelisação da doutrina, que tenho como perniciosa, e que não posso admittir, comquanto no partido regenerador eu tenha sempre, pertencido á ala esquerda. (Apoiados.)

Não acceito programmas, quer os destinem a codigo de leis, quer os considerem cathecismos de propaganda, que obriguem os srs. ministros a investirem desde já com a pessoa de El-Rei. (Muitos apoiados.)

Não quero essa doutrina, e não vou por esse caminho. (Vozes: — Muito bem.)

E agora, terminando, vou dizer duas palavras a respeito dos aulicos.

Não sei, sr. presidente, se os ha n'esta casa, o que sei com certeza é que não estão do meu lado aquelles que querem resolver de fond en comble a sociedade portugueza. (Muitos apoiados.)

Creio tambem que não estão d'aqui os aulicos (Muitos apoiados.) Eu por mim quasi não tenho ido ao paço anão ser no desempenho de funcções officiaes; não é, pois, a mim que o illustre deputado se referiu (Apoiados.); o que tenho, sim, é muito respeito pela entidade suprema que representa n'este paiz as instituições liberaes, e desejo que seja respeitada a cima de tudo, tanta na palavra fallada aqui no parlamento, como nos escriptos espalhados profusamente por todo o reino. (Muitos apoiados.)

Tenho concluido.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Rodrigues Sampaio: — Não provoco as tempestades, mas inclino a cabeça resignado á tormenta.

Eu esperava censuras maiores do que a que me fez o ilustre deputado o sr. visconde de Moreira de Rey. Esta censura até é honrosa, e eu agradeço-a.

Embora muita gente entenda que a crise se podia resolver de outro modo, e mesmo que este partido regenerador se podia perpetuar no poder; embora muita gente entenda que nós errámos, comtudo eu julgo que acertámos e que nos era mais honroso largar o poder do que conserval-o por meio de diversas transformações.

Não posso admittir o direito publico constitucional do sr. visconde de Moreira de Rey, que entendo que, porque o paiz nos apoiava, porque nos apoiava a camara dos senhores deputados, e porque nos apoiava a camara dos dignos pares do reino, deviamos chamar estes corpos a uma unica assembléa, e ouvir o seu voto, para vermos como se havia de resolver a crise.

Nem a carta constitucional, nem nenhuma outra constituição admitte que se organisem ministerios por similhante modo, mas havia uma cousa séria — seria abrir concurso para o governo feito pelos aspirantes ás pastas, e seria excluido de resolver a questão o unico que tem di-

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reito de a resolver, e os ministros, que, n'esse caso, se podiam perpetuar no poder, o que era talvez muito agradavel para elles, mas que creio que não seria vantajoso para a sociedade.

Disse uma verdade o sr. visconde de Moreira de Rey, quando observou que, se o sr. marquez d'Avila e de Bolama adoecesse o ministerio tambem se demittiria.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: —Não fui eu que o disse; foi o sr. Arrobas.

O Orador: — Em todo o caso creio que é uma verdade, se faltasse, o sr. presidente do conselho, que é quem exprime o pensamento do governo, era muito provavel que o ministerio se dissolvesse. Isto o trivial. Estes é que são os principios.

Agradeço ainda mais uma vez á maioria o ella ter acceitado, de boa mente, a nossa resolução, sejam quaes forem as opiniões de alguem que quereria que se resolvesse de outro modo.

E isto uma prova da nossa união, da nossa disciplina, e da nossa lealdade, que será tambem a nossa força.

Adoeceram dois ministros. O nobre presidente do conselho, que resumia todo o pensamento do governo, está ha/| bastantes dias sem poder saír do seu quarto.

Tratava-se aqui de questões em que elle devia intervir; s. ex.ª veiu aqui, e a opposição não o quiz nunca interpellar; adoeceu, vieram as interpellações; esperava-se por elle; quando elle apparecia, e entrava por uma porta, a opposição saía pela outra.

Provocam-nos, e quando se lhes responde ainda dizem que são provocados.

A fallar a verdade não se sabe como se ha de viver com similhante gente. (Apoiados. — Riso.)

Julgavam que nos queriamos perpetuar no poder! São capazes de nos arguir de ambiciosos; porque não havia eleição que nós não fizessemos vingar, porque não havia maioria que nos podesse resistir. D'este modo era o poder perpetuo. Pois o poder está agora entregue em boas mãos; apoiámos o governo sincera e lealmente, e desejaremos que elle vá tão longo como nós queriamos ir. Éramos de certo arrojados, e accusam nos d'esse peccado! Eu desejava que fossemos como o lavrador, que, atirando com a semente á terra, espera tirar d'ella abundantes fructos. Nós entendíamos que podiamos fazer caminhos de ferio antes de extinguir o deficit, porque não seguindo essa opinião adeus caminhos de ferro, adeus viação, adeus melhoramentos.

O deficit é como os pobres do evangelho. Paitpercs sevi-per habefis vobisemn. Eu peço aos illustres ministros que não adoptem similhante caminho.

Por consequencia a organisação d'este ministerio é altamente constitucional. O poder não se podia entregar aos comidos, ainda que nós todos fossemos comicio, porque ha um poder mais alto que resolve.

Por consequencia estão n'aquellas cadeiras constitucionalmente os srs. ministros; e o que não ha em paiz nenhum é o que o sr. visconde de Moreira de Rey asseverou, porque nunca se fez uma organisação ministerial e da maneira como s. ex.ª entende.

Pois haviam de reunir-se duzentos homens para deliberarem sobre a organisação de um ministerio?

O ministerio demissionário, acaba de o confessar a opposição, atravessou seis annos de notavel prosperidade, o que já é uma grande honra, e faço votos pela continuação d'essa prosperidade, pedindo a Deus, como pedia expirando Fra-Paolo de Serpi, que essa prosperidade seja perpetua. (Apoiados.)

O sr. Luciano de Castro: — Em resposta ao illustre deputado, o sr. Thomás Ribeiro, tenho a declarar que o partido progressista adia a realisação das suas idéas e das reformas politicas, comprehendidas no seu programma, para ajudar o actual governo a debellar as difficuldades economicas e financeiras, que lhe legou a passada administração; mas não abate a sua bandeira, nem renega os seus principios, que continua a sustentar sem a menor quebra ou alteração.

Hoje não se trata do programma do partido progressista, trata-se apenas do programma do governo, ao qual prestámos o nosso apoio sincero o franco para restabelecer o equilibrio das receitas e das despezas publicas, sem lhe impormos para esse fim condições ou reservas de qualquer ordem.

Aqui ninguem se retracta, nem engeita as suas idéas. Adiar a sua realisação não é renunciar a ellas, nem engeitar o programma do partido. Temos a abnegação sufficiente para saber esperar, e no entanto prestámos o nosso apoio ao governo para que elle possa reparar as minas, que os seus antecessores lhes deixaram na administração financeira do estado. Esta é a nossa situação.

O nosso programma fica o que era, Os nossos principios politicos são os mesmos.

Folgámos muito que a antiga maioria apoie tambem o governo. Mais cedo deveria ter caído o ministerio passado! Ve-se agora que era elle a causa unica das nossas divergencias. Caíu elle, reina a paz n'esta casa!

Mais uma rasão para nos felicitarmos pela sua queda!

Tambem o sr. Thomás Ribeiro voltou a insinuar, seguindo o exemplo dos seus amigos, que o partido progressista queria investir com o rei, alludindo a uma phrase escripta no relatorio, que precedo o nosso programma, no qual descrevendo-se as consequencias, mais ou menos remotas, da viciação e decadencia do systema representativo, se aponta como uma d'estas a necessidade em que podem ver-se os partidos de. investir directamente com o rei. Indica-se isto, como um perigo resultante da falsificação do systema representativo, sem allusão a epochas ou pessoas determinadas. E para evitar esse perigo é que se propõem as reformas comprehendidas no programma do partido progressista.

Onde é, pois, que se diz, que o partido progressista quer investir com o rei?

Não digo mais.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. visconde de Moreira de Rey.

Vozes: Deu a hora.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Desisto da

palavra.

O sr. Presidente: — Não ha mais ninguem inscripto. A ordem do dia para ámanhã é a discussão do orçamento da despeza,

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e meia da tarde.

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