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acabei de ler, espalhou-se ali que o governo portuguez pretendia faltar á sua promessa, apresentando, é verdade, o negocio ás côrtes, mas pedindo aos seus amigos que o rejeitassem.

Aqui tenho o artigo do Times em que isto se diz:

«Diz-se que o governo pretende evadir-se ás suas obrigações, propondo nominalmente uma lei para sanccionar os tributos e o contrato, dando porém a entendertaos seus amigos (their supporters) que esta proposta não é ministerial, e animando-os a rejeita-la.»

Este é o tal famoso artigo do Times de 22 de fevereiro, com que se tem feito tanta bulha.

Uma voz: — Por quem é mandado o artigo?

O Orador: — Tenham os illustres deputados a bondade de me ouvir, e contem que hei de dizer tudo o que podér.

Permitta-me comtudo a camara que n'esta occasião, e diante de um tão grande numero dos seus membros que fazem ao governo a honra de o apoiar, eu pergunte se ha um só que possa dizer que o governo lhe pediu que não votasse o contrato? (Vozes: — Não ha nenhum. — Muitos apoiados.) Então estava eu auctorisado, e agradeço muito aos cavalheiros que me deram agora este testemunho, a declarar inexacta a asserção que se lia no Times, e de que dei conhecimento á camara.

Aqui esta o telegramma que mandei a este respeito, telegramma a que se não póde dar a interpretação que o illustre deputado lhe deu.

Que diz este telegramma?

«Não ha motivo algum para o artigo do Times.»

Quer dizer: não é exacto que o governo tenha tenção de levar á camara o contrato do caminho de ferro de sueste e de pedir aos seus amigos que o rejeitem; fallo diante da camara, diante dos cavalheiros que honram a situação com o seu voto (apoiados), appello para elles, e digam-me se não tenho direito para negar a exactidão do que diz o Times?

O telegramma continua:

«O governo portuguez preenche religiosamente todas as «suas promessas. O estado financeiro melhora, satisfazem-se «pontualmente todas as despezas, e levanta-se dinheiro a «preços moderados.»

A segunda proposição explicaria a primeira, se ella offerecesse a menor duvida. —:Não ha motivo para o artigo do Times, porque o governo cumpre religiosamente as suas promessas. — Ora a promessa feita era de levar o contrato ás côrtes, e ninguem póde dizer que o governo a não cumpriu.

Parece-me que com isto satisfiz completamente o illustre deputado, e demonstrei que o que se disse n'este jornal, e que provavelmente foi dito por informações dos homens interessados na approvação d'este contrato, é inexacto (apoiados).

Não ha governo nenhum que viesse pedir aos seus amigos que rejeitassem um contrato que elle apresentava ás camaras. O governo que o fizesse tinha-se desauctorisado (apoiados).

Como o illustre deputado tem que fazer observações, eu talvez tenha que fallar novamente, mas declaro que serei provavelmente mais extenso, mas não mais explicito.

O telegramma do meu illustre collega, o sr. ministro da fazenda, foi em harmonia com outros que s. ex.ª fez expedir á sua entrada no ministerio. S. ex.ª mandou dizer a todos os homens que tinham contratos com o thesouro que os seus contratos seriam respeitados; que os compromissos que o governo portuguez tinha tomado seriam cumpridos; e designadamente com relação ao caminho de ferro de sueste, que o governo havia de cumprir o telegramma de 20 de dezembro, no qual se dizia que o contrato seria presente ás côrtes logo que estas estivessem abertas.

Por ora não tenho mais nada a dizer.

O sr. Barros e Sá: — Sinto que o nobre presidente do conselho, ministro do reino e dos estrangeiros, não respondesse, e nem levemente alludisse á unica pergunta que julguei dever dirigir-lhe, e á qual esperava eu da benevolencia de s. ex.ª que obteria resposta. Desejava saber se a carta de 19 de março, attribuida ao sr. conde de Lavradio, como dirigida aos interessados na companhia do caminho de ferro de sueste, era ou não authentica?

Fiz esta pergunta concisa e directamente, mas nem assim pude conseguir resposta. Perguntei pela authenticidade da carta e dos telegrammas publicados em alguns jornaes d'esta capital, mas nada de resposta...

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Eu respondo já.

O Orador: — Pois bem, espero pela resposta de s. ex.ª, agradeço-a desde já e depois continuarei.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Eu responderei logo, continue o sr. deputado, eu já pedi a palavra.

O Orador: — Seria melhor responder já, habilitava-me a raciocinar sobre factos positivos e escusava fazer raciocinios hypotheticos.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Eu sei quando hei de responder; responderei quando o sr. presidente me der a palavra.

O Orador: — Pois bem, privado de resposta directa e clara, farei as minhas observações á camara nas duas hypotheses, de ser e de não ser authentica a carta do sr. conde de Lavradio, a que tenho alludido.

Sr. presidente, cumpre-me dizer que não li nem leio o Times, e que não conheço nem tenho relações politicas ou pessoaes com pessoa alguma que tenha, sabendo-o eu, interesses compromettidos no negocio de sueste. Estou pois completamente desprevenido e livre de quaesquer suspeições. Entro na questão movido unicamente pelo interesse politico que anda ligado a uma questão que respeita e póde comprometter a honra e dignidade do paiz, e que, desde já, tem compromettida a palavra official do ministro do Rei na côrte de Londres, do representante da nação portugueza na Inglaterra.

Muito de proposito, e com o fim de ratificar bem os factos sobre que tenho a raciocinar e que tomo como pontos! de partida, repeti as palavras proferidas aqui pelo sr. ministro das obras publicas na sessão de quarta feira, e indiquei a interpretação que eu lhes dei então com o assentimento e approvação expressa de s. ex.ª

O sr. ministro, interpellado pelo meu nobre collega, o sr. Pereira Dias, declarou que o negocio sueste fôra pelo governo trazido á camara em desempenho de uma promessa feita pela administração anterior, mas que a camara ficava com liberdade para o approvar ou rejeitar. Acudiu então um sr. deputado, cuido que o sr. Venancio Rodrigues, e agradeceu ao ministro a liberdade que concedia á camara...

Vozes: — Não, sim, é exacto, não é exacto.

O sr. Venancio Rodrigues: — Não é isso. O que eu disse é o que vem no Diario.

O Orador: — Seria como o nobre deputado diz, a camara, e eu entendemos de outro modo, e por isso julguei dever levantar-me para dizer o sentido em que entendia as palavras do sr. Canto, e disse eu que ellas deviam ter uma explicação, um sentido constitucional, e não o sentido puramente grammatical. Disse que o sr. ministro por aquellas palavras queria dizer que o facto de trazer á camara o accordo sueste não implicava questão de governo, questão ministerial, como dizer se costuma, que era uma questão livre para todos, e foi então que o sr. Canto, interrompendo-me, disse, formaes palavras: «É isso, não póde ser outro o sentido, é isso o que eu queria dizer». S. ex.ª esta presente, é cavalheiro, e póde rectificar se sou inexacto.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Foi assim.

O Orador: — Pois bem, são estes os factos, e fico sabendo e fique assentado que, segundo a declaração do governo, esta questão é livre, cada um póde votar como entender.

Vozes: — Como em todas as outras. (Susurro.)

O Orador: — Os srs. deputados não me desviam do meu caminho, podem gritar e fazer susurro, como quizerem, mas eu irei direito ao fim a que me destino. Bem sei que nós aqui temos todos, e sempre, a liberdade natural; sei que não ha governo que venha aqui com sacos de oiro corromper as nossas consciencias, ou forçar os nossos votos com peças de artilheria; mas sei, e sabemos todos, ò que são as assembléas politicas, e que n'estas se tratam questões que, umas vezes são ministeriaes, chamadas de governo, e que outras ha que não teem esta natureza e importancia; tal é agora a questão de sueste. Fique isto bem assentado. Emquanto á honra e dignidade da camara, e de cada um dos seus membros, eu prezo-a e respeito-a, por dever e por interesse proprio, pois que faço parte d'ella. Vou entrar na materia

Eu sinto-me abatido, triste e com o coração em constrangimento porque me recordo que, se em algum tempo a palavra de um portuguez era sufficiente para contrahir uma obrigação, em nome do Rei de Portugal, se as barbas d'esse portuguez eram sufficientes para penhor, hypotheca e segura garantia de uma grande divida, hoje já as escripturas mesmo quando firmadas com o sêllo do estado podem não ser consideradas sufficientes (riso). Riem-se os srs. deputados? Riam-se, mas podem chorar (muitos apoiados). Deviamos chorar nós todos, porque agora a esta hora, -na praça de Londres a fé da palavra portugueza pronunciada pelo representante do Rei de Portugal esta posta em duvida, -esta suspeitada!!! (Apoiaãos.) A lealdade da nação esta em contestação, em letigio (apoiados). A questão é mais seria e grave, não digo do quedos meus collegas pensam, mas sim do que fingem pensar. É uma questão de boa fé nos contratos, é uma questão de honra e de lealdade em materia de dinheiro!! E questões d'esta ordem são serias para os individuos, e mais serias devem ser para as nações!! (Muitos apoiados.) Não se riam pois, não podem não devem rir-se!! (apoiados).

O caso é grave!! Mas tambem é simples. O sr. ministro da fazenda mandou dizer para Londres, em 9 de janeiro, aos possuidores dos bonds do sueste que o governo cumpriria as promessas feitas. São as ultimas palavras do telegramma de 9, e ainda que são claras, e não são susceptiveis de dois sentidos, a malevolencia e a má fé de alguns pretendeu dar-lhes sinistro sentido, houve em Londres quem propalasse boatos aleivosos e traiçoeiros, attribuindo ao governo de Portugal a intenção de as illudir, dando-lhes um sentido reservado e differente d'aquelle por que foram intendidas na praça de Londres. Isto chegou aos ouvidos do ministro do Rei em Londres, que indignado pela offensa e injuria pediu explicações ao governo presidido pelo sr. conde d'Avila, e depois de as receber, assegurou aos interessados verbalmente e por escripto, que a promessa do governo era leal e havia de ser cumprida lealmente, e acrescentou-lhes que na qualidade de ministro do Rei, e na de presidente da camara dos pares em Portugal, repellia com indignação o boato malevolo de que o governo não queria fazer d'isto questão de honra, porque tal boato maculava proverbial lealdade da nação portugueza.

O sr. conde do Lavradio para ser acreditado, não só invocava a sua qualidade de ministro do Rei, mas alem d'isto dava para garantia a sua posição de presidente da camara dos pares em Portugal! Os srs. deputados bem percebem o que isto queria dizer!!

Pergunto pois, pergunto ao sr. ministro dos estrangeiros: A promessa do sr. conde de Lavradio, feita verbalmente e por escripto, estava auctorisada por s. ex.ª?! Estava ou não estava? Se estava auctorisada, perguntarei onde esta o sr. Canto?! Esta no ministerio?! Se a promessa do sr. conde de Lavradio não estava auctorisada, pergunto a s. ex.ª o sr. ministro dos estrangeiros desde quando deixou o sr. conde de Lavradio de ser ministro ante a rainha Victoria?!! (apoiados repetidos). O sr. conde de Lavradio, o sr. D. Francisco de Almeida, será ainda hoje ministro e representante do Rei de Portugal em Londres?!! O sr. conde de Lavradio ultrapassou, excedeu, não cumpriu as ordens do governo?! Faltou aos seus deveres, trahiu as suas obrigações moraes e officiaes?! Diga-o o governo, mas diga-o claramente, não fique nada escuro, nada encoberto!! Saibamos todos tudo, tudo e de todos. Nada de allusões e nada de illusões; clareza e verdade.

Estamos aqui todos para respondermos por nossos actos e para darmos contas de todas as nossas responsabilidades; não haja benevolencias, diga-se tudo, nada fique escondido.

Se o sr. conde de Lavradio estava auctorisado para assegurar e prometter o que prometteu, para dizer aos interessados que este negocio era e importava uma questão de honra para o actual governo, como para o ministerio passado, como explicar as palavras aqui proferidas pelo sr. ministro das obras publicas?! Assegurar-se em Londres que a questão era ministerial, mais que ministerial, que era questão de honra nacional, e dizer-se aqui que a questão é livre, que é questão aberta, que não é questão do governo, do ministerio?!! Como conciliar o sim e o não?! Digam os srs. ministros, mas salvem a dignidade do paiz, deixem intacta a honra da nação. Mas se não estava auctorisado o ministro de Portugal para se comprometter em nome do governo, se elle se excedeu, se poz em risco os interesses e a honra do paiz, perguntarei ao governo que tem já feito? que tenciona fazer? As perguntas são simples, a resposta não póde, não deve demorar-se: o caso é urgente, a honra da nação periga.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Já pedi a palavra.

O Orador: — -Póde s. ex.ª interromper-me; eu aguardo a interrupção... É melhor fallar já.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Fallarei no meu logar.

O Orador: — Sou pois forçado a continuar, obedecendo á vontade de s. ex.ª

Quando se mandou dizer para Londres que o accordo de sueste seria apresentado ás côrtes, poderia alguem entender que o 'governo tomava para si o officio de comico de secretaria, trazendo materialmente esse papel, e depositando-o na mesa da presidencia? ou deveria entender-se que o governo aceitava o accordo que se ligava a elle, que tomava a responsabilidade politica d'aquelle acto dos seus passados? Não deveria entender-se senão assim; porque as palavras dos homens honestos em materia do contratos não podem ser travessias, tanto mais quanto era certo que de similhante interpretação estavam dependentes as remessas do dinheiro do ultimo emprestimo, com as quaes o governo queria e precisava viver?! Mas o governo teve conhecimento pelos artigos do Times de que em Londres se disputava sobre a interpretação das palavras do telegramma do sr. ministro da fazenda; teve conhecimento da interpretação que a este telegramma e a outro de 9 de março, do sr. ministro dos estrangeiros, foi dada pelo nosso ministro em Londres; acaso rectificou essa interpretação, esclareceu os interessados, disse-lhes aqui ou lá o modo como elle entendia o caso e como queria resolve-lo?!! Deixou correr tudo á revelia, mas recebeu o dinheiro do emprestimo.

Mas o sr. ministro dos estrangeiros fez uma insinuação aos ministros transactos, quando disse que, copiando para o telegramma de 9, as palavras de outro telegramma dirigido pelo sr. Fontes, tinham n'um e n'outro o mesmo sentido. Isto envolve uma insinuação grave ao caracter do sr. Fontes.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Cá não ha insinuação alguma, ha lá.

O Orador: — Pois não ha insinuação, quando se diz que o sr. Fontes escreveu aquellas palavras com um fim reservado, e n'um sintido senistro, duplo e amphibio?! Pois não ha insinuação, inculcando-se que um homem honrado enganou os interessados, servindo-se de palavras e expressões apparentemente claras, mas realmente equivocas, empregadas unicamente para incobrir as obrigações contrahidas?!

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Isso é que é insinuação.

O Orador: — Deixemo-nos d'isso. Eu não faço insinuação a pessoa alguma, levantando a que é feita a um amigo antigo e dedicado, que esta ausente (apoiados). E, acabemos com isso. Acabemos de uma vez, e para sempre com estas reticencias, com estas insinuações disfarçadas, feitas aos meus amigos politicos. Nós estamos vencidos, reconhecemos isso; aceitámos resignados a nossa posição de vencidos; mas nunca consentiremos na humilhação. A humilhação... essa não aceitaremos nunca...

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — O sr. deputado é que esta fazendo insinuações.

O Orador: — Eu repito as que foram feitas pelo nobre presidente do conselho, e não queria faze-las por certo. Acredito nas boas intenções de s. ex.ª, mas deixaram-se caír, é preciso levanta-las para honra dos ausentes. Se o sr. Fontes aqui estivesse, elle havia de repellir a interpretação que s. ex.ª qui attribuir ás palavras por elle empregadas n'um telegramma dirigido para Londres, porque essa interpretação denunciaria, se fosse verdadeira, a intenção sinistra de faltar á lealdade dos contratos; ora o sr. Fontes é um cavalheiro incapaz de uma traição.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Apoiado.

O sr. Fontes como cavalheiro e como ministro da corôa