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a Camara deve escutar para não deixar-se surprehender pelos protestos dictados por um terror panico, que a experiencia futura convencerá de ser fundado em falsa causa, porque as provisões do Projecto longe de anniquillarem a Imprensa, lhe darão mais força e vigor. Não será, é verdade, tão frequente a calumnia, mas em compensação della lhe será restituido aquelle esplendor e credito, que ella merece, quando e dirigida com discrição, acerto, decencia, e boa fé.

Em quanto ao terceiro argumento contrario, deduzido do receio das revoltas, declaro, que pela minha profissão nem sei brandir uma espada, nem engatilhar uma espingarda, mas assim mesmo não é o terror capaz de me affastar de votar como entender em minha consciencia. É minha convicção intima a necessidade da reforma; e a oportunidade da medida, a qual se teria perdido, se para mais tarde se adiasse objecto de tamanha importancia. O sofisma do terror não assusta os timoratos, e muito menos aquelles que estão acostumados a vêr os perigos em todas as revoluções, por onde temos atravessado desde 1828. Nem é argumento que seja capaz de commover as convicções de homens, que se prezam de ser livres, e conhecedores das necessidades publicas, e respeitadores do juramento que prestaram de fazer tudo quanto julgarem necessario para utilidade da Patria.

Concluindo aqui a primeira parte do meu discurso sobre a necessidade e opportunidade do Projecto, depois mostrarei até que ponto eu julgo que a reforma póde levar-se; por ora restringi-me a combater os motivos trazidos para combatel-a, e a produzir as razões geraes que me moveram a assignar o Parecer da Commissão.

É pois que deu a hora, peço a V. Exa. Sr. Presidente, me reserve a palavra para na seguinte Sessão concluir as duas partes que me restam do meu discurso.

O Sr. Presidente: - A Ordem do Dia para a Sessão seguinte é a mesma de hoje. Está levantada a Sessão. - Eram quasi quatro horas e meia da tarde.

O 1.º REDACTOR,

J. B. GASTÃO.

N.º 17. Sessão em 22 de Março 1850.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada - Presentes 57 Srs. Deputados.

Abertura - Ao meio dia.

Acta - Approvada.

CORRESPONDENCIA.

OFFICIOS. - 1.º Do Sr. Deputado Gorjão Henriques, participando que por incommodo de saude não póde comparecer á Sessão de hoje, e provavelmente á de ámanhã. - Inteirada.

2.° Do Ministerio da Guerra, participando que se occupa incessantemente da confecção do Orçamento d'aquelle Ministerio para o anno economico de 1850-1851, e logo que esteja, prompto, o que brevemente se verificará, será remettido a esta Camara. - Á Commissão do Orçamento.

REPRESENTAÇÕES. - Uma de algumas praças de pret, que foram do Batalhão Naval, hoje escusas do serviço, em que pedem, providencias para que lhes seja paga a gratificação de 20 réis diarios, ordenada no art. 2.° do Decreto de 14 de Maio de 1848. - Ás Commissões de Marinha e do Orçamento.

O Sr. Vieira d'Araujo: - Participo a V. Exa. e á Camara que os Srs. Paes Villas Boas, e Faria Barbosa, não comparecem á Sessão de hoje por falta de saude, e por este mesmo motivo já teem faltado a algumas, e terão do faltar ainda a outras.

O Sr. Emilio Brandão: - Participo a V. Exa. que por incommodo de saude é que tenho faltado a algumas Sessões.

O Sr. Xavier da Silva: - Participo, a V. Exa. que o Sr. Deputado Antunes Pinto não póde comparecer á Sessão de hoje, porque quando vinha para a Camara foi gravemente atacado na sua saude.

ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão do Projecto n.º 6 sobre Liberdade de Imprensa.

O Sr. Presidente. - A quem pertencia fallar em primeiro logar era ao Sr. Deputado Antunes Pinto, por isso mesmo que a palavra lhe ficou reservada da Sessão de hontem; porém como segundo a participação que se fez, se acha gravemente doente, é este o motivo porque dou a palavra ao Sr. Evaristo de Almeida que é quem se segue na ordem dos inscriptos.

O Sr. Evaristo d'Almeida: - Sr. Presidente, depois de haverem faltado com tanta proficiencia sobre a materia, grande parte das illustrações desta Camara, ousar eu elevar a minha debil voz sobre objecto de magnitude tão transcendente, é na realidade um arrojo, que só póde ser desculpado, acreditando-se que o faço impellido pela necessidade de motivar o meu voto; a necessidade digo, porque não tendo ainda podido crear-me uma tal qual reputação sobre a solidez de meus principios politicos, é do meu dever declarar os motivos que me levaram a votar desta ou daquella maneira.

Sr. Presidente desejando resumir quanto possivel as minhas reflexões, não intreterei a Camara com allusões ao que, sobre a materia teem escripto os andores estrangeiros, mesmo porque duvido muito que aquelles auctores, escrevendo em Portugal na actualidade, se animassem a arrancar proposições, que só podem considerar-se axiomaticas em paizes onde a instrucção está mais desenvolvida.

Ouvi a um dos illustres Deputados que me precedeu, chamar á Liberdade de Imprensa a casta filha da Liberdade; eu peço licença para adoptar a figura, porque a acho apropriada e exprime exactamen-

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te a idéa que ligo a uma similhante instituição. A Imprensa, Sr. Presidente, em quanto se conserva dentro dos limites prescriptos a um conselheiro circumspecto, a um censor justo; em quanto propaga doutrinas que despertem o respeito á religião, o amoras instituições liberaes, e a devoção ao trabalho; em quanto tracta de censurar o vicio, elogiar a virtude, promover a paz e a ordem; em quanto finalmente procurar não desmerecer o epitheto de honesta, é uma filha que sustenta aquella que lhe deu o ser, e cujo anniquillamento levaria necessariamente comsigo a mesma liberdade: mas quando essa filha esquecendo preceitos que a propria conveniencia lhe aconselha, se revolta contra essa instituição sagrada a quem deve a existencia; quando ella promove a desordem provocando o Paiz á revolta, injuriando e calumniando os defensores dessa liberdade, pela qual deveria sempre pugnar, então o interesse da liberdade nos obriga a buscar os meios de pôr diques a esses desvarios, dos quaes ella póde tornar-se victima.

A Imprensa, Sr. Presidente, está neste ultimo caso: urnas vezes rebella-se contra as instituições liberaes, outras affectando-lhes sincero amor, busca precipital-as no abismo da anarchia, e sendo esta a minha opinião a respeito da Liberdade de Imprensa, mal podia eu, Sr. Presidente, deixar de regosijar-me ao ver apparecer o Projecto que está em discussão, nem eu posso deixar de entender que merecem os encomios da Nação o Governo, que tomou a Iniciativa, e a Commissão que tão bem soube desenvolver o pensamento de reprimir o abuso da Imprensa Periodica, sem prejudicar nem de leve a liberdade da publicação do pensamento.

Ouvi com a maior attenção os discursos proferidos pelos illustres Deputados que combateram o Projecto, e confesso, Sr. Presidente, que apesar das flores de thetorica com que seus andores souberam adorna-los, apesar da crudicção que n'elles respira, não puderam convencer-me de que a Lei é contraria no espirito da Carta, nem que encerra disposições preventivas de natureza a tornar o silencio da Imprensa consequencia necessaria da promulgação da Lei cujo Projecto nos occupa.

Deveria analysar e responder a cada um dos argumentos que se teem produzido contra o Projecto, porem nem me considero com forças bastantes para o fazer, nem tão pouco o julgo necessario, visto que a Camara já tem ouvido refutar estes argumentos melhor sem duvida do que eu o faria; por isso me limitarei a produzir tão sómente algumas reflexões.

Dizem alguns illustres Deputados, que passando o Projecto da maneira por que só acha, irá reduzir á indigencia os Escriptores Publicos; porque não abundando de meios pecuniarios os talentos no nosso Portugal, segue-se que não podendo fazer o deposito reclamado, ver-se-hão na dura necessidade de cessar de escrever, e por esse facto reduzidos á miseria; por quanto a maior parte tiram os meios de subsistencia unicamente de seus escriptos. Se este argumento, Sr. Presidente, aproveitasse para este caso, seria logico aquelle que produzisse a abolição das Leis que castigam o roubo, o contrabando, etc. porque individuos ha que tiram os meios de subsistencia unicamente dessa industria criminosa. Eu, Sr. Presidente, faço mais justiça aos nossos Escriptores Publicos, porque acredito que não será motivo bastante paro que elles deixem de escrever, o fechar-se-lhes a conspurcada arena em que actualmente gladeam: avalio devidamente o seu talento, e por isso estou convencido de que continuarão a escrever, com a differença, porém, que os seus escriptos hão de conter-se dentro dos limites prescriptos no art. 100.º do Projecto, no que lucram muito mais elles e o publico.

Mas a Lei é desnecessaria, disse um nobre Deputado: o correctivo da Imprensa é a propria Imprensa. Permitta-me o illustre Deputado que lhe diga, que avançando tal proposição, ou esqueceu os factos, ou então deixou de ser logico comsigo mesmo: pois o nobre Deputado entende que o correctivo da Imprensa é a propria Imprensa, e veio nas Sessões passadas irrogar acre censura ao nobre Presidente de Conselho, porque deixou correr á revelia as accusações da Opposição? O Ministro nessa occasião podia responder-lhe - Eu lá tenho Jornaes que me defendem - porém não o fez, porque sabia que todos os Jornaes não são lidos por todos.

Queria-se então que o Ministro chamasse ao Jury o Jornal accusador; e faziam bem, porque com isso podia o partido ganhar muito moralmente, e nada perder, porque estava mui recente a exemplo da impunidade, com esse Processo, que brada tão alto contra a Liberdade de Imprensa pela maneira por que está sendo exercida; esse Processo cuja defeca versou em captar a benevolencia do Jury pela confissão íngenua do crime; cuja defeza versou sobre o direito que tinha um partido vencido, de se servir da arma da calumnia para fazer baquear os seus inimigos politicos, esse Processo finalmente em que e absolvido um Jornal convencido de calumniador e de falsario.

Á vista de tal exemplo, Sr. Presidente, quem considerando a deficiencia da Legislação actual sobre a Imprensa, será despertado por outra sensação, alem da do desprezo, quando os Jornaes escrevem: - Chamai-nos ao Jury que nós responderemos?

Em vista destas razões que eu deixo tão mal esboçadas, não posso, Sr. Presidente, deixar de votar pelo Projecto em discussão, sem prejuizo comtudo de algumas Emendas que estão sobre a Meza, e que eu acho aproveitaveis; finaliso por tanto mandando para a Meza a seguinte

PROPOSTA: - Proponho que todas as Emendas, que se acham na Meza, e bem assim aquellas que por ventura no decurso da Sessão forem apresentadas, sejam remettidas á Commissão de Legislação, para sobre ellas dar o seu Parecer: - José Evaristo de Almeida.

O Sr. Presidente: - Esta Proposta importa um Adiamento da discussão do Projecto n.° 6, e como tal a vou sujeitar á consideração da Camara.

Foi apoiada e entrou em discussão.

O Sr. Rodrigues da Costa: - Eu não tenho duvida em votar pela Proposta do meu Amigo o Sr. Evaristo de Almeida, logo que S. Sa. declare na mesma Proposta, que o seu pedido - é sem prejuizo da discussão - assim não terei duvida alguma em a approvar; fóra disto não posso deixar de votar contra ella.

O Sr. Evaristo de Almeida: - Quando eu fiz a minha Proposta, não foi com o sentido de adiar, nem de prejudicar a discussão no seu respectivo andamento; o meu fim foi, que tendo-se já apresentado, e podendo ainda apresentarem-se muitas Emendas

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importantes, desejava eu que sobre essas Emendas não houvesse votação da Camara, sem que a respectiva Commissão as examinasse primeiramente; este foi o meu fim, e nenhum outro. Se a Proposta não está redigida de modo, que exprima o meu pensamento; se ella importa, como está, um Adiamento da discussão, peço que nella se faça a devida rectificação.

O Sr. Lopes de Lima: - O illustre Deputado que fez a Proposta, acaba de dizer que tem pouca practica dos estilos Parlamentares, por consequencia creio que não terá duvida, vendo que a sua Proposta importa nada menos que o Adiamento da discussão, em a retirar; mesmo porque nada se ganha em serem remettidas á Commissão as Propostas, que estão sobre a Mesa, por isso que sobre cada uma dellas ha de haver uma votação especial.

O Sr. J. L Guedes: - Entendo que a Proposta do illustre Deputado não tem os inconvenientes, que outros Srs. Deputados lhe acharam. O seu fim é que em uma questão desta importancia, as differentes Emendas que teem sido oferecidas durante a discussão a este immenso Projecto, vão á Commissão, para sobre ellas dar um Parecer, que sirva de fixar a opinião sobre ellas; porque é impossivel que a Camara possa attender a uma serie de Emendas que já estão na Mesa, e ás que ainda podem ser mandadas, sem que primeiramente possa avalia-las, o que se consegue dando a Commissão um Parecer sobre ellas. E não creio que isto importe um Adiamento, porque se me não engano, o illustre Relator da Proposta pede que as Emendas vão á Commissão sem prejuizo da discussão, para dar o seu Parecer sobre cada uma dellas, e se poder votar com conhecimento de causa. Por consequencia, julgando de muito proveito para a votação, e mesmo para a discussão que assim se faça, approvo com todas as minhas forças a Proposta do illustre Deputado; com muito gosto a subscrevia, e até a farei minha se o illuitre Deputado desistir della; porque, desejo que a Camara, pelo menos mostre que tem desejo de proceder sobre um assumpto desta gravidade com toda a madureza e circumspecção.

O Sr. Evaristo de Almeida: - Como as minhas intenções não eram protrahir a discussão, peço licença a V. Exa. e á Camara para retirar a minha Proposta.

A Camara approvou que fosse retirada.

O Sr. J. I. Guedes: - O illustre Deputado que fez a Proposta, retirou-a, e esteja certo de que não penso que a retirou por eu a approvar; estou persuadido que foi pelas razões com que o illustre Deputado, que me precedeu, a combateu. Eu tinha declarado á Camara, que fazia minha a Proposta do illustre Deputado; é o que vou fazer. Eu podia apresentar uma serie de razões para fundamentar a minha opinião, mas não quero que se entenda que eu quero aproveitar este incidente para tomar o tempo á Camara, e como tenho a palavra sobre o Projecto, e espero que me ha de chegar, ou que a Camara ha de adoptar uma providencia para que, quando não possam fallar todos os illustres Deputados inscriptos, pelo menos possam apresentar as suas Emendas, por isso o não faço. Mas não posso com tudo deixar de dizer que ha 12 dias que está em discussão este Projecto, e até hoje está no mesmo estado em que estava no principio, porque ainda não vi descer á sua analyse profunda. Por esta occasião direi, que respeitando muito a decisão da Camara, a minha opinião é que sobre objectos desta natureza, se alguma discussão se podia dispensar, era certamente a da generalidade, mas nunca a da especialidade (Apoiados) porque assenta sobre cada um dos artigos; mas nada disso já tem remedio, e por consequencia sem me demorar mais, mando para a Mesa a seguinte

PROPOSTA. - Proponho que todas as Emendas que se acham na Mesa, e bem assim aquellas que por ventura no decurso da discussão forem apresentadas, sejam remettidas á Commissão de Legislação, para sobre ellas dar o seu Parecer, sem prejuizo da discussão - J. I. Guedes.

Foi apoiada, e seguidamente foi rejeitada sem discussão.

O Sr. Costa Macedo: - Se V. Exa. me permitte, fallarei primeiro sobre a ordem, creio que por isto não perco o direito que tenho de fallar sobre a materia depois.

O Sr. Presidente: - Pode fazer o que entender.

O Sr. Costa Macedo: - Não vejo presente nenhum dos Srs Ministros; e ha dias, quando por este lado se propoz o Adiamento até que estivesse presente o Sr. Presidente do Conselho, as razões que se apresentaram para o combater, foi que estava presente um Membro do Ministerio, e que outro não podia tardar; hoje não vejo presente nenhum, e por consequencia julgo do meu dever para haver toda a liberdade da discussão mandar para a Mesa esta Proposta de Adiamento.

PROPOSTA. - Proponho o Adiamento desta discussão até que esteja presente pelo menos um dos Srs. Ministros de Estado. - D. Pedro da Costa Macedo.

Não foi apoiada.

O Sr. Presidente: - Continúa o Sr. Deputado com a palavra sobre a materia, querendo usar della.

O Sr. Costa Macedo: - Sr. Presidente, Pseudo-Cartistas, inimigos do Altar e do Throno, neofitos do Republicanismo, taes são os graciosos epithetos com que os Membros da Opposição acabam de ser mimoseados pelos illustres defensores do Projecto em discussão. Primeiramente a mais crassa ignorancia envolvia no seu manto de trevas todo este lado da Camara. Eramos idiotas, analfabetos, incompetentes para tractar uma questão scientifica. Depois, uma nova tactica, se empregou, SS. EExas. apresentaram-nos como alliados do demagogismo, como representando nesta Casa as opiniões socialistas, e como taes querendo a liberdade amplissima da Imprensa sem peia nem restrincção. Os nobres Deputados estão enganados. Eu julgo achar-me habilitado em nome de todos os meus Collegas para affirmar que todos consideram similhante doutrina, como uma verdadeira utopia (Apoiados), e eu digo mais, considero-a um verdadeiro absurdo.

Eu sei perfeitamente, que nos Estados Unidos da America apesar de que a Constituição Federal prohibe no Congresso a confecção de uma Lei tendente a coarctar ouso da palavra ou da escripta, ainda assim esse uso não é tão illimitado naquelle Paiz como aqui se affirmou, porque lá vigora a mesma Lei commum dos Inglezes common Law.- E apesar disso é a liberdade da manifestação do pensamento sem

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restricção. Similhante disposição tem ferido profundamente - aquella sociedade politica - tem feito soltar lamentosas queixas a alguns dos seus Escriptores. Lea-se a Revista Americana em diversos numeros, lea-se até a Revista Britannica.

Por consequencia nem mesmo nos Estados Unidos se pode dizer que existe a Liberdade de Imprensa na sua accepção mais lata: ha certas Leis Penaes que condemnam o Escriptor pelos abusos que contra a sociedade commetter. Eu podia para abonar estas minhas reflexões baseal-as no testemunho de respeitaveis Escriptores Achille Mourat, Michel Chevalier e até Benthan, mas julgo-o escusado e seria fatigar a Camara. E a quem expende similhantes idéas baseadas no convencimento e até no estudo, pode por ventura assacar-se-lhe que deseja instaurar no Paiz a liberdade da palavra e da escripta sem correctivo nem restricção?

Não pode. Seria uma injustiça que eu desejo repellir com todas as minhas forças.

Sr. Presidente, eu ouvi comparar a Liberdade de Imprensa de mui diversas maneiras. Compararam-na primeiramente á donzela casta sedusida por falsos adoradores. Depois assimilharam-na áquella celebre Flôr de Maria dos Mysterios de Pariz, que um poder forte arrancou á devassidão, de maneira que a illustre Commissão seria neste caso o Principe Rodrefo, e talvez nós Opposição fossemos a Chouétte, que sei eu (Riso)?.... Finalmente ouvi uma terceira comparação e com essa até certo ponto me conforme eu. Disse-se que toda essa multidão de pessoas que tem assignado o protesto contra esta Lei de Liberdade de Imprensa podia comparar-se á população desenfreada que nos tempos da Inquisição seguia a victima, quando ella caminhava para a fogueira. Ora, Sr. Presidente, esta ultima parte talvez eu ache que se possa até certo ponto admittir; a Liberdade de Imprensa, se a illustre Commissão me permitte, vai realmente ser sacrificada, vai ser effectivamente uma victima da Inquisição, mas talvez de excesso de amor, e de excessos de enthusiasmo pela mesma liberdade. E esta é talvez uma das mais preciosas condições da primeira das garantias do homem livre. Os proprios que a desejam destruir, cobrem-na de elogios, e quando a assassinam, protestam sempre que é para salval-a. Isto encontra-se nas discussões deste genero em todos os Paizes Constitucionaes.

Depois de todas estas comparações que citei, tambem peço licença para lêr uma que se encontra em Foucart. Diz este distincto Escriptor (Leu) "Que a Imprensa é como uma arvore mysteriosa que encerra ao mesmo tempo fructos de morte, e fructos de vida."

Eu tambem não me conformo com esta doutrina, Sr. Presidente, entendo que a arvore da Imprensa vivificada pelo sol da liberdade não deve jámais dar fructos de morte. Ao homem ha certos fructos que lhe devem ser prohibidos sempre; isso até a Escriptura Sancta nol-o ensina. A faculdade de pôr em acção os instrumentos do pensamento é um direito que o homem recebe de Deos; mas ouso desse direito devo ser restringido pelos direitos dos outros, deve acabar aonde principiam os direitos da sociedade. O exercicio dos agentes do pensamento está no caso de qualquer outra acção do homem; peço á Camara licença para lhe citar estas palavras de um distincto Jurisconsulto. Qui loguitur verba exprimit, ideoque agit. Scribere est agere, disse tambem Blackttone. Se qualquer acção praticada pelo homem offende os outros, ou a sociedade, essa acção é objecto de uma punição legal, da mesma forma se a manifestação do pensamento, considerada como acabo de a considerar, isto é como acção, offender a sociedade ou qualquer cidadão, esta acção é igualmente abusiva, e deve por consequencia ser punida. Ora uma Lei que regule os direitos sobre estas condições, uma Lei do Escriptor, já da sociedade; uma Lei que dê ao Escriptor garantias contra o arbitrio, e á sociedade garantias contra o abuso, uma Lei que harmonise as tendencias do Poder que são sempre para restringir com as tendencias do Escriptor que são sempre para abusar, uma Lei assim quero-a eu, Sr. Presidente. Quero uma Lei que mantenha na sua orbita legal governantes e governados, que sustente o equilibrio entre os excessos dos Povos e os excessos do Poder; que seja como disso aquelle celebre Escriptor, uma barreira entro as demasias do Povo, e as prerogativas da Corôa, Sr. Presidente, systema absoluto em Liberdade de Imprensa não o quero, e estou certo de que não ha dentro desta Casa uma só pessoa que com a frente erguida affirme que o deseja. Systemas absolutos em materia de Imprensa ha dois, ou a liberdade sem limites, ou prohibição completa. A primeira traz como consequencia a anarchia, a consequencia da segunda é o absolutismo. Nenhum destes systemas eu quero; mas se a illustre Commissão me permitte, o seu Projecto conduziu aproximadamente ao segundo, se algumas das suas disposições não fossem irrealisaveis, como eu provei a primeira vez que fallei nesta questão.

Sr. Presidente, a theoria da Liberdade da Imprensa é no meu entender simplicissima. Basea-se em primeiro logar na abstracção completa de censura, em segundo logar na responsabilidade pelos abusos depois da publicação. Ora para que a primeira base possa subsistir, é necessario que não haja obstaculo nenhum á liberdade da publicação. Para que a segunda base possa subsistir, é necessario que o Tribunal que julgue, seja completamente independente, que de reciprocas garantias já á Nação, já ao Governo. Mas, Sr. Presidente, pelo Parecer em discussão, eu entendo que ficam destruidas ou pelo menos adulteradas estas duas bases sobre que se funda a liberdade do pensamento. Fallo em primeiro logar dos depositos. A idéa dos depositos toda a gente sabe que é a Mr. Chateaubriand que se deve. Os Francezes adoptaram-na na Lei de 1819, e os Inglezes fizeram-no tambem pouco depois. Mas, Sr. Presidente, o fim para que se apresentou esta idéa, não era para pôr obstaculos á Liberdade de Imprensa, o fim era unicamente garantir a muleta em que o Jornal podesse incorrer, e mais o pagamento das custas. Esta, Sr. Presidente, é que é a verdadeira theoria dos depositos. Mas pergunto eu, dá-se ella qui? Por esta Lei é um conto de réis o maximo da mulcta, e os depositos sobem a tres contos!! Disse-se que era possivel que o Escriptor fosse condemnado por mais de um abuso; mas eu peço licença tambem para observar que dentro em 15 dias tem o depositante obrigação de entrar com os valores no deposito iguaes áquelles em que foi mulctado o Jornal, e não é natural que dentro de 15 dias fossem taes os abusos que o Escriptor commettesse na manifestação das suas idéas, que logo tivesse de pagar diversas muletas, e essas no va-

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lor de tres contos de réis. Por consequencia as observações que eu ouvi para se provar que não era excessivo o deposito, estão bem longe de me convencer. Ha excesso no deposito - logo ha restricções na manifestação do pensamento, ha monopolio estabelecido a favor dos mais abastados, ha ataque e ataque directo á primeira base da liberdade da escripta, a qual e assim flagrantemente offendida e sem motivo plausivel.

Sr. Presidente, a segunda base da verdadeira theoria da Liberdade da Imprensa é a existencia de um Tribunal que assegure ao Escriptor que elle ha de ser julgado com a maior independencia, e que dê garantias e garantias amplissimas á sociedade, e ao Governo. Mas pergunto eu, um Tribunal inteiramente politico póde dar estas garantias, quando a natureza de taes crimes e toda politica, quando assim exclue toda a influencia de partido? Sr. Presidente, eu não entro muito neste ponto, porque já outro dia o toquei; mas peço licença para lêr a camara a opinião de um Jurisconsulto insigne da França. O elemento da Liberdade da Imprensa fica destruido (peço á Camara attenção.) se o Tribunal que julga aquelles delictos, estiver directa ou indirectamente na dependencia da Corôa, isto diz Mr. Chassan a que ninguem aqui poderá chamar demagogo, ou alliado dos demagogos; pelo contrario na minha opinião é um Escriptor com cujas doutrinas não me conformo, porque as acho muito retrogradas em certos casos. Pois elle diz isto, Sr. Presidente, e pergunto eu, o Tribunal que a illustre Commissão propõe, não é um Tribunal essencialmente politico? Não é um Tribunal essencialmente dependente - essencialmente sugeito ás influencias do Governo? Em primeiro logar é presidido por um Magistrado da inteira dependencia do Governo. Eu já outro dia aqui com muito prazer teci os merecidos encomios áquelle digno Magistrado; mas continuei que eu não tractava de pessoas, mas de cousas, e esta Lei é claro que tem um caracter permanente. O Tribunal é, como vimos, presidido por um individuo da inteira dependencia do Governo! Ora que garantia de independencia dá ao Paiz este Magistrado que o Governo póde n'um instante demittir? Quem são os outros Membros do Tribunal? Tres individuos nomeados pela Maioria da Camara dos Dignos Pares, outros tres pela Maioria da Camara dos Deputados. Já aqui se disse (e eu não contesto agora a theoria) que as Maiorias representam sempre a opinião do Paiz, por consequencia que sempre os individuos nomeados por essas Maiorias haviam de dar garantias, por isso que representavam as Camaras, e a Maioria da Nação; Sr. Presidente, eu não contesto isto, a theoria é exacta; na practica muitas vezes falha, talvez quasi sempre; mas quando não fosse assim, quando esses homens nomeados pelas Camaras merecessem tambem a confiança do Paiz, nem por isso deixavam elles de ficar na dependencia do Governo. Póde haver promessas, ameaças, distribuição de mercês; em fim todos aquelles meios de corrupção, e immoralidade, e que os Governos teem na sua mão, e de que em geral algum dos actuaes Srs. Ministros não tem sido muito parco em usar. Póde haver todos estes meios - ha de certamente have-los, e aí fica um Tribunal inteiramente sugeito ás influencias politicas, e inteiramente dependente dos Ministros, quando a natureza dos crimes commettidos pela Imprensa exclue toda a idéa politica, e toda a idéa de que intervenham no julgamento individuos dependentes do Governo. E, Sr. Presidente, note V. Exa. que eu faço desde já uma profecia; a qual creio finalmente se realisará, se tivermos a desgraça de que passe a Lei. Se esta Lei passar, por mais justas, por mais rectas que sejam as decisões do Tribunal, este Tribunal ha de attrair sempre um odioso sobre si, ha de ser sempre suspeito á Nação, ninguem acreditará nos seus julgamentos por mais rectos que sejam. Quer o Tribunal absolva, quer condemne, dir-se-ha sempre que foi parcial, que recebeu inspirações do Governo, que foi o Governo quem influiu as suas decisões; e peço que se tome nota disto que aqui digo. O Tribunal quaesquer que sejam os seus julgamentos, nunca ha de merecer a confiança do Paiz. Estas decisões hão de ser consideradas sempre como parciaes, e dou o tempo por testemunha. Eu pelo menos como não sei quem hão de ser os Juizes, declaro que similhante instituição me não ha de merecer a mais pequena confiança. Estou certo que todo o Paiz me acompanha neste ponto.

Sr. Presidente, tenho pretendido mostrar que o Projecto em discussão destróe, ou pelo menos ataca profundamente as duas bazes essenciaes da liberdade do pensamento!

Tinha muitas outras observações a fazer sobre o Projecto, mas tenho em grande parte sido prevenido pelos meus illustres Collegas deste lado, e por isso receio fatigar a Camara repellindo o que por mais de uma vez está dicto:

Não posso todavia deixar de apresentar algumas considerações em resposta a outras de que tomei nota. Fal-o-hei o mais resumidamente que puder.

Sr. Presidente, ouvi dizer a um ou mais de um dos Oradores daquelle lado, que SS. Exas. tem abusado da Imprensa. Declaro que louvo a ingenuidade da confissão, mas lamento que além dos abusos em que incorreram SS. Exas., venha o Governo aqui querer condemnar uma instituição de que elles mesmos confessam que tem abusado. Isto é uma verdadeira tyrannia; SS.º Exas. vem condemnar uma instituição de que abusaram. Vem ser Juizes n'uma causa em que ja foram réos. Se esta Lei passar, a Liberdade de Imprensa fica muito restringida, e por consequencia todos os novos Escriptores hão de pagar pelo que SS. Exas. fizeram (Apoiados). Isto é uma verdadeira condemnação de innocentes, é condemnar até gerações futuras pelos abusos que SS. Exas. confessam que commetteram. Ouvi dizer - Eu abusei, porque os outros abusavam - Bello argumento!... Pois porque os mais abusam, hei de eu abusar tambem? Porque se mata, hei de eu ser assassino? Porque se roubo, hei de ser salteador? Ora, Sr. Presidente, se os illustres Deputados confessam que o partido conservador tem abusado da Imprensa, e deveras tem abusado mais do que o partido progressista; por isso que a nossa theoria nesta materia é mui differente da delles, merecem mais censura do que os outros, porque devendo dar exemplos de moderação, são os primeiros a abusar. E eu não defendo a Imprensa porque tenho sido tractado por ella com grande amenidade; Até me compararam com um jumento (Hilaridade). Foi n'uns versos da Matraca. E não me admirou isso. Amanhã talvez me chamem mentecapto, mas tambem não me maravilha, porque esse mesmo Jornal que assim me póde contemplar, já chamou venal ao Sr. Deputado a quem

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tenho alludido, e traidor ao Sr. Presidente do Conselho.

E como estou fallando dos abusos commettidos pela Imprensa Ministerial, aproveito esta occasião para dirigir algumas palavras ao Sr. Ministro da Justiça. S. Exa. referindo-se á Imprensa em geral disse que de um lado e outro se tem abusado igualmente; mas então porque é que S. Exa. paga aos seus Jornaes? É para que elles abusem? É para que elles commettam os mesmos crimes que S. Exa. censura ao ponto de apresentar esta Lei? Pois S. Exa. não póde ter inspecção sobre os seus Jornaes que assim abusam? E não sou eu que o digo. Foi S. Exa. mesmo que amimou aqui que toda a Imprensa abusava igualmente, e que toda ella devia ser igualmente condemnada; pois então o Governo gasta 400 mil réis com a Imprensa para ella abusar? Pois S. Exa. paga á sua Imprensa, e consente-lhe esses abusos? Se a Imprensa Ministerial abusa, a culpa é do Governo, de mais ninguem (Apoiados).

O mesmo Sr. Ministro da Justiça dou-nos a grande novidade de que, ha nove mezes que é Ministro, e ainda não violou uma só Lei. Não sei se S. Exa. fallou a verdade, porque não sou Jurisconsulto, mas o que sei é que a opinião publica censura altamente a nomeação de tres Juizes para a Relação do Porto; não sei se isto é violação de Lei ou não, mas o Sr. Ministro não está no caso de vir aqui vangloriarão por não ter violado uma Lei, nisso não fez mais do que o seu dever; pois nós já chegamos ao estado em que os Ministros para captarem a benevolencia da Camara e do Paiz lhes baste affirmar que não infringiram uma Lei! É isto acaso um titulo de gloria? Acha S. Exa. que se tornou benemerito do Paiz só porque não violou uma Lei! O facto é que S. Exa. fez uma censura a todos os seus collegas, e aos outros Ministerios anteriores (Apoiados). Esta declaração de S. Exa. é um perfeito epigramma aos seus collegas (Apoiados).

S. Exa. disse - Que o ser Jornalista é um modo de vida - não contesto, creio que o póde ser, porque a Carta não o prohibe; mas tambem S. Exa. pareceu ser de opinião, não sei se nesta, se na outra Camara, de que o ser Ministro era um titulo de recommendação para altos empregos, quando se justificou pela nomeação dos tres Juizes para a Relação do Porto. S. Exa. disse que elles tinham sido Ministros de Estado, e depois de terem exercido este alto cargo, não parecia bem que voltassem para Juizes de Direito. Torno a dizer, Sr. Presidente, que não sei se o ser Jornalista é modo de vida, o que sei e que um Ministro de Estado fal-o uma folha de papel, ás vezes o capricho de um Rei, outras até uma intriga; porque muitas vezes vai-se buscar de proposito um Ministro do Estado a uma obscuridade bem refere, mas o Jornalista o Deos que o cria, porque o talento só vem de Deos, não se encontra a cada passo, como se póde encontrar um Ministro (Apoiados). O talento não se acha a qualquer canto da terra (Apoiados). Não ha ouro que possa pagar o talento, é uma fagulha da luz divina, é um presente do Ceo, o que Deos só dá aos sons escolhidos. Sr. Presidente, nas sociedades modernas o Jornalista é tudo. É como o trovador antigo, cujas doloridas canções levavam o enthusiasmo, e ás vezes o convencimento aos seios d'alma, é como o inspirado Menestrel cujo alaúde dominava a sociedade inteira desde a choça

do peão até aos paços do castellão fendatario. O Jornalismo é o sexto sentido do povo como lhe chamou Sieies.

Em fim para se ver o que é o jornalismo lerei o que dizia Canning "Em quanto o Parlamento está aberto, é com elle que nós governamos; isto dura seis mezes. Durante os outros seis o Governo passa para a imprensa.

Desci a estas considerações, não para me defender a mim, mas para tributar um testimunho de consideração pela intelligencia dos meus collegas deste; lado da Camara, que todos elles, ou quasi todos teem honrado o jornalismo, e se tem honrado com elle do mesmo modo que os Thiercs, os Guisots, os Lamartines, e outras tantas intelligencias não só da França, mas de outros Paizes.

Tambem ouvi dizer que não era boa fé trazer para aqui a questão da opportunidade ou inopportunidade desta Lei. Eu sou de opinião inteiramente contraria, por isso que as Leis são remedios appropriados ás necessidades da sociedade como disse na Tribuna Franceza Mr. de Beauvoir; e para se vêr se taes remedios são opportunos, é indispensavel estudar profundamente as necessidades da situação. Isto tem-se feito sempre em questões destas nos Parlamentos dos outros Paizes. Em 1820 quando por occasião da morte do Duque de Berry o Ministerio veio propôr a Lei de 31 de Março contra a Imprensa e a gravura etc, a Politica do Governo foi altamente combalida etc. Em 1821 quando o mesmo Ministerio de Mr. Villéle pediu a continuação dessa Lei, tambem se agitou uma questão politica fortissima. Pediram-se contas restrictas ao Ministerio pela violação de diversas Leis, até o respectivo Ministerio foi censurado por ir fazer uma prelecção aos alummos de uma aula, e não se analysaram só os differentes actos do Governo, analysou se a Politica, olhou-se ao estado do Paiz, encarou-se esse estado sob todas as fórmas, os Deputados que defendiam a Poltica do Governo, queriam a Lei porque as necessidades do Paiz, diziam elles, assim o exigiam, os Deputados da Opposição negavam o seu assentimento mostrando a situação hostil em que se achava o Governo para com a França. Leam-se os discursos de Busson Dupont, del'Eure, Vaudourre d'Aube, Bonald, Castelbajac, e outros muitos. Não tractarei mais largamente este ponto porque seria desenvolver o ouropel de uma erudicção inopportuna. Mas os exemplos do que se tem passado nos outros Paizes em circumstancias destas, colhem perfeitamente para o caso. A natureza desta Lei a mais Politica que póde dar-se, e que póde apresentar-se no Parlamento, tudo isto, Sr. Presidente, habilita nesta solemne occasião a qualquer Orador desta Casa para entrar n'uma analyse miuda e circumstanciada ácêrca da Politica do Governo. Este direito não deve por fórma alguma ser coarctado. E fazendo uso delle eu começo affirmando, que o Ministerio não estava em circumstancias de apresentar aqui uma Lei semilhante, o Ministerio deve ser o primeiro a reconhecer que não tem o sufficiente apoio no Paiz, que não tem a força moral indispensavel para reger os negocios publicos. SS. Exas. bem sabem quanto uma accusação pesa sobre a cabeça de um dos Srs. Ministros, accusação que esse Cavalheiro não rebateu a tempo e convenientemente. SS. Exas. bem sabem que a sua carreira governamental foi começada logo com dois vicios de

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origem, dois vicios que foram inherentes á organisação do Gabinete. O primeiro vicio é a maneira anti-parlamentar como esse Gabinete foi organisado. O Ministerio Saldanha contava com uma poderosa Maioria em ambas as Casas do Parlamento, possuia a confiança do Augusto Chefe do Estado, pois apesar de tudo isso esse Ministerio caiu, não segundo as practicas parlamentares, não diante do rigor dos principios, mas diante de um tecido de intrigas....

O Sr. Presidente: - Á ordem.

O Orador: - Creio que a todos os Deputados é licito manifestar a sua opinião ácêrca da Politica do Gabinete...

O Sr. Presidente: - É licito manifestar a sua opinião, mas de maneira que não se offenda uma prerogativa do Poder Moderador (Muitos apoiados). O Sr. Deputado, que não estava na Camara nem nesta Capital, será o proprio para saber e avaliar a historia Parlamentar da queda do Ministerio naquella época? (Apoiados) E para que vem essa queda para a discussão pendente (Numerosos apoiados)?

O Orador: - Essa queda vem para a discussão pendente, porque é uma pagina da historia que ou estou analysando, porque é um dos capitulos mais importantes de accusação contra os Srs. Ministros actuaes, porque é um ferrete que SS. Exas. conservam indelevel na sua fronte Ministerial. E V. Exa. chama-me á ordem, e affirma que eu offendo uma prerogativa do Poder Moderador. Eu, Sr. Presidente, respeito tanto como V. Exa. a livre, a liberrima prerogativa da Corôa na escolha dos seus Ministros. Liberal por convicção e pelo estudo eu respeito altamente a independencia de cada um dos altos Poderes do Estado, olho essa independencia como a verdadeira base do Systema Representativo. O Rei na alta esfera em que se acha collocado, superior aos partidos, intimamente alheio a odios e a maquinações politicas, não tem, não póde ter outro desejo que não seja marchar de accôrdo com as Maiorias do Paiz legitimamente constituidas. Professando eu esta doutrina, que é a que os principios ensinam, era impossivel que me referisse a uma Instituição que altamente respeito, e a qual só deve merecer-nos veneração e amôr. Mas, Sr. Presidente, quantos Ministros não ternos nós visto cair pela intriga? ( Apoiados) E V. Exa. chamou-me á ordem quando eu disse que o Ministerio Saldanha caiu diante da intriga, e V. Exa. suppoz que eu havia de ser tão pouco lido no direito publico constitucional que quizesse offender uma das prerogativas do Poder Moderador.

O Sr. Presidente: - Qualquer que seja a opinião cio Sr. Deputado, o Ministerio Saldanha não caiu por virtude da intriga (Apoiados); caíu por ter pedido a sua demissão (Apoiados, apoiados). Declarou-o assim aqui na Camara, fóra da Camara, e na presença das Maiorias Parlamentares (Apoiados repetidos). E para que vem este incidente para a questão? A questão, e só á questão (Numerosos apoiados)!

O Orador: - V. Exa. está discutindo.

O Sr Presidente: - Não estou discutindo, estou chamando o Sr. Deputado á ordem da discussão, que é o Projecto sobre a Liberdade de Imprensa {Apoiados). Aqui não se tracta do Ministerio Saldanha, e o Sr. Deputado não podia trazer para a discussão o que já está discutido (Apoiados repetidos).

O Orador: - Pois, Sr. Presidente, para a questão de uma Lei politica não posso eu trazer uma pagina da historia politica do Paiz? Parece-me que nenhum receio póde haver em se discutir aqui a Politica do Ministerio desde a sua origem. Pode acaso infundir temor o que dizem aqui 4 ou 5 homens? Assusta isto por ventura a Maioria? De certo que não, Sr. Presidente. Eu depois de ter affiançado que em qualquer das minhas palavras não ha offensa ao Throno, posso livremente continuar. V. Exa. não tem direito a chamar-me á ordem pelo simples facto de eu dizer que os Srs. Ministros subiram áquellas cadeiras em consequencia de um tecido de intrigas. Eu conheço a intriga que se dirigiu contra o Ministerio Saldanha (Uma voz: - Á ordem).

O Sr. Presidente: - Conheça o que conhecer, impertinentemente para a discussão, torno a chamar o Sr. Deputado á ordem, e á questão da Liberdade de Imprensa, porque se continúa dessa maneira, vou consultar a Camara sobre o que cumpre fazer.

O Orador: - V Exa. tem o direito de me chamar á ordem, quando eu sair della. Porém...

O Sr. Presidente: - Tenho esse direito, e até o dever de fazer cumprir o Regimento (Apoiados), e chamar a questão á ordem e termos proprios (Apoiados).

O Orador:- Bem; V. Exa. tem-me chamado á ordem, porque eu affirmei que os Srs. Ministros subiram ao Poder em consequencia de um tecido de intrigas. Para se ver que eu só disse a verdade, para se ver que foi sobre a intriga que se baseou a organisação do Gabinete actual, eu vou lêr um artigo insuspeitiisimo, porque é de um Jornal que hoje defende a politica do Ministerio. Peço á Camara toda a attenção. O documento, torno a dizer, é insuspeitissimo (Leu).

"Se o Marechal Saldanha, na primeira Sessão das Côrtes, crusar os braços e vos perguntar a razão, o direito com que o substituistes, o que lhe haveis de replicar? Se elle exclamar: - " Ainda hontem me aconselhaveis; ainda hontem o vosso voto applaudia o que hoje denominais inercia e lethargia tinheis um emprego de Commissão, continuastes nelle; tinheis um logar na Maioria, não o largastes - onde está, pois, a manifestação da vossa dissidencia? "

" A vossa Politica de tergiversação e de enredos terá corrompido tudo, mesmo em volta de vós; os thurybularios venderão o incenso ao novo idolo; e os amigos offendidos, sacrificados nos apostatas, arredando-se, dirão - " Não te conheço!" - Preparais a perfidia? Morrereis por ella. Tramais no Poder, contra o Poder, ajustes monstruosos com inimigos implacaveis, colhereis em traição o premeio. Fazei dos melhores amigos instrumentos despresiveis, quebrando-os quando vos parece, acabareis sem um amigo. É a sorte que vos espera, porque é a sorte que estais fazendo. Não se brinca com a perfidia e a corrupção - é veneno que não perdoa a ninguem."

Agora depois desta leitura, perguntarei á Camara, foi ou não sobre tecido de intrigas que os Srs. Ministros actuaes elevaram o seu Poder? Tinha muitas observações que fazer ainda sobre este ponto, mas V. Exa. tolheu-me a palavra, todavia com a leitura deste documento insuspeitissimo tenho dicto muito mais...

O Sr. Presidente: - Não tolhi a palavra ao Sr. Deputado, regulei-a, como me cumpria, nem esse

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Jornal, ou chamado documento, está em discussão (Apoiados, apoiados).

O Orador: - Não está em discussão! Pois quando se tracta de uma Lei desta natureza não está em discussão a Politica do Governo? A materia a que allude o documento que eu li, está em discussão, porque está em discussão a Politica do Governo, e todo o Orador que manifestar as suas opiniões no Parlamento, sobre essa Politica, não está fóra dos principios, produzindo quaesquer documentos para corroborar a sua opinião; é esta a practica seguida em todos os Parlamentos, e é ella inherente ao Systema Representativo, inherente a todas as practicas do Governo Constitucional. Eu não preciso recorrer a exemplos, porque bem sabe a Camara que lá fóra em todas as discussões desta natureza se dirigem ataques violentos á Politica do Gabinete, e sem que a Presidencia chame os Deputados á ordem (O Sr. C. Bento. - Apoiado). Ao contrario. Os Ministros são muitas vezes atacados de uma maneira atroz, e a Presidencia conserva-se silenciosa.

Sr. Presidente, eu acho-me n'uma posição bastante contrafeita. Realmente desde que V. Exa. me chamou á ordem, não sei o que hei de dizer. Receio que qualquer palavra que eu profira por mais innocente que seja, por mais que eu a supponha parlamentar, seja considerada abusiva, e eu mereça por ella ser de novo chamado á ordem.

Tinha procurado demonstrar, Sr. Presidente, que fôra a intriga quem principalmente concorrera para a ascenção dos nobres Ministros ao Poder. Essa é na minha opinião tambem uma das causas da aversão geral, que desde logo se manifestou contra SS. Exas., e com a qual os nobres Ministros já contavam. Isto é um facto, SS. Exas. tinham a convicção de que havia contra o seu Ministerio graves apprehensões no Paiz; e a prova é que o primeiro passo de SS. Exas., na occasião que tomaram a gerencia dos negocios publicos, foi pedir ao Parlamento, foi pedir á Nação, que esperassem pelos seus actos, para os julgar!!! Pois homens que durante 6 annos successivos haviam sido Ministros, e que haviam tomado uma parte tão activa na gerencia dos negocios publicos; pois homens, cuja Politica estava tão amplamente definida, e tão conhecida em todo o Paiz, pois homens que se vangloriavam de personificar um Partido, estavam no caso de dizer ao Paiz - " Esperai pelos nossos actos para nos julgardes?" - Esta supplica só poderia ter logar em dois casos - ou quando os novos Ministros fossem desconhecidos - ou quando SS. Exas. - entendessem que a sua Politica ora seguida, era geralmente detestada. Este caso é o que se dava agora.

Sr. Presidente, esta Administração é realmente odiosa á grande maioria da Nação. Acha-se no Gabinete um Cavalheiro, que teve a desgraça de excitar contra si o Paiz em massa, e é este o segundo vicio inherente á organização do actual Gabinete. O primeiro é a maneira antiparlamentar como foi organisado o Ministerio. O segundo é formar parte delle o Cavalheiro, que promoveu uma revolução geral contra si, e V. Exa. bem sabe que o homem que não tem forças para suffocar uma revolução e que succumbe diante della, morreu politicamente, acabou para nunca mais resurgir. É exactamente o que aconteceu a S. Exa. O Ministerio não póde contestar a verdade deitas minhas observações por que isto é a historia do Paiz. A actual Administração existe ha 9 mezes. Mas póde alguem dizer que ella tem vivido? Póde chamar-se vida essa existencia precaria o enfesada que SS. Exas. ahi teem arrastado? Pois aonde estão essas esperanças que em SS. Exas. depositavam os seus Amigos, onde estão os actos dos Srs. Ministros? Se ha mezes se dissesse que SS. Exas. se apresentariam aqui no estado de nullidade em que se acham, acredital-o-ia alguem? Onde estão essas medidas de salvação publica que SS. Exas. viriam trazer ao Paiz e que derramariam sobre elle enchentes de prosperidade? Aonde estão essas reformas economicas, administrativas e politicas de que o Paiz tanto carece, para organisar as suas finanças, para promover os interesses geraes e locaes, para harmonisar com os progressos das idéas os progressos da Liberdade? Eu não vejo nada disso. Ha apresa das Notas e consequentemente a descida do agio. Esta medida é realmente um beneficio para todas as Classes da nossa Sociedade, o Paiz applaudiu-a, mas ella deve-se exclusivamente á intelligencia do meu illustre Amigo o Sr. Ministro da Fazenda, fóra d'ahi o Governo não tem feito senão aggravar cada vez mais a situação interna e externa do Paiz, e promover a desunião entre os Membros do partido Cartista (Apoiados). Pois a situação em que o Paiz se achava, quando os Ministros entraram para Ministerio, era a mais propicia. Os perigos, as difficuldades quasi invenciveis havia-os supportado e vencido o nobre Duque de Saldanha. Quando toda a Europa se achava abraços com uma das reacções mais espantosas de que ha memoria, este Paiz era o unico que se conservava incolume e tranquillo. E note a Camara que não foi necessario ao Marchal Saldanha para conservar a ordem usar d'uma só medida excepcional. Não se suspenderam as garantias (Apoiados) não se supprimiu a Liberdade de Imprensa, não se adoptou uma unica medida violenta (Apoiados). Bastou o prestigio daquelle nome, bastou a influencia daquelle caracter honrado e probo para obstar a que o incendio que devastava então a Europa, se communicasse a este Paiz. Passada a crise a Politica do Governo, Politica de verdadeira conciliação era acolhida favoravelmente pela Nação, os odios politicos acalmavam-se progressivamente, as feridas que a guerra civil abrira profundissimas, iam pouco a pouco cauterisando, e aos olhos da Nação transparecia já um horisonte de lisonjeiras esperanças. Tal era o estado satisfactorio em que se achava o Paiz quando SS. Exas. entraram para a Administração.

E qual é a nossa situação hoje? Respondam SS. Exas.

SS. Exas. não teem feito senão aggravar cada dia mais essa situação. SS. Exas. não teem feito senão despertar odios e rancores que jaziam adormecidos, levar a humilhação e o enfraquecimento ao centro do proprio partido conservador, promover uma excitação geral em todos os outros partidos, e finalmente affastar para longe da Soberana as columnas mais honrosas do seu Throno, aquelles homens que mais serviços teem feito a pró deste Paiz (Apoiados).

Sr. Presidente, bem poucas vezes se tem apresentado no Parlamento um Ministerio debaixo de um aspecto tão grave. É gravissima a situação em que SS. Exas. se acham; que o diga o Paiz inteiro. Diga-o esse descontentamento geral que se nota em todas as Classes da sociedade. Digam-no essas vocife-

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rações continuas, essas exclamações geraes que contra o Ministerio se ouvem em todo a parte, nas praças, nas ruas, nos theatros etc. diga-o finalmente o § 27 do art. 3.° desta Lei!!

SS. Exas. sabendo perfeitamente que não podem captar a benevolencia publica porque a Nação os repelle, querem impor-nos silencio, querem suffocar a voz da Imprensa: mas não o hão de conseguir; por que o silencio não se decreta, as apotheoses não se determinam ( Apoiados) o silencio não se impõe como uma Lei (Apoiados). Srs. Ministros, se quereis impor-nos silencio, sede honestos (Apoiados) sede justos e illustrados (Apoiados) deste então a maledicencia não será como agora o terror dos vossos dias, o espectro das vossas noutes. O Divino Mestre nunca impoz silencio. Ao contrario. Entrou no templo, disputou com os Scribas, convenceu-os. Agora aos vendilhões a esses é que arrojou para fora do sanctuario a golpes de azorrague.

E á vista do excitamento em que o Paiz se acha, tem esta estado comparação com aquelle que SS. Exa. encontraram quando subiram ao Poder? SS. Exas. começaram alardeando uma Politica de moderação e tolerancia: quizeram seguir os passos do seu antecessor, mas esqueceram-se de que o Paiz considera mais os homens do que as promessas que lhes façam. O Paiz não acreditou nas promessas de SS. Exas. O Paiz reagiu contra essa moderação que lhes asseguravam. Um Paiz não se deixa enganar duas vezes. Tarde conheceram os Srs. Ministros essa verdade. Tarde conheceram que quem não vive no coração dos Povos, não póde governar senão pela força (Apoiados); e para a força appellaram SS. Exas. então (Apoiados). A sua Politica de moderada e tolerante passou a ser exclusivista e perseguidora. Esta Lei e a manifestação do que acabo de dizer, é a manifestação das verdadeiras tendencias do Governo, é o desforço e o despeito envolvidos sob a mascara do bem publico. Esta Lei é uma nodoa sobre o partido moderado. É uma luva arremessada á Nação toda. É finalmente a primeira parte de um programma de reacção contra os homens e contra as idéas. Reacção contra as idéas aqui a temos (Aponta para o Projecto de Lei em discussão). Reacção contra os homens acabam dois acontecimentos recentes de proval-a. Um General distincto pela sua honra e probidade, que tantos serviços prestou sempre á Causa Constitucional, que ainda em 1844 sustentou o Governo de que faziam parte alguns dos actuaes Srs. Ministros, acaba agora de ser demittido pelo Sr. Ministro da Guerra, não constando que se dê motivo nenhum plausivel para tal demissão. Aquelle Cavalheiro que sustentava o Governo já com a espada, já com o seu voto no Parlamento, aquelle Cavalheiro que tres mezes antes merecia ainda a SS. Exas. uma confiança tão illimitada, que o proprio Governo o elevára á dignidade de Par do Reino, acaba agora de soffrer a mais injusta demissão. Isto é o signal mais caracteristico do estado precario em que se acham os Srs. Ministros... Quando um Governo assim se receia de tudo, quando se temem os homens menos suspeitos, quando se põe em duvida a probidade e a honra, é que a hora extrema desse Governo está prestes a soar. Isto ensina-o a historia de todos os tempos.

Mas ainda outro facto revela bem a intolerancia do Governo, ainda manifesta mais claramente a verdadeira situação do actual Gabinete. Sr. Presidente, o homem que mais serviços tem prestado a este Paiz, o Ministro que já teve a plena confiança deste mesmo Parlamento, e que tantos amigos contou n'esta Casa, o Militar distinctissimo, que tão immarcessiveis louros colheu nos campos da victoria, que no Porto venceu o vencedor de Argel, que em Lisboa derrotou as hostes absolutistas arrojando-as até aos muros de Santarem, que triunfou em Almoster, e em Evora Monte, esse, cuja espada nos conquistou em grande parte o Throno Constitucional e a Liberdade, o Marechal Saldanha, Sr. Presidente, que ainda no dia 6 de Outubro tantos serviços prestou ao partido dominante (e que os Srs. Ministros bem depressa esqueceram) pois senão fosse aquella decisão temeraria e arriscadissima, nenhum de nós estava hoje aqui sentado: o Marechal Saldanha acaba de ser demittido de todos os seus empregos de commissão de que SS. Exas. podiam demittil-o!!! Sr. Presidente, não se cuide que eu venho aqui adorar o sol que ha de nascer, não de certo. Quando elle fulgurava no horisonte, tive a coragem de lhe voltar as costas. Eu já antevia este resultado, já antevia que haviam de sacrificar o Marechal, no momento em que não precisassem d'elle. SS. Exas. foram arteiros, pertenderam reduzil-o pela fome!... Isto é um facto. O homem a quem os Srs. Ministros devem aquellas cadeiras, e nós estes logares, acabaram SS. Exas. de o reduzir á fome! Uma só cousa lhe não puderam os nobres Ministros arrancar; foi a sua honra, um caracter illibado e sem mancha (Apoiados): quando assim se procede contra os homens mais eminentes do Paiz, quando assim se menospresa aquelle a quem devemos Throno e Liberdade, o que pudemos nós outros, o que podereis vós todos, Senhores, esperar do Ministerio actual? O Governo no systema de perdição que encetou, já não pára.

Esta Lei é o primeiro passo na estrada do arbitrario, e o primeiro passo na estrada do arbitrario conduz os Governos ás extremas iniquidades. Assim o dizem eminentes Publicistas, e assim o revela a historia. O Governo vai caminhando a passos do gigante para o abysmo, o seu fim está proximo, e a prova é a Lei que SS. Exas. acabam de propôr-nos. É um facto sabido: todos os Governos que teem affogado a Liberdade da Imprensa ao ponto de a destruir, tem succumbido com ella. A Convenção guerreou a Imprensa, e caiu. O Directorio prendeu n'um dia 120 Jornalistas, e o Directorio acabou. Buona-parte suffocou a voz da Nação, e foi acabar tambem em Santa Helena. Carlos X assassinou a Imprensa, e dois dias depois já não era Rei. A Monarchia de Julho tambem errou neste ponto - e o que lhe succedeu? As Leis de Setembro de 1835 foram o primeiro acto de um systema de reacção, inauguraram na França uma Politica de corrupção, e exclusivismo, e foi essa Politica fatal começada então que em 1848 acabou com o Ministerio, o qual arrojou com a sua queda as maiorias parlamentares, as instituições, e a dynastia. Oxalá que esta Lei não seja outro tanto para nós. Oxalá que os Srs. Ministros na sua queda que é inevitavel, não arrastem tambem a poz si a a Maioria desta Casa, a Liberdade Constitucional, e o Throno da Soberana.

Estas considerações julguei do meu dever offerecelas á penetração da Camara. Sr. Presidente, por interesse nosso, por bem do Paiz, por bem das institui-

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ções consideremos o estado verdadeiramente assustador em que nos achamos. E este estado é o precursor de uma crise horrivel. Que o digam os Srs. Deputados das Provincias, SS. Exas. bem sabem o que por lá vai. Acordemos portanto; acordemos, em quanto é tempo. Oxalá que depois, quando quizermos remediar o mal, não seja já tarde. Concluo votando ainda mais uma voz contra o Projecto em discussão: e estou certo que a Camara, por dignidade sua e honra do partido que representa, não dará o seu assentimento a uma Lei que seria o presagio de grandes calamidades, que arremessariam ao abysmo o Throno, as Instituições, e a Liberdade da Nação.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado teve tempo e até liberdade excessiva para lêr, e recitar o que quiz contra os Srs. Ministros actuaes - teve tempo, e liderdade para lêr e dizer o que quiz a favor de um dos ultimos Srs. Ministros; mas não teve, nem podia ter liberdade para fazer allusões ao Augusto Chefe do Estado (Apoiados). Foi essa a primeira razão, porque chamei o illustre Deputado á ordem; e porque além disso o que estava em discussão, era a Lei da Liberdade de Imprensa, e não os serviços deste ou daquelle individuo (Muitos apoiados) chamei-o tambem á questão.

O Sr. Ministro da Fazenda: - Sr. Presidente, eu pedi a palavra sobre a ordem, porque depois do que disse o Orador, que acabou do fallar, a Camara me fará a justiça de acreditar, que eu não podia ficar silencioso sobre a parte, em que o mesmo illustre Deputado esteve fóra da ordem, porque esteve fóra da discussão do objecto de que se tracta (Apoiados).

Sr. Presidente, depois da declaração franca, que eu aqui fiz, haverá 8 ou 10 dias por parte do Governo, quando o Sr. Assis de Carvalho, sem descer a declarações tão positivas, como o fez agora o illustre Deputado, dizendo que o Governo pela sua Politica e pelos seus actos queria levar o Paiz a um abysmo: eu devia ser tractado pelo illustre Deputado com mais consideração; porque nessa occasião convidei os illustres Deputados a entrarem francamente nesta questão; pedi-lhes que fizessem as accusações que tivessem a fazer contra a Politica do Governo, e segundo as fórmas do Regimento procurassem uma occasião propria para se entrar nessa questão, porque o Governo, longe de fugir della, muito desejava que ella fosse tractada convenientemente. Se quizerem, que o Governo responda a certos e determinados pontos, façam uma Interpellação, porque elle responderá.

Mas, Sr. Presidente, eu não posso ficar aqui, porque o illustre Deputado disse, que este Ministerio era o resultado de um tecido de intrigas, e produziu, como argumento desta asserção, que o Ministerio antecedente caíu na presença de uma Maioria parlamentar. Sr. Presidente, explicações a este respeito devem ser explicitas. Eu não estou aqui respondendo a artigos de Jornaes; eu não despreso nem os Jornaes, nem os Jornalistas; reconheço que na Imprensa Periodica está um fóco de eloquencia, mas quero evitar-lhe os desvios; respeita pois mais a Imprensa, quem lhe quer evitar os desvios, do que aquelles que desejam que elles continuem (Apoiados); mas volto á questão.

Sr. Presidente, eu não estou aqui respondendo a artigos de Jornaes; é á Administração que nos precedeu, a quem compete dar os motivos porque caíu; a esta Administração não pertence responder por esses factos, pelos quaes não é responsavel: responde só pelo seu proprio programma: mas a prova, de que a queda do Ministerio transacto não foi resultado de um tecido de intrigas, é que os Membros dessa Administração vieram incorporar-se na Maioria, e aqui estão apoiando a Administração (Apoiados).

Disse o illustre Deputado: - Foi demittido o homem que mais serviços tem feito a este Paiz, e a quem deveis essas cadeiras - Sem entrar agora na propriedade com que esta questão foi aqui trazida, o que já muito bem foi notado por V. Exa., com tudo devo dizer, que não serei eu, que queira diminuir a importancia dos serviços do Marechal Saldanha, porque S. Exa. sabe, que eu sou o primeiro a dar testemunho da consideração profunda, e do respeito que tenho por elle e pelos seus serviços; mas que se diria do Ministerio actual, se consentisse deixar-se enxovalhar da maneira porque o foi pelo Sr. Duque de Saldanha, depois da publicação de um Folheto que mandou publicar, o que hoje é do dominio publico, sem que fizesse sentir a sua desapprovação? Fosse quem fosse o homem que assim escrevesse contra o Governo e contra os Membros do Corpo Legislativo, fosse qual fosse a sua jerarchia, o Governo ou havia de stygmatisar esses factos, ou largar o Poder no mesmo instante; isto era questão de existencia, ou não existencia da Administração. Se obrasse de outra maneira, havia dizer-se della, que era fraca com os fortes, e forte com os fracos.

Sr. Presidente, foi com o maior desprazer, que os Membros do Governo se viram obrigados a obrar da maneira que obraram: e agora, Sr. Presidente, farei uma declaração á Camara o ao Paiz, porque é necessario que tudo se saiba. Quando esse officio do Marechal Saldanha chegou ás mãos do Governo, ainda por uma carta do Sr. Ministro da Guerra, escripta com a urbanidade e côrtesia que é propria do meu collega, e que todos lhe reconhecem, se lhe pedia, que retirasse o Officio; mas como se havia de retirar esse Officio, se elle tinha sido impresso e distribuido, antes de chegar ao seu destino?

Eu pela minha parte declaro que não tenho o menor empenho em estar nestas cadeiras (do Ministerio); porque foi com o maior de todos os sacrificios que entrei para o Ministerio; mas de certo não o largarei nem com deshonra para mim, nem com comprometimento do Paiz; não digo mais nada.

Tambem se disse, que o Governo, pelos seus actos, tinha a animadversão de todo o Paiz; que o Governo é olhado pelas Provincias com animadversão; mas, Sr. Presidente, a verdade é que o Governo tem recebido dos homens das Provincias, que interessam na manutenção da ordem publica, e que são homens pecuniosos, as maiores provas de adhesão á sua Politica.

Tambem se disse: - O Governo tem lançado a scisão no partido Cartista " Isto maravilhou-me!

Este Governo, Sr. Presidente, não é Governo de nenhum partido, é o Governo do Paiz; e eu não sei porque o nobre Deputado venha aqui dizer, que o Governo está mettendo a scisão no partido Cartista, e que não é o Governo do Paiz: nós somos o Governo do Paiz, e por consequencia fazemos justiça a todos: se se nos apresentar algum Cartista carregado de serviços, e que os tenha feito ainda na ultima lucta, mas se for criminoso, póde ter a certeza que

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não ha de ser attendido pelo Governo; pelo contrario ha de attender a todos os individuos, que fizerem serviços, pertençam elles a qualquer côr politica.

Diz-se que o Governo não é o Governo do Paiz; que esta Administração é uma Administração obnoxia, lancem-nos a luva; precisem os factos, que eu responderei.

O Sr. Presidente: - A conclusão do que acabou de dizer o Sr. Ministro da Fazenda é, que o incidente promovido pelo Sr. Deputado Costa Macedo não era proprio da discussão, mas sim de uma Interpellação, e foi esse um dos motivos porque o interrompi.

Como o mesmo Sr. Deputado, e o Sr. Deputado Carlos Bento tem a palavra sobre a ordem, torno a advertir que o que está em discussão é o Projecto da Lei de Imprensa, e que tudo quanto se trouxe para este incidente foi mal trasido, e não póde servir agora de base para continuação de uma tal discussão. Tem a palavra sobre a ordem o Sr. Costa Macedo.

O Sr. Costa Macedo: - (Sobre a Ordem) V. Exa. acaba de dizer que me interrompeu, porque entendeu que as idéas que eu apresentara, eram mais proprias de uma Interpellação, do que da discussão actual. Como se conforma isto com o que V. Exa. disse ainda agora? V. Exa. tinha invocado o nome de um sagrado objecto, que não podia trazer para a discussão! Desgraçadamente é esta uma das tacticas do Governo actual e dos seus Jornaes. Tem-se querido por todos os modos fazer acreditar ao Paiz, que accusando-se as pessoas dos Srs. Ministros, ou dos seus actos governativos, se dirige assim uma offensa á Magestade da Corôa. Isto é um absurdo, isto é até um crime. O Throno está superior aos partidos. Eu disse, e repito ainda, o Throno não tem, não póde ter outros desejos que não sejam o de marchar sempre d'accôrdo com as Maiorias do Paiz, e V. Exa. então chamou-me á ordem, e disse que eu me referia a Instituições que, por sua natureza, estavam fóra da discussão, e agora affirma que foi por que eu apresentei argumentos, que só devia empregar n'uma Interpellação. V. Exa. não quiz que eu sustentasse, e que motivasse, as razões que tinha, para dizer que o Ministerio tinha subido ao Poder por um tecido de intrigas; e consentiu ao mesmo tempo que o Sr. Ministro da Fazenda desenvolvesse as suas idéas no sentido daquillo que V. Exa. me tinha privado, que eu provasse. S. Exa. pretendeu provar que o Ministerio não tinha subido ao Poder por um tecido de intrigas, e eu não pude adduzir as minhas provas em contrario, porque V. Exa. não me consentiu. Se eu, Sr. Presidente, proferisse a minima palavra, que podesse reputar-se offensiva ao Throno, retirá-la-ia immediatamente, porque estou bem longe dessa idéa; mas é que nem tal palavra proferi em todo o meu discurso, e dou a Camara por testemunha.

Não posso deixar de lamentar (e lamento profundamente) que o Governo e os seus Jornaes nos estejam todos os dias a lançar em rosto, que o Governo faz causa commum com o Throno. Isto é uma falsidade: o Throno não tem partido, e não o póde ter. O Throno está n'uma esfera superior aos partidos; não tem outros desejos senão marchar de accôrdo com o Paiz constitucionalmente representado. Em quanto ás demissões do Marechal Saldanha não direi mais nada. Disse bastanse, e alguns apoiados que ouvi daquelle lado (o direito) bem como o silencio de toda a Camara são mais significativos do que tudo quanto eu poderia dizer a este respeito.

O Sr. Presidente: - Nem nada disse sobre a Ordem; e em quanto á contradicção que nota, appello para o que se passou.

O Sr. Carlos Bento: - (Sobre a Ordem) Sr. Presidente, pedi a palavra sobre a Ordem, porque me pareceu ver em algumas observações que foram feitas, um meio que conduz a tolher a liberdade da discussão, naturalmente sem que isto esteja nas intenções de ninguem.

Sr. Presidente, se não fosse permittido a um Parlamento o discutir a origem de uma Administração qualquer, então coarchava-se inteiramente a liberdade parlamentar: desde essa occasião a liberdade do debate tinha acabado. Não acredito tambem, Sr. Presidente, que seja a Tribuna Portugueza aquella que ha de dar lições ás Tribunas da Europa, nem creio que sejamos nós aquelles que havemos de ensinar o que é Systema Representativo aos outros Parlamentos; e todas as vezes que se entender, que um Deputado não póde censurar a origem do um Governo qualquer, a liberdade da Tribuna morreu; esta é a practica seguida em todos os Parlamentos, onde taes discussões tem tido logar, e onde é permittido avaliar a influencia parlamentar na formação do Ministerio, sem que por isto se entenda que se faz offensa alguma ao Chefe do Estado.

Senão é permittido o dizer-se no Parlamento, que uma Administração se retirou sem ser por effeito da influencia parlamentar, então é tambem impossivel a liberdade da discussão.

Sr. Presidente, o illustre Ministro da Fazenda entrando neste debate disse algumas palavras que devem ter alguma influencia sobre S. Exa., e que o devem prejudicar; e por isso é impossivel que eu deixe de lhe dirigir uma observação. Se é verdade o que S. Exa. diz (e que até nos asseverou) que o Ministerio tinha provas de adhesão dos homens mais influentes das Provincias; se é verdade o que S. Exa. diz de que chovem de toda a parte as manifestações da parte das pessoas mais importantes do Paiz; se isto assim é, se o Ministerio está tão forte com a opinião do Paiz, para que lançou mão d'uma medida tão violenta para restringir a latitude d'uma prerogativa, que nos confere a Carta Constitucional?!.. . Pois se a Imprensa não tem feito tanto mal ao Governo como se tem dito; se o Governo está carregado corri o peso das Representações de todas as pessoas mais importantes do Paiz, em que lhe testimunham a sua confiança, então nós temos estado até aqui em uma illusão completa!!.... Foi S. Exa. que nos desenganou. S. Exa. disse - O Paiz está pelo Ministerio, porque chovem de toda a parte as provas de confiança!!... Logo, Sr. Presidente, se a Imprensa não tem podido fazer mal nenhum ao Governo, este Projecto então passa a ser inutil. Se a Imprensa não tem feito o mal que se lhe attribue, porque o Sr. Ministro declarou que cada vez recebe maiores provas de confiança, então este Projecto além de ser odioso, passa a ser inutil, e por isso cada vez mais me obriga a votar contra elle.

O Sr. Presidente: - Esperei pela Moção de Ordem segundo o Regimento, mas o illutsre Deputado não

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a apresentou, nem cumpriu com elle. Se chamei á ordem o illustre Deputado pelo Douro, não foi por dizer que a nomeação do Ministerio não era filha da influencia Parlamentar, foi por dizer, que era filha de um tecido de intrigas, e por fazer uma allusão a uma Augusta Personagem: foi nestes termos que o chamei á ordem, e não no supposto, ou outro qualquer sentido (Apoiados).

Continúa a discussão do Projecto n.° 6 e tem a palavra o Sr. Corrêa Leal.

O Sr. Corrêa Leal: - Sr. Presidente, se depois que ha uns poucos de dias pedi a palavra a V. Exa. para entrar neste debate, não tivesse a fortuna, nesse intervallo que decorreu, de ter ouvido muitos destinctos e eximios Oradores que me precederam, confesso que neste momento, acabando de ouvir o Orador que me precedeu, devia sinceramente ceder della, porque na verdade nada tenho que responder ás observações que S. Exa. fez sobre o objecto que está em discussão: S. Exa. contentou-se apenas de nos dizer, fallando em Imprensa - Que a a Imprensa o não tinha poupado muito, porque lhe tinha chamado jumento (Riso); não lhe ouvi mais nada: depois comparou os Jornalistas com os Menestreis; não sei se foi por vingança por lhe terem chamado aquelle nome tão feio (Riso).

Ora, Sr. Presidente, todos sabem que estes Menestreis da idade media eram uns poucos de vagabundos que chegavam a uma terra com a sua sanfona, entravam nos castellos dos grandes Senhores, tocavam em quanto elles comiam, e depois iam jantar com os creados, e á noute dormir para a cavallariça para no dia seguinte continuarem a girar pelo Mundo; e aqui está com quem S. Exa. comparou os Jornalistas (Apoiados) elles que lh'o agradeçam.

Sr. Presidente, eu seria taxado de temerario se quando pedi a palavra sobre um assumpto tão importante, o fizesse com a vaidosa presumpção de medir as minhas forças com as dos illustres Oradores que me precederam, quer elles tenham sustentado, quer tenham combatido o Projecto que se discute; não, Sr. Presidente, não tive essa vaidade, nem essa presumpção: conheço as minhas forças, sei até aonde as posso empenhar, e nunca as empregarei além da raia que lhes marca a minha intelligencia, e a minha convicção; porque em quaesquer materias que aqui se discutam, eu hei de ser sempre o primeiro a pensar que sou o ultimo que as possa avaliar na altura que demandam, na altura em que ellas devem ser consideradas quando se tracta de fazer Leis.

Sr. Presidente, eu pedi a palavra a V. Exa. porque quero pronunciar o meu voto, porque não quero que o meu voto nesta materia seja silencioso, porque quero assignar com as minhas palavras a minha opinião n'um assumpto que reputo de tanta transcendencia para o meu Paiz (Apoiados).

Sr. Presidente, tracta-se de regular o uso de um direito que a Carta Constitucional da Monarchia confere a todos os cidadãos Portuguezes, o direito de communicarem e exprimirem o seu pensamento por meio de palavra, da escripta, e pela Imprensa, esse direito sagrado respeitamo-lo, ninguem o ha de combater, ninguem, nem eu, nem nenhum dos meus collegas, quer restringir esse direito importante; porém a mesma Carta Constitucional diz no § 3.° do art. 145, que uma Lei Regulamentar marcará o modo porque o cidadão ha de fazer uso desse direito: eis ahi a Lei Regulamentar que nós agora tractamos de fazer; mas sabe V. Exa., sabe a Camara, sabem todos o grande peccado que estamos commettendo? Um peccado mortal, Sr. Presidente, peccado mortal que não acha remissão no tribunal politico dos Srs. Deputados que o condemnam! Pudera achar.. . estamos commettendo um peccado de morte, queremos matar a Liberdade de Imprensa!... Matar a Liberdade de Imprensa! ... Nós, os Deputados de uma Nação livre, seus Constituintes, e legislando em 1850, queremos matar a Liberdade de Imprensa! Nós, Sr. Presidente, não queremos matar a Liberdade de Imprensa, sabe V. Exa. e a Camara o que nós queremos matar?... Queria-o dizer, mas receio o arrojo da figura... Parece-me que o não digo... (O Sr. Cunha Sotto Maior: - Diga, diga) Queremos matar a morte da Liberdade de Imprensa, e quem quer matar a morte da Liberdade de Imprensa, não quer matar a Liberdade de Imprensa, quer-lhe dar vida. Perdoem-me os nobres Deputados a quem respondo, mas esta asserção a não ser uma ampliação oratoria, não sei eu as palavras com que a deva classificar. Pois matar os abusos de uma instituição é matar essa instituição?

Mas disse-se, nós temos Leis de repressão de abusos de Liberdade de Imprensa, temos tres Leis, temos a ultima em vigor; mas pergunto eu, essa Lei em vigor tem o vigor necessario, a força sufficiente? Não tem, e os factos demonstraram sempre que não tem. Logo esta Camara e o Governo tinham restricta obrigação, impunha-lhes o seu dever, o sagrado dever do olhar por assumpto de tanta importancia, origem de tanto mal, ou de tanto bem que póde vir a este Paiz (Apoiados).

Sr. Presidente, a Liberdade de Imprensa é para um Escriptor qualquer poder empunhar a sua penna, venha dessa penna quanto mal vier? Não, nem sei que tenha a liberdade de o fazer. Pergunto, um homem robusto, cheio de força e de vida, dotado de grandes faculdades fisicas, não estagna elle tantas vezes essas faculdades, e forças que Deos lhe deu pelos excessos que commette? Se esse homem for excessivo na comida e na bebida, se esse homem for louco e cego atraz de suas paixões, se elle pelo deboxe a que se entregou, extenuou as suas forças a ponto que seja necessario um medico, se o medico chegar á sua cabeceira, e o prohibir desses excessos, quererá elle mata-lo, ou quererá salva-lo (Apoiadas)? Todos dirão que o quer salvar (Apoiados); eis o que nós queremos fazer á Liberdade de Imprensa, queremos salva-la do estado de abatimento em que ella se acha (Apoiados).

Sr. Presidente, a Liberdade de Imprensa sem repressão não é liberdade, é licença (Apoiados), póde ella assim comparar-se a uma faca na mão de uma criança, que se corta com ella. Nenhuma Lei prohibe o uso do machado ao rachador, nem da enxó ao carpinteiro, nem do camartello ao alvener, mas nem por isso a qualquer destes é permittido fazer uso desses instrumentos para matar, e então o mesmo digo eu do Jornalismo, ou de qualquer Escriptor que faça máo uso da sua penna, com a qual senão mata fisicamente, póde matar moralmente, porque mata reputações (Apoiados).

Sr. Presidente, em assumptos juridicos e criminaes sei que não sou competente, e por isso não entrarei

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largamente na apreciação do Projecto por esse lado, mas tenho muito em quem me louvar, para o meu voto; não deixa de repousar a minha consciencia a esse respeito; ainda hontem um Membro da Commissão que fallou tão proficientemente, levou a convicção ao fundo do meu espirito, e ainda conto ouvir outros que hão concluir talvez por me deixarem bem contente do voto que hei de pronunciar; por isso me occupo mais destas observações geraes, sem todavia prescindir de alguma consideração especial que se me offereça no Projecto que está em debate (Apoiados).

Sr. Presidente, disse um illustre; Deputado por Vizeu que esta Lei era inopportuna quanto á apresentação della, porque ao menos em França em 1835 quando se apresentaram as Leis de Setembro, tinha rebentado uma machina infernal que estendera pelas das muitos cadaveres, e fizera correr muito sangue, e o nobre Deputado chamou a isto um motivo plausivel de apresentação da Lei; é esta a opportunidade do nobre Deputado?.. . Que desgraça de argumento! Oh! Desgraça de argumentação! Primeiro morte, primeiro sangue, primeiro desgraças, e depois o remedio!! ... Era então, Sr. Presidente, a opportunidade! ....Esperem os Srs. Ministros, espere o Governo que primeiro se mate gente, que primeiro se façam revoltas, ou mesmo que elle se deixe matar, para depois apresentar a Lei opportunamente, e com motivo plausivel! Inopportuno, e sem plausibilidade acho eu um semilhante modo de argumentar (Apoiados).

Sr. Presidente, eu pela minha fraca intelligencia, e conhecimentos, não tive a fortuna de me achar convencido pelas reflexões que a similhante respeito o nobre Deputado apresentou á consideração da Camara. Eu devo agora notar aos Srs. Deputados que impugnam o Projecto, uma cousa que de certo não deve ter escapado da sua memoria, e é que se entre nós não temos tido a explosão de uma machina infernal, como em França, temos tido outros fados, tambem de terriveis effeitos. Pois já esqueceram os actos, que tumultuariamente tiveram logar em um anno, nesta Cidade de Lisboa, por occasião da procissão de Corpux Christi, em que foi apontado o punhal do assassino ao coração de um Cavalheiro illustre, um Veterano da Liberdade, um Benemerito da Patria, que tantos serviços tem prestado a este Paiz, e a quem outro Cavalheiro generoso briosamente salvou, mettendo-o na sua carruagem? Já esqueceu o punhal, que nessa mesma occasião ía varando o peito do illustre Visconde de Sá, igualmente perseguido por essa multidão desenfreada?... Já esqueceu aos nobres Deputados esse motim?... Já esqueceu o outro, tambem de uma populaça em gritos, que correu ao Largo das Chagas, para assassinar um outro illustre e distincto Cavalheiro, de quem os Pasquins e a Imprensa diziam que tinha envenenado o Principe Augusto?... Esqueceu esta historia de factos tão graves, factos que são filhos e muito filhos dos desvios da Imprensa, das calumnias, das injurias, da falsidade com que se escreve na nossa Imprensa (Muitos apoiados}?

Sr. Presidente, nós Representantes do Povo devemos caprichar em que a verdade saia dos nossos labios; é este o logar para isso. Lembra-me por esta occasião, o que ouvi um dia no pulpito a um Orador Sagrado (quando se celebraram as exequias do Rei o Senhor Dom João VI) - "A verdade sempre rara no pé do Throno, é sempre certa ao pé dos tumulos" - e agora fazendo a parafrase das palavras daquelle distincto Orador Sagrado, direi que a verdade sempre rara nos Jornaes, deve ser sempre certa na Tribuna; daqui deve ella mandar lições austeras, que introduzam os raios da evidencia por entre as nuvens da illusão.

Sr. Presidente, não são só as machinas infernaes as que vomitam fogo, ballas e mortes, tambem a nossa Imprensa tem sido uma machina infernal, e muito infernal, porque todos nós temos sentido quanto mal d'ahi provém, quanto tem provindo, e quanto, por desgraça nossa, póde ainda provir, se lhe não acudirmos; e não é só aqui, é em toda a Europa. Disse-se, Sr. Presidente, que esta Lei era uma Lei de vingança pessoal!!... Quem é que pode com um argumento destes querer desvirtuar a nossa obra? Pois nós temo-nos occupado e empenhado em discutir uma Lei de vingança? Pois um Ministro, ou outro Ministro ou mais Ministros, que em suas pessoas tenham sido pela Imprensa offendidos ou maltractados, haviam de ser tão pequenos na sua alta missão politica, que se entendessem que lhe incumbia um dever, deixassem por essa consideração de cumprir com elle (Apoiados)?. Não, Sr. Presidente, não. Mas a Commissão, os seus illustres Membros que esta Camara escolheu para confeocionar estes trabalhos, e para os trazer aos seus debates, tambem querem essa Lei de vingança pessoal!! ... Sr. Presidente, nem o Ministro, nem nenhum Membro da illustre Commissão, a quem se faz a allusão, podia ter um sentimento tão baixo, e tão mesquinho na apresentação desta Lei; SS. Exas. estão superiores a todas essas allusões, pelo menos assim os conceitua toda a gente desapaixonada; e nós sabemos que a paixão é uma conselheira, quando se tracta de avaliar os homens (Apoiados).

Sr. Presidente, o que se tem dicto ao nobre Presidente do Conselho, não é metade do que se tem dicto a outros Cavalheiros; não é metade, não, Senhores; ainda lhe não chamaram ladrões de vazos sagrados, e de custodias de ouro com brilhantes, nem que envenenasse um Principe, e outras cousas desta natureza (Apoiados); e se todavia, Sr. Presidente, a parte sensata da Nação despresava esses embustes, e se indignava contra similhantes injurias, foi preciso muito tempo para que no espirito do Povo esses aleives perdessem a força que se lhes queria dar. Oh, Sr. Presidente, não se lembra a Camara que o nobre Duque de Palmella esteve para ser assassinado no Largo das Chagas, e o nobre e distincto Silva Carvalho no Largo da Sé (Apoiados). (Vozes: - E o Visconde de Sá?) O Orador: - E o Visconde de Sá, senão fosse; um carachá que tinha ganho á custa da sua propria vida, e que trazia ao peito, não teria sido atravessado com um punhal!!?... O Visconde de Sá, esse Cavalheiro dislincto, á quem me honro de fazer toda a justiça, porque é um Portuguez ás direitas (Apoiados).

Sr. Presidente, permitta-me a Camara que lhe diga, como de passagem, que pelo que me diz respeito não tenho odio á Imprensa, por se ter occupado de mim; no contrario sou-lhe muito obrigado, digo-o do fundo do meu coração; a Imprensa tirou-me da obscuridade, ninguem se tinha nunca lembrado de fallar em mim, e talvez lhe deva a honra d'estar

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aqui fallando; ninguem me conhecia, era obscuro, era um empregado de terceira ordem, de quem ninguem se lembrava, mas tantas vezes se occupou de mim a Imprensa da Opposição, tantas vezes a minha humilde pessoa lhe mereceu importancia, que principiei a perguntar a mim mesmo, que homem serei eu que tanto dá que fazer á Opposição?!... N'uma palavra cheguei-me a persuadir do que nunca me tinha persuadido; persuadi-me de que era alguma cousa; então pegou-se-me a molestia que se pega a muitos homens, a de querer ser Deputados, e ter a honra de merecer os suffragios dos meus concidadãos; ora aqui está o que eu devo a essa Imprensa; não lhe tenho odio. O nobre Deputado que me precedeu, quando fallou pela primeira vez, disse (e isto faz effeito) o algoz está prompto, as victimas indigitadas, os Juizes aqui estão, falta só assignar a sentença; ora, Sr. Presidente, a allegoria é clara, a allusão manifesta, mas deixemos as allusões lá para fóra, e vamos á allegoria; o algoz já se sabe quem se póde suppôr; as victimas os Jornalistas, e os Juizes somos nós; ora isto dicto assim para um inexperto que não conhece o sentido figurado, produz o effeito que se deseja, quer dizer morreu a Liberdade de Imprensa; mas não, Sr. Presidente, depois ha de haver outra voz, ou outras vozes que respondam a essa gente - "Não pense o Povo Portuguez que a Liberdade de Imprensa, essa primeira instituição, essa primeira fase do Systema Constitucional, vai ser morta" Não vai, não, Sr. Presidente, vai ser morto quem a póde matar (Apoiados).

Ora, Sr. Presidente, eu não escrevo discursos; venho fiado na minha boa ou má fortuna; reconheço a minha pouca competencia para tractar desta materia, mas assim mesmo ainda tenho duas palavras que dizer, a respeito de alguns pontos que tem feito duvida aos illustres Deputados que combatem o Projecto; e ainda que me considere profano em materias judiciaes e criminaes, só pela concepção do que ouço d'uns e d'outros, parece-me que poderei dizer alguma cousa.

Dizem os nobres Deputados, que Jury póde ser, ou póde dar garantias, um Jury para o qual os homens de Letras são excluidos? Pois um Jury que ha de ser eleito por um censo, ha de ser tão infeliz que não tenha alguns homens de conhecimentos (Apoiados)? Pois então todos os ignorantes são ricos, e todos os homens de letras são pobres? Póde isso ser assim? Não hão de vir por consequencia alguns homens de Letras ao seio desse Jury para decidirem as questões?

Sr. Presidente, em quanto á decisão do Jury, e ao Tribunal Superior, a fallar a verdade, eu devo acatar as considerações que ouvi hontem fazer a este respeito, por um distincto Membro da Commissão.

Sr. Presidente, quando eu tivesse o menor escrupulo a respeito desta Lei que estamos fazendo; quando me tivessem feito impressão as considerações dos nobres Deputados que combatem o Projecto, bastava ler o art. 100.° para ficar tranquillo, para poder votar com toda a segurança da minha consciencia. Eis o que diz o artigo:

" É mantido em toda a sua amplitude o direito de censura ou de discussão a respeito de qualquer acto de Auctoridade publica responsavel, seja collectiva ou singular, com tanto que esse direito seja exercido em termos, posto que energicos, decentes e comedidos." É isto o que diz o art. 100.° cap. 5.°. Ora quem é que tolhe aqui a Liberdade de Imprensa, se o artigo diz que ella fica mantida em toda a sua plenitude?

Por tanto, Sr. Presidente, não direi mais nada, e só peço agora licença á illustre Commissão para mandar para a Meza uma Emendasinha, que não importa cousa nenhuma em relação á materia juridica e criminal, é no n.° 2 do § 1.° do art. 32.

EMENDA: - "Os Empregados Publicos que tiverem pelo menos 400$000 réis de ordenado." - Corrêa Leal.

Continuando disse: - Como o artigo do Projecto diz " Aquelles que pela Lei do Orçamento tiverem a deducção de duas decimas, e a Lei do Orçamento não é permanente, e os ordenados mais permanentes são, e marcam melhor esta qualificação, em logar de se dizer: os que tiverem deducção etc. etc., é melhor dizer os que tiverem, pelo menos 400$000 réis de ordenado.

Concluo agradecendo muito a V. Exa. e á Camara, a bondade e a benevolencia com que me quiz ouvir, acceitando como muito sinceras todas as expressões de que eu me servi neste curto fallar meu (não lhe chamei discurso), e votando pelas disposições deste Projecto (Vozes: - Muito bem)

Depois de lida na Meza a Emenda, foi admittida, e ficou em discussão conjunctamente com o Projecto.

O Sr. Lopes Branco: - (Sobre a Ordem) Sr. Presidente, a prova de que a Commissão tem em toda a consideração as differentes Emendas que teem mandado para a Mesa os illustres Deputados, que teem tomado parte na discussão, é a apresentação de alguns Additamentos que vou mandar agora por parte da Commissão:

ADDITAMENTO: Ao art. 10.° § unico - A disposição deste artigo não prejudica o privilegio do fôro, que pela Carta Constitucional ou Leis especiaes compete a alguns individuos ou cathegorias. - Lopes Branco.

ADDITAMENTO ao § unico do art. 38 - ... e se ella fôr obrigatoria, e o abuso de que se querellou consistir em algum Impresso, o Juiz mandará apprehender, e recolher todos os seus exemplares. - Lopes Branco.

ADDITAMENTO ao art. 59 - § unico: - Se o abuso de que se querellou, consistir em algum Impresso, o Juiz condemnará todos os exemplares, e os mandará inutilisar. - Lopes Branco.

ADDITAMENTO ao art. 91: - Depois das palavras litterarias e scientificas, se decrescente: - assim como os que fizerem declaração expressa de não discutirem nunca os negocios e questões politicas, nem copiarem ou traduzirem artigos que contenham alguns dos abusos declarados nesta Lei.- Lopes Branco.

Continuando disse: - Se não se seguisse um illustre Membro da Commissão que tem a palavra, e se ao mesmo tempo no ultimo discurso, que foi proferido por um dos illustres Deputados, que combatem o Projecto, tivessem apparecido algumas considerações, a que por parte da Commissão fosse necessario immediatamente responder, eu occupar-me-hia um pouco da materia fazendo as considerações que em resposta eu entendesse que eram necessarios; mas realmente o nobre Deputado, que fallou hoje contra o Projecto, não apresentou consideração nenhuma

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que o combatesse, por isso não tomarei a palavra na materia como Relator da Commissão; o que sinto é ser obrigado a fazer uma pequena declaração, a que a minha posição esta Camara me obriga, e sinto tambem que a palavra não me chegasse no logar proprio, para fazer esta declaração mais opportunamente. Sinto que o nobre Deputado, em virtude de ter occupado o seu tempo no discurso que pronunciou discorrendo sobre materias, que V. Exa. entendeu não eram proprias desta discussão, me obrigue a fazer uma declaração, a que eu ha muito tempo tenho resistido, porque não julgo realmente muito conveniente entrar nesta explicação. O nobre Deputado disse que a Administração transacta tinha saido do Poder em virtude de intrigas, e que por causa daquellas intrigas e que lhe tinha succedido a que hoje preside nos destinos do Paiz. Não era preciso que eu como Ministro da Fazenda fosse um dos Membros dessa Administração, para que tendo ouvido o que ouvi ao nobre Deputado, dissesse alguma cousa, conforme entendesse a este respeito. Tanto quanto pôde chegar ao meu conhecimento desde aquella época até agora declaro a V. Exa. á Camara, e ao Paiz inteiro que não houve intrigas algumas para que a Administração tramada saisse dos Conselhos de Sua Magestade; deva declarar a V. Exa. e devo declarar á Camara e ao Paiz inteiro, que a Corôa nessa mudança, que se operou esteve sempre na mais completa liberdade, e que fóra daquella região elevada não houve circumstancias, que induzissem a alguma coacção ou movimento, donde proviesse uma alteração ministerial; o que houve, Sr. Presidente, foi sobrevirem difficuldades, as quaes tendo de fazer sair da Administração dois dos Membros de que ella se compunha, e entre elles o Sr. Presidente do Conselho, os outros Membros que compunham essa Administração julgaram, que era da sua honra e do seu dever pedirem a Sua Magestade a demissão, a qual lhes foi dada. É isto unicamente o que houve, e é preciso que de uma vez para sempre se fique entendendo que não foi por intrigas que a Administração transacta saiu do Poder, não houve a mais pequena idéa que não fosse conforme com os mais rigorosos principios a que se deva a saida da Administração, de que eu tive a honra de fazer parte. Eu sinto que viesse isto para a discussão. Nem o nobre Presidente do Conselho dessa Administração, nem cada um dos Membros, que a compuzeram, sairam com saudades das pastas, nem tão pouco as conservam.

Depois de lidos na Mesa os Additamentos mandados pelo Sr. Lopes Branco, foram admittidos, e ficaram em discussão com o Projecto.

O Sr. Pereira de Mello: - Sr. Presidente, eu pedi a palavra para guardar o meu posto como soldado de brio, e vou por isso cumprir um dever para mim bastante penoso nas circumstancias em que a palavra me coube.

Sr. Presidente, na retaguarda de um batalhão numeroso de strenuos gladiadores que no campo do debate combateram uns a favor e outras contra o Projecto em discussão quando estes strenuos gladiadores consumiram quasi todas as munições, de que as minhas fracas forças podiam dispôr, que poderei eu dizer, Sr. Presidente? É certo, e por muitas vezes ouvi dizer, que nas retiradas dos corpos do Exercito, ou em marchas por caminhos de desconfiança se escolhem de ordinario para commandar as forças que cobrem a retaguarda, não só os officiaes mais bravos, mais decididos e intelligentes, mas tambem os soldados mais valentes; desgraçadamente porém, Sr. Presidente, nem essa applicação eu posso fazer á minha pessoa, porque de todos os Membros da Commissão, de todos os Oradores que teem fallado, me consideroo menos apto.

Não posso por esta razão, Sr. Presidente, pertencer a esse corpo que hade vir na retaguarda do batalhão, considerar-me-hei portanto um simples atirador desse corpo, e como atirador tractarei de explorar o campo aqui e alli aonde possa achar ponto que combater, e a respeito do qual apresente as minhas idéas e as minhas convicções, para como já disse sustentar o posto de honra, cuja defeza contrahi como Membro da Commissão de Legislação, signatario do Projecto que está em discussão.

Sr. Presidente, hoje é isto para mim dever tanto mais sagrado quanto é certo que hontem um illustre Deputado a quem respeito e venero, até mesmo para com quem tenho sympathia pessoal, deixou caír no meio do seu discurso uma insinuação que pelos precedentes do seu discurso de certo não póde deixar de ser allusiva á Commissão; quando assim fallo, Sr. Presidente, refiro-me á seguinte insinuação (Leu). "Disse que a Liberdade de Imprensa não era temida, senão pelos homens a quem a sua consciencia condemnava, ou por algum individuo fraco ou cumplice de grandes injustiças, e que pensava mais na sua pessoa do que no interesse geral da sociedade." Esta insinuação pelos precedentes do seu discurso, em todos os quaes tractou de apodar e de acoimar a Commissão que confeccionou o Projecto em discussão, eu não pude deixar de concluir que ella era allusiva á Commissão.

Mas, Sr. Presidente, já um outro illustre Deputado daquelle lado da Camara, tinha dicto - Eu não temo a Liberdade de Imprensa - E eu respondo - Nem nós os Membros da Commissão a tememos, e não a tememos por nenhum dos motivos a que o nobre Deputado alludiu; nem porque tenhamos a nossa consciencia sobrecarregada de remorsos, nem porque sejamos fracos. E fracos, Sr. Presidente, os Membros da Commissão que assignaram o Projecto? O Projecto em que sentido? Fisica ou politicamente? Declaro que fisicamente sou de todos os homens o mais fraco; politicamente porém nem consinto que a algum dos nobres Deputados meus Collegas da Commissão possa caber essa denominação, e a mim muito menos, porque tenho em Politica a força moral do homem mais valente a quem não intimidam nem perigos, nem ameaças, nem mesmo o martyrio. Por ventura, Sr. Presidente, haverá na Commissão algum dos seus Membros que não possa cingir a sua fronte com a corôa do martyrio por causa da liberdade? Eu percorrendo-os a um e um, vejo que nem um só dos seus Membros deixou de merecer a corôa do martyrio, todos o soffreram maior ou menor para podermos ter a Liberdade da Imprensa; não era possivel pois que elles tractassem de querer acabar com essa garantia do Regimen Constitucional, por amor do qual elles tanto padeceram e soffreram; por consequencia não temem a Liberdade de Imprensa, e de todos os Membros que compõem a Commissão eu que sou o mais fraco e o menos apto, tambem não a temo, e digo como disse aqui o nobre Dequtado pelo Algarve - Eu não tenho medo nenhum da Liberdade de Imprensa; ambos estamos no mesmo campo,

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encontramo-nos no mesmo caminho, mas por muitissimas razões diversas.

Sr. Presidente, o nobre Deputado quando fez a allusão a que me refiro, acompanhou-a logo de um exemplo, dizendo - Chuteaubriand escreveu em 1827 ao Redactor do Jornal dos Debates, dizendo-lhe, que por aquella sua declaração punha desde logo toda a sua vida publica e particular á mercê da Imprensa Periodica Sr. Presidente, eu sem ser Chateaubriand, nem me assemelhar a elle nem n'uma das suas unhas, com tudo faço o mesmo presente que fez Chateaubriand, a todos os Redactores dos Jornaes (Apoiados) entrego-lhes a minha publica e particular (Apoiados) ponho uma e outra á mercê de todos elles (Apoiados); e faço-o com tanta abnegação da minha pessoa, e tanto sem temor ou receio, quanta é a certeza com que invoco o testemunho de muitos Srs. Deputados, meus Amigos, que me honram com sua amizade, para declararem se em minha casa, e mesmo entre a minha familia ha um só acto, que mereça o segredo da censura? (Apoiados), Entrego pois, e na maior amplitude a minha vida publica e particular aos Redactores dos Jornaes, disponham della á sua vontade, nenhum medo tenho (Apoiados). Hei empregado todos os esforços durante toda minha vida para regular as minhas acções pelos principios da moralidade e da honra, com uma similhante declaração e julgo ter satisfeito á insinuação que se fizera (Muitos apoiados).

Sr. Presidente, depois de haver apresentado reflexões sobre a allusão feita pelo nobre Deputado, passarei a ver se encontro ainda alguns pontos que possa combater, e a respeito dos quaes me restem algumas reflexões. Sr. Presidente, sou forçado, no campo das generalidades, a voltar outra vez ao assumpto que tem occupado muitos dos Oradores que me precederam, e fallando assim referir-me á questão da importunidade da Lei baseada sobre uma excepção de suspeição. Sr. Presidente, eu quereria que, os nobres Deputados que lançaram mão de similhante argumento, fixassem bem o campo onde queriam ser combatidos; porque, de certo eu já não sei onde os hei-de apanhar. Sr. Presidente, os nobres Deputados disseram - É inopportuna a Lei porque similhantemente ás que em França se publicaram em 1835 de pois de uma grande catastrofe, como Leis de circunstancias, assim foi esta Proposta apresentada depois das graves accusações, que se fizeram pela imprensa ao Sr. Presidente do Conselho de Ministros; é inopportuna a Lei, porque o Paiz está em mansa paz, goza perfeito socego, segundo o que se nos assegurou no Discurso da Corôa; é inopportuna a Lei, porque o Ministerio, como elle proprio acaba de nos declarar, está querido, e amado por todo o Paiz, e por consequencia não ha necessidade da Lei. Qual destes campos pois escolhem os nobres Deputados? É preciso dize-lo para poder combate-los.

Sr. Presidente, os nobres Deputados disseram - A Lei é suspeita, por que foi apresentada logo depois de graves accusações que se fizeram ao Presidente do Conselho de Ministros - Graves accusações!! Sr. Presidente, sei bem que o Sr. Presidente do Conselho não precisa do meu fraco patrocinio, mas não posso deixar passar palavras - graves accusações - sem o competente correctivo, e sem a respeito dellas fazer breves observações. Sr. Presidente, graves accusações importam a idéa da imputação de factos que se addusem com as provas na mão (Apoiados). Accusação significa levar um individuo perante o Tribunal competente, e com as provas na mão, dizer-lhe - Fizestes taes e taes cousas, praticastes taes e taes factos, eis as provas, defendei-vos - mas por ventura viu alguem que se tivesse esse procedimento com o Sr. Presidente do Conselho? Não (Apoiados) logo o contrario disto não são - graves accusações - são sim - graves calumnias (Muitos apoiados), Mas suppondo, (caso sempre negado) que houvesse esse facto de graves accusações ao Sr. Presidente do Conselho de Ministros; é por ventura a Lei suspeita por isso? Não se lembraram os nobres Deputados que abraçando este principio caem no maximo absurdo? (Apoiados)

Sr. Presidente, os nobres Deputados estabeleceram nada menos, com similhante argumento, que o principio, de que - quanto mais frequentes forem os crimes, quanto mais frequentes forem os abusos, quanto maior for o numero delles, menos razão ha para os reprimir. Esta é a consequencia necessaria e logica dos principios que os nobres Deputados estabeleceram! (Apoiados).

Sr. Presidente, um outro illustre Deputado dos que combateram o Projecto, em contradicção comsigo mesmo quando disse, que se não deviam propôr Leis de circumstancias, estabeleceu o principio de que as Leis repressivas sómente deveriam apresentar-se depois de grandes acontecimentos, só depois de graves o attentados?... Pois então só depois de se haverem commettido graves e horriveis delictos é que o Governo deve apresentar as Propostas de Lei repressivas? Pois não será doutrina mais orthodoxa, antes prevenir os delictos, que castigal-os? Não é ao Governo no Systema Representativo, que cumpre avaliar as necessidades do Paiz, e conhecer quando é opportuno propôr tal ou tal Lei?... Aonde nos leva similhante theoria?... Até onde quer o nobre Deputado ir com similhante doutrina (Apoiados)? Sr. Presidente, estou intimamente convencido de que não foi esta a intenção do nobre Deputado, mas o facto é que, por similhante theoria, o nobre Deputado está desmentindo, e desacreditando o Systema Representativo, e marchando a passos largos para esse reinado das Saudades, cujo direitos são hoje sustentados por uma chamada - Nação-papel( Apoiados). Uma das razões, com que se pertendeu justificar essa excepção de suspeição, que se adduziu contra o Projecto de Lei, apresentado nesta Camara, foi um celebre protesto feito lá fóra contra o mesmo Projecto, e publicado pela Imprensa. Sr. Presidente, eu não pretendo, nem quero dar, aos nobres Deputados que invocaram um tal Projecto, prelecções de direito publico constitucional; mas os nobres Deputados trasendo para a Camara, e invocando dentro della um protesto contra uma Lei em discussão, deram uma evidente prova de que, não direi - ignoravam, mas despresavam altamente os principios mais elementares de direito publico constitucional Apoiados) e de que para SS. SS.as nada valem estes principios, quando se tracta de fazer sobresaír as suas opiniões (Apoiados). Os illustres Deputados deram, pelo seu modo de argumentar, o direito de fazer voltar contra si mesmo essa excepção e deram esse direito porque estamos no caso de lhes poder dizer - Pois vós que vindes aqui com esse protesto publicado contra todos os principios de direito constitucional, por quanto ao

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cidadão sómente é permittido pedir, e expor que tal ou tal Lei offende este ou aquelle principio, esta ou aquella conveniencia publica, ou social, e nunca protestar contra a feitura de uma Lei, porque fóra desta Camara não ha Poder, ao qual seja permittido um similhante protesto, vós (repito) sois suspeitos - porque vindes aqui invocar um tão inaudito protesto, para continuardes a proteger a Imprensa licenciosa, a Imprensa devassa que tem atacado todos os principios mais sagrados da sociedade,( Apoiados) e então sois suspeitos; quando com um argumento tão insolito, tão anti parlamentar, pertendeis canonizar a conservação de tão grande mal (Apoiados). Por ventura quando se abriu a discussão do Projecto, entraram os nobres Deputados que o impugnam, no campo do debate? Tractaram de mostrar que não preenchia os seus fins? Que peccava na materia ou na forma? Que não eram delictos alguns dos casos, que elle classificava como taes? Nada disso; entraram logo no campo das declamações, deram logo prelecções de direito publico constitucional, como se os demais Membros da Camara ignorassem qual o valor que tem na balança politica a garantia da Liberdade de Imprensa (Apoiados).

Sr. Presidente, tudo quanto os nobres Deputados disseram, já os demais Membros da Camara o sabiam, porque leem pelos mesmos livros que os nobres Deputados leram (Apoiados) e se assim é, para que gastar tanto tempo a dar prelecções de direito publico constitucional, e com especialidade ácerca do direito que cada um tem de manifestar, ou emittir o seu pensamento? Não era preciso gastar tanto tempo com essas prelecções, porque nem a Commissão, nem os Deputados da Maioria se levantaram contra esse direito, inherente ao homem, e que com elle nasceu (Apoiados); Sr. Presidente, estão todos convencidos da utilidade, não direi só da utilidade, mas tambem da necessidade da Liberdade de Imprensa, ou do direito que cada um tem para emittir o seu pensamento (Apoiados); a este respeito estamos todos conformes, e a differença que ha entre os que defendem o Projecto, e os que o impugnam, é de que estes querem que cada um possa emittir os seus pensamentos sem responsabilidade alguma, em quanto que aquelles o querem limitado, isto é, dentro dos principios do decóro e da moralidade (Apoiados). Sr. Presidente, a este respeito apresentarei meras considerações geraes para mostrar qual é a minha convicção. O direito que cada um tem para emittir o seu pensamento, é tão inherente ao homem como o são muitos outros direitos de que elle goza na sociedade; não são por ventura igualmente sagrados, e inherentes a todo o cidadão o direito de propriedade, e o direito da conservação da vida; porém todos estes direitos são coarctados, são regulados por Leis a bem da mesma sociedade. Haverá por ventura neste Mundo crensa mais sagrada para o homem que o direito á conservação da sua vida? E todavia a sociedade não o obriga a que a vá expôr em defeza della? Da sua independencia e dos mais direitos sociaes? Quem ha ahi que conteste o direito que cada um tem para dispôr do que é seu, como bem quizer e lhe parecer? Mas por ventura não tem esse direito Leis que o regulam para evitar os prejuisos que podiam vir á sociedade por abuso desse mesmo direito? Não tem a Lei que lhe diz - Essa liberdade acaba, onde começa a injuria ou prejuiso de terceiro?

Sr. Presidente, a Liberdade de Imprensa como direito de cada um communicar o seu pensamento é um elemento social como são todos os outros elementos sociaes. O Governo, como primeiro elemento social, deve ser superior a todos elles. Sempre que em qualquer Paiz ha um elemento que se torna superior ao elemento - Governo - deixou de haver Governo, quem governa não é o Governo, é essa influencia. É preciso por tanto que o direito de cada um communicar o seu pensamento seja regulado como são regulados todos os outros direitos dos cidadãos para que com o seu abuso se não vá prejudicar a sociedade, promovendo-se até a sua dissolução (Apoiados). Sr. Presidente, todos sabem que o direito de cada um communicar o seu pensamento no Systema Representativo, não só é a base fundamental do mesmo Systema, mas uma garantia individual; mas pergunto, é este direito que nós tratamos de matar? É essa garantia que o Projecto que está em discussão, tem por fim anniquillar?

Não, Sr. Presidente, o Projecto só tem por fim fazer cessar os abusos desse direito, para que elles não tragam comsigo a total ruina desse mesmo direito (Apoiados). Não foram os illustres Deputados os primeiros em reconhecer que a Imprensa estava abusiva, licenciosa e que carecia de remedio (Apoiados)? O illustre Deputado por Cabo Verde exprimindo hontem os seus desejos, e não sei se a sua convicção disse - O meu desejo é que haja liberdade illimitada de escrever, com tanto que todos respondam pelo que escreverem - Se o illustre Deputado acompanhasse esta sua proposição, de um Regulamento, Lei, ou Projecto, pelo qual fixasse a responsabilidade, (tornando-a effectiva) dessa liberdade illimitada de escrever, eu seria, não só o primeiro a abraçar isso, mas a render ao illustre Deputado os devidos incomios por ter achado o problema, que ainda até agora ninguem achou (Apoiados). Porque a grave difficuldade consiste em pôr a responsabilidade no mesmo ponto, aonde fica a liberdade illimitada de escrever.

E pergunto não é esse o systema, que propõe a Commissão no seu Projecto? Não concede este liberdade ampla, amplissima, para cada um poder escrever o que quizer, com tanto que responda pelos abusos que commetter no uso desse direito (Apoiados)? Agora se o illustre Deputado quer que haja liberdade illimitada de escrever, mas que cada um nisso que escrever seja responsavel a seu arbitrio, ou que o juiz dessa responsabilidade seja apenas a chamada opinião publica, sem Lei, sem Regulamento que fixe, quando é responsavel, e como se lhe póde exigir essa responsabilidade, então permitta me o illustre Deputado que lhe diga que quiz um absurdo, ou pelo menos que o emittiu sem querer. E pois que quando o illustre Deputado juntou o adjectivo illimitada ás palavras - liberdade de escrever - entendi que não devia accrescentar-lhe a segunda parte da responsabilidade, porque quem diz - liberdade illimitada de escrever-não exclue toda a idéa de responsabilidade: permitta-me o illustre Deputado que lhe diga, que, sem querer, no calor da discussão, lhe escapou um tão grave absurdo (Apoiados).

E será possivel, Sr. Presidente, que no estado actual da sociedade Europea se possam cumprir os desejos do illustre Deputado? Eu de certo tambem o acompanharia em seus desejos, porque tenho para

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mim que nada mais depressa poderia fazer matar a Imprensa licenciosa, do que os abusos da propria Imprensa; por isso que fazendo-a cair no descredito geral acabariam com ella; mas eu receio que com a morte dessa Imprensa licenciosa causada pelos seus proprios abusos, venha simultaneamente a dissolução da sociedade (Apoiados).

Sr. Presidente, quanto a mim a nossa Imprensa Periodica, como se acha, é a dictadura mais tyrannica que podia, e póde pesar sobre nós (Apoiados). Pois o que é um Jornal, Sr. Presidente, senão uma tribuna aberta, franca, e patente, em torno da qual se agglomeram milhares de cidadãos a ouvi-lo, que percorre todo o Paiz, e cujo Redactor anonymo senão conhece. E será justo que sob os golpes deste anonymo gema a sociedade, e tudo quanto ha demais sagrado (Apoiados)? Os illustres Deputados, que tão arrojados defensores são da liberdade, quererão que continue a dominar-nos Poder tão tyrannico?

Mas disse-se - Não é possivel escrever com similhante Projecto, porque entre trinta e tantos artigos, qual será o Redactor capaz de poder sem incorrer em alguma das criminalidades previstas no Projecto? Oh! Sr. Presidente, por esses trinta e tantos artigos, que eu chamarei atalhos tortuosos, ha uma estrada larga, franca e patente para cada um poder emittir o seu pensamento, e discutir todas as questões. Pois para se poder discutir uma questão qualquer, politica, juridica, ou administrativa, será necessario discutir as pessoas? Para discutir os actos qualquer Auctoridade é necessario injuriar? Não é de certo (Apoiados).

Sr. Presidente, desde que comecei a aprender os primeiros elementos de Jurisprudencia sempre me ensinaram, que uma Lei era tanto mais perfeita, quanto maior fosse o numero de hypotheses que ella abrangesse: e para que? Para que os casos sejam bem definidos; ora se isto é necessario nas Leis civis, muito mais o e nas Leis criminaes; onde os casos de criminalidade devem ser bem precisados e definidos, para se não dar logar ao arbitrio (Apoiados). Por consequencia aquillo que eu reputava até aqui como uma das perfeições da Lei, é tido pelos illustres Deputados como o maior defeito do Projecto em discussão.

Pararei aqui, Sr. Presidente, quanto á generalidade, porque me parece ter feito ver bem qual foi a convicção com que assignei o Projecto, e com que dei o meu voto, convicção para mim profunda de ha muitos annos desgraçadamente, porque ha muitos annos lamento os males que a nossa Imprensa nos tem feito e nos continuará a fazer, em quanto se não contiver nos limites do justo e do honesto (Apoiados). Agora percorrerei tanto quanto me fôr possivel as Emendas que foram mandadas para a Mesa por alguns illustres Deputados, e por occasião da sua analyse, terei tambem de accrescentar algumas considerações ás que hontem aqui tão sabiamente se fizeram com relação aos pontos comprehendidos em algumas deilas.

A primeira Emenda apresentada pelo illustre Deputado pelo Minho é a que propõe a eliminação do § 23.° do art. 3.°; eliminação que tambem é proposta em outra Emenda offerecida por outro illustre Deputado. As razões em que se fundaram os illustres Auctores da Proposta são, porque a disposição daquelle paragrafo mata a publicidade, e é contra a Carta Constitucional, porque prohibe a publicação dos debates das Camaras Legislativas. Sr. Presidente, se nesta Casa houvesse uma Lei repressiva dos abusos que nella póde commetter qualquer dos seus Membros, eu de certo, e todos os Membros da Commissão teriamos eliminado do Projecto, a provisão comprehendida no § 23.º do art. 3.°, nem lá a teriamos collocado se nesta Camara houvesse uma Auctoridade investida de iguaes poderes, aos de que está revestido o Presidente da Camara dos Communs em Inglaterra; tambem eu votaria pala elliminação deste paragrafo; mas dizer-se que por este paragrafo se prohibe a publicidade dos debates, não sei a que parte do paragrafo se foi buscar esta consequencia! Direi mais, a Commissão seria inconsequente, e commetteria a falta de omissão se não tivesse collocado esta disposição aqui (Apoiados). A inviolabilidade das opiniões dos Deputados é garantida pela Carta Constitucional: mas aonde? Aqui dentro desta Casa (Apoiados). O Deputado fóra desta Camara não gosa da prerogativa da inviolabilidade em suas opiniões. Estou certo, e quero acreditar que poucas hypotheses se possam dar daquellas que previne o paragrafo; mas pergunto, será impossivel essa hypothese? Ninguem ha de responder com uma negativa absoluta, porque conheço a superioridade da intelligencia dos Srs. Deputados. Pois se é possivel dar-se essa hypothese; se é possivel que um Deputado, desviando-se dos principios do decóro que o devem guiar na discussão, emitta um discurso aonde se commettam os abusos que se enumeram desde o § 1.° até ao § 18.°, como póde a Lei permittir que esse Deputado practique um acto que ella condemna em todos os outros cidadãos? Pois hão de os outros ser punidos, e o Deputado ha de ter a faculdade de pegar no seu discurso e mandal-o imprimir por sua conta? Por ventura no discurso abusivo do Deputado não se dá a mesma razão, que em qualquer publicação abusiva? Sempre me ensinaram que aonde se dá a mesma razão, deve haver igual disposição (Apoiados). Pois se os outros cidadãos que commetterem os abusos com memorados em todos os paragrafos do art. 3.° devem ser condemnados, como ha de o Deputado mandar imprimir um discurso, que nem na propria Camara se poderia proferir? Isto seria uma desigualdade, uma indignidade tal que nenhuma razão haveria que a podesse justificar. Mas diz-se: " Desde o momento que o discurso e proferido nesta Casa, fica sendo da Nação." Aonde nos leva uma similhante proposição? Pois porque um crime se commette n'uma praça publica na presença das Auctoridades e esse crime pertence á Nação, ha de permittir-se a reincidencia? Não de certo. Pois se um Deputado proferir um discurso em que apresente principios subversivos da boa ordem, porque a Camara por deferencia, ou porque a Presidencia o não advertiu, ou advertindo-o, elle não fez caso, ha de esse Deputado poder publicar e fazer correr todo o Paiz o seu discurso practicando impunemente um crime que nos outros é condemnado? O illustre Auctor da Emenda de certo não previu as consequencias de uma tão injusta desigualdade.

A segunda Emenda propõe a eliminação do § 24.º do art. 3.°; mas o seu Auctor não apresentou razões para a sustentar. Este § 24.° tracta de cohibir algum dos abusos nelle previstos, que o Magistrado possa commetter no exercido das suas funcçoes. Pergunto

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ao nobre Deputado se reputa criminosos e abusivos os actos previstos no § 24.º do Projecto, practicados por qualquer Magistrado da ordem Judicial? Perguntarei mais; se é possivel dar-se essa hypothese? Creio que o nobre Deputado não pode deixar de dizer que sim. Eu podia apontar factos para mostrar que é possivel que um Magistrado da ordem Judicial, desviado dos principios que o devem guiar no exercicio daquelle sacerdocio, ou levado por uma paixão momentanea, ou qualquer outro motivo particular, tracte, ou de injuriar as partes, ou de sustentar principios subversivos no sentido deste paragrafo: se pois é possivel a hypothese, é necessario que a Lei a reprima definindo-a e precisando-a, para que o Magistrado saiba que não póde exceder-se impunemente no exercicio do seu sacerdocio (Apoiados).

A outra Emenda é do mesmo Sr. Deputado, feita ao § 27.° do art. 8.º Diz a Emenda ( Leu). A Proposta importa a mesma idéa da Commissão; e apenas o nobre Deputado accrescentou, para mais clareza, as palavras - Em alta voz. - Estou certo, e posso mesmo asseverar, que a Commissão não terá duvida em adoptar esta Emenda, para tornar mais clara a idéa consignada no Projecto (Apoiados). Seguem-se duas Emendas do mesmo Sr. Deputado, uma contém um Additamento ao § 3 ° do art. 13.°, a outra uma Substituição ao n.° 10 do mesmo paragrafo, porém estas duas Emendas estão já substituidas por outras, que da parte da Commissão foram apresentadas pelo meu illustre amigo o Sr. Conselheiro Sá Vargas, e no sentido das Propostas que apresentou aquelle Sr. Deputado.

A outra Emenda ao § 1.° do art. 15.°, é relativa ao numero dos Jurados, que hão de compor o Jury, para conhecer dos abusos de que tracta o Projecto em discussão.

Lendo os Jurisconsultos e Commentadores do Paiz, d'onde esta instituição emanou, e pode dizer-se, para todos os outros aonde ella hoje se acha constituida, não encontrei razão alguma pela qual demonstrasse que o numero de que se deve compor o Jury, deveria ser o de 12; ou ainda razão que me fizesse convencer ao menos da utilidade desse numero. Lembraram-se do numero de 12, e este numero depois passou para as outras Nações. Mas a Commissão teve duas razões para marcar os numeros, que consignou no art. 15.°: a primeira razão, que todos os Srs. Deputados conhecem e sabem, é o mingoado numero que ha no nosso Paiz de cidadãos habilitados para serem Deputados; e a Commissão queria fazer um processo possivel, e não um processo imaginario: a segunda razão mais filosofica, e juridica é, que a Commissão entendeu que a garantia para os reos, e para a Sociedade consiste não tanto no numero dos votos, como na sua qualidade (Apoiados). Por isso entende a Commissão que a Emenda não póde ser adoptada, porque além das razões, que venho de expor, sendo maior que 9 o numero dos Jurados, podem reproduzir-se as scenas que já tiveram logar, dos Jurados decidirem por meio da sorte as respostas que o Jury tinha a dar, ao passo que sendo 9 Jurados, nunca poderá haver empate.

Na outra Emenda que o mesmo illustre Deputado apresentou, propõe elle a eliminação dos art.ºs 18.°, 19.° e seus paragrafos. O nobre Deputado quando propoz a suppressão destes artigos, devia ser coherente comsigo mesmo, como o é em todas as suas cousas; desde o momento que o illustre Deputado entendeu que o Tribunal Superior, creado por aquelles artigos, para conhecer dos recursos, que este mesmo Projecto permitte interpor nos processos por abuso de Liberdade Imprensa, não devia subsistir, ou não convinha que se creasse, não devia deixar de comprehender na sua Proposta a creação de um outro Tribunal Superior, qualquer que o Sr. Deputado imaginasse, para o qual se interpozessem os recursos, cujo conhecimento o Projecto commettera ao Tribunal creado por aquelles artigos; mas não o fez assim, e então a sua Proposta cae, e não pode ser approvada por deficiente. E posto que este assumpto fôra já muito judiciosamente tractado e respondido pelo meu illustre amigo o Sr. Conselheiro Sá Vargas, não me dispensarei de accrescentar ás suas, mais algumas reflexões.

O Tribunal, Sr. Presidente, creado pelos artigos 18 e 19 do Projecto para tomar conhecimento dos recursos que se interpozerem do Tribunal de Primeira Instancia tem sido considerado nesta Casa, pelos illustres Oradores que tem combalido o Projecto, como contrario á Carta Constitucional, por ser uma Commissão Especial, e odiosa, e como Tribunal suspeito, e parcial, que nenhuma garantia offerece ao accusado e á Sociedade.

Sr. Presidente, a Commissão está persuadida e convencida de que na creação e constituição, deste Tribunal consultou os principios, e a doutrina; eu o vou mostrar ao nobre Deputado. O Tribunal tanto não é contrario á Carta Constitucional, que está comprehendido no espirito da mesma Carta. Primeiramente porque o § 3.° do artigo 145 da Carta Constitucional diz, que todos podem communicar os seus pensamentos por palavras, escriptos, e publica-los pela Imprensa sem dependencia de censura, com tanto que hajam de responder pelo, abusos, que commetterem no exercicio deste direito, nos casos, e pela fórma que a Lei determinar; ora quando a Carta Constitucional se exprime - e pela fórma - refere-se ao processo, e quando se refere ao processo, não póde deixar de se referir aos Tribunaes, perante os quaes tenha de ser levado esse processo; consequentemente todo e qualquer Tribunal, que o Poder Legislativo crear não é inconstitucional, é conforme a Carta Constitucional; qualquer que seja a natureza que elle tenha, quaesquer que sejam os caracteristicos que o revistam é constitucional, e está dentro dos limites da Carta Constitucional.

Sr. Presidente, já um meu nobre amigo disse, que quem tinha fallado em Commissões, quem tinha dado a denominação de Commissão ao Tribunal creado pelo Projecto não conhecia de certo o que era uma Commissão; elle explicou-o optimamente, e eu, Sr. Presidente, não direi mais nada senão que uma Commissão ou é concedida a uma pessoa particular, ou para conhecer de um certo e determinado crime; a Commissão tem o caracteristico de ser um Tribunal creado posteriormente ao crime para conhecer desse crime; e a Commissão concedida a pessoas, e sabem já perfeitamente os nobres Deputados o que importava, eram os Juizes privativos que antigamente se concediam de ordinario aos nobres, para lhes administrarem as casas, e julgarem todas as causas em que essas pessoas fossem auctores ou réos; eis, Sr. Presidente, a definição juridica de Commissão. (Apoiados).

Mas hontem quando o meu illustre amigo leu o §

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16 do artigo 145 da Carta, para mostrar que o Tribunal creado pela Commissão era conforme a Carla Constitucional, houve um áparte de um illustre Deputado que disse - Veja o que diz a Carta Constituciona, não diz que pertencerem, olhe que diz pertencem, falla no presente, e não no futuro - E não viu o illustre Deputado que fez este áparte como objecção e como argumento, o absurdo enorme em que caíu! Póde haver causas de natureza mais especialissima do que as dos abuzos da Liberdade de Imprensa? Eu entendo que não. Todos os illustres Deputados tem gritado altamente que esta Lei é soberanamente politica, e este é o campo para onde todos tem fugido, mas nesse campo mesmo são combatidos, porque se lhes perguntar se os illustres Deputados estão de accôrdo em que os crimes politicos se não devem punir; estou certo de que não me podem responder que não; e então se os crimes politicos são puniveis, se os crimes politicos são condemnaveis, não sei qual é a razão porque querem exceptuar os abusos, ou crimes commettidos pela Imprensa.

Mas voltemos ao argumento; uma vez que dizem que esta Lei é altamente politica, não sei como não viram que a esta natureza de crimes ou abusos competia essencialmente a qualificação da causa publica. Ora se a Carta Constitucional permitte que pela causa publica haja fôro privilegiado, qual é a razão porque não ha de permittir que exista este Tribunal Especial, para conhecer dos recursos ou abusos de Liberdade de Imprensa? " Mas note bem, se respondeu no áparte, veja que o artigo da Carta diz pertencem e não pertencerem." Então que quer o illustre Deputado que formulou este argumento? Quer que a Carta se referisse nos Tribunais que então existiam? Oh que absurdo, Sr. Presidente! Que milhares de juizos privilegiados não deveriam existir então pelo motivo da causa publica! Eu lembro-me já aqui de uns poucos, da Ouvidoria da Alfandega, da Executoria dos Feitos da Fazenda, da Provedoria dos Residuos, todos estes eram por causa publica! E não só não deveriam existir, mas nem se podiam ter extinguido, além do que o absurdo iria mais adiante, porque dada uma vez tal intelligencia ao § 16 do art. 145 da Carta Constitucional, como é que se poderiam ter creado os Tribunaes do Commercio? Mas se os nobres Deputados forem ler o Decreto de 17 de Dezembro de 1833, que acompanhou a publicação do Codigo Commercial Portuguez, lá hão de ver no Relatorio o fundamento deduzido da razão da causa publica, pela qual a Carta permitte que haja Juizos Especiaes; é este um principio consagrado no Decreto, e então já se vê que sendo este uma interpretação authentica daquelle § 16 do art. 145.° da Carta, o tal argumento derivado da palavra pertencem é perfeitamente sofistico, e absurdo.

Mas, Sr. Presidente, direi aindo mais alguma cousa: o caracteristico da Liberdade de Imprensa, inherente á sua essencia é a mobilidade, porque tendo por base a opinião publica, não póde deixar de ser movel; e é por isso, Sr. Presidente, que sempre que se commetter o conhecimento dos abusos da Liberdade de Imprensa a um Tribunal permanente, se constituirá uma tyrannia (Apoiados).

Sr. Presidente, permitta-me V. Exa. que eu me dirija aos illustres Deputados, e que lhes faça um presente da opinião do insigne Doutrinario Mr. Royer Collard, que para elles não póde ser suspeita. A opinião pois deste insigne Publicista, emittida na Tribuna Franceza por occasião da discussão da Lei de Setembro de 1835, foi que commetter o conhecimento dos abusos da Liberdade de Imprensa a um Tribunal permanente, importava nada menos que constituir uma tyrannia. É preciso que o Tribunal se renove constantemente, bem como se mobilisa a opinião, pois que sendo inconstantes por sua natureza os delictos commettidos pela Imprensa, sendo hoje crime o que ámanhã talvez já o não seja, torna-se arbitraria a interpretação, e arbitrarias hão de ser as decisões, as quaes por isso mesmo não devem commetter-se a Tribunaes permanentes, mas sim a Tribunaes que constantemente se renovem, como constantemente se mobilisa a opinião publica. Ora aquelle insigne Doutrinario não faz distincção entre Tribunaes de 1.ª e de 2.ª Instancia, e mesmo concedendo que fallou com referencia a Jurados, é certo que o Tribunal Superior, creado pelo art. 18.° do Projecto em discussão, é um Tribunal composto de Jurados, mais qualificados, porque os seus Membros são eleitos dentre os cidadãos habilitados para serem Jurados nos abusos da Liberdade da Imprensa. Segue-se outra emenda do mesmo illustre Deputado em que propõe a suppressão do art. 20.° do Projecto pelo qual se commette a cada uma das Camaras Legislativas o conhecimento do abuso ou delicto de que tracta o § 30.º do art. 3.º do Projecto. Não ouvi ao illustre Deputado razão alguma em que se fundasse para tirar ás Camaras o conhecimento naquelle caso especial de que tracta o § 30 do art. 3.º e tambem aqui fez o mesmo que fizera propondo a suppressão do art. 18.°, isto é, não commetteu o conhecimento naquelle caso especial a outro Tribunal, e então naturalmente (supponho eu) quiz que elle pertencesse ao Jury ordinario estabelecido no Projecto para conhecer dos outros abusos, visto que não lhe substituiu outro Tribunal a que houvesse de pertencer o conhecimento desses crimes; de certo foi esta a sua intenção. Ora pergunto ao illustre Deputado, e quem ha de perante esse Jury comprovar o facto acontecido nesta Camara, ouvido só pelos Deputados, que a compõem? Sem duvida que os Srs. Deputados quando o delicto disser respeito a esta Camara, ou os Dignos Pares, quando disser respeito á Camara Alta, e então será decoroso, que os Srs. Deputados, ou os Dignos Pares deixando de exercer as suas funcções, sejam chamados a depôr como testemunhas, perante o Jury ordinario? Outras não o podem ser, porque o facto passou-se em uma das Camaras, as provas hão-de produzir-se, e as testemunhas não podem ser outras senão os Membros desta Casa, ou da outra, se o crime ou abuso disser respeito á Camara dos Dignos Pares do Reino. Mas diz-se - " Offende-se um principio porque a Camara não póde ser Juiz e Parte ao mesmo tempo." Este é o grande argumento. Sr. Presidente, aonde é que está aqui a Parte e o Juiz ao mesmo tempo? A Parte offendida é a Camara toda, é uma pessoa moral, um corpo collectivo; os Juizes são os Srs. Deputados ou os Dignos Pares, cujo voto é absolutamente consciencioso e livre, tão independente quanta é a inviolabilidade das suas opiniões, garantida pela Carta Constitucional. Não estamos todos os dias vendo aqui a variedade e contraste das opiniões, no

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no debate? Não estamos aqui todos os dias dando esse exemplo? E porventura não serão mais qualificados os votos destes Juizes que os de outros quaesquer lá lóra? Não se encontrará nos Membros da Camara maior sensatez, maior generosidade mesmo em favor dos accusados? Quem poderá decidir e com mais acerto se se commetteram ou não os abusos de que tracta aquelle § 30.º do art. 3.° do Projecto adulterando-se os discursos, ou alterando as Sessões senão os proprios Membros das Camaras?

Sr. Presidente, nem se pense que é esta uma disposição nova; não, Senhor; se me não engano, e bem me recordo, é a mesma disposição da Lei Franceza de 19 de Maio de 1822.

Mais outra Emenda ao § 1.º do art. 81.° em que o mesmo Sr. Deputado pelo Minho propõe que o deposito seja de 1:500$000 em dinheiro e do duplo sendo em Titulos de divida fundada; havendo com referencia ao § 1.º do art. 81.° outra offerecida pelo Sr. Deputado pela Estremadura, propondo que o deposito seja de dous contos em dinheiro, ou de nove em Titulos de divida fundada; podendo ser substituido pela fiança.

Os argumentos que se teem empregado quanto ao deposito estabelecido pelo Projecto é - que o deposito é superior ao maximo da pena que o mesmo Projecto impõe.

Sr. Presidente, um dos caracteristicos que acompanham este Projecto, e que o tornam distincto das outras Leis que temos de Liberdade de Imprensa, é que nestas se tinham dado todas as garantias ao Escriptor publico, e nenhumas á sociedade; todas eram differentes neste ponto, e por isso a pratica demonstrou que não produziam o effeito que se esperava. A Commissão entendeu neste caso que tantas garantias devia ter a sociedade como o Escriptor, e por isso elevou o deposito a tres contos de réis, mas para isto não attendeu só ao maximo da pena, attendeu tambem ao pagamento das custas, e ao da reparação civil, que em muitas causas póde ter logar (Apoiados). Foi esta a razão que a Commissão teve em vista quando elevou o deposito do responsavel a tres contos de réis; quiz dar uma maior garantia á sociedade, para que a sancção penal da Lei se não tornasse inefficaz, sendo o deposito de uma chimera.

Queixam-se os illustres Deputados de que o deposito estabelecido pelo Projecto é um meio preventivo e não repressivo; eu confesso que tendo lido talvez os mesmos livros que os illustres Deputados tem lido, ainda não entrou na minha intelligencia a distincção entre Leis essencialmente repressivas, porque não conheço Lei nenhuma criminal que não seja repressiva, é ao mesmo tempo preventiva, por isso que o fim de todas as penas é prevenir os crimes; e incutindo o medo aos malvados, fazer com que estes os não commettam, e isto não sei que seja outra cousa senão prevenir. Pois a Commissão ainda foi um pouco mais generosa a respeito das habilitações que exigiu para os responsaveis dos Periodicos, porque ha Escriptores, que professam opiniões ultra-liberaes, que ainda exigem outras talvez mais raras e difficeis, reputando a do deposito, como chimerica em vista das outras qualidades, e habilitações que devem exigir-se ao Redactor d'um Jornal; e a este respeito tambem vou fazer aos illustres Deputados daquelle lado outro presente.

Não póde ser suspeito aos illustres Deputados o testemunho de Mr. Emile, Gerardin, ouçam os tres Deputados a opinião do insigne Escriptor no Tractado que publicou do estado da instrucção publica em França. Permitta-me a Camara que a distráia por um pouco com esta leitura.

Mr. Emilie Gerardin na sua obra intitulada - De l'instruction publique en France - ultima parte da mesma obra - conclusion - pag. 457.

"Le plus arbitraire des pouvoirs absolus, le plus aharchique des agents revolutionaires, la presse quotidienne, exerce en France sans contre-poids et sans controle la liberte de son inseignement; elle peut impunement faire de l'empirisme politique, propager à son gré simultanemente ou successivement, selon le besoin de la cause qu'elle defend ou l'interet des partis, qu'elle exploite, la science et le erreur en matière d'economie social et d'administration publique; eueune garantie d'aptitude et de savoir n'est exigíe ni des garants signataires, ni desredacteurs anonymes des Journaux."

" Etrange contre-sens! II n'est pas permis d'ouvrir nue ecole, de professor un cours sans justifier de certaines garanties de moralité et de certaines conditions de capacité; mais il est permis de publier un Journal sans autre formalité qu'une declaration insignifiante et que le depot d'un cautionement... cependant une ecole, un cours ne peuvent jamais ouvrir leurs portes que une petite nombre de personnes, landis que le public d'un Journal nest circonscrit ni par l'espace, ni par les distances."

Esta é a opinião de Mr. Emilie Gerardin. Não lhes posso fazer melhor presente. Este illustre Publicista entende que a caução dos depositos é uma quimera, em presença das habilitações scientificas que elle exige no Redactor d'um Jornal, habilitações aliás muito mais onerosas do que o deposito, muito mais difficeis de encontrar.

Ha sobre este ponto do deposito, uma Proposta que já referi, de um illustre Deputado pela Estremadura, querendo que possa ser substituido pela fiança. Torno a dizer que um dos caracteristicos deste Projecto de Lei é dar tantas, garantias á sociedade como ao accusado, e foi por isso que a Commissão entendeu que devia estabelecer o deposito de 3 contos de réis em dinheiro. Ora substituido pela fiança, qual é a garantia que esta offerece para que a sancção da Lei se não torne uma chimera? Quem fôr abonado, e se prestar fiador não quererá antes emprestar mais depressa essa mesma quantia, do que contrair uma responsabilidade a seus bens indeterminada, em relação ao tempo, e aos resultados que póde vir a ter para os seus herdeiros? Além do que nós bem sabemos o que são fianças, que por mais cautela que tenha o Magistrado do Ministerio Publico, sempre ha meio de poder ser illudido; mas ainda no caso de que o não seja, sabem todos que para se exigir do fiador a pena, em que o Periodico tenha sido condemnado, é necessario installar contra elle um processo de execução, que não só tem as demoras infalliveis das fataes, que estabelecem as Leis do processo, mas admitte todos os incidentes e recursos, que essas mesmas Leis facultam; donde resultará, que a pena não caírá de prompto nos delinquentes; e a sociedade ficará sem garantia contra estes. Taes foram as razões porque a Commissão entendeu que não devia substituir a fiança pelo deposito (Apoiados).

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A outra Emenda do Sr. Deputado pelo Minho diz respeito ao paragrafo unico do art. 99.º, propondo que a prescripção que este paragrafo estabelece para se exigirem rectificações do Redactor de qualquer Jornal, seja elevada ao praso de um anno.

A Commissão entendeu que n'um Paiz que se percorre todo em 15 dias, era mais que sufficiente o praso de 20 para prescrever o direito de pedir rectificação (Apoiados). E ainda teve outra razão, e esta em favor dos Redactores, que vem a ser, para não deixar pesar sobre elles a responsabilidade por um artigo escripto talvez em boa fé, e sem intenção má, por mais tempo do que o de 20 dias, que a Commissão julgou mais que sufficiente, para poder chegar ao conhecimento da pessoa, a quem esse artigo possa dizer respeito: creio pois que esta razão procede, e não póde deixar de ser abraçada pelos Membros desta Casa (Apoiados).

Outras Emendas foram offerecidas pelo illustre Deputado de Entre-Douro e Minho o Sr. Doutos J. J. de Mello. Primeira áo art. 3.°, para que se eliminem as palavras - ou por qualquer outro modo de publicação, manifestação, ou communicação do pensamento - substituindo-se-lhes as palavras - ou escripto lithografado.

Na redacção do art. 3.° está exactamente comprehendido o pensamento do illustre Deputado (Leu). As palavras - ou por qualquer outro de publicação, etc. - comprehendem sem dubiedade os escriptos lythografados; sempre que por este meio se commetta o abuso. Nem com este se póde confundir, o da publicação das estampas lythografadas, porque é a estas que se refere a palarra - lythografia - empregada no art. 5.° do Projecto, que tracta das contravenções, e não dos delictos por abuso de Liberdade de Imprensa. Mas além desta razão, posso assegurar ao nobre Deputado, que na ultima sedacção do Projecto, a Commissão tornará mais clara a idéa que quiz emittir no art. 5.° e no art. 94.°; e dessa sorte desapparecerá a duvida que se antolha ao illustre Deputado.

Tambem o illustre Deputado propoz quanto aos §§ 16.°, 17.°, 18°, e 19.º a eliminação das palavras ironia, allegoria, ou allusão qualquer; e que se diga sómente offender ou injuriar. Mas offender ou injuriar é generico; todavia como ha um modo, não digo moderno, porque ha muito tempo que é usado, de offender e injuriar, que senão comprehende nas nossas Leis penaes, qual é o de fazer allegorias ou allusões, entendeu a Commissão que ellas deviam ser comprehendidas sempre que fossem injuriosas (Apoiados); porque se o pensamento da Lei (e lá está comprehendido na redacção do artigo) é condemnar a injuria, está claro que sempre que qualquer Escriptor usar de ironia, ou allegoria que não seja injuriosa, de certo não ficará sob a espada da Lei (Apoiados).

O que tornaria duvidoso o pensamento do artigo, seria a eliminação das palavras - allusão ou allegoria - porque viria a questão se na palavra - injuriar - se podia comprehender a allusão ou allegoria.

A outra Emenda é ao art. 15.°, § 2.º O nobre Deputado Auctor da Emenda, em quem reconheço saber e intelligencia, não podia de maneira nenhuma querer que fosse consagrado na Lei um principio, a meu ver, não só absurdo, mas iniquo!.. Já o meu nobre amigo, o Sr. Conselheiro Sá Vargas combateu esta Proposta dando a razão pela qual a Commissão não tinha admittido as recusações, razão derivada do systema e organisação do Tribunal do jury, creado por este Projecto para conhecer dos abusos da Liberdade de Imprensa, porém eu accrescentarei outra. Reconhecendo-se, que esta Lei é eminentemente politica, e que os abusos da Liberdade de Imprensa são crimes essencialmente politicos: se a Lei permittisse ou desse a faculdade para que o réo seja ou condemnado ou absolvido pelos homens de um só partido, seria o maior insulto que se podia fazer á Justiça. Em um Paiz dividido em partidos como o nosso está, aos quaes necessariamente hão de pertencer os Jurados que teem de julgar o facto, se forem admittidas as recusações peremptorias que as Leis do processo ordinario admittem, o resultado será que tanto por parte do accusado, como do accusador, se hão de fazer esforços, usando-se de tantas recusações, quantas forem necessarias, pelo réo para que seja julgado por Jurados da sua côr politica, de quem deve esperar a absolvição; e similhantemente pelo accusador, ou pelo Ministerio Publico para que elle seja julgado por Jurados da côr politica opposta á do réo, dos quaes só tem a esperar a condemnação deste. E poderia haver deste modo garantia para os réos ou mesmo para a Sociedade? Não seria antes um insulto aos principios da boa razão, e da Justiça o admittir taes recusações peremptorias (Apoiados)?

Além disto ainda ha outra razão para que taes recusações senão admittam, é o abuso, eu e todos nós temos visto praticar, de se fazerem as recusações, por empenho, como favor aos recusados, para os libertar do incommodo de uma Sessão, que póde durar largas horas. Eis as razões que presidiram á Commissão para não admittir as recusações peremptorias.

A outra Emenda que o nobre Deputado propoz, é a respeito do Tribunal Superior. O illustre Deputado concorda em que haja um Tribunal Superior para conhecer dos recursos que o Projecto admitte nos processos por abuso da Liberdade de Imprensa; mas quer que os seus Membros sejam tirados á sorte d'entre certas cathegorias mais illustradas, taes como os habilitados com Gráos Academicos, os Lentes das Escólas Polytechnicas, do Exercito, Medico-Cirurgicas, etc. Ora o nobre Deputado ha de concordar que a materia da sua Emenda está exactamente na provisão do Projecto; porque pela fórma que está constituido e organisado o Tribunal Superior, lá entram todas essas cathegorias; sendo até natural e muito provavel que lá vão escolher os seus Membros ás Camaras Legislativas que teem de os eleger; de maneira que pela fórma que a Commissão constitue o Tribunal, mais facilmente se conseguirá o fim que o illustre Deputado teve em vistas, do que pela fórma que elle propõe; por quanto o Tribunal pelo modo que é constituido no Projecto, póde dizer-se que é um segundo Jurado eleito em terceiro gráo, eleito pelos Representantes da Nação, eleito por aquelles a quem a opinião publica collocou no eminente logar de Legisladores, eleito por aquelles que teem a seu favor os votos da Nação: e que não puderão deixar de eleger para Membros desse Tribunal Superior, homens em que se deem todos os requisitos, todas as habilitações que o nobre Deputado quer que elles tenham (Apoiados). Mas se o nobre Deputado quer que este Tribunal seja exclusiva-

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mente constituido de homens tirados de certas e determinadas cathegorias, se é essa a idéa que indica na sua Emenda, então declaro que rejeito o Tribunal assim organisado; porque passará a ser um Tribunal especial quanto ás pessoas, e quasi que permanente, o que se não conforma com os meus principios. Eu sei que em Inglaterra, donde os outros Paizes teem importado a instituição dos Jurados, e que lhes terei servido de modello, ha um Jury especial que é convocados quando o Juiz entende que; o ponto que ha a decidir, é importante; e cada um dos seus Membros, ganha uma libra por cada, negocio que decide. E por ventura quererá o nobre Deputado estabelecer em Portugal um Jury como este?

Eu estou cançado, e mais cançado deve estar a Camara com uma discussão tão longa: concluo pois o meu discurso com uma allusão e uma profecia - consta-me (porque o não li) que os Membros da Commissão) de Legislação são, em um Jornal do Piaz, appelidados - Os gatos pingados da imprensa - querendo com esta denominação emittir a idéa de que elles são os que hão de acompanhar ao tumulo a tal. Senhora Liberdade de Imprensa. Eu reenvio ao auctor desta lembrança a sua propria lembrança, faço-lhe presente della; e accrescentarei (eis a profecia) que se elle, e todos os mais Redactores dos outros Jornaes de Portugal continuarem na vereda que até aqui teem seguido - de só julgarem util a Imprensa licenciosa, para a qual nada ha sagrado nem respeitavel, então poderemos nós ser talvez na opinião do auctor da lembrança, os, gatos pingados da Liberdade de Imprensa, mas elles serão de certo os gatos pingados da Liberdade; hão de acompanha-la ao tumulo (Muitos apoiados), e talvez lá fiquem tambem sepultados com essa Liberdade, que ao seu Restaurador custou dois Reinos e a vida, e a Portugal tantos sacrificios. Faço comtudo votos para que esta minha profecia se não verifique.

O Sr. Presidente: - A Ordem do Dia para ámanhã é a continuação da de hoje. Está levantada a Sessão. - Eram quatro horas e meia da tarde.

O REDACTOR

JOSÉ DE CASTRO FRAIRE DE MACEDO.

N.° 18. Sessão em 23 de Março 1850.

Presidencia do Sr. Rebello Cabral.

Chamada - Presentes 49 Srs. Deputados.

Abertura - Ao meio dia.

Acta - Approvada.

Não houve correspondencia. E só se mencionou na Mesa a

REPRESENTAÇÃO. - Da Camara Municipal de Leomil, apresentada pela Presidencia, em que pede senão approve a base principal do Projecto do Sr. Lopes Branco, que consiste na extincção do cargo de Juizes Ordinarios. - Á Commissão de Legislação.

O Sr. Corrêa Leal: - Participa a V. Exa. e á Camara que o Sr. Deputado Barão de Francos não pôde assistir á Sessão de hontem por incommodo de saude, e pelo mesmo motivo faltará a mais algumas.

O Sr. J. L. da Luz: - Sr. Presidente, mando para a Mesa um Parecer da Commissão de Fazenda sobre a Proposta do Governo n.º D que regula o imposto para a amortisação das Notas do Banco de Lisboa.

E igualmente mando para a Mesa uma Representação da Direcção do Banco de Portugal, que pede providencias para lhe serem restituidos 40 contos de réis, que a Junta Revolucionaria do Porto extorquiu da Caixa Filial do mesmo Banco, e que pertenciam a depositos particulares.

O Parecer ficou para ser discutida em occasião opportuna (então, se transcreverá). A Representação para seguir os termos regulares.

ORDEM DO DIA.

Continua a discussão do Projecto n° 6 com as Emendas offerecidas.

O Sr. Silva Cabral: - Na altura em que vai a discussão, seria uma tyrannia entreter a Camara com a reproducção das idéas ou materias, que desde o berço até agora, teem acompanhado o desenvolvimento da instituição da Imprensa. Não podendo eu ter a vaidosa partenção de apresentar, Senhores, á vossa consideração argumentos de um cunho inteiramente novo; tendo os Oradores de um e outro lado da Camara tractado do assumpto, que nos occupa debaixo do ponto de vista historico; alguns mesmo, com grande proficiencia, sob o aspecto juridico ou politico; eu cederia gostosamente da palavra, se unicamente escutasse a voz da minha consciencia. Mas, Sr. Presidente, outros são os deveres, que pesam sobre os meus hombros; contravil-os seria tornar-me menos digno da estima dos meus Collegas; menos sensivel á immerecida distincção que para comigo teve a illustre Commissão; e menos attencioso para com os meus amigos, que considerariam o meu silencio nesta solemne occasião, ou como um acto de covardia, ou como uma prova de indolencia (Muitas vozes: - Excellentemente).

Grande parte dos meus Collegas, como que receiando seguir o curso livre das suas idéas sobre o transcendente objecto, que nos occupa, teem cortejado a Imprensa, essa verdadeira potencia das Sociedades modernas, com os protestos da mais decidida sympathia (Apoiados). Não os censurarei por isso, considerada a Imprensa na sua genuina e verdadeira significação (Apoiados). Tambem eu, Sr. Presidente, a venero e respeito, porque a considero um attributo indispensavel, e uma condição essencial para a liberdade politica dos Povos; assim como reputo imprescriptivel e inalienavel direito do homem essa faculdade de pensar, que houvemos da natureza (Longos apoiados). A Imprensa, como orgão do pensamento, não pode ser menos livre do que este; como meio de communicação entre os homens, deve representar no Mundo da intelligencia papel igual ao que representa no Mundo material a machina de va-

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