O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1179

SESSÃO DE 12 DE JULHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho

Secretarios - os exmos. srs.

Jose Joaquim de Sonsa Cavalheiro
Antonio Teixeira de Sonsa

SUMMARIO

Le-se na mesa a seguinte correspondencia: um officio do ministerio da guerra, enviando os documentos requeridos em sessão de 23 do mez de junho ultimo pelo sr. deputado Carlos du Bocage; outro do ministerio das obras publicas, acompanhando uma nota da distancia, em kilometros, de Castanheira de Pera e das principaes povoações do Algarve a Lisboa. - Tiveram segunda leitura os seguintes projectos de lei: estabelecendo varias disposições tendentes a melhorar a marinha mercante, apresentado pelo sr. Alfredo Brandão; auctorisando a camara municipal de Freixo de Espada á Cinta a transferir do cofre de viação municipal para o cofre geral a quantia de 783$829 réis, para serem applicados a obras urgentes que a hygiene e a saude publica desde já reclamam, apresentado pelo sr. José Cavalheiro, determinando que façam parte do districto do juizo de paz de Villa Nova de Foscôa as freguesias de Chãs e Santa Comba, que actualmente pertencem ao juizo de paz do districto de Marialva. - O sr. Alberto Pimentel chama a attenção do governo para a necessidade de se pôr cobro á pesca a vapor. Refere-se a algumas occorrencias em Cezimbra, e nomeadamente a conflictos entre o juiz municipal e o administrador do concelho, fazendo um requerimento, pedindo esclarecimentos. - Continua o sr. Elmano da Cunha a discursar sobre o estuario de Aveiro, ficando de continuar as suas reflexões em outra sessão. - Manda o sr. Costa Pinto para a mesa o parecer sobre o projecto para o abastecimento de aguas da cidade de Setubal, e replica ao sr. Paulo Cancella na parte em que este se referira aos acontecimentos de Cezimbra. - Chama o sr. Costa Moraes a addição do sr. ministro das obras publicas para a necessidade de construir a estrada que ligue a estação de Abreiro, na linha ferrea de Foz Tua a Mirandella, com a povoação de Villa Flor. - O sr. Marcellino Mesquita, patenteando desejos de que estivesse presente o sr. ministro do reino, refere-se á epidemia do cholera, e pede para que se faça nova impressão do folheto da sociedade de sciencias medicas sobre aquella epidemia, distribuindo-se largamente pelo paiz. - O sr. Alpoim de Menezes chama a attenção do governo para a conveniencia de diminuir as tarifas dos caminhos de ferro para os transportes agricolas, e faz reflexões sobre o imposto do addicional e o voto que lhe concedeu. - Responde o sr. ministro da fazenda aos srs. Marcellino Mesquita e Alpoim de Menezes. - O sr. Ressano Garcia refere-se á eleição, que vão realisar se, da misericordia de Cintra, e pergunta se o sr. ministro do reino tomara providencias. - O sr. ministro da fazenda diz não ter conhecimento dos factos, e lembra que n'esta camara se adopte o systema seguido na camara dos dignos pares, da mesa transmittir aos ministros as perguntas feitas pelos srs. deputados. - O sr. presidente promette dar ordens nesse sentido. - Deseja o sr. Eduardo Abreu a presença do sr. ministro do reino, porque tem de fazer algumas considerações ácerca da saude publica. - Mandam representações para a mesa os srs. Francisco Machado, José Cavalheiro e Carlos Lobo d'Avila. - Apresenta o sr. Carlos du Bocage um requerimento, pedindo nota do numero de praças de pret reformadas que, tendo servido nas guardas municipaes, passaram á dita situação anteriormente á promulgação da carta de lei de 24 de julho de 1882.

Na ordem do dia continua a discussão do projecto de lei n.º 141, auctorisando o governo a adjudicar em concurso publico o exclusivo da fabricação dos tabacos no continente do reino, actualmente na administração do estado, em harmonia com as bases que fazem parte d'esta lei e a ella vão annexas. - Combato o projecto, continuando o seu discurso da sessão anterior, o sr. Augusto Fuschini. - Responde-lhe, ficando ainda com a palavra reservada, o relator do projecto o sr. Pedro Victor. - Antes de se encerrar a sessão, o sr. Paulo Cancella torna a referir-se aos acontecimentos de Cezimbra, em resposta ao que dissera o sr. Costa Pinto, que torna tambem a dar explicações, requerendo que seja mandada á camara copia do auto de investigação levantado ácerca do conflicto da jurisdicção entre o juiz municipal de Cezimbra e o administrador do mesmo concelho. - O sr. Avellar Machado diz ter lido no extracto da sessão de 8 de julho ter o sr. Bernardino Pinheiro apresentado uma representação da camara de Abrantes ou s. exa. se enganará, ou fôra mistificado.

Abertura da Sessão - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada 58 srs. deputados. São os seguintes: - Abilio Eduardo da Costa Lobo, Adriano Augusto da Silva Monteiro, Agostinho Lucio e Silva, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio Fialho Machado, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio Jose Arroyo, Antonio Manuel da Costa Lereno, Antonio Maria Cardoso, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Teixeira de Sousa, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto Cesar Elmano da Cunha e Costa, Augusto José Pereira Leite, Barão de Paço Vieira (Alfredo), Bernardino Pacheco Alves Passos, Columbano Pinto Ribeiro de Castro, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Abreu, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Fernando Pereira Palha Osorio Cabral, Francisco de Almeida e Brito, Francisco de Barros Coelho e Campos, Jacinto Candido da Silva, João de Paiva, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Simões Pedroso de Lima, João de Sousa Machado, Joaquim Germano de Sequeira, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, Joaquim Simões Ferreira, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José Bento Ferreira de Almeida, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Estevão de Moraes Sarmento, José Julio Rodrigues, José Maria de Oliveira Peixoto, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Paulo Monteiro Cancella, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Julio Antonio Luna de Moura, Luciano Cordeiro, Luiz Virgilio Teixeira, Manuel d'Assumpção, Manuel de Oliveira Aralla e Costa, Marcellino Antonio da Silva Mesquita, Matheus Teixeira de Azevedo, Pedro Augusto de Carvalho, Pedro Ignacio de Gouveia, Pedro Victor da Costa Sequeira, Thomás Victor da Costa Sequeira e Visconde de Tondella.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes da Silva, Antonio Baptista de Sousa, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Maria Jalles, Antonio Costa, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto Maria Fuschini, Bernardino Pereira Pinheiro, Caetano Pereira Sanches de Castro, Carlos Lobo d'Avila, Christovão Ayres de Magalhães Sepulveda, Eduardo Augusto Xavier, da Cunha, Eduardo de Jesus Teixeira, Emygdio Julio Navarro, Eugenio Augusto Ribeiro de Castro, Feliciano Gabriel de Freitas, Fernando Mattozo Santos, Fortunato Vieira das Neves, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco de Castro Mattozo da Silva Corte Real, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco Severino do Avellar, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, Frederico Ressano Garcia, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alves Bebiano, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, Joaquim Alves Matheus, José Alves Pimenta de Avellar Machado, Jose Antonio de Almeida, José Dias Ferreira, José Elias Garcia, Jose Freire Lobo do Amaral, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Charters Henriques de Azevedo, José Maria de Sousa Horta e Costa, José Monteiro Soares de Albergaria, Julio Cesar Cau da Costa, Lourenço Augusto Pereira Malheiro, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Augusto Pimemtel Pinto, Luiz de

70

Página 1180

1180 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Mello Bandeira Coelho, Manuel de Arriaga, Manuel Constantino Theophilo Augusto Ferreira, Manuel Francisco Vargas, Manuel Pinheiro Chagas e Roberto Alves de Sousa Ferreira.

Não compareceram á sessão os srs.: - Abilio Guerra Junqueiro, Adolpho da Cunha Pimentel, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amandio Eduardo da Moita Veiga, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio José Emnes, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Pessoa de Barros e Sá, Aristides Moreira da Motta, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Augusto da Cunha Pimentel, Carlos Roma du Bocage, Conde do Covo, Conde de Villa Real, Eduardo José Coelho, Elvino José de Sousa e Brito, Estevão Antonio de Oliveira Júnior, Fidelio de Freitas Branco, Francisco José de Medeiros, Frederico de Gusmão Correa Arouca, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio José Franco, João do Barros Mimoso, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Marcellino Arroyo, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Moreira, Joaquim Pedro do Oliveira Martins, Joaquim Teixeira Sampaio, José do Azevedo Castello Branco, José Domingos Raivo Godinho, José Frederico Laranjo, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Greenfield de Mello, José Maria Latino Coelho, José Maria dos Santos, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Manuel Affonso Espregueira, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Manuel Vieira de Andrade, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marquez de Fontes Pereira de Mello, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Pedro de Lencastre (D.), Sebastião de Sousa Dantas Baracho e Wenceslau do Sousa Pereira Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Um officio do ministerio da guerra, enviando os documentos requeridos em sessão do 23 do mez de junho ultimo pelo sr. deputado Carlos du Bocage.

Para a secretaria.

Outro do ministerio das obras publicas, acompanhando uma nota da distancia, em kilometros, de Castanheira de Pera e das principaes povoações do Algarve a Lisboa.

Para a secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Não é segredo para ninguem que a nossa marinha mercante, outr'ora tão florescente, tem ultimamente definhado a ponto de inspirar serios receios de que num futuro proximo quasi totalmente se aniquile.

As reclamações tantas vezes levadas ao conhecimento dos poderes publicos, não têem estes desgraçadamente obtemperado até hoje com as indispensaveis medidas que um tão lastimoso estado de cousas torna, alem de tudo, urgentissimas.

A iniciativa particular não pôde, só de per si, e por mais devotadamente patriotica que seja, pôr cobro ao mal que ameaça ferir no coração o commercio, e com elle todos os grandes interesses da nação.

Por isso é o commercio que mais tem feito ouvir os seus protestos e que mais tem concitado os governos a providenciarem sem demora Dum assumpto que é para todos de primeira e reconhecida importancia. Factos recentes, e por tantos motivos lamentaveis, têem infelizmente posto em evidencia a exiguidade dos nossos recursos, e a dependencia em que estamos d'aquelles mesmos que mais cruelmente nos affrontam.

O forte incremento que se desse á marinha mercante seria sem duvida o meio efficaz de repellirmos um jugo que reduz o commercio a um forçado servilismo; e nenhuma occasião mais propicia do que a presente para, com applauso unanime, se conseguir aquelle ambicionado fim.

Não é difficil de justificar o projecto que tenho a honra de submetter á vossa apreciação, nem para tanto suo precisas largas considerações.

Basta citar factos.

Emquanto em todos os paizes augmenta, n'uma progressão crescente a marinha mercante, entre nós diminue o reduz-se de anno para anuo, fazendo prever uma proxima e rapida extincção.

Nada mais eloquente para o demonstrar do que os seguintes periodos das considerações que precedem as propostas que, na conferencia marítima promovida pela associação commercial do Porto, em 8 de março ultimo, apresentou um dos distinctos membros promotores da mesma conferencia.

Reunidos, os restos da nossa marinha de commercio, davam ainda, no anno de 1880, uns 89:600 metros cubicos de capacidade em um numero de 505 embarcações. Já é bem pouco.

Em 1885 estes numeros tinham descido para 479 navios, deslocando ao todo 85:900 metros cubicos, e em principio do 1889 ficavam reduzidos á miseria de 455 navios, da capacidade total de 78:200, e da tonelagem media de 170 metros cubicos.

Cinco annos, ou mesmo tres annos ainda por este caminho e a marinha portugueza de commercio será inferior em numero, capacidade e qualidade de barcos á marinha parcial de qualquer pequeno paiz estrangeiro, á do porto de Nantes, por exemplo, que em 1887 dispunha já de 379 navios de capacidade total de 68:000 metros cubicos, e da tonelagem media de 179.

O material da nossa marinha mercante pecca, não só porque se acha hoje quasi todo deteriorado, e sem condições de segurança, mas tambem porque, tendo uma insignificante percentagem de barcos a vapor, consiste, na sua maior parto em embarcações de véla.

Ainda por esta motivo, pois, o nosso paiz não póde competir com os outros.

Comparando Portugal com as outras nações marítimas, mesmo com as de menor importancia, reconhece-se a enorme desproporção que existe entre os nossos recursos e os d'ellas, pelo que toca á marinha mercante. Em toda a parte ella prospéra em qualidade e quantidade; só entra nós decresce com assustadora rapidez, e só entre nós tambem se não tem pensado a serio em evitar similhante catastrophe.

Diz-se no documento a que acima nos referimos:

«Assim a França despende annualmente com a sua marinha mercante n'estes subsidios (á navegação e construcção naval) cerca de 6.251:000$000 réis; a Inglaterra 3.956:000$000 réis; a Italia 3.220:000$000 réis; a Allemanha 2.944:000$000 réis; a Republica Argentina réis 2.760:000$000; o Brazil 1.564:000$000 réis; e a Hespanha 1.472:000$000 réis. Portugal actualmente, com os subsidios que dá ás companhias de navegação para a Africa e insulana não despende mais de 175:000$000 réis.»

Em todos os paizes os governos e o commercio se preoccupam vivamente com esta questão. Não é portanto de admirar que tambem para ella chamemos a attenção do governo, porque este grave problema da reorganização da nossa marinha mercante deve ser tido como do capital importancia.

O presente projecto do lei, consignando os principios e

Página 1181

SESSÃO DE 12 DE JULHO DE 1890 1181

as idéas exaradas nas propostas a que alludimos, e que o commercio do Porto, representado na conferencia em que ellas foram lidas, applaudiu e apoiou, não importa grandes sacrificios para o thesouro, a não ser no que respeita ao subsidio á navegação, e os encargos que por tal motivo lhe adviessem, largamente seriam compensados com as vantagens resultantes de taes medidas.

Estas considerações levaram-nos, pois, a submetter ao criterio do parlamento o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É permittido o embandeiramento livre de direitos aos vapores adquiridos por armadores portuguezes, bem como aos navios de véla de arqueação superior a 300 metros cubicos.

Art. 2.° Os vapores e navios de vela portuguezes, de longo curso, só uma vez no anno ficarão obrigados a pagar os direitos de tonelagem, sanitarios e de barra.

Art. 3.° A todos os vapores portuguezes de longo curso e concedido o privilegio de paquetes.

Art. 4.° Fica livre de direitos a importação de carvão para consumo de navios portuguezes.

Art. 5.° Os actuaes direitos consulares ficam substituidos por um direito fixo de 10 reis por metro cubico, lotação liquida, systema Morson, qualquer que seja o serviço do consul.

§ unico. Fica o governo auctorisado a elaborar os regulamentos necessarios a fim de que este serviço se simplifique quanto possivel.

Art. 6.° É concedido um subsidio annual por toneladas e por milha percorrida, ás emprezas com linhas regulares para portos estrangeiros, especialmente para o Brazil, subsidio que o governo fixará em harmonia com os recursos do thesouro.

Art. 7.° É isenta de direitos a importação de materiaes destinados á construcção e reparação de navios, devendo o estado exercer fiscalisação sobre o destino e applicação dos materiaes importados.

Art. 8.° São isentos do pagamento da contribuição industrial todos os misteres da vida maritima, taes como capitães, engenheiros, pilotos e marinheiros, bem como ficam isentos da obrigação de serviço militar aquelles que na epocha de serem chamados para tal serviço provem ter já cinco annos, pelo menos, da vida do mar.

Art. 9.° Fica o governo auctorisado a reorganisar e ampliar o ensino de náutica, o a crear mais uma escola de marinheiros na cidade do Porto, conservando os actuaes navios escolas para ensino complementar, procurando adquirir navios de véla para escolas de ensino complementar e pratico em viagens no alto mar, o concedendo aos alumnos a faculdade de se dedicarem tanto á marinha de guerra como á marinha mercante.

Art. 10.° Fica mais o governo auctorisado a regular a maneira mais prompta e efficaz de se fomentar a pesca do bacalhau nos bancos da Terra Nova.

Art. 11.º São isentos do pagamento de direitos de tonelagem, sanitarios e de barra, por dez annos, a contar da publicação d'esta lei, todas as embarcações de véla de 300 toneladas construidas em estaleiros portuguezes.

Art. 12.º Do mesmo modo são isentos dos direitos a que allude o artigo precedente, mas sem limitação de praso, todos os vapores construidos em estaleiros portugnezes.

Art. 13.° É concedido um subsidio de 5$000 reis por tonelada, por uma só vez, a todos os navios de vela de mais de 300 toneladas construidos nos estaleiros portuguezes, dentro do praso de cinco annos, a contar da promulgação d'esta lei.

Art. 14.° E concedido um subsidio de 10$000 reis por tonelada, por uma só vez, á construcção de navios de ferro ou aço, e vapores, de mais de 300 toneladas, feitos nos estaleiros portuguezes dentro do praso de dez annos, a contar da promulgação d'esta lei.

Art. 15.º E permittido nos terrenos publicos da nossa provincia da Guiné o córte e aproveitamento de madeiras para construcção das embarcações a que se refere os artigos 13.° e 14.°

§ unico. Este serviço será fiscalisado pelas auctoridades locaes, de conformidade com os regulamentos que para esse fim o governo fica auctorisado a formular.

Art. 16.° Fica revogada a legislação em contrario.= O deputado pelo circulo de Castello Branco, Alfredo Cesar Brandão.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - A camara municipal do concelho de Freixo de Espada á Cinta, pelas rasões que expoz em uma representação, que vae junta a este projecto, pede para ser auctorisada a transferir do cofre da viação para o cofre geral a quantia de 783$329 reis; e porque e justo o pedido e reclamado por uma necessidade urgente, tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei.

Artigo 1.º É auctorisada a camara municipal do concelho de Freixo de Espada á Cinta a transferir do cofre da viação municipal para o cofre geral a quantia de 783$329 reis, para serem applicados a obras urgentes, que a hygiene e saude publica desde já reclamam.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. = O deputado, José Joaquim de Sousa Cavalheiro.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de administração publica.

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 23-C de 1885 determinando que façam parte do districto do juizo de paz de Villa Nova de Foscôa as freguezias das Chãs e Santa Comba, que actualmente pertencem ao juizo de paz do districto de Marialva.

Sala das sessões, em 11 de julho de 1890. = O deputado pelo circulo n.° 58, Julio de Moura.

Lida na mesa, foi admittida e enviada á commissão de legislação civil.

Esta renovação refere-se ao seguinte:

Projecto de lei

Senhores. - A comarca de Villa Nova de Foscôa foi creada por decreto do 31 de dezembro de 1853 e foi constituida com os concelhos então existentes, de Foscôa, Freixo de Numão, Almendra e Marialva. Por este mesmo decreto foram orçados quatro districtos de juizes de paz, um em cada um d'aquelles concelhos, sendo o de Marialva, formado pelas freguezias de Marialva, Rabaçal, Carvalhal, Valle de Ladrões, Pae Penella, Coriscada, Barreiro, Chãs e Santa Comba.

Mais tarde foram extinctos os concelhos de Freixo de Numão, Almendra e Marialva, sendo todos annexados ao de Foscôa com excepção de duas freguezias do extincto concelho de Almendra.

Por decreto de 4 de dezembro de 1872 foram annexadas para todos os effeitos judiciaes, administrativos e de fazenda ao julgado o concelho de Meda, as freguezias de Marialva, Valle de Ladrões, Pão Penella, Carvalhal, Rabaçal, Coriscada e Barreiro, e por decreto de 12 de novembro de 1875 foi creada a comarca de Meda, fazendo parte d'ella, alem de outras, estas mesmas freguezias.

Ficaram, todavia, no concelho e comarca de Foscôa as freguezias das Chãs e Santa Comba, fazendo, apesar dI8so, parte do districto do juizo de paz de Marialva.

São obvios os inconvenientes que resultam d'este estado de cousas, a que e necessario pôr termo, e por isso tenho a honra de vos apresentar o seguinte projecto do lei:

Artigo 1.° Ficam fazendo parte do districto do juizo de paz de Villa Nova de Foscôa as freguesias das Chãs e

Página 1182

1182 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Santa Comba, que actualmente pertencem ao juizo de paz do districto de Marialva.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 12 de abril de 1882.-O deputado pelo circulo de Pinhel, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que, pela secretaria dos negocios da guerra, me seja enviada uma nota do numero de praças de pret reformadas que, tendo servido nas guardas municipaes, passaram á dita situação anteriormente á promulgação da carta de lei de 24 de julho de 1882.

A nota deve conter a indicação, por classes, do numero de praças existentes em 1 do corrente. = Carlos Roma du Bocage.

Mandou-se expedir.

Requeiro que seja remettida a esta camara copia do auto de investigação ou do syndicancia mandado levantar pela auctoridado administrativa ácerca do conflicto de jurisdicção entre o juiz municipal de Cezimbra e o administrador do mesmo concelho. = Joaquim da Costa Pinto.

Mandou-se expedir.

Requeiro tambem que, pelo ministerio da justiça, me seja enviada copia dos mappas dos corpos de delicto feitos no juizo municipal de Cezimbra, desde lá de janeiro ultimo. = José Paulo Cancella.

Mandou-se expedir

REPRESENTAÇÕES

Da camara municipal da Batalha e da junta de parochia da Amoreira, contra o imposto addicional de 6 por cento.

Apresentadas pelo sr. deputado Francisco José Machado e enviadas á commissão de fazenda.

Da camara municipal de Freixo de Espada á Cinta, pedindo auctorisacão para levantar do fundo do viação a quantia de 8:000$000 réis para melhoramentos locaes.

Apresentada pelo sr. deputado José Cavalheiro e enviada á commissão de administração publica, ouvida a de obras publicas.

Da camara municipal do Marvão, pedindo que o lazareto que vão ser estabelecido no sitio de Mãe Soares, concelho de Castello de Vide, seja transferido para o sitio das Pombas, no concelho de Marvão.

Apresentada pelo sr. deputado Carlos Lobo d'Avila, enviada á commissão de saude e hygiene, e mandada publicar no Diario do governo.

DECLARAÇÃO DE VOTO

Declaro que se estivesse presente na sessão de hontem, teria votado a favor do projecto do addicional de 6 por cento.

Camara dos deputados, 12 de julho do 1890. = Antonio José Arroyo.

Para a acta.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTA

Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado Ruivo Godinho tem faltado e continuara a faltar ainda a algumas sessões d'esta camara por motivos justificados. = O deputado, João Pinto dos Santos.

O sr. Alberto Pimentel: - Pedi a palavra para tratar de una assumpto, que interessa profundamente á classe dos pescadores, classe numerosíssima no circulo que tenho a honra do representar.

V. exa. sabe e a camara sabe tambem, porque já aqui o disseram os meus illustres collegas o sr. Germano de Sequeira e o sr. Alpoim de Menezes, que esta classe está sendo altamente prejudicada pela pesca feita em barcos movidos a vapor, com redes de arrastar.

Ora, o emprego de redes de arrastar pelo fundo é nociva á procreação das especies pela revolução que produz nos abrigos e postos submarinos, qualquer que seja o motor. É opinião dos peritos.

Acresce a circumstancia de que os barcos movidos a vapor empregam redes cujas malhas, comquanto tenham as dimensões ordinárias, fecham com a velocidade do barco, arrastando comsigo o peixe pequeno, de modo que esto peixe não servindo para o consumo, é alijado por inutil, lançado ao mar, ficando assim prejudicados completamente os viveiros, as creações.

Em fevereiro d'este anno, estavam matriculados na pesca, nas costas de Portugal, tres barcos a vapor; desde então, como a industria é rendosa, o numero do barcos movidos a vapor, empregados na pesca, sobe já a onze, e é natural que vá augmentando sempre, com prejuízo da classe dos pescadores, classe tão sympathica na sua rudeza, na sua heroicidade e na sua miséria! (Apoiados.)

Tenho presente o Jornal de Vianna de 10 deste mez, recebido hontem, era que leio algumas considerações, que em geral interessam á classe dos pescadores portuguezea, e especialmente áquelles que tenho a honra de representar nesta camara.

«A pesca intensiva, a exercida pelos barcos a vapor, dispondo de moios aperfeiçoados e radicaes, esgota em pouco tempo a pescaria, porque destroe a creação e as vegetações do fundo do mar.

«Assim parece ter acontecido em escala apreciavel nas costas de França, e assim devora aqui acontecer em muito menos tempo, porque nos informam ser muito limitada a área da pesca na costa de Caminha á Povoa de Varzim, em virtude da extensa orla de penedias que ao longe d'ella se estendem. Assim pois e com taes effeitos, a pesca a vapor será, não só para os pescadores mas para toda a cidade, uma verdadeira calamidade contra que todos deveriam protestar.
«A esperança do abastecimento do peixe que a muitos alenta falhará seguramente, porque a maior abundancia do pescado não motiva maior offerta no nosso mercado, mas simplesmente provoca maior exportação, e assim os effeitos beneficos da abundancia, emquanto dure, serão sentidos por outros que não por nós. Eis o que nós pensamos e o que nós dizemos, não por especulações politicas, mas por uma profunda convicção do nosso espirito.»

A pesca a vapor tem portanto dois grandes inconvenientes: a questão economica, porque mata a creação; a questão humanitaria, porque reduz á miséria extrema uma classe diariamente experimentada pela mão da má fortuna, que não póde agenciar meios de subsistencia sem ter de expor a sua vida aos perigos do oceano, e que por todos estes titulos merece inteira protecção. (Apoiados.)

O illustre ministro da fazenda, ha poucos dias, nesta camara, creio que em resposta ao meu illustre collega o sr. Alpoim de Menezes, disso: «que era seu intuito, se as circumstancias do thesouro o permittissem, acabar com o imposto do pescado».

xalá que as circumstancias do thesouro possam facilitar a s. exas. a occasião de realisar este ideal de justiça. Mas emquanto isso não acontece, eu chamo a attenção de s. exa. e da camara para a necessidade de pôr cobro á industria da pesca por moio de vapor com redes de arrastar.

As capitanias dos portos têem representado contra este prejudicialissimo systema de pescar; e eu sei, por informações colhidas o anno passado na praia da Ericeira, que

Página 1183

SESSÃO DE 12 DE JULHO DE 1890 1183

por mais de uma vez a capitania d'aquelle porto levantou autos contra a pesca a vapor na defeza dos justos interesses da classe dos pescadores.

As capitanias têem cumprido e seu dever. A industria da pesca está regulamentada em Portugal, de modo a acautelar os viveiros.

A portaria de 6 de agosto de 1878, no n.º 4.°, estabelece os bons principios: «as redes de arrastar, conhecidas pelo nome de Bou ou parelhas, chalut e quaesquer outras reconhecidamente prejudiciaes, só poderão funccionar a mais de 12 milhas de distancia da costa».

N'estas circumstancias, parece-me que ha fundamento bastante para attender ás reclamações da classe dos pescadores portuguezes.

Não digo que de um dia para o outro se supprima a industria da pesca a vapor, porque ha interesses creados; mas e indispensavel que desde já se torne qualquer resolução no sentido de que o pobre e humilde pescador não continue a ser espoliado pelas gananciosas emprezas de pescaria a vapor, e que a industria não seja gravemente compromettida no futuro pela aniquilação dos viveiros.

Sei que a commissão de pescaria já foi ouvida sobre este assumpto, e que algumas soluções apresentou.

Estou certo de que toda a camara me acompanha (Apoiados.) na defeza dos interesses d'esta classe, embora rude, paciente sempre, heroica muitas vezes, exposta a perigos que bem podemos de algum modo compensar, fazendo-lho justiça, não lhe tirando o que Deus lhe deu, pois que o mar que ate agora era patrimonio dos pescadores, principiou a ser, por uma exploração lamentavel, fonte de receita dos opulentos capitalistas, que no regalo das suas casas confortáveis, recebem e amontoam, á custa dos pescadores, fartos interesses, largos juros provenientes de uma industria abusiva. (Apoiados.)

O sr. Antonio Arroyo: - Declaro a v. exa. que se estivesse presente á sessão diurna de hontem, teria approvado o projecto do addicional de 6 por cento.

Mando a minha declaração por escripto para a mesa.

O sr. Monteiro Cancella: - Pedi a palavra ha muitos dias quando estavam presentes alguns membros do governo, mas, chegando-me hoje, e não vendo presente nenhum dos srs. ministros, não posso comtudo deixar de fazer algumas considerações ácerca de um facto importante, porque tenho a certeza que s. exa. lendo o extracto das sessões, terão conhecimento do facto a que vou alludir.

Os srs. ministros voem hoje mais tarde, porque tratando-se apenas da questão de fazenda, pouca importância têem para s. exas. os assumptos que ha a tratar antes da ordem do dia.

Por pessoa fidedigna sou informado de que em Cezimbra se teem praticado factos gravissimos, achando-se o juiz municipal debaixo da pressão da auctoridade administrativa.

O juiz municipal, receiando algum ataque ao tribunal, officiou ao presidente da relação, requisitando força militar, porque o administrador não lha forneceu.

O sargento de caçadores n.° 1, commandante do destacamento ali estacionado, fez causa commum com os desordeiros, prendendo á sua vontade quem bem lhe parece, e diz publicamente mal do juiz e do tribunal.

São publicos estes factos, e consta que vae proceder a auto de corpo de delicto que brevemente será sujeito á apreciação do tribunal respectivo.

O proprio sargento, commandante do destacamento, anda, segundo dizem, a offerecer-se como testemunha contra o juiz municipal.

Isto é grave e precisa de remedio prompto.

Consta-me tambem que se pediram providencias pelo ministerio competente, para que o destacamento, que lá está fosse rendido, porque em vez de ser um elemento do ordem, e um elemento de desordem.

Se algum dos srs. ministros se achasse presente, eu desejaria que me informasse ácerca d'estes acontecimentos, porque me consta que elles são tão graves, que não podem deixar de merecer a attenção do governo.

V. exa. sabe que Cezinibra tem sido um foco de desordens gravissimas; que ali as paixões politicas estão de tal modo excitadas que, qualquer pequeno facto, pode transformar-se numa lucta tremenda, e que aquella localidade não pode continuar a estar debaixo da pressão da aucto-ridade administrativa, que não deixa operar livremente a auctoridade judicial, perigando por consequencia a independencia d'aquelle magistrado, que só deseja fazer justiça.

Eu acho estes factos tanto mais graves quanto vejo que da parte do governo não ha vontade nenhuma de pôr um termo á anarchia que ali existe.

Eu desejava fallar sobre este assumpto com mais latitude; e por isso vou mandar para a mesa um requerimento pedindo mais documentos, que mo possam illustrar ácerca dos factos que ali têem occorrido, porque não se pode consentir que impunemente a auctoridade administrativa esteja embaraçando a acção da justiça; e não posso deixar de censurar o governo por não dar attenção alguma aos factos que ali teem succedido.

Vou mandar para a mesa o requerimento, e peço a v. exa. que tenha a bondade de o fazer expedir com a maior brevidade, porque careço desses documentos para tratar com mais largueza desta questão.

O sr. Elmano da Cunha: - Sr. presidente, agora vejo que v. exa. senão esqueceu nem do meu desejo em continuar a nossa conversação sobre negocios de Aveiro, nem dos termos rascaveis em que o manifestei.

Agradeço, pois, a v. exa. a sua mimosa lembrança, e vou proseguir na minha patriotica tarefa, com a segurança de que não affrontarei o direito de nenhum dos meus camaradas de trabalho antes da ordem do dia, nem usurparei a esta um só momento por nenhum dos meios capciosos parlamentarmente admittidos.

Sr. presidente, eu disse que não e para resolver-se o problema da barra de Aveiro com a sua actual insignificante dotação, mas que esta representa, ainda assim, o juro de um capital enorme, que levantado o applicado de uma vez a um plano bem estudado produzirá alguma obra definitiva o perduravel.

Esse plano demanda, porem, tanto maior circumspecção quanto ha nos trabalhos da barra ate hoje emprehendidos tão graves erros manifestos, que não podiam escapar á mais vulgar previsão.

Eu sei que em trabalhos hydraulicos, e maiormente em barras de areias, ainda o mais experimentado engenheiro se engana, porque o engana a natureza por mechanismos mysteriosos, que teima em não revellar: mas tambem sei que muitos factos se explicam pela applicação de estudos incompletos a problemas naturalmente complexos, ou pela preoccupação exclusiva de um só lado da questão.

É assim, sr. presidente, que sem o menor proveito para a barra, antes detrimento manifesto, se sepultou para sempre nas areias e nos Iodos a mais rica ostreira do paiz pela extensão dos bancos e excellencia das especies. Não perdoa um so erro a natureza, desde que a contrariam. Hoje acaso se encontrará algum raro individuo vivo isolado e fugidio, que não protesta por ser molusco!

A operação economica, essa depende essencialmente do mesmo plano de obras.

Quero dizer, em summa, que o particular da barra e assumpto para estudos maduros, que se não obtem sem tempo, e conhecimentos variados.

Mas, sr. presidente, e por effeito dessa preoccupação exclusiva, d'essa obsecação dos espiritos desde 1808 ate hoje, que o vasto estuário, vasto de 225 kilometros de superficie, chegou ao estado lastimoso a que chegou.

Emquanto os technicos fixavam as suas attenções n'um ponto unico, a barra e o seu canal, o phenomeno geologico

Página 1184

1184 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

de obstrucção da bacia operava-se a olhos visto. Os mesmos profanos viam-n'o e apontavam-n'o, mas respondiam-lhe com o mutismo systematico ou desdenhoso dos infalliveis!

O sacrificio da população ribeirinha de quatro comarcas, que tantas banha a ria, - Ovar, Estarreja, Aveiro e Mira, o sacrifício de 67:500 hectares de terras interiores, arenaceas, estereis, que fructificam quasi exclusivamente pelos adubos vegetaes e animaes da ria, computados entre réis 260:000$000 e 280:000$000 réis annuaes, deviam prever-se como consequência necessaria e fatal do phenomeno diuturno; mas o que importava tudo isso, se era futuro! O que unicamente importava e lisonjeava era que a praiamar accusasse á bôca da barra tres ou quatro braças de profundidade. Os cahiques do Algarve com o seu peixe salgado, os lanchões abarrotados de sal, os marnôtos e os barqueiros com a bolsa recheada, declaravam-se satisfeitos: a imprensa elogiava; e comtanto que a bandeira portugueza fluctuasse no tope dos mastros de quatro insignantes barcos de cabotagem á vista da cidade jubilosa, tudo caminhava o melhor possivel no melhor dos mundos, que é este jardim da Europa á beira-mar plantado.

Pois, sr. presidente, vae v. exa. ver e vae ver a camara, como é que osso manancial de riqueza será perdido, e aquella formosíssima região convertida em ermo desconsolador e triste, como tudo o que não tem vida, ao termo de meio seculo mais de desleixo, de abandono e de infallibilidade, ou como queiram chamar-lhe.

Os lagos, rias, ou bacias pelagicas, formadas por cor does littoraes, de areias principalmente, e alimentadas por braços de mar e cursos de agua doce, momento pequenos cursos, que passaram do regimen torrencial ao ordinario das pequenas rampas de milimilimetros, estão condemnadas a ser terra firme em periodos variaveis, segundo as varias circumstancias, mas sempre relativamente curtos.

Esta theoria que póde ler-se em Lyel, Lapparent o outros geologos, tom a mais solemne confirmação no conjuncto de phenomenos realisados na bacia Lydrographica de Aveiro nos ultimos quarenta annos, do meu conhecimento.

De duas memorias publicadas, uma em 1886 pelo sr. Gustavo Ferreira Pinto Basto, cavalheiro illustradissimo, a outra em 1889 do meu amigo Francisco Augusto da Fonseca Regalla, distinctissimo official da armada, vejo que o estuario teve outrora profundidades geraes consideraveis, 18 a 22 metros nos limites da bacia primitiva. De poços e córtes praticados em terrenos a pequenos niveis superiores á bacia actual vi eu os vestigios d'esse facto. Ha quarenta annos conheci eu ainda profundidades consideraveis e uma media geral não inferior a 3m,5.

Hoje a media reduz-se a 1m,5, se tanto, com excepção dos canaes nas linhas das correntes, variando entre 4 e 6 metros, canaes dia a dia mais reduzidos, e as correntes cada vez mais fracas.

Deriva este facto do trabalho de sedimentação operado por varios factores, taes como: depositos de areias, terras vegetaes e materiaes de toda a especie, acarretados pelos rios; depositos de areias introduzidas pelas correntes da barra e semeadas pelos ventos mareiros dominantes no seio do estuario; depositos dos organismos extinctos da fauna crustacea; e depositos da vegetação aquatica a mais activa.

Este trabalho de accumulação seria de 0m,03 annuaes, ou 0m,032, segundo affirmam as duas memorias que citei, sob a fé do insigne conductor da barra, o sr. Reis, trabalho verdadeiramente assombroso aos olhos dos que conhecem os processos vagarosos da natureza nesta ordem de phenomenos, se não fosse, como devo ser, ainda superior.

E digo deve ser, em face de um principio de mechanica geologica, de não facil explicação; «que um dado trabalho do accumulação, operado em dado tempo, a certa profundidade, necessita successivamente menor tempo á proporção que a profundidade diminue».

Este trabalho de accumulação explica-se do resto pelas circumstancias de configuração, nivelamento, e posição relativa dos factores concorrentes. De feito os rios Vouga e Antuan tem a sua foz a grande distancia do canal da barra, e a descarga do volume das grandes enchentes impetuosas hybernaes saturadas de sedimentos em suspensão, em vez de fazer-se directamente na barra, espraia-se na grande bacia da ria. Resulta d'aqui que as aguas, ao favor de uma tranquillidade relativa, depositam os sedimentos na quasi totalidade antes de correrem ao mar.

Se as grandes enchentes dos rios coincidem com maré montante, o depobito é ainda mais completo, como facilmente só comprehende. Durante a quadra estival as aguas da vasante correm ao oceano tão puras e chrystalinas como as aguas da enchente. E, portanto, a bacia recebe B guarda no seio absolutamente todos os materiaes transportados, a um phenomeno bem compensação, a não ser a dragagem inconsciente resultante da colheita dos moliços.

Pois, sr. presidente, estes factos diuturnos têem merecido aos infalliveis tão pequena consideração, que, sem lhe darem o menor remédio, enterram ostreiras para aproveitarem as respectivas aguas em beneficio da barra, o teimam era contar com a somma total das da bacia no mesmo intuito e fim!

Postas estas premissas, offereço á apreciação e criterio dos senhores deputados engenheiros e até dos que o n3o pão, como eu não sou, o seguinte calculo de um humilde casuista.

Profundidade actual media da ria, 1m,50. É official. Sedimentação annual, 0m,032. É officialissimo. 50x0m,032 = 1m,60. Este algarismo é superior a 1m,50.

Logo em cincoenta annos a riquissima bacia aveirense estará inteiramente obstruida, ou reduzida a pantano insalubre.

E note-se que n'este calculo não entrou a lei de progressão sedimentar na rasão inversa diminuta de tempo e profundidade, que ha pouco formulei.

O que posto, occorre naturalmente a observação:

Mas se o phenomeno é fatal, que remedio podem dar-lhe os governos, os parlamentos e os engenheiros?

É a esta interrogação, que me proponho responder, porventura satisfactoriamente, e sem maior sobresalto do meu bom e velho amigo, o sr. ministro da fazenda, na mais proxima, ou alguma das mais próximas sessões da camara, se esta o desejar, ou ao menos mo consentir.

O sr. Presidente: - A commissão de redacção não fez alteração alguma aos projectos n.ºs 120, 136, 137 e 148.

Vão ser expedidos para a outra camara.

O sr. Costa Pinto: - Mandou para a mesa o parecer da commissão de administração publica sobre o projecto de lei n.° 139-F, apresentado pelo sr. deputado Alves Passos, tendente a approvar o contrato para o abastecimento de aguas da cidade de Setubal.

O sr. Cancella, referíra-se ao julgado municipal de Cezimbra e dissera que o juiz municipal tinha officiado ao sr. presidente da relação pedindo-lhe auxilio, porque receiava algum ataque ao tribunal.

A isto chamava-se fazer o mal e a caramunha.

Ha dias o actual juiz municipal de Cezimbra permittiu-se fazer rondas ás duas horas da noite acompanhado de um guarda campestre e de officiaes de diligencias, e, não se contentando com essa força, foi á fortaleza pedir ao sargento que lhe desse força.

O sargento respondeu que estava ás ordens da auctoridade administrativa, e que portanto não lhe podia fornecer orça.

Era este o motivo das zangas do juiz contra o sargento.

(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)

O sr. Costa Moraes: - Chamou a attenção do sr. ministro das obras publicas para a necessidade de construir a estrada já estudada, que deve ligar a estação de Abreiro, na linha ferrea de Foz Tua a Mirandella, com a im-

Página 1185

SESSÃO DE 12 DE JULHO DE 1890 1185

portanto povoação de Villa Flor; e justificou a urgencia d'essa construcção com a necessidade de evitar que o serviço do mercadorias e passageiros do concelho de Villa Flor continuo a fazer-se, com grave prejuizo d'aquelle concelho, pela estação de Cachão, sita no concelho de Mirandella, e tambem pela necessidade de dar que fazer a muitos trabalhadores, aos quaes a morte das vinhas roubara os meios de ganhar o pão para as suas familias.

(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)

O sr. Marcellino de Mesquita: - Sr. presidente, Se s. exa. o sr. presidente do conselho estivesse presente, teria occasião de fazer a s. exa. um pedido com referencia ao cholera. S. exa. não está, mas atrevo-me a fazel-o, liado em que as minhas palavras, por qualquer caminho, chegarão aos ouvidos de s. exa.

Sr. presidente, v. exa. sabe quanto é difficil o sabor positivamente o estado da epidemia no paiz vizinho.

Com dados certos ninguem poderá affirmar se a epidemia cresce ou decresce. Dos telegrammas ou communicações officiaes que vem de Hespanha, ninguem será capaz de formar um juizo certo, uma opinião irrefutavel.

Os jornaes de toda a especie do paiz vizinho occultam-no. O que porem se vê e que se a epidemia não cresce extraordinariamente, pelo menos não tende a diminuir mas a alastrar-se lenta e continuamente.

Como ella se está alastrando lentamente, e isto e o que e certo, e claro que deve haver as mesmas precauções contra a invasão, como se ella fosse rápida o energica. Porque a invasão pode dar-se do mesmo modo e termos uma epidemia entro nos, visto que um unico individuo e o bastante e sufficiente para ser o portador de um largo morticinio cholerico.

Ora, vendo pelos jornaes francezes que as precauções em França são de primeira ordem, perfeitamente dirigidas e sustentadas, eu concluo que tem o maior cabimento os meus receios, como as minhas considerações.

Eu não estou perante uma academia para lhe apresentar a maneira como eu faria a guerra ao cholera; mas creio que as medidas tomadas pelo governo, e não quero com isto irrogar-lhe censura, porque ellas são as que foram adoptadas na ultima invasão do cholera em Hespanha, e consideradas pelos nossos peritos como as mais competentes e eificazes essas medidas, repito, não teem nem o valor nem a cfficacia que se lhes attribue. Eu avançarei mais, que não tem nenhuma, e que se o cholera nos não visitou ainda, e exclusivamente porque a sua marcha tem sido para longe de nos, e a prova e que elle existe ha mezes em Hespanha, o cordão sanitario só agora se faz e não ha ainda um caso que se desse entre nos.

Acaso será um cholera que leve a sua delicadeza a esperar pelos cordões?

Ainda ha poucos dias um illustre deputado lamentou que o cordão sanitario não se tivesse estabelecido em um ponto do Algarve, me parece.

É extraordinario que nos estejamos cinda hoje a pedir o cordão sanitario, quando ha a certeza mathematica, provada pelos relatorios, de que o cordão sanitario não isola cousa nenhuma, e o distincto professor hygienista da escola medica, o sr. dr. Amado, prova com factos no sou relatorio que o cordão sanitário e. muitas vezes o propagador da molestia.

Por consequencia, o cordão sanitário de nada pode servir, senão para dar logar a largas despezas inuteis de centenas do contos, o que eu lamento.

Os lazaretos são tambem da mesma forma inuteis; para mim os tenho como verdadeiros viveiros de microbios.

Quer v. exa. ver o que se faz em França, sem lazaretos e sem cordões sanitarios?

É muito simples. Chega um comboio: os passageiros são mettidos um a um n'um corredor de madeira até á sala de espera, onde são examinados e interrogados. De onde vem e para onde vão. Isto dá o seguinte resultado. Hempre que o passageiro não poder provar claramente de onde veiu, que paiz atravessou, o tempo que gastou na viagem, sempre que não possa provar que não teve o tempo material de se approximar, sequer, dos focos epidemicos, o que se prova pelos bilhetes de ida ou volta, por cartas recebidas na viagem, pelos bilhetes do hotel, ou por outros muitos processsos, o passageiro e immediatamente retido, é-lhe beneficiada a bagagem, e só parte depois da demora julgada necessaria para o reconhecimento de que não está doente, sendo completamente isolado em sitio proprio.

Reconhece-se que não está doente ; ainda assim não pára a diligencia medica. Segue levando um bilhete em que se diz o nome, a proveniencia, a terra para onde vae residir, a rua, o numero, e ahi fica sujeito á inspecção diaria do medico da localidade, durante cinco dias consecutivos. O menor symptoma determinará o isolamento absoluto.

Este serviço faz-se nas estações da fronteira com dois medicos e com alguns estudantes internos dos hospitaes.

Estas medidas têem alem de todas as outras vantagens sobre as nossas, a de serem economicas e nada vexatorias,

Estas são, me parece, medidas positivas e de resultados proficuos.

Os passageiros estão cinco dias, que e o praso maximo, a ser inspeccionados pelo medico da terra em que se encontram, e durante os cinco dias, se se manifesta o cholera, elles são isolados rigorosamente.

Este systema é proficuo, porque e exclusivamente no isolamento que se pode confiar com a maior segurança.

Estas são as minhas idéas, rapidamente expostas.

Quanto a mim, pois, os cordões sanitários e os lazaretos não servem para nada; se esta questão tivesse de ser discutida na camara, eu sustentaria estas idéas com todas as minhas forças.

Isto, comtudo, não quer dizer que eu attribua quaesquer responsabilidades ao governo.

Ha uma corporação competente que discute e decide.

Ella é que sabe, ella é que aconselha o governo, e as medidas adoptadas este anno são as que se têem adoptado n'outros annos, com desperdicio dos dinheiros publicos, mas obrigados hoje, pela responsabilidade que adviria ao governo de uma invasão que se desse sem cordões na fronteira.

Mas, se eu não creio nos cordões sanitários e se não creio nos lazaretos, creio ainda numa cousa; e no acautelamento proprio, e nas precauções de cada um, e no cuidado e no receio particular.

A nossa sociedade de sciencias medicas publicou ha tres annos um folheto com instrucções relativas ao cholera.

Este folheto foi lido e está julgado por pessoas competentes.

Foi considerado como um trabalho de sciencia e consciencia absolutas.

Aqui vem o meu pedido.

Eu pedia ao sr. ministro do reino que esse folheto fosse reimpresso e distribuido amplamente por Lisboa e Porto, emfim, por todo o paiz, (Apoiados.) facilitando-se a todos a acquisição de tão util trabalho.

Elle está magnificamente escripto, porque está ao alcance de todos, porque e facilmente assimillavel, podendo, por consequencia, qualquer adoptar os conselhos que lá vem. (Apoiados.)

Creio que o melhor cordão sanitário contra o cholera será este.

Desejaria fazer estas considerações na presença do sr. ministro do reino, mas espero que o sr. ministro da fazenda me fará a honra de as communicar ao seu collega, em cuja diligencia eu fico confiando.

O sr. Alpoim de Menezes: - Sr. presidente, na sessão de 31 de maio, por occasião de mandar para a mesa uma representação da direcção da «liga dos lavradores de Vianna», referi-me ao estado lastimoso em que se encon-

Página 1186

1186 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tra a agricultura no norte do paiz, e chamei para, esse as sumpto de tanta importancia a esclarecida attenção do governo.

Hoje venho fazer um pedido ao sr. ministro das obras publicas, mas como s. exa. não está presente, peço ao illustre ministro da fazenda a elevada fineza de transmittir ao seu collega o que vou dizer.

É um pedido idêntico ao que já foi feito pelos meus il-lustres collogas e amigos os srs. José Maria de Alpoim o barào de Paço Vieira; com a differença de que.s. ex.as se referiram á região do Douro e eu refiro-me ao districto de Vianna do Castello, cujo circulo plurinominal tenho a honra de representar nesta casa.

É relativamente ao transporto gratuito pelas linhas ferreas de todos os adubos agricolas, do enxofre, de machinas e de instrumentos de lavoura e de tudo em fim que se relaciona com a agricultura; ou pelo menos a reducção a metade nas actuaes tarifas.

Como v. exa. sabe, e muito bem o disse o sr. barão do Paço Vieira, por portaria de 21 de dezembro de 1888, referendada pelo então ministro das obras publicas sr. Emygdio Navarro, foi concedido um bonus para o transporte nas linhas ferreas de alguns productos agricolas.

Este bonus consistia na reducção de 60 por cento nas linhas do estado e de 40 por cento nas linhas particulares, indemnisando o governo as emprezas destas ultimas linhas por esta differença.

Eu peço ao governo que attenda a este meu pedido; e se for attendido, como espero, os poderes publicos terão prestado, sem duvida, um grande auxilio á lavoura d'aquelle importante districto do norte.

Peço licença a v. exa. e á camara para ler uma nota que tenho presente, que mo foi enviada da liga dos lavradores de Vianna.

Diz assim:

«Os adubos artificiaes ou o guano são indispensáveis para augmentar a producção que, por effeito do depauperamento do solo, se tem tornado menor de anuo para anno; e os ensaios que se têem feito, em diversas localidades, fazem acreditar que o seu emprego augmenturá progressivamente, logo que os lavradores possam adquirir aquelles generos por um preço commodo.»

«É importante o consumo do enxofre e o seu custo é sensivelmente aggravado pelas despezas de transporte.»

N'estas condições chamo a attenção do governo para este assumpto tão importante, o espero que o illustre ministro das obras publicas, no louvavel intento em que está de favorecer a agricultura nacional, não deixará de attender este meu pedido, pois que é de toda a justiça, e desejo que essa benéfica providencia se realise com a maior brevidade possivel.

Já que estou com a palavra, permitta-me v. exa., sr. presidente, que eu aproveite este ensejo para dizer que, apesar de ser proprietário no norte do paiz, votei o addicional de 6 por cento a que o governo se viu na urgente necessidade de recorrer. (Apoiados.)

Devo declarar n'esta occasião que não sympathiso nada, absolutamente nada, com o augmento do impostos, e creio que nesta opinião está toda a gente, (Apoiados.) mas não posso deixar de justificar o procedimento do governo na presente conjunctura difficil em que tem estado desde que subiu ao poder. (Apoiados.)

Estou bem certo de que não foi por gosto que o illustre ministro da fazenda recorreu a este imposto. (Apoiados.)

Estou tambem inteiramente convencido, para isso bastavam os dois magnificos discursos proferidos sobre o assumpto nesta casa por s. exa. cujos argumentos poderosos não poderam ser distruidos, que os encargos deixados pela gerencia do ministerio transacto 6 que forçaram o governo a pedir este sacrifício ao paiz. (Apoiados.)

O sr. Cancella: - Não apoiado.

O Orador: - Isso é modo de ver as cousas.

Desejaria antes, sr. presidente, que o equilibrio do orça-ihonto se realizasse com a reducção das despezas, como já se tem feito em alguns paizes; mas a meu ver, e como a camara comprehende bem, n'esta occasião critica, não era a melhor para reduzir as despezas, porque isso ia ferir susceptibilidades, prejudicar interesses adquiridos e offender direitos creados. (Apoiados.)

Por estas rasões, e n'estas circumstancias, votei o addicional de 6 por cento, porque julgo que de todos os impostos e o mais suave, e por isso não levantará attrictos nem difficuldades, e por ser o mais productivo, por isso que não são precisas despezas para a sua cobrança.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Transmittirei ao sr. ministro do reino as considerações que acaba de fazer o illustre deputado o sr. Marcellino de Mesquita sobre a conveniencia de se diffundir, neste momento, o conhecimento do útil livro a que s. exa. se referiu.

Eu, prestando homenagem, não só ao talento de s. exa., mas aos seus conhecimentos especiaes no assumpto a que se referiu, tenho o prazer de dizer ao illustre deputado e a todos os membros d'esta camara, que o sr. ministro do reino attende a tudo quanto diz respeito á saúde publica com o maior cuidado e solicitude.

Respondendo agora ao sr. Alpoim de Menezes, direi que o sr. ministro das obras publicas tem sempre advogado os interesses da agricultura e pugnado pelo seu desenvolvimento e prosperidade, e por conseguinte, elle receberá com muito agrado todos as indicações que lhe sejam feitas a similhante respeito.

Transmittirei ao meu collega as considerações do illustre deputado, certo de que elle as tomará em attenção.

Devo agradecer ao illustre deputado o voto que deu á proposta relativa ao addicional de 6 por cento por mira apresentada, proposta que me parece devia ser votada por todos, e muito principalmente por aquelles que pertencem a um partido que alem de muitos outros impostos, lançou um addicional sobre os districtos, o que fez com que a propriedade rural pagasse quantia mais onerosa do que o addicional que se pede para o thesouro. (Apoiados.)

(S. exa. não reviu.)

O sr. Ressano Garcia: - Desejo referir-me a um assumpto que corre pelo ministerio do reino. Vejo que não está presente o sr. presidente do conselho e ministro do reino, mas como o negocio é urgente peço ao sr. ministro da fazenda que se digne transmittir ao seu collega o que vou dizer.

Conforme o seu compromisso, a irmandade da misericordia de Cintra deve amanhã proceder á eleição da mesa, mas o administrador do concelho chamou os mesarios e emprazou-os a não procederem á eleição nesse dia, sob pena do se impor pela força.

Eu desejava perguntar ao sr. ministro do reino se tinha conhecimento d'este facto e que providencias tencionava tomar para não permittir o abuso d'aquella auctoridade, que impede a irmandade de proceder amanhã á eleição.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Não tenho conhecimento do assumpto a que s. exa. se referiu, mas não posso deixar de dizer que, até haver provas do contrario, entendo que as auctoridades procedem em harmonia com as leis.

Como, porém, o assumpto é urgente, eu não tenho duvida em transmittir ainda hoje ao meu collega as considerações apresentadas pelo illustre deputado.

E sempre com o fim principal de que tenham consequencias praticas os pedidos dos srs. deputados e de que não haja discussões estereis e sem alcance, eu lembrava a v. exa. sr. presidente, que se podia estabelecer ou introduzir na camara dos senhores deputados a pratica que está estabelecida na camara dos dignos pares, que é transmittir pela mesa aos membros do governo as perguntas ou

Página 1187

SESSÃO DE 12 DE JULHO DE 1890 1187

assumptos para os quaes se chamou a attenção do governo.

Por esta forma havia a certeza de que o ministro ficava avisado da pergunta que se lhe queira fazer, porque os ministros nem sempre se encontram â noite uns com os outros, e por esta fórma tambem qualquer membro do governo tendo conhecimento de um facto que demandava providencias urgentes, podia desde logo tomar as medidas que julgasse convenientes. Se isto se fizer, parece-me que os desejos dos srs. deputados serão mais fáceis de cumprir, o obsta-se a que os ministros que estão na camara, tenham constantemente de se levantar para dizer que hão de avisar os seus collegas, das perguntas que se lhe querem fazer.

Desejava que v. exa. condescendesse com este alvitres

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Vou dar ordem á secretaria para que por parte da mesa se communique aos srs. ministros quacsquer perguntas que lhes desejem dirigir os srs. deputados, antes da ordem do dia, conforme a indicação que acaba de ser feita pelo sr. ministro da fazenda e com que concordo plenamente.

A hora está muito adiantada e vae portanto passar-se á ordem do dia.

O sr. Eduardo Abreu: - Oh! sr. presidente, já com esta são cinco vezes que desejo usar da palavra antes da ordem do dia e vejo que ainda hoje me não chega o ensejo! Pedia a v. exa. que me concedesse a palavra porque prometto ser muito breve.

O sr. Presidente: - A hora está muito adiantada, portanto vae entrar-se na ordem do dia.

O sr. Eduardo Abreu: - Então nesse caso peço a v. exa. a bondade de prevenir o sr. ministro do reino de que desejo a sua comparencia n'esta casa, a fim de fazer-lhe algumas perguntas sobre um assumpto importante de de saude publica.

O sr. Baptista de Sousa: - Eu tambem faço igual com relação ao sr. ministro dos negocios estrangeiros.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 141, auctorisando o governo a adjudicar, em concurso publico, o exclusivo da fabricação dos tabacos, no continente do reino, actualmente na administração do estado, em harmonia com as bases que fazem parte desta lei e a ella vão annexas

O sr. Fuschini (sobre a ordem) (Discurso começado na sessão de 10, e concluido n'esta.): - A minha moção e a seguinte:

«A camara, entendendo que a experiencia incompleta da regie não fornece ainda elementos seguros e positivos para serem fixadas as bases do monopolio, resolve o addiamento da discussão do projecto para a legislatura de 1892, e passa á ordem do dia. = Augusto Fuschini.»

Esta moção me proponho sustentar perante o parlamento.

É possivel que para a desenvolver convenientemente, no meu ponto de vista, tenha de apresentar largas considerações, do que peço desculpa á camara.

Já disse e repito ainda, que as questões financeiras, como nos as tratâmos, envolvem, alem das difficuldades que lhes são proprias, as da exposição.

Nenhum dos meus collegas, que se têem occupado destes assumptos, ignora, quanto é difficil expor claramente raciocinios cheios de algarismos. Levou-me esta difficuldade a pedir, em tempo, que em certas discussões, se permitisse o uso da pedra e do giz; creio que foi recebida esta idéa com certa alegria, para não dizer com algum riso; pois, vem demonstrar á camara este projecto, que o meu pedido era rasoavel e a pedra quasi indispensável.

Antes de começar tenho de dirigir ao sr. relator ou ao sr. ministro algumas perguntas; qualquer d'estes illustres cavalheiros me pode responder cabalmente; se as faço, e porque me vejo na necessidade de pedir esclarecimentos sobre pontos, que me parecem obscuros, e nos quaes, segundo a minha interpretação, fundo os meus calculos.

A primeira pergunta, que deveria dirigir ao sr. relator, ou ao sr. ministro, já foi de antemão, em parte, respondida pela emenda apresentada pelo sr. relator da commissão. Refiro-me á questão de saber se os 10 por cento de dividendo, para o capital de laboração, são contados sobre esse capital, e portanto na importancia fixa de 300:000$000 reis, ou se recaem unica e simplesmente sobre a quantia liquidada para participação de beneficio.

O sr. relator esclareceu esta duvida; ficámos sabendo que os 10 por cento se referem á quantia fixa de reis 3.500:000$000.

Não occulto á camara que esta fixação, aliás por mim adoptada nos calculos, diminue consideravelmente a participação do beneficio para o estado, e póde modificar, tambem, a dos operarios, e do pessoal não operario.

Por isso, ácerca d'estes 10 por cento, ainda desejo pedir uma explicação ao sr. relator, tão somente para esclarecer bem o projecto e não deixar, se houver de ser approvado, a menor obscuridade para a futura interpretação do contrato.

Quando se attingir o limite de participação, (chamo limite de participação a somma alem da qual participam operários, pessoal não operário, etc., etc.) e se começam, portanto, a calcular as participações para operários, fundo de reserva, pessoal não operario e os 10 por cento para o capital fixo de 3.000:000$000 reis, e permiitido alterar a ordem das deducções e começar pela ultima, por exemplo?

O sr. Pedro Victor (relator): - V. exa. dá-me licença que responda?

O Orador: - Faz-me muito favor.

O sr. Pedro Victor (relator): - A maneira como o § 1.° da base 9.ª está redigido, a interpretação que o governo e a commissão lhes deram e taxativamente a seguinte: calculam-se os lucros da operação, que, como v. exa. sabe, e a differença entre a receita e a despeza, e sobre esses lucros entra-se no calculo com essas deducções, pela ordem que estão no projecto.

O Orador: - Perfeitamente esclarecido.

A segunda pergunta, que tenho a dirigir tambem ao sr. relator ou ao sr. ministro da fazenda, e a seguinte: diz a base 10.ª n.° 6, que durante os dezeseis annos terá o concessionario o direito de elevar, em media, o preço dos tabacos ate 20 por cento.

Como se deve entender esta auctorisação?

Levanta o concessionario o valor do preço da venda de cada marca, como entender e quizer, comtanto que no preço da venda total não augmente mais de 20 por cento?

Eu me explico. Supponhamos, que ha tres marcas A, B e C; a primeira marca tem um certo preço de venda; a segunda outro preço e a terceira tambem differente preço; devendo destes preços de venda, pelos processos arithmeticos conhecidos, deduzir-se o preço medio geral da venda, e claro que podemos levantar desigualmente os preços nas tres marcas, de modo que, se não exceda 20 por cento sobre o preço medio total. É assim que se deve interpretar o paragrapho?

O sr. Pedro Victor (relator): - Pela maneira como está redigido o projecto, a intenção do governo e da commissão e a seguinte: o concessionario não pode alterar os preços de venda das diversas marcas, que fabricar, de maneira que esse preço de ao preço geral de venda mais do 20 por cento por anno.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Não pode exceder durante dezeseis annos, o maximo de 20 por cento sobre o preço actual.

O Orador: - Mas se o concessionario quizer levantar logo no primeiro anno 20 por cento, pode fazel-o; logo são, durante dezeseis annos, 20 por cento em cada anno e não 20 por cento durante dezeseis annos.

70 *

Página 1188

1188 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Não quero referir-me desagradavelmente a alguem, exactamente porque reconheço que todos estamos sujeitos a errar e a escrever obscuramente.

Tambem eu erro e escrevo obscuramente muitas vezes; feita, pois, esta justa confissão, posso dizer que esta base está tão confusa que se presta a tres interpretações.

Interpretei-a, exactamente, como acabam de me explicar o sr. ministro e o sr. relator.

O concessionario tem o direito de levantar os preços nas marcas actuaes, sobre o preço de venda tambem actual, por fórma que este augmento não se reflicta no preço geral medio da venda em mais 20 por cento, e pode fazer isto desde o primeiro anno da concessão.

A ultima pergunta, que vou fazer ao illustre relator, talvez pareça não ter grande fundamento; todavia, nas explicações, que vou dar á camara, exporei a origem das minhas duvidas, que podem não o ser para outrem, mas que para mim têem importancia.

A camara sabe que na base 14.ª se prefixou o saldo positivo do balanço, no acto da entrega ao concessionário, em 2.700:000$000 reis, e se acrescenta pouco mais ou menos o seguinte: se o balanço rigoroso feito pela administração der quantia para mais ou para menos, que deve ser insignificante, como diz o sr. relator, será, no primeiro caso, esta entregue ao estado pelo concessionário e recebida por este do estado, no segundo caso.

Pergunto a v. exa. se o estado recebe do concessionário os 2.700:000$000 reis no acto da entrega das fabricas e dos saldos da regie?

O sr. Pedro Victor: - Não percebo bem a pergunta.

O Orador: - Pergunto se estes 2.700:000$000 reis, em que se calcula o saldo positivo dos valores, que passam para o concessionario, suo recebidos ou não pelo estado. Devo dizer francamente, pela exposição do relatorio de v. exa., parece-me que o estado os não recebe; mas fiquei com algumas duvidas sobre o assumpto, por isso peço esclarecimentos.

O sr. Pedro Viotor: - O que o estado recebe são 7.200:000$000 reis e a renda fixa; mais nada.

O Orador: - Bem. Fica tambem assente que o estado não recebe por esta operação senão a quantia de reis 7.200:000$000, e mais uma renda fixa annual de reis 4.250:000$000, ou a que a licitação produzir, durante dezeseis annos.

Effectivamcnte, e essa a interpretação rigorosa das palavras do relatorio e do projecto.

Eu tinha algumas duvidas e vou dizer á camara ligeiramente quaes eram, e porque me fizeram vacilar. No digo que tenham grande valor, mas sempre e bom expol-as.

Escreve a commissão no seu relatorio as seguintes phrases: fixou-se em 3.500:000$000 reis o capital, que a proposta do governo considera como de laboração, por se suppor que o concessionario precisa de 800:000$000 reis de capital circulante, que juntos a 2.700:000$000 reis de valoras existentes na administração da regie, perfazem o capital indispensavel para o seu giro.

Deve, pois, observar-se que este capital de laboração e constituído por estes dois elementos:

1.º Capital circulante .... 800:000$000
2.° Valores existentes na administração .... 2.700:000$000
3.500:000$000

e que o projecto lhe attribue 10 por cento para dividendo.

Emquanto á primeira parcella, se para capital circulante for necessaria tão grande quantia, é claro que, constituindo um encargo para o concessionario, justo parece conceder-lhe o respectivo dividendo.

Emquanto á segunda, a questão varia do aspecto, como vou expor.

Os valores existentes na administração, avaliados na base 14.ª em 2.700:000$000 réis approximadamente, serão constituídos pelos seguintes elementos:

Valor dos predios e fabricas.

Valor dos machinismos.

Valor dos tabacos em rama.

Valor dos tabacos manipulados.

Valor dos tabacos em manipulação.

Saldos em dinheiro de varias procedencias.

Ora digo eu: se o concessionário recebe estes valores e saldos, não entregando ao estado a somma total que os representa, porque motivo lhe vamos garantir 10 por cento sobre elles?

Não me parece regular que o estado lhe entregue as suas fabricas e machinismos, e ainda por cima 10 por cento aunuaes sobre um valor, que o concessionário usufruo e não desembolsa.

Que o concessionario pagasse uma renda por esse usufructo, comprehendia-se; que os usufruisse gratuitamente seria ainda rasoavel; mas que os usufrua e o estado lhe pague ainda uma renda animal parece-me inadmissivel.

Vejamos agora as sommas, que correspondem aos tabacos em rama, manipulados e em via de manipulação, no acto da posse ao concessionario. Que o concessionário os recebesse por um certo e determinado valor, comprehende-se; mas que esse valor continue durante dezeseis annos a receber o dividendo de 10 por cento, custa a admittir.

Se subtrahirmos dos 2.700:000$000 réis as verbas precedentes, sejam quaes forem os seus valores, a differença representa saldos em dinheiro. Pois, o estado ha de entregar sommas mais ou menos importantes ao concessionario, que d'ellas se servirá até para constituir o seu capital circulante, e ficará garantindo 10 por cento, no periodo de dezeseis annos, a essas sommas, que elle mesmo entregou?
Parece-me absurdo.

A estas duvidas veiu juntar-se ainda outra que, a meu ver, as fortalecia. Lê-se na base 21.ª do projecto: as fabricas, utensilios, machinismos, depositos de materias primas em ser e em via de manipulação, passarão para o estado, ou para o futuro concessionario, no dia em que findar o praso da concessão, e serão EXPROPRIADAS POR UTILIDADE PUBLICA, conforme as avaliações, feitas por peritos, a que se proceder.

Se o concessionario recebe durante o periodo da concessão 10 por cento annuaes sobre a somma de reis 2.700:000$000, se no fim da concessão e expropriado dos valores, que actualmente representam uma parte importante d'esta somma, pareceu-me d'aqui dever inferir-se que o estado no começo da exploração do monopolio tinha de receber esta somma; aliás chegariamos a conclusões que julguei absurdas.

Assim, por exemplo, em relação aos edificios, machinismos, e utensilios avaliados em cerca de 829:000$000 reis no ultimo relatorio da regie, o concessionario recebel-os-ía em plena propriedade, mais 10 por cento annuaes sobre esta somma, ou 82:900$000 reis annuaes durante dezeseis annos, e no fim seria embolsado dos valores, que lhe arbitrasse a expropriação!

Identicos raciocinios se podem fazer, com ligeiras alterações, em relação ás materias primas em ser e em via de manipulação.

Não haverá n'este caso uma duplicação de pagamento? Por um lado, abona-se ao concessionario 10 por cento sobre um valor que não desembolsou; por outro, garante-se-lhe, no fim do contrato, a expropriação desse mesmo valor, aliás já amortisado pelo dividendo annual!

Parecem-me estas duvidas fundadas, mas ha ainda alguma cousa mais.

Admittamos que o concessionario carece de 800:000$000 reis para capital circulante; confesso ignorar se esta verba e ou não exagerada.

Página 1189

SESSÃO DE 12 DE JULHO DE 1890 1189

Se a foi procurar aos seus proprios recursos o juro correspondente na taxa de 10 por cento é justamente remunerador; pode ser, porem, que o concessionario a encontre disponivel nos saldos, que recebeu da régie, e, sendo assim o capital circulante devia, a meu ver; ser eliminado para o computo do dividendo.

Vou explicar o meu raciocinio: admittamos que o saldo, ou differença entre o activo e o passivo, da régie no acto da posse do concessionario, calculado em 2.700:000$000 reis, se decompõe pela seguinte fórma:

Edificios, machinismos e utensilios .... 829:000$000
Tabaco em rama (2.000:000 de kilos a 350 réis) .... 700:000$000
Tabaco manipulado (500:000 kilogrammas a 32 por cento de 3$451 reis) .... 552:000$000
Tabaco em via de manipulação .... 250:000$000
Total das parcellas .... 2.331:000$000
Valores existentes segundo o balanço .... 2.700$000$000
Saldo em dinheiro (differença) .... 369:000$000

N'esta hypothese, o concessionario receberia em dinheiro a somma de 369:000$000 réis, que certamente subirá a 400:000$000 reis, visto que dei elevado preço ao tabaco era rama.

Recebendo metade do capital circulante do estado, parecia-me regular que, ao menos, n'esta quantia (ou na que realmente se apurasse se devia diminuir a cifra do capital circulante; assim o dividendo garantido seria menor em quantia assas attendivel, perto de 40:000$000 réis.

Confesso a v. exa. que estes artificios e estas duplicações me repugnam.

Bem sei eu, todavia, que as vantagens e os encargos do concessionario não podem ser apreciados isoladamente. É necessario avaliai os no conjuncto, pondo em equação, como se diz em mathetnatica, todos os elementos para determinar a resolução final, a era esta, que nos levará ao espirito a convicção da conveniencia, ou inconveniencia, da operação.

Se me tenho demorado mais nos meus preliminares e pela necessidade de obter esclarecimentos.

Não quero melindrar alguem, e muito menos, em discussão d'esta natureza, dois homens de quem sou amigo; mas permitta-me a camara que antes de ser amigo, seja deputado da nação, que antes de ser simples cidadão, seja representante de uma fracção da opinião publica, para dizer a verdade, sem deixar o menor vislumbre de ressentimento no espirito de qualquer de s. exas.

Poucas vezes tenho visto, um projecto com disposições tão numerosas, mais obscuramente elaborado, quer na disposição das bases, quer na propria redacção. (Apoiados.)

É singular (proposito não o foi certamente) que não se agrupassem as disposições, que dizem respeito às questões financeiras e às questões dos operarios; pois, este projecto está bem definido por duas faces: a social e a financeira.

Um exemplo apenas. A base 21.ª do projecto diz:

«No caso de continuar o regimen do exclusivo, quer na administração do estado, quer de particulares, o pessoal operario e não operario actualmente ao serviço da administração geral dos tabacos, que existir n'esta data, continuará a gosar das vantagens, que lhe confere esta lei.»

Quem lê isto, imagina que o resto se refere a questões sociaes. Pois não e assim. Logo abaixo, sem nenhuma solução de continuidade, nem paragrapho novo ao menos, segue esta disposição: as fabricas, utensilios, machinismos, depositos de materias primas... serão expropriados por utilidade publica.

Sr. presidente, as relações entre um assumpto e outro são realmente tão insignificantes, que não me parece que devessem estas duas disposições estar assim classificadas.

D'esta fórma, o trabalho de investigação e difficilimo; mais uma vez affirmo ser necessario que os projectos venham, preparados de maneira, que os deputados não tenham de fazer um arduo trabalho de investigação ate nas disposições dos artigos e paragraphos. (Apoiados.)

Isto posto, sr. presidente, o projecto tem de ser estudado sob dois pontos de vista: o financeiro e o social, ou, deixe-me a camara dizer a palavra com o maior prazer, socialista.

Vou, pois, estudar em primeiro logar a organisação financeira do projecto. De antemão declaro á camara que, se apreciasse uma a uma as bases deste projecto isoladamente, as deducções assim obtidas, sem as relacionar, não dariam idéa exacta e completa do assumpto.

As variadas disposições do projecto completam-se, são como um systema de forças, que têem uma resultante unica, que e necessario determinar.

O que acabo de expor á camara parece um grave encargo para o thesouro; póde sel-o, ou não o ser, conforme a acção reciproca e de correcção de todos os elementos do projecto considerados conjunctamente.

Para mim a questão põe-se de uma fórma geral no seguinte enunciado: o concessionario é o intermediario de um emprestimo de 7.200:000$000 reis a quem pelo facto de prestar, este serviço, que evita o recurso directo ao credito, talvez perigoso n'este momento, o estado recompensa com a exploração do monopolio durante dezeseis annos.

Este systema de deslocar a responsabilidade e os perigos do uma operação pode ser aconselhado politicamente; resta saber se financeiramente e defensavel.

De resto, o systema não é novo, nem pela primeira vez adoptado no nosso paiz. O sr. Marianno de Carvalho tentou empregal-o varias vezes e numa teve successo parlamentar: na adjudicação da exploração commercial do porto de Leixões, hoje auctorisada por lei.

Para a adjudicação da exploração dos caminhos de ferro do sul e sueste e do Minho e Douro as propostas fundavam-se no mesmo systema financeiro; não foram, porem, discutidas.

Se bem me recorda, o sr. Franco Castello Branco verberou ardentemente este expediente financeiro; eu, porem, comquanto não sympatliise com elle, disse então, e repito hoje, que pode ser acceitavel, ou não, conforme os encargos finaes da operação.

São estes encargos, que me proponho determinar com approximação rasoavel. Isto me basta; porque, se pretendesse entrar em minuciosos cálculos, o meu estudo ganharia talvez em profundidade, mas perderia, sem duvida, em clareza. Ora, nos trabalhâmos para o publico em geral e não para academias.

O meu trabalho limitar se-ha, pois, a definir os largos lineamentos da questão, a determinar, por assim dizer, o minimo dos ganhos do estado e do concessionario; as conclusões obtidas para este caso terão maior força para hypotheses superiores.

Exposto o methodo de estudo, que me parece indescutivel, resta desenvolvel-o o mais succintamente que poder.

Considerados os principaes elementos das bases, o estado obterá as seguintes vantagens:

1.° A somma de 7.200:000$000 reis em moeda corrente, (base 5.ª n.° 2) recebida no principio da concessão e amortisada no fim d'ella, mediante a annuidade de 664:560$000 reis.

Esta annuidade, que, segundo veremos, o concessionario descontará nos lucros liquidos, representa o juro e a amortisação d'este emprestimo na taxa de 5 por cento, durante dezeseis annos.

Se os lucros liquidos permittirem o desconto completo d'esta annuidade, o concessionario não será mais do que um intermediário n'esta operação de credito.

2.° O pagamento em prestações mensaes de uma renda fixa annual por espaço de dezeseis annos (base 5.ª n.º 2).

Página 1190

1190 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Esta renda é fixada no minimo de 4.250:000$000 réis, salva a elevação que póde dar-lhe o concurso, que precede a adjudicação do monopolio.

3.° A participação em metade dos lucros liquidos do concessionario, depois de realisadas certas deducções (base 9.ª n.° 1).

A camara é muito illustrada e conhece bem o projecto; todavia, desculpar-me-ha se eu explicar bem claramente o mechanismo d'esta participação. Dos lucros annuaes do fabrico, isto 6, do saldo entre o producto da venda e as despezas de producção, deduzir-se-ha:

A somma da renda fixa annual, que o projecto fixa no minimo de 4.250:000$000 réis, mas que a licitação póde elevar a verba superior.

A annuidade correspondente á somma de 7.200:000$000 réis, isto é, 665:000$000 réis em numeros redondos.

Do saldo d'estas operações, se o houver, deduzir-se-ha pela seguinte ordem:

5 por cento para fundo de reserva, que pertence ao concessionario.

5 por cento para o pessoal operario, somma que constituirá a participação de beneficio annualmente dividida pelos operarios, segundo certas e determinadas regras.

1 por cento para os empregados (pessoal não operario) participação de beneficio nos termos da anterior.

A quantia fixa de 350:000$000 réis, correspondente a 10 por cento do capital de Liberação (3.000:000$000 réis).

O remanescente, se o houver, será igualmente repartido entre o estado e o concessionario.

As tabellas, que mais adiante apresentarei á camara, exemplificam este mechanismo, aliás facil de comprehender.

Pela sua parte o concessionario tirará as seguintes vantagens:

Usufructo da concessão durante dezeseis annos (base 10.ª n.° 1).

Importação livre de direitos das materias primas, mechanismos e accessorios, excepto papel (base 10.ª n.° 2).

Importancia dos direitos de importação, cobrados pelo estado, sobre tabacos estrangeiros manipulados (base 10.ª n.° 4).

Elevação facultativa do preço medio de venda até 20 por conto sobre o actual (base 10.ª n.° 7).

Compra dos tabacos manipulados, no acto da posse, por 68 por cento menos do seu preço actual, isto é, por 32 por cento d'este preço, (base 14.ª n.° 10).

Venda ao estado, no fim do contrato, pelo menos de 1:500 toneladas de tabaco manipulado, pelo preço de venda que então tiver, descontados 15 por cento (base 9.ª n.° 5).

Fundo de reserva, constituido pela forma indicada antecedentemente (base 9.ª n.° 1).

Dividendo do capital de laboração, fixado em réis 3.500:000$000 (base 9.ª n.° 1 e emenda do relator).

Valor da expropriação das fabricas, utensilios e machinismos, depositos de materias primas em ser e em manipulação no fim da concessão (base 21.ª).

São estas as vantagens principaes, que por um lado o projecto concede ao estado e por outro ao concessionario.

O meu systema está indicado. Consiste em chegar por hypotheses acceitaveis a determinar o valor e as relações numericas d'estas vantagens.

Se a camara se recorda bem, citei para o estado em primeiro logar o emprestimo de 7.200:000$000 réis, e depois a renda fixa. Logo a verba importante que lhe póde advir ainda do monopolio, e que nos falta calcular, é a participação de beneficies.

Se por qualquer systema, ou hypothese admissivel, fixar esta participação de beneficio terei claramente definido as vantagens do monopolio para o estado.

Como o projecto de lei permitte ao concessionario elevar o preço medio actual de 20 por cento, a questão tem de ser estudada em dois casos:

1.° Conservando o preço medio actual de venda;

2.° Elevando este preço de 20 por cento.

É claro que dentro d'estes dois limites se ha de mover o interesse do estado e o do concessionario.

Vamos, portanto, ao caso do concessionario não elevar o preço medio actual.

Supporei que o monopolio começa a vigorar em 1890; sendo assim, é preciso calcular o rendimento inicial d'este anno, porque, calculado que soja, admittindo a hypothese de um augmento annual regular, temos já uma parte da questão resolvida. Ora, natural é que vamos procurar a régie o valor, em que devemos fixar o rendimento inicial de 1890, primeiro do monopolio.

Sr. presidente, faltando ha dias n'esta camara ácerca das graves difficuldades, com que deve ter luctado a regio para se constituir, não imaginava que fossem de tal natureza, e podessem por tal fórma accentuar a diminuição nos reditos d'aquella instituição!

Peço ao sr. ministro da fazenda que mande distribuir immediatamente pela camara o excellente relatorio (Apoiados.) faça-se justiça a quem a merece, apresentado ao mesmo sr. ministro pelo sr. Oliveira Martins, relatorio que tenho presente.

O sr. Ressano Garcia: - A lei manda-o distribuir ao parlamento.

O Orador: - Não sei se a lei assim o determina. Digo, porém, que é indispensavel n'este momento e para esta discussão, que este documento seja distribuido! (Apoiados.)

Sabendo, como sei, o desejo intimo e louvavel, que o sr. ministro da fazenda tem de ver correr proficuamente esta discussão, mantenho a plena certeza de que s. exa. o vae mandar distribuir; mais ainda, que o dará, nos limites do possivel, a quem o pedir, seja deputado, ou simples cidadão portuguez.

Pois, sr. presidente, as difficuldades da instituição da régie foram de uma ordem, que não suppuz, nem podia imaginar!

Comprehende s. exa. que, passando-se do chamado regimen da liberdade, em que só havia liberdade para explorar as classes operarias (Apoiados), para a régie, se haviam de manifestar graves difficuldades de installação; mas o que a camara não conhece, e o que ella e o paiz devem saber, são os enormes e fabulosos preços, por que as fabricas venderam ao estado os seus tabacos em rama, e os subterfugios e sophismas, que empregaram, para caírem como corvos esfomeados sobre a fazenda publica! (Apoiados.)

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Eu já conheço o bastante.

O Orador: - Vou ler alguns periodos do relatorio do sr. Oliveira Martins, para que a camara veja as difficuldades, com que a régie luctou em 1888 e 1889, não só aquellas que são naturalmente inherentes á primeira installação; mas as herdadas e impostas pelas liquidações das fabricas.

Leiam-se a pagina 15 e seguintes d'este relatorio, para que chamo a attenção dos meus collegas, e ver-se-ha o que diz o sr. Oliveira Martins, ácerca do preço por que foi recebido das fabricas o tabaco em rama e sobretudo o dos recambios e das tomadias.

As monstruosas explorações da fazenda publica foram de tal ordem, que, a meu ver, chegam a constituir um crime.

Sinto que certos homens não possam fallar sobre este assumpto, reconheço, quasi, esse dever de silencio; mas lamento o facto, porque queria ver exposto completamente o sudario, de que apenas vou levantar uma ponta, de operações, que não posso classificar agora. Outrem, que não a camara, podia classifical-os; os tribunaes criminaes.

Ouçamos o sr. Oliveira Martins. Bem sei que posso ferir a modestia do meu illustre collega, mas não tenho remedio senão citar o nome do auctor do relatorio.

(Leu.)

Não quero occupar por mais tempo a attenção da camara com leituras, que os meus collegas podem completar.

O sr. Oliveira Martins, apresentando um quadro do pre-

Página 1191

SESSÃO DE 12 DE JULHO DE 1890 1191

ço, pelos quaes a regie recebeu das fabricas o tabaco - isto tem importancia para o fim a que desejo chegar - demonstra que o preço exageradissimo do tabaco em rama, dos recambies e das tomadias, recebidos das fabricas, produziu uma diminuição de rendimento de mais de 500:000$000 réis no anno de 1888-1889.

O que devemos fazer? Sabendo que sobre o rendimento da régie influiram circumstancias de varias ordens, que o diminuiram consideravelmente, havemos de tomar, porventura, o rendimento accusado n'aquelle anno, ou entrar em linha de conta com essas causas, que, aliás e felizmente, desappareceram? (Apoiados.)

Segundo o relatorio, o producto liquido da régie, comprehendendo os direitos aduaneiros sobre o tabaco estrangeiro manipulado, foi de 3.823:000$000 réis no anno de 1888-1889. Basta attender a camara ao que acabo de dizer, basta ter ouvido ler o documento, que extractei, para concluir que 3.823:000$000 réis com 500:000$000 réis, em que o sr. Oliveira Martins calculou o desfalque pelas condições detestaveis, em que a régie começou a exploração, dão mais de 4.300:000$000 contos.

Vou ler muito devagar os meus algarismos para que d'elles se possa tomar nota. Cheguei até a vacillar dos meus proprios calculos, taes são os resultados a que tenho de chegar. O methodo que emprego é, todavia, absolutamente verdadeiro. A questão não póde ser estudada de outra fórma. Posso ter errado nos algarismos, não ter entrado em linha de conta com todos os elementos; mas o methodo, que emprego, é o unico, pelo qual póde ser estudada a questão.

A régie vendeu em 1888-1889 cerca de 2.000 000 kilogrammas de tabaco manipulado. O preço medio da venda foi de 3$451 réis por kilogramma.

N'estas condições, a régie recebeu cerca de 6.902:000$000 réis.

Esta somma, porém, representa a receita bruta, da qual ha a subtrahir as verbas correspondentes a despezas da producção e venda.

O preço do tabaco em rama, segundo as affirmações da administração da régie, tendo em vista os encargos dos recambios, não póde em caso algum ser superior a 360 réis por kilogramma, ora sabemos que 0,9 da materia prima produzem 1 de tabaco manipulado; portanto, na hypothese d'este preço aliás elevado, porque no anno corrente o custo da materia prima chegou a ser de 334 réis, a quota da materia prima por kilogramma de tabaco manipulado será de 324 réis, no maximo.

A quota de fabrico, isto é, a despeza media com os salarios dos operarios, ordenados dos empregados, fretes, transportes, quebras, reparações de edificios, etc. etc., é fixada em 487 réis por kilogramma produzido.

Esta quota merece algumas considerações especiaes, que a seu tempo farei; por emquanto, porém, admittil-a-hei sem discussão como um maximo.

Temos finalmente a quota de venda, isto é, o premio concedido aos vendedores, que é variavel; mas que póde computar-se actualmente em pouco mais de 15 por cento sobre o preço liquido de venda, ou seja 527 réis por kilogramma.

Tambem sobre esta quota terei que fazer mais tarde algumas observações.

Reunindo estes tres elementos, porque se alguns faltam a attender, taes como as despezas da administração superior, os encargos relativos quasi são insensiveis, divididos pela enorme quantidade da venda, teremos:
Quota da materia prima .... 5324
» do fabrico .... $487 $811
» da venda .... $527
1$338

os encargos totaes de producção e venda representarão, n'este caso, 2.676:000$000 réis.

Isto é, o rendimento da régie, em 1888-1S89, em emdições normaes e sem augmento de preços, admittidas as quotas acima citadas, deveria ter sido para a venda de 2.000:000 de kilogrammas:

Producto bruto da venda .... 6.902:000$000
Despezas de producção e venda .... 2.676:000$000
Rendimento liquido .... 4.226:000$000

A este rendimento teremos de addicionar os direitos sobre tabacos estrangeiros manipulados, que renderam em 1888-1889 a somma de 162:000$000 réis approximadamente.

Em condições normaes, repito, fóra da influencia dos graves encargos legados pelas antigas fabricas, eliminadas as difficuldades da primeira installação, sempre dispendiosa e complexa em instituições d'esta natureza, a régie devia
Render .... 4.388:000$000
ou, em numeros redondos .... 4.400:000$000

Póde parecer á camara exagerado este rendimento inicial para 1890? Não me parece.

Attenda a camara, em primeiro logar, a que este calculo é para 1888-1889 e que para 1890 ha, portanto, mais anno e meio, em que augmenta o consumo; em segundo logar; considere que a quota de fabrico foi calculada em 487 réis; ora, hei de demonstrar á camara em occasião opportuna que o novo concessionario póde em breve diminuir consideravelmente esta quota de fabrico, tirando daqui enormissimos resultados. (Muitos apoiados da esquerda.)

Sr. presidente, sem entrar em minucias, para dar á camara idéa de como a quota de fabrico fixada em 487 réis por kilogramma, deve diminuir, basta que se attenda ás seguintes considerações.

Vão entrar no monopolio, se o projecto for approvado, 4:500 a 5:000 operarios, que felizmente ficam com as garantias actuaes, salvo algumas disposições que é conveniente ainda exarar na lei e serão motivo de propostas minhas. A camara sabe que esta industria é perigosa, anti-hygienica, insalubre, isto é, que a mortalidade é grande n'aquella classe; o praso de dezeseis annos ha de fazer desapparecer milhares de vidas. Ora, basta, que se substituam os operarios actuaes por operarios novos, em condições differentes, e principalmente pelas machinas, para descer esta quota de fabrico a cifra muito inferior.

Fallarei n'isto a seu tempo.

Não me parece tambem elevado este rendimento inicial por outra rasão.

Note a camara, no celebra regimen da liberdade eram conhecidas as adulterações de qualidade e as fraudes do peso do tabaco; ora, se isto acontecia quando havia ainda a correcção da concorrencia entre as fabricas, (Apoiados.) o que será, quando existir um só monopolista, quando houver um só explorador da industria, (Apoiados.) que não tem a lucta da concorrencia? Estas fraudes da qualidade e do peso hão de dar largamente para cobrir quaesquer deficits. (Apoiados.)

Lembre-se a camara do que eu disse n'esta tribuna em 1888 perante o paiz; porque não terno dizer a verdade, embora tenha em frente de mim uma classe, ou uma coterie, rica e poderosa. (Apoiados.)

Eram enormes as fraudes commettidas pelas fabricas no regimen da liberdade? Pois, muito maiores serão com o monopolio, se o projecto for votado. (Apoiados.)

Calculado, e parece-mo que muito modestamente, o rendimento inicial, resta attender ao crescimento do consumo no largo periodo de dezeseis annos.

A régie franceza em doze annos accusa um crescimento de 18 por cento sobre o rendimento do primeiro anno, isto é, em media annual 1,63 por cento.

Consultando as estatisticas nacionaes, vê-se igualmente

Página 1192

1192 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

que a importação do tabaco em rama foi nos seguintes annos:

[Ver tabela na imagem]

1865 ....
1866 ....
1867 ....
1868 ....
1869 ....
1870 ....
1871 ....
1872 ....
1873 ....
1874 ....
1875 ....
1876 ....
1877 ....
1878 ....
1879 ....
1880 ....
1881 ....
1882 ....
1883 ....
1884 ....
1885 ....
1886 ....
1887 ....
1888 ....
1889 ....

O crescimento desde o começo do regimen da liberdade em 1864, até ao passado annos tem sido importantissimo.

Tomando a media dos cinco primeiros annos e a media dos cinco ultimos, os resultados são os seguintes:

Kilogrammas

No primeiro periodo, importação media .... 1.477:000
No segundo periodo, importação media .... 2.083:000
Crescimento em 20 annos .... 606:000

isto é, apesar da elevação consideravel dos direitos n'este periodo, o crescimento medio annual foi de 32:000 kilogrammas, ou seja, mais de 2 por cento da quantidade inicial.

Não tomarei numeros tão elevados e contentar-me-hei com o augmento modesto de cerca de 1 por cento.

Com estes elementos, podemos organisar um quadro dos rendimentos do monopolio, conservados os preços actuaes. Não ha senão esta fórma, um pouco geometrica, se quizerem, para dar ao espirito uma idéa do phenomeno, visto que escapam á melhor previsão humana as variações accidentaes de anno para anno.

Desde o momento em que possuo estes elementos, falta-me apenas calcular o stock, recebido pelo concessionario, e o stock, que este deve entregar, no fim da concessão.

É o que vou fazer; e chamo para este ponto a attenção dos meus illustres collegas.

Do relatorio e das contas da régie obtem-se, como existindo em deposito no fim de junho de 1889 em tabacos manipulados, que não foram vendidos, cerca de 230:000 kilogrammas.

Como sabemos que, era virtude da garantia do dia de trabalho e de outras vantagens concedidas aos manipuladores, a régie lucta com a difficuldade de um excesso de producção sobre o consumo, excesso que póde chegar a 249:000 kilogrammas, segundo o relatório respectivo, podemos admittir que nos fins do corrente anno o stock, ou existencia do tabaco manipulado, deve andar por 500:000 kilogrammas, ou 500 toneladas metricas.

Ora, a base 14.ª n.° 10 manda entregar ao concessionario este tabaco, não pelo preço de venda, nem era isto regular, mas por este preço menos 68 por cento.

Como 63 por cento do 3$451 réis, preço medio da venda actual, são 2$347 réis, segue-se que o concessionario obterá este stock por

500:000 kilogrammas X 1$104 = 552:000$000 réis

Não sei como se fixou este preço da compra em 32 por cento do preço medio da venda actual; o que me parece, porém, rasoavel, é que corresponda á quota da materia prima e a do fabrico, as quaes o estado realmente desembolsou, visto que a valorisação do tabaco só tem logar pela venda ao consumidor, descontada ainda a quota de venda ou percentagens concedidas aos intermediarios revendedores.

Sobre estes tabacos o concessionario terá o beneficio de

500:000 X 2$347 = 1.173:500$000 réis

captivos da quota de venda, que, conservando-se a mesma da actualidade (527 réis) monta a somma de 263:500$000 réis, isto é, o beneficio liquido para o concessionario é de 910:000$000 réis.

Parece-me justa esta disposição.

É claro que, se o concedsionnrio recebesse no primeiro anno este tabaco pelo preço da venda, nada ganhava sobre elle; trabalhava de balde um certo tempo, isto é, deveriamos tomar por base do calculo no primeiro anno da concessão, não 4.400:000$000 réis, mas esta somma menos 910:000$000 réis.

O que se faz ao concessionario é garantir-lhe no primeiro anno todo o rendimento inicial, que eu calculo em 4.400:000$000 réis. Até aqui é tudo perfeitamente regular. Mas agora vamos ao fim de contrato. No fim da concessão o estado ha de receber pelo menos, note a camara que o projecto diz pelo menos, 1:500 toneladas metricas de tabaco manipulado pelo preço da venda menos 15 por cento.

Ora, de duas uma: ou o preço de venda é o actual, isto é, 3$451 réis; ou é o actual mais 20 por cento, isto é, 4$141 réis.

Admittamos, por um momento, que é o primeiro; n'este caso o preço da acquisição será:

3$451 - 518 = 2$933

isto é, as pelo menos 1:500 toneladas custaram ao estado, pelo menos 4.399:500$000 réis.

Não e este, effectivamente, o ganho do concessionario, visto que elle gastou na producção as quotas de materia prima e a de fabrico; suppondo, portanto, que estas se conservam as actuaes, isto é:

Quota de materia prima .... 350 réis
Quota de fabrico .... 487 réis
Total ... 837 réis

o que não acontece, porque devem descer principalmente a ultima; o ganho liquido será de:

1:500$000 X 2$096 = 3.144:000$000 réis

Este ganho, realmente, já não é feio; mas fica abaixo da verdade.

Effectivamente, o concessionario não elevara, talvez, os preços durante parte do tempo da concessão; mas é certo que se aproveitará d'esta elevação, pelo menos, nas proximidades do termo do seu contrato, para influir poderosamente no preço do stock, que tem de entregar ao estado.

Então, o concessionario elevara o preço de venda de 20 por cento, e o estado comprara os 1.500:000 kilogrammas de tabacos manipulados por 5.280:000$000 réis; dos quaes, em boa verdade, pelas deducções que fiz anteriormente, apenas lucrará 4.024:500$000 réis.

Página 1193

SESSÃO DE 12 DE JULHO DE 1890 1193

Esta somma Colossal é um minimo, em primeiro porque o projecto diz pelo menos 1:500 toneladas e o concessionario terá vantagem, como é evidente, em augmentar este peso; em segundo logar porque, como já disse, o quota do fabrico deve ser nessa epocha muito inferior á actual.

Bem sei eu, o que passa n'este momento pelo cerebro do meu amigo Pedro Victor ; são as condições, que se lêem adiante no projecto, no fim das bases 20.ª e 21.ª, em que parece que se quiz corrigir estes defeitos do projecto ; defeitos tão graves, que hei de apresentar á camara a doutrina correspondente do contrato do monopolio hespanhol, para que se veja como este assumpto ali está cuidado.

Effectivamente, se no fim do contrato se passar para o regimen da liberdade, são as novas fabricas obrigadas, nos termos da base 20.ª a pagar proporcionalmente estes tabacos pelo preço, pelo qual os houver obtido o estado; se se continuar no regimen do monopolio, é o novo contratador obrigado a tomar nos termos da base 21.ª estes mesmos tabacos em identicas condições; mas é certo, tambem, que se se passar para a régie fica ella, isto é, o estado, com os encargos d'esta operação, e que em todo o caso, para qualquer hypothese, a somma é recebida pelo concessionario nos termos do contrato.

Alem d'isso, é evidente que este processo difficulta a passagem para o regimen da liberdade, preconisada pelo sr. ministro, e difficulta a concorrencia de um novo contratador.

Esta clausula é artificiosa, e corresponde a alongar por alguns mezes o praso da concessão, não tendo o concessionario n'esse periodo encargo nenhum.

O sr. Pedro Victor: - Essa opinião que v. exa. expoz é perfeitamente exacta; está bem clara no meu relatorio.

O Orador: - As consequencias é que não estão no relatorio.

O sr. Pedro Victor: - Quando tiver o gosto de lhe responder, direi quaes são.

O Orador: - Tenho muito desejo que s. exa. desfaça a minha argumentação, e mais ainda, que me persuada que o monopolio deve dar grandes beneficios para o paiz, porque o voto favoravelmente.

Temos agora, todos os elementos para organisar uma simples tabella para a hypothese da conservação do preço actual.

[Ver tabela na imagem]

A camara estará lembrada que chamei limite de participação á somma, alem da qual começam as participações.

Para que o concessionario tire lucro, é indispensavel que o rendimento liquido do tabaco cubra em primeiro logar a renda fixa, paga annualmente, e ainda a annuidade do emprestimo de 7.200:000$000 réis, isto é, que seja superior a estas duas verbas:

Renda fixa .... 4.250:000$000
Annuidade .... 665:000$000
4.915:000$000

Esta verba constitue o limite alem a qual começam as participações, pela ordem já indicada.

O rendimento inicial, fixado em 4.400:000$000 réis, sendo inferior a esta quantia, o concessionario não só perde 515:000$000 réis, mais ainda o dividendo do capital de laboração, fixado em 350:000$000 réis.

Seria occasião, agora, de fixar o mais rigorosamente possivel o capital de laboração, cujo excesso já fiz notar antecedentemente; mas não só este trabalho é dispensavel n'este estudo das linhas geraes do projecto, como é difficil pelas minuciosidades a que me levaria.

Comprehendo v. exa. que as discussões se precipitam por tal fórma em sessões diurnas e nocturnas e sobre assumptos tão importantes, que não ha meio de estudar tudo desenvolvidamente. (Apoiados.) Deus sabe quantas horas roubadas ao meu doce somno representa este singelo trabalho.

Apreciando, portanto, a questão de uma maneira geral e não entrando em linha de conta com juros, que pouco influem na essencia dos raciocinios, eis as conclusões que podemos tirar d'esta primeira tabella.

1.° Nos doze primeiros annos da concessão, o rendimento liquido do tabaco, subindo de 4.400:000$000 réis a réis 4.890:000$000, é sempre inferior á somma de 4.915:000$000 réis, correspondente á renda fixa e á annuidade; n'este periodo, portanto, as perdas podiam elevar-se a 3.210:000$000 réis, differenças annuaes da annuidade do emprestimo, que seriam pagas pelo concessionario, e mais os dividendos do capital de laboração; que montam a 4.200:000$000 réis, isto é, a perda total poderia ser de 7.410:000$000 réis.

2.° Nos altimos quatro annos da concessão, o rendimento liquido do tabaco, sendo superior ao limite indicado, a somma para a participação elevar-se-ía a 370:000$000 réis assim descriminada:

[Ver tabela na imagem]

Fundo de reserva ....
Participação para operarios Participação para empregados ....
Dividendo do capital de laboração ....

3.º No 17.° anno, primeiro fóra do contrato, o ex-concessionario receberia, pelo stock vendido ao governo, a somma, liquida de despezas, de 4.024:000$000 réis.

As perdas do concessionario poderiam, pois, ser do seguinte valor:

[Ver tabela na imagem]

1.º periodo ....
2.° periodo ....
A descontar ....
ou em media annual ....

Esta importante perda calculada terá, porém, na pratica importantes correcções, que vou enumerar.

O augmento annual de consumo será superior ao admittido.

Dado o rendimento inicial de 4.400:000$000 réis e o

Página 1194

1194 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

crescimento de 1 por cento, cheguei ao rendimento total liquido, em dezeseis annos, de 75.800:000$000 réis.

Se admittisse, porém, 1,6 por cento de crescimento e o mesmo rendimento inicial e rendimento total liquido em dezeseis annos, montaria a 78.800:000$000 réis, isto é, mais 3.000:000$000 réis do que o calculado na tabella.

A quota de fabrico, admittida para os dezeseis annos, foi de 487 réis por kilogramma, ora esta quota deve descer sucessivamente, como já disse, de uma fórma geral e como vou exemplificar.

As quotas de fabrico franceza e hespanhola são muito inferiores á nossa. A quota franceza, por exemplo, é de 134 réis.

A grande elevação do nossa quota é devida ao grande numero de operarios, que hoje existem na régie (numero superior ás necessidades actuaes, seja dito em verdade) e ás condições especiaes do salario e das garantias, que a lei lhes concedeu. A industria entre nós se está bem organisada para os salarios dos operarios, não o está para a producção. Esta é a verdade.

Quando, porém, pela acção do tempo os actuaes operarios decrescerem em numero e forem substituidos pela inachina, a quota de fabrico baixará.

Um calculo rigoroso exigiria o conhecimento exacto da idade media dos actuaes operarios e da sua mortalidade, elementos que as estatisticas não nos fornecem; admittamos, porém, uma mortalidade de 3 por cento, o que não e exagerado n'uma industria insalubre e n'uma classe que se não renova tão cedo, visto que o numero dos operarios é actualmente muito exagerado.

N'este caso, as baixas annuaes sobro 5:000 operarios seriam de 150; ora, se a quota actual é de 487 réis, equivale isto a dizer que cada um dos operarios entra n'esta somma com a parcella de 0,1 de real approximadamente, logo a quota diminuiria 15 réis annuaes, isto é, no fim do 16.° anno seria de 262 réis, ainda bem superior á franceza.

N'esta hypothese, no fim da concessão o numero dos operarios estaria reduzido a cerca de 2:800, o que é sufficiente para a industria organisada com machinas.

A economia para o concessionario seria importantissima; admittindo uma producção constante de 2.000:000 kilogrammas, e sabe-se que ella ha de crescer, a economia progressiva seria de 30:000$000 réis annuaes, ou no fim da concessão de cerca de 3.600:000$000 réis.

Só estas duas correcções representam a somma de réis 6.600:000$000, bem superior á perda, calculada pela tabella anterior, em 4.438:000$000 réis.

A diminuição da quota de venda é tambem importantissima. A régie concede actualmente em media 15 por cento, o projecto não obriga o concessionario a mais de 10 por cento e auctorisa-o ainda, na base 22.ª, a promover a venda por processos mais economicos. É facil de comprehender que d'esta proveniencia o concessionario póde haver centenas de contos de réis.

Tendo em vista estas correcções, a peior qualidade dos productos e o seu peso falsificado, parece-me poder affirmar que, tirada a faculdade da elevação do preço da venda, o projecto é acceitavel e remunerador para o concessionario.

Será, certamente, um excellente negocio se se conceder a elevação de 5 por cento, apenas, sobre os actuaes preços de venda.

Demorei-me um pouco na exposição d'estes elementos, porque têem grande importancia. Era possivel, sem duvida, calculal-os com mais rigor; não me parece, porém, isto indispensavel para que se faça clara idéa do projecto.

Repito, o tempo que nos dão para estudar os projectos, é por tal fórma restricto, que devemos contentar-nos com idéas geraes.

Passemos agora á segunda hypothese, a elevação de 20 por cento no preço de venda actual.

O methodo é o mesmo que empreguei precedentemente.

O preço de venda actual, augmentado de 20 por cento, dá o preço bruto de venda de 4$141 réis, do qual haverá a descontar as despezas de producção e de venda, isto é:

Quota de materia prima .... $324
» de fabrico (actual) .... $ 487
» de venda (15 por cento de 4$141 réis).... $621
1$432

o ganho liquido para o concessionario será, pois, n'este caso, de 2$709 réis em kilogramma de tabaco manipulado.

Admittamos esta elevação de preço a começar do primeiro anno.

Provavelmente, este augmento tão importante de preço, importará uma reducção de consumo. Duas causas podem actuar n'este sentido: o desenvolvimento do contrabando e a diminuição do consumo individual, ou da capitação.

Da primeira causa pouco devemos temer; quando as mercadorias attingem um grande valor venal, em virtude de fortissimos direitos de importação, como o tabaco, o contrabando apenas se evita com activa fiscalisação; um pequeno augmento relativo nesse valor não o desenvolve proporcionalmente.

A segunda causa é, a meu ver, mais importante. O consumo rico dos grandes centros resiste, sem duvida, a quaesquer augmentos de preços; mas o consumo pobre, principalmente dos campos, podo resentir-se e conservar-se estacionario, se não diminuir.

É por esta rasão que o projecto admitte a desigualdade de augmento de preço nas differentes marcas; manifestamente as marcas finas e do consumo rico podem melhor com qualquer elevação.

Não é possivel fixar racionalmente o effeito d'estas causas sobre a diminuição do consumo; mas suppondo-o de 10 por cento, certamente apresento uma hypothese admissivel.

Assim, por effeito da elevação abrupta do preço de venda, o consumo de 2.000:000 baixaria a 1.800:000 kilos. Esta hypothese, como a camara vê, é favoravel ao projecto.

O rendimento inicial do monopolio seria, pois, em 1890 de 4.876:000$000 réis.

É necessario attender ainda aos tabacos manipulados de procedencias estrangeiras, cujos direitos ha poucos dias elevámos fortemente. Aqui dar-se-ha um phenomeno analogo, o consumo póde diminuir. Para facilitar a organisação da tabella, partirei da somma recebida em 1888-1889, isto é, de 162:000$000 réis, e traduzirei esta diminuição por menor crescimento, que ao mesmo corresponde nos resultados.

A tabella seguinte resume approximadamente os resultados fianceiros do monopolio nos dezeseis annos da exploração.

Página 1195

SESSÃO DE 12 DE JULHO DE 1890 1195

[Ver tabela na imagem]

Devemos observar, em primeiro logar, que os resultados, a que vou chegar, se devem suppor limites inferiores, ou minimos. Effectivamente, tudo quanto disse ácerca das quotas de fabrico o venda o de crescimento annual, e que não repito, tem aqui melhor cabimento, porque os ganhos liquidos são superiores aos da primeira hypothese.

Ora, as conclusões d'esta tabella podem assim resumir-se:

1.° O rendimento inicial é superior ao limite de participação, fixado em 4.915:000$000 réis.

2.° A somma, sobre que recáem as participações do beneficio, eleva-se a 7.968:000$000 réis.

3.° Esta somma compõe-se das seguintes parcellas:

[Ver tabela na imagem]

Fundo de reserva, 5 por cento ....
Participação dos operarios, 5 por cento ....
Participação dos empregados, 1 por cento ....
Dividendo do capital de laboração ....
Para dividir entre o estado e o concessionario ....
Total ....

N'esta hypothese, portanto, o estado recebêra do monopolio:

Renda fixa durante dezeseis annos .... 68.000:000$000
Emprestimo .... 7.200:000$000
Participação de beneficio .... 1.133:600$000
76.333:600$000

Emquanto ao concessionario em dezeseis annos embolsará:

[Ver tabela na imagem]

Fundo de reserva ....
Dividendo do capital de laboração ....
Participação de beneficio ....
Stock entregue no fim da concessão ....
Expropriações finaes (?)....

Ou em media annual 817:500$000 réis.

Ora, perguntarei eu: qual foi a funcção do contractador? A um verdadeiro intermediario de um emprestimo.

Esta somma, que, por todas as considerações feitas, se deve considerar um minimo, é o premio, que recebe do estado para, no momento actual, resolver as difficuldades do governo, evitando-lhe os perigos do recurso directo ao credito.

Póde alguem em boa consciencia dizer que tal operação e boa? Não me parece. (Apoiados.)

É razoavel que o governo, para se libertar das difficuldades de momento, aliás superaveis com prudencia e bom senso administrativo, vá hypothecar por tão largo periodo uma das mais ricas fontes de receita do paiz? Não o julgo. (Apoiados.)

A régie, quando liberta das difficuldades, que ainda pesam sobre ella, e principalmente podendo empregar todas as vantagens, que o projecto concede ao monopolio, deve render o mesmo que este, ou pouco menos.

Conservemos, pois, o regimen da régie, ao menos pelo tempo sufficiente para nos desenganarmos; dois ou tres annos mais bastarão para este effeito, e n'esse intervallo colhamos da sua experiencia os elementos necessarios para esclarecer as variadas questões, ainda obscuras, que envolve a boa organisação do
monopolio.

Bem sabe o sr. ministro, que não sou contrario a este regimen economico para o tabaco, affirmei-o n'esta tribuna, quando e. exa. o combatia rudemente; tão sómente desejo que se estabeleça em boas condições para o estado, salvando ao mesmo tempo as vantagens obtidas para a classe dos manipuladores.

Não seja logo á primeira difficuldade financeira, que vamos estancar por largo tempo uma das melhores receitas publicas. Póde isto ser muito politico sob o ponto de vista partidario do sr. ministro; mas é de pessima politica sob o ponto de vista da melhor administração financeira do paiz.

O sr. Marianno de Carvalho foi verberado acremente por s. exa. por hypothecar por longo praso o rendimento, aliás bem hypothetico, do porto de Leixões, para obter um reembolso de 4.200:000$000 réis; o que não podemos nós dizer agora que se pretende fazer o mesmo a uma receita segura e sempre crescente?

Porque a final o que faz o sr. ministro senão levantar um empréstimo em condições onerosissimas?! (Apoiados.}

Por um emprestimo de 7.200:000$000 réis satisfaz, por um lado, uma annuidade de 665:000$000 réis e, por outro, presenteia o contratador com 817:500$000 réis, pelo menos, em media annual! (Apoiados.}

A quanto sáe este emprestimo ao paiz? Ao encargo medio effectivo superior a 20 por cento!

Com esta mesma annuidade levantaria s. exa. o capital de 16.000:000$000 réis, para o que lhe bastaria, se a tanto houvesse de chegar, consignar directa e especialmente o rendimento dos tabacos.

Certamente, eu bem sei que o sr. ministro me respon-

Página 1196

1196 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

derá que a concessão não é adjudicada particularmente e, portanto, que a licitação corrigirá os excessos.

A base da licitação póde subir consideravelmente; das não esperemos tão feliz resultado.

Em negocios d'esta grandeza, quando se exige um deposito de 200:000$000 réis para licitar, os concorrentes são pouco numerosos. De resto, a propria grandeza do negocio dá margem para faceis combinações e conluios.

É para os evitar, exactamente, que se fixa um minimo, ou base, da licitação. Ao menos, eleve-se esse minimo a quantia rasoavel. É para o fixar convenientemente, parece-me que os dados positivos são ainda hoje insuficientes.

Por todas estas rasões, e por outras que esclarecerá a discussão do projecto, só vê que os elementos actuaes para a organisação das bases do monopolio sito incompletissimos.

A prudencia e o bom senso aconselham que se faça por mais dois annos a experiencia da régie.

Não é, por certo, um anno d'esta administração, cheio de difficuldades da installação e da liquidação das antigas fabricas, que póde dar elementos seguros para a preferencia do systema do monopólio, principalmente n'um largo periodo de dezeseis annos, quando a Hespanha fixou para o seu apenas doze e em condições bem differentes para o estado.

Por isso, sem condemnar o systema, com o qual até pympathiso, proponho o adiamento do projecto para 1892. (Apoiados.)

Demonstrada, a meu ver, a desvantagem financeira do estabelecimento do monopolio dos tabacos entre nós, parece-me util expor á camara algumas das bases principaes do contrato hespanhol de 1887, a fim de que as possamos comparar com as correspondentes do projecto em discussão.

Em primeiro logar o contracto vigora apenas por doze annos, periodo bem mais curto do que o proposto pelo governo.

Para a fixação da renda annual, que o contratador tem de pagar ao estado, o tempo da exploração é dividido em quatro periodos de tres annos cada um.

No primeiro periodo o contratador pagará 90.000:000 pesetas (16.200:000$000 réis) em cada anno; no segundo periodo o termo medio do producto liquido obtido no segundo e terceiro anno da exploração; no terceiro e no quarto periodo o termo medio do producto liquido obtido no periodo immediatamente anterior.

N'estas condições a renda annual é variavel e crescente conforme os interesses do contratador.

Alem d'isso, o contratador entregará ao estado, alem da somma que representa a renda, fixada pelas normas anteriores, metade do excesso do producto liquido sobre esta renda annualmente paga.

Para fixar o producto liquido dcduzir-se-ha:

1.° A importancia da acquisição da materia prima e gastos geraes da administração e elaboração dos tabacos manipulados vendidos durante o anno.

2.° O juro, na taxa de 5 por cento, sobre o capital realmente empregado pelo contratador (capital circulante) sem contar a fiança.

Veja a camara a parcimonia d'estas disposições, principalmente da segunda, comparadas com as do projecto que estamos discutindo.

Mas ainda não é tudo.

O contratador hespanhol, para assegurar o valor da propriedade do estado, que ha de usufruir, e para garantia do contrato, presta uma fiança de 20.000:000 pesetas (réis 3.600:000$000) que o governo póde reduzir, se o julgar conveniente, a 12.000:000 pesetas (2.160:000$000 réis.)

Finalmente, o estado poderá exigir do contratador uma antecipação, que não exceda 8.000:000 de pesetas (réis 1.440:000$000) por cada anno restante do arrendamento.

O pagamento d'esta antecipação, e dos juros respectivos na taxa do desconto do banco de Hespanha, mais 1 por cento, verifica-se em partes iguaes nos annos restantes do contrato, se o estado não preferir o reembolso por uma só vez.

Taes são as condições principaes do contrato hespanhol, bem differentes das nossas, como a camara vê.

Em quanto á questão do stock, que o contratador tem de entregar no fim do contrato ao estado, eis qual é a doutrina do monopolio hespanhol: tres annos antes de terminar o praso do contrato, o governo fixará a quantidade de tabacos em rama e manipulado que terá de ser entregue ao estado.

Este stock será avaliado segundo o custo e despezas da fabrica (coste y costas) e é facultativo receber qualquer excesso sobre a quantidade assim prefixada.

O valor do stock e das fabricas e edificios (novos e construidos pelo contratador) será pago em seis partes iguaes, tres nos ultimos annos da concessão e as tres restantes nos tres annos seguintes á conclusão da mesma concessão.

Compare a camara estas disposições cautelosas com o que fazemos.

O nosso stock fixado com dezesete annos de antecipação é pelo menos de 1.500:000 kilogrammas, ora, estepelo menos para alguma cousa apparece no projecto.

(Interrupção do sr. ministro da fazenda.)

O Orador: - Então o contratador não recebe 500:000 kilogrammas e não ha de entregar 1:500?

O sr. Pedro Victor: - A commissão ha de responder e satisfactoriamente.

O Orador: - V. exa. ha de responder e bem; se destruirá o meu raciocinio, isso é que não sei.

O sr. Ressano Garcia: - Registrâmos o adverbio satisfactoriamente.

O Orador: - Peço a v. exa. que faça o que não tive tempo de fazer.

Discuta e compare bem os dois contratos, porque foram buscar certas bases quasi textualmente ao hespanhol, quando interessam o concessionario, e abandonaram outras, que constituem garantias para o estado. O sr. Ressano Garcia ha de certamente desfiar este assumpto, para o que lhe offereço os documentos, que tenho presentes.

Pelo que respeita a elevação de preços, a doutrina do contrato hespanhol é tambem differente da nossa; o contratador conservará o numero, classes e preços dos typos de trabalho existentes na epocha da assignatura, não podendo eleval-os, nem crear novos, sem auctorisação do ministro da fazenda.

Finalmente, para tocar todos os elementos importantes, recebe por inventario valorisado todos os edificios, machinas e bens do estado, para os devolver no fim do contrato com o pagamento das depreciações, salvo aquellas que provenham do natural uso, fixadas em 2 por cento para os edificios e 4 por cento para machinismos.

Todos os valores serão seguros por couta do concessionario, salvo se este tomar expressamente a si esta responsabilidade.

Sr. presidente, v. exa. que tem seguido attentamente a minha exposição, concordará commigo em que as duvidas sobre o projecto do contrato, apresentado pelo governo, são por tal fórma numerosas e importantes, que é prudente conservarmos ainda por algum tempo a régie, para que a sua experiencia sensata e em boas condições, nos forneça seguros elementos para qualquer futura mudança de regimen. (Apoiados.)

Por estas rasões tambem se demonstra a necessidade de duas discussões n'este projecto.

A pertinacia do sr. ministro foi inexoravel com esta proposta; todavia, no animo de s. exa. está, certamente, o proposito de dar larga discussão ás emendas, que forem apresentadas.

É uma concessão feita pelo illustre ministro, cujo caracter conheço desde a Universidade. S. exa. é obsequiador, mas teimoso...

Página 1197

SESSÃO DE 12 DE JULHO DE 1890 1197

O sr. Francisco José Machado: - Apoiado, (Riso.)

O Orador: - Olhe, sr. capitão Machado, a discussão do addicional dos 6 por cento mostrou bem que ha sempre dois. (Riso.)

O sr. Francisco José Machado: - O sr. ministro da fazenda é que deu o exemplo.

O Orador: - Mas v. exa. não lhe ficou a dever nada.

Resumindo, direi que, nas actuaes circumstancias, nos faltam elementos para bem resolver o problema do monopolio; póde, porem, presumir-se que as bases deverão ser estudadas sob os seguintes pontos de vista:

1.° Maior renda annual, que, na hypothese da elevação de 20 por cento sobre os preços annuaes, deverá ser de cerca de 4.800:000$000 réis, ou, ainda melhor, calculada em periodos, conforme os lucros do contratador.

2.° Existencias, ou stock, no fim do contrato acautela das por fórma que o estado não seja lesado em som mas consideraveis.

3.° Fabricas, machinas e utensilios concedidos em usufructo e não em plena propriedade, ainda expropriada no fim da concessão.

A segunda parte do meu discurso refere-se á questão social propriamente dita, que póde encarar-se por tres faces: a dos operarios manipuladores de Lisboa e do Porto; a do Douro, em relação aos operarios agricolas empregados na cultura do tabaco n'aquella zona; e a dos revendedores.

Vou tocar succintamente estes tres pontos apresentando algumas emendas, que a commissão tomará na devida consideração.

Deixarei a questão mais importante para o fim - a dos operarios de Lisboa e do Porto; digo mais importante, não porque os operarios de Lisboa e Porto mereçam mais do que os operarios agricolas do Douro, ou os vendedores de tabacos, visto que o estado a todos deve igualmente proteger; mas porque n'este projecto ha grande numero de disposições, que se referem aos primeiros, e constituem realmente uma das suas partes mais importantes.

Vejâmos, em primeiro logar, a questão dos vendedores.

A este respeito vou mandar para a mesa as seguintes emendas:

«A todas as compras, superiores a 5$000 réis, serão concedidas pelo menos as seguintes deducções:

«I No rapé, simonte e pó - 13 por cento.

«II Nos cigarros, folha picada e charutos ordinarios - 14 por cento.

«III Nos charutos finos e cigarrilhas - 18 por cento.

«Os bonus concedidos a todos os compradores (e não, como diz o projecto, só aos antigos depositarios e vendedores) serão:

«Compras trimestraes de 3:000$000a 15:000$000 réis 4 por cento.

«Compras trimestraes de 15:000$000 a 45:000$000 réis 3 por cento.

«Compras trimestraes superiores a 45:000$000 réis - 2 por cento; ou pelo menos, uma taxa unica para todos os compradores de mais 3:000$000 réis, que poderá ser de 4 por cento.»

Vou desenvolver as minhas idéas e peço ao sr. ministro que as tome em attenção, que as pese bem, porque me parecem satisfazer a principios de justiça.

Vamos ver como a régie vende actualmente os seus tabacos.

As compras directas a este estabelecimento não podem ser inferiores a 10$000 réis, e os compradores, que se não comprometterem ao minimo de 200$000 réis mensaes têem de satisfazer os pagamentos á vista, mediante o desconto de 2,5 por cento.

Sobre a importancia das facturas recáem tres especies de deducções:

1.ª A commissão permanente da venda, na importancia de 10 por cento, qualquer que seja a importancia das facturas.

2.ª O bonus commercial conforme as espécies de fabrico, sendo:

Rapé, simonte e pó, 3 por cento.

Cigarros, folha picada e charutos ordinarios, 4 por cento.

Charutos finos e cigarrilhas, 8 por cento.

3.ª O bonus de revenda, sobre a importancia liquida das deducções anteriores, dividido em tres categorias.

a) Sobre as compras, que no trimestre forem de réis 3:000$000 a 10:000$000, 2 por cento.

b) Nas de 15:000$000 a 45:000$000 réis, 2,5 por cento.

c) Superiores a 45:000$000 réis, 5 por cento.

Todas as compras, superiores mensalmente a 200$000 réis, têem direito ao praso de tres mezes para pagamento.

As antecipações de pagamento têem as seguintes vantagens:

Pagamento á vista, 2,5 por cento.

Prompto pagamento (até 15 do mez seguinte áquelle em que a entrega foi feita) 2 por cento.

Um mez de praso, 0,50 por cento.

Dois mezes de praso, 0,25 por cento.

N'estas condições todos os compradores terão as seguintes deducções de venda:

1.° No rapé, simonto e pó, 13 por cento.

2.° Nos cigarros, folha picada o charutos ordinarios, 14 por cento.

3.° Charutos finos e cigarrilhas, 18 por cento.

Alem d'isso, como já disse, os grandes compradores (revendedores) têem o direito ao bonus, a que acima me referi.

A minha proposta tem por fim, em primeiro logar, reduzir de 10$000 a 5$000 réis a venda directa.

Parece-me ser isto um beneficio para o pequeno vendedor. V. exa., sabe, que no meu ponto do vista socialista os intermediarios são sempre nocivos, ou, pelo menos, mais ou menos inuteis.

O projecto de lei garante a todos os compradores um desconto não inferior a 10 por cento, e alem d'isso aos grandes compradores (revendedores) descontos progressivos:

2 por cento aos que comprarem de 3:000$000 réis a 45:000$000 réis por trimestre.

5 por cento aos que comprarem quantia inferior a réis 45:000$000 réis por trimestre.

Ora, se a régie póde com as actuaes commissões permanentes de venda de 13, 14 e 18 por cento, não ha rasão alguma para que não possa com ellas o contratador nas mesmas condições da régie, e muito mais ainda com os beneficios da elevação dos preços de venda e outros, que lhe vamos conceder.

Emquanto aos revendedores parece-me que o bonus não deve ser apenas garantido aos antigos revendedores, como diz o projecto, mas a todos que estejam nas mesmas condições, quer sejam antigos quer sejam modernos.

Não julgo tambem rasoavel que o bonus seja crescente. Os grandes revendedores, pelo facto da grande venda, auferem interesses consideraveis; portanto, não é justo que a administração auxilie ainda estes grandes intermediarios.

É certo, porém, que, sendo estes revendedores um poderoso auxiliar da administração, é de vantagem para ella animar as suas compras; por isso, se não se acceitarem os bonus decrescentes, que em absoluto me parecem mais justos, ao menos que se fixe o de 4 por cento para todos os compradores de quantia superior a 3:000$000 réis por trimestre.

Emquanto aos tabacos do Douro a proposta, que envio para a mesa, é a seguinte:

«O contratador é obrigado a consumir annualmente dos tabacos do Douro, preparados nas officinas de seccagem e fermentação do estado, pelo menos 20 por cento em peso da totalidade do consumo, fixados no minimo de 400:000 kilogrammas, pagando este tabaco pelo preço médio de 400 réis, comprehendido o bonus de 100 réis.»

Página 1198

1198 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Muito poucas palavras direi a. este respeito, porque sei que o sr. deputado Alpoim, conhecedor d'este assumpto, se propõe desenvolvel-o cabalmente perante a camara.

A crise afflictiva, que atravessa a região do Douro, merece, por parte de todos os poderes publicos, a maior sympathia e protecção.

Dizem os entendidos e conhecedores do assumpto, que a regeneração dos vinhedos do Douro só poderá esperar-se da cultura do tabaco, que proporcionará capitães pura esta necessaria e dispendiosa operação.

Alem d'isso, na questão do Douro ha tambem a proteger alguns milhares de operarios agricolas, que merecem tanta protecção directa como os operarios industriaes dos grandes centros.

Para demonstrar esta asserção, lerei á camara, o excerpto de um officio dirigido ao governo pelo sr. barão das Lages, presidente da commissão geral da cultura do tabaco no Douro: «a commissão entende, diz s. exa., que é sem duvida muito para respeitar a sorte dos operarios das fabricas, que tanto desvelo têem merecido aos poderes publicos; mas entende tambem que a sorte de 20:000 operarios e pequenas agricultores d'aquella região, que trabalham doze horas por dia, vendo muitas vezes destruido pela irregularidade e inclemencia das estacões o fructo do seu trabalho, em uma terra abolada por tão grande flagello e sem meios de communicação, deve sem duvida merecer um profundo respeito por parte dos poderes publicos».

Admittindo mesmo que pela minha proposta se concede aos agricultores quantia superior ao valor dos tabacos, addicionado o bonus, não será isto mais do que legitima protecção á agricultura nacional e justa compensação dos encargos, que o escado terá com as officinas de seccagem o fermentação, que são tambem um beneficio para os contratadores.

Admittamos até que este beneficio se eleva em media a 200 réis por kilogramma; serão apenas 80:000$000 réis annuaes impostos ao contratador, que vae explorar durante largo tempo uma excellente e rendosa industria.

Finalmente, em relação aos operarios manipuladores apresento as seguintes emendas:

«1.° As novas estações de fabrico, de que trata a base 9.ª n.° 2, só poderão ser abertas nas cidades de Lisboa o Porto, ou nas suas proximidades, nunca excedendo a 2:000 metros de distancia.

«2.° Os regulamentos, de que trata a base 9.ª n.° 11, serão sempre apreciados por uma commissão mixta de operarios manipuladores de Lisboa e Porto, para este effeito nomeada pelos interessados.

«Os projectos de regulamento serão apresentados ao governo para approvação, juntamente com os pareceres motivados dos commissarios regios de Lisboa e Porto e d'esta commissão.

«Sem estes elementos não poderão ser approvados.

«3.º As vantagens e garantias, que forem concedidas aos operarios actuaes, serão extensivas a todos os operarios, que de futuro entrem para as fabricas de tabacos.»

Sr. presidente, não contesto, antes confesso gostosamente, que o projecto de lei em discussão, com as ultimas emendas apresentadas pelo sr. relator, garante rasoavelmente as condições actuaes dos operarios manipuladores.

Parece-me, porém, que a alguma cousa se deve ainda attender, porque o regimen em que vamos entrar, se o projecto for approvado, é perigoso para os operarios.

Até aqui tinhamos a influencia paternal do estado e a acção dominante da administração. De futuro teremos, provavelmente, a influencia d'esses mesmos, que no regimen da liberdade esmagaram cruelmente os operarios e a acção menos forte dos commissarios regios. Alem d'isso, o capital sob a fórma de monopolio é em toda a parte o mais egoista.

A actual tendencia dos poderes publicos olharem cuidadosamente para as classes pobres e operarias nasce, sem duvida, do reconhecimento da justiça que lhes assiste, e do dever que tem o estado de manter a harmonia entro todos os elementos sociaes.

Todavia, não nos illudamos. Entro nós, o alargamento do direito do suffragio deu grande força ás massas populares; refiro-me principalmente á força moral o legal, porque neste logar não me referiria a qualquer força revolucionaria, embora em condições especiaes podesse lá fóra reconhecer a sua legitimidade.

Se podia, portanto, haver na lei certas generalidades, ou mesmo certos pontos obscuros, o inconveniente na régie era pequeno, porque o governo havia de tender sempre, por justiça e conveniencia, para resoluções favoraveis aos interesses operarios.

No monopolio acontece exactamente o contrario. O regimen do monopolio, n'este sentido, peior do que o regimen da régie, é ainda bem mais perigoso do que o da liberdade.

No regimen da liberdade, havendo varias fabricas, a concorrencia póde de alguma fórma salvaguardares operarios. Sáe-se de uma fabrica, entra-se para outra. Muitas vezes até, as luctas entre as fabricas proporcionam vantagens ás classes operarias; mas quando não houver senão uma fabrica, um só capitalista, um só proprietario, nem ao menos ha para os operarios a possibilidade de poderem, pela concorrencia, minorar as suas desgraças e desventuras. É necessario, portanto, attender no monopolio com tanto maior cuidado a questão operaria, quanto todas as difficuldades e inconvenientes se aggravam n'este systema.

Por estas rasões, temo que, na passagem para o monopolio, os operarios possam perder, por sophismas e falsas interpretações, algumas das vantagens obtidas. Sem que se possa prever quem sejam os futuros monopolistas, é para desconfiar que podem concorrer precisamente esses mesmos, que, no regimen da liberdade, foram o açouto cruel e os exploradores da classe operaria.

A este respeito, não deixarei de notar á camara que, se a régie não tivesse a seu favor outro argumento, tinha o de ter salvo das garras egoistas do capitalismo uma parte importante do operariado portuguez. Não menos de cinco mil pessoas foram arrancadas a um estado angustioso, á miseria, á falta de todos os elementos intellectuaes e até moraes.

A classe dos manipuladores do tabaco, antes da régie no regimen do fabrico livre, era desgracadissima; o salario medio, que recebia, era insignificante; a exploração, que supportava, intoleravel.

A régie proporcionou-lhe elementos completamente differentes, garantiu-lhe regulares condições de vida, e até lhe dou ensejo para obter uma tal ou qual educação, que muitos manipuladores actualmente possuem.

Escuso, n'este ponto, de melhor testemunho do que o do sr. ministro da fazenda. S. exa. segundo diz o sr. relator, fallou com uma commissão de manipuladores.. .

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Mais de uma vez.

O Orador: - ... e, certamente, encontrou não a illustração, que não a dá senão uma demorada applicação e estudo, mas uma clareza de vistas, uma percepção nitida dos seus interesses legitimos, como realmente muitas vezes não se encontram em homens collocados em outras classes e até com outra educação litteraria. (O sr. Ministro da Fazenda:- Apoiado.) Ora, isto, em grande parte, é devido á régie.

Os operarios estudaram profundamente a passagem da liberdade para a régie; durante o tempo da régie, dois administradores, o sr. conde de Castro e o sr. Oliveira Martins, poderam demonstrar como todos os bons principios socialistas se podiam pôr em pratica, sem o menor inconveniente para alguem.

Foram estas causas, entre outras, que levantavam o nivel intellectual da classe dos manipuladores.

Sr. presidente, não costumo apresentar n'esta camara

Página 1199

SESSÃO DE 12 DE JULHO DE 1890 1199

emendas, que não podesse aceitar, se me sentasse n'aquellas cadeiras.

Affirmo a v. exa., e vou demonstrai-o como puder, que estas emendas são perfeitamente rascaveis, e que não teria duvida em as introduzir n'este projecto, se fosse ministro da fazenda.

A primeira refere-se ás estações de fabrico. Se s. exa. estudar a industria de manipulação do tabaco, entre nós, verá que e perfeitamente inutil para o monopolista ter estacões de fabrico fóra de Lisboa e Porto. O tabaco entra, como s. exa. sabe, pelos dois portos, Lisboa e Porto.

Só se disser que em certas zonas póde ser conveniente estabelecer estações de fabrico, para evitar o transporte do tabaco manipulado, responderei que tem de se conduzir para ali o tabaco em rama, o que dará a mesma, senão superior, despeza.

É ainda uma sombra de receio que os operarios têem. Faça-lhes s. exa. esta concessão, que eu peço com, tanto maior franqueza, quanto não envolve o menor inconveniente para o contratador.

É claro, porém, que póde convir estabelecer fabricas um pouco fóra dos limites das cidades.

Ha n'isto; muitas vezes, conveniencias para o operario, como a de não ficar sujeito ao imposto do consumo, a de pagar menor renda de casa, etc.; por isso a minha emenda attende a esta circumstancia.

Em relação á, segunda emenda, peço que os regulamentos sejam approvados pelo governo, sendo sempre ouvida uma commissão de operarios de Lisboa e Porto.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco):- Está no projecto.

O Orador: - Está, mas não explicitamente como proponho.

O sr. Pedro Victor: -Não está tão claro como v. exa. apresenta, de facto.

O Orador: - Não quero voto deliberativo para a commissão operaria, Deus nos livre d'isso; desejo, porém, que seja ouvida, e que a sua consulta por escripto suba, conjunctamente com o projecto de regulamento e com as informações dos commissarios regios, ao ministro. Desejo que elle, para resolver, tenha sempre diante de si a informação por escripto da commissão operaria.

Em primeiro logar, este processo não contraria nenhum principio de boa administração; em segundo logar, pratica-se na actualidade.

Como v. exa. sabe, nos regulamentos- da régie, nalguns pelo menos, lê-se na ultima pagina o accordo dos operarios, que faziam parte da commissão nomeada para estudar estes mesmos regulamentos.

Não ha inconveniente em que assim se pratique de futuro. Ha grande vantagem, pelo contrario, em que o ministro possa resolver com pleno conhecimento de causa, tendo as informações por escripto d'essa commissão nomeada ad hoc e a dos commissarios regios de Lisboa e Porto.

A minha terceira emenda tem por fim estender a todos os operarios, que do futuro entrem para o monopolio, as mesmas vantagens, de que ficam gosando os actuaes.

Como v. exa. sabe, a industria da manipulação de tabacos é perigosa e insalubre.

O numero actual de operarios em Lisboa e Porto sendo de 5:000 approximadamente, é claro que o contratador não terá a menor vantagem em admittir novos operarios; porque a verdade é que este numero actual excede as necessidades do consumo.

Logo o que ha de elle fazer ? Deixar reduzir successiva e lentamente, por varias acções e principalmente pela morte, o numero de operarios.

Devo tambem dizer que actualmente estão licenciados, com dois terços do salario, uns 1:000 operarios.

É evidente que o contratador não acceitará novos operarios, e não desenvolverá os seus machinismos, sem esgotar, por assim dizer, esta reserva de trabalhadores.

Attingido o numero limite (supponhamos que são apenas necessarios 2:500 operarios) dali em diante todos que entrarem ficarão em condições differentes das actuaes.

Ora, que vantagem temos nós, parlamento e paiz, que conseguimos organisar regularmente uma classe operaria, em desorganisal-a de futuro? (Apoiados.)

Que tenhamos vantagem o até necessidade de corrigir os defeitos da actual organisação, estou de accordo; mas, chegado o limite do numero de operarios, que não queiramos conservar a boa organisação economica o intima que demos á classe, parece-me um erro grave. (Apoiados.)

É claro que em vinte ou vinte e cinco annos todos os operarios actuaes estarão mortos; n'este caso, terão desapparecido completamente, para os que estiverem n'esse momento na industria do tabaco, todas as vantagens e constituirão elles uma classe tão desgraçada, como era aquella que trabalhava antes da régie, isto é, no regimen da liberdade.

E estes inconvenientes são tanto mais graves, quanto é provavel que, se este projecto passar e só estabelecer o monopolio, elle ha de durar não dezeseis annos apenas mas muito mais longo periodo. (Apoiados}

Se no regimen da liberdade, em que os operarios tinham a concorrencia das fabricas, as condições do trabalho livro eram más, no regimen do monopolio ficarão em situação bem peior do que se encontravam em 1887.

Appello para v. exa., sr. presidente, para o sr. ministro, para os srs. deputados, que me escutam, e em geral para o paiz, e pergunto se convem destruir n'um futuro, mais ou menos proximo, a boa organisação economica, que demos a uma classe de operarios?

Emquanto a mim não convem. (Apoiados.)

A sua conservação é mesmo util como lição e exemplo para outras industrias do estado, e quem sabe mesmo se para as industrias particulares.

Já me referi ás vantagens da régie sob o ponto de vista do desenvolvimento intelleclual e physico dos operarios; direi, todavia, mais algumas palavras para condemnar, por emquanto pelo menos, a passagem para o monopolio.

Conheci directamente os operarios manipuladores de tabaco em Lisboa e no Porto anteriormente á régie e segui, depois, os progressos intellectuaes feitos por aquelles homens.

São perfeitamente admiraveis!

A que foi devido isto? A varias rasões: á acção benefica da discussão dos seus interesses, feita por fórma serena e cordata, á melhoria das condições de trabalho, que lhes permittiu adquirir uma certa illustração, e, façamos justiça a quem a merece, á influencia benefica, intelligente e bondosa dos srs. conde de Castro e Oliveira Martins.

Pena tenho eu, pois, do que ainda por .alguns annos, ao menos, a acção benefica dos homens que estão, ou podem estar, á testa d'esta instituição por conta do estado, não possa continuar a transformar o modo de ser dos operarios manipuladores.

Outras vantagens tira ainda o estado da conservação da régie. Vantagens de ordem publica que são muito attendiveis.

Uma classe numerosa, que tem anuidades, ou; pelo menos, grandes relações, com as outras classes operarias, está hoje socegada, pacifica, ordeira e estudiosa.
Ámanhã esta mesma classe, em face do monopolio, podo ser uma causa de graves desordens.

O espirito justo e equitativo, pela qual, a administração da régie tem conseguido exercer benefica influencia sobre os operarios, desapparccerá por completo no monopolio.

A confiança e a harmonia, que existem entre o estado e os operarios manipuladores, serão substituidas pela guerra activa, constante, de odio e desconfiança entre o capital egoista, ou monopolista, e os operarios.

É a lição da historia que nos diz isto; mais do que o regimen da liberdade, como para ahi lhe chamavam, o de

Página 1200

1200 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

monopolio tem sido em toda a parte a origem de movimentos operarios energicos e ao mesmo tempo justos. Os commistarios regios, que vão substituir a administração actual, em face do monopolio não terão recursos para valer ás massas operarias. Hão de luctar quanto puderem, façamos-lhe esta justiça; mas não terão força, como hoje, para resolver favoravelmente, no justo interesse das classes operarias, as duvidas na interpretação do contrato.

Se o monopolio for ámanhã lei do estado, v. exa. verá as difficuldades, que resultarão do antagonismo entre os interesses do contratador e os da classe operaria.

Bastava isto para que v. exa. deixasse o seu projecto para mais tarde.

É certo, sr. presidente, que a régie, tal como está organisada entre nós, dá um bom salario aos seus operarios, alem de outras importantes garantias; não é menos certo, tambem, que a quota de fabrico de 487 réis é muito superior á franceza. Ainda bem que tal succede; como cidadão portugucz estou disposto a fazer sacrificios proprios e a elogiar sacrificios alheios, quando d'elles resultarem vantagens para uma numerosa classe, quando as sommas, que se pedirem ao estado, caírem como benefico orvalho sobre uma classe pobre de cidadãos portuguezes; mas não estou disposto a fazer taes sacrificios, nem a pedil-os ao paiz, para mais enriquecer os archi-millionarios, que querem acrescentar os seus capitães com a exploração das classes operarias.

Tenho fallado sempre d'esta tribuna ás classes proletarias e operarias, de quem tenho sido sempre defensor, em nome da ordem; tenho-lhes aconselhado prudencia e bom senso, que são os melhores companheiros da força e da energia; mas, affirmo-o perante o paiz, se os monopolistas vierem com idéas de exploração, nós, um por todos, todos por um, elles na officina, eu no parlamento, ou onde tiver logar, havemos de luctar dia a dia, e por todos os meios, para destruir essa força nociva para o thesouro publico e para as classes pobres do paiz. (Muitos apoiados de todos os lados da camara.)

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Isso tambem é uma força.

O Orador: - É, e a verdadeira força; o exemplo da que resulta da união dos individuos na classe e da união das classes para fins communs e justos, tem-no os proprios manipuladores na passagem para a régie e ainda hoje na passagem para o monopolio. É a sua união actual, ha de ser a sua união futura e as relações fraternaes de associação, que hão de impedir as explorações do monopolista e conseguir a manutenção dos direitos adquiridos.

Por isso, sr. presidente, não desejo que no anno de 1890, se passar este projecto, fique estabelecido o precedente de que uma classe operaria descurou a defeza dos beneficios obtidos, não se lembrando do que nós hoje vivemos e morremos ámanhã, mas que não cessa a lucta!

Se hoje tenho garantidos os elementos necessarios á minha existencia, se hoje sou relativamente feliz, a minha primeira obrigação é considerar-me solidario com os individuos, que constituem a minha classe, é ainda sustentar pelos meios legaes mas energicos as conquistas do trabalho. O contrario é um egoismo abjecto. O espirito de classe seria estreito e quasi inutil, se tivesse apenas em vista o presente.

O egoismo não se manifesta só contra os que estão vivos, póde ferir ainda, e profundamente, os que vêem depois, e que hão de soffrer como nós soffremos.

Por isso, peço ao sr. ministro que generalise e perpetue as vantagens hoje concedidas aos manipuladores. Faca s. exa. o que deve fazer, e o que ha de ligar ao seu nome verdadeira gloria.

Sr. presidente, para terminar direi que o exemplo actual da régie deve dar a todas as massas operarias do paiz, sem excepção de classe, a noção bem clara de que não é com discursos vasios de sentido, jacobinos na fórma e na essencia, que as classes proletarias e operarias conquistam as melhores concessões sociaes. (Apoiados.)

Primeiro e antes de tudo as classes operarias devem ser socialistas.

Hoje o socialismo é uma doutrina scientifica. As paixões cabem certamente dentro d'elle, mas são as paixões generosas e pacificas. (Apoiados.)

Fazem mais a união das classes e os seus protestos serenos, faz mais a acção pacifica, serena e energica de uma grande massa popular, do que todas as exclamações, mais ou menos verrinosas, contra instituições, que têem actualmente a força material. (Apoiados.)

Nunca deixei de dizer isto em qualquer ponto onde mo encontrasse diante de um operario.

A sociedade é uma unidade, um organismo completo, em que todos os elementos têem as suas funcções, que se concatenam para um fim unico - o progresso; é uniu loucura criminosa querer resolver um problema intimo e de classe, rasgando e atropellando os interesses tambem legitimos de outras classes. (Apoiados.}

Se eu digo isto, porém, áquelles que na escala hierarchica estão abaixo das chamadas classes dirigentes, tambem aconselho a estas classes prudencia, e que não abusem do seu poder.

O futuro é dos que trabalham honradamente, capitalistas, proprietarios ou proletarios. A verdadeira força das massas socialistas reside na união e solidariedade fraternal. Foi assim que os manipuladores conquistaram as condições favoraveis da régie. É assim que hão de mantel-as em outro regimen, mesmo contra os sophismas e ambições de quaesquer exploradores inuteis, ou antes nocivos, no mechanismo social.

União, prudencia e energia, eis o que é necessario, porque a força moral vale mais do que a material, e estes elementos são indispensaveis para conquistar o manter os direitos sagrados das classes proletarias.

Tenho dito.

O sr. Pedro Victor: - Começo por ler a minha moção:

«A camara reconhecendo a necessidade inadiavel, para regular a administração da fazenda publica, de que as receitas e despezas ordinarias do estado se equilibrem e considerando que, na presente conjunctura, só do regimen do exclusivo arrematado, applicado á industria do fabrico dos tabacos, podem provir os rendimentos complementares necessarios ao theseuro, para se attingir aquelle fim, continua na ordem do dia. = Pedro Victor.»

Sr. presidente, tenho de responder ao deputado mais consciencioso e dos mais intelligentes entre os que têem assento n'esta camara. (Muitos apoiados.)

Ha muito que estou costumado a vel-o tratar as questões que discute no parlamento com um cuidado especial, com primorosa attenção, com todos áquelles requisitos, que se podem exigir em um deputado da nação, que tem por timbre bem cumprir e bem desempenhar o seu mandato.

O sr. Fuschini acaba de dar uma prova bem evidente, em abono das minhas affirmações. Conscienciosamente, lealmente, nobremente, veiu aqui declarar que se tinha enganado, que tinha errado os seus primeiros calculos, e não serei eu que abuse de um engano ou do um lapso, em que todos estamos habituados a incorrer.

Esse engano para nós não tem, pois, valor absolutamente algum, e examinarei o discurso do sr. Fuschini, cortando-lhe a parte em que s. exa. se enganou, e apreciando sómente os pontos que o illustre deputado declara exactos. Antes, porém, de entrar n'essa analyse mais minuciosa, vou dizer duas palavras com relação a algumas observações que o illustre deputado apresentou hoje á apreciação da camara.

O illustre deputado depois de fazer, hoje, as rectificações aos seus calculos, apresentou diversas emendas ao proje-

Página 1201

SESSÃO DE 12 DE JULHO DE 1890 1201

cto que mandou para a mesa. S. exa. comprehende que sem ler attentamente essas emendas, sem ter sobre ellas ouvido a commissão e o governo, não me é possivel dar uma opinião categorica sobre o assumpto. Essas emendas têem pois de ser devidamente estudadas, sobre ellas ha de recair um parecer da respectiva commissão e depois virá a occasião opportuna de apreciar, discutir e tratar as diversas questões a que ellas se referem. Devo, porém, dizer desde já que uma grande parte da materia d'essas emendas, decerto a mais importante, foi já considerada no projecto, ou nos additamentos, que no principio d'esta discussão enviei para a mesa, de accordo com a commissão de fazenda.

Houve, porém, um ponto em que s. exa. se demorou mais calorosamente.

S. exa. insistiu em perguntar se era por medo ou hypocrisia que o governo não queria estender aos operarios, que possam ser chamados pelo concessionario ao trabalho da manipulação do tabaco, as mesmas vantagens que des-ructam os actuaes operarios, quando pela morte ou reforma d'estes venha a ser preciso empregar pessoal novo.

Não foi nem por medo, nem por hypocrisia, que o projecto se não refere a esse assumpto.

Se o illustre deputado estudasse a questão e pensasse attentamonte sobre ella, veria que, com a natural mortalidade dos actuaes operarios e com a possibilidade da sua passagem á situação de reformados, durante o praso de dezeseis annos, o pessoal que está actualmente ao serviço da regia, deve chegar para todo o serviço, não sendo preciso chamar pessoal novo e supprindo-se as baixas que se forem dando pelo emprego de machinismos, usados hoje em toda a parte, especialmente no fabrico dos cigarros.

É isto o que se póde deduzir dos dados estatisticos, embora imperfeitos, que nos foram fornecidos pela administração geral dos tabacos.

Aqui tem v. exa. e a camara a rasão por que se não pensou nas condições em que ficariam os novos operarios admittidos ao exercicio da industria do fabrico dos tabacos pelo concessionario; e creio que esta rasão é concludente.

Refiro-me a este ponto porque as observações do sr. Fuschini podiam produzir alguma impressão nas pessoas que o ouviram.

E assim fica cabalmente explicada a rasão por que se não fallou n'esses operarios novos, e bem assim qual foi a idéa e o pensamento do governo e da commissão ao elaborar-se o projecto de lei.

Eu, embora divirja da orientação partidaria do sr. Fuschini, não discordo em muitos pontos da sua orientação politica.

Fui creado desde muito novo lidando com os operarios, estou acostumado a ouvil-os, a apreciar as suas necessidades, a conhecer de perto os esforços que precisam pôr em acção na sua improba e difficil lucta pela vida.

Exerci durante muitos annos a industria metallurgica e mineira, que são de certo d'aquellas em que os operarios passam talvez uma vida mais dura, (Apoiados.) e aonde soffrem mais incommodos e mais perigos a sua vida. (Apoiados.) Por consequencia, é sempre agradavel para mim ver que uma classe operaria, intelligente, honesta e cordata vem, junto dos poderes publicos, fazer sentir as suas necessidades, fazer ver os males que a affligem, e, emfim, procurar nas leis, que se fazem no paiz, remedio para esses males, alivio para esses soffrimentos. (Apoiados.)

É por isso que eu tenho pela classe dos manipuladores do tabaco todo o respeito e consideração.

Esta classe de operarios é a que no nosso paia vae na vanguarda, é a que vae preparando para os seus companheiros de trabalho esse futuro, que hoje na Allemanha se começa já a converter n'uma realidade pratica e aonde o nosso paiz ha de fatalmente chegar. Nessa epocha futura será indispensavel estabelecer leis geraes que protejam e regulem a situação dos operarios, e que tratem de resolver esse grande problema social que hoje preoccupa toda a Europa. (Apoiados.)

É preciso notar, sr. presidente, que os manipuladores de tabaco tem já na lei da régie, e ficam tendo pelo projecto em discussão, maior numero de vantagens do que os operarios de qualquer outro paiz.

Basta dizer-se que ato. está prevenido o caso de haver um excesso de producção industrial e de ser portanto necessario licenciar os operarios, e que mesmo n'este caso os operarios recebem dois terços das suas ferias!

É preciso que se saiba que Portugal foi já adiante da todas as nações, e foi na vanguarda da propria Allemanha, neste caminho social; pois que em relação aos manipuladores de tabaco exdeu-se, neste projecto, embora por circumstancias e motivos ponderoso?, o que é licito esperar-se de qualquer codigo futuro, regulador do trabalho dos operarios.

Este problema social tende a ter uma rapida solução na Europa culta e não occulto da camara que desejaria ver era breve estenderem-se a todos os outros operarios aquellas garantias o vantagens, que hoje já se consideram não como concessões graciosas, mas como verdadeiros direitos adquiridos.

Dito isto, feitas estas consideraçõc?, respondendo d'esta maneira á ultima parte do discurso do sr. deputado Fuschini, vou tratar do combater as opiniões que s. exa. expoz na primeira parto do seu discurso.

Como é costume mando para a mesa a minha moção de ordem.

(Leu.)

Para começar pelo- principio principiarei analysando a moção do illustre deputado, que me antecedeu.

O illustre deputado declarou na sua moção que a experiencia da régie não está completa, que essa experiencia não está feita, e que por esse motivo não só devia variar de regimen.

Eu tenho a declarar á camara que na minha opinião e o sr. Fuschini não defendeu propriamente a sua moção, nem foi exactamente esto ponto que s. exa. se esforçou por sustentar.

O illustre deputado mais especialmente tratou de demonstrar uma outra idéa, e de affirmar um outro pensamento - que os lucros do concessionario seriara excessivos.

É verdade que indirectamente e depois de provada a veracidade d'esta affirmativa se póde deduzir como um corollario a demonstração da moção; mas o que eu quero lembrar á camara é que s. exa. não produziu uma demonstração directa e perfeitamente adstricta á leira e ás indicações da sua moção.

Em todo o caso como a moção fica nos annaes parlamentares, precisa de uma resposta, e vou por isso começar por expor á camara a replica que no meu entender lhe deve ser dada; vou, por assim dizer, fazer a cama onde essa moção terá de ser enterrada. É apenas uma especie de preparo para a sua execução, porque não vou tratar da questão completamente, visto como, muito naturalmente, este assumpto ha de ser mais de uma vez apresentado na téla do debate pelos illustres deputados da opposição, e sobre elle serão dadas as mais amplas e completas explicações; mas como disse vou apenas preparando desde já a mortalha onde a questão terá de ser enterrada.

É até facil de proceder a esse preparo. Bastará fazer perante a camara a singela exposição de alguns numeros. E a este respeito, e já que fallei em numeros, vem de molde dizer que concordo com o sr. Fuschini em que ha unias certas questões que precisavam para se discutir da pedra e giz. É difficil estar a fallar em numeros e conseguir das pessoas que nos ouvem, que sigam e acompanhem as inducções e os raciocinios deduzidos das cifras, sem haver referencia a uns symbolos quaesquer escriptos, que prendendo a attenção, determinem a necessaria concentra-

Página 1202

1202 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ção do pensamento e tornem comprehensivel a demonstração.

Estes numeros que vou apresentar são perfeitamente officiaes, nem eu trazia aqui numeros, dizendo que eram officiaes, sem os ter ido buscar a uma repartição publica, que n'este caso é a administração geral da tabacos, aonde me forneceram os elementos necessarios para as observações que vou expor á camara.

O primeiro facto que tenho a apontar á consideração dos illustres deputados é que, no tempo da liberdade, o consumo de tabacos manipulados se computava entre 2.000 e 2:200 toneladas annuaes, e que, passando-se para a régie o consumo baixou logo a 1:842 toneladas.

Quer isto dizer, que se manifestou logo no primeiro anno um decrescimento de 250 a 350 toneladas, que o contrabando naturalmente suppriu.

Foi na realidade um triste desengano para quem lançou o paiz n'este aventuroso caminho.

Mas disse o sr. Fuschini que o primeiro anno fora irregular, fôra por assim dizer um anno destinado á aprendizagem.

Pois muito bem, e supponhamos que assim fosse, embora as previsões nem de longo se approximassem da triste realidade.

Examinemos o segundo anno da régie.

Tenho aqui duas contas quasi completas da venda, relativas a 1889-1890, ambas fornecidas pela administração geral dos tabacos em duas epochas não muito distantes.

Na primeira faltam alguns elementos para se calcularem as vendas liquidas dos mezes de maio e junho do anno economico findo; na segunda faltam tambem os numeros exactos relativos a maio e junho, acham-se porém calculados pela importancia total das remessas feitas, o que não corresponde ás vendas realisadas, mas representa o limite maximo que ellas poderão attingir.

Tomando, pois, esse limite maximo para representar a venda do 1889-1890 organisei o quadro que vou ler á camara e por onde se aprecia bem a differença do consumo que houve, entre os dois annos economicos de 1888-1889 e 1889-1890:

[Ver tabela na imagem]

O consumo no segundo anno foi portanto de 1:987 toneladas, como se vê da tabella que acabâmos de ler. Ha pois um augmento de consumo, maximo, representado em dinheiro por 252:000$000 réis e em toneladas por 144, que se venderam a mais n'este anno do que no anterior.

O primeiro anno foi de transição, foi um anno de passagem, como disse o sr. Fuschini; este segundo anno é um anno normal e, havendo estes 252:000$000 réis de augmento, parece que vamos em bom caminho, parece que por esta forma a régie dentro em pouco poderia, pelo menos, igualar o consumo do tempo da liberdade.

Mas vamos pausadamente examinar de onde provém este augmento de consumo. Em primeiro logar temos réis 81:000$000 de augmento na 7.ª secção da zona fiscal do Guadiana.

Percebem os meus collegas o que isto quer dizer? Quer dizer que a régie tinha na sua lei e regulamentos o germen creador de uma verdadeira escola do contrabandistas. Isto quer dizer que a zona fiscal com o seu prodigioso e rapido augmento de venda realisou a previsão de que aquella providencia teve por unico merito crear no interior do paiz uma nova raia onde o contrabando, com o proprio tabaco da régie, tomou as mais largas proporções, devido este facto á differença de preço d'esse tabaco das marcas especiaes, vendidas na zona, para o das que se consumiam no resto do paiz, que era de 1$650 réis para 3$500 réis, ou 1$850 réis.

Na 7.ª secção da zona fiscal a população avalia-se em quarenta mil habitantes o sendo a capitação media de tabaco em Portugal, não superior a 450 grammas por habitante, na zona do Guadiana subiu, de um anno para outro, a 2k,151!

O contrabando na 7.ª secção da zona fiscal começou a fazer-se em grande escala logo desde a sua instituição e só a administração dos tabacos é que parecia ignorar este facto. O tabaco das marcas especiaes chegava ao Barreiro e ao Seixal e fumava-se especialmente em todos os concelhos de Beja, Cuba, Vidigueira e em muitos outros pontos dos districtos de Beja e Evora.

Ao Lado da segundo, linha fiscal creou se logo uma segunda linha de gente, que nunca tinha pensado em ser contrabandista, mas que animada pelo estimulo do lucro, pela facilidade da operação e ainda impellida pelas constantes relações que existem entre povoações limitrophes, pertencentes ao mesmo paiz, abandonou as suas habituaes occupações para se entregar com affan á rendosa faina de trazer para fora da zona o tabaco das marcas eapeciaes.

Se porventura se limitasse a quantidade de tabaco do marcas especiaes a vender em cada secção da zona nem assim se evitaria o mal, pois na zona quando faltasse o tabaco barato iria procurar-se a Hespanha e M estava a segunda linha de contrabandistas para dar a este novo producto e ás marcas especiaes prompta e rapida passagem.

O grande mal vem, e insisto em affirmal-o, de se crear uma escola pratica de contrabandistas no interior do paiz.

Expuz estes factos e demorei-me nesta apreciação para demonstrar á camara o valor e significação d'esse augmento de consumo de 81 contos ou de 50 toneladas, que houve do primeiro para o segundo anno da administração da régie.

Esse augmento corresponde a um erro administrativo, que é preciso acabar o mais depressa possivel e a que o sr. ministro já applicou o devido correctivo, ordenando que sem demora findasse a experiencia da 7.ª secção da zona fiscal.

Temos, pois, de pôr de parte esse augmento de consumo, porque não mais se tornara a manifestar e seria mesmo a condemnação de qualquer regimen que n'elle firmasse o acrescimo das suas receitas.

Examinemos agora um outro ponto. Pela lei de 1887, não revogada n'este ponto em 1888, o tabaco manipulado do continente, e importado nas ilhas tem de pagar ali direitos, como se fosse estrangeiro.

Já vejo o sr. Jacinto Candido a olhar para mim, para ver se vou fazer alguma revelação.

Página 1203

SESSÃO DE 12 DE JULHO DE 1890 1203

Pois attenda s. exa. ao que vou dizer e de certo não lhe será indifferente, como dedicado representante que é de um dos circulos açorianos.

O tabaco manipulado que vae d'aqui para as ilhas, segundo a lei de 1887, deve pagar lá os mesmos direitos que o estrangeiro, mas arranjou-se uma operação qualquer, por meio da qual, embora o tabaco tenha de pagar esses direitos, o governo torna a restituil-os á régie. O resultado d'esta operação é que a régie vende o tabaco nas ilhas sem pagar direitos, porque paga-os por um lado e torna a recebel-os pouco tempo depois.

Logo o augmento cio consumo nas ilhas é obtido pela régie, á custa dos direitos e impostos sobre tabacos, que ali se pagam no regimen da liberdade do fabrico, prejudicando assim completamente não só o estado mas ainda o livre exercicio d'aquella industria, garantido aos povos insulares.

Este augmento de consumo não deve, nem póde ser tido como legal, e, n'estes termos, tem de ser considerado como não existente, visto que para se alcançar foi preciso pôr de parte a lei de 1887 em vigor n'este ponto.

Continuando, observaremos que o augmento de consumo no valor de 38 contos, provenientes do ultramar, não 6 devido propriamente ao augmento da venda do tabaco manipulado o representa apenas uma reexportação de folha de tabaco estrangeira, considerada nacionalisada depois de soffrer uma ligeira escolha e novo empacotamento na administração dos tabacos.

Este augmento de rendimento da régie corresponde a um expediente commercial tolerado pelas alfandegas ultramarinas, de accordo com o governo. Em rigor corresponde tambem a um sophisma, com o qual são desfalcados em proveito da régie os rendimentos das alfândegas ultramarinas, pois que a folha de tabaco estrangeiro, passasse ou não pelos armazens da régie, para ser de novo empacotada, deveria pagar direitos no ultramar, como se fosse tabaco estrangeiro, e sendo assim desappareceria todo ou quasi todo o augmento do consumo d'esta proveniencia.

Assim explicadas as causas do augmento de consumo na 7.ª secção da zona, nas ilhas e no ultramar, verificado que a 7.ª secção da zona já terminou e não deveria mesmo ter sido creada, notando que nas ilhas e no ultramar só se obteve o acrescimo da venda á custa de outras receitas do estado e em contravenção com a legislação vigente, resta-nos apenas considerar o augmento do consumo do continente, unico real e que merece ser tomado na devida consideração.

O que aconteceu no continente á venda ordinaria e official da régie? Esta venda augraentou 22 toneladas ou 62 contos de réis, isto é, 1 por cento, de um anno para o outro, suppondo como dissemos que todas as remessas de tabacos feitas em maio e junho, eram integralmente vendidas o que não é muito plausivel acreditar, especialmente em relação á venda official.

Mas, como 1 por cento de augmento de consumo é uma percentagem inferior á metade do acrescimo, que se dava no tempo da liberdade, e como este augmento é calculado em relação a um anno cheio de causas de erro, e considerado como de aprendizagem, a conclusão a tirar é que as mesmas causas de perturbação continuaram a influir no segundo anno de vigencia do regimen da régie e ainda talvez se aggravassem, pois que vamos sempre afastando-nos dos resultados positivos, obtidos nos tempos em que vigorava a liberdade de fabrico.

Mas se vamos por este caminhar até onde chegaremos?

Se o primeiro anno foi um anno extraordinario cheio de perturbações, se foi um anno em que se avolumam as causas de erro devido á inexperiencia de uma administração, que estava fazendo a sua aprendizagem e se no segundo se vende ainda menos do que no primeiro, tomado em conta o regular augmento de consumo, qual é o futuro que se póde esperar da régie?

Não é difficil de prever que esse futuro representa uma, decepção para quem acreditou um instante nos beneficos resultados, entre nós, de uma industria administrada por conta do estado.

Se o nosso paiz estivesse nas condições de se entregar a ruinosas experiencias financeiras, podaria continuar com a régie, verificar ainda á custa do thesouro portuguez essa verdade a que estes dois annos de experiencia já deram os foros de axioma indiscutivel.

Não é culpa da administração nem das pessoas que se encontram á testa da régie, é porque todo o mundo sabe e conhece que com os preços do tabaco que ha no nosso paiz, o systema da régie é o menos próprio para se poder evitar o contrabando.

Todo o futuro da régie, tal como ella se acha organisada entre nós, estaria no augmento da venda e na conquista ao contrabando do augmento do consumo.

Mas n'um paiz, que vende os seus tabacos pelo preço de 3$500 réis o kilogramma, que tem a extensão de raia aberta que nós temos, só o exclusivo arrematado é que dispõe do incentivo e do estimulo necessario para poder debellar convenientemente esse contrabando, sendo-lhe então possivel, como consequencia, desenvolver e acrescer o consumo.

Se no regimen de liberdade ainda é possivel tambem, com o auxilio do interesso particular e individual, oppor um dique ao contrabando, de ha muito é reconhecido por todos que a régie é de todos os regimens aquelle que mais difficilmente póde realisar esse desideratum.

Os dois annos que acabámos de analysar não são mais que uma confirmação das previsões feitas por todos os homens que conheciam bem a fundo esta questão.

Não me demoro mais, sr. presidente, n'esta demonstração, supponho ter dito o bastante para contradictar a moção do sr. Fuschini que, como disse, elle não teve grande empenho em demonstrar de uma maneira directa.

E dito isto, vou como o sr. Fuschini, dividir o meu discurso em duas partes. S. exa. distinguiu na sua oração a parte financeira da parte socialista, eu vou separar as considerações que tenho a fazer em politicas e technicas.

Na parte politica pretendo destruir alguns dos effeitos politicos, que naturalmente o illustre deputado desejou tirar do seu discurso, na parte technica, da qual mais especialmente me occuparei, desejo apreciar os calculos de s. exa. e provavelmente apresentar os meus.

Vejâmos por isso em primeiro logar quaes foram os effeitos politicos, que o meu illustre antagonista pretendeu tirar.

Analysando o n.° 1.° da base 9.ª, disse s. exa. com certo calor o enthusiasmo que lhe repugnava ver como 3:500 contos fossem considerados n'essa base, a fim de se servir 10 por cento para dividendo d'esse capital, e como entravam n'esses 3:500 contos, 2:700 contos, representativos do casco da régie, os quaes depois tinham de ser expropriados o monopolista embolsava depois essa mesma quantia logo que se passasse do monopolio para outro systema.

Ora o meu illustre amigo, que é um engenheiro distincto, e o sr. Ressano Garcia e o sr. Elias Garcia, que são tambem engenheiros por todos considerados, se examinarem o n.° 1.° da base 9.ª, o que é que encontram?

Encontram muito simplesmente escripto n'esse numero o processo para estabelecer a partilha de lucros.

Absolutamente mais nada.

É uma formula. Pôde dizer-se d'aquella maneira ou de outra qualquer.

O que está escripto no n.° 1.° da base 9.ª quer dizer que os lucros do estado se representam por 50 por cento dos lucros liquidos do concessionario o que só começarão a cobrar-se depois que o arrematante receba annualmente liquido 300 contos mais 11 por cento d'esses mesmos lucros.

O que não é logico, nem regular, é fazer raciocinios

Página 1204

1204 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

isolados e sem pôr em equação todos os elementos a que se refere o projecto. É verdade que s. exa. diria baixinho: «Eu bem sói que este argumento isolado assim não tem valor.» Mas acrescentava alto: «Repugna-me muito, não concordo, etc., etc.»

O effeito para as galerias podia ser apreciavel para quem não estudou o projecto. O argumento do illustre deputado não tinha nem sombras de valor, para quem meditasse um instante na questão que se discute.

O que é certo é que o n.° 1.° da base 9.ª em nada influo na economia do projecto, senão para definir a formula applicavel á participação dos lucros entre o concessionario e o estado.

O sr. Fuschini tem tão má vontade ao projecto que até o atacou nos seus mais insignificantes detalhes.

Declarou s. exa. que não havia nexo na exposição das idéas; na base 21.ª descobriu s. exa. uma mistura de assumptos que tornavam a lei verdadeiramente indecifravel.

Ora, vamos examinar o projecto e as idéas que presidiram á sua confecção.

Desde a base 1.º até á base 7.ª estão mais ou menos compendiadas as condições do concurso; a base 8.ª e a base 9.ª referem-se ás obrigações do concessionario; as bases 10.ª e 11.ª tratam dos direitos do concessionario. Isto por ora não vae muito mal; temos o concurso, depois as obrigações, em seguida os direitos do concessionario.

Proseguindo, temos: primeiro as penalidades, em seguida contestações e duvidas, logo adianto as condições de passagem a outros regimens no fim da concessão, e por ultimo as disposições diversas.

Ora, já, vê o illustre deputado que o projecto está escripto com todo o methodo e ordem, e que não ha muito para censurar quando se queira ser mesmo meticuloso sob este ponto de vista.

Mas nós no nosso paiz temos precedentes para tudo. Pois s. exa. não se apresentou aqui em 1888 cantando o avè Cesar, não nos veiu dizer que o sr. Marianno, qual outro moderno Cesar, tinha conquistado as Gralhas nos seus projectos sobre tabacos?

Para s. exa. não era ponto assente que o sr. Marianno tinha subido ao Capitolio, emquanto que nós, pobres gaulezes, escravos, com as algemas nas mãos, seguiamos atraz do carro triumphal do grande conquistador, conscios da nossa pequenez, humildes e humilhados na nossa inferioridade.

Pois não se lembra o illustre deputado d'esse cantico que entoou do alto d'aquella tribuna?

Quer s. exa. sabor para que eu recordei esta passagem dos nossos annaes parlamentares?

Foi para lhe lembrar que esse grande homem, que s. exa. tanto exaltou pela sua iniciativa como ministro, elaborou um projecto similhante ao que actualmente se discute.

S. exa. devia ler esse projecto de lei do sr. Marianno, o de 1887, antes de pretender censurar tão insistentemente a redacção e organisação do que actualmente se discute.

Logo na base 1.ª notaria s. exa. que se encontram misturadas as disposições relativas aos direitos do concessionario com as condições do concurso; depois apparece uma miscellanea de obrigações e direitos do concessionario; mais adiante vem tambem intercaladas disposições diversas com disposições geraes; emfim, uma verdadeira Babel.

Ora este projecto é obra do seu Cesar, do seu grande homem!

Que esse grande homem trouxesse á camara estes trabalhos imperfeitos, não era motivo para o sr. Fuschini se inquietar, agora como somos nós, pobres gaulezes, s. exa. carrega-nos em cima com todo o peso da sua indignação!...

Quando não houvesse outro motivo de reparo, com certeza ha a notar uma grande injustiça relativa.

O sr. Fuscluni só poderia dizer-nos n'este momento para ser coherente: de minimis ne curat proetor.

Eu gosto de metter o meu bocado de latim n'estas occasiões solemnes, em que se encontra um adversario em contradição com as suas proprias declarações, e tenho este habito para disfarçar quanto possivel esta versatibilidade que quero apontar apenas sem desejar insistir.

O sr. Fuschini: - Se v. exa. lêsse o periodo todo em que chamei Cesar ao sr.
Marianno de Carvalho não dizia isso.

O Orador: - Lio-o todo, e até me lembro de que n'essa occasião o sr. deputado Luiz José Dias se levantou e perguntou quem seria o Bruto, ao que v. exa. se recusou a responder, ou a dizer quem elle seria.

Outra ficelle do sr. Fuschini:

S. exa. tambem se indignou muito, e ao mesmo tempo que ha as bases do projecto, ía dizendo baixo: estas observações feitas isoladamente nada significam.

S. exa. indignou-se porque o concessionario recebe no principio da concessão os tabacos manipulados da régie, pelo preço da venda, menos 68 por cento, e depois, no fim, entrega 1:000 toneladas de tabaco, que o estado tem de lhe pagar pelo preço da venda, menos 15 por cento.

Isto é extraordinario, inaudito, e a seguir surgiram uma enorme serie de exclamações em que o illustre deputado pretendia mostrar a todos o erro e o enorme prejuizo para o estado de se introduzirem no projecto aquellas duas clausulas. Tomou s. exa. na mão um livro, traduziu o teor do contrato da arrematação do exclusivo feito entre o governo hespanhol e o concessionario do monopolio n'aquelle paiz, comparou este contrato com o que se projecta fazer em Portugal e voltando-se para o sr. Ressano Garcia disse: aqui está o livro sr. Ressano Garcia, faz favor do o ler e quando lhe chegar a palavra não deixará v. exa. de confirmar a opinião que acabo de expor.

O sr. Fuschini: - O sr. Ressano Garcia foi quem me pediu o livro.

O Orador: - Pois seja assim, mas o que não offerece duvida é que v. exa. chamou a attenção da camara para esse livro e offereceu-o duas vezes ao sr. Ressano Garcia, instado para que todos examinassem o que se tinha feito em Hespanha, para que se examinassem com attenção as praticas do paiz vizinho, a fim de nos servirem de exemplo.

Ora, eu respondo a v. exa. que não precisâmos ir a Hespanha, pois que temos de casa, e bem perto, a lei do seu grande Cesar, que já foi copiar aos hespanhoes.

Vamos, pois, ver o que fez aquelle que v. exa. elogiou tanto.

O sr. Fuschini: - O que eu disse não se póde considerar elogio. Leia v. exa. o periodo todo.

Se foi um elogio, o sr. Marianno de Carvalho, parece que não gostou d'elle.

O Orador: - V. exa. recommenda-nos que appliquemos a lei hespanhola. Eu, para não ir buscar a lei hespanhola, tomo naturalmente a lei do sr. Marianno de Carvalho e basta-nos esta lei não só pela consideração que v. exa. tributa a este homem de estado, mas ainda por ser a sua lei de 1887 calcada da lei hespanhola. Para se apreciar bem como esta questão foi considerada entre nós vou ler a disposição parallela introduzida na lei do sr. Marianno de Carvalho, que é pouco mais ou menos o que se dá em Hespanha.

«Base 9.ª (carta de lei de 18 de agosto de 1887).

.................

«§ 2.° O governo, tres annos antes de findar o praso da concessão, notificará ao concessionario as quantidades e qualidades de tabacos, que d'elle exige para esse tempo, e que lhe pagará pelo preço do custo, acrescido a titulo do restituição de direitos, do equivalente a cada kilogramma determinado pelo quociente da divisão do 43:800 contos pelo numero de kilogrammas de tabaco importado durante o contrato e existente no principio d'elle».

Que quer dizer esta disposição? Feitas as contas, quer

Página 1205

SESSÃO DE 12 DE JULHO DE 1890 1205

dizer que pela lei de 1887 o concessionario tem de entregar ao terminar a concessão um certo numero de toneladas de tabaco, por um preço pouco mais ou menos inferior em 700 réis áquelle que indica o projecto que está em discussão, mas com a differença, que na citada lei não se fixa o numero de toneladas e no projecto actual não póde esse numero exceder a 1:500 toneladas.

Em 1887 não só marca o numero de toneladas, serão as que o governo quizer!

Ora fazendo concordar as idéas, que v. exa. tem exposto era relação á excessiva protecção que v. exa. prevê da parte do governo para com o concessionario, imaginem os illustres deputados, n'essa epocha futura, que numero de toneladas de tabaco manipulado não ha de exigir o governo ao concessionario, quando não tiver esse numero fixo na lei e n'uma prescripção taxativa de que não é possivel fugir.

Era isto que o sr. Fuschini aconselhava?

Era assim que queria e desejava que se redigisse o projecto?

Nós fazemos inteira justiça ao seu bom criterio e de certo s. exa. ha de reconhecer que a disposição do projecto n'este ponto tem incontestavel vantagem á similar que se encontra na lei de 1887.

Com relação á maneira como estas clausulas influem no projecto, é forçoso primeiro fazer as contas. Não é isoladamente, que se póde formar a opinião sobre este assumpto. É preciso fazer a conta, entrando com todos os elementos diversos dentro do calculo e depois ver o que póde ganhar o concessionario e que vantagens podem advir para o estado.

Sem considerar na equação todos, absolutamente todos, os dados definidos nas diversas bases do projecto, é incompleto e erroneo todo o raciocinio e conclusão baseada em apreciações destacadas e incompletas.

Um ponto ha que desejo registar, com referencia ao calculo, em que o illustre deputado reconheceu haver um engano.

O sr. Fuschini elevando a voz repetiu tantas vezes da tribuna «que o concessionario ficava archi-millionarioi que até durante alguns segundos não se ouviram na sala senão aquellas palavras e os echos repetindo: «archi, archi, archi» Mas todo esse quadro profusamente dourado desappareceu completamente, sumiram se no espaço as ultimas syllabas d'aquellas palavras, entrámos n'um periodo de discussão menos phantasista.

Duas palavras a respeito do tabaco manipulado no Douro e das condições em que ficam os cultivadores, assumpto a que s. exa. se referiu hoje com insistencia.

O sr. Fuschini vem á camara pedir para que se conceda um preço fixo de compra para os tabacos cultivados no Douro, fazendo-se assim echo de varias exigencias e de diversos pedidos já feitos pelos agricultores d'aquella localidade.

Eu entendo que nem a camara nem o governo podem acceder ao pedido d'esses cultivadores, e vou explicar a rasão por que não se deve condescender com tal pedido.

Fez-se n'esta casa uma lei, que todos conhecemos, fixando um preço medio para 10 kilogrammas de trigo, colhido no paiz. Quando se pretendeu executar essa lei, tornou-se logo necessario organisar duas tabellas, ou escalas, em relação ao peso dos trigos, uma para os trigos mollares e outra para os rijos, visto que era possivel estabelecer d'aquellas duas grandes variedades de trigos.

Se, por exemplo, em relação aos tabacos fosse possivel organisar escala similhante em relação a uma propriedade bem definida que variasse proporcionalmente ao preço do tabaco, como acontece para o trigo relativamente ao seu preço, nenhuma duvida teria em acceitar que só fixasse um preço medio e se estabelecesse depois uma tabella de preços em relação com as diversas qualidades de tabaco.

Mas terminar um preço fixo para todas as qualidades de tabaco de maneira que o lavrador do Douro desde que tivesse para o seu tabaco esse preço certo não cuidasse mais da sua cultura ou tratasse do plantar tabacos da má qualidade, que em geral dão maior rendimento em folha, para depois o entregar ao monopolista, é um pensamento que não se póde mesmo admittir.

Esta idéa do preço fixo é até contraria aos agricultores, porque nem os estimula a procurarem as melhores qualidades de tabaco para cultivar, nem os incita a bem cuidar do cultivo para obterem melhores preços pelos productos cultivados.

Esta é uma d'aquellas idéas que não se podem sustentar a luz da rasão e dos bons principios. (Apoiados.) Então ha de fixar-se de antemão para o producto agricola o preço fixo do seu consumo sem se attender á sua qualidade? Pois isto é justo. (Apoiados.) Ha alguem que conscientemente possa defender esta idéa? De certo não ha ninguem. (Apoiados.)

O sr. Fuschini, que tem pelo sr. Oliveira Martins tanta consideração, tanto respeito, que nos disse que o seu relatorio devia ser distribuido por toda a camara, e que todos o deviam ler com a maxima attenção, não se recorda do que s. exa. diz sobre o tabaco do Douro? Pois devia ler retido esta parte do mesmo relatorio.

Eu apenas recordarei á camara um periodo bem pequeno que se encontra a pag. 37.

«Compellir a administração a comprar por 400 réis tabaco muito inferior, tabaco em todo o caso diverso d'aquelle a que o consumo está habituado e que se obtem por 163 réis, é lançar-lhe sobre os hombros um encargo que póde ser ruinoso quando as quantidades attinjam proporções consideraveis.»

O sr. Oliveira Martins tece aqui um elogio ao tabaco do Douro, de tal natureza, que ninguem o compraria se acreditar o que s. exa. diz.

Pois este tabaco, que vale 163 réis, tem um bonus de 100 réis que lhe dá o concessionario, e tem ainda um outro bonus de supponhamos, 20 ou 30 réis pela operação de seccagem complementar e fermentação feita por conta do estado: quer isto dizer que no projecto lhe é garantido quasi o dobro do seu valor mercantil. Pagar um producto agricola, a fim de proteger a cultura, por um preço equivalente quasi ao dobro do seu valor, parece-nos mais do que sufficiente para provar as intenções proteccionistas, tanto do governo como da commissão de fazenda.

Mas até me consta que os lavradores do Douro estão muito contentes com as disposições inseridas no projecto, e até o consideram um jubileu, como costuma dizer o sr. conselheiro Dias Ferreira. Tanto assim é que me consta de Alijó, centro da cultura do tabaco, que se preparava um meeting contra o projecto, não se realisando essa reunião por ficarem todos muito satisfeitos logo que tiveram, pleno conhecimento das disposições citadas.

O sr. José Maria de Alpoim: - Lembro a v. exa. que têem vindo representações de differentes camaras municipaes contra o projecto, e eu tenho ainda algumas para apresentar, sendo uma d'ellas do partido regenerador em Alijó.

O Orador: - Eu não conheço em Alijó o partido regenerador, nem o partido progressista; a minha apreciação foi independentemente de qualquer idéa politica.

Continuando na minha ordem de considerações, direi que ninguem póde contestar que pagar-se pelo dobro do seu valor um certo e determinado producto, é quasi exceder os limites da protecção.

Outro effeito politico pretende o tirar o sr. Fuschini insistindo de uma maneira notavel em dizer que a concessão era feita por dezeseis annos e vinha influir no decimo setimo anno, como claramente se indica no relatorio da commissão.

Ora, tomar um facto isolado como já disse, fazer apreciações sobre esse facto, não considerar o conjuncto do projecto, não reunir todas as clausulas para se obter uma

Página 1206

1206 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Idéa geral, completa e exacta, da medida em discussão é apenas querer tirar conclusões que não se podem admittir e procurar effeitos politicos ephemeros que a mais ligeira observação desmorona por completo.

Disse s. exa. que é o primeiro contrato que conhece em que o monopolio se concede por dezeseis annos com influencia no decimo setimo. A rasão d'esta differença é simples.

O sr. Marianno de Carvalho, querendo passar da liberdade para o monopolio propunha doze annos, e comtudo não me consta que o sr. Fuschini se insurgisse contra tal idéa.

A camara deve ter ainda bem na lembrança a indignação que o sr. Fuschini manifestou contra a maneira como foram valorisados os tabacos, que existiam nas antigas fabricas expropriadas. De certo todos se recordam como s. exa. trovejou contra os excessivos preços por que foram pagos esses tabacos, as fabricas, as machinas e os seus utensilios avariados.

Ora justamente é essa a rasão por que agora são precisos dezeseis annos para a concessão, é exactamente por causa das excessivas verbas que se despenderam, e porque se fizeram então despezas avultadas e se perderam grossas quantias, do que não temos responsabilidade nenhuma, que n'este momento o governo propõe ao parlamento a arrematação do exclusivo por tão largo periodo.

Queiram v. exas. examinar os encargos do estado, ver qual foi o dinheiro perdido n'esta questão dos tabacos, examinar todo esse processo. Addicionem todos esses encargos que hoje oneram o nosso thesouro e reconhecerão em como são precisos esses dezeseis annos para ser realisavel o pensamento da proposta do governo aonde se encontra envolvida a idéa de solver esses mesmos encargos.

Estes foram os pontos mais salientes a que o sr. Fuschini se referiu durante o seu discurso, e de que pretende o tirar effeitos politicos. Julgo ter respondido a s. exa. n'esta parte procurando desvanecer o que havia de exagerado e de menos plausivel na argumentação de s. exa.

Vamos agora tratar dos calculos do illustre deputado, não dos errados, das dos que foram rectificados por s. exa.

A primeira conclusão a que chega o sr. Fuschini é a seguinte:

O concessionario, se conservar aos tabacos o preço actual da venda, não ganha absolutamente nada. Foi esta a primeira conclusão a que s. exa. chegou. Eu não discuto agora os numeros, porque mais tarde hei de ter occasião de lhes fazer as devidas correcções, apresentando por essa occasião os meus calculos; mas deixemos por agora os numeros para só pensar no resultado apresentado pelo sr. Fuschini.

Vou repetir ainda o que disse o sr. Fuschini para a camara avaliar bem o alcance d'esta primeira conclusão a que s. exa. chegou:

«Se o concessionario conservar os actuaes preços de vendo dos tabacos, não ganha absolutamente nada.»

Qual é a consequencia logica que eu devo tirar d'esta declaração? É que esta parte do discurso de s. exa. foi destinada unicamente a justificar aquella base do projecto em que se diz que se devem augmentar 20 por cento nos preços actuaes de venda. (Apoiadas.)

Isto é evidente. Pois se com os preços actuaes o concessionario não póde ganhar absolutamente nada, está claro que não se havia de fazer um projecto nem abrir-se uma hasta publica em condições do concessionario não poder nunca ganhar cinco réis. Seria absurdo um projecto concebido n'esses termos.

Logo, a conclusão do sr. Fuschini é que o n.° 7 da base 10.ª em que se estabelece o augmento de preço está bem introduzido no projecto e justifica-se plenamente.

O que restaria apenas para apurar seria o saber se o augmento de 20 por cento em dezeseis annos era excessivo ou não mas que o augmento do preços era indispensavel para que o concurso podesse ser viavel, é o proprio sr. Fuschini, deputado da oposição, que espontaneamente se apressa a declaral-o.

Vamos á segunda parte do calculo.

Na segunda parte do calculo o sr. Fuschini chega á seguinte conclusão: o estado receberá 4:770 contos do réis por anno, e o concessionario 817 contos de réis annualmente.

Logo, diz o sr. Fuschini, quer isto dizer que o concessionario vae fazer um emprestimo ao governo, pelo qual recebe 11 por cento, mais o juro e amortisação do seu capital; isto é, cerca de 20 por cento.

Não tive tempo de repetir os calculos do sr. Fuschini, e por isso não posso agora seguir todos as hypotheses e processos empregados por s. exa. para chegar ao resultado que acabo de recordar á camara.

No emtanto, á primeira vista e por apreciação grosseira. Parece-me que ha logar para fazer uma correcção importante.

Diz o sr. Fuschini que o estado recebo nos dezeseis annos 76:333 contos de réis, quantia esta que dividida por 16 dá por anno 4:770 contos de réis.

Estes 76:333 contos de réis são formados pela seguinte fórma: 68:000 contos de réis provenientes do rendimento das annuidades, isto é, dos 4:250 réis pagos pelo concessionario e repetidos durante dezeseis annos; mais 7:200 contos de réis, mais 1:133 contos de reis que provém da partilha dos lucros.

Parece-me que n'este calculo o sr. Fuschini não entrou em linha de conta com os juros accumulados dos 7:200 contos de réis cobrados pelo estado no principio da concessão.

Tambem s. exa. não considera que os impostos sobre tabacos das ilhas adjacentes pertencem ao estado, e que por isso ha logar para acrescentar no rendimento annual mais 40 contos de réis approximadamente.

(Interrupção do sr. Fuschini.)

Parece-me que v. exa. deveria ter feito a sua conta anno por anno contando os juros accumulados; mas, da maneira por que a fez, parece-me que dá logar a grandes differenças. (Apoiados.)

Eu francamente não tive tempo para examinar o calculo do illustre deputado, não fiz mesmo a indispensavel tabella das quantias a receber e a pagar pelo concessionario, mas salta logo aos olhos que é preciso contar com os juros compostos no calculo e acrescentar mais 40 contos dos impostos das ilhas alem de 80 contos de impostos de licença, para se avaliarem as receitas do estado. Não sei se me fiz comprehender bem...

(Interrupção ao sr. Mattozo Santos).

Nós bem sabemos que s. exa. tem muita pratica d'estas questões e facilmente se assenhoreia de qualquer assumpto. Se as modificações que á primeira vista e grosso modo me parecem que podem ser feitas na segunda parte do calculo do sr. Fuschini têem rasão de ser, então o estado receberá annualmente 5:443 contos, embora o empréstimo de 7:200 contos custasse 20 por cento ou mais que fosse.

Pagar 20 por cento annuaes ou mais pelos 7:200 contos, mas acrescer o estado a sua receita de tabacos de 1:647 contos por anno, francamente, vale bem a pena.

(Interrupção do sr. Fuschini).

O illustre deputado não póde facilmente fazer estas contas de cabeça; ha de fazel-as detalhadamente para poder mostrar o que deseja. O que eu vejo á primeira vista nas contas relativas ao estado é que faltam uma avultada somma de juros accumulados e na conta do concessionario falta apenas uma pequena parcella d'esses mesmos juros accumulados.

No emtanto como eu terei naturalmente occasião de examinar em detalhe os calculos do illustre deputado, reservo me para então formular a minha opinião com a possivel exactidão.

Página 1207

SESSÃO DE 12 DE JULHO DE 1890 1207

Antes de terminar hoje o meu discurso e visto que o sr. Fuschini na primeira parte do seu calculo vem em meu auxilio defendendo o augmento de preços dos tabacos, consignado no projecto, vou ainda referir-me muito ligeiramente a esse celebre augmento do 20 por cento, que tanto tem commovido a imprensa periódica n'estes ultimos dias.

Nós já sabemos que o sr. Fuschini demonstrou a indispensabilidade de pôr no projecto uma base augmentando o preço, aliás o concessionario não ganharia nada. Mas tem-se levantado na imprensa, e com insistencia, a questão de que ha uma extraordinaria differença entre o projecto da commissão e o projecto governamental, e que é muito mais vantajoso para o concessionario o adoptar-se a disposição do projecto do que a idéa consignada na proposta governamental.

A este respeito ha uma verdadeira illusão que eu desejo desfazer.

É preciso em primeiro logar que se saiba que este projecto é trazido á camara com a maxima boa fé. (Apoiados.)

O sr. Francisco José Machado: - Qual é o projecto que tem vindo aqui de má fé?

O Orador: - Não sei, mas sempre é bom fazer esta declaração. V. exa. é muito novo, não tem ainda bastante experiencia, é um ingenuo (Riso.)

Olhe que muitas vezes acobertam-se maus sentimentos sob as apparencias mais enganadoras. Examine s. exa. os seus correligionarios, um a um, e tome na devida consideração o conselho que eu lhe dou. Não se fie sempre na Virgem.

O sr. Francisco José Machado: - Eu não sou medico, se fosse poderia auscultal-os.

O Orador: - Se alguem póde imaginar que ha n'este projecto um alçapão ou uma porta falsa; se ha aqui alguma phrase, alguma palavra, ou alguma virgula, qualquer cousa emfim que represente ou possa representar um pensamento ambiguo ou duvidoso, os illustres deputados da maioria ou da minoria fariam um grande obsequio ao governo ou á commissão em apontar esse defeito porque não houve da nossa parte similhante intenção e estamos promptos a supprimir essa phrase, palavra ou signal que envolva qualquer idéa preconcebida, ou que possa ser origem para a mais insignificante fraude. (Apoiados.)

Mas voltando aos 20 por cento.

O que diz a proposta do governo?

Diz que não se póde alterar o preço nas marcas actuaes, e logo a seguir declara que, relativamente a todos as outras marcas, se póde estabelecer o preço que o concessionario quizer.

O que faria naturalmente o concessionario?

Logo que ficasse esta disposição a reger no seu contrato, tratava de desacreditar as marcas actuaes da régie, fabricando-as com tabaco avariado, com toda a especie de residuos de fabricação, ou ainda com tabaco que o gosto do publico rejeitasse absolutamente, e isto sem haver meio nenhum de tal impedir, pois que a lei não póde perceituar a qualidade de tabaco a introduzir em cada marca fabricada.

Concorrentemente o concessionario acreditava as novas marcas que fabricasse, e feito isto augmentava sem limitação o seu preço de venda nos termos da lei que lhe dava essa ampla liberdade.

Marcando nós o maximo para o augmento do preço, não fizemos mais que estabelecer uma condição muito mais restricta para o concessionario do que aquella que lhe dava a proposta do governo, em que elle tinha a liberdade completa de crear marcas novas e de as vender pelo preço que julgasse por mais conveniente.

V. exa. acha que é muito, marcar o augmento de 20 por cento nos preços durante dezeseis annos? Pois saiba que desde 1864 até hoje o preço do tabaco augmentou cerca de 110 por cento.

Ora, comparando este augmento, de 1864 até hoje, com o augmento de 20 por cento concedido pelo projecto para 16 annos, vê-se que a concessão está longe de poder ser considerada exagerada para o consumidor.

Se não se estabelecesse o limite maximo de 20 por cento para acrescimo dos preços, o concessionario, fatalmente, com a disposição que se encontrava na proposta governamental, e ainda no projecto do sr. Marianno de Carvalho, desacreditaria as marcas antigas, cujos preços não podia elevar, e trataria de fazer fumaveis só as novas marcas, para as vender pelo preço que entendesse.

Este augmento de 20 por cento, que se concedeu, foi uma perfeita restricção, e senão, pergunte v. exa. aos homens entendidos no assumpto qual das disposições preferiam, sendo os monopolistas, e de certo não haverá um unico que não desse preferencia a disposição da lei do sr. Marianno de Carvalho, á que se encontra no projecto em discussão.

O sr. Presidente: - Eu tenho a prevenir v. exa. de que pouco falta para dar a hora, e estão varios srs. deputados inscriptos para antes de se encerrar a sessão. Se v. exa. quer interromper o seu discurso, eu reservo-lhe a palavra para a proxima sessão.

O Orador: - Se v. exa. m'o permitte fico então com a palavra reservada.

(O orador foi muito cumprimentado.)

O sr. Monteiro Cancella (para antes de se encerrar a sessão): - Sr. presidente, antes da ordem do dia fallei ácerca de graves acontecimentos que tinham occorrido em Cezimbra e já depois fui informado de que os factos a que me referira, e que são de gravissima importancia, tinham ali continuado e se preparavam outros mais graves ainda.

Consta-me, sr. presidente, que a auctoridade administrativa deste districto mandou proceder a uma syndicancia ácerca dos actos do juiz municipal e por consequencia illegal e arbitrariamente (Apitados) porque, como v. exa. sabe, os juizes municipaes não estão sob a immediata jurisdicção da auctoridade administrativa. (Apoiados.)

Alem d'isto consta-me tambem que se preparam ali grandes tumultos para segunda feira, dia em que hão de ser julgados alguns cidadãos d'aquelle concelho. Dizem que os partidarios do administrador do concelho é que preparam esses tumultos, ameaçando o juiz municipal, resultando daqui que a independencia do poder judicial se acha coacta porque a querem violentar. (Apoiados.)

Esse auto de syndicancia, a que o administrador do concelho mandou proceder, foi o papão que se quiz apresentar ao juiz municipal para elle vacillar diante do seu julgamento.

Como disse, preparam-se grandes tumultos para segunda feira a fim de ser maltratado o juiz, e eu peço ao sr. ministro da fazenda o obsequio de chamar para este facto a attenção do governo, por isso que elle é de bastante gravidade. (Apoiados.)

Como estou com a palavra permitia-me v. exa. que eu dê uma breve resposta ao sr. Costa Pinto.

S. exa., a proposito de eu me ter referido aos factos passados em Cezimbra, disse que lamentava que eu me fizesse echo das influencias e mandões locaes. Eu agradeço, mas não acceito a sua lamentação. Eu aqui e em qualquer parte não faço mais do que defender os direitos dos desprotegidos contra as prepotencias administrativas. E quando venho aqui defendel-os não me lembro só são meus amigos ou meus inimigos politicos. (Apoiados.)

Eu não conheço ninguem em Cezimbra, e por consequencia nada ha de particular n'esta questão. O que faço é defender os direitos dos opprimidos, porque o estão sendo os que não são amigos do governo. (Apoiados.)

O sr. Jayme Pinto não tratou de defender os seus amigos, mas de accusar o juiz municipal, que eu não conheço, de andar a fazer rondas. Eu não sei se elle as fez ou não, o que sei é que se passam factos graves, a que é necessario dar um remedio, porque Cezimbra. está sobre um

Página 1208

1208 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

vulcão e á mais pequena faulha podem dar-se successos muito perigosos.

Peço, pois, ao governo que tome providencias energicas para evitar que na segunda feira se dêem conflictos graves, que todos tenhamos que lamentar. (Apoiados.)

O sr. Costa Pinto: - Disse que, quando se tratava de defender opprimidos, era sempre o primeiro a pôr-se do seu lado, assim como ãXo tinha por costume fazer accusações, e sim perdoar quando era offendido.

Havia oito dias que se dera o facto do juiz municipal se permittir invadir as attribuições da auctoridade administrativa, creando conflictos.

Fazia justiça ao sr. Cancella e parecia-lhe que s. exa. não conhecia bem como os factos se passaram, e a pessoa que o informou informára-o mal.

O juiz municipal de Cezimbra permittia-se a liberdade de andar a fazer rondas, acompanhado de um official de diligencias o de um guarda campestre, e não lhe parecia que isso lhe fosse peruiittido. Perguntava se os juizes municipaes podiam fazer rondas e prender individuos a seu bello talanto, absolvendo ou condemnando no dia seguinte os individuos que prenderam?

E para que este negocio se esclarecesse devidamente, mandava para a mesa o seguinte requerimento:

Requeiro que seja remettida a esta camara copia do auto de investigação ou de syndicancia mandado levantar pela auctoridade administrativa, ácerca do conflicto de jurisdicção entre o juiz municipal do Cezimbra e o administrador do mesmo concelho. = J. da Costa Pinto.

(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)

O requerimento mandou-se expedir.

O ar. Avellar Machado: - Pelo extracto official da sessão de 8 de junho vi que o nosso collega o sr. Bernardino Pinheiro apresentara uma representação da camara municipal de Abrantes.

Estou informado de que o facto não é exacto.

Por conseguinte ou v. exa. foi mystificado, ou ha um engano no extracto da sessão.

Peço a v. exa. que faça apurar a verdade e rectificar o extracto da sessão, se n'essa parte não é exacto, ou se o illustre deputado foi mystificado, elle dirá o que só lhe offerecer.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira é a continuação da que estava dada e mais o projecto n.° 147.

Está levantada a sessão.

Eram quasi seis horas e meia da tarde.

O redactor = Barbosa Colen.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×