O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 305

(305)

N.º 18. Sessão em 26 de Abril 1849.

Presidencia do Sr. Vaz Preto.

Chamada — Presentes 51 Srs. Deputados.

Abertura — Á meia hora depois do meio dia.

Acta — Approvada.

CORRESPONDENCIA.

Officio. — Do Sr. Gorjão Henriques, participando que por se ter aggravado o seu incommodo de saude, não póde comparecer á sessão de hoje, e talvez a mais algumas. - Inteirada.

Tambem se mencionou na Mesa

Representação. — Da sociedade farmacêutica Lusitana, apresentada pelo Sr. Presidente, offerecendo um projecto para dar amplo desenvolvimento aos estudos farmaceuticos. — Á commissão de Administração Publica, e depois á de Saude Publica.

O Sr. Assis de Carvalho: — Sr. Presidente, mandei hontem para a Mesa uma rectificação á inexactidão com que tinha sido publicada uma substituição que eu fiz ao art. 1.º do projecto n.º 38; essa substituição vem hoje debaixo do titulo de errata, e vem ainda hoje inexacta: a minha substituição mudava a natureza facultativa do artigo para a preceptiva; hoje vem só mudando o praso, mas não lhe muda a natureza de facultativa para preceptiva: por tanto desejava que se renovasse isto, mas como rectificação.

O Sr. Forjaz: — Vou mandar para a Mesa uma representação da ordem terceira de S. Francisco da Cidade do Porto, sollicitando como possuidora da avultadissima quantia de 100 contos de réis em moeda papel, providencias legislativas para o seu pagamento. Faltaria a um dever, como Deputado pelo Porto, se não chamasse a attenção do Parlamento sobre esta representação. O respeitavel estabelecimento representante não só tem a satisfazer ás despezas do culto divino em dois templos, mas de sustentar um numero consideravel de entrevados, e de

VOL. 4.º — ABRIL. — 1849.

77

Página 306

(306)

ter aberto o seu hospital pora os pobres enfermos. Os meios de que dispõe, são assaz escassos em comparação das despezas que faz, e dos beneficios que presta, e ha muito teriam desapparecido, se não fosse a reconhecida filantropia dos habitantes da cidade do Porto; porque essa escassez de meios, e o empate de 100 contos de réis em moeda papel, parte nos seus cofres, o parte na máo de seus credores, não lhe permittiria só por si prover a estas obrigações. Não tracto de desenvolver os principios de justiça, em que se funda esta representação: o anno passado aqui vieram differentes representações neste sentido; mas o Governo não apresentou medida alguma a este respeito. Sr. Presidente, eu não possuo uma unica apolice de papel moeda, mas lastimo que o Governo, devendo ser o primeiro interessado em propôr a reparação da injustiça, com que tem sido tractados os credores de papel moeda, não apresentasse nas suas medidas uma só idéa que tractasse de beneficiar esses credores. Sol licito pois da illustre commissão de Fazenda, que se sirva attender a objecto tão importante, dando quanto antes o seu parecer, e favoravel, sobre taes representações: e mando para a Mesa esta de que me tenho occupado, pedindo a V. Ex.ª que se sirva manda-la á commissão de Fazenda.

Ficou fará seguir os termos regulares.

O Sr. Albano Caldeira: — Mando para a Mesa tres pareceres da commissão d'Administração Publica.

Ficaram para ser discutidos opportunamente, e se transcreverão quando se discutirem.

O Sr. Barão da Tôrre: — Mando para a Mesa uma representação da Camara Municipal de Villa Nova de Famalicão, na qual pede que se approve o projecto do Sr. Pereira dos Reis, para o Governo ser auctorisado a rescindir o contracto do sabão.

Ficou para seguir os termos regulares.

O Sr. Costa Lobo; — Sr. Presidente, são mui justas as queixas dos possuidores de papel moeda: a este respeito tenho de dar algumas explicações, porque circumstancias particulares me obrigam, em satisfação dos meus deveres, e mesmo do que me encarregaram os seus constituintes, afazer aqui algumas declarações a respeito deste projecto.

O Sr. Presidente: — O illustre Deputado não póde agora fallar sobre esse objecto, porque fica reservado para ámanhã, só se tivesse pedido a palavra sobre a ordem.

O Orador: — Então peço a palavra sobre a ordem.

Sr. Presidente, quando em 1846 tive a honra de ser Deputado pelo circulo do Douro, os possuidores de papel-moeda convidaram-me a uma reunião, e ahi apresentaram as suas queixas, e como tinham sido desattendidas as suas pertenções: o anno passado desejava apresentar um projecto a esse respeito, mas infelizmente nesse anno tractava-se da amortisação das notas, sobre o que eu por vezes tive a honra de fallar nesta Camara, e sustentar o projecto que depois foi convertido em lei, e por causa desta gravissima questão não póde por consequencia attender-se a este objecto; apresentei eu algumas representações sobre o papel-moeda, e entre ellas, uma da Misericordia do Porto, na qual representava a esta Camara, que as portas da sua casa benefica e do seu hospital estavam em termos de se fechar, se acaso a

Camara não désse providencias para que esta moeda fosse satisfeita. Todos sabem, que se deu a este papel um curso forçado, e que este curso foi suspenso, mediante a palavra de promessa de pagamento; chegou o tempo em que devia ser pago, e não o foi, ficou sem circulação esta moeda, e ficou sendo um papel quasi de nenhum valor; e tanto assim é, que hoje no mercado não vale mais do que 10 ou 11 por cento; e os possuidores ficaram soffrendo em consequencia de um acto do Governo, que estava compromettido ao pagamento daquelle papel, e debaixo dessa condição tinha retirado o curso forçado, mas chegando, como já disse, a época do pagamento, não foi este realisado: por conseguinte estes damnos continuam. Todos estes estabelecimento e pessoas interessadas demandam que a Camara, e primeiro a illustre commissão de Fazenda, prestem attenção a este objecto com a maior circumspecto; por isso que, 2 ou 3 annos são passados, e nenhuma providencia ainda appareceu para fazer justiça a estes credores. Eu o anno passado sustentei um projecto, como já disse, acêrca das notas, porque entendia que o Governo estava obrigado apaga-las; mas todas estas razões tem a mesma força a respeito do papel-moeda, que desde a sua creação teve logo a qualificação de moeda com curso forçado; e sendo-lhe tirado, não se pensou mais, nem no pagamento, nem em medida alguma que tendesse a melhorar a sorte dos possuidores destes titulos.

Por consequencia entendi do meu dever fazer estas reflexões, e chamar do Governo e da commissão de Fazenda toda a attenção sobre este objecto.

O Sr. Ferreira Pontes: — Sr. Presidente, na Secretaria da Camara acham-se dois mappas que foram enviados do Governo em virtude de requerimentos que fiz á Camara, d'onde consta o numero das religiosas, e o rendimento de cada um dos conventos do Reino, e as quantias que se tem despendido com elles: tambem consta que neste anno se acham designados pára esta despeza 5 contos e tantos mil réis, que é a que se designara nos annos antecedentes. Igualmente consta que ha conventos, cujas religiosas não tem para viver 40 réis diarios, que não tem até agora recebido um real do Governo, entre outros conventos apontarei os da Cidade de Braga, que sendo hoje todos pobres, porque das suas dotações que consistiam em dizimos, ficaram privados com a extincção delles, e dos padrões reaes de que alguns eram credores ao Estado, e tambem ficaram privados pelo decreto de 7 de janeiro de 1837, promettendo-se-lhes uma indemnisação que até agora senão tem realisado, porque com os conventos daquella Cidade ainda senão despendeu real, havendo alguns que não tem com que satisfaçam as despezas dos reparos dos edificios.

Sr. Presidente, já na sessão passada na occasião em que se discutiu o orçamento, expuz que era indispensavel attender-se a esta precisão designando-se o que cada um havia de receber; respondeu-se-me que essa verba vinha incluida na despeza geral das classes inactivas, e que o Governo havia de attender a todas as que estivessem precisadas; e a prova do cumprimento que se deu a esta solemne promessa, ahi consta desses documentos officiaes; para mim não era já precisa esta prova, as minhas appreensões fundavam-se no que havia acontecido nos mais annos, e no que de ordinario costuma acontecer, sempre que

Página 307

(307)

fica dependente do Governo qualquer despeza que diga respeito a objectos semilhantes

Sr. Presidente, se no orçamento senão designar expressamente o que cada convento ha de receber, acontecera no anno que vem, o que aconteceu neste e nos anteriores eu confio em que a Camara amestrada pela experiencia ha de prover de remedio a este mal E para que a commissão de Fazenda tenha tempo de apresentar esta proposta, e hão se veja embaraçada a Camara, quando se discutir o orçamento, me resolvi a offerecer o seguinte requerimento de que peço a urgencia (leu).

Sr. Presidente, aproveitarei a palavra para lembrar á commissão das Misericordias a necessidade de dar o seu parecer sobre uma representação da Misericordia de Estremoz, que ha tempos eu apresentei, em que expõe os grandes prejuizos que soffrerá, se lhe forem applicaveis algumas das disposições da lei dos foraes de 23 de junho de 1846. Iguaes representações têem vindo de outras partes: hoje não ha outros estabelecimentos de caridade nas provincias, que prestem soccorros á pobreza enferma, e se ellas se veem obrigadas a fechar os seus hospitaes, grande numero de pobres perecerão logo que tenham qualquer enfermidade grave, porque não costumam estes fazer reservas, uns por falta de meios, porque mal lhes chega o que ganham para as despezas diarias, e outros por falta de economias, com esta lembrança declaro não ser minha intenção o lançar a menor censura sobre a commissão

Posta a votação a urgencia do requerimento, foi rejeitada (Quando tiver segunda leitura se transcrevera.)

O Sr. Fonseca Castello Branco — Era só para dizei ao illustre Deputado, que increpou de alguma maneira a commissão de Misericordias por não ter dado o seu parecer ácerca da representação da Misericordia de Estremoz: que se tivesse prestado toda a attenção á approvação dos pareceres que hontem teve logar, veria que esse parecer se tinha approvado.

O Sr. Silvestre Ribeiro — para mandar para a Mesa um parecer da commissão de Administração Publica

Ficou para ser discutido opportunamente, e então se transcreverá.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão na generalidade do projecto n.º 38. (Vid. sessão de hontem)

O Sr. Silva Cabral: — (Sobre a ordem) Sr. Presidente, parece-me que é da intenção da Camara o alcançai que esta questão seja dirigida de maneira que possa produzir os seus devidos effeitos. Nós entrámos hontem na questão da generalidade do projecto, mas parece-me, e ninguem o contestara, que se a generalidade se entender como tem sido practica ser entendida pela Camara, nós não teremos feito nada na larga discussão que já tem havido sobre este importante objecto Se se attende) ao parecer da illustre commissão de Legislação, vê-se que ella considerou particular e especialmente a questão grave, que involve o projecto quasi todas as razões do relalotio tendem a fixai a intelligencia do art. 54.º da Carta Constitucional A commissão e tão explicita a este respeito que diz n'um dos seus periodos — que não se precisa de outro elemento para resolver este negocio, senão do que esta disposto no mesmo art. 54 0 — e toda a discussão tem versado exacta e restrictamente sobre a questão — se o art. 54.º confere funcções e attribuições consultivas á commissão Mixta, ou se lhe confere funcções e attribuições deliberativas

Se V. Ex.ª, chegando a questão ao seu termo, tivesse de propôr a generalidade do parecer, como ordinariamente se tem entendido, isto é, se a materia devia ou não entrar em discussão, esta claro, que a Camara havia de votar, no meu modo de entender, unanimemente a favor da generalidade. Era um projecto que vinha da outra Casa, e alem disso sobre um objecto que todos entendem dever ser regulado por uma lei especial, visto que os pontos que faltam naquelle artigo, não estão providenciados, nem regulamentar, nem constitucionalmente. donde se segue que toda a discussão que tem havido sobre o ponto principal, seria inteiramente inutil, e de certo a Camara não quererá depois de se approvar a generalidade, no que não póde haver duvída alguma, que se repitam todas as questões que vierem aqui sobre um ponto que é justamente aquelle que comprehende a questão constitucional, a questão legal, isto e — se por ventura as commissões devem ter attribuições consultivas, ou attribuições deliberativas: — eis o campo em que a Camara se tem achado de um e outro lado Por tanto e esta a proposição que eu entendo que se deve sujeitar á votação da Camara, para se ganhar tempo, porque desta sorte a commissão, segundo a deliberação da Camara, terá de regular os artigos subsequentes, visto que este e o artigo primordial, o artigo cardeal, e fundamental da lei.

Mando por tanto, neste sentido, e para regularidade dos trabalhos, para a Mesa a seguinte

Proposta. — «Proponho que a votação seja sobre um quesito, isto é, se as attribuições das commissões Mixtas hão de ser consultivas ou deliberativas, — Silva Cabral

Foi admittida, e ficou em discussão O Sr. Pereira de Mello — Eu abundo nas idéas que fundamentam a proposta, mas o que me parecia, mesmo para a Camara sair das difficuldades em que tem de se achar, é que devia votar primeiro a generalidade, approvando o pensamento, do projecto e depois passar á especialidade, no principio da qual esta essa questão que é a unica que contem o projecto; porem querer que na generalidade se questione e vote o artigo principal, embora elle seja o fundamento principal do projecto, não me parece accorde com os principios O pensamento geral do projecto é regular o art. 54º da Carta, este e o pensamento geral como bem disse o illustre Deputado, estamos todos concordes, mas o projecto esta em discussão na sua generalidade, quero dizer; esta em discussão se este pensamento deve ou não ser abraçado pela Camara, no que creio que todos estão de accôrdo, mas o nobre Deputado quer que na generalidade entre em discussão a doutrina do primeiro artigo do projecto: concordo em que é essa toda a questão, mas é na especialidade que ella se deve de tractar Devendo pois distinguir-se segundo o regimento a generalidade da especialidade, deverá por conseguinte votar-se a generalidade, e depois se discutirá a especialidade aonde necessariamente vem a questão do illustre Deputado que é em realidade a

Página 308

(308)

que temos discutido; mas entendo que não deve a questão da especialidade discutir-se, quando esta em discussão o pensamento da generalidade. Esta é a minha opinião; estando com tudo accorde com o illustre Deputado quanto aos principios, que fundamentaram a sua proposta.

O Sr. Silva Cabral: — Sr. Presidente, eu não gósto de gastar o tempo em preludios; o que quero é alcançar o meu fim, sem que o tempo se consuma inutilmente (apoiados). É-me indifferente que se vote a minha proposição ou que te passe á especialidade, com tanto que isso não interrompa a discussão da questão principal, mencionada na minha proposição: tudo o mais é inteiramente accidental. Adopte portanto V. Ex.ª o methodo que entender, na certeza de que eu não tenho duvida nenhuma, nem faço questão de que se adopte um ou outro, com tanto que não tenhâmos de reproduzir as questões e gastar tempo sem utilidade, e que se tracte de dispensar a generalidade, continuando a discussão sem interrupção e na fórma já estabelecida, porque seria inutil darmos-lhe coméço, nem isso é já possivel, nem cabe nas fôrças humanas. Tanto me importa, digo, que se vote a minha proposta, como que se decida que continue na especialidade a questão que se tem agitado na Camara; para mim é a mesma cousa.

O Sr. Xavier da Silva: — Sr. Presidente, eu pediria a V. Ex.ª que consultasse a Camara sobre se dispensando o regimento, consente que se passe já á especialidade do projecto, (apoiados)

O Sr. Silva Cabral: — Sem interrupção da questão principal (apoiados) (Vozes: — Sem prejuiso das inscripções), (apoiados)

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Xavier da Silva propõe que se passe á especialidade sem prejuiso das inscripções (apoiados). Os Senhores que querem, primeiro, dispensar a generalidade, e, segundo, dispensar o regimento para se entrar já na especialidade, tenham a bondade de se levantar.

Decidiu-se affirmativamente.

O Sr. Presidente: — Dispensou-se pois a discussão da generalidade, e passa-se a tractar da especialidade.

Agora eu consulto a Camara sobre se estando já na especialidade esta discussão, deve subsistir a mesma inscripção.

Assim se approvou.

O Sr. Fontes Pereira de Mello: — Sr. Presidente, esta questão tem sido tractada muito proficientemente por um e outro lado, e talvez eu podesse dispensar-me de entrar tambem no debate; com tudo como reputo esta questão summamente importante, desejo fundamentar o meu voto, e apresentar á Camara algumas considerações que me occorrem, não digo para fortalecer os argumentos do illustre Deputado que tem combatido o parecer da commissão, porque não precisam do fraco apoio que eu lhe poderia dar, mas para augmentar ainda, se é possivel, a somma das razões, com que se deve combater o parecer da commissão.

Sr. Presidente, a questão que nos occupa, diz respeito especialmente ao art. 54 da Carta Constitucional, e para assim dizer a lei organica do art. 54: a variedade de opiniões têm consistido no modo porque se tem entendido desde 1826 aquelle artigo, e do modo porque se pertende entender hoje; ha por tanto uma contestação entre a practica seguida ale hoje, e entre o direito que se deve considerar daqui por diante. Eu declaro desde já que não me conformo de maneira nenhuma com o parecer da illustre commissão. Se se tractasse nesta questão de jure constituendo, eu não teria duvida de emittir a minha opinião, que não era nem a do projecto da Camara dos dignos Pares, nem tão pouco a do parecer da illustre commissão de Legislação: eu neste caso seguiria antes a douctrina consignada na Carta franceza de 1814, e na de 1830. Estou convencido de que as commissões Mixtas devem ser como são em Inglaterra, que é a fonte, julgo eu, das disposições do art. 54, porque em nenhuma outra Constituição que eu conheça, vejo disposição alguma a respeito de commissões Mixtas, a não serem as practicas da Constituição ingleza, do parlamento inglez. As commissões Mixtas entre nós pouco resultado poderão dar, poderiamos com vantagem dispensa-las: em Inglaterra teem um caracter inteiramente diverso daquelle que teem tido em Portugal, daquelle mesmo que se lhes pertende dar agora; os illustres Deputados sabem melhor do que eu que as commissões Mixtas lá são secretas, começa por serem á porta fechada; e não são sempre do mesmo numero de membros, esse numero varia segundo as conveniencias das circustancias, e segundo a natureza da questão; se a commissão é para um objecto mais ou menos grave, assim tambem tem maior ou menor numero de membros: portanto são de uma natureza inteiramente diversa daquella que teem tido entre nós as commissões Mixtas até agora, e da que terão daqui por diante, quando mesmo passem as disposições consignadas no projecto.

O systema estabelecido na Constituição do Imperio do Brasil parece-me então ainda mais absurdo, digo parece-me completamente absurdo, porque falsea um principio de direito consignado na mesma Constituição, que é o da independencia, e igualdade das funcções dos dois ramos do Poder Legislativo, porque reunindo-se as duas Camaras em uma mesma sala necessariamente ha de alterar-se esta independencia, e igualdade.

Mas, Sr. Presidente, nós temos a Carta Constitucional que é a Constituição do paiz. e devemos observa-la, e na Carta Constitucional determina-se que haja commissões Mixtas; o que nos cumpre portanto, é interpretar convenientemente os artigos da Carta correspondente, de sorte que não se tenham em conflicto uns com os outros, e que se interpretem no sentido dos principios do direito constitucional: e então parece-me que a intelligencia dada pela Camara dos dignos Pares do Reino ao art. 54, é a mais conforme com os principios do nosso direito constitucional, com os principios do direito constituido da Carta. Se os houvessemos de ir buscar fóra, o que não era preciso para aqui, a nenhuma parte podiamos ir senão á legislação ingleza, onde a douctrina que se segue, esta perfeitamente de accordo, ou para melhor dizer, esta mais de accordo com o que propõe a Camara dos dignos Pares.

Pela apreciação das razões que apresentou a illustre commissão de Legislação para fundamentar a sua opinião, eu não vejo, a dizer a verdade, quer do seu relatorio, quer do enunciado nesta Camara por parte dos seus distinctos membros, não vejo, digo, outra razão mais forte do que a practica inalteravelmente se-

Página 309

(309)

guida desde 1826, e os illustres Deputados sem combaterem os principios que se adduziram para fundamentar a opinião contraria, intrincheiraram-se neste reducto que julgaram inexpugnavel, mas que eu na minha opinião entendo ser muito fraco para se defenderem contra os verdadeiros principio», que não desconhecem. E creio, Sr. Presidente, que o illustre Deputado, que se senta na Mesa, e defendeu a interpretação que elle julga se deve dar á Cai la no seu espirito, sem o querer, fez uma grave censura á mesma Carta, uma gravissima censura sem querer, todos sabemos que não podia isso ser, nem póde ser nunca o pensamento do illustre Deputado, que se senta na Mesa, e que esta aqui em virtude da Carta.

O illustre Deputado disse — que a Camara dos dignos Pares do Reino se linha elevado á altura dos principios, elaborando, como diz no seu relatorio, este projecto de lei organica do artigo 54 mas que não era admissivel, porque a Carta determinava uma cousa inteiramente diversa: — o illustre Deputado, a passar esta opinião, o que provava era que a Carta não estava na altura dos principios, e isto certamente não podia ser da sua intenção: o illustre Deputado com este argumento mostrou evidentemente estar convencido, de que a doutrina exarada no projecto vindo da Camara dos dignos Pares é, que esta mais de accordo com os principios de direito publico constitucional: o nobre Deputado, alem desta razão, apresentou-nos tambem a pratíca seguida até agora, contra a qual, disse, que nenhuma reclamação tem havido. Mas como queria o nobre Deputado que tivesse havido reclamações, se nas commissões Mixtas não se póde tractar d'outra cousa senão do objecto para que ellas são expressamente designadas?... E claro que similhantes duvidas não podiam alli ser suscitadas, (apoiados)

O outro nobre Deputado que depois fallou nesta questão, disse — que a interpretação da Carta tinha sido dada, não só pela pratica até aqui seguida, mas pela annuencia ás deliberações das commissões Mixtas, não lendo ainda apparecido uma só reclamação; que estas commissões compostas dos membros das duas Camaras, trabalhando em virtude de um mandato recebido dos Corpos Legislativos, e fazendo leis que tinham subido á Sancção Real, por este facto tinham interpretado a Carta.

O nobre Deputado que apresentou este argumento cujos conhecimentos eu respeito, sabe perfeitamente que não é assim que se interpreta a Carta Constitucional, nem mesmo as leis; ha um methodo marcado na Carta pelo qual se chega a este resultado; (apoiados) e não podia ser uma commissão Mixta se commissão especial para este fim, pelo contrario com uma missão determinada para objectos tambem determinados, que havia de ir interpretar a Carta: (apoiados) até hoje não ha interpretação ainda, nem a podia haver sem que ella viesse á discussão. Se eu quizesse argumentar a respeito da pratíca seguida, sem ter havido reclamação — diria, que é verdade não terem sido feitas reclamações explicitamente, mas quasi nunca se terão reunido commissões Mixtas sem alguem ter lembrado a inconveniencia destas mesmas commissões pela maneira como estavam organisadas; não só por serem contra a Carta, mas mesmo contra os principios de direito constitucional.

Um dos argumentos mais fortes em que os nobres Deputados se fundam para sustentarem a opinião emittida no parecer da commissão de Legislação, é na diversidade de denominações com que a Carta appellida os documentos, que tem de passar pela commissão Mixta, e que tem de ser julgados nas Camaras. A Carta effectivamente dá em differentes artigos diversa denominação á mesma cousa; isto e inquestionavel: e o nobre Deputado leu o artigo 57, aonde se diz. (leu) Isto é uma verdade; mas o que tambem é uma verdade, é que o artigo 61 não póde de maneira nenhuma interpretar-se diversamente do que esta aqui designado: porque diz o artigo: (leu) e esta é a formula sacramental e indispensavel em todas as leis do paiz. (apoiados) E se o nobre Deputado quizer argumentar com a pratica seguida, que maior pratica do que esta? Que mais precedentes quer, do que terem todas as leis esta formula indispensavel? De certo não póde haver maior numero de precedentes a citar.

«O art. 54 da Carta precisa ser interpretado» diz o nobre Deputado, e eu digo sinceramente que não é necessario, porque nunca se interpreta um artigo que esta claro; e a unica razão para se dizer que elle offerece alguma duvida, é a pratica viciosa seguida até agora. Se hoje se tractasse de interpretar authenticamente o art. 54 da Carta, ninguem duvidaria que esse artigo tinha em vista a confecção d'uma proposta que havia de ser sujeita aos dois ramos do Poder Legislativo; do contrario seguia-se um absurdo; e esse absurdo, e essa inconveniencia constitucional é de tal ordem, que não póde ter resposta alguma (apoiados). Pois mandando a Carta no art. 34 que as resoluções se colham por maioria absoluta de votos nas duas Casas do Parlamento, podia admittir-se que um certo numero de minoria destas duas Casas do Parlamento fosse decidir em ultima instancia sobre uma lei do paiz? Era um absurdo suppor que uma fracção das Camaras havia de ír decidir aquillo que as Camaras completas não tinham decidido (apoiados). Mas diz-se estas duas Camaras delegam nos seus membros que vão fazer parte da commissão Mixta, poderes para fazer leis. E eu perguntarei, aonde esta o direito que teem as Camaras de delegar este podér?

Disse outro nobre Deputado «aonde esta o artigo que nega esta delegação?» Em parte nenhuma; mas a denegação esta na natureza da cousa. Seria necessario uma determinação expressa que auctorisasse as duas Casas do Parlamento a delegar nestas commissões poderes para julgarem em ultima instancia (apoiados) e na Carta, assim como não ha artigo algum que prohiba esta delegação, tambem nenhum ha que a ordene; o que era indispensavel para ella poder ter logar (apoiados). Pois que somos nós aqui senão uns procuradores do povo? E por ventura, segundo os principios geralmente sabidos, póde um procurador delegar o seu direito sem estar para isso expressamente auctorisado? E onde esta essa auctorisação no nosso mandato? Poderemos nós sub-entender sofisticamente alguma clausula, para nos julgarmos auctorisados a fazer aquillo para que não temos direito estabelecido, prescripto e determinado? Certamente que não (apoiados). Por consequencia não podemos delegar funcções legislativas, que o nosso mandato não nos auctorisa a delegar; auctorisa-nos a exerce-las, nunca a delega-las.

Mas diz-se é um voto de confiança que se dá a

Página 310

(310)

um certo numero de membros de cada uma das Casas do Parlamento para este fim.» Em primeiro logar direi, que em geral não gosto de votos de confiança; porque os corpos collectivos que o concedem, perdem sempre uma parte da sua força, logo que delegam o seu direito; e em segundo logar, se ás commissões Mixtas se fosse dar estas attribuições que os nobres Deputados pertendem dar-lhes, era o mesmo que introduzir nos Poderes do Estado um outro Poder, que a Constituição não reconhece: o que era um absurdo, porque na Carta acham-se expressamente designados quaes os Poderes do Estado. Ora tanto a commissão reconhece ser isto assim, que no art. 6.º do seu projecto para de algum modo resolver a questão, expressa-se pela fórma seguinte (leu). A commissão não podia dizer o decreto, porque sabia que decreto não podia sair senão das duas Casas do Parlamento (apoiados); mas chama-lhe proposta, quando a Carla no art. 57 lhe chama decreto; por consequencia a commissão acautelou já esta observação obvia, porque no art. 6.º do projecto, chamou-lhe proposta, quando a Carta lhe chama decreto.

E muito louvavel de certo o affinco com que os nobres Deputados que defendem o parecer da commissão, se querem fortificar com a letra, e o espirito da Carta; mas realmente um argumento que se funda na imperfeição dessa mesma letra, imperfeição que os nobres Deputados são os primeiros a reconhecer, não póde ter força alguma. Esse argumento vem a ser, que a Carta dá diversos nomes á mesma cousa — é este o cavallo de batalha dos Srs. Deputados: porém o que nós devemos observar, é o espirito da Carta, e como havemos examina-lo, sem pôr em comparação os diversos artigos que tem analogia entre si, e sem vêr quaes são as suas disposições. Pois porque no art. 54 se chama proposta, e em outras partes projecto, proposição, ou decreto, poderemos nós, dando ás commissões Mixtas attribuições definitivas, crear um quarto ramo do Poder Legislativo? Pois poderemos fazer uma interpretação de que resulta um tal absurdo, constitucionalmente fallando? Esta claro, Sr. Presidente, não é possivel sem ferirmos no coração os principios constitucionaes, principios que são reconhecidos em todos os paizes civilisados: não é possivel, digo, admittirmos a interpretação d'um artigo, que importa a existencia d'um novo Poder do Estado.

Mas, Sr. Presidente, uma das principaes razões apresentadas pelo illustre Deputado que me precedeu, depois de ter concordado, mais que implicitamente, em que os principios eram estes, depois de se ver forçado anão dar uma grande importancia á practica de alguns annos, como ao principio manifestara, foi a consideração, que, disse, fazia sobre todas immenso pêso aos seus contrarios neste debate, a qual não podiam desvanecer; e era — que se se negasse ás commissões Mixtas attribuições definitivas, os juizes não estavam obrigados a observar as leis que tinham já sido promulgadas em virtude da resolução de taes commissões Mixtas. — Mas o illustre Deputado, que não só leu, mas que estudou este projecto, sabe perfeitamente que no art. 8.º, da Camara dos dignos Pares, vem acautelada essa circumstancia, e tão constitucionalmente como nós nesta Camara temos resolvido muitas vezes, que se approvem leis anteriores, e ás duzias. Sr. Presidente, passado um certo numero d'annos reconheceu-se, que as commissões Mixtas

não tinham o poder sufficientemente constitucional para que as suas decisões indo á Sancção Real fossem leis do Estado; mas ha de por isso duvidar-se do direito de quem contractara em virtude dessas leis? Como se póde negar esse direito] Por ventura esses contractos não foram feitos em boa fé? E não será necessario salvar direitos adquiridos em virtude dessas leis? Indispensavelmente é necessario salvar o interesse daquelles que em virtude dessas leis tenham feito as suas transacções. Porém nós, depois de reconhecer que um principio é vicioso, só porque ha alguns contractos feitos, não havemos, revalidando-os, emendar esse principio? A que immensidade de absurdos nos levaria essa douctrina? Então não haveria principio falso, sanctificado pela practica, que não fosse preciso conservar eternamente. Sr. Presidente, isto é douctrina que senão póde sustentar, porque tomava impossivel remediar os abusos, ou defeitos das leis; e não haverá outro meio a seguir?.. Ha um já seguido muitas vezes, e sanccionado por nós mesmos, que é revalidar os direitos que essas leis tiverem constituido; isto é cousa muito facil de fazer, porque nós podemos dizer, taes, e taes leis ficam em vigor... (O Sr. Mexia: — Eu concordo com o illustre Deputado.) O Orador: — Mas o illustre Deputado, no seu áparte, desfez os seus escrupulos; o que mostra que a objecção que tinha posto, é muito facil de remediar. O que eu não quero, é que passe desta Camara, que um principio falso ha de continuar a existir, só porque tem algum tempo sido posto em practica: assim tornava-se completamente impossivel reformar todos os abusos introduzidos pelo tempo. Não digo que se houvesse outro alvitre deixasse de o adoptar, porque não gosto de contribuir para que se approvem leis por esta fórma; mas é que não ha outro; não é possivel have-lo; não podemos senão revalidar os actos practicados em virtude dessas leis. O illustre Deputado disse, que esta Camara não tinha certamente direito de revalidar esses actos anteriores; mas eu dir-lhe-hei, que não é esta Camara, são os tres Poderes do Estado (aquelles que tem o direito pela Carta Constitucional) não é esta Camara isolada: este projecto ha de passar pelos dois Corpos Collegislativos, ha de ir á Sancção Real; depois destes sacramentos é lei do Estado; e sendo-o, não é licito deixar de cumprir as leis que por elle forem revalidadas. Se pois ao illustre Deputado podesse ser duvidosa a disposição de alguma lei em razão da sua origem, essa origem fica legitimada por virtude da disposição posterior.

Sr. Presidente, esta questão não é suscitada por mim; o illustre Deputado sabe perfeitamente que ella, como disse ha pouco, tem sido tractada não só na actualidade, mas desde que ha commissões Mixtas; esta questão foi apresentada na Camara dos dignos Pares na Legislatura anterior por um eximio jurisconsulto, e já tem sido examinada ha muitos annos; eu tenho obtido o voto de homens muito eminentes do paiz: e declaro? que sendo eu completamente estranho á profissão da jurisprudencia, mas conhecendo todavia que o ponto não é positivamente de jurisprudencia, e sim de direito publico constitucional, que todos temos obrigação de estar habilitados para tractar, apesar disso, se não visse tão respeitaveis opiniões a favor desta douctrina, talvez hesitasse um momento, ou pelo menos teria estudado mais.

Página 311

(311)

A vista pois das ponderações que tenho feito, talvez impertinentes ou ociosas; porque melhores do que as minhas já tem sido apresentadas nesta Camara; mas ponderações, que provavelmente não tem resposta, porque outras similhantes já não a tiveram: para não gastar mais tempo á Camara, concluo rejeitando o parecer da commissão.

O Sr. Presidente: — Eu tenho uma observação a fazer: o nobre Deputado disse que esta Camara approva leis ás duzias; eu creio que se referiu aos decretos da Dictadura, que não são leis senão quando passam pelos tres ramos do Poder Legislativo; mas esses decretos são mandados ás commissões respectivas e aí meditados, as quaes elaboram os seus pareceres, que trazidos á Camara, em se approvando, ficam sendo esses decretos leis do paiz: se o illustre Deputado se referiu a outras, de certo não existem. Ha portanto uma frase lançada na Camara que me parece ser de algum pêso; e como o illustre Deputado não quiz por certo fazer censura á Camara, observo-lhe que queira por honra sua, e dignidade da Camara, declarar qual foi a sua intenção, (apoiados.)

O Sr. Fontes Pereira de Mello: — Eu digo a V. Ex.ª: não pertendi irrogar censura nenhuma á Camara, nem costumo faze-lo, nem era proprio da dignidade que devo guardar nesta Casa; mas o que eu disse, foi confirmado por V. Ex.ª: eu disse, que já se tinham approvado leis ás duzias; aqui ha uma expressão falsa, porque não são leis, são decretos; a expressão e differente, mas o pensamento é o mesmo; ora sobre esses decretos ha um parecer de commissão, o qual abrange ás vezes mais de uma duzia; e como o que se approva, é o parecer, vem a approvar-se como disse ás duzias: isto não é censura, e relatar um facto, que V. Ex.ª mesmo confirma.

O Sr. Silva Cabral: — Sr. Presidente, não sei se a Camara estaiá fatigada com esta discussão: em todo o caso eu peço licença para fazer algumas reflexões, porque em negocio tão importante, em negocio em que esta de alguma maneira compromettido já um dos ramos do Poder Legislativo, não é possivel que nós deixemos de ter para com elle toda a deferencia, a fim de sermos correspondidos da mesma maneira: oxalá que este nosso exemplo seja seguido! Eu deseja-lo-hei muito, porque sobre tudo préso a dignidade do Corpo Legislativo, sem a qual não é possivel impor-se a devida auctoridade ás leis.

Sr. Presidente, ninguem duvidou hontem da boa fé da commissão, ninguem absolutamente; principiando por combater o parecer da commissão, eu disse desde logo, que reconhecia o merito, e excellentes qualidades de cada um de seus membros; mas a boa fé da commissão nunca podia excluir a exacta sciencia n'um dado objecto, e esta sciencia, ao menos na sua applicação, falhou, no meu modo de ver: isto é, falhou no que constituia o pensamento da commissão; e se nós combinassemos com a commissão, que havia a discutir? Logo, Sr. Presidente, é vir aqui apresentar um falso melindre, quando se confunde aquillo que é verdadeiramente do campo da discussão, com aquillo que é ligado com a moralidade dos individuos, havendo estes sempre de estar fóra do campo da discussão, porque nós devemos reverenciar-nos uns aos outros (apoiados.)

Sr. Presidente, deixemo-nos de confundir a hermeneutica civil com a hermeneutica politica; ha uma grande differença de uma á outra. Quando eu tractei de apresentar a verdadeira significação de uma e outra, fiz a historia verdadeira da hermeneutica politica do nosso paiz, debaixo da influencia das leis que a determinavam. É sabido que até 18 de agosto de 1769, era differente a hermeneutica civil do que foi posteriormente; até alli uma falsa intelligencia da ordenação livro 3.º titulo 64.º no principio tinha feito decidir as questões pela Legislação do Imperio Romano; e quando depois se conheceu que O paganismo entrava pela maior parte na confecção das leis romanas, entendendo-se que o gentilismo era o seu caracter dominante por um lado, e pelo outro o espirito da seita, extinguiram-se completamente estas regras, e substituiram-se pelas da sã razão, e dos principios que ainda hoje são observados pelas nações mais civilisadas. Eis aqui pois duas épocas differentes: até alli applicavam-se os principios da hermeneutica differentemente do que depois se estabeleceu; e eu disse que se nós tentassemos preferir os principios de hermeneutica antiga á actual, não procederiamos senão como rotineiros e rábulas. Que ha aqui que não seja exactamente conforme com a intelligencia dessa mesma lei, com a fraseologia juridica de então, em que os usos de qualquer terra eram invocados para advogar os interesses de seus habitantes? (apoiados) E estas duas frases de rotineiros e rábulas referiam-se a esses mesmos advogados gárrulos e ignorantes, de que falla a lei de 18 de agosto, cuja interpretação cerebrina e ardilosa ella condemnou, primeiro com a multa de 50000 réis, e seis mezes de suspensão, depois com a privação do gráo da Universidade, e ultimamente com o degredo. Aqui houve uma relação á época e á fraseologia da lei, mas não tractei de pessoas, não podia haver a mais pequena relação a essas pessoas, ás quaes eu tinha prestado homenagem pelos seus talentos e merecimentos. Sendo pois os illustres Deputados os que applicaram a si estas expressões, foram elles que levantaram um pedestal, onde com a sua propria máo escreveram as palavras rotineiros e rábulas) fizeram uma injuria a si proprios, que eu lhe não fiz.

Se até aqui não havia motivo para susceptibilidade, porque eu fui muito expresso, e não costumo ser contradictorio, se até aqui não havia razão, menos a houve quando se me quiz dar lições de grammatica. Sr. Presidente, eu quando uso das palavras, sei a verdadeira significação dellas, não é preciso ter lido Madame de Stael, nem outros auctores, para conhecer a verdadeira significação dos vocabolos portuguezes. Eu disse com razão que o illustre Deputado tinha ficado engasgado; e esta palavra não é só verdadeiramente portugueza, mas eminentemente classica; e escuso de fazer aqui ostentação dos nossos differentes classicos que usam della, basta citar Frei Luiz de Sousa. (apoiados) Então para que se disse que eu tinha usado de uma palavra antiparlamentar! Eu provoco e desafio todos os illustres Deputados para me apontarem uma unica palavra por mim empregada, que o não seja no verdadeiro sentido em que o deve ser, e que não seja parlamentar. E porque Deos me deu um temperamento colerico, e não fleugmatico? O fogo cria, e a agoa muitas vezes destroe.

Sr. Presidente, assim satisfeito o amor proprio de alguns dos illustres membros da commissão, e cumprido o meu dever passarei a tractar em especial da questão. E não me occuparei dos cumprimentos

Página 312

(312)

reverendissima, (riso) que os illustres membros da commissão se fizeram mutuamente, declarando que tinham triunfantemente combatido as minhas razões: estavam no seu direito em avaliar os seus rasoamentos como bem entendessem, e eu não entrarei no dominio do seu juizo, e desta sua jurisdicção natural; mas com que eu não posso de maneira alguma concordar, é com a idéa que involve esse pensamento, porque em verdade não ha uma só razão, um só argumento daquelles que eu apresentei, que tenha sido encarado de face a face com aquella coragem, que unicamente dá a superioridade da razão. Ouvi deturpar os meus argumentos; ouvi sofismar aquillo que eu disse; ouvi mesmo calar parte do que eu disse; mas encarar frente a frente esses argumentos, com que razões? Não se encaram assim facilmente. Sr. Presidente, que disse eu em primeiro logar? Disse que era impossivel, olhando a Carta Constitucional debaixo de qualquer ponto de vista que se quizesse, e consideral-a com relação ao artigo em discussão, que se podesse defender com razões, e com fundamento — que a commissão Mixta podia ter jurisdicção propria. — Será verdade, perguntarei eu aos membros da commissão, que unicamente são representantes da Nação, o Rei, e as Côrtes Geraes? Não penso que o neguem, porque se o fizerem, responderei com o art. 12 da Carta que diz (leu) Será verdade que unicamente ás Côrtes Geraes compete fazer leis 1... Sigamos a força dos argumentos, não deturpemos... e responderá por mim o art. 13 da Carta que diz (leu) e depois o art. 14 (leu). Logo temos que os Representantes da Nação pelo art. 12 são o Rei, e as Côrtes Geraes, e as Côrtes Geraes são unicamente a Camara dos Pares, e a dos Deputados. Será verdade que sómente a isto que esta definido serem Côrtes, a Camara dos Deputados, e a Camara dos Pares, compete fazer as leis, interpretal-as, suspendel-as, e revogal-as? Responda o art. 15 § 6.º da Carta Constitucional. Mas se o que estamos a fazer, é interpretai o artigo que nós suppomos conter disposições legislativas, logo unicamente compete essa faculdade á Camara dos Deputados, e á Camara dos Pares, isto é, ás Côrtes com a Sancção do Rei. Porém a commissão não é tal Camara dos Deputados, não é tal Camara dos Pares, não são essas Côrtes, cujas attribuições estão marcadas; logo a commissão não póde fazer as leis, não póde interpretal-as, suspendel-as, nem revogal-as. (apoiados) Oh! Sr. Presidente, parecia que diante destes principios não havia nada a oppôr, porque são os principios de direito publico portuguez, porque são os unicos que podem regular o exercicio do Poder Legislativo, porque fóra daqui não ha suppôr outro Corpo Legislativo, fóra daqui não ha podér de fazer leis, interpretal-as, suspendel-as, e revogal-as.

Continuarei outro argumento da mesma força, e que é igualmente fundado sobre rudimentos constitucionaes, e attribuições meramente constitucionaes. Voltemos para o sitio competente aonde vem esse art. 54. Que diz o art. 45 da Carta? Diz, a proposição, discussão, e approvação dos projectos de lei compete a cada uma das Camaras. Quaes são os tres actos que se aqui estabelecem, como competentes a cada uma Camaras? São primeiro, proposição, quer dizer iniciativa; segundo, discussão, que é a essencia do Governo representativo, e terceiro, approvação. Ora perguntarei eu, se a proposição, discussão, e approvação compete a cada uma das Camaras, é a commissão uma dessas Camaras de que falla o art. 54: é, ainda digo, a commissão Mixta uma destas Camaras, para poder aí ou propôr-se a lei, ou discutir-se, ou approvar-se? Nenhuma destas cousas: póde dar o seu parecer como qualquer commissão que é nomeada pela respectiva Camara — póde sim — mas propôr, isso só pertence aos tres ramos do Poder Legislativo; discutir, na significação em que esta palavra se deve tomar, só nos dois ramos legislativos que é, Camara dos Deputados, e Camara dos Pares; approvar, unicamente aos tres ramos, porque a lei para ser lei precisa da approvação de ambas as Camaras, e de mais a mais, o que vem no artigo — a Sancção do Rei. — (apoiados) Aqui têem poiso preceito constitucional, preceito tanto no primeiro sentido como no segundo, quero dizer as attribuições legislativas em todos os seus actos, até o complemento legal indispensavel, entre si com relação aos tres ramos do Corpo Legislativo, sem que por consequencia possa intervir de maneira nenhuma a commissão Mixta, que não é nenhum destes Corpos.

Nem era preciso, em quanto a mim, para se chegar a esse resultado senão lêr sem prevenção o art. 54. Este artigo manda nomear a commissão Mixta sem dizer (note-se bem — e é isto que tinhamos a regular primeiro que tudo), quem havia de ser o seu presidente, e como devia ser nomeado, sem dizer o. numero dos membros de que devia constar esta commissão, e qual havia ser a ordem dos seus trabalhos; nada disto ahi se acha marcado; prova bastante de que senão considerou senão como mera commissão, porque se se considerasse d'outro modo, era impossivel que todas estas coisas escapassem ao legislador, visto ser este um Poder que havia decidir das leis mais graves, e dos maiores interesses do Estado, e assim como tractou da Camara dos Deputados, e da Camara dos Pares havia necessariamente o legislador providenciar sobre tudo isso (apoiado). Bastava, digo, olhar só á letra do art. 54 para se conhecer que não era possivel, ou fosse na presença da hermeneutica politica, ou mesmo da hermeneutica grammatical, dar-se outra interpretação do que aquella que deu a Camara dos Pares. Que diz o artigo? Diz que na hypothese de que se tracta, alterações ou emendas, se nomeará uma commissão Mixta, e o que decidir, servirá para se fazer a proposta de lei, ou ser recusada.

Sr. Presidente, o legislador que tinha querido que as leis fossem sempre o resultado da maioria, e que para isso tinha estabelecido no art. 24 de um modo sabio e claro que as questões nos Corpos Legislativos unicamente se decidiriam por maioria dos votos presentes, não era possivel que destruisse a sua propria obra, fundada nos principios da razão, fundada nos principios de direito publico, dizendo que uma minoria, ou uma fracção dessa maioria fosse a que decidisse das leis mais graves, que é aquillo que resultaria da delegação dos dois Corpos do Parlamento; não era possivel (apoiado) logo devendo entender I se que o legislador quiz conferir uma attribuição, e não apresentar uma intenção, havemos necessariamente sujeitar a materia do art. 54 aos principios do direito publico, não do direito politico universal, mas do direito politico estabelecido na nossa Carta Constitucional.

Página 313

(313)

A proposta é uma palavra ambigua, e póde significar Decreto, porque a Carta Constitucional, incorrecta como se apresenta inquestionavelmente na redacção de muitos dos seus artigos, serve-se promiscuamente ou da palavra proposta, ou da palavra proposição, ou da palavra projecto, ou da palavra iniciativa j são estas as quatro palavras de que usa nestes differentes artigos. A primeira coisa que deve perguntar-se é qual é o sentido obvio e litteral das palavras, porque unicamente quando o sentido obvio e litteral das palavras póde contrariar a verdadeira intenção do legislador, é que é licito (á parte ou seja jurisconsulto, ou seja um cidadão, porque não tractamos de maneira nenhuma do Corpo Legislativo, que póde fazer a interpretação) póde e deve neste caso, tem-se forçosa obrigação de senão contrariar a intenção do legislador. Mas aqui ha alguma ambiguidade nesta palavra? Por ventura esquecemos-nos della para que seja necessario folhear algum diccionario, ou seja politico ou grammatical,? Não sabemos nós o que quer dizer proposta f... O, Sr. Presidente, pois é possivel que se venha argumentar aqui com ambiguidade de uma palavra que é de si mesmo clarissima!... Proposição, Sr. Presidente, não é outra coisa mais que proposta, proposta não e outra coisa mais do que a iniciativa, quando quizermos applicar os lermos politicos. Abrase Garnier Pages, no seu Diccionario Politico, e veremos que la se incluem da mesma maneira as palavras — mettre en avant pour deliberer — ahi usa-se de proposição, de iniciativa, de proposta, e diz que todas ellas significam a mesma cousa. Mas abramos, Sr. Presidente, os nossos diccionarios mais classicos da lingua portugueza de synonimos desde a Prosódia até ao do Roquete, e todos elles dizem — proposta e proposição — e applicada ao sentido politico — iniciativa — porque muito pouco uso se tem feito desta palavra, que é usada poucas vezes, mesmo com relação ao Corpo Legislativo. Pois havemos de suppôr que o legislador não sabia a lingoa portugueza, e que quando escreveu proposta, não quiz dizer o mesmo que tinha escripto neste artigo 45, quando fallou da proposição de lei? Proposta diz o diccionario, fallando desta palavra é para deliberar, para se discutir, eis aqui a verdadeira significação dessa palavra; não dá o negocio como considerado e discutido, dá-o para deliberar e discutir (apoiado). Ora, Sr. Presidente, quando nós estamos para fazer a proposta, ou para julgar a proposta, havemos dar por julgado e discutido aquillo que resta ainda a fazer pela significação da palavra? É realmente contrariar as definições da grammatica.

Não ha pois razão plausivel que possa apresentar-se contra a verdadeira intelligencia do artigo, e foi preciso que os illustres Deputados para o fazerem recorressem, a que? A auctoridade e ao uso. São os dois grandes argumentos de que lançaram máo para combaterem aquillo que é incombativel. E a auctoridade de quem? Dos Srs. Borges Carneiro, e Silvestre Pinheiro. A parte a respeitabilidade e caracter destes dois Cavalheiros; áparte a veneração que lhes devemos como homens verdadeiramente liberaes, como homens mesmo que fizeram com seus escriptos muito bem ao seu paiz, porque, ao menos, em muitos pontos vieram dar logar a que se reflectisse; mas querer-se argumentar com a opinião destes dois publicistas para estabelecer um juizo sobre objecto tal, é renunciar a todos os principios da razão. Nós sabemos o tempo em que o Sr. Borges Carneiro apresentou as suas opiniões; sabemos a extravagancia de algumas dellas; nós sabemos como o Sr. Silvestre Pinheiro sempre escreveu para outro mundo; nós sabemos o projecto que aqui apresentou, em que nos suppoz um reino de filosofos ou de virtuosos, (riso) Mas esse mesmo publicista ultimamente nas suas observações á Carta diz — que é absono o entender-se a Carta de uma outra maneira, que é impraticavel mesmo: — dissesse porém ou não dissesse, não sabemos nós quaes foram as opiniões que aqui mesmo neste Parlamento lhe ouvimos expressar pela sua propria bôca a respeito de muitos pontos? Sr. Presidente, eu não rendo homenagem senão aos principios da razão; já disse que a rendia ao merecimento destes dois publicistas como Portuguezes, como liberaes, e mesmo como sabios; mas, segundo principiei por dizer, não excluo a fallibilidade, e a respeito destes deram-se muitos casos para essa exclusão. A mim nunca me cegam, nem podem cegar nomes nem auctoridades para estabelecer a minha opinião; gósto de ler differentes razões, mas tenho sempre a minha convicção, porque quero ter a independencia da minha opinião, e não se póde ter essa independencia, quando se vai atraz da auctoridade.

Sr. Presidente, deixemo-nos de seguir as doutrinas dos discipulos do discipulo de Pherecides; o — ipse dixit — não póde de maneira nenhuma ter já valor diante do systema representativo, e da illustração do seculo, (apoiados) Fosse, portanto, qual fosse a opinião desses publicistas, para mim não é respeitavel senão como encaminhando a meditar nos verdadeiros principios, e os verdadeiros principios excluem manifestamente, nesta parte, essa opinião do Sr. Borges Carneiro, e nem elle se atreveu a dar razão nenhuma para a fundamentar. Demais como é possivel trazer a opinião da infancia do nosso govêrno constitucional para hoje? Pois não havemos adiantar nada no progresso? Havemos de estar sempre estacionarios? Havemos de necessariamente subscrever a todos os erros dos nossos antepassados? Assim de certo vamos caminhando ao dispotismo. Mas se a auctoridade é que deve regular para os illustres Deputados, que maior a querem do que a que se apresenta agora? Pois é pequena a auctoridade da Camara dos Pares? Era vez de dois publicistas temos muitos, e muito distinctos Jurisconsultos. «Além de que, não ha absurdo que não tenha sido e possa ser sustentado por algum filosofo (rito)... — «Porém o uso, essa pratica constante, que tem sido observada desde 1826, não é nada? Pois a opinião de tantos homens não será alguma cousa? 5? — Sr. Presidente, lembra-me de um ponto, que trarei agora para aqui, não sei se competente, ou incompetentemente, das sciencias físicas. Até ao tempo de Copérnico dizia-se que o sol é que andava e não a terra; Galileu veio commentar o systema de Copérnico, e porque a sua opinião não era conforme nem com a mythologia romana, nem com a antiga da Europa, que tinha alguma cousa de Phaetonte, esteve para ser queimado na inquisição sendo sentenciado por um congresso de grandes Doutores; quero dizer: ha uns poucos de mil annos que as Sagradas Letras diziam que o sol tinha um dia parado, deduzindo-se daqui ser elle que andava, e não a terra; mas

Página 314

(314)

depois veio a conhecer-se que isto era um êrro, e que a inquisição não tinha razão em querer queimar o homem, não obstante achar-se aquella expressão no Génesis. Ora applicando-se este argumento ao que se tracta, pergunto, porque seis commissões Mixtas sem competencia para tractarem de um negocio, o decidiram de uma certa maneira, estamos nos inhibidos de conhecer a verdade? Devemos nós tambem ser condemnados... não sei se á inquisição, porque a inquisição não existe felizmente.... mas talvez ao desagrado dos membros da commissão, por apresentarmos uma opinião inteiramente contraria, por sustentarmos que é eroneo tudo que se tem feito? Direi não ha nada mais contrario á razão. O uso, Sr. Presidente, non estusus, est corrupteltaoqwe «efaz por semilhanle maneira, tivesse vinte ou vinte oito annos, ou mil que tivesse, não valia nada; ocaso era «e estava ou não na disposição da Carta: diutur-nus abusus nihil facit nec ex rnille quidem annis. Não é posivel por estas regras que são de interpretação natural, deixar de condemnar a opinião que vai procurar ao uso, que não é mais do que o abuso, motivo para o seu argumento.

«Mas essa decisão» diz-se a vai viciar tudo aquillo que tem feito as commissões Mixtas, e por consequencia vão-se offender muitos direitos adquiridos.» Sr. Presidente, a Carta contém o principio de que a lei não tem effeito retroactivo; o que esta consummado, esta consummado; mais de uma vez se tem lançado este principio nas nossas leis, e tem sido defendido por todos os lados da Camara: é principio de eterna justiça, e por isso não póde achar contrariedade; o mais que podia achar, era alguma duvida na sua applicação nesta ou naquella hypothese: acha-se elle estabelecido delonga data na legislação geral, e ultimamente na Nova Reforma Judiciaria — lex dat formam futuris, sed non prceteritis negotiis Seria possivel pois que daquillo que estamos fazendo, se tirasse argumento para o que esta feito? Nós providenciámos para o futuro, não podemos providenciar para o preterito. Mas ha ainda uma outra razão característica que não tem resposta, e é que todas essas leis, não excedendo a 8 ou 9, que tem saído das commissões Mixtas, tem sido confirmadas por leis especiaes passadas posteriormente no Parlamento; e por esse facto, tambem estão em seu inteiro e pleno vigor; por consequencia mesmo que ellas o não fossem ex jure proprio, por direito de origem, eram-no pelo direito que ganharam das leis, que as tinham confirmado. Nem se diga, como disse um nobre Deputado, que nós por esta fórma vamos ultrapassar os limites constitucionaes; não, Senhor; nós em actos meramente legislativos não confeccionamos as leis em virtude dos direitos constitucionaes, quer dizer do direito constitucional no sentido do artigo 144.º da Carta, e sim em virtude do direito politico, em virtude do poder que temos pelo § 6.º do artigo 15.º Desde que se fizeram leis, desde que ellas foram sanccionadas pelos tres ramos de Poder Legislativo, ainda mesmo as feitas pelas commissões Mixtas, depois de serem confirmadas pelo Parlamento, são tão válidas como as feitas por este, porque tinham passado pelos tramites da Carta

Por consequencia já se vê que a respeito das leis publicadas em virtude das resoluções das commissões Mixtas, não póde existir o menor receio, porque, torno a repetir, nós pela lei que estamos discutindo,

providenciamos para o futuro, e não podémos olhar para o preterito; sobre os actos consumados não podémos legislar; o que esta feito, esta feito; as leis não podem ser acompanhadas de retroactividade (apoiados).

Diz-se a a Camara delega nas commissões Mixtas; nenhum artigo da Carta o prohibe; e a maioria do numero que se marca no artigo 24.º da Carta para a resolução das Côrtes, isto é, Camara dos Pares, e Camara dos Deputados, dá-se na eleição da commissão Mixta: logo os argumentos contra caíram, (disseram os nobres membros da commissão) por estes argumentos não é que ha de deixar de ser approvado o projecto, ou o parecer.» Mas a Camara delega, como? Aonde está o artigo que permitte essa delegação? A Camara delega, o que? A Camara delega, a quem?

A delegação suppõe poder no delegante. Ha tres circumstancias que são absolutamente necessarias para ter força o mandato — faculdade no mandante, cousa mandada, e capacidade no mandatario. A Camara delega, aonde lhe esta isso conferido? Já neste caso o artigo 1.º do projecto é inteiramente contrario á Carta: a Carta o que diz, é que se nomeie uma commissão, para rejeitar as addições ou emendas, ou para fazer a proposta no caso de as approvar: ha tanta delegação para as commissões Mixtas, como ha para qualquer outra commissão da Casa; nós delegamos nellas para darem o seu parecer, e não para fazer leis, essas só pertence aos tres ramos do Poder Legislativos faze-las, e não a uma commissão, formada de membros das duas Camaras (apoiados); portanto não existe delegação alguma, porque nós não temos poder para delegar n'uma commissão Mixta o direito de fazer leis (apoiados).

a Nenhum artigo da Carta prohibe esta delegação» eis um argumento vindo tambem da Commissão. Oh! Sr. Presidente, eu fiquei espantado quando ouvi apresentar similhante argumento! As faces cobriram-se me de pejo ao vêr proferir similhante paradoxo! «Nenhum artigo prohibe!» Pois é por isso mesmo; é porque não ha determinação expressa, que nós não podemos fazer a delegação. Aonde nos levaria a argumentação de — nenhum artigo prohibe? Por este modo nós diriamos, na Carta não se diz — a Camara não julgue — logo póde julgar — a Camara não execute — logo póde executar; em fim a Camara póde exercer todas as funcções e attribuições, que a Carta não lhe prohibe, ainda que essas attribuições pertençam a um outro corpo.

Sr. Presidente, esta questão da delegação tem sido mais de uma vez debatida, e na Camara nunca se disse, nem podia dizer, que um corpo qualquer, que um tribunal qualquer podesse exercer attribuições fóra daquellas mesmas leis que lhe dão vida; logo o argumento — nenhum artigo o prohibe — não tem merito algum (apoiados). Eu unicamente o apresento nas suas consequencias mais proximas, porque isto dava largas a uma grande discussão.

Outro argumento — «o numero de que falla o art. 24.º da Carta é só relativo á Camara dos Deputados, e á Camara dos Pares» — Ora forte novidade, grande achado foi este, optima descoberta veio do lado da commissão! (riso) Quem disse o contrario disso?... Nem o argumento estava aqui; o argumento é outro inteiramente differente. Eu disse, que só compete ás Côrtes fazer as leis; que as Côrtes são

Página 315

(315)

Camara de Deputados, e Camara de Pares; que para valerem as decisões da Camara dos Deputados e as da Camara dos Pares, é preciso que votem as maiorias absolutas dos membros presentes em cada uma das Camaras; e disse, que a commissão Mixta não sendo nenhuma dessas Camaras, e sim uma minoria dellas, estava claro que não podia fazer leis. E com effeito não sendo a commissão Mixta senão uma pequena fracção de uma e outra Camara, que não só não tem a metade de cada uma das duas Camaras, mas nem um terço; não era possivel, segundo a Carta, e os principios fundamentaes de direito publico constitucional, admittir que, por uma similhante maneira, uma commissão Mixta podesse decidir definitivamente os negocios mais graves do paiz, aquelles sobre os quaes não foi possivel obter o accordo dos dois Corpos Legislativos (apoiados).

A razão pois, com relação ao numero, trazido da parte da commissão, foi produzida porque senão entendeu a verdadeira força do argumento, a maneira porque tinha sido applicado o art. 24.º

«Mas que razão haveria para que na Constituição do Brazil se marcasse para o caso presente differente disposição, da que esta na nossa Carta Constitucional» — A razão que tiveram os brazileiros para assim o fazerem, não sei eu; seguiram uma das tres differentes opiniões que estavam lançadas nos publicistas; adoptaram a das reuniões das duas Camaras: porém a razão provavel que teve o Imperador para consignar esta disposição na nossa Carta, foi que havendo de escolher entre os tres systemas um, escolheu o inglez, e isto pelo motivo de que a influencia ingleza entrava alli em grande escala, para o effeito dos negocios do Brazil e Portugal. E por esta occasião cabe-me notar ao nobre Deputado por Cabo Verde, que não ha essa incompatibilidade na reunião das duas Camaras brazileiras, se attendermos a que ambas ellas são effeito da eleição popular, e assim fica sempre representado o voto do povo, ainda quando ha a reunião dos dois Corpos Legislativos; o que não póde dar-se entre nós, visto ser uma Camara de eleição popular, e outra de nomeação Regia. Na Constituição de 1838 havia o mesmo caso, mas com a expressiva condição de voltar á Camara aquillo em que a commissão concordasse: e em que eu entendo que deve haver a correcção, é saber a maneira, porque estas commissões devem dirigir os seus trabalhos (apoiados)

O nobre Deputado disse — que seria inconveniente se senão desse o voto deliberativo á commissão, porque então os negocios não teriam decisão — é o contrario disto que acontece em Inglaterra; aí a commissão Mixta não é deliberativa; e sabe o nobre Deputado o que acontece? É que de mil casos haja um em que a commissão não concorde. E lá porque são as commissões Mixtas secretas! É porque sendo ellas secretas, o amor proprio não se choca; e como os membros de uma e outra Camara na commissão estão tractando de combinar o que é a bem do paiz, tendo isto só em vista, cedem da sua opinião: o que não acontece em publico, porque uma vez chocado o amor proprio dos membros que formara a commissão, é difficil despegarem-se da sua opinião (apoiados). Por consequencia neste caso não ha o inconveniente que se aponta; e não o ha, porque aí esta o exemplo constante da Inglaterra: e n'uma extensão e escala mais lata temos o caso da França, quando a concorrencia dos taes Poderes eram absolutamente necessarios; vejam se me apontam mais de um ou dois casos desde 1814 de que houvesse desintelligencia entre uma e outra Camara; no tempo de Luiz Fillippe, nenhum (apoiados).

Vê-se pois que não ha tal inconveniente, porque as Camaras dirigem bem as suas discussões, sendo estas verdadeiramente dominadas pelo bem publico: pelo contrario quantos casos offerece a nossa historia de trabalhos de commissões Mixtas, que teem sido julgados inuteis? Nada menos que dois. Por consequencia vê-se que este systema produz o effeito contrario, isto pela pratica seguida até agora; vê-se que os quatorze membros que teem sido nomeados pela Camara dos Deputados, entendem que devem sustentar em publico o pensamento da Camara que os nomeou, e não querem ceder; e o mesmo tem feito mais d'uma vez os quatorze membros da Camara dos dignos Pares, porque sem terem uma só razão a oppor áquellas apresentadas pelos Deputados, como os dignos Pares confessaram bem publica e sinceramente, com tudo não cederam da sua opinião (apoiados). Por tanto todos estes motivos não são senão escrupulos, senão quizesse chamar-lhes subtilezas, que se apresentam por parte da commissão para poder salvar um parecer, que no meu modo de vêr contraria todos os principios de direito publico constitucional, e mesmo os principios de conveniencia publica: contraria as nossas procurações, porque essas só nos dão direito e poder para que juntos em Côrtes possamos fazer as leis, que forem mais uteis e convenientes para o bem publico: até mesmo contraria o juramento que ahi prestámos, porque em parte nenhuma se diz a uma fracção das duas Camaras seja revestida com o poder de fazer leis» (apoiados).

O nobre Deputado disse a não sei como não sendo este objecto politico, toma tanto fogo na sua discussão.» Nada me poderia ser mais honroso (apoiados) o que o nobre Deputado de certo, sem ter em vista, veio dizer com isto, é que eu para tomar fogo nas questões, não ólho que a questão seja ministerial, ou deixe de o ser (apoiados) ao que ólho é a ter razão, ao que ólho, é á conveniencia do meu paiz, e á conveniencia de harmonisar os Poderes do Estado, e evitar a grande contradicção em que caímos em nos oppor a uma lei que tracta de regular no sentido mais liberal o exercicio das Camaras; porque nós Camara Popular estamos aqui a fazer as vezes de Camara Aristocrática (apoiados) quando nos oppomos ao principio mais liberal.

Por tanto já que proposta esta lei em 17 de janeiro de 1826 pelo Sr. Joaquim José de Queiroz não teve andamento, lei que era estabelecida nos verdadeiros principios, como esta que hoje nos apresenta a Camara dos dignos Pares..... E agora direi ao illustre Deputado, que um dos membros que assistiu á sessão, em que este objecto veio á discussão, declarou que não estava conforme com a opinião do Sr. Borges Carneiro: e direi mais que ahi nessa occasião houve opiniões extravagantes, por exemplo, o Sr. Conde de Villa Real queria que não se fizesse caso das duas Camaras, e que a commissão Mixta fizesse leis á sua vontade (riso). Veja-se pois como é possivel poder referir-se a opiniões daquella época!... Por tanto repito, já que aquella lei não teve então andamento, agora que um dos ramos do Poder Legislativo nos offerece uma lei neste sentido,

Página 316

(316)

não podemos sem nos apresentar em collisão e difficuldades, deixar de approvar esta lei para que as cousas marchem como devem marchar. Nós neste ponto não seguimos só o espirito da Carta, como tenho mostrado, seguimos tambem a sua letra (apoiados); e é querer sofismar o espirito e a letra da Carta, para ter uma opinião differente (Muitos apoiados).

O Sr. Xavier da Silva: — Mando para a Mesa um parecer da commissão de Fazenda sobre uma representação da Camara de Vianna ácerca de um projecto de lei para o melhoramento da barra e porto daquella cidade.

Mandou-se imprimir, e se transcreverá quando entrar em discussão.

O Sr. Poças Falcão: — Sr. Presidente, eu vou entrar nesta discussão debaixo do maior receio e acanhamento, quando -talentos da maior transcendencia teem combatido o parecer da commissão de Legislação, cujos membros acabam de ser tractados pelo nobre Deputado que acabou de fallar, de um modo bem pouco digno de S. Ex.ª (apoiados) O illustre Deputado dirigiu no principio do seu discurso um favor aos membros da commissão, o que muito lhe agradeço; mas permitta-me S. Ex.ª o dizer, que depois no resto do seu discurso esteve, no meu modo de entender, em perfeita contradicção com o favor que tinha feito á commissão, (apoiados)

Sr. Presidente, o parecer da commissão é combalido por tres principaes razões: 1.º disse-se que o art. 64.º da Carta e claro no sentido opposto ao parecer da commissão; em segundo logar, porque e contrario ao direito publico de todas as nações civilisadas; e em terceiro logar, que o parecer da commissão destroe os principios fundamentaes da mesma Carta. O nobre Deputado que acaba de fallar, e alguns outros disseram que o art. 54.º era claro, e que não podia chamar-se outra cousa ao parecer da commissão, senão uma interpretação cerebrina e inadmissivel. Se se for interpretar o art. 54.º da Carta, não se póde dizer que elle é tão claro como se tem querido apresentar; porque o motivo que se dá, é, que a Carta dizia — que depois de discutir-se nas duas Camaras uma proposta, devia ella reduzir-se a decreto para depois ser apresentado á Sancção Real. — Porém se os illustres Oradores que empregaram este argumento, lessem com reflexão o art. 67.º, veriam que elle não é tão claro como parece. Até se perguntou á commissão, se proposta será o mesmo que decreto? Mas no art. 67.º esta a resposta; aí depois de ter chamado decreto, depois de dizer, que o decreto fosse levado á Sancção Real, este artigo diz depois que o projecto será levado a Sancção Real; de maneira que confunde aqui decreto com projecto. É fóra de toda a duvida que estes termos foram empregados promiscuamente: (apoiados) e não se diga que é belleza do discurso; em primeiro convinha que isto fosse para belleza do discurso, se por ventura fosse no mesmo periodo; e em segundo logar entendo em minha humilde opinião, que nunca deve sacrificar-se a clareza do discurso ás bellezas oratorias delle; por isso neste caso não posso suppôr que o legislador quizesse tornar obscuro o artigo da Carta, só porque quizesse embellesar a dicção deste mesmo artigo, (apoiados) Agora para responder ao argumento de que a intelligencia dada pela commissão ao art. 54.º estava em opposição com todos os principios de direito politico das nações civilisadas, bastava dizer-se que nós aqui não tractamos, e a mesma Camara dos Dignos Pares não tractou, de fazer um direito novo, e assim o declara no mesmo projecto que della veio a esta Camara, tractou de interpretar o direito existente, e não de o revogar. Por consequencia embora o projecto da commissão esteja em opposição com os principios do direito politico das nações civilisadas, de que se tracta aqui é de saber se esta em harmonia com os principios do nosso direito politico, porque é este, e só este que nós devemos attender.

O illustre Deputado que acabou de fallar, reproduziu hoje os argumentos apresentados hontem em dois bellos discursos que proferiu nesta Camara, o disse que adoptando-se a intelligencia dada pela commissão ao art. 54.º da Carta Constitucional, vinha a destruir-se os principios da mesma Carta. Perguntou o illustre Deputado: quaes serão os Representantes do paiz? Não serão as Côrtes Geraes, e o Rei? O que serão as Côrtes Geraes, ás quaes se diz na Carta Constitucional que compete fazer as leis! Não serão a Camara dos Dignos Pares, e a Camara dos Deputados? Ninguem nega uma e outra cousa; ninguem nega que os Representantes da Nação são o Rei, e as Côrtes Geraes, e ninguem nega que o legislar compete aos tres ramos do Poder Legislativo, e que estes tres ramos consistem na Camara dos Dignos Pares, na Camara dos Deputados, e no Poder Real; porém aqui no ponto de que se tracta, a questão deve versar sobre — se por ventura as duas Camaras podem delegar — esta é que é a questão.

Disse-se que as Camaras não podiam delegar, porque seria muito absurdo querer que uma commissão Mixta, que era uma minoria insignificante dessas Camaras, decidisse os negocios, quando pela Carta Constitucional só é permittido decidi-los á maioria dos votos de uma e de outra Camara; e accrescentou-se, aproveitando-se uma palavra de um membro da commissão, que na verdade não estava prohibido na Carta o delegar, mas que por isso que não estava prohibido, senão podia delegar. Ora, Sr. Presidente, e certo que em nenhum artigo da Carta Constitucional se acha a prohibição de que as Camaras possam delegar; mas ha mais alguma cousa, a commissão não entende só isto, a commissão entende de si para si, que pelo art. 54.º da mesma Carta é permittido ás Camaras delegar, aí é aonde ella encontra o fundamento do seu parecer; se se deve entender que a questão é para voltar depois ás duas Camaras, como os illustres Deputados entenderam, tambem a commissão póde entender que é para decidir aí; por quanto no art. 55.º diz-se — approvados os projectos serão reduzidos a decretos, — e a Carta não providenciou sobre o modo, porque haviam de dirigir-se os trabalhos das commissões Mixtas, o que não era natural que fizesse, se por ventura quizesse que o resultado dos trabalhos dessas commissões não fosse apresentado ao Poder Real, para lhe dar ou negar a sua Sancção, e pela mesma razão póde dizer-se que visto que não havia um artigo da Carta, que dissesse que deviam voltar, ou a uma ou a outra Camara, esses resultados dos trabalhos das commissões Mixtas, a commissão entendeu que deviam ser apresentados logo á Sancção Real.

O art. 54 da Carta Constitucional, Sr. Presidente, não falla em propostas de lei como ordinariamente

Página 317

(317)

falla, quando tracta da iniciativa, porque diz (leu.). Se a Camara dos Deputados não approva as emendas ou addições da dos Pares, ou vice versa, e todavia a Camara recusante julgar que o projecto e vantajoso, se nomeará uma commissão de igual numero de Pares, e Deputados; e o que ella decidir servirá, ou para fazer-se a proposta de lei, ou para ser recusada.» Ora esse absurdo que os illustres Deputados entendem que se segue desta intelligencia que a commissão dá ao artigo da Carta, isto é o absurdo que os nobres Deputados dizem de prevalecer o que se decidir pela maioria da commissão Mixta contra a opinião de uma, ou outra das Camaras, esse absurdo, digo, segue-se igualmente quando querem» permittir que se a commissão Mixta não conciliar as duas Camaras, fique rejeitado o projecto de lei. Pois então não póde admittir-se que a resolução da commissão Mixta prevaleça, quando resolver affirmativamente, e póde admittir-se que prevaleça quando decidir negativamente! Parece-me que a mesma razão que sêda para uma cousa, devia dar-se para a outra, se se entende que ha absurdo a respeito de uma, devia tambem entender-se que é absurdo a respeito de outra opinião.

Sr. Presidente, e certo que quando tractamos de interpretar uma lei, ou um ponto duvidoso de uma lei, devemos recorrer á sua fonte, e parece-me que a fonte da nossa Carta foi a Constituição do Brasil, com quanto o illustre Orador que me precedeu, dissesse que houvera um motivo para se adoptai em as commissões Mixtas no sentido em que se acham pela constituição de Inglaterra, parece-me tambem natural que outros motivos presidissem a adoptarem-se no sentido em que a commissão entendeu, porque e certo que havia gravissimos inconvenientes em applicar nesse ponto as disposições da Constituição Brasileira ao nosso paiz, por isso mesmo que entre nós não tendo as duas Camaras a mesma origem, e o mesmo numero não podia de maneira nenhuma determinar-se que se reunissem as duas Camaras para se decidir o ponto em questão; digo não podia assim determinai-se por isso mesmo que não se podia fazer a lei convenientemente. Como é que se havia de decidir uma questão convenientemente se a maioria, que era, a Camara dos Deputados, é que havia de prevalecer para a decisão das questões? Por isso parece-me até muito natural que o Legislador quizesse que as questões se decidissem em uma commissão composta de igual numero de membros de uma, e da outra Camara para evitar o inconveniente que acabo de apontar, por isso mesmo que era o unico meio de se não darem os inconvenientes, que resultariam da adopção absoluta da Constituição do Brasil nesta parte; e mesmo para evitar o que ha de acontecer quando volte ás duas Camaras a decisão da commissão Mixta, porque se a decisão da commissão Mixta ha de ser adoptada como se suppõe ou quiz suppôr o illustre Orador que me precedeu, então é desnecessario que volte cá, e se por ventura se entende que poderá ser contestada, então é natural que uma Camara depois de lhe sei em apresentadas as emendas, ou os additamentos da outra, e depois de os rejeitar, como acontece antes de se ajuntarem as commissões Mixtas, não queira depois descer da sua dignidade, ou do seu capricho para approvar depois essas emendas ou additamentos que a commissão Mixta adoptou. Foi conseguinte parece-me tambem por estas considerações que este que a commissão de Legislação propõe, é o meio mais natural de resolvei esta questão de direito publico constitucional.

Disse-se, Sr. Presidente, que a commissão dera uma interpretação cerebrina, e que só dava como razão a opinião até agora seguida no art. 54 da Carta Constitucional. Sr. Presidente, será cerebrina uma intelligencia que todos tem dado até agora? Parece-me contradictorio. A commissão não attendeu só á auctoridade de todos aquelles politicos que têem fallado sobre a materia, a commissão não adoptou cegamente os usos e costumes como parece que os illustres Deputados lhe querem attribuir, a commissão entendendo assim a Carta Constitucional parece que não devia envergonhar-se de corroborar a sua opinião com a intelligencia que tinham dado sobre esta materia tão distinctos politicos, porque ainda que se diz que o Sr. Silvestre Pinheiro apresentava idéas bem pouco accommodadas com a nossa Constituição, todavia é certo que eu pela minha parte, o mesmo a commissão não se envergonhou de adoptar a intelligencia que este distincto publicista quiz dar á Carta Constitucional no ponto de que se tracta; e mesmo, Sr. Presidente, porque esta intelligencia não se podia dizer suspeita, porque o Sr. Silvestre Pinheiro segue a opinião de que a Carla não devia dar esta auctorisação de subdelegai ás Camaras Legislativas, e muito menos ordenar-lho, e reconhece que a Carta concede ás Camaras Legislativas o podér de subdelegar nas commissões Mixtas, e até lho ordena, o que não devia ser na opinião do mesmo publicista, porque daí se seguiam graves inconvenientes, é isto o que disse o Sr. Silvestre Pinheiro, e é isto o que á commissão pareceu que podia adoptai-se, porque não era suspeito, e não era suspeito porque a sua opinião fallando de jure constituendo, fallando do direito publico universal era que a Carta não devia dar tal auctorisação ás Camaras Legislativas, e diz mais que devia conceder-lhe isto quando muito, mas não devia ordenar-lho, e tanto que elle toma esta disposição do art. 54 como imperativa, e diz que quando muito a Carta devia permittir, mas não ordenar: logo parece-me que esta opinião não devia sei suspeita, e a commissão não se envergonhou de a apresentar para corroborara intelligencia que deu ao artigo. Além disso, Sr. Presidente, não devia tambem envergonhar-se de dar-lhe essa intelligencia; porque muitos outros publicistas, e muitos jurisconsultos que se tem assentado nesta Camara, e na Camara dos Dignos Pares, lhe tem dado essa intelligencia desde muito tempo. Não devia envergonhai-se de mais, Sr. Presidente, de dar esta intelligencia ao art. 54, porque o illustre Deputado lha tem dado por muitas vezes, e não se diga que não tem vindo a proposito o contestal-a, porque o illustre Deputado na alta posição em que se tem encontrado, entendendo de outra maneira a Carta Constitucional, parece que devia popor outra intelligencia della, que não era a que se lhe tem dado até agora; por isso que o illustre Deputado não estava nas circumstancias de outro qualquer; parece-me que na posição em que se achava, devia propôr uma interpretação nesse sentido. Assim pois o illustre Deputado deveria ter um pouco mais de consideração do que teve para com a commissão; porque a interpretação, que a commissão deu ao artigo da Carta, estava em harmonia com a opinião que S. Ex.ª seguira, e com a opinião de muitos e mui distinctos publicistas. Ao mesmo tempo disse o

Página 318

(318)

Sr. Deputado, que o argumento de ficarem nullos os actos praticado em virtude de leis feitas nas commissões Mixtas não era attendivel, porque nós podemos revalidal-os; é isso justamente o que fez a Camara dos dignos Pares, porque ella revalidou os actos praticados em virtude dessas leis; porém, Sr. Presidente, eu não sei se nós podemos revalidar actos praticados em virtude dessas leis; porque eu vejo, que o poder, que têem as Camaras, não é esse, mas é de fazer, interpretar, e revogar leis; mas em quanto a revalidar actos praticados em virtude de leis viciosas, não acho que haja poder, e então que força podiam ter essas disposições, em virtude das quaes se praticaram esses actos A disposição do artigo que vinha no projecto da Camara dos dignos Pares a este respeito foi o que fez resolver mais a commissão desta Camara; porque não póde negar-se que em virtude, ou resultado do accordo das commissões Mixtas, é que se tem promulgado as leis, talvez mais importantes do nosso paiz, e em virtude dellas tem-se praticado actos, que não é possivel revalidarem-se; e então que effeito deveria produzir agora o ir dizer-se, que esses actos feitos em virtude de leis, cuja origem era viciosa, ficavam validos! Sr. Presidente, eu entendo, que podem confirmar-se, ou revogar-se as leis, mas não os actos praticados em virtude das que o não eram, porque sendo certo o principio apresentado pelo nobre Deputado, que ninguem póde contestar, que a lei não tem effeito retroactivo, é por isso mesmo, que, me parece, não tem poder para revalidar os actos já praticados. Por consequencia, Sr. Presidente, a commissão não duvida sustentar, eu pela minha parte, não duvido votar pelo parecer da commissão; apezar dos fortissimos argumentos que parece se tem apresentado contra a intelligencia dada por ella ao art. 54 da Carta, porque ainda não mudei de opinião, e estou convencido de que resultarão mais inconvenientes de não entender assim o artigo, do que de se não entender da maneira, porque os Srs. Deputados o querem entender; por conseguinte voto pelo parecer.

O Sr. Pereira de Mello: — Sr. Presidente, a Camara esta fatigada com a discussão do projecto em questão, e é nestas circumstancias que me cabe a má sorte de ter ainda que fallar sobre o assumpto; nada poderei dizer de novo, por que nada de novo disseram os illustres Deputados, por isso que só repetiram, em mais alguma latitude, os argumentos, que hontem tinham apresentado.

Sr. Presidente, deixarei de parte os apodos com que foi mimoseada a commissão de Legislação, com quanto as explicações que se deram, não satisfizeram, e tanto menos, quanto de novo se lhe continuaram a lançar, ainda que com mais alguma modestia; todavia não entrarei nesse campo.

Disse o nobre Deputado para repellir o argumento que eu fiz, baseado na opinião dos eximios Jurisconsultos Silvestre Pinheiro, e Borges Carneiro, que a sabedoria, não dava a infallibilidade: convenho no principio, mas então como não quer consentir o illustre Deputado, por que não ha de elle permittir de bom grado que aos membros da commissão, (posto que muito acanhados em conhecimentos, comparados com os de S. Ex.ª) seja licito tambem terem uma opinião, sem que seja apodada tão cruelmente pelo illustre Deputado; permittisse pelo menos o illustre Deputado, emittindo a sua opinião, que a commissão de Legislação tambem emitta a sua, embora mais fraca e menos ponderosa com relação aos conhecimentos de que elles são dotados; mas não mereciam por certo, apezar disso, que o illustre Deputado se constituisse em campeão da Carta Constitucional, declarando ultimamente nas suas finaes palavras, que o parecer da commissão de Legislação não tinha outro fim senão sofismar essa mesma Carta. Sr. Presidente, a questão de direito trazida ao seu devido ponto é uma só; e reduz-se a saber se os Corpos Collegislativos tem, ou não o direito de subdelegar, é esta a questão juridica: para que havemos então de ir buscar outros argumentos? Para que servirão os argumentos adduzidos da comparação d'uns artigos da Carta Constitucional com outros, se delles senão deduzem consequencias algumas, que dêem a resolução desta questão; por isso que resolvida ella, todos os artigos da Carta que se citaram e analisaram, estão em harmonia uns com os outros? Por conseguinte estabeleçamos a questão; tem ou não os Corpos Collegislativos a faculdade de subdelegar suas attribuições e poderes em uma commissão saida do seu seio, para discutirem e decidirem, junta com outra commissão saida da Camara dos dignos Pares, as emendas e addições em que ambas as Camaras discordaram? E note-se que é só para o caso restricto das emendas, e addições feitas ao projecto de lei, sobre que as Camaras não tem concordado. Eu entendo, que a faculdade esta constituida no art. 54 da Carta Constitucional; mas todavia permitta-se-me o perguntar, se a Carta Constitucional no referido artigo dá ou não faculdade, para que cada uma das Camaras Legislativas, n'aquelle caso sómente, nomeie uma commissão composta de igual numero de membros, que juntos decidam sobre as emendas e addições, em que as Camaras não concordaram? Dá, e ninguem póde negar essa faculdade á vista da letra do artigo da Carta Constitucional. E que diz mais a Carta? Diz que essa commissão decidirá (note-se bem, a Carta não diz, que a commissão é para propor) (leu).

Então não posso deixar de lançar mão dos principios emittidos pelo Sr. Deputado: pois o illustre Deputado não permitte que a minoria da Camara, qual é essa fracção nomeada para fazer parte da commissão Mixta, possa decidir, accordando sobre o projecto de lei, por que isso só compete á Camara, e concede a essa fracção o poder de recusar esse projecto de lei? Eu sempre quero ver como o illustre Deputado póde conciliar este absurdo; uma de duas ou o illustre Deputado ha de conceder segundo a letra do art. 54 da Carta, que a commissão póde recusar a lei, ou então ha de conceder um outro absurdo, qual é o haver na Carta Constitucional um artigo inutil e desnecessario, que para nada serve.

Sr. Presidente, parece incrivel que se atacasse tanto o parecer da commissão, e que senão visse logo o absurdo em que se ía cair, pois o illustre Deputado concede á commissão Mixta o poder de recusar uma lei, e hão vê que recusar é deliberar, e importa uma decisão!!... Será isto por ventura uma interpretação propria dos rotineiros e dos rábulas? Se o é, para que andou S. Ex.ª por esse caminho até ao dia de hoje, quer como Deputado, quer como Ministro da Corôa?... Não estão aí fazendo obra e produzindo resultado as leis mais transcen-

Página 319

(319)

dentes do paiz, sanccionadas em resultado das commissões Mixtas?

Não foi durante o tempo em que S. Ex.ª occupou a pasta de Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, que se fez uma das leis mais transcendentes do paiz, qual foi a lei dos foraes? Pois foi em resultado d'uma commissão Mixta que esta lei foi feita... (O Sr. Silva Cabral

— Não foi em quanto eu lá estive.) É a lei dos foraes de 15 ou 16 de maio... (O Sr. Silva Cabral:

— Não sei, que estava no Porto.) Eu não sei se estava no Porto, ou não, o que eu sei e, que ora Ministro dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, e era do seu dever dizer ao seu paiz o beneficio de tira-lo do êrro, em que ate ahi tinha laborado mas S. Ex.ª tambem como Deputado tinha a iniciativa, e não lhe bateu ao coração esse desejo de felicitar o seu pais, tirando-o do erro em que elle tinha andado.. (O Sr. Silva Cabral — Eu peço a palavra para uma explicação, eu lhe direi se me bateu ao coração, ou em que bateu)... Ainda mais: S. Ex.ª foi algumas vezes membro de commissões Mixtas, em que eu tambem tive a honra de o ser, e comtudo S. Ex.ª não oppoz essa excepção, essa questão prejudicial.

Sr. Presidente, quanto tenho dicto, é em relação ao stygma com que foi apodada a commissão de Legislação — de que a interpretação que havia dado, era uma interpretação de rotineiros e de rábulas — Decidida a questão se a Camara podia ou não sub-delegar, como eu entendo que esta decidida pelo artigo 54 na presença das palavras do mesmo artigo, já não tem valor, e não podem ler força os argumentos tirados de comparação dos artigos 12, 13, 14, e 45 da Carta Constitucional com o artigo 54, e não podem ter força, por isso que concedida a faculdade a cada uma das Camaras de subdelegar os seus poderes em uma fracção da mesma Camara, já se vê que são as Côrtes Geraes representadas na commissão Mixta, que exercem todos esses poderes, e todas essas attribuições, de que fallam os artigos citados.

A commissão de Legislação não baseou o seu parecer sómente em auctoridades, a commissão de Legislação seguiu os principios emittidos pelo nobre Deputado... (O Sr. Silva Cabral — Eu tenho a palavra para uma explicação, isto agora já é pessoal) A commissão de Legislação apoiou o seu parecer nos principios que o illustre Deputado aqui emittiu hontem nesta Camara, de que a interpretação authentica da Carta só podia derivar dos Corpos Legislativos, foi a essa interpretação que a commissão attendeu, porque viu que desde que felizmente foi jurada e publicada a Carta Constitucional em Portugal, sempre em todas as occasiões em que se dera divergencia entre as duas Camaras, acerta de emendas, ou addições dos projectos de lei, em que tiveram lugar as commissões Mixtas, e estas procederam deliberando e votando a lei, desde o momento em que ellas por maioria de votos vieram ao accordo sobre essas emendas, ou addições, acerca das quaes linha havido divergencia nas duas Camaras. A esta interpretação não póde o illustre Deputado negar a authenticidade, porque elle mesmo recorreu a esse principio, e a commissão adoptando esse principio não fez mais do que estar accorde com o sentir de S Ex.ª neste ponto

As auctoridades que eu hontem citei, nada tem com ellas o parecer da commissão; fui eu que querendo corroborar a intelligencia dada pela commissão de Legislação ao artigo da Carta, fui buscar a opinião desses eximios jurisconsultos portuguezes, ambos os quaes tiveram assento no Parlamento Portuguez e eram muito competentes para poderem interpor sua opinião ácerca do ponto questionado: e certo que esses illustrados jurisconsultos, como homens podiam errar, são susceptiveis d'erro, podem ter opiniões que não sejam dignas de seguir-se, mas esta que tiveram, foi tambem seguida por todos os jurisconsultos, que continuaram a ser membros das Camaras Legislativas Portuguezas, e pelo que toca á auctoridade da Camara dos dignos Pares, que o illustre Deputado citou em apoio da sua opinião, devo dizer, que essa auctoridade apenas nasceu o anno passado, em que lá teve logar a apresentação do projecto em questão, ao passo que d'outro lado eu poderia citar a auctoridade dessa mesma Camara dos dignos Pares do Reino, em apoio da opinião da commissão de Legislação, por isso que desde 1826 até o anno passado sempre assim entendeu e interpretou o artigo 54 da Carta; por consequencia, a commisão de Legislação não podia de maneira nenhuma dar peso a auctoridade da Camara dos dignos Pares do Reino, cujo parecer ainda havia de ser discutido nesta Casa, e cujo parecer não tinha ainda pasmado em lei. Não me pejarei por tanto, Sr. Presidente, de outra vez invocai o nome désse exímio publicista portuguez, e dar noticia á Camara da sua opinião, mas emittida em outra obra muito differente daquella que eu li hontem, e a Camara vera como elle entendeu e interpretou o artigo 54 da Carta Constitucional, quanto a poderem ou não as Camaras Legislativas subdelegar os seus poderes.

Sr. Presidente, permitta-me V. Ex.ª e a Camara que eu taça constai a opinião do Sr. Silvestre Pinheiro: diz elle na sua obra — Projectos de ordenações para Portugal, tômo 2.º liv. 2.º tit. 3.º pag. 308 (leu)

«Passemos a considerai em sr mesmo este recurso de uma commissão, como diz a Carta, composta de um igual numero de Pares, e de Deputados.

Auctorisa pois a Carta as duas Camaras para subdelegarem em uma commissão composta de membros de ambas ellas, em numero igual, mas dependente do seu commum accordo, e para esse caso sómente, o Poder Legislativo, que pela mesma Carta se acha delegado as dietas Camara,

Conforme ás duas theses que acima assentamos, a Carta podia permittir, mas não mandar ás Camaras que subdeleguem, nem ne&te nem em outro nenhum caso, os poderes que lhes hão sido delegados em nome da Nação pelos eleitores seus constituintes.»

Nem outra podia sei a interpretação que qualquer jurisconsulto pretenda dar a letra do art. 54 da Carta, porque desde o momento em que o art. 54 da Carta manda convocar uma commissão Mixta, e lhe da o poder de recusar a proposta de lei, desde esse momento não podia deixar nenhum jurisconsulto de interpretar o artigo d'outra maneira, senão que a commissão tinha direito para poder deliberar, por isso mesmo que a Carta lhe dá direito para a recusação, que nada menos e do que uma deliberação definitiva. Eis a razão porque eu disse, que nenhum artigo da Carta o prohibiu, porque tenho para mim, e estou convencido que o art. 54 da Carta o determinara, e nenhum outro ha que disponha o contrario do

Página 320

(320)

que se acha disposto naquelle: e foi esta a razão por-que soltei o principio de que nenhum outro artigo da Carta restringe o que estava determinado no seu art. 54.

Sr. Presidente, a commissão de Legislação entendeu que senão tractava de jure constituendo, mas de jure constituio, e que senão tractava de fazer o que fosse melhor; a commissão entendeu que não podia desviar-se da letra da Carta; foi esta a cadêa que a vinculou para não poder partilhar outra opinião; e por isso entendeu que o parecer que tinha a dar, não podia desviar-se da letra, e do espirito da mesma Carla entendida, e interpretada sempre no mesmo sentido sem um só exemplo em contrario, desde que a mesma Carta foi publicada em Portugal.

Qual fosse a razão, pela qual o Legislador da Carta se desviasse do preceito que continha a Constituição do Brasil, não a podemos saber, e certo que se desviou della, e o illustre Deputado entendeu para si que fôra, porque quiz seguir o systema adoptado pela Inglaterra: mas, Sr. Presidente, o systema adoptado pela Inglaterra é inteiramente differente daquelle que esta sanccionado no art. 54 da Carta: a commissão Mixta em Inglaterra conferenceia em logar fechado, em logar occulto; ahi é possivel que deixando de se chocar o melindre, e os orgulhos pessoaes dos membros das commissões década uma das Camaras, mais facilmente se possa vir a um accordo; mas a Carta Constitucional não permitte isso, não determina tal, pelo contrario suppõe uma discussão publica, quando dá á commissão Mixta a faculdade para deliberar, rejeitando ou approvando a proposta de lei, e diz muito claramente — no que ella decidir.» — Pois então decidir será propôr? Ao contrario que em Inglaterra não ha uma só lei que falle nessas commissões Mixtas, foi o resultado d'um arbitrio, d'um estilo. Eis-aqui as razões porque não e possivel que a commissão de Legislação possa estar de accordo em que a faculdade concedida pelo art. 54 seja sómente para discutir, e propôr, e nada mais.

A Camara deve estar summamente fatigada com esta discussão; nada mais posso dizer de novo, porque entendo tambem que nada mais é preciso dizer, até porque cada um dos illustres Deputados já ha de ter a sua convicção formada ácerca da intelligencia, que se deve dar ao art. 54 da Cai la Constitucional, concluirei sómente por parte da commissão, dizendo que ella no parecer que emittiu, não julgou aceitar com o melhor em referencia a direito constituendo, mas entendeu que era o melhor com referencia ao direito constituido, quer dizer, ao preceito do art. 54 da Carta Constitucional, do qual julgou que não se podia desviar, e desviava-se por certo, se porventura approvasse em toda a sua extenção o projecto de lei vindo da Camara dos dignos Pares.

Seja-me permittido tambem agora concluir rectificando algumas das minhas palavras que parece terem ferido a susceptibilidade de alguem, e muito principalmente do illustre Deputado a quem respondi. — Não tive a menor intenção de o fazer, e parece-me que o não fiz, pelo menos não tenho idéa de que sollasse uma só expressão que podesse offender o respeito, e as provas de amisade, e consideração que sempre lhe hei dado, devo dizer mais, e de fidelidade como amigo, (apoiados) mas se por ventura no calor da discussão me excedi alguma cousa, foi pelo resentimento em que estava, não quanto a mim, mas quanto aos membros da commissão por terem sido um pouco desabridamente tractados; entretanto se dessas palavras que eu soltei no meu discurso, alguma ha de qual se possa tirar por illação que eu pertendi atacar, o que não era possivel em mim, a pessoa do illustre Deputado, eu desde já a retiro, porque respeitei sempre, e continuarei a respeitar, em geral as pessoas de todos os membros desta Casa, mas especialmente a do illustre Deputado, não só com respeito á sua muita erudição, e vastos conhecimentos, mas com. respeito á antiga amisade que sempre lhe consagrei, e de que, como elle sabe, sempre lhe tenho dado provas não equivocas. (Vozes: — Muito bem.)

O Sr. Cabral Mesquita: — Peço a V. Ex.ª que consulte a Camara se a materia esta discutida.

Decidiu-se affirmativamente.

O Sr. Silva Cabral: — O artigo, como V. Ex.ª e a Camara de certo vê, nada diz para ocaso; a questão esta toda na proposta que mandei para a Mesa, a que pareceu annuir a Camara inteira; a questão esta, se o artigo 54.º contém attribuições consultivas para as commissões Mixtas, ou deliberativas; e é o que eu propuz. Peço por tanto a V. Ex.ª que proponha esse quesito, e peço tambem que sobre elle haja votação nominal.

O Sr. Presidente: — Parece-me que propondo-se á votação que quem approvar o artigo da commissão de Legislação, se entende que rejeita o da Camara dos Pares, esta satisfeito o desejo do illustre Deputado.

O Sr. Silva Cabral: — Quando V. Ex.ª fizer dessa cadeira a observação de que quem approvar o artigo da commissão diz approvo, e quem approvar o da Camara dos Pares, aquelle que contém attribuições consultivas, diz rejeito, esta o negocio conhecido. Eu não quero se não a questão posta nos seus devidos termos, e em V. Ex.ª o propondo assim á votação, estou satisfeito, porque não quero preludiar, nem de maneira nenhuma levar a Camara a êrro, quero só que se esclareça a verdade; o meu quesito é — as attribuições das commissões Mixtas hão de ser consultivas, ou deliberativas? Os que entenderem que são deliberativas dizem approvo, e os que entenderem que são consultivas dizem rejeito; é a mesma cousa.

O Sr. Mexia: — Peço licença para notar ao illustre Deputado que estou exactamente conforme no espirito da sua proposta, mas parece-me que ella deve abranger uma segunda parte; porque decidindo-se a favor do artigo 1.º do projecto da Camara dos dignos Pares, que diz (leu), se se approvar este artigo, a consequencia é que as commissões Mixtas tem duas naturezas de attribuições, uma consultiva, outra deliberativa, e o quesito proposto por S. Ex.ª abrange só uma hypothese; parece-me que não abrange as duas.

O Sr. Silva Cabral: — Por Isso mesmo que entendo não estar o projecto da Camara dos dignos Pares em toda a sua extensão competentemente redigido, é que eu desejo se vote o quesito como o propuz, porque abrange todas as hypotheses. Se as commissões Mixtas são deliberativas, tanto o são para recusar, como para admittir; mas a minha questão é que ellas não decidam cousa alguma; que proponham só, como fazem as commissões de uma e outra Camara que dão o seu parecer approvando ou rejei-

Página 321

(321)

tando, e pertencendo a rejeição ou approvação definitiva a ambas as Camaras. Já vê pois o illustre Deputado que quando eu formulei a proposta neste sentido, e porque nesse mesmo sentido ha de ser feita depois a sua redacção, se fôr approvada; e que o quesito abrange todas as hypotheses.

O Sr. Mexia: — Conformo-me com o que acaba de dizer o illustre Deputado, uma vez que não fique prejudicado, porque não e objecto de mera redacção, e agora é que eu percebi qual e a theoria do illustre Deputado, e vem a ser, que as attribuições das commissões Mixtas são sempre consultivas, de maneira que quando a commissão Mixta não approva as emendas ou alterações, ha de voltar novamente á Camara... (O Sr. Silva Cabral. — Sem duvida). O Orador: — Pois essa questão é que me parece que não deve ficar prejudicada. (Vozes: — Não fica).

O Sr. Presidente: — Ha um requerimento para que a votação seja nominal; vou propo-lo á Camara.

Decidiu-se affirmativamente.

O Sr. Presidente: — Agora vou ler o que tenho escripto, e a Camara decidirá se entendi bem o negocio; eu escrevi que os Srs. que dizem approvo, votam que as attribuições das commissões Mixtas são deliberativas, e os que dizem rejeito, votam que ellas são só consultivas. (Vozes: — Muito bem). E procedendo-se assim á votação, disseram Approvo — Os Srs. A Corrêa Caldeira, Borges e Castro, Côrte Real, J. Mascarenhas, Poças Falcão, Silva Lopes, Roussado Gorjão, João Elias, Mexia, Honorato Ferreira, Pereira de Mello, Pereira da Silveira, Menezes e Vasconcellos, Albergaria Freire, Vaz Preto.

Rejeito — Os Srs. A. Albano, Albano Caldeira, Corrêa Pinto, A.B. da Silva Cabral, C. Sotto-Maior, Antonio Emilio, Ferreira da Motta, Fontes Pereira de Mello, Pereira dos Reis, Pereira e Sousa, Palmeirim, Xavier da Silva, Barão da Torre, Carlos Bento da Silva, Castro Ferreri, Conde de Linhares (D. Rodrigo), Pereira de Barros, Pinheiro Furtado, F. Antonio da Fonseca, Gonçalves Cardoso, Assis de Carvalho, Costa Lobo, Franco de Castro, Cunha Reis, Lemos e Alvellos, Innocencio José de Sousa, Mendes de Carvalho, Freire Falcão, Costa Xavier, Antunes Pinto, Vidal da Gama, Ferreira Pontes, Corrêa Leal, Silva Cabral, Pinto de Albuquerque, Monjardim, Nery, J. M. Marques, Sousa Lobo. Silvestre Ribeiro, Moniz, Rebello da Silva, Carolino Ferreira, Moraes Soares, Sá Brandão, Cabral Mesquita.

Ficou por tanto approvado por 46 votos, contra 15, que as attribuições das commissões Mixtas fossem consultivas.

O Sr. Silva Cabral: — Peço a V. Ex.ª que visto a natureza e importancia deste projecto, o continue a dar para ordem do dia: não só por deferencia para com o outro ramo do Poder Legislativo, mas tambem porque depois da decisão tomada em um objecto desta monta é muito conveniente que seja levado ao têrmo, e se tome uma resolução definitiva a este respeito.

Por esta occasião direi que ouvi com toda a satisfação a explicação que deu o illustre Deputado a respeito das suas palavras; eu não esperava outra cousa, nem das suas boas intenções, nem da sua educação, nem da sua amisade para comigo, (apoiados) Sei bem avaliar o que é o calor de uma discussão, mas tambem devo dizer, que seria muito conveniente, que mesmo no calor da discussão, como mais de uma vez tenho dicto, as intenções de cada um ficassem sempre fóra do debate: quando nos dirigimos ao entendimento, por maior que seja a vehemencia, nunca póde julgar-se excesso da parte do Orador; é preciso não ter visto as medidas dos Parlamentos estrangeiros para não se conhecer, e quanto muitas vezes, Oradores os mais abalisados, se exprimem fortemente sobre tal ou tal objecto; e realmente no modo porque eu me expressei, nunca podia dar motivo para que o illustre Deputado se dirigisse ás minhas intenções; mas quando o illustre Deputado deu uma satisfação tão plena, propria da sua boa educação e da sua constante amisade para comigo, não posso deixar de me julgar plenamente satisfeito (apoiados, muito bem).

O Sr. Presidente: — A Mesa tinha tomado em toda a consideração a importancia deste projecto, e tinha tenção de que elle continuasse em ordem do dia; por consequencia a ordem do dia para amanhã é a continuação deste projecto, e os projectos n.ºs 35, 38, 80 e 48. Está levantada a sessão. — Eram mais das quatro horas da tarde.

O 1. Redactor,

J. B. GASTÃO.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×