O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1627

SESSÃO DE 25 DE MAIO DE 1882

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os srs.

Augusto Cesar Ferreira de Mesquita
Francisco de Paula Gomes Barbosa

SUMMARIO

O sr. Dantas Baracho refere-se ás occorrencias que se deram entre alguns estudantes e a policia civil. Toma parte n'este incidente o sr. Mariano de Carvalho. Responde o sr. ministro das obras publicas. Por proposta do sr. Luiz de Lencastre resolve-se adiar o incidente até virem á camara os documentos officiaes. Usam da palavra para explicações a este respeito, os srs. Fuschini, Emygdio Navarro e ministro das obras publicas. - Na ordem do dia continua, a discussão do projecto de lei n.° 95, na generalidade. Fallam os srs. Palmeirim o Saraiva de Carvalho, que fica ainda com a palavra.- O sr. ministro das obras publicas apresenta uma proposta de lei, auctorisando o governo a mandar emittir inscripções de assentamento a favor de Robert Studart Wold, pela importancia correspondente a dez bonds extraviados, no total de 2:000 libras do fundo de 1853.- O sr. Filippe do Carvalho, obtendo a palavra para um negocio urgente, chama a attenção do governo ácerca de um terramoto que houve na ilha do Faial no dia 3 do corrente, o pede que sejam dadas as necessarias providencias. Responde o sr. ministro do reino. Toma parte n'este incidente o sr. Avila.

Abertura - Ás duas horas da tarde.

Chamada - 53 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Lopes Vieira, Alberto Pimentel, Sarrea Prado, Gonçalves Crespo, Pereira Côrte Real, A. J. d'Avila, Cunha Bellem, Santos Viegas, Pinto do Magalhães, Ferreira de Mesquita, Pereira Leite, Saraiva do Carvalho, Trajano do Oliveira, Augusto de Castilho, Castro e Solla, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Brito Côrte Real, Eugenio de Azevedo, Firmino Lopes, Vieira das Neves, Monta e Vasconcellos, Coelho e Campos, Freitas e Oliveira, Jeronymo Osorio, Rodrigues da Costa, Brandão e Albuquerque, Sousa Machado, J. A. Gonçalves, J. J. Alves, Amorim Novaes, Avellar Machado, José Frederico, Figueiredo de Faria, J. M. Borges, José de Saldanha (D.), Pinto Leite, Luciano Cordeiro, Luiz do Lencastre, Gonçalves de Freitas, Luiz Palmeirim, Bivar, Luiz da Camara (D.), Rocha Peixoto, M. J. Vieira, Mariano de Carvalho, Guimarães Camões, Pedro Martins, Dantas Baracho, Visconde de Balsemão, Visconde de Porto Formoso e Visconde da Ribeira Brava.

Entraram durante a sessão os srs.: - Abilio Lobo, Sousa Cavalheiro, Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, Sousa e Silva, Ignacio da Fonseca, A. J. Teixeira, Antonio Maria de Carvalho, Mello Ganhado, Pereira Carrilho, Seguier, Postch, Fuschini, Fonseca Coutinho, Zeferino Rodrigues, Barão de Ramalho, Borja, Cypriano Jardim, Emygdio Navarro, Pinto Basto, Filippe de Carvalho, Gomes Teixeira, Francisco Patricio, Gomes Barbosa, Wanzeller, Correia Arouca, Guilherme do Abreu, Silveira da Motta, Illydio do Valle, Jayme da Costa Pinto, Franco Frazão, J. A. Pinto, Snarnichia, Ferreira Braga, Ribeiro doe Santos, Ferrão Castello Branco, José Bernardino, Borges de Faria, Dias Ferreira, Elias Garcia, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Ferreira Freire, Sousa Monteiro, Vaz Monteiro, Pereira de Mello, Malheiro, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, Silva e Matta, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Miguel Dantas, Miguel Candido, Miguel Tudella, Pedro Correia, Pedro Franco, Tito de Carvalho e Visconde de Reguengos.

Não compareceram á sessão os srs.: - Agostinho Fevereiro, Azevedo Castello Branco, Conde na Foz, Conde de Sobral, Conde de Thomar, Diogo de Macedo, Estevão de Oliveira Junior, Hermenegildo da Palma, J. A. Neves, Ponces de Carvalho, Rosa Araujo, Teixeira de Queiroz, J. M. dos Santos, Lopo Vaz, Aralla e Costa, M. P. Guedes, Guedes Bacellar, Vicente da Graça, Pedro Roberto, Barbosa Centeno e Visconde de Alentem.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Representação

Da junta geral do districto do Porto, mostrando a necessidade de ser approvada a proposta de lei n.° 64-E, que tem por fim ligar o caminho de ferro do Douro com a linha de Salamanca na Barca de Alva.

Apresentada pelo sr. presidente da camara, enviada á commissão do obras publicas, o mandada publicar no Diario do governo.

O sr. Sarrea Prado: - Mando para a mesa uma participação.

Leu-se na mesa a seguinte:

Participação

Participo a v. exa. o á camara, que o sr. deputado Manuel Pedro Guedes não compareceu hontem á sessão, falta hoje, e faltará ainda a mais algumas sessões, por motivo de doença. = O deputado, A. da Sarrea Prado.

Á secretaria.

O sr. Ferreira Braga: - Mando para a mesa o seguinte projecto de lei.

(Leu.)

O sr. Visconde da Ribeira Brava: - Mando para a mesa uma participação.

Leu-se na mesa a seguinte:

Participação

Participo a v. exa. e á camara, que o sr. deputado condo da Foz não tem comparecido ás sessões por motivo justificado. = O deputado, Visconde da Ribeira Brava.

Á secretaria.

Leu-se na mesa a ultima redacção dos projectos i?.05 17õ e ISO.

Foi approvada.

Foram enviados os projectos para a outra camara.

O sr. Dantas Baracho: - Sr. presidente, pedi a palavra para chamar a attenção do governo sobre um facto, para o qual tambem hontem chamou a attenção do ministerio o sr. deputado Mariano de Carvalho. Refiro-me ao que está succedendo na escola polytechnica.

Tendo hontem, como eu disse, o sr. Mariano de Carvalho chamado a attenção do governo para os acontecimentos escolares, fazendo a historia dos factos como lhe foram narrados por uma commissão do estudantes, e, tendo eu hoje conhecimento, pelos jornaes publicados pela manhã, de que nove ou dez academicos tinham sido presos e submettidos ao tribunal correccional, tive interesse em saber como se tinham passado esses factos nos seus pormenores, e fui ao governo civil informar-me das occorrencias que se tinham dado.

Foram-me ali fornecidas pelo sr. commissario geral de policia todas as informações que desejava, o que não é de estranhar, visto que os factos occorridos estão já submettidos ao tribunal judicial, e, portanto, não ha segredo de policia a manter-se.

O sr. Mariano de Carvalho tinha dito hontem, que a po-

Sessão de 25 de maio de 1882. 96

Página 1628

1628 DIARIO DA CÂMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

licia tinha entrado no edificio da escola polytechnica sem para isso ter auctoridade, como não tem, e que fôra ella a provocadora do tumulto que houvera.

Vi hoje nos differentes jornaes da manhã, pouco mais ou menos descriptos os acontecimentos por essa fórma, e, entre outras folhas, expressam-se n'esse sentido o Diario de Noticias, o Diario Popular e o Progresso.

Não quero referir-me ao Diario de Noticias, porque v. exa. muito bem comprehende que, não estando aqui nenhum dos seus redactores, não posso, por um dever de delicadeza, occupar-mo d'esse jornal, e, tanto mais que eu não podia ser amavel para com essa folha em presença da maneira como ella tem atacado a auctoridade superior do districto. Limitar-me-hei, por consequencia, a fallar apenas do Diario Popular e do Progresso; e não é para dizer cousa alguma em desabono d'estes jornaes ou dos illustres redactores que os redigem, porque entendo que elles procedem em conformidade com a sua consciencia quando atacam ou defendem quaesquer actos de administração publica; mas simplesmente por que eu vejo que as narrações que fazem estes jornaes não estão conformes com as informações que eu tive occasião de apurar no governo civil.

Vou contar a v. exa. como se passaram, pouco mais ou menos, os factos, e vou justificaç-os com os documentos que tenho aqui, e que são as copias das partes do policia que, como já disse a v. exa. e á camara, fui solicitar ao governo civil.

Hontem de tarde, estando um policia na praça de Principe Real, ouviu grande vozearia na escola polytechnica; vivas á republica, e cantar-se a Marselheza.

É preciso dizer n'esta occasião que tratei de indagar, estando no governo civil, se effectivamente havia alguma ordem a respeito de se cantar ou não cantar a Marselheza.

Parecia extraordinario que para o hymno nacional francez que nós todos gostâmos de ouvir, não só como peça musical de muito merito, mas tambem como hymno de uma nação amiga, houvesse quaesquer prohibições. Disseram-me que não havia, nem houve nunca, a menor idéa d'isso, e que o hymno francez podia sor cantado fosse por quem fosse.

Folguei com esta declaração e folgo tambem com poder manifestal-a á camara.

Voltando, porém, ao assumpto, direi que o policia que estava na praça do Principe Real, se dirigiu ao edificio da escola polytechnica, e n'essa occasião um grande numero de estudantes dava vivas á republica, cantava a Marselheza e dava morras á policia. O policia a que me refiro, que não podia penetrar no edificio da escola polytechnica, prendeu na rua um dos estudantes, e com grande difficuldade conseguiu leval-o para a estação no largo do Rato, sendo seguido de varios estudantes que davam morras á policia e a insultavam, dando, por consequencia, logar a que fossem presos mais alguns d'elles.

Vou ler a parte de policia a este respeito, a qual designa os nomes das pessoas presas, que escuso de mencionar á camara, e o motivo por que o foram. (Leu.)

Depois d'estas occorrencias foi mandada maior força de policia para a escola polytechnica, e indo lá o proprio commissario geral de policia para fiscalisar o modo como era feito o serviço, foi apupado.

Continuaram a dar-se vivas á republica, e a ser desfeiteada a auctoridade; e o commissario geral, respeitando, e muito bem, as regalias de que gosa aquelle instituto de ensino, não ousou ali penetrar, mas deu ordem aos seus subordinados para que, fixando os alumnos que se tornavam mais salientes, podessem estes ser presos, quando saíssem do recinto vedado.

Effectivamente foram presos tres d'elles, o que consta tambem das partes de policia, que não leio para não cansar a camara, mas que podem ser consultadas por qualquer sr. deputado que o queira fazer.

Estes factos são importantissimos pelo que revelam: Esta anarchia mansa em que se tem estado não póde continuar, tanto mais quando eu vejo que alguns jornaes, quero crer que de boa fé, a applaudem, ou, se a não applaudem, pelo menos favorecem involuntariamente a propaganda n'esse sentido.

Eu não estou aqui a defender a auctoridade superior do districto. Não tenho procuração d'ella para esse fim, nem os seus actos carecem, por correctos e justos, do defensores; mas nem por isso julgo dever-me abster de consignar que ella tem empregado os meios ao seu alcance, para que a ordem seja estrictamente mantida e para que sejam acatados os principios de respeito á auctoridade. Esses bons desejos, porém, não tem merecido o auxilio do grande parte da imprensa, o que realmente é para sentir.

E a proposito d'isto, sinto, sr. presidente, não ver presente o sr. Emygdio Navarro, porque s. exa. ainda ha poucos dias, referindo-se tambem a factos de ordem publica, nos deu aqui uma prelecção, que muito me agradou, sobre questões de costumes jornalisticos.

O sr. Emygdio Navarro fez uma conceituosa exposição de doutrinas tendentes á regeneração da imprensa. Effectivamente é necessario que esta instituição se regenere; e eu, pela minha parte, não vacillo em confessar-me réu, porque não tenho tambem deixado de peccar como jornalista.

E feita esta penitencia publica, do novo insisto em que e indispensavel cohibir certos abusos, não tanto pelo emprego de leis repressivas, porque me prezando eu de ser essencialmente liberal não posso ser apologista de expedientes violentos, mas principalmente pela adopção de novos costumes de que o estrangeiro nos offerece tão sãos exemplos, e que, elevando o nivel moral da instituição cujo bom nome todos que n'ella militâmos devemos zelar, produziriam tambem por certo os melhores resultados em beneficio da collectividade social. (Apoiados.)

E n'este ponto associo-me, novamente o digo, ás considerações muito judiciosas que fez o sr. Emygdio Navarro, e sinto mais uma vez que s. exa. não esteja presente, porque eu indiquei ha pouco o Progresso, como sendo um dos jornaes em que o governador civil do Lisboa é mais violentamente atacado, pelos factos succedidos na escola polytechnica.

O procedimento de uma parte da imprensa, n'esta questão, e a desmedida benevolencia que tem havido para com a mocidade academica, que eu respeito tanto como qualquer outra classe social, fazem com que os abusos se accumulem e que continue a lavrar a anarchia mansa a que tenho alludido, o que póde dar funestos resultados.

Eu disse ha pouco e repito agora-sou liberal e essencialmente democrata, e prezo-me de ter amor ás instituições que nos regem.

Todavia, não me atemorisa nem me aterra outra fórma de governo, dadas certas circumstancias.

Eu entendo que em França não póde hoje haver outro governo que não seja a republica; nos Estados Unidos não póde haver outro governo senão a republica; e o mesmo penso com relação á Suissa. Mas a par d'isto, julgo igualmente que em Portugal a unica fórma de governo que se póde conciliar com a independencia do paiz e com todas as vantagens inherentes com a felicidade de que desfructa qualquer estado autonomo, é a monarchia constitucional. (Apoiados.)

Inspirado por estes principies, e na idéa de que se mantenha o prestigio das instituições vigentes, protesto contra os factos que se estão dando, attentatorios da ordem publica, e peço providencias energicas ao governo contra tão inauditos abusos, porque se a mocidade escolar, ou por leviandade, ou por outra qualquer causa, dá margem a que se manifestem os lamentaveis acontecimentos que se estão

Página 1629

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 1629

presenciando, ao governo cumpro pôr cobro immediato em similhantes desmandamentos, que a civilisação condemna e a mais arreigada tolerancia não desculpa. (Apoiados.)

E não é só o que se passa na escola polytechnica, que está chamando a attenção de quem se interessa pela conservação da ordem.

Antehontem a noite, por exemplo, na feira das Amoreiras, dois soldados do artilheria n.° 1 estavam cantando a Marselheza, que hoje é considerada pelos republicanos portuguezes como sendo o seu hymno.

E a policia o que fez?

Quiz saber quaes eram os numeros d'essas duas praças, não para as prender, mas para, do occorrido, dar conhecimento á auctoridade competente, para esta poder adoptar as medidas que julgasse convenientes.

Os soldados, porém, fugiram o foram recolher-se no quartel.

Hoje, li nos jornaes que os soldados foram perseguidos até á porta do quartel, o que não é exacto; mas nem por isso todos estes factos deixam de ser essencialmente significativos. (Apoiados.)

Sr. presidente, o exercito deve ser o mantenedor, não só da ordem publica, mas tambem das instituições e da independencia, da patria, não se podendo, por consequencia, permittir aos membros d'elle os devancios - para não dizer outra cousa - a que se entregavam as duas praças de pret a que alludo.

Este assumpto é grave, mesmo gravissimo, (Apoiados.) mas é tambem escabroso, (Apoiados.) e, por isso, limito aqui as minhas considerações, chamando para elle a attenção do governo, o qual tem, sem a menor duvida, o maior empenho em que não se repitam factos d'esta natureza. (Apoiados.)

E para concluir, sr. presidente, informarei v. exa. e a camara, de que ainda hoje se deram successos lastimaveis na escola polytechnica, apesar da magna benevolencia que tem havido para com os alumnos d'aquelle estabelecimento scientifico.

Eu bom sei que esta e outras questões, de que hoje me tenho occupado, não são de moldo para armarem á popularidade.

Mas pouco ou nada me importo com isso.

Estou aqui para dizer a verdade ao paiz e para avaliar os differentes negocios publicos, em conformidade com os dictames da minha consciencia. (Apoiados.)

E, posto isto, direi que hoje, á uma hora da tarde, os policias n.ºs 103 e 107 da terceira divisão foram apupados pelos academicos, que cantaram novamente a Marselheza, e tambem deram vivas á republica; mas como isto se passou no edificio escolar não poderam ser presos os manifestantes.

É, porventura, admissivel que prosigam similhantes provocações contra os agentes da ordem publica?

Não é. (Apoiados.)

Podem, por mais tempo, permittir-se os desacatos que ha dias estamos presenciando?

Não podem. (Apoiados.)

É dado apparentar a, mais completa indifferença perante a anarchia mansa que, de dia para dia, vae tomando maior vulto?

Não é. (Apoiados.)

Para que os direitos e as garantias dos cidadãos sejam respeitados, é preciso que todos cumpramos com os nossos deveres.

Se alguem ha que não saiba, ou não queira, satisfazer a esses encargos, do necessidade se torna a applicação rigorosa da lei e a intervenção dos tribunaes, a fim de que se restabeleça a normalidade na existencia social, que não póde estar sujeita a abalos e commoções em todo o ponto prejudicialissimos.

Por isso chamo, pela ultima vez, a attenção do governo, representado pelo illustre ministro das obras publicas, para estes factos, desejando que se tomem providencias que ponham cobro aos desacatos de toda a ordem que se estão presenciando. (Muitos apoiados.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Hintze Ribeiro): - O incidente a que acaba de se. referir o illustre, deputado, é mais pertencente á pasta do meu illustre collega do reino, que não poderá talvez vir hoje a camara, porque serviços de seu cargo o chamam a outro logar, mas que, tão depressa possa vir, dará a todos os illustres deputados que desejem, as devidas explicações sobre este assumpto e sobre outros que digam respeito á manutenção da ordem publica.

O que eu não posso deixar de affirmar é que o governo tem a seu cargo manter a ordem publica, e zelar o decoro das instituições politicas que nos regem, e não póde deixar para isso de empregar as medidas e as providencias mais convenientes. (Apoiados.)

O sr. Mariano de Carvalho: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que usem da palavra todos os srs. deputados que se inscreverem sobre este incidente.

O sr. Avellar Machado: - Não estando presente o illustre ministro do reino, e não sendo o illustre ministro das obras publicas o mais competente para dar explicações a este respeito, roqueiro para se sobreestar n'esta discussão até que s. exa. esteja presente.

O sr. Mariano de Carvalho: - Tenho simplesmente que fazer considerar á camara, que tendo-se referido o illustre deputado, o sr. Baracho, a palavras que proferi n'esta camara, bem como ás que escrevi no jornal, de que tenho a honra de ser redactor, é dos mais elementares principies de justiça que se me conceda a palavra, e aos srs. deputados que a pedirem sobre este incidente. (Muitos apoiados.)

Foi approvado o requerimento do sr. Mariano de Carvalho.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Mariano de Carvalho, e peço a s. exa., bem como a todos os srs. deputados que se inscreveram sobro este incidente, que resumam o mais possivel as suas considerações para as tres horas podermos entrar na ordem do dia.

O sr. Mariano de Carvalho: - Cumprirei fielmente as indicações de v. exa., quanto o assumpto me permitte.

O illustre deputado, o sr. Baracho, de quem ha muitos annos tenho a honra de ser amigo, dirigiu-se a mim e ao Diario popular, de que tenho a honra do ser redactor, em termos que não tenho senão motivo para agradecer. Não é, por conseguinte, uma questão pessoal que me obriga, por qualquer modo, a tomar a palavra.

É de meu dever relembrar o que disse hontem á camara, e manifestar muito rapidamente a minha opinião sobre este assumpto.

Disse hontem na camara - que as instituições deviam sor respeitadas por todos; (Muitos apoiados.) e a camara estará lembrada de que acrescentei - e mesmo aquelles que forem republicanos têem obrigação de respeitar as leis do paiz em que vivem, façam propaganda dentro dos limites da carta constitucional e nos termos que as leis permittem; mas desde o momento em que procederem, sem consideração pelas instituições, devem ser reprimidos, e em mim encontrarão sempre uma censura. (Apoiados.)

Mas isto é differente! Não tem havido manifestações attentatorias das leis e que infringissem o respeito devido ás instituições vigentes; tem havido actos da policia que, me parece, terem sido uma provocação constante até se chegar á anarchia mansa em que nos encontrâmos.

O sr. Baracho foi ao governo civil informar-se, e fez muito bem; eu é que não podia ir áquella repartição publica pedir informações, porque a minha situação politica não me permittia; mas se estivesse na situação politica do sr. Baracho não tinha duvida em o fazer.

Sessão de 25 de maio de 1882

Página 1630

1630 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Vê-se dos documentos que o sr. Baracho leu que estamos em frente de uma parte do policia, que vulgarmente se chama carregada. Começa logo pelas seguintes palavras, cuja inverosimilhança peço licença para fazer notar á camara:

«Estando dois policias na praça do Principe Real, ouviram na escola polytechnica uma grande vozearia, gritos de viva a republica e morras á policia.»

Pois é crivei que, sem provocação, sem motivo plausivel, os estudantes irrompessem de repente com vivas á republica, o que podia ser uma loucura de mocidade, e ainda mais, com morras á policia, que estava longe?

Houve por certo mais alguma cousa, porque não é de crer que os estudantes rompessem n'este excedo sem que houvesse uma cansa determinante.

Eu sou, ha quasi vinte annos, lente na escola polytechnica, e tenho contado em toda a parte que uma das minhas maiores satisfações é que, n'estes vinte annos, nunca o conselho da escola teve de usar das faculdades disciplinares que a lei e o regulamento lhe concedem para castigar os estudantes. O procedimento dos estudantes tem sido exemplarissimo, salvo um ou outro caso, durante o carnaval, o que é desculpavel em rapazes; mas nunca praticaram excessos que possam ser censuraveis em cavalheiros.

A participação da policia não é exacta. O sr. Baracho não viu os factos e acreditou na parte de policia.

Pois é crivel que os estudantes da escola polytechnica, que durante um longo periodo de vinte annos têem dado provas de moderação e cordura, irrompessem de repente nos excessos que a policia conta, sem haver uma provocação, sem haver um facto determinante?

Não é crivel. A parte de policia está incompleta; falta-lhe alguma cousa, força é dizel-o.

Mão está presente o sr. ministro do reino, mas hei de repetir na sua presença que o serviço de policia é pessimamente dirigido e pessimamente feito.

Não viu toda a cidade que, nas vesperas do centenario pombalino, querendo dois cavalheiros fazer conferencias sobre a historia de Portugal, a auctoridade mandou um subalterno do corpo de policia ouvir a prelecção?

Começou um dos projectores, como não podia deixar de começar, a narrar a historia da monarchia em Portugal, e quando contava que o primeiro monarcha portuguez fôra D. Affonso Henriques e com elle começara a monarchia portugueza, o policia mandou-o criar, porque não podia fallar em monarchia.

Em que queria a policia que o prelector fallasse?

Isto resulta do absurdo de mandar funccionarios de categoria inferior do corpo do policia ouvir prelecções historicas e literarias, sem nada comprehenderem.

Eu disse hontem que não tinha assistido aos factos occorridos na escola polytechnica, e que repetia á narração que uma deputação de estudantes d'aquella escola me tinha feito.

Ora o que dizem elles?

O que elles dizem é que não deram vivas á republica, mas affectivamente zombaram da policia, porque ella os provocou.

Dizem que um policia se intrometteu com elles, porque um estudante, dera palmas a um homem que passava assobiando a Marselleza, e outro dissera: «tomára o policia mas era que dessemos vivas á raiz cubica». O policia, embirrando com a phrase, ficou espantado, e perguntou o que ella queria dizer, ao que os estudantes responderam que era uma raiz muito conhecida de quem estudava botanica. Isto deu logar á gargalhada. O policia comprehendeu que estavam zombando d'elle, até que depois as cousas tomaram maior proporção.

Isto é o que me contaram, e não duvido nada que assim fosse, porque, tratando-se de estudantes, são estas cousas mais naturaes do que dar vivas á republica e morras á policia.

Não creio que os estudantes dessem vivas á republica e morras á policia, estando os estudantes na escola polytechnica e a policia na praça do Principe Real. Falta por força aqui alguma cousa, e é o que elles explicam por provocação.

Ora estas provocações da policia aos estudantes não são de hoje, datam das festas do centenarino pombalino.

São graves estes symptomas, diz o illustre deputado!

São graves, mas procuremos a causa d'elles, e encontral-as-hemos em factos de ordem muito superior aos proprios erros da imprensa, que o sr. Baracho confessou da sua parte como jornalista, e que eu tambem confesso, porque tenho orado mil vezes; não duvido confessal-o, fugiria mesmo da condição humana se dissesse que nunca tinha errado.

Mas a propaganda da imprensa republicana, se não encontrasse alguma cousa que lhe, dá força, caíria immediatamente pela indifferença publica, como caíu em muitas outras epochas.

Não se lembram todos de que quando foi proclamada a republica franceza em 1848, a Revolução de setembro, e com ella outros muitos jornaes, incitados pela paixão politica de momento, quasi que acclamavam a republica?

Seria desconhecer a historia das nossas luctas civis, ignorar este facto.

Pois n'essa mesma epocha, quando o povo pegava em armas contra aquillo que elle julgava excessos da prerogativa real, o que combatia?

Combatia o predominio de um ministro, os actos do um governo, mas ninguem fallava em republica.

A junta do Porto era tão monarchica como o governo do Lisboa; o throno da Senhora D. Maria II estava tão seguro nas mãos do um como de outro partido; mas quando os miguelistas pegaram em armas a junta do Porto combateu-os.

Em republica não se pensava.

Hoje, porem, o que vemos?

Seria fechar os olhos á luz da verdade, não ver que a propaganda republicana tem ganho terreno. E porquê?

Pelos erros de todos os partidos monarchicos, do todos sem excepção de um só; não excluo o meu partido; pelos erros de todos os partidos monarchicos, repito.

Pois julgam que é indifferente, e n'isto não quero travar nenhuma questão politica, julgam indifferente constituir-se uma dictadura, e, abertas as côrtes, decorrerem os mezes sem se discutir o bill, de indemnidade n'esta camara? (Apoiados.)

Julgam indifferente que o governo esteja ainda de facto em dictadura, com as côrtes ha cinco mezes abertas, porque o bill ainda não passou na camara dos dignos pares? (Apoiados.)

Julgam tudo isto indifferente para a causa monarchica?

Pois, se julgam, não julgam bem. (Apoiados.)

E não são só estes factos; são estes e muitos outros, os quaes, eu não quero trazer agora para aqui, porque pão quero de fórma alguma accender um debate politico; quero, sobretudo, dar conselhos ao governo, que dão força e animo á propaganda republicana, e provem de erros de todos os partidos, de uns mais e de outros menos.

Acautelemo-nos, pois, contra os nossos proprios desatinos.

Quando administrarmos bom e sensatamente, quando respeitarmos os principios liberaes e quando mantivermos firmemente a ordem publica, mas como homens liberaes a devem manter, a propaganda republicana ha de declinar. (Apoiados.)

Se se continuar a julgar que não se deve reformar a carta constitucional, mas que não se deve tambem cumprir; se se entender que as leis são palavras vãs; se se proseguir n'uma administração defeituosa, que levanta contra si a má vontade do povo, então a propaganda republicana,

Página 1631

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 1631

lembrem-se d'isto, póde ser muito mais grave do que muitos pensam. (Apoiados.)

O sr. Baracho: - referindo-se ao que ouviu dizer no governo civil, disse que mesmo dentro do edificio da escola polytechnica os estudantes deram vivas á republica.

Não sei do facto; mas o que sei, porque estou em serviço na escola, é que para amanhã e convocado o conselho escolar, e estou certo de; que, se dentro do edificio alguem praticou um desacato contra as instituições, elle ha do proceder, dentro da limites das suas faculdades disciplinares, de modo a reprimir esses, factos.

Agora, aos srs. ministros, quero dizer simplesmente uma cousa.

Uma das causas principalissimas dos desatinos que estamos vendo em Lisboa, é a péssima direcção do serviço policial. (Apoiados.)

A boa policia em Lisboa mo são alardes do força, quando ella não é precisa: e muita prudencia e muito tino combinados com muita firmeza. (Apoiados.)

São, a meu ver, os erros praticados pela policia ha alguns mezes, provocando, sem motivo, levantando descontentamentos sem uma rasão plausivel, que dão cansa a estes factos.

Acautele-se o governo contra o caminho que vae seguindo a auctoridade policial; emquanto se não acautelar, só elle é responsavel pelos factos que se passarem nas das de Lisboa.

Acautele-se o governo contra os erros da auctoridade policial. Elles crearam esta situação em que estamos, e d'elles póde resultar tornar-se, ella ainda mais grave. (Apoiados.)

Haja firmeza na acção da policia, mas haja tambem juizo e prudencia; porque, 60 a auctoridade policial continuar no caminho que tem seguido ha alguns mezes, os srs. ministros podem dentro em pouco ter casos mais graves a lamentar.

Póde ser que os rapazes desatinassem hontem; e, se assim é, devem ser punidos conforme a gravidade da falta. Póde ser que desatinem hoje; e, se assim é, igualmente devem ser punidos conforme a gravidade da falta.

Mas, note o governo, que qualquer punição que não for justa póde ser uma provocação; e, se os desatinos da policia continuarem, não ha de ser o governo, não ha de ser ninguem que poderá pôr dique a esta torrente que se manifesta, antes ao contrario continuará a invadir-nos.

Não creio que dissesse nina só palavra que podesse offender alguem; (Apoiados.) não me parece que saísse dos limites dos meus direitos do deputado», (Apoiados.) direitos que estou resolvido a manter.

Agora o que devo dizer ainda ao sr. Baracho é que, apesar de tudo o contra tudo, se for preciso, tambem sou de opinião de que Portugal só póde viver independente com a monarchia constitucional.

Póde muitas vezes ter succedido que eu julgue menos acertados os actos do poder moderador; peido sor que os tenha criticado, não aqui, porque não critico aqui, mas em outra tribuna, o que é direito meu; mas apesar de tudo, quer erre, quer acerto, a minha convicção firme e sincera é que qualquer transtorno republicano em Portugal annunciaria a perda da nossa independencia.

Eu quero a monarchia constitucional, das quero a monarchia constitucional como ella deve ser, respeitando todos os principios, e correspondendo a todas as indicações populares. Quero-a assim, o assim a devem querer todos. Seja ella assim, e não tomamos a propaganda republicana.

Seja a policia firme, serena, prudente e não provocadora no cumprimento dos seus deveres, e não haverá rasão para, temermos quaesquer arruaças na capital.

O sr. Luiz de Lencastre: - É escabroso o terreno e difficil a questão. V. exa. lembra-se naturalmente do que há tempo, quando se levantou aqui uma questão analoga, eu disse que deviamos aguardar os documentos offiçiaes.

Nós não temos tambem ainda os documentos officiaes ácerca dos acontecimentos que se deram hontem. Parece, pois, que devemos aguardar esses documentos, para, em face d'elles, fazermos o nosso juizo. (Apoiados.)

Estamos todos, aqui para respeitar todos os direitos e concilial-os com o respeito duvido á auctoridade. (Apoiados.)

A epocha que vamos atravessando, senão é perigosa, não é, todavia, facil do atravessar.

Ouvi com prazer a todos os lados da camara manifestar o seu respeito pelas instituições. E preciso que nos reuna-mos em volta d'ellas, que esqueçamos os pequenos ódios e pequenas divergências, e que nos lembremos de que somos filhos d'esta terra, que é feliz com o governo que tem. (Apoiados.)

N'estes termos, vou fazer um pedido á camara, á maioria e á opposicão, e é que ponhamos ponto por ora n'este incidente, emquanto não vierem os documentos officiaes.

Toda a sociedade em que se não respeitam os direitos individuaes, e em que se não respeita o principio da auctoridade, e uma sociedade perdida. (Apoiados.)

Peço, portanto, á camara, que ponha fim a este incidente até que venha o sr. ministro do reino e se apresentem os documentos officiaes, pelos quaes nós possamos formar o nosso juizo.

Leu-se, na mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro que este incidente fique adiado até que venham á camara os documentos officiaes. = Luiz de. Lencastre.

O sr. Mariano de Carvalho: - Os requerimentos, desde que se justificam, não podem ter seguimento. (Apoiados.)

Uma voz: - Os requerimentos que não se podem justificar são os que dizem respeito a materia discutida.

Posto á votação o requerimento do sr. Luiz de Lencastre, foi approvado.

Vozes: - Ordem do dia, ordem do dia.

O sr. Emygdio Navarro: - Lembro só á camara que ha pouco se alludiu á minha pessoa, e, por consequencia, não se mo pude recusar o direito de dar explicações.

O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobro se quer que se dê a palavra aos srs. deputados que quizerem dar explicações desde já.

Assim se resolveu.

O sr. Presidente: - Eu continuo a dar a palavra aos senhores que estão inscriptos; mas, em chegando a hora, passa-se á ordem do dia.

Tem a palavra o sr. Fuschini, que é quem se segue, na ordem da inscripção, ao sr. Lencastre.

O sr. Fuschini: - Tambem eu desejo fazer algumas considerações sobre os factos occorridos ultimamente, a que o sr. Mariano de Carvalho acaba de se referir.

Sr. presidente, pela minha parte attribuo-os á errada direcção policial do primeiro magistrado administrativo de Lisboa.

Realmente, se formos a dar credito ao que por ahi se propala, se fizermos a, nossa critica pelos, movimentos de tropa e pelas medidas policiaes sempre tomadas com um apparato scenico, que, se não fosse ingénuo, era por algum modo, interessado, devemos concluir que o pais está profundamente agitado o Lisboa revolucionada.

Ora o paiz será tudo, menos anarchico e revolucionario.

Povo cordato e socegado como o nosso, até melancolico e taciturno, não é fácil encontrar outro, e o de Lisboa não desdiz do resto da communidade.

Nós assistimos ainda ha bem pouco tempo á visita a esta capital do rei de Hespanha, as festas que então se causaram foram, monarchicas por excellencia; pois o terrivel

Página 1632

1632 DIARIO DA CAMARA DOS SENHOBES DEPUTADOS

povo de Lisboa, em cujo seio pullulam, ao que parece, revolucionarios ardentes e pedagogos audazes, assistiu sereno ao correr das festas, e d'entre a multidão enorme que se grupava em volta dos cortejos reaes, nem um só grito o ouviu, nem um só movimento se observou, que podesse demonstrar a idéa de uma aggressão politica.

E seremos nós, nós, que n'aquelles dias rejubilámos ao ver a cordura delicada dos nossos concidadãos, que havemos de acreditar hoje n'aquelles que os desejam, talvez, malquistar com as auctoridades supremas da nação?

Não, sr. presidente, o povo portuguez em geral, e o de Lisboa não lhe faz excepção, é essencialmente sensato e ordeiro; podem certamente existir em mais de um ponto individuos, e grupos insignificantes pelo seu numero, que procurem arrastal-o á desordem; todavia a grande massa dos cidadãos, quaesqner que sejam as suas opiniões politicas, é assas illustrada e patriótica para discutir Idéat, e evangelisar principios em vez de declamar paixões nas das o nas praças publicas.

De resto, sr. presidente, qualquer que seja o numero dos adversarios intelligentes, scientificos e honrados, os unicos que possuem valor real das instituições actuaes, maior ainda é o numero dos seus defensores; a maioria do paiz, a meu ver, ainda é hoje essencialmente catholica e monarchica. (Muitos apoiados.)

Perigo imminente para a nossa situação politica não o vejo, e ninguem o sonha, senão aquelles cuja imaginação irrequieta se agita dentro de um craneo onde a intelligencia e a sciencia cederam, se alguma vez lá estiveram, o logar às ambições descomedidas e não proporcionadas ao merito.

Sr. presidente, não é este o ensejo mais favorável para fazer philosophia da historia; o tempo é escasso; ainda que fazel-a é sempre util, porque eu não sei, realmente, para que sirva estudar o passado senão para comprehender o presente e acautelar o futuro. Se a podesse fazer, porém, demonstraria que o nosso momento histórico delicado e grave será aquelle que corresponda a um movimento geral da raça latina, da qual somos um ramo pequeno, fraco e apertado entre uma grande potencia latina e o oceano; ora, esse movimento ha de realisar-se necessariamente; e, segundo todas as previsões, terá o caracter das transformações no regimen liberal, far-se-ha pela evolução, jamais pela revolução.

Mas, sr. presidente, descendo ao mundo das realidades presentes, na minha curta vida publica tenho successivamente visto o districto de Lisboa administrado por homens de todas as procedências politicas; vi, e conheci pessoalmente, uma serie de governadores civis, o sr. Cau da Costa, o sr. Gama Barros, o sr. Guilherininb de Barros, o sr. Segurado, o sr. Daun e Lorena, o sr. Vicente Monteiro, administrarem este districto e administrarem bem; o que eu não vi, porém, nem. elles viram, foi a auarchia.

Chega ao poder o actual magistrado, e immediatamcntc surge a hydra por todos os lados!

Ora, sr. presidente, se a logica serve para alguma cousa, como eu supponho, não será este o caso para desconfiar que entre o illustre magistrado e a anarchia ha legações próximas? Nas administrações dos governadores civis transactos plena paz nas das e socego para os habitantes, a hydra não existe; chega s. exa. e a revolução irrompe por todos os lados! Pois isto é admissivel?

Sr. presidente, póde acontecer que tudo provenha da reacção igual e contraria á acção, bi tão verdadeira na mechanica scientifica, como na mechanica social. Ora, o principio de reação póde levar muito longe. Porque uma creança, divertindo-se com os seus collegas estudantes como ella, levanta o grito sedicioso de viva a raiz cubica, póde admittir-se que a policia vá avolumar o que não tem importancia alguma? Não deixei eu, ha tanto tempo, os bancos da universidade, para que mo não recorde já o que seja a vida descuidada e alegre da juventude; por essas cadeiras estão antigos companheiros meus, que hão de recordar-se, bem saudosos, como eu, das nossas terriveis revoluções academicas, em que tudo acabava como tinha começado a rir, salvo o modo latente de uma importuna riscadella. É por que lá havia bom sonso nas auctoridades académicas e civis, que não iam por uma acção impensada arrastar até á reacção.

Ora se isto é assim, lembro ao governo um processo simples e seguro: como nós, nós os meticulosos já se vê, não podemos andar em continuos sobresaltos, nem devemos estar desconfiados uns dos outros, experimente-se a demissão, temporária apenas, do sr. governador civil; se elle ó, como parece logicamente ser, a acção, que levanta e errita esta reacção, eliminada a causa cessará o effeito; se a hydra, porém, subsistir ficará assim demonstrada a necessidade historica do magistrado, e eu, pela minha, parte, dar-lhe-hei então poderes discricionarios, a suspensão das garantias e o estado de sitio para Lisboa. Senão... não.

E que o governo tenha sempre em vista esta grande verdade historica: a teimosia da parte do poder em conservar nos altos cargos politicos homens importantes contra a vontade popular tem levado á revolução; a mesma teimosia em conservar outros encargos mais inferiores póde conduzir á arruaça.

Nada tenho com as qualidades individuaes do magistrado cujos actos publicos descuto, por isso não ponho em duvida as suas convicções. Tambem eu defendo as instituições vigentes, porque entendo que se coadunam com a liberdade, e no momento actual traduzem na sociedade o nosso modo de ser moral e intellectual. E dizendo isto supponho que os meus collegas comprehendem a escola philosophica em que me filio; mas exactamente porque defendo as instituições, que julgo nacionaes, não quero que a feita de critica nos actos administrativos possa comprometter aquillo, que julgo necessario para a ordem e felicidade do povo.

E por que do povo sou oriundo, como elle fallo com franqueza, sentindo por mim o que elle pensa, ou deve pensar.

De resto sou regenerador; mas defendendo os actos do meu partido, não mo curvo ante aquelles que sejam menos pensados e convenientes, quaesquer que possam ser as consequencias do meu procedimento. Entendo que não ha partido algum serio, que possa justificar e defender actos, que o não merecem.

Sr. presidente, tudo n'este mundo se póde combater e mesmo vencer; muitas vezes a força esmaga o direito, protrahe a justiça e dá rasão ao forte contra o fraco; mas ha n'este mundo uma cousa impalpavel, intangivel e terrivel, quando encontra para se firmar um pequeno ponto, essa cousa ninguem a vence, e não ha força material que contra ella prevalesça, - é o ridiculo.

Tenho dito.

O sr. Emygdio Navarro: - A camara mostra-se desejosa de pôr termo a este incidente, e espero me fará a justiça de acreditar que não era meu intento vir irritai o; roas precisava dar algumas explicações, porque no momento em que eu estava ausente, se alludiu á minha pessoa, e embora se fallasse em termos que me são lisonjeiros, isso deu logar a que eu me julgasse obrigado a dar algumas explicações.

A camara e um tribunal distincto e independente; não póde vir aqui exigir-se a responsabilidade do que vem escripto nos jornaes, embora sejam deputados os seus redactores. (Apoiados.)

Abrirei, porém, uma excepção a este principio, visto que o illustre deputado se referiu a um jornal de que eu tenho a honra de ser redactor principal, e darei algumas explicações a respeito do artigo publicado nesse jornal, e a que s. exa. se referiu.

Esse artigo é, nem mais nem menos, do que a synthese do que eu disse ha tempo n'esta camara. Disse eu então,

Página 1633

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 1633

defendendo os principios de ordem publica, que as cousas não podiam continuar assim, e que era necessario tomar providencias que pozessem cobro á anarchia existente. Condennou-se n'essa occasião o procedimento do governador civil do districto de Lisboa, attribuindo-se-lhe a causa d'essa anarchia.

Aquelle jornal diz, que a conservação do sr. Arrobas á frente do districto é hoje uma questão do ordem publica. O maior serviço que o partido regenerador podo dever ao sr. Arrobas é o d'elle pedir a sua demissão, se o governo não tem força para lh'a dar.

Qualquer que seja o modo de apreciar os actos do governador covil de Lisboa, há um ponto em que me parece estarem todos de accordo, e é que essa auctoridade pelas circunstancias em que se collocou não está em condições de poder pôr em pratica ás suas boas intenções. (Apoiados.)

O sr. Arrobas é incapaz de manter a ordem publica, porque até os proprios actos que, porventura, podiam merecer sympathia, se transformam em actos do resistencia. (Apoiados.)

No facto de se prohibii a Marselheza está uma prova, d'isso.

Essa prohibição que em determinadas circumstancias seria justa, seria legitima, embora seja esse o hymno nacional francez, foi perfeitamente absurda, porque não se limitou ao canto ou ao toque nas mas, mas prohibiu-se até dentro dos estabelecimentos. (Apoiados.)

E sabe v. exa. o que resultou d'aqui? É que até hoje á maior parte da gente ora índifferente a Marselheza, e agora já gostam de a ouvir.

Já tive occasião de expor as minhas idéas a respeito d'estas questões de ordem publica.

A conservação da auctoridade superior do districto de Lisboa é um gravissimo erro. (Apoiados.)

Direi ainda, e com isto concluo, que julgo mais inconveniente e perigosa esta discussão parlamentar do que quasquer manifestações que se façam lá fora. (Apoiados.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Hintze Ribeiro): - Não quiz antecipar-me ao sr. Emygdio Navarro, que tinha pedido a palavra para dar explicações, pessoaes antes do se passar á ordem do dia.

O que eu desejo é affirmar por parte do governo que a responsabilidade do procedimento da auctoridade superior do districto incumbe ao governo, emquanto não retirar a sua confiança a essa auctoridade.

Com relação a este incidente já disse á camara, que não podia prestar informações minuciosas, porque é negocio que não corre pela minha pasta.

O meu collega do reino não podo talvez vir á camara hoje, porque, como v. exa. sabe, é dia de assignatura, para o que teve de ir para o paço; mas logo que venha não terá duvida em prestar todos os esclarecimentos ácerca d'este incidente.

Limito-me por aqui, repetindo o desejo do governo de manter a ordem publica e as instituições. (Apoiados.)

O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia. Os srs. deputados, que têem de mandar para a mesa requerimentos, representações ou projectos de lei, podem envial-os.

ORDEM DO DIA

Contorna a discussão do projecto n.º 95

O sr. Palmeirim: - Venho expontaneamente ao encontro de todas as suspeitas, de todas as malquerenças, e de todas as calumnias. A impopularidade ficticia e temporaria que se possa levantar contra aquelles que, como eu, estão dispostos a dar o seu voto favorável ao contrato do caminho do ferro do Salamanca, quero-a, desejo-a, venho-a ou reclamar para a minha palavra, como acho e reflexo que vae ser da minha consciencia.

Sei que procedendo desta maneira estou em véspera de entrar no Flos-Sanctorum da política partidaria, onde abundam mais os, martyres do que os beatos e os confessores. Mas, apesar de não sentir em mim os asceticos fervores dos christãos primitivos, confesso que me assusta mediocremente a idéa do martyrio; o quando amanhã o meu nome1 ou apresentado ao paiz ladeado de epithetos mal soantes, eu liei do levantar bem alto a cabeça, e apenas requerer para ser medido por uma craveira diversa d'aquella, por onde se medem e afferem os calumniadores de profissão.

Sr. presidente, é ruim sestro da nossa terra - que até hoje não tem tido excepção - não se propor nunca melhoramento publico, que se prenda em mais larga ou mais acanhada escala com o auxilio pecuniario que o estado não póde nem deve deixar de subministrar a emprehendimentos verdadeiramente úteis, que a calumnia se não levante logo imponente - feroz e cega - remechendo os diccionarios da língua patria, o procurando sacar d'elles os epithetos injuriosos, que os diccionarios se negam a dar-lhe, por que nossos avós eram mais sóbrios do que nós somos hoje em vocábulos affrontosos para a honra alheia.

Para demonstração d'esta verdade, não careço ir longe, nem cavar fundo em tamanhas misérias.

Ha pouco tempo ainda, a proposito da construcção, e fiscalisação de um edificio publico, que os inqueritos e as devassas posteriores demonstraram haver sido fiscalisado e construido com probidade; inventou-se a palavra infamante de baldomeros para os homens que se não queriam associar á diffamação do engenheiro que dirigira as obras da penitenciaria. De repente fez-se um solemne e lugubre silencio em volta da calumnia, porque um cypreste assombrava e protegia já a campa rasa da principal victima de tamanhos embustes, e nove orphãos, filhos do supposto delapidador da fazenda nacional, justificavam e honravam a memória de seu pae estendendo a mão á caridade publica. (Muitos apoiados.)

A justiça de Deus é grande, e implacavel! O honrado partido a que pertenço cedia então o poder a um outro partido, que trazia escripto na sua bandeira a seductora palavra moralidade, como se a moralidade fosse apanágio exclusivo deste ou d'aquelle partido, d'este ou d'aquclle homem d'estado!

Tão honrado, tão moral o patriotico, é o partido regenerador, que acceita e reconhece por chefe o sr. Fontes Pereira do Mello, como honrado, moral e patriótico é o partido progressista, que jura nas palavras do sr. Anselmo Braamcamp. Tão amigo do seu paiz é o sr. Saraiva de Carvalho, honrado proponente do contrato para o caminho de ferro de Torres Vedras, injustamente alcunhado de tratada, blasphemia que uma calumnia mais moderna contrapunha a outra calumnia mais antiga; como zelador austero da dignidade nacional é o sr. Hintze Ribeiro, que deseja e quer que as aspirações das nossas províncias do norte sejam, uma; realidade, e para isso procura alargar-lhes os horisontes. (Muitos apoiados.)

Sr. presidente, é já tempo de acabar com estas ignobeis recriminações com que ninguem lucra, e que a ninguém aproveitam. Que lucro tira o paiz, que lucro póde tirar a causa publica, do epitheto apparentemente inoffensivo de salamangueiros, que no momento nos estão dando, e que esconde uma offensa grave á nossa honra do homens públicos, e ao nosso caracter de patriotas? Pois seja assim; já que assim o querem. Pois sejamos salamanqueiros: mas traduza-se a palavra, como ella deve ser traduzida, por homens que querem o leni da terra em que nasceram; eu ainda: por homens que não se receiam de que o seu patriotismo lhes possa ser posto em duvida.

Sr. presidente, eu estudei este assumpto como era do meu dever, o encontrei-o simples na sua essencia, mas transformado depois em labyrintho e inferno pelas paixões partidárias. As exigencias do illustre deputado, o sr. Mariano de Carvalho, ao deve a publicação na folha official

Sessão de 25 de maio de 1882

Página 1634

1634 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

dos preliminares d'este negocio, e das longas e laboriosas correspondencias diplomaticas, encetadas em 1878, pelo sr. Andrade Corvo, a pedido do seu então collega das obras publicas o sr. Lourenço de Carvalho; continuadas em seguida, pelo sr. Anselmo Braamcamp, e concluídas em 1882 pelo sr. conde do Casal Ribeiro, ministro plenipotenciário de Portugal em Madrid.

Que tres nomes, sr. presidente, deviam ser estes para amordaçar a calunmia, para espertar a vista dos míopes, para arredar e varrer todas as suspeitas ignominiosas lançadas sobre o governo actual! Mas eu vou juntar mais um nome glorioso aos nomes dos srs. Corvo, Braamcamp e conde do Casal Ribeiro. Esse nome que accorda as nossas sympathias, e em mim uma profunda admiração, e o nome de José Estevão.

Dizia este eloquentíssimo orador, no discurso proferido nesta casa na sessão de 30 de abril de 1856, tratando-se então, como se trata agora, de um caminho de ferro que nos devia ligar á Hespanha, e contrariando a opinião de Passos Manuel, que julgava que esse caminho de ferro podia e devia ser construído sem subsidio do governo, dizia por essa occasião o illustre tribuno:

«Os hespanhoes desconfiados ou não desconfiados hão de sempre juntar-se comnosco pelas linhas ferroas. As suas mercadorias e os sons individuos hão de ir juntamente com as nossas, e com os nossos na mesma locomotiva. Não ha duas portas, nem são precisas para entrar para o caminho de ferro, nem é preciso que dois povos de nações diversas digam adeus á sua historia, e façam uma confissão geral, para poderem juntos caminhar na mesma estrada. O caminho de ferro faz essa grande maravilha, reune todas as nações, approxima-as, sem comtudo deixarem de se conservar separadas. Uma nação não precisa humilhar-se para se conservar separada, uma nação civilisa-se, respeita-se, e convive com outra, como dois cavalheiros, com nobreza e galhardia, e póde ser respeitada de todos.»

Sr. presidente: quando o sr. Corvo encetou as negociações diplomaticas com o governo hespanhol, negociações seguidas pelo sr. Braamcamp, sendo ministro das obras publicas o sr. Saraiva de Carvalho, vimos que o governo o reino vizinho determinara que a bifurcação das linhas ferreas portuguezas fosse nas proximidades de Cidade Rodrigo. A rasão d'esta escolha tinha por fundamento considerações estrategicas, a meu ver irrisorias, senão sarcasticas, por serem uma inútil precaução tomada por uma nação poderosa em desconfiança de uma outra nação que o não é.

O sr. Braamcamp escrevia então ao sr. conde do Casal Ribeiro, dizendo-lhe que: «esta resolução produzira grave impressão nas províncias do norte, e com especialidade no Porto, e ordenava-lhe que colhesse todas as informações que lhe fosse possivel alcançar, participando-lhe com urgencia.»

Em officio de 18 de maio de 1880, o sr. conde do Casal Ribeiro expunha a questão com notável clareza, confessando que o traçado directo de Salamanca á Barca de Alva era o que, mais convinha aos interesses portuguezes mas que tinha por adversarios interesses locaes, os manejos da société financiére, e as rasões estrategicas tidas em grande conta pelo general Martinez Campos, o pelo governo hespanhol. O sr. conde do Casal Ribeiro concluía por manifestar o receio de que as difficuldades, já então grandes, se tomassem maiores, pela influencia de outros interesses na questão geral.

Com resposta a este officio, e á pergunta do nosso representante, se devia pedir officialmente a alteração do traçado, o nosso governo respondia-lhe não só affirmativamente, mas recommendando-lhe a urgencia das negociações.

A este officio seguem-se dois outros, tendo um a data de 21 de julho de 1880, e outro a de 17 de julho do mesmo anno. No primeiro d'estes officios resume o sr. conde do Casal Ribeiro a conveniencia do projectado entroncamento do caminho do ferro do Douro nas proximidades de Salamanca; e no segundo manifesta a sua satisfação pela conclusão que se lhe afigura provável, de tão melindroso como importante assumpto. Eu não quero cansar a camara lendo os documentos officiaes que tenho presentes, e fazendo-lhe a injustiça do suppor que ella os não leu. Foi uma serie de o victorias alcançadas pela diplomacia portugueza, dignamente representada pelo nosso ministro em Madrid. Quatro anãos se, gastaram nestas negociações, para a final se chegar á conclusão de que fizemos um presente á Hespanha, tendo-se ella sempre mostrado tão esquiva em o receber de nós!

Isto tudo, sr. presidente, se passava no tempo da administração progressista. As palavras, como a camara acabava de ver, eram boas; optimos os desejos de todos; mas, não é só com boas palavras e boas intenções que as nações se governam. O actual sr. ministro das obras publicas, ao entrar para o governo, resolveu tornar pratico o que até então só era theorico; e foi por isso que promoveu a organisação do syndicato portuense, para que as provincias do norte, e com especialidade a cidade do Porto, não ficassem privadas da construcção do ramal da Barca de Alva, ligação natural do caminho de forro do Douro com Salamanca.

Este é o grande e unico crime do sr. ministro das obras publicas. Pois eu felicito cordealmente a s. exa. por ter sabido despertar; os capitães portugueses, os mais marralheiros e tardios dos capitães conhecidos. Eu perfilho, e não só perfilho, amplio as opiniões que aventurei, com as palavras do magnifico discurso proferido n'esta casa por José Estevão, na já citada sessão de 30 de abril do 1856. Dizia poi1 essa occasião aquelle excepcional orador:

«Os capitães do paiz são poucos, vem de má origem, e estão mal acostumados: e vem de má origem, porque as grandes casas são feitas pelo contrato do tabaco, ou pelo commercio do Brazil. ou pela agiotagem, ou ainda algumas com o commercio dos negros.»

E em seguida o eminente orador acrescentava:

«Quaes são os capitães do paiz que pela sua vocação se tem applicado a estas empregas novas? Sr. presidente, não ha queixas mais absurdas e mais infundadas como as dos capitães do paiz na preferencia que se lhes dá. Porventura, quem me havia de dizer que homens tão illustrados, de tanta sciencia haviam de entreter-se nesta puerilidade de engrandecer os capitães? Porventura os capitães nacionaes não podiam entrar em nenhuma empreza de caminhos do ferro que fosse estrangeira, não podiam offerecer-se a tomar parte n'ella? Quaes são as rasões que os inhibem? À repugnância de entrarem em especulações honrosas e aventurosas. Querem antes continuar ávida do monopolio, porque vivem do vinho do Douro, que e monopolio natural; do commercio do Brazil, que é monopolio legal; do contrato do tabaco, que tambem é um monopolio legal.»

Só o que esqueceu de dizer a José Estevão foi que o capital portuguez era, como é ainda hoje, um capital de torna-viagem e como o assim o qualifiquei, preciso dizer á camara como se faz a viagem.

Eu, sr. presidente, não desejo nem pretendo talhar- carapuças, e para me poder exprimir sem offensa para ninguem, chamarei ora finança, ora capital, aos homens que representam uma e outra cousa, e que sonegam os seus haveres aos melhoramentos de utilidade publica.

A finança, ainda então simples, immigrante, parte um bello dia para o Brazil, vestida ad hoc de jaquetão de saragoça nacional, e levando por toda a bagagem na algibeira furtada da vestea o registo do santo ou da santa orago da sua aldeia natal. Demora-se pelos Brazis o tempo necessario para enriquecer, e, passados ânuos, o humildo tonsurado marçano volta á terra da pátria, havendo impiamente trocado na ausência a venera do Bom Jesus do Monte pela commenda da Conceição.

(Riso.)

Chegou: o seu primeiro cuidado foi o de cumprir um

Página 1635

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 1635

dever de gratidão, mandando edificar nas margens do Lima ou do Minho, um palacete pintado do verde e amarello como tributo de, homenagem às cores da bandeira brazileira, á sombra da qual o imigrante se tornou argentario.

(Riso.)

Só depois é que lhe chega o patriotismo, manifestado pela azafama com que compra papeis de credito, esquecido do incommodo que ha de vir a ter, indo de seis em seis mezes receber-lhe os juros ajunta do credito publico. (Rito.)

Os mais ambiciosos deixam de reserva no cofre-forte o capital necessario para em tempo opportuno subsidiarem agentes eleitoraes, não com o nobre intuito de propagarem idéas uteis, mus já com o pensamento reservado de anais tarde 90 enfeitarem com os arminhos feudues de barões, ou de viscondes. (Riso prolongado.)

Pois, sr. presidente, foi esta a finança que o sr. ministro das obras publicas teve artes de ageitar aos interesses nacionaes. Não me admira. S. exa. tinha acabado de gerir a pasta dos negócios estrangeiros, e d'ahi trazido a necessaria finura diplomatica para fazer andar o paralytico que se chama capital, mau que não anda sem o aguilhão interesse garantido.

Poder-me-hão perguntar, se eu profiro o capital estrangeiro ao capital portuguez, e, nesse caso, aonde está o meu patriotismo? Vou responder, e arranjar inimigos por outro lado. Deus me livre de dar preferencias: O capital estrangeiro é o judeu errante que corre mundo sem nunca se fixar; sem mesmo pretender saber se a semente que lançou á terra fructificou, ou se morreu á nascença. O capital d'esta procedencia faz-se sempre representar por uma larga dynastia de precursores, que são os Baptistas da religião do dinheiro, e que vem annunciar às gentes os Christos da usura.

Eu ainda me lembro, com uns certos arripios, dos Hislops, dos Pettos, dos Erlangers, individuos todos muito respeitaveis; mas nem elles, nem os que se lhes seguiram na propaganda eram mais do que simples agentes dos verdadeiros capitalistas,

Ora, eu penso que os negócios de interesso publico devera ser tratados por quem tenha uma responsabilidade directa e efficaz, porque á sagacidade só não presta, porque deixa duvidas na consciencia dos negociadores desinteressados, que como taes considero eu os ministros que tenho visto sentados n'aquellas cadeiras, sem fazer excepção de nenhum d'elles. N'esta alternativa o que restava fazer?

Na minha opinião, simples o unicamente o que fez o sr. Hintze Ribeiro: 1.°, acordar o paralytico, e pol-o em marcha. 2.º, obstar a que a financiére se apresentasse em praça como concorrente unica á adjudicação do prolongamento das linhas ferreas portuguesas, pondo em contingencia o ramal do caminho de ferro do Douro, e com elle os interesses das provincias do norte.

Mas, diz-se: vae-se dar uma garantia de juro, e essa garantia de juro subirá á importante quantia de réis 135:000$000, o não é quando se procura o equilibrio orçamental que se devem augmentar as despezas publicas.

Não chamarei sophisticas a estas affirmativas; chamar-lhes-hei simplesmente acanhadas o tacanhas, apenas boas para ijludir néscios, e nada mais. Nunca houve capital que se arriscasse sem uma idéa do interesse, e algum ha nosso conhecido que precisa ser instado e rogado, e que se não aventura sem uma garantia de juro.

Emquanto ao deficit, eu tenho profundamente arreigadas as opiniões que foram sempre o credo do rneu partido. Entendo que uma nação não póde parar por que tem um deficit, nem que o intuito da sua extincção possa ser o fins terra das aspirações do um povo. (Apoiados.) O deficit mata-se trabalhando, empregando efficaz e intelligentemente o capital; mata-se tratando-o como a um villão ruim que é.

A proposito de deficit dizia José Estevão: - «Nós temos estado, ha vinte annos, a luctar com o deficit; e, por causa do deficit, temos estado com idéas estéreis, som entrar francamente no que é respectivo aos melhoramentos do paiz; temos estado entretidos com uma politica quasi sempre ronceira e pouco attractiva, abandonando completamente os verdadeiros assumptos económicos, o, por consequencia, privando o nosso paiz de todos os beneficios de que gosam todas as nações que são iguaes á nossa nos meios de producção e execução.»

Em outra parto do mesmo discurso enumerava José Estevão as nações que tinham caminhado e progredido apesar do deficit, concluindo por votar por todas as despezas productivas. Eu faço o mesmo. Voto pelo caminho de ferro de Salamanca, como votarei por quaesquer outros melhoramentos de ordem económica, do aspiração moral, ou de significado intellectual que ha tantos annos estilo a espera que o deficit lhes dê licença para apparecerem em publico. (Muitos apoiados.)

Peço á camara que me permitia uma pequena digressão. Sou, sr. presidente, director de um estabelecimento de instrucção popular, que o é ao mesmo tempo de instrucção especial, d'essa instrucção especial em que hoje tanto se falla, e por que tanto se pugna; qualidades acrescidas com o ser um estabelecimento de instrucção feminina, para que ainda ha poucos dias, quando se discutia o orçamento do ministerio do reino, pediam a attenção dos poderes publicos o sr. José Luciano de Castro, e com elle o nosso illustrado collega D. José do Saldanha.

Parece, sr. presidente, que me devia honrar com a directoria de um estabelecimento do tal ordem; mas, sinto dizel-o, lastimo ver-me, como me vejo, director de uma mesa de sopa economica. Em occasião opportuna voltarei a levantar esta questão, para que desde já peço a attenção do governo, o auxilio dos meus collegas de todas as procedencias politicas. É tambem uma questão de honra para o paiz.

Disse do projecto que só trata tudo quanto tinha a dizer; disse igualmente do deficit não tudo quanto tinha a dizer, mas o bastante para motivar o meu voto. O que resta? O que resta é uma questão de soalheiro, o eu tive sempre pouco geito para senhora vizinha.

O Porto, e com elle as provincias do norte, suas satelytes, foram as primeiras a exultar com a creação do syndicato portuense. Depois, ignoro as rasões, ou conheço-as, mas este logar é elevado de mais para que devam aqui chegar as intrigas de campanario, que são em ponto grande como as intrigas de bairro, postas em cómica evidencia era uma força nacional.

Houve uma epocha em que todos os partidos, sem distincção de cor politica, applaudiam o procedimento do sr. ministro das obras publicas. De repente levantou-se funda divergencia, o principiou a dizer se que o Porto nada lucrava cbm o caminho de forro de Salamanca, que o Porto confiava nas suas proprias forças, no seu commercio, na sua industria, na sua agricultura, o que havia de viver desassombrado sem o ramal que deve tornar internacional o caminho de ferro do Douro. Esta opinião, manifestada pela primeira vez n'esta casa pelo sr. deputado Gonçalves, foi perfilhada polo illustre caudilho do partido constituinte o sr. José Dias Ferreira, que d'ella fez fim dos seus principaes argumentos.

Para desvanecer a impressão produzida pelas affirmações do sr. José Dias Ferrira, eu peço licença para ler á camara os primeiros desconsolados, e desconsoladores periodos da mensagem entregue ao sr. ministro das obras publicas pelos representantes da junta geral do districto, da camara municipal, da associação commercial, e pelos tres deputados eleitos pelo Porto.

(Leu.)

Como se vê, o estado geral do Porto era morbído, julgava-se incuravel, o enfermo ia succumbir. Mas não param aqui as tristezas, (Riso.) O doente tinha a consciencia do seu, estado, principiava a entrar em anemia, tinha os pri-

Sessão de 25 de maio de 1882 96*

Página 1636

1636 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

meiros symptomas de consumpção. Repare a camara em que altura ia já o doente. Mas não param aqui ainda as previsões melancolicas. (Riso.) O Porto via approximar-se a morte sem poder repellil-a, e appellava para o patriotismo portuguez como lenitivo aos seus profundos achaques.

O sr. Hintze Ribeiro foi o medico que operou cura tão milagrosa, e o Porto agradeceu-lhe com sincera e bem merecida effusão. Pois é nestas condições, que constam da mensagem a que nos referimos, que o sr. Dias Ferreira se levanta para dizer, que o Porto tem uma saúde de ferro, que não precisa de auxilios, que tem por si a sua industria, o seu commercio e a sua agricultura!

Peço licença a s. exa. para o comparar a uma veneranda figura das sagradas escripturas. S. exa. faz-me lembrar Labão. (Riso.} Quando o anno passado o actual governo pedia á camara dissolvida a approvação do orçamento, s. exa. declarava solemnemente que approvava tudo quanto o governo lhe pedisse... menos o orçamento.

Agora pede-se o voto de s. exa. para o caminho de ferro de Salamanca, e s. exa. declara ainda com a maior gravidade que o Porto não carece de caminhos da ferro, mas que precisa urgentemente do porto de Leixões. Veja o sr. José Dias Ferreira se ou não andei acertado comparando o seu procedimento com o de Labão que, quando Jacob lhe pedia Rachel, com a maxima sem cerimonia lhe dava Lia. (Riso.) Estou a ver, quando para o anno o governo quizer tornar realidade o grande melhoramento do porto de Leixões, levantar-se s. exa. e dizer, que não póde dar o seu voto a tão urgente melhoramento, porque havendo o phylloxera invadido e devastado as regiões vinhateiras do Douro, o que de preferencia se deve tratar é da plantação do tabaco, para salvar os interesses da segunda cidade do reino. (Riso.)

Emquanto, pois, se espera que o sr. Dias Ferreira fixe as suas idéas, ou vou quanto antes mandar dizer para o Porto que não conte com s. exa. nem para caminho de ferro de Salamanca, nem para Leixões, nem para o plantio do tabaco. (Riso prolongado.)

No meu entender, sr. presidente, tudo quanto o governo tem feito neste negocio é sem excepção digno do maior louvor.

Ás futuras administrações cumpre zelar e fiscalisar o contrato feito com o syndicato portuense, para que esse contrato seja como deve ser, eventual, temporário e condicional.

Feito isto, o caminho de ferro de Salamanca ficará sendo mais um titulo de gloria para o partido regenerador, e para as futuras administrações que tiverem a necessária força de vontade para não consentirem que se torne permanente, o que de sua natureza é temporario.

Estou, sr. presidente, extremamente fatigado mas não quero terminar sem me referir ao assumpto que mais directamente me forçou a usar da palavra, a mim que sou um politico de occasião, mas que desejo e quero trazer sempre em harmonia o meu presente com o meu passado.

Refiro-me, sr. presidente, á celeugma que tem levantado o facto do governo ir, segundo se diz, subsidiar um caminho de ferro em território estrangeiro.

Peço á camara que me perdoe a immodestia com que me supponho, não auctoridade, mas contraste em assumptos que se prendem com a dignidade nacional. A não serem os nobres presidentes de conselho de todas as parcialidades politicas, e muito excepcionalmente o sr. Fontes; a não serem as manifestações eloquentes feitas nas camaras dos dignos pares, em 1860, pelos srs. conde do Casal Ribeiro e Rebello da Silva, e n'esta casa pelo illustre tribuno, o sr. Santos e Silva, eu a ninguem mais reconheço direito de se me avantajar em esforços individuaes empregados para salvaguardar a honra e a dignidade da terra em que nasci. (Apoiados.)

Sr. presidente, na epocha a que me refiro, a Hespanha era governada pelo systema republicano, mas aspirava ardentemente a retomar a forma monarchica. O recente exemplo da unidade italiana estimulava as aspirações de alguns homens d'estado do reino visinho, e trabalhava-se secreta mas activamente para fazer acceitar o throno de Hespanha a El-Rei o Senhor D. Fernando.

O principal agente d'este plano era o sr. Fernandes de los Rios, que aspirava representar na peninsula iberica papel idêntico ao que o conde de Cavour desempenhara da peninsula italica.

Despeitado pelo malogro dos seus esforços, aquelle diplomata, aliás activo e intelligente, quando viu perdidas todas as esperanças pelo nobre desprendimento do sr. D. Fernando, escreveu, já na terra do exilio, um livro repassado de injustas apreciações e de graves offensas para Portugal, a quem ousou chamar o enfermo do occidente, aproveitando-se do epitheto que á Turquia applicara um diplomata russo.

Sentei-me, sr. presidente, a minha mesa de trabalho, e não levantei cabeça sem trazer a publico um livro que era a refutação plena e cabal das infundadas affirmativas do ex-representante da Hespanha em Portugal, (Apoiados.) e tão viva foi a minha contestação, que por algum tempo se julgou que um desforço pessoal seria a unica replica do meu ardente e casual antagonista.

Hoje, sr. presidente, sou eu que venho votar o subsidio, que tanto significa a garantia de juro dada a um caminho de ferro construído em Hespanha. E faço o sem hesitação, sr. presidente. Faço com a consciência de que cumpro um dever de patriotismo. (Apoiados.)

O meu voto hei de dai-o ao governo, certo e seguro de que o meu passado me põe a coberto de insinuações traiçoeiras. (Muitos apoiados.)

Se não fosse já pueril eu apresentaria á camara os similes em que me fundo para provar que os dois ramaes da Barca de Alva e de Villar Formoso são mais em nosso proveito, do que de utilidade aos interesses economicos do reino vizinho.

E já tempo de nos fazermos reciproca justiça uns aos outros, sejam quaes forem as questões que se debatam. (Apoiados.)

Emquanto a apprchensões de outra ordem penso eu que as melhores garantias e seguranças das nacionalidades são, pelo que respeita ao passado as tradições da historia; o pelo que respeita ao presente o orgulho que se não impõe, auxiliado pela dignidade que não consente que outros só nos imponham. (Apoiados.)

De tudo quanto deixo exposto se concluo, sr. presidente, que voto desassombrado pelo modo e pela forma porque o % governo pretende tornar internacionaes os caminhos de ferro da Beira e do Douro.

Tenho concluido.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por diversos srs. deputados.)

O sr. Filippe de Carvalho: - Peço a palavra para um negocio urgente.

O sr. Presidente: - No fim da sessão darei a- palavra ao sr. deputado.

O sr. Saraiva de Carvalho: - A posição de quem usa da palavra depois do sr. Palmeirim é sempre difficil. S. exa. é mestre da língua, e sabe sobre dourar quanto diz com os esplendores de uma imaginação cheia de luz e calor. Os que o ouviram sabem por experiência que não uso de um recurso oratório, mas exprimo uma verdade.

Hei de moldar-me pelas regras evangelisadas pelo illustre deputado com a palavra e com o exemplo. Mo desentranharei dos diccionarios da lingua vocabulos, que destõem. da seriedade do logar ou da funcção que exerço. Não que eu attribua pobreza ao vocabulario dos nossos avós no genero desbragado e descomedido. Peço vénia nesta parte para dissentir da sentença lavrada ha pouco pelo sr. Palmeirim. José Agostinho de Macedo legou á posteridade

Página 1637

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 1637

libellos diffamatarios, que ninguem póde exceder na intemperança do linguagem. São violencias, porém, que não auctorisam outros desmandos no seio do parlamento.

Cumpre-me dar explicações ácerca de certos factos com que foi censurado pelo sr. Palmeirim o partido em que milito. Lamentou s. exa. em phrase vehemente, sem nos estremar na censura, que o partido regenerador fosse marcado em tempo com um epitheto infamante. O epitheto, não o inventámos nós. O seu auctor era, não ha muito ainda, candidato a deputado unma situação regeneradora, que não duvidou perfilhar-lhe a candidatura francamente. (Apoiados.)

Apoiámos o governo, que se ufanava de ter desvendado os mysterios da penitenciaria. As responsabilidades d'esse apoio não as declinámos; mas as responsabilidade» ministeriaes competem a outros. Perguntem por ellas, se querem, ao sr. ministro da marinha. (Apoiados.}

V. exa. sr. presidente, partilha tambem da nossa responsabilidade. No inquerito á penitenciaria figura e destaca-se o nome de v. exa., firmando algumas das accusações mais graves. (Apoiados.}

V. exa. ha de lembrar-se que um ministerio regenerador declinou em publico as responsabilidades, que lhe imputavam, e sobre cujas cinzas foi já corrida a lousa da sepultura.
Se não querem assumir essas responsabilidades, porque as defendem, de que nos arguem? (Apoiados.)

Surrate, se passava das nossas colonias para as britânicas nu India, se celebrou um tratado, pelo qual renunciámos á industria do sal e outras, pagando-nos temporaria e, annualmente o imperio britannico quatro laks de rupias, e construindo nós avia ferrea que ligasse Mormugão a Nova-Hubly.

É de origem regeneradora o convenio. Subindo ao poder o partido progressista, respeitou, como devia, o pacto celebrado, que foi lei, mas encetando negociações, obteve que, sendo a secção portugueza construída pelo thesouro portuguez, assim fosse o caminho estrangeiro, a expensas do estrangeiro. É um facto, que estrema duas escolas politicas.

Somos todos coherentes. O partido regenerador tem os seus precedentes e princípios, e com elles se conforma. O progressista tem outros princípios e precedentes, e por elles se determina.

Até os constituintes podem, no caso sujeito, invocar precedentes.

A victoria diplomatica - eu assim a considero - alcançada pelo sr. Braamcamp, não foi só devida a sua alta intelligencia e amor da causa publica, contribuiu para ella a cooperação habil, o zêlo discreto do sr. Antonio Augusto de Aguiar. Justiça inteira a todos. Eram dignos um do outro, negociador e ministro.

Ora, eu não creio que o partido constituinte queira alijar as responsabilidades que lhe possam advir dos serviços patrioticos d'aquelle seu correligionario politico. (Apoiados.)

Referindo-se ao meu collega o amigo, o sr. Dias Ferreira, notava ainda o orador a que respondo, que, preferindo o porto de Leixões, obrávamos como Labão, que dava Rachel quando lhe pediam Lia.

Leixões! Eis outro ponto em que se assignalam as divergencias do ministerio regenerador e do ministerio progressista.

Os progressistas, quando poder, mandavam estudar o porto do Leixões pelo engenheiro Cood, auctoridade de primeira ordem em construcções hydraulicas, e instavam com elle particular e oficialmente para que não levantasse, mão do seu estudo. Os archivos do ministerio dão d'isso testemunho.

Era, porém, urgente caminhar. O governo apresentou, portanto, uma proposta, que o auctorisava a iniciar trabalhos de melhoria das condições marítimas da cidade do Porto, concluidos os estudos. O projecto era votado n'esta casa do parlamento, e succumbia diante da politica impeditiva da outra casa. Caiu o projecto, mas o ministerio tambem caia.

A situação regeneradora, divorciando-se do seu passado prosegue os estudos com morosidade calculada. Recebe em julho de 1881 o relatorio do engenheiro Cood, o começa pelo enviar ao sr. Nogueira Soares para sobre elle dar parecer. Primeira moratoria.

Era 25 de outubro de 1881 dá o sr. Nogueira Soares a sua opinião. Relatorio o parecer entram no ministerio e cáem n'uma gaveta, onde dormem de 25 da outubro a 31 de dezembro, epocha em que dão entrada na junta consultiva. Segunda moratoria.

Pois deseja-se o porto de Leixões e dorme mais de dois mezes n'uma gaveta o projecto!

Ha mais. Na vespera da abertura do parlamento envia-se o relatorio á junta consultiva. Em marco de 1882 emitte o sou parecer. E em vez de se formular desde logo a proposta indispensável para a feitura da obra, aproveita-se um ponto secundario para crear nova commissão, e terceira moratoria! É o subterfugio arvorado em principio! (Apoiados.)

Desejei saber do relator da junta que tempo seria necessario para resolver a questão accessaria, suscitada pelo parecer. Ponderou que não mais de quinze dias. De modo que nada obstava á apresentação da proposta.

Sessão de 25 de maio de 1882.

Página 1638

1638 DIARIO DA CAMARA DOS SEBHORES DEPUTADOS

Entretanto, não se ordena á commissão que formule o seu relatorio, embora a proposta esteja dependente, segundo dizem, de saber se os paredões hão de ser construidos de blocus de beton ou de pedra solta. É mais um adiamento, outra moratoria.

Fixemos claramente as responsabilidades. Não se formulou a proposta relativa a Leixões por que se não quiz. Apresentou-se a do syndicato Salamanca por que se julgou preferivel. (Apoiados.) O que era Leixões ao pé de Salamanca!? (Apoiados.)

Dizem que offerecemos Rachel quando nos pedem Lia. Pois a proposta do Leixões não foi por nós apresentada? Pois a questão, que se suscita, é sobre o subsidio ou sobre o caminho? (Apoiados.)

A proposta progressista de Leixões obtemperava a um pensamento geral, sendo necessario, como bem disse o sr. Dias Ferreira, concentrar os melhoramentos materiaes sobre Lisboa e Porto. O Porto era dotado com o prolongamento do caminho de ferro do Pinhão á Foz Tua, com a construcção do ramal do Pinheiro á alfândega, com a ponte de dois taboleiros, votando-se na camara dos deputados o projecto sobre Leixões, e decretando-se a continuação do caminho de ferro do Douro até á fronteira. Lisboa seria beneficiada pela linha de cintura, pelas de Torres e Cintra, pelas docas, pela conclusão da rede ferroviaria do Alemtejo e Algarve. Os projectos ficaram pendentes na outra casa do parlamento.

Queremos o que queríamos, é evidente. Leixões é a porta do caminho de ferro do Douro. Não trocámos Rachel por Lia.

Sr. presidente, diz-se que a opinião, senão do paiz, a do norte do reino; senão a do norte, a da cidade do Porto, é a favor do caminho do Douro e seu prolongamento. A questão não versa sobre o caminho, mas sobre o subsidio. (Muitos apoiados.)

Não ha discrepancia senão sobre este ponto. (Muitos apoiados.}

Quer o Porto o subsidio? Francamente, duvido. Mas se o quer, a mim interessa-me menos o voto d'aquella cidade, do que os fundamentos desse voto. (Apoiados.) Prefiro a auctoridade das rasões ás rasões de auctoridade.

A exposição singela do sr. ministro das obras, publicas, as representações para que appellou da camara municipal, da associação commercial e da junta geral, as allegações das folhas periodicas, dos defensores do governo e do syndicato, e triba-se tudo em taes erros de facto, alem dob de apreciação, que facilmente se explica como a opinião publica possa andar transviada.

Não affirma o relatorio do sr. ministro das obras publicas ser o ramal de Barca de Alva mais curto que o de Villar Formoso? Pois, o inverso é justamente a verdade.

Não omittem a camara municipal e a junta geral do districto no confronto das distancias kilometricos o troço que medeia entre Pinhão e foz-Tua? Omittem; nada menos de 11 kilometros e meio.

Não esquecem aquellas corporações, e com ellas parto da imprensa e o proprio governo, que no parallelo da linha do Douro com as suas rivaes se deve tomar em conta a distancia do Pinheiro a Leixões, ou pelo menos á alfandega? Pois, calculam sempre como se a estação do Pinheiro estivesse á beira mar.

Não se tem asseverado na imprensa, e não se allega n'uma das representações do Porto, que o imposto predial da provincia de Salamanca em 1867 foi de 2.773:000$000 réis, mais do que pagava todo o continente portuguez? Pois, é um deploravel equivoco, que desvaira a opinião publica. Confundiu-se a collecta com a riqueza collectavel, o que é, pouco mais ou menos, o mesmo que confundir uma acção com o seu dividendo, o juro com o capital mutuado, os lucros de uma empreza com os valores empatados na mesma empreza. Apoiados.)

Era tal o preconceito, que nem sequer se reparou nas difficuldades que saltavam do confronto de 12:000 a 13:000 kilometros quadrados, no interior das terras com cercando 90:000 banhados pelo mar 5 da riqueza urbana de pequenos centros com a riqueza urbana de emporios commerciaes, como Lisboa e Porto; da inferioridade das producções cerealiferas salamanquinas a par das producções vinicolas; esqueceram os campos da Gollegã, os ferregiaes de Beja, as talhas do Alemtejo; esqueceram as salinas, esqueceu a cortiça, esqueceu tudo. Até esqueceu que, sendo o homem o agente da riqueza, não era rasoavel acceitar sem mais exame que 4 milhões e meio de habitantes fossem supplantados em bens de raiz, e em taes circumstancias, por 280:000. Tanto póde o preconceito!

Não outro sequer a sombra do uma duvida, sobre a boa fé dos que assim argumentam. Sou amigo do muitos, e o primeiro a dar testemunho da sua lealdade. Sei por experiência propria como o erro se insinua nas obras do homem, e como são graves as suas consequencias. Mais um motivo para intervir, quando em consciencia julgo que a opinião publica é por ello desnorteada.

Não adduzirei por agora mais exemplos, que aliás hei de expor no correr da discussão. Bastam os apontados para me justificarem de pospor á auctoridade da rasão a rasão da auctoridade.

Qual é a allegação por excellencia adduzida pelo governo e pelas corporações representantes? Qual o argumento capital do discurso que pelo sr. Hintze Ribeiro foi aqui proferido?

E a rasão das distancias. É dizer-se que Salamanca está mais proxima do Porto do que dos outros portos da peninsula.

Commettem-se assim dois erros. Suppõe-se que as tarifas são producto das distancias quando resultam de variados factores O expedidor ou passageiro não consulta se o itinerario, consulta principalmente o relogio e a bolsa. A tarifa não é funcção das distancias, é funcção de muitas variaveis. Para a organização d'ella a distancia póde ser o elemento menos momentoso.

O segundo erro em que se incorre consiste em se referirem as distancias unicamente á cidade de Salamanca, e em se conhecer mal a rede ferroviaria da nação hespanhola.

Supponha-se, por um momento, que a distancia é o principio regulador das tarifas, como pretendem os meus adversarios. Havemos de contal-a em relação á cidade, ou á provincia?

O caminho de ferro não ha de alimentar-se das fabricas de pannos e cortumes da cidade de Salamanca, e dos seus 18:000 vizinhos.

Reportam-se os calculos sobre o movimento e trafego á provincia, e não á cidade de Salamanca. Argumenta-se até com mais do que a provincia; com a região leonez-castelhana, com as communicações da bahia de Vigo, em parte a effectuar pelas nossas linhas, com os transportes para a America, com os géneros e passageiros vindos de varias terras hespanholas e da fronteira franceza; finalmente, com a importância do commercio de transito.

A provincia do Salamanca tem vários focos de vida, órgãos da sua actividade, que, exceptuando a capital, estão dispersos pela peripheria da provincia.

Em relação a estes diversos focos é que se deveriam medir as distancias, e não só emquanto á capital. Em relação a Ledesma, a Tarazona, a Penaranda de Bracamonte, a Béjar, a Candelario, a Cindad Rodrigo, e então se veria o que as distancias diziam.

Ha mais; não se consideraram senão as vias ferreas em exploração. As que se construem, as projectadas, as já concedidas, as que formam o conjuncto da rede do reino vizinho foram reputadas um mytho.

Todavia, não e licito pôr de parte os trabalhos da commissão de engenheiros encarregada do formular o plano dos caminhos de ferro hespanhoes: o plano da junta de estatistica; o da junta consultiva de caminhos, canaes e por-

Página 1639

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 1639

tos; os projectos de varias corporações e municipalidades; e especialmente as leis que regulam a situação dos caminhos de ferro em Hespanha.

É muito de notar, que todos se accordem em capitular de primeira ordem a grande linha transversal do accidente (assim a denominam) que coateando a fronteira, liga o porto de Gijon ao de Huelva. O mesmo succede com a diagonal que relaciona bahia de Vigo com a de Cartagena. Westas linhas, embora não concluidas, é força consideral-as no caso presente.

São linhas que hão de cruzar a provincia de Salamanca, servir-lhe regiões diversas, communical as com excellentes portos, mover entre si concorrencia.

Desde já noto á camara, por motivos que mais tarde terei de explanar, que da intersecção d'aquellas linhas resulta a de fronteira ou de cintura.

Examinemos, porém, mais detidamente o argumento de deduzido das distancias.

Hontem, o sr. Hintze Ribeiro, referindo-se ao trafego que presumia dever affluir a Barca de Alva, englobava, a exemplo das corporações do Porto, as provincial do Zamora, Valladolid, Avila e Palencia como tributarias da futura linha.

Os que arvoram as distancias em argumento supremo não podem calcular assim.

Tomemos Zamora, e o que disser da capital poderá affirmar-se dos outros pontos da provincia com os correctivos, que são obvios.

O porto mais proximo de Zamora é Gijon, o melhor e mais commercial das Asturias. A provincia de Oviedo, a que pertence, tem deficit de cereaes, mas as suas minas de carvão e ferro compensam pela industria a pobreza agricola. A junta consultiva de caminhos, canaes e portos acceitou sem vacillar a linha de Salamanca a Zamora, e de Zamora a Leão por Benavente, como troço da grande transversal do occidente lançada entre Huelva e Gijon. Ajunta de estatistica considera no seu informe, que as provincias de Salamanca e Zamora terão saída por Santander emquanto a via ferrea para Gijon não estiver concluida. Ora, que distancia vão de Zamora ao porto de Gijon, o ao mercado da provincia, que é escassa em cereaes?

De Gijon a Leão ha 172:274 metros, dos quaes 128 kilometros em exploração, e o resto em construcção pela lei de 4 do fevereiro de 1880.

De Leão a Zamora por Benavente estima-se a distancia em 124:200 metros, cumprindo observar que os estudos não estão approvados, e que de Benavente a Leão só foram auctorisados om 11 de janeiro do 1881.

Total, cerca do 207 kilometros, que pela distancia não soffrem parallelo com os de Zamora ao Porto, perto de 400.

Confrontos similhantes podem ser feitos nas outras provincias de Avila, Palencia e Valladolid, substituindo o porto do Gijon pelo de Santandér.

Se a distancia é o principio reitor em caminhos do ferro, não é licito appellar para o trafego de Valladolid, Zamora, Avila ou Palencia, como tributario de Barca do Alva.

Tomando pela linha que ha de ligar Zamora a Astorga, por Benavente, acha-se outra solução, embora mais longa, sempre contraria á cidade do Porto. De Zamora a Astorga, por Benavento, a distancia é de 116:118 metros, projecto este approvado pela real ordem de 18 de julho de 1876, e auctorisado por lei de 30 de julho de 1878.

Alonga-se o percurso com a distancia de Leão ao entroncamento e, todavia, fica sempre grandissima differença.

Deixemos as provincias convizinhas de Salamanca para nos limitarmos a esta.

Na região septentrional consideremos Ledesma, a quasi 8 kilometros dos banhos, sulfureos do seu nome, e centro notavel de mais de 3:000 habitantes. De Ledesma a Salamanca, que é a estação mais proxima, e do Salamanca á estação do Pinheiro no Porto, será a distancia de 360 kilometros. Refiro-me ao traçado acceite pelo governo, o não ao rejeitado da deputação provincial. De Ledesma a Gijon, por Zamora, Benavente o Leão, será um pouco menor a distancia differença que se tornará mais sensivel com o prolongamento da linha do Pinheiro até Leixões.

Prevalecendo a rasão das distancias, o commercio do Ledesma, e da região adjacente, não virá procurar o nosso Porto.

Poderão, porventura, argumentar com as difficuldades technicas da passagem das montanhas das Asturias, embora tambem as haja na linha do syndicato, e se não tenha até hoje produzido esta objecção.

Effectivamente entre Busdongo e Pola de Lena accumulam-se as maiores difficuldades de construcção, que até hoje se tem apresentado em Hespanha. 24:757 metros de tunneis, entre os quaes o de Busdongo com 3:026; movimento retrogrado em Felgueiras de 10 kilometros para vencer o desnivel e seguir depois a margem do rio Pajares; rampas do 20 millimetros. Em compensação o resto da linha é facil de construir e explorar. De Salamanca a Zamora seguirá quasi sempre a estrada com pequenas ondulações do terreno, as maiores das quaes não excedem 50 metros. A norte de Benavente, os valles que levam a Astorga e Leão são ricos, povoados, com muitas zonas de regadio. O traçado n'elles mui facil. As montanhas asturianas cortadas pela linha encerram minas de ferro, que hoje abastecem as consideraveis fundições de Mierés. A bacia hulheira de Langres, com seis capas do carvão, rival do de Cardif, desde o gordo até o secco, apto para todas as applicações industriaes, alimenta um caminho de ferro de 43 kilometros, cuja receita bruta kilometrica excede 4:000$000 réis. É incontestavel que estas circumstancias são vantagens para a exploração.

O rapido incremento de Gijon, que já conta 31:000 habitantes; os seus serviços de vapores, pescarias e praias do banhos; o trafego industrial e mineiro; a concessão pedida do caminho do ferro que ligue a estação ao novo molhe; o caminho de ferro em projecto de Oviedo ao porto de Pravia, por Trubia; o outro do litoral em construcção, ligando Oviedo a Santandér, por Torrelaveja, tudo claramente indica o desenvolvimento industrial de um porto e do uma provincia, ainda ha pouco tempo immersa na indigencia.

Na região oriental, uma das mais importantes de Salamanca, encontram-se as terras frumentarias de Taraçona, Panaranda de Bracamonte e outras, que com as do norte da provincia constituem o nervo da sua riqueza cerealifera.

É outra região que, pelo criterio das distancias, - o do governo, o dos seus alliados do Porto - não póde ser servida pela linha de Barca de Alva.

Tomemos Penaranda, que é um dos valiosos centros da provincia com mais de 4:000 habitantes.

Do Peñaranda a Cantalapiedra, estação do caminho de ferro do Salamanca a Medina del Campo, foi feita a concessão de uma via ferrea com 26:205 metros, pela lei de 30 do junho de 1878. Está pendente a approvação do caderno de condições. De Cantalapiedra a Medina vão 33 kilometros, de Medina del Campo a Santandér 308. Total 307 a 368 kilomotvos. Omitti as fracções cuja somma se não arredonda n'um kilometro pelo menos.

Addicionando figura a distancia de Penaranda a Cartalapiedra com a de 44 kilometros, que é a distancia de Cantalapiedra a Salamanca, e com a de 327, que é approximadamente a de Salamanca ao Pinheiro, acharemos uma differença de 30 kilometros a favor de Santander, differença que se aggrava com o prolongamento do Pinheiro.

Confrontos analogos se podem formular a respeito do outros pontos importantes da região oriental, v. g. do Taraçona, de notavel feracidade.

Segundo o mappa da rede ferroviaria de Hespanha era janeiro do 1866, com as linhas fundadas no inquerito aberto em 1867, a ligação de Peñaranda será, com Arévalo, cen-

Página 1640

1640 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tro dos melhores trigos de Castella Velha. Por esta linha a differença das distancias não se altera sensivelmente.

Presumo que parte consideravel do commercio da região oriental será feita por Santandér; não pelo motivo singular do encurtamento das distancias, em breve direi por que não faço grande cabedal deste elemento, mas por outras circumstancias combinadas com aquella. Vou apontar uma.

É bem conhecido o pleito industrial entre a potencia hydraulica e a do vapor. A agua, como força motriz, soffre intermittencias quasi sempre, e poucas vezes está proxima dos mercados. É, porém, uma força gratuita. O vapor não soffre interrupções, colloca-se junto dos mercados, pagando os terrenos por mais alto preço. E, porém, uma força onerosa. Em abstracto, este problema de preferencias podo julgar-se insoluvel. As circumstancias podem inclinar o fiel da balança para um ou outro lado. Na Castella Velha está elle resolvido pelo facto que vou citar.

O canal de Castella, que vae de Valladolid a Alar del Rey com um ramal para Rioseco, mede 208 kilometros. E sempre navegavel, e aproveitado como força motriz das fabricas de moagem. Este motor não tem intermittencias. As fabricas são servidas pela via aquatica e pela ferrea, effectuando o transporte dos trigos e farinhas na via ferrea por contratos particulares. As cargas o descargas hão feitas com a maior facilidade. De Alar del Rey a Santandér vão 138:384 metros pelo caminho de ferro. E o mercado mais proximo.

Salamanca tem poucas moagens. Não é abundante de aguas para mover azenhas, carece de minas de carvão de pedra, e é muito sertaneja para a moagem poder com os transportes de carvão. Grande parte dos seus cercãos são moídos no canal de Castella. Ha preços reduzidos e tarifas combinadas nos caminhos de ferro. Eis um dos motivos por que a torrente commercial não será desviada de Santandér para o Porto.

Santandér é porto de primeira ordem, e recenseia mais de 40:000 habitantes. Tem cabo submarino, carreira de vapores para Saint Nazaire, para Antuerpia, para Bilbau, para Corunha, para a America do sul, para o Pacifico e para as Antilhas. O estaleiro de Guarnizo construe navios a maior tonelagem, e foi pedida a concessão de uma linha ferrea de 9:116 metros que o ligue á cidade. A que liga com a praia del Sardinero tem 4:604 metros. Outras ha concedidas ou em construcção, como é a que vae de Puerto Chico ao Reganche, e a que conduz a Torrelaveja. O pharol de 93 metros de alto, e eclipses de minuto, diz com a illuminação perfeita das costas de Hespanha. A provincia é rica e industrial. A lignite de Reinosa, onde ha muitos kilometros de galeria, o carvão de Barruelo, cujas minas estão ligadas por um ramal a Quiutanilha das Torres, as farinhas armazenadas em Alar, as lãs e tinturarias de Palencia, as caldas de Besaya, tudo alenta o commercio de Santandér, competidor potente que hoje se pretende desapossar e bater.

È já que entrei numa ordem de considerações diversa das deduzidas meramente das distancias, apresentarei outra, que tambem me faz; peso.

Salamanca é um centro de producção cerealifera, principalmente nas terras de Socampana, de Armunha, de Taraçona e de Penaranda, todas a norte ou nascente da cidade, que dão do doze a quatorze sementes, sendo de seis a média da provincia.

Medina del Campo possuo igualmente como toda a altachã leonez-castelhana, ferragiaes abundantes. A Galliza, regorgitando de população, é um centro de consumo. Suppõe-se, que na pluralidade dos casos ha de o commercio expedir cereaes por Ermezinde a Vigo, e ahi embarcal-os para os portos gallegos. Não lembra a vantagem da exportação de farinha e a situação das moagens.

E não lembra, que sendo a linha de Medina a Zamora a principal via de communicação para a Galliza; pertencendo ella á companhia exploradora da que vae de Orense por Tuy a Vigo; esta companhia pelas baldeações forçadas, e pelas tarifas reduzidas nas suas linhas, combinadas com as do noroeste, forçará o expediente das terras castelhanas leonezas, reservando as tarifas maximas para os cereaes remettidos pelo Douro e Minho. Auxiliará o trafego, que lhe for favoravel, e hostilisará o que lhe for adverso, sem competencia possivel.

Os que argumentam com a rasão geométrica das distancias, hão de ao menos confessar, que o argumento não colhe para uma parte da Galliza.

De Salamanca a Orense por Zamora, Astorga, Ponferrado e Monforte, a distancia
será de 453 kilometros. De Salamanca a Guillarey, alem da fronteira, por Ermezinde quasi 447. Ficam muitas dezenas de kilometros entre Guillarey e Orense.

Sendo as distancias a moderador supremo das tarifas, o motivo de opção entre duas linhas, o que me obstino a negar, teria de haver no abastecimento partilha entre as companhias. Não o contestam os adversarios, e é força reconhecer vantagem para muitos trigos e centeios no transporte pela linha de Zamora, para as farinhas pelo porto de Santandér.

Outro caminho ha projectado, que muito abreviaria as distancias para o sul da Galliza. É o de Salamanca, Zamora, Puebla de Sanabria, Verim, endireitando depois para Orense. A serra de Sanabria, porém, encerra difficuldades de construcção de primeira ordem, cujo preço não é pago pelo trafego presumivel. Em vez do supprir o deficit com subvenções, preferia-se buscar nova directriz.

Nas linhas do syndicato não ha centro importante, exceptuando Salamanca, senão Ciudad Rodrigo com 7:000 vizinhos, n'uma estreita zona, encravada em terrenos silurianos, bastante productiva.

A situação da Ciudad Rodrigo encaminha naturalmente o seu trafico internacional por Villar Formoso. O sal, o peixe, que abastacer a cidade, quer venha de Aveiro quer da Figueira, tomará pela linha da Beira Alta.Mesmo para o Porto, casos haverá em que não seja preferivel o ramal de Barca de Alva. Este ramal não terá para alimental-o nenhum dos principaes centros de povoação, nenhuma das regiões ferazes de Salamanca, salva a capital que será servida por cinco caminhos do ferro, rivaes do de Barca de Alva.

Ao meio dia da provincia siOamanquina estaciona Béjar, a Covilhã do llespanha, com duzeutas fabricas e cinco mil operarios; e a poucos kilometros, sudoeste de Béjar, está Candelario com fabricas de papel e dois mil e quinhentos habitantes. Béjar é a segunda cidade da provinda, separada de Ciudad Rodrigo pelas serras da Gata e da Penha de França. Pensam, que o commercio de Béjar ou Caudelario irá a Barca de Alva ou, pelo menos, a Villar Formoso? Não coutem com isso. Ha de vir por Galistôo o Mal-partida a Lisboa.

Basta reflectir que Béjar ou Candelario ficam a perto de 70 kilometros da estação mais próxima da linha ferrea do syndicato, e que a zona tributaria de um caminho de ferro não póde estimar-se em mais de 10 kilometros por banda, para não pensarmos no commercio da região do sul.

O caminho de ferro de Salamanca a Malpartida, parte integrante da grande linha transversal do occidente a que já me referi, terá 165:119 metros, citando já aprovado o projecto de Salamanca a Béjar, e pendente o restante de Béjar a Galistêo. Os estudos pertencem á companhia de Malpartida, o que pela lei hespanhola é motivo de preferencia.

A linha de Salamanca a Malpartida, e seu prolongamento para Mérida, tem sido considerada de primeira ordem pela commissão de engenheiros nomeada em 25 de abril de 1864, pela junta do estatistica, pela junta consultiva de caminhos, canaes e portos, pelos funccionarios e corporações que se têem occapado da rede ferroviaria de Hespanha.

Os que se estribam na rasão das distancias dirão, que Lisboa ficava mais longe que o Porto da cidade de Béjar.

Página 1641

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 1641

A esses responderei, sem me prevalecer das vantagens maritimas de Lisboa, nem das economicas, que basta a companhia do Malpartida estar de posse da linha para o desvio commercial se operar polo uso intelligente das tarifas.

Concorro vantajosamente Lisboa com Santandér e Bilbau no abastecimento de Madrid, e, todavia, as distancias são-lhe mais desfavoraveis, e bem menos officazes os elementos de luta.

Senhora a companhia de Malpartida da linha que por Béjar a liga a Salamanca e Porto, como os interesses d'ella estão fundidos com os da companhia real dos caminhos de ferre portuguezes, em nome do sou direito o do seu interesse, usará dag tarifas geraes no trafego ascendente para Salamanca, e das reduzidas ou de contratos particulares no trafego descendente para Lisboa. Seguirá processo contrario, quando se tratar do importação. A baldeação em Salamanca, com as despezas, perdas de tempo o avarias, que lhe sito inherentes, aggravará aquella desigualdade, já do si enorme.

Estas considerações levam-me a tratar a questão das tarifas, uma das mais enredadas em economia politica, e em caminhos de ferro talvez a mais difficil.

Todos sabem que em caminhos de ferro se distingue o trafico local, apreciavel pela zona tributaria, do commercio de exportação o transito. Aquelle geralmente caracterisado por tarifas altas, esto por tarifas baixas, Aquelle, que não requer grande material circulante; este, que o necessita muito consideravel. Aquelle, mais do dominio das pequenas emprezas; este, mais da alçada das grandes companhias.

Tem-se argumentado com tarifas ordinarias o especiaes, e com o contrato celebrado sobre ellas pela financière e o syndicato. Parece não haver em Hespanha outra qualidade de tarifas.

Pois não é assim.

Tarifas legaes são as que traduzem o maximo preço facultado às companhias. Tem sempre poucos artigos. Tarifas applicadas suo o desenvolvimento d'aquellas, feito pelas companhias. Tarifas reduzidas são as marcadas para certas mercadorias, em; certas quantidades, e entro cortas estações. Tarifas reduzidas são as approvadas todos os annos pelo governo, variando com as companhias, e versando de ordinario sobre joias, metaes preciosos, artigos omissos nas tarifas geraes, materias explosivas, e outras singularmente designadas. Tarifas differenciacs são as que attenuam o preço kilometrico na rasão directa da longitude do percurso. E para não fatigar, só mencionarei ainda os contratos particulares, cujo principio fundamental 6 a reciprocidade de serviços.

A legislação, a pratica, os cadernos de encargos assignalam perfeitamente estas diversas especies.

Antes de apreciar a influencia de algumas tarifas no commercio internacional e do transito, tomarei a liberdade de por um momento me transportar do Hespanha para Italia, sem perder de vista o assumpto que discuto.

Fundada a unidade italiana, depois das batalhas de Montebello, Magenta e Solforino, o adquirido o Veneto depois do Sadowa, entendeu o governo d'aquelle grande povo por motivos que não importa indigar agora, nas convir que a companhia dos caminhos do ferro do sul do Austria possuisse uma rede em territorio italiano. Conseguintemente resgatou a rede explorada pelo Sudbahn na Lombardia, fez novas concessões, aggregou linhas servidas por outras emprezas, e assim constituiu uma grande companhia, que se denominou da Alta Italia, e que em 1879 explorava uma e de do 3:536 kilometros.

Um dos intuitos d'esta organisação foi fomentar o commercio internacional e de transito, promovendo o engrandecimento ao porto de Veneza, embora declinasse o porto austriaco do Trieste.

Foi uma tentativa analoga á nossa, pretendendo desviar para a cidade do Porto uma parcella do commercio de Santandér e de Vigo.

Simultaneamente, e pelo mesmo meio, procurava 5 governo italiano attrahir o commercio da exportação e transito do porto de Marselha para o de Genova.

Antes do 1874, o trafico do Trieste com a Allemanha e Suissa fazia-se pela Italia no percurso de 294 kilometros. Para o rehaver, substituiu-se a linha Trieste-Villaco por Laibach, pela de Trieste-Villaco por Pontebba. Do que resulta um encurtamento de 65 kilometros sobre 282.

Com a perfuração do monte Cenis esperou-se tambem desviar o commercio de transito do Marselha para Genova, o que igualmente pesou para a organisação da companhia da Alta Italia.

Queria-se antepor Veneza a Trieste e Genova a Marselha.

Os resultados do encurtamento dos distancias nem de longe corresponderam á espectativa.

A receita internacional, que decrescera desde 1874, continuou a ser quasi nulla.

Os corpos gerentes das emprezas ferroviarias, os estadistas e engenheiros italianos, os economistas, o parlamento, todos volveram a attenção para negocio tão grave.

O grande inquerito italiano publicado em 1881 analysa solicitamente o problema, e explica-o.

Tanto o Sudbahn, como a companhia París-Leão-Mediterraneo, se negam a accordos com a Alta Italia, ou neutralisam os que celebram pela reducção das tarifas, reduçção que lhes não é onerosa, pelo comprimento das suas linhas e natureza d'ellas.

É desnecessario provar, diz o inquérito, que Genova o Veneza estão muito proximas dos valles alpinos, ao passo que Marselha é terminus de uma longuissima via, com que podo mover terrivel concorrencia, e que os valles alpinos, passado o Genis, estão fora do território italiano.

As administrações do Sudbahn e de París-Leão-Mediterranco põem-se do accordo com as italianas, nomeadamente com a da Alta Italia, para a troca de material circulante, para a visita nas estações de fronteira, para a correspondencia internacional, e tambem para as tarifas applicaveis ao transporte de mercadorias no serviço cumulativo internacional; mas aquellas administrações exploram as suas Unhas de maneira que annullam completamente o transito pela Italia, principalmente o dos portos de Veneza o Génova, que poderiam concorrer com os de Trieste e Marselha, e com as grandes linhas a que servem de testa.

«Contra a temida concorrencia das nossas linhas e dos nossos portos, diz a commissão de inquerito italiana, as administrações estrangeiras seguem á risca a lei da lucta pela existencia.»

Cousa notavel! Os cereaes do mar Negro, e até os sicilianos e napolitanos, faltos de patriotismo, desertam de Génova, e fazem escala por Marselha, embora destinados â Alsacia-Lorena, a Genebra e a toda a Suissa.

As camaras do commercio, os conselhos de administração das companhias, e as direcções espcciaes dos ministerios, são conformes em que a companhia da Alta Italia tem envidado os maiores esforços para supplantar Marselha e Trieste, mas só a abertura do Saint Gothard modificará substancialmente as circumstancias, segurando o que fogo das mãos para levante e poente. «A luta será, porém, formidavel, dizem, o desde já cumpre olhar pelas suas consequencias».

A companhia da alta Italia, observa o inquerito, não póde queixar-se do Sudbahn ou de Parls-Leão-Mediterraneo não reduzir as suas tarifas, assim como estas emprezas não poderão estranhar que a da Alta Italia, reduzindo as tarifas de Veneza ou Genova para o Saint Gothard, prejudique os portos do Marselha e Trieste.

A rede da Alta Italia não tem forças para rivalisar com a do París-Leão-Mediterranco por que, sendo transversal,

Página 1642

1642 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

não póde usar das tarifas próprias aos grandes percursos, e recebe as mercadorias j á sobrecarregadas pela sua competidora. Esta, ao contrario, dispondo de uma rede profunda, de um grande desenvolvimento longitudinal, póde usar de tarifas reduzidas e differenciaes, sem estar sujeita a outras empreza adversa que, pelo desequilíbrio das tarifas, lhe annulle o trafico.

Vem a proposito o que ao senado francez foi ponderado a respeito do tunnel de Saint Gothard.

Notou-se que o tunnel do Saint Gothard era destinado a desviar o commercio de transito do territorio francez; que para esse fim houvera uma espécie de colligação entre a Belgica, Allemanha e Italia; e que os poderes públicos d'aquellas nações tinham julgado util intervir para estabelecer tarifas combinadas.

Não bastava reduzir distancias pela perfuração do Saint Gothard; era necessario combinar tarifas de modo que houvesse unidade e harmonia para concorrer com a organisação das redes francezas. Para ter os beneficios do commercio europeu é necessario ter os recursos de uma grande linha.

Ainda assim a luta ha de ser temivel. A sociedade do Saint Grothard tem a faculdade de augmentar 50 por cento nas tarifas relativas aos troços de fortes rampas, comtanto que o accrescimo não exceda 8 centimos por tonelada e kilometro.

Pois a commissão de inquerito julga, que para vencer a tenaz concorrencia dos portos de Marselha e Trieste, e mesmo a de Hamburgo e dos portos hollandezes, será necessario renunciar aquella faculdade.

Porque, é necessario advertir, que as linhas férreas podem concorrer sem que sejam parallelas nem vizinhas, uma vez que tenham por termimis portos, embora distantes, rivaes em servir os mesmos centros de producção e consumo.

O tunnel de Saint Gothard ameaça muito seriamente os interesses francezes, porque a confederação das linhas, e intervenção dos estados, preparou uma grande rede para a luta. O tunnel do Monte Cenis não feriu o commercio de Marselha, porque a parte franceza da linha é explorada

Sela companhia París-Leão-Mediterraneo, que pelo jogo as tarifas annulla os effeitos esperados d'aquella maravilha da industria.

«É força reconhecer, diz Couche, que dois annos depois da abertura do subterraneo do Cenis, não ha o incremento de trafego que era de esperar.»

Debalde esperarão por elle, emquanto a companhia franceza tiver a exploração do prolongamento da linha.

Outros exemplos poderia adduzir; v. g. para muitas mercadorias é preferivel o percurso de 631 kilometros de Vienna a Cormons ao do 438 de Vienna a Pontebba. Por agora aquelle basta.

A linha de Barca de Alva pretende avocar a si o commercio internacional. As suas competidoras formam grandes redes exploradas por companhias poderosas. A do norte de Hespanha tem 1:848 kilometros; a de Asturias, Galliza e Leão, successora da do Noroeste, explora 734. Ha communhão de interesses. Ha até a facilidade do relações, resultante da companhia do norte de Hespanha fazer parte do syndicato que tomou conta da rede, cuja concessão foi rescindida por decreto de 9 de fevereiro de 1878 á companhia do noroeste.

No syndicato composto da union general da financière, do banco de descontos de Paris, da sociedade de depositos e contas correntes, e da sociedade geral de credito industrial, entrava a companhia do norte de Hespanha com 6:000 acções. O syndicato pagou fortes quantias aos credores da antiga empreza, e passou as linhas á companhia Asturias-Galliza-Leão aprovada por decreto de 31 de março de 1880.

Todos sabem que as acções das companhias, assim organisadas, ficam em carteira até que as circumstancias facilitem a collocação d'ellas. E o caso da financière com a linha da Beira o com a de Medina a Salamanca. Quando, porém, não houvesse relações1 tão intimas, não bastaria a communhão do interesses para que surgissem as tarifas combinadas?
É evidente que sim.

O commercio internacional e de transito, quando pretendesse encaminhar-se para o Porto pelas redes do norte e noroeste de Hespanha, seria tão sobrecarregado pelas tarifas geraes, que, chegado o momento da baldeação para a do syndicato, já não poderia competir com as tarifas reduzidas, que regeriam o trafego para os portos hespanhoes servidos por aquellas redes. As redes do norte e noroeste serão exploradas pelo systema de París-Leão-Mediterraneo e pelo do Súdbahn. E nós não temos meios, como a Italia teve na liga com a Allemanha o com a Belgica, para porfiar na luta.

Para mostrar que não figuro hypotheses especialissimas, e inapplicaveis á Hespanha, irei buscar exemplos ao paiz vizinho.

No sul da peninsula ha concorrencia similhante entre a companhia Madrid-Zaragoça-Alicante e a dos caminhos de ferro andaluzes.

A companhia dos Andaluzes tinha em janeiro do corrente anno 1.073,778 metros, e a de Madrid-Zaragoça-Alicante, 2.660,533 metros.

A fusão d'esta ultima com a de Ciudad Real a Badajoz e Almorchon a Belmez, creou a rivalidade de interesses a que me estou referindo.

De Cordova a Belmez pertence a linha aos andaluzes no percurso de 70.691 metros. De Belmez a Almorchon, pertence á companhia de Alicante, assim como a rede em que vem entroncar, e que vae de Badajoz a Almorchon, e de Almorchon a Cordova por Ciudad Real.

De Cordova a Almorchon pela via de Belmez, passando sobre os carris dos andaluzes, a distancia é de cerca de 136 kilometros.

De Cordpva a Almorchon, não passando sobre os carris andaluzes, mas dando volta por Manzanares e Ciudad Real, a distancia 6 de 472 kilometros.

Pois, apesar da differenca de 337 kilometros, a companhia de Alicante explora por tal arte, que os azeites e outros géneros preferem o maior percurso.
Num caso tem de pagar pelas tarifas goraes, quando seguem a viaandaluza, e emquanto só servem dos carris da outra linha; noutro pagara pela tarifa reduzida.

Num caso tem os generos de ser baldeados; noutro dispensam verificações, demoras, despezas accessorias e baldeações.

A rede andaluza é disposta por forma tal, que não sã presta á concorrência do grande trafico neste sentido.

Como se explicam estes phenomenos que, para os que presumem estar nas distancias o principio regente das tarifas, devem parecer verdadeiras anomalias?
Os que tiverem acompanhado os effeitos da ultima organisação postal e dos tratados correlativos, no transporte de amostras, verão n'elles uma imagem, embora muito incorrecta, dos phenomenos ferroviários. Muito incorrecta, porque é diversa a theoria.

Não entrarei nos largos desenvolvimentos e miúdas circumstancias que comporta a theoria das tarifas. Esboçarei apenas, e muito ligeiramente, uma ou outra explicação que me facilite o caminho. Estou no parlamento, e não numa academia.
Para as emprezas o peso morto e um inimigo. Em 1880 o caminho de ferro do Douro offerecia ao publico 1.590:587 logares, e os passageiros só occupavam 783:543. O transporte de vagões cheios explica em, parte! aã tarifas reduzidas.

As despezas de exploração podem agrupar-se em duas categorias. Uma que está na rasão directa do mimero de serviços prestados ao publico, outra que está a rasão in-

Página 1643

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 1643

Versa do mesmo d'esses serviços. As despezas geraes são attenuadas pelo desenvolvimento do trafico. O serviço complementar chamado pelos francezes camianage, o transporte da estação para o deposito ou domicilio, é sempre o mesmo, quer a mercadoria percorra 10 kilometros, quer percorra 1:000. O mesmo póde dizer-se do trabalho das facturas e de muitos serviços.

As deppezas d'esta categoria, decrescem gradualmente, ao passo que cresce o inúmero de kilomotros percorrido. A transformação das outras despegas nas devia classe é um dos aspectos, da lei do progresso. As tarifas differenciaes deduzem-se d'aquelle decrescimento.

Na Allemanha as terifas differenciaes tambem comprehendem passageiros, Chega a succeder que o passageiro que percorre 600 kilometros ,em 2.ª classe pague o mesmo que o que percorre 500 kilometros em 3.ª Tanto augmenta com a longitude do percurso a elasticidade da tarifa.

É o caso de applicar a distincção de Bastiat - ce qu'on voit et ce qu'on ne voit pas». O que se vê são as distancias, o que se não vê é o complicado mechanismo de exploração das companhias.

A concorrencia condemnavel em caminhos de ferro é a da exploração de linhas lançadas entre os mesmos centros. Á concorrencia fluvial, a concorrencia maritima, a concorrencia dos canaes, a concorrencia terrestre entre linhas, communicando com portos diversos, a concorrencia na construcção - é legitima.

Sem sair de Hespanha é facil achar exemplo para varias especies de concorrencia e de tarifas. Os transportes de Carthagena para Alicante, que pela cabotagem se faz em dez ou doze horas, soffrem concorrencia tenaz pelo caminho de ferro, que dá a enorme volta de Chinchilha, nada menos de 404 kilometros. A linha de Sevilha a Huelva concorre com a de Sevilha a Cadiz e com o Gundalquivir. A linha de Gérona á fronteira por Figueras, que tão mal citada é como precedente para subsidios no estrangeiro, usa de tarifas combinadas, que dão o resultado de alguns productos francezes pagarem mais, partindo de alem da fronteira, do que outros similares, expedidos de áquem com o mesmo destino.

Em Hespanha, como em toda a Europa, a tendencia para a fusão o agrupamento das linhas é irresistivel. Em Inglaterra, as cinzentas e vinte e duas, sociedades proprietárias de caminhos do ferro, contrataram o entregaram a exploração a noventa e quatro. Na Escocia oito companhias exploram as redes de trinta e uma. Havia em França, em 1851, setenta companhias com 4:000 kilometros. Mais tarde foram englobadas em seis, explorando muitos milhares de kilometros. Freyeinet, lamentando que em 1862 deixassem resurgir as pequenas companhias, respondia aos concessionarios que, a braços com as dificuldades, filhas da pequenez das redes solicitavam alargamentos de perimetros - «commetteu-se o erro do vos deixar nascer, não commetterei eu o erro do promover o vosso desenvolvimento».

Só poderosas organisações ferroviarias podem garantir o grande trafico, e prover às necessidades das metropoles o emporios commerciaes. Abastecimentos copiosos, amplas officinas, material multiforme e adequado á variedade das rampas, não se conseguem senão explorando vastos systemas de caminhos de ferro, nem se tem a comprehensão das necessidades do grande trafego senão acolhendo-o, acompanhando-o e servindo-o largamente.

Acresce-o melhor aproveitamento do material circulante, a reducção das despezas geraes, a despensa de baldeações, e de reverificações controvertidas para salvar responsabilidades; a possibilidade das tarifas differenciaes, dos empates, da organisação dos serviços acccssorios de camimage o outros; a melhoria, do pessoal pela organisação das caixas de aposentação e auxilio; motivos pelos quaes o inquerito parlamentar francez do 1877 e o italiano de 1881 preferem, sem hesitação, as grandes ás pequenas companhias.

A tendencia para as fusões com interferencia dos governos, ou sem ella, é manifesta. Em Inglaterra a Great-western explora as linhas de quarenta e duas companhias, servindo Londres, Birmingham e a região metallurgica do paiz de Galles. Na Austria a Sudbahn explora 1:285 kilometros na linha de Trieste, 646 na Hungria, 300 no Tyrol, 226 pertencentes a cinco companhias particulares. Em Hespanha a fusão da companhia Madrid-Alicante com a da Ciudad Realt-Badajoz e Almorchon Belmez operou-se em julho de 1880. Em França a companhia do Mediterraneo, com a rede argelina, tem concedidos 7:637 kilometros, e tende a augmentar.

Examinando o processo de aggregação, resalta sempre o phenomeno de se desenvolverem grandes arterias com o singular predicado de bastarem ellas aos grandes interesses economicos. As collateraes são complementares e tributarias das outras, servem principalmente as localidades. A rede franceza de leste tem a linha magistral de Strasburgo; a do meio-dia a linha magistral de Bordeus-Mediterraneo; a de Orleans a linha do Bordeus.

A rede do Great-western reune Londres a Birmingham; a do North western reune Londres a Manchester e Liverpool; a do Sudbahn liga Vienna a Trieste. O mesmo phenomeno se nota por toda a parte.

Se esta organisação e potencia é requerida pelas necessidades do commercio de exportação o transito; se a linha de Barca de Alva está cercada de emprezas poderosas rivaes; se ella não passa de uma pequena linha, embora associada á do Douro; como esporar que o commercio internacional e do transito possa ser desviado por ella para o Porto?

Para fazer sentir melhor o alcance do argumento deduzido das tarifas especiaes e internacionaes, e para desvanecer a suspeita de eu me basear em factos de excepção, indicarei, sem muita escolha, varias tarifas reduzidas e combinadas, que regulam o transito dos generos, que mais noa devem preoccupar, na região do norte de Hespanha, o suas relações com Lisboa e Porto.

Tomo a tarifa especial n.º 8, pequena velocidade, com applicação desde o 1.° de abril de 1881.

O § 4.° da tarifa, regulando o transporto da aveia, cevada, batata o outros géneros, por wagon completo de 8:000 kilogrammas, estabelece por tonelada o preço de 130 rw de Madrid para Santandér - distancia 509 kilometros; os mesmos 130 rw. de Madrid para Bilbau - distancia 557 kilometros; os mesmos 130 rw. de Madrid para S. Sebastião - distancia 614 kilometros.

Differenças de mais de 100 kilometros entre os pontos do destino não influem nos preços. Comparemos tambem os pontos de partida.

De Cantalapiedra a Bilbau, S. Sebastião ou Santandér o wagon completo de 8 toneladas de cevada ou aveia paga tambem 130 rw. por tonelada.

Se a expedição for de Salamanca, 44 kilometros mais distante, o preço é o mesmo.

Se for de Zamora, que dista 25 kilomctros mais, o preço é o mesmo ainda.

As differenças entre os pontos de destino aggravam-se com as differenças entre os pontos de expedição.

Os 337 kilometros de Cantalapiedra a Santandér pagam por tarifas reduzidas o mesmo que os 614 de S. Sebastião a Madrid.

O wagon, de 8 toneladas de cevada ou aveia, indo de Madrid a Hendaya, paga por tonelada 130 rw. - distancia 633 kilometros. O mesmo que pagará de Arévalo a Santandér - distancia 334 kilometros.

É palpavel, que as tarifas não são funcção das distancias, como pretendem os partidarios do governo e do syndicato.

Página 1644

1644 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Trigos e farinhas são o objecto do commercio de exportação salamanquina.

Vejamos algumas das tarifas especiaes do trafego de farinhas.

O wagon de 10:000 kilogrammas de farinha, ou pagando este peso, poderá ir de Medina del Campo a Santandér, cerca de 309 kilometros, por 170 rw. a tonelada.

Pelo mesmo preço poderá ir a Hendaya, que fica a 434 kilometros.

O mesmo wagon poderá ir de Saragoça a Barcelona - distancia 366 kilometros, por 140 rw. a tonelada.

Pagará os mesmos 140 rw. transitando de Saragoça para Victoria - distancia 272 kilometros; de Gallur, deposito de material entre Saragoça e Castejon, para Bilbau - distancia 297 kilometros; de Pamplona para Lérida - distancia 365; de Saragoça para Santandér - distancia, 643; de Manresa para Santandér - distancia 947.

A carga minima de 8:000 kilogrammas de cevada, trigo, outros cereaes e farinhas, transportada para Almorchon paga 280 rw. por tonelada, quer seja expedida de Avila, quer de Medina, quer de Valladolid, quer de Palencia, quer de Zamora.

Se, em vez de Almorchon, for Mérida o ponto de destino, a 121 kilometros de Almorchon, o preço será o mesmo. Se não for Mérida, mas Badajoz, a 180 kilometros de Almorchon, manter-se-ha a tarifa, procedam os generos de Zamora ou de Avila, distantes entre si 170 kilometros.

Produzirei mais alguns exemplos de tarifas combinadas com a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes.

Para os mesmos generos, e nas mesmas condições, paga a tonelada procedente de Medina del Campo com destino a Santarem 292rw,80. Sendo remettida de Palencia, paga 292rw,57. Sendo expedida de Zamora, paga a mesma quantia.

Vindo para Lisboa paga 293rw,56, quando Medina é a estação de partida; e 293nv,29, quando é Zamora ou Palencia.

As differenças entre Lisboa e Santarem e entre Medina e Zamora são de poucos centimos.

A mesma carga minima de farinhas, trigos, etc., de Arévalo para Coimbra paga por tonelada 303rw,86; de Medina paga 303rw,74; do Palencia ou Zamora, 303rw,45.

Quando essa carga é destinada ao Porto, vindo de Arévalo paga 304rw,91 por tonelada; vindo de Zamora ou Palencia paga 304rw,43; vindo de Medina del Campo paga 304rw,77.

Seria facil apresentar mais exemplos. Estes creio que bastam para mostrar que argumento com tarifas em condições normaes.

D'aqui se póde concluir que as tarifas são a resultante de muitas forças, e não uma simples funcção de distancias, como se sustenta erradamente.

Que as companhias exploradoras das redes rivaes da linha da Barca de Alva podem desviar d'esta o grande commercio internacional de exportação e transito, graduando as tarifas de modo que os géneros expedidos pelas suas linhas para as nossas paguem pelas tarifas geraes, e que os mantidos sempre nas suas linhas paguem por tarifas reduzidas, combinadas, differenciaes ou contratos particulares.

Que o proprio commercio das provincias limitrophes de Salamanca, e servidas por linhas já construidas, em construcção ou projectadas e auctorisadas, não póde sair do raio de attracção d'essas linhas, e ser tributario da Barca de Alva.

Finalmente que uma parte consideravel de Salamanca, a mais rica e povoada da provincia, está nas mesmas circumstancias, e não póde vir ao Porto, ainda que não colhessem as observações que expuz, sobre os euivocos em voga ácerca das distancias.

Sr. presidente, desejo agora entrar n'uma ordem do considerações diversa da que tenho desenvolvido. A hora está quasi a dar, e mal poderei fazer o esboço d'essas idéas nos poucos minutos que restam.

Pedia, pois, a v. exa. que me reservasse a palavra para amanhã, se a camara consentir.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Filippe de Carvalho (para um negocio urgente): - Pedi a palavra para chamar a attenção do governo para a terrível catastrophe de que, segundo ha noticia, foi victima a ilha do Fayal, em consequência de um violento tremor de terra que ali houve.

Fallei particularmente com o sr. ministro das obras publicas a este respeito, mas s. exa. não sabia do acontecimento.

O sr. Ministro do Reino (Thomás Ribeiro): - O illustre deputado, chamando a attenção do governo para um successo realmente lamentavel que se deu ultimamente nos Açores, disse tambem que já tinha fallado particularmente com o sr. ministro das obras publicas, e que s. exa. não sabia do acontecimento.

Eu, hoje tambem apenas entrei e saí do ministerio do reino, e, portanto, não tive tempo de ver a correspondencia official; mas, infelizmente, cartas dignas de todo o credito, que acabam de ser recebidas n'esta capital, dizem que no dia 3 deste mez houve um violentíssimo terramoto na ilha do Fayal, e que uma grande parte das igrejas, das casas particulares e dos edifícios publicos ficou arruinada.

Não posso negar o facto, mas ainda assim não o affirmo por documentos officiaes.

O que posso afiançar ao illustre deputado, e a todos os que se interessam neste assumpto, é que o governo ha de dar as providencias necessarias, e fazer o que lhe for possível em circumstancias d'estas.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Hintze Ribeiro): - Mando para a mesa, por parte do sr. presidente do conselho e ministro da fazenda, uma proposta que s. exa. não póde vir aqui apresentar, por ter estado retido por uma discussão na outra casa do parlamento.

E a seguinte:

Proposta de lei n.° 197-A

Senhores. - Em presença das considerações a que se refere a proposta do lei n.º 139-I, apresentada á camara dos senhores deputados em sessão de 31 de março de 1880, e publicada no Diario do governo n.º 72 de 1 de abril do mesmo anuo, tenho a honra de pedir a vossa approvação para a mesma proposta, concebida nos seguintes termos:

Artigo 1.° E o governo auctorisado a mandar emittir pela junta do credito publico inscripções de assentamento a favor de Robert Stodart Wyld, subdito inglez, com vencimento de juros do 2.° semestre de 1875 inclusivé em diante, e com a clausula de intransmissiveis, durante trinta annos, contados de 1 de julho de 1876, pela importancia correspondente ao cambio de 54 a 10 bonds extraviados no total de £ 2:000 do fundo de 1853, sendo 2 de £ 500, n.ºs 12:266 e 12:;348, 2 de § 200. n.ºs 366 e 367 e 6 de £ 100, n.ºs 113:523, 191:531, 203:297, 215:029, 244:606 e 245:433.

Art. 2.° Os juros das ditas inscripções só poderão ser pagos cinco annos depois do findo o semestre a que respeitarem, isto é, depois, de prescriptos os juros dos titulos que se reputam destruidos.

Art. 3.° Se durante o praso indicado no artigo 1.° forem apresentados a pagamento os coupons dos bonds que desappareceram, proceder-se-ha á amortisação das inscripções creadas por lei, sem que o interessado Robert Stodart Wyld tenha direito a indemnisação alguma da parte do estado.

§ unico. O interessado, dada a hypothese do presente artigo, será obrigado a restituir ao estado os juros que houver recebido das inscripções creadas por esta lei.

Art. 4.º decorrido o praso marcado para a prescripção dos creditos representados nos bonds, será annullada a

Página 1645

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 1645

clausula de intransmissibilidade exarada nos novos titulos e estes ficarão livres para todos os effeitos.

Art. 5.º Reciprocamente se, depois do praso da prescrição, reapparecerem os bonds, serão estes considerados de nenhum valor e fóra das garantias que as leis da respectiva creação lhes conferiram.

Art. 6.° Annullada a clausula de intransmissibilidade, a que se referem os artigos 1.º e 4.°, poderão ser pagos os juros vencidos o não satisfeitos em virtude do disposto no artigo 2.°.

Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrario. Ministerio dos negocios da fazenda, em 24 do maio do 1882. - Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello.

Foi enviada á commissão respectiva.

O sr. A. J. d'Avila: - Cheguei hoje á camara debaixo da impressão dolorosa que me causou a leitura das cartas dos meus patrícios, cartas escriptas ainda sob a impressão do terrivel acontecimento da madrugada do3 do corrente, em que acordaram sobresaltados por um violento e demorado tremor de terra, de grandeza tal que entre os fayalenses não ha memoria do outro igual.

As tres horas da manhã os habitantes da cidade o dos campos tinham abandonado as suas casas e vagueavam pelas ruas, e quintaes; mal se póde fazer idéa do horror d'esta geena sem a ter presenciado!

Ficaram arruinados com o terramoto um grande numero de casas e edificios publicos, principalmente igrejas, e d'estas as que mais suffreram foram as de Castello Branco, Fiteira, Praia do Almoxarife, Angustias, S. Francisco, Santo Antonio, Gloria, e Conceição, das quaes as cinco ultimas estão situadas na cidado da Horta.

Mas os edificios da cidade que ficaram mais arruinados foram o hospital e a casa da misericordia, estabelecidos no antigo convento do S. Francisco, annexo a igreja do mesmo nome; algumas casas particulares ficaram tambem bastante damnificadas. Dizem-me que ha perigo em conservar os doentes no hospital.

A alfandega ficou em condições taes, que na vistoria a que se, procedeu pela repartição do obras publicas, a requisição do respectivo director, se resolveu que era de necessidade que fosse immediatamente abandonada, por perigar a vicia dos empregados e a do publico que aquella repartição concorre.

O sr. Filippe de Carvalho, deputado d'aquella localidade, acaba de pedir ao governo as providencias que estes tristes acontecimentos urgentemente reclamam, e eu não posso fazer mais do que associar os meus votos aos votos de s. exa., e julgo poder acrescentar aos dos srs. deputados de todos os lados da camara, porque me parece que elles não podem deixar de se reunir todos no mesmo desejo de que o governo tome providencias enérgicas e promptas, a fim de remediar males tào grandes, como aquelles que estão soffrendo os meus patricios. (Apoiados.)

Agradeço ao illustre ministro do reino as declarações que acaba de fazer em nome do governo, de que ha de tomar as providencias que ente caso reclama.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã o a mesma que estava dada para hoje, e mais ou projectos de lei n.°s 179, 160, 188 o 184.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Discurso proferido pelo sr. deputado visconde da Ribeira Brava, na sessão de 5 de maio, o que devia ler-se a pag. 1:360, col. 2.ª

O sr. Visconde da Ribeira Brava: - Sr. presidente, tendo eu asaignado este projecto com declarações, venho explicar, mas em poucas palavras, o meu voto.

Concordo plenamente com o pensamento do projecto, mas não posso votal-o sem que por parto do governo me seja declarado - se tudo o que n'elle se pretende legislar é extensivo á ilha da Madeira, que tem, como o rosto do paiz, incontestavel direito á protecção do estado; e que, portanto, não póde nem devo ser excluida expressa ou tacitamente dos benefícios inspirados e concedidos para o Douro, em virtude de circumstancias precarias analogas às que têem levado aquella ilha á ultima miseria.

Nos termos em que se acha redigido este projecto de lei dever-se-ha entender que abrange todo o territorio portuguez; mas tendo eu ouvido no seio da commissão levantarem-se algumas duvidas ácerca do fornecimento do sulfureto de carbono para as vinhas da ilha da Madeira, convem da parte do governo explicações claras a este respeito, a fim de que mais tardo, quando não seja tempo de prover de remedio, não appareçam objecções e escrupulos que sacrifiquem interesses e direitos como legitimas como os de que declaradamcnte se trata.

Sr. presidente, não desejo tornar-me importuno com as minhas solicitações a favor da ilha da Madeira, nem quero do modo algum demorar a approvação d'este projecto, que é applaudido por todo« os lados da camara; mas não posso deixar correr á revelia a causa justíssima da minha terra natal. (Apoiados.)

E facto que a commissão, a quem foi commettido o estudo deste importante assumpto, e á qual tenho a honra de pertencer, foi incumbida de attender às representações dos povos do Douro; mas as rasões dos povos do Douro são as rasões dos povos da Madeira; e se os meus conterrâneos não representaram, como noutras e em muitas occasiões têem representado infructuosamente sobre as medidas de que carecem para a sua regeneração económica, o seu silencio não significa senão desanimo, e de nenhum modo póde fundamentar o desprezo dos seus interesses, quando são attendidos e protegidos interesses do mesmo género, com relação a outros pontos do reino.

O povo da Madeira é tão portuguez como o do Douro, portuguez de lei.

Tenho dito.

(Apoiados.)

Vozes: - Muito bem.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Hintze Ribeiro): - A commissão especial que deu parecer sobre o projecto que se discuto, creio que foi encarregada de tomar em consideração as representações que viessem dos povos do Douro.

A isto acresce uma circumstancia, e é que o sulfureto de carbone póde ser fornecido, em relação ao Douro, que fica próximo da fabrica do sulfureto de carbone, mas seria difficil pol-o regularmente á disposição dos povos da Madeira.

Entretanto, quanto for possivel, o governo tomará as providencias ao seu alcance, para que á ilha da Madeira possam chegar os benefícios que dependerem do governo.

O sr. Visconde da Ribeira Brava: - Pedi novamente a palavra para agradecer ao nobre ministro das obras publicas as explicações que acaba de dar-me, e para declarar a s. exa. que. confio nas boas intenções do s. exa. com relação á ilha da Madeira, o que os povos d'aquella terra terão occasião de apreciar e agradecer os he que, por parte do governo, lhe forem dispensados.

Discurso proferido pelo sr. deputado Augusto Fuschini, na sessão de 19 da maio, e que devia ler-se a pag. 1:517, col. 2.ª

O sr. Fuschini: - Sinto immenso, no meu proprio interesse, ter de fallar depois do sr. relator da commissao; não posso, todavia, deixar do frisar alguns pontos que s. exa. acaba de desenvolver proficientemente.

Occupar-me-hei da face peior d'esta questão, do seu lado mais monotono, d'aquelle que se refere a algarismos, provando, era primeiro logar que foram legalissimas as tres operações financeiras em discussão, e depois que foram realisadas em excellentes condições para o thesouro.

Sr. presidente, a lei de 23 de julho de 1880 auctorisava

Sessão de 25 de maio de 1882.

Página 1646

1646 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

o governo a levantar os fundos necessarios para a construcção do caminho de ferro do Douro, estatuindo no seu artigo 6.° as seguintes disposições:

«É o governo auctorisado a levantar, pelos meios que julgar mais convenientes, os fundos necessarios para a execução desta lei, sem prejuízo da situação do thesouro.

«§ 1.° Para a construcção da secção desde o Pinhão até á foz do Tua são applicados os seguintes recursos extraordinarios no anno economico proximo futuro:

«1.° O capital que da companhia real dos caminhos de ferro portugueses receber o estado como indemnisação pelo uso da estação do Porto.

«2.° Os carris em deposito e de que possa dispor-se serão cedidos aos constructores pelo seu valor no mercado.

«3.° As sobras dos diversos capitulos dos orçamentos ordinario e extraordinario do ministerio das obras publicas.

«§ 2.° Todo o augmento do producto liquido do caminho de ferro do Douro, alem do que se acha calculado no orçamento de 1880-1881, será applicado ao prolongamento do mesmo caminho de ferro, constituindo annuidade representativa do capital que lhe corresponder.

§ 3.° O governo consignara todos os annos no orçamento as verbas necessarias para occorrer aos encargos das operações necessarias, a fim de concluir até á fronteira o caminho de ferro do Douro.»

Portanto, por esta lei o governo estava auctorisado a pedir ao credito as sommas que podesse levantar com as annuidades indicadas nos §§ 1.° e 2.º do artigo que acabei de ler á camara.

Ainda existia uma outra lei, de 23 de março de 1878, salvo erro de data, que auctorisava o governo a levantar as quantias necessárias para pagamento do subsidio á companhia dos caminhos de ferro da Beira, com o juro não excedente a 7 por cento e num período da amortisação de cincoenta e seis annos.

Postas as cousas nestes termos, se se demonstrar que a annuidade total proveniente da auctorisação da lei de 23 de julho de 1880 é sufficiente para cobrir os encargos das três operações que se discutem, logicamente somos conduzidos a proclamar a sua legalidade.

Temos em primeiro logar: a indemnisação que o estado receber da companhia do norte e leste pelo uso da estação do Porto; ora, por uma nota official que possuo, este rendimento tem sido o seguinte:

1878 .... 3:582$010
1879 .... 5:494$840
1880 .... 6:402$070
1881 .... 6:800$220

D'estes algarismos concluiremos que o crescimento médio annual d'esta origem é de 800$000 réis.

Devemos depois considerar o augmento do rendimento kilometrico da linha do Douro: para este effeito temos os seguintes elementos tambem officiaes:

[Ver tabela na imagem].

D'este mappa concluiremos que o rendimento liquido kilometrico da linha do Douro foi em 1881 de 1:394$000 réis, podendo attribuir-se a esta origem uma elasticidade, ou crescimento médio annual, de 83$000 réis.

Obtidos estes resultados é facil organisar pelos processos admittidos n'esta ordem de estudos, e, diga-se em verdade, pelos unicos methodos de previsão de que é possivel usar, o seguinte cômputo dos rendimentos provaveis da linha do Douro:

[Ver tabela na imagem].

Devo observar a v. exa., sr. presidente e á camara, que supponho que a linha do Douro deverá estar terminada até á fronteira em 1888, e que por outro lado não entro em cálculos com a influencia, sobre o crescimento do rendimento kilometrico, deste augmento de extensão explorada e da ligação internacional com Salamanca, duas causas necessarias, a segunda principalmente, de um consideravel augmento de trafego para a linha do Douro.

Página 1647

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 1647

Isto posto, peço a camara que fixe por um momento a sua attenção sobre estas verbas, porque por meio d'ellas vou concluir a legalidade das tres operações de 1881.

N'este logar cumpre-me expor, embora succintamente, a essencia das operações que se discutem; na ordem das datas dos contratos a primeira teve por fim a conversão das obrigações de 90$000 réis, emittidas para a construcção dos caminhos de ferro do Minho e Douro. Esta emissão auctorisada pela lei de 28 de julho de 1867, realisou-se em seis series, tendo cada obrigação um juro de 6 por cento e 1/8 por cento do seu nominal para amortisação semestral; o resultado d'estas operações póde reunir-se nos seus principaes elementos no seguinte quadro:

[Ver tabela na imagem].

Devo observar a v. exa. e â camara que o periodo da amortisação diverge do que vem nos documentos officiaes; parece-me, todavia, que o calculo rigoroso determina o periodo que apresento.

Em virtude das amortisações realisadas nas differentes series, em 31 de dezembro do 1881 existiam 164:117 obrigações do typo de 6 por cento, representando um capital de 14.770:530$000 réis, para cujo reembolso e juros estava auctorisada a annuidade de 937:558$125 réis.

A operação do sr. Lopo Vaz consistiu na conversão destas obrigações para o typo do 5 por cento, alterando-se o praso da amortisação, que ficou sendo de setenta e nove annos e nove mexes, a partir de 1 de janeiro de 1882, devendo, portanto, terminar em 1 de outubro de 1961.

Por esta forma só conseguiu diminuir o encargo das operações precedentes reduzindo a annuidade, redacção que o governo aproveitou para levantar novos fundos.

Mais tarde discutirei financeiramente a operação da conversão, e provarei que ella foi bom realisada e deu grandes vantagens para o thesouro; por emquanto devo apenas fazer notar a v. exa. e á camara que o governo dispoz do uma annuidade auctorisada e da qual podia dispor até ao anno de 1928, visto que só no seguinte se extinguiam as duas primeiras series do emprestimo convertido.

A segunda operação consistiu na conversão do emprestimo para navios de guerra. A lei de 15 de abril de 1874 auctorisára este emprestimo, que se realisou emittindo o governo 19:368 obrigações de 90$000 réis, do typo de 6 por cento, amortisaveis ao par em vinte e quatro annos e representando um capital nominal do 1.767:420$000 réis. Estas obrigações tinham começado a vencer juro em 1 de outubro do 1875, extinguindo-se, portanto, a divida em 1 de outubro de 1899. Em virtude das amortisações anteriores, em 1 de abril de 1882 existiam d'esta operação 16:698 obrigações, representando 1.502:820$000 réis, para cujo reembolso e juro o governo dispunha da annuidade de 140:000$000 réis. A operação da conversão recaiu sobre esta somma, prolongando-se o praso, a contar de 1 de abril de 1882, a setenta e nove annos e seis mezes, devendo, pois, a divida extinguir-se, como a da precedente operação de conversão, em 1 de outubro de 1961. A economia resultante para a annuidade aproveitou-a igualmente o governo para levantar novos fundos, dispondo assim do uma verba auotorisada por inteiro até 1898, visto que a divida convertida sómente se extinguia em 1 de outubro de 1899.

A terceira operação foi um verdadeiro emprestimo, e consistiu na emissão de 24:672 obrigações de 90$000 réis, do typo de 5 por cento, representando a somma de réis 2.220:480$000, amortisaveis em setenta e novo annos e seis mezes a contar de 1 de abril de 1882; extinguindo-se, portanto, esta divida em 1 do outubro do 1961, como as duas precedentes, com a annuidade de 113:200$000 réis. Como eu já disse á camara, a lei de 23 de março de 1878 auctorisava o governo a levantar os fundos necessarios para subsidiar a companhia dos caminhos de ferro da Beira, não devendo os encargos exceder 7 por cento em um um periodo de amortisação de cincoenta e seis annos. Esta operacão satisfez ao preceituado nesta lei, levantando réis 1:618:000$000 réis para este effeito não com o encargo de 7 por cento, mas com um encargo pouco superior a 5,5 por cento, como mais tarde veremos, dispondo de uma annuidade de 90:000$000 réis; todavia, o governo entendeu, e bom a meu ver, que á sombra d1 este emprestimo, realisado era óptimas condições, podia levantar outras sommas applicaveis á construcção do caminho de ferro do Douro, e por isso elevou a annuidade a 113:200$000 réis, mais 23:200$000 réis do que era mister para a operação simples do subsidio para a Beira. Seria legal esta elevação? Eis o que vamos ver.

D'esta succinta exposição, enfadonha, talvez, mas indispensavel, podo v. exa. tirar as seguintes conclusões:

1.ª O emprestimo contratado em 17 de dezembro do 1881, o ultimo na ordem dos expostos precedentemente, trouxe para o thesouro um encargo de 23:200$000 réis, que alguém dirá não auctorisado por lei alguma;

2.ª A conversão das obrigações para navios de guerra, contratada em 2 do novembro de 1881, prolongou para alem de 1899 um encargo de 140:000$000, que aliás devia cessar;

3.º A conversão das obrigações do Minho e Douro, contratada em 24 de setembro de 1881, prolongou igualmente para alem de 1872, anno em que se extinguia a ultima serie do emprestimo convertido, o encargo do 937:558$125 réis, que aliás devia cessar.

Estas conclusões são perfeitamente exactas, e tendo em attenção o que expuz precedentemente, podem ser compendiadas polo seguinte modo:

Página 1648

1648 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

[Ver tabela na imagem].

Se cotejarmos agora anno a anno os rendimentos prováveis dos caminhos de ferro do Douro, nas origens auctorisadas pela lei de 23 de julho de 1880, que precedentemente li á camara, com os encargos assim reunidos, concluiremos tambem:

1.° Que o encargo de 23:200$000 réis, que resulta da primeira operação, e começa no anno de 1882, é compensado pelo rendimento de 18:141$000 réis, e já em muito excedido pelo de 1883 e seguintes;

2.º Que o encargo resultante da segunda operação, começa a manifestar-se no anno de 1899, e é total no anno de 1900; acontecendo, porém, que o rendimento crescente do caminho de ferro do Douro, então de 320:000$000 réis, excede em muito a somma d'este encargo com, o precedente;

3.° Que o encargo da terceira operação apenas se começa a manifestar no anno de 1929, sendo, porém, os encargos das tres operações sempre cobertos, até ao anno de 1931, pelo excesso do rendimento do mesmo caminho de ferro, que neste anno se elevará a 876:800$000 réis.

Por esta forma, sr. presidente, se demonstra que, fundado na lei de 23 de julho de 1880, o governo levantou cerca de 2.570:000$000 réis, a um juro modico, sem prejuizo para a situação do thesouro, e, usando rigorosamente dos meios que lhe facultou o sr. Saraiva de Carvalho numa lei referendada pelo seu proprio punho.

Conseguimos já afastar a illegalidade até ao anno de 1931; cincoenta annos de descanso já é alguma cousa; vejamos, porém, se dos elementos expostos podemos tirar mais algumas illações, porque eu vejo o meu amigo o sr. Mariano de Carvalho, com aquelle limpido e intelligente olhar, perscrutar o intimo da minha argumentação.

É certo que no anno de 1933 os encargos das três operações do 1881 se elevam á somma de 1.101:000$000 réis, quando aliás teriam cessado; é certo que esta somma apparecerá nos orçamentos até 1961; mas tambem é certo que o crescimento do rendimento do caminho de ferro do Douro se elevará em 1933 a cerca de 912:000$000 réis, o que nos produz uma diíferença contra de 189:000$000 réis apenas.

Perguntarei eu agora a v. exa. se em virtude do artigo 6.° da lei de 23 de julho do 1880 o governo estava auctorisado a dispor, para os fins prescriptos, do excesso do rendimento liquido da linha do Douro e do da indemnisação produzida pela estação do Porto? Innegavelmente o estava, pela letra expressa do artigo, como todos podem verificar.

Ora, no periodo considerado de cincoenta e dois ânuos, que decorrem de 1882 a 1933, o thesouro receberá cerca de 25.000:000$000 réis provenientes do crescimento das origens indicadas, como calculei no mappa correspondente;. 5 certo que esta somma fez face aos encargos das tres operações neste mesmo periodo, encargos que montam a réis 8.849:000$000; produzindo, porém, o importante saldo de 16.151:000$000 réis. Bastava, pois, que o estado tivesse capitalisado uma parcella relativamente pequena d'esta grande cifra, para com o seu juro cobrir a differença calculada em 189:000$000 réis para o anno de 1933; podia legalmente fazel-o; não o devera, todavia, fazer, a meu ver, porque é preferivel applicar essa grande massa de capital em beneficio do paiz, no desenvolvimento dos factores da riqueza publica, onde elle se reproduzirá admiravelmente.

Eis, sr. presidente, como eu demonstro a legalidade das operações financeiras de 1881.

Serão contestaveis os meus raciocinios? Não me parece. (Apoiados.) Serão erroneas as minhas hypotheses? Verifique-as quem quizer.

Em questões d'esta ordem, em que se torna indispensavel a hypothese, como meio de previsão, toda a garantia do calculo reside no rigor e na modestia das premissas; aquellas de que me servi não só foram deduzidas de elementos officiaes existentes, mas cautelosamente empregadas.

Poderá alguem affirmar que a linha do Douro não terá d'aqui a cincoenta annos um rendimento liquido kilometrico de 6:000$000 réis? Pelo contrario, póde dizer-se affoutamente que ha de ser superior.

Afastada a accusação de illegalidade, com que se pretendeu inquinar as operações em discussão, passo a estudar a segunda face do assumpto, o seu lado financeiro.
O ex-ministro da fazenda, o sr. Barros Gomes, auctoridade e competência em questões d'esta ordem para todos sem duvida, e insuspeitissimo para o illustre deputado Mariano de Carvalho, no seu relatório de 1880 escrevia estas palavras: «Em emprestimos amortisaveis para os quaes podem variar importância e numero das annuidades, valor nominal e effectivo dos titulos e numero delles, só um elemento é aproveitavel para o confronto; consiste elle no encargo real do juro, que tem de ser satisfeito pelo estado».

A este documento me reporto, escudando-me com a auctoridade do illustre ex-ministro e seguindo o seu preceito. Comparemos, pois, as taxas reaes de todos os emprestimos amortisaveis realisados pelo governo portuguez com os das tres ultimas operações de 1881; para isto é indispensavel que a camara faça uma idéa approximada do que só chama taxa real; porque cousa differente é a taxa nominal de um emprestimo e a sua taxa real. Uma obrigação de 90$000 réis do typo 5 por cento, offerece à taxa nominal de 5 por cento; todavia a sua taxa real, o encargo effectivo da unidade de capital para o thesouro, é differente da nominal e por via de regra superior. Este encargo calcula-se tendo em vista tres elementos: a annuidade, o capital recebido por acção e o periodo de amortisação e como es-

Página 1649

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 1649

tes são os elementos variaveis de um emprestimo amortisavel, evidentemente os resultados, para cada um, são compativeis, ou, na phrase exacta do illustre ministro Barros Gomes, são comparaveis os emprestimos reduzidos a este padrão unico.

Eu tenho aqui a lista de todos os emprestimos amortisaveis realisados pelo governo portuguez tendo para elles adoptado as taxas reaes exaradas no relatorio do sr. Barros Gomes, e apenas calculado o correspondente ao emprestimo de 1875 para a compra dos navios de guerra, que s. exa. não calculou, ignoro a rasão; não querendo suppor que fosse por que realmente é assas inferior a do seu preconisado emprestimo de 1879, embora esto seja de typo de 5 por cento o aquelle de 6 por cento.

[Ver tabela na imagem].

Da inspecção d'esta relação concluirá a camara as grandes vantagens obtidas, comparando as taxas reaes das operações convertidas e das suas conversões, o a taxa real do ultimo emprestimo com todas as restantes.

Por calculos simples, mas longos e impossíveis de expor n'este logar, chega-se a obter a taxa real inedia das seis series das obrigações do Minho e Douro representada por 6,GO; ora a taxa real da conversão correspondente, sendo de 5,75, segue-se que n'esta operação houve uma economia de 0,85 por cento; da comparação da taxa real do emprestimo para navios de guerra com a da sua respectiva conversão, concluiremos tambem que a reducção foi de 0,37 por cento, o em questões desta ordem, observe a camara, reducções que, aliás, parecerão pequenas, são importantissimas. (Apoiados.}

Emquanto á taxa real do ultimo emprestimo, essa é inferior em 0,41 por cento á menor dos emprestimos realisados, que é a do emprestimo de 1875 para navios de guerra; faço notar a circumstancia, porque esta operação, anterior á crise bancaria de 1876, se realisou em uma epocha em que o nosso mercado monetario era florescente, ou, pelo menos, bem mais favorável pura operações desta ordem, do que o actual.

Sr. presidente, releve-me v. exa. e a camara a extensão deste arrasoado; estas questões são realmente aridas, e peior do que ouvil-as, só ha estudal-as; mas são uteis e indispensaveis.

Isto posto, encaremos a questão por outra face, e soccorramo-nos ainda do relatorio de 1880.

Diz este documento, defendendo a conversão do typo de 6 por cento em 5 por cento, consentida nas condições da proposta para o emprestimo de 1879, que tão discutido foi e nem sempre justamente, valha a verdade:

«Não e numero diverso de obrigações emittidas em representação de determinada soinma que altera o encargo do qualquer operação, uma vez que a annuidade para juro e amortisação fique sendo em ambos os casos a mesma; nem o facto da prolongação de praso augmenta por seu lado esse encargo quando a quantia que se reduz na annuidade representa, capitalisada, a importancia exactamente correspondente ao mesmo encargo durante o período por que a operação foi prolongada.»

Estas phrases, profundamente verdadeiras, do sr. Barros Gomes, respondem às asserções do sr. Mariano de Carvalho e vem do molde para eu as citar.

Ora, se é certo que para vencer é preciso dividir, para estudar é indispensavel analysar, que tambem é dividir; analysemos, pois, as duas conversões.

Eu organizei um mappa era que decompuz as duas operações:

Conversão das obrigações do Minho e Douro e emprestimo correlativo

[Ver tabela na imagem].

Sessão de 25 de maio de 1882.

Página 1650

1650 DIARIO DA CAMAKA DOS SENHORES DEPUTADOS

Conversão das obrigações para navios de guerra e emprestimo correlativo

[Ver tabela na imagem].

D'este mappa podem tirar-se algumas conclusões.

A primeira conversão substituiu 164:117 obrigações correspondentes às seis series do emprestimo para o Minho e Douro e existentes em 1 de janeiro de 1882, por 187:200 obrigações do novo typo de 5 por cento, e o resultado desta substituição, que no mappa vem detalhado por series, foi a economia de 78:125(51250 réis na annuidade. Como os prasos para o pagamento da annuidade, todavia, foram prolongados, segundo a opinião do sr. Barros Gomes, que acceito inteiramente, ê preciso verificar se a quantia que se reduziu tia annuidade representa, capitalisada, a importancia exactamente correspondente ao mesmo encargo, durante o periodo por que a operação foi prolongada. N'este caso, as operações seriam identicas; se a capitalisação der resultado positivo, a operação da conversão será melhor e peior se o resultado for negativo.

A camara comprehende que eu não posso desenvolver as operações, aliás muito simples; se eu o fizesse só, v. exa., sr. presidente, e os seus dois secretários, por dever do seu cargo, permaneciam nesta casa em face de um massador, que attingiria as raias do ideal.

A questão resume-se em capitalisar a somma economisada por serie durante os ânuos, nos quaes devendo ser paga não o foi; depois collocar a juro composto esse capital, deduzindo-lhe a aunuidade da conversão durante os annos por que a operação foi prolongada, e achar no rim do praso o resultado; a somma dos resultados parciaes daria o resultado da operação.

Pois eu fiz todos estes calculos e as respectivas tabellas, e achei uma vantagem decidida na conversão, como aliás já o indicara a comparação das taxas reaes. Se este systema, que é aliás similhante ao systema celebre das caixas de amortisação, fosse empregado pelo thesouro no momento em que a operação se extinguisse, ficaria ainda na caixa approximadamente uma dezena de milhar de contos, não se admire a camara com este algarismo, porque o effeito da accumulação successiva é espantoso e importante a quantia a capitalisar.

A segunda conversão daria um resultado ainda mais importante, a capitalisação semestral no periodo de dezesete annos e seis mezes da economia de 52:714.$040 réis, produzia uma quantia tão avultada, que o seu simples juro a 5 por cento cobria o excesso annual do encargo proveniente da prolongação do praso.

Quem tiver curiosidade póde verificar a exacção destes cálculos, que supponho certos; e para merecerem alguma confiança, bastará dizer á camara que neste breve estudo me acompanhou com a sua amisade, com que muito me honro, e com a sua elevada intelligencia e incontestavel sciencia, o nosso collega Gomos Teixeira, homem, por todos reconhecido como mathematico distinctissimo, cujo valor é realçado pela modestia caracteristica de um grande talento. (Apoiados.)

Sr. presidente, que as conversões deram resultados muito favoraveis para o thesouro, eis o que me parece incontestável e demonstrado, porque a essencia das operações não foi alterada pelo facto do governo ter usado das anuuidades economisadas para o levantamento de capitães á taxa muito módica de 5,75 e 5,74 por cento. (Apoiados.) Foram os preceitos, aliás muito sensatos, do sr. Barros Gomes, que serviram de base para a minha argumentação; se com elles conseguiu s. exa. defender a sua operação de 1879, consinta-me o illustre deputado, o sr. Mariano de Carvalho, que d'elles me sirva para provar, como me parece ter provado, as vantagens das operações de 1881.

E digo que o sr. Barros Gomes conseguiu defender a sua operação de 1879. porque realmente me pareceram infundadas algumas accusações feitas ao illustre ministro progressista, quando permittiu n'aquella operação a mudança do typo de 6 por cento para 5 por cento. Não lhas fiz eu, que muito valor ligo á sua illustração5 mérito e excellencia de caracter; perdoe-me o illustre chefe do grupo constituinte, que não gosta de ver passar n'esta casa. folhas corridas, como s. exa. lhe chamou numa sessão passada; mas que eu passarei sempre que a consciência mas dictar como justas, proferindo as discussões serenas, delicadas e scientificas aos epiphonemas atrabiliarios e apaixonados, que levam ao povo a profunda descrença sobre todos os seus homens públicos; arma terrível, que destroe a confiança popular nos caracteres dos nossos estadistas e mata a opinião publica, esse elemento indispensavel nos paizes que professam o regimen da liberdade. (Apoiados.)

De facto, sr. presidente, havia perfeita igualdade entre às duas operações de 1879, a proposta com o typo de 6 por cento e a realisada com o typo de 5 por cento; a segunda era o que em linguagem financeira se chama uma paridade da primeira; mas se as condições arithmeticaa eram as mesmas, se os encargos para o thesouro eram iguaes, seriam porventura equivalentes as operações sob o ponto de vista económico e financeiro?. For coso é confessal-o, não o eram.

Em gorai o papel de typo mais elevado é relativamente menos cotado do que o de typo inferior. Varias causas contribuem para este phenorneno; o typo mais elevado, ficando mais proximo do juro normal, juro que pelo desenvolvimento dos capitães pela industria e pelo commercio tende sempre a decrescer, está por este facto sujeito a uma conversão mais imminente, o melhor processo que o estado póde empregar para a reducção da sua divida fundada e portanto o mais grave perigo que pesa sobre os portadores dessa parte da divida publica; o typo inferior cotando-se necessariamente muito mais abaixo do par do que o superior presta-se a maiores oscillações e portanto aos lucros, por vezes fabulosos, dos jogos de bolsa; por outro lado a menor cotação torna evidentemente rnais fácil o emprego das pequenas economias nacionaes, n'aquella parte sempre importante que foge da industria o do commercio para se fixar preguiçosamente em um rendimento, não só em regra superior ao juro industrial e commercial, mas e principalmente garantido pelo credito da nação, estas duas ultimas vantagens augmentando a procura conduzem logicamente ao encarecimento do papel de menor typo. Taes são as causas principaes de um phenomeno, que não é licito desconhecer, porque já serviu de base a uma importante opera-

Página 1651

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 1651

cão realisada por uqi ministro das finanças do segundo imperio francez, por Fould.

Por não se ter em vista este phenomeno financeiro, foi que, a meu ver, claudicou, a operação do 1879; podia-se realmente ter consentido a conversão do typo de 6 em 5 por cento; comtudo, a vantagem que d'ahi provinha para os contratadores devia ter revertido, em parte, para o estado, tomando aquelles as obrigações do typo de 5 por conto, não pelo preço qno dava a igualdade de encargos apenas, mas com um pequeno excesso, que os obrigava a compartilhar com o estado o bónus da conversão. Eis o que se póde dizer da operação do sr. Barros Gomes, sem todavia a condemnar.

Sr. presidente, administrar as finanças de um pai z não é o mesmo que dirigir a administração do uma casa importante, como eu tenho por ahi ouvido affirmar por mais de uma vez. As leis económicas e financeiras que regulam os phenomenos da riqueza publica são bem mais numerosas e complexas do que os simples princípios que presidem á boa gerencia das fortunas individuaes.

Eu sobre este assumpto tenho idéas muito especiaes que, por vezes, me afastam dos principios que passam por mais orthodoxos; algumas podia citar; entro outras, devo declarar a v. exa. que me não aterra um deficit orçamental, idéa fixa do partido constituinte, e que muitas vezes entendo, contra a opinião do chefe do partido em que muito, que a extinção rápida d'esse deficit apparentemente excellente, na realidade póde não ser tão boa como se prevê. Em todos os phenomenos economicos ha ce qu'on voit et ce qu'on ne voit pas, na phrase de um grande economista moderno, em cuja escola aliás não me filio. V. exa. sabe que eu disse sobre este assumpto alguma cousa em uma das reuniões da maioria; as minhas idéas não foram aceeites, ainda que delicadamente escutadas; sujeito-me às decisões dos que, não sendo menos illustrados do que eu, têem sobre mim a lição da experiencia e a sancção do numero. N'este logar, porém, farei uma simples observação; um deficit constante em um orçamento particular extingue necessariamente uma grande fortuna, um deficit orçamental de um paiz póde augmental-a, e aos que gritarem contra o paradoxo perguntarei apenas: se um governo recorre ao credito para o equilíbrio do seu orçamento levantando capitães estrangeiros numa taxa inferior áquella pela qual se reproduzem os capitães nacionaes, que ficam em giro na mão do contribuinte, pergunto-vos, srs. equilibristas, se não fica existindo na massa da riqueza publica um saldo, que póde ser importante?

É claro que estes princípios sito verdadeiros entre certos e determinados limites, cuja fixação não deponde do regras escriptas e compendiadas, mus da previsão do estadista e do seu estudo minucioso das forças vivas e productoras do paiz. Por isso eu digo, sem ter a menor idéa de melindrar alguem: comparar a administração de uma grande collcctividade nacional com a de um simples particular, por mais rico que elle seja, é perder completamente de vista as forças reproductoras e a enorme elasticidade dos factores da riqueza publica creados e desenvolvidos pelo estado de sociedade e pelo incremento dos instrumentos de trabalho que, dia a dia, a sciencia vão descobrindo e entregando á actividade humana. (Apoiados.}

Similhante modo de ver constituo, segundo penso, uma singular anomalia intellectual, ou manifesta um pouco elevado nivel scientifico.

Pedindo a v. exa. e á camara desculpa para esta divagação sobre assumpto, que ainda assim anda intimamente ligado com o que se discute, vou continuar o estudo das operações de 1881.

Affirmou o sr. Mariano de Carvalho que das três operações foi melhor a terceira, isto é, a do sr. Fontes; de facto foi esta operação que produziu dinheiro mais barato; mas, para sermos justos, convém não lazer a comparação por este lado apenas, ainda que muito importante elle seja.

Na collocação de um emprestimo deve-se sempre attender a um elemento muito importante, áquelle que os financeiros traduzem pela palavra margem. Como a technologia financeira é por vezes barbara e obscura, convém fixar a definição deste elemento. Margem é a differença entre o preço por que é cotado na bolsa o papel do mesmo typo, ou proporcionalmente o de typo differente, no dia do contrato, e áquelle prego por que é emittido o novo papel do empréstimo que se vão contrahir; maior é a margem, maior a possibilidade de ganho para o contratador, é evidente. Por isso é, e peço a attenção da camara sobre esta illação, que, por artificios de bolsa, depois de fixado o preço da emissão, os contratadores forçam, quanto podem, as cotações do mercado, como aliás é notorio o sabido. Ha de me servir mais tarde esta observação para contradictar um argumento do sr. Mariano do Carvalho.

Posto isto, e sabendo-se que o nosso principal typo, infelizmente, é o de 3 por cento, tudo se reduz a singelas proporções.

Pelo contrato de 24 de setembro de 1881, conversão das obrigações do Minho e Douro, negociado pelo meu amigo Lopo Vaz, o empréstimo foi todo tomado firme, sendo cada obrigação emittida pelo ....

[Ver tabela na imagem).

Isto é, teriamos do despender 78$210 réis para obter em inscripções do 3 por conto um juro de 4$500 réis; agora observe v. exa. e a camara, que o sr. Lopo Vaz negociou este rendimento por 78$875 réis, obtendo assim um excesso para o thesouro de 665 réis por obrigação, valor que parece diminuto em uma só obrigação, mas que monta a 135:851$520 réis em 204:288 obrigações!

Attendendo á cotação de Londres os resultados são mais frisantes; o excesso é, como cada um póde verificar, de 1$175 réis por obrigação, ou seja 240:000$000 réis no total das obrigações. Sabe a camara o que isto quer dizer? E que em relação ao nosso papel typo não existiu margem, apesar dos esforços que necessariamente seriam feitos (e realmente o foram) pelos contratadores para forçarem as cotações.

Ora, um emprestimo n'estas condições é perigoso e uma conversão perigosissima. Disse o sr. Mariano do Carvalho que o ministro errara contratando toda a conversão, pagando assim commissão e corretagem pela totalidade aos contratadores, quando podia para converter uma somma de 15.000:000$000 réis contratar apenas 2.000:000$000 ou 3.000:000$000 réis, diminuindo em igual proporção commissão e corretagem.

Tivesse-se feito e a operação falhava, não só porque o thesouro não podendo, e não devendo, fazer jogos e combinações de bolsa havia de encontrar cotações inferiores ás indicadas, mas ainda porque a guerra dos banqueiros o dos portadores das obrigações convertidas lhe seria contraria no seu próprio interesse, e lhe baixaria artificial

Página 1652

1652 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

mente as cotações; acontecendo forçosamente que o governo, ao offerecer o seu papel ou o reembolso das obrigações primitivas, obteria uma unica e geral resposta: - o reembolso.

Supponho que ninguem admittirá que o capital portuguez e o inglez sejam: o primeiro tão patriotico e o segundo tão fiel alliado que podendo acoutar-se nas inscripções, que lhes davam um, juro superior, fosse ingenuamente (ingenuo, o capital!) conformar-se com a conversão. (Apoiados.)

E sabe v. exa., sr. presidente, o que originava a fallencia de uma operação d'esta ordem, a primeira que se tentava na nossa vida financeira? Uma perda de credito para o paiz, um retrahimento de valor para o papel ameaçado, que se salvara por uma inepcia do ministro; em resumo, um abalo no nosso organismo financeiro, que se havia de repercutir nas fortunas particulares.

Affirmou o sr. Mariano do Carvalho que os contratadores ganharam mundos e fundos... que me importa a mim que elles ganhassem, se o thesouro compartilhou em grande e larga medida esse ganho!

Á operação da conversão das obrigações do Minho e Douro foi excellente, e, diga-se a verdade, foi ella que proporcionou a segunda ainda melhor e o magnifico emprestimo da Beira e Douro.

Tivesse ella falhado, sr. presidente, e dinheiro a 5,70 por conto não o obtinhamos nós, e quem sabe a taxa por que o obteriamos!

O meu amigo Lopo Vaz não careço de elogios, foi curta a sua passagem por aquellas cadeiras, e certo, mas este seu acto já fica na nossa historia financeira affirmando o valor de um homem novo, que ha de ser necessária, e forçosamente um dos primeiros estadistas deste paiz; não lhe sobejou, talvez, o tempo para affirmar a sua individualidade, errou certamente, mas ha de ali voltar e pôr em acção, o que para nós é incontestável, o seu bello talento! (Apoiados.)

A segunda operação contratada em 2 de novembro de 1881, que teve por fim principal a conversão do empréstimo para navios de guerra, é igualmente favoravel.

As obrigações foram tomadas firmes pelos contratadores pelo preço bruto de 80$050 réis, ou, descontando 1 por cento de commissão e 1/8 por cento de corretagem sobre o nominal, pelo liquido de 79$037,5 réis por titulo.

As cotações dos nossos fundos eram n'esse dia:

[Ver tabela na imagem].

Em relação, pois, às cotações de 5 por cento a margem foi de 1$554,5 réis; e para o fundo de 3 por cento, feitas as devidas proporções, de 42,5 réis apenas!

Finalmente o emprestimo contratado em 17 de dezembro de 1881, pelo actual ministro da fazenda, o sr. Fontes, foi negociado firme pelo preço bruto de 80$500 réis por obrigação, ou, descontando a commissão e a corretagem nas condições da anterior operação, pelo liquido de réis 79$487,5.
As cotações dos nossos fundos eram:

[Ver tabela na imagem].

Isto posto, seria util e curioso comparar os resultados obtidos n'estas tres operações, com os resultados das operações anteriores. É impossivel, todavia, fazel-o em um arrasoado d'esta ordem; limitar-me-hei, pois, a apresentar dois resultados apenas: o do emprestimo de £ 8.700:000 nominaes ou réis 39.150:000$000 nominaes, contratado em 22 de novembro de 1880 em titulos de 3 por cento, divida consolidada, e o do emprestimo de 5.327:000$000 réis effectivos, contratado em 8 de julho de 1879, em titulos de 5 por cento, divida amortisavel, ambos negociados pelo anterior ministro da fazenda do ministerio progressista, o sr. Barros Gomes.

Para o primeiro a margem foi, segundo os documentos officiaes, de 3$375 réis por titulo, para o segundo facil é ella de calcular, conhecendo-se os seguintes elementos:

[Ver tabela na imagem].

Sr. presidente, para terminar esta exposição resta-me contradictar algumas asserções, que me parecem menos fundadas, do meu illustre adversario politico, mas particular amigo, o sr. Mariano de Carvalho.

Disse s. exa. que um dos graves inconvenientes das operações intentadas, e tão brilhantemente realisadas pelo sr. Lopo Vaz, fora a crise monetária produzida por uma rápida deslocação de capitães e pela sua necessária exportação.

Em primeiro logar notemos na argumentação do nosso adversario uma terrivel contradicção; dissera anteriormente s. exa. que para tão pequena operação bastava ter contratado um empréstimo de 2.000:000$000 ou 3.000:000$000 réis, opinião que me parece ter consegui do refutar; pois bem, para isto ser exacto era indispensável que os portadores acceitantes fossem em grande numero, isto é, que se fizesse em grande escala a fraca de papel por papel; ora, é evidente que esta operação não podia produzir abalo apreciavel no mercado monetário portuguez.

A crise commercial e monetaria, mais ou menos latente, que sobre nós pesa, não foi sensivelmente provocada pelas operações de 1881; a verdade é, como todos sabem, que a sua causa principal está no pessimo estado do mercado do Brazil, complicado pelos resultados, ainda existentes, da ardente febre que entre nós se desenvolveu no jogo dos fundos hespanhoes e, porventura, pela acção reflexa das difficuldades ha pouco atravessadas pela praça de Paris e tambem devidas a infrenes jogos de bolsa. A deslocação e a emigração dos capitães produzidas pelas operações de conversão não foram importantes, graças exactamente ao processo empregado pelo sr. Lopo Vaz; sel-o-iam, todavia, pelo processo aconselhado pelo illustre deputado da opposição, quando se não tivesse demonstrado que, segundo toda a probabilidade, as operações teriam falhado.

Página 1653

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 1653

Disse mais s. exa. que o governo dava aos contratadores 1.050:000$000 réis para levantar 2.550:000$000 réis, e frisou mais de uma vez esta allegação com aquella pericia com que s. exa. sabe, como poucos, repisar um argumento do effeito; ora vejamos sempre, o, que isto quer dizer.

Os resultados das operações de 1881 podem compendiar-se pela seguinte forma:

[Ver tabela na imagem].

(a) Sujeita noa encargos geraes da emissão, os quaes calculados em 0,1 por cento do nominal, reduzem a verba a cerca da 3.570:000$000 réis.

D'onde se conclue que o thesouro deu aos contratadores das operações uma vantagem de 285:681$710 reis, isto é, pouco mais de 1,2 por cento da cifra nominal da operação, ou muito approximadamente 1,4 por cento do valor recebido; eis o que é positivo.

O illustre deputado da opposição acrescenta, porém, a está cifra um ganho provavel de cerca de 764:000$000 réis, e conclue o seu argumento; pois bem, em primeiro logar as operações não são apenas de 2.550:000$000 réis, mas de 20.500:000$000 réis, e depois raciocinemos sobre o ganho provavel, que só podo resultar da differença do preço por que os contratadores compraram ao estado as obrigações e o preço por que as venderam no mercado. Todos sabem que o modo de fazer subir as cotações consisto em sujeitar o papel á lei da offerta e da procura; os contratadores, portanto, para elevar as cotações, retiraram do mercado a maior quantidade de papel que podaram, e conseguiram indubitavelmente negociar melhor os seus novos titulos; demos de barato que lucraram os 764:000$000 réis, como o illustre deputado quer. Fechada a operação, os contratadores não fecharam certamente a sua couta corrente no terrivel ha; possuidores de uma grande massa de titulos, ou hão do lançal-os de chofre na circulação de preciando-os, ou hão do negocial-os por pequenas parcellas, sendo menor a depreciação, mas grande a estagnação de capitães, que aliás se reproduziriam em taxas superiores às quê representam os titulos guardados. Deste não se foge. A crise monetaria foi complicada com as novas operações, como quer o illustre deputado? Então os contratadores podem desembolsar succesivamente todos os ganhos da operação, ainda mesmo aquelles que sob as designações de commissão e corretagem parecem positivos e fora de qualquer perigo.

Sr. presidente, ninguem póde affirmar actualmente quaes sejam, se grandes, se pequenos, os ganhos dos contratadores; o que se póde, porém, provar é que as cotações dos titulos cairam logo depois de realisadas as operações, e que estas falharam (para os contratadores e não para o thesouro) em algumas praças da Europa. Quem melhor do que o meu illustre amigo Mariano de Carvalho, excellente economista e habil financeiro, sabe estas cousas? Quem melhor do que elle as poderia expor á camara, se um malefico espirito partidario lho não estivesse segredando ao ouvido uma triste necessidade política?

Triste, muito triste necessidade, filha de uma pessima o errada educação politica, aquella que nos arrasta, mau grado nosso tantas vexes, a condemnar os actos justos e os resultados vantajosos para o paiz, só porque actos o resultados são praticados e obtidos por uma facção politica em que não militâmos. Politica de negação, com que os homens publicos se destroem reciprocamente aos olhos do povo, cujas faculdades rudimentares mais propensas são em geral para desconfiar do que para confiar.

Em questões d'estas ao menos afastemos as paixões politicas, são ellas graves e tão graves que podem affectar o nosso credito o portanto um elemento poderoso da nossa vida nacional.

E todavia, sr. presidente, o nosso paiz póde orgulhar-se incontestavelmente de possuir um funccionalismo honestissimo e de conhecer que no longo período de vida parlamentar todos os homens que passaram por aquellas cadeiras (as do governo), sem excepção de partidos, têem sido de uma honestidade e de uma probidade intemeratas. (Apoiados.)

Não me alongarei em mais considerações, e termino agradecendo â camara a sua benevola attenção.

Vozes:-Muito bem.

(O orador foi cumprimentado por muitos srs. deputados.)

Página 1654

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×