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SESSÃO DE 26 DE MARÇO.

Sendo uma hora e meia occupou a Cadeira o Sr. Vice-Presidente.

Concluida a chamada, declarou o Sr. Secretario Barão de Alcobaça que estavam presentes 31 Dignos Pares, faltando além do Sua Alteza Raul o Principe D. Augusto, e dos que ainda se não apresentaram, os Srs. Conde de Villa Real, por motivo de serviço; Visconde de Sá da Bandeira e Sottomaior com licença da Camara; e Souza Holstein sem motivo conhecido.

Logo disse o Sr. Vice-Presidente que estava aberta a Sessão; e lida a Acta da anterior pelo Sr. Secretario Conde de Lumiares, foi approvada sem reclamação.

O mesmo Sr. Secretario deu conta de um Officio da Presidencia da Camara dos Srs. Deputados, incluindo uma Proposição da referida Camara, sobre tornar extensivas aos Officiaes da Armada, que não estiverem no caso de ser desligados do serviço da mesma, as disposições do Decreto das Côrtes Geraes de 23 de Março deste anno, sobre não ser Official algum do Exercito privado de sua patente senão por Sentença de Conselho de Guerra. — Passou á Secção de Guerra e Marinha.

Foram recebidos com agrado, e distribuidos pelos Dignos Pares, 40 Exemplares de um Impresso intitulado = Memoria apologetica dos Cirurgiões Militares, dedicada ao Corpo Legislativo. = Os quaes são offerecidos por Libanio Constantino Alves do Valle.

Passando-se á Ordem do dia, leu o Sr. Secretario Barão de Alcobaça o Parecer da Secção de Instrucção Publica sobre a Proposição do Sr. Sarmento, relativa á reforma de algumas Cadeiras das Faculdades Juridicas, na Universidade de Coimbra; assim como a mesma Proposição (Vide pag. 167 e 154.)

Aberta a discussão sobre a materia na sua generalidade, obteve a palavra em primeiro logar, e disse

O Sr. Sarmento: — Parece-me que poucas considerações será necessario fazer ácerca deste Projecto, porque os Dignos Pares tem toda a instrucção necessaria para conhecerem o objecto delle; todavia como eu propuz a suppressão de tres Cadeiras Analiticas, não cuide alguem que isto seja porque eu julgasse de pouca importancia o estudo das disciplinas ensinadas nas Cadeiras, que eu pretendo sejam supprimidas. A questão consiste em averiguar, quaes são as Cadeiras, cuja suppressão causaria menos falta. — Não tractarei da importancia absoluta de cada uma destas Cadeiras; porque em fim não se sabendo analysar qualquer peça de Legislação, não é possivel que se intenda o principio da Lei, nem aquillo que conduz ao seu conhecimento exacto; porém essa falta vai supprida com a existencia da Cadeira de Hermeneutica, e os conhecimentos se alargarão além disso na sua applicação a outras materias, como é a Economia-politica na parte theoretica, e o Direito Mercantil na parte practica. É pois melhor que a despeza, que se faz nas tres mencionadas Cadeiras se empregue na disciplina das novas. Isto é pelo que pertence ao Artigo 1.º, o mais quasi que é regulamentar, e este Projecto pouca mudança faz daquelle que, já disse, tive a honra de appresentar na Camara dos Srs. Deputados de 1827, senão o encarregar-se a Cadeira de Hermeneutica Juridica a um Lente da Faculdade de Canoaes, e a um de Direito Civil a de Economia-politica; julguei o Direito Canonico mais abstracto do que o Direito Civil; e a Economia-politica parece-me mais propria para ser ensinada por um Jurisconsulto versado no Direito Civil, por isso que aquella Sciencia constitue mais doctrina pratica, reservando a de Hermeneutica para um Canonista, até porque estes tem necessidade de se applicarem ao Direito Civil Romano, e por esta razão não o ignoram, pois que o Direito Canonico de alguma fórma se póde dizer um aperfeiçoamento daquelle, ao que muito se applicaram os Ecclesiasticos, quando os conhecimentos humanos estavam principalmente em suas mãos, e as outras classes pouco tempo davam aos estudos, e dessa época deduz o Direito Canonico a sua Historia.

Parece-me portanto que aquelles Dignos Pares, que tem practica da Universidade, hãode achar que o que eu proponho, está em harmonia com os Estatutos, e Leis novissimas, que actualmente dirigem o Curso de estudos da Universidade, e que só me affasto delles, no estabelecimento de tres novas Caleiras. Ha alli muitas reformas a fazer, muitas Cadeiras a estabelecer de novo, entre ellas a de Medicina Legal ou Forense; mas se eu fosse a lembralas, o presente Projecto cresceria consideravelmente, assim como a despeza do Thesouro, mórmente quando se considera o actual estado da Universidade de Coimbra, e quando desgraçadamente vejo que a Lei da venda dos Bens Nacionaes, tendo attenção a muitos credores do Estado, se esqueceu de um que de modo algum se podia considerar como um crédor sem direito, que é a Fazenda da Universidade. — Parece-me por tanto

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que este Projecto merecerá a attenção dos Dignos Pares, tendo por isso a esperança de que conseguirá a approvação da Camara.

O Sr. Margiochi: — Não obstante a honra que me fez o Digno Par, eu confesso que bem pouco intendo desta materia, e entretenho grandes duvidas sobre ella; por isso desejaria ainda que elle me esclarecesse mais sobre estas tres Cadeiras que elle quer supprimir: eu estimaria saber o que se intende por estas Cadeiras Analyticas de Direito Patrio, Romano, e Canonico. — Esta palavra analyse nas mesmas Sciencias mathematicas, é tão duvidosa que tem tres explicações pelo menos. Uns a empregam quando a Sciencia é tractada só com os seus signaes particulares, e sem figuras; outros dizem que é um caminho, pelo qual, empregando quantidades desconhecidas, se vem a um resultado verdadeiro; e outros affirmam que é passar do mais composto para o mais simples: a tudo isto chamam analyse. Aonde esta distincção é bem conhecida é na Chimica, porque chamão analyse quando uma substancia composta se reduz a substancia simples que a compõem; mas eu creio que aqui, tem um sentido philosophico, que vem a ser o sentido que lhes dá Condillac; este creio eu ser o sentido desta analyse; entretanto pediria ao Auctor do Projecto que me explicasse em que ella consiste.

Quanto a eliminar-se esta Cadeira de Direito Patrio, creio que ella será de uma grande falta, e não haverá então outra em que se expliquem as nossas Leis, ou ao menos a analyse dellas, do que resultará sahir um Juiz de Direito que não saiba applicara Lei ao facto, e realmente parece-me que isto é uma grande falta. — Agora a respeito do Direito Romano, talvez que essa Cadeira não seja necessaria, porque as suas doctrinas estão introduzidas em toda a Legislação moderna. — O mesmo acontecerá ao Direito Canonico, posto que me persuado de que sempre fará alguma falta aos Estudantes; porém a do Direito Patrio é que não sei como se possa substituir com a de Hermeneutica Juridica, nem creio que isso seja preciso. Em fim eu estou confessando a minha ignorancia a este respeito. — Pelo que pertence aos elementos de Economia-politica, creio que é cousa muito necessaria, mas não tanto que se faça um curso particular, senão para aquelles que se reservão para a Administração. Até agora quando esta Administração andava pelos Provedores Juristas, seria conveniente que elles soubessem Economia-politica, e mesmo Administração particular e geral, mas não vejo uma total necessidade de que os Juizes de Direito saibam Economia-politica, e talvez fosse melhor que houvesse um pequeno curso de Administração em particular para os Admiuistradores; e para aprender isto ha excellentes livros. Eu não exijo grandes conhecimentos, mas desejaria que o que se ensina em algumas Scholas fosse com mais perfeição. - Pelo que respeita aos principios de Direito Commercial acho a Cadeira desnecessaria: nós temos um Codigo, e creio que tem desempenhado muito bem, penso pois que quem estuda os principios geraes de Direito, não tem necessidade de outro estudo, e será capaz de fazer uso do Codigo Commercial; e por isso me parece que em logar desta Cadeira se deveria antes crear uma de Administração, como disse, fazendo um pequeno Curso para aquelles homens que forem destinados a serem Administradores. — Concluo desejando mais explicações sobre esta Cadeira de Hermeneutica Juridica; e opinando que em logar da de Direito Commercial haja uma de Administração.

O Sr. Sarmento: — Querer ensinar ao Digno Par, seria a maior extravagancia do mundo, e ainda mais seria o querer explicar-lhe o que seja analyse; mas eu exprimi a idéa, que representa esta palavra, conforme a aprendi dos Statutos da Universidade, ainda que não vi, se estava no rigôr, e exactidão mathematica. — O Sr. Margiochi não terá tanta falta de memoria, que se não lembre, que na Universidade ha tres Cadeiras de analyse, as quaes subsistem mesmo depois da reforma de 1804: e querer dar agora uma idéa exacta do que são aquellas Cadeiras, seria tomar sobre mim um trabalho, que não pretendo, porque considero o estabelecimento dessas Cadeiras, como um facto conhecido: assim, ainda quando o Digno Par, não soubesse Grego da maneira que o sabe, ser-lhe-ía facil ir buscar a origem da palavra Hermeneutica, e por ella reconhecer a sua significação; e igualmente terá frequentado as Aulas Juridicas, ainda que não fosse senão no tempo dos exames, que é como um theatro de diversão, que a Universidade offerece naquella parte, do Anno Academico; mesmo pelo gosto da critica, que certamente é de muito sabor, entre os estudantes de umas, e outras Faculdades, ainda que nella não levam tanta vantagem os estudantes das Sciencias Positivas, como os das Naturaes, sendo estes mais acostumados a criticar os estudos dos outros, e estes menos affoutos a terem opinião em objectos alheios da sua applicação. — Creio por tanto, que não farei offensa ao Digno Par, se disser que, mais do que eu, sabe elle nesta materia.

Direi tambem que não acho justo aquelle principio de que os Juristas não devem saber alguma cousa mais, do que certas disciplinas a que se devem restringir, como o deu a intender o Sr. Margiochi, e quaesquer argumentos, que para isso se trouxessem, não podem a final deixar de mostrar que o impedir que se alargue a sphera de conhecimentos, é um principio de tyrannia, e por isso anti-liberal, até porque recentemente temos visto cousas bem extraordinarias sobre o assumpto. — Vemos que o actual Arcebispo de Dublin não limita o seu saber á Theologia, mas é um dos maiores Economistas, que tem escripto; o mesmo se póde affirmar do Doctor Macculloch, um dos Economistas mais affamados dos nossos tempos: não podendo provar-se que as Sciencias Medica, e Theologica tenham maior relação com as Politicas, do que as de Direito. Sería por tanto uma tyrannia obstar a que, os que se dedicam á Jurisprudencia, fossem inhibidos de estudar a Economia Politica. Convenho com o Digno Par, e acho muito bem intendido o que elle disse sobre o estabelecimento de Caleiras proprias, onde se ensine elementos de Administração; e quando o Governo nomeou uma Commissão, para lançar um plano de Estudos, alli se tractou de tirar algumas Cadeiras das existentes, para as substituir por outras das que ha pouco se lembraram. Este Projecto porém é mais limitado, por quanto nelle só se tem em vista estabelecer na Universidade algumas Cadeiras de reconhecida precisão, sem todavia entrar em uma reforma geral,

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porque isso demoraria esta sómente parcial, porém util, em razão de se dirigir immediatamente ao estabelecimento dó ensino de doutrinas da mais reconhecida utilidade.

Quanto ao Direito Commercial, este, ainda que como qualquer outro, esteja subjeito aos principios geraes de Direito, é comtudo mais privativo, e portanto haverá utilidade em que na Universidade haja uma Cadeira de sua disciplina, porque os Jurados, que são chamados, para serem arbitradores, necessitam ter-se dado a alguma applicação theoretica, antes de começarem a julgar.

Concluo pedindo ao Digno Par me perdoe esta explicação; porque o pouco que hoje temos a fazer, é causa de que se tractasse a questão mais academicamente do que como Legisladores; e me persuado que o pouco que deixo dito, será bastante, para se tomar uma decisão sobre o Projecto em discussão.

O Sr. Margiochi: — Uma explicação que não é para escandalisar o Digno Par. — Accusou-me de que m'opponho ao Projecto, por não querer que os Estudantes tivessem estes estudos: mas isso seria obrigalos a aprender aquillo que lhes não é preciso, e que podem aprender se quizerem. A dureza consiste em obrigalos, para tirar Carta, a estudarem cousas que lhes não são necessarias. — Tambem disse o mesmo Digno Par, que isto era anti-liberal; confesso que não sei que applicação possa ter esta opinião ao Liberalismo; e tenho a presumpção que não posso ser suspeito nesta parte.

O Sr. Conde da Taipa: — Eu queria fazer uma pergunta, Sr. Presidente, e é se V. Exc.ª faz tenção de fallar sobre esta materia, ou o Sr. Bispo Conde, porque então não fallo eu, mas senão fallão peço a palavra: e não se estranhe esta minha pergunta, porque é usada nas Assembléas Legislativas. (Riso.)

O Sr. Bispo Conde: — A Proposta, que está em discussão, tem por principal objecto reduzir as tres Cadeiras Analyticas, que ha nas Faculdades Juridicas da Universidade de Coimbra, a uma só Cadeira, reservando as outros duas para serem empregadas, sem augmento de despeza, no ensino de materias não menos interessantes, e hoje indispensavelmente necessarias a quem segue a carreira das Sciencias Juridicas e Administrativas.

Tomarei a liberdade de dizer em breves palavras o que são Cadeiras Analyticas, visto que um Digno Par, pareceu desejar esta explicação, e della mesma se colligirá a utilidade da Proposta.

Estudão-se na Universidade de Coimbra os Direitos Canonico, Romano, e Patrio. Cada um delles tem seu Codigo ou Collecção de Leis, e para cada fim destes Codigos estabeleceram os Estatutos uma Cadeira Analytica em ambas as Faculdades Juridicas. O Professor respectivo escolhe no principio do anno um, dous, tres, ou poucos mais titulos, ou capitulos, ou paragrafos do Codigo, e trabalha por desentranhar do texto o verdadeiro sentido da Lei, e a mente do Legislador, empregando para isto as regras e meios hermeneuticos proprios da materia. Este trabalho porém se faz (ou se fazia d'antes) com tanta prolixidade, que nelle se gastava o anno lectivo, e no fim do anno apenas os Estudantes ficavam sabendo qual era a intelligencia daquella ou d'aquellas Leis que se tinham analysado, sem comtudo terem alcançado cabal conhecimento do Systema Hermeneutico em geral, das suas differenças com relação ás differentes especies de Jurisprudencia, e do verdadeiro e util methodo de sua applicação.

Por esta breve e succinta explicação se vê já a imperfeição do ensino analytico e elementar da Universidade. Por quanto cumpria, em primeiro logar, ensinar aos Estudantes as regras geraes da Hermeneutica Juridica: passar depois ás regras particulares e privativas da mesma Hermeneutica, com relação a cada uma das especies de Jurisprudencia: e ultimamente exemplificar umas e outras na analyse de alguns logares escolhidos de cada Codigo, a fim de habilitar os Estudantes na applicação e práctica das Regras que tinham aprendido. — Cumpria (digo) seguir o methodo inverso do que realmente se seguia: ensinar o systema completo da Hermeneutica Juridica, e dar depois algum exemplo do seu uso e applicação.

Isto é o que se pretende fazer neste Projecto, reduzindo aquellas tres Cadeiras, chamadas Analyticas, a uma só, em que se ensine o Systema da Hermeneutica Juridica em todos os seus ramos, que não devem ser separados, e se exemplifiquem as suas regras, e practica. E como para este ensino elementar basta, e sobeja uma Cadeira e um Professor, é claro que sem novas despezas ficam vagas duas Cadeiras, applicaveis ao ensino das outras materias que se julgarem de maior necessidade, e utilidade.

Não se póde dar isto a denominação de Reforma da Universidade. É simplesmente applicar para outro destino duas Cadeiras, que parecem escusadas, e são certamente inuteis, e dar logar ao ensino de materias importantes, e necessarias, sem augmentar as despezas daquella Corporação. Quando se tractar de uma reforma mais geral, será conveniente fazer igual reducção e substituição na Faculdade de Theologia, aonde existem os mesmos defeitos de ensino. — Voto pela adopção do Projecto na sua generalidade.

O Sr. Sarmento: — Tenho muito sentimento de que um Digno Par não fizesse ha mais tempo a opposição que fez agora a este Projecto; e se me fosse possivel retiralo, eu o retiraria, porque cedo das minhas opiniões com muita facilidade. Um dos motivos porque tive a honra de fazer esta Proposição, foi porque na Camara poucos trabalhos havia actualmente promptos, estando uma grande parte delles pendentes de Commissões; mas visto que encontra uma auctoridade de tanto respeito entre nós, peço á Camara me permitta retirar o Projecto, e assim terá a mesma desgraça, que em 1828; porque então não foi elle ávante em consequencia da vinda de D. Miguel, e agora só me custa que a opposição tivesse logar, depois de ter vindo da Commissão, aonde a respeito delle não houve a menor discrepancia, não podendo eu por tanto antever a tempestade, que contra elle começou a soltar-se.

O Sr. Conde da Taipa: — Não vejo a tempestade de que falla o Digno Par; o Sr. Bispo Conde, nem contra o Projecto fallou.

O Sr. Bispo Conde: — Pelo contrario; e se fui intendido de outro modo, quero-me desdizer em publico.

O Sr. Sarmento: — Não me referi ao discurso do

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Sr. Bispo Conde, de que lhe estou muito agradecido; a opposição vem de outra cousa; nem sobre isso quero tomar o tempo á Camara, porque sou o primeiro a declarar a minha incapacidade.

O Sr. Conde da Taipa: — Se ao que se tem dito, chama o Digno Par, opposição, então não tem visto o que é opposição.

O Sr. Sarmento: — Devo sabelo, porque fui Membro de Camaras Legislativas, antes que o Digno Par o fosse.

O Sr. Conde da Taipa: — Eu creio que o Sr. Bispo Conde não se oppoz a este Projecto, o que disse foi que uma Cadeira de Hermeneutica suppria para todas as Faculdades. — Se a Hermeneutica que o homem tem serve para a explicação das Leis, parece-me que uma Cadeira de Hermeneutica Juridica não serve de mais do que uma de Direito Patrio, ou Canonico: agora a Cadeira de Economia-politica, essa é de muita utilidade, porque um dos grandes males em Portugal, tem sido a falta destes conhecimentos; todos fallão della, e ninguem a sabe; por tanto opponho-me a que o Digno Par retire a sua Proposta. (Apoiado.)

Em Portugal nunca hade haver Instrucção Publica, em quanto se não formarem Scholas para os estudos; gasta-se muito dinheiro, e não se ensina nada, porque se não procura quem saiba ensinar; ha uma immensidade de Frades que sahiram dos Conventos, e que são muito capazes para a educação primaria e secundaria, e não se lança mão delles. — Eu vi outro dia um Projecto de reforma de estudos que me pareceu completo e perfeito; se a Commissão se quizesse encarregar de o appresentar como seu, e fazendo-lhe emendas ou additamentos, seria uma cousa muito util, porque para mim o objecto de primeira necessidade é a Instrucção Publica; porque não conheço nenhuma Nação que neste assumpto esteja tão atrazada como nós. — Voto tambem por esta Lei, porque se póde tirar daqui alguma utilidade, em quanto se não fizer um plano geral de Instrucção, e de que o Governo se deve encarregar para o appresentar ás Camaras.

O Sr. Conde de Linhares: — Acho que esta Lei se deve adoptar, com tudo sempre me permittirei sobre esta materia algumas reflexões que me occorrem. Pelo que é relativo á suppressão das tres Cadeiras de analyse particular que se faz na Universidade aos tres direitos Patrio, Romano e Canonico, substituindo-as por uma só em que juntamente se faça a analyse dos principios geraes da Sciencia da Jurisprudencia, assim como das suas applicações, de que os Codigos particulares das diversas Nações o são effectivamente. — Não creio que possa haver objecção unindo economia com a vantagem mesmo da Sciencia. E de facto quando melhor se podem aprender os fundamentos de uma doctrina, do que quando esta se esclarece com o facho de uma san philosophia que alternativamente emprega a analyse rigorosa dos seus preceitos, e a syntese para verificar o merito das suas applicações, em cujo exame os proprios erros, e as suas consequencias servem de confirmar a veracidade das generalidades ou principios admittidos nas Sciencias moraes de que a mesma Jurisprudencia parece ser uma das suas mais uteis applicações. — Com tudo não sei se esta refórma não poderia mais utilmente esperar uma alteração mais geral que me parece necessario fazer nos estudos da nossa Universidade. Sendo uma dellas o admittir a possibilidade de combinar diversos cursos de estudos variados sem se restringir a seguir absolutamente nenhuma Faculdade, e servindo estes curtos para formar habilitações para os empregos publicos. Systema este já adoptado em outras Universidades, como por exemplo as da Alemanha, aonde se podem combinar estudos seguindo Aulas separadas de faculdades diversas, e donde resulta que o Magistrado, o Administrador, o Financeiro podem estudar o que lhes possa ser util, sem se sobrecarregar de estudos inuteis.

A creação de uma Cadeira de Economia-politica é de certo uma boa substituição a uma das Cadeiras supprimidas, assim como se póde dizer da nova de Direito Commercial; mas o que me parece inteiramente fóra de rasão é tornar obrigatorio para todos estes estudos, que podem não ser necessarios a muitos, sendo porém sim um motivo de preferencia para aquelles que os tiverem adquiridos.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Tenho muito pouco que dizer, havendo pedido a palavra, quando ouvi ao Sr. Sarmento fallar em retirar o Projecto, para lhe rogar que o não fizesse; além de que, julgo não está já auctorisado a fazelo, porque a Proposição agora é o parecer unanime de uma Commissão; e mesmo não supponho houvesse rasão para isso, porque as objecçõens que se tem appresentado são, a meu ver, as de uma discussão de boa fé, tractada com toda aquella polidez que exíge o decóro da Camara, e com a seriedade que pede a importancia da materia, a qual, por outra parte, não é de naturesa a desinvolver paixões. — Não estamos por ora discutindo os Artigos, e quando isso tiver logar, poderão entrar em consideração os motivos que possa haver para os supprimir ou sustentar: por agora creio que a questão geral se reduz a ponderar se convém no momento actual effectuar uma reforma parcial na Universidade de Coimbra; e claro está que o Governo ou as Camaras hãode tomar uma iniciativa no plano geral de estudos, não só para os diversos Cursos da Universidade ou Universidades (porque não sei se haverá mais de uma) mas igualmente para os primarios, e em geral para a Instrucção Publica: este plano não é do que presentemente se tracta, e a questão vem a ser unicamente se a reforma parcial que se propõem terá ou não objecçõens; considerada como um primeiro passo dado para a reforma da Universidade; quer dizer, se quaesquer que sejam as resoluçõens que depois se adoptem, convém ou não antecipalas por esta primeira medida: eu inclino-me a julgar que sim, e portanto approvo o Projecto na sua generalidade.

O Sr. Margiochi: — Nunca foi o meu sentido o destruir este Projecto, porque o mais sinceramente pedi explicações que me tem sido muito uteis; e agora convenho ma suppressão das tres Cadeiras, e em tudo, menos na Cadeira de Direito Commercial, mas que em logar desta se estabeleça antes uma de Administração; convenho mesmo em que se admitta já, porque não faz mais despeza; e opponho-me principalmente a que se retire o Projecto.

Julgada a materia sufficientemente discutida, foi a Proposição posta á votação em geral, e approvada.

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Passou-se depois a discutir o seguinte

Artigo 1.º Ficam supprimidas as tres Cadeiras Analyticas de Direito Patrio, Romano, e Canonico, nos Cursos das Faculdades juridicas da Universidade de Coimbra; e em logar dellas se criarão outras tres, a saber: uma de Hermeneutica juridica com applicação a cada um daquelles tres Direitos; outra de Elementos de Economia-politica; e outra de Principios de Direito Commercial.

Abriu a discussão, e disse sobre elle

O Sr. Margiochi: — A minha opinião, quanto a este primeiro Artigo, é que, era logar de uma Cadeira de Direito Commercial se estabeleça uma de Administração Publica, que ainda não temos em Portugal, e que abrange tantos conhecimentos, e que por isso me parecia mais util. — Temos um Codigo de Commercio, e a experiencia tem mostrado que elle prova muito bem, e que os conhecimentos de Direito Publico são bastantes para o applicar, e então não vejo a necessidade de crear esta Cadeira.

O Sr. Gyrão: — Não posso deixar de apoiar o Digno Par que me precedeu a fallar: se nós temos pouca gente que intenda de Economia-politica, ainda temos menos quem intenda de Administração; é então necessario que haja uma Cadeira onde se ensine o que isto é. Eu tambem votava pela Cadeira de Direito Commercial; porém como se diz que isto não é uma obra perfeita de reforma, então estabeleçamos desde já, aquillo que parece ser mais preciso, e o resto póde ficar para quando se fizer a reforma que se espera na Universidade. Por tanto apoio com todas as minhas forças a opinião do Digno Par o Sr. Margiochi.

O Sr. Conde da Taipa: — Não posso saber como se ensine Administração; hade haver um Codigo Administrativo, assim como um Codigo Civil, outro Criminal, etc., hão de marcar-se as differenças de cada um destes objectos, mas ensinar a administrar, isso de modo nenhum póde ser. Quando ha um homem de idéas geraes e de bom juizo, eis-ahi de quem o Governo poderá fazer um Administrador, ao qual a experiencia venha a completar; mas ensinar alguem a isso, torno a dizer que é impossivel. E de mais, onde existe o Compendio, quaes são as regras desta Sciencia? Não vejo nenhuma destas cousas: porque o individuo que fosse bom Administrador em França ou em Inglaterra, não o seria talvez em Portugal, nem agora, nem quando a Administração estiver devidamente montada: por ora ainda está tudo no ar; e então dever-se-ião chamar Professores para ensinarem uma Sciencia Dulcinea, ou que não existe? (Riso.)

Prefiro por tanto a Cadeira de Direito Commercial, de que falla o Artigo, pela achar muitissimo necessaria; pois que aquelle Direito comprehende as regras de Justiça applicadas a uma specie de Commercio; porque o Direito Civil versa tambem sobre Commercio, mas com applicação restricta, entretanto que o Direito Commercial diz respeito ao Commercio propriamente de transporte: ora, os homens interessados nisto, acharam tanto a necessidade deste estudo, (não sei se bem ou mal, porque não intendo muito da materia) que vão estabelecer uma Associação Commercial em Lisboa, e segundo me disseram, o Juiz de Primeira Instancia do Tribunal vai explicar as materias Juridicas na sua applicação ao Commercio; de maneira que uma associação particular, é que vai fundar em Lisboa este ensino. — Ora digo eu que se a Cadeira de Direito Commercial se estabelecer em Coimbra, será isso de muita utilidade, a fim de dar idéas exactas e speciaes aos homens que tiverem de julgar Causas de Commercio: mas Cadeira de Administração, essa, em quanto me não mostrarem regras da Sciencia escriptas, emquanto não vir os cadernos por onde ella se hade aprender, não sei que se possa ensinar: o homem Diplomatico ou Administrador não póde aprender senão pelo grande livro do Mundo, que é onde se acham as regras daquellas duas Sciencias, e depois de muita experiencia fazer uso della, augmentando-a com bom juizo. — Por consequencia, voto pela Cadeira de Direito Commercial, que acho de bem intendida utilidade, e contra a de Administração, opinião que sempre sustentarei, ou ao menos em quanto me não convencerem de que é Sciencia que póde ensinar-se, o que nego.

O Sr. Gyrão: — O Digno Par diz que esta Sciencia se não ensina, mas que se aprende; ora se ella se aprende, decerto se hade ensinar. — Como é que se aprende Economia-politica! Lendo as differentes Obras que ha a este respeito, e outros querem que se aprenda fazendo de todas ellas um Compendio. — O mesmo digo a respeito de Administração, e tambem se tem escripto muito sobre ella, e então póde fazer-se um Compendio de suas doctrinas, e aprender por elle: em França ha muito que se estuda esta Sciencia; Bonin e outros tem escripto muito boas Obras: os Belgas tambem estudão Administração; por tanto assento eu que se póde de tudo isto ver qual é o melhor; e estudar por esse methodo, que se ensina não tem duvida nenhuma. Por consequencia uma vez que se hade crear uma Cadeira, seja antes a de Administração, que posto não tenha logo muita perfeição, porque todas as cousas tem o seu principio; esta é de muita utilidade; a de Commercio tambem, mas póde ficar para depois, porque aquella é de muito mais interesse.

O Sr. Sarmento: — Visto que o Projecto se vai discutindo é do meu dever sustentar este Artigo, conforme a redacção, que propoz a Commissão. — A execução de toda a Legislação de qualquer Nação, quasi que constitue o que se intende por Administração; mas o que a este respeito existe em França não vale para Portugal, como bem disse o Sr. Conde da Taipa, porque a Legislação de um Reino é differente da dos outros. É um engano querer suppôr que ha homens sabios estudando sómente Leis geraes, sem terem o trabalho de se darem ao estudo de Direito, ainda que delle se não faça profissão, porque o Direito é, e hade sempre ser, a base da Sciencia Administrativa. — Esta Sciencia é muito difficultosa, porque leva muito tempo a aprender practicamente, e igualmente, porque é preciso saber não só as Leis geraes, mas tambem as particulares de uma Nação; a differença do Administrador ao Jurisconsulto, é que este desce a pontos speciaes, e aquelle tracta-as em geral. É pois de necessidade que uns, e outros tenham conhecimento da Legislação. Como fez Napoleão os seus Administradores! Admittindo-os antes ao Conselho d'Estado, onde se discutiam com

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o maior cuidado as questõens mais delicadas; e então, depois de certo numero de annos deste serviço, é que os empregava. Não entrarei agora no exame da bondade do systema de Napoleão; sei que todos os empregados delle eram, mais ou menos, para vigiar o espirito publico, até dentro dos logares mais reconditos. Napoleão carecia de um systema particular, porque tinha de vigiar os partidistas da Dynastia depois restaurada; mas como era necessario dar um nome pomposo áquella specie de Intendencia, por isso se lhe chamou Administração: cousa similhante não a houve ainda em Paiz algum. O que em Inglaterra é obra do Grande Jury, como Conselho dos grandes proprietarios de Comarca, aonde se desinvolve a força municipal para as empresas, e obras publicas, em França estava dependente do centro do Governo. As consultas para se edificar a Igreja da Magdalena em París, foram ter ao campo aonde estava o Imperador em Tilsit, para elle dar a sua decisão sobre a planta, e fórma do edificio de um Templo: com este exemplo se apontam outros. Desta fórma nem uma ponte se concertava sem que o Chefe do Estado tivesse disso conhecimento: mas isto está muito longe de ser bom.

Peço aos Dignos Pares que leiam Jovellanos, que é o pae da doctrina, economica Peninsular; elle é de opinião que os Administradores sejam as principaes pessoas dos districtos, como mais interessadas na prosperidade delles, não se podendo fazer grandes estabelecimentos sem o seu concurso. Já os Romanos deixavam ás Cidades, a quem esses estabelecimentos pertenciam, o cuidado da administração das contribuições a esse fim lançadas, tendo em vista que as cousas se fizessem segundo o gosto de quem nellas despendia.

Actualmente tem apparecido um systema novo, consistindo em querer forçar os homens a serem excellentes em tudo, sem todos os conhecimentos necessarios, e isto mesmo tem tido logar no que se chama Administração. Mas restringir-me-hei mais á questão.

Eu tractava de organisar as Faculdades de Direito, e dizia que convinha estabelecer nellas as disciplinas indispensaveis, porque emfim é preciso confessar que um dos males de Portugal é olhar com indifferença tudo o que não são os primeiros logares, do Estado; molestia dos tempos em que vivemos, o principio da falta de harmonia entre os diversos empregados. — Ora tractando eu de estabelecer um systema de formar bons Lettrados, e bons Juizes, não podia deixar de dar attenção ao estudo do Direito Commercial. Para julgar as causas que delle dependem não bastam os conhecimentos, que se devem suppôr em um Jurado; as Leis do Commercio tem grandes difficuldades, e em sua applicação podem ser modificadas por acontecimentos de uma natureza tal, que se não dão nas outras. Ha circumstancias que é indispensavel ter em vista, e segundo as quaes, sómente o estudo póde qualificar os Juizes, depois de muitos esforços. Por tanto o estabelecimento de uma Cadeira desta specie é muito util, para habilitar tanto o Juiz como o Advogado a ficarem bem instruidos na materia com facilidade, e em pouco tempo. Peço á Camara não queira illudir-se suppondo que a recta decisão das Causas Commerciaes depende só de um bom Jurado.

O Direito Commercial é uma parte do Direito geral com algumas regras privativas, tiradas da specie a que é dedicado: é conveniente ver o muito que a este respeito estão adiantados os Francezes e Inglezes, onde tem havido Escriptores que tem tractado particularmente da materia em questão, não mencionando os Alemaens, e os Italianos com particularidade. Parece-me pois que o Artigo póde passar como está; inculcar este estudo não é novidade; alguns dos antigos Jurisconsultos escreveram sobre o assumpto; Heineeio não se esqueceu, entre os seus muitos Tractados Elementares, de dedicar o seu amor a escrever Compendios, deixando um Tractadinho de uma das partes deste Direito, sobre que tambem se encontra alguma cousa no mesmo Martini, quando expôz os primeiros elementos do Direito Natural. O Direito Commercial tem caracteristicas particulares, que fazem se não confunda com outro algum; e como a Nação Portugueza não póde aspirar a outra cousa de maior proveito que não seja o Commercio, será conveniente aperfeiçoar quanto com elle tenha relação; não iremos agora colher palmas no Oriente, em que se empregava a nossa antiga Nobreza, hade ser o ramo mercantil quem hade levantar Portugal ajudado das possessõens que temos, e da nossa posição geographica: logo tudo que tender a favorecer aquelle ramo, ainda que seja remotamente, deve merecer a attenção dos Legisladores, principalmente se se refere a uma cousa de tanta importancia, como um ramo da Sciencia, que tem por objecto dar a cada um aquillo que é seu. As actuaes circumstancias do Commercio differem muito das do antigo em que quem o exercitava era como um cosmopolita; hoje é uma das profissões mais honradas, e para ser Commerciante é necessario ficar subjeito a certas regras, e habituar-se ao estudo com a practica da Justiça: por consequencia o Direito Commercial é tão preciso como outra qualquer applicação, não sómente para o Juiz, e para o Advogado, como para o Commerciante, que pretende empregar-se com honra, e proveito.

Sustentando ainda o Artigo, accrescentei que a minha intenção foi que na Universidade estudassem pessoas, que por isso ficariam habilitadas para poderem ser melhores Administradores do que os que ha em alguns logares, por isso mesmo que é difficil estabelecer em que consiste verdadeiramente a administração; mas seja como fôr, hade fazer parte della o amplo conhecimento das Leis, e a sua applicação nos diversos tempos, cousa para que não bastam superficiaes noticias, e a que não poderá satisfazer quem apenas estudasse um Folheto de cento e tantas paginas. Um bom Ministro creio deverá saber mais alguma cousa; e tanto mais servirá quando aconteça ter algumas noticias practicas dos Paizes Estrangeiros, que é o que constitue a verdadeira differença entre o Administrador, e o puro Jurisconsulto: assim é muito bem intendido o preferir para as Administrações aquelles Estudantes, que á similhança dos de Alemanha, depois de estudarem a Legislação Patria, vão a Inglaterra, e á França, assim como os destas duas Nações, que se não contentam com os conhecimentos adquiridos nas suas respectivas Patrias. — Concluo, restringindo-me ao ponto em discussão, que o meu fim não foi outro senão aperfeiçoar Juizes, e Advogados, e não formar um vivei-

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ro de individuos, para serem Administradores, ou Secretarios d'Estado. Tractem os primeiros do desempenho das suas ponderosas obrigações, ou quando defendam uma Causa, ou quando tenham na mão a balança da Justiça, que eu lhes affianço que os seus serviços não serão menos meritorios que os dos ultimos, e não deixarão de se habilitar para bons Administradores, adquirindo o habito de olharem para o desempenho dos seus deveres, segundo as regras inalteraveis da justiça, e da equidade.

O Sr. Conde de Linhares: — Levanto-me para apoiar a conservação da Cadeira proposta, e caso que pareça util que se estabeleça outra em que se ensinem principios de Administração publica, nem por isso se devem subjeitar os que nella estudarem como meio de habilitação, a seguirem um curso completo de Jurisprudencia, pois esta lhes roubaria tempo que poderiam applicar mais utilmente a quem deve adquirir variados conhecimentos em outras Sciencias mais necessarios á Administração publica, visto que as funcções judiciarias não são de maneira alguma as administrativas. Se fosse a intenção crear esta Cadeira na Universidade e reunila a faculdade Juridica debaixo do ponto de vista de regularidade de disciplina economica da mesma, eu proporia com tudo, que posto que reunida ella se considerasse como independente assim como a de Economia-politica, até pela difficuldade que poderia achar-se de não haver um Lente com aptidão particular para reger estas novas Cadeiras, que de facto nem fazem parte da Sciencia da Jurisprudencia, nem tão pouco devem ser aprofundadas por aquelles que se dedicam a ensinar esta Faculdade. E por tanto creio que não haveria inconveniente que fossem reger estas Cadeiras aggregadas, individuos idoneos e convenientemente instruidos nellas, posto que não fossem filhos das Faculdades de Direito; sendo igualmente livre aos Estudantes o frequentalas quando assim lhe convenha.

O Sr. Conde da Taipa: — Quando eu disse que votava contra esta Cadeira de Administração, era porque se não podia estabelecer como a de Economia-politica. O Sr. Gyrão diz que sim; ora eu sempre desejava que elle me definisse o que é isto que se chama Administração; Economia-politica está já bem definida; é a Sciencia que tracta da producção, disposição e consumo dos valores; tem regras certas, e por isso se póde ensinar, porém Administração, não sei como isso possa ser. O Administrador é um homem delegado do Governo, que tem que pôr em practica certas Leis, este empregado, no Systema Constitucional não é outra cousa senão aquelle que vigia sobre a segurança Publica; que tracta dos Recrutamentos, assim como dos rendimentos Publicos, e das Obras que são da utilidade geral do seu Districto: isto não se pode fazer de um rapaz que sabe lêr, escrever, e contar, para depois vir aprender Administração; isto não é ensinar-lhe a Lei do Recrutamento; é preciso outros conhecimentos; é necessario um homem feito e desses que apparecem formados pela natureza, e com muita applicação pode vir a ser grande cousa; mas, diz o Digno Par, que ha gente que tem escripto sobre isto, entre elles um foi Bonin; por este não quero eu que se aprenda cá, porque todo o seu systema é contra a Carta; é um homem que escreveu seguindo o systema de Bonaparte, e depois cantou a palinodia, disse que tinha escripto assim, porque era para aquelle tempo. E quer-se que nós vamos estudar por aquelle sugeito! Portanto digo que esta Cadeira se não póde estabelecer, porque não ha cousa sobre que ella recáia; o que não acontece com o Direito Commercial, porque este pode ensinar-se. — Depois ainda ha outra cousa: até agora ía um rapaz para a Universidade, não estudava nada, mas fazia muitos cumprimentos aos Lentes, e vinha de lá com muito boas informações que importavam dizer = este rapaz vai apto para ser Corregedor, era feito logo o Sr. Corregedor sendo um tolo muito grande, e entra a fazer asneiras, decidindo de vidas, honras e fazenda; aconteceria agora o mesmo com a Cadeira de Administração; vai um rapaz aprender, está lá certo tempo, e depois vem um perfeito Administrador: está claro que não sabia nada; era outro tolo como o Corregedor de que fallei; mas como tinha estudado um anno e lido Bonin, não faltaria quem lhe chamasse um grande Administrador. — Não, Senhores, para isso é necessario que tenham Sciencia mais forte; quero que adquiram experiencia, que augmentem as idéas geraes que tiverem obtido, que sejam probos e que estejam na opinião, para governar os outros: sem estes requisitos não póde haver Administrador, não digo já bom, mas soffrivel.

O Sr. Gyrão: — A palavra para uma explicação. — Eu não disse positivamente que a Sciencia da Administração se aprendia por Bonin, fallei em mais algum Escriptor, e disse que deviamos olhar ás nossas circumstancias. Das melhores cousas se podem os preversos servir para máos fins. Porque os Jurados no tempo de Pericles e de Scylla Serviam a tyrannia, segue-se que hoje se deva dizer mal dos Jurados? Certamente não. — Se me fosse licito fallar outra vez sobre a materia, eu entraria no exame do que é Administração, a qual principiando em França no tempo da Convenção, quasi todas as Nações a adoptaram; ella não tem nada de má. Concluo que, sendo necessario, eu defenderei esta opinião por escripto.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Esta questão é puramente de preferencia. A Secção de Instrucção Publica propõem se estabeleça na Universidade uma Cadeira de Direito Commercial, em logar de uma das outras tres supprimidas; e ha uma emenda para que aquella seja substituida por outra de Administração. — Ouvi dizer, e parece-me que com bastante rasão ao Sr. Sarmento, que o Direito Commercial devia formar uma parte do estudo dos Jurisconsultos; não me opponho por tanto a que se approve a ultima parte do Artigo 1.º

Levantei-me tambem para protestar contra uma quantidade de sophismas, que ouvi proferir relativamente á Sciencia Administrativa, duvidando-se até se tal nome lhe competia: eu digo que Sciencia é tudo que se póde reduzir a systema, porque todos os systemas se podem ensinar e aprender; a Sciencia Administrativa é a Sciencia do Governo, e os Administradores são os que governam em segundo ou terceiro grão; por consequencia toda aquella parte das nossas Leis de que são executores, toda a parte da nossa Constituição que joga mais directamente com as suas funcções Administrativas, tudo isto póde bem

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reduzir-se a certas regras, ou a certo systema que se ensine; e póde-se accrescentar a estas cousas alguma instrucção sobre finanças e policia. O Digno Par o Sr. Conde da Taipa, dizendo que a Sciencia Administrativa se não podia ensinar, fez uma relação, elle mesmo, das funcções dos Administradores; tudo isto é susceptivel de se aprender, e por tanto de se ensinar. — Se alguem dissesse que no caso em que o individuo que se applicasse a esta Sciencia, sendo um imbecil, estava apto só por aquelle facto para se lhe encarregar o Governo, dizia-se um absurdo; mas que lhe faça mal ter mais algum estudo special da Sciencia Administrativa (e digo Sciencia, porque o é sem duvida) seria não menos absurdo; isso torna-se mais necessario em Portugal depois que a divisão dos Poderes constituiu um delles as Auctoridades que são puramente Administrativas: até agora quem queria ser alguma cousa em Portugal, formava-se em Direito, esse tempo acabou; este estudo fica para as pessoas que se destinam a ser Juizes, e um Portuguez, a qualquer classe que pertença, se ambicionar ser empregado nas diversas Repartições do Estado, que não forem Magistratura, póde, e deve esperalo sempre que tenha capacidade, ainda quando não seja formado em Direito. Concebo que para ser bom Administrador é conveniente ter idéas geraes, como se disse, das Leis do Paiz, mas isto basta até certo ponto, sendo utilissimo e preferivel que se tenham outras idéas particulares sobre o mechanismo da Administração: finalmente julgo que convirá mais reservar esta questão para quando se tractar um plano geral de estudos, e talvez mesmo que estas Cadeiras possam, com mais conveniencia, estabelecer-se antes em Lisboa do que em outra parte do Reino.

O Sr. Conde da Taipa: — Ha cousas que, como já disse, se não podem ensinar; o Digno Par o Sr. Duque de Palmella tem fama de ser bom Diplomatico, mas se lhe dissessem = ensine Diplomacia a este homem = eu quereria ver como Sua Ex.ª principiava: o mesmo Chesterfield nunca poderia dar regras para isso, porque são cousas que se não ensinão, aprendem-se, assim como ao Digno Par ninguem o ensinou, aprendeu com a experiencia. O que faz o assumpto da Administração tem muito pouco de positivo, que se reduz a quatro ou cinco regras; o resto depende do modo de encarar, e analisar certas relaçõens, para o que tambem concorre muito o gosto, e outras circumstancias de quem se quiz habilitar para um dia ser bom Administrador. Por conseguinte só um homem de bons estudos geraes, aos quaes una muita meditação, é que póde comprehender esta Sciencia, mas ensinala é tão impossivel como é ensinar Diplomacia: manda-se um individuo para uma Côrte, e elle vai aprendendo pelos factos que observa, ninguem lhe ensina cousa alguma, porque nestas cousas, como em outras muitas, o unico mestre é a experiencia; e todo aquelle homem que não fôr bom observador dos factos, e das suas diversas relações, nunca será bom Administrador. Nós temos visto ha pouco tempo, individuos com muitos e bons estudos serem peiores Administradores do que outros que não tendo estudado tanto, aproveitaram mais pelo lado da discripção: mesmo entre nós apparecem estes fenomenos, e a rasão disto é porque o homem por mais tempo que consuma em estudar Auctores, como a materia não é positiva, nunca hade tirar tanto partido, comparativamente com outro a quem Deus deu mais discripção para dos proprios factos tirar a totalidade das doctrinas geraes que se não encontram em Compendio algum. Concluo asseverando que os homens que forem estudar esta Sciencia hãode acabar o curso della, como se nunca tivessem principiado.

Julgada a materia sufficientemente discutida foi o Artigo 1.º posto á votação por partes, e ficou approvado tal qual se achava.

O Sr. Sarmento: — Tinha a pedir ao Sr. Conde de Linhares, appresentasse o seu additamento para que estas Aulas fossem abertas a todos os Estudantes das Faculdades de Direito: creio que no Discurso do Digno Par ouvi emittir esta idéa.

O Sr. Conde de Linhares: — Eu não propuz additamento algum, só disse que me parecia dever ser permittido aos Estudantes o frequentarem estas Aulas se quizessem.

O Sr. Bispo Conde: — Isso é o que acontece, porque as Aulas não estão fechadas a quem lá quer ir.

O Sr. Sarmento: — Como sómente nas Aulas das Faculdades de Philosophia e de Mathematica é que havia tres classes de Estudantes, não havendo uma explicação póde ser que esta Lei tenha de soffrer algum inconveniente por falta de clareza; e por isso seria bom que estas Cadeiras podessem ser frequentadas por voluntarios, sem serem obrigados aos Actos do 4.º, 3.º, 2.º e 1.º anno; e até me parece que deveria adoptar-se, como medida geral, que todas as Aulas da Universidade podessem ser frequentadas por Estudantes sem matricula, nem obrigação de fazer Actos; sendo isto um meio proprio, para alli generalisar os conhecimentos humanos.

O Sr. Conde da Taipa: — Creio que nesta Lei se poderá determinar o mandar abrir uma Aula de Chimica em Lisboa. Quando Luiz Mousinho estabeleceu na Capital a sua Aula, resultaram disso muitas vantagens, e até se estabeleceram fabricas de productos chimicos em diversos logares, e começaram a sahir da Industria Portugueza cousas que até esse tempo recebiamos dos Estrangeiros; podem por tanto alcançar-se as mesmas vantagens se esta Aula se abrir de novo: tenho ainda a fazer mais uma observação.

O Projecto diz que a Cadeira de Economia-politica seja regida por um Lente da Faculdade de Leis. — Não acho conveniente esta clausula: se houver um individuo (ainda que estranho ás Faculdades) muito capaz, o qual se possa encarregar de reger esta Cadeira, não sei porque motivo hade ficar excluido disso; nem me parece conveniente que se negue este exercicio a um homem habil, só porque não faz parte da Aristocracia da Universidade.

O Sr. Sarmento: — Ainda que esta ultima specie pertence propriamente á discussão do Artigo 2.º, direi, não obstante, que a idéa da Secção a este respeito teve unicamente por base a economia da Universidade; além disso eu conheço alguns Lentes destas Faculdades, pessoas de muita sciencia, e capazes de se encarregarem do ensino da Economia-politica, de que estou persuadido darão perfeitamente conta.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Ainda que actualmente se não tracta de objecto im-

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mediatamente ligado com a proposta do Digno Par, sobre a Aula de Chimica, observarei sempre que para o estabelecimento dessa Aula ha algumas difficuldades, e que uma dellas consiste em achar um Professor habil, mas em fim devem superar-se: nesta parte não sou eu suspeito, porque tenho a satisfação de ter concurrido para se abrir a primeira Aula de Chimica que houve em Lisboa; com tudo parece-me que similhante determinação não póde ter logar na presente Lei.

Não se fazendo mais observação a este respeito, passou-se a discutir o seguinte

Artigo 2.º A Cadeira de Hermeneutica Juridica será regida por um Lente da Faculdade de Canones, e a de Economia-politica por um da Faculdade do Leis; e ambas ellas com a de practica Judicial formarão o estudo do quinto anno, commum ás duas Faculdades.

Sobre o qual disse

O Sr. Conde de Linhares: Restringindo-me a este Artigo farei algumas observações: elle diz (leu.) Em primeiro logar não vejo inconveniente em que seja um Lente de Canones que reja esta Aula; entretanto parece-me que seria melhor que fôsse um de faculdade de Leis; a cousa em si não póde appresentar outra consideração senão a da economia universitaria, pois sabemos que depois da reforma estas duas Faculdades são reguladas no mesmo espirito, comtudo tal haveria que quizesse ver nisto uma certa remeniscencia de influencia do Direito Canonico entre nós, e então como defferencia a opinião que se poderia ter nos outros Paizes a nosso respeito, julgo melhor que o seja um Lente de Leis. Reconheço igualmente que para reger a Cadeira de Economia-politica haverá na Universidade muitos Professores habeis, com tudo seria melhor deixar ao Governo a opção de provêr esta Cadeira por um individuo apto e habil, filho ou não da Universidade.

O Sr. Sarmento: — Acertou o Digno Par com a minha lembrança, que vem a ser, attribuir á economia da Universidade a disposição destas Cadeiras. Eu consagro o maior respeito, e uma particular veneração por aquelle estabelecimento, e sempre saudaria a Universidade com as expressões de alma mater. A Universidade de Coimbra estaria hoje a par das melhores dos outros Paizes, a não serem as nossas dissenções politicas; e por isso mesmo carece ella não tanto de reforma no methodo de seus estudos, como de protecção, para totalmente se não extinguir. — As Universidades em Inglaterra são como grandes acampamentos de Sabios; porém os estudos elementares, particularmente o de Direito, não sei que nas outras Naçõens se estudassem com mais proveito.

Eu não sou Canonista, estou fallando diante de um dos mais respeitaveis Professores desta Faculdade, o qual sabe que em Coimbra se ensinaram, as doctrinas Canonicas com a mesma perfeição com que se explicaram nas mais celebres Universidades de Alemanha; alguns dos Compendios tinham por Auctores Professores illustres de Vienna d'Austria.

Entretanto as cousas em Coimbra tinham ultimamente mudado no que era relativo a opiniõens; e nada mais extraordinario do que ver homens, que combateram o ultramontanismo por escripto, terem depois a fraqueza de se tornarem apregoadores desse mesmo systema, que estava em contradicção com aquillo que elles tinham defendido; mas isto é antes desgraça do que contradicção de opiniõens. — Ainda que não desejo cançar a Camara, direi que o Direito Canonico, posto não seja uma Sciencia Juridica, que se possa comparar ao Direito Civil, todavia por circumstancias particulares, e por que o seu estudo se mistura com o da Historia Ecclesiastica, e esta com a Historia Politica do Mundo desde o estabelecimento do Christianismo, por estes motivos um mero Canonista tem mais vantagens do que aquelle, que unicamente se tiver dedicado ao Direito Romano: por isso me parece que a Cadeira de Hermeneutica Juridica deverá ser regida por um Lente da Faculdade de Canones; e até por outra rasão, e é que a Economia-politica, e o Direito Commercial pertencem de algum modo á Faculdade de Direito Civil; por quanto o fim do Direito Canonico, póde dizer-se que está incluido entre aquelles objectos, que formam o dominio espiritual da doctrina christan, e tanto a Economia-politica, e o Direito Mercantil, são inteiramente deste Mundo. A materia daquelle Direito parece ter mais relação com o objecto da Cadeira de Hermeneutica, do que com o de cada uma das outras duas de que tracta o Artigo, e por isso deve ficar pertencendo á Faculdade de Canones, principalmente quando estamos na collisão de fazer esta escolha. Se fosse em principio geral, ou se tractassemos de fundar, ou reformar a Universidade, então talvez que a Cadeira de Hermeneutica fosse susceptivel de estabelecer-se em outro pé; mas subjeitos, como estamos, a uma reforma parcial, e que quasi não merece este nome, persuado-me que não póde dar-se-lhe collocação mais natural do que aquella de que tracta o Artigo.

Julgada a materia sufficientemente discutida, foi o Artigo [2.º] posto á votação, e approvado como está no Projecto.

Sem discussão foi tambem approvado este

Art. 3.º A Cadeira de Direito Commercial será regida por um Lente da Faculdade de Leis, e fará parte do Estudo do quarto anno juridico commum a ambas as Faculdades, passando a Cadeira de Historia Ecclesiastica para o segundo anno juridico, onde tem o seu proprio assento.

Lido o seguinte

Art. 4.º As Congregações das respectivas Faculdades proporão os Compendios que lhes parecerem mais proprios para o ensino dos Elementos de Hermeneutica Juridica, de Economia-politica, e de Direito Commercial, os quaes serão approvados pelo Governo.

Disse a respeito delle

O Sr. Sarmento: — Depois de ter lançado este Artigo, tive duvida se devia ser inserido na Lei, por me parecer regulamentar. Eu tenho sempre punido tanto pela auctoridade das Camaras Legislativas como pela do Governo, dentro dos seus limites; e por isso sou ainda de opinião se deixe a cada huma das outras Auctoridades o que lhes pertencer. — Esta questão, de compendios pertence mais á Universidade do que ao Governo, e por tanto é melhor que intervenha nelles aquella do que este; até porque a influencia do Ministerio para com o ensino publico,

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deve unicamente ter logar quando haja abuso da parte de quem o exercita. Consequentemente poderá o Artigo supprimir-se: é uma copia do que appresentei em 1827 na Camara dos Senhores Deputados, e do qual um tanto depois me arrependi; agora deixo o seu destino ao prudente juizo da Camara.

O Sr. Conde de Linhares: — Eu não sei se este Artigo está redigido no espirito dos Estatutos actuaes da Universidade; não sei se as Faculdades tem direito de escolher, ou se devem consultar o Governo; se são obrigadas a consultar, então acho que é util deixar ir o Artigo tal como está; e se não é melhor defferir isso á Faculdade.

O Sr. Vice-Presidente: — Realmente o Governo sempre approva os Compendios que as Faculdades lhe propõem, os quaes ordinariamente já estão publicados; mas agora tracta-se de Compendios inteiramente novos, e por isso, talvez o artigo seja susceptivel de questão.

O Sr. Bispo Conde: — Nos Estatutos da Universidade ha alguns Compendios decretados; e ha outros a respeito dos quaes ficou ás Congregações das Faculdades a auctoridade de os escolher e formar de novo, sempre debaixo da intelligencia de serem approvados pelo Governo: esta ultima circumstancia me não parece inutil, porque ainda que o Governo se não deve metter em certas cousas, convém que tenha alguma ingerencia na Instrucção Publica. — Por conseguinte parece-me justo que as respectivas Congregações escolham os Compendios, ou adoptem outros que já estiverem feitos, mas sempre submettendo-os á approvação do Governo.

Julgada a materia discutida, ficou o Artigo approvado, tal como estava.

Aberta a discussão sobre o seguinte

Art. 5.º Para os exames do segundo anno tirarão os Estudantes Ponto em todos os tres Compendios que nelle se explicam; para os Actos de Bacharel em logar do Ponto de Historia Ecclesiastica o tirarão no Compendio de Direito Commercial; e para os Actos de Formatura, além do Ponto na Pratica judicial, atirarão tambem nos Elementos de Economia-politica, e no Compendio de Hermeneutica, principalmente na parte que depender da analyse dos Textos de Direito para illustração dos preceitos desta Arte.

Disse

O Sr. Sarmento: — Este Artigo está em combinação com o estado da Universidade depois da reforma de 1804; a sua materia, ainda que regulamentar, era preciso ir na Lei para intelligencia do antecedente. — Esqueceu-me ha pouco dizer, que os Compendios de Hermeneutica substituem a falta das materias que pertenciam ás Cadeiras Analiticas, que ora se supprimem.

Sem outra observação foi o Artigo 5.º posto á votação, e approvado.

Tambem o foram sem discussão os seguintes.

Art. 6.º Esta Lei só se porá em practica no principio do anno lectivo proximo seguinte, devendo desde já proceder — e á escolha, approvação, e se poder ser, publicação dos Compendios proprios para as Aulas novamente creadas, assim como á promoção dos Lentes Cathedraticos e Substitutos que as hãode reger.

Art. 7º Fica revogada toda a Legislação em contrario.

O Sr. Vice-Presidente: — A Secção proporá alguma cousa se lhe parecer relativamente á frequencia.

O Sr. Bispo Conde: — Na Universidade ha duas species de estudantes voluntarios; uns que vão ás Aulas porque querem ir, e outros que são matriculados e obrigados á frequencia, sem o que depois não podem passar a filhos da Faculdade; ora aqui não estamos neste caso, e por consequencia a matricula me parece perfeitamente escusada e inutil; mas a Commissão, se a Camara o determinar, póde dizer alguma cousa a este respeito.

O Sr. Conde de Linhares: — As minhas idéas reportam-se a um systema regulamentar universitario differente, do que está actualmente adoptado entre nós, e pelo qual os estudos se podem fazer mais livremente, quanto á maneira de os combinar, não sendo necessario seguir todos os de uma Faculdade para adquirir habilitações para diversos empregos; mas naturalmente estas cousas se hão de regular quando se reformarem os estudos.

O Sr. Margiochi: — Parece-me conveniente que estes voluntarios sejam matriculados para poderem fazer os seus exames, e tirarem um titulo, porque só assim se mostrarão habilitados.

O Sr. Borradas: — Como é indispensavel que elles façam um exame, necessariamente hãode matricular-se, porque sem isso o não podem fazer, e precisam a informação do exercicio que tiveram, e se frequentaram.

O Sr. Marquez de Loulé: — Eu pediria que esta questão voltasse á Commissão, e que ella ámanhan esclarecesse a Camara sobre o assumpto.

O Sr. Vice-Presidente: — A Commissão fica encarregada de appresentar a esse respeito aquillo que julgar conveniente.

Obtendo depois a palavra sobre outro assumpto, levantou-se e disse

O Sr. Conde da Taipa: — Eu queria perguntar o que se tem feito para a publicação do Diario da Camara, em consequencia da resolução que ha dias se tomou.

O Sr. Conde de Lumiares: — A Mesa ámanhan appresentará um Parecer, com o qual, se a Camara o approvar, se publicarão no dia immediato os extractos das suas Sessões; não vejo outro modo porque isto se possa conseguir, visto que não temos os meios que ha nas outras Nações, aonde se publicam no dia seguinte as Sessões inteiras; porém nós apenas poderemos appresentar extractos se a Camara adoptar o Plano que a Mesa terá a honra de propôr ámanhan, unico que achou exequivel.

O Sr. Conde da Taipa: — Nós estamos aqui tractando dos negocios Nacionaes, e é necessario que a Nação saiba do que nos occupamos: nas Provincias não se sabe o que aqui se passa, e por isso nem sabem que ha Camara dos Pares; devemos pois empregar todos os meios para que se publiquem as nossas Sessões; este é o unico motivo que tenho para pedir, e instar em que se observe a deliberação que a Camara tomou sobre este assumpto.

O Sr. Conde de Lumiares: — A Camara ámanhan verá se adopta o unico meio que a Mesa julgou dever-se seguir para haver o fim desejado.

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O Sr. Sarmento: — Só sahiriamos deste embaraço se o Governo tirasse o titulo, que tem o Diario; que pagando a quem tira os apontamentos das Sessõens da outra Camara, não quer dizer ao publico o que nesta se passa. Dirão que não são tão interessantes que valha a pena de gastar com isso alguns mil réis: para remediar isto não póde, nem se deve empregar conselhos, porque é objecto, que só deve depender de vontade. O unico meio era, como já disse, tirar o titulo ao Diario do Governo, porque então talvez lhe fosse util publicar alguma cousa das nossas Sessões: mas isso não depende da Camara, e menos da Commissão, sim do Governo, se achar que lhe é indecoroso não pôr termo a essa apparencia de parcialidade de que usa um Periodico, que é verdade não é do Governo, e que tambem é verdade se intitula Diario do Governo.

O Sr. Secretario Conde de Lumiares leu um Officio da Presidencia da Camara dos Srs. Deputados, incluindo uma Proposição da referida Camara, sobre as informações semestres dos Officiaes, Officiaes Inferiores, e Aspirantes a Officiaes do Exercito. — Passou á Secção de Guerra e Marinha.

Foram recebidos com agrado, e distribuidos 40 Exemplares impressos de um Requerimento já dirigido a esta Camara pelo Marechal de Campo Sir John Milley Doyle.

O Sr. Vice-Presidente deu para Ordem do dia da Sessão de ámanhan, a ultima redacção da Proposição discutida hoje, o Relatorio da Commissão de Petições, e a discussão addiada do Projecto de Lei para o augmento dos Alumnos do Collegio Militar. — Tendo convidado a Secção de Legislação para se reunir ámanhan ás 11 horas, disse que estava fechada a Sessão.

Eram quatro horas dadas.

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