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DIARIO

DA

CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO PREPARATORIA EM 3 DE JANEIRO DE 1899

Presidencia do exmo. sr. Marino João Franzini

Secretarios — os dignos pares

Julio Carlos de Abreu e Sousa
Conde de Bertiandos

SUMMARIO

Feita a chamada, o sr. presidente convidou dois dignos pares a occuparem interinamente os logares de secretarios. — Foi lida na mesa a carta regia nomeando vice-presidente o sr. Franzini. — Procedeu-se á eleição simultanea dos secretarios e vice-secretarios da mesa. — Foi lida e approvada a acta d’esta sessão preparatoria.

Pelas duas horas e tres quartos da tarde occupou a cadeira da presidencia o exmo. sr. Marino João Franzini.

O sr. Presidente: — Convido os dignos pares srs. Abreu e Sousa e conde de Bertiandos a occuparem os logares de secretarios.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 19 dignos pares.

O sr. Presidente: — Vae ler-se uma carta regia.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

Carta regia

Marino João Franzini, do meu conselho, par do reino, ministro e secretario d’estado honorario. — Amigo. — Eu El-Rei vos envio muito saudar como aquelle que amo.

Tomando em consideração o vosso distincto merecimento, experiencia dos negocios publicos e mais circumstancias attendiveis que concorrem na vossa pessoa: hei por bem, tendo em vista o artigo 1.° do decreto de 27 de janeiro de 1887, nomear-vos para o cargo de vice-presidente da camara dos dignos pares do reino, para a sessão

legislativa ordinaria que ha de começar no dia 2 do proximo mez de janeiro.

Escripta no paço das Necessidades, em 26 de dezembro de 1898. = EL-REI. — José Luciano de Castro.

O sr. Presidente: — Não está na mesa a carta regia que nomeia o digno par sr. José Maria Rodrigues de Carvalho presidente d’esta camara. Far-se-ha a leitura d’esse documento quando s. exa. o apresentar.

Vae proceder-se á eleição simultanea dos secretarios e vice-secretarios da mesa. Convido os dignos pares a formularem as suas listas.

Feita a chamada, corrido o escrutinio e tendo servido de escrutinadores os dignos pares Fernando Larcher e conde de Paraty, verificou-se o seguinte resultado:

Foram eleitos para secretarios:

Julio Carlos de Abreu e Sousa............. 18 votos

Conde de Bertiandos...................... 17 »

Teve 1 voto o sr, conde de Tarouca.

Foram eleitos vice-secretarios:

Conde de Lagoaça....................... 17 votos

Luiz Antonio Rebello da Silva............. 17 »

O sr. Presidente: — Vae proceder-se á leitura da acta da sessão preparatoria.

Foi lida na mesa e approvada.

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N.º1

SESSÃO DE 3 DE JANEIRO DE 1899

Presidencia do exmo. sr. Marino João Franzini

Secretarios – os dignos pares

Julio Carlos de Abreu e Sousa
Conde de Bertiandos

SUMMARIO

O sr. presidente declarou que estava organisada a mesa da camara para a presente sessão, e nomeou a deputação que ha de ir participar este facto a Sua Magestade El-Rei. — Foi lida e approvada a acta da sessão de 4 de junho de 1898. — Mencionou-se o expediente. — O sr. presidente propoz que fossem lançados na acta votos de sentimento pelo odioso attentado de que foi victima Sua Magestade a Imperatriz da Austria e pelo fallecimento de Sua Magestade a Rainha da Dinamarca. O sr. ministro dos negocios estrangeiros associou-se a esta proposta em nome do governo. — A proposta do sr. presidente foi approvada por unanimidade, resolvendo-se tambem que da resolução da camara se désse conhecimento ás familias reinantes da Austria e da Dinamarca. — O sr. presidente, fazendo o elogio dos dignos pares fallecidos durante o interregno parlamentar, Jeronymo da Cunha Pimentel, Henrique de Barros Gomes, visconde de Valmór e arcebispo de Braga, propoz que se lançasse na acta um voto de sentimento pela morte d’estes illustres membros da camara, e que ás suas familias se désse conhecimento d’esta resolução. — Associaram-se á proposta do sr. presidente os srs. ministro da marinha (por parte do governo), arcebispo de Evora, Antonio Candido Ribeiro da Costa e Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro. — As propostas do sr. presidente foram approvadas por unanimidade. — O digno par Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro mandou para a mesa um requerimento, pedindo documentos pelos ministerios da fazenda e obras publicas. — O sr. presidente levantou a sessão, marcando a ordem do dia para a seguinte.

O sr. Presidente: — A mesa da camara dos dignos pares do reino está organisada para a sessão do anno de 1899. Vou nomear a deputação que tem de ir participar este facto a Sua Magestade El-Rei.

(Pausa.)

A deputação é composta pelos dignos pares:

Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Arthur Hintze Ribeiro.

Eduardo José Coelho.

Conde de Paraty.

Conde de Sabugosa.

D. João de Alarcão.

Conde do Alto Mearim.

Os dignos pares serão avisados do dia e hora em que Sua Magestade se digna recebel-os.

Vae ler-se a acta da ultima sessão do anno passado.

Leu-se na mesa e foi approvada sem reclamação.

Passou-se á leitura da seguinte

Correspondencia

Officio do sr. conselheiro José Luciano de Castro, datado de 3 do corrente, participando que, tendo Sua Magestade El-Rei, por decreto de 18 de agosto ultimo, concedido a exoneração do ministerio a que presidia, houve por bem o mesmo augusto senhor, por decreto da mesma data, encarregal-o da formação do novo gabinete, o qual ficou assim composto:

Presidente do conselho e ministro do reino, José Luciano de Castro.

Ministro da justiça, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral.

Ministro da guerra, o coronel do estado maior, Sebastião Custodio de Sousa Telles.

Ministro da fazenda, Manuel Affonso de Espergueira.

Ministro da marinha, Antonio Eduardo Villaça.

Ministro dos negocios estrangeiros, Francisco Antonio da Veiga Beirão.

Ministro das obras publicas, Elvino José de Sousa e Brito.

Á secretaria.

Sete officios da direcção geral do ultramar, remettendo nove decretos das côrtes geraes, autographos.

Á secretaria.

Officio do sr. ministro da fazenda, datado de 17 de dezembro de 1898, remettendo dezesete decretos das côrtes geraes, autographos.

Á secretaria.

Officio da direcção central do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, datado de 23 de julho de 1898, remettendo um decreto das côrtes geraes, autographo.

Á secretaria.

Officio do digno par Barbosa du Bocage, datado de 2 de janeiro corrente, communicando que, havendo deixado de fazer parte do conselho de administração da companhia de Moçambique, cessou o impedimento que o inhibia de tomar parte nos trabalhos da camara.

A camara ficou inteirada.

Carta da viuva de lord Gladstone, agradecendo a manifestação d’esta camara por occasião do fallecimento d’aquelle estadista.

Á secretaria.

Officio da presidencia do senado hespanhol, datado de 30 de novembro do anno passado, remettendo documentos parlamentares d’aquelle paiz.

Á secretaria.

Officio da direcção geral da secretaria da guerra, datado de 27 de dezembro do anno passado, remettendo os documentos de alguns officiaes inferiores do exercito, que desejam ser providos nos logares de correios a pé d’esta camara.

Á secretaria.

Officio do sr. presidente da camara dos deputados da Republica Franceza, datado de 15 de outubro do anno passado, pedindo dois exemplares do regulamento actualmente em vigor n’esta camara.

Á secretaria.

Officio da commissão do quarto centenario do descobrimento da India, datado de 2 de setembro, do anno passado, remettendo, da parte, e em nome do sr. governador

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de Macau, um exemplar de uma publicação sobre esta provincia ultramarina.

Á secretaria.

Officio da direcção geral de instrucção publica, datado de 7 de junho do anno passado, remettendo, em satisfação ao pedido do digno par Almeida Garrett, uma copia do officio do reitor do lyceu central do Porto.

À secretaria.

Officio do secretario geral da academia real das sciencias de Lisboa, datado de 2 de dezembro do anno passado, incluindo, cinco bilhetes para a sessão selemne que ali se effectuou a 11 do mesmo mez.

Á secretaria.

Officio da secretaria d’estado dos negocios da marinha e ultramar, incluindo informações da majoria general da armada e direcção da escola naval, pedidas em tempo pelo digno par Jeronymo Pimentel.

Á secretaria.

Officio da secretaria d’estado dos negocios da marinha e ultramar, datado de 2 de agosto do anno passado, pedindo lhe remetiam o decreto autographo pelo qual as côrtes geraes auctorisaram o governo a contratar com a companhia dos caminhos de ferro da Zambezia a construcção e exploração do caminho de ferro de Quelimane ao Ruo;

Á secretaria.

Officio do sr. ministro do reino, datado de 6 de junho do anno passado, remettendo a copia authentica do decreto pelo qual Sua Magestade El-Rei houve por bem determinar que se effectuasse no dia 4 do mesmo mez a sessão real, de encerramento das côrtes geraes ordinarias.

Á secretaria.

O sr. Presidente: — Durante o interregno parlamentar foi ferida por um doloroso acontecimento a familia imperial de Áustria. Sua Magestade a Imperatriz Izabel, Rainha da Hungria, succumbiu aos golpes de um cobarde e miseravel assassino. Tão monstruoso attentado encheu de indignação e profundo pezar todo o mundo civilisado, e veiu provar uma triste verdade: isto é, que ao passo que a civilisação material e o bem estar dos povos vão augmentando, não progridem parallelamente a educação moral e a doçura dos sentimentos. Se nos tempos antigos, em que as classes desvalidas jaziam sepultadas na mais negra miseria, e em que não havia o desvelo que hoje ha pelo seu bem estar; se tal miseria podia ainda, de certo modo, desculpar alguns crimes, hoje taes attentados são verdadeiramente monstruosos. Na verdade é triste que no seculo presente se possam dar casos de perversidade humana como o que victimou a excelsa e virtuosa princeza.

Creio que interpreto os sentimentos de toda a camara, propondo um voto de profundo pezar e reprovação por tão odioso attentado. (Apoiados.)

A familia real da Dinamarca soffreu um duro golpe pelo fallecimento de Sua Magestade a Rainha Luiza.

Creio interpretar tambem os sentimentos da camara propondo um voto de pezar por este infausto acontecimento.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Francisco Beirão): — Sr. presidente, pedi a palavra para me associar, em nome do governo, ás propostas que v. exa. acaba de fazer a esta camara, e que de certo estão no espirito e coração de todos os dignos pares.

O governo, em tempo, fez saber á familia imperial de Austria e á familia real da Dinamarca a parte que tomara no sentimento de dôr, que affligiu aquellas duas illustres familias reinantes; e profundamente lamentou o cobarde assassinio de que a excelsa Imperatriz-Rainha foi victima. Certamente que este monstruoso crime merecerá a condemnação d’esta assembléa, como a tem merecido de todo o mundo civilisado (Apoiados.)

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: — Creio que se podem considerar unanimemente approvadas as propostas que apresentei á camara e das quaes se dará conhecimento aos representantes da Austria e da Dinamarca n’esta côrte. (Apoiados geraes.)

Durante o interregno parlamentar soffreu a camara a dolorosa perda de quatro dos seus mais illustres collegas: os srs. conselheiro Jeronymo da Cunha Pimentel, conselheiro Henrique de Barros Gomes, visconde de Valmor e arcebispo de Braga, D. Antonio José de Freitas Honorato.

O conselheiro Jeronymo Pimentel, parlamentar illustre, dotado de notavel talento, possuia ao mesmo tempo uma inexcedivel bondade de alma. Exerceu com a maior distincção e vantagem para o paiz numerosas e importantes commissões de serviço publico, avultando entre todas a de director da cadeia central penitenciaria. No desempenho d’este espinhoso cargo, prestou o illustre extincto serviços relevantissimos, melhorando e aperfeiçoando o systema penitenciario, para o que publicou relatorios que constituem verdadeiros monumentos de sciencia panai, e cujas indicações têem sido aproveitadas no caridoso intuito de conseguir a regeneração dos criminosos e o bem estar social.

Creio que a camara deseja prestar a devida homenagem áquelle nosso illustre collega, cujo fallecimento todos deploramos. (Apoiados.)

Passou depois a camara e o paiz pelo desgosto do fallecimento do sr. conselheiro Henrique de Barros Gomes, um dos mais notaveis vultos da politica moderna.

Ainda bem novo, logo depois de completar os estudos superiores, viu Henrique de Barros Gomes abrirem-se-lhe as portas da academia real das sciencias com a publicação de um importante trabalho sobre uma das mais difficeis questões da astronomia, a das Paralaxes estellares; trabalho que mereceu os louvores de sabios estrangeiros.

Entrando depois na carreira politica, mostrou logo o seu brilhante talento como orador dos mais distinctos, revelando um vasto cabedal de conhecimentos, principalmente nas sciencias politico-sociaes; exerceu com notavel talento os cargos de ministro e secretario d’estado dos negocios da fazenda, da marinha e ultramar e dos negocios estrangeiros, prestando no desempenho d’estes elevados cargos os mais relevantes serviços, como o reconheceram não só os seus amigos, mas até os seus adversarios politicos, que fizeram justiça áquelle talento que tanto ennobreceu a patria. Se, infelizmente, os seus esforços para o desenvolvimento do nosso dominio colonial nem sempre foram coroados do melhor exito, isso foi devido a causas completamente alheias á sua vontade.

A opinião publica foi pouco justa para com o illustre extincto, o que lhe acarretou desgostos e pezares de alma que foram, de certo, a causa da doença que tão cedo o roubou á patria, que tanto amava.

A sua perda póde dizer-se que foi uma perda nacional (Apoiados) porque havia ainda muito a esperar d’aquelle brilhante talento. (Apoiados.)

Falleceu depois o sr. visconde de Valmór. Dotado de um caracter distincto e nobilissimo, sacrificou os melhores annos da sua vida no exercicio de importantes commissões diplomaticas. Representou o paiz com a maior distincção nobreza em varias côrtes estrangeiras onde esteve acreditado, e no desempenho d’estas difficeis commissões prestou serviços relevantissimos.

Nas disposições testamentarias com que falleceu, mostrou o seu grande amor ás bellas artes, deixando importantes legados para as desenvolver entre nós e para facul-

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tar aos que as cultivam os meios de poderem aperfeiçoar-se, frequentando as academias estrangeiras.

Lamenta a camara, de certo, a perda de tão prestante cidadão. (Apoiados.)

Por ultimo, falleceu o sr. arcebispo de Braga, D. Antonio José de Freitas Honorato.

Foi um illustre professor da universidade de Coimbra, que muito honrou o magisterio, superior, pelo seu elevado talento.

No cumprimento dos deveres da sua sagrada missão foi desvelado e caridoso protector de todos os desvalidos que a elles se achegavam, e distribuia os minguados recursos de que podia dispor em innumeras obras de beneficencia.

Assim logrou o nobre arcebispo ser em vida adorado pelos seus filhos espirituaes, e agora a archidiocese de Braga em luto e lagrimas deplora o passamento do illustre e virtuoso prelado.

Proponho, pois, que na acta da sessão de hoje se lance um voto de profundo sentimento pelo fallecimento dos nossos illustres collegas, e d’elle se de conhecimento ás familias dos extinctos. (Apoiados geraes.)

O sr. Ministro da Marinha (Eduardo Villaça): — Sr. presidente, os que foram grandes pelo talento, venerados pelas virtudes, amados pela bondade, não esquecem jamais, e a sua memoria, em vez de sumir-se nas profundezas do tumulo, ergue-se radiosa e perpetua-se na tradição dos povos e na historia das nações, apontando-os como um exemplo glorioso a seguir, como um nobre e elevado modelo a imitar.

A confirmação d’esta verdade está nas palavras sentidas e justas, proferidas pelo digno presidente, commemorando o passamento de alguns dos membros d’esta camara e na commovida manifestação com que esta as acompanhou, manifestação a que, em nome do governo, tenho a honra de associar-me.

Primeiro, foi Jeronymo Pimentel, esse parlamentar de honrosissimos serviços, partidario tão leal e dedicado como caracter integro e cavalheiroso, typo de verdadeiro portuguez, cujo nome fica vinculado para sempre ao estabelecimento do regimen penitenciario em Portugal. (Apoiados.)

Depois, ò visconde de Valmór, coração replecto do bondade, alma lavada de todo o pensamento ruim, cidadão virtuoso que toda a vida seguiu o caminho direito do dever e que na sua morte legou um grande ensinamento.

Diplomata de carreira, por mais afastado que o serviço publico o trouxesse da patria, era aqui, era entre nós que vivia o seu coração, e era pelo resurgimento artistico do seu querido Portugal que formulava os mais ardentes anhelos. (Apoiados.)

Em seguida, o venerando, prelado da augusta capital do Minho, D. Antonio José de Freitas Honorato; intelligencia elevada e culta, coração generoso e bom, cuja vida inteira foi a pratica constante e ininterrupta das mais puras virtudes christãs; digno continuador da obra de frei Bartholomeu dos Martyres e de frei Caetano Brandão. (Apoiados.)

E, por ultimo, referir-me-hei a Henrique de Barros Gomes.

Incomprehendido contraste das cousas humanas!

Que na morte tenha de haver tambem o que quer que seja de bom e consolador!

Desfazem-se então, até de todo desapparecerem, as sombras passageiras, que as paixões de uns e os preconceitos de outros raro deixam de accumular em torno das intenções ainda as mais rectas e das dedicações ainda as mais puras.

E os espiritos predestinados, despidos do seu involucro terreno, erguem-se á serenidade das alturas, onde se libram por momentos, antes de penetrarem nos humbraes da immortalidade.

Sr. presidente, tenho a honra de fallar pela primeira vez na camara dos dignos pares do reino, em cuja tribuna, hoje envolvida em crépes, têem echoado as vozes mais inspiradas e mais auctorisadas do parlamentarismo portuguez, assignalando-se em trechos de eloquencia de inestimavel valor, onde se não sabe por vezes que mais admirar, se a pureza impeccavel da dicção, se o alevantado dos conceitos, se o accendrado do patriotismo. E tenho de fazel-o em condições bem difficeis para o meu espirito e em circumstancias profundamente doloridas para o meu coração.

Ministro, porém, da pasta da marinha e das colonias, a que Henrique de Barros Gomes tanto queria e que tanto illustrou e engrandeceu com as fulgurações brilhantes do seu privilegiado talento, eu não podia eximir-me ao cumprimento de um verdadeiro dever nacional, associando-me á commemoração d’aquelle que foi um raro exemplo de virtude, de trabalho e de amor ao seu paiz.

Bem precisava eu de toda a serenidade da minha rasão e de concentrar todas as faculdades da minha intelligencia para poder esboçar, embora pallidamente, a estatura moral, intellectual e civica de Henrique de Barros Gomes, o nobre vulto que aqui pranteâmos, tão querido de todos nós, d’esse trabalhador indefezo, prematuramente caído no campo da lucta.

Do seu caracter direi apenas que, se houvessemos de reproduzir um tocante costume dos povos antigos, indo todos, parentes, amigos, correligionarios, adversarios e indifferentes, passar junto do sarcophago que encerra os seus ultimos restos e pronunciar o veredictum supremo ácerca d’aquelle que vimos de perder, uma só phrase profeririamos: Foi um justo e um bom, (Apoiados.)

Vozes: — Muito bem.

Fez do dever uma verdadeira religião. Se os seus labios, para sempre gelados pelo sopro da morte, podessem ainda descerrar-se, seria para nos dizerem: nada ha grande, duradouro, eterno n’este mundo, senão o dever. (Apoiados.)

É cedo ainda para que se possa definir a toda a luz da verdade, a influencia que Henrique de Barros Gomes exerceu na vida nacional durante o ultimo quarto de seculo. A outras vozes auctorisadas, que não a minha, e porventura a outra tribuna que não a esta, essa difficil e honrosissima tarefa. Pela minha parte, procurarei apenas accentuar os traços mais caracteristicos do politico, do parlamentar e do homem d’estado.

Henrique de Barros Gomes possuia uma intelligencia lucida e profunda, dotada ao mesmo tempo de uma admiravel facilidade de adaptação, e servida por vastissimo saber, accumulado mercê de um longo estudo, methodico e persistente.

Affirmou a sua competencia em muitos ramos dos conhecimentos Humanos, deixando em relação a alguns d’elles documentos de altissima valia.

Foi a um tempo mathematico distincto, economista abalisado, litterato primoroso, orador modelo e estadista de larga concepção e conselho seguro.

Era um crente fervoroso, o que o não impedia de ser nimiamente tolerante.

Raras vezes, organisação tão rica, completa e poderosa, teve ao seu serviço uma tão elevada intelligencia, tão recto e robusto criterio, tão maravilhosa flexibilidade. E, para que nada lhe faltasse, a natureza que tão prodiga foi com elle, dotou-o ainda d’essa singeleza e affabilidade, de todas as qualidades de coração que o faziam admirado e querido das pessoas que d’elle se approximavam.

Foi ministro de varias pastas, e em todas ellas deixou o rasto luminoso da sua rasgada iniciativa e da sua fecunda e austera administração.

Mas o traço dominante do perfil de Henrique de Barros Gomes, — é o seu amor entranhado ao torrão bemdito em que nasceu, é a sua crença arreigada nos destinos da pa-

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tria, é a sua fé inabalavel na existencia de um poder soberanamente bom, soberanamente justo, que não deixaria de premiar, por isso, as amarguras que o seu grande e generoso coração soffreu na aspera travessia da vida. (Vozes: — Muito bem.)

D’essas amarguras, a que, porventura, mais profundamente o feriu, foi a corrente de impopularidade, passageira, é certo, mas injustificada sempre, que o assaltou, quando se derruiram os planos luminosos e vastos, que a sua mente de estadista architectára em arroubamentos de enthusiasmo.

Para a realidade triste da vida acordou Henrique de Barros Gomes dos seus sonhos queridos, e nunca os sonhára mais risonhos alma patriota de portuguez.

Foi-lhe adversa a fortuna. Não venceu: ficou vencido. Comtudo a sua estatura não se amesquinhou, e hoje, á distancia a que já estamos d’elle, mais brilhante e mais elevado nos apparece o seu vulto. (Apoiados.)

É que, sr. presidente, acima da gloria, superior ao successo, mais alto do que a propria victoria ha ainda alguma cousa: — é o sacrificio. E Henrique de Barros Gomes viveu servindo a patria e morreu sacrificando-se por ella.

Menos feliz do que o soldado, que no campo de batalha encontra a morte instantanea e a gloria para sempre na baia mortifera do adversario, o politico, vencido muitas vezes por circumstancias fataes, mais poderosas que a maxima previsão, vae deixando nas garras da injustiça e nas prezas de paixões nobres, mas desvairadas de momento, os melhores fragmentos do seu coração, as mais puras gotas do seu sangue.

Henrique de Barros Gomes padeceu muito; mas o espirito depurou-se-lhe ainda no crysol do soffrimento, banhando-se-lhe a alma em effluvios de piedade e perdão, que o tornaram incommensuravelmente bom. (Vozes: — Muito bem.)

Esta foi a feição predominante, quasi exclusiva, dos ultimos annos da sua vida; e por isso a aureola do respeito publico e da admiração de um povo voltou a illuminar-lhe a fronte com uma luz mais intensa do que nunca; por isso é que o seu passamento foi um verdadeiro luto nacional e o seu prestito funerario assumiu as proporções de uma apotheose. (Apoiados.)

Sr. presidente, como parlamentar a camara sabe o que elle valia, de que poderosos e magnificentes recursos dispunha a sua palavra. Desde o despontar na vida publica até o seu occaso, que soberbos discursos, onde a elevação dos conceitos disputava primazias aos mais rendilhados primores da forma, onde a altivez de dizer, traduzindo a energia da convicção, tão harmoniosamente se casava com a aprumada fidalguia de quem sabia combater, mas de quem nunca soubera injuriar. (Apoiados.)

Foi aqui, foi nesta camara, que elle alcançou os mais assignalados triumphos oratorios. Ministro da fazenda com pouco mais de trinta annos teve logo de defrontar-se, no alvorecer da sua carreira parlamentar, com a fina dialectica de Andrade Corvo, com a competencia provadissima do duque de Avila, com a ironia acerada de Carlos Bento, com a eloquencia soberana de Fontes Pereira de Mello.

E isto para só fallar em alguns mortos e não melindrar a modéstia dos vivos.

Com o decorrer dos annos, com a experiencia dos negocios, com o estudo e com a auctoridade adquirida, mais se revigorou a sua palavra, mais se aprimoraram os seus dotes de orador.

E era espectaculo de admirar, ha alguns mezes apenas, quasi á beira do tumulo, ver o brilho de enthusiasmo que lhe animava o amortecido olhar e lhe accendia a fronte já abatida pela doença, quando se levantava para defender os mesmos ideaes, que tinham sido os da sua mocidade, ou fazer um, appello á trégua dos partidos para que da coadjuvação de todos resultasse algum beneficio para a patria, que tambem de todos é.

Como estadista, Henrique de Barros Gomes teve a presciencia, que só é dada aos talentos privilegiados.

Comprehendeu ha perto de quinze annos em todas as suas phases e em todos os seus aspectos, qual era o verdadeiro problema da politica nacional, qual o verdadeiro problema da politica europêa.

Precisavamos de firmar e valorisar o nosso dominio no sertão africano, aonde primeiro foram os nossos exploradores e commerciantes em nome da civilisação e os nossos missionarios em nome da fé.

O trabalho herculeo que elle consagrou, como ministra dos negocios estrangeiros e como ministro da marinha, o defeza dos nossos direitos está ainda por apraciar devidamente. A imparcialidade da historia ha de um dia fazer justiça a todos. (Apoiados.)

Henrique de Barros Gomes pôde consolar-se ainda das angustias por que passara, vendo o paiz inteiro render-lhe o seu preito de justiça e admiração.

Mas o mal vinha-o minando de muito longe. Quiz resistir-lhe e luctou até o fim, no posto de combate mais difficil e arriscado.

E só quando as forças lhe faltaram de todo, a ponto de já não poder haver sombra de illusão para si mesmo, como ha muito a não havia, desgraçadamente, para os que tanto lhe queriam, é que se resignou a abandonar os seus complexos trabalhos, indo repousar no seu remanso de Alcanhões, no asylo tranquillo onde passara tantos annos de felicidade, bem perto d’essa pittoresca Azoia, onde Herculano viveu os ultimos annos da sua velhice, amarga e descrente, exhalando ali, como o grande historiador, com quem tinha mais de um ponto de affinidade, o seu ultimo suspiro, até que o espirito lhe voou para a libertação da morte. (Vozes: — Muito bem.)

Os restos do varão prestante, que na terra se chamou Henrique de Barros Gomes, descansam hoje no cimo de uma das sete collinas d’esta antiga cidade, em frente do oceano vasto e profundo, — estrada que seguiram os nossos audazes navegadores e que hão de continuar trilhando os modernos pioneiros da civilisação africana.

Que as colonias são o elo imperecivel que prende as nossas inegualaveis grandezas do passado ás nossas santas aspirações do futuro.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi muito cumprimentado pelos ministros e dignos pares presentes.)

O sr. Arcebispo de Evora: — Sr. presidente, pedi a palavra para, em nome do episcopado portuguez, — pois que n’esta occasião tenho a certeza de interpretar e traduzir fielmente os seus sentimentos, — me associar, com o coração lanceado de profunda mágua, ás expressões tão eloquentes, ás expressões tão justas, que acabam de ser consagradas á memoria dos nossos illustres collegas, membros d’esta camara, que a morte nos arrebatou durante o intervallo das sessões parlamentares.

É triste, sr. presidente, é triste o cumprimento d’este dever com que inaugurâmos os nossos trabalhos; mas é um dever sagrado.

Commoveu-nos com a sua eloquencia privilegiada o sr. ministro da marinha, e alludiu aos crepes que enlutam a tribuna desta casa, crepes que symbolisam a saudade amarga que nos deixa perennemente gravada na alma a partida dos nossos companheiros de trabalho, mormente quando elles, como os gloriosos extinctos, cujos nomes resoaram ha pouco n’este recinto, tanto se impunham pelos seus dotes e merecimentos á nossa admiração, ao nosso respeito e ao nosso affecto.

É este um registo doloroso, mas é tambem um ensinamento proficuo; porque, rememorando as virtudes e os serviços d’aquelles que nos precederam n’essa viagem para a eterna patria, d’esta commemoração haurimos alento e

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estimulo para os imitarmos, para seguirmos a luminosa esteira que elles deixaram após si ao passar na terra. (Vozes: — Muito bem.)

Mas, sr. presidente, permitta-me v. exa. e permitta-me a camara que eu, por motivos que a todos são de facil comprehensão, especialise em primeiro logar e me refira de um modo particular á morte do venerando primaz das Hespanhas, o sr. arcebispo de Braga D. Antonio José de Freitas Honorato.

Como membro d’esta casa, como arcebispo metropolitano, como antigo lente de theologia na universidade, elle era tres vezes meu collega; mas nas virtudes e no saber, era meu exemplar e meu mestre.

Não são decorridos ainda tres mezes, sr. presidente, desde que a archidiocese bracarense, unida, congregada como um só espirito, em uma demonstração espontanea, fervorosa, imponente, solemnisou uma data memoravel da vida publica do seu pastor, — as suas bodas de prata, — o vigésimo quinto anniversario da sua sagração episcopal.

A essa solemnisação tive eu tambem a honra de me associar; e numa publicação especial, que então saiu a lume, saudei em desprimorosas, mas sinceras phrases o enclyto prelado, e exprimi os votos ardentes que ao céu fazia pela prolongação dos dias d’aquelle nobilissimo antistite, cuja fronte encanecida se me afigurava, aureolada de uma triplice corôa: a da dignidade, a da virtude e a da sciencia. (Vozes: — Muito bem.)

Não approuve ao supremo moderador da vida e da morte escutar os votos que, assim como do meu, irrompiam de centenas de milhares de corações, dos corações de todos os subditos bracarenses.

Julgou Deus cabalmente preenchida a sua carreira na terra; julgou chegado o dia de lhe pagar o salario, de lhe conferir o galardão da immortal gloria. A gloria era devida áquelle que na terra só soube fazer bem.

Com effeito, sr. presidente, em fazer bem se cifrou aquella vida de setenta e oito annos. Como o Divino Mestre, pertransiit benefaciendo.

A caridade era o brazão, a bondade, a feição caracteristica do sr. D. Antonio de Freitas Honorato. Quem quer que d’elle se acercasse, e visse o limpido olhar e o amoravel sorriso que lhe allumiavam o semblante, não podia deixar de se sentir captivado a um tempo pela veneração e pelo amor. (Apoiados.)

Digno successor de Fr. Bartholomeu dos Martyres, — como já disse com toda a verdade o nobre ministro da marinha, — a sua maior alegria era repartir com os indigentes os rendimentos da sua mitra, e a sua dor mais funda e pungente era não poder acudir a todas as necessidades que d’elle se abeiravam.

Dava quanto tinha, dava quanto podia, e até mais do que podia; pois, no dizer de seus biographos, não raro se privava dos recursos necessarios á sua propria sustentação.

Por isso, sr. presidente, em todo o arcebispado de Braha não houve olhos enxutos nem corações indifferentes quando por todo elle correu veloz a noticia da doença e da morte do virtuoso prelado, que, mais que prelado, era verdadeiramente pae espiritual de tantos filhos.

Todas as classes sociaes prantearam o seu passamento e abençoam o seu nome; mas principalmente o abençoam e pranteiam os pobres, que perderam o seu bemfeitor caritativo.

Feliz existencia a de quem soube assim cumprir na terra a augusta missão de pastor! Ditosa memoria a que assim fica perduravelmente orvalhada de lagrimas e ungida de bençãos! (Vozes: — Muito bem.)

Mas, sr. presidente, se eu com toda esta camara e o paiz inteiro sinto e deploro a infaustissima perda do venerando prelado bracarense, d’esse grande servidor da igreja e da sociedade, não posso esquecer os nomes de dois outros insignes servidores da patria e tambem grandemente benemeritos da religião, os dignos pares srs. conselheiros Henrique de Barros Gomes e Jeronymo da Cunha Pimentel. Pronunciar estes dois nomes illustres, reavivar ante nossos espiritos estes dois vultos saudosos, é recordar dois prototypos eximios, dois acabados modelos da mais perfeita honradez (Apoiados), da mais elevada pureza de crenças e sentimentos religiosos, da mais infatigavel actividade, da mais constante e quasi heróica dedicação á causa publica, da mais extrema lealdade partidaria, do mais inexcedivel amor patrio, em summa, das mais acrisoladas virtudes moraes e civicas, que, conglobadas em harmonica synthese, faziam d’estes dois cidadãos dois filhos de que a nação podia ufanar-se, duas glorias que Portugal podia e póde com legitimo orgulho archivar em seus annaes como glorias incontestaveis e impereciveis, dois nomes que a nossa historia póde registar em suas paginas brilhantes, como os nomes de dois leaes, dois prestantes, dois verdadeiros portuguezes. (Vozes: — Muito bem.)

Militando em diversos campos politicos, não diversa, mas identica, era em ambos a devoção ao bem da patria. Trabalhadores, indefessos, consumiram o alento vital no serviço do paiz; e póde affirmar-se que essa fadiga, essa faina incessante, essa quasi ancia com que ambos se consagravam aos interesses publicos, lhes apressou o momento da morte, — morte prematura, mas gloriosa: que não é só gloriosa, sr. presidente, a morte do guerreiro que no campo da batalha, em defensa da bandeira da sua nação, cáo crivado de balas; é tambem gloriosa a do estadista, a do funccionario publico, que fenece antes de tempo, extenuado, vencido, derrotado pelo trabalho em prol do seu paiz! Mas, fallando do sr. conselheiro Barros Cromes, julgo dever particularisar entre os seus relevantes meritos um muito relevantissimo, a que tambem já alludiu o sr. ministro da marinha, o zêlo e dedicação com que votou a sua actividade e o seu talento aos interesses das nossas colonias.

Comprehendeu aquelle altissimo espirito a grande, a primacial importancia do problema colonial, importancia ainda hontem frisada no discurso da corôa; comprehendeu-a, e dedicou-se com amor ao estudo dos assumptos que podem interessar ao fomento das nossas colonias, ao progresso e ao prestigio de Portugal nas possessões que constituem o nosso sagrado e ainda opulento patrimonio de alem mar.

E entre os meios que a sua acuminosa e culta intelligencia e o seu lucido criterio lhe indicavam proprios e adequados para a realisação dos seus anhelos, reconheceu, nem podia deixar de reconhecer, como o mais efficaz, o mais prompto, e tambem o mais economico, o desenvolvimento da influencia religiosa por meio da acção missionaria. N’este sentido trabalhou com afan e com fructo, podendo dizer-se que foi o sr. Barros Gomes o ministro que deu o mais energico impulso á expansão á organisação das nossas missões ultramarinas. (Apoiados.) O atlas das missões portuguezas era o livro que se encontrava sempre, que se encontrou ainda depois do seu passamento, sobre a sua mesa de estudo.

Emfim, tudo que do sr. Barros Gomes poderia dizer, condensal-o-hei n’esta phrase já tão repetida, mas que aqui póde applicar-se com absoluta justiça: «Homens taes ou nunca houveram de ter nascido, ou jamais deveriam morrer.»

Sr. presidente, honra-se a si mesma esta camara, honrando nomes como os que acabam de ser proferidos: os, dos srs. arcebispo de Braga, Barros Gomes, Jeronymo Pimentel e visconde de Valmór.

Oxalá, e termino formulando este voto, os dotes, os predicados, os serviços d’estes nossos prestantes e distinctissimos collegas encontrem muitos, muitissimos imitadores.

Se assim succeder, e espero, estou convencido de que assim succederá, — pois não ha de em Portugal extinguir-se a raça dos crentes e dos heroes, — não devemos desco-

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8 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

roçoar do futuro, podemos ter por certa a reviviscencia do nosso paiz.

Tenho dito.

O orador foi muito cumprimentado por todos os dignos pares e ministros presentes.

O sr. Antonio Candido — (O discurso do digno par será publicado na integra em appenso a esta sessão.)

O sr. Ernesto Rodolpho Hintze-Ribeiro: — Sr. presidente. Respeitosamente me associei aos votos de sentimento, que v. exa. formulou, e a camara unanime tornou seus, pela morte da virtuosa Rainha da Dinamarca e pelo assassinio, revoltante, da infeliz imperatriz da Austria, victima de mais um d’esses vilissimos attentados, para os quaes insufficiente é toda a severidade repressiva, e para condemnar os quaes oxalá todas as nações se unam, em esforço commum; para uma punição flagrante.

Do coração me associo, tambem, ás manifestações de pezar, tributadas pela camara ao nosso antigo companheiro, Jeronymo Pimentel, lealissimo e muito prezado amigo meu, cuja falta me foi intimamente dolorosa, e que, no proprio acto do seu enterramento, deplorei com as expressões que me dictou o meu profundo e verdadeiro sentir.

Agradeço á camara o reconhecimento, que acaba de prestar, aos muitos e valiosos serviços que elle fez, no decorrer de uma vida toda cheia de dedicações, que não póde esquecer a quantos o conheceram. (Apoiados.)

Quero, agora, sr. presidente, juntar á homenagem, prestada n’esta camara á memoria de Barros Gomes pelos seus partidarios e amigos, breves, mas sinceras palavras de um adversario politico, que nunca foi um inimigo pessoal. (Vozes: —Muito bem.)

De vontade o faço.

Extremam-se na arena parlamentar, os campos que se defrontam; degladiam-se, nas pugnas mais accesas, os proselytos de causas oppostas; vibra-se no ardor da peleja, golpes que molestam e ferem; — mas uma cousa ha, superior ao impulso das paixões e ao rijo terçar das armas do combate, — é a mutua estima dos proprios combatentes. (Vozes: — Muito bem.)

Durante dezoito annos, no governo ou fora d’elle, me encontrei sempre em antagonismo com Barros Gomes; por vezes em situações de profunda e calorosa dissidencia. Nunca isso me impediu de reconhecer o seu alto valor como politico, de respeitar o seu immaculado caracter como homem. (Vozes: — Muito bem.)

Foi um exemplo de lealdade partidaria. (Apoiados.) Melhor, mais constante e dedicado amigo, na boa ou adversa fortuna, na sinceridade do conselho como na inquebrantavel correcção do proceder, não encontrou, estou certo, o sr. presidente do conselho; sem menoscabo o digo de quantos o acompanham e acercam.

Do seu dever civico, da sua entranhada devoção pela causa do paiz, — como o seu criterio e a sua consciencia lhe suggeriam, — deu provas que não esquecem; para muitos lição em que se aprende, para todos espelho em que se reflecte a imagem fiel de um propugnador sincero.

Quem o viu, no anno passado, entrar aqui, n’esta sala, com o seu trajo de ministro, sentar-se numa d’aquellas cadeiras, alquebrado, esmaecido, vivo ainda como se já morto fôra, —a farda lhe parecia uma mortalha! — quem, poucos dias depois, o viu arrastar-se, amparado, a custo, corroido pelo soffrimento que o minava, mas com vontade mais forte do que tudo, para, n’uma sessão da camara dos senhores deputados, responder ainda a arguições que lhe eram feitas... comprehende o que era em Barros Gomes o sentimento do dever!

Singular condição, sr. presidente, a dos que militam em politica, sobretudo entre nós.

A vida do homem publico é caminhar por uma escarpada abrupta, a cada passo atravancada de empeços, que só a custo se vence, cortada de resvaladouros, que para logo afundam quem a tempo os não evita, semeada de traças, de que não é facil desprender-se quem uma vez se enleia.

Senda enganadora, que attrahe e captiva! — em que se entra com á natural dedicação pela terra que é nossa, onde se nasceu e se vive, onde a educação e a familia, as tradições e os affectos, os trabalhos e as emulações dispertam uma ambição que é justa, — porque justa é a ambição que se arreiga num sentimento, e se não desnatura n’um interesse. (Vozes: — Muito bem.)

Mas senda perigosa e ardua, em que, ainda os mais resolutos, os de animo mais afoito e vontade mais persistente, sobem com esforço, cimentando a sua experiencia nas desillusões que alcançam, em revez das esperanças que perdem! (Vozes: — Muito bem.)

E em que, afinal, cedo ou tarde, perto ou longe, ainda os mais... os mais felizes, — os que luctando com tudo, com a malevolencia que mais se aferra aos que mais se salientam em valor, com a injustiça que por vezes fere impiedosa a consciencia dos que trabalham, e até com a insinuação e a dobreza que não poupam os mais honestos, fazendo-lhes sangrar o que de intimamente sensitivo têem em si, o seu pundonor pessoal, conseguem galgar mais espaço, attingir mais alto, — esses mesmos, ao chegarem á culminancia a que vizaram, encontram, como termo da sua afadigosa jornada,... uma cruz, a da sepultura, ... em pouco desataviada e fria!

Ouve-se ainda, junto a essa cruz, o murmurio de uma oração, o soluçar de uma saudade, — da mulher e dos filhos.

Depois, porque foi gravada no ferro ou no marmore,... uma simples inscripção fica,... e essa mesmo o proprio tempo a corróe e apaga! (Vozes: — Muito bem, muito bem.)

Quem, olhando para o alto, não viu as estrellas cadentes? — pequenos astros que brilham, scintillam entre muitos, e de subito se lançam e baqueiam no espaço infinito, deixando após si,— como recordação de que existiram,— um passageiro rasto luminoso, que para logo se dissipa e esvae!

Assim, os homens publicos. Quantos, que no mundo brilharam, irradiando os fulgores do seu genio, se sumiram de chofre na eternidade immensa, passando, como um lampejo, a memoria do que foram! (Vozes: — Muito bem.)

Isto que digo, comprehende-o a camara, não o individualiso em Barros Gomes.

As minhas palavras traduzem, apenas, uma synthese do que é, em geral, a vida de um homem publico.

Sr. presidente, não discuto, não commento a obra politica de Barros Gomes. Respeito, admiro em Barros Gomes a intenção e a esperança que inspiraram os seus actos, — reflexos da fé viva, que illuminou as suas crenças. (Vozes: — Muito bem.)

E isto explica.

Só assim trabalha e lucta, sacrificando tudo, a saude e a vida do presente, quem, nos clarões da sua fé, divisa o, juizo do futuro nos páramos do infinito! (Vozes: — Muito bem, muito bem.)

Não quero terminar, sr. presidente, sem unir a minha condolencia ás que tão eloquentemente foram expressadas já pela perda de mais dois membros d’esta camara, que bem mereceram do paiz: —um, prelado virtuosissimo, que tinha por divisa a bondade, — o arcebispo de Braga; o outro, servidor prestante, que, na sua longa carreira diplomatica, dignamente nos representou no estrangeiro, — o sr. visconde de Valmor.

A todos, que tão sincera, e devotadamente se esforçaram, em vida, por exalçar a sua patria, a todos a nossa gratidão e a nossa saudade.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(A camara toda cumprimentou o orador.)

O sr. Presidente: — Considero approvadas por una-

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SESSÃO N.° 1 DE 3 DE JANEIRO DE 1899 9

nimidade as minhas propostas. (Apoiados geraes e prolongados.)

O sr. Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro: — Antes de encerrar-se a sessão peço a v. exa., sr. presidente, que me permitta mandar para a mesa alguns requerimentos.

O sr. Presidente: — Tem v. exa. a palavra.

O sr. Ernesto Hintze Ribeiro: — Mando para a mesa dois requerimentos, e peço a v. exa. que lhes dê o competente destino.

Foram lidos na mesa, e mandados expedir os requerimentos, que são do teor seguinte:

Requerimentos

Requeiro que, pelos ministerios da fazenda e das obras publicas, me sejam enviados com urgencia:

Todos os documentos relativos á importação de trigo, e á compra e venda de farinhas por conta do estado, em 1898; e especificadamente:

Nota das datas, quantidades e valores do trigo importado n’esse anno, com a designação dos respectivos importadores;

Nota das datas, quantidades, e preços de acquisição, por parte do estado, das farinhas importadas n’esse anno;

Nota das datas, quantidades, e respectivos preços de venda das farinhas, vendidas pelo estado n’esse anno.

Sala das sessões, em 3 de janeiro de 1899. = Hintze Ribeiro.

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, me sejam, com urgencia, enviados os seguintes documentos:

Nota do estado da divida fluctuante, interna e externa, descriminadamente, nos mezes de outubro, novembro e dezembro de 1898;

Nota dos titulos da divida publica, de qualquer especie, consolidados ou amortisaveis, internos ou externos, vendidos pelo thesouro, ou por conta do thesouro, em todo o anno de 1898, com a especificação das datas e importancias das respectivas vendas, e da applicação que tiveram os productos d’essas operações;

Nota do estado do supprimento, contraindo no anno passado, sobre as obrigações da companhia real dos caminhos de ferro existentes na posse do estado, e informação sobre se essas obrigações ainda existem todas em penhor, ou se todas ou algumas, e quantas, foram vendidas, por quem, para que, quando, como, e porque preço;

Copia dos contratos e correspondencias, relativos a quaesquer supprimentos contrahidos pelo thesouro durante o anno de 1898, com a designação do quantum d’esses supprimentos, condições com que foram ajustados, e a execução que têem tido;

Nota do estado do contrato de credito em conta corrente com o Credit Lyonnais, de 5.000:000 francos, garantido por titulos internos, e informação sobre se esse contrato subsiste ainda, ou se foi rescindido, porque, e em que termos;

Todos os documentos relativos a acquisição de prata por conta ou em conta do thesouro, de 1890 até ao presente, e informação sobre o fim e a execução que tiveram os respectivos contratos, e sobre a applicação que se deu a prata adquirida.

Sala das sessões, em 3 de janeiro de 1899. = Kintze Ribeiro.

O sr. Presidente: — A seguinte sessão será na proxima segunda feira, 9 do corrente, e a ordem do dia a eleição das commissões de resposta ao discurso da corôa e de verificação de poderes.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e quarenta minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 3 de janeiro de 1899

Exmos. srs. Marino João Franzini; Marquez de Fontes Pereira de Mello; Arcebispo de Evora; Condes, de Alto Mearim, de Bertiados, de Paraty, de Sabugosa, de Ta-rouca; Moraes Carvalho, Pereira de Miranda, Antonio Candido, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Francisco Maria da Cunha, Gruilhermino de Barros, D. João de Alarcão, José Baptista de Andrade, Abreu e Sousa, Camara Leme, Pessoa de Amorim, Bandeira Coelho.

O redactor = Alberto Pimentel.

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