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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 7

EM 15 DE JANEIRO DE 1907

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Sebastião Custodio de Sousa Telles

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO.- Leitura e approvacão da acta.- Expediente.- O Sr. Presidente communica ter sido recebida por Suas Majestades a deputação encarregada de apresentar o voto congratulatorio da camara por encontrar-se Sua Alteza o Principe Real quasi restabelecido do desastre que soffreu no dia 12.- O Digno Par Marquez de Gouveia refere-se ao serviço de transporte das malas internacionaes. Responde-lhe o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros. - Os Dignos Pares José de Alpoim e Visconde de Monte-São requerem documentos. - O Digno Par Sr. Conde de Lagoaça declara associar-se ao voto de congratulação d'esta Camara, a que o Sr. Presidente se referiu.

Ordem do dia - Continuação da discussão do projecto de lei (parecer n.° 18) que estabelece as bases para a reforma de contabilidade publica.- Conclue o seu, discurso o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, a quem responde o Digno Par Sr. Mello e Sousa, que fica com a palavra reservada. - É levantada a sessão.

Pelas 2 horas e 35 minutos da tarde o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 21 Dignos Pares.

Foi lida, e approvada sem reclamação, a acta da sessão anterior.

Em seguida deu-se conta do seguinte expediente:

Officios:

Da Camara dos Senhores Deputados, satisfazendo requerimentos do Digno Par Sr. Jacinto Candido.

Da mesma, enviando 130 exemplares do Summario de 1905.

Da Junta de Credito Publico enviando o relatorio de contas de 1905-1906 e exercicio de 1904-1905.

O Sr. Presidente:-Antes de começar os trabalhos d'esta sessão, cumpre-me communicar á Camara que a deputação hontem nomeada para transmittir a Suas Majestades e a Sua Alteza o Principe Real o voto de congratulação exarado na acta do dia 13, foi recebida hoje por Sua Majestade El-Rei e por Sua Majestade a Rainha, não o podendo ser por Sua Alteza, visto estar ainda incommodado, embora sem gravidade.

Suas Majestades encarregaram a deputação de agradecer a manifestação da Camara, que sensivelmente os penhorou.

Tem a palavra o Sr. Marquez de Gouveia, que já noutra sessão a havia pedido para quando estivesse presente o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

O Sr. Marquez de Gouveia: - Agradeço ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros a sua annuencia a comparecer n'esta Camara, logo que lhe foi possivel, e mais agradeço a gentileza de S. Exa. em me fazer constar o dia em que comparecia e a razão por que não viera antes.

Cumprido este dever de cortesia, em poucas palavras desejo chamar a attenção do Sr. Ministro para um assumpto que se me afigura importante.

Trata-se de um ramo especial do serviço dos correios, qual é o do transporte das malas internacionaes.

Parece que sobre tal assumpto me deveria antes dirigir ao Sr. Ministro das Obras Publicas, por cuja pasta corre o serviço dos correios; mas, no decurso da minha exposição, ver-se-ha que só o Sr. Ministro dos. Negocios Estrangeiros poderá prover de remedio ao mal que vou apontar.

O comboio que leva as malas para Franca e, portanto, para toda a Europa, sae de Lisboa ás 9 horas e meia da noite e chega a Paris na madruhada do terceiro dia. Assim, por exemplo, as malas que d'aqui saem ás 9 horas e meia da noite de 1 de cada mez chegam a Paris na madrugada do dia 4.

Acontece, porem, que as cartas lançadas nas caixas de correio no dia 1 não são entregues em Paris, na sua grande maioria, no dia 4 á noite, mas sim no dia 5, de manhã.

A explicação do facto é que o comboio que leva as malas d'aqui, transita pelas linhas de sete companhias differentes. Todas essas companhias se obrigam a transportar as malas do correio sem limitação de numero nem de volume, com excepção da Companhia do Norte de Hespanha, que tem no seu contrato uma clausula pela qual só é obrigada a transportar as malas de correio que couberem num unico vagon; preenchido elle, não transporta mais. Succede que esse comboio, quando chega a Medina dei Campo e entronca com o comboio Madrid-Paris, só pode receber as malas do correio que bastem para encher o vagon destinado áquelle serviço especial.

Comprehendem-se os inconvenientes que d'aqui resultam para os particulares, e muito principalmente para o commercio.

Os differentes titulares da pasta das

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Obras Publicas teem procurado evitar este inconveniente, mas a resposta ás suas instancias não varia e cifra-se na citação da clausula do contraio da Companhia do Norte de Hespanha.

A administração dos correios, em vista das reclamações do publico, conseguiu que a correspondencia seguisse no comboio sud-express, que saia tres vezes por semana e que hoje é diario.

Pois apesar do sud-express gastar na viagem menos 19 horas, nada se adeanta, porque a correspondencia lançada nas caixas de correio no dia 1 só parte no dia 2 pela manhã e chega a Paris no dia 3 á noite, a horas em que já não é possivel fazer a distribuição, principalmente a escriptorios commerciaes.

Alem d'isto, a utilização do sud-express pode ser considerada apenas um palliativo e não uma medida definitiva, porque, quando chegar o verão, quando augmentar o numero de passageiros do sud-express a Companhia do Norte de Hespanha não poderá rebocar, devido ao perfil accentuado das suas linhas e ao peso das carruagens que compõem o sud-express, mais de dois vagons com correspondencia.

E para confirmar a Importancia do assumpto bastará ler a Camara a seguinte estatistica do movimento do correio na Europa:

Cartas e bilhetes postaes

Europa

1897 1902

Recebido 1.625:453 Recebido 2.402:670
Expedido 1.464:141 3.089:594 Expedido 2.034:933 4.437:603

Augmento: 1.348:109; isto é, 66 por cento em cinco annos.

Idem para França

1897 1902

Recebido 368:296 Recebido 569:423
Expedido 330:938 Expedido 393:485
699:234 962:908

Augmento: 263:674; isto é, 37,8 por cento em cinco annos.

Idem Allemanha

1897 1902

Recebido 182:582 Recebido 382:273
Expedido 232:872 Expedido 380:964
415:454 763:237

Augmento: 347:783; isto é, 83 por cento em cinco annos.

Importancia das cartas com valores declarados para toda a Europa

1897 1902

Recebido 3:468$380 Recebido 4:873$723
Expedido 2:112$052 Expedido 2:963$766 7:837$489
5:5800432

Differença a favor de 1902 em cinco annos 2.257:057, isto é, mais de 40 por cento.

Idem para França

1897 1902

Recebido 1:1113252
Expedido 498$423 1:609$675 Recebido 1:4193729.
Expedido 2:007$613

Differença a favor de 1902, 397:938; isto é, um aumento de quasi 25 por cento em cinco annos (24,72 por cento).

Encommendas internacionaes

1897 1902

Recebido e expedido - Allemanha 15:676
França 25:712
Inglaterra 5:399 46:787

Quasi o dobro em cinco annos.

1897 1902

Recebido 75:296 Recebido 126:323
Expedido 25:787 Expedido 46:312 172:635

Augusto: 71:352; isto é, 70 por cento.

É, pois, de toda a necessidade fazer com que o inconveniente apontado em relação ao nosso paiz desappareça, o que me parece facil.

O artigo 1.° do regulamento da convenção da União Postal Universal de Washington, de 15 de junho de 1897, dispõe o seguinte:

«Cada administração é obrigada a expedir pela via mais rapida de que puder dispor para o seu proprio serviço as malas fechadas e a correspondencia a descoberto, que lhe forem entregues por outras administrações».

Em face d'esta doutrina não pode a Companhia do Norte de Hespanha recusar-se a transportar as malas que lhe forem entregues, visto que Portugal e a Hespanha adheriram áquella convenção.

Peço, portanto, ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros que se occupe d'este assumpto, pois S. Exa. certamente o resolverá.

Nada anais tenho a dizer. Resta-me pedir desculpa á Camara de lhe haver roubado alguns minutos.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz de Magalhães): - Sr. Presidente: agradeço ao Digno Par o ter S. Exa. esperado pela minha comparencia, que não se realizou mais cedo por motivos officiaes.

Hoje vim a esta Camara não só para cumprir o meu dever, mas para prestar a homenagem devida ao Digno Par, que me merece muita consideração e estima.

Desconheço o assumpto a que S. Exa. se referiu, mas informar-me-hei acêrca d'elle e empregarei, auxiliado pelo meu collega das Obras Publicas, todos os esforços para remover os inconvenientes que o Digno Par apontou.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Alpoim: - Mando para a mesa o seguinte requerimento:

Requeiro com urgencia que, pelo Ministerio da Justiça, me sejam enviadas copias da indicação feita pelo juiz de direito de Estarreja para seus substitutos no corrente anno, e da respectiva proposta do presidente da Relação.

Sr. Presidente: faço este requerimento por constar em Estarreja que vão ser nomeados juizes substitutos, pela primeira vez, dois advogados do respectivo auditorio, e com larga clientela, para se conseguir por varios meios a sua intervenção favoravel em determinados processos.

São evidentes as razões de natureza legal, moral e de interesse para a administração da justiça n'aquella comarca

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por que não pode acceitar-se a nomeação d'esses advogados.

Preciso dos documentos requeridos para conversar detidamente com o respectivo Ministro sobre este assumpto.

(O Digno Par não reviu).

Leu-se na mesa o requerimento e mandou-se expedir.

O Sr. Visconde de Monte-São: - Mando para a mesa o seguinte requerimento:

«Requeiro que, pelo Ministerio do Reino (Direcção Geral da Instrucção Publica), me sejam fornecidos os documentos seguintes:

1.° Copia do contrato do emprestimo de 5:000$000 réis feito pelo Governo á Sociedade Dramatica Empresaria do Theatro de D. Maria II.

2.° Copia da acta da sessão da mesma empresa em que o emprestimo foi approvado pela assembleia geral, como determina o artigo 22.°, alinea f) § 2.°, do decreto de 4 de agosto de 1898.

3.° Designação ou nota dos valores da hypotheca dada pela empresa para garantia da quantia pedida por ella ao Governo.

4.° Documento que prove que o commissario do Governo deu á empresa a auctorização para realizar o emprestimo e prestar a respectiva hypotheca, como estatue o § 2.° do artigo 4.° do mesmo decreto de 4 de agosto de 1898.

5.° Copia do officio em que o Ministro do Reino confirma ou auctoriza o commissario do Governo a acceitar ou permittir o referido emprestimo, bem como a hypotheca que o garante. = Visconde de Monte-São».

Tenho urgencia de que estes documentos me sejam fornecidos.

E como a copia d'elles não deve levar muito tempo a tirar, e como talvez nem todos me sejam remettidos, espero recebê-los com brevidade.

(Leu-se na mesa o requerimento do Digno Par e mandou-se expedir).

O Sr. Conde de Lagoaça: - Sr. Presidente : pedi a palavra unicamente para declarar a V. Exa. e á Camara que se tivesse assistido á sessão em que se votou a proposta de congratulação por não terem resultado graves consequencias do desastre por que Sua Alteza o Principe Real passou, eu me associaria de todo o coração a essa proposta, o que hoje faço.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão sobre o projecto de lei (parecer n.° 18) que estabelece as bases para a reforma de contabilidade publica.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Vou continuar as considerações interrompidas na sessão anterior, e fá-lo-hei contrariado pelo facto de me não ter chegado o tempo para dar hontem por concluido o que tinha a dizer sobre o assumpto.

A substancia do projecto que está em discussão consiste em passar para a Direcção Geral de Contabilidade Publica a fiscalização que está a cargo do Tribunal de Contas e em entregar a revisão das contas publicas a uma commissão parlamentar.

A actual legislação sobre contabilidade não é tão deficiente como a muitos se afigura e, se as leis que regulam a nossa contabilidade fossem cumpridas com exactidão, a fiscalização das despesas publicas não deixaria nada a desejar.

Na Inglaterra, de cuja legislação parece que foi transportada a commissão parlamentar de contas e a disposição pela qual é entregue ao director geral da contabilidade o controle das despesas, o auditor fiscal geral não é dependente de qualquer Ministro ou repartição, não está nas mesmas condições em que se encontra o nosso director geral de contabilidade.

O auditor-fiscal geral é um funccionario nomeado pelo Chefe do Estado e não pode ser demittido senão por uma resolução das duas casas do Parlamento.

A differença que ha entre o auditor-fiscal geral inglez e o nosso director geral de contabilidade é capital.

Em Inglaterra todos os fundos arrecadados são depositados no Banco, em conta corrente da thesouraria.

Esses fundos não podem ser levantados pelo pagador geral, mas sim pelo auditor-fiscal, que é ouvido sobre esse levantamento, como senhor absoluto e discrecionario de todos os dinheiros depositados no Banco.

Só a este funccionario cabe o controle preventivo das despesas; quer dizer, o auditor-fiscal toma para si o papel que em Portugal, na França, na Belgica, etc., compete ao Tribunal de Contas.

Com o projecto actual ficamos com duas entidades distinctas: o director geral de contabilidade, a quem pertence o controle preventivo das despesas e o Tribunal de Contas, destinado a fazer o controle a posteriori, pois pelo artigo 31.° do projecto se mantem para esta corporação o exame e comprovação de despesas.

Qual a conveniencia de passar as attribuições do Tribunal de Contas para o director geral de contabilidade?

Porventura este pode merecer maior confiança na independencia das suas resoluções?

Possue maior saber e competencia que os vogaes do Tribunal de Contas?

É possivel que uma ou outra vez este Tribunal tenha posto com certa facilidade o visto em alguma ordem de pagamento que não caiba estrictamente nas verbas orçamentaes; mas a verdade é que os Governos não teem tido pelo Tribunal de Contas a consideração que deviam ter.

Por mais de uma vez se tem dado a entender que a sua fiscalização, o seu visto a sua declaração de conformidade, não é precisa para que se paguem determinadas despesas publicas.

A este respeito eu podia citar muitos factos.

Desde alguns annos as difficuldades da administração publica são removidas por meio de adeantamentos feitos aos diversos Ministerios.

Nenhuma lei auctoriza tal facto e ha um Tribunal de Contas que fiscaliza a legalidade d'estes pagamentos, que todavia se fazem sem intervenção d'aquelle tribunal.

Eu já disse que tenho a maior consideração pessoal pelo Sr. director geral de contabilidade publica, e as observações que tenho feito e farei sobre o projecto em discussão apresentá-las-hia se eu proprio exercesse aquelle cargo.

Entendo que o director geral de contabilidade publica não deve ser incumbido do visto mencionado no projecto, porque tal visto é um controle preventivo que deve continuar a pertencer unicamente ao Tribunal de Contas.

Digo isto por uma razão moral, e é que, sejam quaes forem as qualidades de intelligencia, de saber e de honestidade que possua o alludido director, esse funccionario é um subordinado directo do Ministro da Fazenda, não devendo por isso ser arvorado em fiscal, e fiscal rigoroso, do seu superior hierarchico.

Tal disposição é subversiva; e digo subversiva porque, desde que o director de contabilidade publica recuse o visto a uma ordem de pagamento emanada do Ministro, esse director geral colloca-se em absoluta incompatibilidade com o seu superior.

Alem d'isso o director geral de contabilidade publica não tem a independencia precisa para assumir o papel de fiscal que o projecto lhe confere; e o Ministro da Fazenda pode, dadas diversas circumstancias, suspender ou demittir um seu director geral.

É certo que se pretendeu dar ao director geral de contabilidade publica de Portugal as mesmas attribuições que na Inglaterra tem o auditor geral; mas na Gran-Bretanha esse funccionario só pode ser demittido pela resolução das duas casas do Parlamento, ao passo que entre nós, para demittir o director de contabilidade, basta o Governo, mediante parecer da commissão parlamentar de contas.

De duas uma: ou o director geral

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recusa o visto e arrisca-se a ser demittido, dadas certas circumstancias, ou se entibia e põe o visto a todas as ordens de pagamento.

Não concordo pois com a doutrina de que nenhuma ordem de pagamento pode ser expedida sem o visto previo do director de contabilidade, e creio que o artigo 30.° do projecto é mais uma prova da precipitação com que este foi organizado. (Apoiados).

Digo mais uma prova, porque o Governo se esqueceu até da lei de 4 de maio de 1902, referente ao convenio com os credores externos, a qual preceitua que a Thesouraria das Alfandegas tem de remetter directamente á Junta do Credito Publico as quantias necessarias para satisfazer os encargos da divida externa.

O regulamento da Junta do Credito Publico, que ha de manter-se pelo espaço de setenta e cinco annos, assegurando a esta corporação a administração da divida publica interna e externa, attribue-lhe uma completa independencia.

Ora desde que nenhuma ordem de pagamento pode deixar de ter o visto do director geral de contabilidade, onde fica a independencia da Junta do Credito Publico?

Torna-se pois urgente que o Governo acceite uma emenda ao projecto no sentido de se manter á Junta do Credito Publico a independencia que hoje lhe compete.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - E é obrigação do Governo acceitar uma emenda n'esse sentido.

O Orador: - Tenho pena de não ver presente o Sr. Ministro da Marinha, porque desejava perguntar-lhe em que situação ficam perante o projecto os seus planos de descentralização colonial.

Como pode, approvado o projecto em discussão, estabelecer-se a descentralização differenciada das colonias, como a preconiza o Sr. Ayres de Ornei-las, se a mais pequena despesa a fazer no ultramar tem de ter o visto do director geral de contabilidade publica?

Entendo que, sobre este ponto, tambem o projecto deve ser emendado.

De contrario, praticar-se-ha um grave erro, que comprometterá profundamente a administração das nossas colonias.

Sobre este assumpto mandarei para a mesa uma emenda, como mandarei tambem uma emenda relativamente á administração dos caminhos de ferro, a qual fica, approvado o projecto tal como está, sem a autonomia administrativa que tem tido até aqui e que tão bons resultados tem dado.

A administração dos caminhos de ferro fica, em face do projecto, verdadeiramente entorpecida perante o tão falado visto.

Relativamente á disposição do projecto que estabelece a commissão parlamentar de contas, direi que concordo pessoalmente com essa commissão, mas não concordo com a forma por que ella é constituida, nem com o destino do parecer por ella elaborado.

A commissão parlamentar de contas é nomeada pelo Sr. Presidente d'esta Camara, o qual designa para a sua composição cinco Pares e cinco Deputados, sendo tres membros de cada casa do Parlamento pertencentes ás minorias, e os dois restantes á maioria.

Sr. Presidente: entendo que isto é subversivo. (Apoiados do Sr. Alpoim).

N'uma Camara constituida por maioria e minorias, como a dos Senhores Deputados, pode estabelecer-se a distincção mencionada no projecto; mas, pelo que toca a esta Camara, occorre-me perguntar: como ha de o Sr. Presidente distinguir aqui as minorias?

Por que processo é que o Sr. Presidente reconhece determinados Pares como pertencentes á minoria ou á maioria?

Depois uma tal disposição favorecerá o arbitrio: pois que o Sr. Presidente d'esta Camara pode, querendo, criar difficuldades a qualquer situação, ou favorecê-la.

Concordo com a commissão parlamentar de contas, mas eleita por cada uma das Camaras, em escrutinio secreto e por meio de listas que não possam conter mais de tres nomes.

A commissão parlamentar de contas representa uma ideia importada de Inglaterra; porem na Gran-Bretanha o parecer d'essa commissão não é apreciado collectivamente pelas Camaras, mas sim pelo poder executivo, fixando aos membros do Parlamento o direito de interpellarem o Governo sobre o assumpto.

A este respeito mando tambem para a mesa uma emenda.

E, para não abusar da attenção da Camara, vou terminar as minhas considerações.

Supponhamos, porem, que são approvadas as propostas que mando para a mesa e que igualmente alcançam a sancção do Parlamento as que o Digno Par Sr. Moraes Carvalho apresentou e as que ainda possam vir no decurso do debate.

Supponhamos que a lei, depois de convenientemente emendada, é rigorosamente cumprida e que não mais podemos recorrer á venda de titulos, nem á divida fluctuante, ou que, recorrendo á divida fluctuante, só o faremos nos estrictos limites da lei, isto é, não excedendo uma determinada quantia, que será amortizada dentro do exercicio.

Se tudo assim succeder e se a situação politica actual abandonar o poder, pergunto: para onde é que nós vamos?

Apresentando-se um orçamento com deficit de 2:000 contos de réis, que, com o augmento de despesas resultante de garantias de juro da construcção de caminhos de ferro, e de augmento de soldo aos officiaes do exercito e da armada, pode elevar-se aproximadamente á quantia de 5:000 contos de réis, e sendo necessario pagar aos credores do Estado, manter em dia o pagamento dos vencimentos ao funccionalismo, e não sendo possivel nem recorrer á venda de titulos, nem á divida fluctuanto, teremos a breve trecho a bancarota.

Poderá alguem deduzir d'estas considerações que eu julgo inconveniente que se reforme a contabilidade publica, por maneira a que sejam devidamente arrecadadas e fiscalizadas as receitas do Estado, e a que se realizem tão só os pagamentos que os representantes da nação auctorizam?

Não; mas é preciso que procedamos de forma a que se não crie uma situação peor que a de 1892.

Se querem evitar esse escolho, se pretendem afastar uma situação cheia de enormissimos perigos e difficuldades, ponha o Governo de parte a lei de imprensa, a de responsabilidade ministerial, e outras de caracter essencialmente juridico, e entregue-mo-nos todos á solução da questão de fazenda que, a meu ver, a todas sobreleva.

Foram lidas na mesa, admittidas á discussão e enviadas á commissão as propostas do Digno Par, que são do teor seguinte:

Substituição:

Substituir o ultimo periodo do artigo 4.°:

«Abrange tambem, com o mesmo desenvolvimento, o resultado das despesas escripturadas em execução do disposto no artigo 3.°». (Substituição proposta).

Substituição ao § unico do artigo 6.°:

«O responsavel pela não publicação das contas, dentro do prazo designado n'este artigo, será punido com a pena de suspensão de exercicio e vencimentos durante seis mezes. A reincidencia será punida com a pena de demissão».

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Artigo l5.°

Acrescentar o seguinte:

«§ unico. A nota do estado da divida fluctuante referirá a importancia total do debito de Thesouro por letras, bilhetes ou promissorias, mas sem deducção de quaesquer saldos existentes em dinheiro a favor do Thesouro».

Additamento ao artigo 30.°:

«§ 4.° O disposto no presente artigo não é applicavel á divida publica fundada, cuja administração continua a pertencer á Junta do Credito Publico, nos termos da lei de 14 de maio de 1902 e do decreto regulamentar de S. de outubro de 1900, nem ás 1 despesas ultramarinas pagas nas colonias ou na metropole, as quaes continuam a ser reguladas pelo decreto de 14 de setembro de 1900 e regulamento de 3 de outubro de 1901. Da mesma maneira são exceptuadas as despesas pagas pelos fundos dos Caminhos de Ferro do Estado, cuja administração tanto em relação ás despesas como ás receitas, continua a ser feita nos termos da lei de 14 de julho e do regulamento de 2 de novembro de 1899».

Propostas de substituição aos artigos 30.° a 35.°, 2.ª parte, numeros e paragraphos do artigo 36.°, e artigo 38.°:

«Artigo A. De conformidade com a doutrina do n.° 33.° do artigo 1.° da lei de 30 de junho de 1891, continuará a vigorar o preceito de que nenhum vencimento de empregado, funccionario ou agente de serviços publicos de qualquer ordem, promovido, nomeado, collocado ou transferido para qualquer emprego ou funcção publica, seja de que natureza for, ainda quando a nomeação, transferencia, collocação ou promoção tenha caracter provisorio, possa ser abonado sem que esse vencimento, seja qual for a sua designação, tenha sido previamente fixado em lei, ou regulamento com fundamento em lei, e que o Tribunal de Contas tenha posto o seu visto de conformidade n'essa nomeação, promoção, transferencia ou collocação.

§ 1.° Todos os diplomas de nomeação, transferencia, collocação ou promoção de funccionarios, empregados ou agentes de serviços publicos de qualquer ordem, de que trata este artigo, expedidos por qualquer auctoridade ou estação, a que faltar a solemnidade imposta pelo mencionado n.° 33.° do artigo 1.° da lei de 30 de junho de 1891, serão sujeitos ao visto do Tribunal de Contas, e sem esse visto os respectivos vencimentos, ainda que descriptos nas tabellas da distribuição de despesa, não poderão ser pagos.

§ 2.° Os recibos de vencimentos passados pelos empregados de que trata este artigo, ou as respectivas folhas de vencimento, mencionarão sempre a data do visto do Tribunal de Contas que declarou legal a nomeação, promoção, transferencia ou collocação.

§ 3.° As repartições de contabilidade e os encarregados dos pagamentos, que visarem as folhas ou fizerem pagamentos em contravenção dos dois paragraphos anteriores, serão directamente responsaveis, se não representarem previa e superiormente, contra a illegalidade para que se providencie conforme for de direito.

Artigo B. As despesas certas, taes como os vencimentos do pessoal empregado no serviço publico, e descriptas no orçamento, os juros da divida consolidada, os encargos das operações amortizaveis, dos titulos de renda vitalicias, as pensões e quaesquer outras verbas de despesa que por sua natureza sejam consideradas de caracter permanente, serão autorizadas por ordens annuaes, em que se designará o exercicio, capitulo e artigo do orçamento, com a indicação de que o seu pagamento deve ser feito em duodecimos por meio de folhas em relação ao pessoal empregado no serviço publico e ás classes inactivas e semestralmente ou em outros periodos de tempo, tratando-se de encargos da divida publica, de garantias de juro e execução de contratos.

§ unico. Os responsaveis do pagamento das folhas não lhes darão execução, sob sua responsabilidade pessoal, quando a sua importancia exceder o duodecimo das ordens passadas.

Artigo C. De conformidade com o artigo 4.° do decreto de 17 de junho de 1886, nenhuma despesa variavel, seja de que natureza for, quer relativa ao pessoal, quer ao material dos serviços, pode ser proposta aos Ministros por qualquer direcção, administração, repartição ou estabelecimento sem que a Direcção Geral de Contabilidade Publica, por si no Ministerio da Fazenda, ou por alguma das suas repartições nos respectivos Ministerios, tenha sido ouvida e haja informado por escripto se a despesa a fazer cabe ou não dentro das auctorizações legaes. Essa informação acompanhará sempre o processo que subir ao respectivo Ministro, para n'ella ser lançado o competente despacho.

Toda e qualquer despesa, mencionada no paragrapho antecedente, que seja mandada realizar com preterição dos preceitos acima indicados, não pode ser paga, ficando responsaveis o director geral da contabilidade publica, ou o chefe da repartição da respectiva direcção em qualquer Ministerio, por qualquer pagamento ordenado e realizado em contrario das disposições legaes. Nas ordens de pagamento de qualquer despesa variavel mencionar-se-ha sempre a data da informação da contabilidade que houver habilitado o Ministro a auctorizar a mesma despesa, sem o que a Direcção Geral de Contabilidade Publica não poderá registar essas ordens.

Artigo D. Fica sujeito á pena de peculato e á responsabilidade civil o vogal do Tribunal de Contas que visar qualquer ordem de despesa que não esteja auctorizada, exceda a auctorização ou se ache erradamente referida a qualquer artigo do orçamento, excepto se se houver verificado alguma das hypotheses previstas no artigo 198.° do regulamento de 31 de agosto de 1881 e no artigo 16.º do decreto de 30 de abril de 1898. Ás mesmas penas ficam sujeitos:

a) O director geral da thesouraria que, sem ordem de pagamento nos termos d'esta lei, passar ordens para despesas proprias de qualquer Ministerio ou para lhe fazer algum adeantamento, seja ou não a encontrar com qualquer credito orçamental ou extraordinario, ou ainda para abonos extraordinarios ou adeantamentos a funccionarios do Estado;

b) Os responsaveis a que se referem o § 3.° do artigo A e o § unico de cada um dos artigos B e C.

§ 1.° O director geral da thesouraria não é responsavel por quaesquer pagamentos em conta de operações de thesouraria, se ellas forem ordenadas em Conselho de Ministros, contra seu parecer escripto, o qual será, juntamente com a resolução do conselho, immediatamente publicado no Diario do Governo.

§ 2.° É revogado o § 1.° do artigo 8.° da lei de 30 de abril de 1898, ficando assim sujeitos ao visto previo do Tribunal de Contas as ordens, certas ou incertas, relativas a todas as operações da thesouraria».

Substituição ao artigo 39.°:

«Artigo ... É instituida uma «commissão parlamentar de contas publicas», composta de cinco membros eleitos pela camara dos Pares, de igual numero eleito pela Camara dos Deputados, presidida pelo presidente da primeira.

§ 1.° Cada uma das Camaras elege cinco vogaes por escrutinio secreto e por meio de listas, que não poderão conter mais de tres nomes.

§ 2.° A commissão poderá requisitar os documentos de que carecer e que julgue necessarios para conhecer a forma como foram executados os orçamentos, a lei de receita e despesa,

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quaesquer leis de caracter financeiro, tudo, emfim, que diga respeito á administração financeira do Estado.

§ 3.° Sobre a execução que tiveram os diplomas referidos no paragrapho anterior a commissão elaborará parecer fundamentado e desenvolvido, contendo ainda o que a commissão resolver propor sobre infracções de quaesquer responsaveis. O parecer será publicado no Diario do Governo, terminando assim a intervenção do poder legislativo nas contas do Estado.

§ 4.° No caso. de encerramento ou dissolução das Côrtes a commissão funccionará até ser legalmente substituida.

§ 5.° Cada uma das Camaras poderá votar uma remuneração aos seus representantes na commissão parlamentar de contas publicas». = Teixeira de Sousa.

(O Digno Par não reviu este extracto, nem as notas tachygraphicas do seu discurso).

O Sr. Presidente: - Visto as propostas do Digno Par terem sido lidas por S. Exa., consulto a Camara sobre se permitte que sejam admittidas á discussão.

Foram admittidas e enviadas á commissão respectiva.

O Sr. Mello e Sousa: - Os dois Dignos Pares que usaram da palavra sobre o assumpto em discussão declararam que o não encaravam debaixo do ponto de vista politico, isto é, que entravam no debate sem paixão ou calor partidario.

O Digno Par Sr. Moraes Carvalho, no seu bello e primoroso discurso, veio demonstrar, o que aliás já está sufficientemente provado, que S. Exa. é um distinctissimo economista e financeiro.

É certo que o Digno Par não pôs aberta e claramente a nota politica; mas não é menos certo que, consultando livros, para d'elles tirar argumentos contra o projecto, muitas vezes se esqueceu de voltar a pagina.

Acceitando, pois, a questão nos termos em que S. Exa. a collocou, e consultando os mesmos livros, vou tambem voltar algumas paginasse demonstrar assim que o projecto apresentado pelo Governo não é tão mau como se diz.

O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa lembrou que a minha infancia politica fôra passada ao lado de S. Exa. De ha muito me habituei a admirar no Digno Par, não só qualidades de caracter primorosas, como vontade ferrea, e bastante conhecimento dos assumptos de que trata. A oração de S. Exa. em nada conseguiu alterar a amizade e a sympathia que de ha muito tributo ao Digno Par. Não só porque se operou uma notavel mudança no meu modo de ver, mas porque reconheço que o momento não é de acirrado combate, tratarei, não de atacar, mas apenas de me defender.

Deixarei de replicar por isso á nota accentuadamente politica do Digno Par que me antecedeu no uso da palavra, e apenas me limitarei a mostrar á Camara que a situação financeira do paiz, que S. Exa. descreveu, e muito bem, como sendo merecedora de cuidadosa attenção por parte dos homens publicos, não foi este Governo que a criou.

São de tal maneira importantes, e impõem-se por tal forma as declarações do Sr. Presidente do Conselho, e a maneira por que elle e os seus collegas do Governo teem procedido, que o Digno Par, approvado o projecto em ordem do dia, prevê a bancarota, se a situação politica actual desapparecer.

A verdade é que a responsabilidade das circumstancias occorridas no periodo de dez annos, que o Digno Par assignalou, não pode por forma alguma attribuir-se ao Governo actual.

S. Exa., reconhecendo na sua sinceridade os actos do Governo, e a maneira por que elle tem procurado cumprir o seu programma, diz que, approvada a nova lei de contabilidade publica, a bancarrota virá, se a actual situação politica desapparecer.

De onde se conclue que, se o Governo se conservar nos Conselhos da Corôa, natural e lógico é que não surjam os perigos que o Digno Par antevê.

Tão sincero é o desejo do Governo em cumprir o seu programma, em corresponder ás exigencias do paiz e ás indicações da opinião publica,: que começa por se impor a lei em que ha de viver.

Nós teremos leis primorosas, magnificas, mas, o Digno Par o disse, ninguem se importa com ellas.

Exactamente por se comprehender que as leis não teem sido acatadas, e por se chegar ao convencimento de que ninguem se importa com ellas, é que o Governo segue principios novos, nova orientação, de forma a que tudo se execute dentro das prescripções legaes.

Sem querer dar á minha argumentação a menor nota politica, não posso deixar de recordar que S. Exa. disse que a meudo se recorria á venda de titulos, sem que a lei tal permitta, e que tambem se recorria á divida fluctuante em termos que a lei prohibe.

S. Exa. foi ao ponto de manifestar o seu pasmo e o seu assombro quando, sendo Ministro da Fazenda, lhe apresentaram um officio do director geral dos correios, requisitando á thesouraria do respectivo Ministerio uma determinada quantia para despesas de representação n'um congresso, a que esse funccionario ia assistir. S. Exa. confessou que tinha recusado esse adeantamento; mas que mais tarde soubera que, a despeito da sua ordem, o funccionario em questão tinha recebido a quantia que havia requisitado.

O Sr. Teixeira de Sousa (interrompendo): - Parece que me não fiz comprehender.

Disse, effectivamente, que o director geral a que o Digno Par alludiu requisitara directamente ao Ministerio da Fazenda uma determinada quantia para despesas de representação n'um congresso internacional. Surprehendeu-me o facto, por ignorar que existia essa disposição legal que permittia que o director geral dos correios e telegraphos fizesse a requisição, sem ser por intermedio da Repartição de Contabilidade do Ministerio das Obras Publicas.

O Orador: - Agradeço as explicações do Digno Par, mas o facto é que a requisição foi satisfeita. O ponto capital é que se vendiam titulos, quando a lei o não permitte, e que a divida fluctuante attingia proporções grandiosas, contra o que as disposições legaes claramente preceituam.

É exactamente para acudir a este mau estado de cousas que o Governo se preoccupa intensamente com a execução do seu programma, procurando assim corresponder ás exigencias do paiz.

Eu faço votos por que o Governo continue a proceder como tem procedido até aqui.

Sendo já velho no Parlamento, e na idade, sei que um dos nossos principaes defeitos está em procurarmos desculpar os erros proprios com os alheios. Todos procuram defender-se com os precedentes. O precedente é a arma com que os partidos reciprocamente se aggridem. Será um processo commodo, mas tem de ser prescripto.

Posto isto, direi que a discussão do orçamento me é muito sympathica. Na Camara dos Senhores Deputados, em tempo, chamaram-me orçamentologo.

Não nego que a discussão do assumpto constitue, por assim dizer, uma especialidade rainha. Não sei se por effeito de força adquirida, se por habito, afigura-se-me que a analyse d'esse documento entra em todos os assumptos.

Ouvi discutir o orçamento na resposta ao Discurso da Corôa e vejo que elle é discutido a proposito de uma nova lei de contabilidade publica; tal discussão, longe de me desgostar, enche-me de prazer, porque é a unica a que me habituei, e aquella onde me encontro perfeitamente á vontade.

Na minha qualidade de plebeu, con-

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SESSÃO N.° 7 DE 15 DE JANEIRO DE 1907 71

fesso que me agradam os trechos de musica mais conhecidos.

Ao povo podem fornecer-lhe Beethoven, ou musica de outro grande compositor, ouvi-la-ha silencioso, sim, mas não a comprehende, nem experimentará a emoção alegre que lhe suscita qualquer musica popular como o fandango e outras; eu encontro-me, perante a discussão do orçamento, na situação do povo ao ouvir essas musicas vulgares; mas francamente, por muito prazer que essa discussão me cause, a verdade é que ella no momento actual não tem o minimo cabimento, e que o seu logar proprio será quando á Camara forem apresentados os dois orçamentos, o do exercicio corrente e o que tem de vigorar no anno economico futuro.

Afigura-se-me que, por agora, se deve tratar tão só, e exclusivamente, do ponto capital da reforma que está em ordem do dia.

O Digno Par Sr. Moraes Carvalho referiu-se ao principio da unidade orçamental.

Perguntou S. Exa. em que declaração está inscrito o principio da unidade orçamental?

Onde é que se apresenta este principio, como incontestado, e como axioma indiscutivel?

S. Exa. acrescentara depois: a unidade orçamental é rara. Em poucos paizes existe, se é que em algum existe.

É que o principio da unidade orçamental confunde-se com o principio da universalidade.

O orçamento belga, citado pelo Digno Par Sr. Moraes Carvalho, obedece ao principio da universalidade, porque, em virtude de uma disposição que ali é constitucional, todas as receitas e todas as despesas são incluidas n'elle.

É certo, disse o Digno Par, que Thiers foi um defensor do principio da unidade; isto é, queria um orçamento que contivesse todas as receitas e todas as despesas.

É muito interessante esta allusão de S. Exa., porque não ha duvida de que Thiers foi sempre um defensor do principio da unidade; e tão grande, que no seu famoso discurso de 1868 elle exclamava, referindo-se áquelle principio: c'est la lumière. De 1871 a 1875, a França, obrigada pelas circumstancias de fazer face ao onus pesadissimo que a guerra franco-prussiana lhe havia acarretado, abandonou esse principio; mas de 1876 para cá todos os Governos Francezes teem trabalhado, activa e efficazmente, para o restabelecimento da unidade orçamental.

A França tem caminhado vagarosamente, mas sempre tem obedecido a esse principio.

Ainda muito recentemente o Sr. Poincaré, no Senado, defendeu a unidade orçamental. Eu confesso me amador de revistas scientificas. Parece-me que Digno Par Sr. Moraes Carvalho, no seu brilhantissimo discurso, fez uma referencia humoristica aos leitores d'essas revistas.

O Sr. Moraes Carvalho (interrompendo): - Não critiquei ou censurei os leitores de revistas. Alludi a um medico que ia applicando aos seus doentes um remedio que tinha visto annunciado n'uma revista, sem medir o alcance ou a efficacia da droga.

O Orador: - Decerto que S. Exa.; economista distinctissimo e financeiro de primeira ordem, não desdenharia a leitura de revistas.

O Sr. Moraes Carvalho: - É até minha opinião que as revistas tendem a annullar os congressos scientificos.

O Orador: - Eu tenho uma opinião especial acêrca de congressos scientificos. Parece-me que n'essas reuniões ha festas a mais e sciencia a menos. Pelo que me respeita, convidado a tomar parte n'um d'esses congressos, recusei-me absolutamente, porque o meu estomago deteriorado e o meu physico um tanto combalido não se prestam a banquetes e danças. (Riso). Continuando a tratar do principio da unidade, direi que uma revista da especialidade sustenta que se ha principio sobre o qual todos estejam de accordo é esse principio.

Sr. Presidente: voltando ao assumpto, recordarei ter encontrado ainda ha poucos dias, n'uma revista, esta opinião de Gaston Jèze: «S'il est une régi sur laquelle l'accord est complet, c'est celle de l'unité du budget.»

A propria Belgica, aqui citada pelo Digno Par, trabalha ha muito tempo por obter a unidade orçamental.

Disse o Digno Par Sr. Moraes Carvalho que as despesas do orçamento ordinario teem de ser pagas pelo imposto, e as do extraordinario pelo emprestimo, e accrescentou que as despesas extraordinarias contribuiam para augmentar o património nacional.

Uma definição é sempre difficil. Lembro-me de que ha annos, discutindo-se na outra Camara uma lei de contribuição industrial, fui convidado pelo fallecido estadista Mariano de Carvalho a definir ou a precisar um certo principio; pois não houve meio de eu acceder aos desejos que me eram manifestados. Findo que foi o meu discurso, áquelle illustre parlamentar cumprimentou-me e disse-me que eu começava muito bem, e que devia sempre abster-me de qualquer definição.

A definição, pois, do Digno Par, colloca-me em difficuldades.

Léon Say, convidado tambem a precisar ou a definir o que eram despesas extraordinarias, disse que eram tudo o que o Ministro t quizesse, de accordo em a commissão do orçamento. Accrescentou que não era possivel outra definição.

A meu ver, todas as receitas e despesas teem de ser incluidas no orçamento, e é inadmissivel a excepção que se pretende abrir para os caminhos de ferro do Estado.

Eu sou contra as administrações industriaes autonomas.

Na Belgica, e na Prussia, onde os caminhos de ferro representam uma verba enorme, não se faz o que os Dignos Pares Moraes Carvalho e Teixeira de Sousa desejariam ver praticado no nosso paiz.

N'estas considerações não tenho o menor intuito de melindrar seja quem quer que for, e direi até que se ao tempo eu fosse Ministro das Obras Publicas teria provavelmente referendado os decretos relativos aos caminhos de ferro do Estado, a cuja administração preside um cavalheiro merecedor de todos os respeitos, o Digno Par Sr. Pereira de Miranda.

O Sr. Presidente: - Como deu a hora, pergunto ao Digno Par se quer ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte.

O Orador: - Como não posso deixar de responder a outras considerações que teem sido feitas, peço a V. Exa. que me reserve a palavra.

(O orador foi muito cumprimentado. S. Exa. não reviu este extracto, nem as notas tachygraphicas do seu discurso).

O Sr. Presidente: - A proximo sessão é ámanhã. Ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e meia da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 15 de janeiro de 1907

Exmos. Srs.: Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Gouveia, de Pombal, da Praia e de Monforte; Arcebispo de Evora; Condes: de Arnoso, do Bomfim, do Cartaxo, de Lagoaça, de Paraty, de Villar Secco; Bispo do Porto; Viscondes: de Monte-São, de Tinalhas; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Vel-

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lez Caldeira, Carlos Maria Eugenio de Almeida, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Mattoso Santos, Veiga Beirão, Ferreira do Amaral, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Baptista de Andrade, Gama Barros, Jacintho Candido, D. João de Alarcão, Teixeira de Vasconcellos, Mello e Sousa, Vasconcellos Gusmão, Moraes Sarmento, José Lobo do Amaral, José Luiz Freire, José Dias Ferreira, José de Alpoim, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Eduardo Villaça, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Venancio Deslandes Caldeira e Wenceslau de Lima.

O Redactor,

ALBERTO PIMENTEL.

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