O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 48

48 DIARIO DA CAMARA

N.º 7. Sessão de 27 de Julho. 1842.

(PRESIDIO O SR. DUQUE DE PALMELLA - E ULTIMAMENTE O SR. VISCONDE DO SOBRAL.)

PELA uma hora e meia da tarde foi aberta a Sessão; estiveram presentes 39 Dignos Pares - os Srs. Duques de Palmella, e da Terceira, Marquezes de Castello Melhor, de Fronteira, de Loulé, das Minas, de Niza, de Ponte de Lima, e de Santa Iria, Condes de Avillez, da Cunha, do Farrobo, de Lavradio, de Linhares, de Lumiares, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, de Sampayo, da Taipa, e de Villa Real, Viscondes de Beire, de Fonte Arcada, de Laborim, de Oliveira, de Porto Côvo de Bandeira, de Sá da Bandeira, de Semodães, da Serra do Pilar, do Sobral, e de Villarinho de S. Romão, Barreto Ferraz, Aguilar, Ribafria, Gambôa e Liz, Margiochi, Pessanha, Silva Carvalho, Polycarpo José Machado, e Trigueiros. - Tambem esteve presente o Sr. Ministro dos Negocios do Reino.

Leu-se a Acta da Sessão antecedente, e ficou approvada.

Mencionou-se a correspondencia:

1.° Um Officio do Digno Par Marquez de Ficalho, participando que, logo que as suas circumstancias o permittissem, viria occupar o seu logar nesta Camara.

2.° Um dito do Digno Par Mello Breyner, concebido nos mesmos termos do precedente.

De ambos ficou a Camara inteirada.

O SR. TRIGUEIROS: - Mando para a Mesa a Carta Regia em que é nomeado Par do Reino o Sr. José Barreto Castellino Cotta Falcão; e visto que a Commissão de Poderes se acha reunida, peço que lhe seja remettida para a legalisar.

Assim se resolveu.

Passando-se á Ordem do dia, proseguio a discussão do Parecer da Commissão especial nomeada para examinar a proposta do Digno Par Conde da Taipa sobre a admissão do Conde de S. Lourenço a tomar assento nesta Camara na qualidade de Membro della. (V. a Sessão antecedente.)

Tinha a palavra, e disse

O SR. CONDE DE LINHARES: - Sinto não vêr nos seus logares os Pares que hontem pareceram estabelecer os seus argumentos na falta de processo, e que por tanto parecem querer transformar em victimas aquelles sobre cujos crimes nenhuma duvida póde haver visto que todos os presenciámos: ora este argumento não me parece ter sido assaz combatido. Querer-se-á acaso dizer que o Decreto de 28 de Maio de 1834 é um acto tyrannico e injusto, que elle tendeu a sentenciar sem ouvir, e sem fórma de processo? Pois, Sr. Presidente, não julgo difficil provar que este Decreto, longe de ser tyrannico, é talvez um dos actos de maior clemencia e magnanimidade do Senhor D. Pedro IV, de gloriosa e saudosa memoria: por elle se transformou um acto de verdadeira rebellião, como o foi o da representação em caza do Duque de Lafões, em um méro acto de renuncia de pariato; o Decreto limita-se a reconhecer a renuncia voluntaria, e não considera Pares, pelo facto, os que renunciaram. Negarão acaso estes Srs. o facto? Negarão acaso a espontaneidade? Então para que o processo, que de certo nunca procurarão, certos da sorte que as Leis reservam aos traidores? Acaso alguem recusou taes julgamentos? A Camara recusou-se a julgalos em algum tempo? Não por certo; a consciencia dos individuos é que os affastou deste julgamento, pois sem a amnistia, qual sorte os não esperaria... Hoje porém, quando se dão por Pares desde a promulgação da Carta, não chamam sobre si, como Subditos que se reconhecem da Senhora D. Maria II, todo o rigor das Leis; e não é a sua representação a D. Miguel uma traição manifesta, em logar de ser um méro acto de renuncia? Como é que Pares poderiam desconhecer o seu Soberano, e duvidar da Lei jurada, como vigente no Estado, e pela qual tinham funccionado como Pares? Quem dirá depois disto que o Artigo do Decreto que lhes é applicavel, (leu.) seja injusto e tyrannico, tendente a condemnar sem ouvir? Que seria daquelles a quem o Manto Real cubrio com a amnistia, quando se considerasse em julgamento a sua infame defecção, a sua denegação de Soberano e da Lei jurada, a sua adhesão ao usurpador, os seus multiplicados esforços em seu favor, já nos conselhos deste, já no campo de batalha, que não desampararam se não na ultima hora, quando já vencidos não lhes restava se não cahir debaixo da espada da soldadesca vencedora: e não é ahi mesmo que elles acharam esse Manto Real para os abrigar com uma amnistia tanto mais generosa quanto nada a solicitava? Ponham-se pois fóra dessa amnistia, se o ousam, e cedo verão aonde os conduzirá o rigor das Leis.

Aqui cumpre-me reconhecer a justiça da Camara, quando hontem censurou a minha interupção ao discurso de um dos Dignos Pares, aliás em muito uso na pratica diaria desta Caza, mas não quanto a doutrina que foi esta mesma.

Agora, Sr. Presidente, passarei a outra consideração. Acaso será a prorogativa hereditaria do pariato de uma tal importancia constitucional, que a Camara dos Pares deva herdar de todos os odios inveterados que lhe possam legar todos os traidores que venha a haver? Não é na historia facil de reconhecer que quando estas tendencias se manifestam de ordinario não se limitam a uma só geração; não é o amor proprio offendido, o quasi constante motor de taes odios? Porque, pois, deveremos exaggerar um principio constitucional que a prudencia por certo não recommenda? A Constituição ordena que as penas não passem aos filhos dos culpados; mas a Constituição não os manda recompensar; e o pariato não será a maior das recompensas aos serviços feitos ao Estado?

Um illustre Par trouxe por norma diversos principios parlamentares de Inglaterra, porém, Sr. Presidente, creio ser certo que Pares de Inglaterra compromettidos, se me não engano, na rebellião de 1745, foram excluidos do pariato, e que só ultimamente Jorge IV restituio alguns destes na pessoa dos seus descendentes. O mesmo exemplo da França é contra-producentem, pois Luiz XVIII no seu Decreto de exclusão, em 1815, excluio Pares, por terem commettido actos contrarios aos que lhes impunha o dever do pariato.

Página 49

DOS PARES. 49

Do que tudo concluo, Sr. Presidente, que é do mesmo interesse destes ex-Pares, que nem se annulle esta Lei, para elles de certo protectora, e que positivamente não poderia ser annullada sem uma revogação legal, por meio de expressa medida legislativa, revogação que nem aproveitaria aos que por terem, morrido não poderem ser pessoalmente julgados, pois para esses mesmos não haveria mais do que provar a presença e assinatura para os assimilhar aos outros, e por tanto validar contra elles o acto da sua rebellião e renuncia do pariato.

Voto, portanto, Sr. Presidente, conformando-me com o Parecer da Commissão, e por elle, pela exclusão destes ex-Pares, cujo direito não pode prevalecer á sua renuncia reconhecida por uma Lei vigente do Estado, e álem disso por uma resolução adoptada por esta Camara na Sessão de 12 de Septembro de 1834, cuja resolução ordenou, e reconheceo que o caso do Sr. Conde de Sampayo não era applicavel aos outros ex-Pares: (leu.)

O SR. RIBAFRIA: - Tenho ouvido, Sr. Presidente, ha uns poucos de dias dar o epitheto de traidor ao Exmo. Conde de S. Lourenço; não sei qual é o motivo; poder-lhe-ão caber todos os epithetos menos o de traidor: que se possa chamar isso a seu pae, não entro nessa questão, mas ao Conde de S. Lourenço não. Elle não tinha anteriormente seguido o partido da Rainha e da Carta; conservou-se sempre firme nos seus principios, ou bons, ou máus: acabada a gueria civil, subjeitando-se á sorte da mesma, vem pedir para entrar na Camara dos Pares. Não e isto por certo traição.

Agora quanto ao direito que lhe assiste, parece-me que se póde dizer alguma cousa a este respeito: seu pae foi Par; estes são hereditarios; ainda quando elle tivesse crimes não foram julgados; a pena não passa da pessoa do delinquente; conclue-se pois que se não póde excluir desta Camara a pessoa de que se tracta sem grave injustiça, principalmente não tendo sido julgado nem sentenciado.

O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Eu lamento que esta questão viesse trazer á recordação acontecimentos que, para bem de todo o Paiz, seria melhor deixar esquecer, para não excitar novamente odios, e lembranças amargas que o tempo vai extinguindo. Sinto tambem que esta questão se apresentasse por um modo que me parece irrregular, inopportuno, e inconveniente: irregular, por que não é o proprio interessado quem dirige a sua petição directamente a esta Camara; (Apoiados ) parece-me a questão inopportuna, por que talvez ainda não tenha chegado a epocha de se poderem tractar questões desta natureza; (Apoiados.) e acho que, em todo o caso, para ser tractada convenientemente, seria necessario considerala com sangue frio e applicando-lhe principios geraes: por isso hontem aporei a opinião de um Digno Par, que queria que se exigisse o Parecer de uma Commissão sobre a questão em abstracto, em these, e não sobre a pretencão de um só individuo o que é sempre odioso e desagradavel. Entretanto já não depende de mim o evitar que a questão se agite agora pelo modo por que foi apresentada.

Começarei por dizer ao Digno Par que fallou hoje, que me parece não considerou este negocio debaixo do seu verdadeiro ponto de vista. S. Exa. pareceo intender que se tractava de annullar o De-

PARES.

creto do Senhor D. Pedro, e que esse Decreto se applicava evidentemente ao Conde de S. Lourenço. Ora a primeira supposição é infundada, e a segunda duvidosa: ninguem propôem a derogação do Decreto, mas o que se tracta é de examinar se elle tem uma clara applicação ao caso em que se acha o Conde de S. Lourenço; e sobre isto não disse uma palavra o Sr. Conde de Linhares. O Decreto declara demittidos os Pares que assignaram uma representação ao Usurpador; o Conde de S. Lourenço não era Par quando esse papel foi assignado, e por consequencia póde muito bem duvidar-se que elle esteja comprehendido no mencionado Decreto. Mas, digo mais, e creio que ainda mesmo quando evidentemente a Lei lhe seja applicavel, ninguem lhe poderia tolher o direito de se apresentar para requerer que a Camara o julgue, e declare se está ou não comprehendido na sancção da mesma Lei. - Este direito é innegavel, por quanto muitas hypotheses se poderiam imaginar que eximissem de toda a culpa qualquer dos individuos que em 1834 foram excluidos desta Camara. Supponho, por exemplo, o caso de que apparecesse impresso na representação, que se lhe imputa como crime, o nome de algum Par que de facto a não houvesse assignado: supponho o caso de uma violencia manifesta, e que possa provar-se. Qualquer destas hypotheses, ou outras similhantes que se imaginem bastam para demonstrar que os Pares excluidos pelo Decreto de 1834 têem direito, sempre que o reclamem, de ser ouvidos, e de ser julgados pela Camara, e não póde negar-se que esse mesmo direito subsiste ainda com mais força para aquelles que, como o Conde de S. Lourenco, não tinham ainda em 1834 a dignidade de Par.

Torno a repetir que muito mais seria para desejar que esta Camara nomeasse uma Commissão, para que esta apresentasse um Parecer que abranja todos os casos em que se póde ou deve verificar-se a successão do pariato, tomando em consideração a questão dos filhos dos Pares aos quaes se applicou o Decreto de 1834. - A Camara já reconheceu o direitcr de successão de paes para filhos, e esta decisão teve logar, ainda nos ultimos dias, a respeito de dous Dignos Pares, um delles filho de um Par da primeira nomeação, e o outro filho de outro Par já nomeado depois da restauração. Digo que ficou decidida esta questão, por que aliás resultaria que a Camara se arrogava o direito de nomear Pares. Por tanto, a admissão dos dous mencionados Pares significa o reconhecimento da successão do pariato do pae para o filho. - Este principio fica pois estabelecido, e resta a decidir somente a maneira e as condições da transmissão do pariato hereditario na falta de descendencia directa e masculina.

No caso do Conde de S. Lourenço, verifica-se a successão em linha directa e masculina, mas é necessario examinar se a presumida renuncia do Marquez de Sabugoza affecta o direito de seu filho, já nascido quando esta renuncia teve logar. A Carta Constitucional declara que as penas não passam para os descendentes, e por consequencia a reclamação do Conde de S. Lourenço só póde ser, segundo me parece, recusada provando-se que por um acto seu proprio renunciou ao direito que lhe competia depois do falecimento de seu pae.

Disse aqui um dos nossos Collegas, cujos conhecimentos politicos eu muito respeito, e a cuja ma-

13

Página 50

50 DIARIO DA CAMARA

neira de pensar muitas vezes me ligo, que se não podia transmittir aquillo que se não possuia, repetindo que o pae não tendo acceitado o pariato ou tendo-o renunciado, não era possivel depois transmittir a seu filho essa dignidade renunciada, e que elle tinha declarado nunca ter acceitado de boa vontade, por que reconhecia a sua origem illegal, como consta do papel que assignara em caza do Duque de Lafões. A isso respondo: que a declaração desse Par é contraria ao facto, porquanto, ainda que elle dissesse que nunca tinha sido Par, ou que não reconhecia, no Senhor D. Pedro a authoridade de dar a Carta, e em fim por mais monstruosa que fosse a declaração, como é contraria ao facto de nada vale; por quanto de facto se tinha assentado na Camara dos Pares, e de facto exercido a dignidade de Par. Quem nega um facto que realmente existio, falta á verdade e não destroe a existencia do facto. Poderá dizer-se que os Pares que assignaram aquella declaração, tinham exercido as suas funcções com repugnancia, mas nunca poderá dizer-se que as não tinham exercido. Torno por tanto a repetilo, uma declaração contraria á evidencia da verdade não póde ser allegada para annullar o direito dos filhos dos que a assignaram.

Deixando de parte pois o argumento que se quer tirar contra os filhos de uma declaração absurda assignada pelos paes, vejamos se a renuncia voluntaria do pariato hereditario póde bastar, segundo os principios rigorosos de justiça, para privar o filho do direito de succeder a seu pae.

Creio que não póde dar-se a uma Lei penal maior extensão do que o seu sentido litteral indica: isto é um principio inconcusso de Direito. Ora nos não temos Lei nenhuma pela qual a renuncia de um Pai, traga comsigo, e como consequencia a perda do direito do filho; como principio geral está claro, não só na nossa Legislação mas até em toda a Legislação do Universo, que ninguem póde nunca ser privado do proprio direito sem seu consentimento, sem ser ouvido ou intimado. - Allegou-se o exemplo de Inglaterra; mas esse exemplo não é absolutamente claro, segundo eu intendo: em Inglaterra, se o filho é nascido depois do acto pelo qual o pae, sendo Par, foi condemnado como réo de alta traição, o filho é comprehendido, por que depois desse acto não se lhe reconhece o direito, por quanto se reputa que o pae já lho não podia transmittir; mas se já era nascido antes, então conserva esse direito. Ora isto é em Inglaterra praticado sempre no caso de haver uma sentença, ou voto da Camara depois de um processo formal, mas uma declaração do Governo ou mesmo das Camaras, sem que preceda um processo, não traria comsigo a mesma consequencia.

Se se tractasse de defender o acto do Senhor D. Pedro, que nunca foi atacado (ao menos que eu saiba), eu seria o primeiro a defendêlo; foi um acto de absoluta necessidade no momento em que se promulgou, por que ninguem póde duvidar que se o Senhor D. Pedro tivesse, na occasião do chamamento das Côrtes depois da restauração do Throno da Rainha, deixado entrar na Camara dos Pares aquelles mesmos que tinham requerido ao Usurpador a anniquilação da Carta, poderiam ter resultado d'ahi as mais tristes consequencias. (Apoiados.). - Ora o que eu não pretendo negar é que, se naquelle tempo, ou mesmo agora, elles pedissem o serem julgados por esta Camara, teriam direito para o pedirem, assim como a Camara tem o direito de os julgar: (Apoiados.) mas, se se pretende que esse Decreto possa tambem ter applicação a alguns individuos, que em 1834 ainda não eram Pares mas sómente successores de Pares, digo então que os individuos que se acham nesse caso tem ainda maior direito, se é possivel, de exigirem que uma tal applicação não tenha logar sem ser precedida de um processo e de uma sentença que lhes subministre a faculdade de allegar tudo quanto poderem apresentar em sua defeza.

Disse-se aqui que o Decreto era um acto de amnistia: não é assim. Houve dous actos de amnistia: uma ampla e generosa amnistia, a qual se publicou na Proclamação do Senhor D. Pedro quando emprehendeu a expedição para Portugal; esta amnistia era offerecida a todos aquelles que se reunissem ao Governo legitimo, e então aquelles que se não uniam á Causa da Rainha não têem direito a valerem-se della: a outra foi depois da Convenção de Evora-monte, e esta só promette esquecimento dos; crimes politicos, mas certamente não rehabilita os Pares que já se achavam excluidos da Camara por uma resolução anterior, por que não tem um effeito retroactivo.

Sr. Presidente, muito mais teria eu que dizer se estivesse bem preparado para entrar nesta questão, mas como não tencionava fallar só tenho algumas notas que tomei a pressa, por consequencia não querendo agora cançar mais a Camara, tornarei a pedir a palavra se o caso o exigir; accrescentando que é muito para desejar que a Camara considere esta questão friamente, sem a decidir nem por considerações politicas, nem por paixões, e ainda muito menos por odios, (Apoiados.) e que a considere unicamente pelo lado da justiça, até por que esta Camara deve lembrar-se de que pode vir a constituir-se em Tribunal para proferir uma verdadeira sentença, e seria indecoroso que se tivesse pronunciado de maneira que a tornasse incompetente. Creio que é chegado o momento de se esquecer em absolutamente as dissenções passadas, e de fazer com que os diversos partidos se dêem as mãos. - Ora, por esta occasião, direi que eu não considero partidos em Portugal, (apoiados.) nem desejo que se apresentem como tal; todos os Portuguezes são iguaes perante a Lei, e perante o Throno todos podem e devem ser empregados segundo as suas faculdades, habilitações e caracter, sempre que o serviço publico o exija. Na escolha dos Servidores do Estado não deve influir nem a intriga nem o espirito de partido, e pela minha parte declaro que, tractando-se de individuos, não reconheço em Portugal se não Portuguezes; (Apoiados,) e creio que felizmente temos chegado ao ponto de que isto já não possa ser mal interpretrado, como aconteceu, com a declaração que eu fiz em outra epocha de que era muito para desejar que toda a Familia Portugueza se reunisse cordialmente em torno do Throno da Rainha.

O SR. CONDE DA TAIPA: - Sr. Presidente, eu fui quem apresentei a esta Camara os documentos em virtude dos quaes o Conde de S. Lourenço se julga com direito para tomar assento nella como Par do Reino; estes papeis, mandados a uma Commissão do que eu fiz parte, todos os seus Membros

Página 51

DOS PARES. 51

foram conformes n'um Parecer com o qual eu me não pude confirmar, e em consequencia fiz um Voto em separado.

O Parecer da Commissão sustenta que o Conde de S. Lourenço não póde tomar assento nesta Camara em consequencia do Decreto de 28 de Maio de 1834, por virtude do qual a Commissão julga, e admitte que o Marquez de Sabugoza, pae do Conde de S. Lourenço, fôra excluido da Camara, e que, tendo o pae do Conde perdido o direito, não o podia communicar a seu filho.

Sr. Presidente, é uma doutrina subversiva de todos os principios constitucionaes sustentar que um Decreto póde revogar uma Lei, e a Lei fundamental do Estado; esta doutrina, que é repugnante com o principio do governo constitucional, nunca foi admittida nem mesmo nos governos a que os Publicistas chamam Monarchias puras, e que vulgarmente se chamam governos absolutos. Nestes governos, aonde o Poder Legislativo estava unido ao Poder Real, esse Poder não era absoluto, era limitado, como em França, aonde o Poder Real esteve sempre em uma lucta constante com os Parlamentos para o legistamento das Leis: de milhares de exemplos que offerece esta lucta apresentarei alguns para sustentar os meus argumentos. - Em 10 de Fevereiro de 1424 Carlos VII expedio um Decreto confirmando a Concordata feita com o Papa Martinho V, mas o Parlamento recusou registala, e a Concordata não foi admittida, exprimindo-se por este modo o Parlamento - Fucrunt proesentatue in curia parlamenti regis Parisensis ann. Domini 1418 die 10 mensis Junni, sed non acceptatae per cadem enviam. - Em 1629 Luiz XIII foi em pessoa ao Parlamento para obrigar a registar a Lei chamada o Codigo Michant, o codigo foi registado a força pelo Parlamento, mas em consequencia dessa violencia nunca os advogados em Franca reconheceram aquelle codigo como Lei nem os juizes quizeram nunca julgar por elle.

A vista destes exemplos nos governos chamados absolutos, poderemos nós constitucionaes, nos que formâmos um dos ramos do Poder Legislativo pela Constituição do nosso Paiz, admittir que um Decreto póde revogar a Lei fundamental do Estado na parte constitutiva desta mesma Camara? Certamente não; nem o Principe que mandou promulgar aquelle Decreto teve em vista a destruição da sua propria obra; e e uma calumma á sua memoria attribuir-lhe similhante intenção: o Augusto Regente nunca intendeu que aquelle Decreto podesse ter um effeito permanente, e só o promulgou como uma medida transitoria imperiosamente requerida pelas circumstancias da situação. Quando S. Magestade Imperial convocou as Côrtes, pela primeira vez depois da restauração, achava-se o Paiz em uma situação similhante aquella em que o grande Orado Romano dizia silent Leges inter arma; as feridas ainda vertiam sangue; as paixões estavam exaltadas; as injurias recentes; os odios exacerbados; ninguem estava no seu estado natural: nesta situação digo, era impossivel que S. Magestade abrisse a Côrtes com os Pares que, ou tinham servido activamente D. Miguel, ou lhe tinham obedecido: mas aquella situação não era a liberdade; era o estado necessario de reacção em que a acção feroz do governo de D. Miguel tinha deixado o Paiz. Sr. Presidente, e não poderemos nós, depois de dez annos passados, acabar com o estado revolucionario? A liberdade reclama imperiosamente que se ponha um termo á revolução; e o fim das revoluções não chega em quanto o partido vencedor não transige com as pessoas dos vencidos, não respeita todos os seus direitos, e não protege todos os seus interesses legitimos.

Sr. Presidente, o principal argumento da Commissão, para provar que o Conde de S. Lourenço não póde see admittido a tomar assento nesta Camara, é que tendo seu pae, o Marquez de Sabugoza, renunciado a dignidade de Par, por haver assignado um papel pedindo D. Miguel para Rei, essa renuncia tinha sido proclamada pelo Decreto de 28 de Maio de 1834, e que não sendo o Marquez de Sabugoza Par quando morreu não podia communicar essa qualidade a seu filho, o Conde de S. Lourenço.

Sr. Presidente, uma renuncia não póde ser valiosa em Direito sem que se faça expressa menção da cousa renunciada, e para que a renuncia seja acceite é necessario que a cousa renunciada seja renunciavel. A Commissão não apresenta documento algum pelo qual prove que o Marquez de Sabugoza renunciou expressamente a dignidade de Par, e, ainda que apresentasse, a renuncia não podia ser admittida, por ser principio recebido, e seguido no nosso Direito Patrio, que os privilegios que resultam de um interesse publico não são renunciaveis, como prova o Assento da Caza da Supplicação de 14 de Julho de 1778, e o Avizo de 13 de Agosto do mesmo anno. Logo o Marquez de Sabugoza nem renunciou, nem podia renunciar.

Bem percebeu a Commissão a fraqueza dos seus fundamentos porque o seu Relator, no decurso de sua argumentação, mudou de rumo, e sustentou que o Marquez de Sabugoza nunca tinha sido Par por que nunca tinha tido a intenção de o ser. Custa-me, Sr. Presidente, a combater esta asserção por que e quasi necessario recorrer á Theologia, e em Theologia quem não é grande Doutor póde da melhor fe do mundo dizer heresias. - Todos sabem que juiz das intenções só o pode ser Deus, e seria necessaiio que Deus tivesse apparecido aos Membros da Commissão, como a El-Rei D. Affonso Henriques no Campo de Ourique, para elles poderem certificar que o Marquez de Sabugoza não tinha tido intenção de ser Pai; e para a Camara julgar por esse fundamento era necessario que a Commissão trouxesse o milagre authenticado em fórma regular.

Mas, Sr. Presidente, o Marquez de Sabugoza acceitou a sua Carta de Par; remetteu-a a esta Camara; foi mandada registar; tomou parte nas suas deliberações, ou como Corpo Legislativo, ou como Tribunal de justiça, assignou papeis declarando-se Par do Reino, depois de tudo eu não sei como se, possa dizer que elle não foi Par. (O Sr. Duque de Palmella: - Eu não sei, mas disse-o elle.) Pelo amor de Deus, Sr. Presidente; pois se um homem fizer uma escriptura de contracto, e quando fôr obrigado por essa essa escriptura declarar que não tinha tido intenção de a fazer, haverá tribunal que o desobrigue?

Sr. Presidente, ainda mesmo que o Marquez de Sabugoza tivesse renunciado, essa renuncia não podia prejudicar a seu filho. Não lhe podia prejudicar, Sr. Presidente, por que o direito do Conde de

Página 52

52 DIARIO DA CAMARA

S. Lourenço não lhe vem de seu pae, mas sim da Lei, e da Lei constitucional do Paiz. Neste caso não póde haver duvida, por que está decidido completamente pelos Mestres; todos os Publicistas e Jurisconsultos estão de accòrdo, e permitta-se-me, Sr. Presidente, a mim septimo Membro leigo de uma Commissão composta de mais seis letrados, o citar os authores por onde elles devem ter aprendido. Diz Grotius, Sr. Presidente - Pro se qui que abdicare possit non est dubium: an et pro liberis, magis controversum. Sed in lineali successione patris factum nocere non potest liberis natis, quia simul atque existere coeperunt Jus proprium cis quoesitum ex lege, sed nec nascituris, quia impedire non potest quin ad illos quoque suo tempore jus pertineat. - Por tanto, Sr. Presidente, derivando-se o direito do Conde de S. Lourenço da Lei Constitucional do Paiz, esse direito não podia ser prejudicado por seu pae, fosse qual fosse o seu procedimento. (O Sr. Duque de Palmella: - Dirija-se aos infieis, e não a mim.) Eu creio que todos aqui são fieis. - O direito do Conde de S. Lourenço, derivando-se da Lei, a Lei não podia ser revogada por seu pae por que não era o Poder Legislativo.

E Lei do nosso Paiz, que, quando houver um caso ommisso na Legislação patria, se julgue pela Lei dos Paizes mais civilisados. Em Inglaterra o procedimento do pae não prejudica o direito do filho ao pariato, e bastantes exemplos offerece a historia daquelle paiz de casos identicos. Em França, Sr. Presidente, um facto recente vem ainda corroborar os meus argumentos. Em 1830, quando Luiz Philippe foi proclamado Rei dos Franceses, e desthronado Carlos X, o Duque d'Usés não quiz reconhecer a nova ordem de cousas, e deu competentemente a sua abdicação de Par; seu filho primogenito apresentou-se á Camara, e reclamou o direito que lhe provinha da Lei para ser admittido a tomar assento como Par; a este tempo já a Lei para a abolição da hereditariedade do pariato estava em discussão, e, não obstante isso, foi admittido na Camara, e é hoje Par em França.

Duas são as circumstancias legaes em virtude das quaes se póde tomar assento nesta Camara; uma a nomeação Real, e a outra o direito hereditario consignado na Carta Constitucional: em Portugal não existe nenhuma cathegoria de Cidadãos que estejam privados dos seus direitos politicos: a amnistia depois da Convenção de Evora-monte manteve a todos nos seus direitos; e, seja-me permittido ainda a pedantaria de uma citação, Wófio, no seu Tractado de Direito das Gentes, define deste modo o que é uma amnistia. - Amnistia dicitur injuriarum el offensionum antea illatarum in sempiternum sancita oblivio. - Amnistia igitur proestitu, cum omnia, facta in obtivionem perpetuam et in immortale silentium deducantur, nemo rerum ante actarum accusari, neve muletari potest. - Por esta doutrina, Sr. Presidente, e tendo sido proclamada uma amnistia pura e simples, não existe em Portugal, como já disse, nenhuma cathegoria de Cidadãos inhabilitada para exercer direitos politicos, e, quando a houvesse, devia ser por uma Lei geral para todos, e não ao arbitrio do Ministerio. Ora a Camara tem recebido muitos Pares por nomeação que assignaram o pedido a D. Miguel para se fazer Rei, outros que foram membros dos Tres-Estados e assignaram o auto de acclamação, e outros finalmente que o serviam com as armas na mão; e a Camara não tem posto difficuldade, nem devia pôr, visto o poder indisputavel que tem a Coróa de fazer estas nomeações: e não será uma contradicção escandalosa recusar assento nesta Camara a pessoas que se apresentam em virtude da Constituição para tomar logar pelo seu direito hereditario, e que estão nas mesmas circumstancias de muitos outros que a Camara já tem recebido sem difficuldade? Isto, Sr. Presidente, seria negar o principio hereditario unica garantia que offerece de independencia uma Camara aonde o Governo póde fazer nomeações sem estar ligado a cathegorias.

Além das rasões que acabo de expôr, accresce outra; e é, que a medida por mim proposta deve ser adoptada em attenção á paz publica, e como um dos meios de congraçar a Familia Portugueza. - Em quanto existia a guerra de Hespanha em quanto houve conspirações absolutistas neste Paiz, eu não aconselhara similhante medida, por que então ainda o partido miguelista se não tinha voltado para o regimen constitucional; mas hoje, Sr. Presidente, os individuos desse partido vão ás eleições, disputam-nas, e querem ser eleitos: e que significa tudo isto? Significa que o partido miguelista se quer fazer constitucional... (Riso). Riem-se?... Olhem que o systema constitucional tem mais attractivos para o grande numero do que o systema absolutista: o regimen liberal faz com que os homens estejam sempre em contacto uns com os outros; discutem-se os interesses publicos desafogadamaente adquire-se aquella energia que só dá o exercicio da Liberdade politica, e que nem quantos Migueis, nem quantos cortesãos ha no mundo podem destiuir, para pôr em logar disso um governo que o mais que póde dar é a paz dos tumulos, ficando elles tambem privados do direito de se queixarem, ao menos, de qualquer disposição que não julguem conveniente.

Eu estou persuadido que esta medida não passa agora, mas fica-me a convicção de que ainda ha de passar, por que, decida a Camara o que decidir, como a sua deliberação seja tomada contra a Lei fundamental do Estado, sempre ha recurso della, sempre fica ao Conde de S. Lourenço o direito de fazer apresentar a sua instancia, e tantas, vezes quantas forem necessarias para obter a admissão nesta Camara.

Sr. Presidente, é preciso que eu declare que não vim aqui combater pelo successo de uma causa, mas sim pela inviolabilidade de um dogma politico. Veja a Camara coma decide, pois que, segundo a doutrina que parece prevalecer nesta questão, qual de nós póde dizer que é Pai? A excepção de um ou dous, todos nós jurámos a Constituição de 38... (O Sr. Conde de Linhares. - E fomos-lhe fieis.) Bem: mas o que eu digo é que se póde pôr em duvida se conservámos a dignidade de Pares, por jurarmos uma Constituição que não era a Carta de 1826...

Sr. Presidente, terminarei dizendo, aquillo que não era necessario dizer: rejeito o Parecer da maioria da Commissão, e voto pelo que assignei.

O SR. BARRETO FERRAZ: - Sr. Presidente, já se tem dito bastante sobre esta materia que dá occasião a longos discursos; mas não vejo que ainda se tenha dito tudo: não serei eu quem tenha a vaidade de lhe querer pôr termo, e apenas apresentarei um pe-

Página 53

DOS PARES. 53

queno contingente que pouco pèzo fará na balança: porém, como sou Membro da Commissão, sempre farei algumas reflexões para responder ao Digno Par que acabou de fallar.

Mas, antes de entrar na materia, seja-me permittido felicitar o Digno Par pelos sentimentos de concordia e de tolerancia de que acaba de fazer alarde; eu dir-lhe-ei, como acaba de dizer o meu visinho o Sr. Duque de Palmella, = aos infieis Senhor, aos infieis, = por que eu, em desejos de concordia e de tolerancia, não cêdo ao Digno Par que agora está possuido deste tão generoso sentimento; lamentando muito que não o estivesse quando eu fui Membro de uma Administração, de que era Presidente o nobre Duque; por que então, se o Digno Par nos tivesse dado o apoio da sua eloquencia e dos seus talentos muito nos teria ajudado a realisar o pensamento de tolerancia que presidio á orgnnisação daquelle Ministerio. Eu invoco o testimunho; dos Dignos Pares que foram meus Collegas, e que tem assento nesta Caza, que são todos (menos um que foi victima das nossas dissensões politicas), e não tenho receio de ser desmentido quando affirmar que os nossos desejos, de accòrdo com os nossos sentimentos, eram consolidar à Carta Constitucional, continuar o systema de reformas começado pelo nosso Libertador, e reunir em roda do Throno da Rainha todos os Portugueses de toda das opiniões, e de todos os partidos: este era o nosso programma; e, se não tivemos a fortuna de realisar estes desejos, não foi culpa nossa, nem por falta de vontade; muitas causas, que seria inutil referir, para isso concorreram; mas não duvido a affirmar que uma das principaes consistio na opposição tenaz e acintosa com que o nosso Ministerio foi combatido, tanto nesta como na outra Caza: e com effeito, como seria possivel realisar o pensamento de união quando todos os dias, e a todos os momentos, nesta Camara e na outra estavamos sendo combatidos e censurados, por que despachavamos miguelistas, por que empregavamos miguelistas, por que conservamos miguelistas nos empregos?... (O Sr. Conde da Taipa: - Isso não é commigo.) Pois vá, a quem toca. - Não se lembra o Digno Par que até houve quem apresentasse em pleno Parlamento uma lista de miguelistas que deviam ser proscriptos? (O Sr. Conde da Taipa. - É verdade.) É que até se nomeou uma Commissão para apresentar uma Lei que qualificasse os miguelistas afim de lhe ser imposto o ostracismo e a proscripção? Por tanto, Sr. Presidente, eu estimaria muito que o Digno Par (que diz que não é com elle) se apresentasse então ... (O Sr. Conde da Taipa - Lembra-se da minha carta pela qual me mandaram prender por ser tolerante?) Pois o Digno Par sendo tolerante, como acaba de dizer, teria feito um grande serviço ao Paiz se nos apoiasse naquella occasião. Mas, Sr. Presidente, o Digno Par disse que o fez, eu não me lembro: se o fizesse era um grande serviço, e mostraria grande coragem; mas na epocha presente, quando o partido miguelista póde passear livremente em toda a parte, (e parabens lhe seja) pode levantar o seu pendão, entrar na campanha eleitoral, e auxiliando, ou auxiliado por outros partidos consegue introduzir representantes no Parlamento, nesta epocha, digo, o receio que mostra o Digno Par de que façamos aos miguelistas o mesmo que EIRei D. Manoel fez aos Judeos é um ana-

PARES.

chronismo, um contrasenso. Agora o que vemos é tolerancia, e muito maior do que aquella de que o Governo de que eu fiz parte empregou, e que mereceu tão acre censura da opposição; por que, supposto estivessemos na firme resolução de receber com os braços abertos todos os Portuguezes, de todas as opiniões, e de todos os partidos, queriamos tambem que primeiro reconhecessem os passados erros em que muitos delles tinham vivido, e que a elles renunciassem logo que reconhecessem os sagrados direitos da Rainha, e os principios constitucionaes da Carta: essa renuncia ainda eu hoje exigiria apezar dos sentimentos de tolerancia em que não cêdo ao Digno Par; apezar do novo systema das coalisões, cuja doutrina não pude ainda comprehender. (Apoiados.)

Sr. Presidente, a questão que nos occupa é na verdade muito importante; mas, na minha humilde opinião, essa importancia não deriva tanto da difficuldade da decisão como das consequencias que della podem resultar e, sobre tudo, dos esforços que é necessario empregar para conservar aquella placidez, e sangue-frio que é indispensavel para manter a decencia, e o decóro que deve presidir a todas as discussões desta Camara. - Pela minha parte, tenho feito todos os esforços para considerar a questão em abstracto, e muito estimaria que ella tivesse sido apresentada em these; (Apoiado.) entretanto, obrigado a tractala, de outro modo, procurando ainda considerala em abstracto, declaro que não vejo, nem quero vêr involvido neste negocio o Ministro da Guerra de D. Miguel, o general em chefe dos seus exercitos, o maior inimigo da Rainha e da Carta, em fim - o Conde de S. Lourenço! Só quero ver um homem que reclama a qualidade de Par, que julga lhe pertence por direito de herança.

Olhando para este objecto sómente, direi que este negocio apresenta duas questões: Primeira questão. - Poderia o pae do recorrente renunciar ao pariato, e ser esta renuncia acceita? - Segunda questão. - Póde o filho ser prejudicado pela renuncia do pae? - Eis aqui, segundo me parece, comprehendido nestas duas questões o negocio de que se tracta.

E, começando pela primeira, parece-me que não será muito difficil a sua resolução; por que é expresso, e conforme aos mais vulgares principios da regulação civil e positiva, que a qualquer é licito renunciar ao seu direito, e que todo o individuo a quem as Leis concedem pleno exercicio das suas faculdades intellectuaes, civis ou politicas esta em circumstancias de usar deste direito. Ora o pae do recorrente, achava-se nestas circumstancias, logo podia livremente renunciar ao direito do pariato para que fôra nomeado. - Mas, disse-se que tal renuncia não existe, ou que ao menos não se apresentam documentos authenticos e legitimos que comprovem este facto: e eu digo que os ha, e ja o disse, e muito bem o demonstrou, o Digno Par Relator da Commissão: ha um documento mecusavel, que já foi produsido nesta Camara; e então eu digo como a Commissão que, delle não só se deprehende uma renuncia ao pariato, mas até, a não acceitação desse pariato, como bem se póde intender do sentido litteral e genuino daquelle papel que, foi assignado em caza do Duque de Lafões; lá appareceo o pae do recorrente sem coacção alguma, e declarou, como se vê, que elle não reconhecia a legitimidade da

14

Página 54

54 DIARIO DA CAMARA

Carta nem as suas instituições, nem a legitimidade do Soberano que a outhorgara, e pelo qual fòra nomeado para exercer as funcções de Par, e declarou juntamente que só por effeito de coacção as tinha exercido: e então isto importa uma formal renuncia, como disse a Commissão, ou não acceitação, por que o haver acceitado e exercido debaixo da influencia da força e do medo, e como se o não tivesse exercido nem acceitado, visto que a força e o medo annullam e viciam todos os actos. - Com isto tenho respondido a uma asserção do Sr. Duque de Palmella, quando disse que não era possivel negar-se o facto de que o Marquez de Sabugoza havia exercido o pariato; por quanto elle o tinha acceitado e exercido; mas eu respondo que é como se o não tivesse acceitado e excercido, por isso que intreveio a força e o medo, que, como disse, annullam todos os actos. - Temos, em quanto a mim, demonstrado a renuncia, ou não acceitação do logar de Par, assim como temos tambem o Decreto de 28 de Maio de 1834, que, accetando estas renuncias, diz que em virtude dellas os Pares não podem ter assento nesta Camara.

Este Decreto porém tem sido atacado de differentes modos, e já ouvi aqui qualificalo de monstruoso, dizendo-se que era anticonstitucional, e destruidor da Carta; assim como por outro lado ouvi dizer que elle era um monumento da sabedoria do Principe Legislador, que nas circumstancias em que se achava não podia adoptar outra providencia. Ora eu não procurarei descubrir o meio de conciliar estas duas opiniões, que me parece muito contradictorias; porém o que me importa é rebater a outra idéa pela qual se quer provar, mas que se não prova, que elle póde ser revogado por uma simples decisão desta Camara. - Já o digno Relator da Commissão ponderou na Sessão passada os inconvenientes que podiam resultar de se estabelecer tal doutrina, por que, com a sua admissão, seriam atacados todos os interesses sociaes do Paiz, e seria destruida a nossa actual organisação social que é, pela maior parte, fundada nas Leis e nos Decretos da Dictadura.

Sr. Presidente, por varias que sejam as theorias a respeito das Dictaduras, e por differentes que sejam as opiniões de alguns Dignos Pares sobre este assumpto, a mim parece-me que se não póde encontrar na historia, antiga e moderna, um concurso de circumstanctas pelas quaes mais se podesse justificar o procedimento de uma Dictadura como foi aquelle que obrigou o Imperador a assumila. Não entro no exame das razões que a isso o levaram, o que já o meu digno Collega, e Relator da Commissão bem ponderou; com tudo, o que se tem admittido em todos os Corpos Legislativos, desde a restauração da Carta ate hoje, e mesmo pelos differentes Governos que tem dirigido o negocios publicos, é que os Decretos da Dictadura são Leis, as quaes não podem ser revogadas senão passando pelos tramites que a Carta prescreve; logo o Decreto de 28 de Maio de 1834 não póde ser revogado, nem alterado por uma simples resolução desta Camara. - Esta doutrina, Sr. Presidente, considero-a eu eminentemente constitucional, orthodoxa, e verdadeira; e nào sou só eu, por que até me parece que o Digno Par author da Proposta o tem reconhecido como tal, e é agora unicamente que pela primeira vez-se lembrou de querer atacar um Decreto, da Dictadura, e revogado por uma simples decisão desta Camara.

Por esta occasião, pediria a S. Exa. que me dissesse por que razão tendo formal antipathia ao Decreto de 13 de Agosto de 1832, que muitas vezes considerou como ruinoso e offensivo do direito de propriedade, não exigio até agora que elle fosse abolido nesta ou na outra Camara, de que S. Exa. fez parte em outras occasiões? Não fez tal: pedio que se examinasse e reformasse, o que, na minha opinião tambem, muito precisada; tem sido nomeadas varias Commissões para essa reforma, mas elle está ainda em pé, desgraçadamente sem sabermos quando se reformará como muito conviria ao interesse dos povos; porém nunca se revogou.

Ainda mais, Sr. Presidente, quando na Sessão de 1834 a 1835 veio a esta Camara (e muitas vezes provocado pelo Digno Par) o negocio da organisação administrativa, que tambem é devida a um Decreto do Regente, o mesmo Digno Par clamou contra esse Decreto, e disse que era de necessidade a haver uma medida legislativa, por quanto o Governo, não podia fazer escolha de bons Empregados sem que se desligasse das disposições daquelle Decreto, chegando a dizer que os Provedores nomeados pelo Governo em virtude daquelle Decreto era tudo uma corja de ladrões.... (O Sr. Conde da Taipa: - Talvez que o dissesse.) Logo está visto que reconhecia a necessidade de revogar esta Lei que tanto mal tez ao Paiz, por quanto de uma boa Lei administrativa, concordo, depende em grande parte o socego e tranquilidade publica; (O Sr. Conde da Taipa: - É verdade.) mas nunca requereu que aquelle Decreto fosse revogado, e só que se reformasse; e, conhecendo que não era possivel concluir essa Lei de reforma no pouco tempo que restava de Sessão, chegou ao excesso de promover com todas as forças para que se desse um Voto de confiança ao Governo para no intervallo da outra Sessão elle o completar: e a que Governo deu S. Exa. esse voto de confiança? A um Governo composto de individuos, a quem elle (segundo disse) dedicava a mais foi mal antipathia; entregou a essas pessoas que abominava a tarefa de fazerem esta reforma, por que estava convencido de que não era possivel annullar um Decreto da Dictadura.

Portanto, apoiado na opinião do Digno Par sobre este objecto, digo, e repito que não vejo possibilidade de que o Decieto de 28 de Maio de 1834 seja annullado, ou alterado por uma decisão da Camara.

Mas, disse-se, o Decreto não se póde observar por que ataca a Carta, a qual diz que a pena não passa da pessoa do delinquente &c. (leu o resto do § 19.° Artigo 145.°) Esta é uma das observações principaes que nesta Camara se tem feito. - Sr. Presidente, eu tambem respeito a Carta, e disso tenho dado provas, e quero, como o Digno Par, que ella seja religiosamente observada; mas na verdade, não sei como no caso presente, e nas circumstancias em que esse Decreto foi expedido, se possa dizer que elle atacou a Carta. Aonde existia então a Carta? Nos corações de alguns Portuguezes, e nas bandeiras dos defensores da Rainha. (Apoiados.) Mas, em Portugal, aonde é que estava? Se pois ella não era a Lei do Estado, se pela circumstancia do Sabio Legislador ter reassumido essa authoridade, (todos

Página 55

DOS PARES. 55

os Poderes) pela qual tinha dado as providencias necessarias para a salvação do Paiz, aonde é que houve essa invasão da Carta na occasião em que o Regente usou da authoridade de que se achava revestido? Já ouvi fazer-lhe elogios bem merecidos, pelas providencias e politica que adoptou nessas circumstancias, providencias que podia dar sem offensa da Carta, por isso que ella não existia, e até por que estava no pleno exercicio de uma Dictadura. - Eu tambem abomino as Dictaduras, e desejo que nunca appareçam, mas esta tinha sido posta, nas mãos do Senhor D. Pedro por effeito das mais imperiosas circumstancias, pelo proprio pae do recorrente, que com seus socios auxiliaram e defenderam o Usurpador, e obrigaram o Regente a lançar mão deste remedio extremo para combater e anniquillar a usurpação: mas S. Magestade Imperial, felizmente, usou dessa Dictadura para felicidade da Nação. (Apoiados.)

Sr. Presidente, faço completa justiça aos sentimentos dos Dignos Pares que pugnam pela exacta, fiel e restricta observancia da Carta, e não suspeito de falta de sinceridade as suas intenções, por que estou persuadido que estes desejos são os verdadeiros e intimos dos seus corações; mas, Sr. Presidente, quando vejo ir buscar ás vezes motivos, que na minha opinião considero de pouca monta, para se dizer que à Carta é atacada e destruida, não posso deixar de trazer á memoria certas recordações. Lembro-me muito bem de que n'outra epocha, certa pessoa usou de uma expressão (que até passa em proverbio) Carta e nada mais, Carta e nada menos; e por fim, elle mesmo foi um daqueles que mais ajudaram a usurpação, um dos mais zelosos e dignos representantes do Usurpador nas Côrtes estrangenas. (Riso.) - Tambem me recordo do que eu soffri como Ministro nas Camaras de 1834, aonde se me lançava em rosto que eu e a minha politica, assim como a do Ministerio de qne eu fazia parte tendia a revogar a Carta, da qual alguem dizia que não consentiria se tirasse nem uma só virgula, entretanto esse, alguem não se contentou de tirar-lhe as virgulas, mas tirou-lhe os pontos, e até as folhas lhe rasgou com todo o desembaraço. (Apoiados.)

Já disse, Sr. Presidente, que o Decreto de 28 de Maio de 1834 tinha sido tachado, por uns, de monstruoso e inconstitucional, e que outros o tinham considerado como um verdadeno monumento da Sabedoria do Imperador: e eu não sei como concilie estas duas idéas tão diversas, a não ser pelo meio do systema de theorias que ha pouco, e novamente expendeu um Digno Par, segundo as quaes intendi que ha disposições da Dictadura transitorias, e permanentes; eu confesso que lhe dei bastante attenção, mas a materia foi muito delicada para eu a poder comprehender, e parece-me que estas theorias eram similhantes a outras que ouvi proferir nesta Camara, ainda que então não tinha assento nella, mas que foram constantes nos jornaes, de que o Decreto de 10 de Fevereiro ultimo devia ser considerado como um Artigo addicional e transitorio da Carta Constitucional. -Outra theoria ouvi eu (e esta intendi-a melhor por ser mais clara) que a qualquer era licito desobedecer a qualquer Lei uma vez que lhe parecesse contraria á Constituição; e isto se disse que era uma theoria corrente: mas peço licença para dizer ao Digno Par que emittio esta doutrina, que a não admitto, e até rejeito, nem creio que por agora seja admissivel entre nós: pode ser que lá cheguemos, mas então muito desejava eu que o Digno Par author desta theoria fosse collocado á testa dos negocios publicos para conhecer a facilidade que tem o Governo para fazer executar as suas ordens em uma Nação onde seja permittida similhante theoria: mas voltemos ao assumpto do Decreto.

Já se disse e demonstrou que o seu Author obrou como devia e como as circumstancias o exigiam, que fez o que em taes circumstancias devia fazer; e isto mesmo acabou de ser sustentado dignamente pelo illustre Presidente desta Camara, e, depois da brilhante demonstração que S. Exa. fez deste principio, nada tenho que accrescentar, e concordo perfeitamente em que o Author do Decreto fez o que naquellas circumstancias devia fazer, digo mais, que fez o que não podia deixar de fazer. E como se havia de verificar a convocação das Côrtes, se fosse necessario convocar para tomar assento nellas os Pares que foram expulsos pelo Decreto de 28 de Maio? E aonde lhes haviam de ser dirigidas as Cartas? Mandaria o Governo os seus Correios para Genova, París, e differentes Côrtes da Europa aonde estes individuos seguiram o Usurpador, para lhe darem por este modo mais uma prova da sua continua adhesão á sua pessoa; ou mandara fazer uma batida aos mattos para procurar onde se achavam escondidos os Pares que naquelle momento se conservaram no Paiz, e não queriam expôr-se á vindicta do Povo? Não era possivel: por consequencia, digo não que só foi boa a determinação do Decreto, mas foi como não podia deixar de se fazer. Mas insta-se que era mais legal, e conforme aos principios constitucionaes que estes Pares fossem julgados, por que desta maneira se dava logar á defeza que em todo o caso deve ser permittida ao accusado, e a Camara usava ao mesmo tempo do direito que a Carta Constitucional lhe confere de ser ella o unico Tribunal para julgar os Pares. Sr. Presidente, é necessario que nos colloquemos nas circumstancias em que foi expedido o Decreto. Eu já fiz ver, e mesmo o Digno Par que foi dessa opinião já demonstrou com muita mais eloquencia e melhor do que eu o poderia fazer, que os Pares naquella effervescencia de paixões, e no estado de guerra encarniçada em que nos achavamos, não podiam ser convocados; e, se o não podiam ser, como haviam elles de ser julgados? Que justiça, sentença, e imparcialidade podia haver em taes circumstancias? Não nos lembrâmos todos de que naquella effervescencia de paixões havia um partido furioso e exaltado, que até se atreveu a criticar, não digo bem, a insultar o Imperador sómente pelo facto de ter concedido uma amnistia!!! Não foi na sua propria face que cuspiram improperios por que tinha usado de uma das mais preciosas prorogativas (a de perdoar), e que um Digno Par acabou de reconhecer como necessaria em todas as crises, e que queria poupar o sangue dos Portuguezes por meio de uma Convenção que foi alcunhada de impolitica, por que queriam que Elle até chegasse a ensopar as mãos no sangue de seu proprio irmão! (Apoiados.) E, era nesta epocha, e nestas circumstancias que aquelles Pares deviam ser julgados? - Estou bem certo de que elles o não quereriam.

Página 56

56 DIARIO DA CAMARA

Sr. Presidente, eu tenho-me desviado um pouco do ponto principal da questão, mas isto são accessorios, e peço ser desculpado. - O ponto da questão vinha a ser a legitimidade e justiça do Decreto á vista das circumstancias em que foi publicado, e que acceitando elle a renuncia que fez o Par, pae do recoriente, sanccionou esta mesma renuncia, e por consequencia o pae tinha renunciado legitimamente, e acceito a renuncia confirmada pelo mesmo Decreto; e não fez outra cousa, por que este Decreto não impoz pena nem tractou de qualificar a moralidade ou immoralidade dos motivos que deram causa á renuncia, e acceitou-a como ella existe, determinando que em virtude della o Par não podia ter assento na Camara; e esta pois a minha opinião que julgo decidida pela affirmativa, isto é, que o pae do recorrente podia renunciar, que effectivamente renunciou, e que foi acceita a sua renuncia.

Passemos á segunda questão, e vem a ser: se o facto da renuncia do pae póde prejudicar o direito hereditario do filho.

Um Digno Par apresentou aqui uma authoridade muito respeitavel, e que eu muito venero como mestre nas sciencias de Direito Publico; entretanto parece-me que aquelle objecto fóra aqui trazido sem dizer relação com a hypotbese particular de que se tracta; em these, poderá ser verdade aquella doutrina: mas, na hypothese particular que nos occupa, digo que o facto da renuncia do pae podia prejudicar o direito do filho, que já se demonstrou lhe não podia vir senão por herança do pae, e que, não existindo este ao tempo do seu fallecimento, elle não podia herdar o que o pae não podia transmittir. - Ninguem disse que um facto alheio prejudicava ao filho em regra geral, mas só nesta hypothese particular, para a qual tenho ouvido invocar a Legislação de Inglaterra, que me parece não ser applicavel para o nosso caso, por que outra é a base da nossa organisação e systema constitucional; nem intendo tambem que as disposições do Direito Civil sejam applicadas para o objecto de que se tracta, que melhor deve ser decidido segundo os principios de conveniencia politica: intendo todavia que por essas mesmas disposições do Direito Civil se póde fazer alguma applicação deduzida da similhança que alguns querem achar entre o pariato e o morgado. Concedo pois que se possa considerar o pariato como um morgado cujo instituidor era o Principe Dador da Carta, e primeiro administrador do morgado o pae do recorrente: podia este rejeitar a successão do morgado? Intendo que á vista mesmo da nossa Legislação, que regula os morgados, elle estava habilitado para o fazer, por que esta clausula não é das prohibidas pela Lei de 1770; e o instituidor, uma vez que tenha as circumstancias exigidas pela Lei, podia chamar o individuo que tivesse capacidade de ser administrador conforme as disposições da mesma Lei; e a este não ha Lei que o obrigue a acceitar, e póde rejeitar esta acceitação. Ora, concedamos que esse individuo assim nomeado não acceitava, visto ter a faculdade da não acceitacão do vinculo; seu filho ficava por certo prejudicado pelo facto da não acceitacão de seu pae; o que já não seria assim se tendo acceitado o pae, e conservado a administração do vinculo até á sua morte, o filho fizesse essa renuncia, que não podia ser admittida em prejuizo do neto, por que o direito da herança se achava radicado na familia, vinha do instituidor e não do administrador; e o neto recebia a herança não do pae, mas sim do instituidor. Por tanto, mesmo segundo estes principies, que me parecem de Direito, intendo que este facto particular da renuncia do pae, no presente caso, pode prejudicar ao filho. Mas para que estamos nós a fazer distincção de facto alheio, e de facto proprio, se nós já vimos que o recorrente assignou o auto, que eu considero como formal renuncia, e por consequencia a sua assignatura involve a sua particular renuncia dos direitos que eventualmente lhe competissem. Nesta hypothese especial em que estamos, intendo pois que elle não póde ser admittido, por que não só ha o facto alheio, mas existe o proprio, cujo direito se quer invocar indevidamente.

Tinha ainda muito mais que dizer; porém já tenho sido bastante extenso, e por isso apenas tocarei em uma circumstancia trazida aqui pelo Digno Par author da Proposta para mostrar que o Decreto de 28 de Maio de 1834 offendeu o outro da amnistia. - O Digno Para apresentou como meio de defeza esse Decreto da amnistia, e fez o argumento de que em virtude della o seu cliente devia ser restituido ao pariato, e nem podia ser processado nem julgado: em quanto a esta ultima parte, deixo a resposta que poderia dar-se ao Digno Par áquelles Srs. Que emittiram a opinião de que elle podia ser julgado, o que eu neguei; e em quanto á outra parte ha de-me permittir S. Exa. que eu diga que o argumento que fez a favor do seu cliente não tem logar, por que me parece que o Artigo 3.° paragrapho l.° daquelle Decreto, excluia os empregos civis, militares, e politicos, e neste sentido está visto que não podia ser comprehendida a dignidade de Par; e creio que ainda fez um peior serviço ao seu cliente, por que foi suscitar questões que talvez não conviesse apresentar. O cliente do Digno Par reclama o direito de ter assento nesta Camara, e por consequencia uma das primeiras prorogativas dos Cidadãos Portuguezes (como tal considero a dignidade de Par); e estará elle nas circumstancias disso? (O Sr. Conde da Taipa. - Não está!....) Eu presumo que para isso devia elle ter apresentado o auto de reconhecimento á Rainha, que exige o paragrapho 1.° do Artigo 1.° do mencionado Decreto, e não me consta que elle assignasse o auto de reconhecimento marcado no mesmo paragrapho, e que reconhecesse a Authoridade da Rainha e da Carta Constitucional. Por tanto parece-me que esta fóra do nosso Pacto Social.

Se trago isto á memoria não é porque eu queira essa separação de individuos, nem divisão de partidos; novamente repito que os meus desejos, não de agora, mas de sempre, tem sido que se procure por todos os meios a união da Familia Portugueza, por que esse é o unico meio de remediar os nossos males, e considero-o como vital para a nossa Nação; mas desejo tambem que vamos por meios rasoaveis, e não de assalto, ao caminho da legalidade, e que exijamos daquelles, que foram nossos adversarios, que reconheçam esta ordem de cousas sincera e expressamente; e desde logo o maior e mais completo reconhecimento seria solicitar da Soberana a nomeação de Par; e então, desde esse momento, eu e todos os meus Collegas o receberiamos com a maior satistacção, assim como todos os outros que estejam em iguaes circumstancias.

Página 57

DOS PARES. 57

Sr. Presidente, eu já estou fatigado, e não quero cançar mais a Camara, ainda que teria muitas mais cousas a dizer, e que direi se a discussão continuar; entretanto, por agora, concluo votando pelo Parecer da Commissão. (Apoiados.)

O SR. CONDE DE VILLA REAL: - Sr. Presidente, se o sentimentalismo podesse dictar o meu voto nesta questão, seria inteiramente a favor da proposta do Digno Par. Confesso portanto que entro com muita repugnancia nesta discussão, por que os meus sentimentos são todos a favor do Conde de S. Lourenço, a quem conheço ha muitos annos, de quem sou amigo, e por quem tenho a sympathia que conservarei sempre por todos os militares meus companheiros de armas na guerra peninsular. Tambem me é penoso achar-me em opposição com o Digno Presidente desta Camara, e com o Digno Par que abrio a discussão. Todos estes motivos pois me levariam a votar pelos principios de sentimentalismo, mas o meu dever impôem-me a obrigação de pôr de parte sentimentos pessoaes, e de votar segundo os dictames da minha consciencia e da minha razão, que estão em opposição com os meus sentimentos pessoaes; e por isso não posso deixar de approvar o Parecer da Commissão.

Sr. Presidente, o Digno Par que em outra occasião indicou que, se a Camara approvasse este Parecer, seria peior do que os tribunaes revolucionarios do que a Inquisição, e do que a Camara estrellada, muito habilmente deixou de fallar nos tribunaes do tempo do Sr. D. Miguel, e durante a nossa emigração: S. Exa. não o fez por que lhe não convinha para o seu argumento, pois bem sabe que na comparação do julgamento desses tribunaes, e do modo de proceder do governo desse tempo calamitoso a respeito de todos os que eram suspeitos de contrarios a esse governo, com o modo pelo qual todos os Governos que tem havido desde a restauração do Throno da Rainha tem procedido com os sectarios do Sr. D. Miguel, tudo é a nosso favor: (Apoiados geraes.) fez portanto muito bem o Digno Par para o seu argumento de não trazer essa comparação, porém eu é que não posso deixar de a estabelecer, por que convêm ver a grande differença que se da entre o procedimento daquelle tempo para comnosco e o da epocha presente para com os miguelistas. Não desejando excitar paixões em uma questão relativa a um individuo, não apontarei factos para mostrar a verdade da minha asserção: muitos poderia referir, mas só lembrarei um que faz contraste notavel entre o espirito e o procedimento daquella epocha e o da actual; concedeo-se uma amnistia ampla desde 1834, e o governo da usurpação, apezar das consequencias importantissimas que havia de tirar da que désse, por que della dependia a ser reconhecido por algumas Potencias estrangeiras, negou-se a ciar essa amnistia a favor dos emigrados, dos quaes muitos não o haviam de incommodar por que não tinham tenção de regressar a Portugal. (Apoiados.) Isto prova bem qual era a indole d'aquelle governo, e quaes os principios que dirigiam a sua politica.

Ouvi dizer ao nosso Digno Presidente que a questão da successão já estava decidida por esta Camara admittindo-se aqui, como o foram, filhos primogenitos de alguns Pares fallecidos: mas o Parecer da Commissão de Poderes, de que sou Membro, clara-

PARES.

mente explica que ella havia proposto a admissão desses Dignos Pares por que seus paes haviam fallecido sendo Pares, e, debaixo deste principio, é que eu, e a Commissão fomos de voto que seus filhos tinham direito a tomar assento nesta Caza. - Concordo porém completamente com as reflexões que fez o Digno Presidente desta Camara, sobre a impropriedade com que esta questão aqui foi trazida; (Apoiados.) e se eu tivesse só de dar a minha opinião sobre este ponto, sem que tivesse precedido esta discussão sobre o fundo da questão, não hesitaria em votar contra a admissão do Conde de S. Lourenço nesta Caza em quanto não se apresentasse um requerimento seu que servisse de prova de que elle deseja tomar assento nesta Camara, por quanto, actualmente só existe uma proposta do Digno Par, da qual se infere tacitamente que o Conde de S. Lourenço tem este desejo; mas isto não basta, não é por similhante forma que a Camara devera decidir, por que ao mesmo interessado cumpre fundamentar o seu direito. No emtanto eu só tracto deste caso especial, por que no geral devemos ter em vista o Decreto de que se tem fallado. Note-se que nelle mesmo se fazem distincções entre os Pares ali designados, a que não se attendeo, como devia na occasião em que se mandou uma nova Carta a um Par.

Em quanto á publicação daquelle Decreto, não se póde deixar de reconhecer que ella era indispensavel na occasião da restauração do Throno de S. Magestade. A Nação tinha-se dividido em dous partidos, e dos Pares só um pequeno numero havia permanecido fiel a Rainha, subjeitando-se por isso a uma penosa emigração. Tendo estes triumphado com as armas na mão, era indispensavel que se reunissem, as Camaras, e que o Senhor D. Pedro indicasse quaes deviam ser chamadas naturalmente, e foram só os doze Dignos Pares que se haviam conservado fieis á Rainha: e o mesmo Senhor, usando do poder de Dictador, indicou qual era a posição dos outros. É evidente que os doze Pares que regressavam da emigração não podiam ser os juizes dos outros: não podiam considerar-se imparciaes em uma causa em que elles mesmo eram interessados; todos o reconhecem pelas razões que já aqui se deram, e que é escusado repetir. Sou tão firme nessa opinião que pela minha parte, desde já declaro, Sr. Presidente, que na hypothese que já aqui se apontou de algum dos excluidos se apresentar nesta Camara pedindo ser julgado, apezar de eu ter sido, e ser um dos que mais desejo a reconciliação entre os partidos, declaro, como disse, que me hei de dar por suspeito, e pedir ser dispensado de tomar parte nesse julgamento. - Repito pois, Sr. Presidente, que eu considero o Decreto como tendo sido necessario, por que depois de uma guerra civil é preciso abrir os braços, e dar protecção aos que se querem subjeitar as novas instituições. Porém eu francamente digo que não considero que o Marquez de Sabugoza fosse nunca verdadeiro Par; é certo que S. Exa. apresentou o seu diploma, mas não me consta que elle viese nunca tomar parte nos trabalhos da Camara: é verdade que eu não assisti ás suas primeiras Sessões, por que estava então fóra do Reino em uma commissão diplomatica, mas depois que eu entrei para a Camara posso certificar que nunca a ella veio o Marquez de Sabugoza; nem tambem nella compa-

15

Página 58

58 DIARIO DA CAMARA

receu quando se constituio em Tribunal de Justiça. É comtudo verdade que elle assignou a carta; porém actos similhantes tem practicado outros em muitas occasiões para não serem expatriados, e eu considero que é o que elle fez. - O Decreto de 28 de Maio de 1834 não involvia sentença, fez o que convinha fazer, isto é, tornava-se necessario declarar a posição em que uns e outros Pares eram considerados, e é isto o que elle fez: mas a qualquer era licito apresentar a sua representação contra um Decreto que julgava injusto. Perguntarei porém se, nos dous annos que a Camara esteve reunida depois da restauração, nella appareceo alguma representação, ou algum acto qualquer pelo qual o Marquez de Sabugoza reclamasse a sua justiça, ou mostrasse que queria reconhecer a nova ordem de cousas, e subjeitar-se ás suas consequencias? Não houve nenhum: e dous annos é tempo sufficiente para isso se fazer. (Apoiados.)

Concluo pois dizendo, que é por estes principios, que acabo de referir, que eu não considero que o Marquez de Sabugoza podesse transmittir o direito do pariato a seu filho, e por isso voto pelo Parecer da Commissão. - Não serei mais extenso, Sr. Presidente, por que não desejava entrar mais largamente nesta discussão, e o que disse foi por me julgar obrigado a dar a razão do meu voto.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - A hora já deo: não sei se a Camara quererá que continue esta discussão... (Apoiados.)

Consultada, resolveo affirmativamente.

Em consequencia teve a palavra

O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Com segurança se póde dizer que esta questão foi apresentada aqui de uma maneira irregular e intempestiva. Um Digno Membio desta Camara propõem que fosse admittido para tomar assento nella o filho primogenito de um Par falecido; mas não apresentou requerimento, nem consta na Camara se é em virtude de procuração dada pelo recorrente, que esta questão veio aqui. (Apoiados.) Eu teria desejado muito que o assumpto que agora se ventila tivesse sido tractado debaixo de um ponto de vista mais geral, por quanto, da maneira como elle foi apresentado, resulta o vêr-me em dissidencia com o voto de um e outro lado da Camara. Eu não desejaria que a resolução, que acêrca da questão do Conde de S. Lourenço a Camara vai tomar, fizesse (por assim dizer) Lei, e tivesse por conseguinte applicação a outros casos que se possam apresentar para o futuro: nestes termos, talvez que o que eu possa fazer de melhor e dizer qual é o meu credito politico nesta materia.

Em primeiro logar, eu reputo os Pares nomeados até agora como hereditarios, nem disto se póde já duvidar desde que esta Camara recebeo no seu seio dous Dignos Pares por direito de sucessão; e direi que a reserva que o Digno Par o Sr. Conde de Villa Real fez ha pouco, quando disse que a Commissão tinha dado o seu Parecer a respeito desses dous filhos de Pares, por que seus paes haviam falecido no exercicio de suas funções, não era, na minha opinião, necessaria. Eu declaro que, pela minha parte, tenho por certo que o direito que privou um certo numero de Pares de exercerem nesta Camara as suas funcções, não podia ser extensivo aos seus filhos, e não me convenceram do contrario os argumentos que ouvi produzir, porque eu tenho como principio inconcusso que as penas impostas aos paes não devem passar aos filhos, nem creio que a declaração que fez o pae da pessoa de quem se tracta tenha força neste caso, por que essa declaração era de si mesmo nulla, e contraria a evidencia dos factos (como já disse), e quando assim não fosse, não podia a renuncia ou a recusa de um individuo privar a seu filho de uma dignidade que fôra conterida a elle, e aos seus descendentes. - O Decreto de 1834, que declarou a renuncia de uma porção de Pares, creio que não merece nem os exaggerados louvores nem a critica amarga dos que o defendem e dos que o censuram: este Decreto foi um acto que as circunstancias tinham tornado indispensavel; foi uma medida acertada, e na qual te manifestou bastante generosidade, (Apoiados.) generosidade por que poderia ter sido muito mais rigoroso se os sentimentos do coração do Senhor D. Pedro não o tivessem levado a manifestar neste, como em todos os demais actos do seu Governo, ausencia de todo o rancor, limitando-se ao que era indispensavel, isto é, a reunir uma Camara de Pares que não fosse composta de individuos que tinham combatido a Carta; seria absurdo demonstrar que não era possivel convocar na occasião da restauração Pares que tinham seguido a causa da usurpação; aquelle Decreto declara por tanto que os sobreditos Pares tinham renunciado espontaneamente a sua dignidade, e daqui resultou o não serem mais convocados nas Sessões subsequentes.

Ora a amnistia não me parece que tenha applicação ao caso de que se tracta, por que esta só estabelece que as pessoas amnistiadas não seriam jamais perseguidas pelos seus actos anteriores; porem não rehabilita aquellas que já se achavam desautora das. (Apoiados.)

Em tudo quanto se tem dito, parece-me que se não tem dado bastante attenção ao caso particular do individuo de que se tracta: a questão reduz-se a saber, neste caso, - se o Conde de S. Lourenço deve ser considerado litteralmente, ou ao menos virtualmente comprehendido no Decreto. - Eu sei (e já o disse) que não se deve dar ás Leis uma interpretação extensiva alem do seu sentido litteral; mas ha casos tão claros que podem talvez fazer excepção a esta regra geral. Se os Pares que tinham assignado em caza do Duque de Lafoes uma representação, em virtude da qual se considerou que haviam renunciado a sua dignidade, foram por este motivo excluidos da Camara, devem os successores de alguns dos sobreditos Pares, que assignaram o mesmo papel, reputar-se como havendo renunciado ao direito que por falecimento de seus paes lhes houvera competido. - Portanto, no caso especial de que se tracta, em primeiro logar, digo que votarei contra a proposta do Digno Par Conde da Tarpa, por que reputo que este negocio se não apresenta, como se devia apresentar; creio que devia ser o mesmo Conde, ou alguem authorisado com procuração delle que reclamasse a sua admissão nesta Camara. Em segundo logar, digo que se elle não tivesse assignado aquelle mesmo papel, eu, pela minha parte, não hesitaria em reconhecer o seu direito: e dizendo isto, voto desde já pela admissão de todos os filhos daquelles Pares que se não acham no mesmo caso. Em terceiro logar, digo que se o Conde de S. Louren-

Página 59

DOS PARES. 59

ço se apresentasse pessoalmente teria direito a exigir de ser julgado por esta Camara para que ella decidisse, não se o Conde teve direito de succeder a seu pae, mas se, tendo assignado o papel que foi a causa da exclusão do pae, elle por este facto renunciou ao seu direito. É comtudo evidente que ninguem póde tomar assento nesta Camara sem prestar o juramento de fidelidade á Rainha e de adhesão á Camara Constitucional. (Apoiados.)

Em conclusão, o que quero dizer é que eu não posso votar pelo Parecer da Commissão, por que, lançado como elle está, acho que é extensivo a uma classe inteira, e eu não quero pronunciar essa excommunhão contra todos os individuos que, na minha opinião, herdaram de seus paes um direito de que não podiam ser privados senão poi um acto seu próprio; mas votarei tambem contra a admissão do Conde de S. Lourenço da maneira que está proposta.

Não me assentarei sem dizer algumas palavras ao Digno Par Conde da Tarpa, que tendo sido o primeiro que apresentou esta questão com referencia a um só individuo mostrou, pelo seu discurso que a questão se não podia tractar dessa maneira, mas sim debaixo de uma fórma geral.

O Digno Par fallou muito em partidos, e na necessidade de se pôr termo a esta divisão de partidos politicos. Eu não acho que a Camara esteja actualmente collocada na necessidade de considerar a questão debaixo desse ponto de vista, por que bem longe de existir um anathema contra uma classe inteira, intendo que todos os Portuguezes são admittidos a todos os Empregos quando tenham a aptidão necessaria; a exclusão de uns poucos não foi a exclusão de uma classe, nem de uma casta, nem passa á sua descendencia; não se estende mesmo a todos os que seguriam esse partido, limitando-se aos individuos que voluntaria e espontaneamente fizeram renuncia da sua dignidade de Par, mas por certo está nas attribuições da Soberana nomear de novo qualquer desses individuos.

Disse o Digno Par que se esta medida não passasse agoia, havia de passar mais tarde qualquer que fosse a votação da Camara, por que o tempo deveria trazer uma mudança de idéas. Eu espero que assim não aconteça, e lisonjero-me de que o mesmo Digno Par não presistirá nesta opinião. Elle quiz dizer, que á medida que se affastasse a lembrança das nossas disscnsões politicas, se apagaria tambem a linha de separação que nos primeiros tempos não podia deixar de existir entre um partido vencedor e um partido vencido; porem o caso agora não é esse. o Decreto do Imperador não deve ser considerado nem como um acto de vingança nem como um castigo, mas só como uma declaração da renuncia feita por um certo numero de Pares. Mal de nós se chegar o tempo em que as votações desta Camara, que não são inspiradas nem pela animosidade, nem por paixões no momento, hajam de ser annulladas; isso não seria nada menos do que a realisação de uma revolução politica que a providencia espero affasta-rá de nós.

O Digno Par disse que se quizessemos ser rigorosos em quanto a assignaturas, não haveria nenhum dos Membros desta Camara que não podesse ser accusado, por que todos prestaram juramento á Constituição de 38. Isso é o resultado das discordias civís: mas deve, e não póde deixar de se fazer uma grande differença entre aquelles que combateram a causa da liberdade e da legitima Soberana, e aquelles que sempre a sustentaram. - O juramento á Constituição de 1838 foi prestado depois que esta Constituição, votada pelos mandatarios da Nação, tinha sido acceita pela Rainha, e mantinha e assegurava a ordem publica; por consequencia não creio que ninguem tenha de se envergonhar ou arrepender de o ter prestado. Eu, pela minha parte, aproveito esta occasião para dizer que, n'uma das Sessões passadas, tinha annunciado que havia de fazer uma declaração, em consequencia de outra que fez o Digno Par o Sr. Conde de Lavradio, quando apresentou um protesto assignado pelos Pares da Camara de 1826; eu tambem o assignei, e honro-me de o ter feito, mas agora declaro que me honro igualmente de haver assignado posteriormente uma representação, dirigida a S. Magestade a Rainha por muitos Membros do extincto Senado, pedindo á Mesma Senhora que se opposesse a que a Constituição de 1838 fosse illegalmente derribada, (Apoiados.) e sobretudo me prezo de haver referendado a Proclamação que nesta ultima crise foi publicada. Agora resta-me accrescentar que, com a mesma sinceridade e lealdade com que assignei aquelles dous papeis, declaro que hei de empregar todos os meus exforços para que a Carta Constitucional se conserve e se consolide, e para que seja fielmente mantida em todos os seus Artigos. (Apoiados.)

Concluo votando contra o Parecer da Commissão pelos fundamentos nelle allegados, e tambem contra a admissão do Conde de S. Lourenço pela fórma por que foi proposta.

O Sr. CONDE DE LAVRADIO: - Sr. Presidente, eu tinha vindo com a firme tenção de não fallar mais nesta questão por muitos motivos; o primeiro, por que não queria abusar da paciencia da maioria desta Camara, que não tem sympathias por esta questão; segundo, porque o Parecer já estava sobejamente combatido com argumentos a que ninguem respondeo, nem mesmo os Dignos Pares o Sr. Duque de Palmella e Sr. Barreto Ferraz, que tão extensamente fallaram sobre este objecto; e o terceiro, pela convicção em que estou de que quaesquer que forem os argumentos, que se apresentarem, a maioria desta Camara não ha de alterar a sua premeditada votação. O que porém me obriga a fallar, é a necessidade de me defender de uma notavel contradicção de que o Sr. Barreto Ferraz me arguro.

S. Exa. disse que eu tinha tachado o Decreto de 28 de Março de 1834 de monstruoso, e asseverou que em outra parte do meu discurso eu tinha elogiado esse mesmo Decreto. Se S. Exa. tivesse prestado attenção as minhas palavras, parece-me que me não teria feito uma similhante accusação. O que eu disse foi - que, se ao citado Decreto se désse a intelligencia que lhe davam os Dignos Membros da Commissão, elle seria monstruoso e inadmissivel, por ser opposto aos principios de justiça universal, e ao espirito e letia da Carta Constitucional; que porém, interpretado como eu o interpretava, merecia os elogios que já lhe fiz, e que hei de continuar a fazer-lhe. Este Decreto tornava-se absolutamente necessario, attentas as circunstancias do tempo em que foi publicado, como já mais largamente observei.

Disse mais o Digno Par que todos os Decietos da

Página 60

60 DIARIO DA CAMARA

Dictadura deviam ser respeitados e observados: eu nunca os ataquei, e tenho-os observado pela parte que me pertence, respeitando-os muito; devo porem notar de passagem que alguns delles foram sabios, outros foram muito máus, (Apoiados.) e talvez a causa de alguns graves males que estamos soffrendo; se porém entre os Decretos da Dictadura houvesse algum cujas determinações fossem oppostas ás da Carta Constitucional, declaro que eu o não observaria.

Disse mais o Digno Par com um tom ironico, voltando-se para este lado da Camara, que tinha havido em outro tempo um individuo que dissera Carta e nada mais, Carta e nada menos, e que depois se tinha levantado contra ella. Perguntarei ao Digno Par se esta accusação se dirige a mim, ou a alguns dos Pares que se sentam deste lado?

O SR. BARRETO FERRAZ: - Não fallava com os Dignos Pares.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Ora eu pergunto se alguem tem direito nesta Camara de me dirigir uma accusaçào por eu não ter querido a Carta, quando por ella perigrinei por paizes estrangeiros e lá tive a desgraça de perder meu respeitavel pae...

O SR. VICE-PRESIDENTE: - O Digno Par o Sr. Barreto Ferraz já disse que se não tinha dirigido a S. Exa. logo cessa essa supposta accusação.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Se S. Exa. m'o permitte, invoco o testimunho do Sr. Marquez de Loulé e do Sr. Visconde de Fonte Arçada, e eu ate escrevi as palavras do Digno Par quando elle estava fallando, porque, não obstante escrever mal, faço-o depressa, e mesmo sei alguma cousa de tachygraphia. - S. Exa. avançou essa asserção como quem diz =. Vm.ces são muito zelosos da Carta, mas sabe Deus o que lá esta. = Pergunte-se a todo o Paiz, e estou certo que ninguem ousará apoiar o Digno Par.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Segundo os estylos parlamentares, quando um ou outro Membro tem Avançado qualquer asserção, e a esta se dá um sentido diverso, logo que elle explique a sua intenção de um modo satisfactorio, cessa immediatamente todo o estimulo que essa asseição podesse causar. (Apoiados.)

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Eu sinto cançar a Camara, mas não poderia deixar de responder, para que uma similhante accusação não ficasse sem resposta.- Eu fallei no Decreto de 10 de Fevereiro de 1842 considerando-o como um Artigo addicional e transitou da Carta Constitucional, e o que disse então dile-ia agora, e, se a Camara não estivesse já tão fatigada, havia de sustentar o que em outra occasião disse com argumentos ainda muito mais, fortes dos que os que então apresentei: estava prompto, e continuo a estado para entrar na questão, e a prova de que os meus adversarios não tinham argumentos para me combater, foi o consentirem que a minha Proposta fosse nem se quer discutida , nem ao menos remettida a uma Commissão, para esta dizer se julgava ou não que ella devia ser discutida. Se nisso não houvesse incoveniente, eu invocaria o testimunho do Sr. Duque de Palmella, para que S. Exa. dissesse se a mente daquelle Decreto não era a de que as suas disposições, fossem consideradas como um Artigo transitorio da Carta Constitucional: mas deixemos agora esta questão.

A mais grave accusação que se me fez foi a de que eu tinha sustentado que eu tinha a qualquer, logo ue considerasse uma Lei opposta á Contituição do Estado, resistir-lhe: eu não disse que era licito a qualquer resistir, disse, e torno a dizer, que e não só licito, mas que e um dever desta Camara, da Camara dos Deputados, dos Tnbunaes, e de todas as Authoridades Publicas, quando se lhes apresenta uma Lei opposta á Constituição do Estado dizer não a cumpro, e dizer a todos aquelles que forem seus subordinados = não obedeçáes áquella Lei porque é contraria á Constituição. = O que acontecerá se se apresentarem exemplos similhantes a outros que já appareceram, e o que seia de nós? Eu declaro aos Srs. Ministros que estão naquelles bancos, que se elles tiverem a audacia de publicar algum Decreto (ou publicação qualquer) opposto á Constituição, eu lhes, responderei. não cumpro; e voando ás praças direi ao Povo = vinde após de mim, e atacae aquelle Governo que ataca a Constituição! ... A Sessão vai longa, e por isso nada mais direi.

O SR. CONDE DA TAIPA: - Sr. Presidente, tem havido nesta questão argumentos que são como os frades de sabugo, porque dá-se-lhes para baixo, e elles voltam a cabeça para cima, torna-se-lhes a bater, e elles tornam a virar a cabeça. (Riso.) - Fomos increpados de dizer que havia direito de resistir as Leis, e que podiamos julgar da sua utilidade ou não utilidade, dos prejuisos ou não prejuisos que ellas podiam causar, para obstarmos ou deixarmos de obstar a ellas: isto, Sr. Presidente, é falsissimo: o que aqui se disse foi que, quando o Governo tomasse uma disposição contraria a Constituição, nós tinhamos o direito de lhe resistir. (O Sr. Conde de Linhares: - A Constituição diz de representar contra as infrações.) Diz - desobedecer a Lei que fére a Constituição. - Para exemplo trouxe eu escriptos, e citei os precedentes que havia, não nas Monarchias constitucionaes, mas nas Monarchias puras; como a não acceitação, pelo Parlamento de Pariz, da concordata feita com o Papa Martinho V, e.... (Sussurro.)

O SR. VICE-PRESIDENTE: - A Camara está cançada, e V. Exa. parece que vai repetir agora o que já disse hoje mesmo: +é a teiceira vez que falla: peço ao Digno Par que se restrinja a ordem.

O SR. CONDE DA TAIPA: - Esta doutrina é para sustentar que a todas as Leis por que se quizer destruir directa ou indirectamente um dos principios constitucionaes, ou um dos principios de liberdade consignados na Constituição, nós temos o direito de lhes resistir.....(O Sr. Conde de Linhares: - Individualmente.) Pois como ha de ser? Individualmente não é resistir? Se um individuo me quizer atacar em minha caza, eu hei de até deitalo pela janella fóra, em fim, procurar todos os modos que estiverem ao meu alcance: isto e um principio de liberdade, e o opposto a isto é um principio de absolutismo.

Mas, disse-se, porque não resistio a Lei dos foraes em alguma das Camaras de que foi Membro! Ó Sr. Presidente, a Lei dos foraes não era uma Lei politica, nem uma Lei de liberdade, era uma Lei de roubo? e tal que, se não fosse a resistencia que lhe tem feito os Tribunaes, Portugal estava hoje roubado de todo: (Apoiados.) tem havido por tanto uma

Página 61

DOS PARES. 61

resistencia legal da parte dos Tribunaes que tem impedido que a propriedade de Portugal não tenha passado ás mãos de umas poucas de pessoas, e se não consummasse o roubo decretado por aquella Lei. - Entretanto agora diz-se: porque razão não se oppoz ás Leis de Dictadura? Por que todas são Leis regulamentares, que o Corpo Legislativo sanccionou, e agora não ha outro remedio senão revogalas por uma nova Lei; mas as Leis contra a Constituição, essas não podem ser revogadas senão pelos tramittes que a mesma Constituição marca, passando a proposição pelas duas terças partes dos Deputados e, depois de transitada por ambas as Camaras, expede-se uma Lei para os eleitores darem poderes aos novos Deputados para fazerem a alteração.. . (O Sr. Conde de Villa Real: - Peço a palavra sobre a ordem.) O Senhores, pois ouviram fallar cinco horas e estavam tão quietos, só agora tem tanta pressa!

O SR. CONDE DE VILLA REAL: - Como parece dirigir-se a mim, direi ao Digno Par que, em logar de tractar da questão principal, está respondendo a imputações que lhe não foram dirigidas a elle.

O SR. CONDE DA TAIPA: - Estou respondendo á doutrina. - Ora ainda ha outra accusação... Quando ha destas interrupções custa muito a levar a cruz ao calvario, não é brincadeira. (Riso.) - Um Digno Par fez-me solidario de tudo quanto fizeram uns sugeitos a quem eu puz o nome de - trimbólis: estou aqui sendo o Hercules a quem se attibuiram todas as façanhas da antiguidade. - Por que razão se opposeram á reintegração dos miguelistas? Eu sempre fui o advogado dos opprimidos, desde a restauração que tenho advogado a sua causa; principiei por uma carta que escrevi ao Regente, em consequencia da qual me mandaram prender no meio da rua.... (O Sr. Visconde da Serra do Pilar: - O mais depressa que poder.) Ha de ter paciencia. - Foi o resultado da effervecencia das paixões, já perdoei a injuria, porque em fim não e necessario que a gente esteja a chamar as questões do tempo que acabou.

— Tambem se disse: por que atacaram a amnistia? Como havia eu de atacar a amnistia, quando nessa mesma carta pedia ao Senhor D. Pedro que a desse?

- Disse-se mais: e por que fizeram o tumulto no theatro de S. Carlos?... Equidem natus non eram. (O Sr. Vice-Presidente: - Isso não foi dirigido ao Digno Par.) Pois quem estava aqui que podesse ir ao tumulto? Era eu por força! Não me admira por que já fui processado por ter ido a outro tumulto, quando eu tinha lá ido só para o desfazer; passei por caza do Digno Par Marquez de Fronteira, e disse-lhe que montasse a cavallo para ver se podiamos acabar com o tal tumulto; porém o resultado foi ser eu pronunciado e julgado pela Camara dos Pares. - Ora eis-aqui como se faz justiça nesta terra! - Por consequencia não tenho nada com o que se fez no theatro de S. Carlos: tudo que então aconteceo foi a meu pezar, e contra as doutrinas que eu pregava nesse tempo, e que são as mesmas que ainda hoje professo. - S. Exa. tambem me fez outra accusação, e essa diz, respeito a um acto pessoal meu, de que me não lembra; mas como o Digno Par o disse e necessario que seja verdade: que eu dissera que os Provedores nomeados no primeiro Ministerio era tudo uma corja de ladrões.... (O Sr. Barreto Ferraz: - Posso provalo.) Confesso que esta phrase foi inconveniente e imparlamentar, mas, tal seria a occasião; (Riso.) comtudo, ainda quando fosse verdade, a expressão reconheço que não era propria, Sr. Presidente, nomeie-se uma Commissão de inquerito, mandem-na por esse Reino tirar depoimento, e saberão o que fizeram os Provedores que foram nomeados por um Ministro que tinha estado prezo, e que escolheo para esses empregos (estou persuadido que com muito boas intenções) toda a gente que vio na cadêa; sahiram com aquella desesperação em que estavam, e fizeram tudo o que poderam, todas quantas atrocidades se commetteram no Reino nesse tempo, e que são notorias. - Eu quiz livrar o Paiz dessas atrocidades administrativas, e dei um voto de confiança ao Ministerio; mas como o Digno Par disse que não intendia este systema de coalisões, quero lembrar-lhe que esse voto de confiança foi motivado por uma coalisão: as disposições do Decreto sobre que recahia, alteraram-se em consequencia de uma coalisão que fez o Ministerio dessa épocha com o partido exaltado da Camara dos Deputados. (O Sr. Barreto Ferraz: - Nego.) O nobre Par póde negar pela sua parte, mas não pela parte do Ministerio por que é um facto notorio; e o para que foi feita essa coalisão, não quero eu agora dizer, mas, se me apertarem muito, digo-o por que tenho muito boa memoria. (Riso.) A concessão que o Governo fez foi muito diabolica, que era ficarem os Administradores de Concelho sendo eleitos pelo Povo, contra toda a doutrina de administração; e assim ficaram, Sr. Presidente, até que no curto intervallo que durou o Ministerio, cujas doutrinas eu professava, se concluio um trabalho para revogar essa e outras anomalias, o qual elle tinha encarregado a uma Commissão de que eu fui Membro.

Sr. Presidente, a coalisão é hoje o estado normal da politica da Europa; actualmente não ha senão coalisões: os Governos Representativos da Europa hoje tem de attender, como ao primeiro principio, ás coalisões. Quem não vio uma coalisão deitar fóra o Ministerio Mollé para subir o Guisot, e depois ser fortemente atacado, por varias fracções dessa coalisão, o Ministerio deste? Quem não vio, em Inglaterra, os Whigs unidos aos radicaes para sustentar o Ministerio de Lord Melbourne em todas as medidas de progresso, e o Ministerio de Lord Melbourne valer-se da força do partido Tory para sustentar todas as medidas conducentes á tranquillidade e ordem publica? O que é impossivel hoje é o contrario disso. Impossivel e o Ministerio fechar-se dentro de um campo intrincheirado, e viver das correrias que faz contra os partidos differentes: hoje não póde haver outro governo senão o das coalisões; é preciso transigir com todos para fazer um Ministerio que possa governar: este é que é o estado da Europa, e deve ser particularmente o de Portugal. Sr. Presidente, muito mais poderia dizer sobre o assumpto, mas a Camara está fatigada.

Disse tambem o Digno Par: porque não votaram, contra as Leis da Dictadura? Eu não estou certo se votei contra as Leis da primeira Dictadura, ou se votei a favor dellas; o que sei é que votei pelas Leis da segunda Dictadura (a da revolução de Septembro) approvando-as todas; mas então por que votei eu deste modo? Appareceo-me na Camara um Ministro com uma quantidade de Leis immensa (era o meu amigo, o Sr. Passos Manoel), e da outra banda um partido exaltado querendo deitar fóra o Mi-

PARES. 16

Página 62

62 DIARIO DA CAMARA

nisterio; disse eu commigo - qual é melhor, approvar todas estas Leis ou entregar o Paiz a esta gente? Decidi-me, e votei pelo Pantheon, pelas
Bellas-Artes, pelo Conservatorio, e por tudo o mais; / Rizo.) e votei conscienciosamemnte, não me arrependo de o ter feito, por que votei com aquelle espirito e animo com que hei de votar sempre, salvo revogar o que approvei em occasião opportuna, como fiz a respeito de muitas daquellas Leis; entre outras, la vai já o Codigo Administrativo, de eterna memoria: nós fizemos uma conspiração contra elle e revogou-se durante o tempo em que esteve no Ministerio o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, que fez essa proposta, e verdade, mas já tinha achado o trabalhinho prompto.

Portanto, Sr. Piesidente, a respeito de contradicções, não vejo nenhuma por que nunca dei um voto de que tivesse de arrepender-me, menos aquelle sobre os Juizes Ordinarios; a respeito de tudo o mais, podem passar em revista toda a minha carreira parlamentar, e venham com ella apontar-me contradicções, que eu me defenderei: quem professa a doutrina constitucional, quem a sabe sustentar, não tem medo de contradicções.

O SR MARQUEZ DE NIZA: - Sr. Presidente, ha bastante tempo que esta questão occupa a attenção da Camara, e que muitos dos nossos Collegas se tem occupado della, e ainda, não se chegou a uma conclusão; eu julgo que o motivo desta difficuldade e por que a questão involve tres outras muitas distinctas, e estas são: primeira - se deve propor-se um Projecto de Lei para alterar o Decreto de 28 de Maio de 1834: no caso de se decidir que póde ser, está acabado este negocio: segunda - no caso contrario, ou ainda mesmo vigorando esse Decreto, se pelo facto de alguns dos individuos comprehendidos nelle terem exercido as funcções de Par, transmittiram a seus filhos, ou successores o direito de herança: terceira - se neste mesmo caso os filhos desses individuos, que eram maiores, pelo facto de assignarem a representação a D. Miguel devem perder o direito ao pariato? - Por consequencia peço a V. Exa. queira propor á Camara que seja addiada a questão de que se tracta, ate que se decida o primeiro ponto, e que depois se tracte dos outros dous.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Observarei á Camara que a proposta do Sr. Marquez de Niza parece estar incluida na questão prévia do Sr. Marquez de Loulé, que foi rejeitada na Sessão de hontem. (Apoiados.)

O Sr. Conde da Taipa leo então uma Proposta para substituir aquella que tinha dado logar ao Parecer da Commissão. (*)

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Eu tinha a fazer uma observação ao Digno Par, e vem a ser; que antes de mandar essa proposição á Mesa é necessario que primeiro retire a outra que deo causa a esta discussão; e então se tomará em consideração.

O SR. CONDE DA TAIPA: - Se isso depende só de mim, eu a retiro.

O SR. VISCONDE DA SERRA DO PILLAR: - Eu o que tenho a pedir a V. Exa. é que consulte a Camara sobre se a materia está discutida.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Eu digo que é im-

(*) Não publicâmos a integra desta Proposta por se haver desencaminhado na Mesa, e não constar cousa alguma a respeito della na Secretaria da Camara.

possivel annuir a esse requerimento do Digno Par, por que o que se está discutindo e sobre a ordem.

O SR. VISCONDE DE LABORIM: - Sr. Presidente, eu poderei enganar-me, mas pela leitura, que ouvi fazer da proposição do Digno Par, parece-me que ella não está conforme com o Decreto, que não diz o que ahi se acha, contendo por isso uma sentença mui diversa; faz restricção a um Par que praticou certos actos de fidelidade a favor da legitimidade, e diz que todos os que estiverem nas mesmas circunstancias as Côrtes decidirão sobre a sua justiça; mas a respeito do Conde de S. Lourenço, não ha duvida, por que está na regra geral: e portanto para que esta minha exposição dê logar a que a proposição que se apresenta seja rejeitada, peço a V. Exa. a leitura do Decreto.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - A primeira cousa que tenho a dizer é se o Sr. Conde da Taipa quer retirar a sua Proposta, se a Camara o consentir.....

(O Sr. Conde de Lavradio: - Com a condição de a substituir por esta nova.) Quem póde privar o Digno Par de apresentar á Camara o que quizer? Depois de retirada essa Proposta, ninguem se póde oppôr a que se façam outras quaesquer.

O SR. VISCONDE DA SERRA DO PILLAR: - O que se retira não é o Parecer da Commissão, é o da minoria. (Apoiados.) Bem.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Eu ponho sómente á votação o requerimento do Sr. Conde da Taipa, que pede retirar a sua proposta primitiva.

O SR. CONDE DE LINHARES: - O Parecer da Commissão é que esteve em discussão, e o Sr. Conde da Taipa não tem direito de retiralo.

Consultada a Camara, não annuio ao pedido do Sr. Conde da Taipa.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Agora segue-se votar sobre o Parecer da Commissão.

O SR. CONDE DA TAIPA: - Eu peço que essa votação seja nominal. (Apoiados. )

O SR. MARQUEZ DE FRONTEIRA: - Apoio o pedido do Digno Par, e mais alguns vejo em pé.

Decidio-se que a votação fosse, nominal, e disse O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Eu observo á Camara, que, approvando o Parecer da maioria da Commissão, esta resolução não é especial ao Conde de S. Lourenço, mas transcendente a todos os Olhos dos ex-Pares no mesmo caso que o Marquez de Sabugoza, os quaes não poderão jamais fazer parte desta Camara, a não terem uma nova graça do Throno.

O SR. CONDE DA TAIPA: - Por outra, é a degolação dos innocentes! (Rumor.)

Procedendo-se á votação, disseram = opprova = os Dignos Pares

Marquez de Castello Melhor,

de Fronteiia,

das Minas,

de Niza,

de Santa Iria,

Conde da Cunha,

de Linhares,

da Ponte de Santa Maria,

de Rio Maior,

de Villa Real,

Visconde de Laborim,

de Oliveira,

de Porto Côvo,

de Semodães,

da Serra do Pilar,

Página 63

DOS PARES. 63

Barreto Ferraz,

Aguilar,

Gambêa e Liz,

Margrochi,

Pessanha,

Silva Carvalho,

Trigueiros;

e disseram = rejeito = os Dignos Pares

Duque de Palmella,

Marquez de Loulé,

de Ponte de Lima,

Conde de Avillez,

do Farrobo,

de Sampayo,

da Taipa,

Visconde de Beire,

de Fonte Arcada,

de Sá da Bandeira,

Conde de Lurniares,

Polycarpo Machado.

Ficou por tanto approvado o Parecer da maioria da Commissão por 22 votos contra 12.

Teve depois a palavra

O SR. SILVA CARVALHO: - Eu não posso deixar de dar uma explicação, e serei muito breve. - Disse o Digno Par que elle tinha entrado tambem em uma coalisão, e mencionou o facto, para que os Administradores de Concelho fossem de votação popular; eu estava então no Ministerio, e na Camara tinha-se promettido áquillo que devia ser, que era que os Administradores seriam nomeados pelo Governo. ( O Sr. Conde da Taipa: - Não Sr.) Não se chegou a votar, mas havia de ficar vencido, por que todos já estavam levantados; mas não se chegou a votar, porque um dos Ministros tornou sobre sua responsabilidade annuir á preterição, e fez essa transacção contra vontade do Ministerio: ora agora, eu é que não entrei nisso, e não entro tambem em fusão alguma em que entre despotismo e liberdade; isso não. Intendo uma fusão de gente dos mesmos principios, ainda que de differente partido, e que não exclua os desta communhão; mas agora despoticos e liberaes, não posso intender.

O SR. MARQUEZ DE PONTE DE LIMA: - Mando para a Mesa a ceitidão do Baptismo do Sr. Marquez de Abrantes, que deseja ser admittido nesta Camara, como neto do falecido Marquez do mesmo titulo, D. Pedro.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Passa á Commissão respectiva. - A Ordem do dia para Sexta-feirá são Pareceres de Commissões. - Esta fechada a Sessão.

Eram cinco horas e tres quartos.

N.°8. Sessão de 29 de Julho. 1842.

(PRESIDIO O SR. DUQUE DE PALMEIRA - E ULTIMAMENTE O SR. VISCONDE DE SOBRAL.)

Á UMA hora e meia da tarde foi aberta a Sessão; estiveram presentes 33 Dignos Pares - os Srs. Duques de Paimella, e da Terceira, Marquezes de Fronteira, de Loulé, das Minas, de Niza, de Ponte de Lima, e de Santa Iria, Condes de Avillez, do Bom-fim , de Lavradio, de Linhares, de Lumiares, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, da Taipa, e de Villa Real, Viscondes de Bene, de Fonte Arcada, de Laborim, de Oliveira, de Porto Côvo de Bandeira, de Semodães, da Sena do Pilar, de Sobral, e de Villarinho de S. Romão, Barreto Fenaz , Aguilar, Medeiros, Margiochi, Pessanha, Polycarpo José Machado, e Trigueiros. - Tambem esteve presente o Sr. Ministro dos Negocios do Reino.

Leo-se a Acta da Sessão antecedente, e ficou approvada.

Mencionou-se um Officio do Digno Par Conde de Mello, participando que não lhe tendo sido possivel vir a Lisboa para assistir á abertura das Côrtes, por haver adoecido, logo que o seu estado desande o permittisse se porta a caminho. - A Camara ficou inteirada.

O SR. MARGIOCHI: - O Digno Par Silva Carvalho encarregou-me de participar á Camara que não póde assistir hoje á Sessão por se achar doente.

O SR. CONDE DA PONTE DE SANTA MARIA: - Tenho a honra de mandar para a Mesa a Carta Regia pela qual S. Magestade a Rainha Houve por bem nomear Par do Reino o Sr. Conde de Terena, José. - Passou á Commissão de Poderes.

O Sr. Visconde de Villarinho de S. Romão apresentou o seguinte

Requerimento.

Requeiro que se peçam ao Governo os seguintes esclarecimentos:

1.° Qual e o juro que se paga da divida estrangeira, comprehendido na expressão de = meios dividendos = neste primeiro quadriennio, estabelecido em virtude do Decreto de 2 de Novembro de 1840.

2.° Se juntamente com o dito juro vai alguma quantia determinada para amortização.

3.° Se a parte dos chamados = meios dividendos = que ficam por pagar, se ajunta ao primitivo capital da divida e fórma capital a vencer juro.

4.º Se o juro que se vai vencendo dos meios dividendos por pagar é juro composto.

5.° Qual é a quantia de dinheiro metalico que a Junta do Credito Publico deve dar em Londres cada anno deste primeiro quadriennio para pagamentos dos meios dividendos.

6.° Se os juros do capital primitivo, e daquelle que se vai addicionando todos os annos, ha de ser sempre constante e proporcional ao que está determinado para cada um quadriennio, ou se de anno para anno (dentro do mesmo quadriennio) se deduz a parte correspondente ao desfalque das amortizações, no caso de as haver.

7.° Qual é a despeza annual que faz a Commissão Financeira em Londres.

.° Qual é a somma total dos capitaes que ficam a vencer juro de 6 por cento no fim do ultimo anno do quinto quadriennio.

Camara dos Pares 29 de Julho de 1842. - O Par do Reino Visconde de S. Romão.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×