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N.º 10

SESSÃO DE 1 DE JUNHO DE 1891

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios — os exmos. srs.

Conde d’Avila
Visconde da Silva Carvalho

SUMMARIO

Leitura e approvacão da acta. — Correspondencia. — Prestam juramento e tornam assento na camara os dignos pares os srs. Emilio de Sá Brandão e Antonio Candido. — Tem segunda leitura o projecto de lei, ácerca da emigração, do sr. Thomás Ribeiro. — Entra o novo ministerio e o sr. presidente do conselho, apresentando-o, faz varias considerações e o programma do gabinete. — Seguem-se-lhe no uso da palavra os dignos pares os srs. Antonio de Serpa, Luciano de Castro, Vaz Preto, Costa Lobo, ministro da justiça e interino da fazenda, Hintze Ribeiro, Barjona de Freitas, Thomás Ribeiro, D. Luiz da Camara e visconde de Moreira de Rey. — A camara approva duas propostas de accumulação e Icem-se na mesa dois officios. — Usa por ultimo da palavra o sr. marquez de Pomares, ao qual responde o sr. ministro da marinha.

Ás duas horas e vinte e cinco minutos da tarde, achando-se presentes 39 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da ultima sessão.

(Esteve presente o ministerio.)

O sr. Presidente: — Consta-me estarem nos corredores da sala os dignos pares, cujas cartas regias foram approvadas na ultima sessão.

Convido os dignos pares os srs. Cau da Costa e Mello Gouveia a introduzirem na sala o digno par o sr. Antonio Emilio Sá Brandão.

Introduzido na sala prestou juramento e tomou assento.

O sr. Presidente: — Convido os dignos pares os srs. Thomás Ribeiro e Hintze Ribeiro a introduzirem na sala o digno par o sr. Antonio Candido.

Introduzido na sala prestou juramento e tomou assento.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o projecto de lei que foi mandado para a mesa na ultima sessão pelo digno par o sr. Thomás Ribeiro.

É do teor seguinte:

Projecto de lei

Dignos pares do reino. — Venho hoje apresentar á alta consideração do parlamento um projecto de lei, transumpto da proposta que lhe destinara quando ministro das obras publicas. Não era nem podia ser a resolução, mas seria o começo de estudo pratico e de tentativas de experiencia no intento de caminhar para a resolução de um dos mais difficeis e mais complexos problemas da governação publica. Refiro-me á emigração portugueza para paizes estrangeiros.

Consagrei ás questões do trabalho alguns decretos importantes, — pelo assumpto a que se referem e como inicio de futuros e proficuos emprehendimentos. Esses decretos dimanaram de auctorisações legaes.

Hoje é o trabalho ainda quem inspira este projecto de lei; que só elle póde alliviar ou resolver as nossas dificuldades de toda a ordem; e para haver trabalho é forçoso reter e empregar convidativamente aqui os braços trabalhadores que nos fogem.

Não estamos em presença de um phenomeno casual, determinado por um acontecimento politico ou por um abalo social, que circumstancias eventuaes determinam e reacções naturaes fazem voltar á normalidade; temos diante de nós um facto excepcional, que as tradições crearam e a diuturnidade regularizou. Nota-se-lhe apenas um aggravamento.

Parece que aquella circumstancia historica devia achar-nos conformados ou, pelo menos, preparados para empregarmos as medicações lentas com que se tratam padecimentos vetustos; porém, senhores, a nação começa de assustar-se, porque esta crise se aggrava em meio de outras crises, umas que della vem, outras que para ella concorrem. Os poderes publicos devem achar, na serenidade da consciencia, a força com que supperem as maximas dificuldades; mas a consciencia não se contenta com bons desejos, exige a efficacia da acção. Quando um povo se lamenta, padece; é obrigação dos poderes publicos ouvil-o e servil-o.

A critica acerba póde ser, é muita vez, o queixume de quem soffre; a que insulta póde traduzir o desespero do cansaço; a que moteja póde significar inconsciencia; e póde ser prova de notavel despreoccupação. Em qualquer destas hypotheses é forçoso considerar um symptoma, estudar a doença e tentar a melhora.

É difficil n’este momento a missão do governo portuguez; difficil, não porque as circumstancias offereçam perigo immediato, mas porque na complexidade innegavel das difficuldades que nos molestam, ora se lhe impõe o tratamento mais energico, ora o mais anodino; e em todo o caso mais se exige a pressa do expediente do que se aconselha a prudencia e a proficuidade da acção. E mais de um motivo devia inspirar, agora mesmo, este conselho á nação portugueza.

É certo que atravessamos um momento difficil? É certo. Desconhecel-o seria falta de consciencia honrada; negal-o fora acto de criminosa e inutil astucia; conviria, porem, attentar em que o mal que-nos afflige, — a doença economica, — é epidemico, e que não ha povo que d’elle se julgue indemne. A crise commercial é sempre, em toda a parte, consequencia das crises industriaes; unias e outras, dos abalos financeiros. Estes nunca se localisam; têem repercussões em todas as praças, enlaçado como está o credito por todo o mundo. As republicas sul-americanas, tão prosperas ainda hontem, já levaram á propria Inglaterra o abalo da sua convulsão; a França, um dos mais fortes jogadores, hoje, na banca da bolsa europêa, teve ainda ha pouco de acudir pelo seu credito, amparando os mais fortes dos seus estabelecimentos bancarios; o Brazil ostentou na sua transformação politica uma tão rapida e apressurada transformação economica e financeira, e festejou tão confiadamente. o advento da sua instantanea prosperidade, que está assustando o mundo capitalista com a exuberancia dos seus çommettimentos; a Italia sente em muitas das suas praças o estalido da bancarrota; emfim, senhores, são as eventualidades normaes das confianças temerarias de que o credito foi sempre e será sempre tentador. Quem diz «credito» diz «risco»; tratal-o com prudencia é o mais que a sua indole póde conceder ou telerar.

Soffremos pois do mal commum a que não lograriamos eximiar-nos; poderiamos ter sido mais previdentes? Mais cautelosos? talvez; mas sirva-nos de attenuante que não

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somos os mais molestados, e, de conselho, a certeza que se experimenta de que nos é rigoroso e patriotico dever ser mais cautelosos em aventuras administrativas.

O regimen fiduciario não tem por base alicerces; repousa no equilibrio; os titulos representativos excedem os valores representados: — as reservas metalicas; as quaes tambem são por si sujeitas a altas e baixas, mais ou menos como toda a propriedade ou como toda a caução. Muita vez nas instituições de credito as reservas ficam estacionarias quando as obrigações se multiplicam; e quanta vez não diminuem, pela imperiosa necessidade dos mercados; e quantas mais, ainda, pelas complicações politicas das nações.

O thermometro do credito na Europa está por ora no banco da Inglaterra. Os seus balancetes e a taxa dos seus descontos dão a lei ás bolsas de todos os paizes; na America os Estados-Unidos tem uma circulação reguladora tambem das grandes questões financeiras. Os pequenos paizes, enlaçados com os mercados preponderantes, são sempre reflexo das suas minguas ou das suas prosperidades.

A nossa ultima crise bancaria foi uma repercussão; cremos que, ao menos em parte, não foi tanto uma crise do paiz, real e verdadeira, como um resentimento; uma vibração das occorrencias externas.

Demos, porém, sem acceitar que fosse mais grave que o de todos os outros povos o estado economico e financeiro do nosso paiz;. demos que as questões externas, que são muitas e graves, e que não têem podido liquidar-se, — no tempo, ao menos, segundo a impaciencia da nação, aggravava e complicava esse estado; queria o terror, — com que hoje se pretende attenuar até o attentado de 31 de janeiro, e se reproduziu na crise bancaria de maio — tomar a direcção dos negocios publicos? o terror é, de ser fraco, uma apparencia de força explosiva, mas, por ser fafal, cego e incohersivel, é, quando poder, o peior dos poderes; nem salva, nem se salva, nem deixa que o salvem.

Nada pois justifica, senhores, embora todas as circumstancias o desculpem, o estado dos espiritos e a impaciencia do sentimento publico.

Aos poderes publicos cumpre, modificar esse estado, mais perigoso que todos os perigos que se nos antolham. Para isso carecem de inspirar confiança, já não absoluta, mas expectante ao menos, e paciente.

Não se illuda o governo, e nem se illudam os governos sobre o modo porque actualmente são apreciados. A unica benevolencia que o paiz lhes dispensa é a da velha de Cyracuza; nas, manifestações de agradecimento não ha gratidão; que a demasia das formulas, degeneradas em simulações, tem apavorado a essencia das cousas e afugentado a verdade.

Assim se procura debalde, muita vez um ponto de apoio em que se firme a acção dos poderes publicos. Chega-se mesmo a sentir, — é facto historico e não singular, — que os parlamentos, incursos em graves responsabilidades, não sabem como repellir a excepção de incompetencia ou de suspeição, ao quererem funccionar como juizes. - Quando nas más horas das nações chegam estas circumstancias (e não são ainda as nossas, felizmente,) que força resta aos governos? mesmo aos que nascem de grandes maiorias?

O apoio da corôa suppõe o apoio da nação; um e outro só a confiança os póde inspirar, e só unidos podem viver.. Serenamente confio do veredictum parlamentar este projecto de lei, certos de que na sua justiça patriotica a acceitará, modificará ou rejeitará como julgar justo e util. Confio, porém, que se não contentará com rejeitar; tem de substituir.

É provavel que o governo tenha sobre o assumpto proposta que melhor satisfaça; é porém dever de todos concorrer para a resolução de tão instante problema.

Um dos inales que n’este momento mais affrontam e sobresaltam Portugal é o aggravamento da emigração para paizes estrangeiros.

De facto, senhores, condensa-se o exodo; engrossa a corrente, esgota-se uma parte do reino, da gente laboriosa e válida; ameaça-nos a invasão do pousio e, após elle, a da charneca sobre regiões ainda hontem florescentes. No dizer severo de um escriptor auctorisado, é: — «quasi unica — e em todo o caso principalissima industria portugueza de exportação, a cria de gado humano». Descontado qualquer exagero, e a dureza da phrase, é dolorosa a revelação, pelo muito que ha nella de verdade. A exportação de braços válidos e sãos, a desherdação do trabalho nacional, a depressão da nossa riqueza, promove-as uma industria, que nem é reconhecida, nem regulada, nem collectada. A, industria do reino mais rendosa, — a espoliadora, — não é chamada a contribuir para as urgencias do estado, urgencias que ella trabalha por aggravar, e aggrava; ao passo que as industrias creadoras, civilisadoras, humanitarias, patrioticas, são avexadas de tributos e sujeitas aos regulamentos policiaes.

É livre a emigração. Assim o estatuiu a carta; mas o artigo que concede a qualquer, poder conservar-se ou sair do reino, como lhe convenha, acrescenta: — «guardados os regulamentos policiaes e salvo o prejuizo de terceiro».

Façamos pois os regulamentos policiaes ou reformemos os que existem, e tratemos de salvaguardar os direitos de terceiro. Não tem os poderes do estado outros meios directos, sem faltar á lei fundamental, de minorar ou desviar a corrente da emigração; e estes, na verdade, são poucos e insuficientes; confia porem na conveniencia de meios indirectos sem os exagerar, que fora, não só inutil,— diligencia contra indicada; e de uns e de outros procurei incluir n’este projecto de lei, os que offereço á vossa apreciação.

É de tal modo complexa esta questão que, sob o ponto de vista do governo, abrange todos os ramos do serviço publico, e todas as repartições do estado têem de intervir na sua resolução. Ao mesmo tempo tem de ser unificado este trabalho, para ser harmonica e efficaz a acção do poder executivo.

Para justificar os diversos pontos do projecto conviria desenvolver: quaes são as causas determinantes d’este exodo, e, agora, do seu aggravamento; qual a historia, — que a tem já, — dos seus trabalhos, em relação a si, e a Portugal; qual a apreciação da sua inconveniencia, feita ou, concebida pelas diversas classes sociaes; que meios são indicados para se satisfazer ou para se modificar, com o procedimento, a opinião.

Tambem conviria numerar e desenvolver as difficuldades habituaes e adventicias que se aguardam, sem surprezas, e se hão de vencer pela acção insistente da justiça, que domine: felizmente o espirito do nosso povo. É melhor porém não antecipar no annuncio o que sempre ha de vir demasiado cedo para os que trabalharem de bom animo.

A tradição das riquezas do Brazil, paiz que foi nosso, que nos convidava em brados pela voz dos nossos governadores, cos nossos aventureiros, dos nossos trabalhadores e dos nossos missionarios, que nos tentava pela riqueza deslumbrante das suas minas, e pela feracidade exuberante da sua agricultura, que nos chamava das aventuras cavalleirosas do oriente para as aventuras gananciosas do occidente, vive ainda e tenta sempre a phantasia do nosso povo.

A estatistica tambem—mesmo sem intenção,— é connivente na diuturnidade do chamamento. Diz, é verdade, os muitos que a esperança leva (e não diz todos); diz os que voltam recompensados; aponta ainda os que lá prosperam, em riquezas, sem dizer por que preço as compram; e como não refere ao certo os que lá morrem, succumbindo ao peso de enormes desastres, mostra só reflexos de oiro nas praias do occidente sem reflectir, nem vislumbrar, sequer, as suas tormentas e naufragios..

A imprensa relata, sim, de quando em quando, com as

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devidas cores, uma parte d'essa miseria, mas o emigrante não sabe ler.

De quarenta mil braços que nos fogem por anno, metade são de analphabetos; muitos dos outros decifram com difficuldade.

O facto é porém que a miragem das riquezas attrahe os laboriosos e os incautos, como a Circe da mythologia; o Brazil tem despovoadas ainda grandes extensões de territorio, e o governo brazileiro é, não unico, mas o primeiro agente de importação de emigrantes, fazendo ou pretendendo fazer os seus consules; na Europa, commissarios da exportação de braços trabalhadores. É preciso que o governo portuguez emprehenda, com a publicação de um boletim mensal, enviado aos parochos das nossas freguezias ruraes, a propaganda da verdade.

A essa causa tradicional acrescem outras mais modernas, mas não menos instantes.

A vinha, os soutos e os olivedos caem doentes, e o vinho e o azeite, principalmente, eram a nossa grande riqueza agricola. E preciso refazermos a agricultura; mas a opulencia não quiz poupar; a mediania não soube; e a pobreza não póde esperar. Este desastre coincidiu com a epocha em que ser rico é a ambição das ambições; e a pressa de enriquecer se tornou vertigem. Gosar é o verbo supremo, o pregão do egoismo insaciavel, insubmisso, intransigente. A lucta pela vida já se não traduz no trabalho, ensaia-se no azar, na loteria, no jogo. Conquistar um thesouro é fadigoso e tardo; é preciso achal-o. Acha-se no Brazil! Emigra-se. Esta é a propaganda do alliciador, que infelizmente se casa com o sentimento do alliciado.

O bezerro de ouro é sempre o idolo das decadencias!

Aos costumes rudes e austeros de Sparta, já contrabalançados pelas dissipações de Athenas, succederam ainda os canticos á lavoura, no Lacio, e á quietude sacra dos hortos. Hoje, nada! hoje, mesmo em Portugal, só nas cidades se gosa, e quem não emigra para o Brazil emigra para Lisboa. Grandissimo erro que, apoz algumas distracções nos passatempos da capital, avoluma a concorrencia nas arcadas, do Terreiro do Paço.

A grandeza da Inglaterra reside nos campos.

Aos lords é a capital uma estação politica; nada mais. E nos castellos e palacios campesinos a residencia dos senhores. As suas festas são ali. As galas e louçanias que mais ostentam, ali residem. - São principalmente os seus bosques, os seus parques, os seus gados, as suas pradarias, os seus esmeros culturaes.

Os nossos grandes proprietarios ruraes, em vez de aproveitarem as estradas novas de rodagem ou ferroviarias para augmentarem o seu patrimonio, fugiram por ellas! e deixaram entregues o seu solar campestre e os seus bens rusticos ao rendeiro ou feitor: - os chupadores da terra, emquanto, por usurarios dos senhorios, se não constituem usorructuarios d'elles e successores.

E aqui, na deserção dos proprietarios, reside outra causa da emigração dos trabalhadores.

Ardua e longa tarefa, a de refazer os costumes!

O extremo retalhamento da propriedade contribue algumas vezes para se perder, por minima. Defendel-a quer da justiça, quer do fisco, quer do credor, leval-a ao banco, ao prestamista, ao proprio comprador, é tarefa tão difficil, tão enredada em termos e certificados! todos os processos os mais simples do seu regimen são de tal sorte dispendiosos, demorados, sophismaveis e sophismados, que se perde a paciencia, a força, os proprios bens, a vida, ás vezes, nas fadigas inglorias do incidente e do interlocutorio.

É preciso pois dar aos valores minimos processos com que elles possam. Aliás expiram indefesos.

Adquirir propriedade em Portugal só foi facil no tempo das doações regias, porque o rei não queria que se difficultasse aos seus donatarios a posse, mais difficil ás vezes do que a propria acquisição. A compra difficulta-se dia
a dia, por falta de dinheiro, pela depreciação da propriedade rural, por exigencias da lei; a emphyteuse, quasi a inutilisou o codigo civil, quanto aos proveitos da que existe e ás pretenções de futuro.

Foi, quando se instituiu ou se adoptou em Portugal, nos primeiros tempos da monarchia, e com a sua multipla natureza de emprezamento de vidas ou perpetuo, de livre ou obrigada nomeação, um grande auxiliar do povoamento e da cultivação do reino, como póde ser ainda agora, alterada a sua primitiva constituição, e reformada a sua reforma, que a damnificou.

Foi o vinculo dos laboriosos, a propriedade que os senhores, ricos, freires, commendadores, donatarios, outhorgavam aos seus colonos para lhes attrahirem os serviços, e radicarem as suas familias. Instrumento providencial que é preciso conservar, - melhorado: - mais serviçal e mais proficuo.

Dividir por estimações arruina o emphyteuta, - o encabeçado no prazo -; e apenas dá, se dá, aos coherdeiros o preço da passagem para o Brazil.

Só em terra propria lança a humanidade raizes.

Outra causa de emigração encontrâmos, senhores, no serviço militar obrigatorio. O povo portuguez é prompto em armar-se e em se lançar temerariamente de encontro a todos os perigos; ainda em 1808, e depois em toda a guerra peninsular o provou heroicamente. Ha poucos dias ainda levantaram-se difficuldades na Africa, e os soldados portuguezes foram, contentes, arrostar com os perigos da guerra e da Africa; mas tem horror, a nossa gente, ao alistamento, onde vê premeditado o crime de a arrancarem aos seus campos; e é justamente ao camponez que o recrutamento mais repugna. Acceita de bom grado a arma, comtanto que veja a enxada. É forçoso de qualquer modo attender a esta circumstancia e, quanto possivel, transigir com ella, ficando sempre entendido que o serviço militar é essencial. Cumpre modificar-lhe na lei, ao menos para casos especiaes, se não a essencia, a fórma.

Porém não só estes são os males a combater. Abra-se um inquerito minucioso; não agora entre os pobres, inconscientes e merecedores de todas as contemplações; inquiram-se os capitalistas; inquiram-se muitos financeiros sobre as conveniencias ou inconveniencias da emigração para o Brazil, e elles abonarão a sua utilidade, e demonstrarão que os nossos deficits commerciaes são cobertos pelo oiro que nos vem de lá, graças á nossa emigração. E não é facil contesar-lh'o.

Na verdade, e este facto é bem que fique mais uma vez confessado e registado em documento publico relativo ás nossas questões economicas; na verdade nós devemos á emigração para o Brazil, e ha longos annos, o preenchimento de grandes sommas para equilibrio da nossa balança commercial. Que deduz d'este facto o capitalista? Que é util, que nos é indispensavel a emigração como meio de saldar mais um dos nossos deficits; que responde o financeiro? Que seria imprudencia perigosa inutilisar aquella fonte de riqueza. Empirismo prudente e cauteloso, mas empirismo. Vê o facto - aquelle facto, isolado; - le as noticias do cambio, calcula por elle as remessas de dinheiro do Brazil, somma ou multiplica, e acha compensado o nosso deficit: - o que nos faltava, o que nos falta, o que nos ha de faltar ámanhã; podendo acontecer que n'uma eventualidade bancaria, que Deus afaste, cessem as noticias do cambio e não haja meio de compensar o nosso passivo.

De modo que, senhores, o argumento do commercio, note-se bem! - do commercio, que diminue gradualmente e é já quasi nullo hoje com o Brazil, - o argumento do commercio e o applauso do empirismo preconisam apenas um expediente, que lhes parece feliz. A diuturnidade abona-lhes o conceito; infelizmente accusa só uma anormalidade e descobre mais um perigo.

A economia politica no seu naturalismo pratico já mediu e calculou, anno por anno, o valor de cada braço

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operario ou agricultor. Cotejem o valor real que levam á nação com o que a nação eventualmente recebe, e mostrem o saldo. Observem ainda que a parte mais sã, mais viril do paiz é a que emigra solteira, e que a reproducção da nossa raça fica entregue, em parte, a gente enfermiça, a que augmentam ainda os achaques, proprios ou herdados, as despensas de parentescos.

Com o valor dos braços calculem-se as geiras de terra que cultivariam no reino e o valor dos productos do seu trabalho; se ainda houver deficit é que falta valorisar as nossas culturas ou os nossos productos. Cuidemos de os aperfeiçoar.

Em vez d'isto espreitamos o cambio, a eventualidade, o milagre: o mana tradicional dos povos meridionaes, - eternos descuidados.

Os deficits das nações devem saldar-se pelos seus proprios recursos, equilibrados pelo commercio, e não pela fortuna aventurosa de quem vae ao acaso arriscar-se em terra estranha a não trabalhar, a trabalhar sem proveito, a perder os seus haveres, ou a naturalisar-se no paiz onde os ganhou.

Muito devemos, senhores, é forçoso confessal-o, para não sermos injustos nem. parecermos ingratos; muito devemos aos nossos compatriotas no Brazil; muito! Nunca os seus corações deixaram de pulsar em sympathica harmonia com o coração da patria, festejando as suas glorias, chorando as suas dores, occorrendo ás suas necessidades, e prezando, acima de todas as tentações de ventura, a honra de se dizerem seus filhos. O commercio e as finanças proclamam que nos felicitam; devemos nós affirmar que, pelo modo por que se acham constituidas no Brazil, as colonias portuguezas honram o nosso nome.

Encontrareis n'este projecto uma disposição, aliás legal (mas nunca ainda usada com os que se distanceiam do seu paiz natal), em favor dos nossos emigrados: propomos que se lhes reconheça o direito de representação politica.

O artigo 7.° da carta constitucional considera-os (e são) cidadãos portuguezes. O artigo 8.° diz como se perdem os direitos de cidadão, e o 9.° como se suspende ò exercicio dos seus direitos politicos. O facto da emigração ou residencia eventual em paiz estrangeiro nem sequer suspende o exercicio d'esses direitos. O artigo 64.° confere-lhes voto nas eleições politicas; e nas exclusões especificadas nos artigos 65.° e 67.° não se mencionam os emigrados. O artigo 68.° declara-os habeis para deputados e o artigo 69.° dá como elegiveis os cidadãos portuguezes, em qualquer parte que existam. O artigo 145.° garante a inviolabilidade idos seus direitos civis e politicos.

Enlaçados como estão com os negocios publicos em Portugal os valiosissimos interesses dos nossos compatriotas no Brazil convem, a nós e a elles, que tenham quem lh'os proteja em côrtes.

É mais um vinculo que os une á mãe-patria; é mais um impulso para se crearem e prosperarem relações commerciaes entre os dois paizes, - incentivo para adiantamento á nossa agricultura e á nossa industria. - Se me não engana a esperança, elles e nós temos muito a lucrar em mais nos unirmos, podendo reciprocamente auxiliar-nos. Os capitães portuguezes do Brazil poderão entrar mais afoitamente nas emprezas da industria e da agricultura aqui, para mais alargarem lá os seus emprehendimentos e transacções commerciaes, o que será util e vantajoso a ambos os paizes.

Algum espirito meticuloso verá nisto um estimulo, porventura, á emigração? Não é. A concessão d'este direito não augmenta um só emigrante para o Brazil; é reconhecimento de um facto consummado, e tambem premio de honra a quem em difficeis conjuncturas tem sempre sabido respeitar as tradições e os interesses da sua patria.

É uma justiça que se lhes faz, uma distincção merecida que se lhes concede e parece-me, senhores, que, pela sua importancia real, é tambem de reciproca utilidade politica.

Porém, senhores, eu prefiro que o Brazil se encontre em Portugal. O facto de emigração que represente uma necessidade não derivada de excesso de população, não nos dá honra, nem proveito real.

No sentido, pois, de supprir, quanto possivel, as necessidades que determinam a emigração, conglobei neste projecto uma serie de medidas, para a creação de colonias agricolas no reino com os auxilios que o estado póde offerecer-lhes. Não basta castigar ou reprimir os abusos que levam á emigração clandestina, e regulamentar e regularisar a constituição e exercicio das agencias de emigração, do que tambem n'este projecto se trata, é preciso proporcionar trabalho lucrativo a quem deseje trabalhar.

N'esse sentido e desejo, senhores, offereço á attenção esclarecida e patriotica do parlamento bastantes elementos de que se póde dispor; assim elles sejam efficazes. Se não forem os sufficientes, outros poderão auxilial-os. Decretar obras publicas chama braços e entretem temporariamente o trabalho, porém só a agricultura o demora e só a propriedade o póde fixar.

Como seja no valle e ao sul do Tejo e no paiz do Douro que mais se manifesta a necessidade de colonisação, proponho que ali sejam postos á disposição dos emprehendimentos agricolas os grandes instrumentos do estado: - os seus caminhos de ferro:

A historia dos nossos primeiros tempos, a varia legislação que decretava coutos, honras, e foraes, os nomes de muitas povoações e instituições que permanecem, nos dizem os meios que se empregaram para povoar e cultivar o reino. Isenções, direitos, privilegios, simplificação e variedade nos processos para adquirir e manter a propriedade, são d'isso testemunho authentico; assim tambem as villas e as feiras francas nos faliam dos meios por que o commercio era chamado e exercido, liberto, emquanto e onde conveiu, de impostos e almotacerias.

Nem parecerá demasiado todo o esforço que fizemos para levar a todo o paiz onde sobejam terras incultas e faltam braços, principalmente ao norte, que se despovoa e ao Alemtejo, despovoado, - á grande provincia, que occupa quasi um terço da extensão continental do reino, provincia que excepcionalmente vive e excepcionalmente agriculta, o que em parte é devido ao imperio das tradições, força quasi incontrastavel, em parte ao modo de ser da sua propriedade territorial, e em parte á natureza do seu solo e das suas condições climatericas, - todo o auxilio que for possivel, para tirar das nossas terraso muito que podem dar.

Uma parte, quasi toda a raia das Beiras, bem assim a parte norte do Algarve podem ser agricolamente com muita vantagem exploradas. Não se julgue que a questão de visinhança é indifferente a muitos dos nossos trabalhadores.

O Alemtejo mede 24:411 kilometros quadrados, 2.441:100 hectares. Conta apenas 360:000 habitantes.

Na menção da superficie da provincia não metto em conta 10:000 ou mais, hectares de areiaes e medões na costa maritima, e que, pelo menos, devem servir para pinheiraes.

De toda a extensão do Alemtejo mais de dois terços são charnecas. Avalia-se este deserto em 16:470 kilometros quadrados.

Da sua arborisação contam-se 5 zonas de pinheiros maritimos, 30 de sobreiros, azinheiros e oliveiras: - 400:000 hectares.

Alem d'estes arvoredos encontram-se no Alemtejo vinhas, cereaes e pomares de fructa que, pelo que vem de tempora, principalmente a que provier do Algarve, póde ser de grande valor.

Hortas, gados em grandissima abundancia, prados naturaes e os que artificialmente podem conseguir-se com o aproveitamento das aguas, tudo a provincia nos promette. Em 1884 a questão do aproveitamento das aguas no Alemtejo foi estudada por uma commissão de engenheiros

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destinctos e o seu trabalho é copioso e digno de attenção. O maior campo de exploração agricola é certamente, para nós, o Alemtejo.

É preciso fornecer-lhe braços. Não os tem.

Portalegre (o districto) conta 15 habitantes por cada kilometro quadrado; Evora, 13; Beja, 12. Ao passo que em Vianna se contam 85; em Braga,. 114; no Porto, 164.

É preciso, é urgente acudir a este desequilibrio, e começar já, na esperança de que successivamente se continue. É tarefa para muitos annos.

Aqui, senhores, não copiei a velha legislação, mas tomei d'ella conselho e senti tentações de tomar exemplo; assim proponho: a reforma da emphyteuse; a creação de meios faceis de adquirir a propriedade; simplificação do processo; criação de fontes de receita, forcejando por não impor pesados encargos ao thesouro, - maxima difficuldade em tão difficil empreza, mas necessidade impreterivel na conjunctura em que nos achâmos.

Isto resume qual era o meu intento no meu trabalho. Assim mereça e deva merecer a esclarecida e conscienciosa approvação das côrtes e do poder executivo.

Parecerá que offerecendo apenas bases sobre que recaia uma larga e minuciosa regulamentação appello para um voto de confiança conferido ao governo; talvez; e porque não? Em tão variado e complexo trabalho, ou as côrtes conferem ao governo as auctorisações pedidas, ou terão que desdobrar em leis singulares os assumptos que vem n esta proposta compendiados, e outros ainda, sendo muito de receiar que a diuternidade das suas deliberações e os seus decretamentos successivos venham tarde para a urgencia que se reconhece, o talvez menos harmonicos do que convem. Isso fica para a prudencia e sabedoria das côrtes e tambem para a sua responsabilidade.

Proponho um voto de confiança ao governo; e hoje mais desassombradamente, que d'elle não faço parte.

Parece-me que, se o desejo ardente de bem servir o paiz me não engana, o parlamento portuguez na conjunctura actual, salvas as emendas que a melhorassem, praticaria um acto de patriotismo, como d'elle é de esperar, se perfilhasse e nobilitasse com a sua auctoridade, o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É auctorisado o governo, cumprindo o disposto no § 5.° do artigo 145.° da carta constitucional, a decretar os regulamentos policiaes necessarios para occorrer ás urgencias que está reclamando a emigração de Portugal para paizes estrangeiros, e providencias complementares e essenciaes, sobre as bases que vão juntas e fazem parte d'esta lei.

§ unico. As diversas disposições n'ellas contidas serão regulamentadas, as que de regulamento carecerem, em providencias especiaes, e de tudo o que fizer no uso d'esta auctorisação o governo dará conta ás côrtes.

Art. 2..° Fica revogada a legislação em contrario.

Lisboa, 30 de maio de 1891. = Thomaz Antonio Ribeiro Ferreira.

Bases a que se refere a presente proposta de lei

Modo por que se podem constituir agencias de emigração e condições para a concessão de passaportes

1.ª

É permittido, no continente e ilhas adjacentes, a constituição e exercido de agencias ou emprezas destinadas a promover, ou a transportar, a emigração portugueza para paizes estrangeiros, sob as seguintes condições:

a) Que os agentes ou emprezarios se mostrem no goso dos seus plenos direitos, e sujeitos aos tribunaes portuguezes;

b) Que prestem cauções a penas pecuniarias, eventuaes, por meio do depositos e fianças, penas que serão graduadas conforme a gravidade das contravenções aos regulamentos policiaes, julgadas em policia correcional;

c) Que exhibam ante a auctoridade administrativa e policial os programmas para o exercicio da sua industria, especificados os fins, e os meios de que dispõe; os processos que pretendem empregar; os auxilios que prestam no reino aos emigrantes até embarcarem; as condições com que lhos prestam, e os mais esclarecimentos que sobre o assumpto lhe forem legalmente exigidos. Se agenciarem por conta alheia, apresentarão os diplomas authenticados dos contratos feitos com proprietarios devidamente abonados, agencias ou companhias constituidas no paiz importador, e n'esses diplomas ou documentos: - as garantias que offerecem aos emigrantes, que reclamem; o numero de colonos que pedem, se houver no contrato numero determinado; a especie de trabalho que lhes destinam; as commodidades que lhes proporcionam; os salarios que lhes garantem e em que condições e logares.

§ 1.° Estes documentos serão visados e authenticados pelo consul da nação a que os alliciados se destinarem, e uma copia authentica ficará no governo civil ou nos governos civis a cuja area se pretenda alargar a acção dos agentes ou emprezarios.

§ 2.° Os agentes interventores garantem ipso facto o cumprimento das obrigações contrahidas, para com o emigrante ou para com o seu representante legitimo no reino.

§ 3.° Os consules ou vice-consules dos paizes importadores de emigração, se forem especialmente incumbidos da propaganda, ou de agenciar emigração em terras portuguezas, apresentarão no ministerio dos negocios estrangeiros o diploma que especialmente os encarrega d'esse serviço, para obterem a devida auctorisação, se lhes dever ser dada, e nas condições em que o deva ser.

d) Que se obriguem a participar immediatamente á auctoridade competente qualquer modificação que se der nos contratos com os seus mandantes ou committentes ou associados, e, sendo agentes consulares qualquer modificação nas ordens dos seus governos, sob pena de sua exclusiva responsabilidade. E de tudo haverá registo especial;

e) Que provem ter entrado na caixa geral dos depositos com uma quantia nunca inferior a 2:000$000 réis, cujo maximo será taxado conforme a area onde se propozer exercitar a sua acção.

§ unico. Este deposito que for determinado será mantido integro sempre, sob pena de cessar o exercicio da agencia.

f) Que dêem um fiador idoneo que abone a probidade do agente, e responda pelos seus encargos, em supprimento do deposito.

Cumpridas estas clausulas obterão um diploma que os habilite a exercer a sua industria.

g) D'esse diploma serão enviadas copias authenticas ao governo, ás auctoridades administrativas e policiaes da circumscripção onde quizerem exercer a sua influencia, e será publicado na folha official e na imprensa da localidade.

2.ª

Podem estabelecer-se sub-agencias por concelhos ou freguezias sob a responsabilidade precipua dos agentes, reciproca e solidaria de agentes e sub-agentes, procedendo-se com estes, e para o seu reconhecimento, por processo similhante ao que se estatue para os agentes, augmentando-se o deposito determinado na base l.ª, conforme a extensão e importancia de cada sub-agencia e com fiadores idoneos por cada um.

3.ª

Todos os annos, e todas as vezes que occorrerem as circumstancias previstas na alinea d) da base l.ª serão renovados os diplomas respectivos.

4.ª

Para serem conferidas passaportes aos emigrantes para

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6 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

paizes estrangeiros é essencial que entreguem no respectivo governo civil, - onde serão inquiridos sobre se foram alliciados, - certidões que provem serem de maior idade, estarem isentos de culpa e pena, e não terem deveres que os obriguem a residir, ou a caucionar encargos legaes, ausentando-se.

§ 1.° Os menores mesmo os da sua familia, ou sob a sua tutella, que levarem comsigo, serão sujeitos a uma inspecção medica, e apresentada no governo civil a respectiva certidão ou termo que mostre não haver rasão de suspeitar-se que lhe seja fatal a mudança de clima.

§ 2.° Emigrando a familia é escusada esta inspecção para os seus menores.

§ 3.° Os menores de qualquer idade, do sexo masculino, não poderão ser levados do reino sem que a prestação do serviço militar seja garantida.

5.ª

Declarando, ou provando-se que foram alliciados, entregarão, acto continuo, um duplicado da escriptura, ou do termo do contrato feito na administração do respectivo concelho ou bairro, (com reconhecimento da identidade), entre elles emigrantes e o alliciador (agente ou sub-agente) onde se mencionem as obrigações reciprocas e reciprocos direitos, e a clausula de que, pelo cumprimento das obrigações contrahidas para com o emigrante, é responsavel solidariamente o agente e o seu fiador; sendo certo que a falta d'esta declaração não produz falta de direito.

§ 1.° Qualquer documento de qualquer genero, sejam quaes forem as suas formalidades e a sua data, que contrarie as estipulações contidas n'aquella escriptura ou termo, é nullo e por elle será punido como falsificador o agente, ou sub-agente, e o emigrante, que o subscreverem.

§ 2.° Uma copia d'este documento - escriptura ou termo - devidamente registada, ficará no governo civil, outra, authenticada, entregue ao emigrante, será pôr elle apresentada no consulado portuguez do paiz a que se destina, para os effeitos legaes.

§ 3.° Provando-se que o emigrante foi alliciado ou induzido a emigrar, simulando ir voluntaria e expontaneamente, dá-se caso de tentativa de emigração clandestina, do que a confissão plena do emigrante póde ser, quanto a elle, circumstancia derimente.

§ 4.° Será, n'esta hypothese, circumstancia aggravante ao alliciador o ter diploma de agente ou sub-agente, e circumstancia attenuante a sua confissão antes da do alliciado, ou, na falta d'esta, antes de se lhe conferir o passaporte requerido.

§ õ.° A não se dar nem a confissão do induzido ou contratado nem a do alliciador, provado o convénio previo, ficam todos e cada um sujeitos ás penas impostas á emigração clandestina, mesmo que já se tenha concedido passaporte.

§ 6.° O imigrante nunca fica devendo, ao agente com quem contratou, commissão, corretagem percentagem de lucros; nada que não seja dinheiro que lhe adiante.

§ 7.° São nullos todos os contractos que tendam a obrigar os emigrantes a pagar com serviços pessoaes ou trabalho adstricto as respectivas passagens.

Fiscalisação superior, districtal e concelhia, sobre a execução dos preceitos d'este decreto, e sobre as causas da emigração

6.ª

Será creada e regulada uma fiscalisação destinada:

a) A inquirir, sem offender a liberdade individual, dos motivos que levam os requerentes de passaportes a emigrar, e para paizes estrangeiros;

b) A tentar, recorrendo ás auctoridades competentes ou a pessoas ou corporações de reconhecida influencia, obter meios de supprir, até onde forem suppriveis, as faltas que os determinam a emigrar;

c) A indagar como se promove a emigração clandestina, e de que meios se servem para a levar a effeito;

d) A levantar autos de noticia ou a reclamar das auctoridades administrativas autos de investigação, e remettel-os immediatamente ao poder judicial, em caso de offensa das leis ou dos regulamentos;

e) A prender ou reclamar que sejam presos em flagrante delicto os aliciadores que promoverem a emigração clandestina, que é toda a que sair fóra dos meios prescriptos n'este decreto, embora esses aliciadores estejam habilitados como agentes de emigração, o que só lhes servirá de circumstancia aggravante;

f) A prender ou reclamar que sejam presos os emigrantes sem passaporte, com passaporte falso, com passaporte obtido por outrem, com passaporte alcançado por meio de suborno exercido na repartição expedidora, ou por via de documentos falsos ou meios fraudulentos;

g} A inquirir e vigiar se as disposições legaes, quer administrativas quer fiscaes, são cumpridas;

h) A avisar as auctoridades competentes de tudo o que occorrer relativamente á emigração, e ao que, relativamente a ella, lhe parecer digno de reparo.

§ unico. Será reformada a policia dos portos.

7.ª

A despeza com a fiscalisação, de que trata a base 6.ª, exceptuando a mencionada no seu § unico, será feita pelos districtos e municipios, de accordo com o governo, não podendo em cada concelho haver mais de dois agentes fiscaes, nem mais do que um, districtal, em cada districto.

8.ª

O governo mandará por agentes seus, quando o julgar necessario, ou mesmo como serviço permanente, e desde já, do pessoal que tiver addido ou, de qualquer modo disponivel, vigiar como se faz o serviço da fiscalisação; e fará substituir os agentes fiscaes do districto ou do concelho, por incapacidade, ou por desleixo, e fal-os-ha punir se os achar, per actos ou culposas omissões, conniventes em contravenções á lei e aos respectivos regulamentos.

§ 1.° Será publicado, sob a inspecção do governo, a expensas do thesouro ou por elle subvencionado, sendo preciso, um boletim mensal da emigração e do que com ella occorrer, e distribuido gratuitamente aos parochos.

§ 2.° A despeza com esta fiscalisação e com o boletim, não excederá a 2:000$000 réis annuaes.

9.ª

Meios de aproveitar em terras portuguezas a emigração do reino e ilhas adjacentes

Adoptar-se-hão meios para que a emigração, que se não possa evitar, seja de preferencia dirigida para qualquer provincia do continente do reino, ou para as possessões portuguezas no ultramar:

a) Proporcionando aos colonos trabalho remunerador;

b) Propriedade rural;

c) Instrumentos de trabalho;

et) Facilidade de transportes;

e) Empregando todos os meios de que o governo poder dispor para assegurar a essas colonias a fixação de familias.

10.ª

Para a creação de colonias agricolas, em qualquer ponto do paiz, onde convenha fundal-as, o governo poderá:

a) Dispor de bens nacionaes, se os possuir em logar adequado, ou de baldios que os municipios ou as parochias possam fornecer ou despensar;

b) Decretar a expropriação de zonas de terrenos incultos ou de pousio; mesmo de terreno todo ou parte cultivado, se n'este caso, o dono se não oppozer; sendo sempre a matriz predial a base da expropriação;

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SESSÃO N.° 10 DE 1 DE JUNHO DE 1891 7

c) Dispensar temporariamente de tributos os novos estabelecimentos, ou graduar-lh'os em taxas favoraveis;

d) Proporcionar meios de transporte gratuito, ou com tarifas minimas ou graduadas, nos caminhos de ferro ou navios do estado, a colonos, fructos, instrumentos de trabalho, bagagens, materiaes para culturas ou edificações; fornecer sementes, adubos e instrumentos de trabalho, ás colonias que fundar por conta do estado; e a favorecer nas pautas os novos estabelecimentos até onde o julgar necessario, n'um periodo inicial dos seus emprehendimentos, periodo que poderá estender-se até dez annos;

e) Proporcionar ás novas povoações os beneficios que a administração poder conferir-lhes ou facilitar-lhes, taes como: - escolas, parochia, estação telegrapho-postal, cuidados medicos, vias de communicação e meios de transporte com mercados proximos, com embarcadouros ou com estações de caminho de ferro, e habitações, pelo menos provisorias;

f) Crear mercados especiaes;

g) Facilitar os contratos e transacções, poupando n'elles despendios, demoras, formalidades não essenciaes, ao menos no periodo inicial do estabelecimento;

h) Abolir a actual emphyteuse perpetua, tornando desde já remiveis foros e laudemios, conjuncta ou separadamente, por pagamento voluntario ou por consignação em deposito, precedendo avaliação legal;

i) Crear uma emphytheuse ou sub-emphyteuse temporaria, sem laudemio ou com laudemio fixo, por vinte annos, o maximo, e de livre nomeação; findo o praso estipulado, a não haver de commum accordo prorogação, sempre temporariamente, da emphytheuse ou sub-emphyteuse, tanto o senhorio directo como o emphyteuta ou sub-emphyteuta poderão reciprocamente obrigar a rescindir a emphyteuse ou sub-emphyteuse, pela remissão dos foros; podendo estatuir-se no contrato o modo ou modos por que deverá restabelecer-se a allodialidade, ou pela remissão a dinheiro ou em propriedade. A falta de ajuste previo a remissão far-se-ha a dinheiro; e quando o emphytheuta o não possa dar de prompto, a exigencia do senhorio directo, dividir-se-ha o praso proporcionalmente ao valor dos respectivos direitos, ficando ambas as parcellas allodiaes.

j) Conceder ao proprietario que fizer desbravar e cultivar 10 hectares de terreno, inculto até á data d'esta lei, a remissão do recrutamento, de um filho, de um serviçal, ou de filho d'elle.

§ 1.° O governo poderá ceder pela fórma das condições supra terrenos das zonas que expropriar ou de quaesquer bens nacionaes, e dos concelhios ou parochiaes, dada a hypothese do periodo a) d'este artigo.

§ 2.° O mesmo poderá fazer com predios urbanos, mas esses só são resgataveis a dinheiro, e não partiveis, se não offerecerem commoda divisão.

§ 3.° O fôro exigido pelo governo nunca será superior ao juro do dinheiro em que importar a respectiva expropriação.

§ 4.° Tambem poderá contratar a titulo de venda a praso, ou de arrendamento, calculando, alem de uma prestação, ou de uma pensão, uma annuidade divisivel até ao duodecimo, de modo a estar amortisada a quantia da compra no fim do praso que se estipular, nunca excedente a 2õ annos, e o comprador ou arrendatario com a propriedade plena.

§ 5.° Estes emprazamentos, vendas a praso ou arrendamentos, só os poderá fazer o governo a colonos que venham de fóra, e não tenham propriedade sua no concelho onde se vão fixar.

§ 6.° As questões judiciarias que se suscitarem nas novas colonias e forem avaliadas em menos de 30$000 réis serão julgadas summariamente e sem recurso, por um juiz ou juizes de paz eleitos pelos interessados, ou por aquelle que o governo nomeará em cada colonia ou grupo de colonias.

§ 7.° Da dotação actual dos estabelecimentos agricolas poderá o governo aproveitar, na creação ou auxilio d'estas estações ou colonias, o que for possivel, - em remodelação conveniente ou adaptação, e sem prejuizo do respectivo ensino, - destinar-se a esse fim.

§ 8.° Poderá igualmente, no mesmo intuito e nas mesmas condições, remodelar os trabalhos hydraulicos sem prejuizo para com os seus fins essenciaes e sem perda ou damno de direitos adquiridos.

§ 9.º A propriedade cedida pelo governo por qualquer dos meios indicados só a colonos póde pertencer, durante os primeiros vinte annos a datar da sua installação só entre elles podendo ser transferida; e sómente depois é transmissivel a quem quer que seja.

11.ª

Promoverá o governo a fundação, n'este mesmo intento, de companhias ou de sociedades agricolas concedendo-lhes garantias das que ficam já mencionadas para serem conferidas ás novas colonias, mas só quando ellas tomem para com os colonos os encargos do estado, sempre sob a sua vigilancia e fiscalisação, e quando explorem terrenos incultos.

12.ª

Ás colonias que no regimen d'este decreto se fundarem, ou sejam doestado ou das sociedades mencionadas na base antecedente, póde o governo conceder previlegio por praso não excedente a dez annos, nos termos de regulamentos especiaes, para novas culturas, ou para industrias não existentes no paiz.

§ 1.° O governo poderá contratar com as emprezas que se fundarem ou adaptarem para o estabelecimento de colonias agricolas, principalmente no paiz do Douro e no valle ou ao sul do Tejo, sob as mencionadas condições de fixação definitiva e permanente de familias e sobre a base de propriedade territorial, os serviços que lhes possam prestar os caminhos de ferro do estado, alem dos gratuitos ou por taxas minimas ou graduadas, que são expressamente mencionados.

§ 2.° Poderá concorrer com um subsidio, até 5 por cento, para a passagem de colonos em caminhos de ferro explorados por companhias, e contratar com ellas uma reducção n'essas passagens.

§ 3.° Os contratos de que tratam as antecedentes bases, não serão ultimados sem que a empreza esteja constituida e se mostre habilitada a receber de 4:000 a 6:000 emigrantes annualmente, durante os primeiros dez annos, e sem ter obtido expressa approvação do governo.

§ 4.° O governo poderá mesmo ceder por espaço que não seja nunca excedente a quinze annos a uma grande empreza colonisadora ou a grandes emprezas colligadas, e sem prejuizo das que successivamente se fundarem e dos serviços que quizer exceptuar e reservar, a administração de algum ou alguns dos seus caminhos de ferro, mediante as condições que se estipularem. Esta administração só se concederá a empreza ou grupo de emprezas que possam receber de 10:000 a 12:000 colonos, annualmente, nos primeiros dez annos.

§ 5.° Serão publicados os regulamentos necessarios para a execução e fiscalisação do uso das concessães e condições exaradas nos paragraphos antecedentes.

13.ª

O governo concederá aos emigrantes para estas colonias que prestem n'ellas, durante os primeiros quinze annos, a contar da sua fundação, o serviço militar, serviço que só deixará de ser rigorosamente regional em caso de guerra.

§ unico. Este serviço será regulado por ordenança especial que o torne absolutamente compativel com os trabalhos ruraes.

14.ª

Os estabelecimentos pios que tenham fundos ou capitaes mutuados contribuirão com uma parte dos seus reditos

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para as despezas d'estes estabelecimentos ou formarão bancos agricolas a elles consagrados.

15.ª

Ás grandes colonias portuguezas em paizes estrangeiros, que formarem, pelo menos, grupos de cidadãos: portuguezes que mostrarem possuir associações de beneficencia, reaes e effectivas, em favor dos seus conterraneos, institutos de educação ou de qualquer natureza por onde se manifeste o seu nunca desmentido amor pela patria, póde o governo, se lh'o requererem, conceder direitos de representação politica.

§ 1.° É essencial, para esse deferimento, alem das condições, já mencionadas, que se mostre respeitado pelos requerentes o § 14.° do artigo 145.° da carta constitucional da naonarchia.

§ 2.° Para cumprimento d'essa obrigação, entre os requerentes, constituidos em gremios por elles formados e regulados, e presididos pela auctoridade consular portugueza, será taxada a contribuição.

§ 3.° Esse tributo, que representa o reconhecimento constitucional de um dever de que não póde dispensar-se nenhum cidadão portuguez, será acceito sem a menor reclamação, e dividido voluntariamente pelos interessados sem nenhuma indicação.

§ 4.° As contribuições d'essas colonias serão exclusivamente destinadas a auxiliar as colonias agricolas que se - fundarem no reino por conta do estado.

Emolumentos e sellos

16.ª

Aos emolumentos e sêllos actualmente cobrados no continente do reino e nas ilhas adjacentes pelos passaportes dos subditos portuguezes será addicionada a seguinte taxa.

Por cada emigrante do sexo masculino:

[ver mapa na imagem]

Por cada emigrante do sexo feminino, dois terços da taxa estabelecida para os do sexo masculino.

§ 1.° O chefe de familia que pretender emigrar deixará garantidas as condições de vida dos membros da sua familia, a quem deva alimentos e protecção.

§2.° Tanto os emolumentos actualmente cobrados por passaportes como a nova taxa estabelecida n'esta base são receita do estado; e nenhum empregado ou funccionario publico poderá receber, seja a que titulo for, qualquer propina ou dadiva de emigrantes ou de solicitadores de emigração, sob pena de ser, ipso facto, demittido.

17.ª

Serão creados, ou alterados, em elevação gradual, os sellos dos annuncios das agencias de emigração e de transportes, quer esses annuncios sejam publicados nos jornaes, quer manuscriptos ou impressos, affixados em logares publicos, ou em carros de transporte, quer espalhados pelas povoações, e de qualquer modo exhibidos, tornando-se essencial em cada exemplar o respectivo sêllo de estampilha.

§ unico. Pelos annuncios, tanto pelo primeiro como por cada repetição, publicados nos periodicos, o pagamento dos sellos ao estado será antecipadamente effectuado pela administração do jornal respectivo.

18.ª

Por cada contrato de emigração e por cada pessoa de que falle a escriptura ou o termo feito na administração do concelho ou bairro, se pagará por meio de sêllo de estampilha, alem da importancia actualmente fixada na lei do sêllo, a taxa de 500 réis.

§ unico. Do termo lavrado na administração do concelho ou bairro percebe o governo os respectivos emolumentos, propondo o meio de indemnisar as estações expedidoras.

19.ª

Os diplomas que habilitem os agentes e sub-agentes a exercer a industria, serão taxados conforme a area em que exercerem, a sua acção, e pelo original ou por cada copia pagarão sellos e emolumentos.

Estes sellos e emolumentos não obstam a que seja collectada esta industria nas contribuições geraes do estado conforme a sua presumivel importancia.

Multas e penalidades

20.ª

São sujeitos a multas pecuniarias, alem das penalidades que pelo codigo respectivo lhes couberem, os agentes e sub-agentes que transgredirem, não respeitarem ou sophismarem os preceitos legaes sobre emigração.

§ 1.° Estas multas nunca serão inferiores a 50$000 réis e poderão attingir 1:000$000 réis se houverem causado prejuizo de terceiros, devendo n'este caso metade da multa pertencer aos offendidos ou aos seus representantes; ficando a estes livre o direito de haverem na totalidade perdas e damnos, e n'esse caso revertendo ao thesouro a parte da multa que houverem recebido.

§ 2.° São sujeitos a multa de 30$000 a 50$000 réis os agentes ou sub-agentes que forem encontrados na aliciação sem trazerem comsigo o seu diploma, ou procurando tornal-a clandestina.

21.ª

Tambem são sujeitos a multas pecuniarias, entre o minimo de 5$000 réis e o maximo de 100$000 réis os agentes da fiscalisação, auctoridades e corporações concelhias ou parochiaes que se recusarem a cumprir as obrigações benéficas e de coadjuvação, que lhes forem conferidas pelos respectivos decretos regulamentares.

§ unico. Alem das multas soffrerão a pena de prisão de cinco dias a tres mezes, afóra a demissão.

22.ª

Aos emigrantes clandestinos e áquelles que os induzirem, ou ajudarem, na sua tentativa, não sendo agentes habilitados, a pena será de degredo para Africa, por tres annos, o minimo; excepto sendo menores, que não acompanhem seus pães, irmãos maiores ou tutores; aos quaes serão restituidos, se a auctoridade os julgar innocentes na tentativa do menor; no caso contrario são transportados para qualquer colonia agricola, casas de correcção ou escolas de alumnos marinheiros.

§ 1.° Se forem agentes ou sub-agentes de emigração, os alliciadores ou promotores da emigração clandestina, alem da pena de degredo, perderão para o estado a totalidade do deposito.

§ 2.° Aos pães ou tutores conniventes na tentativa será imposta, metade a favor dos menores, multa pecuniaria de 50$000 a 1:000$000 réis, afóra a pena que se lhes julgar applicavel e ficarão privados dos seus respectivos direitos para com os menores, cujos destinos a justiça regulará.

23.ª

As auctoridades administrativas e policiaes, achadas em falta culposa alem da demissão, ficam inhibidas por seis annos de exercer cargos publicos.

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24.ª

As camaras e juntas de parochia que não cumprirem as obrigações que lhes são impostas nesta lei ou não se prestarem a occorrer, directa ou indirectamente, ás necessidades a que se refere o preceito b) da base 6.ª, poderão ser advertidas, ou dissolvidas, com inhabilidade temporaria para serem reeleitos os seus membros ou exercerem quaesquer cargos publicos.

25.ª

No praso de vinte dias, a contar da sua publicação, deve começar a executar-se este decreto, concedendo-se nos governos civis licenças provisorias para o exercicio das agencias, estatuindo prasos fixos para a apresentação dos necessarios documentos.

§ 1.° É essencial a prestação do deposito, arbitrado provisoriamente pelo governador civil, para se conceder a licença.

§ 2.° Sem a obtenção da licença e a sua publicação na folha official e na imprensa da localidade, toda a tentativa de alliciação ou intervenção para se conseguir o embarque de emigrantes, será punida como acto de emigração clandestina.

26.ª

No fim de cada anno os conselhos de agricultura e de commercio, recebendo as informações eapeciaes de cada uma das secretarias d'estado sobre a execução d'este serviço, farão um relatorio geral e darão parecer sobre as alterações a introduzir nos regulamentos e sobre as duvidas ou questões que forem offerecidas ao seu estudo.

D'esse relatorio será enviado um exemplar a cada ministerio. = Thomás Antonio Ribeiro Ferreira.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem este projecto têem a bondade de se levantar.

Está admittido.

Vá e á commissão de administração publica.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (João Chrysostomo): - O ministerio actual, tendo assumido a gerencia dos negocios publicos, vem hoje desempenhar um dever constitucional, segundo as praxes.

O ministerio organisado em 13 de novembro do anno passado, que teve de atravessar uma das mais angustiosas crises por que tem passado a nação portugueza, viu-se na necessidade de pedir a sua demissão em 12 de maio ultimo, dia em que o sr. ministro da fazenda julgou do seu dever pedir a sua exoneração d'aquella pasta, sendo acompanhado por todos os seus collegas, isto por occasião da crise monetaria que apavorou a praça de Lisboa.

O augusto chefe do estado, tendo acceitado este pedido de demissão, encarregou dois distinctos chefes politicos, os srs. conde de S. Januario e Antonio de Serpa Pimentel, de organisar gabinete, das estes distinctos estadistas, depois de tentarem varias combinações, entenderam dever declinar esta missão.

No dia 21 do mez de maio El-Rei encarregou-me de organisar novo ministerio, e eu, acercando-me dos cavalheiros que se sentam a meu lado, procurei desempenhar-me d'essa honrosa missão e combinar com elles o modo de estabelecer as condições da governação publica, que as circumstancias reclamavam. N'esse mesmo dia, á noite, tive a felicidade de concordar com os meus collegas no plano governativo que mais adequado pareceu ás circumstancias, o qual se resume no seguinte:

1.° Seguir uma politica liberal e tolerante.

2.° Remover as difficuldades financeiras e melhorar a situação economica.

3.° Revisão das pautas aduaneiras, renovação e negociação de tratados, de modo a proteger a industria e trabalho nacional.

4.° Realisar todas as possiveis economias em differentes ramos de administração publica.

5.° Providencias tendentes a melhorar a situação das classes laboriosas.

6.° Melhoramentos na lei da imprensa. E, finalmente,

7.° Mantida a ordem publica, respeitadas todas as leia e assegurado o prestigio da auctoridade, cabe bem indultar os crimes politicos, como é proprio do espirito e tradicção liberaes das nossas instituições e costumes.

O governo espera encontrar na sabedoria e patriotismo do parlamento a confiança necessaria nos seus intentos.

(O orador não reviu.)

O sr. Serpa Pimentel: - Sr. presidente, creio interpretar os sentimentos de todos os meus amigos politicos, dando as boas vindas ao novo ministerio, onde folgo de ver alguns amigos meus, politicos e pessoaes, e tres que ha pouco tempo me deram a honra de ser meus collegas.

O ministerio actual tem duas feições proeminentes: a primeira é ser presidido por um homem, cujos longos serviços ao paiz, cujo provado patriotismo e cujas qualidades pessoaes o fazem respeitado por todos os partidos e por toda a gente; a segunda e principal é não ser um ministerio exclusivamente partidario.

Eu não posso, nem ninguem, discutir aqui as prerogativas da corôa, que é liberrima na escolha dos seus ministros. Mas não é infringir os preceitos constitucionaes dizer que nas actuaes e difficeis circumstancias que atravessamos a escolha de um ministerio com vida propria, mas que não é exclusivamente partidario, póde satisfazer os interesses do paiz, que estão acima de quaesquer considerações partidarias.

O ministerio passado - e fali o no ministerio passado, porque em politica não ha solução de continuidade e todo o ministerio é mais ou menos um resultado do ministerio que o antecedeu - o ministerio passado teve uma missão principal e especial: a resolução da questão com a Inglaterra. Dentro de pouco tempo serão discutidas n'esta camara as bases do convénio com a Inglaterra, e eu espero que d'essa discussão e dos documentos que serão presentes se ha de concluir que o ministerio passado desempenhou n'este ponto nobre e dignamente a sua missão, o que a mim pessoalmente me será tanto mais agradavel, quanto é certo que nesse ministerio eu tinha, alem de um amigo politico e pessoal, outros amigos pessoaes, que tendo acceitado o poder n'uma das conjuncturas mais difficeis, deram prova de abnegação e patriotismo.

O ministerio actual tem uma missão ardua e difficil: ultimar a questão ingleza, que, a dizer a verdade, depende agora mais das camaras do que do governo, e resolver alem das difficuldades financeiras urgentes do momento que creio que estão em bom caminho, problemas financeiros, economicos e administrativos, de que depende o nosso futuro. Quando digo resolver, quero dizer começar a resolver, porque a ardua tarefa d'esta resolução não póde ser trabalho de um momento; é tarefa longa, talvez para mais do um ministerio, mas que é necessario começar já e resolutamente.

A esperança de que os ministros saberão desempenhar esta missão reside toda na certeza da capacidade, da illustração, da pratica dos negocios e da boa vontade dos actuaes conselheiros da corôa, que ninguem póde desconhecer. Se elles, como estou convencido, corresponderem a esta esperança, podem contar com o apoio sincero e desinteressado dos meus amigos politicos e de certo com o reconhecimento do paiz.

Não direi mais nada, porque hoje mais do que nunca o paiz exige res, non verba.

O sr. José Luciano de Castro: - Sr. presidente, pedi a palavra para expor á camara a attitude que eu e os dignos pares, que representam n'esta camara o partido progressista, resolvemos adoptar em relação ao actual ministerio,

Sr. presidente, fazer politica no sentido estreito e vul-

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gar d'esta palavra, cuidar de preoccupações ou interesses partidarios, no difficil e angustioso momento que vae passando, seria sobre imperdoavel erro, um grande desserviço publico. Não quero para mim, nem para os meus amigos politicos, a triste responsabilidade de accender e levantar debates politicos na occasião em que é indispensavel o concurso de todos para resolver as questões pendentes e afastar de sobre o paiz os perigos que o têem ameaçado na dolorosa conjunctura que vamos atravessando.

Ponho, por isso, de lado quaesquer considerações que me poderia suggerir a organisação do actual governo, porque as julgo descabidas e inconvenientes nas actuaes circumstancias, quando carecemos de provar ao paiz, por actos, que para nós todos ha alguma cousa superior ás paixões e interesses partidarios e de affirmar, perante a Europa, que estamos no inabalavel proposito de aos governarmos modesta, mas assisadamente á sombra das instituições que nos garantem com a liberdade e independencia o direito a todos os progressos materiaes e moraes.

Acceito, portanto, sr. presidente, o ministerio tal qual está constituido, e não discuto as rasões da sua organisação, nem a procedencia dos srs. ministros, nem o seu programma governativo.

Aguardo os seus actos, para os julgar como o merecerem sem prevenções de favor, nem de desconfiança, mais inclinado á benevolencia do que á hostilidade. Ha, porem, assumptos em que eu posso desde já sem hesitar prometter ao governo mais do que simples expectativa, uma leal cooperação. São os que se referem á ordem publica, ás questões externas e á resolução dag graves difficuldades financeiras com que o paiz está luctando. Sobre estes assumptos, sem renunciar ao direito de livre critica, póde o governo contar com o meu concurso e o dos meus amigos, tão sincero, como desinteressado, inteiramente alheio a preoccupações partidarias.

Esta foi a attitude que mantive durante a gerencia do ministerio transacto, que auxiliei com todas as forças da minha intelligencia e boa vontade a resolver as graves difficuldades que lhe amarguraram a existencia. E não me arrependo de assim haver procedido, porque é minha opinião que aquelle governo teve occasião de prestar ao paiz importantes e assignalados serviços.

Esta é igualmente a attitude que desejo manter perante o governo actual.

Eu fui inteiramente estranho á organisação d'este governo, como o fui á organisação do ministerio anterior. O partido progressista não está, pois, representado no governo actual, nem com elle se considera solidario; mas, não procurará levantar estorvos á marcha regular da sua administração ou suscitar-lhe embaraços de qualquer ordem. Por essa atitude não pede favores, nem exige retribuições.

Um só pedido tenho a fazer ao. governo: é que governe bem. Governe segundo as indicações da opinião publica; mantenha alto e immaculado o decoro da nação nas relações externas; assegure com firmeza a ordem, sem confundir a tolerancia com a fraqueza, nem a força com o medo; procure defender as instituições mais com exemplos de sensata economia e de severa moralidade do que com actos de inefficaz perseguição e de innoportuna transigencia e, assim, merecerá mais do que os apoios dos partidos, o - applauso da nação.

É assim que nós, collocando-nos n'esta attitude correcta e digna perante o governo, provaremos que os velhos partidos - quasi tão velhos como a liberdade em Portugal que pela sua cordura, sensatez e patriotismo, tem evitado ultimamente profundas calamidades e afastado do paiz perigos imminentes, longe de se approximarem da sua liquidação, procuram antes avigorar-se e fortalecer-se, inspirando se nas manifestações da opinião publica e tirando dos revezes da patria a lição de prudencia e abnegação que lhes ensina o caminho que estão seguindo.

Oxalá que essa lição seja seguida por todos, agora e no futuro!

Tenho dito.

(O orador não reviu.)

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, a organisação do actual gabinete, pela fórma e modo como foi constituido, causou geral surpreza e espanto. Essa surpreza e esse espanto, que teve por fundamento os antecedentes dos srs. ministros, e a sua vida politica, foi diminuindo pouco a pouco e converteu se mais tarde em espectativa ante a situação angustiosa, difficil e precaria, que o paiz está atravessando.

Todos então reconheceram e reconhecem hoje que a situação é anormal, melindrosa, excepcional e que reclamava um governo tambem excepcionai, que estivesse á altura da gravidade das circumstancias.

Estará n'estas condições o actual governo, gerado pela confusão de elementos heterogeneos, nascido de um amalgama extravagante e que não tem classificação possivel? O futuro o dirá!

O governo, constituido n'estas condições, poderá fazer esquecer o seu vicio de origem e fazer desapparecer os attritos e difficuldades que o rodeiam, as contradicções e incoherencias de que o accusam, as criticas mais ou menos mordazes, as apreciações mais ou menos justificadas, os commentarios mais ou menos severos que lhe fazem!! Os acontecimentos o demonstrarão! Oxalá que tal succeda!

Sr. presidente, ante uma crise tão temerosa, uma crise que ameaça o paiz de uma ruina fatal e imminente, é necessario que todos os homens publicos ponham de parte a politica mesquinha. Ante esta crise tremenda, que eu prophetisei e esperava ha muito tempo, devida a erros e desvarios dos governos passados, é necessario que todos os homens publicos, culpados ou não culpados, ponham de parte a politica, que serenem as paixões irriquietas, calem os velhos resentimentos e sacrifiquem os seus interesses no altar da patria ao bem estar da nação.

O porto franco, em nome de quem fallo, está n'este proposito; e n'esta conjunctura entende que deve manter as mesmas declarações que já fiz em seu nome n'uma das ultimas sessões, quando se tratou do emprestimo de 4:500 contos de réis.

Sr. presidente, n'esse intuito entendo dever agora relembrar essas declarações, para que sejam ouvidas por todos e fique bem definida a situação do porto franco perante o actual governo.

Sr. presidente, o porto franco nunca ambicionou nem ambiciona o poder. As suas aspirações são outras, mais elevadas, mais patrioticas, é mais desinteressadas.

O porto franco, o que deseja é um governo do paiz para o paiz, que satisfazendo ás suas necessidades urgentes e instantes, lhe de o bem estar de que elle carece e de que é merecedor.

O porto franco não procura o seu engrandecimento, deseja a felicidade d'esta communidade a que se chama Portugal.

N'estas circumstancias, o porto franco está convencido de que o fim almejado não se poderá realisar, sem que sejam postas em pratica as idéas e principios que elle tem evangelisado e que se cifram n'estas simples e singelas palavras -governar e administrar com muita moralidade e muita economia. E este o seu programma, é este o seu credo politico.

N'este pensamento e com este intuito ao porto franco, é-lhe indiferente os elementos que constituem o governo; é-lhe indiferente que o governo seja constituido por elementos progressistas ou regeneradores, ou por elementos confundidos dos dois partidos, por elementos extra-partidarios, uo contra partidarios, ou por quaesquer outros que, dentro da constituição, satisfaçam a este fim ambicionado.

Feitas estas declarações, e visto que todos os partidos estão concordes em que só se deve governar com este nosso programma, será bom crua o actual governo, pondo

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de parte os antigos processos já condemnados, os substitua por processos novos e moraes e inaugure uma nova era auspiciosa para o paiz, em que a moralidade e economia não seja uma ficção.

O proceder do porto franco, ou antes partido unionista, ha de ser modelado e pautado pelo proceder do governo.

Sr. presidente cumpra o governo o seu dever e traduza em obras as promessas que fez em palavras e o porto franco não lhe levantará difficuldades.

No momento actual, o porto franco deseja que o governo resolva a questão ingleza, salvando a honra, o brio e a dignidade nacional e que por medidas serias, sensatas e prudentes faça desapparecer o panico que se apoderou do publico, e restitua a confiança de fórma que se possa entrar no regimen regular e ordinario.

Em resumo cumpra o governo o seu dever, satisfaça a anciedade publica, que o porto franco cumprirá tambem o seu e seguirá convicto e sem hesitações o trilho escabroso e difficil que a honra lhe prescreveu.

O sr. Costa Lobo: - Começarei por prestar o meu tributo de respeito e homenagem as nobre presidente do conselho, cujo procedimento eu estou certo de que tem sido sempre inspirado por sentimentos de patriotismo: de patriotismo, não palavroso nem theatral, mas d'aquelle patriotismo de abnegação de que o nosso epico disse que não era movido de premio vil. Mas, dado este testemunho á justiça, sou obrigado a declarar que a formação do actual ministerio repugna profundamente ao meu senso moral. Eu sei que a desgraça não tem direito a alardear requintes de delicadeza. Eu sei que a miseria não tem direito a ser exigente em pontos de honra.

E é grande n'este momento a miseria do paiz. Entretanto eu creio que se lhe devia poupar a humilhação de um governo composto de homens, que a consciencia publica com rasão julga incompativeis.

Sr. presidente, n'estes ultimos tempos nós temos prendido a attenção da Europa pelas nossas excentricidades e extravagancias. A imprensa continental não tem desgostado do espectaculo, tem-nos applaudido, e com algumas excepções, que eu pelo menos nunca esquecerei, tem-nos até incitado a continuar. Agora, porém, já começa a manifestar algumas apprehensões de que o espectaculo degenerou em tragedia; e manifesta essas apprehensões, não por amor de nós, que isso dá-lhes pouco cuidado, mas por amor de si proprios. As ultimas manifestações d'esta nossa excentricidade são a inexplicavel crise ministerial, e a formação d'este ministerio hybrido: e, immediatamente, a partida do illustre ministro da fazenda para Paris. De sorte qre, n'este momento, o paiz gosa da ventura de dois ministros da fazenda, um em Paris, outro em Lisboa. Ora eu levantei-me para pedir ao illustre ministro da fazenda, que está presente, a explicação de actos financeiros, praticados pelo seu collega que está em Paris, mas que são da responsabilidade de todo o governo. A agencia Havas, que tem sido incansavel em nos informar como o sr. Marianno de Carvalho passa as suas manhas e as suas tardes em Paris, communica-nos hontem a seguinte noticia que passo a ler.

(Leu.)

Isto quer dizer, que o sr. Marianno de Carvalho pensa em fazer um accordo, em virtude do qual se pagarão os juros da divida publica portugueza e os juros das obrigações do caminho de ferro do norte com o producto da receita dos tabacos. Isto é de tal maneira assombroso, que o não posso acreditar. A agencia Havas evidentemente se metteu a fallar d'aquillo de que nada sabe nem entende. Como era possivel que o thesouro publico se compromettesse a pagar os juros das obrigações da companhia dos caminhos de ferro do norte?

Ha, porém, uma outra noticia que me offerece duvidas fundamentadas, e sobre a qual eu peço explicações categoricas ao sr. ministro interino da fazenda. É o seguinte, que eu li no boletim financeiro do Temps, de 26 de maio. Diz esse boletim: "Annuncia-se que o governo portuguez deu esta manhã por despacho instrucções ao Credit Lyonnais para continuar o pagamento interrompido dos coupons vencidos da companhia dos caminhos de ferro portuguezes, debitando esses pagamentos á sua conta corrente neste estabelecimento (par prelèvement sur son compte courant dons cet établissement.)

A camara syndical dos agentes de cambio tinha sido avisada d'esta medida antes da abertura da bolsa. É isto o que diz o boletim financeiro do Temps.

Igual noticia, e quasi em identicos termos, se le no Moniteur des interets matériels, de 28 de maio, de que vou dar conhecimento á camara.

(Leu.)

Ora, é necessario, que se saiba que a companhia dos caminhos de ferro tinha interrompido o pagamento dos seus coupons em Paris, por falta de fundos. O primeiro acto do ministerio da fazenda foi, segundo dizem estes jornaes, ordenar que, por conta do estado, se pagassem aquelles coupons.

É isto possivel? E possivel que, quando em Portugal o thesouro, pela sua extrema penuria, absorve todos os fundos do banco de Portugal e o obriga a suspender os- seus pagamentos, quando em consequencia d'isso nós passâmos repentinamente para um regimen de papel moeda; quando o commercio e a industria padecem as maiores angustias; quando é difficil, por falta de metal, pagar as ferias aos operarios; quando todos vêem os seus rendimentos cerceados e olham com anciedade para o futuro: é possivel, digo, que n'esta desgraçada situação, o governo empregue os escassos dinheiros do estado para satisfazer em Paris os dividendos de uma companhia? E que companhia? Uma companhia opulenta e que construiu as suas linhas com largos subsidios do thesouro!

Se essa companhia não póde pagar o dividendo aos seus accionistas, é que a sua administração malbaratou os seus rendimentos. Mas se ella não póde pagar um dividendo, para que é que o distribuiu?

Como quer que seja, o governo commette um abuso; não digo bem, commette um crime de prevaricação, se despende os dinheiros do estado em proveito d'esta companhia.

Aguardo a resposta do illustre ministro, e espero que ella seja explicita e categorica.

É necessario que se saiba do que é que se trata: se se trata de remediar a situação do thesouro de Portugal, ou de remediar os desperdicios de uma companhia.

O sr. Ministro da Justiça (Moraes Carvalho): - Sendo eu membro do governo a quem cabe a honra de fallar, depois das palavras pronunciadas nesta camara pelos illustres chefes dos partidos progressista, regenerador e porto franco, cumpre-me o dever de agradecer a s. exas. a expectativa benevola em que promettem manter-se, e, alem d'isso, ao primeiro d'estes partidos a sua cooperação relativamente aos actos do governo que se senta n'estas cadeiras.

O governo não deseja ser julgado pelas suas promessas, nem pelo seu programma; deseja ser julgado pelos seus actos, e permittam-me s. exas. que eu lhes diga que, se algumas incompatibilidades pessoaes viram na reunião dos homens que actualmente se encontram á frente da governação publica, esse reparo deve ser posto de parte, porque, em presença das circunstancias graves e difficeis do paiz, olhou-se apenas á necessidade de congregar todos os esforços tendentes ao conseguimento de uma administração sensata, economica e em completa harmonia com as exigencias superiores da opinião publica.

Vou agora responder succintamente ao digno par que me precedeu no uso da palavra.

O ministro da fazenda effectivo, o sr. conselheiro Marianno de Carvalho, foi a Paris, unica e exclusivamente para tratar de negocios do estado.

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S. exa. não teve outra missão do governo. A ida de B. exa. a Paris teve por fim facilitar ao thesouro, em condições rasoaveis, os meios necessarios para a boa gerencia dos negocios da fazenda publica.

Continuando a responder ao digno par, direi que não são verdadeiras as noticias que s. exa. viu em alguns jornaes da imprensa franceza.

Dos cofres do thesouro não saiu dinheiro para pagar nenhum coupon da companhia dos caminhos de ferro, e posso até dizer a s. exa. que ainda hoje eu recusei a essa companhia uma operação pura e simplesmente cambial, qual era a de mandarmos pagar em Paris uma certa somma, recebendo-a aqui em Lisboa.

É costume fazerem-se operações desta natureza; mas, nas circunstancias era que nos encontramos, o governo não quiz dar o minimo pretexto á maledicencia publica.

Disse s. exa. que viu annunciado que a companhia dos caminhos de ferro mandou pagar o seu coupon.

Creio que essas noticias se referem provavelmente a uma operação que essa companhia realisou com a companhia do norte de Hespanha; mas, seja com for, affianço ao digno par que o governo está aqui para gerir os negocios publicos com economia e moralidade, e não para satisfazer os interesses de qualquer companhia, sejam elles de que natureza forem.

(O orador não reviu.)

O sr. Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, depois de successivos adiamentos, acham-se emfim abertas as camaras legislativas do paiz.

Com a abertura do parlamento um novo governo se apresenta e em difficeis circumstancias chega. Não é, não representa elle uma situação exclusivamente partidaria. O governo não saiu só de um partido.

Mas, sr. presidente, d'isso a causa vem de longe.

As nervosas excitações de setembro, derrubando o ministerio regenerador, collocaram os partidos fóra da sua rotação constitucional.

O partido progressista caiu na questão ingleza; na questão ingleza caiu o partido regenerador.

Por isso o augusto chefe do estado julgou conveniente que se organisasse um ministerio que, vivendo embora dos partidos e pelos partidos, se podesse chamar extra-partidario.

Foram grandes as difficuldades que esse governo encontrou. Ficou-lhe, e ainda mal, em aberto, o nosso conflicto inglez, aggravado aqui pelas susceptibilidades e pelos melindres do paiz, na Inglaterra pelos consequentes resentimentos do governo britannico em relação ao tratado de 20 de agosto, na Africa pela ambição sem escrupulo da magestatica companhia ingleza.

Os embaraços financeiros foram-se avolumando e crescendo dia a dia até chegarem ao ponto extremo, a uma crise angustiosa, e, como se isto não bastasse, como se tudo isto fosse pouco, esse ministerio viu surgir a poucos passos uma gravissima crise de ordem publica, que ensanguentou as das do Porto, crise dolorosamente confrangedora para o coração portuguez.

Sei bem que esse ministerio empenhou os seus maximos esforços para debellar as difficuldades que se apresentaram. Sei bem. Justiça faço. Empenharam n'isso o melhor da sua intelligencia, da sua aptidão e dos seus desvelos.

Mas sr. presidente, esse ministerio enfermava, a meu ver de um mal tão profundo quanto irremediavel; era um ministerio que, não só não tinha um partido que o apoiasse, mas que não encontrava mesmo no paiz elementos de força, recursos seus proprios com que podesse contar.

Por isso talvez muitos dos seus esforços se mallograssem.

O que é certo é que a difficuldades se enredaram por fórma e os embaraços subiram ao ponto que o governo entendeu dever resignar a sua missão antes mesmo de a poder ultimar ainda nos seus pontos capitaes.

Esse ministerio saiu sem poder trazer ao parlamento o resultado do seu trabalho na questão ingleza, o que aliás elle sinceramente desejava.

Mas, sr. presidente, de tudo se tira lição e lição proveitosa, dos factos como das cousas, dos homens como dos acontecimentos, sobretudo no que verdadeiramente interessa á vida da nação.

Aqui a experiencia mostrou que áquelle ministerio succedesse um outro, que, não representasse exclusivamente as idéas de um partido, mas que representasse uma conjuncção de elementos de força, de acção e de influencia com que podesse contar para assegurar a sua existencia ministerial.

É o governo que ali está, é esta a significação que eu lhe dou.

As difficuldades subsistem, são grandes, mesmo gravissimas; e ião ha por certo a louvar a isenção com que o sr. presidente do conselho, na sua avançada idade, ainda uma vez se prestou a presidir a um governo, que veiu tomar em mão os arduos problemas da governação publica, no momento, talvez de ha muito o mais afflictivo, em que o paiz se tem visto. Mas por isso mesmo que as difficuldades são grandes, eu creio que é dever de todos os homens publicos prestarem n'este momento o seu auxilio, para que o governo possa libertar o paiz de graves complicações que se têem acastellado, e de novos embaraços que ainda agora o estão assoberbando.

O que eu desejo é que os actos do governo possam sempre corresponder á confiança da coroa, ao apoio do parlamento e ao applauso do paiz. E tanto mais sinceramente o desejo, quanto vejo no governo amigos meus, que muito prezo, alguns dos quaes ainda ha pouco eram meus collegas, e compartilhavam commigo as responsabilidades da gerencia dos negocios publicos.

(O orador não reviu.)

O sr. Barjona de Freitas: - Peço a palavra para succintamente definir a minha attitude em frente do novo ministerio.

A camara sabe perfeitamente que eu não fiz nunca opposição systematica, e muito menos me lembraria de a fazer n'este momento, em que o paiz se encontra cercado de gravissimas difficuldades que provavel e infelizmente só poderão ser resolvidas por mais de um ministerio.

N'estas circumstancias, que são as consequencias de erros passados, que não é opportuno discutir agora, eu não pergunto ao governo d'onde elle vem; não lhe analyso o programma, nem procuro tambem inquirir da sua feição partidaria.

Aos actuaes ministros não falta capacidade; têem todos a experiencia sufficiente para saberem medir o alcance da sua espinhosa missão. Portanto, que os seus esforços se unam n'um só pensamento, que esse pensamento seja exclusivamente dirigido pelo amor do bem publico e pelos interesses do paiz, e o governo terá cumprido o seu dever.

Pela minha parte, sem cumplicidade nem partilha nas suas responsabilidades, não lhe hei de crear o menor embaraço, e pelo contrario desejarei que os seus actos, inspirados por verdadeiro patriotismo, me permitiam dar-lhe franco e sincero apoio.

(O orador não reviu.)

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, eu poderia dispensar-me de tomar a palavra n'esta occasião; mas tendo feito parte da administração transacta, quero dizer duas palavras ácerca da minha altitude perante o actual governo.

Offereceu-me ensejo um digno par que me antecedeu na tribuna, de dizer alguma cousa a respeito da ultima crise, que deu causa á remodelação do ministerio; e digo remodelação, porque vejo a actual administração presidida pelo nosso digno presidente, um dos homens mais illustre e dignos d'este paiz, cujos serviços e cuja auctoridade ninguem

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póde contestar. De certo s. exa. sabe que onde está, está o meu coração, e o de todos os meus collegas.

Nós temos, porém, feito politica sentimental de mais, e é por isso que a cada um de nós incumbe dizer aquillo que entende, dizendo que apoia ou combate um governo, não conforme o determinam os affectos, mas como a sua consciencia lhe ensinar.

Quando ministro, nunca tive outra opinião, senão a da maioria do gabinete a que tive a honra de pertencer. Esse gabinete entendeu um dia que era um pouco de mais a sua estada no poder, e deliberou demittir-se; e eu, que creio não ter estado no conselho de ministros em que se tomou tal resolução, mas ter mandado ao sr. presidente do conselho a minha adhesão ao voto dos meus collegas, sustento hoje que foi bem a saida do governo; e sustento-o, não por condescendencia, mas por convicção.

Os nossos primeiros dias de governo tinham sido serenos, calmos e quasi floridos, como são os do actual gabinete; e por isso eu posso, dando-lhe os parabens,, acautelal-o contra o futuro.

Elle sabe perfeitamente que o domingo de Ramos não vem longe da sexta feira da Paixão; e portanto lisonjeal-o, dizer-lhe que o espirito publico ha de continuar com esta placidez a acompanhal-o nos seus trabalhos, seria mentir á minha consciencia, ao paiz e ao governo, e eu não sou capaz de mentir.

Nós tinhamos começado por ser bem acceites. Uma grande crise tinha-se prolongado por quasi um mez, quando o sr. João Chrysostomo entendeu que podia fazer um grande serviço ou sacrificio ao paiz, que realmente fez.

E s. exa. fez esse sacrificio, encarregando-se de organisar o ministerio, quando o paiz pedia um governo e precisava - urgentissimamente - que o governassem.

E nós entrámos então. Entrámos, com a abnegação que ninguem nos póde contestar.

A pouco e pouco, porém, começámos a ser menos bem tratados... porque nós não tinhamos, para offerecer, o jantar de Athenas, mas a pobreza de Sparta; o paladar do paiz estava acostumado a melhores iguarias, que lhe costumam dar todos os governos, e portanto achava-se mal comnosco.

A final saímos.

Ora, o que eu hoje digo aos governos, tanto ao governo que está, como ao que vier, é que tome muito cuidado com o tratamento; que vão vendo se acostumam o paladar delicado dos frequentadores da arcada do Terreiro do Paço ás iguarias mais grosseiras dos tempos mais modestos. Se acaso se continuar a dar-lhes muitos pratos de meio, está tudo perdido. (Riso.)

Nas circumstancias em que o governo transacto estava, quando já o não lançar fóra da mesa do orçamento quem lá tinha talher, mas o fechar a porta e não deixar entrar mais ninguem, era causa para se levantarem contra os ministros até as pedras da calçada, contra esses ministros que tinham acceitado o poder, não para enriquecerem e encherem as suas gavetas, mas para bem servir o paiz na occasião justamente em que elle precisava de ser bem servido e com abnegação.

Com a urgencia, pois, da sobriedade, o que succedeu?

Succedeu que encontrámos os chefes dos grandes partidos - que não sei se são ainda grandes, mas que respeito tanto na sua grandeza, como no seu fraccionamento - succedeu que os chefes d'esses partidos nos facultaram sempre generoso auxilio - já não digo "justo" como me está pedindo a consciencia; - mas que o mesmo auxilio não encontrámos da parte de chamados seus partidarios.

Diziam-n'os que nos sujeitassemos; que tivessemos paciencia; mas o castigo era de mais em mais peiorado, o nosso viver não era já de ministros d'estado, era como de capuxinhos da serra, a penitencia cada vez mais rigorosa e o tratamento que passaram a dar-nos chegou a ser condimentado por temperos e adubos fornecidos pela fabrica de calão da imprensa escarninha que tem gorgeta em todos os partidos.

Foi n'esta occasião que entendemos dever entregar o poder a homens contra os quaes não houvesse odios, a fim de poderem ser apresentadas no parlamento, e resolvidas, as gravissimas questões d'este paiz.

A questão de fazenda, já o disse o sr. presidente do conselho, determinou a crise.

Sr. presidente, nós não engeitamos a nossa responsabilidade, por ella respondemos;. todos nós temos assento no parlamento, tanto aqui como na outra camara, e eu, pela minha parte, espero responder sobre tudo que, da pasta que geri, desejarem saber.

Explicada a saída do governo, em occasião opportuna darei mais explicações, porque naturalmente voltaremos a este assumpto.

Cumpre-me agora dar os parabens ao illustre presidente do conselho por todas as suas resoluções, e até pela coragem com que, logo apoz o seu amigavel divorcio, passou a segundas nupcias.

Conte s. exa. e a sua nova familia com o meu apoio emquanto viverem felizes e trabalharem para bem.

Sr. presidente, se me perguntarem se eu acredito na efficacia dos esforços do governo, não posso responder.

Não é por n'elle faltar intelligencia, ou energia, é por lhe julgar precisa maior unidade para maior força. Mas a este proposito direi como Virgilio:

"... si Pergama dextra defendi possent, etiam hac defensa fuissent!"

"Se mão alguma podesse ter defendido as muralhas de Troia, essa mão seria esta!"

Dos bons desejos do governo tenho a certeza, mas ha muitos bons desejos que se enterram.

Da proficuidade d'esses desejos queria dizer: - espero; mudarei porém este verbo por outro, quasi equivalente; é quasi de uma questão de prosodia: não espero, aguardo.

Agora, sr. presidente, não pergunto, porque este momento não é para perguntas, mas vou fazer algumas considerações e dirigir-me ao sr. ministro das obras publicas, cuja administração estimo que seja tão illustrada, como elle é capaz de a fazer.

O digno par, o sr. Costa Lobo, referiu-se a uma noticia vinda de França, ou vinda não sei de onde; mas ha outra que eu vi reproduzida em qualquer jornal, na qual se fallava de que um dos fundamentos das medidas financeiras, esboçadas apenas, era relativo a uma questão de caminhos de ferro portuguezes que haviam de ser dados, não sei como, a uma companhia ou syndicato, e d'ahi tirar recursos importantes para acudir a algumas das nossas difficuldades.

Ora eu não desejo perguntar nada ao governo, mas devo lembrar ao nobre ministro das obras publicas, que a administração de caminhos de ferro por conta de particulares tem sido deploravel, e para corroborar o que digo, basta ver o que succede com a companhia real, que era uma das emprezas mais promettedoras do nosso paiz.

Nós, e quando digo nós, quero dizer o estado, administramos mais modestamente, mas mais proficuamente, como s. exa. póde ver com as linhas do norte e Douro, do sul e sueste.

Os nossos directores teem pequenos ordenados, e o pessoal tambem é pequeno, mas basta; por isso eu desejava que em vez de alienarmos estas linhas, fizéssemos antes acquisição d'aquellas que talvez n'este momento estejam a desejar que tomemos conta d'ellas.

Sr. presidente, tambem corria hoje uma noticia que eu desejava apresentar ao parlamento, e sobretudo ao sr. ministro da marinha, noticia que se referia a acontecimentos muito graves succedidos na nossa Africa oriental.

Corria que a esquadra ingleza tinha tomado o porto da Beira.

O sr. Ministro da Marinha (Julio de Vilhena): - Essa noticia não é verdadeira.

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O Orador: - Eu não queria fazer a pergunta; asas creia o sr. ministro que a sua resposta é recebida com alegria, não só pela camara, como por todo o paiz.

Eu sei que s. exa., quando ministro da marinha e ultramar, conseguiu uma grande victoria na Africa occidental, preparando uma expedição que realmente poz em boa situação a nossa honra n'aquelle ponto da Africa, e por isso eu não lhe quero poupar os meus elogios e parabens.

No emtanto por aquella occasião, eu tremi pelo facto de s. exa. ter empregado forças da Africa oriental na Africa Occidental; por ter mandado transferir forças de um para outro ponto da Africa.

Desejaria que nós não deixássemos desguarnecidas nem a Africa oriental, nem a Africa Occidental, porque de um momento para o outro, não obstante estarmos a terminar a nossa questão com a Inglaterra, póde acontecer que a companhia South Africa nos traga algumas difficuldades.

Sr. presidente, que o governo seja tão feliz como eu desejo, e que as nossas questões, tanto externas como internas, ré resolvam a contento de todos.

Eu espero em Deus que o parlamento ha de mostrar que conhece quanto é difficil a situação e que não embaraçará a acção do governo.

Um favor tenho eu a pedir, e este ao governe e á camara.

Ao governo, que faça diligencia por obter do parlamento aquillo que entender que é necessario á boa governação; e á camara, que empregue nas discussões parlamentares só o tempo absolutamente preciso a essas discussões.

Desejo immenso que tanto a camara dos dignos pares como a dos senhores deputados não estendam demasiadamente as suas discussões, e que ponhamos em pratica n'este momento o que ha pouco nos disse um collega nosso: actos e não palavras.

O momento actual é para muito trabalho da parte dos srs. ministros, e a camara por certo que não lhes quererá tomar o tempo, que tão preciso lhes é.

Talvez que eu esteja n'este momento incorrendo na minha propria censura, e por isso termino.

O sr. Camara Leme: - Sr. presidente, não estranhe a camara que, tendo já fallado os chefes dos partidos politicos, um simples soldado de um d'elles tome agora a palavra.

Folgo, e folgo immenso, de ver que todos os partidos seguem n'este momento a legenda de um antigo barão portuguez, muito conhecido pela sua philantropia.

Realmente, sr. presidente, deve ser grato a todos, nas circumstancias em que o paiz se encontra, o ver sentados n'aquellas cadeiras inimigos irreconciliaveis. Outros, que se chamaram mutuamente aventureiros, em viagem na mesma carruagem salão para Paris! Eu tremo de tanta congratulação.

Não quero n'esta occasião fazer a analyse de factos tristes já passados, nem tão pouco contrariar o sentimento da camara e deixo-me ir na onda geral.

Sr. presidente, as circumstancias são gravissimas. Não felicito nem censuro os actuaes srs. ministros. Não os felicito, porque as circumstancias do paiz são realmente gravissimas, nem os censuro, porque não tenho motivos para os censurar por emquanto, e visto como todos se declaram em espectativa benevola, eu tambem permanecerei n'essa espectativa, aguardando pacientemente os actos do governo.

Estou persuadido, e é este o ponto principal da questão, que a crise medonha que nos assoberba, é devida em grande parte aos syndicatos e ás accumulações de empregos.

Tencionava tambem referir-me aos telegrammas que o sr. Costa Lobo acaba de lêr á camara.

(Interrupção que se não ouviu.)

Digo que estou convencido de que uma das principaes difficuldades da crise que nos assusta, resulta de ter a seu cargo certo banco mais de quarenta obrigações da companhia dos caminhos de ferro do norte.

O governo viu-se na necessidade de attender a essas difficuldades, e com o auxilio prestado a esse banco comprometteu o banco de Portugal.

Talvez v. ex. não saiba que se discute n'este momento em Madrid as vantagens e os inconvenientes dos bancos emissores, como o que foi creado pelo actual sr. ministro da fazenda.

Não serei eu que negue a alta competencia do nobre ministro da fazenda, mas parece-me que o digno par o sr. Costa Lobo, não viu um artigo de fundo publicado no Temps, jornal que passa, como a camara muito bem sabe, por ser o orgão semi-official da Republica franceza.

Pois o artigo de fundo a que me refiro, pinta a nossa situação com as cores mais tristes, e demonstra que os males que nos affligem resultam exactamente da gerencia financeira do paiz no periodo que decorre de 1885 a 1890.

É notavel, sr. presidente! Refere-se tambem ao credito de Portugal e diz claramente que, tratando-se de promover a alta e a baixa dos fundos portuguezes, succedem muitas vezes, de um dia para o outro, differenças de quatro e cinco pontos a mais ou a menos e lamenta que n'estas operações bem combinadas entrem portuguezes.

A camara póde imaginar onde eu quero chegar.

Ouvi com toda a attenção o programma apresentado pelo sr. presidente do conselho, e ácerca d'elle poderia reproduzir as palavras pronunciadas por alguns dignos pares.

Ouvi esse programma com toda a attenção, mas não encontrei n'elle uma unica palavra referente a um facto de alta moralidade politica, isto é, ás incompatibilidades politicas. Sou velho parlamentar, tenho ouvido ler muitos programmas, todos elles fementidos. Estou sceptico em politica, e não acredito nos milagres de S. Cyrillo. (Riso.)

Deseje saber quaes são as idéas do governo a este respeito.

Tenho aqui uma grande relação de pares e deputados que accumulam sete e oito empregos. Não lerei agora esse triste sudario. São apontamentos para fazer um almanak, como aquelle que Picard publicou em França em 1821, intitulado; O almanak dos comilões.

Guardo este documento, que prometto ler em occasião opportuna; mas o que não deixo de ler á camara é um pequeno periodo de uma mensagem que a associação commercial do Porto enviou a El-Rei, e que diz o seguinte:

"Senhor: - Sem uma lei severa inspirada nas condições angustiosas da patria, nas perigos que a ameaçara, lei que a salvação de todos obrigue a traduzir só os conselhos da rasão, da justiça e da experiencia, esquecendo por uma vez os do maligno interesse individual, lei que defina e separe nitidamente as responsabilidades e as incompatibilidades no desempenho dos cargos publicos, e sobretudo no desempenho da alta funcção de legislador, sem isso ha sobejas rasões para receiar que os melhores esforços para restaurar a ordem financeira sejam impotentes."

E eu pedirei ao sr. presidente do conselho de ministros e aos seus illustres collegas que tenham a bondade de me dizer a este respeito quaes são as suas idéas, porque o meu fraco apoio depende essencialmente não só d'esta questão, mas de outra questão tambem importante para que eu chamo especialmente a attenção do illustre ministro da guerra, e que tambem não vejo mencionada no seu programma.

Refiro-me ás instituições militares do paiz e que precisam ser estudadas para que se não dêem os factos lamentaveis que ainda ha pouco tempo se presenciaram. Refiro-me especialmente á questão de disciplina que julgo muito enfraquecida e a que attribuo, principalmente, a sedição militar de 31 de janeiro ultimo.

Eu sei que em Portugal têem havido muitas sedições militares, mas a ultima a que alludi afere bem qual seja o estado de indisciplina do exercito.

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SESSÃO N.° 10 DE 1 DE JUNHO DE 1891 15

Eu vou referir á camara um acontecimento que teve logar no principio d'este seculo. Um regimento de infanteria revoltou-se.

Era commandado pelo pae de um illustre amigo meu que pertenceu ao partido regenerador, o sr. barão das Lages. "O major do mesmo regimento foi participar o facto ao coronel, o qual indignado lhe respondeu: sr. major, monte a cavallo e venha ver como um coronel morre na frente do seu regimento!"

O coronel correu ao quartel, deu a voz de sentido ao regimento e foi immediatamente obedecido.

O facto foi lamentavel, mas por elle se póde aquilatar o o que era a disciplina do nosso exercito n'aquella epocha.

Eu attribuo em grande parte o triste acontecimento de 31 de janeiro ultimo, a pelo seu arrojo, não se terem cumprido os regulamentos internos dos corpos.

A camara sabe que ás vezes depende da disciplina do exercito a sorte das nações. Isto vê-se na historia antiga e na historia moderna.

Eu ligo uma grande importancia á disciplina do exercito, o principio vital da existencia dos exercitos.

Se me é permittido o simile, comparo o exercito a um instrumento forte e delicado, composto de peças de aço polido, que qualquer bafejo menos puro póde oxidar.

Não deve funccionar senão nas mãos dos governos legalmente constituidos. Em mãos profanas oxida-se, desconjunta-se e destroe-se.

Eu sou de opinião do general Lewal.

"O exercito não póde ter direitos politicos. Conceder-lhos é contrariar o bom senso. O militar está sujeito a um codigo especial, e a chefes proprios, e não possue a sua liberdade que é incompativãl com a disciplina. O exercicio dos direitos politicos póde levantar conflictos entre o inferior para com o superior."

O general Yung, outra auctoridade militar, escreveu n'um excellente livro:

"Os legisladores que votaram a interdição dos direitos publicos do exercito, fizeram um bom serviço á moral social. "

Desejaria que o governo podesse dar á camara explicações sobre os assumptos a que acabo de referir-me.

Eu desejava que o governo podesse fazer respeitar firmemente as leis, e que para isso estabelecesse reformas altamente moraes, de fórma a garantir a disciplina no exercito como base da manutenção da ordem e da tranquillidade publica. A este ponto tambem já se referiu o digno par, o sr. José Luciano do Castro.

Em occasião opportuna eu tratarei mais desenvolvidamente este importante assumpto.

Ai do paiz e das instituições, sr. presidente, se o governo não entrar francamente n'este caminho.

(O orador não reviu.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (João Chrysostomo): - Sr. presidente, o digno par o sr. Camara Leme acaba de fazer varias considerações tendentes a reconhecer a necessidade de que se empreguem todos os esforços para assegurar a ordem publica, e para que o exercito tenha todos os elementos de disciplina.

S. exa. deve reconhecer que eu na gerencia da pasta da guerra tenho procurado manter rigorosamente a disciplina, apesar de quaesquer causas que para a sua perturbação tenham actuado.

Posso assegurar ao digno par que hei de continuar a empregar os meus esforços n'esse sentido. Mas s. exa. convirá em que não é de um para outro momento que se remodelam as instituições militares.

No entanto espero que o exercito continuará a cumprir o seu dever, e que a ordem publica será mantida.

Em occasião mais opportuna poderei dar sobre o estado das instituições militares explicações mais detidas que o digno par deseja.

Creio ter satisfeito o digno par.

O sr. Camara Leme: - Tambem chamei a attenção do governo sobre a questão das incompatibilidades.

O sr. Ministro da Justiça e interino da Fazenda (Moraes Carvalho): - O digno par sabe que os ministros (Testado, em virtude de uma providencia adoptada pelo ultimo ministerio regenerador, são já incompativeis com quaesquer logares ou de administradores ou de directores de quaesquer bancos ou companhias.

Em relação ás incompatibilidades dos pares e deputados, o governo considera que esse assumpto tem de ser resolvido especialmente pelo parlamento, e reserva-se para dar a sua opinião, quando qualquer das commissões das camaras entenda que é occasião conveniente para se occupar d'elle.

Em todo o caso, o governo julga que não deve tomar a iniciativa de uma medida qualquer a respeito de incompatibilidades.

Ha uma commissão da camara dos pares que está encarregada de estudar o projecto apresentado por s. exa. ...

O sr. Camara Leme: - Essa commissão não deu parecer, nem dá.

O Orador: - Quando essa commissão se reunir, o governo não tem duvida absolutamente nenhuma de apresentar perante ella a sua opinião.

Não sei qual é a opinião dos meus collegas a esse respeito, mas posso dizer que a minha, como o digno par não desconhece, está de accordo com a de s. exa.

Torno a declarar que este assumpto é privativo das camaras legislativas. São ellas só de per si que devem fixar as suas incompatibilidades.

Aproveito a occasião e mando para a mesa umas propostas para accumulação de funcções que v. exa., sr. presidente, opportunamente sujeitará á apreciação da camara.

(O orador não reviu.}

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - V. exa. e a camara sabem que ha muitos annos, principalmente desde que tomei logar n'esta assembléa, assisto indifferente á organisação dos governos deste paiz; quer dizer, que não sendo eu chamado a organisal-os nem ouvido sobre a sua organisação, supponho em todos os homens que occupam aquellas cadeiras as melhores intenções, os melhores desejos, e que empregam todos os esforços para conseguir a felicidade do paiz.

Tendo eu assim procedido em relação a todas as organisações ministeriaes, não posso fazer differença alguma em relação a esta.

Os actuaes ministros são a tal ponto distinctos pela sua privilegiada intelligencia e demais qualidades que, si Pergama dextra defendi possent, n'elles tem os seus defensores.

Quererá isto dizer que eu tenha uma crença absoluta de que succeda assim? Não, porque eu digo como o poeta latino - Si Pergama dextra defendi possent... Se póde haver defeza, confio nos homens que actualmente occupam o poder. Não tenho nada com o que fizerem. Como membro d'esta assembléa, resolvo-me a esperar os actos do governo. E quando digo a v. exa. resolvo-me a esperar, é preciso que eu declare que nesta resolução faço algum sacrificio. Eu tinha formado tenção de resignar o meu logar n'esta casa desde que vi desconsiderado o parlamento por accordo dos chefes dos grandes partidos d'este paiz com o poder executivo e a corporação que se chama conselho de estado. É notavel o cuidado com que ha largos mezes se evita ouvir a voz dos representantes da nação, continuando a proclamar-se que vivemos em systema representativo, e forçando-os ao silencio por ficções ou interpretações cerebrinas da lei fundamental do estado, umas vezes ridiculas, outras vezes indecorosas.

Ora, sr. presidente, se nós estamos n'um paiz em que os chefes dos grandes partidos e o conselho d'estado politico entendem que a representação nacional deve existir a, fingir, eu declaro que nunca fui para fingimentos, e se

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resolvem continuar com o systema seguido durante tantos mezes, então não contem commigo.

Sr. presidente, inspira-me menos cuidado a direcção que o actual ministerio possa dar aos negocios publicos, do que a sorte do paiz e das instituições.

Nós tivemos a carta constitucional mais admiravel de todas as constituições politicas que ainda hoje conheço.

Digam o que quizerem aquelles que nunca leram a constituição do paiz e riam-se de mim, mas eu affirmo que a nossa constituição é uma das leis fundamentaes mais admiravelmente combinada que tem existido no mundo.

Reformaram o que ella tinha de melhor, foram de reforma em reforma cada vez a peior, até o ponto de contrariar absolutamente todas as suas disposições.;

Sr. presidente, eu quero dizel-o nesta casa; para mim é mais culpado um governo que subrepticiamente impede em paiz representativo a reunião da representação nacional, do que o foram os revoltosos do Porto.

Pois que queria a revolta do Porto? Queria supprimir a palavra monarchico.

O que fez o governo em conselho permanente, em conciliabulo permanente, o que fizeram os chefes dos dois grandes partidos? Supprimiram de facto a palavra representativo.

Sr. presidente, repito, mais culpado é quem supprime do nosso systema a representação nacional do que quem tenta supprimir a realeza.

Estes factos parece terem desapparecido por inteiro, porque de tantos dignos pares que fallaram nenhum os estranhou.

Fallaram os chefes dos dois grandes partidos, individuos isolados que se dizem independentes, e n'este numero estou eu incluido, porque não estou ligado a parcialidade alguma politica, e nem uma palavra para estes crimes, para estes attentados que o paiz supportou com paciencia evangelica durante tantos mezes.

Sr. presidente, eu declaro que não posso de fórma alguma associar-me a elles, nem mesmo com a responsabilidade do meu silencio.

Querem que haja credito no estrangeiro sem melhorar a situação economica e financeira do paiz? Será possivel resolver-se alguma difficuldade; n'um paiz de systema representativo sem a representação nacional?

É o que temos feito ha muito tempo e sempre pelos mesmos conselhos e pelas mesmas invenções?

O que se tem feito desde o principio do reinado do actual monarcha, a cuja intelligencia, illustração e firmeza de caracter presto um verdadeiro culto e todos quantos o conhecem ou d'elle se aproximam, senão levantar difficuldades sobre difficuldades provenientes sempre das continuadas substituições de ministerios?

Isto, sr. presidente, unicamente acontece n'este paiz! Não acontece e jamais aconteceu em paiz algum do inundo, porque o que se tem allegado sempre para justificação d'essas extemporaneas demissões dos ministerios, tem sido as difficuldades com que luctavam os ministros antecedentes!!

Ora, veja v. exa. e a camara.

O ministerio que se achava no poder no começo do reinado do actual monarcha era um ministerio progressista, presidido pelo sr. conselheiro José Luciano de Castro: foi esse ministerio aquelle que, alem de outras cousas a que me não quero referir, inventou, creou e fez crescer e elevou ao maximo desenvolvimento a questão externa, a que deu origem as nossas complicações com a Inglaterra. Durante alguns annos existiram a esse respeito trabalhos verdadeiramente phenomenaes, sem que a representação nacional tivesse conhecimento do estado em que essas negociações se achavam, nem das difficuldades que d'ellas poderiam advir.

As difficuldades vinham ainda longe, mas, sr. presidente assim que tive conhecimento d'essas negociações, eu, que me prezo de ser portuguez, e que, como tal, tenho obrigação de ser intransigente com os inglezes, ao ponto de já ter declarado aqui que nenhuma convenção com a Inglaterra teria o meu voto, quando vi as publicações officiaes, que para os nossos governos se cifram apenas em publicar os documentos que entendem dever publicar, declaro, sr. presidente, que me admirei da paciencia ingleza perante o procedimento do governo portuguez, e admirei-me d'essa paciencia por me parecer que excedia muito afamadas paciencias evangelicas.

Deu-se conhecimento ao parlamento das nossas negociações com a Inglaterra, conhecimento imprevisto, quando chegou a nota a que talvez por euphemismo se chamou ultimatum, uma nota simples, que dista tanto de ser um ultimatnm que mal se mede a distancia entre esta e um ultimatum verdadeiro.

Foi então, sr. presidente, que se deu conhecimento á camara das nossas difficuldades com a Inglaterra, mas eu então não comprehendi, nem comprehendo, nem chegarei a comprehender a maneira como o ministerio progressista, depois de ter recebido esse ultimatum, procedeu.

Comprehendia perfeitamente que esse ministerio se demittisse perante o que se chamou ultimatum, mas demittisse-se deixando a questão intacta ao ministerio que se lhe. succedesse, mas desde o momento em que desse um só passo para a solução d'essa pendencia, a sua obrigação era não abandonar o poder, nem comprometter o ministerio que se lhe seguisse.

O que fez, porém, o ministerio progressista? Antes mesmo de dar conta á camara do que lhe succedêra, começa a dar cumprimento ao que o celebre ultimatum lhe impunha e desde que principia a cumpril-o, demitte-se immediatamente. De maneira que o ministerio que lhe succedeu esteve mais de um mez, segundo o prova o Livro branco publicado, a tratar de completar o cumprimento que o ministerio anterior tinha principiado a dar. Assim, nós temos dois ministerios, o que cáe e o que se levanta, compromettidos na mesma questão, que não é uma questão pequena.

O ministerio novo assim o quiz, assim o teve, e principiou continuando e completando o cumprimento que o ministerio progressista tinha principiado a dar. Ora, para isto era melhor não ter ido ao poder. Para cumprir o que tinha principiado, era bastante, ou era de mais o ministerio anterior.

A final acaba as negociações, assigna um tratado com a Inglaterra e apresenta-o ao parlamento. Apresentando esse tratado ao parlamento, o ministerio cáe, sem que o parlamento se tenha pronunciado sobre o tratado.

Em que paiz do mundo acontece isto? Comprehendia-se que o ministerio caisse, se o parlamento lhe rejeitasse o tratado; mas fugir antes de ser apreciada pelos poderes competentes a obra que elle fez, não chega a comprehender-se, a não ser que esteja já tão arreigada nas estações superiores a perfeita convicção de que o parlamento entre nós é uma ficção, e não serve para cousa alguma.

Mas o ministerio caiu; estabeleceu-se a crise, que retardou quasi um mez a constituição do seguinte ministerio.

Não seria possivel organisar gabinete? Fizeram-se todos os esforços? Não se fez esforço nenhum, absolutamente nenhum, para organisar gabinete. O que unica e exclusivamente se fez foi todos os esforços possiveis e imaginaveis para harmonisar o sr. José Luciano de Castro com o sr. Antonio de Serpa Pimentel. N'este ponto posso fallar claramente, porque não serei accusado de inconfidente; refiro-me ao que todos leram e presenciaram. A final chamou-se de Roma um collega nosso, que é respeitado em todo o mundo como um dos primeiros estadistas da actualidade.

Podia alguem pensar que fosse uma tentativa para ver se homem tão competente organisava um ministerio? Não, sr. presidente, se tal se tivesse tido em vista, esse esta-

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dista, quando fosse chamado, era encarregado de organisar ministerio, com pleno direito de acção, porque, fallemos claro, não ha homem digno que se encarregue de formar uma situação ministerial, com instrucções ou prescripções.

Aquelle que formar uma situação ministerial tem de responder por ella, que é a sua obrigação como homem publico, como homem politico e como homem de bem.

Pois este estadista, a quem me refiro, não tinha ainda saido de Roma, e já os jornaes politicos, os do chefe de um dos grandes partidos, proclamavam, urbi et orbi, todos os dias: "não é elle que vem organisar ministerio; é elle e outro", o outro era o sr. conde de Casal Ribeiro.

Chega aquelle cavalheiro a Lisboa, e então já se falla mais claramente; disse-se: são os dois que hão de formar gabinete, mas hão de estar de accordo com o sr. José Luciano de Castro.

Ora isto que se fez ao sr. Mártens Ferrão, é o que se tem feito precisamente a todos, com excepção para o digno presidente do conselho actual, que já o era do ministerio passado, e pessoa por quem eu tenho o maior respeito e consideração.

Mas com s. exa. não succedeu o mesmo que se deu com os cavalheiros a que já me referi, porque s. exa. tambem é chefe do partido progressista.

O partido tem dois chefes, dos quaes um é o sr. presidente do conselho, e outro o sr. José Luciano de Castro, guerreiro impavido e valoroso para as luctas politicas.

Ora, desde que o partido tem dois chefes, dos quaes é um o sr. presidente do conselho, não se póde dizer que o partido progressista não se acha representado no governo.

Mas se o partido progressista não está representado no poder, tendo um seu chefe a presidir o governo, temos então aqui um governo ainda mais difficil de comprehender do que me parecia, salvo se o sr. José Luciano de Castro diz de proposito cousas para não serem comprehendidas.

Tambem declarou o sr. José Luciano de Castro que o ministerio anterior tinha prestado valiosissimos serviços ao paiz, e tinha bem merecido da patria, e que s. exa. tinha cooperado com esse ministerio.

Esta parte já eu a sabia, habituado como estou a conhecer os habitos dos nossos homens publicos; e conheceu-se mesmo pela nossa prosperidade financeira, pela abundancia de capitaes, facilidade de transacções, de offertas, de procuras e de trocos. (Ninguem troca nada.) Portanto, ao ver tudo isto, logo calculei: "aqui anda mão de mestre". (Riso.}

Por conseguinte a minha consciencia manda-me ver n'estes factos um acerto superior, e é por isso que não me admira nada que succedesse o que succedeu: a ruina do banco de Portugal e de varios outros estabelecimentos de credito do paiz.

Isto depois de ter havido o maior emprestimo que o paiz tem contrahido, que eu combati, apesar de não entender nada de finanças!

Parecia que adivinhava!

Ha menos de um mez que esse emprestimo, com garantia excepcional, chegava para tudo!

Porém, tudo se frustrou, tudo caiu, não como devia cair, com um certo conhecimento de todos, mas de repente, de surpreza. A isto junto ainda o decreto do Diario do governo que estou dispensado de ler.

Ora, sr. presidente, quando o que se está vendo se estabelece num paiz, quando se supprime a representação nacional, quando em relação a finanças se procede pela fórma por que procedemos, quando se approxima de repente o paiz da bancarota, creio que a prudencia manda não elogiar tanto a administração passada, e sobretudo não affirmar com insistencia que foi da leal cooperação que se lhe prestou que dimanaram todos estes beneficios, que redundaram em prejuizo do paiz.

Ora, sr. presidente, eu sei que nas assembléas politicas ninguem me acompanha e que n'uma imprensa politica a minha voz não tem auctoridade.

Já me aconteceu uma vez precisar, para descargo de consciencia, escrever no intuito de fazer uma simples declaração; pois, apesar da minha posição, não encontrei jornal nenhum onde publicar o que eu de mais a mais tinha assignado.

"Isto é contra os interesses do partido", diziam-me uns "Isto é contra a indole do jornal" respondiam-me outros, "Pois não morram por tão pouco" observava-lhes eu".

E n'esta imprensa livre, cuja liberdade o actual governo parece quer ampliar mais, segundo uma parte do seu programma, eu não soube onde escrever o que queria, mas não me pregaram com isso peça nenhuma, porque estou habilitado a poder fazer qualquer outra publicação ou a escrever um opusculo.

Deixando, porém, isto, direi que já ha muito que sabia o que são os grandes partidos d'esta terra, porque entrei no parlamento ha perto de vinte e cinco annos e suspeitei logo ao principio e declarei que me parecia perceber que a combinação entre os dois partidos, que se figuram separados, era unicamente para evitar que apparecesse um terceiro partido, visto como os ministros que caem são aproveitados pelos que se lhes succedem para as legações e embaixadas no estrangeiro.

Combatiam-n'os aqui, porque eram prejudiciaes ao paiz, mas achavam-nos muito bons para o representarem lá fóra. Eu não sou desconfiado, mas estes casos repetem-se tantas vezes que inspiram uma certa suspeita nos espirites mais credulos.

Meu pae contou-me um caso que tinha acontecido no parlamento, n'aquelle tempo de que o nobre ministro dos negocios estrangeiros por certo se recordará, quando as luctas entre o partido regenerador e o partido historico, a não ser entre os chefes, quasi sem excepção entre os soldados se traduziam por inimisades pessoaes: um regenerador não fallava com um historico, eram pessoalmente inimigos, de tal maneira que se chegou a apontar como unica excepção o facto de meu pae e Ferreira Pontes, pertencendo um ao partido historico e outro ao regenerador, se aggredirem mortalmente na camara e serem amigos particulares. Estranhava-se aquillo.

N'esse tempo, se um caso extraordinario obrigava um deputado governamental a sair da camara, logo arranjava modo de com elle sair outro da opposição, para que assim não fizesse falta á camara emquanto estivesse ausente.

Quando os odios estavam mais accesos entre uns e outros, veiu então á camara um processo escandaloso, a fim de ser liquidado.

Quando se procedeu á votação, meu pae encontrou-se no corredor com o Ferreira Pontes: haviam saido para não votar. Os partidos inimigos tinham-se congraçado n'aquella occasião.

Quem é parlamentar mais antigo póde recordar-se d'isto, que me lembro de ouvir a meu pae.

Os politicos devem ter em vista que ha uma parte do paiz, de certo a maior, que não é politica, e que está descontente e muito desconfiada. Não temos só indicios, temos já principio de execução; não se recorre só ás urnas, já se tentou recurso á violencia e á força. É perante uma situação d'estas que os partidos monarchicos, desejando salvar as instituições, pretendem que se atravesse uma sessão parlamentar sem haver opposição?

O paiz resolve-se a esperar com paciencia quando vê no parlamento um partido luctar contra o outro que está representado no governo.

Esta lucta merece alguma confiança; mas se o paiz vê que todos cruzam os braços, diz naturalmente que isto é uma combinação, e então abandona os partidos legaes e deixa-se facilmente arrastar por qualquer partido illegal.

Dedico o maior respeito a todas as pessoas que formam os grandes partidos, mas vejo que elles levaram as insti-

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ções a um grande perigo. Não continuem n'este caminho. Desenganem-se de que vão n'um mau caminho.

É triste, mas é indispensavel dizer aos grandes partidos que não se supprime impunemente a representação nacional, ou que não é impunemente que ella é substituida pelo conselho d'estado e pelos srs. Antonio de Serpa e José Luciano de Castro, que pertencem ao mesmo alio corpo politico.

Não creio que dois homens, por maiores e mais importantes que sejam, e eu sou o primeiro a reconhecer que ambos são de uma estatura e de uma grandeza á qual eu nunca poderia aspirar n'um sonho de grandissima ambição, mas digo que não vejo que dois homens, por muito grandes, sejam bastantes a obstar aos perigos que d'este seu errado proceder podem resultar.

Sr. presidente, a hora está adiantada, e eu já tenho dito mais do que tencionava dizer. Peço a v. exa. e á camara desculpa do tempo que lhes tomei, e tenho dito.

(O orador não reviu.}

O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripto.

Vão ler-se as propostas mandadas para a mesa pelo sr. ministro da justiça.

Foram lidas na mesa, e successivamente approvadas as propostas, que são do teor seguinte:

Propostas

Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do primeiro acto addicional á carta constitucional da monarchia, pede o governo á camara dos dignos pares do reino a necessaria permissão para que possa accumular, querendo, as funcções legislativas com as do logar de procurador geral da corôa e fazenda o digno par Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 1 de junho de 1891. = Alberto Antonio de Moraes Carvalho.

Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, pede o governo á camara dos dignos pares do reino a necessaria permissão para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos logares de presidente do supremo tribunal de justiça, e de ajudante do procurador geral da corôa, os dignos pares Antonio Emilio Correia de Sá Brandão e Antonio Candido Ribeiro da Costa.

Secretaria d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, em 1 de junho de 1891. - Alberto Antonio de Moraes Carvalho.

O sr. Presidente: - Vão ler-se uns officios chegados á mesa.

Foram, lidos, e são do teor seguinte:

Officios

Do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo 150 exemplares da conta da gerencia do anno economico de 1889-1890, e do exercicio de 1888-1889 relativo ao mesmo ministerio.

Mandaram-se distribuir.

Officio do ministerio da fazenda, enviando 150 exemplares de cada um dos seguintes documentos:

Orçamento geral e proposta de lei das receitas e despezas do estado na metropole para o exercicio de 1891-1892.

Conta geral da administração financeira do estado na metropole, na gerencia do anno economico de 1889-1890 e seus annexos.

Segundo annexo á conta geral da administração financeira do estado na gerencia do anno economico de 1888-1889.

Conta da gerencia do ministerio da fazenda (séde do ministerio) no anno economico de 1889-1890 e no exercicio de 1888-1889.

Relatorio e declarações geraes do tribunal de contas sobre as contas do estado, dos ministerios e da junta do credito publico da gerencia de 1888-1889.

Mandaram-se distribuir.

O sr. Marquez de Pomares: - Pedi a palavra para me dirigir particularmente ao sr. ministro da marinha.

Na qualidade de presidente da grande commissão da subscripção nacional, recebi hoje um officio do sr. governador de Lourenço Marques, officio que, entre outros assumptos, me communica que deve chegar em um vapor em viagem para o reino, a viuva e cinco filhos do voluntario José Luiz da Cunha, que falleceu durante a marcha para o interior da Africa.

Não sei se as disposições das leis que protegem as viuvas e orphãos dos militares que no campo da batalha, por desastre, ou por outro qualquer motivo fallecem na Africa, aproveitam á viuva e ás creanças a que me refiro.

Se as disposições das leis vigentes permittem conceder á viuva o favor de que ella precisa, muito bem; mas, ao contrario, cumpro em todo o caso um dever apresentando este officio.

Estou certo que o sr. ministro não deixará de fazer tudo que for de justiça para melhorar a situação da familia do fallecido voluntario José da Cunha.

O sr. Ministro da Marinha (Julio de Vilhena): - Sr. presidente, o digno par que me precedeu chamou a minha attenção para as circumstancias em que se encontra a esposa de um voluntario que morreu no caminho para o interior da Africa.

Como v. exa. sabe, e o reconheceu, a lei de concessão de pensões de sangue não póde ter applicação n'este caso; e eu mesmo tenho duvidas sobre se na legislação vigente se encontrará disposição apropriada.

No emtanto, o meu antecessor publicou, usando da auctorisação contida no acto addicional á carta constitucional, um decreto especial com relação ás viuvas dos individuos que fazem parte do exercito da Africa.

Não sei tambem se esse decreto contém disposição applicavel ás circumstancias da referida senhora; mas, se tal não succeder, resta ainda um recurso, qual o do governo apresentar ao parlamento uma proposta de lei concedendo-lhe uma pensão especial.

Em todo o caso, o que eu affirmo ao digno par é que o governo está animado dos melhores desejos de facultar a quem d'ella careça a possivel protecção, e que, se as condições d'essa senhora tornarem necessaria a apresentação de uma proposta d'essa natureza, póde s. exa. ficar plenamente convencido de que assim ha de proceder.

(O orador não reviu.)

O sr. Marquez de Pomares: - Sr. presidente, eu tinha pedido a palavra unicamente para agradecer ao sr. ministro da marinha.

Eu confio plenamente em que s. exa. ha de procurar minorar a desgraça d'aquella infeliz viuva.

O sr. Presidente: - A proxima sessão é na quarta feira, e a ordem do dia é a apresentação de pareceres.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 1 de junho de 1891

Exmos. srs. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel, Antonio José de Barros e Sá; Duque de Palmei-la:; Marquezes, das Minas, de Pomares, da Praia e de Monforte, de Sabugosa, de Vallada; Condes, d'Arriaga, d'Avila, da Azarujinha, de Bertiandos, do Bomfim, de Cabral, do Carnide, de Castro, de Ficalho, da Folgosa, de S. Januario, de Lagoaça, de Linhares, de Thomar, de Valbom; Bispo de Bethsaida; Viscondes, de Moreira de Rey, da Sil-

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SESSÃO N.° 10 DE 1 DE JUNHO DE 1891 19

vá Carvalho, de Soares Franco, de Sousa Fonseca; Barão de Almeida Santos; Moraes Carvalho, Braamcamp Freire, Sá Brandão, Serpa Pimentel, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Ferreira de Mesquita, Ferreira Novaes, Augusto Cunha, Agostinho de Ornellas, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Pinto Bastos, Hintze Ribeiro, Firmino Lopes, Costa e Silva, Faria e Maia, Jeronymo Pimentel, Baima de Bastos, Antonio Candido, Mártens Ferrão, João Chrysostomo, Alves de Sá, Ferreira Lapa, Holbeche, Coelho de Carvalho, Gusmão, Gomes Lages, Gama, Bandeira Coelho, Ferraz de Pontes, Bernardino Machado, José Luciano de Castro, Ponte Horta, Mello Gouveia, Mexia Salema, Bocage, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Bivar, Luiz de Lencastre, Rebello da Silva, Camara Leme, Pessoa de Amorim, Vaz Preto, Franzini, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Rodrigo Pequito, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho, Marçal Pacheco, Sousa e Silva.

O redactor = Ulpio Veiga.

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