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4 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

cão especial, como disse o reverendo antistite.

Exquisita nomeação! Mas é nesses termos a informação constante do pró cesso.

Como quer que fosse, porem, o certo é que a nomeação do novo vice-reitor padre Santos Coelho já estava feita em 15 de agosto de 1908, pois que o nomeado já estava então em exercicio, como se mostra por um edital do mesmo reverendo bispo, com aquella data, e que foi junto ao processo pelo padre José Maria Anca como um dos documentos da sua reclamação de 17 de junho de 1909.

Pois o dito prelado, para continuar nos seus desacatos á lei de 28 de abril de 1845 e ás prerogativas do poder civil, só no dito officio de 3 de novembro participou ao governo o chamamento, escolha ou nomeação por elle feita das novas autoridades seminariaes, da sua confiança, a criação de mais uma cadeira nos estudos do seminario, e a nomeação de professores, cujos nomes não indicou, sem todavia submetter á approvação do governo taes factos, mesmo depois de consummados!

É certo que no officio de 3 de novembro, expedido mais de oito dias depois da reabertura do seminario, diz o reverendo bispo que esperava as determinações do governo. Mas elle é que já tinha agido, fazendo o que lhe aprouve, demittindo e nomeando, a seu talante, quem quis, contra a lei e até contra a citada portaria de 14 de outubro de 1907, com que mais tarde pretendeu defender-se.

Determinava o n.° 3.° d'esta porta na que as nomeações do pessoal administrativo do seminario fossem immediatamente submettidas á approvação regia, sem a qual os nomeados não entrariam em exercicio. Pois o reverendo bispo saltou a pés juntos por cima d'isto, nomeou só por si funccionarios administrativos do seminario, investiu-os na posse dos respectivos cargos, e só posteriormente participou o caso ao governo. Participou, mas não submetteu.

Demais: se da parte do governo não houve reprovação das violencias e abusos bispaes, tambem não houve approvação dos factos consummados contra a lei vigente.

E assim, pelo que fica exposto, é evidente que o reverendo bispo desacatou a lei e offendeu as prerogativas do poder civil, praticando varios abusos e arbitrariedades, mas a portaria de 12 de fevereiro absolveu-o! Severo, duro, injusto mesmo, contra o padre José Maria Anca, e inexoravel para com o padre Manuel Anca, o illustre ministro da justiça, sr. conselheiro Montenegro, foi molle e condescendente para com o reverendo bispo de Beja, que nem ao menos censurou pelos seus repetidos atropelos da lei!

Nunca pretendi armar em estadista e menos ainda em salvador da patria ; mas, bera contra os meus desejos e propositos, tive de acceitar o cargo de ministro de estado no dia 14 de maio de i 909, accedendo por fim, depois de tres dias de negativas, ás pertinazes e reiteradas instancias dos dignos pares srs, conselheiros José de Alpoim e Teixeira de Sousa, certamente combinados com o digno par sr. conselheiro Wenceslau de Lima, encarregado então da formação de um ministerio que substituisse o do Sr. Sebastião Telles.

Entrando para o ministerio — Wenceslau, fui tal como era, com os meus principios e convicções liberaes, cuja modificação ninguem me pediu, e a que não renunciaria em caso algum. Não fui para lá como regenerador, nem mesmo como dissidente, e fiquei depois, como já estava, menos por vontade propria do que pela força ineluctavel das cousas, afastado de todos os agrupamentos partidarios, e só a mais com profundo reconhecimento para com aquelles meus queridos amigos srs. José de Alpoim e Teixeira de Sousa, illustres chefes dos partidos progressista-dissidente e regenerador, pelo apoio devotado e caloroso que me deram em toda a minha temporada ministerial.

Preparava eu afanosamente algumas propostas de lei e outros trabalhos relativos aos serviços do ministerio do» negocios eclesiásticos e de justiça a meu cargo. E fazia-o com inteira despreoccupação sobre a duração da minha governança, sem pensar, ao entardecer de cada dia, se ainda seria ministro na manhã seguinte, e como quem só tinha o desejo vehemente de bem servir e ser util ao seu país, lembrando-me sempre das palavras do operario ministro, John Burns, quando disse que o caminho das honrarias não era para elle senão o caminho do dever.

Foi no meio d'essa faina que, de repente e inopinadamente, me saiu ao caminho este caso clerical de Beja com a reclamação do padre José Maria Anca, de 17 de junho de 1909, na qual pedia a sua reintegração no logar de vice-reitor com os vencimentos atrasados e outras achegas.

Ouvido o reverendo bispo acêrca d'essa reclamação, deu elle a sua resposta em officio de 2 de setembro ultimo, que foi mais um erro praticado por aquelle prelado. E funesto erro!

Quem ler estes dois documentos e os comparar ha de convencer-se de que a reclamação do padre José Maria Anca não é, certamente, um modelo de submissão e um exemplar de humildade, mas tambem não é injuriosa, offensiva e nem mesmo irrespeitosa para o reverendo antistite. Salvo se, contra a regra juridica de que a ninguem faz injuria quem usa do seu direito, lá no clericalismo é um desacato que o padre simples reclame competentemente contra o seu bispo a justiça de que este o espoliou» E ha de convencer-se tambem de que o officio do reverendo bispo é um cumulo de ira, de odio e de espirito perseguidor.

Não vou ler á camara todo esse officio do prelado bejense; lerei, todavia, o periodo seguinte:

«Este presbytero (o padre José Maria Ancã), a quem Nós dissemos com a maior caridade (!) que não podia continuar a ser vice-reitor do seminario pelo motivo da revolta do seminario, e, como insistisse comnosco para continuar em tal logar, lhe dissemos que pela sua vida irregular e escandalosa o não podia exercer, e que não teve duvida em dizer-Nos que tinha um só filho, e que seu irmão (o padre Manuel Ancã), que vive escandalosamente com uma concubina, é que tinha dois)».

O resto do officio d'aquelle ungido do Senhor afina pelo mesmo diapasão ; está impregnado do mesmo odio e imbuido do mesmo furor de perseguição; é igualmente caridoso.

Isto não é o Evangelho em acção; é a contrafacção do Evangelho. Isto é o que em linguagem policial se chama uma parte carregada.

O ministro da justiça d'aquelle tempo desejava apenas uma informação imparcial e autorizada, um parecer douto e seguro acêrca da reclamação do padre José Maria Anca; e veio-lhe um libello cerrado contra este, e tambem contra o seu irmão padre Manuel Anca, que não estava em causa. O ministro da justiça não procurava saber das confidencias intimas entre o padre José Maria Anca e o reverendo bispo, e menos ainda da concubina, dos filhos e& da vida escandalosa do padre Manuel Ancã, de quem não se tratava 5 e o reverendo bispo veio, tão ardidamente como imprudentemente, falar de tudo isso.

Disse o reverendo bispo que fora com a maior caridade que declarara ao padre José Maria Anca que ia tirar-lhe o logar de vice-reitor do seminario. Se tal não lhe dissesse com a maior caridade? applicar-lhe-hia, talvez, alguma sova de maculo juntamente com a privação do logar.

Que significado terá esta sublime palavra — caridade — na linguagem d’este successor dos apostolos?

Oh! a caridade, que reduz os outrcs á miseria, é bem a antithese da caridade evangélica; é uma cousa de todo o ponto repugnante, como repugnantes são todos os impulsos malfazejos.