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N.º 27

SESSÃO DE 25 DE ABRIL DE 1899

Presidencia do exmo sr. José Maria Rodriques de Carvalho
Secretarios - os dignos pares

Julio Carlos de Abreu e Sousa
Conde do Alto Mearim

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Não houve expediente.

Ordem do dia: continuação da interpellação do digno par Ernesto Hintze Ribeiro sobre a importação de cereaes e respectiva tributação, e sobre a importação e venda de farinhas no anno passado e no anno corrente. - O digno par Ernesto Hintze Ribeiro conclue o seu discurso começado na sessão antecedente. - Aprasa-se a seguinte sessão, bem como a respectiva ordem do dia.

(Assistiu á sessão o sr. ministro das obras publicas.)

Pelas duas horas e vinte e cinco minutos da tarde, verificando-se a presença de 24 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e seguidamente approvada, a acta da sessão antecedente.

Não houve expediente.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que quizerem usar da palavra antes da ordem do dia, podem inscrever-se.

Como ninguem pede a palavra, vae passar-se á ordem do dia, e tem a palavra o digno par o sr. Hintze Ribeiro.

ORDEM DO DIA

Interpellação do digno par Ernesto Hintze Ribeiro
sobre a importação de cereaes e respectiva tributação, e sobre a importação e venda de farinhas no anno passado e no corrente

O sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Continuando o seu discurso começado na sessão anterior, diz que, largamente, um após outro, vieram o sr. ministro, das obras publicas e o sr. presidente do conselho responder á interpellação que lhes annunciára; e, todavia, os pontos essenciaes, os factos mais importantes a que o orador se referiu, ficaram sem resposta.

E que, diz o orador, ha factos que se não destroem com palavras.

Asserções de tal modo justificadas nos seus fundamentos, nem a muita experiencia, nem a habilidade parlamentar, conseguem apagar.

Iniciando a sua interpellação, perguntou ao sr. presidente do conselho se as providencias adoptadas, no tocante á importação e tributação de cereaes, tinham sido promulgadas, por virtude e no uso de auctorisações parlamentares, e, em tal caso, quaes eram os diplomas legaes em que o governo tinha firmado o seu procedimento.

Se, pelo contrario, essas auctorisações não existiam, e as medidas eram de caracter dictatorial, perguntou ao governo se se apressava a pedir ás côrtes o respectivo bill de indemnidade.

Respondeu-lhe o sr. presidente do conselho e, d'essa resposta, deprehende-se a affirmação formal, de que, pelo que respeita á importação e tributação de cereaes, era licito a qualquer governo prover de remedio ás circumstancias que se apresentassem, discricionariamente, e sem ter, sequer, de dar contas ao parlamento.

Essa affirmação confirmou-a hontem o mesmo sr. presidente do conselho, e, antes de s. exa., o sr. ministro das obras publicas, que n'este assumpto tem a responsabilidade especial da sua pasta, e a competencia que lhe dá um largo tirocinio em assumptos agricolas, no exercicio das funcções que tem desempenhado.

O sr. ministro das obras publicas não duvidou, com a auctoridade do seu cargo, e com as lições da sua experiencia, affirmar, em pleno parlamento, que, em materia de cereaes, não havia lei, e só reinava a anarchia.

Foi mais longe. Foi até o ponto de affirmar que nunca se apresentaram ao parlamento propostas de bill de indemnidade para decretos referentes a cereaes.

Pergunta o orador em que situação fica o paiz quando, pela boca do sr. presidente do conselho, e com a affirmação do sr. ministro das obras publicas, se diz que, era materia tão grave, tão importante, que se prende com os problemas da mais alta gravidade e influem no nosso regimen economico, não ha leis e só anarchia.

Felizmente que ta! não é. Felizmente que as affirmações do governo são completamente destituidas de fundamento e de verdade.

Para combater a ousada affirmação do sr. ministro das obras publicas, não precisa de outra auctoridade que não seja a de s. exa.

É o sr. ministro das obras publicas que, num diploma recente, e que está actualmente submettido á apreciação do parlamento, vem negar as suas affirmações de ha dias.

S. exa., na proposta de lei que trata de questão cerealifera, diz que ella tem estado sujeita, no seculo actual, a tres regimens perfeitamente definidos.

Vê-se, pois, que não só ha regimens, mas até perfeita" mente definidos.

Para que veiu então s. exa. dizer que não havia leis?

Foi para cohonestar as providencias que adoptou dictatorialmente, estando o parlamento aberto?

Leis, temos, diz o orador, mas é necessario cumpril-as.

Não faltaram retaliações n'este assumpto, mas a camara verá que todas ellas se erguem condemnando o procedimento do governo.

Disse o sr. presidente do conselho que dos decretos dos seus antecessores, só o de 26 de setembro de 1893 tinha sido incluido no bill de indemnidade.

Não e exacto, diz o orador.

O que s. exa. não encontra em epochas passadas, em nenhum outro ministerio, é decretos promulgados nas condições em que o foram os que emanaram d'esta situação politica.

Todos os que até então existiam, ou eram decretos dictatoriaes publicados na ausencia das côrtes, ou promulgados em virtude de auctorisações legislativas.

Disse que emprasava o governo a que lhe dissesse quaes eram os decretos publicados com o parlamento aberto,

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pois de sobejo sabia que nem um só, da responsabilidade de governos anteriores, lhe podia ser apontado.

Estava reservada esta gloria para o governo actual.

Re feriu-se o sr. ministro das obras publicas ao decreto de 27 de fevereiro de 1890.

Tem a dizer que esse decreto foi publicado na ausencia das côrtes, e a propria lei de 1890 relevou o governo da responsabilidade em que incorreu por ter invadido as attribuições parlamentares.

Tambem s. exa. citou uma outra providencia adoptada pelo orador; mas essa referia-se tão unicamente á entrada de trigo, e tinha sido publicada no uso de auctorisação conferida ao governo.

Crê, pois, ter demonstrado que, com o parlamento aberto, nunca promulgou qualquer medida de caracter legislativo. Liquidada a questão de legalidade, passa a tratar dos factos.

Não vem reproduzir o que já disse, mas apenas mostrar que as respostas do sr. ministro das obras publicas e do sr. presidente do conselho, são absolutamente ou inexactas, ou apropriadas á defeza.

O sr. ministro das obras publicas recorreu ao systema das retaliações politicas, porque teve difficuldades em sustentar e defender os actos que são da sua responsabilidade.

S. exa. desviou a questão do terreno em que o orador a tinha collocado, e veiu dizer que, quanto á importação de farinhas, fizera o mesmo que o governo de 1890.

Cita-nos o texto d'essa lei, e as rasões que a determinaram; diz que não ha paridade ou parallelo entre as circumstancias de 1890 e as de agora.

Explica que não houve prejuizo, que não fosse o da liquidação final, e então as farinhas foram compradas directamente, sem intermediarios e na quantidade necessaria.

Vae agora apreciar as respostas que o governo deu ás accusações que o orador lhe dirigiu, e mostrar que nem uma só d'essas respostas logrou desfazer a impressão que resulta dos factos; tal é a força que elles possuem na sua significação.

Disse o orador que, se o governo tivesse decretado a tempo, ter-se-ía salvado para o thesouro uma receita de 400 a 500 contos.

A isto oppoz o governo a consulta do mercado central dos productos agricolas.

Mas a consulta do mercado dizia ao governo que poderia importar até 80 milhões; que importasse em duas series, a primeira com o direito estatistico de meio real, e a outra com os direitos que as circumstancias permittissem, e, quanto ao ponto restricto das farinhas, o stock podia ainda durar até ao fim de março.

O certo é, diz o orador, que o governo desprezou essa consulta, porque ella não lhe serviu, nem para determinar a quantidade da importação, nem para determinar a fixação dos direitos.

O sr. presidente do conselho, acudindo em defeza do sr. ministro das obras publicas, allegou que não poderam deixar de annullar o decreto de abril de 1898, porque os moageiros declararam que não podiam laborar as suas fabricas, importando trigo com o direito estipulado.

Accrescentou que tambem os padeiros vieram dizer que não podiam fabricar pão, e que, portanto, sem farinhas e sem pão, não havia subsistencia publica.

Então o sr. presidente do conselho, perante as ameaças de uma crise temerosa, abrogou o decreto de abril, mas esqueceu-se de que, atrás dos padeiros, estão os moageiros.

Aquellas pequenas industrias, vivem na dependencia dos moageiros, porque estes lhes facultam as farinhas a credito.

Foi, pois, um erro, permittir simultaneamente a suppressão dos direitos do trigo e a elevação do preço das farinhas.

Promettêra o orador dizer como procederia em casos identicos.

Ou os moageiros se compromettiam, mediante uma reducção de direitos, a abastecer o mercado, de fórma a não obrigar o governo á compra de farinhas, ou, não annuindo aquelles industriaes a esse compromisso, importaria directamente farinhas, mas só na quantidade necessaria para acudir ás necessidades do mercado.

Procedendo assim, julgaria ter cumprido o seu dever e zelado os interesses do thesouro.

O governo, porém, deu tudo aos moageiros; isenção de direitos por um lado, e elevação do preço de farinhas por outro, e nem sequer os obrigou a abastecer o mercado.

Asseverára o sr. ministro das obras publicas que nem um só bago de trigo ficara por vender. É certo que os lavradores venderam o seu producto; mas foi o thesouro que pagou as differenças.

O governo cedeu ás imposições do terror, quando devia, conscio do seu dever e das suas responsabilidades, ter procedido em harmonia com a noção exacta das circumstancias que se apresentaram.

Nota que nem o sr. presidente do conselho, nem o sr. ministro das obras publicas disseram uma palavra sobre os contratos da compra das farinhas.

O orador leu os documentos a este respeito, e dispensou se de commentarios, porque elles não eram precisos para explicar o que resultava d'essa leitura.

Porque é que o governo, para a compra das farinhas, não recorreu aos nossos consulados?

A esta pergunta, tão claramente formulada, ninguem respondeu.

O orador, encontrando-se na situação do governo, procederia como em 1890, isto é, importaria directamente as farinhas, e não se serviria de intermediarios.

Quanto á baixa de cambios, que o sr. presidente do conselho não quer, por fórma nenhuma, attribuir a influencias ou manejos de qualquer casa commercial, dirá o orador que a sua experiencia dos negocios publicos lhe diz que, quando o estado cambial é melindroso, uma pequena differença, tratando-se de pagamentos avultados, traduz-se em beneficies e lucros consideraveis.

Sustenta que parte da farinha que saiu da alfandega estava avariada, e que assim entrou no consumo.

O facto de se dizer que uma parte della, que entrou na penitenciaria central estava em boas condições, não exclue a sua affirmação.

Com respeito ao milho da Horta, isto é, quanto ao facto do sr. governador civil daquelle districto recusar a uns o que concedia a outros, lamenta que o sr. presidente do conselho não tivesse procedido energicamente, e que, como satisfação ás reclamações apresentadas, dissesse apenas que esse seu delegado se ausentara do serviço por motivo de doença.

Passa a tratar do decreto de 10 de fevereiro d'este anno, que permittiu a entrada de milho com reducção de direitos.

Disse o sr. ministro das obras publicas que a publicação d'esse decreto correspondeu a um voto unanime, e citou palavras proferidas na outra camara pelo sr. deputado Teixeira de Vasconcellos.

O que esse illustre membro da outra camara aconselhava, era que o governo comprasse o milho indispensavel directamente, sem intermediarios.

S. exa. tinha o parlamento aberto, e, portanto, tinha obrigação de consultar os representantes da nação.

A allegação de que a necessidade de tomar-se urgentemente uma providencia não permittia esperar que findassem as ferias do carnaval, não colhe, porque, em presença de um facto de tamanha gravidade, todos de bom grado se prestariam a collaborar com o governo na resolução do assumpto.

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Depois de mais algumas considerações condemnando a promulgação do decreto de 10 de fevereiro, e depois de recapitular os argumentos adduzidos, chama a attenção da camara para a sua moção, e diz que é necessario que cada um tenha a consciencia do que vota.

(O discurso do digno par será publicado na integra quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Os dignos pares que permittem que o sr. Hintze Ribeiro retire a sua primeira proposta, tenham a bondade de se levantar.

Está approvado.

Vae ler-se a segunda moção mandada hontem para a mesa por s. exa.

(Leu-se na mesa.)

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão esta moção, tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida.

O sr. Presidente: - Ámanhã ha sessão; a ordem do dia é a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e cinco minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 25 de abril de 1899

Exmos. srs. José Maria Rodrigues de Carvalho; Marino João Franzini; Marquezes, de Fontes Pereira de Mello, da Graciosa, de Penafiel, da Praia e de Monforte (Duarte); Arcebispo de Évora; Condes, do Alto Mearim, de Bertiandos, do Bomfim, da Borralha, do Casal Ribeiro, de Castello de Paiva, de Lagoaça, de Monsaraz, de Paraty, do Restello, da Ribeira Grande, de Tarouca, de Thomar, de Valbom, de Villa Real; Bispo de Bethsaida; Viscondes, de Asseca, de Athouguia; Moraes Carvalho, Antonio Abranches de Queiroz, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Egypcio Quaresma, Oliveira Monteiro, Telles de Vasconcellos, Arthur Hintze Ribeiro, Cau da Costa, Palmeirim, Cypriano Jardim, Eduardo José Coelho, Elvino de Brito, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Coelho de Campos, Francisco Eduardo Barahona, Frederico Arouca, Almeida Garrett, Guilhermino de Barros, D. João de Alarcão, Coelho de Carvalho, Correia de Barros, Frederico Laranjo, José Luciano de Castro, José Vaz de Lacerda, Abreu e Sousa, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Bandeira Coelho, Macario de Castro, Pereira Dias, e Sebastião Telles.

O redactor = João Saraiva.

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