O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 250

Tencionava ir tomar e occupar a ilha de Angoche e fazer a occupação de Môene, em condições de garantir naquelle ponto a soberania portuguesa e a repressão do contrabando e trafico de escravatura».

É triste, causa uma pessima impressão no animo de todos, ler ou ouvir ler estas palavras.

Mas isto é a expressão da realidade, é um testemunho dado por pessoa competentissima perante o país, em que se affirma que a maior parte do districto de Moçambique não está occupado, e que é necessario occupá-lo immediatamente.

Qual é o meio pratico de realizar essa occupação? É pelo estabelecimento de postos militares, pela acção do Governo e pela exploração dos terrenos que existem nessa vasta area do districto de Moçambique.

Ora pergunto eu: Podemos nós effectuar essa occupação, podemos nós fazer concessões no districto de Moçambique, applicando as disposições do projecto do Sr. Ministro da Marinha?

Positivamente não, visto que as commissões encarregadas de fazer o cadastro não podem penetrar ahi.

Pois S. Exa., que deve saber o que diz o livro do Sr. Mousinho de Albuquerque, que chega ao ponto de assegurar que a escravatura se exerce ali em grande escala, quer que a commissão do cadastro e classificação de terras vá a sitios que é impossivel percorrer?

Mas, Sr. Presidente, não é unicamente no districto de Moçambique que isto succede, é na maior parte da nossa provincia da Guiné.

O Sr. Ministro sabe muito bem, e sabe o país inteiro, que ha ali regiões onde se não pode peneirar impunemente. (Apoiados).

O illustre Ministro sabe muito bem, e sabe-o o país inteiro, que é indispensavel acudir immediatamente á nossa provincia da Guiné, porque de todos os lados pullulam e enxameiam ambições áquelle territorio.

Ainda o anno passado se publicou em França um livro, intitulado La Guinée Française, onde, tratando-se dos nossos dominios, diz o auctor, o Sr. Aspe-Fleurimont:

«Por differentes motivos que temos indicada, pensamos que este país tem futuro. Os seus progressos serão immediatos desde o dia em que não pertença aos portugueses, e em que as suas communicações, muito difficeis hoje com a Europa, sejam mais frequentes e menos operosas. Fazemos votos para que, dentro em pouco, um accordo diplomatico attribua á França essa colonia, na qual ella tem interesses mais antigos do que qualquer outra potencia e em que os seus nacionaes teem estabelecimentos consideraveis».

Assim se pensa no estrangeiro: reconhece-se que são grandes os recursos da nossa provincia da Quine e proclama-se que é; indispensavel que ella saia da posse dos portugueses para fazer parte dos dominios da França.

É, portanto, urgente que envidemos todos os nossos esforços para que a Guiné não saia do nosso dominio e que façamos que afirmações d'esta ordem se não repitam. Não temos outra maneira de o conseguir, senão chamando para ella capitães que lhe possam desenvolver o commercio, e fazendo a sua occupação effectiva. Pode obter-se este resultado por meio de concessões, applicando o disposto na proposta de lei do Sr. Ministro da Marinha?

Estou persuadido de que não pode; e porque? Porque a maior parte da nossa provincia da Guiné não pode ser facilmente percorrida pelas commissões encarregadas de fazer os cadastros.

Esta asserção é de grande responsabilidade para mim, e, como tal, preciso de justificá-la com documentos officiaes.

O Sr. Costa é Oliveira, commissario do Governo Português na delimitação de fronteiras e encarregado d'essa commissão official na Guiné, diz no seu relatorio ao Governo :

«Igualmente dissemos que a superficie total da Guiné Portuguesa era de 40:000 kilometros quadrados, pouco mais ou menos; pois em uma extensão d'estas occupamos a ilha de Bolama, e somente a parte fortificada de Bissau, Cacheu, Geba, Buba e Farim!

Cacheu está sempre em armas; em Bissau receia-se a destruição das muralhas com medo dos indigenas; em Geba e Farim todos temem o Mussá-Muló; e em Buba desconfia-se de Mahmad-Pató, chefe do Forreah; e de Mahmad-Jalá, chefe beafada!

Isto é um cumulo, para não dizermos outra cousa».

Se são estas realmente as condições das nossas colonias, se a nossa provincia da Guiné está nestas circumstancias, é justo, é defensavel, que seja approvado um projecto de lei que, longe de favorecer a occupação, vae, pelo contrario, demorá-la?

Pois é possivel, Sr. Presidente, que em todos esses territorios da Guiné, onde não existe senão a influencia nominal dos portugueses, onde se não pode entrar com facilidade, é possivel que uma commissão encarregada de fazer o cadastro consiga classificar e avaliar os terrenos que hão de ser concedidos?

Ora, quando encontro deante de mim um projecto que representa, não um processo facil de fazer concessões, mas, pelo contrario, um obstaculo á realização d'esse meio de conquista e desenvolvimento colonial, posso, em boa consciencia, deixar de combater o projecto do Sr. Ministro da Marinha?

Eu comprehendo que o projecto do Sr. Ministro se possa applicar em algumas partes do nosso dominio ultramarino, em Lourenço Marques por exemplo; mas, Sr. Presidente, no districto de Lourenço Marques, onde a commissão de cadastragem pode fazer os seus trabalhos, ahi tem outro inconveniente: é o principio do concurso.

Já disse á Camara que, theoricamente, não ha nada mais defensavel que o principio da hasta publica; mas o que theoricamente se pode acceitar muitas vezes não é aquillo que praticamente se exige e que as circumstancias reclamam.

Abra o Sr. Ministro hasta publica para os territorios comprehendidos no districto de Lourenço Marques e verá S. Exa. o que succede.

Desde que por este projecto podem concorrer á hasta publica todos os estrangeiros com dois annos de residencia em Portugal, o capital português, fraco, timido, receoso, quando se apresentar num concurso e tiver deante de si o capital inglês, ha de recuar, porque não tem forças nem audacia para travar o pleito, deixando ir a concessão para o capital estrangeiro.

É excellente o principio do concurso, admiravel, mas em muitos casos este principio é altamente prejudicial. Eu acredito mais na honestidade e patriotismo dos Ministros que dirigem a pasta da Marinha e Ultramar do que nas formulas convencionaes, que podem servir para encobrir actos illicitos, com o pretexto, muitas vezes supposto, de conservar e respeitar os bons principios.

Desculpo mais na administração ultramarina uma audacia e uma ousadia de que uma timidez.

O que ha de acontecer quando se applicarem as disposições do projecto?

Uma de duas: posta em hasta publica uma concessão, ou ha concorrentes, ou não ha; se não ha concorrentes, o concurso fica inutilizado, não tem vantagem nenhuma, não é senão uma formalidade que contribuo para o adiamento da organização de uma empresa que, aliás, se julga indispensavel constituir; se apparecem concorrentes, quem adquire os direitos a obter a concessão é quem mais dá e esse que mais dá pode, no momento, apresentar condições inteiramente prejudiciaes, inteiramente incompativeis com os legitimos interesses da nação portuguesa.