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N.º 55

Presidencia do exmo. sr. João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens

Secretarios - os dignos pares

Eduardo Montufar Barreiros
Visconde de Soares Franco

SUMMARIO

Approvação da acta da sessão antecedente. - Correspondencia. - O sr. presidente da camara participa que mandára desanojar o sr. lieis e Vasconcellos. - O sr. Vaz Preto deseja saber se vieram uns esclarecimentos que pedira, e dirige perguntas ao governo. - Resposta do sr. ministro do reino. - Falla de novo o sr. Vaz Preto, e dirige-se aos srs. ministros das obras publicas e reino. - Respondem estes srs. ministros. - Ordem do dia. - Approva-se em sessão secreta o parecer n.° 25 sobre uma convenção consular com os Paizes Baixos. - Em sessão publica começa a discussão do parecer n.° 20 sobre o projecto de lei relativo á construcção e exploração das linhas ferreas a Torres Vedras, Cintra e Merceana.- Usam da palavra os srs. Vaz Preto, presidente da camara, Henrique de Macedo, Costa Lobo e ministro das obras publicas, sobre uma questão previa apresentada pelo sr. Vaz Preto. - Na discussão propriamente do projecto fallam os srs. Larcher e Abreu e Sousa, que fica com a palavra reservada. - O sr. Ornellas apresentou um parecer da commissão sobre a concessão do mosteiro de Chellas.

Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 21 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio do ministerio da marinha, informando, para satisfazer o requerimento do digno par o sr. Vaz Preto, que, alem da portaria de 20 de janeiro ultimo, ácerca do serviço de pesca do atum, têem sido dados os seguintes despachos: 1.°, de 3 de fevereiro, para ficar em vigor a portaria de 28 de setembro de 1878, assim como todos os outros preceitos regulamentares estabelecidos posteriormente com o fim de conseguir a boa ordem na execução do serviço da pesca; 2.°, de 4 de marco, sobre um requerimento de Francisco de Paula de Sousa Leite Junior, e outros, pedindo que se declarasse que as portarias de 28 de dezembro de 1877 e 8 de março de 1878, de nenhum modo ficavam revogadas pela portaria de 20 de janeiro ultimo; 3.°, de 21 do corrente, para esclarecimento do chefe do departamento do sul.

Outro da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim fixar as epochas das audiencias geraes na comarca de Odemira.

Á commissão de legislação.

Outro da mesma procedencia, remettendo a proposição de lei que tem por fim determinar que no concelho de Lagoa, districto de Ponta Delgada, haja duas assembléas eleitoraes.

Á commissão de administração publica.

Outro da mesma procedencia, remettendo a proposição de lei que auctorisa o governo a permittir que a junta de parochia de S. Martinho do Conde acceite a doação de réis 35:000$000 em inscripções, feita á dita freguezia, pelo cidadão Manuel da Cunha Guimarães Ferreira.

Á commissão de administração publica.

Outro da mesma procedencia, enviando a proposição de lei que concede á camara municipal de Silves as muralhas que separam a povoação alta da parte baixa da cidade, para a construcção de repartições publicas.

AS commissões de administrado publica e de fazenda.

(Estiveram presentes os srs. ministros do reino, estrangeiros e obras publicas.)

O sr. Presidente: - Em conformidade com as praxes estabelecidas nesta casa, a mesa mandou desanojar o digno par do reino o sr. Reis e Vasconcellos, pelo fallecimento de uma pessoa de sua familia.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu desejava saber se estão sobre a mesa os documentos que pedi pelo ministerio do reino e obras publicas, e em seguida permitta-me v. exa. e a camara que manifeste o quanto folgo por ver aqui os srs. ministros, de quem já tinha muitas saudades.

Sinto, porém, que o sr. ministro das obras publicas só venha a esta camara, e pela primeira vez para tratar de negocios tão desgraçados, como é o do caminho de ferro de Torres.

Aproveitando a presença de s. exa. antes da ordem do dia, farei algumas considerações ácerca da construcção da ponte em Villa Velha, que o seu antecessor o sr. Saraiva de Carvalho tinha declarado ser de uma necessidade absoluta para a communicação do Alemtejo com a Beira Baixa, visto ella não ler caminho de ferro, quando esse caminho de ferro devia ser o primeiro a construir, se houvesse um plano bem estudado, e se os homens publicos olhassem com seriedade para estas questões, em vez de fazerem concessões como aquella que está dada para ordem do dia, porque de certo, se assim fizessem, a Beira Baixa não estaria privada d'elle, e o paiz tambem não estaria privado de tão util melhoramento, encarado debaixo de todos os pontos de vista, mesmo no caso de invasão.

Por isso, e para remediar de alguma maneira este desleixo, o sr. Saraiva de Carvalho tinha mandado construir a ponte sobre o Tejo, chegando-se a começar as obras; mas hontem passei por lá, não vi um unico trabalhador, e apenas soube que se tinham gasto 2:000$000 réis n'um barracão, e que se tinha dado a um favorecido do governo para uma expropriação que vale 12$000 réis, mas isto não é a questão.

O que eu desejo é saber qual a rasão por que não têem continuado as obras da ponte.

Tambem desejo que s. exa. me digam alguma cousa com relação aos documentos que pedi para poder realisar a minha interpellação com respeito ao saneamento da capital, e das aguas de Bellas.

Quando saí de Lisboa, ainda não haviam chegado á camara aquelles documentos, que reputa de grande necessidade para a poder verificar, logo que s. exas. se dêem por habilitados para responder a ella.

(O orador não reviu este discurso.)

0 sr. Ministro do Reino (Thomás Ribeiro): - Sr. presidente, julguei que tinham sido enviados á camara todos os documentos pedidos pelo digno par o sr. Vaz Preto.

Não tenho n'este momento presente quaes elles são, mas asseguro ao digno par, se acaso alguns faltarem, hão de ser remettidos á camara a fim de que s. exa. possa verificar a sua interpellação, para responder á qual me considero desde já habilitado, e creio que outro tanto succede ao meu collega o sr. ministro das obras publicas.

Podem o digno par e a camara ter a certeza de que o governo não tem de modo algum descurado a questão do

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saneamento da capital, e, quanto aos documentos que o digno par ainda não recebeu, repito, logo que eu saiba quaes são os que lhe faltam, immediatamente os remetterei.

O sr. Presidente: - Todos os documentos que têem sido remettidos, por parte do governo, a esta camara têem sido mandados aos dignos pares que os requereram. É possivel que aquelles que o digno par exige tivessem vindo na ultima sessão, e, como s. exa. não compareceu n'aquelle dia, é por isso que, provavelmente, não recebeu a respectiva communicação.

O sr. Vaz Preto: - Os esclarecimentos que eu requeri pelo ministerio do reino são a correspondencia trocada entre o governador civil de Lisboa e o ministerio ácerca do saneamento da capital; e uns documentos referindo-se á anarchia que reina no districto de Castello Branco, dando em resultado estar funccionando uma commissão executiva da junta geral do districto, intrusa, por ter sido nomeada por uma junta illegal.

Ha seis annos que não ha eleição de conselho de districto, porque as auctoridades administrativas superiores do districto, por tricas e sophismação do systema, a têem impedido.

Não obstante, e apesar de todo este conjuncto de illegalidades, que dão em resultado a anarchia que ali reina, o sr. ministro do reino nada tem feito, ou antes pela sua complacencia tem aggravado a situação.

O mal é grande e o remedio applicado pelo sr. ministro do reino tem sido o desleixo.

A respeito de todas estas faltas de legalidade é que eu annunciei ha, tempos uma interpellação ao sr. ministro do reino, e pedi documentos que ainda não vieram.

Os documentos que pedi pelo ministerio das obras publicas são as copias da correspondencia trocada entre o delegado do governo junto da companhia das aguas e o proprio governo, ácerca do cumprimento do contrato por parte d'aquella companhia: estes documentos apesar de os ter pedido ha mais de dois mezes ainda não vieram, como tambem me não chegaram os que pedi com referencia ao celeber-rimo contrato de Salamanca, e que provavelmente não virão, pois os actuaes ministros, que pediam quando opposição a publicidade, desde que se sentam n'aquellas cadeiras é a cousa que mais receiam.

Enganam-se, pois, os illustres ministros commigo.

Eu não levantarei mão d'estes assumptos, e hei de manter o meu direito como membro d'esta camara.

O sr. Ministro do Reino (Thomás Ribeiro): - Sr. presidente, não tenho respondido á nota de interpellação annunciada ha tempo pelo digno par o sr. Vaz Preto, com referencia aos acontecimentos de Castello Branco, porque, como s. exa. sabe, sobre este negocio corre um processo que se achava sujeito á consulta da procuradoria geral da corôa.

Tenho noticia que hoje chegaram ao ministerio a meu cargo os papeis relativos a este assumpto, e que completam os documentos a que o digno par se referiu.

É certo que ha annos não se tem nomeado conselho de districto para Castello Branco; mas espero que dentro em pouco ha de cessar este estado de cousas, porque vae reunir-se a junta geral do districto, e o governo ha de proceder conforme for de justiça.

(O orador não reviu os seus discursos.)

O sr. Ministro das Obras Publicas (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, o digno par, o sr. Vaz Preto, acaba de perguntar qual o motivo porque se achavam interrompidos os trabalhos de construcção da ponte de Vilha Velha de Rodam. Comquanto não tenha presente os documentos relativos a este negocio, e por isso não possa responder tão minuciosamente quanto desejaria o digno par, comtudo, direi que logo que o respectivo processo tenha seguido os seus tramites, e as forças do thesouro o permitiam, mandarei continuar os trabalhos da construcção d'aquella ponte, que tanto s. exa. como o governo, desejam ver concluida.

O digno par referiu-se tambem a uns documentos que pediu polo ministerio das obras publicas, com referencia á companhia das aguas; creio que foi a correspondencia havida entre o governo e o seu fiscal, junto d'aquella companhia.

Responderei que esses documentos se, porventura, ainda não vieram, hão de chegar brevemente a esta camara. Tenho-me esforçado, tanto quanto possivel, em mandar para ambas as casas do parlamento todos os documentos que me são pedidos; porém, são tantos os pedidos recebidos no meu ministerio que, ás vezes, a sua accumulação impede que se satisfaçam com a promptidão que eu muito desejaria, sob pena de prejudicar o serviço da secretaria, o que nem s. exa. de certo, nem eu, podemos querer.

Quanto á interpellação que o digno par annunciou ácerca do saneamento da capital, o meu digno collega, o sr. ministro do reino, já se declarou habilitado a responder, e eu, pela minha parte, faço a mesma declaração.

O digno par naturalmente sabe que o governo não tem descurado o saneamento da capital, e tanto que ultimamente exigiu da companhia das aguas, consoante o direito que lhe cabe, o cumprimento da clausula do contrato que obriga a mesma companhia a fornecer-lhe um terço das aguas que estão na posse da mesma companhia, a fim de ser destinada á limpeza dos canos, para assim occorrer a uma das condições da salubridade publica.

Não me lembro se o digno par se referiu a mais algum outro assumpto; se for necessario pedirei de novo a palavra.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu não quiz irrogar a mais leve censura ao sr. ministro das obras publicas. Surprehendeu-me bastante a declaração de s. exa. A primeira cousa que o sr. ministro tinha a fazer, era mandar-me os documentos que lhe pedi, porque os julgo de grande necessidade para realisar a minha interpellação. E o sr. ministro acaba de dizer exactamente a mesma cousa.

Tudo que ha feito relativamente ao saneamento da capital, deve-se ao sr. governador civil e não ao governo; e é por isso que eu pedi a correspondencia trocada entre o governo e aquelle magistrado, e lhe fiz aqui, ultimamente, um elogio, por elle ter feito com que a companhia cumprisse o seu dever.

Não vieram os documentos que pedi, e portanto, sobre este ponto, limito aqui as minhas reflexões.

Sr. presidente, o sr. ministro do reino desculpou a anarchia que existe no districto de Castello Branco, com a demora do parecer do procurador geral da corôa sobre o assumpto a que me referi. Effectivamente este systema é magnifico para responder a qualquer par ou deputado, quando pede a responsabilidade ao governo.

O sr. Thomás Ribeiro tem sido governador civil, e sabe quaes são os principios de administração que o codigo administrativo marca, e quaes as attribuições dos governadores civis. S. exa. é o mais responsavel.

O governador civil de Castello Branco não convocou a junta geral para o dia marcado, e depois convoca uma junta geral composta de membros que não lhes pertenciam exercer aquellas funcções. E que diz o governo? Que precisa consultar o procurador geral da corôa para saber se o governador civil andou irregularmente!!!

Isto prova, sr. presidente, que tudo está fóra dos seus eixos.

O que se não póde justificar é a continuação da anarchia que existe no districto de Castello Branco.

Venham os documentos, venha a resposta do illustre procurador geral da corôa, que estou persuadido ha fie ser uma censura ao procedimento do sr. ministro.

Deixemos, por agora esta questão, sr. presidente; eu não me quero exaltar.

Concluirei, portanto, pedindo ao sr. ministro das obras publicas que veja se verifica o que ha com relação á ponte em Villa Velha; sem a qual não se podem regularisar os

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transportes do correio, o que será de grande utilidade para aquellas provincias, porque, o que causa o transtorno, é não se poder atravessar o Tejo de noite, n'aquella localidade, e os mais prejudicados são o districto de Castello Branco e o de Portalegre.

(O orador não reviu o seu discurso.)

O sr. Ministro das Obras Publicas: - Sr. presidente, em boa paz seja dito, não sei como se possa extremar o procedimento do governo do procedimento dos seus agentes, quando a responsabilidade dos actos dos seus subordinados é a elle que compete.

O governador civil de Lisboa é um delegado do governo, e emquanto este, mantem a sua confiança no mesmo magistrado, não comprehendo como se póde elogiar os actos do sr. governador civil de Lisboa, para censurar o procedimento do governo.

Os factos são os seguintes: Um distincto ornamento da camara dos senhores deputados, sem intuitos politicos nem partidarios, chamou a attenção do governo sobre a necessidade de fazer passar para o dominio do mesmo governo, um terço das aguas que estavam na posse da companhia, e o governo tomou em toda a consideração, como devia, uma indicação, que aliás já estava nos seus intuitos.

É verdade, que sobre este assumpto foi solicito o governador civil de Lisboa, mas não foi menos solicito o governo, e eu, pela minha parte, desde logo conferenciei com o presidente da camara municipal de Lisboa, e de accordo com elle, tratei de regular praticamente esta questão. Para o mesmo fim tive tambem uma conferencia com o presidente da direcção da companhia das aguas, a fim de levar a effeito os desejos do governo, que são de todos nós. Com esta questão ninguem faz nem deve fazer politica.

Foi precisamente em vista das conferencias que houve que se póde chegar a um accordo, para pôr á disposição do governo um terço de todas as aguas, que estão na posse da companhia.

Por consequencia, asem querer de fórma alguma cercear os louvores que o digno par julgou dever dispensar á auctoridade administrativa, louvores com que o governo muito se compraz, permitta-me s. exa. que lhe diga, que o governo não foi menos solicito em empregar todos os meios ao seu alcance para levar a effeito uma medida que todos reconhecem utilissima.

sr. Presidente: - Já deu a hora em que se devia entrar na ordem do dia.

Passa-se á

ORDEM DO DIA

Leu-se na mesa o seguinte:

PARECER N.° 23

Senhores. - A vossa commissão de negocios externos conhecendo, pelo minucioso exame a que sujeitou a convenção consular assignada pelos plenipotenciarios de Portugal e dos Paizes Baixos em 1 de dezembro de 1880, que as disposições contidas n'este diploma são, com pequenas modificações, as mesmas que se acham exaradas na convenção consular com a Belgica, á qual acabaes de dar a vossa approvação:

É de parecer que deve ser approvado para subir á regia sancção o seguinte:

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção consular celebrada em 1 de dezembro de 1880 entre Portugal e os Paizes Baixos.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, 31 de marco de 1882.= Carlos Bento da Silva = Visconde de Chancelleiros = Francisco Joaquim da Costa e Silva = Conde de Rio Maior - A. de Ornellas.

Projecto de lei n.° 5

Artigo 1.° É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção consular celebrada em 1 de dezembro de 1880 entre Portugal e os Paizes Baixos.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 27 de fevereiro de 1882. = Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa, presidente = Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Augusto Cesar Ferreira de Mesquita, deputado secretario.

N.° 57-1

Renovo a iniciativa do projecto de lei approvando, para ser gratificado pelo poder executivo, a convenção consular concluida em 1 de dezembro de 1880 entre Portugal e os Paizes Baixos.

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 25 de janeiro de 1882. = A. de Serpa Pimentel.

N.° 27-C

Senhores. - Tenho a honra de vos apresentar a convenção consular concluida e assignada entre Portugal e os Paizes Baixos no 1.° de dezembro ultimo.

As disposições d'esta convenção são identicas ás que se acham consignadas nas convenções de igual natureza em vigor, entre Portugal e diversas nações.

No que toca á arrecadação das heranças dos subditos de um dos dois estados que fallecerem no outro, a convenção garante aos funccionarios consulares a intervenção nos limites necessarios para que elles possam acautelar e proteger os legitimos interesses dos herdeiros ausentes.

Por virtude das estipulações do artigo 14.° os funccionarios consulares têem a direcção exclusiva das operações de salvados, mas aos habitantes do paiz fica salvo o direito de recorrerem ás competentes auctoridades em todas as questões em que sejam interessados.

Espero, pois, que vos dignareis de conceder a vossa approvação a seguinte:

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção consular concluida entre Portugal e os Paizes Baixos no 1.° de dezembro de 1880.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 12 de fevereiro de 181. =
Anselmo José Braamcamp.

Sua Magestade o Rei de Portugal e dos Algarves e Sua Magestade o Rei dos Paizes Baixos, igualmente animados do desejo de determinar com precisão os direitos, privilegios e immunidades reciprocas dos agentes consulares respectivos, bem como as suas funcções, e as obrigações ás quaes estão sujeitos nos dois paizes, resolveram concluir uma convenção consular, e nomearam por seus plenipotenciarios, a saber:

Sua Magestade o Rei de Portugal e dos Algarves, o sr. Anselmo José Braamcamp, do conselho de Sua Magestade, e conselheiro d'estado, presidente do conselho de ministros e ministro e secretario d'estado dos negocios estrangeiros, deputado da nação portugueza, gran-cruz da ordem militar de Nosso Senhor Jesus Christo, gran-cruz da antiga e muito nobre ordem da Torre e Espada, e de outras ordens estrangeiras, etc., etc.;

Sua Magestade o Rei dos Paizes Baixos, o sr. Adriano Mazel, cavalleiro da ordem do Leão Neerlandez, official da ordem da Corôa de Carvalho de Luxemburgo, gran-cruz da ordem de Christo de Portugal, etc., seu ministro residente junto de Sua Magestade Fidelissima, etc.;

Os quaes, havendo trocado os seus respectivos plenos poderes, que acharam em boa e devida fórma, convieram nos artigos seguintes:

Artigo 1.° Cada uma das duas altas partes contratantes consente em admittir consules geraes, consules, vice-consules e agentes consulares da outra em todos os seus por-

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tos, cidades e localidades, com excepção d'aquelles sitios onde houver inconveniente em admittir taes agentes.

Esta reserva, todavia, não será applicada a uma das altas partes contratantes, sem o ser igualmente a quaesquer outras potencias.

Art. 2.° Os consules geraes, consules, vice-cousules e agentes consulares de cada uma das duas altas partes contratantes, antes de serem admittidos ao exercicio das suas funcções e de gosarem das immunidades que lhes são inherentes, deverão apresentar um diploma segundo a fórma adoptada no seu paiz e declarar a jurisdicção que lhes foi designada.

O governo territorial lhes passará gratuitamente o exeguatur necessario ao exercicio das suas funcções, e mediante a apresentação d'este documento, gosarão dos direitos, prerogativas e immunidades concedidos pela presente convenção.

O governo que concede o exequatur terá a faculdade de o retirar, indicando os motivos pelos quaes julga conveniente proceder d'este modo. Qualquer mudança na jurisdicção do titular será levada ao conhecimento d'este governo.

Art. 3.° Os consules geraes, consules, vice-consules, agentes consulares e alumnos-consules de cada, uma das duas altas partes contratantes gosarão reciprocamente nos estados da outra de todos os privilegios, isenções e immunidades, de que gosam ou gosarem de futuro os agentes da mesma categoria da nação mais favorecida. Quando forem cidadãos do estado que os nomeou, estarão isentos de aboletamentos militares, de todo o serviço, tanto no exercito regular de terra ou de mar, como na guarda nacional ou civica, ou milicia.

Nas mesmas circumstancias, e quando não exercerem commercio, nem industria alguma, estarão igualmente isentos do imposto pessoal, e de quaesquer outras contribuições publicas, recebidas por conta do estado, das provia das ou dos municipios, e que tenham um caracter directo eu pessoal, sem que esta immunidade só possa nunca estender aos direitos da alfandega, de accise ou de barreira, ou ás contribuições indirectas.

Fica entendido que as contribuições ás quaes qualquer d'estes agentes podesse estar sujeito em rasão de propriedades territoriaes que possua no paiz onde exerce as suas funcções, não estão comprehendidas na isenção acima mencionada.

Art. 4.° Quando a justiça de um dos dois paizes tiver de ouvir, como testemunha, um consul geral, consul, vice-consul ou agente consular da outra alta parte contratante, cidadão do estado que o nomeou, e que não exerça commercio nem industria alguma, convidal-o-ha por escripto a apresentar-se perante ella, e no caso de impedimento deverá pedir-lhe o seu testemunho por escripto, ou dirigir-se á sua residencia ou chancellaria para obter o seu depoimento de viva voz.

Para citar qualquer dos ditos agentes como testemunha perante a justiça do paiz onde reside, a parte interessada, se se tratar de uma questão civil, ou o accusado, se se tratar de mu processo crime, deverá dirigir-se ao juiz competente na causa, o qual convidará o agente, pela fórma determinada no § 1.° do presente artigo, a fazer o seu depoimento.

Os ditos agentes deverão satisfazer a este convite, sem que todavia possam ser constrangidos a fazel-o pelos meios ordinarios.

Art. 5.° Os consules geraes, consules, vice-consules e agentes consulares poderão collocar, por cima da porta exterior da sua chancellaria, ou da sua residencia um escudo com as armas da sua nação, com uma inscripção contendo estas palavras: "Consulado geral, consulado, vice-consulado ou agencia consular de Portugal ou dos Faixes Baixos", Poderão tambem arvorar no consulado ou residencia a bandeira da sua nação.

Art. 6.° Os archivos consulares serão em todo o tempo inviolaveis, e as auctoridades locaes não poderão, sob pretexto algum, revistar ou apoderarem-se dos papeis que fazem parte d'esses archivos. Estes papeis deverão estar sempre completamente separados dos livros ou papeis relativos ao commercio ou á industria que exercerem os respectivos funccionarios consulares.

Art. 7.° Em caso de impedimento, de ausencia ou de fallecimento dos consules geraes, consules, vice-consules e agentes consulares, os seus alumnos-consules, chancelleres ou secretarios, serão de pleno direito admittidos a gerir interinamente os negocios do consulado, depois de haver sido notificado o seu caracter official no ministerio dos negocios estrangeiros em Lisboa, ou na Haya, e gosarão, emquanto durar a sua gerencia temporaria, de todos os direitos, privilegios e immunidades concedidos aos titulares, uma vez que o permitia a sua posição como estrangeiros não commerciantes, na conformidade do artigo 3.°

Art. 8.° Os cônsules geraes e consules devidamente auctorisados pelos seus governos poderão nomear vice-consules e agentes consulares nas cidades, portos e localidades comprehendidos na sua circumscripção.

Esses agentes poderão ser escolhidos indistinctamente entre os portuguezes, os neerlandezes ou os cidadãos de outros paizes. Serão providos de um diploma regular, e depois de haverem obtido o exequatur gosarão dos privilegios estipulados n'esta convenção a favor dos agentes do serviço consular, salvo as distincções estabelecidas no artigo 3.°

Art. 9.° Os cônsules geraes, consules, vice-consules e agentes consulares das duas altas partes contratantes terão o direito de se dirigirem ás auctoridades do paiz, da provincia ou do municipio, em toda a extensão da sua circumscripção consular, para reclamarem contra qualquer infracção dos tratados ou convenções existentes entre Portugal e os Paizes Baixos, e para protegerem os direitos e os interesses dos seus nacionaes.

Se as suas reclamações não forem attendidas por essas auctoridades, poderão, na falta de um agente diplomatico do seu paiz, recorrer ao governo do estado em que residem.

Art. 10.° Os consules geraes, consules, vice-consules e agentes consulares terão o direito de receberem nas suas chancellarias, na sua residencia privada, na residencia das partes ou a bordo dos navios, as declarações dos capitães e tripulações dos navios do seu paiz, dos passageiros que se acham a bordo, e de qualquer outro cidadão da sua nação.

Poderão traduzir e legalisar toda a especie de actos e de documentos, emanados das auctoridades ou funccionarios do seu paiz, e essas traducções, devidamente legalisadas pelos consules geraes, consules, vice-consules ou agentes consulares, e munidas do seu sêllo official, terão a mesma força e valor do que se fossem feitas pelos interpretes ajuramentados do paiz.

Art. 11.° Os consules geraes, consules, vice-consules e agentes consulares respectivos serão, a requerimento do capitão ou do official que o substituo, exclusivamente encarregados da ordem interior a bordo dos navios de commercio da sua nação.

Só elles tomarão conhecimento de todas as questões que se houverem suscitado no mar ou que se suscitarem nos portos entre o capitão, os officiaes e os homens da equipagem, comando-se entre essas questões as que dizem respeito ao ajuste dos salarios, e á execução dos contratos reciprocamente consentidos. Os tribunaes ou outras auctoridades do paiz não poderão por titulo algum envolver-se n'essas questões, excepto quando ellas forem de natureza tal que perturbem a tranquillidade e a ordem publica em terra ou no porto, e quando pessoas estranhas á tripulação se acharem n'ellas envolvida.

Art. 12.º Os consules geraes, consules, vice-consules e agentes coagulares dos dois paizes poderão respectivamente

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fazer prender e mandar, quer para bordo quer para o seu paiz, os officiaes, marinheiros ou outras pessoas pertencentes á tripulação de um navio de guerra ou navio mercante da sua nação que desertassem nalgum dos portos da outra.

Para este fim dirigir-se-hao por escripto ás auctoridades locaes competentes, e justificarão, pela exhibição no original ou em copia authentica dos registos do navio ou do rol de equipagem ou por outros documentos officiaes, que os individuos que elles reclamam faziam parto da dita tripulação.

Em vista d'esse pedido, assim justificado, ser-lhes-ha dado todo o auxilio para a pesquiza e prisão dos ditos desertores, que poderão ser detidos e guardados nas casas de detenção do paiz a requisição e á custa dos consules geraes, consules, vice-consules e outros agentes consulares, até que esses agentes encontrem occasião de fazer partir os desertores.

Se, porém, essa occasião não se offerecer no praso de tres mezes a contar do dia da prisão, os desertores serão postos em liberdade, e não poderão tornar a ser presos pela mesma causa.

Fica entendido que os marinheiros subditos de outra parte serão exceptuados da presente disposição. Se o desertor cominei ter algum delicio, não será posto á disposição do consul senão depois do tribunal competente proferir a sua sentença e d'esta haver tido execução.

Art. 13.° Não havendo estipulações contrarias entre os armadores, carregadores e seguradores, todas as avarias soffridas no mar pelos navios dos dois paizes, quer estes navios entrem voluntariamente no porto, quer entrem em arribada forçada, serão reguladas pelos consules geraes, consules, vice-cousules ou agentes consulares dos paizes respectivos.

Se, porém, habitantes do paiz ou subditos ou cidadãos de uma terceira nação se acharem interessados nas ditas avarias, e as partes não se poderem entender amigavelmente, o recurso ás auctoridades competentes do paiz será de direito.

Art. 14.° Todas as operações relativas ao salvamento dos navios portuguezes naufragados nas costas dos Paizes Baixos serão dirigidas pelos consules geraes, consules, vice-consules e agentes consulares de Portugal e reciprocamente os consules geraes, consules, vice-consules e agentes consulares dos Paizes Baixos dirigirão as operações relativas ao salvamento dos navios da sua nação naufragados ou encalhados nas costas de Portugal. Os habitantes do paiz que se acharem interessados nos objectos salvados podem recorrer ás auctoridades competentes do paiz em todas as questões concernentes á reivindicação, entrega ou venda dos ditos objectos, á liquidação ou ao desconto proporcional do frete, e ás despezas do salvamento e da conservação d'estes objectos.

A intervenção das auctoridades locaes realisar-se-ha nos dois paizes sómente para manter a ordem, garantir os interesses dos salvadores, se forem estranhos ás tripulações naufragadas, e assegurar a execução das disposições que cumpre observar na entrada e saída das mercadorias salvas. Na ausencia e até á chegada dos consules geraes, consules, vice-consules ou agentes consulares, as auctoridades locaes deverão porém tomar todas as medidas necessarias para a protecção dos individuos e conservação dos objectos naufragados.

Fica alem d'isso ajustado que as mercadorias salvas não estarão sujeitas a direito algum de alfandega, excepto se forem admittidas para consumo interior.

Art. 15.° Os consules geraes, consules, vice-consules e agentes consulares terão o direito de receberem, em conformidade com as leis e regulamentos do seu paiz, os actos de nascimento, casamento e obito de seus nacionaes. As copias d'estes actos, devidamente legalisadas por algum d'esses funccionarios, e munidas do seu sêllo official, farão fé em juizo perante os tribunaes de Portugal e dos Paizes Baixos. Fica bem entendido que os funccionarios supracitados não teem qualidade para casarem legitimamente uma pessoa que pertença pela sua nacionalidade ao estado onde elles residem.

Art. 16.° No caso de fallecimento de um subdito de uma das altas partes contratantes no territorio da outra, quer elle estivesse estabelecido no paiz, quer estivesse simplesmente de passagem, as auctoridades locaes deverão immediatamente avisar o consul geral, consul, vice-consul ou agente consular mais proximo. Estes, pela sua parte, deverão avisar, do mesmo modo, as auctoridades locaes, quando forem primeiro informados.

Se os interessados na successão não estiverem representados no proprio logar por um herdeiro conhecido, e era plena posse dos seus direitos civis, ou de qualquer outra maneira legal, os ditos empregados consulares terão, até ao cumprimento d'esta formalidade, o direito de fazer para a conservação e administração da herança todos os actos que a lei do paiz onde residem permitte aos executores testamentarios, ou áquelles que representam a successão, e designadamente por e levantar os sêllos, formar o inventario, administrar e liquidar a herança, n'uma palavra, tomar todas as medidas necessarias á salvaguarda dos interesses dos herdeiros, salvo o caso em que se originassem contestações, as quaes deverão ser decididas pelos tribunaes do paiz onde á successão for aberta.

Fica entendido, que neste caso e em todas as questões a que der origem a abertura, a administração e a liquidação das heranças dos nacionaes de um dos dois paizes no outro, os consules geraes, consules, vice-consules e agentes consulares respectivos representarão de pleno direito os herdeiros da mesma nacionalidade que estiverem ausentes ou forem menores ou incapazes, ou que não possam defender os seus interesses por si mesmo ou por representantes especiaes.

Poderão, por conseguinte, apresentar-se, quer pessoalmente, quer por meio de delegados escolhidos para este fim, perante as auctoridades competentes do paiz para avocarem a si os interesses dos ditos herdeiros, ausentes, menores ou incapazes.

Art. 17.° A presente convenção não é applicavel ás colonias. Será ratificada logo que for possivel, e não será executoria senão vinte dias depois da sua promulgação, segundo as fórmas prescriptas pelas leis dos dois paizes.

Estará em vigor, até que finde um anno a contar do dia em que uma ou outra das duas altas partes contratantes a tiver denunciado.

Em fé do que os plenipotenciarios respectivos a assignaram e lhe pozeram o sêllo de suas armas.

Feita em duplicado em Lisboa, no 1.° do mez de dezembro do anno da graça de 1880.

(L. S.) = Anselmo José Braamcamp.

(L. S.) = J.. Mazel.

Está conforme. - Direcção dos consulados e dos negocios commerciaes, em 12 de fevereiro de 1881. = Duarte Gustavo Nogueira Soares.

O sr. Presidente: - A camara, para bem do estado, vae constituir-se em sessão secreta.

Eram duas horas e quarenta e cinco mirtos. - Reabriu-se a sessão ás duas horas e cincoenta e cinco minutos.

O sr. Presidente: - Continua a sessão publica. O parecer n.° 25 foi approvado por unanimidade, estando presentes 45 dignos pares.

Passa-se á discussão do parecer n.° 26.

Leu-se na mesa o seguinte:

PARECER N.° 26

Senhores.- As commissões reunidas de fazenda, guerra e obras publicas examinaram detidamente o projecto de lei n.° 13, vindo da camara dos senhores deputados, que

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approva o contrato provisorio celebrado entre o governo e a firma Henry Burnay & C.a, em 7 de maio de 1881, para a construcção e exploração de uma linha ferrea de Lisboa a Torres Vedras, com dois ramaes, sendo um para Cintra e outro para a Merceana, e as bases para que o governo contrate directamente com a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes uma linha ferrea que, partindo de Torres Vedras, siga para o norte, passando pelas Caldas da Rainha, S. Martinho do Porto, Marinha Grande e Leiria, ou se approxime d'estas povoações, e, seguindo parallelamente á linha do norte, se bifurque n'um ponto conveniente, ligando-se na Figueira com a linha da Beira Alta e nas immediações de Alfarellos com a linha que segue para o Porto.

Seria ocioso enumerar aqui as vantagens que, da construcção dos caminhos de ferro, derivam para um paiz ou para uma dada região. E sem recorrermos aos dados curiosos, e alguns verdadeiramente extraordinarios, que nos apontam os economistas e que representam verdadeiras transformações na vida economica das regiões que vão sendo successivamente sulcadas por esses poderosos agentes civilisadores - os caminhos de ferro, temos no paiz, já bem palpaveis, os effeitos assombrosos, que, no desenvolvimento da riqueza publica e do bem estar geral, tem produzido a nossa tão incompleta rede de viação accelerada.

Quantas povoações engrandecidas, que superficie enorme de terrenos arroteados e conquistados para a cultura, que vastissimas plantações de vinhas, etc., têem surgido em differentes regiões do paiz, tudo devido á construcção de uns 1:200 kilometros apenas de vias ferreas, o que representa uma proporção bastante reduzida entre o numero de kilometros de via e o numero de kilometros quadrados de superficie territorial e o que nos colloca relativamente a essa proporção em decimo primeiro logar, a respeito dos outros estados da Europa!

A região de que se trata bem merece o auxilio que lhe ha de proporcionar a construcção de uma rede de linhas ferreas, tal como aquella de que se occupa o projecto, e essa rede tem a vantagem de ramificar-se por fórma a ir procurar, a centros muito productivos, as riquezas a que o consumo do paiz e a exportação dão cada vez mais prompta saída.

Com effeito, n'esta zona, que vae ser servida pelos novos caminhos de ferro, estão accumuladas regiões muito interessantes e notaveis pelas suas producções caracteristicas, ou por outras circumstancias dignas de attenção, regiões que só esperam, para se desenvolver, que os transportes se facilitem e barateiem.

Cintra, Torres Vedras, Merceana, Caldas da Rainha, S. Martinho do Porto, Leiria e Figueira são povoações importantes, centros de extensa producção agricola, e contendo essa zona alguns nucleos de industrias que a locomotiva, facilitando os transportes, ha de fazer fomentar e desenvolver em proveito das proprias localidades e do movimento commercial do paiz.

E para que não se pense que esta asserção seja uma declamação sem fundamento, basta consignar aqui que as tres regiões vinhateiras de Collares, Merceana e Torres têem uma producção que não póde reputar-se inferior a 400:000 hectolitros de, vinho, ou, approximadamente, 10 por cento da nossa producção total no continente. E outras producções poderiam ser aqui apontadas e que só aguardam a acção da viação accelerada para se apresentarem com vantagem nos mercados onde o seu accesso é boje difficil, ou mesmo impossivel.

Pelo contrato consegue-se para a cidade de Lisboa a construcção de uma outra estação de primeira ordem (em Alcantara) que attrahia o grande movimento que as novas linhas hão de necessariamente trazer, melhoramento este de incontestavel vantagem, e mal poderia conceber-se a possibilidade de fazer convergir o movimento novo á antiga estação (no lado oriental da cidade) quando a capacidade d'esta é apenas sufficiente para o movimento actual.

Uma parte da via ferrea de Alcantara a Torres ficará formando uma secção da futura linha de cintura.

O ramal de Cintra satisfaz a uma antiga aspiração, cuja realisação tem sido tantas vezes tentada e outras tantas vezes frustrada. Facilitar as communicações com aquella aprazivel e saluberrima localidade é acrescentar um importante factor á formula tão complexa, cuja resolução se traduz no melhoramento das condições hygienicas dos habitantes da capital.

Não é este apenas um caminho de ferro de recreio, como muitos pensam, mas sim uma via, que ha de animar poderosamente o desenvolvimento de certos ramos da industria agricola e de uma industria extractiva: a das pedreiras, que actualmente abastecem a cidade, e dos ricos jazigos de marmore existentes nas faldas da serra de Cintra, cujos productos só aguardam meios faceis de transporte para entrarem na circulação commercial.

O ramal da Merceana vae tambem penetrar no coração da interessante região vinhateira de Alemquer, que, a par de um largo desenvolvimento cultural, tem nos ultimos annos demonstrado praticamente os beneficios de uma vantajosa associação do capital e do trabalho, estabelecendo a parceria em larga escala na plantação e no tratamento das vinhas.

A tão desejada ligação directa da cidade de Coimbra com o porto da Figueira, que não poderá obter-se quando foi largamente debatido o traçado do caminho de ferro da Beira Alta, é agora, finalmente, satisfeita pelo projecto actual.

Acceita a idéa da construcção das novas linhas resta só analysar as condições financeiras em que este melhoramento vae ser obtido.

Para a analyse do contrato devemos considerar as linhas divididas em dois grupos:

1.° - O que comprehende o caminho de ferro de Alcantara a Torres com os ramaes de Cintra e da Merceana, na extensão de 84 kilometros, concedido á firma Henry Burnay & C.a, é construido sem auxilio pecuniario da parto do estado;

2.°- O grupo, cuja construcção foi contratada com a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, e que comprehende as linhas que de Torres se dirigem á Figueira e Alfarellos, medindo proximamente 169 kilometros, é construido, mediante uma garantia de juro de 2 por cento, que se annullará quando o rendimento liquido das linhas attingir 5 por cento.

Não se deve suppor exagerado o computo de 2:000$000 réis de rendimento kilometrico inicial. Tomando por base este rendimento e formando uma progressão arithmetica crescente em que a rasão seja de 2,5 por cento, no fim de dez annos terá cessado para o estado o encargo contraindo.

Como base para a fixação da garantia de juro de 2 por cento, é limitado no contrato o preço de cada kilometro no maximo de 30:000$000 réis.

Só no anno economico de 1886-1887 começará a pesar no orçamento do estado, o encargo total da subvenção.

O caminho de ferro americano entre S. Martinho e a Marinha Grande, actualmente explorado por conta do estado, é entregue á companhia real dos caminhos de ferro, no valor de 100:000$000 réis, que serão pagos por encontro nas quantias que houverem de ser satisfeitas á companhia.

Ao mesmo tempo que for augmentando o rendimento liquido das linhas subsidiadas, de que resulta o correspondente decrescimento dos encargos do estado, serão estes sensivelmente attenuados pelo augmento progressivo do imposto de transito, e ainda pela economia annual de réis 4:000$000, déficit annual medio da exploração do caminho americano da Marinha Grande.

A questão do traçado, encarada debaixo do ponto de vista estrategico, não é desprezada, porque na base 3.ª, para o governo contratar com a companhia real dos cami-

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nhos de ferro, está consignada a idéa de que os projectos não serão approvados sem que sobre elles seja ouvido previamente o ministerio da guerra.

Em vista das considerações expostas, e de muitas outras de ordem economica que nos abstemos de acrescentar para não tornar mais longo este parecer, as commissões reunidas de fazenda, guerra e obras publicas, são de opinião que o projecto de lei n.° 13, seja approvado.

Sala das sessões das commissões reunidas de fazenda, guerra e obras publicas, 31 de março de 1882. = Antonio Rodrigues Sampaio = Barros e Sá = Placido de Abreu = Antonio Florencio de Sousa Pinto = D. Luiz da camara Leme (com declarações) = Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel = Visconde de Uivar == Francisco Joaquim da Costa e Silva = Marguez de Ficalho (com declarações) = Augusto Xavier Palmeirim (com declarações) = Jayme Larcher (com declarações) = Visconde de S. Januario (vencido) = João Chrysostomo de Abreu e Sousa (vencido) = José Joaquim de Castro (vencido) = Antonio Augusto de Aguiar (vencido) = Fortunato José Barreiros = Francisco Simões Margiochi, relator.

Projecto de lei n.° 13

Artigo l.°- É approvado, na parte que depende de sanação legislativa, o contrato provisorio celebrado entre o governo e a firma Henry Burnay & C.a, em 7 de maio de 1881, para a construcção e exploração de uma linha ferrea de Lisboa a Cintra e a Torres Vedras, devendo ficar expresso no contrato definitivo: que na falta de accordo entre o governo e a empreza, que se organisar quanto ás tarifas que devem vigorar nas linhas de Lisboa a Torres Vedras, serão applicadas n'essa linha as tarifas approvadas pelo governo que estiverem em vigor nas linhas do norte e leste.

§ unico. Approvado o contrato a que se refere este artigo, a firma Henry Burnay á C.a, ou a empreza que esta organisar, obriga-se a construir e a explorar á sua custa e risco, nos termos do artigo 2.°, § 1.°, n.° 1.°, do decreto com força de lei de 31 de dezembro de 1864, e segundo as condições d'aquelle contrato, um ramal que, partindo do ponto da linha de Torres Vedras, que for julgado mais conveniente,, e passando pelas immediações de Runa, termine nas proximidades da Merceana, devendo este ramal estar aberto á exploração publica dentro de um anno, a contar do praso em que deve findar a construcção da linha de Lisboa a Torres Vedras.

Art. 2.° É o governo auctorisado a contratar com a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, nos termos das bases que formam parte integrante d'esta lei, a construcção e exploração de uma linha ferrea que, partindo de Torres Vedras, em prolongamento da linha projectada de Lisboa a Torres Vedras, a que se refere o contrato provisorio de 7 de maio de 1881, passe por Caldas da Rainha, S. Martinho do Porto, Marinha Grande e Leiria, ou se approxime quanto possivel, destas povoações; e, seguindo uma direcção parallela á linha do norte, se bifurque no ponto que for julgado mais conveniente, a fim de se ligar na Figueira com a linha da Beira Alta, e nas immediações de Alfarellos com a do norte.

§ 1.° No caso de reclamação feita pela companhia dos caminhos de ferro da Beira Alta perante o juizo arbitral, a auctorisação a que se refere este artigo não será levada a effeito sem que essa reclamação tenha sido julgada improcedente, e quando seja julgada procedente não terá por isso o governo de dar indemnisação alguma á companhia real dos caminhos de ferro portuguezes.

§ 2.° Logo que for promulgada esta lei, fica sem effeito o contrato provisorio celebrado em 12 de janeiro de 1880 entre o governo e a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, para a construcção de uma linha ferrea de Lisboa a Pombal por Torres Vedras.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 22 de março de l8S2.= Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa, presidente = Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Augusto Cesar Ferreira de Mesquita deputado secretario.

Bases da auctorisação concedida ao governo para contratar com a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes uma linha ferrea de Torres Vedras á Figueira da Foz, e a Coimbra por Alfarellos

1.° A exploração será concedida pelo espaço de noventa e nove annos, a contar da data da assignatura do contrato definitivo.

2.° A linha ferrea será construida e explorada com todas as clausulas e condições, que foram estipuladas para as linhas ferreas do norte e leste, no contrato de 14 de setembro de 1859, approvado pela lei de õ de maio de 1860, e no contrato addicional de 20 de dezembro de 1860, celebrado em virtude da auctorisação concedida ao governo pela citada lei, clausulas e condições que farão parte do contrato, que houver de se assignar, como se n'elle fossem inseridas, exceptuando-se apenas as que são expressamente modificadas n'estas bases.

a) A linha ferrea será construida com leito e obras de arte para uma só via, á excepção das estações, em que haverá as necessarias vias, de resguardo e as de serviço.

b) O maximo dos declives deverá ser em regra geral de l5 millimetros por metro, mas excepcionalmente poderá subir a 18 millimetros. Os raios das curvas de concordancia terão o minimo de 350 metros, mas excepcionalmente poderão ter 300; nas vias de resguardo e de serviço terão 200 metros.

) Os carris serão de aço com o peso minimo de 30 kilogrammas por metro corrente.

d) A companhia effectuará na estacão de Torres Vedras as ampliações e melhoramentos, que venham a ser reclamados pelo maior desenvolvimento que ao serviço resultar da exploração da linha com ella contratada.

3.° Os estudos e todos os trabalhos technicos do traçado e das obras de arte d'esta linha serão feitos pela companhia concessionaria, e submettidos á approvação do governo no praso de um anno, a contar da data da assignatura do contrato. Os projectos não serão approvados sem que sobre elles seja ouvido previamente o ministerio da guerra.

4.° A construcção d'esta linha ferrea começará dentro do praso de sessenta dias, a contar da data da approvação dos projectos pelo governo, devendo estar concluidas todas as obras e a linha ferrea em estado de exploração com todo o seu material fixo e circulante e dependencias dentro do praso de tres annos, a contar da mesma data.

5.° Se a companhia não apresentar os estudos ou não começar os trabalhos nos prasos fixados, perderá o deposito que tiver effectuado.

6.° Se dentro do praso fixado para a conclusão das obras ellas não estiverem terminadas, e a linha ferrea em estado de exploração com todo o seu material fixo e circulante, a companhia concessionaria pagará por cada mez de demora uma multa, que não poderá exceder a réis 4:000$000, e cuja importancia será fixada pelo governo, ouvido o engenheiro encarregado da fiscalisação dos trabalhos e a junta consultiva de obras publicas e minas.

a) Exceptuar-se-hão os casos de força maior devidamente comprovados.

7.° O governo garantirá á companhia o complemento do rendimento annual liquido até 5 por cento, em relação ao custo kilometrico da linha, comprehendendo o juro e a amortisação do capital, não podendo, porém, o desembolso effectivo do estado exceder a 2 por cento do mesmo custo. Para os effeitos d'esta garantia o custo do kilometro construido não será computado em mais de 30:000$000 réis.

a) Quando o rendimento bruto da linha, excluido o im-

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posto de transito, seja superior a 2:500$000 réis por anno e por kilometro, as despezas de exploração para os effeitos do computo da garantia serão sempre calculadas em 40 por cento d'esse producto bruto.

b} Quando o rendimento bruto, excluido o imposto de transito, for inferior a 2:500$000 réis por anno e por kilometro, as despezas de exploração serão calculadas em 40 por cento d'essa quantia de 2:500$000 réis por kilometro e por anno, para os effeitos do computo de garantia.

c) A garantia de juro será liquidada e as sommas correspondentes pagas no fim de cada semestre.

d) A companhia só terá direito á garantia de juro em relação ás secções approvadas e abertas á exploração publica, desde o começo da mesma exploração. Para este effeito não poderá a linha ser dividida em mais de tres secções, a saber:

I. De Torres Vedras a S. Martinho do Porto;

II. De S. Martinho do Porto a Leiria;

III. De Leiria á Figueira e á linha do norte.

8.° Logo que o producto liquido da linha exceder a 5 por cento ao anno, metade do excesso pertencerá ao estado, até completo reembolso das sommas pagas pelo governo, em virtude da garantia de juro de que trata a condição 7.ª, bem como dos juros d'essas sommas, na rasão de 5 por cento ao anno.

a) Á companhia ficará salvo o direito de reembolsar o estado das quantias que elle tiver adiantado, em virtude da garantia de juro e amortisação de que trata a condição 7.ª, podendo usar d'esse direito na epocha ou epochas que julgar conveniente.

9.° O governo poderá estabelecer todos os meios que julgar convenientes para verificar as receitas provenientes da exploração d'este caminho e as despezas respectivas, publicará e ordenará os regulamentos que para esse fim julgar necessarios, e a companhia ficará obrigada a patentear para o mesmo fim toda a sua escripturação e correspondencia.

10.° Emquanto durar a garantia de juro, a que se refere a condição 7.ª, decretará o governo as tarifas para regular os preços da conducção de passageiros, gados e mercadorias, não podendo, comtudo, esses preços ser inferiores aos das tarifas actualmente em vigor nas linhas do norte e leste, excepto para as madeiras do pinhal nacional de Leiria.

a) Ficarão prohibidos os contratos particulares destinados a reduzir os preços das tarifas. Exceptuam-se d'esta disposição os transportes que dizem respeito aos serviços do estado e ás concessões feitas a indigentes.

b) Nenhuma alteração de tarifas com augmento ou reducção de preços, nenhuma alteração de horarios ou modificação das condições de serviço poderá ser annunciada ao publico, pela imprensa, nas estacões ou por qualquer outra fórma, antes de ter obtido a approvação do governo.

c) Logo que o governo estiver embolsado das quantias que tiver adiantado, em virtude da garantia de juro e amortisação de que trata a condição 7.ª, e dos juros correspondentes a essas quantias, applicar-se-hão a esta linha as tarifas que vigorarem nas linhas de leste e norte, com todas as suas clausulas e condições, salvas as restricções que n'estas bases ficam estabelecidas em relação aos contratos particulares, ás concessões feitas a indigentes e ás constantes da condição 13.ª

11.° O governo entregará á companhia real dos caminhos de ferro portuguezes o caminho de ferro americano de S. Martinho do Porto á Marinha Grande, com todos os seus pertences, recebendo em compensação 100:000$000 réis, que lhe serão pagos por encontro nas quantias que houver de satisfazer á companhia, em virtude da garantia de juro e amortisação estipulada na condição 7.ª

a) A companhia ficará todavia obrigada a continuar a exploração d'esse caminho, até que esteja aberta ao transito publico a parte correspondente da secção de S. Martinho do Porto a Leiria, podendo aproveitar para as obras que tem de effectuar: os aterros, as obras de arte, os edificios existentes no todo ou em parte, como for mais conveniente, sem que se interrompa a circulação.

12.° O contrato definitivo que, por virtude da auctorisação concedida pela lei, houver de se fazer entro o governo e a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, não poderá ser assignado, sem que esta tenha previamente depositado na caixa geral dos depositos, á ordem do governo, a quantia de 200:000$000 réis em dinheiro, ou em titulos de divida publica portugueza, pelo seu valor no mercado, que servirão de garantia á execução do mesmo contrato.

a} Sc o deposito for feito em titulos, receberá a companhia os seus juros, emquanto elle durar.

b] Para o levantamento do deposito, seguir-se-hão as regras estabelecidas no artigo 60.° do contrato de 14 de setembro de 1859.

]3.° Durante o tempo da exploração pela companhia, terá o estado direito, alem dos serviços gratuitos estabelecidos na lei de 7 de julho de 1880, ao transporte por metade dos preços das tarifas geraes, da tropa e material de guerra que careca de conduzir por este caminho.

14.° O governo auctorisará as modificações nos estatutos da companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, que forem necessarias para o cumprimento do contrato que se celebrar em virtude da auctorisação concedida pela respectiva lei.

15.° Dentro de um mez, a contar da publicação da respectiva lei no Diario do governo, deverá ser assignado o contrato definitivo nos termos indicados n'estas bases.

Palacio das côrtes, em 22 de março de 1882. = Luiz Frederico do Bivar Gomes da Costa, presidente = Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Augusto Cesar Ferreira de Mesquita, deputado secretario.

O sr. Presidente: - Vou ler a inscripção dos dignos pares. Se s. exas. tiverem alguma duvida com relação á ordem e classificação com que foram inscriptos, terão a bondado de o dizer.

(Leu.}

Tem a palavra o digno par o sr. Vaz Preto.

O sr. Vaz Preto: - Eu pedi a palavra para propor uma questão previa, que deve ser resolvida antes de se entrar na discussão do projecto.

Desejo que a camara resolva se se deve entrar na discussão d'este projecto antes de haver a decisão do tribunal arbitrai a que foi sujeita a reclamação da companhia do caminho de ferro da Beira Alta.

Em entendo que desde o momento em que esta questão está affecta a um tribunal não é licito a esta camara entrar na discussão da mesma questão, porque póde de um dia para o outro haver uma decisão d'esse tribunal que inutilise toda a discussão d'esta camara.

O fundamento que tenho para apresentar esta proposta apoia-se, não na minha opinião pessoal, que não vale nada, mas na opinião de v. exa., sr. presidente, como jurisconsulto, opinião muito auctorisada, e que não póde ser suspeita para o governo.

N'uma consulta assignada por v. exa. diz-se que, estando sujeitas questões d'esta natureza a um tribuna! arbitral, o poder legislativo não deve tratar d'ellas em quanto não estiverem resolvidas por esse tribunal.

O meu fim não é senão pedir á camara que acompanho v. exa. na sua opinião, porque me parece que não temos utilidade alguma em fazer discussões estereis, quando temos negocios importantes a tratar que têem mais relação com os interesses do paiz, porque se referem á questão do fazenda, áquellas que têem por fim resolver o problema de acabar com o deficit.

Algumas d'essas propostas financeiras estão já affectas

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a esta camara, e outras já foram votadas pela camara dos senhores deputados.

Eu creio que estas propostas devem preferir a quaesquer outras que augmentem a despesa, e que não devem ser preteridas, a fim de poderem ser discutidas largamente e soffrerem as modificações necessarias no intuito de aggravar o menos possivel o contribuinte, e ao mesmo tempo darem os resultados que se têem em vista.

Assim, pois, não me parece que haja vantagem alguma em discutir este projecto para deixarmos de tratar d'aquelles a que me referi. Isto não traria nenhum inconveniente, antes pelo contrario, daria aos srs. ministros tempo bastante para poderem pensar maduramente, e voltar ás idéas sensatas, rasoaveis, aos bons principies que s. exas. sustentaram aqui e na outra casa do parlamento.

Mas dizia eu que não nos deviamos occupar d'esta questão antes de ser resolvida pelo tribunal arbitral, e fundava-me para isto numa consulta de v. exa. a respeito d'este mesmo caminho de ferro, em occasião differente,. mas em circumstancias identicas.

A consulta de v. exa. não foi quando estava no governo o sr. Saraiva de Carvalho, mas quando era ministro das obras publicas o sr. Cardoso Avelino, o qual pretendeu fazer a concessão deste caminho de ferro, sendo de via reduzida, a uns cidadãos.

Consultado sobre o assumpto, respondeu v. exa. o seguinte:

"Aberto o concurso, a companhia do norte e leste, se entender offendido o seu contrato, representará ao governo, e este n'esse caso, tratará primeiro esse assumpto pelos meios legaes.

"Assim, nem se privará, sem fundamento, um rico paiz do melhoramento que lhe é urgente; nem o estado se verá compromettido n'uma concessão que possa ser considerada illegal; e se a companhia não se oppozer dentro do praso do concurso, não creio que com vantagem o possa fazer depois.

"Resumindo quanto deixo exposto, entendo:

"1.° Que a disposição do artigo 34.° do contrato de 14 de setembro de 1859 não se oppõe a que o governo conceda as linhas ferreas pedidas com estacões nos pontos intermediarios;

"2.° Que, podendo, todavia, essa concessão dar logar a reclamação da companhia do caminho de ferro do norte e leste, é mister que esse ponto se resolva antes que qualquer das concessões seja feita, convindo por isso que sobre a concessão se abra concurso."

Aqui sustentava v. exa. dois principios de bom senso, dois principios justos, e que tambem foram sustentados pelo actual sr. ministro das obras publicas. S. exa. explicará a rasão por que os esqueceu.

O primeiro principio era abrir concurso.

Se a companhia do norte tivesse direito de preferencia, ella viria reclamal-o. Senão fizesse as suas reclamações dentro do praso do concurso, ficavam de nenhum effeito.

O segundo ponto era que se resolvesse qualquer questão pendente, antes de se effectuar a concessão.

É exactamente o caso que se dá: ha uma questão pendente.

A companhia da Beira Alta fez reclamação. Consta-me que para decidir sobre ella está já formado o tribunal arbitrai; por consequencia as côrtes não deviam discutir o assumpto emquanto não fosse conhecida essa decisão.

E assim conformava-se tambem o governo com a opinião de v. exa., que tem muita auctoridade, e que é uma opinião baseada nos bons principios da sciencia administrativa, da sciencia economica, bem como da philosophia do direito.

Limito aqui as minhas observações, reservando-me para pedir de novo a palavra sobre este incidente, no caso de ser necesssario.

(O orador não reviu este discurso.)

O sr. Presidente: - A questão previa apresentada peto digno par, sr. Vaz Preto, é verdadeiramente um adiamento.

O sr. Vaz Preto: - Eu não quero apresentar a questão como adiamento; apresento-a como questão previa, baseando-me na opinião de v. exa.

Desejo que a camara decida primeiro se effectivamente, dadas as circumstancias que referi, devemos ou não devemos discutir agora este projecto.

Se a camara se pronuncia n'este ultimo sentido, é claro que a discussão fica adiada até vir a sentença arbitral; se a camara resolve do outro modo, o projecto entra em discussão.

V. exa. dizia na sua consulta: antes de se fazer a concessão é necessario dirimir qualquer questão precedente.

Ahi está justamente o que eu peço, que se não auctorise o governo a fazer concessão alguma emquanto estiver sujeito a um juizo arbitrai.

Já se vê, portanto, que é uma questão previa, e sobre ella é que peço haja desde já uma resolução da camara. Se essa resolução for em sentido contrario ao que entendo acatarei a decisão da assembléa, como é do meu dever, e entrarei na discussão do projecto:

(O orador, não reviu este discurso.)

O sr. Presidente: - Não posso deixar de me cingir ao espirito e á letra do regimento, o qual não se refere em nenhuma das suas disposições a questões previas.

Portanto não tenho a considerar a proposta do digno par senão como uma proposta de adiamento, salvo se a camara resolver em outro sentido, porque só a ella compete alterar as disposições regimentaes.

Antigamente discutiam-se as propostas de adiamentos antes da questão principal; mas depois as resoluções da camara têem sido que essas propostas se discutam conjunctamente com a materia sobre que ellas recaem, e isto por muitas rasões de conveniencia publica.

Assim, pois, não havendo no regimente disposição especial com respeito a questões prévias, pela minha parte, como disse, não posso considerar a proposta do digno par senão como um adiamento, que sendo admittido tem de ficar em discussão com o projecto de lei que está submettido ao debate.

O sr. Vaz Preto: - Permitta-me v. exa. que faca apenas, uma simples declaração.

É a v. exa. que compete dirigir os trabalhos da camara, e eu sujeito-me completamente ás decisões da presidencia; mas desejo tornar bem claro o pensamento que tive em vista ao apresentar a minha proposta.

No meu entender é de grande conveniencia resolver, antes de se entrar na discussão do projecto de lei que foi submettido ao debate, se a camara deve ou não esperar pela decisão do tribunal arbitrai a que foi sujeita a questão suscitada pela concessão feita n'este projecto.

Era este ponto que me parecia dever ser primeiramente resolvido.

V. exa. dará aos trabalhos da camara a direcção que melhor julgar; é certo, porém, que pelas palavras de v. exa. reconheço que em presença das disposições regimentaes não póde qualificar a minha proposta como questão previa, mas se ella não póde ser classificada segundo os artigos do regimento, póde e deve ser classificada segundo o bom senso e as praxes geralmente recebidas.

Isto é claro, é obvio, é mesmo intuitivo.

O sr. Henrique de Macedo: -Requeiro a v. exa. que consulte a camara se quer que se cumpra a disposição regimental exactamente como ella prescreve.

Na verdade tem-se seguido em occasiões especiaes uma praxe contraria ao sentido do que se acha determinado no regimento com respeito ao ponto de que nos occupâmos n'este momento, e o que pretende o sr. Vaz Preto é precisamente que não se siga agora essa praxe.

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Eis a rasão por que requeiro que a camara, seja consultada, para decidir ò que ha de prevalecer n'este caso.

O sr. Presidente: - Como informação tenho a dizer que ha uma resolução da camara, que ainda foi confirmada ultimamente, segundo a qual todas as propostas de adiamento, sendo admittidas, ficariam em discussão juntamente com a materia principal.

O digno par pede que se altere esta resolução.

O sr. Henrique de Macedo: - A resolução a que v. exa. acaba de referir-se não está ainda consignada no regimento, e creio não ter um caracter generico, se bem que não haja em geral inconveniente em se seguir.

O digno par, o sr. Vaz Preto, deseja que se ponha em pratica com relação á sua proposta o artigo do regimento que determina que os adiamentos tomem o logar da questão principal e sejam votados antes d'ella.

Ora, o que eu requeiro é que a camara decida este ponto, isto é, se quer que no caso presente se cumpra a disposição regimental.

O sr. Presidente: - A jurisprudencia seguida modernamente pela camara é a que deriva da resolução por ella tomada a que ha pouco alludi.

Essa disposição foi considerada como de caracter permanente, e se não está lançada ainda no regimento como tambem não estão outras, esse facto não a invalida.

Repito, a pratica constante nos ultimos tempos tem sido discutir as propostas de adiamento conjunctamente com a materia principal.

Todavia não é isto rasão para não submetter á votação da camara o requerimento do digno par, e a camara resolverá como entender.

O sr. Costa Lobo: - Tencionando apresentar tambem uma questão previa, mas sob ponto de vista differente d'aquelle em que a apresentou o sr. Vaz Preto, preciso esclarecer-me sobre um ponto, com respeito ao qual desejava que o sr. numero das obras publicas se dignasse responder-me simplesmente dizendo sim, ou não.

Da resposta de s. exa. depende o meu procedimento nesta parte, e, portanto, peço ao sr. ministro o favor de dizer-se o governo recebeu alguma reclamação da companhia dos caminhos de ferro do norte e leste contra as modificações que a camara dos senhores deputados introduziu no projecto de lei que está hoje submettido ao nosso exame.

Não quero por fórma alguma levar o sr. ministro a dar qualquer resposta precipitadamente.

Se s. exa. disser que o governo não recebeu reclamação alguma, n'esse caso sento-me e nada mais acrescentarei; se disser que recebeu, é evidente que adoptarei outro procedimento.

Aguardo, pois, a resposta do sr. ministro.

O sr. Ministro das Obras Publicas: - Sr. presidente, responderei ao digno par, o sr. Costa Lobo, dizendo que a companhia dos caminhos de ferro do norte e leste não reclamou contra a modificação (porque houve só uma), introduzida na camara dos senhores deputados, ao artigo 2.° do projecto em discussão, nem poderia reclamar em boa fé, visto que antes d'essa clausula ser inserida n'aquelle artigo O governo veiu precisamente a um accordo sobre esse assumpto com a mesma companhia.

Por conseguinte, a clausula inserida no artigo 2.° não podia dar logar a nenhuma reclamação da parte d'aquella companhia.

O sr. Costa Lobo: - Agradeço ao sr. ministro as explicações que acaba de dar.

O sr. Ministro das Obras Publicas: - Permitta-me v. exa. que eu, sem por modo algum querer intervir no incidente que se levantou quanto á questão previa apresentada pelo sr. Vaz Preto, e á qualificação que se póde dar á sua proposta, assumpto ao qual o governo não póde deixar de ser completamente estranho, porque á camara e só á camara compete dirigir os seus trabalhos, conforme entender mais conveniente aos justos interesses do paiz, permitta-me v. exa., repito, que em resposta a algumas considerações que s. exa. fez, eu contraponha outras, tão breves e succintas, como breve e succinto foi s. exa.

Sr. presidente, a questão do adiamento parece-me perfeitamente dispensavel em vista da propria clausula a que acabei de alludir.

No artigo 2.°, que é o que se refere ao prolongamento da linha de Torres Vedras para o norte a terminar em Alfarellos e Figueira, estabeleceu-se uma clausula votada pela camara dos senhores deputados, que diz o seguinte:

(Leu.)

Em vista d'esta clausula, pergunto que vantagem póde advir do adiamento?

Absolutamente nenhuma.

E que vantagens podem vir da discussão do projecto?

Todas, uma vez que se reconheça a conveniencia d'esse projecto.

Effectivamente, a companhia do caminho de ferro da Beira Alta declarou ao governo que reclamava contra a parte d'esta concessão que se referia ao ramal de Alfarellos á Figueira.

Eu não entrarei agora em considerações sobre se essa reclamação se deve ou não julgar infundada. Isso é da competencia do tribunal arbitral, unico que poderá resolver esta questão.

Mas deve presumir-se que considero infundada a reclamação, aliás não teria entrado em negociações com a companhia do norte e leste, no sentido em que entrei.

Inserida, porém, esta clausula no projecto, uma de duas hypotheses forçosamente se ha de verificar.

Ou, a decisão do tribunal arbitral é contraria ao governo, ou lhe é favoravel.

Se a decisão lhe é favoravel ha toda a vantagem na discussão e votação deste projecto de lei, porque desde logo póde fazer-se o contrato definitivo e emprehender a construcção do caminho de ferro Torres Vedras para o norte, sem ser necessario trazer novamente a questão ao parlamento.

Portanto, encarada a questão por este lado, torna-se dispensavel o adiamento, com o qual se perderia tempo.

Porém, se a decisão do tribunal for contraria ao governo, n'este caso a auctorisação não póde effectivamente ser levada a effeito; mas d'ahi não resulta prejuizo algum para o paiz.

Assim, pois, na peior das hypotheses, que é a de não se poder fazer o contrato, e por conseguinte de não se poder construir aquelle caminho de ferro, nenhuma responsabilidade advirá; na hypothese contraria ganhamos tempo, começando desde já a discutir este projecto.

Sr. presidente, o projecto ou é bom ou é mau. Se é mau, o que é logico é rejeital-o e não adial-o; se, pelo contrario, é bom, se este caminho de ferro favorece os interesses do paiz porque o seu traçado está em boas condições, a consequencia não deve ser adiar a discussão do projecto, mas sim votal-o, para que no mais breve espaço de tempo o paiz comece a gosar do melhoramento que elle lhe proporciona.

O digno par, o sr. Vaz Preto, alludiu a uma consulta dada por v. exa. como procurador geral da corôa; mas essa consulta diz respeito a uma hypothese diversa.

Perguntava-se á procuradoria geral da corôa se, em vista do contrato de 14 de setembro de 1859, o caminho de ferro de Lisboa a Torres Vedras e d'ahi ás Caldas e a S. Martinho ora divergente, e podia ser concedido independentemente de qualquer accordo com a companhia dos caminhos de ferro do norte e leste. A procuradoria geral da corôa respondeu que a linha a Torres ou ás Caldas era uma linha, divergente, que a zona de protecção abrangida no privilegio concedido á companhia de norte e leste, segundo a disposição do seu contrato, só era applicavel ás linhas parallelas, e que por consequencia aquelle caminho de ferro podia ser concedido sem dependencia da companhia do

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norte e leste; mas que, como isso podia dar logar a reclamações, se abrisse concurso.

A hypothese de que agora se trata é diversa. O governo não podia prever que haveria uma reclamação por parte da companhia do caminho de ferro da Beira Alta; nunca o suppoz.

Entretanto, desde que ella se apresentou, ha de ter o seu natural andamento; isso não deve, porém, embaraçar a discussão do projecto, e creio que a camara o póde votar sem receio, visto que d'ahi não provem responsabilidade para o estado.

Por conseguinte o parecer da procuradoria geral da corôa referiu-se a uma hypothese differente da que-se dá agora.

Então, discutia-se a possibilidade de uma reclamação futura contra a linha de Lisboa a Torres, embora se considerasse divergente das de norte e leste; aqui trata-se de uma reclamação imprevista, e que só foi apresentada quando este projecto de lei já estava pendente da apreciação parlamentar.

Assim, no estado em que a questão se acha, e uma vez acautelados os interesses do governo, para o caso de uma resolução desfavoravel do juizo arbitral, o governo entende que do adiamento desta discussão não poderia resultar vantagem alguma, e, pelo contrario, só a demora na realisação de um melhoramento de vasto alcance e utilidade publica.

(O sr. ministro não reviu os seus discursos.}

O sr. Vaz Preto: - Não queria entrar por emquanto na questão a que me chamou o sr. ministro das obras publicas, mas, depois das observações de s. exa., não tenho remedio senão responder-lhe.

O sr. ministro não reparou de certo que na consulta da procuradoria geral da corôas e estabelecem principios gene: ricos. Nesse documento diz-se, não o que s. exa. veiu aqui affirmar, mas sim que não era conveniente fazer-se concessões antes do tribunal arbitral ter decidido as reclamações sujeitas á sua resolução. Esta doutrina, que é a verdadeira, não se póde tomar como applicavel unicamente para um caso especial, e serve tanto com relação á companhia; dos caminhos de ferro do norte e leste, como á do caminho de ferro da Beira Alta, como a outra qualquer. Nem sei como se possa comprehender de outra maneira a opinião do sr. procurador geral da corôa tão maduramente pensada e inspirada nos principies verdadeiros e justos que regulam n'esta materia.

Se o sr. ministro seguisse essa opinião, não se veria agora nas difficuldades em que se encontra, nem seria alvo das geraes accusações que lhe fazem. Oxalá que s. exa. ainda quizesse voltar ao bom caminho, e tinha a obrigação moral de o fazer, porque, no anno passado, sustentou os mesmos principios que se acham n'aquella consulta, principios desprezados agora por s. exa.

Não quero alongar-me mais n'estas considerações, reservando-me para em occasião opportuna analysar o procedimento de s. exa. e todos estes factos que têem feito impressão no publico. Nunca imaginei que o sr. Hintze Ribeiro- viesse sustentar nas cadeiras do governo o contrario do que sustentou como membro da opposição. Hei de ler aqui os discursos de s. exa. quando sustentava os bons principios e hei de pedir-lhe severas contas dos, seus actos. O sr. ministro tem obrigação de dar explicações a este respeito e responder ás accusações que lhe são feitas e que eu lhe hei de dirigir de um modo claro e preciso.

Mas vamos á questão da qual preciso agora tratar. Diz s. exa. que o tribunal arbitrai ha de dar uma decisão ou a favor ou contra; se é a favor aproveitâmos o tempo, se for contra, acabou-se a questão. S. exa., porém, não reflectiu que, se discutirmos o projecto, o que ha de consumir algumas sessões, e a decisão for contraria, d'ahi resultará termos perdido inutilmente tempo e trabalho.

Alem d'isso, supponhamos que o projecto é approvado por esta camara, e que mais tarde o tribunal dá uma decisão contra. Ahi temos um terceiro corpo legislativo que inutilisa a nossa decisão; porque approvado que seja este projecto pela camara dos pares, fica a sancção d'elle dependente do tribunal arbitral.

Se a sentença d'este tribunal for contraria, a decisão da camara dos pares fica completamente sem valor.

Será isto sensato, rasoavel e digno?

Portanto, não sei que vantagem possa haver em precipitar esta discussão, quando, por outro lado, estamos a preterir por ella a resolução de negocios importantes.

Demais, a construcção d'este caminho de ferro não é de necessidade absoluta, porque as provincias que elle vae favorecer já possuem vias de communicação accelerada, e nós tinhamos obrigação de olhar primeiro para aquellas provincias que ainda não estão dotadas com esse melhoramento, ao qual têem tanto direito como as outras, e que ha muito lhes devia ter sido concedido, se acaso n'este paiz se administrasse com juizo, ordem e methodo.

Porque se não attende a estas provincias, porque se quer a todo o transe que passe este contrato, que podia ser feito em melhores condições, como o proprio sr. ministro confessa no relatorio que precede a proposta?

Se tivessemos posto o caminho de ferro a concurso, não se poderiam conseguir maiores vantagens para o paiz? De certo que sim; e foi o proprio sr. ministro que o disse no relatorio que acompanhava a proposta que apresentou na camara dos senhores deputados.

Então a sua obrigação não é zelar os interesses publicos? Não lhe cumpre empregar todos os meios de que possa tirar proveito o thesouro, e, por consequencia, o paiz?

Sr. presidente, deixemos este ponto e vamos á questão previa.

Desde o momento em que não está classificada no regimento a questão que eu apresentei, parece-me que v. exa. tem de a considerar segundo os bons principios e a boa rasão, e em conformidade com a consulta que ha pouco li á camara.

Os bons principios e a boa rasão não podem querer que haja um corpo legislativo superior (que seria o tribunal arbitral) ao corpo legislativo estabelecido pela carta constitucional, composto da camara dos pares e da camara dos deputados; e então é preciso que se suste na discussão d'este projecto.

Peço, portanto, a v. exa. que submetia á votação da camara se quer entrar já na discussão do projecto.

(O orador não reviu este discurso.}

O sr. Agostinho Ornellas (sobre a ordem}: - Mando para a mesa o parecer da commissão de negocios ecclesiasticos sobre a concessão definitiva do mosteiro de Chellas para collegio filial das missões ultramarinas de Sernache do Bom Jardim.

Mandou-se imprimir.

O sr. Presidente: - Convido o digno par, sr. Henrique de Macedo, a mandar para a mesa a sua proposta.

O sr. Henrique de Macedo mandou para a mesa a sua proposta, que é concebida nos seguintes termos:

Proposta

Requeiro que ao adiamento proposto pelo digno par o sr. Vaz Preto se appliquem as disposições dos artigos 57.° e 58.° do regimento.

Sala das sessões, em 10 de abril de 1882. = O par do reino, Henrique de Macedo.

Submettida á votação, foi rejeitada por 29 votos contra 18.

O sr. Mendonça Cortez: - Sr. presidente, requeiro que v. exa. mande ler na mesa o artigo 57.° do regimento.

O sr. primeiro secretario leu o artigo 57.° do regimento.

O sr. Presidente: - Eu desejo manter as decisões da camara com a maxima igualdade e verdade. Nenhum digno par contestou que a pratica constante d'esta assembléa fosse

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que os adiamentos entrassem em discussão com a materia principal; (Apoiados.) foi isto mesmo que a camara resolveu agora, e esta resolução deve ser acatada. (Apoiados.)

O sr. Vaz Preto: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Não tenho competencia para deixar abrir questão sobre um assumpto já votado, com prejuizo dos dignos pares que têem a palavra sobre o projecto.

O sr. Vaz Preto: - A camara deliberou sobre a proposta do digno par, sr. Henrique de Macedo, ácerca do artigo 57.° do regimento, mas a questão previa não está sujeita a este artigo. Como v. exa. disse, e muito bem, o regimento não tem artigo que comprehenda a questão previa, e então ella deve ser resolvida segundo o bom senso e as praxes seguidas.

O que eu pretendo é que a camara resolva se quer entrar na discussão do projecto, ou se quer esperar pela decisão do tribunal arbitral.

N'este sentido farei um requerimento e peço v. exa. que o submetta á votação da camara.

O meu intuito é que a camara declare se quer entrar na discussão do projecto n.° 26 antes da decisão do tribunal arbitral.

O sr. Presidente: - Eu não disse, nem podia dizer, que não sabia como havia de classificar o pedido do digno par; o que eu disse, foi que o regimento não trata das questões prévias, e qualquer questão que se apresente, tem de sujeitar-se ás disposições regimentaes, e a presidencia tem obrigação de entender as propostas que se fazem, e indicar á camara como as entende; a camara depois, na sua alta sabedoria é que acceita ou não a indicação da presidencia: mas, repito, a presidencia é que não póde dizer que não sabe como ha de classificar qualquer proposta.

O sr. Vaz Preto: - Perdõe-me v. exa., eu não quiz de modo nenhum fazer a mais leve censura á presidencia; eu entendi que v. exa. tinha dito que a minha proposta se não achava comprehendida em nenhuma das disposições do regimento, e eu assim o entendo tambem; é por isso que digo que a minha proposta deve ser submettida a uma votação da camara.

u não quero, tambem, demorar a discussão nem prejudicar o debate; se a camara entende que se deve entrar já na discussão do projecto, entre-se; se entender que não o deve esperar pela decisão do tribunal, adia-se a discussão; é para isso que eu fiz o meu requerimento.

Eu não faço proposta de adiamento para entrar em discussão conjunctamente com a materia.

O sr. Presidente: - A camara comprehende que a votação que ha pouco teve logar deu a entender que este assumpto não deveria ser discutido separadamente da generalidade do projecto; no emtanto, o digno par deseja uma votação especial, e então queira ter a bondade de mandar para a mesa o seu requerimento, que eu vou consultar a camara.

O sr. Vaz Preto: - O meu requerimento é o seguinte que passo a ler:

(Leu.)

É o seguinte:

Requerimento

Requeiro que a camara resolva se se deve entrar na discussão do parecer n.° 26, antes da decisão do tribunal arbitral. = Vaz Preto.

O sr. Presidente: - Os dignos pares ouviram ler o requerimento do digno par o sr. Vaz Preto; os dignos pares que entendem que o adiamento proposto por s. exa. deve ser discutido separadamente e previamente, tenham a bondade de se levantar.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, o meu requerimento não é o que v. exa. acaba de propor á camara; o que eu peço é que a camara vote se quer entrar na discussão do projecto antes da decisão do tribunal arbitrai; logo que a camara resolva este ponto, acaba esta discussão, eu não quero que haja mesmo nenhuma outra votação, porque não é precisamente um adiamento que proponho, o que eu desejo é uma decisão da camara, se entende ou não, que se entre já na discussão sem se saber o que dirá o tribunal arbitral; isto é bem diverso do que v. exa. acaba de propor.

O sr. Presidente: - Vou, pois, pôr á votação o requerimento do digno par; a camara sabe como o ha de votar, e para não haver duvidas vae ler-se novamente na mesa o seu requerimento.

Peço a attenção da camara.

Leu-se na mesa o requerimento do sr. Vaz Preto.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que entendem que se não deve entrar na discussão do projecto de que se trata, sem que seja resolvida a questão arbitral, tenham a bondade de se levantar.

Foi rejeitado por 34 votos contra 15.

O sr. Jayme Larcher: - Vou ler a moção de ordem que enviarei para a mesa, e depois exporei as rasões que me levaram a assignar com declaração o projecto de lei que está em discussão.

(Leu.)

Sr. presidente, propondo o adiamento de uma parte do projecto de que se trata, não pretendo demorar a execução de melhoramentos que, na minha opinião, devem dar os resultados que o digno relator fez sobresair no seu parecer.

Desde 1865, em que me coube a honra de tomar assento n'esta camara, só n'uma vez me pronunciei contra as concessões que se pretendiam fazer á companhia real dos caminhos de ferro portuguezes; foi em 1878, quando se tratou do ramal de Caceres, e as rasões que apresentei fundavam-se sobre a pessima situação em que ficavamos com relação á defeza do nosso territorio.

Quanto ás demais concessões, o adiamento da collocação dos taboleiros para a segunda via nas pontes metallicas, e a isenção do imposto de transito sobre a pequena velocidade, a tudo prestei apoio decidido, firmado na obrigação moral que, no meu entender, cabia ao governo, de acudir quanto possivel a uma companhia que empregara os seus capitaes em beneficio d'este paiz, com grave risco de perda, por se não construirem a tempo as estradas ordinarias precisas para vir ás diversas estações o movimento que dá a vida e a prosperidade.

Não se póde salvar o capital inicial, pois que passaram dezoito annos desde a conclusão das linhas será que os accionistas primitivos recebessem o menor dividendo; mas, graças áquellas concessões, a companhia escapou á ruina total, e graças a uma administração apertada, inflexivel e engenhosa, póde ella pagar os juros das obrigações e distribuir ha tres annos, se me não engano, dividendos aos portadores de acções. Desde então a companhia entrou n'uma phase totalmente differente, e hoje encontra-se em situação lisonjeira, pela qual a felicitariamos cordialmente e sem restricções, se os interesses do paiz e do publico tivessem recebido, a par dos da companhia, o favor a que têem direito innegavel.

Por desgraça nossa não succedeu assim. Em 1872, no debute da direcção, a cujas qualidades excepcionaes já prestei homenagem, a relação entre a despeza e a receita, que fôra em media 62,03 nos sete annos precedentes, baixou a 36,42. Depois esta relação, tendo passado por alternativas inevitaveis, que deram em média 32,97, chegou em 1881 ao limite inferior de 29,97.

Estes dados colligi-os de um mappa official que chegou ha poucos dias a esta camara, a requerimento do nosso illustre collega sr. Antonio Augusto de Aguiar, e que este meu amigo benevolamente poz á minha disposição.

Devo tambem declarar que desattendi os dados de 1881, não por menor consideração para os calculos da direcção fiscal, mas simplesmente por não derivarem, como os dos outros annos derivam, dos relatorios da companhia.

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Finalmente, e para não ser taxado de inexactidão, acrescentarei que as relações por mim calculadas, entre receita e despeza nos annos de 1878, 1879 e 1880, accusam 0,31, 0,72 e 0,76 para menos das que os relatorios da comnhia denunciam, porque esta toma para comparação a receita liquida do imposto de transito, emquanto que eu comparei a despeza, como devia comparar, com a receita bruta e livre de qualquer deducção.

Sr. presidente, examinando as condições de exploração de 47 linhas diversas, de differentes paizes, cujo producto é inferior a 20:000 francos por kilometro, encontrei o seguinte, para o que peço a attenção de v. exa. e da camara.

Em 4 d'essas linhas, cujo rendimento ia de 10:200 a 15:400 francos, pouco mais ou menos o que rendiam em 1872 as nossas linhas de norte e leste, a percentagem média da despeza foi de 61,0.

Em 10 outras linhas, que rendiam, por kilometro, de 16:000 a 10:800 francos, aquella percentagem era de 53,39.

Não citarei as restantes 33, naturalmente excluidas d'este campo de comparação pela escassez dos seus rendimentos.

É, portanto, para mim verdadeiro phenomeno como em 1872 conseguiram baixar a 36,42 a relação entre despeza e receita numas linhas cujas condições de tracção estão longe de serem favoraveis.

Melhor se me explica a progressão d'esta relação, decrescente desde aquelle extraordinario ponto de partida, em vista do augmento successivo por que têem passado as receitas.

Mas o que significa este phenomeno?

Com pena o digo: significa, a par de consideraveis lucros para a companhia, o soffrimento do publico que lhe dá vida e fortuna, e, por parte dos governos, uma longanimidade que já nos deve pezar.

Não quero cansar a camara detalhando o modo insolito por que a companhia do norte e leste nos dispensa os seus serviços.

Todos ternos viajado n'estes caminhos de ferro; mas todos temos podido apreciar o estado da via e do material circulante, e a insufficiencia do material que a companhia emprega.

Todos mais ou menos nos temos irritado contra a irregularidade a que ella tem sujeitado os horarios, e temos lamentado os prejuizos que as mercadorias (sobre todas as de alimentação) soffrem durante a sua prolongada demora no entroncamento.

Mas o que v. exa. e a camara devem saber é que os fiscaes do governo nunca deixaram de representar contra estes abusos e contra a infracção quasi diaria do contrato e dos regulamentos, e que raras são as vezes em que a companhia tem soffrido a correcção devida.

Será longanimidade? Será incuria? Será fraqueza dos governos perante a poderosa e influente companhia real dos caminho de ferro portuguezes?

Sr. presidente, quando ha poucos mezes as frequentes catastrophes succedidas na linha de Paris, Leão e Marselha aterraram a população franceza, a imprensa periodica levantou vehementes reclamações, mandou os seus reporters indagar e prescrutar, e finalmente descobriu-se aos olhos do publico um enormissimo escandalo.

A direcção d'aquella linha tinha como mascara o nome geralmente respeitado de um engenheiro que, valetudinario e cego, apenas sombra do que outrora fôra, se achava então completamente inutilisado.

Os outros directores, summidades da politica e da finança, empregavam as suas faculdades exclusivamente ao augmento dos lucros da companhia, sem curar dos perigos a que expunham os viajantes, e abusavam da sua influencia social e monetaria para illudir o contrato que os ligava ao estado.

Perante este deploravel estado de cousas, o governo francez não podia conservar-se indifferente, e a primeira intenção que elle manifestou foi libertar-se da agencia perniciosa das companhias, remindo os contratos que lhes davam a exploração dos caminhos de ferro.

Depois as companhias imploraram e prometteram, e a final parece que o desenlace d'esta magna questão será a prorogação dos contratos por mais quinze annos, mas a troco de concessões valiosissimas, entre as quaes figura o rebaixamento das tarifas, e da mais completa garantia, quanto á segurança do publico.

A nossa situação não se apresenta tão grave.

Quer-me parecer que a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, com a sua attenção quasi exclusivamente para os seus lucros, e n'isto o que eu censuro é o exclusivismo, tambem imagina que não tem motivo para queixa o publico que ainda ha pouco se contentava com os transportes de carros, puxados por bois, cavallos, ou muares, e que tão pouco affeito está ao regimen moderno, que se diverte, por mero e condemnavel prazer, em estragar e destruir as carruagens que ella põe á sua disposição. Quer-mo tambem parecer que a indifferença dos governos assenta sobre idéa analoga a esta ultima.

Seja o que for e como for; mas, sr. presidente, ainda que eu queira e possa applicar ao caso todas estas attenuantes e outras mais, confesso que me assusta a idéa de ver a nossa viação accelerada toda entregue á companhia real dos caminhos de ferro portuguezes.

E para lá vamos se não tivermos cuidado, prudencia e energia.

A circumstancia de pertencerem a differentes companhias as linhas da Beira Alta e de norte e leste; a de ser adjudicada a diversa pessoa a linha de Lisboa a Torres Vedras, não me diminuem este susto, porque as companhias rivaes combatem-se emquanto ha esperança de victoria, mas depois colligam-se, e colligadas procuram resarcir-se á custa de terceiro, do prejuizo que a guerra lhes causou, e esse terceiro, sr. presidente, é o publico, é o paiz.

A obviar estes males é que tende a minha moção de ordem.

O artigo 27.° do contrato de 5 de maio de 1860 dá ao governo a faculdade de resgatar a concessão inteira quinze annos depois do praso marcado para a conclusão de ambas as linhas, e indica o modo por que se ha de operar a remissão.

Este praso, na minha opinião, findou em 1879, e n'isto me conformo com a opinião do illustre ministro das obras publicas, segundo tive o prazer de lhe ouvir dizer n'uma das conferencias das commissões.

Mas, será esta a opinião da companhia? Duvido muito.

Não quero demorar-me figurando as hypotheses que a companhia ha de imaginar; mas no que deveras insisto é na indispensabilidade e na urgencia de se definir por accordo entre o governo e a companhia ou pela arbitragem prevista no artigo 74.° do contrato, este ponto essencial e que ficará para todos patente e fóra de qualquer contestação.

Esta insistencia não vem fóra de proposito.

Se aquella duvida fora já resolvida, o governo poderia ter remido o contrato, em 1880, e sabe v. exa. em que situação elle ficava?

O artigo 27.° do contrato indica o modo por que se ha de fazer o resgate. Sommam-se os rendimentos liquidos dos ultimos sete annos, deduz-se d'esta somma os dois de menor rendimento, e depois o resto dividido por cinco, constitua uma annuidade, que não poderá, ser inferior ao rendimento do ultimo anno e que deverá ser paga á companhia em cada um dos annos que faltarem para terminar o praso da concessão.

Segundo, o processo que acabo de expor, a media dos cinco annos dava cerca de l.450:000$000 réis; mas como

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o rendimento liquido de 1881 já se nos annuncia com réis 1.463:000$000, e com todas as probabilidades de ser maior, visto que o augmento annual do rendimento bruto kilometrico deu a media de 94:000$000 réis nos ultimos sete annos; e como este augmento daria, sob administração analoga á que está dirigindo a companhia dos caminhos de ferro de leste e norte, cerca de 66:000$000 réis liquidos de imposto de transito e de todas as despezas de exploração, vê-se que nenhum onus resultaria para o estado, ainda quando o governo quizesse elevar a devida proporção as despezas de exploração.

Não pretendo comtudo dizer que o governo deveria effectuar esta remissão.

Não sei mesmo se elle estaria convenientemente preparado para tomar conta de tão importante exploração sem risco de cair n'um deficit em vez de auferir lucros.

Em todo o caso não desejo arrostar agora com a opinião que geralmente se mostra adversa ás administrações por conta do estado. Esta tarefa reservo eu para quando aqui chegue, se chegar, o projecto de alienação da nossa rede do sul e de sueste, e então procurarei demonstrar com factos innegaveis que o estado, quando quer, póde administrar tão bem, se não melhor, do que as companhias de que temos tido exemplo.

Mas não lucraria o governo se tivesse aquella faculdade suspensa sobre a companhia para lhe corrigir os abusos e as demasias? ou para obter, quando ella pedisse prorogação, allegando o pequeno numero de annos que ainda conta o periodo feliz da sua existencia, compensações valiosas d'esta nova concessão?

Entre estas compensações enumerarei a melhoria e maior regularidade do serviço,-augmento de velocidade na marcha dos trens, sobretudo na linha internacional, - abaixamento das tarifas ou restabelecimento do imposto sobre a pequena velocidade, construcção d'este caminho de ferro de Torres á Figueira e a Coimbra, sem garantia de juro; (Apoiados.} tambem a construcção de um ramal de cerca de 15 kilometros desde a linha de Leiria até ao Pombal, o que nos asseguraria as vantagens estrategicas que muitos querem ver no traçado de 1880-o complemento da linha de cintura até Xabregas; e tudo isto sem onus para o estado e com decidida vantagem para o paiz.

Aos que virem uma chimera n'esta enumeração, direi simplesmente, mas com verdadeiro prazer, que é no anno de 1881 que deve ter sido, segundo todas as indicações, attingido o limite de rendimento bruto kilometrico que torna obrigatorio para a linha de leste a execução dos movimentos de terra para a segunda via, cuja collocação tambem será obrigatoria no anno que vamos percorrendo.

Este rendimento, sabem-no todos, é de 4:500$000 réis por kilometro e de 1.242:000$000 réis por toda a linha de Lisboa a Elvas, para os ditos movimentos de terra, e de 4:860$000 réis por kilometro ou 1.341:000$000 réis na totalidade para a segunda via propriamente dita.

Tambem todos podem ver no Diario do governo de 10 de março ultimo que o rendimento bruto da linha de leste foi, em 1880, de 1.195:000$000 réis, e em 1879 fôra de 1.095:000$000 réis, tendo-se portanto, verificado n'este periodo de um anno um augmento de 100:000$000 réis.

Podem todos portanto calcular com afouteza que em 1881 já se ultrapassou o limite fixado pela carta de lei de 5 de março de 1860 em seu n.° 4 do § 2.° do artigo 1.°, e que no actual anno se deve attingir aquelle que o § 1.° do artigo 3.° do contrato de 5 de março de 1860 indica.

Esta previsão ser-nos-ha confirmada pelo relatorio que a companhia apresentará n'este anno.

Sr. presidente, não pretendo insinuar que se imponha á companhia este sacrificio se elle porventura não é exigido pelas condições do movimento, mas o que sustento é que se os poderes publicos lhe concederem um adiamento, deverá esta concessão ser condignamente compensada pela companhia.

E qual será o valor d'esta concessão? à segunda via propriamente dita importará em 1.380:000$000 réis a rasão de 5:000$000 réis por kilometro.

Para avaliar os movimentos de terra e os segundos taboleiros nas pontes metallicas, confesso que me faltam dados necessarios, mesmo para um calculo approximado.

Seria preciso conhecer o perfil longitudinal e os perfis transversaes da linha, a natureza dos terrenos atravessados, e ter outros esclarecimentos, que não possuo.

Mas, sem receio de engano, posso orçar nalguns milhares de contos esta despeza, que a companhia terá que satisfazer.

Serão seis, oito, dez milhares?

Nada mais digo para não errar, mas perguntarei se não tem cabimento, em tão avultadas quantias, as compensações a que alludi?

Sr. presidente, não querendo cansar por mais tempo a attenção da camara, terminarei dizendo que approvo a primeira parte do projecto, isto é, o contrato provisorio que dá ao sr. H. Burnay a construcção e a exploração da linha ferrea de Lisboa a Torres Vedras, com as dos ramaes para a Merceana e para Cintra.

Tenho dito.

Leu-se na mesa a seguinte:

Moção de ordem

Proponho que a auctorisação pedida pelo governo para contratar com a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes a linha ferrea de Torres Vedras á Figueira da Foz, e a Coimbra por Alfarellos, seja adiada para quando se defina o dia, a contar do qual o governo poderá resgatar, segundo o artigo 27.° do contrato de õ de maio de 1860, a concessão inteira da exploração dos caminhos de ferro de Lisboa á fronteira e á cidade do Porto.

Camara dos dignos pares, em 10 de abril de 1882. = par do reino, Jayme, Larcher.

Foi admittida, e ficou em discussão com a materia principal.

O sr. Abreu e Sousa: - Mandou para a mesa a seguinte moção:

"Proponho que se abra concurso para a construcção, por empreitada geral, do caminho de ferro do Lisboa a Torres Vedras, comprehendendo os ramaes de Cintra e Merceana, e a linha de cintura de Alcantara a Xabregas, passando pelo Campo Pequeno, e que fique auctorisado o governo a dar de arrendamento, tambem em concurso publico, a exploração das sobreditas linhas por um praso não inferior a vinte e cinco annos.

"Proponho mais que fique adiada para a proxima sessão a deliberação sobre o modo de levar a effeito a construcção e exploração do caminho de ferro de Torres Vedras ao Mondego e respectivos ramaes, devendo o governo apresentar ás camaras, antes dessa deliberação, os estudos necessarios e os pareceres da junta consultiva de obras publicas e minas e da commissão de defeza do reino ácerca do traçado d'essas linhas ferreas."

Tratou de mostrar que havia obras de mais urgente necessidade a emprehender, e que entre ellas figuravam em primeira plana o caminho de ferro de Traz es Montes, o do Algarve e o porto de Leixões.

Apresentou diversas considerações tendentes a fazer ver que pelo lado estrategico era preferivel o traçado do projecto do caminho de ferro do Pombal, proposto pelo governo transacto.

Como désse a hora, pediu para ficar com a palavra reservada.

(O discurso do digno par será publicado quando s. exa. o devolver.)

O sr. Presidente: - Está levantada a sessão. A seguinte será ámanhã, sendo a ordem do dia a continuação da discussão do projecto n.° 26.

Eram cinco horas da tarde.

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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 331

Dignos pares presentes na sessão de 10 de abril de 1882

Exmos. srs.: João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Marquezes, de Ficalho, de Sabugosa, de Vallada; Condes, de Cabral, de Castro, de Porto Covo, de Alte, da Louzã, de Rio Maior; Bispo de Bragança; Viscondes, de Azarujinha, de Sieuve de Menezes, de Seabra, de Bivar, de Chancelleiros, da Arriaga; Barão de Santos; Ornellas, Aguiar, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Machado, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Costa Lobo Telles de Vasconcellos, Xavier da Silva, Palmeirim, Basilio Cabral, Carlos Bento, Eugenio de Almeida, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Costa e Silva, Margiochi, Henrique de Macedo, Larcher, Abreu e Sousa, Ferreira Lapa, Mendonça Cortez, Gusmão, Braamcamp, Pinto Basto, Castro, Ponte e Horta, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro, Bocage, Camara Leme, Seixas, Vaz Preto, Franzini, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho, Ferreira de Novaes.

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