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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 279

reformas são inconvenientes quando as acolhe a indifferença publica.

Esta inconveniencia é reconhecida por todos os que entendem que a opinião publica geral, a opinião dos que trabalham e contribuem tem direito a ser ouvida em assumptos de tamanho alcance e assim como não deve ser desprezada quando instante e ardentemente reclama franquias e liberdades que não possue, assim não deve ser violentada a acceitar beneficios que não comprehende e transformações só exigidas pelos politicos de profissão, a quem não chamarei especuladores, como o illustre auctor das Questões de politica positiva.

Que a indifferença publica é geral, que ninguem espera das decantadas reformas remedio aos nossos males, nem correctivo aos nossos erros, é facto que todos reconhecem e ninguem ousou ainda negar.

Portanto se o paiz recebe com a maior indifferença estas providencias que estamos discutindo, o seu estado politico e o estado geral da Europa ainda são menos favoraveis a que se façam experiencias d'esta natureza, e de mais a mais de um modo contrario áquillo que a carta prescreve.

Sr. presidente, v. exa., que tem residido bastante tempo no estrangeiro, sabe perfeitamente qual é a crise que a Europa está atravessando actualmente, crise que chama a attenção dos homens politicos e de todos os escriptores publicos.

Ainda ha pouco mr. de Laveleye, um dos mais notaveis publicistas modernos, um dos que mais attentamente tem estudado os problemas sociaes e politicos da actualidade, dizia num artigo intitulado La crise du liberalisme, artigo que devia ser lido e meditado por quantos se occupam no officio de legislar:

"Que pretendem os que sem cessar gritam por mais progresso?

"Para onde marcham, a que fim tendem, onde pretendem chegar, que novas liberdades reclamam?

"Fazer reformas por amor da arte não se comprehende, nem se justifica; conquistada a igualdade politica e a igualdade civil, só falta a igualdade economica, isto é, o socialismo."

É para ahi que nos querem levar?

Estão sobretudo expostas a estas illusões, a estas impaciencias de progredir as nações do meio dia, mas dos povos latinos somos nós aquelle que tem a fortuna de possuir ha mais tempo a mesma constituição politica, uma constituição consagrada pelo respeito de duas gerações e pelo sangue dos homens que têem o seu nome ligado á historia da sua conquista. Somos o unico que durante meio seculo tem mantido com pequena alteração a sua constituição politica, que é a restauração da antiga constituição nacional, accommodada ás circumstancias dos tempos modernos.

Tem a nossa carta á consagração do tempo, a sua fundação está associada á memoria de uma lucta heroica, quasi legendaria, e muitos de nós ouvimos contar a nossos pães que sacrificios, que abnegação, que heroismo foram necessarios para a fazer acceitar por aquelles que não souberam comprehender que vantagem teria sido ligar o futuro com o passado por uma evolução pacifica em vez de uma transição violenta.

Mas apesar de ter a magestade dos annos, não é todavia tão velha que não contemos no nosso numero, que não vejamos entre nós alguns dos que arriscaram a vida para nol-a conquistar. Possuimos uma constituição que conta mais de meio seculo e n'este facto, em que alguns querem ver uma rasão para a attacar, entendo eu que se encontra uma prova do bom senso da nação portugueza, bom senso em que leva vantagem a todas as nações da mesma raça, pelo menos áquellas que n'esse tempo já estavam constituidas politicamente, já, como a França e a Hespanha, formavam nações unidas.

Não posso attribuir á nação portugueza grande superiodade, n'este ponto, sobre a nação italiana, que tem conservado para á nação inteira o velho estatuto sardo, que apesar de feito para um pequeno povo de montanheses, não careceu de reformas para se tornar a constituição politica de uma das grandes potencias da Europa; mas, se estamos a par d'ella, quanto a sabermos respeitar a nossa constituição, devemos confessar a nossa inferioridade no que toca á reforma da questão de fazenda.

A Italia, em muito mais curto periodo, e apesar de ter de pagar o custo da fundação da sua independencia, soube triumphar das suas difficuldades financeiras, sem primeiro preparar o terreno por meio de uma reforma politica.

Eu não quero insistir sobre este ponto, que já aqui foi tratado largamente por alguns dos meus collegas, e de uma maneira bastante clara e competente; é tempo de entrar n'outra ordem de idéas, de fallar sobre outras materias de que se occupa o projecto; mas depois de ter mostrado a sua inopportunidade, vou examinar o systema que o governo adoptou para o processo a seguir na revisão constitucional, que me parece o menos conveniente.

Começarei pela redacção do projecto, á qual se refere a moção que mandei para a mesa.

Sr. presidente, ouvi dizer ao sr. presidente do conselho, que esta camara já não era a mesma que foi antigamente. Infelizmente, assim é, e por isso se ousou apresentar-lhe um projecto calculadamente redigido para nos coarctar a discussão, para nos impor, de accordo com as prescripções do regimento, uma discussão unica na generalidade e na especialidade.

Confesso que me magoou, que a nossa commissão não tivesse restituido ao projecto a fórma que o governo dera a sua proposta, quando o apresentou na outra camara. O que quer dizer, comprimir num só artigo todos os artigos da carta que se pretende reformar? E, sr. presidente, a outra camara que ha de vir, que ainda não sei como se. chamará, se constituinte, se revisora, se com poderes especiaes, que tem de se pronunciar sobre as reformas, não sei tambem quaes os limites em que ha de conter-se, nem a direcção que ha de dar ás suas discussões.

Está o projecto redigido por fórma que o poderia votar o republicano mais radical, ou o conservador mais reaccionario, conforme esperassem fazer triumphar as mui diversas doutrinas que lhe haviam de substituir. Haverá provavelmente, se o consentirmos, se reconhecermos a necessidade das reformas, uma proposta do governo para base de discussão; mas para que o governo saiba as opiniões e sentimentos d'esta importante porção do corpo legislativo, é util, é de summa vantagem que agora tenha logar uma larga discussão na generalidade e na especialidade de cada artigo.

E redige-se por este modo o projecto, e isto acontece entre nós, quando o nosso parlamento é um daquelles em que as discussões são mais limitadas. Estamos acostumados a impacientar-nos, quando uma discussão politica dura algumas sessões.

Lá fóra não acontece o mesmo.

No senado francez, por exemplo, ha tres deliberações differentes com dois dias de intervallo entre cada uma, para todo o projecto de lei antes de ser approvado.

No parlamento allemão ha tres deliberações com cinco dias de intervallo entre cada uma.

Não me recordo agora dos intervallos usados no parlamento inglez para as suas discussões, mas sei que os projectos nas camaras inglezas têem tres leituras, e que entre cada uma d'estas tres leituras medeia tempo rasoavel, e por occasião de qualquer ou de todas ellas, podem ter logar os mais largos e illimitados debates.

Entre nós, porém, apresenta-se um projecto tão importante, como aquelle de que estamos tratando, e dá-se-lhe um só artigo, e isto com o firme proposito evidentemente de fazer; que não haja discussão na generalidade e especialidade.

É por isso; sr. presidente, que não posso deixar de me