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SESSÃO N.° 38 DE 15 DE ABRIL DE 1905 363

presse assim; plano colonial, que não obedecia a vae-vens de interesse de qualquer ordem que fosse; plano colonial que se affirmava por uma intelligencia muito intima com a nossa antiga alliada, a Inglaterra, mas em que as duas nações sustentavam e conservavam respectivamente a mais larga autonomia.

Não vae trazer para a Camara, nem desenvolver, o plano colonial de Andrade Corvo.

Procura com a tenacidade de que Deus o dotou arrancar ao esquecimento, a que foi votado injustamente, esse grande vulto da politica portuguesa, que reputa o primeiro dos nossos estadistas do seculo passado.

Se não entra, porem, em pormenores sobre esse assunto e sobre essa materia, referencias vae fazer-lhe, porque é preciso, quando se trata de colonias, celebrar esse preclaro varão, que tão identificado estava com ellas, que tanto impulso lhes deu no caminho do progresso e que tanto procurou elevá-las a todos os respeitos.

Não vae occupar-se agora do tratado de Lourenço Marques, que elle deixou na sua pasta em 1879 e que depois se mallogrou por circunstancias que são conhecidas, - mallogro que deu margem á situação apertada de dez annos successivos e que nos trouxe os grandes desastres, sob os quaes temos estado mergulhados.

É certo que esse tratado nos garantia a posse de vastissima regiões, de uma á outra costa da Africa; é certo que elle nos investia na propriedade de colonias que hoje não possuimos já, na sua grande parte; e é certo ainda que o nosso cerceamento colonial se deu em virtude de não ter tido seguimento o plano de quem mais sabido era do que todos os outros em questões d'esta indole.

Não trata hoje de averiguar as responsabilidades de quem foi causa de que não chegassemos a ver convertida em lei a negociação do tratado de Lourenço Marques.

Deve dizer á Camara, porque o assunto é pouco conhecido, que parallelamente com a negociação que se fez para o tratado de Lourenço Marques se fazia a negociação do tratado do Zaire.

Difficuldades e resistencias de alto cothurno teve de vencer o negociador Andrade Corvo para conseguir a acquiescencia da Inglaterra.

Em 1881, sob a epigraphe Questões de Allianças, publicou uma serie de artigos no Diario Illustrado e que depois foram recolhidos em folheto, dedicados ao Sr. Conselheiro Andrade Corvo, e em que esses assuntos são largamente tratados. Já nesse tempo elle, orador, era de feitio assas autónomo, porque, dentro do seu partido e não tendo ainda sequer representação rio Parlamento, soube reagir contra a corrente que se levantou contra Andrade Corvo naquella epoca.

Esses artigos tem-nos ali á mão; vae d'elles extrahir meia duzia do periodos para que se possa saber o que era o tratado do Zaire, para que se possa saber quanto a situação em 1881 era semelhante áquella em que hoje nos encontramos, e para que se possa saber tambem como já nessa epoca elle, orador, humilde, como ainda hoje é, mas com menos experiencia de que hoje tem, infelizmente pelos annos, já advogava com calor e convicção a alliança inglesa e como pedia ao seu país que olhasse em torno de si, que visse as ambições desencadeadas que sobre elle impendiam, que se preparasse devidamente, armando-se como se devia armar, para qualquer eventualidade futura. Dizia elle, orador, tratando da questão do Zaire:

«A resistencia da Gran-Bretanha em Reconhecer os nossos direitos sobre o Zaire fundamentava-se em que Portugal favorecera até uma epoca relativamente recente o trafico da escravatura, e em que a elevação das pautas que vigoram nas provincias ultramarinas africanas prejudica immensamente o commercio das nações estrangeiras.

O primeiro pretexto não pode, na actualidade, ser invocado.

A maneira como Portugal se tem conduzido nos ultimos annos, com relação ao trafico dos escravos, e superior a todo o elogio. Quanto ao segundo pretexto, deixava tambem de subsistir, desde que o Governo se compromettia a applicar na Africa Occidental as pautas que, com o tratado de Lourenço Marques, deviam vigorar na Africa Oriental.

Nestas circunstancias, desappareciam as divergencias entre as duas nações sobre a questão do Zaire, em que pela nossa parte se allegava a prioridade da descoberta d'esta região e a occupação eventual de alguns dos seus pontos, - argumentos na verdade ponderosos e que parecem irrefutaveis, mas a que a Inglaterra contrapunha os esforços por ella empregados e as grandes despesas por ella feitas para acabar com o trafico da escravatura. O tratado, sobre cujos preliminares se tinha chegado a acordo, e que viria a realizar-se, assentava nestas bases:

Portugal estabelecer-se-hia definitiva mente na margem esquerda do Zaire;

A policia do rio ficaria a cargo de Portugal;

A Gran-Bretanha comprometter-se-hia a fazer reconhecer, pelas potencias estrangeiras, os nossos direitos á posse do territorio que se estende desde o Ambriz até ao Zaire;

As nações que reconhecessem esses direitos poderiam estabelecer feitorias na margem direita do rio;

Uma commissão de navegação, á semelhança da que existe para o Danubio, seria formada por essas nações;

A navegação do Zaire seria, como a do Zambeze, considerada livre.

Taes eram, com a reforma das pautas, as bases em que devia de assentar o tratado que se negociasse, cuja importancia é evidente, se particularmente se attender á sofreguidão com que as nações estrangeiras procuram estabelecer-se naquellas regiões. Os Estados-Unidos e a Belgica ali conservam ha tempo, como seu delegado, o explorador Stanley. As missões de jesuitas franceses tambem ali teem apparecido ultimamente, e as missões protestantes, subsidiadas pelos ingleses, ha muito tempo que ali preparam terreno a favor da Inglaterra.

Todas estas circunstancias estão aconselhando que nos occupemos tambem sem delongas d'esta questão, a cuja partilha temos mais direitos do que qualquer outro país. A não ser a guerra anti-patriotica feita sem tréguas ao plano colonial do Sr. Andrade Corvo, esse negocio estaria já regulado».

A Camara sabe o que se passou depois.

Foi completamente posto de parte o tratado de Lourenço Marques; a sua approvação não póde vingar no Parlamento, e em logar do tratado do Zaive tivemos a conferencia do Berlim em 1885, onde assistimos aos primeiros retalhamentos do nosso dominio colonial.

É bom ter presentes todos estes acontecimentos, como é bom recordar que já nessa epoca nos assediavam difficuldades que provinham de nações poderosas. Era assim que elle, orador, pondo era relevo a má vontade da Franca para comnosco, citando factos do seculo passado, entre elles o tratado de Fontainebleau de 27 de outubro de 1807, em que Portugal era sacrificado pela voracidade napoleonica, se chegava, por ultimo, á famosa embaixada do Conde de Keratary a Espanha no tempo do Governo de Prim. O Conde de Keratary, autorizado por Gambetta, offereceu a união de Portugal a Espanha, a troco de 80:000 homens. Elle, orador, punha em relevo as tentativas praticadas por áquella nação, que tanta sympathia nos despertava, e expressava-se assim:

«Na actual conjuntura, em que a França só nos pode, pelo seus precedentes, despertar desconfiança, Portugal tem apenas duas cousas a fazer: -