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N.º 40

SESSÃO DE 15 D4E ABRIL DE 1882

Presidencia do exmo. sr. João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens

Secretarios — os dignos pares

Eduardo Montufar Barreiros
Visconde de Soares Franco

SUMMARIO

Approvação da acta da sessão antecedente. — O sr. Cortez pergunta ao sr. ministro dos negocios estrangeiros qual era o estado das negociações com respeito ao tratado de commercio com a França. — Resposta d’este sr. ministro. — O sr. A. de Aguiar refere se ao mesmo assumpto. — O sr. Arrobas dá explicações sobre os guardas nocturnos e relativamente ás informações sobre os arrozaes. — Paliam sobre este ponto os srs. Pereira Dias e ministro das obras publicas. — O sr. Pereira de Miranda allude a um pedido que tinha a fazer ao sr. ministro dos negocios estrangeiros. — O sr. Palmeirim apresenta um parecer da commissão de fazenda. — Ordem do dia: continuação da discussão do parecer n.° 26 sobre o projecto relativo ao caminho de ferro de Torres Vedras. — Continua o seu discurso o sr. J. J. de Castro, e em seguida falla o sr. Bocage, que fica com a palavra reservada para a sessão seguinte. — São lidos na mesa dois officios do governo.

Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 19 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

(Estavam presentes o srs. ministros das obras publicas e dos estrangeiros, e entrou durante a sessão o sr. presidente do conselho.)

O sr. Mendonça Cortez — Agradecia ao sr. ministro dos negocios estrangeiros a delicadeza de ter satisfeito ao seu convite, vindo á camara responder ás perguntas que tinha a dirigir-lhe.

Desejava que s. exa. informasse a camara de qual o estado das negociações com o governo francez relativamente ao tratado de commercio entre Portugal e a França.

Fazia esta pergunta, porque alguns industriaes que tinham fallado com elle (orador) já depois do sr. ministro dos negocios estrangeiros ter dito algumas palavras a este respeito na camara dos senhores deputados, manifestaram o desejo de uma declaração mais explicita da parte de s. exa. sobre este assumpto.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Serpa Pimentel): — Sr. presidente, eu sinto muito não poder ser mais explicito n’esta camara do que o fui na outra casa do parlamento; e o que eu disse ali, em resumo, foi o seguinte: que segundo as rasões apresentadas nas reclamações que foram submettidas ao governo, e que eu julguei ponderosas, por parte dos industriaes, o governo tratou de negociar com o governo francez umas alterações na pauta annexa ao tratado; e a primeira cousa que se assentou foi que, estando o tratado sujeito á apreciação dos parlamentos francez e portuguez, não podiam os governos chamar a si o tratado para lhe fazerem essa alteração, e o meio pratico era fazer uma convenção addicional; é precisamente d’isto que eu me estou occupando, e por isso não posso ser mais explicito. O digno par deseja saber o estado das negociações; o que eu posso dizer é isto, e que tenho esperança de obter resultado favoravel, que não virá longe. E o que tenho a dizer.

O sr. Mendonça Cortez: — Parecia-lhe que o sr. ministro, sem faltar ás reservas que devem ser guardadas em negocios diplomaticos, podia ser menos laconico e proferir algumas palavras que tranquillisassem os animos sobresaltados de alguns industriaes. E havia rasão para p estarem, vistas as considerações do relatorio da commissão da camara dos deputados franceza.

Lendo essas considerações, mostrou que o governo francez considerava como um largo passo para a realisação do seu desideratum o tratado de commercio com Portugal. Esse desideratum era melhorar as condições da industria franceza. A conclusão era logica. Se o tratado era vantajoso para a industria franceza, quaesquer alterações que se propozessem n’elle em favor de Portugal haviam de ter o seu contrapeso.

O governo francez, depois de ter submettido o tratado á apreciação do corpo legislativo, não podia acceitar, sem compensações, quaesquer modificações em desvantagem de alguma das industrias d’aquelle paiz.

Sendo assim, é claro que o governo portuguez, tendo promettido aos nossos industriaes que trataria de obter certas modificações no tratado, ha de em troca d’ellas fazer novas concessões, e, por consequencia, para favorecer algumas industrias, tem necessariamente de deixar de attender a outras, porque é inevitavel a compensação, a não ser que s. exa. achasse alguma combinação pela qual conseguisse satisfazer a todos.

Era a este respeito que elle (orador) desejava que o sr. ministro dos negocios estrangeiros desse algumas explicações, de fórma a tranquillisar os animos sobresaltados de varios industriaes.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Tenho pena de não poder ser mais explicito do que fui. O digno par fez varias considerações a que eu responderei em tempo competente quando se tratar de discutir o tratado do commercio e a convenção addicional. Por agora não posso, nem devo, responder mais do que disse. S. exa. fallou em certas industrias que estão sobresaltadas, julgando que por esta nova combinação ficam prejudicadas.

Ora, supponha o digno par que eu respondia a s. exa. com relação a duas ou tres industrias, vinham outros membros da camara pedir que os tranquillisasse a respeito de outras industrias, e ahi ficavam sobresaltadas as outras a respeito das quaes, não se tinham feito perguntas. Não podendo revelar os termos em que se acha a negociação, não posso responder por emquanto ás perguntas do digno par.

O sr. A. A. de Aguiar: — Mando para a mesa uma representação da sociedade de geographia commercial do Porto contra o tratado de commercio com a França. Peço a v. exa. que esta representação tenha o mesmo destino que se deu ás outras que apresentei.

Antes de ouvir as explicações do sr. ministro dos negocios estrangeiros ácerca das negociações pendentes com a França, para se modificarem algumas clausulas do tratado, explicações que foram provocadas pelo digno par, o sr. Cortez, tencionava, como promettera n’uma das sessões precedentes, referir-me ao documento que recebi da Covilhã, e que a camara já conhece.

Tendo, porém, dito o sr. ministro que emquanto haja negociações pendentes não póde ser mais explicito, limito-me a declarar que espero que s. exa. attenda n’essas negociações a todas as reclamações que fizeram os industriaes; e emquanto a experiencia me não mostrar o contrario, não devo suppor que o sr. ministro deixe de empregar todos

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os meios ao seu alcance para conseguir o que nos seja mais favoravel.

Como tenho declarado por mais de uma vez, s. exa. sabe perfeitamente que eu n’este assumpto do tanta [...] não faço politica.

Espero que o nobre ministro corresponda á confiança que ainda deposito n’elle, e que os trabalhos que encetou, sejam de natureza, tal, que possam satisfazer as justas reclamações dos industriaes, que estão prejudicados nos e eus legitimos interesses.

Leu-se na mesa foi mandada á commissão competente e publicar na folha official.

O sr. Barreiros Arrobas: — Como se tinha alludido na ultima sessão á questão dos guardas nocturnos e á demora das informações do governador civil de Lisboa a respeito dos arrozaes, disse que, emquanto á primeira questão, o intuito do governador civil não foi senão estabelecer a ordem onde ella não existia, fazendo com que as auctoridades administrativas tivessem conhecimento da idoneidade de individuos, que estavam munidos de chaves para entrarem nas escadas dos moradores das ruas, que vigiavam, e acabar com a instituição dos cabos de policia, que, em virtude do codigo administrativo em vigor, fôra abolida em Lisboa e Porto, e que era uma instituição que servia apenas para vexar as classes menos abastadas, ao mesmo tempo que se prestava a servir de arma eleitoral na mão de auctoridades menos escrupulosas no cumprimento dos seus deveres.

Quanto á demora na remessa ao governo das informações ácerca dos arrozaes, disse que ella provinha de não terem sido ainda recebidas no governo civil as respostas das circulares enviadas aos administradores concelhos de Alcacer do Sal, Seixal e Aldeia Gallega.

(O discurso do digno par será publicado quando s. exa. o devolver.}

O sr. Pereira de Miranda: — Tinha pedido a palavra para dirigir algumas perguntas ao sr. ministro dos negocios estrangeiros por que, considerando melindrosa, a posição de s. exa., entendo que é do nosso dever procurar facilitar quanto possivel a sua missão.

Desejava, pois, que s. exa. me dissesse se havia duvida em mandar á camara as actas das conferencias que se effectuaram com relação ao tratado de commercio com a França, e tinha tenção do fazer este pedido na presença de s. exa.; mas o illustre ministro, tendo necessidade de sair d’esta sala, teve a delicadeza de me prevenir, declarando-me ao mesmo tempo que não teria duvida alguma em remetter para aqui aquelles documentos.

Portanto, nada mais tenho a dizer, e aguardo a satisfação do meu pedido.

O sr. Pereira Dias: — Parece-me que o digno par, o sr. Arrobas, se dirigiu a mim nas explicações que deu á camara ácerca dos guardas nocturnos e dos arrozaes.

Sr. presidente, não pedi, não pedirei nunca, explicações ao digno par; a quem as pedi foi aos srs. ministros, a quem podia e devia pedil-as, ácerca da grave o complicada questão dos guardas nocturnos.

Não me referi, não podia, nem devia referir-me ao sr. Arrobas, par do reino. Não me importam os actos do sr. Arrobas, que eu muito respeito. Dos actos do sr. governador civil do districto de Lisboa, qualquer que elle seja, qualquer que seja o seu nome, eu pedirei explicações a quem devo pedil-as, ao governo, de quem e empregado de confiança.

Se o magistrado administrativo tem assento n’esta camara, ninguem de certo lhe negará o direito de tomar a palavra em defeza propria, quando o fizer convenientemente, opportunamente.

Mas pedir, como pedi, explicações ao sr. ministro das obras publicas, ácerca do procedimento d’este magistrado, e declarar s. exa. que as não podia dar, porque não tivera resposta ao officio que lhe enviára; pedir, como pedi, a presença do sr. ministro do reino, para, o interrogar sobre a questão dos guardas nocturnos, e não ter s. exa. apparecido ainda n’esta casa do parlamento, e apresentar-se agora o sr. Arrobas, substituindo-se aos srs. ministros, a dar-me explicações que lhe não pedi, é deveras singularissimo este facto, que me faz crer que s. exa. quer inculcar-se como um poder independente, alheio ás ordens do governo, do que deveria ser apenas um simples subordinado!

Se o digno par sabia que um seu collega pedira explicações sobre os actos do sr. governador civil de Lisboa, cumprisse o seu dever, aconselhando ao sr. governador civil que immediatamente habilitasse os srs. ministros a dar as explicações exigidas; e então, e só então, o sr. Arrobas poderia, como par do reino, tomar a palavra e defender-se, se, porventura, o accusassem.

O procedimento de s. exa. inopportuno e irregular, é uma inversão dos principios do systema que nos rege; e, ainda, que nós estamos acostumados a presenciar em tudo esta lastimosa inversão, não estou por ora resolvido a soffrel-a, e hei de censural-a como tenho direito, e entendo que e conveniente fazer nos tempos que vão correndo. Occupe cada um o seu logar, que assim convem a todos.

Não quero tratar agora das questões sobre que o digno par, o sr. Arrobas, deu explicações; suo desejo protelar este incidente, tomando á camara o tempo que é preciso para discutir assumpto mais importante; não quero occupar-me das informações que o digno par nos deu, porque as julgo officiosas, sem o caracter de authenticidade official que devem ter.

O sr. Arrobas póde conhecer o que quizer, porque tem aptidão para conhecer de tudo; póde viajar por toda a parte, beber as aguas dos arrozaes, sentir bom appetite e gosar excellente saude; pouco me importam os seus conhecimentos, as suas viagens, e não direi a sua excellente saude, porque a desejo muitissimo; mas o que eu quero e desejo é que o governo obrigue o sr. governador civil do Lisboa a cumprir o seu dever, enviando as informações que lhe foram pedidas.

E a organisação e os inconvenientes dos guardas nocturnos? Ha tantas policias! É bom concentral-as na mão de um só director; eis o que se pretende. E a escravatura branca, a dos cabos de policia, que o sr. Sampaio conservou, como ministro do reino, no seu codigo administrativo?

Tudo isto, sr. presidente, tudo isto está inculcando uma carta separação entre o digno par e o ministerio, de quem é empregado do confiança: (Apoiados.) nem sequer se attendo ás conveniencias da posição, ferindo-se o governo, como o poderia fazer qualquer de nós, que não somos se as empregados de confiança, que o combatemos com firmeza e convicção.

Como tudo isto corre em favor das instituições que nos regem!

O sr. Ministro das Obras Publlcas (Hintze Ribeiro): — Sr. presidente, ha poucos dias tive occasião de dizer n’esta camara, em resposta, ao digno par, o sr. Pereira Dias, que as responsabilidades do governo estavam tão intimamente ligadas com as dos seus empregados confiança, que nem o governo demittia de si as que resultavam dos netos d’esses empregados, nem se furtava ao encargo de responder por elles, sempre que os dignos parca o exigissem.

O digno par manifestou o desejo de ouvir o meu collega do reino ácerca da questão levantada com relação aos guardas nocturnos, e tambem desejou que eu, como ministro das obras publicas, dissesse o que havia cem respeito aos arrozaes do districto de Lisboa.

Não pude responder desde logo a s. exa., porque não tinha as informações officiaes da auctoridade respectiva. Nem deve ser estranhado que essas informações tenham alguma demora, porque n«um districto de tão larga arca como é o de Lisboa, levam tempo a colher, sendo necessario ouvir

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não só os administradores dos concelhos, mas tambem os delegados de saude e as pessoas que têem conhecimentos especiaes do assumpto, para então se poder expor com verdade o que haja ácerca dos arrozaes, e qual a influencia que elles têem nos differentes concelhos do districto, com referencia á saude publica.

Fique, porém, certo s. exa. que, logo que eu tenha quaesquer esclarecimentos a este respeito, não terei duvida em os apresentar á apreciação da camara.

Agora seja-me permittido dizer, que não me parece ser motivo de reparo que o sr. governador civil de Lisboa, não como agente do governo, mas como membro d'esta camara, venha aqui exprimir francamente e abertamente a sua opinião e convicções ácerca de quaesquer assumptos que se apresentem na tela do debate.

Sr. presidente não foi como governador civil que o sr. Arrobas veiu expor os factos de que tinha conhecimento e fazer apreciações sobre elles; foi tão sómente como par do reino, porque pelos seus actos como governador civil responde ao governo e só ao governo.

Creio que ninguem póde impedir que s. exa., como membro d'esta camara, manifeste a sua opinião. As responsabilidades podem separar-se sem que o governo decline as que lhe cabem pelos actos dos seus agentes, aos quaes, quando membros do parlamento, não se póde negar o direito de erguerem a sua voz sobre qualquer questão que no seio d'elle se debata.

O sr. Palmeirim: - Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda, approvando o projecto de lei que lança 6 por cento addicionaes sobre o producto de todas as contribuições.

Mandou-se imprimir.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - A hora está muito adiantada, e, portanto, passa-se á ordem do dia.

Continua a discussão do parecer n.° 26, e com a palavra o digno par o sr. José Joaquim de Castro.

O sr. José Joaquim de Castro: - Sr. presidente - cada qual no seu logar - acaba de dizer o digno par, o sr. Pereira Dias. Nós estamos no nosso. As cadeiras dos srs. ministros é que estão abandonadas!

Lamento que n'uma d'ellas se não possa assentar o sr. ministro da guerra, quando o da fazenda tem o dever de se achar na outra casa do parlamento, ou noutras funcções do seu cargo; e lamento-o tanto mais quanto com relação ao exercito ha questões inadiaveis a resolver, muitas das quaes nem mesmo exigem o menor augmento de despeza. E isto havendo no partido regenerador tantos militares distinctos que, seguramente, bem se desempenhariam de tal encargo.

Quando hontem vi entrar o sr. ministro da guerra suppuz que s. exa. se demoraria nesta casa, visto que a questão que se ventila interessa a despeza geral do paiz, na qual, como tive a honra de dizer á camara, é intima a relação que deve existir entre a força publica, as fortificações e as vias de communicação.

Esperava que s. exa. nos dissesse alguma cousa ácerca do que tenciona fazer para melhorar as precarias condições em que se acha o nosso exercito, e levantal-o do profundo abatimento em que existe; e bem assim se adoptariam as propostas que eu estava justificando, tendentes a melhorar as condições do caminho de ferro em discussão, sob o ponto de vista militar, sem, com tudo, alterar o seu pensamento economico. S. exa., porém, saiu da sala pouco depois de entrar, provavelmente porque deveres officiaes o chamavam a outro logar. E uma questão que interessa a defesa nacional, por se referir a um caminho de ferro que atravessa as zonas defensivas de Torres Vedras, tão celebres na nossa historia militar, continua a ser tratada sem que, por parte do governo, o ministro competente assista ao debate! Sempre o mesmo desinteresse, para não dizer abandono, no que respeita á nossa constituição militar, a qual em nada implica com o desenvolvimento material e moral da nação, antes o vivifica. (Apoiados.)

Mas, que necessidade tinha o sr. ministro da guerra de assistir á discussão, quando se achava tão bem representado pelo novo general, o sr. ministro das obras publicas, que em tão pouco tempo fizera grandes progressos em tactica e em estrategia?!

Quem não admirara o sr. Hintze Ribeiro, respondendo ao digno par, o sr. João Chrysostomo, estranhando-lhe que tivesse entrado n'algumas hypotheses de invasão, tomar em seguida posição apoiar o plano direito no parecer da maioria da commissão, de 10 de abril; apoiar Q plano esquerdo no parecer da minoria; e, apesar de preferir posições fracas, que o inimigo não atacará de preferencia, cobrir-se pela frente com o officio do presidente da mesma commissão, por causa do imprevisto, não se esquecendo de collocar a reserva á rectaguarda, era o parecer da commissão de defeza de Lisboa e seu porto, que s. exa. tão cautelosamente occultava e do qual se mostrara tão avaro!

Em tal situação, inclinando-se ora para um, ora para outro lado, ora empregando a reserva a proposito, discutira quantas invasões se podem phantasiar, aproveitando de cada um dos pareceres o que mais lhe podia convir, occultando cautelosamente o resto! (Apoiados.) Empregara a reserva não como antigamente se fazia, na ultima extremidade, mas a proposito, porque bem sabia que não lhe podia falhar; fôra preparada na quarta feira de trevas e apresentada em quinta feira de endoenças! Pela grandeza e significação de taes dias não podia deixar de lhe dar constante luz! (Apoiados.)

ra, tendo o nobre ministro aproveitado de cada um dos pareceres o que melhor lhe conviera, corre-me o dever de continuar a mostrar quaes os pontos em que os pareceres divergem e aquelles em que se acham de accordo. Peço licença á camara para occupar a sua attenção por mais algum tempo.

(Entrou o sr. presidente do conselho.)

Folgo muito de ver entrar na sala o sr. presidente do conselho. O assumpto de que se trata parece-me que não deve ser indifferente a s. exa.

Sr. presidente, entrando na confrontação dos referidos pareceres, observa-se que elles se acham ainda de accordo em que, tanto em Tancos como no Bussaco, se póde offerecer uma tenaz resistencia ao inimigo; que a posição militar de Ourem é, por sua natureza, forte; que a defeza concentrada, deve ser limitada ao norte pelas posições militares de Santarem, Rio Maior, Obidos a Peniche; e emquanto a maioria é de opinião que o melhor meio de tornar aproveitaveis aquellas posições é pelo troco do caminho de ferro de Torres a Pombal, o qual, pela rapidez dos movimentos, tanto para a frente como para a retaguarda das serras de Monte Junto e Candieiros, substituo a falta de communicações lateraes n'aquella zona, servindo ao mesmo tempo as posições de Tancos, Thomar, Ourem e Leiria, ao norte da linha de Santarem a Peniche; a minoria opta peia direcção de Leiria á Figueira, parecendo-lhe que o entroncamento em Pombal prejudica a defeza concentrada.

O digno par que me precedeu, o sr. João Chrysostomo, demonstrou exuberantemente a importancia militar das ditas posições que demoram ao norte da linha que limita a região da defeza concentrada.

Quanto á importancia militar de Coimbra, os dois pareceres tambem não divergem.

Com effeito, diz a minoria:

"A disposição geral do terreno e das vias de communicação, a economia, a vida politica das provincias do norte do paiz marcam a posição Coimbra-Bussaco como sendo o centro de concentração natural das forças que demoram ao norte das serras da Estrella, Louzã e Sicó, nas bacias, hy-

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drographicas do Mondego e dos rios que, ao norte d'elle, vão desaguar no oceano."

A maioria diz:

"Devemos observar que a chave da defeza do Mondego é Coimbra, que assegura as communicações de uma para outra margem."

por isso que em todos os estudos sobre a defeza do paiz, esta cidade é considerada como um ponto estrategico importante, o que é affirmado pela campanha de 1810, e ahi, e na posição militar do Bussaco, que perfeitamente a cobre e defende, se propõe a construcção de obras de fortificação, a fim de organisar aquelle ponto estrategico, como a base de todas as operações que se execrarem ao norte do Mondego.

Sr. presidente, havendo completo accordo em que Coimbra, e não a Figueira, é o objectivo mais importante ao norte de Leiria, sobre o Mondego; suppondo que as nossas forças se achavam em Tancos, Thomar, Ourem e Leiria, tendo, em virtude de qualquer combinação, convergido sobre este ultimo ponto; se d'elle tivessemos de as concentrar sobre Coimbra: deveriamos seguir a direcção divergente, á Figueira, ou convergente sobre Pombal? Nenhum estrategico teria duvida em decidir-se por este ultimo ponto. Não deverão as linhas ferreas convergir para os pontos estrategicos mais importantes, ou de as forcas têem de ser chamadas a operar? Pela linha directa á Figueira poderiamos, por certo, conduzil-as a Coimbra pelo respectivo ramal; mas se não chegassem a tempo ao ponto onde tivessem de ser empregadas, de que serviria acharem-se ellas mais ou menos proximas?

Devemos ter sempre em vista o que a tactica dispõe, quanto ao principio fundamental da guerra: "Não são as tropas presentes que decidem da victoria, mas sim e unicamente as tropas operantes, as quaes devem ser postas em acção, com energia e união, para reduzirem um esforço simultaneo".

Porventura poderá sempre um augmento de velocidade supprir o maior desenvolvimento da linha? Sabemos que n'um caminho de ferro, um certo numero de vertas é preferivel ás rampas um pouco fortes, pois que r das não só obrigam á diminuição de velocidade, mas a diminuir a carga, e por conseguinte, o numero de viaturas que compõe cada trem; o que é um grande inconveniente.

Mas, satisfará o traçado da linha ás condições exigidas para as grandes velocidades? Duvidâmos.

Mas, sr. presidente, já declarei a v. exa. e á camara, que não foi o partido progressista que trouxa para aqui as questões de estrategia e de tactica. Foram os dignos pares da opposição em 1880 que provocaram taes debates. (Apoiados.) E já que estamos neste campo, vejamos o que mais nos diz a estrategia sobre o objecto em discussão:

"Todo o theatro presumptivo de operações eleve ser munido previamente de um centro de acção, de onde as forças moveis possam contrariar e difficultar as operações do inimigo, servindo de apoio aos defensores, e recolher as forças, em caso de revez."

Qual será, pois, o centro de acção mais vantajoso para apoiar na defensiva-offensiva as nossas operações? Será algum ponto a oeste de Pombal, a 6 kilometros de distancia? Será qualquer outro ponto, entre Leiria e Figueira - o mais a oeste que for possivel - na linha directa, como opina a commissão de defeza de Lisboa e seu porto, ultimamente consultada? Será algum ponto, entre Leiria e Alfarellos, no troco da linha parallelo á do norte? Porque não ha de ser Pombal, que naturalmente se indica, tendo proximo e a norte Soure, a que se acha ligado na direcção de Coimbra?

Pombal, julgado tão vantajoso pelo governo regenerador em 1879 para entroncamento das duas unhas, como é que em 1880, e actualmente, é reputado nocivo á defeza!

Mudariam as posições geographicas de Pombal e Leiria?!

Succedeu com esta questão o mesmo que teve logar com a do tratado de Lourenço Marques, e com mais outras? Quem negociou o tratado? O governo regenerador. Quem conseguiu melhoral-o? O governo progressista. No emtanto os regeneradores tornam os progressistas responsaveis pela herança que lhes haviam deixado! (Apoiados.)

Mas, voltando ao assumpto. Pombal, fortificado nas condições que hontem expuz á camara, com pouco despendio, póde e tornar-se um bom centro de acção. Como poderá Alfarellos servir de peão de operações sem ser fortificado, quando é um ponto fraco pela natureza? Que apoio daria ás tropas? Qual seria o ponto de refugio para ellas se refazerem em caso de revez?

A theoria inventada pelo sr. ministro das obras publicas "de devermos occupar de preferencia os pontos fracos" será seguida só por s. exa. (Apoiados.)

endo um dos objectivos do inimigo apoderar-se da testa das linhas ferreas e dos pontos de cruzamento, como deixaremos de augmentar a forca defensiva de taes pontos, com fortes de arrêt, destinados a deter o passo ao inimigo, ou com outros meios defensivos?!

Sr. presidente, como já tive a honra do dizer a v. exa. e á camara, a maior divergencia entre os dois pareceres da commissão de 10 de abril foi quanto á directriz a seguir ao norte de Leiria, ou da Marinha Grande, mostrando a maioria a vantagem de que a linha ferrea fosse entroncar em Pombal, e o official que se afastou d'este parecer, opinando por que ella se dirigisse á Figueira; e mesmo, n'esta hypothese, entendia o referido official que não havia necessidade de fortificar este ponto, como era preciso fazel-o com relação a Pombal.

As considerações que tive a honra de expor á camara parecem-me mais que sufficientes para mostrar a maior solidez em que se baseiam o á argumentos da maioria da commissão; no entanto, acompanharemos ainda os dois pareceres n'esta questão, que se liga directamente com a defeza das costas e com o ataque, ou invasão, pelo lado do mar.

Sustenta a minoria que a Figueira nunca póde ter importancia para a defeza do paiz, mas que seria vantajosa a linha ferrea que ali se dirigisse, para a evacuação do material de guerra em direcção a Lisboa, pelo ramal da Pampilhosa á Figueira; que julga estes dois ultimos pontos ao abrigo de um golpe de mão pelas posições do Bussaco e Coimbra, dando vantagem aconomica a ligação na Pampilhosa, no caso do ataque por mar; e que havendo sobre o rio Mondego o ponto de passagem na Figueira, alem do de Coimbra, ainda assim não teriamos necessidade de dividir as nossas forças para defender aquelles dois pontos; e que, finalmente, a sua directriz de Leiria á Figueira é essencialmente economica, porque dispensa toda e qualquer fortificação.

A maioria faz ver, com mais solidos argumentos, que o caminho de ferro á Figueira, augmentando a importancia militar d'este porto, não o dispensa de ser fortificado; entendendo mais que os effeitos geraes de um caminho de ferro, sob o ponto de vista militar, devem traduzir-se da mesma maneira na Figueira, ou em Pombal, e em todos os pontos estrategicos por onde elle passe, que exijam o emprego das fortificações; que havendo um outro ponto de passagem no Mondego, a oeste de Coimbra, deverá ser protegido por obras de fortificação e obrigará a dividir as forças destinadas á defeza do rio, o que é inconveniente, pois que as forças se devem concentrar, quanto possivel, para a defeza; que se esse segundo ponto de passagem for na Figueira, acresce ainda a necessidade de o proteger contra um ataque por mar; o que augmenta as despezas de fortificação e os effectivos necessarios a sua segurança; quanto á vantagem da evacuação do material, pela linha da Figueira a Lisboa, a que se refere o parecer da maioria, não póde ella ser consideravel, porque hoje os gran-

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des depositos não se empregam junto ás tropas; os caminhos de ferro são destinados a substituil-os, visto que a principal vantagem destas vias de communicação consiste em fazer conduzir os recursos do interior do para aos pontos occupados pelas forças em operações.

A maioria é ainda de opinião que a forte posição do Bussaco póde levar o inimigo a observar a posição, torneando-a com força sufficiente: este movimento póde ser vantajosamente dirigido sobre a Figueira, onde o inimigo encontraria uma ponte sobre o Mondego e uma linha ferrea sobre Lisboa; seria, pois, indispensavel uma testa de ponte na Figueira, ligada com as obras da defeza da barra; que a occupação da Figueira obrigaria a dividir as forças da defeza, não só depois dá batalha do Bussaco, se ella se desse, mas mesmo antes.

A maioria, na sua exposição de 17 de janeiro de 1881, sobre o estudo militar comparativo entre o caminho de ferro de Lisboa por Torres Vedras a Pombal, e aquelle cujo traçado seguisse de Lisboa por Torres Vedras á Figueira, exposição que se julgou obrigada a fazer, em consequencia do vogal que se afastou, se occupar de uma hypothese não comprehendida no estudo que lhe fôra commettido, conclue da seguinte fórma:

"Alem de todas as vantagens militares que apresenta a linha do caminho de ferro de Torres ao Pombal por Torres Vedras, que foram apresentadas no seu relatorio (de 29 de dezembro de 1880), acrescenta hoje que essas vantagens são muito superiores ás que se poderiam obter quando a linha ferrea fosse passar na Figueira da Foz."

Sr. presidente, vejamos agora se a necessidade de fortificar a Figueira se acha confirmada por o que se tem feito nalguns paizes de extensas costas maritimas como a França, a Italia e outros, e com o que nesses paizes se tem escripto ácerca da materia.

Em França tem-se limitado as disposições defensivas:

1.° Aos arsenaes que contêem aprovisionamentos importantes.

2.° Ás cidades que servem de base para as operações maritimas;

3.° Aos pontos onde poderia desembarcar facilmente grande quantidade de tropas.

A guerra de 1870 a 1871 mostrou que era muito inconveniente ter disseminado o material de artilheria das costas.

Grandes melhoramentos e transformações se tem operado, principalmente em Toulon, Rochefort, Lorient, Brest e Cherbourg, demolindo umas fortificações, construindo outras novas, e pondo em estado de resistir ao effeito da grossa artilheria as que podem ser conservadas e ampliadas.

Na Italia e n'outras nações tem-se procedido analogamente.

Sr. presidente, os escriptores militares que tem tratado da defeza das costas maritimas, dizem que o ataque de uma costa tem geralmente dois fins: a tomada ou destruição de um arsenal maritimo ou de um grande porto de commercio, e o desembarque de corpos de tropa, destinados a invadir o territorio.

A praça maritima, que se deseja defender pelo lado do mar, póde ser tambem atacada por terra; deve, pois, ser defendida deste lado por uma cintura de fortes como tem logar nas outras praças. Os dois fortes extremos da cintura deverão ser ao mesmo tempo capazes de resistir aos ataques de mar e terra.

Quando o porto a defender se acha n'um ancoradouro aberto será difficil impedir que uma esquadra inimiga se approxime.

É, pois, necessario guarnecer a costa entre os dois fortes extremos da defeza com o maior numero de bocas de fogo de grosso calibre; e não podem dispensar-se os barcos-torpedos para a defeza do porto.

É impossivel defender contra um desembarque todos os pontos de uma extensa costa, onde elle póde effectuar-se; a defeza deve limitar se aos mais importante, como, por exemplo, os que se acham na proximidade dos postos fortificados, que podem ser considerados como campos entrincheirados, servindo de apoio ás forças moveis que têem de operar ao longo da costa.

É innegavel, sr. presidente, que a linha ferrea em direcção á Figueira augmenta a importancia militar d'este ponto.

E, comquanto elle se não recommende como povoação maritima militarmente considerada por não conter arsenaes ou grandes depositos de aprovisionamentos, nem tão pouco como porto importante de commercio, caso em que devia ser fortificada; o desembarque nas suas proximidades de que ternos exemplos, e o augmento da sua importancia militar em consequencia da linha ferrea, obrigam do mesmo modo a augmentar-lhe a força defensiva.

Sr. presidente, direi ainda quanto é inconveniente que a linha de defeza do Mondego vá apoiar-se na Figueira. Estabelece a estratégia que uma das condições indispensaveis para que uma base de operações ou uma Unha de defeza se julgue perfeita, é adiar-se ella distante do territorio neutro ou do mar; e sendo certo que um ou outro d'estes obstaculos, difficil de transpor, póde formar sempre um lado do quadro estrategico, do qual o exercito movel dos defensores deve sempre afastar-se, como escolheremos a Figueira para apoiar o flanco esquerdo da linha defensiva do Mondego, suppondo a defeza ao sul? Se o inimigo conseguir apertar-nos sobre a Figueira no decurso das operações, impellindo-nos para aquelle ponto: qual será a nossa linha de retirada?

Teremos esquadras sufficientes que possam bater-se com as do inimigo?

Terá aquelle rio as condições necessarias para constituir uma boa base ou uma boa linha de defeza, como se exige em estrategia? Não tem. Porquanto nem é de corrente impetuosa, difficil de transpor em todas as epochas do anno, nem as margens se acham defendidas por fortalezas situadas a cavalleiro do rio, em boas posições estrategicas, as quaes, ainda mesmo que existissem, não podiam ser utilisadas, visto que o sr. ministro entende ser desnessario augmentar-lhes a força defensiva com o auxilio das fortificações.

O ponto de entroncamento em Alfarellos tão proximo da margem do Mondego, e sem importancia militar, não a tem igualmente para a defeza do rio. O systema moderno, considerando que a organisação da defeza de um rio, se deve fazer do mesmo modo que o de qualquer outro ponto estrategico importante, impõe que a referida defeza se faça á retaguarda sufficientemente distante, em torno de posições escolhidas de antemão e convenientemente fortificadas, que sirvam de apoio ás tropas.

Sr. presidente, que vantagens poderão ter sob o ponto de vista de transportes, duas linhas ferreas independentes de Lisboa a Coimbra e de Lisboa á Figueira, embora ligadas em Alfarellos (ou não se sabe onde) por dois ramaes, sem a indispensavel linha de cintura?

Na ultima guerra do Oriente, os turcos experimentaram os grandes inconvenientes de serem independentes as poucas linhas ferreas de que dispunham todas de uma só via, e com as estações muito afastadas umas das outras.

Sendo o principio estabelecido n'uma concentração que o material circulante deve vir de todas as linhas ferreas para aguellas destinadas aos transportes, não pôde, pela independencia das linhas, ter logar a pratica d'este importante principio na concentração das forças turcas, alem de que o numero de vehiculos em cada linha era insufficiente. Na linha principal que possuiam, de Constantinopla a Ichtiman e seus dois ramaes de Andrinopla, não havia mais do que 62 locomotivas e 1:613 wagons de todas as especies, comprehendendo as carruagens,

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A linha de salonica a Metrovitza tinha só [...] locomotivas e 287 vehiculos; assim as mais.

Considerando o grande afastamento das estações, factor importante nas linhas de uma só via, attendendo á extensão do trajecto, ao tempo preciso para os trens voltarem e, emfim, á qualidade do material circulante, observou-se: que nas condições mais favoraveis não era possivel expedir mais do que 5 a 6 trens por dia, nos dois sentidos, nem mais de 4 na linha de Salonica, no mesmo tempo; emquanto que, geralmente, nas linhas de uma só [...], em condições regulares, podem andar 10 a 12 comboios em vinte quatro horas. Como na construcção d'estas linhas se excedeu muito o limite das curvas e das rampas, resultou serem os transportes militares muito difficeis, e muito arriscado andar de noite. A difficuldade cresceu por falta absoluta de regulamentos sobre transportes.

Como desde 1875 a Turquia se achava em [...], completando de dia para dia os seus effectivos, póde dizer se que em rigor não houve mobilisação, e a concentração só teve logar em parte, por se acharem bastantes formas proximas dos pontos onde eram chamadas a operar. Apesar de tão imperfeitos meios de acção as duas linhas de Rustckuk a Varna, e de Salonica a Metrovitza, [...] importantes serviços no primeiro periodo da campanha. E na retirada do exercito turco depois da capitulação da Plewna, aquellas duas linhas e a de Constantinopla, serviram para o transporte de algumas fracções do exercito activo e de grande numero de emigrantes que procuravam refugio na capital.

A Russia, pelo seu lado, não pude compor os trens de mais de 30 viaturas, tambem pelas más condições das suas linhas, emquanto que na Allemanha e na França [...]. compõe-se de 50 viaturas, e ás vezes mais.

Sr. presidente, não quero fallar no tempo que levraia a mobilisação do nosso exercito. Partindo de que [...] acharia completa, vejamos os meios de que podemos [...] para operar sobre qualquer ponto da zona ao norte de Torres, a concentração apenas de duas divisões no [...] de 25:000 homens. Supporemos que do ponto objectivo principal, Lisboa, e da estação do caminho de ferro do norte e leste, bem como da estação em Alcantara, precisavamos concentrar rapidamente sobre Coimbra-Bussaco, os 25:000 homens, constituindo um corpo de exercito. Admittamos mesmo a existencia da linha de cintura, que s. exa., o sr. ministro, não julga necessaria; mas que sem ella não poderiamos utilisar o material circulante das duas linhas - Alcantara, Torres, Alfarellos, Coimbra - Santa Apolonia ou Xabregas, Pombal, Coimbra. Suppondo ainda que nas nossas linhas cada trem ou comboio seja composto de 40 viaturas, media entre a composição franceza ou alemã, e a ottomana, seriam precisas 128 machinas e [...] viaturas de todas as especies para o transporte do dito corpo de exercito, que não poderia effectuar-se em menos de 84 comboios.

O caminho de ferro do norte o leste possue, em estado de servir, 69 locomotivas, 246 carruagens das differentes classes, incluindo as carruagens-salões, [...] vagons de differentes especies, ou 1:201 carruagens e wagon, dos quaes alguns podem servir tambem para o transporte de tropas.

Que material circulante poderá vir a ter a nova linha - Alcantara, Torres, Alfarellos?

Parece-me que, dando-lhe o mesmo que possue o caminho de ferro do Minho e Douro, será rasoavel.

Do relatorio da direcção sobre a exploração d'aquellas linhas, em 1880, consta existirem em serviço, 28 locomotivas, 113 carruagens e 292 wagons, ou 405 vehiculos. Em conclusão, poderiamos dispor de um total de [...] locomotivas e de 1:506 wagons.

Ora, sendo precisas para o indicado transporte 128 machinas, faltam ainda 31; assim tambem, carecendo-se de 3:360 wagons, faltam 1:754.

Sr. presidente, não basta ter linhas ferreas, suppondo-as mesmo em boas condições militares, é preciso haver meios de utilisal-as para o transporte das tropas.

Depois de construida a linha, cujo projecto se discute, e bem assim a de cintura, que é absolutamente necessaria, ficaremos ainda em peiores circumstancias do que aquellas em que se achava a Turquia em 1877 a 1878.

Não foi por falta de material circulante, na guerra de 1870-1871, que os francezes deixaram de tirar todo o partido das suas linhas ferreas.

Do inquerito parlamentar a que se procedeu depois da guerra, reconheceu-se que a França possuia 150:000 wagons e as machinas correspondentes, exigindo o transporte de todo o exercito apenas a quarta parte d'aquelle material.

Foi, principalmente, como já tive a honra de dizer á camara, pela falta dos regulamentos de transporte; e tambem porque os francezes abusaram muito do emprego das linhas ferreas durante a guerra, fazendo frequentemente seguir as tropas por ellas, quando, em virtude do pequeno numero de etapas a vencer, deviam ter seguido a pé.

Referirei apenas, como notavel exemplo d'este abuso, o transporte do sexto corpo do exercito, de Chalons a Metz - se artilheria tivesse ido pelas estradas ordinarias, chegaria a tempo a Metz de secundar efficazmente a defeza de Saint-Privat.

Foram taes as demoras no embarque das tropas e do material, devidas á insufficiencia do meios para o realisar, e taes as difficuldades durante o transporte, que a operação não teve resultado.

As linhas transversaes francezas, construidas em condições inferiores ás longitudinaes, não se prestando ao serviço das grandes velocidades concorreram tambem para que os transportes não fossem tão rapidos como na Allemanha, onde todas as linhas se prestam igualmente áquelle serviço.

Ainda assim, os transportes em França de uns para outros pontos do theatro de operações, foram em grande numero, e alguns executores com muita regularidade.

No começo da guerra foi transportada a divisão [...], do setimo corpo, do [...], con tanta velocidade que pôde tomar parte n'aquella batalha.

O transporte dos restos do exercito de [...] sobre Chalons, fazendo innumeras voltas, conseguiu subtrail-os ao contacto do inimigo, o que permitiu depois a formação do exercito de Chalons.

Este movimento que comportou um conjuncto de [...] homens, 12:000 cavallos e 1:300 viaturas, fez-se com muita regularidade e em boas condições.

Na guerra de 1866 já os prussianos se serviram das linhas ferreas para a deslocação de corpos de exercito completos, de um para outro theatro de operações.

Em 1871 fizeram-no ainda em maior escala.

E o que podemos nós fazer, sr. presidente?

Não temos material, nem regulamentos de transportes! Mas para que precisâmos d'elles se não temos exercito! Pouco ha que transportar!...

SR. Presidente, farei ainda algumas considerações ácerca do embarque e desembarque das tropas e do respectivo material, a fim de completar a justificação das propostas, que prometti mandar para a mesa.

O embarque, em geral, não offerece grandes difficuldades uma vez que os caes, denominados de embarque, se estabeleçam a alguns kilometros dos grandes centros habitualmente occupados pelas tropas n'uma via auxiliar, ligada á linha ferrea principal, e sufficientemente extensa para permittir o embarque de quatro a cinco trens ao mesmo tempo.

Nos caes deve haver todo o material, fixo e circulante, para o embarque rapido do material e animal. O systema regional militar favorece consideravelmente esta operação.

A operação de desembarque, sr. presidente, é mais com-

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plexa, pois tratando-se de uma concentração, faz-se idéa da grande quantidade de wagons que afflue ao mesmo logar. É indispensavel desobstruir a linha principal, tornando o desembarque rapido e seguro.

Na guerra de 1870-1871, alguns trens, era Franca, estiveram vinte e quatro horas, e mais, á vista das estações, sem poder effectuar-se o desembarque. Evita-se este inconveniente, construindo, nos centros de reunião, previamente escolhidos, estações de desembarque ou desembarcadouros, ao abrigo de um golpe de mão, por meio de alguns trabalhos de defensa, ligados por quatro reductos de campanha, collocados nos extremos dos desembarcadouros, e cobrindo as testas das linhas.

Estes desembarcadouros tornar-se-hão, relativamente, economicos, por deverem ser feitos pelo estado e pelas companhias, servindo-se estas d'elles, durante a paz, como gares de resguardo.

Sr. presidente, concluindo, direi que, não havendo estudos alguns de Leiria á Figueira nem a Alfarellos, emquanto os havia de Leiria a Pombal: contratando-se a linha de Torres e a de Cintra, sem a indispensavel linha de cintura; existindo o protesto da companhia do caminho de ferro da Beira Alta, quanto ao ramal de Alfarellos á Figueira; havendo toda a plausibilidade de que em concurso se obteriam melhores condições para a construcção das linhas, que se discutem, deveria mandar para a mesa uma moção de ordem, propondo o adiamento, ou antes, a substituição do projecto do governo pelos projectos progressistas; porém, a pouca esperança de que a minha moção tenha bom resultado, leva-me apenas a fazer as seguintes propostas, que passo a ler e a mandar para a mesa; attenta a feição militar que se deu a esta linha ferrea.

"Proponho que no contrato provisorio em discussão, a que se refere o artigo 1.° do projecto de lei n.° 13, e bem assim nas bases a que se refere o artigo 2.° do mesmo projecto, sejam inseridas as seguintes clausulas, quanto á linha ferrea que, partindo de Alcantara, segue por S. Domingos de Bemfica e Torres para o norte, atravessando as differentes zonas defensivas:

"l.ª Nos centros de reunião destinados á concentração das tropas, em cada uma das zonas defensivas que o caminho de ferro atravessa, e nos pontos onde a commissão militar julgar mais conveniente, serão construidas estações de desembarque, ou desembarcadouros, ao abrigo de um golpe de mão, sendo a despeza feita pelo estado e pelo emprezario ou companhia, em attenção a que em tempo de paz deverão as referidas estações ser utilisadas pela companhia exploradora, como gares de resguardo.

"2.ª Proximo da estação do Torres Vedras, e no logar onde a commissão militar julgar mais conveniente, se dirija um ramal para as immediações do Sobral de Monte Agraço, ponto estrategico de alta importancia e que pela sua posição central na linha de Torres constitue a chave da posição.

A despeza a fazer com a construcção do referido ramal será metade por conta do estado e metade por conta da companhia, ficando a exploração em tempo de paz a cargo d'esta.

"3.ª O material circulante achar-se-ha em relação com a extensão da linha, sua importancia e principaes fins a que é destinada, sob o ponto de vista militar.

"Proponho mais, quanto ás linhas de que trata o projecto em discussão, que em templo de guerra o serviço de exploração passará para o estado, ficando reservado á companhia o direito de fiscalisar os seus interesses."

Sr. presidente, cumpria-me agora examinar o projecto sob os demais pontos de vista, fazendo sentir que não existe n'elle a gratuidade tão preconisada por s. exa. o ministro; mas tendo tomado já tanto tempo á camara, e achando-se varios oradores inscriptos, termino aqui as minhas considerações.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por grande numero de dignos pares.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo digno par o sr. Castro.

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que no contrato provisorio em discussão, a que se refere o artigo 1.° do projecto de lei n.° 13 e bem assim nas bases, a que se refere, o artigo 2.° do mesmo projecto, sejam inseridas as seguintes clausulas, quanto á linha ferrea que partindo de Alcantara segue por S. Domingos de Bemfica e Torres para o norte, atravessando as differentes zonas defensivas:

l.ª Nos centros de reunião destinados á concentração das tropas em cada uma das zonas defensivas que o caminho de ferro atravessa e nas partes onde a commissão militar julgar mais convenientes, serão construidas estações de desembarque ou desembarcadouros ao abrigo de um golpe de mão; sendo a despeza proporcionalmente feita pelo estado e pelo emprezario ou companhia, era attenção a que em tempo de paz deverão as referidas estações ser utilisadas pela companhia exploradora, como gares de resguardo.

2.ª Proximo da estação de Torres Vedras, no logar onde a commissão militar julgar mais conveniente, se dirija um ramal para as immediações do Sobral de Monte Agraço, ponto estrategico de alta importancia, e que pela sua posição central na linha de Torres constitue a chave da posição.

A despeza a fazer com a construcção do referido ramal seria metade por conta do estado e metade por conta da companhia; ficando a exploração em tempo de paz a cargo d'esta.

3.ª O material circulante achar-se-ha em relação com a estacão da linha, sua importancia e principaes fins a que é destinada sob ponto de vista militar.

Proponho mais quanto ás linhas de que trata o projecto em discussão, que em tempo de guerra o serviço de exploração passará para o estado, ficando reservado ás companhias o direito de fiscalisar os seus interesses.

Sala das sessões, em 10 de abril de 1882. = José Joaquim de Castro.

Foi admittida e ficou em discussão com a materia principal.

O sr. Carlos Bento: - Estando muito adiantada a hora e não podendo eu fazer as considerações economicas e financeiras que desejava fazer com relação ao projecto em discussão, cedo da palavra.

O sr. Barbosa du Bocage: - Sr. presidente, em má occasião me chega hoje a palavra, porque a attenção da camara deve estar fatigada, depois do discurso do digno par, o sr. Castro, a quem eu não acompanharei na vehemencia com que fallou, nem me proponho emittir opinião sobre os numerosos assumptos militares de que s. exa. se occupou largamente.

Tratou o digno par de varias reformas que considera necessarias. Fallou na necessidade imperiosa de uma boa lei de recrutamento e em outras providencias tendentes a melhorar a situação actual do nosso exercito.

Lastimou com insistencia que se houvesse substituido por uma simples commissão consultiva uma instituição que s. exa. creára sobre bases mais amplas com a ficção e inconvenientes de um parlamento militar permanente, o qual me vem recordar um celebre congresso de instrucção publica, creação infeliz de um antigo ministerio reformista.

Lastimou tambem que ácerca das condições estrategicas do caminho de ferro que se discute, não fosse igualmente ouvida a commissão consultiva de defeza do reino.

O digno par fez largas considerações estrategicas ácerca do caminho de ferro de Lisboa a Pombal comparando-o com o traçado da proposta que se discute, de Lisboa á Figueira e Alfarellos.

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Sr. presidente, não está no meu animo, ao entrar hoje n'esta discussão, afastar-me do assumpto, ao qual li consagrar toda a minha attenção.

Não espere a camara que eu vá discutir com pessoa tão competente, como o digno par, professor distinctissimo de estrategia na escola do exercito, os variados assumptos exclusivamente militares com que s. exa. occupou por tanto tempo a attenção da camara.

A camara sabe o quanto sou incompetente para tratar d'estes assumptos.

Nas minhas apreciações procurarei apoiar-me em informações que possam merecer geral assentimento, e servir-me principalmente das que me são fornecidas pelos meus adversarios.

Se for alguma vez inexacto, peço aos dignos pares, que me ouvem, que corrijam as minhas inexactidões.

Eu vou occupar-me de um assumpto, repito, em que não tenho competencia; trato unicamente de justificar o meu voto com a sinceridade que uso praticar em todos os actos da minha vida.

Não sou orador.

Comquanto tenha uma longa carreira no professorado, em presença de uma assembléa tão illustrada sinto-me realmente embaraçado.

Em tudo, porém, quanto disser, creia-o a camara, nunca me desviarei da verdade.

Sr. presidente, eu não tenho objectivo politico que me falseie a consciencia; digo francamente o que penso.

Parece-me que o digno par que me precedeu não foi feliz em querer dar por suspeitos, como dominados exclusivamente por interesses partidarios, os que têem opiniões oppostas ás suas.

A theoria do objectivo politico poderia tambem ser-lhe applicada e iria desauctorisar as suas palavras.

Em relação a s. exa. uma tal suspeita seria injusta; sou o primeiro a reconhecel-o.

Vou occupar-me do projecto que se discute, considerando-o, quanto em mim couber, debaixo das suas diversas phases. Mas, antes de entrar n'esta analyse, eu desejo examinar uma proposta apresentada por um dos caracteres mais illustres d'esta assembléa, cuja competencia no assumpto que se trata ninguem póde contestar, cavalheiro que todos respeitam por seu vasto saber e em que todos reconhecem uma vida publica exemplarissima. Refiro-me ao sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa, a quem eu tributo a maior consideração. (Apoiados.)

Sr. presidente, s. exa. apresentou, em uma das sessões passadas, uma proposta em substituição ao projecto que se discute.

Causou-me uma certa surpreza a apresentação d'essa proposta.

Não me surprehenderia por forma alguma que os illustres membros do partido progressista n'esta camara tentassem sustentar, com os recursos das suas vastas intelligencias e do seu saber, as vantagens do projecto que dimanou do ministerio transacto. Esperava que o fizessem, e não os accusaria de imporem silencio á consciencia em nome de interesses partidarios, quando diligenciassem provar que as vantagens do seu projecto eram muito superiores áquellas que possue o que está na tela do debate. Acreditaria apenas que s. exas. se deixavam dominar por um sentimento nobilissimo, o amor paterno, e eram por elle conduzidos, inconscientemente, a apreciações injustas.

Assim procedera na camara dos senhores deputados um dos mais illustres membros do ministerio transacto, quando comparou os meritos da proposta actual com os da proposta do governo progressista, na qual lhe cabia a maxima responsabilidade.

Suppunha que succederia o mesmo n'esta camara, e que este seria o mot d'ordre da discussão opposicionista. Mas, em vez d'isto, o digno par a que me referi apresentou uma proposta que tendo a substituir o projecto em discussão, dando uma fórma nova ás obras que este ultimo tem per objectivo.

Eu cito de memoria, e desde já peço desculpa a s. exa. se errar a interpretação das idéas contidas na sua proposta; tenho apenas d'ella o conhecimento que resulta de uma simples leitura, s. exa. me corrigirá quando o julgue conveniente.

Devo já declarar que considero a proposta de s. exa. igual, ou quasi identica, á que foi apresentada pelo meu illustre amigo o sr. Pereira de Miranda.

Estas duas propostas; ou a idéa fundamental d'ellas, tem por fim a construcção por conta do estado do caminho de ferro de Lisboa a Torres com os ramaes de Cintra, da Merecana, e de um caminho de ferro de cintura, ligando a estação de Alcantara com a estacão de Santa Apolonia.

Propunham s. exas. que este caminho fosse feito por conta do estado, para o que se levantariam os fundos necessarios, fazendo-se uma emissão de titulos ou obrigações, para as quaes s. exas. coutavam obter um preço igual aos dos titulos do ultimo emprestimo.

Com a exactidão que era de esperar de um tão abalisado engenheiro civil, o digno par, o sr. João Chrysostomo, dizia emquanto reputava o preço kilometrico da construcção e emquanto avaliava o producto inicial de cada uma das linhas, e, partindo d'esse calculo, que acceito como meu, porque dimana de uma auctoridade tão irrecusavel, chegava á conclusão que, dentro de um certo periodo, não muito extenso, conseguiria o estado libertar-se do encargo que, até ali, teria pesado sobre elle.

Não venho contestar, pois, a exactidão das bases com que se pretende assentar esta proposta; apenas pretendo adduzir considerações que derivam do facto d'ella não ter sido apresentada na occasião em que o ministerio progressista trouxe a sua proposta á approvação do parlamento, e da sua confrontação com o projecto que pretende substituir.

Considerando as condições em que esta proposta é agora apresentada, e comparando-as com aquellas que se davam na occasião em que o governo progressista apresentou a sua, vê-se que as condições de então lhe eram mais favoraveis e deviam mais facilmente aconselhar a sua adopção.

Procurarei demonstral-o.

Os precedentes que havia na epocha da apresentação da proposta do governo progressista, com relação ao estabelecimento de meios accelerados de communicação entre Lisboa e Torres (e não fallo no ramal da Merceana, do qual ninguem se occupára), eram a tentativa absurda de um caminho de ferro, pelo denominado systema Larmanjat, o qual deve ter deixado, nos que se associaram a similhante empreza, bem dolorosas recordações; e, posteriormente, outra concessão gratuita de caminho de ferro de via reduzida, que não se póde levar a effeito, comquanto as linhas d'esta natureza sejam muito menos dispendiosas do que esta que vae ser contratada.

N'aquella epocha, sr. presidente, poderia encontrar-se quem pugnasse pela realisação da proposta do digno par, porque estavam na memoria de todos os precedentes que acabei de referir; e, como confirmação da impossibilidade de se fazer este caminho do ferro gratuitamente, podia invocar-se o facto do que se estava passando com a companhia dos caminhos de ferro do norte e leste, a qual impunha ao estado o pesado onus de uma garantia de juro.

N'estas circumstancias, o digno par, sr. Abreu e Sousa, pela sua opinião preponderante nos conselhos da corôa, poderia esperar um favoravel acolhimento ás suas idéas, e alcançaria talvez realisal-as com applauso publico.

Faço estas considerações, não para irrogar censuras a ninguem, pois não me sinto com auctoridade, nem disposição, para as fazer, mas simplesmente por que entendo que ninguem tem o direito de impor aos seus adversarios, pe-

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rante a opinião publica, responsabilidades que não quiz tomar para si, quando podia invocar melhores rasões a favor do seu procedimento.

Os calculos em que se baseou a combinação do digno par, que é um engenheiro distincto, offerecem todas as garantias de precisão, mas não são calculos que se possam tomar como absolutamente infalliveis.

Um dos factores mais importantes d'essa combinação é a esperança de que se obterá uma emissão facil aos titulos do emprestimo que tem de realisar-se; porém, as condições do mercado variam, e devia lembrar a um estadista, tão distincto, que não seria difficil aos interesses que se julgassem lesados por similhante resolução, promoverem, quando se trata da emissão dos titulos, uma baixa nos fundos publicos, e forçar o governo a sobreestar na realisação do seu projecto ou a fazer uma operação ruinosa.

Havia a attender ainda, alem de outras considerações que poderão escapar-me n'este momento, mas que foram de certo presentes ao espirito de tão consumado estadista, como é o digno par a que me estou referindo; havia a attender ainda ao acolhimento que o projecto de construcção de um caminho de ferro por conta do estado, que importaria o augmento da divida publica em mais de réis 4.000:000$000, havia necessariamente receber da opinião publica em presença das penosas circumstancias do thesouro.

A opinião publica, sr. presidente, segundo eu entendo, não é a relação numerica das forças militantes dos partidos politicos, relação que pôde variar accidentalmente.

A opinião publica é a manifestação preponderante da opinião dos indifferentes que vem juntar-se em uma dada circumstancia a um dos exercitos da politica, que se acham collocados frente a frente.

O sr. Camara Leme: - Eu não pretendi lançar desfavor para ninguem. Apresentei factos que não podem ser contestados, e v. exa. tirará d'elles a illação que lhe aprouver.

O Orador: - Os estadistas que compunham o gabinete transacto tinham de considerar este factor, a opinião publica, e não podiam deixar de attender ás objecções ponderosas que se haviam levantar contra aquella combinação; e tanto mais que se podiam invocar, com justiça ou sem ella, precedentes desfavoraveis á execução dos trabalhos por conta do estado, e fazer valer em desabono da proposta do digno par a impossibilidade de se demonstrar a exacta realisação d'elle nas condições previstas pelo seu auctor, taes como: valor dos titulos do emprestimo no mercado, custo kilometrico da construcção, rendimento inicial kilometrico, rigorosa fiscalisação nos trabalhos, etc.

Se por estas e outras considerações se póde justificar o governo progressista de não haver anteposto a proposta, que apresenta agora ao parlamento, ao contrato oneroso que defendeu com tanto ardor em 1881, vejamos se as circumstancias de hoje são mais favoraveis á adopção d'aquella proposta.

Sr. presidente, hoje temos quem se propõe fazer o caminho de ferro de Lisboa a Torres e a Cintra com um ramal para a Merceana sem o menor encargo para o estado; primeiramente, as obrigações, que se podem levantar contra a adopção da proposta do digno par, o sr. João Chrysostomo, têem muito mais força, porque o termo de comparação é diverso.

A opinião publica de certo acceitaria com maior difficuldade ainda a substituição de um contrato absolutamente gratuito pelo projecto que o partido progressista defende n'esta casa.

São estas as apreciações, animado do sincero desejo de fazer justiça a todos, julguei dever apresentar em justificação do meu voto.

Agora tenho de cingir-me á analyse do projecto em discussão. Tenho de considerar n'esta analyse as suas condições economicas e financeiras.

A proposta que se discute contém duas partes: uma, o projecto da construcção gratuita de um caminho de ferro de Lisboa a Torres com os ramaes que todos conhecem; outra, a auctorisação para que o governo contrate com a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes a construcção de uma via ferrea que termine na Figueira e nas immediações de Alfarellos.

Na apreciação que se tem feito quanto á primeira parte, pretende-se inculcar que não ha uma gratuidade tão completa como se affirma no projecto; que a eliminação, que n'elle se nota, de uma linha de cintura, como propunha o governo progressista, deve ser tida como uma falta importante, da qual resultará um onus para o estado.

Tratarei primeiro das tarifas.

Não vejo no artigo do contrato, que permitte a equiparação das tarifas com as do caminho de ferro do norte e leste, conforme está hoje explicado e sabido, o pesado encargo para o publico de que os adversarios d'este projecto querem fazer um argumento em seu favor.

O proprio interesse do concessionario aconselha-o a não exagerar esta faculdade, porque todos sabem que as tarifas, rasoavelmente moderadas, são o que promove mais efficazmente o rendimento dos caminhos de ferro.

Parece-me tambem perfeitamente justo que o pequena encargo resultante da differença que possa haver entre as tarifas do caminho de ferro de Torres em poder de uma companhia que o construe e explora gratuitamente e as tarifas adoptadas por uma companhia subsidiada, vá precisamente incidir n'aquelles que tiram largas vantagens d'essa via accelerada.

Tambem me não parece necessario defender o projecto contra a interpretação pouco feliz de uma das disposições do contrato que permitte ao governo auctorisar o concessionario a elevar as tarifas quando se reconheça que o rendimento bruto kilometrico não attinge a somma de 3:000$000 réis.

Este ponto tem sido cabalmente explicado mais de uma vez por pessoa que tem auctoridade para o fazer - o sr. ministro das obras publicas.

Todos nós sabemos que podem occorrer circumstancias, n'uma epocha qualquer, que ponham momentaneamente em risco os avultados capitaes empregados em emprezas de utilidade publica, se o governo não acudir com prompto auxilio em favor dos capitalistas que têem compromettidos os seus capitaes.

A historia das relações do estado com a companhia real dos caminhos de ferro do norte e leste, é d'isto um evidente testemunho.

Esta companhia, hoje prospera, teria naufragado infelizmente, e teria uma pagina luctuosa na historia, se o estado lhe não houvera acudido generosamente por mais de uma vez ao ver-se em circumstancias bem afflictivas.

No projecto que discutimos está de algum modo indicado como o governo poderá acudir á companhia com quem contratou a construcção da linha a Torres - é a elevação das tarifas, regulada pela fórma que ali se determina. É o governo que ha de auctorisar essa elevação, a entidade governo, que póde ser representada pelos actuaes ministros ou por outros. Não é este governo determinadamente que fica armado com essa faculdade; é este e todos aquelles que lhe succederem na evolução natural dos partidos, como hoje se usa dizer, que hão de executar prudentemente, sob sua inteira responsabilidade, esta clausula previdente.

Ha ainda a considerar outro argumento que se invoca contra a concessão d'este caminho de ferro de Lisboa a Torres, e vem a ser não se achar incluido no contrato o caminho de ferro de cintura.

A importancia d'este caminho de ferro é indiscutivel, comquanto me não pareça que haja ainda um perfeito accordo quanto ao traçado que deva ser preferido.

Para fazermos justiça a todos é preciso que se note que

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o governo progressista não attendeu ao caminho de cintura incluindo-o em qualquer das concessões de caminho de ferro de que tomou a iniciativa.

Este caminho era a consequencia natural, e quasi direi imprevista, da justaposição dos dois caminhos de ferro; um de Lisboa a Torres, contratado pelo governo progressista com a companhia do norte e leste; outro, de Lisboa a Cintra, que o mesmo governo se propunha contratar.

Assim teriamos em Alcantara a estação do caminho de ferro de Cintra, accommodada unicamente a um trafico muito limitado, como o que se póde dar entre pontos tão approximados e dentro de uma area tão restricta, e d'ella partira um caminho de ferro que, ao encontrar-se com o de Lisboa a Torres na Porcalhota proximamente, estabelecia a communicação de Alcantara para a estação de Santa Apolonia, e constituiria por esse facto um caminho de ferro de cintura.

Mas, fosse como fosse, é certo que este caminho de cintura, cuja extensão é considerada inferior a 8 kilometros, pelo digno par o sr. João Chrysostomo, como devendo custar uns 350:000$000 réis.

S. exa., porém, entende tambem que este caminho teria um trafego consideravel, e tanto assim que julgou que se dava em relação a elle uma circumstancia excepcional, isto é, que o seu rendimento kilometrico alem de avultado teria um incremento successivo de 4 por cento, emquanto que nos outros troços e ramaes, s. exa. admittiu apenas uma percentagem de 2,5 como representação do incremento animal do producto bruto.

Ora, parece-me que com os dados que acabo de apresentar de pessoa tão auctorisada, não póde ter-se em muito o onus que virá a resultar para o estado da ligação das duas estações de Alcantara e Santa Apolonia, por um caminho de cintura, antes será permittido conjecturar que o governo conseguirá obter de graça, ou quasi de graça, esse melhoramento logo que se proponha a contratal-o. Qualquer das duas companhias, resolvida que seja a adopção do traçado mais conveniente, tomará a si a realisação d'esse melhoramento publico.

Sr. presidente, desejo ser muito breve; mas parece-me que nem as minhas forças, nem as forças dos meus collegas permittem que eu conclua hoje o que tenho que dizer.

Por isso peço a v. exa. que me reserve a palavra para a sessão seguinte.

O sr. Presidente: - Vão ler-se umas communicações que chegaram á mesa, satisfazendo a um requerimento do digno par o sr. Vaz Preto.

Leram-se:

Dois officios do ministerio das obras publicas, enviando, em satisfação de um requerimento do sr. Vaz Preto, copia authentica da consulta da junta consultiva de obras publicas e minas, de 19 de dezembro ultimo, ácerca dos estudos e projectos de obras da escola agricola que se vae crear na herdade de Villa Fernando, e as informações e documentos que dizem respeito á correspondencia trocada entre o delegado do governo e a companhia das aguas de Lisboa.

Deu-se conhecimento ao digno par.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira 17 é a mesma que estava dada para hoje, e mais os pareceres n.ºs 28 e 29.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 15 de abril de 1882

Exmos. srs.: João Baptista da silva Ferrão de Carvalho Mártens; Duque de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Sabugosa, de Vallada; Condes, de Alte, de Fonte Nova, da Louzã de Paraty, de Porto Covo; Viscondes, de Almeidinha, de Azarujinba,, de S. Januario, de Seabra, de Sieuve de Menezes, de Soares Franco, de Chancelleiros, da Arriaga; Barão de Santos; Ornellas, Aguiar, Pereira de Miranda, Mello e Carvalho, Machado, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Barreiros, Arrobas, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Eugenio de Almeida, Fortunato Barreiros, Costa e Silva, Margiochi, Henrique de Macedo, Larcher, Jeronymo Maldonado, Abreu e Sousa, Mendonça Cortez, Gusmão, Gomes Lages, Braamcamp, Pinto Basto, Castro, Ponte e Horta, Costa Cardoso, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro, Bocage, Camara Leme, Seixas, Pires de Lima, Pereira Dias, Vaz Preto, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho e Franzini.

Discurso proferido pelo digno par, o sr. Abreu e Sousa, na sessão de 11 de abril de 1882, e que devia ler-se a pag. 337, col. l.ª, lin. 42."

O sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa: - Sr. presidente, parece-me ter demonstrado sufficientemente na sessão passada que Alfarellos, erguido a palladio da independencia nacional, como se pretende, póde ser muito facilmente roubado; que o entroncamento das duas linhas ferreas da Extremadura collocado n'aquelle ponto, sem condições algumas estrategicas ou tacticas, ficaria muito exposto a cair em poder do inimigo, por qualquer lado que se effectuasse a invasão das Beiras, que não seria facil guardar uma linha de mais de 30 kilometros entre a Figueira e Coimbra, e que qualquer posição que o exercito defensor tomasse n'essa linha seria muito arriscada; que não é nos campos do Mondego, mas mais ao sul que se encontram as posições que o exercito defensor poderá occupar para combater ou deter o inimigo; que evidentemente o entroncamento das duas vias ferreas devia estar a conveniente distancia á retaguarda d'essas posições e tambem em posição forte, e que não havia outro ponto n!estas circumstancias senão Pombal, onde a concentração das forças se poderia effectuar para irem occupar outras posições, ou seguindo pela linha de leste ou pela de oeste.

Sinto que o sr. ministro das obras publicas não tivesse tido occasião ou lembrança de requisitar do sr. ministro da guerra a convocação da commissão de defeza, muito antes de resolver este negocio e de o apresentar ás camaras, porque então seria competentemente informado, e estudado este assumpto pelas repartições competentes e tão detidamente como devia ser, e evitar-se-ia uma grande parte da discussão nas camaras legislativas por falta de esclarecimentos e de estudos sufficientes, havendo em consequencia d'essa falta um trabalho e tempo perdido, quando nos podiamos occupar de outros assumptos tambem importantes.

Parece-me que, tratando-se de um caminho de ferro a que se dê uma tão alta importancia, o primeiro cuidado que devia haver era fazerem-se os estudos, e depois remetterem-se ás estações competentes - de um lado a junta consultiva de obras publicas, e do outro a commissão de defeza do reino, a fim de que o governo conhecesse aquillo de que se tratava, a melhor solução a que poderia chegar, e as condições em que devia contratar.

Por isso me parece que este negocio tem seguido um caminho errado, resolvendo primeiro, sem todos os dados necessarios, e só depois ouvindo as estações officiaes, ácerca d'essa resolução, e ficando ainda uma parte por decidir.

Indica-se, por exemplo, a necessidade de construir um caminho de ferro que parta de Lisboa por Torres Vedras a Leiria, e d'ali continue parallelamente á linha do norte; mas, não se marcando os pontos de ligação d'esses dois caminhos, sabe-se só que, de um ponto, ainda por determinar, da linha de Leiria á Figueira, partirá um ramal, pela margem esquerda do Mondego, a entroncar na linha do norte, em Alfarellos.

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Mas o caminho de ferro de Leiria á Figueira por Lares, segundo se diz, deve seguir necessariamente o valle do Louriçal, ou rio do Pranto, e passar no sitio da Vinha da Rainha, apenas 7 a 8 kilometros distante de Lares, e outro tanto da estação de soure, no caminho de ferro do norte. Por que é que Senão adopta esta ligação de Soure com Lares, pela Vinha da Rainha ou immediações, a qual não teria mais de 15 kilometros, construindo-se ao mesmo tempo a linha de Leiria ao Pombal? D'esta fórma não haveria a construir mais de 40 kilometros de caminho de ferro para effectuar a ligação com a Figueira, emquanto que, pelo projecto, haverá a construir, pelo menos, 71, incluindo os 12 de Alqueidão a Alfarellos, proximos da margem do Mondego, e atravez de terrenos mais baixos e paludosos e sem vantagens militares ou economicas, quando, aliás, a bifurcação da linha da Figueira em Pombal ou Soure a poria em communicação com estradas importantes, que partem d'aquelles pontos para o interior da Beira, como são - a estrada de Condeixa, Miranda do Corvo, Louzã, Goes e Arganil, e a estrada de Ancião, Figueiró dos Vinhos, Pedrogão, Oleiros e Castello Branco, e evitava-se, ao mesmo tempo, por este modo de construir duas linhas ferreas parallelas uma á outra em mais de 30 kilometros de extensão, não distando, em alguns pontos, mais de 7 a 8 hilometros.

O que acabo de dizer parece-me mostrar que este traçado nem é vantajoso considerado militarmente, nem considerado economicamente. Passarei agora a completar o que tenho a dizer sob este ultimo ponto de vista, e a sustentar a minha proposta.

Nas considerações que vou apresentar ainda terei em vista que o entroncamento no Pombal é o mais conveniente, porque é ali que convergem muitas estradas importantes que conduzem a differentes partes do paiz. Contra esta minha opinião allega-se que Pombal está no meio de uma charneca, e que, portanto, não seria esse o local mais adequado para o entroncamento dos dois caminhos de ferro. Porém, sr. presidente, quando esta proposição fosse inteiramente verdadeira, que o não é, a ella contrapõem-se muitas outras.

A villa de Pombal, cabeça de comarca, é assas importante por si mesma; mas a importancia de uma estação de Caminho de ferro não deriva exclusivamente .da população do local em que se acha situada, nem da maior ou menor cultivação do terreno, n'um circulo de alguns poucos kilometros de raio em torno d'ella. Deriva principalmente da importancia e extensão das estradas que ali concorrem; é isso que determina o seu movimento de entrada e saída, tanto de viajantes como de mercadorias. Já dissemos que Vão confluir cinco estradas em Pombal, e entre ellas duas muito extensas e importantes, uma em direcção a Celorico por Goes e Arganil, e outra em direcção a Castello Branco e a toda a Beira Baixa.

Ninguem sustentará que é melhor entroncar os caminhos de ferro em pontos aonde não ha estradas. Entretanto é o que acontece em Alfarellos.

Na ordenança geral de uma rede de estradas, ou de uma rede de caminhos de ferro, é ponto muito para attender a melhor coordenação das linhas e a escolha dos seus pontos de cruzamento; e o mesmo se deve fazer na concordancia e correspondencia das estradas com os caminhos de ferro.

Ora, diga-se em boa rasão, se Alfarellos, ou outro qualquer ponto, satisfaz melhor do que Pombal a essa boa ordenança e concordancia?

Pelo contrario, Alfarellos vae alongar as communicações da região servida pelo caminho de ferro de Torres, Caldas, Alcobaça e Leiria com as terras de norte e leste do reino.

A importancia de Pombal já hoje é manifesta pelo seu rendimento de 300:000$000 réis, sendo a primeira ou das primeiras entre todas as estações áquem do Mondego; bem entendido, não contando a de Lisboa.

Parece-me, pois, ter demonstrado a importancia de Pombal, e a conveniencia de ser este ponto preferido a Alfarellos para o entroncamento d'este caminho de ferro com a linha do norte.

Alem das considerações que tenho apresentado, e que me levam a rejeitar o projecto em discussão, ha tambem outra bastante importante, com relação ao svstema adoptado pelo governo, de dividir esta linha ferrea e seus ramaes em duas concessões feitas a duas emprezas differentes tanto para a concessão como para a exploração.

Nenhuma rasão economica, nenhuma rasão de conveniencia, de construcção ou de exploração, eu vejo para tal divisão. Todos sabem que na construcção dos caminhos de ferro de qualquer paiz é da maior conveniencia estudar e determinar um plano bem coordenado de viação accelerada, evitando-se linhas superfluas ou estereis. Não menos conveniente é que a delimitação das zonas exploradas por as differentes companhias seja feita nas melhores condições, para que as mesmas emprezas possam prestar o melhor serviço, e os seus interesses sejam o mais harmonicos que for possivel, para evitar a guerra e conflictos que neste genero de emprezas acaba sempre por uma cordial intelligencia, á custa do publico, que paga os prejuizos da guerra e de se ter repartido por dois exploradores o campo em que mal cabia um.

Assim acontece, que as pequenas companhias são como as fundatarias das grandes emprezas, e que o serviço feito ao publico sáe mais caro, pagando estados maiores e despezas de direcção e administração, mais avultadas do que se se tivesse prescindido de intermediarios desnecessarios.

Por todas estas rasões eu julgo que o resultado inevitavel será a fusão das duas companhias; todavia, sem a vantagem que o governo obteria se contratasse desde logo com uma só.

Diz-se, porém, que o caminho de ferro de Lisboa a Torres Vedras é feito de graça e que nada mais vantajoso se podia obter; mas este argumento não é exacto, visto que não se trata só de construir esse caminho, mas tambem o seu prolongamento até ao Mondego e varios ramaes.

Todos sabem, alem d'isso, que o custo do transporte de 1 tonelada de mercadorias, ou de um viajante, é mais caro quanto mais curtas são as linhas e de menor circulação.

É por isso que as emprezas explorando linhas de pequena extensão, em territorio nem muito rico, nem de densa população, não se acham em boas condições para essa exploração; principalmente quando essas linhas estão, por assim dizer, como que encravadas entre outras, e em uma e outra extremidade estão no seu serviço dependentes de outras emprezas de viação accelerada.

Isto traduz-se em difficuldades de combinação de horarios, em demoras e perda de tempo, e outros inconvenientes que o publico fica soffrendo sem vantagem alguma. Nada me parece, pois, que aconselhasse um similhante fraccionamento, separando a exploração de Lisboa a Torres Vedras da exploração de Torres Vedras á Figueira e ao Mondego.

Na construcção dos caminhos de ferro não entendo que o governo só deva attender a não haver encargos para o thesouro.

Não é só isso que deve determinar a concessão das linhas ferreas ás emprezas.

O seu melhor traçado, a direcção e muitas outras condições de utilidade publica se podem estipular, trazendo mais ou menos encargos para as companhias.

A duração das concessões, a remissão d'ellas e as tarifas dos preços de transporte tambem podem variar muito, ou no interesse do publico ou das companhias.

As linhas ferreas fazem-se, não por que são de graça para o thesouro, mas por que são necessarias, ou de grande utilidade publica.

Um escriptor distincto, escrevendo sobre estes assumptos, diz que se não deve medir o progresso de uma nação só pela extensão material e relativa da sua rede de cami-

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nhos de ferro. A boa coordenação das linhas, o seu traçado logico segundo as industrias e populações que ellas são chamadas a servir, e a sua apropriação á defeza do territorio, tem tambem as suas vantagens.

Um paiz que multiplica desnecessariamente linhas improductivas desbarata a riqueza nacional.

Accumular linhas em certas localidades, deixando outras completamente desprovidas d'este meio de communicação, é, certamente, um grave erro.

Ora, julgo que o governo foi induzido a isto por que entendeu que o caminho de ferro desde Lisboa até Torres se poderia contratar independentemente do privilegio da companhia do norte e leste e mo d'ahi por diante; mas se o governo vae contratar com essa companhia a construcção da linha de Torres até Alfarellos e não acha nisso inconveniente, que duvida tinha em contratar tambem com ella a linha de Lisboa a Torres?

Se o governo entendeu que podia prescindir do concurso, porque não contratou então a construção do toda a linha com essa companhia?

Isto era tanto mais aconselhado que era occasião opportuna para de uma vez se definirem as obrigações mutuas do estado e d'aquella companhia.

O assentamento da segunda via e outras questões pendentes, sobre as quaes convirá dentro em pouco tornar alguma resolução, ou, emfim, quaesquer ajuntes da conveniencia publica sobre a melhor constituicção da nossa rede de caminhos de ferro, e prolongamento do certas linhas eu construcção de alguns ramaes, podiam ser objecto de exame e regulamento na conjunctura presente, com muita vantagem publica.

Eu não tenho o receio, manifestado pelo nosso collega que fallou na sessão de hontem, de que as companhias se isentam das suas obrigações quando os governes querem devéras manter-se na posição que lhes compete de fazer cumprir religiosamente a lei e os contratos. Demais, entendo que, se póde haver pressão, não serão mais alguns kilometros que augmentarão essas influencias poderosas.

Deixando, porém, esta questão, aliás importante, da influencia das companhias sobre que nos levaria longo, passo minha proposta.

No estado presente de cousas, o na situação em que se encontra este negocio, acho que o meio mais pratico, mais prompto e mais facil de saír dos embaraços actuaes, acautelando ao mesmo tempo o futuro, seria o seguinte.

Construir desde já o governo o caminho de ferro de Lisboa a Torras e seus ramaes, visto que o póde fazer, sem onus para o thesouro, pelo systema que proponho.

Adiar a construcção da secção de Torres ao Mondego para depois de colligidos todos os dados e de feitos todos os estudos e exames, que habilitem á solução mais conveniente.

Ha mais actualmente, pendente do tribunal competente, uma questão de direito, antes da decisão da qual me parece que seria extemporanea qualquer decisão da camara que mais ou menos pareça intervir no modo de apreciar essa questão.

Construindo o governo já o caminho de ferro de Lisboa a Torres, satisfaz-se a uma necessidade provada, som onus algum, e ficando esse caminho na posse do estado, habilita-se o governo a mais tarde resolver a questão dos caminhos de ferro, que partem de Lisboa até a uma certa distancia, do modo que parecer mais conveniente.

Alienando agora o caminho de ferro de Lisboa a Torres, como se propõe, em vez de conservar na posse do estado esta linha importante, não só pelo seu valor em relação ao seu rendimento, mas ainda como testa de outras linhas que nella podem entroncar e como unico terminus de Lisboa para a viação accelerada ao norte do Tejo, alem de possuido pela companhia do norte e leste, vê-se bem que em tal caso já o governo se não conservará em tão boa posição para negociar qualquer futura remodelação dos nossos caminhos de ferro, principalmente das linhas que atravessam a provincia da Estremadura.

Portento, na solução que apresento em relação á construcção e exploração do caminho de ferro de Lisboa a Torres e seus- ramaes, o ponto essencial e provar que por essa solução não ha encargo para o thesouro, ou que elle é insignificante.

Para mostrar qual é o custo da construcção do caminho de ferro de Lisboa a Torres e seus ramaes, incluindo o caminho de ferro de cintura, adopto as bases seguintes, que me parecem seguras.

[Ver valores de tabela na imagem...]

Deduzindo 5:000$000 réis por kilometro para material circulante, mobilia das estações, officinas e suas machinas, etc., despeza que [....] cargo da companhia exploradora, teremos a diminuir 5X92 460:000$000

Total da somma a levantar pelo governo para a construcção das referidas linhas 3.600:000$000

Mas para levantar 3.600:000$000 réis effectivos é preciso emittir 3.904:000$000 réis nominaes, ao juro de 5 por cento, suppondo o preço da emissão de 83$000 réis por obrigação de 90$000 réis. N'este caso uma annuidade inferior a 200:000$000 réis é sufficiente para servir os juros e amortisação d'este capital.

Vejamos agora qual será o rendimento bruto e liquido do caminho de ferro de Torres e seus ramaes, assim como do caminho de cintura.

Comecemos pelo caminho de Torres e ramaes, e admittiremos que no primeiro anno de exploração o rendimento bruto é de 3:000$000 réis por kilometro, incluindo o imposto de transito.

Para este producto bruto admittiremos no mesmo tempo que as despezas de exploração devem ser avaliadas em 40 por cento do producto bruto ou em 1:200$000 réis por kilometro.

Acceitâmos tambem o calculo do augmento annual do producto producto, apresentado pelas commissões reunidas da camara dos senhores deputados, que foi computado á rasão de 2,5 por cento ao anno, posto que poderiamos, com rasão, suppol-o maior.

Segundo estas bases, o total da receita liquida nos dez primeiros annos da exploração cio caminho de Lisboa e ramaes de Cintra e Merceana, importaria em 1.693:958$236 réis.

Temos agora a acresentar a esta somma o rendimento liquido do caminho de cintura durante os mesmos dez annos.

Continuaremos a suppor tambem, para esta linha, que o producto bruto no primeiro anno de exploração é do 3:000$000 réis por kilometro, posto que tenhamos a convicção que a dita linha será mais rendosa, porque ella póde servir com grande vantagem á circulação interna Lisboa, alem de collectora e distribuidora aos producto viajantes que circularem nas linhas ferreas que têem os seus terminus em Lisboa.

Não podemos, porém, deixar de suppor a esta linha um incremento annual de rendimento inferior a 4 por cento.

Tambem, para maior segurança no calculo, attentas as

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circumstancias especiaes da exploração desta linha, avaliaremos em 50 por cento do producto bruto as despezas de exploração.

No rendimento bruto incluimos tambem o imposto de transito.

Segundo estas bases, o total do rendimento bruto, nos dez primeiros annos da exploração, é 288:088$193 réis, e, portanto, o rendimento liquido 144:344$096 réis.

Resumindo achâmos:

Rendimento liquido do caminho de ferro de Torres e seus ramaes nos 10 primeiros
annos de exploração 1.693:908$236

Rendimento liquido do caminho de ferro de cintura, idem 144:344$096

Total 1.838:302$332

Encargos do thesouro durante o mesmo tempo provenientes da annuidade de réis 200:000$000 2.000:000$000

Fica a descoberto a quantia de 161:697$668 quantia que, na hypothese mais desfavoravel se poderá obter facilmente por adiantamento no preço do arrendamento do caminho de ferro por um praso não inferior a vinte e cinco annos.

Agora sejam-me permittidas algumas observações sobre os dados que adoptei.

O rendimento bruto de 3:000$000 réis por kilometro, incluindo imposto de transito, não e exagerado, segunda todos admittem; mas póde, alem d'isso, provar se por differentes calculos.

Um caminho de ferro que parte de uma grande capital e que atravessa territorio povoado e fertil nas suas immediações, e frequentado pelos habitantes d'essa capital, sempre offerece rendimento excepcional na secção terminus. Nas outras secções, e á medida que se vão afastando d'aquelle grande centro de movimento e população, é que o producto kilometrico vae sendo successivamente menor; a não acontecer encontrar-se outro grande centro de movimento e população, ou territorio mais rico e povoado.

Isto se comprova, comparando este caminho com os que saem do Porto. O caminho de ferro do sul, que não tem comparação com o caminho de Cintra, Mafra e Torres, só na secção do Barreiro á s Venda s Novas dava em 1863 réis 2:000$000 de producto bruto por kilometro. As outras secções que se abriram depois é que fizeram baixar o producto kilometrico medio.

Comparando o rendimento bruto dos caminhos de ferro do norte e leste, e do sul e sueste, no periodo de 1867 a 1877, achamos que o incremento annual medio, no do norte e leste, foi de 8 por cento, em quanto que no sul e sueste foi de 4 por cento no mesmo periodo.

Isto prova que o incremento de 2,5 por cento que adoptámos para o caminho de ferro de Torres é extremamente baixo.

ortanto, o calculo do producto liquido do caminho de ferro a Torres e seus ramaes, computado em 1.693:000$000 réis em dez annos, e o producto liquido do caminho de ferro de cintura de 144:000$000 réis, é provavelmente muito inferior á realidade.

O augmento de 4 por cento no anno da exploração do caminho de ferro de cintura tambem é bastante baixo.

O caminho de ferro de cintura não póde deixar de render mais que os outros caminhos de ferro por que, seguindo a direcção que já foi indicada, de Alcantara até Xabregas, passando pelo Campo Pequeno, serve para facilitar muito a distribuição dos productos das linhas ferreas que vem a Lisboa, e ao mesmo tempo tem a vantagem de servir á circulação interna da cidade.

Ha quem veja nesta proximidade da capital inconvenientes para essa linha; eu, porém, tenho opinião contraria, pois parece-me que uma parte muito importante da
mesma cidade, onde ha grande movimento, se póde aproveitar d'esta, linha. O bairro de Alcantara é um bairro muito populoso, assim como o de Xabregas; as communicações entre estes dois pontos, e mesmo com o centro da cidade, podem ser muito melhoradas, facilitando-se o transporte não só de pessoas, como de mercadorias, transporte que hoje é demorado, e se vae tornando difficil pela obstrucção dos yehiculos era das tortuosas e estreitas, porque a cidade, alem da linha marginal, não possue linhas proprias para uma boa circulação, que atravessem de nascente a poente sem circuitos e ladeiras difficeis e incommodas para o transito.

O caminho de ferro de cintura a que alludo, acho-o de grande vantagem, pois vem acudir, a uma necessidade de todos reconhecida, alem das mais vantagens, e poderá mesmo de futuro prolongar-se do Campo Pequeno para o interior da cidade, por exemplo, até ao matadouro, para se construir uma estacão central. Creio, pois, que tenho rasão para suppor que esta linha ha de render mais do que as outras.

Sommando, pois, o producto liquido de dez annos tanto das linhas de Torres Vedras e seus ramaes com o producto do caminho de ferro de cintura, encontra-se, como já vimos, um rendimento de 1.838:000$000 réis, que, certamente, será inferior á realidade.

Por outro lado, vê-se que a somma das annuidades não excederá nos mesmos dez annos a 2.000:000$000 réis, e que, quando muito, haverá um deficit de 161:000$000 réis a que será facil fazer face por meio de um adiantamento, ou por uma operação qualquer effectuada com a mesma companhia exploradora, contratando com ella, por um praso longo, o arrendamento do caminho.

A differença é tão pequena, que presumo não haveria difficuldades em se fazer uma similhante operação.

Póde ser mesmo que o deficit não venha a existir, porque da discussão na outra casa do parlamento parece poder concluir-se que o custo do caminho de ferro talvez não exceda a 3.400:000$000 réis, e eu parti da hypothese d'esse custo ser de 3.600:000$000 réis.

A construcção por empreitadas geraes seria altamente vantajosa. Não julgo de modo algum conveniente, ou que se deva seguir, o methodo de tareias ou pequenas empreitadas.

Para as grandes obras a construir em praso curto é improprio similhante methodo. O de empreitada geral a preço fixo (for fait), e era praso determinado, é o que convem seguir.

A opportunidade para similhante empreitada não póde ser melhor.

Acaba de se construir o caminho de ferro da Beira Alta por duas emprezas empreiteiras que possuem avultados capitaes, tendo immenso pessoal e material proprio para essas construcções á sua disposição.

Estas emprezas constructoras precisam evitar o empate dos seus capitaes e o desemprego de sua clientella, passando rapidamente de umas construcções para outras.

O concurso aberto para a construcção do caminho de ferro de Lisboa a Torres e seus ramaes, não poderia por isso deixar do ser bastante concorrido, e a mesma empreza constructora poderia ter conveniencia em arrematar a exploração da linha.

Poderá dizer se que d'esta fórma a fiscaiisação por parto do governo não produziria todo o effeito desejado, e seria mais difficil.

Não me parece que essa rasão possa proceder, principalmente pela vantagem dos projectos serem antes bem estudados pelo governo e adoptados para base da licitação, salvas as modificações propostas pela empreza que o governo julgasse conveniente acceitar.

A fiscalisação directa de uma empreitada de caminhos de ferro, contratada directamente pelo governo, é mais facil do que a fiscalisação das obras de uma companhia con-

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tradas tambem por empreitada geral pela mesma companhia, que é o que geralmente acontece. E ainda acontece muitas vezes que são os empreiteiros que organisam as companhias e as representam durante a construcção para com o governo. N'este caso, evidentemente, a fiscalisação por parte do governo é mais difficil, porque tem contra si duas entidades em vez de uma, associadas nos mesmos interesses.

Sr. presidente, tenho examinado este negocio, inteiramente despreoccupado de vistes politicas. Ha questões que não podem deixar ds ser encaradas segundo a politica dos partidos, taes são as que tem mais ou menos relação com os seus principios e com os seus programmas; mas eu fujo quanto possivel de ver pelo prisma partidario as questões de interesse publico; porque tenho observado, que as pessoas que se embrenham muito na politica são acommettidas de um certo daltonismo de espirito, doença que faz ver azul o que é verde, e vice-versa; e assim de outras cores.

Esta doença é hoje muito conhecida, e nos caminhos de ferro é de boa pratica não admittir ninguem para conductor de locomotivas sem exame sanitario a tal respeito.

Faço votos para que os conductores da locomotiva do estado não padeçam similhante enfermidade.

Finalmente, a camara comparando a minha proposta com o projecto em discussão resolverá o que tiver por melhor, na certeza de que eu, apresentando-a, tive só em vista os interesses do paiz.

Discurso proferido paio digno par Antonio Augusto Pereira da Miranda, na sessão de 12 de abril de 1882, que devia ler-se a pag. 348, col. l.ª, lin. 16.ª

O sr. Pereira de Miranda: - Cumprindo o que eu julgo ser a prescripção do nosso regimento, passo a ler a minha moção, que é o seguinte projecto.

(Leu.)

Sr. presidente, eu quero tomar pouco tempo á camara. Não tenho a pretensão de dizer qualquer cousa que possa ser novidade, nem esclarecer a camara num assumpto que tem sido largamente discutido, em duas legislaturas, na camara dos senhores deputados, e que ha dois annos é motivo de demorado debate na imprensa periodica.

Ainda assim, julguei dever pedir a palavra, porque tenho a minha responsabilidade, pelo voto que dei, ligada ao contrato de 12 de janeiro de 1880, firmado pelo meu particular amigo o sr. Saraiva de Carvalho, sendo ministro das obras publicas, contrato feito com a companhia real dos caminhos de ferro de norte e leste para a construcção da linha ferrea de Lisboa a Torres e Pombal.

Ninguem ignora que esse contrato deu origem ás mais graves e ás mais serias accusações dirigidas ao governo, que então geria os negocios publicos, e eu tenho todo o empenho em dizer hoje diante da camara dos dignos pares, que me honro de ter dado o meu voto áquelle projecto que representava a satisfação de uma necessidade publica, projecto que eu considerei então vantajoso para o paiz, e que, nas mesmas circumstancias, mereceria ainda hoje o meu voto.

Sr. presidente, não me admirou nem surprehendeu que o governo actual trouxesse á camara esta questão, porque se trata de uma linha ferrea importante; nas do que me admira é dos termos em que ella foi apresentada, cio que me admiro é da falta de coherencia do sr. ministro das obras publicas de hoje, e do deputado, que foi um dos mais enthusiastas adversarios do contrato do 1800.

Não quer isto dizer, que eu entenda que os homens publicos não podem modificar as suas opiniões; bem longe de mim similhante pensamento; pelo contrario, ha idéas que hoje nos parecem excellentes, e que ámanhã, por circumstancias diversas, que o homem de governo não n'elle desprezar, têem de ser modificadas, ou mesmo esquecidas. Mas ha tambem certas idéas e principios, que nenhumas
considerações ou circumstancias podem alterar, e modifical-as seria um grave desdouro.

Eu vou resumir perante a camara, clara e precisamente, quase foram as accusações que se cingiram ao partido progressista, e ao governo de então, pela apresentação do contrato de 12 de janeiro do 1880, e examinar qual o valor que essas accusações tinham, em face do procedimento cio actual governo.

Nós fomos accusados, sr. presidente, de esquecer os interesses do paiz, para servir os interesses de uma companhia poderosa, a companhia de norte e leste. E entre os accusadores distinguiram-se, pela energia e vehemencia, o actual sr. ministro das obras publicas, e o seu collega da justiça.

Nós feitos accusados de ter esquecido os interesses do paiz, transferindo para a companhia de norte e leste uma propriedade do estado, sem previa avaliação, por uma quantia que se dizia ser muito inferior ao valor real da mesma propriedade.

Eu encontro no contrato submettido agora ao parlamento a mesma propriedade, que é o caminho de ferro da Marinha Grande, cedido á mesma companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, pela quantia de 100:000$000 réis, nem um real a mais, nem um real a menos, isto é, a mesma cifra, que se encontrava no contrato progressista, e por isso pergunto ao sr. ministro das obras publicas de hoje, ao deputado exaltado de hontem, que valor tinham as accusações de então?

Nós fomos accusados de esquecer e desprezar os interesses do paiz, para servir os de uma companhia poderosa, fazendo-lhe a concessão de uma linha ferroa de Lisboa a Torres e Pombal, linha que tinha por fim desviar da linha do norte uma grande parte do movimento de passageiros e mercadorias, produzindo assim a diminuição da receita n'esta linha, e afastando para epocha distante a obrigação imposta pelos contratos com aquella companhia, emquanto ao assentamento da segunda via.

Vemos os nossos accusadores de hontem contratarem a mesma linha e com a mesma companhia, aggravando os inconvenientes, que se apresentavam então como taes, porque nós iamos entroncar o caminho de ferro em Pombal, e o sr. ministro propõe o entroncamento em Alfarellos, quer dizer, 28,5 kilometros mais adiante, o que equivale a diminuir ainda mais a receita da linha do norte, se fossem exactas as affirmações que s. exa. sustentava em 1880.

Nós fomos accusados de apresentar esta questão ao parlamento, desacompanhada de todos os esclarecimentos que eram necessarios.

O actual sr. ministro do reino, Thomás Ribeiro, pedia na camara dos senhores deputados o adiamento do projecto até que o governo podesse apresentar os estudos definitivos. E nós propunhamos uma linha ferrea geralmente reclamada, a respeito do traçado da qual quasi que se póde dizer que são unanimes todos os engenheiros portuguezes.

A commissão nomeada na associação dos engenheiros civis approvava o entroncamento em Pombal.

Havia pareceres singulares de engenheiros distinctissimos, que eram no mesmo sentido.

O ministro das obras publicas, n'uma situação presidida pelo sr. Fontes Pereira de Mello, tambem julgava conveniente que o caminho de ferro de Torres fosse entroncar em Pombal; e note-se que esse ministro é ura. distincto engenheiro.

Pois apesar de todos estes pareceres favoraveis, o actuai sr. ministro do reino pediu, quando deputado, o adiamento do projecto até que houvesse estudos definitivos. E agora somos chamados a pronunciar-nos e a acceitar um traçado sobre o qual não ha estudos de especie alguma, e tanto que [...] ministro das obras publicas nos póde dizer [....] o ponto de bifurcação da linha ao norte de Leiria para a Figueira e Alfarellos.

Nós fomos accusados de esquecer e desprezar os inte-

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resses do paiz para servirmos os interesses de uma companhia poderosa, porque contratámos misteriosamente a construcção de um caminho de ferro, quando podiamos tel-a posto a concurso..

O adverbio mysteriosamente não é meu; foi o sr. Hintze Ribeiro quem o empregou na sua accusação.

Peço á camara que attenda aos termos por que os actuaes srs. ministros das obras publicas e da justiça atacaram o contrato progressista.

Dizia o sr. Hintze Ribeiro, na sessão de 23 de abril de 1880:.

"Mas, sr. presidente, por que foi tudo isto? Por que se alevantaram todos estes clamores? Porque a opinião publica se convenceu de que o governo na concessão do caminho de ferro de Torres Vedras não procedera com o acerto e com a publicidade que são para desejar por parte de um governo que se preza. Por que não abriu o sr. ministro das obras publicas concurso para a concessão d'este caminho de ferro?"

E, porventura, póde o sr. ministro das obras publicas dizer descansadamente que cumpriu o seu dever, e que zelou, como lhe era mister, as justas conveniencias do thesouro e do paiz, desde o momento em que não abriu concurso para uma concessão d'esta ordem?

Peço toda a attenção da camara para as seguintes palavras do sr. ministro das obras publicas:

"Pois póde alguem duvidar de que a companhia do caminho de ferro da Beira Alta seria a primeira a envidar todos os seus esforços, e a sujeitar-se ás mais penosas condições para ter um ponto de saída e de apoio em Lisboa?

"S. exa. duvida? Pois abra concurso, e verá?

"Foi exactamente por isto que a opinião publica se sobresaltou. Foi pela maneira como a concessão se fez á porta fechada, mysteriosamente, e sem concurso que nós não podiamos ter a certeza de se terem salvaguardado, como cumpria, os interesses da nação.

"Mas quer s. exa. que fiquemos todos satisfeitos, e que cesse a nossa opposição? Quer s. exa. dar completa satisfação á opinião publica? Abra concurso, e desde esse momento serei eu o primeiro a applaudil-o, muito embora tenha de lamentar o erro e a incoherencia em que primeiro incorreu."

Por que não abriu tambem o sr. Hintze Ribeiro concurso para a construcção d'este caminho de ferro?

O sr. ministro das obras publicas não recuava ante a insinuação.

É ainda s. exa. que dizia:

"... é mais uma prova de que essa precipitação encobre não sei o que, mas que; por certo, não é a convenienr da do paiz.

"... permittam-me s. exas. que lhes pergunte se acaso se não poderá fazer gratuitamente o que agora já reconhece poder-se obter com a simples garantia de 3 por cento?"

"Podem s. exas. dizer que não. Eu peço a contra-prova. E qual é essa contra-prova? É o concurso."

E agora onde está o concurso, sr. ministro das obras publicas?

A camara notou por certo aquella parte, que é interessantissima, do discurso do sr. Hintze Ribeiro, mostrando o vivo empenho da companhia da Beira em ter um ponto de saída em Lisboa, a que agora serve de commentario eloquente o documento que acaba de ser mandado para a mesa pelo sr. ministro das obras publicas. Refiro-me ao protesto da companhia da Beira Alta.

Não era só o sr. Hintze Ribeiro que combatia o contrato progressista; o sr. Julio de Vilhena, que felizmente está Apresente, entrou tambem nessa discussão.

Sabe v. exa. o que elle dizia?

O seguinte, e na mesma sessão de 23 de março de 1880:

"Não me limito a dizer que é necessario haver concurso, deixo fundamentada esta asserção.

"Eu digo que é necessario o concurso, e digo-o por que a lei assim o exige."

Referia-se o sr. Julio de Vilhena ao artigo 22.° da lei de 15 de julho de 1807.

N'este momento o meu particular amigo, o sr. Saraiva de Carvalho, pediu uns volumes da legislação, e o actual sr. ministro da justiça continuou, dizendo:

"Póde o illustre ministro mandar vir toda a collecção da legislação para cima da sua banca, estimaria muito que o nobre ministro me convencesse de que não era necessario o concurso, ou antes, não o desejaria, porque não quero ver governo nenhum auctorisado n'uma jurisprudencia que negue a necessidade de concurso para a construcção de caminhos de ferro, nem mesmo o governo composto dos meus amigos politicos, quando subirem ao poder, se algum dia lá chegarem."

Um anno depois eram governo; o sr. Julio de Vilhena, ministro, esquecia quanto havia dito, e contratavam a mesma linha com a mesma companhia mysteriosamente, á porta fechada. (Apoiados.)

Isto é maneira de proceder conveniente, seria e grave?

São estas incoherencias, estas contradicções entre as palavras e os actos dos homens publicos que tiram o prestigio aos governos e os desauctorisam, e animam a indifferença da opinião para os negocios publicos. (Apoiados.)

Os homens de talento e illustração, que aspiram ao poder, quando têem os merecimentos que possuem os srs. Hintze Ribeiro e Julio de Vilhena, devem sempre medir as suas palavras e os seus actos, e reflectir e pensar muito no modo por que fazem opposição, para que não aconteça collocarem-se, mais tarde, na situação triste e deploravel em que s. exas. se encontram neste momento.

E digo isto sem azedume, mas digo-o com mágua, porque desejo sempre, quaesquer que sejam os homens que se achem á frente dos negocios publicos, amigos ou adversarios, que elles não percam o prestigio que deve sempre acompanhal-os no desempenho das arduas funcções do governo.

Que valor tinham as accusações que foram feitas ao governo progressista, com relação ao caminho de ferro que agora se discute?

A opinião desapaixonada reconheceu então, e reconhece-se ainda melhor hoje, que taes accusações eram apenas armas de guerra para conquistar mais depressa as cadeiras do poder.

Não sei como a camara aprecia o emprego d'esses meios; eu, por mim, declaro que nunca os empregaria, nem me parece serem convenientes em caso algum.

Accusou-se o partido progressista pela venda que queria fazer do caminho de ferro de S. Martinho do Porto, pelo contrato de janeiro de 1880, dizendo-se que se ia dispor de uma propriedade do estado por uma quantia inferior ao que ella valia.

Pois agora vae-se, da mesma forma, ceder aquella propriedade á mesma companhia, exactamente pela mesma quantia, indicada no contrato de 1880, 100:000$000 reis!

Nem um real mais, nem um real menos!

Não quero lançar desfavor sobre o governo actual, nem inquirir se fez este contrato á porta fechada ou á porta aberta; mas noto o facto do sr. Hintze Ribeiro, entrando no ministerio, pedir auctorisação para vender o caminho de ferro de S. Martinho por 100:000$000 réis, isto é, pela mesma quantia por que o cedia o governo progressista.

O que este facto demonstra é que aquella importancia é o maximo que se póde obter por aquelle caminho, e que, portanto, a accusação que se nos fazia n'esta parte não tinha valor algum.

Tambem foi accusado o governo progressista de não ter aberto concurso para a construcção do caminho de ferro de Lisboa ao Pombal.

A rasão por que assim se procedeu é de facil explicação. O governo, progressista entendeu que não devia dividir esse

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caminho de ferro em dois troços, como propõe o governo actual, e que era mais conveniente aos interesses publicos contratar a sua construcção por inteiro de Lisboa a Pombal.

Ora, esse caminho, indo atravessar, desde Torres Vedras por diante, a zona do protecção da companhia real dos caminhos de ferro do norte e leste, entendeu o governo progressista que não podia, sem faltar á boa fé dos contratos, pôr a concurso a construcção de um caminho que tinha de atravessar uma zona protegida por um contrato.

E agora perguntarei eu ao sr. ministro das obras publicas por que rasão, sendo o caminho de ferro que propõe dividido em dois trocos, um de Lisboa a Torres Vedras, e outro d'este ponto para o norte, não abriu s. exa. concurso para a parte que não implicava com os direitos da companhia dos caminhos de ferro portugueses?

Com respeito áquelle troço de Lisboa a Torres Vedras podia perfeitamente abrir concurso.

Por que não o fez?

Dirá que tendo contratado a construcção d'esse troco gratuitamente, não precisava abrir concurso,

Pois o concurso não podia trazer diversas vantagens e, entre outras, alguma em relação ás tarifas? (Apoiada.)

Quem tão apologista se mostrou do concurso tinha obrigação de cumprir essa formalidade, na parto em que o podia fazer, sem ofensa de nenhuns direitos.

Não sei se o sr. Hintze Ribeiro julga inconveniente concentrar na companhia do norte e leste as diversão linhas que partem de Lisboa.

Ignoro qual soja a opinião do sr. ministro a este respeito; mas ou s. exa. é de parecer que isto não tem inconveniente, e então não sei que explicação tenha o ir-se contratar o caminho de ferro ao norte de Torres com a companhia dos caminhos de ferro portuguezes e o caminho de ferro de Lisboa a Torres Vedras, com uma entidade diversa, quando aquella estava nas condições de contratar esta parte nos termos mais favoraveis.

Ou então o sr. ministro das obras publicas julga perigoso que a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes possua as diversas linhas que principiem em Lisboa, e eu não vejo no projecto, e bases que estamos discutindo, nenhuma disposição que acautele a transferencia da concessão feita a Henry Burnay & C.ª para aquella companhia,

Sr. presidente, o sr. ministro das obras publicas disse hontem que tinha contratado uma linha ferrea em condições mais vantajosas que as do contrato de 12 de janeiro de 1880.

Eu divirjo da opinião do nobre ministro, o vou rapidamente dizer as rasões por que não concordo com a opinião de s. ex.3

A linha ferra de Lisboa a Torres até entroncar com a linha de norte, como todas as linhas ferreas, póde ser apreciada sob tres pontos de vista: economico, financeiro e estrategico.

Não entro na questão estrategica, e não o faço por que sou completamente estranho a esse assumpto, e a minha ignorancia aconselha-me que guarde um prudente silencio. E não só a minha ignorancia, n'esta parte, me aconselha este procedimento, mas ainda me recommenda o silencio a circumstancia de ver tantas autoridades e tantas opiniões encontradas a esto assumpto.

Se a camara me permitte, eu a este respeito recordarei uma memoria sympathica e saudosa para todos. Refiro-me ao venerando marquez de Sá da Bandeira.

Todos sabem os esforços que aquelle illustre general fez n'esta camara, quando se discuti o contrato de caminho de ferro de leste, para que a linha ferrea se approximasse de Elvas, e conseguiu-o.

Já se vê que aquelle varão illustre, que assignalou o seu nome, já como escriptor em tantas trabalhos altamente apreciados, já como soldado valente em tantos campos de batalha, entendia que havia grande vantagem e conveniencia
na approximação das linhas ferreas dos pontos fortificados. Vejo agora o sr. Hintze Ribeiro, que eu julgava muito forte em estrategia politica, mas não em estrategia militar, que eu conheço como escriptor distinctissimo em jurisprudencia, mas não na arte da guerra, vejo que s. exa. segue uma opinião completamente opposta á do valente marquez do Sá. Assim o sr. ministro das obras publicas julga perigoso o entroncamento em Pombal que é uma posição excellente; e facil de se tornar forte, mas aconselha e propõe o entroncamento em Alfarellos que é uma posição fraca e impossivel de ser defendida.

Eu vou encarar a questão unicamente pelo lado economico e pelo lado financeiro.

A primeira vantagem que tinha o projecto apresentado polo partido progressista, era o estabelecimento de uma linha de cintura. As vantagens de uma linha d'esta ordem ninguem as contesta. Ainda hoje nos foi entregue o parecer de uma commissão militar, que em diversos pontos relativos aos caminho de ferro ao norte de Torres, se dividiu; mas o vogal em minoria, que é um militar, novo na idade mas muito distincto pelo seu talento, refiro-me ao sr. Bocage, elle mesmo é o primeiro a reconhecer as vantagens de uma linha de cintura.

Pois ao passo que pelo contrato progressista, se conseguia este resultado, não se alcança elle pelo projecto em discussão; e quando se tenha de emprehender a construcção d'essa linha, mais tarde, é necessario gastar não menos de 400:000$000 réis. A vantagem economica de uma linha de cintura é manifesta, principalmente se attendermos que a região que a linha de Torres Vedras vae atravessar quasi exclusivamente productora de vinho, que tem de procurar o mercado de Lisboa já para consigno, já para exportação.

O commercio de vinhos para exportação e consumo está quasi limitada a Xabregas, Beato, Poço do Bispo e Clivaes e havendo a linha do cintura, é claro que o genero ia directamente para as proximidades dos depositos; o que não succede, com o projecto actual, porque a estação é em Alcantara, e daqui terá o genero depois de sor transportado por mar para o outro ponto extremo da cidade, com
augmento de despeza, maiores delongas e mais baldeações.

A linha de cintura determinava o estabelecimento do uma estação no Campo Pequeno, o que era de grande vantagem para muitas povoações proximas, e o que facilitava os transportes de mercadorias que, pela nova linha ferrea de Torres, se dirigissem para a parte alta e central da cidade.

E ainda mais. Pelo contrato progressista tambem se dava um facto importante, qual era o alargamento da estação de Santa Apolonia. Esta obra era imposta á companhia.

Não contesto que tal melhoramento venha a effectuar-se, mas porque elle importa um largo dispendio, é fora de duvida que a companhia ha de necessariamente adiar, tanto quanto possivel, a realisação d'esse melhoramento. Pela nossa proposta, elle conseguia-se immediatamente. Alem d'isso, ainda pelo lado economico a nossa linha, entroncando em Pombal, dava extraordinaria facilidade e economia a todo o movimento de passageiros e mercadorias da região de Torres, Caldas e Leiria, tanto para o norte do reino como para leste, ao passo que pelo projecto do governo torna-se extraordinariamente moroso esse movimento pela maior extensão dá linha.

É certo que no projecto progressista não figurava o ramal da Merceana, mas nem n'essa parte leva vantagem o projecto actual, porque é sabido, e ainda ha dias o declarou na camara dos senhores deputados o sr. Saraiva de Carvalho, que a companhia do norte e leste se comprometêra a construir gratuitamente o mesmo ramal.

Tão pouco significa o ramal de Alfarellos á Figueira uma superioridade de projecto actual sobre o progressista; porque, conforme foi declarado ultimamente pelo sr. Saraiva de Carvalho, a companhia do norte não desistia do direito que tinha de construir gratuitamente, ou apenas com

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algum auxilio paro: a construcção da ponte sobre o Mondego, aquelle ramal; e pelo documento que ha pouco foi mandado para a mesa se vê que não é apenas a companhia do norte, mas tambem a companhia da Beira Alta, que pretende fazer aquelle racial gratuitamente. De modo que a difficuldade não seria o conseguir a construcção gratuita, mas a escolha de quem a faria.

Apreciando a questão pelo lado financeiro, e acceitando por agora os dados que nos offerecem o governo e as commissões da camara dos senhores deputados, ainda assim reconheço que o projecto apresentado pelo sr. Saraiva de Carvalho era mais vantajoso que o actual. A proposta do governo suppõe um rendimento bruto inicial de réis 2:000$000 por anno e por kilometro na linha ao norte de Torres, e um vencimento de 2,5 por cento annual.

Pois acceitando estes elementos, temos que a garantia que o governo offerece impõe no primeiro anno um encargo de 84:500$000 réis, que vae annualmente diminuindo até cessar no decimo primeiro anno, que é quando o rendimento liquido da linha dispensa a garantia do governo, sendo o encargo total do estado nos onze annos de réis 464:750$000.

Ora applicando o mesmo processo ao projecto progressista, acceitando os elementos que são indicados, e vem a ser: rendimento bruto inicial de 3:000$000 réis na linha de Torres, e de 2:000$000 réis ao norte, contando com o mesmo crescimento de receita de 2.5 por cento, temos que a garantia offerecida pelo estado principiava por ser de 82:400$000 réis, que ia decrescendo gradualmente, até cessar de todo no decurso do undecimo anno, ao cabo do qual a totalidade do encargo do estado havia subido a réis 417:000$000.

Assim, pelo contrato apresentado pelo governo progressista como no regenerador, no fim de onze annos tinham cessado os encargos; com a differença, porém, de que em favor do primeiro havia uma differença na importancia de 47:250$000 réis a favor do estado. Portanto, o contrato do governo progressista era incontestavelmente mais vantajoso do que o actual.

Mas isto era acceitando os algarismos apresentados pelo governo e pelas commissões.

Ora eu contesto esses algarismos sobre que se baseiam os calculos do governo com relação á receita na linha ao norte de Torres.

De Lisboa a Torres é natural contar com o rendimento que o governo suppõe, mesmo por que a faculdade da elevação das tarifas justifica tal calculo, mas de Torres para o norte é muito contestavel a cifra de 2:000$000 réis.

E a minha duvida funda-se no rendimento que de principio deram os caminhos de ferro do norte e leste, e o caminho de ferro do sul e sueste.

Convem ter sempre em vista que ha um ponto capital de differença entre os dois contratos, e do qual resulta a incontestavel superioridade do contrato progressista.

Era a unidade da linha desde Lisboa até entroncar com a linha do norte.

Por este modo o partido progressista conseguia que a parte rendosa da linha, de Lisboa a Torres, viesse minorar os encargos da segunda parte da linha ao norte de Torres, tornando-se assim mais vantajoso o contrato de 12 de janeiro de 1880.

Emquanto que, pelo projecto do governo actual, separando-se a linha em duas partes, todos os beneficios resultantes da linha de Lisboa a Torres, que serão avultados, na opinião de todos, serão exclusivamente para o concessiorio ou para a companhia ou empreza que elle organisar ou a quem passe a concessão.

A hora está já bastante adiantada, e eu não desejava ficar com a palavra para a proxima sessão, e, por isso, me vejo forcado a abreviar as minhas reflexões.

Quero, porém, dizer á camara qual seria a vantagem dos dois contratos, presuppondo, não o rendimento que já vimos, e é indicado pelo governo, mas aquele que todas as considerações nos levam a suppor mais provavel.

Assim, eu supponho que a linha de Cintra a Torres terá um rendimento inicial de 3:000$000 réis; que na linha de Torres a Leiria esse rendimento será de 2:200$000 réis; e que, finalmente, para o norte de Leiria o rendimento inicial não será superior a 1:500$000 réis, calculando um augmento annual de 3 por cento, e applicando a estes dados as garantias dos contratos progressista e regenerador, encontro que no primeiro o encargo para o estado cessa, no nono anno, sendo a totalidade do desembolso do thesouro de 322:208$880 réis.

No contrato regenerador o encargo para o estado cessa no undecimo anno, tendo-se elevado o desembolso total do estado-a 587:900$500 réis, ou mais 265:691$620 réis que no contrato progressista.

Eu vou terminar as minhas considerações, limitando-mo a justificar a minha proposta, ou a minha moção de ordem, nas menos palavras que seja possivel, e só para a não deixar abandonada.

A minha proposta tem por fim auctorisar o governo a construir e explorar por conta propria a linha de Torres, os ramaes da Mercearia e de Cintra, e a linha de cintura de Xabregas a Alcantara.

Partindo dos dados offerecidos pelo governo a extensão até Torres com os ramaes de Cintra e Merceana é de 84 kilometros, a que devemos juntar 8 kilometros, extensão da linha de cintura, ou o total de 92 kilometros.

Ora, suppondo que o ramal de Queluz a Cintra, ou 15 kilometros, custa 30:000$000 réis, e que os restantes 17 kilometros não custarão menos de 46:000$000 réis, temos que o custo total da linha de Torres, com os ramaes indicados, não excederá a 3.992:000$000 réis.

Depois de feitos os meus calculos reconheci que eu devia calcular o custo do ramal da Merceana em 30:000$000 réis ou menos, mas o excesso n'esta parte serve para attender ao encargo do juro a pagar durante o periodo da construcção.

Suppondo que o governo podesse realisar aquella quantia pela emissão de obrigações do typo do emprestimo de 1881 a 80$000 réis, temos que a emissão seria de.49:900 obrigações, e sendo estas amortisadas em trinta e sete annos, e o encargo annual de 7 por cento, sendo 5,625 por cento de 1,375 por cento de juro e amortisação, teriamos que era necessaria a quantia de 314:370$000 réis em cada anno.

Ora, suppondo que a linha rendesse inicialmente, não 3:000$000 réis, como todos calculam, mas 2:800$000 réis; e digo isto, porque o governo não póde, nem deve proceder, como qualquer empreza, exagerando tarifas e suppondo que o augmento do rendimento cresce annualmente 3 por cento, encontramos que no fim de trinta annos cessa todo o encargo para o estado, e que, decorridos mais sete annos, o estado está completamente embolsado de tudo quanto pagou, e de posse plena de uma propriedade que d'ahi em diante é exclusivamente uma fonte de receita.

Póde-se dizer que não é conveniente estar a recorrer constantemente ao credito, e eu mesmo já aqui o disse, mas é muito differente recorrer ao credito para empregar o capital n'uma obra valiosa, e de incontestavel vantagem, ou para saldar o desequilibrio orçamental proveniente de excessos de despezas nem sempre justificadas.

Eu tenho todo o empenho em que desappareça o desequilibrio entre a receita e a despesa; mas n'este caso não tinha receio de recorrer ao credito, nem supponho que faltasse o capital,

Disse o menos que era possivel em defeza da moção de ordem que mandei para a mesa, limitando aqui as minhas observações, porque a hora já deu, e eu não desejo, como já disse, que me seja reservada a palavra, nem cansar mais a camara.

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Discursos proferidos pelo digno par, o sr. Pereira Dias, na sessão de 15 de abril, que deviam ler-se a pag. 369, col. 1.ª, lin. 70.ª, e pag. 370, col. l.ª, lin. 50.

O sr. Pereira Dias: - Por mais de uma vez se tem discutido aqui a questão dos arrozaes. Tem sido posta, porém, de tal modo que eu entendi, apesar da minha profissão, não dever tomar a palavra. Hoje, porém, resolvi pedil-a para summariamente expor a minha opinião sobre o assumpto.

A minha opinião é que a cultura dos arrozaes é prejudicial a saude publica, ninguem de boa fé poderá contestar esta verdade. (Apoiados.)

Circumstancias especiaes, que não mencionarei agora, podem concorrer para que os arrozaes sejam mais ou menos prejudiciaes á saude publica; mas que todos elles o são, mais ou menos, é uma verdade que os homens da sciencia não podem negar, (Apoiados.) que se inoculou de tal modo no espirito publico que hoje não ha quem conteste, com fundamentos serios, e todos concordam no cuidado que deverá haver em permittir similhante cultura. (Apoiados.)

Eu não censuro as providencias do sr. ministro. Entendo até que é necessario rever a lei do 1867.

Não direi agora, para não prolongar este incidente, os motivos por que entendo que é mister modificar esta lei. O que desejo, porem, é que desde que se toma uma providencia contra os arrozaes que estão fóra da lei, essa providencia deve ser geral, (Apoiados.) deve ser justa, para que se não levantem reclamações.

Eu receio que o sr. ministro seja enganado pelas informações determinativas do seu procedimento; a camara sabe que os interesses, ligados a esta cultura, são de tal ordem, que se ha de procurar por todos os modos intuir n'essas informações.

E quando eu li ainda ha pouco tempo uma portaria de sr. ministro do reino recommendando aos governadores civis que obrigassem os administradores a dizer a verdade nas suas informações sobre certo assumpto, desconfio eu que nas informações ácerca dos arrozaes elles não digam a verdade; pelo menos, a verdade toda.

O sr. ministro não deve, pois, confiar inteiramente em taes informações, e muito menos deve esperar que os povos reclamem contra os arrozaes, visto que [...] poderosas podem estorvar estas reclamações.

Na minha opinião o procedimento do sr. ministro, para ser igual e justo, deverá consistir na applicação do decreto, que extingue os arrozaes, a todos os que se adiam fóra da lei de 1867; e se entende que esta lei deve modificar-se, proponha a sua modificação antes de a cumprir.

Peço agora ao sr. ministro que nos diga se já recebeu informações do sr. governador civil de Lisboa.

O sr. Pereira Dias: - Eu quero que a identidade de hypotheses seja aferida pela lei, e só pela lei; (Apoiados.) de outro modo procederá o sr. ministro arbitrariamente, como realmente arbitrariamente está procedendo, supprimindo a cultura nos pontos onde as informações, que recebe, o aconselham a fazel-o; assim não cumpre a lei, e creio que o procedimento legal do sr. ministro era cumprir a lei, e só a lei; (Apoiados) se s. exa. entende que a lei é defeituosa, proponha a sua revogação, substituindo-a por outra; ou então, segundo os habitos do governo, faça tudo em dictadura, que outra cousa não é o que s. exa. está fazendo. (Apoiados.)

Diz s. exa., que ha de applicar a lei, decretando para todos os concelhos, de que tiver informações desfavoraveis á cultura, providencias iguaes ás que tomou para os concelhos de Montemor o Velho, Soure, Condeixa, Coimbra, etc.; pois eu direi a s. exa. que, se espera por informações, ellas podem demorar-se e até deixar de exprimir a verdade dos factos. Pois s. exa. carece de informações para se convencer da insalubridade dos arrozaes, que se acham fóra dos termos da lei de 1867, que deve cumprir?

Não carece.

Espera por informações, e ainda não recebeu as do sr. governador civil de Lisboa?

É notavel este facto! O sr. governador civil de Lisboa talvez todos os dias vá á secretaria do sr. ministro, todos os dias conversa com o governo, e não informou ainda o sr. ministro, e o sr. ministro talvez lhe não supplicasse a mercê de o informar!

Caso estranho e significativo.

É provavel que o silencio d'aquelle illustre magistrado se prenda com uma certa ordem de apprehensões, que eu tenho ácerca dos arrozaes do districto de Lisboa.

Opportunamente eu direi a verdade toda se, porventura, se realisarem estas minhas apprehensões.

Veremos se as informações, ácerca dos arrozaes do districto de Lisboa, vem como devem vir, e tão cedo como era de esperar que viessem.

Checarão tarde, muito tarde, e talvez favoraveis á salubridade publica.. . dos cultivadores influentes.

Rectificação

No summario da sessão n.° 39, de 14 de abril, onde se lê "continua com a palavra o sr. Castro", deve ler-se "usa da palavra o sr. Castro"; na mesma sessão, a pag. 380, col. l.ª, lin. 33.c, onde se lê "foi approvado", deve ler-se "foi admittido".

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