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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 45

EM 24 DE ABRIL DE 1903

Presidencia do Exmo. Sr. Luis Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os Dignos Pares

Visconde de Athouguia
Fernando Larcher

SUMMARIO: - Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O Digno Par Avellar Machado pede que entre em discussão, antes de se passar á ordem do dia, o parecer n.° 36. O Sr. Presidente dá ao Digno Par explicações a este respeito. - O Digno Par Gonçalo de Almeida Garrett allude á reforma da instrucção secundaria e pede a este respeito alguns esclarecimentos. Responde a S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho. - O Digno Par Pereira e Cunha manda para a mesa um parecer da commissão de legislação, sobre um processo instaurado no Tribunal do 2.º Districto de Lisboa, contra o Digno Par D. João de Alarcão. Foi a imprimir. - O Digno Par Costa e Silva agradece o voto de sentimento da Camara por occasião do fallecimento de seu sogro o Digno Par Conde de Ficalho. - O Digno Par Sebastião Baracho pede o comparecimento do Sr. Presidente do Conselho em uma das proximos sessões para tratar das relações da commissão districtal do Coimbra com a Camara Municipal de Oliveira do Hospital.

Ordem do dia. - Continuação da discussão do parecer n.° 4, que fixa o contingente para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal. Usa da palavra o Digno Par Sebastião Telles e respondo-lhe o Sr. Ministro da Guerra. Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e meia da tarde, verificando se a presença de 20 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida e seguidamente approvada a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se, o seguinte expediente:

Officio do Ministerio da Justiça sobre documentos pedidos pelo Digno Par Sr. Baracho, o que foi communicado a S. Exa.

Para a secretaria.

Officio da presidencia da Camara dos Senhores Deputados, communicando estarem dadas as devidas ordens para que tenham entrada na sala das sessões d'aquella camara os redactores da Camara dos Dignos Pares.

Para o archivo.

Assistiu a uma parte da sessão o Sr. Presidente do Conselho e a toda ella o Sr. Ministro da Guerra.

O Sr. Avellar Machado: - Requer, por parte da commissão de guerra, que entre desde já em discussão o projecto a que se refere o parecer n.° 86, que está impresso.

O Sr. Presidente: - Não pode entrar desde já em discussão esse projecto, visto que temos outro em ordem do dia.

O Orador: - Pede que seja dado para discussão antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Poderá submettê-lo á discussão logo que se vote o projecto que está sendo discutido na ordem do dia.

O Sr. Almeida Garrett: - Pediu no ultimo dia a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro do Reino. Foi talvez um pouco tardio; mas a sua saude não lhe permittiu vir mais cedo a esta Camara.

Vae falar sobre um assunto, pratico, que interessa a todos. Vae fazer tres perguntas, ou antes, tres pedidos ao Sr. Ministro do Reino.

Está terminado o setimo anno do actual regime de instrucção secundaria; por consequencia deseja saber se a reforma que estabeleceu esse regime satisfaz ou não aos fins para que foi criada.

Não sabe se este assunto já foi agora ventilado nesta Camara.

Como disse, não tem podido assistir ás sessões. Mas tendo sido inspector de instrucção secundaria, seja-lhe permittido interessar se especialmente por este assunto, que é, aliás, de interesse geral.

Então havia inspectores; hoje ha tambem sub-inspectores.

A instrucção secundaria é para elle, orador, mais importante do que a instrucção primaria.

A Camara sabe que uma grande parte dos assassinos modernos sabem ler e escrever.

A civilização de um povo depende principalmente da instrucção secundaria.

Basta ver a Allemanha, onde elle, orador, tem estado por tres ou quatro vezes.

A Allemanha dedica especial cuidado á sua instrucção secundaria, e por isso essa nação tem sobresaido entre todas.

São tres os assuntos que vae procurar resumir o mais possivel, e sobre os quaes deseja ouvir a opinião do Sr. Presidente do Conselho.

O primeiro diz respeito aos professores interinos dos lyceus.

Já no ultimo dia pediu uma nota relativa ao lyceu de Coimbra.

Dá-se nos lyceus um facto singular.

No dia 20 de fevereiro do corrente

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anno o Diario do Governo trazia uma nota de todos os logares vagos nos diversos lyceus do reino, e punha esses logares a concurso.

No dia 24 de março trazia o mesmo Diario do Governo a nota dos concorrentes.

Mas qual não foi o seu espanto quando viu que o numero dos candidatos era inferior ao numero de logares!

Isto prova o pessimo estado da nossa instrucção secundaria; e a Camara toda vae convencer-se d'esta prova na sequencia das suas considerações, sendo talvez bastante a de que por parte de alguns d'esses candidatos já houve desistencias.

Estamos, por conseguinte, autorizados a crer que effectivamente ha falta de ensino. Não estudamos a valer, como deviamos, a instrucção secundaria.

Mas vae apresentar outra razão convincente.

Vaga qualquer logar de professor interino num lyceu: apparecem vinte, trinta ou cincoenta pretendentes. Põe-se esse logar a concurso; não apparecem candidatos!

Ora isto o que prova é que effectivamente não ha professores para reger as cadeiras dos lyceus; e prova ainda que os individuos que regiam as cadeiras não estavam habilitados, porque, se o estivessem, certamente concorreriam.

Por conseguinte o seu primeiro pedido ao Sr. Presidente do Conselho é que S. Exa. olhe attentamente para este facto singularissimo de ser posto um logar a concurso, e não apparecerem concorrentes, ou apparecerem poucos, e, d'esses poucos, alguns desistirem; apparecer uma vaga de professor interino em qualquer lyceu e apresentarem-se logo innumeros pretendentes a esse logar.

Agora vae referir-se ao segundo ponto das suas considerações.

Muito se tem dito e escrito pró e contra a actual reforma da instrucção secundaria, e elle, orador, nada dirá por agora nem pro nem contra, mas apenas que não se attendeu ainda a certas maximas que se deviam adoptar.

Está decorrido o 7.° anno, fizeram-se os exames, sendo os presidentes das diversas mesas escolhidos pelo Sr. Presidente do Conselho, e muito bem, pois que entre elles havia pessoas verdadeiramente notaveis, dignas de todo o rés peito e consideração, pelos seus talentos e saber, bastando mencionar entre esses professores o Sr. Gomes Teixeira. Pois bem: vae fazer um pedido e é o seguinte: que os relatorios dos diversos presidentes dos jurys do 7.° anno sejam publicados no Boletim da Direcção Geral de Instrucção Publica.

Essa publicação faria decerto muita luz para sabermos se a instrucção secundaria deve ficar tal como está, ou precisa de ser modificada.

Pede mais que se publiquem no Boletim da Direcção Geral da Instrucção Publica os relatorios dos presidentes dos jurys cos concursos.

Não lhe consta que tenham sido publicados esses documentos, e a sua publicação é muito conveniente, porque os Dignos Pares decerto desejam esclarecer-se e esclarecer o Governo.

E não é só esclarecer o Governo, é tambem esclarecer a opinião publica, porque todos nós nos interessamos por este assunto, que tem a maxima importancia para a vitalidade e prosperidade do país.

Agora o terceiro pedido.

Foi recebido com a maxima galhardia e com o maior brilho possivel Sua Majestade o Rei de Inglaterra, Imperador das Indias.

Muito foguete, muita manifestação enthusiastica, mas tudo cousas mais ou menos fugazes.

Elle, orador, desejava que ficasse um padrão perduravel a memorar a visita de Eduardo VII a Lisboa.

Nós sabemos que nos outros países, quando occorre um facto tão notavel, não o celebram só com festas, que desapparecem rapidamente.

Basta lembrar a construcção, em Paris, da Ponte Alexandre, para ver que os parisienses não se limitaram a simples e efemeras festas. Quiseram levantar um monumento que ficasse recordando a visita do Czar áquella capital.

Elle, ore dor, queria que se perpetuasse por modo idêntico a vinda do Rei de Inglaterra a Lisboa.

Dizia o primeiro poeta latino:

«Hei de fazer uma obra, que dure mais que o bronze».

Desejaria que, a este respeito, se procedesse do mesmo modo.

Permitta-se-lhe uma pequena observação.

Se o Rei de Inglaterra soubesse que em Portugal se tinha commettido o attentado de supprimir a cadeira de inglês nos lyceus, sendo o nosso país essencialmente colonial, decerto que Sua Majestade diria: «aquelle país não sabe reger-se».

Ora elle, orador, queria que o Sr. Presidente do Conselho, como homenagem ao Rei de Inglaterra, decretasse que se abrissem novamente as cadeiras de inglês nos nossos lyceus.

Essa homenagem seria condigna da honra que aquelle monarcha nos concedeu com a sua visita.

Está convencido de que a despesa não seria grande, ou seria até quasi nulla se se remodelasse a instrucção secundaria.

É este o seu terceiro pedido.

Está certo de que o Sr. Presidente do Conselho, com a sua illustração, ha de prestar á instrucção primaria, á secundaria e á superior o apoio que ellas merecem; e ter em conta estes seus pedidos.

Confia na illustração de S. Exa., e confia na sua intelligencia, na sua autoridade e nos seus bons officios em favor d'esta causa, que interessa ao país inteiro.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Agradece as palavras benevolentes, que o Digno Par lhe dirigiu, acêrca dos assuntos que teve ocasião de expender com a sua proficiencia, tão reconhecida.

Vae por sua vez referir-se aos pontos capitães de que o Digno Par tratou.

O primeiro é o que se refere aos professares interinos.

O Digno Par notou que, abrindo-se concurso para o provimento de logares de professores, o numero de concorrentes é inferior ao numero das cadeiras vagas.

Notou tambem que, tratando-se da nomeação de um professor interino, são muitos os pretendentes que se apresentam; ao passo que, abrindo-se concurso para provimento definitivo, escasseiam os candidatos.

O Digno Par, que é muito versado em assuntos de instrucção publica e que, ainda agora, prudentemente, reflectidamente, reservou o seu juizo definitivo acêrca da remodelação que se fez no ensino secundario, sabe perfeitamente quanto essa remodelação foi profunda em relação ao systema anterior. Tão completa, tão radical foi essa remodelação na forma por que o ensino tem de ser professado, na distribuição das disciplinas, na exposição das materias, na selecção dos compêndios e, por conseguinte, em todos os elementos pedagógicos; tão diversa do systema antigo na maneira de leccionar e de pouco a pouco, successiva e gradualmente - porque essa é uma das grandes vantagens do methodo hoje implantado, incutir nos que frequentam os lyceus, ideias que, á medida que a sua idade se desenvolve, se vão desenvolvendo com a propria idade - tão profunda e tão radical foi essa remodelação, como disse, que a sua execução ficou dependente do modo pratico de a realizar, tornando-a proficua.

Ficou dependente de bons livros e de bons professores, porque pode o systema ser excellente, ser optimo, era principio, na sua base, na sua essencia, na estructura primordial, na organização mais intima das materias que tem de compor o curso dos lyceus; mas se não houver bons professores que ex-

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pliquem e doutrinem, nem houver bons compêndios que facilitem a missão d'esses professores, evidentemente, por muito bom que seja o systema, elle claudicará.

Comprehende-se tambem que, por isso mesmo que a reforma foi radical, se encontrasse difficuldade no agrupamento das exegeses da doutrina em compêndios adequados; e por outro lado difficuldade de achar desde logo professores, que, identificando-se com o actual systema, pudessem preleccionar as differentes materias de que se compõe o curso dos lyceus.

Isto explicará ao Digno Par a razão que torna difficil o provimento definitivo dos logares de professores.

As habilitações que se exigem e as provas a que teem de sujeitar se os concorrentes são taes, tão complexas, que nem todos podem julgar-se habilitados a concorrer.

O Sr. Almeida Garrett: - Escolha-se; exija-se.

O Orador: - Mas o Digno Par sabe que exigir, exige-se para o provimento definitivo dos logares; escolher, escolhe-se para a nomeação interina.

Quem tem de decidir de um concurso ou de nomear numa interinidade ha de fazer obra pelos concorrentes que encontra e nem sempre pode, rapidamente, para um systema novo, tão radicalmente diverso do antigo, encontrar desde logo, não só pessoas idoneas, mais ainda executores competentes que possam leccionar devidamente durante os primeiros annos dos cursos dos lyceus.

Esta é a razão da difficuldade, razão que evidentemente ha de ir desapparecendo com o tempo, porque a pratica, a experiencia da leccionação vae formando o espirito, educando o professor e vae tornando mais facil o desempenho da missão que cabe ao Sr. Ministro do Reino, na escolha e nomeação de professores.

O Digno Par referiu-se tambem aos relatorios dos presidentes dos jurys do 7.° anno e dos presidentes da concursos para o magisterio secundario, desejando que esses relatorios sejam publicados no Boletim da Direcção Geral de Instrucção Publica como elemento de apreciação para todos aquelles que se interessam por questões de tamanha magnitude.

Não tem duvida alguma em deferir ao pedido do Digno Par, tanto mais que se ha assunto em que são necessarios esclarecimentos cabaes e completos, é este um d'elles.

Evidentemente, o resultado colhido no fim do 7.° anno, quer dizer no fim do primeiro curso completo dos lyceus, é um elemento de informação muito importante, não decerto pela unidade de pensamento, ou de apreciação dos presidentes dos jurys, porque tiveram de se amoldar ás circunstancias e ás provas que se deram, e os resultados podem ser diversos, mas exactamente porque do proprio encontro da apreciação dos factos pode resultar a luz que esclareça o estudo e exame d'esse assunto.

Deve dizer ao Digno Par que tanto quanto tem podido firmar o seu juizo, se não firmá-lo, pelo menos adequá-lo á lição que a experiencia dos factos tem trazido comsigo, elle, orador, parece que o retrocesso ao systema antigo seria o mais grave erro que se poderia commetter na actualidade.

No seu entender, o systema actual tem muito de bom e de excellente na sua propria organização e desdobramento evolutivo.

Mas quer isto dizer que uma obra ao complexa saia logo inteiramente perfeita no primeiro diploma em que ella se redige?

Não.

Os factos podem trazer, e trazem decerto, a conveniencia de modificações, aperfeiçoamento e melhoria, que ressaltam da pratica e da experiencia.

O Digno Par sabe que não foi um, systema que representasse uma invenção; foi um systema que representa uma adaptação ao nosso meio.

Mas por isso mesmo que o nosso meio é diverso d'aquelle onde o systema primeiro foi implantado, evidentemente esse systema tem de ser amoldado aos nossos habitos, aos nossos costumes, á nossa orientação, para que possa ser verdadeiramente proficuo.

Esse aperfeiçoamento e melhoria é que elle, orador, entende que successivamente se deve fazer? Ha tempo, parece lhe que cêrca do 5.° anno do curso dos lyceus, o seu antecessor na pasta do reino nomeou uma commissão composta de individuos de alto saber e competencia em assuntos de instrucção para dar parecer sobre quaesquer alterações a fazer na actual reforma da instrucção secundaria.

Então o voto manifestado por essa commissão verdadeiramente autorizada, foi no sentido de que era cedo para se assentar um juizo cabal e completo, visto que o primeiro curso ainda não tinha chegado ao seu termo; mas que em todo o caso, o que desde logo se apurava como verdade incontestave era que tudo quanto fosse um retro cesso ao systema antigo seria um de licto perante a necessidade de educar e de instruir a mocidade.

Ficou uma sentença lavrada desde logo em relação ao systema que se adoptou.

A mesma commissão ou outra (essa commissão comprehende homens competentissimos, pelo seu saber, experiencia e imparcialidade) pode agora, que o setimo anno acabou, formar um juizo mais cabal, não no sentido decerto de alterar profunda e radicalmente o systema novo, mas no intuito e o aperfeiçoar ou melhorar tanto quanto os factos e a pratica o aconselhem.

O Digno Par referiu-se por ultimo o ensino do inglês.

É uma questão que se tem ventilado muito e, sobretudo, em relação àquelas que se dedicam ás armas, ao exercito ou á marinha, porque, especialmente na marinha, o conhecimento da lingua inglesa é muito aproveitavel, necessario até.

O Governo tem pensado na maneira de poder fornecer o ensino da lingua inglesa. compativel com o systema Actual, aquelles que precisem ou desejem o conhecimento d'essa disciplina.

Creia o Digno Par que as suas palavras não foram ditas em vão e que elle, orador, as attenderá como deve e com a deferencia devida a quem tão nobre e tão competentemente veiu ao Parlamento expor as suas ideias e fazer pedidos de todo o ponto justos. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

O Sr. Pereira e Cunha: - Manda para a mesa um parecer da commissão de legislação, sobre o processo instaurado, a requerimento do Ministerio Publico, no 2.° Districto Criminal de Lisboa, contra o Digno Par D. João de Alarcão.

Foi a imprimir.

O Sr. Costa e Silva: - Pediu a palavra para cumprir o dever de agradecer á Camara o voto de sentimento que ella se dignou exarar na acta pelo fallecimento de seu sogro o Sr. Conde de Ficalho.

Se para a dor que experimentou por essa perda pode haver algum lenitivo, está elle evidentemente nas palavras, tão sentidas e tão carinhosas até, proferidas pelos Dignos Pares que se referiram á morte do Sr. Conde de Ficalho.

Agradece, pois, a manifestação da Camara, e os Dignos Pares comprehenderão decerto que, nesta occasião, não tenha animo para alongar mais toda a expressão do seu reconhecimento.

O Sr. Presidente: - Ficam inscritos para antes da ordem do dia os Dignos Pares Jacinto Candido, que não compareceu hoje, Baracho e Visconde de Monte-São.

O Sr. Sebastião Baracho: - Pede licença para mandar para a mesa uns requerimentos, e desde já avisa o Sr.

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Presidente do Conselho de que precisa do seu comparecimento, porque tenciona, entre outros assuntos, de tratar das relações da Commissão Districtal de Coimbra com a Camara de Oliveira do Hospital.

Foram lidos e mandados expedir os requerimentos, que são do teor seguinte:

«Requeiro que, pelo Ministerio dos Negocios Estrangeiros, me sejam enviadas com urgencia, copia da credencial romana relativa ao actual Nuncio Apostolico, e bem assim as copias das credenciaes romanas respeitantes aos outros Nuncios Apostolicos que teem desempenhado esses cargos nesta corte, a começar em 1850 até ter entrado em exercicio Monsenhor Ajuti.

N. B. - Requeri estes documentos em 22 do corrente (Annaes n.° 44), pelo Ministerio da Justiça e pelo Ministerio dos Negocios Estrangeiros. Como do Ministerio da Justiça, recebi resposta que os documentos estão sob a guarda da Secretaria dos Negocios Estrangeiros, por isso hoje mando o requerimento com relação a este Ministerio. = Sebastião Baracho».

«Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, me seja enviada, com urgencia, copia do acordão proferido pelo Tribunal do Contencioso Fiscal; num dos ultimos dias e relativo ao julgamento dos implicados no descaminho de impostos sobre o consumo e fabrico de cerveja nas fabricas Jansen § C.ª e Domingos Moreira Garcia. = Sebastião Baracho.»

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 40 que fixa os contingentes para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal.

O Sr. Sebastião Telles: - Segundo o uso que por varias vezes tem observado na discussão de projectos constitucionaes, vae fazer algumas considerações sobre assuntos relativos á pasta da guerra e dirá á Camara que já tinha feito tenção, ha bastante tempo, de tratar da questão relativa ao armamento do exercito.

Varias vezes se tem manifestado pela necessidade de se adquirir armamento de que o exercito bastante carece.

O anno passado annunciou uma interpellação a este respeito, interpellação que não póde entrar em discussão; e por isso, seguindo neste projecto o mesmo systema que já seguiu naquelle que foi approvado anteriormente, e que fixava a força do exercito, vae desenvolver as razoes e considerações que teria de apresentar durante a sua interpellação, se ella tivesse vindo á ordem do dia.

A verdade é que sendo partidario, como disse, do armamento do exercito, fez uma proposta, que apresentou ao Parlamento, para que o Governo ficasse autorizado a adquirir esse armamento á custa do producto das remissões.

Essa proposta foi convertida em lei, mas o actual Ministro da Guerra não a aproveitou, porque, como já tinha dito, por occasião da sua discussão, considerava necessario em primeiro logar o armamento das fortificações.

Assim, n'esta questão, elle, orador, julgava necessario em primeiro logar o armamento do exercito; o Sr. Ministro da Guerra julgou mais necessario o das fortificações de Lisboa.

Tendo-se levantado esta questão, elle orador acha muito propria está occasião para sobre o assunto definir responsabilidades, s fim que de futuro fique cada um com as que lhe couberem.

Era esta a sua intenção que justifica com as razoes que acaba de expor, mas este seu desejo aumentou quando na sessão anterior o Sr. Baracho veiu aqui tratar do mesmo assunto.

S. Exa. lesta questão é favoravel á opinião do Sr. Ministro da Guerra, aumentando assim o valor d'essa opinião pela autoridade do Sr. Baracho, que é bastante e mais ainda pela sua situação politica nesta casa.

O Digne Par, tendo sido opposição intransigente ao Governo abriu um parenthese para ser favoravel ás ideias do Sr. Ministro da Guerra; por consequencia mais uma razão para que se definam bem as responsabilidades neste assunto, para que se saiba a quem ellas pertencem, ainda mesmo que se não possam liquidar agora por completo.

O futuro será ultimo juiz nesta questão.

É por isso que elle orador vae desenvolver algumas considerações sobre este assunto.

Na defeca do país ha dois elementos principaes que assim teem sido considerados em todos os tempos: é o exercito destinado á defesa movei, e são as fortificações destinadas á defesa fixa; ambos elle s destinados a um fim commum, á defesa do Estado.

Portanto parecia-lhe que ambos deviam estar sempre de acordo.

Não succede porem assim. Desde longa data que estes dois elementos estão em luta aberta, tratando-se sempre de saber qual é o mais importante.

Esta luta pode se dizer quasi eterna.

Antigamente ora predominava a opinião d'aquelles que preferiram o exercito para defesa, ora predominava a d'aquelles que lhe antepunham as fortificações.

Isto dura ha muito tempo, e elle orador não vae agora fazer historia antiga. Apenas dirá que desde o tempo da Luis XIV até ao fim do seculo XVIII decorreu o periodo em que o predominio da fortificação se accentuou de uma maneira clara e decisiva.

No seculo XVIII todos entendiam que a defesa dos Estados dependia principalmente das fortificações, e que ellas deviam constituir-se por tres linhas que estivessem ao longo das fronteiras; e que os exercitos serviam apenas como auxiliar d'este systema.

Vieram depois os tempos da Revolução e do Imperio, que produziram uma transformação completa em tudo que dizia respeito ao conhecimento das sciencias militares.

As campanhas da Revolução provaram de uma maneira clara o principio completamente opposto áquelle que subsistia.

No fim do seculo XIX , os exercitos organizados demonstraram que as fortificações deviam ser apenas um auxiliar da defesa.

Isto foi um principio assente, incontestavel e completamente provado na opinião do grande Napoleão e na dos homens mais distinctos d'aquella epoca.

Parecia que a questão ficara claramente definida, que desde então a fortificação devia abandonar o seu logar para ceder o predominio á defesa movei do Estado e ás operações de campanha.

Mas durante todo o seculo XIX a luta continuou.

A fortificação procurou ainda occupar o primeiro logar, e d'elle não desistia; só quando começaram a desenvolver-se em todas as nações os exercitos, é que a fortificação começou a reconhecer-se vencida.

Chegou então a epoca do predominio da defesa movei sobre a defesa fixa.

E de então para cá este principio ficou geralmente assente em todos os Estados.

Podia haver livros, literatos e escritores militares que o contestassem; mas a pratica e os exemplos das grandes nações da Europa provam que se tratou de dar o maximo desenvolvimento aos exercitos, acompanhando-o com o numero indispensavel de fortificações para servirem de apoio. ás operações de campanha.

Foi esta a theoria que ficou acceita no fim do seculo XIX por todos os Estados, sobre a defesa, e se esta theoria é verdadeira para os grandes Estados, por maioria de razão o deve ser para os pequenos Estados, que teem poucos recursos.

Até chegou a dizer-se e a sustentar-se que ella devia tentar se á defesa unica da capital.

É este o principio assente, com insignificantes excepções.

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É esta a theoria geral, hoje.

O que succedeu entre nós?

Já ha bastante tempo que se tratava da fortificação e defesa do país, muito antes d'estas ideias estarem definidas e assentes; mas apesar d'isso tivemos tanta fortuna que os trabalhos que se executaram, os estudos officiaes que se fizeram, ficaram dentro dos moldes do systema moderno.

Não foi decerto porque desde esse tempo nos pretendêssemos orientar neste sentido; foi em virtude de circunstancias especiaes e principalmente da exiguidade dos recursos.

Os estudos modernos de fortificação começaram entre nós ha pouco tempo; começaram em 1857.

Pode-se dizer que desde a guerra da Peninsula, desde as linhas de Torres Vedras até 1857, não se tinha tratado officialmente entre nós nem de fortificações, nem da defesa do Estado.

Em 1857 o Marquês de Sá, que ligou o seu nome a tudo que dizia respeito ás fortificações de Lisboa, apresentou a ideia de que era necessario fortificar o país, e determinou á Direcção Geral de Engenharia que se fortificasse Lisboa e Porto.

Foi uma determinação nestes termos simples e que eram simples de mais para uma questão tão complexa.

D'aqui resultam duvidas, pedidos de esclarecimentos pelo então commandante de engenharia, official muito distincto e que deixou tambem o seu nome ligado a este assunto, o general José Feliciano da Silva Costa.

Houve varia correspondencia, troca de explicações; mas a questão ficou morta, não teve seguimento.

Em 1859, o Governo de então nomeou uma commissão presidida pelo Marechal Duque de Saldanha e constituida pelas maiores summidades do exercito d'aquella epoca para tratar da defesa do país; não diz bem, para tratarem da defesa da capital.

A questão suscitou as mesmas duvidas, e uma das primeiras perguntas que a commissão dirigiu ao Governo era se elle pensava em organizar o exercito para a defesa do país, porque só por meio de fortificações, essa defesa não se podia conseguir.

A commissão desejava saber se o Governo queria organizar o exercito para então tratar conjuntamente d'estes dois elementos de defesa, o exercito e as fortificações.

O Governo disse que não tinha tenção de organizar o exercito.

Não sabe as razões, não trata mesmo de as averiguar, o que sabe é que se manteve a ordem para se estudar um plano de fortificações de Lisboa.

A commissão cumpriu a ordem e estudou um plano.

Esse plano foi estudado depois nos seus pormenores por tres brigadas de officiaes de engenharia, crê que uma destinada á defesa maritima e duas á terrestre.

Estes trabalhos de defesa da capital serviram de ponto de partida para aquelles que se fizeram depois.

Fará notar á camara um ponto importante e é que esta commissão presidida pelo Marechal Duque de Saldanha e constituida pelos nossos melhores generaes, não tratou das fortificações de Lisboa isoladamente senão por circunstancias especiaes, senão por ordem expressa porque entendeu, e entendeu muito bem, que o país não se podia defender unicamente com as fortificações da capital; e indicava aquillo que elle, orador, pensa, isto é, a necessidade de organizar o exercito, entendendo que a defesa movel está acima das fortificações.

O Governo não seguiu esse plano; a responsabilidade portanto não é da commissão.

Depois d'isso, nomeou-se, em 1866, uma commissão de defesa e fortificação de Lisboa e seu porto, commissão que, como o seu proprio nome indicava, não podia tratar da defesa geral do país nem do exercito em geral, e que, por conseguinte, só da defesa da capital, e de mais nada se occupou.

Para se encontrar estudos que se refiram á defesa geral do país, temos de ir a uma epoca muito recente, a 1887, epoca em que foi nomeada a commissão superior de guerra, em cujo programma de trabalhos se estabeleceram exactamente os principios modernos e em que se diz que a base da defesa dos Estados são os exercitos e as fortificações, mas estas como auxiliares d'aquelle, sendo preciso prever as diversas operações de campanha nas diversas hypotheses da guerra, e sobre ellas, depois, fundar o systema de fortificação, de maneira que ella sirva de auxiliar ás operações activas, e nunca de uma forma independente.

É assim que os principios modernos de fortificação foram inaugurados entre nós, e não estão em contradição com os outros elementos de estudo que já citou, pois esses tratavam unicamente das fortificações de Lisboa e nunca puderam ser executados em outros pontos, por falta de recursos.

Era esta a situação.

Depois d'isso, a commissão superior de guerra foi remodelada, em 1895, e, se todos os seus membros já anteriormente e por unanimidade tinham approvado o systema que expôs, tambem em 1895 o approvaram e seguiram, confirmando que o exercito é o elemento de primordial importancia para a defesa do país.

Em 1900 fez-se nova remodelação da commissão e nomeou-se uma sub-commissão, para rever os seus trabalhos, sub-commissão que foi de igual parecer.

Alem d'estes trabalhos da commissão superior de guerra, houve um outro muito importante, que foi a determinação da base da defesa, de forma a ligar os principios novos de fortificação e defesa dos Estados com as construcções já feitas.

Aquella commissão não. determinou que se destruisse o que estava feito, não disse que os trabalhos de fortificação já realizados eram maus e deviam ser, por isso, postos de parte; disse que se deviam aproveitar, taes como estavam, embora fossem feitos com orientação differente.

Isto é que representa um seguimento em questões militares e assim é que elle, orador, entende que se deve fazer.

Incidentemente não pode deixar de falar noutro ponto que tem relação com este.

Na sessão passada o Sr. Ministro da Guerra disse que queria seguimento nas questões militares, mas só para o que S. Exa. tem estabelecido. É uma opinião individual que pode ser muito boa, mas com a qual não concorda.

S. Exa. e o Digno Par o Sr. Dantas Baracho apoiaram a commissão superior de guerra, fizeram-lhe elogios. Gostou de ouvir a este respeito as affirmações de S. Exas., porque, durante muito tempo fez parte d'essa commissão; mas a verdade é que S. Exas. apesar d'esses louvores, não defendem os principios ali estabelecidos, cujo principal foi o determinar que o primeiro elemento da defesa devia ser o exercito e não as fortificações. S. Exas. defendem exactamente o contrario.

Estas citações historicas que tem estado a fazer decerto são monotonas para a Camara, mas julgo-as indispensaveis para definir responsabilidades.

Em harmonia com os principios modernos da sciencia militar, e em harmonia com os principios da commissão superior de guerra, tinhamos o exercito a que faltava uma organização perfeita, e tinhamos as fortificações de Lisboa em via de reconstrucção.

Ora, sendo estas ideias sobre a defesa sustentadas pela commissão superior de guerra, e tendo elle, orador, feito parte d'essa commissão desde a sua fundação até á epoca em que entrou no Ministerio, e encontrando estes dois elementos, ambos carecidos de remodelação, por onde devia começar?

Evidentemente pelo exercito, pois era essa a opinião que tinha sustentado.

Começou, pois, pelo exercito e tratou de fazer a organização de 1899, da qual não fala outra vez.

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Procurou ver, não aquillo que se devia fazer, mas aquillo que se podia fazer dentro dos recursos do Thesouro, e emfim alguma cousa se fez, cujas vantagens são reconhecidas.

Pela organização de 1899, remodelou-se o exercito, bem ou mal; elle, orador, entende que bem. mas não duvida que ainda se pode fazer melhor.

A verdade é que ficou organizado o exercito pelo que respeita ao pessoal, e os dois elementos em que falou, ficaram reduzidos ao armamento do exercito que nos falta, e ás fortificações de Lisboa em construcção.

Pergunta á Camara: o que mais urgia fazer?

Parece que era completando o que já estava iniciado, dando o armamento ao exercito, e foi o que elle, orador, fez, e tanto que em 1900 apresentou á Camara uma proposta para a compra de armamento, definindo assim o seu systema e o seu programma.

Entendeu que o exercito era o elemento principal, que se devia tratar primeiro do pessoal e depois do armamento, mas não foi só d'isto que tratou, porque numa administração tão complexa como é a da guerra as questões não podem ser tratadas isoladamente.

Não pôs de parte a questão das fortificações de Lisboa que continuaram, como tinham continuado até ali, nas mesmas condições e melhor ainda, diz nas mesmas condições, porque o plano era o mesmo, a commissão a mesma, a verba a mesma e melhor ainda, porque se comprou algum armamento para essas fortificações.

O Sr. Francisco Maria da Cunha, seu antecessor, tinha comprado seis peças de 15º tiro rapido e elle, orador comprou oito, perfazendo o numero de quatorze, que eram destinadas á fortificação de Lisboa, de medo que as peças destinadas a furar couraças, foram adquiridas por elle, orador, e pelo Sr. Francisco Maria da Cunha.

Assim pois, nem elle orador, nem o Sr. Francisco Maria da Cunha, nem o partido progressista puseram de parte a questão das fortificações; pelo contrario continuaram a tratá-las ainda com mais cuidado.

Mas o que é certo é que considerou sempre o exercito acima das fortificações.

Mostrou, portanto, á Camara qual era a sua ideia, o seu systema, que estava desenvolvendo quando caiu o Ministerio a que pertencia.

Veiu o actual Sr. Ministro da Guerra, e entendeu que devia pôr de parte esse plano, substituindo-o por outro.

Nessa occasião disse-se nos jornaes que S. Exa. punha de parte a questão da defesa movei, indo tratar das fortificações, pois isto estava em harmonia com a opinião por S. Exa. sustentada nesta Camara.

S. Exa. entende, como disse aqui, que as fortificações estão em primeiro logar, e apresentou ao Parlamento um projecto tendente a adquirir artilharia para os portos de Lisboa e Porto, saindo a despesa para este material do fundo das remissões.

Este projecto foi apresentado á Camara dos Senhores Deputados, mas não chegou a esta Camara.

Entretanto foi decretado no interregno parlamentar, em ditadura, procedimento este muito usado pelo actual Governo, que é, como a Camara sabe, o Governo da ditadura.

(Apoiados do Sr. Rebello da Silva).

S. Exa. entende que as fortificações estão em primeiro logar, o que é contrario a te das as opiniões que merecem autoridade, aos principios scientificos, e ao parecer dos nossos generaes antigos, que fizeram parte da commissão de 1859.

A orientação de S. Exa., neste ponto, ainda é centraria á opinião da commissão superior de guerra. É um principio antigo que foi completamente abandonado posto de parte.

Mas, para S. Exa. ir assim por deante com a sua ideia, decerto teve razões fortes; e natural é que eu deseje saber quaes são essas razões.

A verdade é que o Sr. Ministro da Guerra profere as fortificações ao armamento, preferindo ainda a qualquer outra especie de fortificações a fortificação maritima.

Que razões especiaes ha para isto?

Francamente, não sabe.

Pois então é do mar que qualquer ataque nos é mais provavel?

Decerto que não.

Sendo conhecidas as nossas relações internacionaes, ninguem poderá dizer que é do mar que tenhamos a recear o maior perigo. Aonde nós mais nos devemos defender é onde estamos mais fracos, e i ao onde estamos mais fortes pela alliança.

Ora perguntará: é no mar que mais difficil se torna obtermos uma alliança? Decerto que não, pois que temos a alliança da Inglaterra.

O Sr. Ministro da Guerra ao mesmo tempo que pensa assim e que prefere as fortificações maritimas receando que o maior perigo venha do mar, vem aqui e, defendendo a alliança inglesa, pretende ainda accentuar que é a este Governo que pertence a acção decisiva sobre esse assunto.

Parece-lhe que neste ponto não foi S. Exa. muito consciencioso, mas este ponto ainda tira dia será discutido se elle, orador, a isso for provocado. O que diz é que esta orientação sobre as fortificações não está de acordo com a nossa situação; está sim de acordo com uma orientação antiga e exaltada, com a orientação de 1890, muito exagerada, que se não tinha então razão de existir, muito menos a tem agora, em vista das nossas relações com a Inglaterra.

A situação geral que se deprehende da nossa politica não indica que haja razão para preferir as fortificações maritimas ao armamento do exercito.

Elle, orador, não comprehende que se possa ter uma opinião tão contraria aos principios sem haver razão especial; mas procura essas razões e não as tem encontrado.

E a Camara comprehende que, nesta situação, não pode deixar de continuar procurando essas razões para ver se ellas o convencem.

Vae dizer onde as procura para formar o seu juizo sobre este assunto.

No decreto de ditadura que autoriza o Governo á compra do armamento apenas se indica a traços largos a maneira como se desenvolveu o plano das fortificações maritimas.

Foi depois ver a proposta que o Sr. Ministro da Guerra apresentou á Camara e deve dizer que tambem ahi não encontra razão nenhuma.

O relatorio começa por mostrar a necessidade da defesa do país, com o que todos estariam de acordo; mas não é assim, porque a proposta unicamente trata da defesa maritima.

Com respeito á defesa do país, elle, orador, crê que todos a querem mas para isso é preciso exercito e fortificações, e não só fortificações maritimas.

S. Exa. confundiu as fortificações de Lisboa com as maritimas e entendeu que o que se podia dizer das fortificações e da defesa em geral se applica ás fortificações maritimas.

Quanto á defesa maritima é essa uma questão muito especial, que só serve para o caso tambem muito especial, do ataque pelo mar. E nada mais.

Vae ler á Camara alguns periodos do relatorio da proposta para ver se terá razão ou se a deixará de ter por defeito seu.

Diz um periodo:

«Em todos os tempos, de um modo exuberante se teem affirmado as inimitaveis qualidades dos nossos soldados e marinheiros; o país deve pois incondicionalmente contar com elles; mas se isso só, sendo muito, nunca bastou, nas guerras de amanhã, menos valerá se escassearem os elementos materiaes que os colloquem em circunstancias de offerecerem quanto de util pode dar a sua coragem, ha a esperar do seu brio, deve suppor-se do seu patriotismo e é licito colher das suas raras virtudes».

Ou é engano ou isto quer dizer que se deve contar com o patriotismo e va-

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lor dos nossos soldados e marinheiros para a defesa da patria.

Ora o que é preciso é dar-lhes todos os elementos de que elles carecem. E quaes são os meios com que elles podem revelar a sua coragem e valor? Evidentemente que é o armamento.

Outro periodo diz o seguinte:

«Em semelhantes circunstancias o destino das nações fracas só poderá ser vario se outras poderosas accorrerem á luta; ficando isoladas, a mais não podem aspirar do que a perder com honra o património sagrado que defendam».

Isto quer dizer que sendo a nossa alliança com a Inglaterra a alliança que nos dá maior protecção no mar, não deviamos construir fortificações nos pontos em que temos mais garantias.

«Absolutamente privadas de imitar os fortes nos seus processos de segurança, teem de limitar-se a cobrir mais ou menos modestamente os pontos que, pela sua capital importancia, o inimigo tentará atacar de preferencia, porque os effeitos materiaes ou moraes da sua queda em breve devam facultar-lhe a plena realização dos seus intentos».

O que se diz aqui é que se deve começar por defender os pontos que o inimigo de preferencia pode atacar. E então pergunta: o inimigo vem do mar? Então os pontos que elle escolherá para ataque são os portos do mar?

E se assim fosse, deveriamos recear este ataque depois da alliança que temos com a Inglaterra?

Todas as nações teem obrigação de, declarando-se neutras, manter a sua neutralidade. Para isso são necessarias só as fortificações maritimas?

São necessarias as fortificações e é necessario o exercito.

Ha um ponto a que precisa referir-se:

«Portugal precisa afastar a possibilidade da repetição de factos que a sua historia regista e em que não primou como país neutro; em outras circunstancias politicas, reserva-lhe o futuro situações para as quaes, melhor do que hoje, convem estar preparado».

Isto não se diz claramente, mas é uma allusão ao que succedeu no principio do seculo XIX, na guerra peninsular.

Nessa epoca nós não pudemos manter a nossa neutralidade.

Tem visto na historia e ainda hontem leu em dois jornaes, uma critica severa aos homens d'aquella epoca, accusando-os de doblez de sentimentos e fraqueza de caracter.

Nós naquella, epoca não sabiamos se estavamos com a Franca se com a Inglaterra. (Apoiados).

É preciso ser justo, sobretudo em historia.

É preciso quando se fizer a critica d'aquellas epocas, avaliar as difficuldades de então. E preciso ver se, realmente, as difficuldades em que os homens d'aquelle tempo lutaram foram impostas pelas circunstancias ou foram frutos dos seus caracteres. Depois diga-se então se é mais justo lastimá-los ou censurá-los.

Na sua opinião é mais justo lastimá-los; pois avalie-se bem a situação.

Na guerra entre a França e a Inglaterra, a França estava com a Espanha. E nós, entre as duas nações inimigas, precisavamos manter a nossa neutralidade.

A nossa situação era esta: o exercito mal organizado, com a costa e o porto de Lisboa melhor defendidos. Mas assim que nós seguissemos a politica de Espanha e França, tinhamos Lisboa atacada pela Inglaterra; e se não tivéssemos isto, tinhamos todas as colonias conquistadas pela propria Inglaterra. Se seguissemos a Inglaterra, tinhamos uma invasão pela fronteira. E não tinhamos nenhuns elementos de resistencia, nem concurso efficaz nessa epoca. (Apoiados).

Ora pergunta: os homens que se viram numa situação d'estas, sem meio de sair d'ellas, merecem que os censurem de fraqueza?

Disse e repetirá: merecem mais lastima do que censura.

Depois, porem, definiu-se a situação melhor.

Mas ainda pergunto: nestas condições do principio do seculo XIX, em que influiram as fortificações maritimas? Com o porto bem defendido a situação mudava? Não. O porto bem defendido tinhamo-lo nós talvez melhor do que nunca, e do que hoje; mas que confiança podiamos ter? Nenhuma. Defendiamos a entrada da barra mas deixavamos as colonias á mercê das esquadras inglesas. Aqui está porque elle, orador, tirou conclusões differentes, e não quer fortificações maritimas, quer exercito.

Melhorou a situação, e o país póde sair das difficuldades.

Os homens d'aquella epoca, com o auxilio da Inglaterra, puderam revelar melhor as suas qualidades.

O Sr. Costa Lobo: - Ainda assim tivemos a perda de Olivença.

O Orador: - Antes Olivença que Lisboa.

Tinhamos em tempo de guerra a alliança com a Inglaterra, como hoje a temos em tempo de paz.

Para que serviram então as fortificações maritimas?

De nada.

Do que então precisámos, foi de organizar o exercito, foi de chamar Beresford, entregar-lhe o commando em chefe do exercito e ir combater primeiro para as linhas de Torres Vedras, e depois em toda a peninsula.

Será illusão sua?

Ou não é exacto que a situação em que hoje nos encontramos, é perfeitamente analoga áquella em que estava-mos no principio do seculo XIX?

Pois é esta a conclusão que o orador tira da historia.

O Sr. Ministro da Guerra cita no seu relatorio áquella mesma situação, mas para tirar a illação contraria de que precisamos em primeiro logar de fortificações maritimas.

Mas de que aos servem estas, se o que nos é absolutamente indispensavel é o exercito, porque foi elle que nos deu a independencia da patria e a gloria da nação?

Quer ser imparcial, convencido como está de que esta questão não é politica, nem se trata agora de estabelecer primasias, o que seria inutil, porque quem está victorioso, evidentemente, é o Sr. Ministro da Guerra.

O orador teve a aspiração do armamento do exercito, que não realizou; o Sr. Ministro da Guerra tem a aspiração do armamento das fortificações, que realizou.

Não vem debater-se em pugna politica, o que unicamente deseja é definir responsabilidades.

No seu intuito de imparcialidade, quer citar todas as razões que se apresentam em defesa do Ministro da Guerra. Já referiu as do relatorio, mas deseja ainda referir uma outra que foi a que S. Exa. apresentou na sessão anterior, respondendo ao Digno Par Sr. Baracho, e essa, francamente o diz, tem mais valor que as outras. A primeira vista poderá até seduzir e convencer, a muitos, mas depois de bem considerada, não é convincente para ninguem, como o não foi para o orador.

Allegava o Sr. Ministro da Guerra que, tendo nós feito alliança com a Inglaterra, precisavamos valorizar esse pacto, para que elle não representasse um protectorado, e nos tornassemos uteis á Inglaterra de forma que ella tambem encontrasse vantagem e compensação em estabelecer a sua alliança comnosco. D'aqui concluia o Sr. Ministro a necessidade das fortificações maritimas.

Debaixo d'este ponto de vista é logico o raciocinio de S. Exa. mas o orador o que entende é que só devemos fazer as fortificações na opportunidade adequada isto é, depois de tratar do exercito, e não em primeiro logar.

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De facto, nós precisamos valorizar a nossa alliança, dando apoio maritimo á Inglaterra; mas, pergunta o orador, quem nos valoriza a nós e nos dá apoio terrestre nas nossas fronteiras?

A conclusão logica é que deve ser a Inglaterra; assim como nós lhe damos apoio no mar, esta nossa alliada, correlativamente, viria dar-nos apoio terrestre.

Não é, porem, mais racional ficar cada um em sua casa, com os elementos que lhe são proprios, isto é, Portugal tratar da defesa das suas fronteiras de terra e a Inglaterra assegurá-la por mar?

No momento actual este país tem toda a conveniencia na occupação do porto de Lisboa, como ponto estratégico de operações navaes, que ha de ser forçosamente occupado, quer esteja defendido quer não, e por esse motivo deveremos nós occupar-nos já e exclusivamente da defesa da capital pelo mar, antes de mais nada?

Não concorda o orador com tal modo de ver.

Devemos, sim, tratar de fortificações mais tarde; quando tivermos o exercito armado, trataremos então das fortificações maritimas.

O orador filia esta orientação no plano de politica colonial que se desenrolou de 1887 a 1890, mas que, não obstante as melhores intenções que o inspiravam, não deu bons resultados; as nossas aspirações baseavam-se então na alliança allemã, e por isso tornavam-se necessarias as fortificações maritimas.

Desde então para cá houve uma inversão na nossa politica colonial.

Se o país puder ser invadido por terra, as fortificações maritimas hão de cair como cairam deante de Junot, e portanto o auxilio da nação nossa alliada seria puramente ficticio.

De nenhuma forma pode concordar com tal opinião. Em harmonia com os principios da sciencia e com as opiniões autorizadas dos technicos, o orador tem defendido insistentemente a prioridade do armamento para o exercito, e é essa a opinião que continuará a sustentar, apesar das razões que o Sr. Ministro da Guerra e o Digno Par Sr. Baracho invocam em sentido contrario, mas que não logram convencer o orador.

Lastima que S. Exas. professem outra parecer, e lastima-o porque S. Exas. são dois generaes de cavallaria, ambos novos, relativamente para o nosso exercito, amantes da sua arma e dedicados a ella, e, em vez de virem pugnar pelos principios que pertencem á cavallaria, a arma que toma a offensiva nos ataques, veem proclamar as suas preferencias pelas fortificações.

O Digno Par Sr. Baracho é um dos defensores das cargas de cavallaria, e comtudo é S. Exa. que diz á Camara: nada de cargas de cavallaria, nada de campos de batalha; de fortificações maritimas é que precisamos; ellas é que constituem a defesa do país.

(Áparte do Digno Par Sr. Baracho que não se ouviu).

Pelo contrario, é inabalavel convicção do orador que o que coostitue a defesa do país o que decide a sua independencia, é o exercito.

O exercito precisa de fortificações, mas estas sem o exercito de nada servem.

Isto é logico, pratico, é o que se deve fazer.

O exercito armado defende o país em todos os pontos, ao passo que as fortificações defendem-no unicamente nos logares em que estão.

Com ais fortificações defendemos Lisboa e nada mais; com o exercito defendemos Lisboa e o país inteiro, as proprias colonias.

Em resumo pois dirá que nenhuma das razões apresentadas no relatorio para justificar a immediata necessidade das fortificações maritimas o convenceu.

Passando em seguida a um ponto mais especial d'aquelle mesmo documento, o plano das fortificações de Lisboa, nota que o Sr. Ministro da Guerra tinha sido de uma simplicidade extraordinaria.

S. Exa. publicou em ditadura um decreto autorizando o emprego do fundo das remissões na acquisição de material de guerra e apresentou no Parlamento uma proposta no mesmo sentido.

Em nenhum dos alludidos diplomas o Sr. Ministro da Guerra diz as fortificações que vae fazer e o armamento que pretende comprar ou a despesa que, calcula fazer.

É uma autorização illimitada.

Tambem não se sabe em que condições de defesa fica o país depois d'essas, despesas.

É um projecto vago, uma autorização vaga.

Sabe o orador que na questão especial da defesa das nações não se podem apresentar incondicionalmente aos Parlamentos os planos respectivos nem traçá-los nos relatorios que precedem os diplomas legislativos; todavia parece-lhe que, tratando-se de despesa, alguma cousa se pode e deve dizer, sem prejudicar as necessarias reservas profissionaes.

Não pode o orador concordar com uma autorização para se gastar a avultada quantia de 3:000 contos de réis, que é a importancia do fundo das remissões no fim de seis annos, sem saber em quê e sem o país conhecer as condições em que fica a sua defesa.

Não crê que nisso possa haver inconveniente.

A este proposito, o orador passa a dar succintamente algumas indicações.

O estudo da defesa do porto de Lisboa começou com a commissão de 1859.

Depois de 1876 principiaram a executar-se successivamente algumas obras de fortificação maritima de Lisboa de acordo com o plano adoptado, mas a verdade é que esse plano não era moderno nem claramente estabelecido. Em 1887, a referida commissão de fortificação de Lisboa e seu porto nomeou uma sub-commissão para tratar de estabelecer um plano de defesa da barra. Essa sub-commissão, presidida por El-Rei, que então era Principe Real, fez um bello trabalho, não só pelos resultados a que chegou, mas principalmente pelo methodo que seguiu.

Em vez de organizar um plano circunscrito ás limitadas forças do Thesouro, a sub-commissão entendeu que devia considerar o problema na sua generalidade, suppondo que tinha de defender o porto de Lisboa contra a maior esquadra que o pudesse atacar.

Resolvido o problema, debaixo d'este aspecto theorico, vinham depois as reducções impostas pela situação financeira e d'esta forma melhor se avaliavam as vantagens e os inconvenientes do que ia sendo supprimido.

Na direcção imprimida aos trabalhos d'esta commissão accentuou se a esclarecida influencia de El-Rei, então seu presidente, que deixou trabalhos especiaes do seu proprio punho annexos á memoria respectiva.

Custava este plano 12:000 contos e exigia 520 bocas de fogo.

Foi considerado pela propria commissão como inexequivel debaixo do ponto de vista financeiro, por ser demasiadamente dispendioso.

Por isso logo em seguida a mesma commissão apresentou um segundo projecto mais reduzido com o nome de Obras mais essenciaes para a defesa do porto de Lisboa, projecto em que a despesa era reduzida a 1/5 e o numero de bocas de fogo a 120.

Já depois, em 1895 o Sr. Roma du Bocage, que era então tenente-coronel de engenharia, aproveitando com felicidade umas peças novas de 15 centimetros de tiro rapido, que eram muito poderosas e podiam dispensar as de 28 de grande calibre, e introduzindo algumas simplificações no plano que vigorava, levou á commissão das fortificações um projecto mais economico, em que o numero de bocas de fogo passava a 81, sendo preciso adquirir 34 alem das 47 que já havia.

Esse projecto foi approvado depois pela commissão superior de guerra e é

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o que desde 1895 tem estado em execução.

Foi para elle que se incluiam no orçamento 50 contos de réis por anno. O Sr. Ministro da Guerra mandou á commissão que ultimasse os seus trabalhos ou antes que tratasse de os rever, porque ultimados estavam elles.

A commissão, em resultado, entendeu que era necessario gastar mais 1:000 contos: 724 para armamento e 276 para fortificações.

Com respeito ao Porto o estudo das fortificações maritimas d'esta cidade é de origem mais recente, pois data de 1890.

Nomearam-se tres brigadas de estudos de defesa das costas, sendo uma d'ellas incumbida do estudo da defesa d'aquella cidade.

A commissão superior de guerra, a quem o plano resultante foi submettido já depois de ter sido approvado o projecto do Sr. Bocage, achou-o dispendioso e superior ás forças do Thesouro. Era pois necessario fazer aqui uma reducção analoga áquella que se tinha feito em relação a Lisboa.

O orador ignora o seguimento que os estudos effectuados tiveram depois de entregues á commissão de fortificações.

Sabe apenas que o Sr. Ministro da Guerra solicitou da commissão de fortificações o plano das fortificações indispensaveis, segundo a orientação assente.

No plano apresentado em virtude d'isso exigiam-se 620 contos de réis para armamento e 297 contos de réis para fortificações.

Com referencia pois ás duas cidades, a importancia para armamento é de 1:344 contos de réis e para fortificações 573 contos de réis.

Depois d'isto o Sr. Ministro da Guerra fez a encommenda d'esta artilharia á casa Krupp, com uma pequena alteração respeitante á artilharia de grosso calibre, mas não a fez completa, porque não abrangeu seis metralhadoras.

Ora esta encommenda, que ainda assim não é completa, custa 7.308.108 francos, que ao cambio de 220 réis, dá 1:607 contos de réis.

Quer dizer, a tal encommenda que estava orçada em 1:344 contos de réis custa agora 1:607 contos de réis, aos quaes se devem juntar os 573 contos de réis para fortificações.

O Sr. Ministro da Guerra está autorizado a gastar 1:600 contos de réis para compra de armamento; mas como para aproveitar esse armamento é preciso gastar 1:573 contos de réis nas fortificações, e esse dinheiro não pode ser tirado do fundo das remissões, conclue o orador que ha um aumento de despesa que dá em seis annos a media de 100 coitos de réis, e como no orçamento estava apenas a quantia de 50 contos de réis para fortificações, ha um acrescimo de 50 contos de réis por anno. Tanto assim o entendeu o Sr Ministro da Guerra, que já no orçamento de 1901-1902 elevou esta verba para alcançar o seu fim.

Do fundo das remissões tem de pagar-se, durante seis annos, á casa Krupp 1:600 contos de réis, o que representa mais 266 contos de réis por anno.

O orador, quando Ministro da Guerra tinha calculado o rendimento medio do fundo de remissões em 450 contos de réis, sendo 250 contos de réis para pá gamento de armamento, 100 contos d réis para serem empregados no serviço de instrucção e 100 contos de réis par serem empregados no Arsenal do Exercito.

Agora o Sr. Ministro da Guerra teu de pagar áquella casa 266 contos de réis; tem de gastar no serviço do recrutamento 100 contos de réis, e ficam 100 contos de réis que não podem ter agora o mesmo destino que tinham para o Arsenal do Exercito, por causa do decreto em que se autorizou a fazer melhoramentos no Arsenal, e em que ha um aumento de despesa importante.

Portanto este projecto, durante seis annos, traz o aumento de 150 contos de réis por anno, ou no fim de seis annos 900 contos de réis.

No relatorio diz o Sr. Ministro da Guerra:

«Assim, sem de modo algum onerar o Thesouro apenas se dá applicação especial a um fundo que por lei é destinado a despesas militares».

Está de acordo, o orador, mas só para o armamento; para as fortificações não, porque o seu custo é tirado do fundo das remissões.

Com referencia ao emprestimo antigo diz o relatorio:

«Não venho pedir assentimento para que o Governo contraia um emprestimo ou realize outra custosa operação financeira».

O Sr. Ministro da Guerra agora não contrae emprestimo, mas traz um aumento de despesa do 900 contos de réis, e na nossa situação financeira, quando se criam d'estes aumentos de despesa, ha sempre emprestimo visto haver deficit.

O que é certo é que não havendo verba especial pela qual se pague esta compra, ha um emprestimo que vae para à divida fluctuante, essa voragem onde as finanças podem sossobrar, como já sossobraram.

Não pode deixar de se referir ainda a uma declaração exarada no relatorio da proposta de lei da Camara dos Senhores Deputados.

O orador leu:

«É completamente efficaz o plano».

É descabida esta apreciação, como a Camara poderá deduzir da exposição que o orador fez da maneira como se formou o plano de fortificação que se executa.

O proprio autor lhe dá o titulo de: Plano de fortificação para pôr a cidade de Lisboa ao abrigo do ataque de alguns navios de guerra.

É pois só destinado a este fim.

O orador entende que o dinheiro que se vae gastar é para defender o porto de Lisboa contra o ataque de algum navio imaginario, que depois da alliança inglesa não se pode atrever a navegar em nossas aguas.

Não crê que esses navios possam atravessar os cruzeiros da nossa alliada.

Com estes raciocinios o Governo está a prejudicar o armamento do exercito e a adiar a questão, pondo de parte a lei que autorizava a compra d'esse armamento.

Recapitulando o seu discurso o orador diz que em primeiro logar tratou de definir as suas responsabilidades, e depois, em harmonia com os principios scientificos, com as opiniões das grandes autoridades e com o exemplo das outras nações, accentuou que é necessario tratar em primeiro logar do exercito, e em segundo logar das fortificações.

O Sr. Ministro da Guerra trata das fortificações em primeiro logar, pondo de parte o elemento principal da defesa, em proveito de um elemento accessorio e secundario.

Depois vae tratar da defesa maritima, exactamente no momento em que nós temos uma alliança em termos precisos e bem definidos, alliança que nos ha de servir principalmente contra os ataques por mar.

Acresce a isto que o projecto a que se está referindo impõe um encargo de 573 contos de réis em 6 annos, quando o outro projecto o não impunha.

São estas as razões por que não concorda com a orientação do Sr. Ministro da Guerra.

Não deseja fatigar a attenção da Camara; mas compenetrado como está da importancia da questão da defesa do país, não pode deixar de estranhar o procedimento do Sr. Ministro da Guerra, dispensando a collaboração do Paramento e decretando em ditadura as medidas mais importantes que lhe dizem respeito.

Lavra pois o seu protesto contra as ditaduras, e entende que é necessario protestar sempre, ainda por meios ener-

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gicos, porque as declamações pouco valem perante um Governo como o actual.

Observa com estranheza que tendo este Governo por varias vezes annunciado que ia tratar do armamento para o exercito, já se tivessem passado dois annos sem se realizar esse projecto; mas d'esta vez o Sr. Ministro da Guerra fez a mesma affirmação em termos taes que lhe parece que não deixará de cumprir a sua promessa.

Por isso, não pode deixar de perguntar a S. Exa. quaes são os recursos com que conta para fazer face ás despesas da compra de armamento.

O Sr. Ministro da Guerra não o disse nem explicou, o que, porem, o orador sabe é que os recursos de que S. Exa. poderia lançar mão estão gastos; portanto, só de verbas especialmente inscritas no orçamento na totalidade ou em parte, é que S. Exa. poderá valer-se.

A isto se reduz, pois, o projecto do Sr. Ministro.

Deseja, pois, consignar que o resultado de se pôr de parte um projecto para a compra de armamento sem aumento de despesa foi este; era muito melhor e mais simples ter-se evitado isto.

Nas actuaes condições do Thesouro não se pode acreditar em verbas inscritas no orçamento para compra de armamento.

Depois da administração feita por este Governo, depois das despesas terem aumentado, depois das autorizações, depois dos convenios. ... convenio, é no singular; mas é um singular que vale bem um plural!

(Áparte do Sr. Dantas Baracho: - Muitos pluraes!...)

Depois d'estes factos, pode porventura pensar-se em inscrever verbas no orçamento?!

Poderá o Sr. Ministro da Guerra ter a força precisa para arrancar á sua maioria a votação de tal proposta; mas executá-la, affirma o orador que não conseguirá.

Se o Governo tivesse posto em pratica os principios de vida nova que lhe foram suggeridos d'este lado da Camara, talvez o Sr. Ministro da Guerra pudesse realizar o seu intento. (Apoiados).

Da forma, porem, que procedeu, não o conseguirá.

As circunstancias do Thesouro não lh'o permittem. (Apoiados).

A questão do armamento do exercito fica, pois, prejudicada por seis annos.

É ao Sr. Ministro da Guerra que pertence de direito a responsabilidade d'estes prejuizos.

Termina formulando o desejo de que o futuro não venha a dar razão ao orador e o Sr. Ministro da Guerra não tenha de se arrepender do processo que seguiu nesta questão do armamento o exercito. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Ministro da Guerra (Pimentel Pinto): - Não tencionava, não espera-a, nem desejava pedir de novo a palavra durante a discussão d'este projecto, porque, sendo perfeitamente igual ao do anno passado, não tem que discutir. E a verdade é que até agora nenhum dos Dignos Pares que usaram a palavra, pretendeu contestar, ampliar ou modificar por qualquer forma s disposições d'este diploma.

Mas alem d'isto, o Digno Par Sr. Sebastião Telles já tinha feito uso da palavra ao discutir-se a proposta relativa á fixação ia força armada, e nessa ocasião, á que é de uso trazerem-se ao debate os assuntos militares. S. Exa. porem, não podia conformar-se só com isso e como do alguma forma pretendia ser desagradavel ao titular da pasta da guerra, não quis perder este novo ensejo de abrir uma discussão politica a proposito de questões militares.

É antigo defeito do Digno Par, defeito que o orador já lhe tem apontado varias vezes, mas de que S. Exa. se mostra impenitente. Combater os Governos não só é um direito, mas, mais do que isso é um dever das opposições, porque representa a fiscalização dos actos governativos; mas não foi esse o papel que o Digno Par se attribuiu.

E tanto que S. Exa. para intercalar neste debate a questão politica, não invocou o projecto que está em discussão, mas veir combater um decreto ditatorial publicado em 1901, veiu combater uma proposta de lei trazida ao Parlamento eu 1901; veiu combater uma proposta que ainda não conhece porque ainda não foi pelo orador apresentada ás Côrtes.

A campanha de que o Digno Par foi alvo quando occupava a cadeira de Ministro, tambem se deve a ter S. Exa. provocado para o campo politico a opposição, que pelo menos por parte dos elementos militares nenhum desejo tinha de lhe ser contraria. Os assuntos militares devem ficar alheios ás paixões politicas que obcecam o espirito e obscurecem a intelligencia, incapacitando-a de considerar imparcialmente qualquer questão. E foi por isso que o Digno Par attribuiu, quer ao orador quer ao Digno Par Sr. Baracho, uma opinião que muito longe estão de perfilhar e que portanto nunca enunciaram. Não disse o orador que primeiramente se devia tratar das fortificações e depois do exercito, mas que, na execução da proposta de lei relativa, á compra de armamento, se devia começar pela acquisição do que fosse destinado ás fortificações, seguindo-se o da artilharia de campanha e depois o de armas portateis. (Apoiado do Sr. Dantas Baracho).

O Sr. Sebastião Telles (interrompendo): - Diz que é a isso que chama tratar do armamento das fortificações antes do armamento do exercito. Quem não trata do armamento, não trata do exercito.

O Orador: - Parece-lhe que o Digno Par não foi então bem exacto nas expressões com que no seu discurso quis traduzir o seu pensamento. É certo que para a defesa de um país a primeira condição necessaria é que haja bons defensores, e depois boas fortificações e bom armamento; nem é preciso ser militar para comprehender claramente que, se atrás d'essas fortificações não estiverem braços convenientemente armados, ellas de nada servirão. Seria absurdo suppor outra cousa.

Por outro lado, ninguem deixará de concordar em que, por maior que seja o valor militar dos nossos soldados, emquanto o porto de Lisboa, estiver indefeso, aberto, Portugal ha de ser um país fraquissimo. (Apoiados). Nenhuma autoridade em assuntos militares tem opinião differente. Mas isto de nenhum modo significa que o orador não queira o armamento do exercito. Ainda na sessão pasmada tinha declarado que empregaria todos os esforços junto dos seus amigos, para que a proposta relativa á compra de armamento fosse convertida em lei ainda nesta sessão.

O desejo do orador seria simultaneamente obter tanto o artilhamente das fortificações como o armamento do exercito (Apoiados) se as nossas condições financeiras não obstassem a isso. É a aspiração de todos. Só aspira estaremos fortes para defesa mas se o exercito não estiver armado e os portos de mar continuarem indefesos seremos fracos. O orador refere-se ao caso do Charles et George para comprovar a sua asserção, e escolhe-o de entre outros por ser já um facto antigo

Dirá ao Digno Par as razões da sua preferencia pela artilharia das fortificações e para isso bastar-lhe-ha recordar o que se passou com S. Exa. O Digno Par, quando foi Ministro da Guerra, mandou vir duas baterias de artilharia a cavallo, de 7 1/2. Levaram dezoito a vinte meses para chegar a Lisboa. Quando se trata de peças de 15 ou de 28, este tempo aumenta extraordinariamente. As fabricas não podem fornecer esta artilharia de um momento para o outro.

Suppondo mesmo que estas peças se pudessem adquirir por compra a alguma nação, o que é inverosimil, o resultado era idêntico porque os canhões desembarcados aqui, não podiam ser

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SESSÃO N.° 45 DE 24 DE ABRIL DE 1903 447

logo utilizados, visto como era preciso estabelecer previamente no massiço da fortificação uma pivotage constituida por muitas toneladas de ferro.

Nisto está a razão pela qual o orador entende que se deve começar por adquirir o artilhamento das fortificações.

Se em vez d'isto o orador pensasse que o facto de possuir boas fortificações dispensava inteiramente o Governo de cuidar da organização, instrucção e disciplina do exercito, é porque ignorava inteiramente as mais elementares exigencias da defesa do país.

Repete pois que é inteiramente inexacto julgar S. Exa. que o orador quer fortificações e não quer armamento para o exercito.

O Sr. Sebastião Telles (interrompendo): - É uma questão de ordem.

O Orador: - Nesse caso todos podem comprehender que se deve começar pelo que leva mais tempo a obter, para que o país se encontre no menor espaço de tempo possivel em estado de completa e perfeita defesa.

Outra errada apreciação do Digno Par consistiu em dizer que o orador dá toda a preferencia ás fortificações maritimas, apesar da nossa alliança com uma nação poderosa nos mares.

Dira apenas que as fortificações da costa são, para a nossa situação internacional, um factor que nos valoriza e que portanto nenhum Ministro pode desprezar.

Seria porem inexacto suppor que o orador não pensa tambem na defesa terrestre; a proposta que ainda este anno ha de trazer ao Parlamento servirá de demonstração ao que acaba de dizer.

Os nossos recursos financeiros não permittem que se faça tudo ao mesmo tempo. Mas o porto de Lisboa não pode continuar sem as necessarias fortificações, para que não constitua uma fraqueza do país.

Assevera que não tem o proposito gastar os 3 mil contos; e S. Exa. mesmo se encarregou de o demonstrar.

A respeito do plano de fortificações, o que se pretende é collocar o porto de Lisboa ao abrigo de um golpe de mão e em condições de proteger qualquer navio que dentro d'elle esteja.

O orador explica em seguida a razão da differença entre o preço no contrato primitivo e o que realmente ficou assente; naquelle não se contava, como agora, com algumas bocas de fogo para o Porto.

Declara que tomou a palavra nesta sessão obrigado pelo Digno Par, que veiu discutir uma proposta que ainda não estava apresentada ao Parlamento.

Alem d'isto não quis que ficasse no espirito de ninguem que elle, orador, apenas tratava de fortificações e não do exercito. Crê que fundamentalmente o Digno Par pensa como elle neste assunto, porque assim deve pensar todo o homem de razão clara, mas o orador entende que não se podendo emprehender tudo ao mesmo tempo, é preferivel começar pelo artilhamento das fortificações. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Presidente: - Ficam inscritos os Dignos Pares os Srs. Avellar Machado, Baracho e Sebastião Telles.

A proximo sessão é amanhã e a ordem do dia a mesma que vinha para hoje, isto é, a continuação da discussão do parecer n.° 40, que fixa os contingentes para o exercito, armada, guardas municipal e fiscal, e mais o parecer n.° 39, que approva o plano da instrucção naval; n.° 24, que reorganiza a Academia e Museu Portuense de Bellas Artes; n.° 36, que autoriza a admittir como pensionista do Estado no Real Collegio Militar Francisco Maria de Vasconcellos Cruz Sobral Cervantes; n.° 42, que autoriza a Camara Municipal de Alemquer a prorogar por 60 annos o prazo de amortização do emprestimo de que é devedora á Companhia Geral de Credito Predial Português; e n.° 43, que trata dos subsidios com que os corpos administrativos devem contribuir para o fundo de beneficencia publica destinado á defesa contra a tuberculose.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 35 minutos da tarde.

Os Redactores

ALBERTO PIMENTEL.
F. ALVES PEREIRA.

Dignos Pares presentes na sessão de 24 de abril de 1903

Exmos. Srs.: Luis Frederico de Bivar Gomes da Costa, Alberto Antonio de Moraes Carvalho; Marqueses: de Gouveia, do Lavradio; Condes: de Avila, do Bomfim., de Monsaraz, da Ribeira Grande, de Valenças; Viscondes: de Athouguia, de Monte-São; Antonio de Azevedo, Pereira Carrilho, Costa e Silva, Santos Viegas, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Artur Hintze Ribeiro, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Carlos Maria Eugênio de Almeida, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Matozo Santos, Ferreira do Amaral, Almeida Garrett, Baptista de Andrade, D. João de Alarcão, Gusmão, Avellar Machado, José de Azevedo, Frederico Laranjo, Silveira Vianna, Julio de Vilhena, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Bandeira Coelho, D. Luis de Sousa, Pereira e Cunha, Miguel Dantas, Pedro Ferrão, Pedro Victor, Sebastião Telles, Sebastião Dantas Baracho, Deslandes Correia Caldeira.

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