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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES.

Sessão de 25 de Maio de 1839.

(Presidencia do Sr. Duque de Palmella.)

Sendo uma hora e meia da tarde, teve principio esta Sessão; presentes 37 Srs. Senadores.

Lida e approvada a Acta da antecedente, participou o Sr. Cavares de Almeida, que o Sr. Osorio do Amaral não comparecêra nesta, nem nas antecedentes Sessões, por incommodo de saude.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa, relator da Commissão de Fazenda, leu e mandou para a Mesa o parecer della sobre o Projecto de Lei, enviado da Camara dos Deputados, para a continuação do imposto addicional estabelecido pela Carta de Lei de 31 de Outubro de 1837, fazendo-o extensivo ás Provincias dos Açôres e Madeira. Mandou-se imprimir, a fim do ser discutido.

Passando-se á ordem do dia, foram lidos os seguintes Parecer, e Projecto de Lei, entrando este em discussão na sua generalidade.

Parecer.

Senhores! — A Commissão de Administração Publica examinou o Projecto de Lei, que ao Senado foi remettido pela Camara dos Deputados, authorisando as Juntas Geraes do Districto a collectar as Misericordias para a sustentação dos expostos.

Antes, da promulgação do Decreto de 19 de Setembro de 1836, a administração, e sustentação dos expostos estava n'umas terras a cargo das Camaras Municipaes, que proviam as suas despezas com as rendas do Municipio, e pelo cabeção das sizas; outras terras estavam a cargo das Misericordias, que aí proviam com os seus proprios recursos. Com o fim de uniformisar esta administração em todo o reino o Decreto de 19 de Setembro de 1836, a incumbiu ás Municipalidades, fazendo cessar a administração das Misericordias. Nesta parte o Decreto foi cumprido em algumas terras, e n'outras não o foi, continuando as Misericordias a administrar, e sustentar os expostos, porque as Camaras Municipaes se recusaram a tomar conta da sua administração, e representaram que o Decreto, nesta parte, era inexequivel, não só porque augmentava as attribuições das Municipalidades, que já eram superiores ás suas forças, e sobrecarregava os Municipios de tributos, que não podiam pagar; mas porque tendo as Misericordias estabelecimentos adequados para aquella administração e rendas proprias, e augmentadas pela piedade, e caridade dos fieis, para supprirem as despezas, não havendo por outro lado queixa, nem motivo algum que allegar-se contra a sua administração, seria sacrificar aquelles desgraçados entes, tirando a administração que as Misericordias tinham ha seculos, e que era analoga aos fins da sua instituição, e pelos muitos afazeres a seu cargo, e sobre tudo por falta de recursos, não podiam encarregar-se della com tanto proveito dos expostos. Outras Camaras, como a de Evora, aonde se cumpriu o citado Decreto, pedia, que se devolvesse á Misericordia a administração dos expostos, a cujo cargo estivera por espaço de quasi tres seculos, antes do citado Decreto de 19 de Setembro. Ponderadas mui attentamente pela Commissão as razões allegadas nestas representações, assim como na que a Camara Municipal de Thomar dirigira a este Senado: e convencida não só pelo exposto nas referidas representações, mas pelo exemplo que offerece a administração dos expostos, que nesta Capital se acha a cargo da Misericordia, a quem senão póde tirar sem gravissimos inconvenientes, que por bem notorios senão ennumeram; é de parecer que se façam ma projecto approvado na Camara dos Deputados, as alienações seguintes:

1.ª Que se estabeleça n'um artigo a regra geral seguinte:

As Juntas Geraes de Districto são authorisadas a deixar continuar a administração dos expostos ás Misericordias, que tinham esta administração antes do Decreto de 19 de Setembro de 1836, quando ouvidas as Camaras Municipaes, e as Mesas ou Commissões Administrativas das Misericordias respectivas, assentarem que essa administração é mais; economica, o proveitosa aos expostos, ficando comtudo sujeita a inspecção, e fiscalisação das Juntas Geraes, na fórma disposta no citado Decreto.

2.ª Que esta doutrina forme o Art. 1.º da Lei, e que, o Art. 1.º do Projecto, passe a ser o Art. 2.°, com a seguinte - depois, das palavras = dita sustentação = e que as mesmas Juntas, na conformidade do Art. 1.°, assentarem que não devem continuar na sua administração.

Esta alteração é para o harmonisar com o que se estabelece no Art. 1.°

3.º Que se conserve o § unico do Art. 1.° do Projecto, passando a ser §. 1.°

4.º Que addite um §. 2.° nestes termos:

Senão fôrem suficientes para provêr a todas as despezas da sustentação dos expostos, os recursos das Misericordias, que na conformidade do Art. 1.°, continuarem na sua administração, as Juntas Geraes de Districto preencherão o deficit, pelos meios estabelecidos no Decreto de 19 de Setembro de 1836.

5.ª Que no Art. 2.° do Projecto, que deve ser Art. 3.°, se accrescente — assim como no excedente das rendas daquellas Misericordias, que os não gastam no tractamento dos enfermos em hospitaes a seu cargo.

Que se approve o resto do projecto, harmonisando-se a numeração dos Artigos.

Sala da Commissão, em 15 de Maio de 1839. = Barão de Villa Nova de Foscôa = Anselmo José Braamcamp = Barão de Prime = Agostinho Pacheco Telles de Figueiredo. = Felix Pereira de Magalhães.

Projecto de Lei (a que se refere o Parecer).

Artigo 1.° As Juntas Geraes de Districto são authorisadas a collectar, para a sustentação dos expostos, as Misericordias dos seus Districtos que tiverem tido a seu cargo a á ta sustentação, antes da promulgação do Decreto de 19 de Setembro de 1836.

§. unico. As quotas, que fôrem lançadas ás Misericordias compreendidas neste Artigo, serão determinadas em attenção ao estado actual das suas rendas, e não poderão exceder no seu maximo, o termo medio das despezas, que ellas costumavam fazer dos seus proprios rendimentos com os respectivos expostos, calculada esta despeza pelos ultimos cinco annos da sua administração.

Art. 2.º São igualmente authorisadas as Juntas Geraes, a collectar para o fim designado no 1.° Artigo, as Misericordias dos seus Districtos, que não tendo tido a seu cargo a sustentação dos expostos, antes da promulgação do Decreto de 19 de Setembro de 1836, tambem não tem actualmente de provêr a despezas de tractamento de enfermos em hospitaes de sua dependencia.

Art. 3.° As Juntas Geraes de Districto, poderão arbitrar ao seu respectivo Thesoureiro, que o será igualmente do cofre da administração dos expostos, até um por cento das quantias que arrecadar com este destino, em remuneração do seu trabalho, e responsabilidade.

Art. 4.º Os bilhetes de enterramento para os expostos, de que tractam os Artigos 19, 22, e 46, no Decreto de 3 de Janeiro de 1837, serão gratuitos.

Art. 5.º Fica por este modo declarado, e ampliado o Decreto de 19 de Setembro de 1836, e revogada a Legislação em contrario. — Palacio das Côrtes, em 8 de Maio da 1839. = José Caetano de Campos, Presidente. = Custodio Rebello de Carvalho, Deputado Secretario. = Manoel Justino Marques Murta, Deputado Secretario.

Teve a palavra, e disse

O Sr. Visconde de Laborim: — (Sobre a ordem) Sr. Presidente, por vezes nesta Camara se tem sustentado, e a meu vêr sabiamente, que as discussões dos Projectos na generalidade, de ordinario não tendem a nada mais do que roubar aquelle tempo, que se poder ir empregar no debate especial dos mesmos: demais a discussão na generalidade tem por fim principal averiguar a necessidade da materia, e a sua opportunidade; ora o assumpto do Projecto por si se recommenda, assim como é por todos reconhecido o vir a proposito; accrescendo a particularidade de ter sido já na presença destas circumstancias discutido na Camara dos Srs. Deputados. Peço portanto a V. Ex.ª queira consultar a Camara, sobre dispensar a discussão na generalidade, a fim de passarmos já á especial (Apoiados).

O Sr. Presidente: — Eu achava que se attingiria o fim que acaba de lembrar o Sr. Visconde de Laborim, discutindo-se, o Projecto na sua generalidade, e ficando a Camara na intelligencia de que, se se approvar o parecer da Commissão, quer dizer que ha de entrar depois na discussão do Artigo que ella offerece como primeiro do Projecto, e assim em cada uma das suas emendas ou addicionamentos. Creio que deste modo se obtem o mesmo resultado, e talvez mais vantajoso, do que se se omitisse a discussão na generalidade da materia: (Apoiados geraes) portanto continúa esta.

O Sr. Visconde de Laborim: — Sr. Presidente. Diz o primeiro Artigo do Projecto da Camara dos Srs. Deputados da Nação Portugueza o seguinte, a saber: — As Juntas Geraes de Districto são authorisadas a collectar, para a

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sustentação dos expostos, as Misericordias dos seus Districtos, que tiverem tido a seu cargo a dita sustentação, antes da promulgação do Decreto de 19 de Setembro de 1836; e a illustre Commissão, quer, ajuntando-se-lhe depois das palavras — dita sustentação — as seguintes — e que as mesmas Juntas, na conformidade do Artigo primeiro assentarem, que não devem continuar na sua administração — constitua o 2.º Artigo do Projecto de Lei; e que no 1.º se estabeleça esta doutrina: — As Juntas Geraes de Districto são authorisadas a deixar continuar a administração dos expostos ás Misericordias, que tinham esta administração antes do Decreto de 19 de Setembro de 1836, quando, ouvidas as Camaras Municipaes, e as Mesas ou Commissões administrativas das Misericordias respectivas, assentarem que essa administração é mais economica, e proveitosa aos expostos; ficando com tudo sujeitas á inspecção, e fiscalisação das Juntas Geraes, na fórma disposta no citado Decreto. Faz a Commissão outras emendas, de que opportunamente se tractará. Passemos por tanto a dizer alguma cousa sobre a materia do primeiro Artigo, que de novo se estabeleceu, e que na realidade contém o mais essencial. Sr. Presidente, o Projecto da outra Camara pertende, que em todo o território portuguez sejam as Camaras Municipaes encarregadas dos estabelecimentos dos expostos, debaixo da fiscalisação das Juntas Geraes de Districto, collectadas por estas, as respectivas Misericordias; ficando assim harmonisada esta materia com a lei da Dictadura de 19 de Setembro de 1836, e esta com o Codigo Administrativo, que pelos seus enormes defeitos, dando as mãos ao Judiciario, que não é melhor na sua classe, é forçoso confessar que muito tem contribuido para ser perturbada a nossa Liberdade, posta em risco a nossa vida, e vacilante a nossa propriedade; porém Sr. Presidente, sobre este ponto, nada mais digo, e reservo-me para occasião propria; e assim continuo, expondo que esta materia se harmonisou, para se estabelecer em toda a parte uma uniformidade Legislativa, sobre o objecto em questão: mas, Sr. Presidente, a harmonia das Leis não consiste na identidade das letras, e das palavras, isto em geral, e no assumpto, de que se tracta, eu considero uniformes aquellas que, não podendo esposar-se com todas as circumstancias geraes, se ligam ás particulares, produzindo em todos os logares, em que elevem ser executadas, um mesmo bom, e util effeito; é por este, e não por meras theorias, e vãos caprichos, que se deve medir, no meu conceito, a verdadeira harmonia das Leis; e applicando este principio á nossa tarefa, quero com isto dizer, que Cidades e Villas ha em Portugal, aonde as Camaras, e as Misericordias administrarão com proveito nacional o interessante estabelecimento dos expostos; e Cidades e Villas ha, em que só pelas Misericordias e não pelas Camaras, se conseguirá o fim a que nos propomos: tenho estabelecido desta fórma a minha these, cumpre-me prova-la, o que poderia fazer com a narração da historia dos principaes estabelecimentos dos expostos, porém isto traria comsigo uma narração estirada, que roubaria a esta Camara o tempo, e que, por desnecessaria, a enfastiaria; bastando só para se alterar o plano, que a outra Camara estabeleceu, que isto se evidencie a respeito de um qualquer, devendo por isso ter a Lei, que levamos em vista, o caracter excepcional. Recorrerei a esta Capital por ter sido mais accessivel ás indagações, e observações de todos os meus illustres collegas.

Sr. Presidente, o estabelecimento dos expostos em Lisboa, esteve sempre a cargo do hospital de todos os Santos, hoje denominado de S. José, a sua renda era de 80 mil réis, pouco mais ou menos; e como esta não chegasse, e soffressem estes infelizes grandes vexações, determinou o Governo d'então pelo Alvará de 28 de Março de 1635, que a Camara tomasse conta delles, e não podendo, o fizesse a Misericordia, sendo obrigada aquella a dar lhe annualmente para este fim, a quantia de 600 mil réis; a Camara conhecendo já nesse tempo, que um similhante estabelecimento não era por fórma alguma compativel com os seus deveres, não quiz encarregar-se delle, e contratou com a Santa Casa da Misericordia, por Escriptura do 23 de Junho de 1637, que esta se incumbiria de um tão piedoso, e util trabalho, dando-se-lhe annualmente a sobredita quantia;. debaixo destes principios foi creada, e nomeada pela Santa Casa da Misericordia uma Mesa, intitulada dos engeitados, que, sendo-lhe subordinada, era quem unicamente delles estava encarregada, e em todos os ramos que lhe diziam respeito; assim marchou este negocio até 1767, porém ainda não com aquellas vantagens que eram de desejar; e por isso no reinado de El-Rei o Senhor D. José I de gloriosa Memoria, se tomaram mais energicas medidas pelo Decreto de 4 de Janeiro de 1768, determinando-se, que a Santa Casa da Misericordia de Lisboa tomasse debaixo de sua immediata direcção, e sem mediação de pessoa alguma, esta piedosa incumbencia, e que tanta attenção merecia áquelle Monarcha; assim se executou, sendo presidida a respectiva Mesa naquelle tempo, e no successivo pelas pessoas as mais distinctas, e qualificadas pelo seu nascimento e filantropia, o que tudo contribuiu para um consideravel melhoramento filho da piedade, zêlo e desinteresse; e que sendo presenciado pelos Senhores Reis daquellas épocas, lhe fizeram generosas Doações Regias; e pelos particulares importantissimos legados pios, resultando daqui o ser reunida uma soturna, que equilibrou a receita com a despeza, não soffrendo por isso os expostos a mais pequena privação.

Cresceu a população, e por esta razão, ou porque a desmoralisação se augmentasse, mudou o negocio de figura, e principiaram a affluir os expostos em um numero tal, que tem entrado, e continuam a entrar dous mil por anno; porém a Misericordia não tem desmaiado, interpondo o credito de seus Membros, buscando outros recursos, e finalmente abrindo para soccorrer estes infelizes, os cofres applicados para outros destinos; tanto que o privativo dos expostos se acha para com elles, debitado na quantia de 200 contos de réis, o que é facil de se accreditar, trazendo-se á lembrança a idéa de que a Misericordia actualmente vigia sobre sete mil destes desgraçados, com quatro mil dos quaes faz annualmente a despeza de 45 contos de réis.

Isto bastaria, dito com todo o conhecimento de causa, para provar a minha these, e affastar de nós a idéa do tal principio de harmonia caprichosa de Leis sobre um tão importante ponto; mas sempre accrescentarei alguma cousa mais para mostrar que esta theoria deve desapparecer na presença da consideração de que, se a Camara fôr forçada a tomar conta do estabelecimento dos expostos, ficará obrigada á satisfação da divida daquelles 200 contos de réis; de que a collecta, que ha de verificar-se a respeito da Misericordia, recahindo em rendimentos sobrantes das despezas ordinarias, tem de ser deminuta, ou antes miseravel; de que as loterias que rendem de 12 a 20 contos de réis, viciosas na sua origem, por favorecerem o ócio, e a rapina (o que a Lei que as prohibe, já teve em vista), devem por fôrça caducar, ou porque a isso nos levem os seus máos resultados, ou porque os homens se desenganem da desigualdade do jogo; de que a Camara Municipal se acha encarregada de tantos, e tão variados deveres, que lhe é impossivel fazer-se cargo de mais obrigações; de que está allagada em penhoras, não tendo até mesmo (porque lhe não pagam) com que pagar a quem deve; finalmente de que será violentada a fintar esta Capital, que não geme pouco já debaixo de impostos; procedimento, que, para o evitar, em outro tempo occorreu a sabia Carta Regia de 31 de Janeiro de 1775, determinando que, além dos 600 mil réis, de que fallei, a Camara fôsse obrigada a dar á Misericordia, para o fim de que tractamos, mais a quantia de 1:400 mil réis.

O que se passa, Srs. a respeito do estabelecimento dos expostos desta Capital, é igual ao que acontece em alguns outros das Cidades, e Villas do reino, o que provarei se necessario fôr, e se nisso a Camara convier.

Agora referindo-me ao que deixo exposto perguntarei quem, ouvindo, ou por qualquer modo reconhecendo estas verdades, affirmará que com proveito dos expostos da Cidade de Lisboa, e dos que a ella affluem, deve a Camara Municipal da mesma fazer-se cargo da sua administração, e não a Santa Casa da Misericordia? Ninguem sem dúvida, á excepção daquelle que queira tomar sobre seus hombros o maior peso de responsabilidade, aquelle que procure harmonisar as Leis por um bello ideal, e não pelo seu effeito verdadeiramente util.

Sr. Presidente, um similhante procedimento em assumpto menos grave, seria no Legislador um erro indisculpavel; no de que se tracta é um horroroso crime, pois que por esta fórma se commetterão centenares de infantecidios; seria seguir a mania desse espirito da desordem, que na Assembléa constituinte de França, querendo que as colonias, que ainda não estavam dispostas para se dirigirem pelos principios de Liberdade, como faziam vêr a todas as luzes alguns dos Membros mais prudentes, predizendo, que se ella lhe fôsse dada, a sua perda e total ruina seria infalivel, clamava em altas vozes, percam-se as colonias, e salve-se o principio; o que applicado ao nosso caso, quer dizer = harmonise-se a torto, e a direito em todo o Portugal a Lei dos expostos, e padeçam, e morram embora estes infelizes.

Sr. Presidente, eu bem considero, que transtornar os Projectos, que vem da outra Camara, é, em geral, impecer o andamento das Leis; porém tambem reconheço, olhando este principio em particular, que circumstancias existem, em que uma condescendencia authomatica tenderá a constranger as nossas consciencias, e a dar de nós aos nossos constituintes, em objecto tão serio, uma opinião bem desgraçada.

Approvo portanto o principio estabelecido no Parecer da Commissão, mui expressamente pronunciado no seu Artigo primeiro, o qual, contendo a substituição, que na outra Camara offereceu o dignissimo Lente da Universidade o Sr. Guilherme Henriques, só se lhe accrescentou á palavra = Mesas = as = ou Commissões Administrativas = o que é muito para acceitar, e graças sejam rendidas á Commissão, que até nisto mostrou a sua sabedoria e zêlo, visto que, havendo algumas Commissões, que em certas Misericordias estão fazendo as vezes das Mesas, por estas não terem administrado bem; se na Lei não fosse uma tal declaração, julgar-se-iam authorisadas pelo rigor da letra, para se inaugurarem de novo.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — O meu Collega o Sr. Ministro dos Negocios ao Reino por motivos de serviço não póde vir hoje aqui, e pediu-me que fizesse esta participação ao Senado; e até mesmo que se fosse possivel sobreestar na discussão deste Projecto, elle o estimaria muito porque teria alguma cousa a dizer,

O Sr. Visconde de Laborim: — Tenho em toda a contemplação o requerimento do Sr. Ministro, Presidente do Conselho, e muita satisfação me causaria, assim como, segundo creio, a todos os meus illustres Collegas, que estivesse presente á discussão o Sr. Ministro do Reino: mas no estado, em que ella se acha, parece-me que a requisição daquelle Senhor não é parlamentar, e que a falta da presença do seu Collega, que não é motivada com a nossa omissão, póde sem damno publico ser dispensada, attenta a natureza da materia (Apoiada).

O Sr. Presidente: — Se algum Membro da Camara adopta a proposta do adiamento eu o proporei ao Senado, aliàs não o posso pôr á votação.

O Sr. Conde do Bomfim: — Eu peço a V. Ex.ª que o proponha.

O Sr. Presidente procedeu a votos sobre o adiamento da discussão do Projecto, e foi rejeitado. — Disse então

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Certamente que este Senado decidiu com o melhor acerto, como costuma; mas tambem não deixa de ser extraordinario que pedindo um Ministro da Corôa, que se adiasse uma discussão, isto se lhe não concedesse!

O Sr. Miranda: — A discussão geral versa sobre a admissão do Projecto que veio da outra Camara; e pela minha parte farei por mostrar a necessidade de admittir este Projecto, com as emendas que propõem a Commissão. No Projecto tal qual veio da Camara dos Srs. Deputados, segundo bem mostrou o roeu illustre collega, estabelece-se que a administração dos expostos fique á disposição das Camaras Municipais, debaixo da inspecção das Juntas Geraes de Distrito.

Antes de passar adiante, e para maior clareza da discussão, parece-me conveniente expôr, com a brevidade possivel, os motivos que justificam, e explicam a necessidade desta Lei de que já se tractou em outro tempo; porque foi em 1334 para 1835, que pela primeira vez se reflectiu sobre a necessidade do dar algumas providencias a fim de atenuar a horrivel mortandade dos expostos que se observa entre nós. A administração dos expostos, era isolada e independente de Concelho, a Concelho, e então seguia-se que em todos os Concelhos havia um principio de interesse cuja tendencia deu origem ao barbaro costume de se transferirem os expostos de uns Concelhos para outros: na

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Cidade do Porto principalmente, todos os Concelhos, a dez e doze leguas de distancia, costumavam mandar os expostos para a roda da Cidade, e a tal excesso tinha chegado esta pratica que em muitos Concelhos, se ajustava uma mulher, chamada a recoveira, a qual era encarregada pela Camara do Concelho de levar os expostos para a Cidade do Porto logo que havia dous ou tres, uma carregação, que até esta era a expressão do estilo: esta recoveira ia lança-los na roda, depois de ter caminhado algumas leguas pelo frio, pelo calor, ou em tempo de chuva. Outros eram conduzidos pelo Douro. Facil é imaginar quanto soffreriam aquellas infelizes e abandonadas crianças durante lodo esta transito de agonia. Recém-nascidas, conduzidas em canastras, e um exemplo houve de se acharem seis em um sacco que foram apresentadas ao Regedor das Justiças mortas e um só espirando; na falta de leite alimentadas, ou antes assassinadas com torcidas de algodão molhadas em vinho! Não póde conceber-se como em um povo de Christãos, em um povo civilisado se achava estabelecida uma pratica tão deshumana, e que é provavel ainda presentemente continue. A primeira vez que fui á casa dos expostos no tempo em que era Prefeito da Provincia do Douro, enchi-me de horror quando me apresentaram duas crianças que naquelle instante tinham apparecido na roda, uma quasi morta, e a outra no mais deploravel estado. Tudo o que acabo de referir é espantoso, incrivel, mas infelizmente é verdadeiro.

Todos estes factos fizeram a mais profunda impressão nas Camaras de 34 e 35. Foi então que eu indiquei, como um meio provisorio de atenuar a grande mortandade de crianças, devida a este barbaro costume, e a que geralmente procedia do abuso do transporte ou transferencia das crianças abandonadas, destruir pela raiz a causa que a motivava, isto é, o interesse que forçava os Concelhos a rejeitarem sobre os outros mais proximos, ou mais ricos, os encargos das rodas. Foi então que se apresentou a idéa da necessidade de que os expostos dos Concelhos de cada Districto fôssem sustentados, não pelos Concelhos respectivos, segundo se achava estabelecido; mas pela totalidade dos Concelhos de cada districto Administrativo. É nesta conformidade que foi feita a Lei de 19 de Setembro de 1836, a qual estabeleceu que ás Juntas Geraes de Districto se confie a fiscalisação das despezas, e o tractamento dos expostos; porem que a sua administração fique confiada ás Camaras. Sr. Presidente, a providencia essencial consiste em haver um só cofre, e uma só gerencia debaixo da Administração da Junta Geral de Districto; quanto ao mais, isto é, quanto á localidade das rodas, e quanto ao tractamento das crianças, o melhor expediente e aquelle que melhores resultados offerecer. Ás Municipalidades cumpre o vigiar, por humanidade no seu bem-estar, e aonde houver Misericordias cuja organisação seja accommodada a este fim, podem ser-lhe confiados os expostos. Nada se oppõem a esta regra; e não só ás Misericordias, a outro qualquer estabelecimento. Eu preferiria que se entregasse um certo numero de meninas depois de saírem das amas a qualquer Convento de Religiosas que as quizessem criar, e a quem fôsse confiada a sua educação; porque estou certo que ellas haviam de ser muito bem tratadas, e com muita caridade. Além de que, Sr. Presidente, uma Camara Municipal encarregada de muitos e diversos negocios, não póde olhar para os expostos tão bem, nem com tanto cuidado, como as Casas de Misericordia que são compostas de homens, os quaes, por isso mesmo que não tem outras funcções que desempenhar, se dedicam áquelle serviço com todo o desvêlo e zêlo (Apoiados). Eu approvo, Sr. Presidente, esta idéa sem restricção alguma; mas tenho a observar á Camara que em quanto as Misericordias, ha dous destes estabelecimentos que merecem uma excepção especial, e são as Casas de Misericordia de Lisboa, e da Cidade do Porto, e ainda que todos os expostos dos Concelhos limitrofes dos seus respectivos Districtos vem pesar sobre estas duas catas de Misericordia, não deixam de lhes accudir, porque para uso têem ellas meios, e boa administração; porque esta é sempre confiada ao cuidado de pessoas que gosam de bom nome, e que são conhecidas pela sua independencia, e caridade. Sr. Presidente, se attendermos ao que se observa em todas as casas dos expostos, toda a attenção que a humanidade reclama em favor das infelizes creaturas, ás quaes este estabelecimento tem patentes as suas largas portas, será sempre defectiva; porque, apesar de quantas providencias possam imaginar-se, a mortandade será sempre espantosa. Por mais que estes asilos se considerem como a salvação das vidas, são verdadeiramente Cavernas da morte. Muitos são os vestigios dos que entram; mas, dos que saêm: pauca vestigia retrorsum. Isto é comprovado pelos registos de todos quantos estabelecimentos desta especie se conhecem: é o mesmo que entre nós se observa, e para o provar aqui tenho á mão um documento relativo á Casa da Misericordia de Lisboa, do qual se vê o seguinte: (leu). D'aqui se vê que nesta Casa da Misericordia, de mil oitocentos e oitenta e cinco crianças de leite, que entraram em doze mezes, desde o 1.º de Julho de 1837 até ao 1.° de Julho de 1838, morreram mil seiscentas e cincoenta e nove, chegando com vida ao fim do anno não mais que duzentas e vinte e seis!!! Resultado este, que nos offerece uma mortalidade de 88 por 100; mortalidade que excede sobremaneira a das crianças das classes da Sociedade as mais infelizes, as mais pobres e mais destituidas de meios, porém não nos admite este sacrificio de vidas humanas, porque em Vienna d'Áustria, (apesar de todos os cuidados do Governo e da policia) a mortandade em 1811 era de 92 por 100, maior de 4 por 100 que entre nós actualmente! Em Moscovo, morreram (termo medio deduzido da mortalidade de vinte annos) 97 por 100! isto é 17 por 100 mais do que na casa dos expostos desta Cidade. Alguma cousa menos é a mortalidade em outros paizes, e a minima é a do hospital dos expostos de Bruxellas aonde chegou a reduzir-se a 56 por 100. Não farei reflexão alguma ácerca das causas de tão horrivel perda de vidas, nem ácerca da influencia destes estabelecimentos sobre a policia e a moral dos povos. Devo com tudo declarar que a mortandade que existe dos expostos a cargo da Misericordia desta Cidade procede de causas geraes e communs, e de algumas que lhe são particulares, não da falta de zêlo e de cuidado das pessoas que dirigem estes estabelecimentos de caridade; assim o affirmo; porque pouco tempo ha, que eu tive occasião de o verificar indo á casa da Misericordia com alguns de mim collegas que aqui estão presentes; e confesso que fiquei admirado de vera boa ordem, e o muito aceio que alli ha, o que mais me confirmou na conveniencia e na utilidade de declarar-se neste Projecto que as Casas de Misericordia de Lisboa, e Porto, ficam excluidas da regra geral, sendo especialmente encarregadas da administração dos expostos pertencentes ao Districto de cada uma destas Cidades, debaixo todavia, da fiscalisação da Junta do Districto. Creio que a Commissão está nesta mesma intelligencia (apoiados).

Concluindo pois, Sr. Presidente, direi, que adopto o Projecto em geral, como acabo de expôr; e peço perdão por ter já entrado de alguma maneira na discussão especial delle, abusando talvez da indulgencia de meus collegas.

Julgando-se a materia suficientemente discutida, foi o Parecer da Commissão posto a votos, e ficou approvado na sua generalidade.

Disse então

O Sr. Conde de Villa Real: — Parece-me, Sr. Presidente, que entre a discussão do Projecto na generalidade, e a discussão dos Artigos delle, deve mediar algum tempo, segundo o disposto no Regimento; e por isso eu requeria que assim se observasse, mesmo porque assim se esperava que estivesse presente o Sr. Ministro dos Negocios do Reino.

Posto á votação, foi rejeitado o requerimento do Sr. Conde de Villa Real

Entrou por tanto em discussão o novo Artigo que a Commissão offerece para ser o 1.º do Projecto. — E disse

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Eu sómente desejo fazer uma declaração por parte da Commissão. Ella entendeu que devia estabelecer uma regra gerai a fim de que as Juntas Geraes Administrativas, fôssem authorisadas a deixar ficar a administração dos expostos ás Misericordias, o que tinha dous fins; um delles era o legalisar os factos que se praticaram contra a disposição da Lei que ordenava que os expostos ficassem, depois della em diante, a cargo das Municipalidades; e o outro era o deixar ficar os mesmos expostos nas Misericordias, visto que elles estão alli bem: mas, Sr. Presidente, esta regra geral não comprehendia as Santas Casas de Misericordia do Lisboa, e Porto; ou ao menos não foi da intenção da Commissão que as comprehendesse, e então ficam salvas as reflexões dos illustres Senadores o Sr. Visconde de Laborim e Miranda; e neste sentido se explicará melhor a idéa quando se fizer a ultima redacção. Devo tambem declarar que a Commissão não quer que a inspecção dos expostos deixe de ficar a cargo dos Administradores Geraes, porque a estes é que compete, e ainda que aqui se não diga, é certo que as authoridades administrativas tem o direito de exame neste negocio. Faço por tanto esta declaração a fim de que a discussão se restrinja debaixo destes principios.

O Sr. Pereira de Magalhães: — A Camara estará inteirada, pelo que expoz o Sr. Miranda, dos motivos da Lei de 19 de Setembro de 1836, que teve em vista o organisar e uniformisar em todo o reino a administração dos expostos: mas, Sr. Presidente, esta Lei não foi cumprida por algumas Camaras, tal como a de Lisboa, e outras mais. Em Evora porém executou-se o Decreto, não obstante reconhecer a Misericordia, e a Camara os graves inconvenientes que provinham de se transferir para a Camara Municipal a administração dos expostos. Quando a Junta de Districto quiz, na conformidade daquella Lei, fazer a derrama em todo o Districto, entrou em duvida se podia ou não collectar a Misericordia, e então requereu á Camara dos Srs. Deputados, para que esta declarasse se o podia fazer: por occasião desta representação, e de outras differentes Camaras tentou-se alterar o citado Decreto na parte em que tirava ás Misericordias a administração dos expostos, mostrou-se os males que d'ahi provinham, offereceram-se differentes emendas, mas a final foram rejeitadas com o fim de sustentar em toda a sua plenitude o principio consignado no Decreto de 19 de Setembro: a Commissão desta Camara porém, attendendo ás incontestaveis razões expostas nessas representações, e ao que a experiencia tem assaz demonstrado no espaço de ires annos decorridos desde a publicação do citado Decreto, propoz a doutrina que ha de fazer o Artigo 1.º da Lei, a qual de alguma fórma emenda o Decreto de 19 de Setembro de 1836.

Com effeito, pelas razões expostas, já o Senado estava convencido de que é de absoluta necessidade approvar-se esta doutrina: se fôssem necessarios exemplos para o comprovar, aqui o temos entre nós na Capital, aonde a administração dos expostos está a cargo da Misericordia, que com fundos seus proprios os sustenta; e tem levado a perfeição daquelle estabelecimento ao ponto de que, como o demonstrou o Sr. Miranda, comparada com as das outras Capitaes da Europa, a sua mortalidade é muito menor. A vista disto qual seria a mão sacrilega que havia de arrancar a administração dos expostos á Misericordia de Lisboa, para a ír entregar á Camara Municipal, sacrificando logo na transferencia muitos daquelles entes desgraçados, e o resto em pouco tempo depois? Além disto, recusando a Camara de Lisboa acceitar esta administração, a Junta geral representou ao Governo, que mandou consultar o Concelho geral de benificencia; e muito luminosas são as ponderações do Conselho para mostrar os grandes inconvenientes que deveriam resultar se essa transferencia se effectuasse. Por tanto é necessário, é da primeira urgencia modificar a Lei, e não só a respeito da Misericordia de Lisboa, mas tambem de todas as outras que tinham a administração dos expostos antes da promulgação do Decreto de 19 de Setembro de 1836, porque a respeito de todas ha os mesmos motivos. Se se tirasse a administração dos expostos ás Misericordias para a entregar ás Camaras Municipaes, não só se sobrecarregavam estas de grande trabalho, mas ainda se seguiriam outros inconvenientes graves: os Municipios que estavam satisfeitos com a administração das Misericordias não seriam tão solicitos em concorrer com os meios para a sustentação dos expostos, e até muitos fieis, que estão acostumados a vêr o tractamento dos expostos, e por isso deixam aos mesmos grandes cabedaes, se a sua administração fôsse transferida para as Camaras nada lhes deixariam, porque era Portugal não ha o habito de testar a favor das Municipalidades; aquelle que deixa fundos para este pio estabelecimento, é porque não tem herdeiros necessarios, e não prejudicando por isso direitos legitimos, deve attender-se, e fomentar-se tão louvavel tendencia, a qual se perderia, entregando-se ás Camaras a administração dos expostos, naquellas terras, que, como em Lisboa, no Por-

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DIARIO DO GOVERNO.

to, e em outras, sempre estiveram a cargo das Misericordias.

Quer o Sr. Miranda, que a respeito destas duas Cidades nenhum arbitrio fique ás Juntas de Districto. A Commissão entendeu que ficando ambas comprehendidas na generalidade da Lei, as Juntas de Districto se não atreveriam atirar essa administração a nenhuma das Misericordias das duas Cidades, mas se o Senado quer que d'ellas se faça na Lei uma especialidade, como já disse o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa, a Commissão não faz questão disso, e na redacção se poderá fazer qualquer declaração que se julgue conveniente {Apoiado)

(Vozes: — Votos, votos).

Julgando-se a materia discutida, o Sr. Presidente propoz o Artigo offerecido pela Commissão, para formar o 1.° do Projecto, e foi approvado.

O Artigo 1.° do Projecto originario, foi approvado sem discussão, com o accrescentamento proposto pela Commissão; isto é, depois das palavras: = dita sustentação = as seguintes = e que as mesmas Juntas, na conformidade do Artigo 1.°, assentarem que não devem continuar na sua administração. = O §. unico do predito Artigo approvou-se igualmente, sem debate, assim como o novo §. additado pela Commissão. (O Artigo será o 2.º do Projecto; o §. unico, o 1.°; e o innovado, o 2.º do mesmo Artigo.)

O Artigo 1.°, do Projecto da Camara dos Deputados, foi tambem approvado sem discussão (devendo passar a 3.°), com o accrescentamento offerecido pela Commissão: = assim como no excedente das rendas daquellas Misericordias, que as não gastam, no tractamento dos enfermos em hospitaes a seu cargo.

Entrou em discussão o Artigo 3.° (do Projecto originario); e sobre elle disse

O Sr. Visconde de Laborim: — Da maneira, porque está concebido o Artigo, que se acha em discussão, parece-me que fica pertencendo aos Thesoureiros das Juntas Geraes de Districto a administração do cofie dos expostos; ou estes estejam a cargo das Misericordias, ou das Camaras Municipaes.... (sussurro).

Eu não tracto de saber qual é o espirito, com que a illustre Commissão o redigio, e só digo que se não estabelece esta doutrina seja-me então permittido dizer, que a redacção não está clara, e que dá logar pelo menos a grandes dúvidas.

O Artigo diz assim = As Juntas Geraes de Districto poderão arbitrar ao seu respectivo Thesoureiro, que o será igualmente do cofre da administração dos expostos, até um por cento das quantias que arrecadar com este destino, em remuneração do seu trabalho, e responsabilidade; = isto como aqui se acha exarado, leva-me a dizer, que o Artigo não só não está em harmonia com o Projecto, mas tambem que é injusto e inexequivel, particularmente a respeito da Misericordia de Lisboa, e das de mais das outras terras, que estão nas mesmas circumstancias; injusto, porque tendo o Thesoureiro da administração dos expostos servido até aqui, e á mais de cinco annos gratuitamente, e com notorio zêlo e proveito; tendo respondido por seus bens a immensas falhas, como exactamente me consta; agora, porque do emprego se tire lucro, passe a gerencia do mesmo para um Thesoureiro alheio, e que nenhuns serviços tom feito. É inexequivel, porque a cargo do Thesoureiro da Misericordia, que o é igualmente do Cofre dos expostos, está não só o pagamento daquellas amas. que amamentam estes infelizes fóra da casa; mas tambem o daquellas, que o fazem dentro do estabelecimento: corre por sua conta o fornecimento, e custeio necessario deste; igualmente á medida que os recursos vão falhando, o seu trabalho vai crescendo pelas embaraçadas divisões, e sub-divisões dos pagamentos, pelas remessas, que se fazem para differentes Pagadorias, estabelecidas em diversos pontos, para pouparem ás amas a fadiga de virem á Capital, e aos infelizes innocentes de soffrerem os transtornos, que d'aqui se poderiam seguir. É tambem por todas estas razões, que eu quereria que se não deixasse ás Misericordias um arbitrio no pagamento aos Thesoureiros até um por cento; e sim que se estabelecesse determinadamente esta quantia; porque, além de o merecer, isto lhes serviria de estimulo, e redundaria em proveito destes miseraveis, que tanta attenção, e piedade nos merecem; e por isso mando para a Mesa a seguinte emenda: sendo as Misericordias, quem administre os expostos, será o Thesoureiro das mesmas o do cofre dos sobreditos; se fôrem as Camaras, outro tanto se entenderá a respeito do seu; vencerão um por cento das quantias, que arrecadarem, para ficarem a cuberto das falhas, e em remuneração do seu trabalho, e responsabilidade.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Segundo as disposições deste Projecto a administração dos expostos ha de ficar a cargo das Camaras Municipaes, ou das Misericordias, segundo fôr determinado pelas respectivas Juntas de Districto, mas a cargo das Misericordias que já tinham esta administração antes do Decreto de 19 de Setembro de 1836. Se as Juntas acharem que tal ou tal administração deve ficar a cargo de taes ou taes Misericordias, é pela razão de que essas Misericordias sustentam os expostos com seus fundos: então, não entrando por cousa nenhuma estes fundos nos cofres das Juntas Geraes, já o Thesoureiro d'ellas não tem que receber nem pagar; e não tendo que receber nem que pagar, não póde ter nenhum premio. Em quanto a Lisboa e Porto, como se exigiu que não ficasse ao arbitrio das Juntas Geraes de Districto regular a administração dos expostos, e que continuasse pelas respectivas Misericordias, sendo d'ellas os fundos empregados na mesma administração, é claro que só as Mesas ou Commissões de cada uma das Misericordias é quem póde fazer esses arbitramentos aos Thesoureiros, e não as Juntas de Districto; se aquellas assentarem que os seus Thesoureiros devem por isto receber alguma quota, lá lha darão, porque a Lei não pôde entrevir nisso. Por esta razão parece-me que ha todo o inconveniente em se adoptar a emenda do Sr. Laborim.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Sobre a emenda do Sr. Visconde de Laborim offereço as mesmas reflexões que acaba de fazer o Sr. Magalhães. Concordo com o illustre Senador em que o artigo está mal redigido, e tanto assim que eu tinha escripto, á margem do Projecto, uma emenda, para depois das palavras = administração dos expostos = se accrescentar = a cargo das Municipalidades (Apoiados).

O Sr. Pereira de Magalhães: — A Commissão adopta este addicionamento.

O Sr. Miranda: — Parece-me que de facto este Artigo não está bem redigido. Um dos illustres membros da Commissão concordou em que era de justiça que os Thesoureiros das Misericordias de Lisboa e Porto tivessem um por cento das quantias que arrecadassem; uma vez que se dá um premio aos Thesoureiros das Juntas de Districto, pela arrecadação dos fundos dos expostos, não ha razão nenhuma para que a mesma disposição se não estenda aos Thesoureiros das Misericordias: e nisto não se deve deixar arbitrio, reconhecendo-se que assim é necessario, deve haver igualdade, e não deixar-se tudo ao zêlo; ou todos gratuitos, ou percebam todos a mesma quota. Um por cento parece-me rasoavel, se achar muito dimminua-se; mas fixe-se uma quantia, na certeza de que nenhuma authoridade poderá por muito tempo exercer um emprego gratuito que demanda um trabalho muito assiduo, tal qual é o de um Thesoureiro de expostos, que todos os dias, em um grande districto tem que fazer pagamentos de pequenas e variadas quantias a amas, criadeiras, e outras. Em minha opinião os cofres da administração dos expostos, em Lisboa e Porto, são realmente recebedorias que entram na ordem geral administrativa, e não mudam de natureza, porque tem uma gerencia excepcional. Se se assentar que nenhum dos Thesoureiros deve receber cousa alguma, porque este deposito convém seja isento dessa despeza, eu accommodo-me a essa opinião; mas ao mesmo tempo declaro, que não dou muito por empregos gratuitos, nem quero citar exemplo algum a este respeito, ainda que os tinha muito proximos a mim... (Apoiados). Mas servirem de graça uns e outros não, isso é que se não compadece com as regras de justiça, nem com os bons principios de administração; ou seja um quarto, ou um meio, ou um por cento, ou sejam Thesoureiros das Juntas ou das Misericordias, todos devem entrar na disposição geral. Peço por tanto á Commissão que na ultima redacção do Artigo faça uma declaração neste sentido; no mais conformo-me com a sua opinião, porque não está a cargo das Juntas de Districto fixar estes premios, e o Governo não tem authoridade para estabelecer ordenados: conseguintemente é preciso que na Lei se declare no caso de se julgar necessario estabelece-los.

O Sr. Pereira de Magalhães: — Os principios estabelecidos pelo Sr. Miranda são certos e certissimos; mas acho que este logar não é proprio para a sua applicação. Os fundos de que aqui se tracta são das Misericordias; e o Thesoureiro delles é o Thesoureiro da Misericordia: a Comissão julgou que neste ponto devia conservar o statu quo, se conforme este os Thesoureiros tinham alguns por cento do que arrecadavam continuasse a recebê-los, mas obrigar aqui as Misericordias a que lhes estabeleçam este ou aquelle premio, não é conveniente, nem se deve ordenar ás Misericordias que remunerem um serviço que sómente ellas podem avaliar.

O Sr. Miranda: — A administração da Misericordia não é uma administração particular, e uma parte da administração Publica; os Thesoureiros não são Thesoureiros particulares; se o fôssem, tambem não havia que legislar; é verdade que aquella administração é dos expostos, e a Junta dá Misericordia não tem authoridade de lhe estabelecer quota alguma, e por Lei não está estabelecida nenhuma somma para os Thesoureiros, e se se estabelecer para um deve estabelecer-se para todos: disse isto por principio de igualdade, porque não e justo que uns sejam pagos, e outros não; elles tem em realidade um grande trabalho e uma grande responsabilidade; não só arrecadam os dinheiros a seu cargo, tambem são os pagadores, das criadeiras amas, e d'um grande numero de empregados, e despezas grossas e miudas.

O Sr. Tavares de Almeida: — O illustre Senador, o Sr. Miranda, disse que não queria empregos gratuitos; mas elle está exercendo o de Senador, e além deste ha muitos outros, como Juizes de Paz, Vereadores, etc. Agora lembrarei que as Misericordias existem depois de alguns seculos, e nunca se deu ordenado aos seus Thesoureiros; sempre houve quem por um acto de beneficencia quizesse exercer esta occupação. E agora para que havemos nós tolher a occasião áquelles que quizerem continuar a exercer este acto de caridade? Se elles o tem exercido por tantos seculos e gratuitamente, não vejo a necessidade de se lhes dar ordenado, que vai desfalcar as beneficas applicações dos rendimentos das Misericordias. Tambem não poderia concordar com a opinião do Sr. Visconde de Laborim, que dá um por cento dos ditos rendimentos para os Thesoureiros. O rendimento de algumas casas de Misericordia, e particularmente da de Lisboa, é muito grande, e me parece que esta quota daria um ordenado muito avultado: por consequencia sou de opinião que as cousas continuem como estão, visto que não ha reclamação de ninguem. Julgando-se a materia discutida, foi o Artigo approvado salvas as emendas: proposta depois a do Sr. Visconde de Laborim ficou rejeitada; a do Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa foi approvada.

Os Artigos 4.° e 5.°, do Projecto originario, foram approvados sem discussão; deverão numerar-se, aquelle 5.º e este 6.°

Foi mencionado um Officio da Presidencia da Camara dos Deputados, enviando uma Mensagem e Projecto de Lei da mesma, sobre a divisão do Districto Oriental dos Açôres. Passou á Commissão de Administração.

O Sr. Presidente deu para ordem do dia a discussão do Parecer e Projecto da Commissão de Guerra, sobre garantir patentes militares: fechou esta Sessão pelas tres horas e um quarto da tarde. (A Camara já senão achava em numero sufficiente para deliberar.)

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