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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

SESSÃO N.º 145

EM 14 E 15 DE AGOSTO DE 1924

Presidência do Exmo. Sr. Alberto Ferreira Vidal

Secretários os Exmos. Srs.

Baltasar de Almeida Teixeira
Paulo Limpo de lacerda

PRIMEIRA PARTE

Sumário.— Aberta a sessão com a presença de 61 Srs. Debutados, é lida a acta, que adiante se aprova com número regimental.

Dá-se conta do expediente.

Antes da ordenado dia.— O Sr. Ferreira da Rocha refere-se « factos que importam alterações nas leia orgânicas das colónias, e trata da escolha do Alto Comissário para a província de Angola, Responde o Sr. Ministro das Colónias (Bulhão Pato).

Entra em discussão a alteração do Senado ao parecer n.º 35 (cabo submarino), sendo rejeitada a emenda ao Senado.

O Sr. Ministro das Colónias manda para a Mesa uma rectificação ao empréstimo para a província de Timor, pedindo urgência e dispensa do Regimento, que são concedidas, sendo aprovada a proposta, com dispensa de última redacção.

Continua e termina a discussão na especialidade do parecer n.° 736 (adicional para os estabelecimentos de assistência pública). E aprovado com diversas emendas, tendo usado da palavra os Srs. Morais Carvalho e João Luís Ricardo.

Dispensada a leitura da última redacção.

Em negócio urgente, o Sr. Carlos Pereira apresenta uma moção referente ao decreto n.º 9:431 (exercício da profissão farmacêutica).

Responde o Sr. Ministro do Trabalho (Xavier da Silva).

A moção é aprovada.

Às 17 horas e 15 minutos é interrompida a sessão para o facto de reunir o Congresso, reabrindo pelas 18 horas.

Ordem do dia.— Continua a discutir-se a proposta de lei n.° 717 (actualização de determinadas contribuições e impostos).

O Sr. Velhinho Correia apresenta uma proposta.

O Sr. Abílio Marçal requer e a prorrogação da sessão até se votar a actualização e a proposta referente à subvenção ao funcionalismo.

Usam da palavra os Srs. Carvalho da Silva, Abílio Marçal e Morais Carvalho.

O requerimento é aprovado.

O Sr. Correia Gomes protesta contra a proposta do Sr. Velhinho Correia.

Sôbre a ordem dos trabalhos dá explicações aos Deputados monárquicos o Sr. Afonso de Melo, respondendo o Sr. Carvalho da Silva.

O Sr. Lelo Portela apresenta uma proposta, que o Sr. Presidente declara não poder aceitar, por ser contrária à lei travão.

O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues) manda para a Mesa uma proposta.

O Sr. Lelo Portela volta a trocar explicações com o Sr. Presidente acerca da apresentação de propostas.

O Sr. Velhinho Correia responde ao Sr. Correia Gomes, e o Sr. Ginestal Machado dá resposta ao Sr. Velhinho Correia.

O Sr. Lelo Portela justifica uma proposta referente aos sargentos.

O Sr. Carvalho da Silva troca explicações com o Sr. Ministro das Finanças sôbre os termos da discussão.

Usa da palavra o Sr. Morais Carvalho

É interrompida a sessão às 20 horas e 10 minutos, reabrindo às 22 horas e 55 minutos.

O Sr. Previdente comemora a data de 14 de Agosto, aniversário da batalha de Aljubarrota, associando-se os Srs. Manuel Fragoso, Ferreira de Mira, Pinto Barriga, Morais Carvalho Agatão Lança e Presidente do Ministério (Rodrigues Gaspar).

Prossegue a discussão do parecer n.º 717. O Sr. Morais Carvalho, que ficara com a palavra reservada, termina o seu discurso.

É aprovado o artigo 1.º e procede se a votações. Entra em discussão o artigo 2.°, usando da palavra o Sr. Morais Carvalho, e apresentando uma proposta de substituição o Sr. Velhinho Correia. O Sr. Sebastião de Herédia apresenta e justifica uma proposta.

Votações.

Passa-se ao artigo 5.°, apresentando o Sr. Pedro Pita uma proposta.

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2 Diário da Câmara dos Deputados

Sôbre o artigo 4.º apresenta o Sr. Pedro Pita uma proposta.

Trocam-se explicações entre o Sr. Carvalho da Silva e o Sr. Presidente.

É apresentada uma proposta de aumento da contribuição de registo.

Trocam-se explicações entre os Srs. Carvalho da Silva e Presidente.

Usam da palavra os Srs. Plínio Silva, Carvalho da Silva, Ministro das Finanças e Jaime de Sousa.

Apoiam a proposta de lei do Sr. Ministro do Trabalho (Xavier da Silva) os Srs. Pedro Pita e Carlos de Vasconcelos.

O Sr. Presidente do Ministério responde ao Sr. Plínio Silva.

O Sr. Ministro do Trabalho justifica a sua proposta de lei, objectando-lhe o Sr. Plínio Silva e opondo-lhe alguns reparos o Sr. Velhinho Correia.

Seguiu-se o Sr. Carvalho da Silva.

O Sr. Francisco Cruz refere-se ao choque de comboios na Lamarosa e aprecia a proposta de lei do Sr. Ministro do Trabalho.

Votações.

Trocam-se explicações entre o Sr. Carvalho da Silva e o Sr. Presidente.

Sôbre a proposta de aumento da contribuição de registo usam da palavra os Srs. Pinto Barriga, Carvalho da Silva e Ginestal Machado, que não termina o seu discurso.

É interrompida a sessão às 4 horas do dia 15, para continuar à hora regimental.

Documentos mandados para a Mesa durante esta primeira parte da sessão.— Declaração de voto — Um projecto de lei — Uma proposta de lei — Pareceres.

SEGUNDA PARTE

Reaberta a sessão, usam da palavra os Srs. Ginestal Machado e Morais Carvalho, que envia para a Mesa uma proposta.

É admitida.

O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues) envia para a Mesa uma proposta.

Seguem-se no uso da palavra os Srs. António Maria da Silva, Pinto Barriga, Carvalho da Silva, Pedro Pita e Dinis da Fonseca.

Usam da palavra, para interrogar a Mesa, os Srs. Nuno Simões e Ferreira da Rocha.

O Sr. Ministro das Finanças dá esclarecimentos sôbre o assunto versado pelos Srs. Nuno Simões e Ferreira da Rocha.

É interrompida a sessão até as 22 horas e meia.

Reaberta a sessão, usam da palavra os Srs. João Camoesas, Ferreira da Rocha e Ministro das Finanças, que envia para a Mesa duas propostas de artigos adicionais.

O Sr. Carneiro Franco manda para a Mesa uma proposta de substituição ao artigo 4.°

A Câmara aprova a proposta apresentada pelo Sr. Morais Carvalho. Feita, porém, a contraprova, verifica-se ter sido rejeitada por 44 votos contra 11.

O Sr. Carvalho da Silva requere votação nominal para o artigo 1.° É rejeitado êste requerimento.

Lido na Mesa, é aprovado o artigo 1.°, em prova e contraprova.

Usa da palavra sôbre o artigo 2.° o Sr. Carvalho da Silva, sendo aprovado o artigo.

É lido e aprovado sem discussão o primeiro artigo novo do Sr. Ministro das Finanças.

Lido na Mesa o segundo artigo novo, usam da palavra os Srs. Morais Carvalho, Pinto Barriga, Ferreira da Rocha, Carvalho da Silva, Carlos de Vasconcelos, que envia para a Mesa uma proposta de substituição, Júlio Gonçalves, Morais Carvalho e Carvalho da, Silva.

O Sr. Carlos de Vasconcelos requere a prioridade para a votação duma proposta de substituição É aprovado, sendo também aprovada em seguida a proposta de substituição,

É rejeitada a proposta do Sr. Dinis da Fonseca e aprovada a emenda do Sr. Velhinho Correia, sendo, porém, rejeitada em contraprova requerida pelo Sr. Vasco Borges.

Lê-se na Mesa, sendo admitida, uma proposta de artigo novo, apresentada pelo Sr. Velhinho Correia, seguindo-se no uso da palavra os Srs. Carvalho da Silva, Velhinho Correia, Morais Carvalho e Pinto Barriga, e sendo rejeitada em seguida a referida proposta.

A Câmara autoriza o Sr. Velhinho Correia a retirar uma proposta de artigo novo que havia mandado para a Mesa.

Lê-se na Mesa uma proposta de artigo novo apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças.

Usam em seguida da palavra os Srs, Carvalho da Silva e Ginestal Machado.

Volta a usar da palavra o Sr. Carvalho da Silva, e é aprovado a artigo 1.º

É rejeitado o artigo 2.°

Aprova-se o artigo, depois de ter usado da palavra o Sr. Carvalho da Silva.

É aprovado o artigo 2.º

Lido na Mesa outro artigo, o Sr. Crispiniano da Fonseca envia para a Mesa, uma proposta de aditamento referente aos magistrados judiciais e do Ministério Público. Aprovado o artigo, é também aprovado o aditamento.

Aprovasse o artigo seguinte.

Lido na Mesa mais um artigo, o Sr. Viriato da Fonseca apresenta uma proposta de aditamento referente às pensões a viúvas.

O Sr. Sebastião de Herédia manda para a Mesa uma proposta de artigo novo, estabelecendo 25 por cento aos funcionários do Registo Civil.

O Sr. Vasco Borges apresenta um artigo novo.

É aprovado o artigo da pi oposta, bem como uma proposta de aditamento do Sr. Ministro das Finanças.

Lida na Mesa uma alínea apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças, e tendo usado da palavra, para interrogar a Mesa, o Sr. Carvalho da Silva, é aprovada a alínea, e, seguidamente, a proposta do Sr. Vasco Borges e um artigo novo referente ao Registo Civil.

É aprovado um artigo novo do Sr. Ministro das Finanças e rejeitada uma proposta do Sr. João Camoesas, referente aos funcionários da Câmara Municipal.

Lido na Mesa um artigo novo do Sr. Ministro das Finanças, referente ao subsidio aos parlamentares, que é admitido, usam da palavra os Srs. Vasco Borges, Ferreira da Rocha, Carvalho da Silva e Viriato da Fonsrca.

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O Sr. Agatão Lança, que usa da palavra para interrogar a Mesa, requere que a proposta seja discutida em separado da proposta das melhorias. Não é aceite na Mesa êste requerimento, depois dalgumas considerações feitas pelo Sr. António Maria da Silva.

Seguem-se no uso da palavra os Srs. Morais Carvalho, Ministro das Finanças e Jaime de Sousa, que manda para a Mesa uma proposta de substituição, que é admitida.

O Sr. Viriato da Fonseca propõe uma modificação à proposta em discussão.

É admitida.

Tendo usado da palavra os Srs Carvalho da Silva, Pedro Pita, Ferreira da Rocha e Manuel Fragoso, o Sr. Jaime de Sousa, autorizado pela Câmara, retira a sua proposta.

Usando da palavra os Srs. Ginestal Machado e João Camoesas, a Câmara aprova a proposta do Sr. Viria to da Fonseca. Requerida a contraprova pelo Sr. Agatão Lança, tendo o Sr. Carvalho da Silva invocado o § 2.° do Regimento, e trocadas explicações entre a Mesa, vários Srs. Deputados e Sr. Ministro dar Finanças, o Sr. Presidente, verificando não haver número, encerra a sessão, marcando a seguinte com a respectiva ordem do dia.

Abertura da sessão às 15 horas e 50 minutos.

Presentes 51 Srs. Deputados.

Entraram durante a sessão 41. Srs. Deputados.

Srs. Deputados presentes à abertura da sessão:

Abílio Correia da Silva Marçal.

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.

Albano Augusto de Portugal Durão.

Alberto Ferreira Vidal.

Alberto Jordão Marques da Costa.

Amaro Garcia Loureiro.

António Albino Marques de Azevedo.

António Augusto Tavares Ferreira.

António Ginestal Machado.

António Maria da Silva.

António País da Silva Marques.

António Resende.

Armando Pereira de Castro Agatão Lança.

Artur de Morais Carvalho.

Artur Rodrigues de Almeida Ribeiro.

Baltasar de Almeida Teixeira.

Carlos Cândido Pereira.

Carlos Eugénio de Vasconcelos.

Ernesto Carneiro Franco.

Francisco da Cunha Rêgo Chaves.

Francisco Dinis de Carvalho.

Francisco Gonçalves Velhinho Correia.

Jaime Júlio de Sousa.

João José da Conceição Camoesas.

João José Luís Damas.

João Luís Ricardo.

João Salema.

João Vitorino Mealha.

Joaquim Narciso da Silva Matos.

José Joaquim Gomes de Vilhena.

José Mendes Nunes Loureiro.

José de Oliveira Salvador.

José Pedro Ferreira.

José de Vasconcelos de Sousa o Nápoles.

Lourenço Correia Gomes.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Luís da Costa Amorim.

Manuel Ferreira da Rocha.

Manuel de Sousa Coutinho.

Mário Moniz Pamplona Ramos.

Nuno Simões.

Paulo Limpo de Lacerda.

Pedro Augusto Pereira de Castro.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Plínio Octávio de Sant’Ana e Silva.

Sebastião de Herédia.

Tomás de Sousa Rosa:

Valentim Guerra.

Vasco Borges.

Viriato Gomes da Fonseca.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Adriano António Crispiniano da Fonseca.

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Alberto Carneiro Alves da Cruz.

Alberto Lelo Portela.

Alberto de Moura Pinto.

Alberto da Rocha Saraiva.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

Aníbal Lúcio de Azevedo.

António Abranches Ferrão.

António Alberto Tôrres Garcia.

António Mendonça.

António de Paiva Gomes.

António Pinto de Meireles Barriga.

António Vicente Ferreira.

Artur Virgínio de Brito Carvalho da Silva.

Bartolomeu dos Mártires de Sousa Severino.

Bernardo Ferreira de Matos.

Constâncio de Oliveira.

Custódio Martins de Paiva.

Delfim Costa.

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4 Diário da Câmara dos Deputados

Francisco Cruz.

Francisco Pinto da Cunha Leal.

Hermano José de Medeiros.

Henrique Sátiro Lopes Pires Monteiro.

João de Sousa Uva.

Joaquim António de Melo e Castro Ribeiro.

Joaquim Dinis da Fonseca.

José António de Magalhães.

José Cortês dos Santos.

José Domingues dos Santos.

José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.

José Novais de Carvalho Soares de Medeiros.

Júlio Gonçalves.

Lúcio de Campos Martins.

Manuel Alegre.

Manuel do Brito Camacho.

Manuel Eduardo da Costa Fragoso.

Matias Boleto Ferreira do Mira.

Pedro Góis Pita.

Vergílio da Conceição Costa.

Vitorino Henriques Godinho.

Srs. Deputados que não compareceram à sessão:

Abílio Marques Mourão.

Afonso Augusto da Costa.

Aires de Ornelas e Vasconcelos.

Alberto Xavier.

Albino Pinto da Fonseca.

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.

Alfredo Pinto de Azevedo e Sousa.

Álvaro Xavier de Castro.

Amadeu Leite de Vasconcelos.

Américo Olavo Correia de Azevedo.

Américo da Silva Castro.

Angelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia.

António Correia.

António Dias.

António Joaquim Ferreira da Fonseca.

António Lino Neto.

António de Sousa Maia.

Artur Alberto Camacho Lopes Cardoso.

Artur Brandão.

Augusto Pereira Nobre.

Augusto Pires do Vale.

Carlos Olavo Correia de Azevedo.

Custódio Maldonado de Freitas.

David Augusto Rodrigues.

Delfim de Araújo Moreira Lopes.

Domingos Leite Pereira.

Eugénio Rodrigues Aresta.

Fausto Cardoso de Figueiredo.

Feliz de Morais Barreira.

Fernando Augusto Freiria.

Francisco Coelho do Amaral Reis.

Francisco Manuel Homem Cristo.

Germano José de Amorim.

Jaime Duarte Silva.

Jaime Pires Cansado.

João Baptista da Silva.

João Cardoso Moniz Bacelar.

João Estêvão Águas.

João de Ornelas da Silva.

João Pereira Bastos.

João Pina de Morais Júnior.

João Teixeira de Queiroz Vaz Guedes.

Joaquim Brandão.

Joaquim José de Oliveira.

Joaquim Ribeiro do Carvalho.

Joaquim Serafim de Barros.

Jorge Barros Capinha.

Jorge de Vasconcelos Nunes.

José Carvalho dos Santos.

José Marques Loureiro.

José Mendes Ribeiro Norton de Matos.

José de Oliveira da Costa Gonçalves.

José Henrique de Abreu.

Juvenal Henrique de Araújo.

Leonardo José Coimbra.

Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos.

Manuel Duarte.

Manuel de Sousa da Câmara.

Manuel de Sousa Dias Júnior.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Mariano Martins.

Mariano Rocha Felgueiras.

Mário de Magalhães Infante.

Maximino de Matos.

Paulo Cancela de Abreu.

Paulo da Costa Menano.

Rodrigo José Rodrigues.

Teófilo Maciel Pais Carneiro.

Tomé José de Barros Queiroz.

Ventura Malheiro Reimão.

Vergílio Saque.

PRIMEIRA PARTE

Abertura da sessão às 15 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: — Estão presentes 50 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Foi lida a acta.

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Sessão de 14 e 15 de Agosto de 1924

Em seguida deu-se conta do seguinte

Expediente

Carta

Do Sr. Joaquim Ribeiro de Carvalho, pedindo para ser substituído no cargo de vogal do Conselho Colonial, como delegado desta Câmara.

Para a Secretaria.

Representação

Da União dos Sindicatos Operários de Lisboa, com vários considerandos sôbre a lei do inquilinato.

Para a Secretaria.

Ofícios

Do Senado, comunicando ter designado o dia de hoje, 14, pelas 17 horas, para reunião do Congresso, sendo a ordem do dia a prorrogação da sessão legislativa.

Para a Secretaria.

Do Ministério da Guerra, satisfazendo ao requerimento do Sr. David Rodrigues, comunicado em oficio n.° 494.

Para a Secretaria.

Do Senado, comunicando ter incluído na ordem do dia do Congresso, o em aditamento no ofício n.º 483, a sujeição das alterações do Senado à proposta relativa ao cabo submarino na Ilha do Faial.

Para a Secretaria.

Telegramas

Do Grupo Civil 14 de Maio, Federação Socialista do Pôrto o Guilherme B. Oliveira, do Luso, propondo alterações à lei do inquilinato.

Para a Secretaria.

Da Associação Comercial e Industrial de Setúbal, Secção Sindical dos Fabricantes de Setúbal, Secção de Pesca de Setúbal, Junta de Freguesia de Olhão, protestando contra a realização da Conferência da Pesca sem representantes daquelas localidades.

Para a Secretaria.

Da Câmara Municipal de Mesão Frio, protestando contra palavras do Sr. Nuno Simões a respeito do juiz daquela comarca.

Para a Secretaria.

Dos armadores, fabricantes, negociantes e pescadores do Departamento do Norte (Matozinhos), pedindo para que o voto da comissão de indústrias, para o comércio da pesca, seja acolhido com todas as reservas, por entre os seus membros figurar um que também é armador em Espanha.

Para a Secretaria.

Do comércio e indústria de Lagos, protestando contra a realização da Conferência da Pesca sem representantes daquela província.

Para a Secretaria.

Antes da ordem do dia

O Sr. Ferreira da Rocha: — No Diário do Govêrno de 6 de Julho foi publicado um diploma legislativo colonial, concedendo aos funcionários, naturais das colónias em que servem, o direito de virem à metrópole de 15 em 15 anos, sujeitos a determinadas restrições.

Quere dizer, o Congresso da República pretendeu que os naturais das colónias, servindo a sua província ultramarina, tivessem a possibilidade do vir à metrópole. Procurava, além de um prémio natural, a quem serve o Estado nas colónias, estabelecer o contacto e ligação que a vinda dêsses funcionários ia determinar.

Entretanto li nos jornais que o Govêrno pensava em suspender e revogar essa lei do Parlamento.

Estou convencido de que há êrro de informação dos jornais.

O diploma que foi publicado é uma alteração às leis orgânicas coloniais feitas pelo Congresso da República, dentro da sua competência exclusiva, e que o Govêrno, doutro da competência que a Constituição lhe reserva, pode tornar imediatamente extensivas às colónias, com a condição, porém, de que não pode com elas alterar as suas leis orgânicas.

O acto dentro da Constituição será abertamente inconstitucional, mas, ainda que se olhasse somente para o aspecto moral, seria absurdo supor se que o Govêrno poderia pela sua acção declarar que suspendia ou revogava uma lei do Congresso da República. Era o mesmo que dar ao Ministro das Colónias o di-

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6 Diário da Câmara dos Deputados

reito de voto, que nenhuma disposição da nossa Constituição concede ao Presidente da República.

O Sr. Ministro das Colónias não tem o direito de pôr o veto às leis do Congresso, nem mesmo às novas disposições que foram ultimamente publicadas pelo Conselho Legislativo Colonial.

Qualquer acto que o Sr. Ministro das Colónias queira publicar acerca dessa matéria há-de determinar-se pela lei, como nela se encontra previsto.

Quere dizer, o Sr. Ministro das Colónias tem dentro da lei todos os meios de que carecer, para regular esta concessão ò evitar que dela resulte qualquer prejuízo.

Revogar ou suspender leis do Congresso da República, não o pode fazer o Govêrno.

Aproveito estar no uso da palavra, para dizer ao Sr. Ministro das Colónias que será de extraordinária conveniência que S. Exa., dentro da sua competência, publique uma medida legislativa colonial, determinando que a rejeição dos diplomas dos governos coloniais seja feita por decreto e não por simples ofício ou despacho, em que o Govêrno diga o motivo porquê.

Em primeiro lugar entendo que o Congresso da República tem direito de saber quais são as rejeições dos diplomas legislativos coloniais que o Govêrno faz.

A própria Constituição exige que o Congresso se pronuncie sôbre essa matéria, e não há maneira de se pronunciar não se publicando no Diário do Govêrno as rejeições dos diplomas publicados. Além disso, a única forma de evitar que os governos coloniais não, cumpram as determinações dos Ministros das Colónias, tremendo abuso a que não há maneira de obstar, já que o Parlamento não tem competência para exonerar governadores incapazes, é publicar no Diário do Govêrno as rejeições dos diplomas.

Ainda um terceiro assunto, já que é tam difícil conseguir-se o uso da palavra antes da ordem do dia. Desejo referir-me à escolha do Alto Comissário de Angola.

Disse várias vezes o Sr. Presidente do Ministério que é contrário ao regime dos Altos Comissários. Entretanto nos últimos dias tem-se verificado a febre da nomeação do Alto Comissário para Angola.

De duas, uma: ou o Sr. Presidente do Ministério mudou de opinião e entende que já não há os motivos que justificavam o parecer anterior do Sr. Presidente do Ministério, ou então a nomeação do Alto Comissário para Angola é imposta por alguém.

O regime do Alto Comissariado em Angola cessou no dia em que o Sr. Norton foi exonerado.

Para ser reposto o regime do Alto Comissariado, é preciso um acto do Poder Executivo.

Entretanto a febre da nomeação do Alto Comissário de Angola aparece em termos que fazem supor ao público que o regime do alto Comissariado é obrigatório.

Não é verdade. Não há nenhuma disposição de lei que obrigue a nomear-se o Alto Comissário para Angola.

Devo dizer que no presente momento as circunstancias de Angola exigem a intervenção, assistência e apuramento de responsabilidades para verificar até onde vai o favor do que goza o Banco Ultramarino para continuar a manter-se neste País.

Neste momento o que por tudo está indicado é, não a nomeação do Alto Comissário para Angola, mas a solução do problema de Angola.

As atribuições dos Altos Comissários precisam ser modificadas.

Pretender nomear um novo Alto Comissário, sem que se faça a revisão das suas atribuições, é um absurdo.

Não sei se se pretende, com a febre da criação do lugar de Alto Comissário em Angola e os boatos à volta da sua escolha, fazer crer que algum partido nesta Câmara exige, ou deseja, a nomeação do Alto% Comissário, seja qual fôr a individualidade escolhida.

Deixo assim lavrado o meu protesto e acentuado que era de toda a conveniência não se fazer presentemente a nomeação de um Alto Comissário para Angola.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Ministro das Colónias (Bulhão Pato): — Sr. Presidente: vou responder

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ao Sr. Ferreira da Rocha, no menor número de palavras possível, para não tirar muito tempo aos trabalhos da Câmara.

Relativamente às viagens para a metrópole, dos funcionários coloniais e suas famílias, cumpre-me dizer que êsse assunto foi estudado pelo meu antecessor o Sr. Mariano Martins, que, ao sair do Govêrno, deixou lavrado um decreto a tal respeito, suspendendo de alguma forma a execução da lei a que o Sr. Ferreira da Rocha aludiu.

Em tempo devido apresentei êsse diploma em Conselho de Ministros, e êste concordou com êle em princípio.

Ainda não foi, porém, publicado.

Eu entendo também que é necessário fazer-se qualquer cousa que se coadune com o regime em que estamos de compressão de despesas.

Não digo que se revogue a lei, mas que ela deverá ser regulamentada por maneira a evitar os constantes passeios dos funcionários das colónias e famílias entre a metrópole e as colónias onde estão colocados.

Interrupção do Sr. Ferreira da Rocha.

O Orador: — Sim, senhor.

Estou do acordo. E preferível que sejam decretos e não despachos.

Não terei dúvida de atender de futuro a êsse ponto.

Quanto às considerações que S. Exa. bordou em referência ao caso de nomeação de um Alto Comissário para Angola, cumpre-me declarar que só com prejuízo de outros assuntos pendentes da discussão da Câmara, e muito importantes, é que eu poderia responder cabalmente, visto que o assunto é muito vasto.

Mas o tempo urge e eu tenho de ser lacónico.

Nestas condições, eu limito-me a declarar que o Govêrno entende, neste momento, mandar para Angola um Alto Comissário, porque, tendo-se dado, ali, factos de alguma forma extraordinários sob o regime de Alto Comissário, necessário se torna que um funcionário de igual categoria tome conta do Govêrno daquela província.

Não há imposições de ninguém.

Nem eu nem o Govêrno recebemos imposições, venham de onde vierem.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Entra em discussão a alteração introduzida pelo Senado no artigo 1.° da proposta de lei n.° 735 — cabo submarino.

O Sr. Presidente: — Como ninguém pede a palavra, vai votar-se.

Procede-se à votação, ficando aprovado o texto da Câmara dos Deputados e rejeitada a emenda do Senado ao artigo 1.°

O Sr. Ministro das Colónias (Bulhão Pato): — Na lei que foi publicada sôbre a concessão de um suprimento de 1:500 contos para a colónia de Timor, veio um êrro de redacção que consiste em dizer: «capítulo 2.°» em vez de «artigo 2.°».

Torna-se necessário fazer a devida rectificação dêste lapso, que eu peço pela proposta que envio para a Mesa, requerendo para ela a urgência e dispensa do Regimento.

Foi aprovada a urgência bem como a dispensa do Regimento.

O Sr. Presidente: — Vai entrar em discussão.

Leu-se na Mesa.

Seguidamente, como ninguém pedisse a, palavra, procedeu-se à votação, ficando a proposta aprovada na generalidade e na especialidade.

É a seguinte:

Proposta de lei

Tendo-se reconhecido depois da publicação da lei n.° 1:646, inserta no Diário do Govêrno, n.° 177, l.a série, de 7 do corrente mês de Agosto, abrindo um crédito especial de 1:500.000$ a favor do Ministério das Colónias para reforço do Depósito da Colónia de Timor, que houve um manifesto equivoco na sua classificação;

Tenho a honra de apresentar à vossa ilustrada apreciação a seguinte rectificação ao artigo 1.° da mesma lei:

Artigo 1.°, onde se lê: «no capítulo 2.° da despesa extraordinária», deve ler-se: «no artigo 2.° do capítulo único da despesa extraordinária».

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.

Sala das Sessões, em Agosto de 1924.— Álvaro. António de Bulhão Pato.

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O Sr. Abílio Marçal: — Requeiro a dispensa da última redacção.

Foi aprovado.

ORDEM DO DIA

Primeira parte

É aprovada a acta.

São Lidos na Mesa e entram em discussão dois artigos novos da autoria do Sr. João Luís Ricardo a incluir no projecto n.° 736 sôbre as Misericórdias.

O Sr. Morais Carvalho: — O artigo 9.° enviado para a Mesa pelo Sr. João Luís Ricardo consta de duas partes: uma é aquela em que se diz que os organismos de beneficência de um determinado concelho podem constituir-se em federação; outra é aquela em que se pretende alterar a constituição das comissões encarregadas de, também em cada concelho, arrecadai em os fundos para a Assistência.

Sr. Presidente: quanto àquilo que eu chamo a primeira parte do artigo 1.º em discussão, permita-me V. Exa. que eu diga que me parece pouco explícita a emenda enviada para a Mesa pelo Sr. João Luís Ricardo, pois que, pelos termos vagos em que ela está redigida, não se depreende bem qual a seja a função dos organismos de assistência em cada concelho.

Diz-se que essa função mio prejudica a individualidade de cada um dêsses organismos, más nestas circunstâncias eu pregunto:

Mas quais são as relações que ficam existindo entre os organismos federados e a federação?

Quais são as atribuições dessa federação?

A proposta a êste respeito nada nos diz, e a mim afigura-se-me que a Câmara não lhe pode dar o seu voto, nos termos em que ela está redigida.

Quanto àquilo a que chamo a segunda parte da proposta, o caso parece-me ainda mais grave, e para êle chamo a atenção da Câmara.

Pretende o Sr. João Luís Ricardo dar uma nova composição à Comissão Municipal de Assistência, a que se refere o artigo 50.° do decreto de 25 de Maio de 1911.

Sr. Presidente: ainda se pelo artigo em discussão se pretendesse alterar a constituição de uma comissão do assistência, que por um decreto anterior era formada de determinada forma, a proposta seria de receber, mas, neste caso, tal não acontece.

No artigo 2.°, que já se discutiu, fixou-se a composição desta comissão, pois acontece que, nesta mesma proposta, em dois artigos seguintes, se vai alterar essa composição.

São pode ser, Sr. Presidente.

Por mais que saltemos sôbre todos os princípios, e que ponhamos de parte a Constituição, nos não podemos votar uma lei que constitui uma comissão de duas formas; e isto era o caos.

Eu chama para êste ponto a atenção da Câmara, e especialmente a do Sr. Deputado proponente, para que analise o texto e o confronto com o artigo 1.º

Por agora, tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe forem enviadas.

O Sr. João Luís Ricardo: — Ouvi com a maior atenção as considerações do Sr. Morais Carvalho.

Quanto à primeira parte; devo dizer que se trata de matéria regulamentar, e portanto não há possibilidade de tirar...

O Sr. Morais Carvalho (interrompendo): — Mas qual é a função da federação?

O Orador: — E juntarem-se para estabelecerem serviços comuns, auxiliando-se mutuamente.

Quanto à segunda parte, S. Exa. tem razão, mas eu já tinha mandado para a Mesa uma substituição a êsse § 2.°

Nestas circunstâncias, entendo que a Câmara deve aprovar esta emenda.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: as explicações do Sr. João Luís Ricardo não lograram convencer-me.

Em primeiro lugar, não posso aceitar que a Federação dos Organismos da Assistência, que S. Exa. pretendo criar, seja matéria regulamentar.

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Pois então nós vamos criar como matéria regulamentar um corpo novo, que vem a ser a Federação, dentro de cada concelho, e dizendo que criamos essa Federação, não dizemos mais nada?

Mas então isto é matéria regulamentar?

Isto é a própria essência da Federação.

Em segundo lugar, não pode também a Câmara alterar a disposição duma comissão que ela mesma criou pela proposta em discussão.

Não pode a Câmara, sequer, dentro do Regimento, tendo votado uma proposta, alterá-la por uma nova proposta, na mesma sessão legislativa.

Esta forma atrabiliária de legislar apenas, serve para criar o desprestígio do Parlamento.

Mais uma vez, portanto, protesto energicamente, em nome dêste lado da Câmara, contra esta forma de legislar.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto velo orador, quando, nestes termos, res as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

É aprovado o artigo novo do Sr. João Luís Ricardo.

O Sr. Morais Carvalho: — Requeiro contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

Feita a contraprova, verificou-se estarem de pé 12 Srs. Deputados e sentados 43, sendo confirmada a votação.

São aprovados sem discussão os §§ 2.°, 3.° e 4.°

Entra em discussão um outro artigo novo.

O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: não tenho o menor intuito de criar embaraços à pronta aprovação desta proposta.

Muito pelo contrário.

Mas os termos, não sei como diga, os termos pouco cuidados desta no?a proposta de aditamento, e novas emendas que têm sido redigidas de maneira a que da sua aprovação hão-de resultar dificuldades, me obrigam a, falar.

Esta proposta é de tal maneira redigida, que algumas das suas disposições brigam com as outras.

Mas se mais uma vez tenho de usar da palavra sôbre ela e sôbre o artigo D ovo da autoria do Sr. Luís Ricardo, é porque são deminuídos de 25 por cento os lucros líquidos das lotarias, pertencentes ao Estado.

Direi melhor, é reduzida a percentagem do Estado; a mais que os 75 por cento sejam distribuídos, tanto para a Misericórdia de Lisboa, tanto para o Instituto de Seguros Sociais e Previdência Social, tanto para a Casa Pia, tanto para os Asilos de Mendicidade.

Da percentagem anteriormente deduzida a favor do Estado, importa uma deminuição de receita; e embora essa receita seja pára proteger estabelecimentos que têm fins de assistência, entendo que nas circunstâncias aflitivas do Tesouro Público não deverá ir-se de ânimo leve fazer cortes nas receitas do Estado.

Desejo chamar a atenção da Câmara para o parágrafo.

Pregunto: nos concelhos em que há Federação, e a comissão passa a ser constituída por forma diversa da preceituado no artigo 25.° da lei de 1911, a quem é que se destina essa percentagem?

Nesses concelhos é a comissão de assistência constituída nos termos da lei de 1911?

Creio que assim é; e então a quem cabe a assistência?

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. João Luís Ricardo: — Conquanto possa parecer que alguma redução é feita para o Estado pela percentagem de 25 por cento, essa redução se não dá, por quanto esta percentagem produziu mais para o Estado um rendimento que deve orçar por 7:000 contos, e era de 3:000 contos.

O Sr. Morais Carvalho: — Deminui a receita...

O Orador: — As razões de S. Exa. têm razão de ser só quanto ao § 1.°, e mandei para a Mesa uma proposta.

Foi lida e entrou em discussão.

Todas as propostas serão publicadas adiante na documentação.

São aprovados dois artigos novos e um aditamento.

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O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: li e já tinha lido anteriormente o artigo novo que acaba de ser enviado para a Mesa, e confesso que, apesar desta segunda leitora, não consegui apreender o seu sentido.

Diz-se nele que se consideram despesas ordinárias não só as referentes às fórmulas que os organismos de assistência actualmente praticam, como também as que dizem respeito a novas fórmulas que êsses organismos venham a adoptar.

Não percebo, e por isso peço ao Sr. relator o favor de explicar-me o que quere isto dizer, para eu saber se lhe hei de negar ou dar o meu voto.

Em relação às fórmulas actuais todas as despesas são ordinárias?

Não houve até hoje despesas excepcionais?

Se a redacção do artigo passar tal como está, parece-me que êsses organismos só poderão fazer despesas ordinárias e em caso algum despesas excepcionais ou extraordinárias.

O Sr. João Luís Ricardo: — V, Exa. dá--me licença?...

As despesas ordinárias a que se refere êste artigo são as que constam do artigo 1.° da proposta em discussão.

Na proposta diz-se que é lançado um imposto para cobrir o déficit das despesas ordinárias.

Ora as despesas ordinárias tais como elas aí se encontram são aquelas que resultam do exercício da assistência actualmente.

Se as Misericórdias quizerem montar um albergue ou qualquer outra modalidade de assistência, não podem por êsse imposto ir cobrir os deficits dessas novas despesas.

Concordo que a redacção está realmente mal feita.

As despesas ordinárias não são só as que resultam da prática actual da assistência, mas ainda daquela que venha a criar-se. Nesse sentido, eu já apresentei uma emenda.

O Orador: — Eu agradeço a V. Exa. as explicações que me deu, mas confesso que, não obstante as suas explicações, continuo a não atingir o objectivo da sua proposta.

Continuo a considerar que a redacção tal como está e de tal forma defeituosa, que não mo parece que da leitura da proposta se possa tirar a conclusão que V. Exa. tira.

A designação de novas modalidades de assistência, traduzida pela palavra «fórmula», não ´r, a meu ver, correcta e precisa.

O Sr. João Luís Ricardo: — É possível que assim seja, mas é uma designação que consta da própria lei de assistência, e que já tem uma interpretação estabelecida.

O Orador: — Parece-me que a proposta que V. Exa. manda para a Mesa pode representar um incentivo para que as Misericórdias, cujas condições financeiras nós conhecemos, façam novas despesas ou pratiquem quaisquer actos de prodigalidade.

Tenho dito.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. João Luís Ricardo não fez a revisão dos seus «àpartes».

São aprovados vários artigos novos.

É aprovado o artigo 10.°

O Sr. João Luís Ricardo: — Requeiro a dispensa da leitura da última redacção.

É aprovada.

Documentação

Artigo Nos concelhos em que as Misericórdias tiverem a seu cargo organismos de assistência será a cargo delas que ficará a assistência obrigatória do concelho.

§ 1.° Em volta das Misericórdias poderá fazer-se a federação de todos os organismos de assistência do concelho, conservando cada um dos organismos federados a sua autonomia e individualidade próprias.

A comissão municipal de assistência concelhia a que se refere o § 1.° desta lei e o artigo 51.° do decreto com fôrça de lei de 25 de Maio de 1911, será composta do presidente da câmara municipal, do sub-delegado de saúde, do médico municipal mais velho, do provedor da Mise-

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ricórdia, do presidente da junta de freguesia e de um representante de cada um dos outros organismos de assistência do concelho.

§ 3.° A comissão municipal de assistência a que se refere o § anterior será a comissão executiva da federação do organismo de assistência.— João Luís Ricardo.

Aprovado.

Para a comissão de redacção.

Artigo... É reduzida para 25 por cento a percentagem que actualmente é consignada ao Tesouro nos lucros líquidos das lotarias, sendo os restantes 75 por cento divididos pela seguinte forma: Misericórdia de Lisboa, 33 1/3 por cento para o Instituto de Seguros Sociais e Previdência Social, Casa Pia de Lisboa 14 2/3, Hospitais Civis 13 1/3, Asilo de Mendicidade 2 2/3 por cento.

§ 1.° O produto resultante da percentagem para o Instituto de Seguros Sociais será distribuído por todos os concelhos o entregue à comissão municipal de assistência, criada pela lei de 25 de Maio de 1911.

§ 2.° Passam para cargo da Misericórdia de Lisboa as despesas de melhorias do seu pessoal. — João Luís Ricardo.

Aditamento

Acrescentar ao § 1.°:

Nos concelhos, em que se fizer a federação será o produto entregue à comissão criada pelo artigo anterior.

Aprovado.

Para a comissão de redacção.

Substituição ao § 2.°

§ 2.° Nos concelhos em que se fizer a federação a que se refere o § 1.°, a comissão municipal de assistência, criada pelos artigos 50.° e 51.° do decreto-lei de 25 de Maio de 1911, exercerá as funções de comissão executiva dessa federação, e os três vogais eleitos sê-lo-hão, um pela junta ou juntas de freguesia da sede do concelho e os dois restantes pelos organismos federados.—João Luís Ricardo.

Aprovado.

Para a comissão de redacção.

Propostas

Que autoriza o lançamento dum adicional sôbre as contribuições do Estado, para subsidiar instituições de assistência.

Aprovada.

Dispensada a leitura da última redacção.

Para a comissão de redacção.

Artigo São extensivas a todos os estabelecimentos de assistência legalmente autorizados as disposições do artigo 49.° e seu § 1.° da lei n.° 621, de 23 de Junho de 1916.— João Luís Ricardo.

Aprovado.

Para a comissão de redacção.

Artigo É considerado instituto de utilidade pública a assistência nacional aos tuberculosos.

30 de Julho de 1924. — João Luís Ricardo.

Aprovada.

Para a comissão de redacção.

§ 4.° A federação poderá criar serviços gerais comuns, a todos os organismos federados.

30 de Julho de 1924. — João Luís Ricardo.

Aprovada.

Para a comissão de redacção.

Artigo As despesas ordinárias a que se refere o artigo 1.° são não só as que dizem respeito às fórmulas de assistência que actualmente as Misericórdias e outros organismos de beneficência provada praticam, mas aquelas que resultarem da execução de novas fórmulas de assistência que os referidos organismos venham a criar.

29 de Julho de 1924.— João Luís Ricardo.

Aprovado.

Para a comissão de redacção.

Negócio argente sôbre o exercício das funções farmacêuticas

O Sr. Carlos Pereira: — Sr. Presidente: era intenção do Sr. Ministro do Trabalho, fazer aplicar o decreto n.° 9:431.

Por essa disposição, a Câmara só tem de louvar-se, visto tratar-se do cumprimento duma lei.

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No emtanto, poderá dar-se o caso de certas terras do País se encontrarem sem assistência farmacêutica.

Por isso impõe-se que o Sr. Ministro do Trabalho mantenha o decreto anterior até estar devidamente regulamentado o actual. Tenho dito.

É lida, admitida e entra em discussão a seguinte moção do Sr. Carlos Pereira.

Moção

A Câmara dos Deputados, reconhecendo que a aplicação do decreto n.° 9:431, como era legal propósito do Sr. Ministro do Trabalho, pode acarretar graves prejuízos para a saúde pública, entende necessário manter-se a situação de facto anterior àquele decreto até que o Parlamento se pronuncie definitivamente sôbre êste assunto, e passa à ordem do dia.

Agosto de 1924. — Carlos Pereira.

Aprovado.

O Sr. Ministro do Trabalho (Xavier da Silva): — Sr. Presidente: a proposta apresentada pelo Sr. Carlos Pereira é para fazer suspender a lei que não permite o uso ilegal das farmácias.

Devo dizer a V. Exa. que, como membro do Poder Legislativo, estou na disposição — e não podia ser outra a minha atitude — de fazer manter a lei que proíbe o exercício ilegal das farmácias, e, se a não fiz já cumprir em absoluto, é porque ainda à Direcção Geral de Saúde não foram fornecidos os elementos necessários pelos quais eu pudesse averiguar se algumas regiões do País ficariam em condições aflitivas, com grave risco para a saúde e vida dos seus habitantes.

Não me repugna, portanto, em virtude dêste estado de cousas a que faço alusão, admitir a moção do Sr. Carlos Pereira.

Devo dizer, entretanto, que não pode manter-se por um prazo muito dilatado esta situação do exercício ilegal de farmácia, que uma lei proíbe, embora não faça embaraço para que ela se mantenha por um ou dois meses mais, até que eu tenha os elementos necessários para pó der agir com rapidez e energia.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: — Não há mais ninguém inscrito.

Vai votar-se a moção.

É aprovada.

O Sr. Ferreira de Mira: — Requeiro a contraprova.

Procedendo-se à contraprova, verifica-se ter dado o mesmo resultado a votação.

O Sr. Presidente: — Deu a hora de se passar à ordem do dia.

Está em discussão a acta.

Pausa.

O Sr. Presidente: — Como ninguém pede a palavra considero-a aprovada.

Chamo a atenção da Câmara.

Por equívoco da Mesa não foi inscrito na tabula dos trabalhos da Câmara o negócio urgente do Sr. Nuno Simões sôbre a questão dos tabacos. Vou marcá-lo para a sessão de amanhã.

Apoiados.

Vou interromper a sessão a fim de se reunir o Congresso.

Está interrompida a sessão.

São 17 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão

Eram 18 horas e 10 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: — Continua em discussão o parecer n.° 717 actualização de determinadas contribuições e impostos.

O Sr. Morais Carvalho (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: nos termos da proposta regimental ultimamente aprovada, a segunda parte da ordem do dia é destinada à discussão de assuntos de carácter económico, e só a primeira parte se destina aos impostos. Já há dias fiz uma reclamação neste sentido, e a Câmara entendeu que eu tinha razão.

Parece-me, portanto, não poder ser agora discutida a questão dos impostos, por ser a hora de se discutir a segunda parte da ordem do dia.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Devo informar V. Exa. de que neste momento vamos entrar na primeira parte da ordem do dia, visto que por motivo de reunião de Congresso não o pudemos fazer antes.

Está em discussão o artigo 1.° do parecer n.° 717.

S. Exa. não reviu.

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O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: mando para a Mesa uma proposta de aditamento ao artigo 1.°, proposta que visa a actualizar a tabela do imposto pessoal de rendimento que foi calculada pelo valor da moeda em 1922, e por conseguinte muito distanciada do valor actual da mesma moeda.

Esta proposta destina-se a beneficiar o contribuinte.

Tenho dito.

Foi admitida.

O orador não reviu.

As propostas vão adiante publicadas na documentação.

O Sr. Abílio Marçal: — Sr. Presidente: antes de mais nada, desejo que V. Exa. me informe se o projecto da melhoria de vencimentos ao funcionalismo público faz parte desta proposta.

O Sr. Presidente: — Sim, senhor.

O Orador: — Nesse caso, requeiro a prorrogação da sessão até se votar a proposta em discussão.

O Sr. Carvalho da Silva (sôbre o modo de votar): — Sr. Presidente: o requerimento do Sr. Abílio Marçal é inadmissível, como inadmissível é que V. Exa. tenha enxertado a proposta relativa à melhoria de vencimentos ao funcionalismo público numa proposta que com ela nada tem.

V. Exa. é obrigado a cumprir o Regimento, e êste diz claramente que na mesma proposta, não podem incluir-se dois assuntos absolutamente diferentes.

O procedimento de V. Exa. demonstra o propósito de enganar o funcionalismo público, dando-lhe uma ridicularia e aumentando em 40 ou 50 por cento o custo da vida com a aprovação dêstes impostos.

V. Exa. não pode admitir conjuntamente as duas propostas à discussão por isso que um assunto nada tem com outro.

O Sr. Presidente: — V. Exa. não tem razão.

A lei 1:642 diz claramente que não pode discutir-se qualquer diploma que traga aumento de despesa sem que simultaneamente se crie a correspondente receita.

O Orador: — O Regimento é expresso e claro, e V. Exa. não tem o direito de saltar por cima dele.

V. Exa. nesse lugar não pode ser o representante duma facção da Câmara, e tem de garantir, acima de tudo, o cumprimento da lei.

Nós somos o mais respeitadores possível de V. Exa., mas não consentimos que os nossos direitos não sejam respeitados também.

O orador não reviu.

O Sr. Abílio Marçal (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: a V. Exa. eu quero prestar as minhas homenagens e protestar contra as afirmações do Sr. Carvalho da Silva, que considero absolutamente agressivas e injustas.

Não basta dizer que o Regimento foi calcado; é necessário apontar as disposições regimentais que não foram acatadas.

De resto, o projecto da melhoria de vencimentos ao funcionalismo público, sendo um mal necessário, não pode ser discutido sem que ao mesmo tempo se crie a receita para lhe fazer face.

Nestas condições, insisto no meu requerimento.

O orador não reviu, nem o Sr. Presidente fez revisão das suas declarações.

O Sr. Morais de Carvalho (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: peço a V. Exa. que me diga quando foi apresentada a proposta sôbre o funcionalismo que V. Exa. diz estar em discussão, porque até à data não tenho conhecimento de que ela tivesse sido apresentada.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Essa proposta tem a data de 5 de Agosto.

O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: peço a V. Exa. o favor de me dizer se na Mesa não há uma outra proposta do Sr. Álvaro de Castro relativa ao funcionalismo público.

O Sr. Presidente: — A proposta que se discute é a que tem o parecer das comissões.

O Orador: — V. Exa. não podia aceitar esta proposta, porque ela é uma contra-

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14 Diário da Câmara dos Deputados

proposta à outra do Sr. Álvaro de Castro.

Além disso as disposições regimentais impedem do enxertar uma proposta numa outra que com ela nada tem.

Peço a V. Exa. o lavor de respeitar o Regimento.

Peço a V. Exa. o favor de respeitar as reclamações que lhe são apresentadas nos termos do Regimento da Câmara, a não querer saltar por cima dêsse Regimento e dos nossos direitos.

Peço a V. Exa. que cumpra a lei desta casa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o requerimento do Sr. Abílio Marçal.

O Sr. Carvalho da Silva: — Não pode ser, não pode ser.

Grande sussurro.

Vozes: — Ordem! Ordem! Os Srs. Carvalho da Silva e Morais Carvalho batem nas carteiras.

O Sr. Correia Gomes: — Sr. Presidente: pedi a palavra para protestar contra a proposta apresentada pelo Sr. Velhinho Correia.

Bem basta que sem sciência e sem consciência se tenha estado a discutir impostos que deveriam obedecer a outra orientação, baseando-se em dados perfeitamente concretos, que satisfizessem às necessidades gerais.

Já tenho afirmado particularmente dentro desta casa do Parlamento que estou absolutamente convencido de que os impostos que se estão a actualizar, os principais, não chegarão a ser cobrados, e não chegarão a ser cobrados porque a lei n.° 1:368 é absolutamente monstruosa, e como tal já deveria ter sido abolida.

Se neste momento o Sr. Ministro das Finanças não pode, de jacto, atender com outros meios à situação económica e financeira, torna-se indispensável que S. Exa. traga à Câmara, na sua reabertura, uma proposta que possa substituir essa lei n.° 1:368.

Não se compreende que estejamos aqui todos os dias a gritar que aumenta consideràvelmente o custo da vida e estejamos constantemente a aumentar os impostos, concorrendo assim para que o aumento do custo da vida se mantenha e se eleve cada vez mais.

É necessário que dentro desta casa os homens que têm a função de dirigir o Estado tenham também a noção exacta das circunstâncias.

É absolutamente indispensável que as leis que se votarem quanto a impostos correspondam de facto aos princípios económicos e financeiros que à Nação interessam.

A proposta do Sr. Velhinho Correia não é senão a continuação dêste grande mal.

Torna-se indispensável, que saiamos do campo em que nos temos mantido.

Se continuarmos nesta orientação, se continuarmos a trilhar êste caminho, o Estado ver-se há absolutamente privado, por mais impostos que crie, por mais aumentos que faça dêsses impostos, a fazer face às suas despesas.

Mas, Sr. Presidente, não são só as receitas que interessam à vida nacional, são muito especialmente as despesas, e aquelas despesas que não são absolutamente úteis ao Estudo.

É absolutamente indispensável, e digo isto aqui estando presente o Sr. Ministro da Guerra, é indispensável que as despesas do Ministério da Guerra não continuem a ser o que têm sido até hoje.

É indispensável que se ponha termo nessas despesas.

Não se pode caminhar economicamente neste País emquanto tivermos um exército que não nos tem servido senão para se dar dinheiro, porque afinal de contas êle leva à Nação 50 por cento das receitas.

Chamo para êste ponto a atenção do Sr. Ministro da Guerra, a fim de que sejam revistas com cuidado todas as despesas do seu Ministério, a fim de que sejam extintas todas aquelas que não são úteis ao País, que não são feitas em proveito do Estado, e que só redundam em prejuízo da Nação.

Eis, Sr. Presidente, a razão por que não concordo com esta actualização de impostos, e os motivos por que tenho condenado, desde o seu início, essa lei tributária que considero verdadeiramente ruinosa, a lei n.° 1:368.

Mas, como se não bastasse isso, temos

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Sessão de 14 e 15 de Agosto de 1924 15

ainda o Sr. Velhinho Correia falando à última hora em imposto de rendimento, êsse imposto que não tem condições de viabilidade tal como está estabelecido, imposto que não se pode cobrar.

S. Exa. quere actualizar tudo quanto existe até chegar ao esgotamento completo do contribuinte, cavando assim a ruína de tudo e de todos.

Termino, protestando mais uma vez contra a proposta de S. Exa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Afonso de Melo: — Pedi a palavra para invocar o Regimento.

A maneira como está decorrendo a sessão não me parece que esteja nos moldes regimentais.

Apoiados.

Parece-me que os ilustres Deputados monárquicos, a quem não tenho dúvida de prestar justiça, laboram num equívoco.

Apoiados.

Não apoiados.

Se os Srs. Deputados monárquicos tivessem realmente razão em face da lei, eu compreenderia a sua atitude.

Apoiados.

Não apoiados.

As minorias têm direito de usar de todos os processos para fazer valer a razão, visto que não têm número; mas no caso presente os Deputados monárquicos não têm razão.

Apoiados.

Há seis ou sete dias foi publicada no Diário do Govêrno, por assim dizer, uma segunda lei-travão, segundo a qual nem os próprios Ministros podem apresentar qualquer proposta de despesa sem juntamente essa proposta trazer a competente receita.

Por esta forma não se podia apresentar a proposta dos funcionários sem vir junta a outra que cria receita.

Estou convencido que os Srs. Deputados monárquicos arrepiarão caminho, pois que ninguém quere lazer violência sôbre S. Exas.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente faz a leitura da respectiva lei.

O Sr. Carvalho da Silva: — Agradeço muito as palavras proferidas pelo Sr. Afonso de Melo.

Nós já estamos habituados a ver que S. Exa. cumpre o Regimento quando se senta naquele lugar.

Mas é bem claro o artigo 79.° do mesmo Regimento.

Pretende-se, à sombra da miséria do funcionalismo público, arrasar o País com impostos.

O País já está empobrecido e a prova são as termas e praias, que não têm uma sexta parte de pessoas do ano passado.

Não se pode ir de afogadilho votar medidas para continuar a bambochata administrativa da República.

O nosso protesto fica feito; somos poucos e por isso não podemos fazer mais. A responsabilidade não será nossa.

O orador não reviu.

O Sr. Lelo Portela: — Mando para a Mesa uma emenda referente ao artigo.

O Sr. Presidente: — A proposta de V. Exa. está incluída na lei-travão.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Lelo Portela: — V. Exa. diz-me quando poderei apresentar a minha emenda, ou, melhor, V. Exa. poderá considerá-la na altura conveniente?

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — A proposta de V. Exa., importando aumento de despesa, não está nos termos de ser recebida.

Àpartes.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Ministro, do Trabalho (Xavier da Silva): — Sr. Presidente: mando para a Mesa uma proposta de aditamento para serem elevadas as taxas de assistência pública e criando outras para o mesmo fim.

Devo dizer que os tributos que apresento impendem somente sôbre os ricos, que têm obrigação moral de contribuir para o relativo bem-estar dos pobres.

A Assistência Pública está sofrendo uma crise atroz em todo o País, e eu, como Ministro do Trabalho, ver-me hei forçado, se não se criarem no vás receitas, em encerrar algumas casas de beneficência, porque não tenho meios de socorrer os que delas necessitam.

Tenho dito.

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O Sr. Lelo Portela (para interrogar a Mesa): — Peço a V. Exa., Sr. Presidente, que me informe se estão em discussão as propostas de aumentos ao funcionalismo público.

O Sr. Presidente: — O que está em discussão é o artigo 1.° da proposta de actualização de impostos.

O Orador: — Nesse caso, desejaria que V. Exa. me dissesse quando é a oportunidade para eu apresentar qualquer alteração que julgue necessária aos bons princípios da boa administração militar.

Não acho de admitir o julgamento de V. Exa., não aceitando uma proposta de alteração que apresentei, quando outras propostas têm sido aceitas.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — V. Exa. pode mandar qualquer proposta de alteração, mas se tiver aumento de despesa não pode ser aceite.

Àpartes.

O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: a Câmara ouviu a formidável descompostura dada à minha pessoa, sem qualquer sombra de argumentos, pelo facto de eu de há tempos a esta parte estar tentando defender os interêsses do Estado.

Eu tenho sempre com a minha atitude procurado servir a República e zelar os interêsses do Estado conforme os meus pontos de vista.

Têm-se aprovado nesta Câmara propostas que têm concorrido para levar o País ao estado em que se encontra.

Àpartes.

Eu quis procurar cobrar o imposto de rendimento, porque no Congresso do meu partido se reivindicou essa orientação, e porque é um importo estabelecido há muito em Portugal. É um imposto que só afecta, aos ricos, de quem o Sr. Deputado que me atacou é hoje defensor.

Defendendo as leis tributárias que eu entendo serem justas, não faço senão seguir os princípios estabelecidos no último Congresso democrático, leis que são hoje de todas as nações que estão à frente da civilização.

Esperava que S. Exa. viesse fazer considerações apresentando argumentos contra as minhas propostas, mas S. Exa. não as fez, porque as não podia fazer, visto que elas obedecem a princípios justos.

Àpartes.

O primeiro valor que se pretende atingir, actualizando-o, é o que consta do n.° 6.° do artigo 3.°

Aí se encontra o que não quere ver o Sr. Correia Gomes.

Esta proposta compõe-se de duas partes: a taxa anual e a complementar.

A anual é paga por certos contribuintes em função do número de empregados que têm, pagando num caso 20$ e noutro.

Para 1922 estava bem este cálculo, mas para hoje não está.

Todos êsses valores precisam de ser actualizados, e dessa actualização resultam benefícios para o contribuinte.

Nestas condições, eu entendo que, mandando para a Mesa a minha proposta, pra* tiquei um acto de verdadeira justiça fiscal.

O Sr. Correia Gomes: — Como quere V. Exa. ir legislar sôbre um assunto que já foi pôsto de parte por esta Câmara?

Sc V. Exa. não tem consciência do que está a fazer, eu não tenho culpa disso.

O Orador: — O Sr. Correia Gomes atira-se à lei n.° 1:368, como se eu fôsse «o pai da criança».

Ora quem trouxe aqui essa lei foi o Sr. Portugal Durão, e eu fui até um dos que mais vivamente a combateram.

Trata-se, de resto, de uma lei do País, que nós temos de aceitar, quer concordemos, quer não, visto que a única cousa que temos a fazer é tirar dela o melhor proveito possível.

A verdade é que o Sr. Correia Gomes, muito azedo e violento nas suas palavras, não foi capaz de apresentar um alvitre, porque S. Exa., salvo o devido respeito, não tem nada na cabeça,

Risos.

Palavras, gritaria e mais nada.

Risos.

Ora não é com palavras inflamadas que o Sr. Ministro das Finanças terá de pagar as despesas do Estado.

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Sessão de 15 e 15 de Agosto de 1924 17

Num livro que tenciono publicar dentro em breve sôbre estes assuntos, terei ocasião de demonstrar a ignorância de muitos dos nossos homens públicos.

Eu podia citar números em abono das minhas afirmações, mas como não desejo demorar as minhas considerações, protelando a votação da proposta em discussão, termino, convencido de que a razão está comigo e que tudo o mais não passa de cantigas.

Tenho dito.

O orador não reviu, nem o Sr. Correia Gomes fez a revisão do seu aparte.

O Sr. Ginestal Machado: — Sr. Presidente: vê-se que se vai aproximando aquela anunciada onda de calor que nos há-de derreter a todos.

Só assim se explica o aquecimento do Sr. Velhinho Correia, que costuma ser um homem frio.

E tam aquecido estava S. Exa., que chegou a trazer para aqui cousas da vida interna do seu partido, e dizer que o Sr. Correia Gomes, que todos nós temos como um homem estudioso, não tinha nada na cabeça.

Ora vejam V. Exas. a situação em que nós ficamos.

Um homem dos que nós mais consideramos é, na boca de um seu correligionário, acusado de ter uma cabeça vazia.

Vê-se pois, repito, que a tal onda de calor se aproxima, e que estamos todos arriscados a ficar em idênticas circunstâncias.

O Sr. Velhinho Correia é também um homem estudioso. S. Exa. lê muito, mas não vê nada.

Já uma vez tive ocasião de demonstrar que não havia possibilidade de fazer a actualização dos impostos, visto que não se mantinham as mesmas relações entre o preço do trabalho e do produto, e que bastava ver isso, para se concluir que a actualização assenta num êrro fundamental.

S. Exa. falou e concordou comigo, mas a verdade é que continuou a dizer por toda a parte que a actualização dos impostos se impunha.

Veja V. Exa. «e não é o que se chama a obcecação de ideas fixas, que são as piores.

Não vou tomar muito tempo à Câmara, nem mesmo poderia falar muito, porque perdi a noite passada uma noite que oxalá não fique tristemente memorável para o País.

Estabelece-se diálogo entre o orador e o Sr. Velhinho Correia.

O Orador: — É evidente que o Estado precisa cobrar impostos, precisa cobrar os impostos necessários para satisfazer as suas necessidades indispensáveis.

Mas, se nos mantemos no critério da actualização, ficamos desobrigados de fazer qualquer redução de despesas, visto que para estas deverão as receitas chegar.

O Sr. Velhinho Correia está inteiramente preso aos livros, bem se podendo dizer que é uma verdadeira enciclopédia... actualizada.

Mas eu insisto neste ponto.

Se por acaso nos convencermos e convencermos o País de que a actualização dos impostos é possível, não poderemos exigir sacrifícios a nenhum serviço, visto que todos existiam já em 1914, ano a que é referida a actualização, se bem que erradamente.

O Sr. Velhinho Correia disse que alguns homens públicos a respeito de finanças não percebem nada.

Não sou financeiro, nem - permita-se-me o termo — quero armar em financeiro.

De finanças conheço o que um homem que ocupa o meu lugar tem obrigação de saber.

É bom fazer estas considerações.

Houve grandes dificuldades em formar Ministério, e, de resto, êsse é o ponto mais difícil.

Quero fazer estas declarações bem claras e terminantes.

Estou convencido de que é preciso reduzir os serviços, gastando-se menos, como acontece com a fortuna particular, que tem hoje, como eu tenho, menos probabilidades de poder gastar do que dantes.

De maneira que, se insisto neste ponto, é porque quero chamar a atenção do Sr. Ministro para uma cousa importante: os impostos, que são uma cousa importantíssima.

V. Exa. tem de fazer as contas doutra forma, visto que é adoptado um coeficiente procurando o nivelamento.

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Isto é interessante, e representa alguma cousa.

De resto, V. Exa. há-de conhecer a história dos tempos passados.

Há-de saber que um imposto tem a sua repercussão.

Tem de aplicar-se com cuidado a certas classes, e depois é que se estudam as outras classes.

É preciso traduzir os números, de maneira que todos os possamos calcular.

De modo que, chamando a atenção de V. Exa. s, é possível que realmente ainda seja pouco, quintuplicando êsses coeficientes.

V. Exa. não conhece que o dinheiro foge do bolso?

V. Exa. não conhece as dificuldades do momento presente?

Em política e em questões sociais fala-se sempre em sciência, e porque não se adoptam os métodos scientíficos?

Dizê-lo é fácil, mas não se pode ensinar se não se tiver a cultura precisa para êsse ensino.

O Sr. Velhinho Correia fazia um grande serviço, porque dada a situação especial em que se colocou, de ser uma autoridade em finanças no nosso País, poderia tomar todas as responsabilidades inerentes a tal situação, responsabilidades que bem podem cair sôbre os seus ombros fortes.

Quem tem uma tal situação como S. Exa., tem que tomar as responsabilidades dessa situação.

Pelo que diz respeito à agricultura, S. Exa. estabelece números sem fundamento, mas se visitasse essas regiões e ouvisse os que trabalham, então obteria números concretos e não como aqueles que apresenta.

A máquina de trabalho intelectual de S. Exa., que é poderosa, não tem a realidade de números certos.

Admitamos que o trabalhador rural está muito bem, como S. Exa. diz, mas na ocasião de aplicar um tributo a situação pode ser outra.

Àpartes.

Eu não sou financeiro, e não o é quem quer; não possuo os altos conhecimentos necessários, e reconheço as minhas qualidades, mas posso dizer que este aumento, feito assim de um momento para outro, não está certo, e S. Exa., que é republicano sincero, que ama a República, tem de reconhecer que não é conveniente.

Ninguém na ocasião de pagar deixa de pensar.

Veja S. Exa. que muita gente dá fàcilmente a vida pela sua Pátria, mas quando chega a ocasião de se lhe pedir contribuições, fica logo mal humorada.

Veja S. Exa. o que sucede a em França. Todos defenderam a Pátria, mas sôbre impostos reclamaram.

Àpartes.

S. Exa. quere, de um momento para outro, alcançar tudo em matéria de impostos, e isso faz levantar uma onda contra o regime.

E entende assim o Sr. Velhinho Correia, quando S. Exa. certamente tem tanto interêsse pela República como eu tenho!

Repare S. Exa. que o ano agrícola não foi nada bom.

O trigo, o milho, os legumes não são prometedores, assim como o azeite, e o vinho o não são também.

Àpartes.

Os lavradores precisam dinheiro, os Bancos não o dão e a usura empresta a 20 e a 30 por cento.

Veja V. Exa. a situação do lavrador.

Àpartes.

E é nestas condições que se pretende agravar os impostos!

Veja S. Exa. o que se passou em França, onde estava à frente do Govêrno, que era um Govêrno de salvação nacional, um homem que indubitavelmente estava acima do Sr. Velhinho Correia.

Em França êsse Govêrno não pode fazer a política das suas ideas, mas só fez o que convinha no tempo.

Não ponho mais clara a questão, e só chamo para ela a atenção de S. Exa.

A bon entendeur...

Sr. Presidente: não quero alongar as minhas considerações, mas quero ainda referir-me às taxas de contribuição industrial.

Atentemos no que se preceitua no artigo 2.°

O Sr. Velhinho Correia sabe melhor do que eu que naquele ano o sistema de cobrança era outro, havendo uma taxa fixa.

O que se estabelece é uma injustiça; além disso não é clara a disposição, e o

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que eu estou dizendo não é uma lição a S. Exa., mas apenas uma advertência.

Interrupção do Sr. Velhinho Correia que não foi ouvida.

O Orador: — Quem ler o que aqui está neste ponto, fica em dúvida sôbre qual é a verdadeira taxa que se quer aplicar.

Nestes assuntos, é preciso todo o cuidado no que se quere estabelecer; é necessário que tudo fique bem claro.

Sr. Presidente: dito isto, termino as minhas considerações.

Tenho dito.

O discurso será publicado na Integra, revisto pelo orador, quando, nestas condições, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Lelo Portela: — Sr. Presidente: sou daqueles que não estão nesta Câmara com propósitos políticos, mas sim para defender as classes que nas soas reclamações têm justiça.

A classe dos sargentos tem prestado serviços relevantes à República, e não compreendo que a Câmara não tome em consideração essa classe, que vive na miséria, como todo o funcionalismo.

Não é bom lançar mais achas na fogueira do exército, e todos ainda se lembram de que aqui se passou quando foi da promoção dos sargentos, que determinou o abandono da pasta da Guerra. Sr. Ribeiro de Carvalho.

Sendo eu Deputado da oposição, defendi o Sr. Ministro de então, pois entendi que a classe dos sargentos merecia toda a nossa consideração e entendo que o Govêrno tem obrigação de pagar a quem devidamente o serve.

Desejo simplesmente marcar bem o procedimento seguido então pela Mesa e o procedimento que teve hoje.

Não quero infringir o Regimento, mas desejo que um princípio de justiça seja estabelecido na futura lei de vencimentos; e assim vou mandar para a Mesa uma proposta, para que uma comissão, composta de elementos militares, estude uma tabela de vencimentos para os sargentos, remediando as injustiças praticadas, o que a Câmara agora não pode fazer.

Esta proposta não envolve aumento de despesa, e portanto poderá- ser admitida na Mesa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi a proposta lida e admitida em prova e contraprova, requerida pelo Sr. Carvalho da Silva, com invocação do § 2.° do artigo 116.° do Regimento, por 50 Srs. Deputados, contra 6.

O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: desejo fazer uma pregunta ao Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Velhinho Correia mandou para a Mesa uma proposta relativa ao imposto pessoal de rendimento, quando se tem dito nesta Câmara que êsse imposto não está em vigor.

Também foi apresentada uma proposta aumentando os vencimentos ao funcionalismo, e eu desejava saber qual é ao certo a despesa que isso importa e qual a receita dos novos impostos.

Desejo saber se êles chegam para fazer face a êsse aumento de despesa.

Talvez o Sr. Ministro das Finanças em àparte me possa responder a esta pregunta.

O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Posso dizer a V. Exa. que o importo de rendimento será pôsto em execução no momento oportuno, mas não posso dizer quando é essa oportunidade.

Quanto à despesa do aumento ao funcionalismo, está calculada em 120:000 contos.

Poderá ser ou não excedente à quantia que representa o aumento de contribuição, mas não posso citar números exactos numa e outra cousa.

Àpartes.

O Orador: — Sr. Presidente: V. Exa. tem que retirar da discussão a proposta de aumento aos funcionários públicos, porque, como o Sr. Ministro das Finanças acaba de declarar, não sabe ao certo se a receita respectiva chega para essa despesa.

Por uma lei em vigor, não pode ser criada nenhuma despesa sem haver o correspondente aumento de receita.

Preguntei se a receita a criar dava para a despesa, e o Sr. Ministro da Finanças declarou que não sabia.

Nestes termos, apesar dos argumentos do Sr. Alberto Vidal, a proposta está ile-

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galmente em discussão, e o Sr. Alberto Vidal saltou por cima da lei, recebendo-a.

O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues) (interrompendo): — O Sr. Velhinho Correia declarou que o aumento com o funcionalismo ficava aquém dos 120.000 contos, que andaria por 90:000 contos, e V. Exa. preguntou se os impostos chegariam para essa despesa a mais, e então eu disse que o não podia afirmar.

Mas devem certamente chegar, porque vou apresentar um artigo relativo à contribuição de registo, que muito aumentará a receita a criar.

O Orador: — Desculpe-me V. Exa. que lhe diga que essa proposta não pode ser admitida, porque, numa sessão prorrogada não podem ser tratados senão os assuntos para que foi votada a prorrogação, e, fazendo-o, V. Exa. sai para fora dos termos do Regimento, o que a Câmara de certo não permitirá.

Visto que S. Exa. salta por cima da lei, nós combateremos essa proposta, tanto mais que os vencimentos dos funcionários têm do ser aumentados muito mais do que esta proposta permitirá.

Nestas circunstâncias, vou mandar para a Mesa uma proposta para ser retirada a proposta que discutimos, e que se discuta separadamente e em primeiro lugar a proposta relativa ao funcionalismo.

Tenho dito.

O orador não reviu, nem o Sr. Ministro das Finanças fez a revisão das suas declarações,

O Sr. Morais de Carvalho: — Sr. Presidente: para que o País tenha mais uma vez a demonstração da falta de cuidado com que são elaboradas as propostas trazidas a esta casa do Parlamento, bastará dizer que o ilustre Deputado Sr. Velhinho Correia enviou há pouco para a Mesa duas novas alíneas ao artigo 1.° em discussão, das quais uma respeita à parte líquida do rendimento dos contribuintes para os efeitos da contribuição de registo e a outra aos valores fixos e limites constantes de vários artigos da lei n.° 1:368.

Pois, Sr. Presidente, estas, duas alíneas ficam sujeitas à parte principal, à parte inicial do artigo 1.°

De modo que a matéria das duas novas alíneas do Sr. Velhinho Correia são, nos
dizeres expressos do artigo 1.°, novas contribuições, novos impostos.

Um àparte do Sr. Velhinho Correia.

O Orador: — Não é uma questão de construção de frase.

Sr. Presidente: em relação ao artigo 1.° do projecto de lei em discussão foram enviadas para a Mesa variadíssimas propostas de substituição, de alteração e de aditamento, sendo difícil, sobretudo anos, que não estamos no segredo dos deuses, descortinar entre elas quais serão aquelas sôbre que recairá a preferência do Govêrno e conseqüentemente os votos da maioria desta Câmara.

Sôbre a alínea a), que é a mais importante e que se refere à contribuição predial rústica há, salvo êrro, sôbre a Mesa — não as tenho aqui presentes para poder fazer a afirmação sem sombra de dúvida — cinco propostas, pelo menos, de alteração ou substituição daquilo que o Sr. relator havia proposto, ou êle em nome da comissão de finanças quando da apresentação dêste projecto de leio

Pela proposta inicial os coeficientes da lei n.° 1:368, artigo 23.°, são, 3, 4, 6 e 7, serão substituídos pelo maior, isto é, pelo coeficiente 7, o qual por seu turno seria Multiplicado pelos números que representam a diferença do valor do escudo tomando como base o câmbio de 4 e o câmbio do trimestre anterior àquele em que fôr feita a liquidação da contribuição.

Depois disso o Sr. Constâncio de Oliveira enviou para a Mesa uma nova proposta que, segundo ouvi dizer, será aquela, mas não tenho informações precisas a êsse respeito; será aquela, repito, que vai ser adoptada.

Por essa proposta regressa-se ao sistema dos três coeficientes, tal como existia e existe ainda na vigência da lei n.° 1:368, apenas com a diferença de que êsses coeficientes, suponho eu, em vez de serem 4, 6 e 7, pela proposta do Sr. Constâncio de Oliveira passam a ser 6, 8 e 10.

Interrupção do Sr. Constâncio de Oliveira que não se ouviu.

O Orador: — Se é assim, se êste é o número representante do coeficiente do custo da vida, não haverá diferença sensível, pelo menos no primeiro ano, no que respeita ao quantitativo de futuras contribuições, não

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haverá diferença sensível entre o que propôs o Sr. Constâncio de Oliveira e aquilo que propôs inicialmente o Sr. Relator.

Interrupção do Sr. Constâncio de Oliveira que não se ouviu.

O Orador: — De modo que, Sr. Presidente, no que respeita ao quantitativo das contribuições não há diferença alguma entre as duas propostas no que se refere aos rendimentos a que pela lei n.° 1:368 era aplicável o coeficiente 7, e fica apenas a existir uma diferença para menos naqueles rendimentos ilíquidos a que pela mesma lei n.° 1:368 correspondiam os factores 4 e 6.

Sr. Presidente: na alínea b) dêste artigo, no que se refere à parte não fixada por meio de percentagem de taxa da contribuição industrial, vejo também ser multiplicada por um coeficiente variável emquanto o câmbio médio do escudo cheque sôbre Londres fôr inferior a 4, por um coeficiente, repito, que representa a desvalorização da moeda no trimestre anterior.

Ora, Sr. Presidente, em relação a esta alínea b) do artigo 1.° do projecto em discussão existem também na Mesa várias propostas de substituição, todas elas, suponho eu, da autoria do Sr. relator, Deputado Velhinho Correia.

Sr. Presidente: eu não sei ao certo qual será o critério adoptado pela Câmara; sei, apenas, que, quer seja um ou outro, será sempre um coeficiente que dará em resultado um produto que ó, absolutamente, incomportável para as fôrças do contribuinte.

É de notar que, no que respeita à alínea b) do artigo 1.° em discussão, os contribuintes a que ela se refere estão já muitíssimo sobrecarregados, por tributações e impostos de vária natureza, que já ultimamente foram agravados, como, por exemplo, a contribuição industrial.

O Sr. Presidente: — V. Exa. deseja concluir as suas considerações ou ficar com a palavra reservada?

O Orador: — Se V. Exa. me permito, fico com a palavra reservada.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Presidente: — Está interrompida a sessão, para reabrir às 22 horas e meia.

Eram 20 horas e 10 minutos.

Reabertura da sessão às 22 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.

Celebrando-se hoje um dos mais faustosos dias da nossa História — o aniversário da batalha de Aljubarrota — e sendo êste facto a mais brilhante afirmação da vitalidade da nossa Pátria, proponho que se lance na acta um voto de congratulação pelo glorioso feito comemorado neste momento.

Apoiados gerais.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Manuel Fragoso: — Em nome dêste lado da Câmara, associo-me, com prazer, à proposta de V. Exa.

Celebra-se hoje de facto um dos dias mais brilhantes da História Portuguesa. Se há na beleza das páginas da História de Portugal um facto qeu mereça salientar-se, que revele bem o grande amor que o povo português teve sempre à sua independência, foi êsse o facto da batalha de Aljubarrota, em que meia dúzia de milhares de soldados portugueses, todos ou quási todos filhos do povo, se bateram contra as mais aguerridas hostes do rei D. João I de Castela.

Muitos apoiados.

A República Portuguesa, a Câmara dos Deputados, comemorando esta data, cumpre o seu dever, e revela bem o patriotismo de que se sente possuída, o orgulho que tem por um feito de armas que é na nossa História a data mais memorável da Nação Portuguesa.

Por êsse motivo, em nome dêste lado da Câmara, e até particularmente, é-me grato associar-me ao voto que V. Exa. se dignou formular.

Muitos apoiados.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Ferreira de Mira: — Em nome do Partido Nacionalista, associo-me às palavras proferidas por V. Exa.

Apoiados.

O orador não reviu.

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O Sr. .Viriato da Fonseca: — Comemora-se hoje o glorioso dia que foi aquele em que os portugueses em Aljubarrota se bateram contra os hespanhóis em prol da sua independência, da sua autonomia.

Na história pátria dificilmente se encontrará uma página que se iguale ao brilhantismo desta.

Apoiados.

Eu, que vivi alguns anos naquela região, comandando os grupos de artilharia em Alcobaça, quando passava pelos campos de Aljubarrota, para ir visitar o Convento da Batalha — que comemora êsse grande feito da Pátria Portuguesa — sentia-me extasiado, sentia-me maravilhado e como que arrebatado para regiões estranhas e épocas longínquas, ao contemplar êsses campos onde se feria tam ingente prélio e êsse maravilhoso monumento que é a consagração dos heróis que ali se bateram.

Será preciso ter a eloqüência de Demóstenes, a sabedoria de Humboldt, a sciência técnica de um dêsses grandes generais — e não cito o nome de qualquer deles, tantos têm sido na História — ter, emfim, condições qualidades e sciência raras, para poder descrever as sensações que me assoberbavam ao passar por aqueles campos gloriosos, e ao contemplar aquele maravilhoso monumento, que é o Convento da Batalha.

Naqueles campos e em frente dêsse grandioso monumento não há ninguém que se não sinta maravilhado, que não sinta o êxtasis da admiração, que se não sinta grande, por pertencer à Pátria Portuguesa.

Apoiados.

Ao pensar na grandeza, na enormidade dos feitos portugueses, traduzidos tam brilhantemente pelo rendilhado artístico dessa fábrica de pedra, compreendi que êsses feitos deviam ser de ama excepcional grandeza, para assim iluminar, o génio artístico,a inteligência invulgar dos que construíram aquele grandioso monumento.

Senti-me pequeno, e senti-me grande. Pequeno perante a monumental grandeza e grande por pertencer à Pátria Portuguesa.

Apoiados.

Vozes: — Muito bem.

O Orador: — Lembremo-nos que foi ali, naqueles campos, que a Ala dos Namorados, impulsionada pelo valoroso condestável Nun'Álvares, produziu o arranco supremo em defesa da Pátria, quando se defrontou com as hostes castelhanas que vinham excelentemente armadas e municiadas, trazendo até, cousa desconhecida entre nós, as célebres peças de artilharia denominadas «trons».

Na Escola Militar, que eu freqüentei, foi-me dado estudar essa artilharia uma das mais antigas do mundo, não falando nos antigos pedreiros, nas colubrinas, arbaletas e outras.

Com os trons julgava o exército espanhol que vinha como senhor apavorar a hoste portuguesa e tomar conta disto sem mais esfôrço. E é de notar que os castelhanos combatiam na proporção de dez contra dois do nosso lado.

Mas, como os homens se não medem aos palmos e como o medo não é a característica da gente portuguesa, a valentia e a heroicidade da hoste portuguesa evidenciou-se brilhantemente nos planos de Aljubarrota, heroicidade e valentia que um pouco mais tarde se haviam de demonstrar exuberantemente, quando mostraram ao mundo de quanto eram capazes, conquistando a Terra de um a outro lado do hemisfério.

Nessa memorável batalha de tal maneira a Serra dos Candeeiros se encheu de fugitivos espanhóis, que foram parar até Santarém, não sabendo para onde se dirigir, que essa debandada bem demonstra a heroicidade dos portugueses.

Nessa fuga desordenada ia à frente o rei de Castela, a cavalo numa mula, desorientado, desanimado, verdadeiramente vencido! Tal foi o horror e medo que se apoderou dos hespanhóis, perante o espantoso esfôrço dos portugueses!

E tudo isto está traduzido naquelas filigranas preciosas, naqueles recortes finíssimos, naquelas arcarias celestiais que constituem o Convento da Batalha.

Passados seus séculos, aquele artístico rendilhado de cantaria e, sobretudo, aqueles estupendas capelas imperfeitas, onde tudo é estranho, onde tudo é maravilha, harmonia e beleza, onde a arte se cumulou de dons preciosos, que a mente humana quási não apreende, ali, passados seis séculos, tudo canta, tudo grita, a psicologia heróica e aventureira dos portugueses, desde a fundação do reino de

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Portugal, até ao não menos glorioso feito que é a travessia aérea do Atlântico.

Assim, pois, eu, humilde português, sinto-me grande ao recordar um tal feito e maior ainda, por o recordar nesta assemblea, a mais alta da Nação Portuguesa, composta de ilustres e distintos cidadãos, que, como eu, sentem na sua mais elevada concepção, na sua mais estrutural significação, o sentimento do patriotismo e compreendem o que seja essa absorvente sensação de mirar no passado, de beber na nossa brilhante História a esperança do nosso futuro.

Apoiados.

Eu, humilde português, curvo-me reverente perante os heróis de outrora que tam patriótica, honesta e esforçadamente nos fazem ainda hoje grandes, valorosos e crentes na ressurreição da nossa querida Pátria!

Em nome do Grupo de Acção Republicana, levanto um hosana a Portugal por ter produzido tantos heróis, convencido como estou que, de olhos fitos no passado, guiados pelos seus feitos, nós seremos ainda dos maiores povos do mundo, como já o fomos outrora.

Honra a Portugal!

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O Sr. Pinto Barriga: — Sr. Presidente: em nome dos Deputados Independentes, associo-me à comemoração que agora se faz.

Marca êste dia a consagração de um herói que reagia no momento em que Portugal entrava num período longo de decadência.

Essa consagração pode perfeitamente associar-se à dos heróis do 1.° de Dezembro.

Que elas nos sirvam de incentivo neste período, também crítico, para reagirmos com o mesmo esfôrço e patriotismo de Nun'Alvares Pereira e dos heróis de 1640.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: é com sincero entusiasmo e emoção patriótica que em nome da minoria monárquica me associo à manifestação da
Câmara pela data gloriosa que hoje consagramos, incontestavelmente uma das mais belas da nossa história.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Agatão Lança: — Sr. Presidente: também me quero associar, mais como militar do que como parlamentar, ao voto proposto por V. Exa. pela data que hoje se comemora.

E associo-me num tem diferente daquele que empregaram os parlamentares que representam nesta casa o povo português, porquanto as minhas palavras não serão só de comemoração por essa data, mas terão um significado especial: o de reproduzir o sentimento que na minha alma de português e na minha sensibilidade de militar me doe e fere, por não ver a consciência cívica do País dirigida pelas classes intelectuais, por aqueles que têm obrigação de apontar ao povo os nossos grandes feitos do passado, indicando-lhe ao mesmo tempo o caminho que êle deve seguir para alcançar glórias no futuro.

Eu sinto, realmente, que a data de hoje passe quási despercebida na terra santa de Portugal.

Sinto que uma comissão não tivesse delineado festejos que chamassem todo o povo, desde o das aldeias até o das cidades, emfim todas as classes em massa, a manifestar-se numa homenagem de gratidão aqueles que, sendo os heróis que traçaram com as pontas ardentes das suas espadas, molhadas nos glóbulos rubros do seu melhor sangue, uma das páginas mais brilhantes da nossa história, pois que bem mereciam êsses heróis que a República lhes prestasse rendida homenagem.

É memorável que um tam deminuto grupo de portugueses, mal armados, mas onde estava a Ala dos Namorados que era por assim dizer, a artéria pulsante do mais arraigado patriotismo, soubesse mostrar aos Grandes de Espanha como nas terras de Aljubarrota cinco ou seis mil portugueses, empunhando as suas espadas, faziam parar trinta mil castelhanos.

E o rei de Castela, à frente de dezenas de milhares de homens seus, fugiu miseràvelmente, sem ter tempo sequer para tomar uma refeição, como diz Oliveira Martins.

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É triste que deixemos de dar o devido realce, de mostrar ao povo o significado dêste grande passado que narra a história de Portugal.

Neste feito de Aljubarrota não só temos de prestar homenagem ao valor, às grandes virtudes dos homens de Portugal, mas, também, constatar de quanto é capaz a alma da mulher portuguesa, não a podendo esquecer desde a figura de Brites de Almeida até essa mulher que, não sendo portuguesa, mas estando ligada ao rei de Portugal, vai dar êsse exemplo-magnífico de patriotismo, armando seus filhos cavaleiros, dizendo-lhes que é necessário não voltar sem que a terra portuguesa esteja livre dos seus invasores.

Comemorando feitos como o da batalha de Aljubarrota, nós temos, sem dúvida, prestado um relevante serviço aos nossos antepassados e, ao mesmo tempo, às gerações novas, de onde sairão os homens de amanhã, mostrando-lhes que não há povos pequenos quando o seu patriotismo é grande.

Aljubarrota constitui uma das páginas mais brilhantes da nossa história.

Sem a vitória de Aljubarrota não teríamos hoje, talvez, a gloria de gritar ao mundo que somos um povo livre, e o orgulho de poder afirmar que demos ao mundo novos mundos.

E continuamos nessa rota gloriosa.

Assim, Gago Coutinho e Sacadura Cabral foram levar pelos ares ao Brasil as mesmas ondas de patriotismo que pulsava nos corações dos marinheiros das caravelas, tendo, também, a Aviação Militar escrito uma das suas páginas mais gloriosas com a viagem, por todos os títulos bela e magnífica, realizada pelos arrojados portugueses que são Brito Pais e Sarmento de Beires.

Sr. Presidente: não podemos também esquecer neste momento os factos praticados ainda por Portugal, a passagem do Rovuma, a maneira como as tropas se portaram na Flandres, êsse acto heróico do comandante do Augusto de Castilho, Carvalho Araújo, êsse acto maravilhoso por todos os títulos, praticado por êsse antigo parlamentar da República Portuguesa.

Sr. Presidente: V. Exa., e muito bem, quis hoje comemorar nesta Câmara uma data que nunca devemos esquecer, que esquecê-la seria esquecer as virtudes e feitos do povo português, que ainda hoje vive, e muito, dessa fama, sendo mesmo ainda, na hora presente, à sombra dessas ideas, que nós em democracia vivemos em República, que soubemos implantar e sabemos defender.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Rodrigues Gaspar): — Associo-me em nome do Govêrno à manifestação da Câmara e ao voto proposto por V. Exa., para comemoração da data que hoje se comemora.

É, de facto, uma das páginas mais brilhantes da nossa história, que convém lembrar para termos bem presente quanto é necessário que vejamos nos actos dos nossos antepassados a heroicidade do seu patriotismo; para que tenhamos sempre na mente a necessidade de todos nos unirmos para defendermos os nossos interêsses e nossos objectivos.

O Govêrno, pois, associa-sé às manifestações aqui prestadas pelos diversos lados da Câmara.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Em vista da manifestação da Câmara, considero aprovado por aclamação o voto proposto.

Continua em discussão o parecer n.° 717.

Continua no uso da palavra o Sr. Morais de Carvalho.

O Sr. Morais de Carvalho: — Sr. Presidente: reatando as considerações que ficaram interrompidas na sessão diurna, quero mais uma vez acentuar, em nome dêste lado da Câmara, que entendemos que as novas contribuições e impostos, que pelo artigo 1.° em discussão se pretendem arrancar ao contribuinte, hão-de provocar a revolta legítima do mesmo contribuinte.

Será esta a conseqüência mais natural da aprovação que possa vir a ser feita por esta casa do Parlamento das enormidades fiscais que se contêm na proposta e aditamento em discussão.

É uma tributação sem conta, pêso e medida, que há-de provocar, repito, da parte do contribuinte, uma revolta, uma revolta legítima.

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Ontem, o Sr. Velhinho Correia, o mentor financeiro do Govêrno e desta Câmara, disse que o Parlamento tinha votado despesas na importância de 400 mil contos.

Esta afirmação não é de minha responsabilidade, e, mesmo que haja exagero, o que não há dúvida é que o Parlamento votou impostos que o País não pode pagar e hão-de levar o contribuinte a uma revolta legítima.

Sr. Presidente: tendo já na discussão da generalidade apreciado o artigo 1.°, termino as minhas considerações, ficando feito o meu protesto e o meu vaticínio.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestas condições, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Velhinho Correia: — Pedi a palavra para dar um esclarecimento.

Não são 400 mil contos, mas 300 mil contos.

O Parlamentar que notou aquela quantia não ouviu bem a minha conversa.

O orador não reviu.

O Sr. Velhinho Correia requere prioridade para uma sua proposta, o que é aprovado.

Foi votado o artigo 1.°

O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

Feita a contraprova, foi aprovado por 51 Srs. Deputados contra 4.

Leu-se e foi aprovada a proposta do Sr. Constando de Oliveira.

Foi aprovada outra proposta.

O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

De pé 2 Srs. Deputados.

Sentados 53 Srs. Deputados.

Leu-se um artigo do Sr. Carlos Pereira.

Foi rejeitado.

O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

Ao proceder-se à contagem, retirou-se da sala o Sr. Carvalho da Silva.

Vozes: — Não pode ser. Não está presente quem fez o requerimento.

O Sr. Presidente: — Não está na sala, mas nada impede que o requerimento seja votado.

O Sr. João Camoesas: — Requeiro a contraprova e invoco o § único do artigo 116.°

De pé 55.

Sentados 1.

Foi rejeitado.

O Sr. Presidente: — Está prejudicada a proposta do Sr. Nunes Loureiro, e bem assim a segunda proposta do Sr. Velhinho Correia.

Foi rejeitada a proposta do Sr. Marques Loureiro referente à alínea a) e também a referente a alínea b).

Leu-se o artigo 2.°

O Sr. Carvalho da Silva — Estou nesta casa do Parlamento com os votos dos meus eleitores e hei-de proceder como é meu dever para defender os seus interêsses.

Os representantes da Nação estão assistindo à sua verdadeira ruína.

A noite de ontem já nós sabemos, pelo Sr. Relator, o que foi.

A noite de hoje vai seguindo os desejos do Parlamento da República fazer com que o País pague o que não pode pagar.

O Parlamento esquece todas essas reclamações.

São as pessoas que trabalham, dia e noite que vêm dizer que o Estado não tem direito de exigir as contribuições que lhes pretendem exigir, tanto mais que elas excedem em muito a capacidade tributária.

O Sr. Velhinho Correia: — V. Exa. não tem direito de referir-se a êsse caso dos 300:000 contos, pela forma como o está fazendo, dado o meu desmentido de há pouco.

O Orador: — Vamos ver em que consiste o artigo 2.°

Pela votação dêste artigo, só a parte complementar da contribuição industrial não pode ser inferior àquilo que cada con-

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tribuinte pagou em 1914, multiplicado pelo coeficiente da depreciação da moeda, que é de 27.

Portanto o pagamento é de 27 vezes mais o que se pagava em 1914.

Mas então os adicionais eram apenas de 31,5 por cento e actualmente pelo que já vigora e pelo que está em discussão, devem contar-se em 117 por cento.

Entrando pois com esta percentagem de 117 por cento, cada contribuinte, sujeito à contribuição industrial, vai pagar, só pela taxa complementar, 53 vezes o que pagava em 1914: isto é, o mínimo estabelecido no artigo 2.°

Mas, Sr. Presidente, há ainda a juntar a isto a taxa anual criada pela lei n.° 1:368; mas, como essa taxa é sensivelmente em média, 4 vezes a contribuição de 1914, segue-se que o contribuinte terá de pagar o mínimo de 57 vezes a contribuição que pagava em 1914.

A isto há ainda que juntar o imposto de transacções, criado pela lei n.° 1:368.

Sr. Presidente: sabe V. Exa. e a Câmara que já actualmente êsse imposto e respectivos adicionais representam 2 por conto sôbre o produto bruto das vendas, o que motiva, juntando a contribuição industrial, que cada indivíduo irá pagar 100 vezes o que pagava em 1914.

Mas a República criou também o imposto ad valorem, que se cobra em grande parte dos concelhos do país, e que vem incidir sôbre o comércio.

Eu não tenho dados estatísticos que me habilitem a garantir qual o rendimento dêsse imposto, mas todavia posso afirmar que êle é bastante elevado.

Sei também que a lei n.° 1:368 criou o imposto pessoal de rendimento, e como já tive ensejo de demonstrar na generalidade, em muitos casos êsse imposto atinge 60 vezes o que era pago em 1914.

Somada toda esta tributação, eu repto a que me provem que o contribuinte não fica pagando cêrca de 160 vezes, o que pagava em 1914.

Sr. Presidente: se nos lembrarmos que todos êstes impostos, caindo às cegas sôbre o comércio, vão reduzir o pequeno comerciante ou industrial à mais extrema miséria, se nos lembrarmos que êles vão incidir, indirectamente uns, e directamente outros, sôbre os géneros de primeira necessidade, eu pregunto quais serão as conseqüências da votação desta monstruosidade.

É fácil,-a quem não tenha acompanhado a discussão desta proposta, a quem não costuma prestar a atenção a êstes assuntos, juntar nuas determinados dias o número de Deputados necessário para obter a aprovação; mas eu pregunto:

Que há-de o País dizer de uma assemblea que, intitulando-se a representação nacional, não tem em conta êstes assuntos?

E visto tudo isto, quanto ao montante dos impostos que se quere pedir ao contribuinte, vamos ver onde fica a justiça na distribuição.

Reconhece no seu relatório o Sr. Velhinho Correia que o sistema da contribuição industriai, estabelecido pé]a lei de 1914, dava lugar às maiores injustiças.

Ora é em nome dessas injustiças que S. Exa., com uma incoerência que não encontra explicação, vem propor à Câmara um sistema tributário que se baseia nessas mesmas injustiças, multiplicando-o por cinqüenta e tantas vezes!

Creio que estas considerações são de molde a fazerem pensar a Câmara no que vai votar.

Mas se juntarmos o imposto pessoal de rendimento aos factos que citei, chegamos à conclusão de que o imposto pessoal de rendimento deixa de ser pessoal para tomar como base, não o lucro que o contribuinte tenha, mas a contribuição que pagava em 1914.

E então eu pregunto como é que o Sr. Velhinho Correia, relator desta proposta, sabendo que isto era uma iniqüidade, vai tomar como base, não só para a contribuição industrial, mas para o lançamento do imposto pessoal de rendimento, a aplicação dêste imposto que dá lugar aos números cuja veracidade afirmo e que vou expo;r.

É tudo extraordinário!

Já quando se discutiu a generalidade da proposta citei números.

Ninguém foi capaz do os contestar, por que êles representam a verdade!

E então pregunto à Câmara se tem tam grande desprêzo pelos interêsses legítimos do contribuinte o pelo trabalho daqueles que não querendo saber de política, se ocupam apenas em ganhar a sua vida, porventura para amealhar alguns

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vinténs para os seus filhos, para num momento menos pensado votar uma monstruosidade desta ordem!

Sr. Presidente: todos nós reconhecemos que a situação do funcionalismo é verdadeiramente desastrada. O Estado não paga aos funcionários o que é indispensável pagar-lhes para terem de comer.

Como é que se vai atender à situação do funcionalismo dando-se-lhe uma vantagem, apenas, de 20 por cento, lançando-se impostos como êstes que a Câmara acaba de votar no artigo 1.° sôbre os géneros de primeira necessidade?

Assim agrava o custo de vida em mais 40 ou 50 por cento.

É tempo de o Parlamento olhar, ao menos uma vez, para a situação presente, em vez de entrar no caminho dos' impostos sôbre impostos, não se atendendo à situação do País, empobrecendo assim toda a gente, excedendo a matéria colectável e estabelecendo a desigualdade.

Dizem que é para deminuir o déficit orçamental. Mas não queremos olhar para a situação do País! Impõe-se primeiro reduzir as despesas públicas, deminuir o número de funcionários, acabando com todos os que não prestam serviços ao Estado, a fim de o mesmo Estado poder pagar aos que trabalham devidamente.

O que o Estado tem a fazer é deminuir o custo da vida, o que não é difícil dentro de determinadas proporções.

Apoiados.

Não se compreende, e nós muitas vezes o temos dito, que o Parlamento só pense em arrancar largas receitas e lançar impostos, comprometendo as receitas alfandegárias. Em vez de impostos, cujo resultado é serem vendidos os produtos por preço mais elevado pela indústria que os fabrica, deviam pensar nos interêsses do povo; mas a sério. Era assim que devia proceder quem cuidasse do povo com seriedade.

Mas não; o que a Câmara vem fazendo, e que ninguém pode contestar, porque representa a expressão da verdade, é aprovar monstruosidades como esta.

Não apoiados.

Mas lembro-me que acerca de dois anos, uma noite bem memorável, como memorável há-de esta ficar para a vida do País, o Parlamento votou centenas de milhares de contos do aumento de impostos, dizendo-se que isso era maneira de ver o déficit orçamental equilibrado. Mas o que sucedeu está na memória do todos: o déficit, em vez de deminuir, aumentou, como há-de aumentar pelo mesmo sistema tributário.

Não sairemos assim dêste círculo vicioso.

Mas como se podem reduzir as despesas?

A República, com a sua engrenagem, não é capaz de reduzir as despesas, demonstrando assim que ainda mesmo que haja um homem bem intencionado, não é capaz senão de levar o País à ruína.

Êstes factos são dia a dia constatados, e o Parlamento dá a prova de que a República é incompatível com o País.

Não apoiados.

Apoiados.

O Sr. Velhinho Correia: — Mando para a Mesa uma substituição ao artigo 2.°

É apenas uma melhor redacção do artigo, visto que o que está em discussão se pode prestar a confusões.

Leu-se na Mesa, foi admitida e entrou em discussão.

O Sr. Morais de Carvalho: — Sr. Presidente: se o Sr. Relator não tivesse mandado para a Mesa, a propósito do artigo 2.°, uma proposta de substituição, S. Exa. pela primeira vez teria faltado àquela regra impreterível que parece se impôs na discussão desta proposta.

Na verdade, a propósito de cada um dos artigos e parágrafos, de cada uma das alíneas, o Sr. Velhinho Correia não se dispensa de mandar para a Mesa sucessivamente uma proposta de substituição; substituição do que é da sua autoria!

O Sr. João Camoesas: — E para atender às indicações de opinião.

O Orador: — Mas poderia a proposta mandada para a Mesa pelo Sr. Velhinho Correia ter, realmente, a vantagem de obviar, em parte que fôsse, aos inconvenientes, apontados pelas considerações absolutamente irrefutáveis que apresentou o ilustre Deputado Sr. Carvalho da Silva; mas não.

O Sr. Velhinho Correia limitou-se agora, sôbre êste artigo 2.°, a modificar

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a redacção, de maneira que, diz S. Exa. pretende, apenas, obviar a confusões.

O que se pretende, porém, é lançar tributações absolutamente incomportáveis que na prática serão inexeqüíveis.

Se nas considerações que estamos fazendo nos lembrássemos apenas de estrito partidarismo, teríamos de agradecer aos Deputados republicanos o serviço que às nossas ideas e propaganda fatalmente prestam, lançando contribuições de tal monta. Mas como não hão essas as preocupações que nos dominam, não queremos deixar, por nosso lado, de fazer tanto quanto possível, para evitar que monstruosidades da natureza desta que, se encontram no artigo 2.°, sejam convertidas em lei.

O Sr. Velhinho Correia modificou a redacção da sua proposta, mas não conseguiu evitar que da redacção defeituosa, que ela continua a ter, se pode depreender que já havia contribuintes colectados por lucros presumíveis em 1914, quando anteriormente à lei n.° 1:368, votada em 1922, não existiam contribuintes dessa natureza.

Não se compreende sequer que a lei vá estabelecer dois critérios diferentes para avaliar os lucros presumíveis dos contribuintes sujeitos à mesma contribuição e em idênticas circunstâncias.

Se a lei não fornece actualmente elementos bastantes para se fazer a necessária avaliação, o caminho a seguir deverá ser determiná-los de modo que em relação a todos os contribuintes se possa fazer um cômputo exacto.

Pelos números que o ilustre sub-leader da minoria monárquica leu à Câmara, a contribuição industrial virá a atingir 50 ou 100 vezes a contribuição de 1914.

Ora, para que fôsse legítimo exigir dos contribuintes sujeitos à contribuição de que trata o artigo 2.° uma contribuição 50, 60, 70 ou 100 vezes superior à de 1914, era indispensável que primeiro se fizesse a demonstração de que os rendimentos dêsses contribuintes tinham, também, aumentado nessa proporção.

Mas essa demonstração é quê ninguém fez; pelo contrário, de todos os lados da Câmara se tem reconhecido que os rendimentos e as fortunas dos particulares não têm subido na proporção à desvalorização da moeda.

Poderá objectar-se que, o § único que o Sr. relator acaba de enviar para a Mesa contém em si o bastante para evitar a injustiça que acabo de apontar, desde que diz que ao contribuinte sujeito a êste multiplicador violentíssimo fica a faculdade de perante a Fazenda fazer a demonstração de que os seus rendimentos ou lucros não são tam elevados como o produto do multiplicador adoptado.

Veja V. Exa., Sr. Presidente, quanta hipocrisia existe numa legislação que, pretendendo ser liberal, declara que não quere fazer a devassa das fortunas dos particulares, mas procura efectivá-la por uma forma indirecta.

O legislador não estabeleceu aqui o que em França se chama, com propriedade, a inquisição fiscal; todavia, consegue-o por meios indirectos, que não denotam franqueza e que revelam uma verdadeira hipocrisia.

Então, o legislador calcula exagerada-mente os rendimentos de um determinado contribuinte e depois diz-lhe:

«Se não quiseres pagar toda a colecta que corresponde aos rendimentos que arbitrariamente fixei, tens um meio para isso».

Mas isto é uma forma indirecta, uma forma disfarçada de obrigar diversas casas a esta espécie de inquisição fiscal.

Isto foi brilhantemente demonstrado pelo nosso ilustre sub-leader Sr. Carvalho da Silva, e por isso me dispensa de fazer mais extensas considerações.

Repito, a República, parece estar apostada a fazer um serviço de natureza política às ideas que defendemos e à nossa propaganda.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Sebastião de Herédia: — Simplesmente desejo propor a eliminação dêste artigo.

É um artigo completamente imoral.

Em 1914 a contribuição industrial era lançada de uma forma irregular, de maneira que vamos actualizar essa irregularidade.

A lei era de incidência sôbre os lucros duma indústria, e assim havia contribui-

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coes irregulares, dando em resultado haver indústrias que tinham lucros muito pequenos e contribuições muito elevadas.

Mando para a Mesa uma proposta.

O orador não reviu.

O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: peço licença a V. Exa. para explicar à Câmara a razão do artigo 2.°

Sabem V. Exas. que em 1922 passamos para um estado absolutamente diferente da contribuição industrial que vigorava.

Antigamente fazia-se uma tributação de lucros possíveis dos contribuintes. Mas há um facto que a Câmara ignora: é a enorme fuga do imposto sôbre transacções, e outra fuga de contribuição industrial.

No comércio e na indústria os produtos são vendidos por preços que compensam a desvalorização da moeda. É preciso que se pague ao Estado, também, no valor da moeda; é indispensável actualizar os impostos e dá-se ao contribuinte a faculdade de fazer a prova dos negócios e do lucro que tem auferido.

O que se pretende é fazer pagar quem muitos lucros tem.

O aumento de vencimento ao funcionalismo dá um acréscimo de despesa de 120:000 contos, e não se pode aumentar tam grande despesa sem uma equivalente receita.

Têm de se lançar impostos para criar receitas.

Êste artigo é justo e não é exagerado.

Eram as considerações que tinha a fazer.

O orador não reviu.

Leu-se e foi rejeitado o artigo 2.°

Leu-se a proposta de eliminação.

Foi aprovada.

O Sr. Velhinho Correia: — Requeiro a contraprova.

Foi rejeitada em contraprova.

Leu-se o artigo 3°

O Sr. Pedro Pita: — Mando para a Mesa uma proposta de eliminação dêste artigo.

Foi admitida.

O Sr. Morais de Carvalho: — Sr. Presidente: quando da discussão na generalidade dêste lado da Câmara fizemos a êste artigo os mesmos reparos que fizemos ao artigo 2.°.

A ser aprovado como está, seria o vago e o impreciso, a confusão.

Nada mais digo para não fatigar a Câmara.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Foi aprovada a proposta de eliminação do Sr. Pedro Pita.

Leu-se o artigo 4.°

O Sr. Pedro Pita: — Proponho uma substituição a uma parte dêste artigo, ou para melhor dizer, deve ser eliminada e ficar como na emenda que mando para a Mesa.

Leu-se e foi admitida.

O Sr. Velhinho Correia: — Não se deve tirar mais as autorizações precisas e indispensáveis ao Poder Executivo.

Foi aprovado.

O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Está já sôbre a Mesa uma proposta para a concessão de novas melhorias ao funcionalismo do Estado, e é natural que vá ser também apresentada uma proposta para aumento do subsídio dos Srs. Parlamentares.

Trazem essas propostas um importante encargo para o Tesouro, e eu, no intuito de obter receita para fazer face a semelhante encargo, mando para a Mesa uma proposta aumentando as taxas de contribuição de registo.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva (para invocar o Regimento): — Invoco o artigo 24.° do Regimento e § único.

Nestas condições, V. Exa. não pode aceitar na Mesa qualquer nova proposta.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se o aditamento enviado para a Mesa pelo Sr. Ministro.

Foi lido na Mesa e admitido.

O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

O Sr. Presidente: — Vai fazer-se a contraprova.

Procede-se à contraprova.

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O Sr. Presidente: — Estão sentados 51 Srs. Deputados e em pé 6.

Está admitida.

Vai ler-se para entrar em discussão.

Foi lida na Mesa.

O Sr. Plínio Silva: - Sr. Presidente: creio que todos os lados da Câmara têm mostrado ao Govêrno o seu ardente desejo, de dar-lhe a máxima colaboração possível, removendo o maior número de dificuldades e procurando provar que não são legítimas as acusações daqueles que entendem que o Parlamento não dá aos Governos aquele auxílio que lhes seja absolutamente necessário.

Nestes termos, é legítimo que nós — Parlamentares — exijamos do Govêrno que marque duma maneira clara e precisa qual é o seu plano, qual é a sua orientação em matéria desta importância, podendo assim apelar para a solidariedade do bloco parlamentar que o apoia, para defender e fazer aprovar as suas medidas.

Mas, Sr. Presidente, por muito boa que seja a nossa vontade, por maior que seja o nosso desejo de auxiliar no máximo o Govêrno, em face do que se está passando é absolutamente legítimo que se queira por um dique a forma como decorre esta discussão, e que se exija do Sr. Presidente do Ministério e do Sr. Ministro das Finanças que digam o que querem, não fazendo cada Ministro, isoladamente, o que lhe apeteça, mandando para a Mesa propostas como aquela que acaba de ser lida à Câmara.

Sr. Presidente: eu quero prestar a minha homenagem ao Sr. Ministro do Trabalho, que mostra o interêsse que lhe merecem os assuntos da sua pasta.

De facto, S. Exa. tem pôsto toda a sua boa vontade em acudir às necessidades da assistência, o que deve merecer os nossos aplausos, mas a verdade é que se torna indispensável seguir-se na orientação que já foi imposta ao Sr. Ministro das Finanças em matéria de tributação dos artigos que figuram na proposta que S. Exa. o Ministro do Trabalho apresentou.

Ora, a meu ver, essa proposta é desconexa e desligada dessa orientação que foi marcada.

Dá-me a impressão de que S. Exa., encontrando-se no seu gabinete com o espírito preocupado com as necessidades da assistência, olhou em torno dos objectos de luxo que o cercavam, e começou a atribuir a cada um deles o imposto que propõe.

Creio que já existe uma lei autorizando o Ministro das Finanças a tributar os artigos de luxo, e se tal diploma ainda não foi pôsto em vigor é porque tem havido dificuldades em fazer a classificação dos objectos a tributar.

Nestas condições espero do Sr. Presidente do Ministério e do Sr. Ministro das Finanças que façam as declarações necessárias, pelo menos, para despertar o interêsse de todos os parlamentares por se tratar dum assunto em que temos obrigação de fixar toda a nossa atenção com todo o nosso cuidado.

Tenho dito.

O discurso será publicado na íntegra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: sendo esta a primeira vez que tenho de ocupar-me dum assunto que corre pela pasta do Trabalho, é com profundo desgosto que, estando sentado naquela cadeira um dos meus mais velhos o queridos amigos pessoais, eu tenho, de combater uma proposta apresentada por S. Exa. mas isso em nada quere dizer que possam ficar prejudicadas as nossas muito sinceras relações, de velhos amigos.

Sr. Presidente: começo por notar a V. Exa. e à Câmara, como já o fez de resto o Sr. Plínio Silva, que não pode compreender-se como a Câmara possa discutir e votar uma proposta com esta série de artigos que ninguém ainda leu, que faz alusão não sei a quantos decretos, que multiplica por 10, logo no seu artigo 1.°, as taxas fixadas em alguns dos seus números.

Sr. Presidente: eu sei que, com, certeza, o Sr. Ministro do Trabalho ao apresentar a sua proposta teve em vista atender às necessidades dos serviços de assistência, mas, eu pregunto: Aquando é que se acaba com êste sistema de deixar que sejam as receitas gerais do Estado que sirvam para nelas se incluírem as verbas indispensáveis para certos serviços sem evitar que constantemente, dia a

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dia, se criem mais impostos para isto e para aquilo?

Não sei mesmo para que é que os impostos são pagos ao Estado senão para que êle mantenha aqueles serviços que tem obrigação de prestar ao contribuinte.

Sr. Presidente: entre êsses serviços sem dúvida os serviços de justiça, de assistência, de viação são serviços dos mais indispensáveis, daqueles que o Estado tem de prestar à população do país, que lhe paga os impostos precisamente para o Estado manter êsses serviços.

Sr. Presidente: entrámos há muito tempo num caminho que consiste em criar impostos especiais, mas pregunta a gente em que é que são empregadas as contribuições gerais do Estado, e assim nós podemos dizer que a República tem de dividir em duas categorias os seus impostos, mas que têm fins determinados o são para pagar os serviços que presta ao contribuinte, outros que constituem as contribuições do Estado e não servem senão para pagar despesas correspondentes a nenhum serviço prestado pelo Estado ao contribuinte.

Como é que pode sustentar-se um regime que, das centenas de milhares de contos que lança de contribuições sôbre o País, não lhe dá aplicação que se traduza em qualquer benefício para o mesmo País?

Sr. Presidente: não ha ainda muito tempo que a República decretou um imposto especial de viação e turismo, destinado ao custeio das estradas. Pregunto: para onde vai o produto das contribuições gerais do Estado?

Não se compreende, e então temos de concluir que o Orçamento Geral do Estado não representa nada, e é, simplesmente, uma cousa destinada a mascarar a maneira abusiva como a República gasta o produto das contribuições.

Eu não quero alongar as minhas considerações, principalmente depois das palavras verdadeiramente sinceras proferidas pelo Sr. Plínio Silva, e que deixaram o Govêrno numa situação crítica, mas desejo declarar que, se continuar em discussão esta proposta, que nem sequer devia ter sido admitida na Mesa, por constituir matéria que deveria ser incluída numa proposta do lei, usarei novamente da palavra.

Por agora, tenho dito.

O orador não revia.

O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Sr. Presidente: eu faço justiça às intenções do Sr. Ministro do Trabalho, porque quando S. Exa. trouxe aqui esta proposta, para obter recursos destinados à assistência, teve, efectivamente, em vista prover às necessidades dêsses serviços.

A assistência pública está necessitada de ser assistida, para depois poder assistir aos desvalidos. Isto é uma verdade que V. Exas. fàcilmente reconhecem.

Todavia, não posso deixar de concordar que a tributação feita sôbre a mesma matéria colectável, por diversas vias, é sempre um sistema mau. Mas, como a proposta em discussão não afecta o sistema de tributação que o Govêrno entende pedir ã Câmara, deve declarar que o Govêrno se desinteressa do assunto, e deixa ao Parlamento o cuidado dê prover de remédio esta questão, louvando-se na opinião que a Câmara expender.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: quero crer que toda esta celeuma levantada a propósito da proposta que se discute gira em volta duma confusão em que todos colaboramos.

Ainda esta tarde se votou nesta Câmara uma lei destinada a proteger as Misericórdias e que é, afinal, ama verdadeira lei de assistência, com tributações especiais.

Parece que já nos esquecemos de que ainda há bem pouco votamos...

O Sr. Ministro do Trabalho (Xavier da Silva): — A tributação a que V. Exa. se refere diz respeito apenas à assistência das províncias e não de Lisboa.

O Orador: — É possível que assim seja, mas permito-me pôr sob reserva a afirmação de V. Exa.

No projecto das Misericórdias, que na sessão da tarde foi aprovada, não se exceptuam quaisquer concelhos ou bairros.

Trata-se de uma lei a aplicar em todos os concelhos ou bairros do País.

Assim eu julgo que estamos a exagerar, com 24 horas de intervalo, fazendo duas largas tributações com o mesmo objectivo.

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Eu faço inteira justiça às intenções do Sr. Ministro do Trabalho.

Apoiados.

Mas S. Exa. há-de permitir que eu lhe diga que em nada se prejudicam os seus desejos, fazendo demorar a apreciação da sua proposta mais algum tempo, até que a Câmara, findas as férias parlamentares, proceda definitivamente a uma remodelação tributária no sentido de aumentar as receitas dos estabelecimentos de assistência.

Portanto, entendo que o Sr. Ministro do Trabalho, sem nenhum desdouro para S. Exa., e até com utilidade para a sua idea, podia fazer esperar a sua proposta dois meses, com vantagem para todos e para o País.

Proponho, por conseqüência, se o Sr. Ministro do Trabalho se não opuser, para se retirar a sua proposta, que seria examinada mais tarde, contentando-se por agora com a própria taxa sôbre a assistência.

De resto, se V. Exa. prefere, nós podemos mandá-la para a comissão, a fim de ela começar a ser estudada, fazendo eu o requerimento se fôr preciso nesse sentido.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: teve a proposta do Sr. Ministro do Trabalho o condão de despertar um pouco a Câmara, e no entretanto não vejo duma maneira geral na proposta de S. Exa. qualquer cousa que possa ter semelhante poder.

É mau, e tenho de reconhecê-lo, que à última hora se enviem para a Mesa novas propostas que representam novos impostos, sem que êles sejam estudados.

Por isso é má a proposta de lei do Sr. Ministro do Trabalho.

Mas se se verificar que ela procura principalmente tributar aquilo que representa conforto ou luxo, em benefício daqueles que nada têm, concluímos que a proposta é daquelas que merecem um pouco a nossa atenção, tanto mais que as taxas a aplicar são mínimas.

É justo que quem compre, por exemplo, uma jóia pague alguma cousa a favor dos pobres.

O problema da assistência merece bem que olhem para êle.

Nas minhas palavras não há intuito algum político, falo em meu nome, não falo em nome do meu partido, que não deixa por isso de considerar e muito o problema da assistência.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Não compreendo o que se está passando com uma proposta que vem atenuar o estado aflitivo em que se encontra a assistência; e ainda menos compreendo a atitude do Sr. Ministro das Finanças, atitude deveras extraordinária.

Não sendo eu o leader do meu grupo, não quero assumir a responsabilidade de falar em seu nome; mas vejo a necessidade que há em aprovar a proposta do Sr. Ministro do Trabalho, que se vê obrigado a fechar casas de assistência.

Essa proposta tem de ser aprovada.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente do Ministério e Ministro do Interior (Rodrigues Gaspar): — O Sr. Plínio Silva deseja saber qual a directriz do Govêrno.

É muito simples: é arranjar meios para acudir às despesas do Estado.

O Sr. Ministro do Trabalho apresentou uma proposta para fazer face a despesas com a assistência.

Não há conflito algum. Estamos todos de acordo em que é preciso angariar receitas, e o que mais preocupa o Govêrno não são os discursos do Sr. Ministro das Finanças ou de qualquer outro, mas sim as medidas indispensáveis para cobrar receitas.

O Govêrno não abandona o problema da assistência, mas tem de olhar para o estado grave do Tesouro.

É preciso equilibrar o Orçamento, mas nem por isso deixaremos de acudir à crise por que está passando a assistência.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro do Trabalho (Xavier da Silva): — Quando apresentei à Câmara dos Deputados a minha proposta não o fiz sem que previamente tivesse tido aquela cortesia, ou mesmo dever, de consultar todos os lados da Câmara.

Apoiados.

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De todos os partidos e grupos nela representados recebi o apoio preciso para aprovação desta proposta.

Também tive o «concordo» do Sr. Ministro das Finanças.

Não tenho recursos cara a Assistência. Não tenho meio de açúcar à dolorosa situação em que êsse organismo do Estado se encontra. Na Assistência há crianças rotas, há crianças que não podem vir à rua por não terem calçado. As suas taxas, que são cobradas pelo Ministério das Finanças, nunca chegam ao Ministério do Trabalho. Neste momento estão na sua posse uns 6:000 contos, além dos duodécimos de Maio e Agosto.

O estado da Assistência é angustioso. Já até se alterou o prazo do período de férias para as crianças serem entregues às famílias, o assim se fazer uma economia, porque os fornecedores se vão recusando a ceder os seus géneros a crédito.

Melhorou-se também assim a situação das que não saíram a férias por não terem família.

A crise por que está passando a Assistência é enorme.

Ainda ontem recebi um ofício do Sr. delegado do Govêrno junto da Provedoria, afirmando-me que dispõe apenas de 40 contos até o fim da semana para ocorrer a todas as despesas, e entre estas estão as férias a pagar ao pessoal, que os absorvem quási por completo.

Como poderá, pois, alguém admirar-se de que eu houvesse pensado em vir à Câmara com a proposta que está sofrendo os reparos dalguns Srs. Deputados?

De resto, o que pretendo é um leve imposto que recaí apenas sôbre os ricos. Êstes têm todos os confortos, e por isso cabe-lhes a obrigação de deixarem que algumas das suas migalhas venham beneficiar os pobres.

Eu tributo simplesmente objectos de luxo e de conforto, porque não é legítimo que a classe burguesa esteja disfrutando comodidades supérfluas, quando há adultos e crianças tam pobres que nem sequer uma cadeira de pinho possuem para se sentarem.

Foi êste angustioso quadro, que acabo de pintar em largas pinceladas, que determinou a apresentação da proposta que está em discussão.

Agora a Câmara fará o que quiser. Aprovará ou rejeitará essa proposta. Eu acatarei a sua resolução, na certeza de que lhe ficará inteira responsabilidade da atitude que tomar.

Tenho dito.

O Sr. Plínio Silva: — Sr. Presidente: O Sr. Presidente do Ministério, quando falou há pouco, disse mais uma vez que tem sempre o cuidado de fazer as suas afirmações com toda a clareza. Também eu tenho a preocupação de ser sempre claro na maneira de exprimir os meus pensamentos e de concretizar as minhas afirmações.

Não compreendo por isso que o Sr. Presidente do Ministério pudesse conduzir as suas considerações por forma a dar a impressão de que eu contrariava o objectivo do Govêrno em criar as necessárias receitas para ocorrer aos encargos actuais, e ainda àqueles que se vão criar.

Certamente S. Exa. não tem prestado atenção è forma como eu me tenho pronunciado nas votações feitas nesta Câmara, pois se assim não fora, S. Exa. teria tido ensejo de verificar que eu tenho sido daqueles que têm votado no sentido de se dar ao -Governo a possibilidade de obter as receitas que se pretendem criar pela proposta inicialmente aqui apresentada.

Lamento, portanto, a forma como S. Exa. me respondeu.

Lamento igualmente que o Sr. Ministro do Trabalho houvesse feito as considerações que produziu no seu discurso de há pouco, porque, sendo elas certamente em resposta às minhas palavras, poderá parecer que S. Exa. me pretende incluir no número daqueles burgueses a que S. Exa. fez alusão, que, refastelados nos seus maples, passam vida farta e cómoda, quando a verdade é que eu me encontro sempre ao lado dos que por palavras e por actos procuram que os privilegiados da fortuna acudam aos necessitados.

Nesse propósito encontra-me S. Exa. sempre incondicionalmente a seu lado, com os recursos da minha pouca inteligência, mas com a melhor vontade de acertar.

Mas daí, como disse há pouco, procurar socorrer-se de tudo que à primeira vista se lhe apresente para criar receitas, é que julgo um êrro formidável.

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E senão, vejamos.

O Sr. Ministro das Finanças fez uma declaração que, aliás não compreendo que tivesse podido susceptibilizar o Sr. Ministro do Trabalho.

O Sr. Ministro das Finanças, que tem de ter método na cobrança das contribuições que se vão lançando, não podendo abstrair-se dêsse ponto de vista, disse que se desinteressava da proposta..

Não podia o Sr. Ministro das Finanças fazer outra declaração, pois S. Exa. está neste momento dando cumprimento a uma lei do Parlamento e em que vai, de facto, deixar de parte artigos que o Sr. Ministro do Trabalho agora inclui na sua proposta.

Pregunto: como é que S. Exa., com a responsabilidade do seu cargo, podia aceitar de boa vontade que o seu colega fôsse lançar taxas sôbre determinados artigos, que iriam depois figurar na sua proposta?

Disse o Sr. Ministro do Trabalho que tem actualmente necessidade de receber, pelo menos 6:000 contos para fazer face a encargos da Assistência, pagando aos credores e fornecedores as importâncias que são devidas; mas isso é com o seu colega das Finanças, que não deixará de entregar essas importâncias, bastando para isso que elas estejam inscritas no respectivo Orçamento.

E se o Sr. Ministro das Finanças possivelmente não lhas puder entregar, por não dispor dessas quantias, pregunto ao Sr. Ministro do Trabalho: o som o imposto que vai ser criado, e que naturalmente terá de ser cobrado pelo Ministério das Finanças, como é que S. Exa. espera que se faça a cobrança respectiva e em obediência ao mesmo método de trabalho a que me referi há pouco?

Como se compreende que o mesmo artigo esteja a pagar vários impostos, com vários destinos e nas circunstancias especiais que acabam de ser afirmadas?

Sr. Presidente: lamento que os meus colegas e o Sr. Ministro que se pronunciaram sôbre as minhas considerações o tivessem feito de forma a poder dar, a quem me não ouviu, uma impressão bem diferente daquela que pretendi, imprimir-lhes.

Estou, como disse, ao lado do Sr. Ministro do Trabalho, mas entendo que um
assunto desta natureza, e não obstante as suas aflições para fazer face às dificuldades que atravessa, não pode ser resolvido pela maneira como S. Exa. propõe.

Desde que o Sr. Presidente do Ministério disse que o que necessita são essencialmente receitas, não posso deixar de chamar a atenção de S. Exa. para a proposta em discussão, e para aquilo que se está votando, porque me parece que o que essencialmente interessa ao Parlamento é não ver fàcilmente anulado o esfôrço que vem empregando há muitos meses para obter certos e determinados resultados, e vindo a reconhecer que as receitas que, porventura, vão ser criadas, não correspondem às necessidades que mais ou menos foram afirmadas.

Sr. Presidente do Ministério: se V. Exa. me permite um conselho, direi que deverá aproveitar-se a declaração feita pelo Sr. Pedro Pita, na qual se diz que o Partido Nacionalista está disposto a dar todos os recursos para favorecer o funcionalismo público, e creio não ser demais pedir ao Sr. Presidente do Ministério ou ao Sr. Ministro das Finanças que apresentem os cálculos aproximados do que podem dar as receitas, pois não é racional que votemos uma despesa sem saber qual a receita equivalente.

Só assim se não fizer, receio que não se chegue ao equilíbrio orçamental, e as previsões do Sr. Velhinho Correia não se tornem possíveis.

Eu não podia deixar de dizer estas palavras.

Creio que falei duma maneira clara, e o Sr. Presidente do Ministério, que me conhece bem, sabe a lealdade com que procedo sempre.

O meu desejo é que as cousas públicas se encaminhem bem.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Velhinho Correia: — Eu dou o meu voto ao artigo 1.°

Êle deve ser aprovado por toda a Câmara, mas a tabela dos artigos é que não está bem feita; está cheia de imperfeições.

Interrupção do Sr. Ministro do Trabalho que não se ouviu.

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O Orador: — Sr. Presidente: em 1919, o Sr. Rumada Curto organizou uma lista de artigos de luxo, mas afinal, nada foi tributado, porque a lei foi mal feita.

Eu concordo com o artigo 1.°, mas devo dizer que não me parece que os cortinados de algodão representem um artigo de luxo.

Diz ainda o Sr. Ministro que o imposto deverá ser cobrado.no acto da venda.

Pregunto: Como quero S. Exa. cobrar êsse dinheiro?

Vai arranjar um fiscal para cada estabelecimento?

Eram estas as considerações que entendia dever fazer.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: com a maior atenção ouvi as considerações produzidas pelo Sr. Ministro do Trabalho.

S. Exa. declarou que os serviços de assistência se encontram numa situação angustiosa, não tendo que dar de vestir, calçar e comer aos seus internados, porque o Ministério das Finanças não lhe dá os 6:000 contos que lhe deve desde Maio.

Quere dizer, o dinheiro que devia ser para os desgraçados que têm necessidade da assistência, é ilegalmente desviado para outras aplicações!

Sr. Presidente: contra êste facto eu lavro o meu mais veemente e indignado protesto.

Não posso também deixar de frisar a forma como o Sr. Ministro do Trabalho se referiu à burguesia e àqueles que, segundo S. Exa. afirmou, não pagam o que deviam pagar.

S. Exa. esqueceu-se que, não há muitos meses, na cidade do Pôrto, porque o Hospital da Misericórdia não tinha dinheiro para poder manter os seus doentes, uma comissão de senhoras daquela cidade abriu uma subscrição, que num dia rendeu 800 contos, dinheiro que foi dado espontaneamente por aqueles contra quem o Sr. Ministro do Trabalho se revolta, para cobrir as irregularidades da administração republicana.

Igualmente, não ignora V. Exa. a situação de verdadeira angústia em que se encontram as Misericórdias do País, e que amanhã será aberta uma grande subscrição a favor delas, porque o Estado não cumpre o seu dever.

Mas, Sr. Presidente, não é apenas para as verbas da assistência que o Estado não dá as receitas devidas. O Estado republicano criou impostos, expressamente destinados à assistência, nomeadamente um sôbre os Bancos, e todavia tem dado a êsse dinheiro uma aplicação diferente.

O Sr. Ministro do Trabalho queixa-se disto, mas não se refere à situação escandalosa, que representa a vida do seu Ministério, onde existe um Conselho de Administração, composto de 12 membros, ganhando grossos ordenados.

Pregunto: não era melhor que a República, olhando para essa circunstância, entendesse que a assistência não se fez para êsses tais, mas sim para os desgraçados, que estão nos hospitais?

Isto de vir constantemente dizer que é preciso arrancar dinheiro ao País, porque não há para êste ou aquele serviço, não pode continuar. É necessário que acabe esta escandalosa bambochata.

É preciso que isto acabe, e chamo mais uma vez a atenção da Câmara para ver que o País morre inevitavelmente se continuar a permitir-se a série de escândalos constantes que se revelam na administração da República.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr.Francisco Cruz: — Sr. Presidente: quero referir me às afirmações feitas pelo Sr. Presidente do Ministério, mas permita-me V. Exa. que antes de iniciar as minhas considerações me refira ao horroroso desastre sucedido hoje entre o Entroncamento e a Lamarosa, porque me consta que a máquina do rápido de Madrid, tendo perdido a ligação com o comboio que rebocava, foi chocar com o rápido do norte, ocasionando alguns mortos e bastantes feridos. Como Deputado da Nação e representante do círculo onde se deu o desastre, quero manifestar o meu pesar por um tal acontecimento, que vem enlutar tantas famílias o até a Nação.

Pedia também ao Sr. Presidente do Ministério que, se os tivesse, me dêsse mais alguns esclarecimentos, e pregunto a S. Exa. se já tomou algumas providências para acudir às vítimas.

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Sr. Presidente: referindo-me agora às considerações produzidas pelo Sr. Ministro do Trabalho, não posso deixar de levantar o meu grito de protesto contra a forma como decorre a administração pública do País. É de gelar as almas mais insensíveis o que S. Exa. afirmou, e tal é a revolta que vai na minha alma, que desejo preguntar se vivemos num regime de calote e se o Estado não dá a quem de direito aquilo que arrecada para êsse fim. Dá-se até êste caso curioso: o Sr. Ministro do Trabalho, porque não confia no Ministério das Finanças, para dar dinheiro a fim de acudir a tanta desgraça que vai pelo País, pede à Câmara para ser êle próprio a cobrar as receitas que lhe são precisas.

Mas pregunto: continuam a subsistir os dois impostos?

Parece-me que são receitas demais para quem as não gasta de harmonia com as necessidades e com a lei.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Jaime de Sousa: — Sr. Presidente: na mesma ordem de ideas que há pouco expus à Câmara, quando apreciei a proposta do Sr. Ministro do Trabalho, eu vou mandar para a Mesa uma proposta do substituição para ocorrer, de momento, às condições precárias em que se encontram os serviços de assistência e cujo quadro foi há momentos traçado por S. Exa.

Nunca foi minha intenção negar ou pôr em dúvida as dificuldades com que lutam os nossos estabelecimentos de assistência pública.

Ao contrário, eu ponho toda a minha boa vontade no sentido de melhorar quanto possível a situação difícil dêsses estabelecimentos.

Simplesmente não concordo com toda a extensão da proposta do Sr. Ministro do Trabalho, isto é, com a seqüência dos artigos que a completam além do artigo 1.°

Sr. Presidente: eu não estou fazendo obstrucionismo. Pretendo, apenas justificar a proposta que vou mandar para a Mesa e que me foi sugerida pelo meu ilustre colega Sr. Velhinho Correia.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Correia Gomes: — Sr. Presidente: se não estou em êrro, V. Exa. declarou há pouco que não estava mais ninguém inscrito. Suponho por isso que o Sr. Jaime de Sousa, que acaba de falar, usou da palavra sôbre o modo de votar. Nestas condições, quere-me parecer que a proposta que S. Exa. enviou para a Mesa não pode ser aceita por V. Exa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Lê-se a proposta do Sr. Ministro do Trabalho.

O Sr. Jaime de Sousa: — Requeiro a votação em separado do corpo do artigo e dos seus parágrafos.

É aprovado.

É aprovado o corpo do artigo.

São rejeitados os parágrafos.

O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Requeiro a contraprova.

O Sr. Carvalho da Silva: — Invoco o § 2.° do artigo 116.°

Procede-se à contagem.

Parágrafo 1.°

Procede-se à contraprova e contagem.

De pé 46 Srs. Deputados; sentados 11.

Foi rejeitado.

Parágrafo 2.° - Foi rejeitado.

Parágrafo 3.° — Foi rejeitado.

Parágrafo 4.° — Foi rejeitado.

Leu-se o artigo 2.° e a proposta do Sr. Lelo Portela.

O Sr. Pedro Pita: — Essa proposta não é de considerar; parece-me que não deve ser aprovada.

Foi rejeitada.

Leu-se a proposta.

O Sr. Carvalho da Silva: — V. Exa. não pode admitir essa proposta em face do artigo 24.° Assim o entendeu o Sr. Afonso de Melo, quando estava a presidir.

As propostas têm de ter duas discussões, uma na generalidade e outra na especialidade.

O Sr. Presidente: — Pela teoria de V. Exa., não poderia admitir proposta alguma mais.

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O Orador: — O Regimento manda ir as propostas à comissão. V. Exa. não pode admitir essa proposta. Seria o cúmulo da troça.

Protestos.

O orador não reviu, nem o Sr. Presidente fez a revisão dos seus esclarecimentos.

Posta à admissão, foi admitida e entrou em discussão.

O Sr. Pinto Barriga: — Sr. Presidente: em todas as legislações se procura favorecemos descendentes, mas pela proposta do Sr. Ministro êles ficam sobrecarregados.

É um aumento que se faz pela fôrça das circunstâncias; mas por esta taxa a tributação é maior que o capital. São taxas exorbitantes, e têm um lado pouco simpático.

Sôbre cada um dêstes artigos hei-de falar em especial.

Procura-se servir-se duma capitalização que não corresponde precisamente às circunstâncias do mercado monetário.

Sr. Presidente: eram estas as considerações principais que eu tinha de fazer à generalidade do projecto.

Tenho dito.

O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: lavrando o meu protesto pela maneira como esta proposta entrou em discussão, começo por preguntar à consciência de V. Exa. se é lícito que numa proposta que trata de tributar as heranças, numa proposta que dispõe da sorte e da fortuna das famílias, se é lícito que um Parlamento faça o que êste acaba de fazer.

E querem, Sr. Presidente, que haja confiança neste país, dispondo-se desta forma da fortuna dos particulares,

Ainda que o Regimento não se opusesse a isso, opunha-se a minha consciência.

Quando o país amanha, souber que há um Parlamento que faz isto, êsse Parlamento há-de ficar condenado ante a opinião dêsse país.

Parece impossível — e com estas minhas palavras não quero ser desagradável a ninguém — parece impossível que a paixão política leve homens que têm a perder a juntar os seus votos aos daqueles que querem assim atacar a fortuna dos particulares.

Em parte nenhuma do mundo um Ministro teria o arrojo de apresentar ao

Parlamento, como artigo novo, uma proposta como esta, dispondo assim da fortuna dos particulares, dispondo assim da sorte das famílias.

Eu pregunto a todos os Srs. Deputados se isto é uma cousa que se admita.

Eu, que me tenho dedicado a estudos desta ordem, dou-me por absolutamente, inabilitado para dar o meu voto consciente a uma proposta desta ordem; o que farão aqueles que nunca perderam uma hora, nem um minuto a estudar êstes assuntos!

E diz-se que êste é o Parlamento duma democracia!

E diz-se que esta é a representação nacional!

Então a representação, nacional, então os representantes duma nação podem assim, de ânimo leve, dispor da fortuna pessoal do país?

Não, Sr. Presidente; é sinceramente, como homem que sabe respeitar aquilo que é dos outros, que me revolto e protesto contra a maneira como estão a correr as cousas neste Parlamento.

Sr. Presidente: não tinha tenção de fazer obstrucionismo, ou antes, demorar-me na discussão de qualquer proposta, mas declaro que, em satisfação da minha consciência de homem honrado, vou demorar-me emquanto tiver fôrças para que não se consume um facto desta ordem.

Eu pregunto se o Parlamento, de ânimo leve, pode ir votar a doação de propriedades de um particular a outro particular.

Isto é extraordinário!

Sr. Presidente: a contribuição de registo não é um imposto sôbre o rendimento, mas sim sôbre o capital, e qualquer cousa votada de ânimo leve sôbre êste assunto pode ser um roubo à fortuna particular.

Àpartes.

Eu declaro à Câmara, sob a minha honra pessoal, que estou dizendo muito sentidamente estas palavras.

Sr. Presidente: sendo a contribuição de registo um imposto sôbre o capital, o seu lançamento têm de ser rodeado de todas as cautelas, e, portanto, muito ponderado e estudado, tanto mais que é um imposto progressivo.

Em toda a parte, quando se trata de um imposto desta natureza, o primeiro

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cuidado que há é fazer com que a taxa não incida totalmente sôbre o rendimento, mas sim por diferentes escalões. Porém, entre nós, no imposto pessoal não se adoptou êsse sistema, mas apenas se estabeleceram dois escalões.

Sr. Presidente: é, pois, uma questão para ponderar.

Dizer-se que a taxa é esta ou aquela, pelo processo que a Câmara tem adoptado equivale a dizer que não será aplicada nenhuma dessas taxas.

Desde que á contribuição de registo é lançada sôbre 20 vezes o rendimento colectável, e desde que as multiplicações se sucedem, equivale a multiplicar outras tantas vezes o imposto sôbre as heranças.

Não se trata, portanto, de uma questão que a Câmara possa resolver em dois minutos.

Eu tenho feito vários trabalhos sôbre a aplicação das taxas, mas cão os trouxe, porque não supus que a Câmara, de ânimo leve, fôsse tratar desta questão.

Eu entendo que, qualquer que seja a nuance política a que pertença um Deputado, desde que ela apresenta trabalhos que merecem um estudo ponderado e atento, a Câmara deve apreciá-los, e nunca admitir á discussão uma proposta desta natureza, sem uma única palavra de relatório justificativo.

O que se passa é espantoso.

A Câmara deve notar que sôbre as heranças incidirão estas taxas aqui marcadas, com o aumento de 40 por cento.

A maior parte destas taxas não poderá manter-se. É necessário que a Câmara estude bem esta proposta.

Diz ainda a proposta que no caso de traspasse de um estabelecimento comercial se lançará sôbre êsse traspasse a contribuição de registo. Ora isto é uma questão que exige um enorme cuidado, como já foi dito ao discutir-se a lei do inquilinato, pois é necessário primeiro regular a forma como êsses traspasses se fazem, e determinar o valor do móvel e o da clientela que pertencem ao comerciante; não pode pertencer a êste o valor do local do imóvel.

O que tem o traspasse da clientela comercial com o valor do prédio?

Nestas condições isto é verdadeiramente inaceitável, e eu ainda tenho esperança de que a Câmara resolva fazer baixar esta proposta à comissão, demonstrando assim ao País que não quere estar aqui a arrancar de uma penada a fortuna de cada um e ir contra o sentimento de família e o espírito de previdência de um pai, que não pode trabalhar mais num país em que os legisladores procedem desta forma.

Apoiados.

Sr. Presidente: a contribuição de registo, tanto mais que também afecta a contribuição por título oneroso, precisa de ser muito bem estudada, para se ver a base sôbre que vai incidir; porque apesar de se ter votado nesta sessão o artigo 1.° do parecer n.° 717, nós nem sequer sabemos qual é a base sôbre que havemos de fazer os cálculos, para daí concluir a contribuição de registo que cada um vai pagar.

É triste, ter de estar a discutir uma proposta sem que ao menos tivéssemos tempo do a ler, mas, visto que a isso me obrigam, farei aquele obstrucionismo de que V. Exas. tantas vezes nos acusam injustamente, porque realmente é escandaloso deixar passar isto que nos impõem de afogadilho.

Lembra-me ainda que numa discussão parecida com esta, quando se discutiam as propostas de finanças, o Sr. Lima Basto, então Ministro das Finanças, apresentou várias propostas de adicionais, mas, mostrando-lhe êste lado da Câmara o que isso dava, S. Exa., que não era teimoso, foi o primeiro a concordar em reduzir a metade aquilo que tinha proposto.

A certa altura, S. Exa. apresentou uma proposta para a aplicação do imposto pessoal de rendimento.

Dêste lado da Câmara, lhe mostrámos quanto essa proposta era violenta, ainda mais violenta do que a primeira.

Imediatamente S. Exa. pediu para que a sua proposta fôsse retirada da discussão para só ser apreciada pela Câmara no dia seguinte.

De facto assim sucedeu.

S. Exa. no dia seguinte, teve a gentileza de nos mostrar uma outra proposta de substituição que ainda nos não satisfazia, segundo declarámos a S. Exa., a quem mostrámos uma estatística que tínhamos em nosso poder, e pela qual se poderia moldar qualquer proposta de viável e prática execução.

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Efectivamente o Sr. Ministro das Finanças, tendo achado interessante essa estatística, ordenou que os cálculos fossem baseados nos elementos que ela fornecia.

Bem avisada, pois, andaria agora a Câmara se, reconhecendo a importância e gravidade do assunto, fizesse baixar esta proposta às respectivas comissões.

Confio em que a Câmara assim procederá e assim termino as minhas considerações com a declaração de que voltarei ao assunto, se a Câmara houver por bem resolver em contrário.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ginestal Machado: — Sr. Presidente: pedi a palavra sôbre êste assunto, mas devo dizer que o fiz contrariado..

Uma contribuição desta natureza tem uma alta significação social, e não nos ficaria, por isso, muito bem que um tal assunto seja por nós apreciado, som que as respectivas comissões desta Câmara se tenham pronunciado sôbre êle.

A repercussão dêste tributo é considerável, e não se compreenderia que a Câmara não manifestasse claramente a sua orientação a tal respeito.

O que não está certo é que propostas destas venham de surpresa e a esta hora da noite.

Eu represento a opinião dêste lado da Câmara, que é a parte conservadora da República, e não podemos, apesar do adiantado da hora, de dizer o suficiente, o indispensável para que fique consignado o que nós pensamos a seu respeito.

Assim, e bem contra minha vontade, tenho de fazer várias considerações, mas nunca poderei fazer uma análise completa como o faria na comissão.

Apoiados.

Há uma parte da proposta para a qual chamo a atenção do Sr. Ministro das Finanças, e que diz respeito aos traspasses.

Nós precisamos ver muito bom e com toda a atenção o que temos a fazer.

A proposta parece bem organizada, mas o § 2.° que não está bem esclarecido.

Esta proposta surge-nos como o diabo nas mágicas, sem sabermos donde, por um alçapão.

Não podemos fazer sequer uma idea sobre ela, e muito menos de todo o seu alcance.

É preciso haver muita paciência e paciência recíproca.

Sr. Presidente: eu peço um pouco de silêncio.

A esta hora da noite, 3 e meia, eu não posso estar a gritar.

Não peço atenção, que a não mereço (Não apoiados), mas só peço silêncio.

Não posso falar mais alto.

O Sr. Presidente (agitando a campainha): — Peço ordem.

O Orador: — É preciso que a proposta vá à comissão, doutra forma não se cumprem as normas regimentais.

É preciso que isso se cumpra para prestígio do Parlamento.

Se as comissões não fazem nada, como em àparte me dizem, o Parlamento ainda menos vale e faz menos.

Apoiados.

Não apoiados.

Esta proposta não pode ser só apreciada pelo lado fiscal; temos também que o ver em relação à vida social.

Sr. Presidente: mesmo sob o ponto de vista fiscal, se é para acudir a necessidades imediatas, chega a ser interessante, porque, por êsse país fora, estão por cobrar contribuições há anos.

O Sr. Presidente:— V. Exa. dá-me licença?

Eu vou interromper a sessão: V. Exa. deseja concluir as suas considerações, ou ficar com a palavra reservada?

O Orador: — Se V. Exa. me permite, fico com a palavra reservada.

Documentação

Artigo 1.° São isentos do imposto sôbre o valor das transacções os proventos do exercício das profissões liberais.

§ único. Ficam anulados os lançamentos e multas já aplicadas por motivo do imposto e exercício referidos, arquivando-se ex officio os respectivos processos.

Artigo 2.° As taxas de contribuição industrial, parte complementar, sôbre os contribuintes indicados no artigo 1.° são aumentadas de 20 por cento.— Álvaro de Castro.

Para a Secretaria.

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Artigo (novo). As cooperativas de consumo reconhecidas pelo Ministério do Trabalho como exercendo uma função social e económica de utilidade pública são isentas das contribuições e impostos a que se refere a lei n.° 1:368, de 21 de Setembro de 1922.— Velhinho Correia.

Rejeitado.

Artigo (novo). A tabela correspondente à parte variável da taxa militar da lei de 2 de Março de 1911, é substituída pela tabela do imposto pessoal de rendimento actualizada como se indica nesta lei (artigo novo mandado para a Mesa), não podendo a taxa máxima ir além de 5 por cento. — Velhinho Correia.

Rejeitado.

Artigo (novo). Quando numa freguesia houver mais de cinco contribuintes da mesma espécie de contribuição ou imposto, ou exercendo idêntico ramo de comércio ou indústria, para o serviço dessa freguesia, em substituição de um dos contribuintes indicados em cada uma das alíneas, b) e c) do § 1.° do artigo 74.º da lei n.° 1:368, de 21 de Setembro de 1922, será nomeado um contribuinte, por cada espécie de contribuição ou imposto, e por cada ramo de comércio ou indústria, para apreciar e julgar, com os restantes membros da respectiva comissão, os processos que respeitem aos contribuintes da sua freguesia, da mesma contribuição ou imposto ou de idêntico ramo de comércio ou indústria. — Velhinho Correia.

Não foi admitido por ser retirado pelo autor.

Proposta de aditamento

Serão mantidas as isenções vigentes em matéria de contribuição de registo, depois de actualizados os seus valores pela forma indicada na presente proposta para o Estado cobrar os seus tributos.— Dinis da Fonseca.

Rejeitada.

Proponho a substituição do artigo 2.° pelo seguinte:

Artigo 2.° Na liquidação da taxa complementar da contribuição industrial aos contribuintes colectados por lucros presumíveis, que a esta contribuição estiverem sujeitos no ano de 1914, não poderá ser atribuída quantia inferior àquela que pagaram naquele ano, multiplicada por um coeficiente que represente o aumento médio do custo da vida em relação ao referido ano de 1914.

§ único. Ao contribuinte fica salvo o direito de provar que os seus lucros não atingiram quantia a que corresponda a referida tributação.— Velhinho Correia.

Para a Secretaria.

Admitida.

Prejudicada.

Proponho que o artigo 2.° seja eliminado. — Sebastião de Herédia.

Admitido. Aprovado.

Para a comissão de redacção.

Proponho que sejam aditadas as seguintes alíneas ao artigo 1.° em discussão:

Alínea...) A parte líquida do rendimento dos contribuintes a que se refere o artigo 53.° da lei n.° 1:368, de 21 de Setembro de 1922, sôbre que incidem as taxas de imposto do mesmo artigo, será actualizada, considerando-se êsses valores como os equivalentes ao imposto a fazer no ano de 1922. Nos anos seguintes e quando o custo médio da vida fôr superior ao dêsse ano, tomado como base, êsses valores serão multiplicados pelos respectivos coeficientes expressos por um número inteiro e com desprêzo de qualquer fracção.

Alínea...) Os valores fixos e valores limites constantes nos:

N.° 6.° do artigo 3.°;

§ 2.° do artigo 5.°;

§ único do artigo 6.°;

N.° 5.° do artigo 11.°;

N.° 7.° do artigo 11.°;

Alínea b) do n.º 1.° do artigo 13.°;

Alínea b) do n.° 2.° do artigo 13.°;

Alínea b} do n.° 3.° do artigo 13.°;

§ 5.° do artigo 13.°;

Artigo 19.°;

N.° 4.° do artigo 41.°;

§ 1.° do artigo 42.°; e

Artigo 48.° da lei n.° 1:368, conforme a doutrina do § 3.° do artigo 50.° da mesma lei n.° 1:368. — Velhinho Correia.

Para a Secretaria.

Admitida.

Aprovada.

Para a comissão de redacção.

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Propostas de substituição

Artigo 1.° Serão actualizadas as seguintes contribuições e impostos:

a) A contribuição predial rústica, emquanto o Poder Executivo não mandar proceder às respectivas avaliações, regulando convenientemente êsse serviço pelas alterações dos coeficientes a que se refere o artigo 23.° da lei n.° 1:368, de 21 de Setembro de 1922, os quais serão substituídos pelo maior, e essas, em quanto o custo da vida fôr superior ao do ano de 1922, modificados de maneira que vá anualmente acompanhando as alterações produzidas;

b) A parte não fixada por meio de percentagem de taxa de contribuição industrial, criada pelo n.° 1.° do artigo 12.° da lei n.° 1:368, de 21 de Setembro de 1922, emquanto o custo médio da vida fôr superior ao dêsse ano, igualmente modificado de maneira que vá anualmente acompanhando as alterações produzidas;

c) A parte fixa da taxa militar criada pelo decreto com fôrça de lei de 2 de Março de 1914, pela multiplicação por um coeficiente e represente, anualmente, o aumento médio do custo dá vida em relação ao ano de 1914; e, duma maneira geral,

d) As liquidadas não pagas, pela multiplicação por um coeficiente que represente o aumento médio do custo de vida no trimestre anterior ao do pagamento em relação ao trimestre em que êsse pagamento se deveria ter efectuado.— Velhinho Correia.

Aprovada.

Para a comissão de redacção.

Alínea a) do artigo 1.°:

§ único. Quando o rendimento colectável de prédios rústicos atribuído ao mesmo contribuinte fôr inferior a 10$ relativamente a 1914, não será lançada nem cobrada a contribuição correspondentes. — José Marques da Costa.

Para a Secretaria.

Rejeitada.

Proponho que a alínea d) do artigo 1.° seja substituída por:

a) A contribuição predial rústica a qual volta a ser regida pelas disposições dos artigos 25.° e 26.° do Código de 5 de Junho de 1913, multiplicando-se a quantia resultante da simples aplicação da taxa aos rendimentos colectáveis de 1914 por um factor fixo, que será determinado anualmente.

§ único. Para o ano económico corrente o valor de I é 7 por cento e o factor fixo 24. — Carlos Pereira — Nunes Loureiro.

Para a Secretaria.

Prejudicada.

Proponho que a alínea a) do artigo 1.° seja substituída por:

a) A contribuição predial rústica, a qual volta a ser regida pelas disposições dos artigos 25.° e 26.° do Código de 5 de Junho de 1913, multiplicando-se a quantia resultante da simples aplicação da taxa aos rendimentos colectáveis de 1914 por um factor fixo que será determinado anualmente.

§ único. Para o ano económico corrente o valor de II é 7 por cento e o factor fixo 24.— Carlos Pereira - Nuno Simões.

Proponho que sejam eliminadas as seguintes palavras da alínea a) do artigo 1.°: «os quais serão substituídos pelos coeficientes 6, 8 e 10 para os rendimentos inscritos nas matrizes no ano de 1914 respectivamente inferiores a 100$; entre 100$ e 5.000$ e superiores a 5.000$, e esta». — Velhinho Correia.

Para a Secretaria.

Prejudicada.

Proponho que sejam eliminadas as palavras seguintes: «pela alteração dos coeficientes a que se refere o artigo 25.° da lei n.° 1:368, de 21 de Setembro de 1922, os quais serão substituídos pelo maior».— Constâncio de Oliveira.

Aprovada.

Para a comissão de redacção.

Propostas de aditamento

Alínea e) do artigo 1.°:

§ único. Ficam isentos dêste imposto os inválidos sem rendimentos próprios e a cuja sustentação ocorram seus parentes e bemfeitores. — José Marques Loureiro.

Para a Secretaria.

Rejeitada.

Alínea a) do artigo 1.°:

§ único. Quando o rendimento colectável de prédios rústicos atribuído ao mês.

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mo contribuinte fôr inferior a 10$ relativamente a 1914, não será lançada nem cobrada a contribuição correspondente. — José Marques Loureiro.

Para a Secretaria.

Rejeitada.

Artigo

São elevadas 10 vezes e tornadas extensivas a todo o País as taxas fixadas nos n.ºs 1.°, 2.°, 3.° e 4.° e § único do artigo 2.°'do decreto n.° 5:639, de 3 de Abril de 1919. e as fixadas nos n.08 2.° e 3.° do artigo 9.° ao decreto com fôrça de lei de 25 de Maio de 1911 e as do artigo 1.° do decreto n.° 7:138, de 19 de Novembro de 1920, ficando igualmente multiplicados por 10 os preços ou contas a que essas taxas respeitam. § 1.° Estas taxas nunca poderão ser, substituídas por avenças, e serão emitidos os respectivos selos pelo Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios, que arrecadará as receitas conseqüentes.

§ 2.° É cobrado no acto da venda o imposto de 1 por cento sôbre artigos de mobiliário de fabrico nacional que sejam feitos com madeiras de espécie diferente das de nogueira ou outras de preço superior.

Igual imposto incidirá sôbre Maples, sofás, sofás-Maples, poltronas, cortinados, tapetes de luxo, reposteiros, alcatifas, pianos e objectos de ouro e prata igualmente cobrados no acto da venda.

§ 3.° O produto de todas estas receitas constituirá o Fundo Nacional de Assistência, que será administrado pelo Instituto de Seguros Obrigatórios pela seguinte forma: 50 por cento são destinados à Provedoria Central de Assistência de Lisboa, e dos 50 por cento restantes, depois de deduzidas as despesas para a manutenção das colónias agrícolas a que se refere o decreto com fôrça de lei de 5 de Maio de 1911, e os encargos resultantes da execução da lei n.° 1:641, de 29 de Julho de 1924, serão destinados 20 por cento para os concursos á efectuar anualmente com o fim de auxiliar a criação e conclusão de novas modalidades de assistência, de preferência para anormais e tuberculosos, 10 por cento para distribuir pelas juntas gerais dos distritos que tenham a seu cargo organismos de assistência, e o restante a distribuir pelas comissões municipais de assistência a que se refere o decreto com fôrça de lei de 25 de Maio de 1911.

§ 4.° De futuro nenhuma concessão ou renovação de concessão será dada pelo Ministério do Trabalho, para criação e organização de emprêsas de exploração de minas, e águas mínero-medicinais, sem que afora quaisquer vantagens ou serviços de assistência ao Estado fique assegurada uma participação não inferior a 10 por cento do capital das emprêsas concessionárias, em acções liberadas, destinando-se dois terços ao Fundo Nacional de Assistência a que se refere o artigo 5.° desta lei e o torço restante em partes iguais para a Direcção Geral do Trabalhe e para a Direcção Geral de Minas, destinado ao seu desenvolvimento e aperfeiçoamento dos respectivos serviços industriais.— O Ministro do Trabalho, Xavier da Silva.

Para a Secretaria.

Aprovado o corpo do artigo e, rejeitados os parágrafos.

Para a comissão de redacção.

Artigo As taxas de contribuição de registo por título gratuito serão:

[Ver valores da tabela na imagem]



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§ único. A liquidação da contribuição de registo por título gratuito far-se há pelas taxas estabelecidas na tabela do artigo da preseute lei, tendo-se em atenção que para o efeito da aplicação das referidas taxas, nas transmissões cultiva-lor exceda a 1.000$ e não coincida com alguns cios limites da tabela, se dividirá êsse valor em duas partes, uma igual ao maior dos limites da tabela que nele couber, à qual se aplicará a taxa correspondente a êsse limite; outra o excedente a que se aplicará a taxa imediatamente superior.

Artigo... É fixada em 10 por cento a taxa da contribuição de registo nas transmissões por título oneroso, devendo nos contratos de permuta tomar-se para base da liquidação o maior dos valores permutados, pagando cada um dos permutantes metade da contribuição.

Artigo... Ficam sujeitos ao pagamento da contribuição de registo por título oneroso, paga antes de se realizar o contrato, os traspasses de estabelecimentos comerciais e industriais.

§ 2.° Para os efeitos da presente lei, considera-se traspasse do estabelecimento comercial ou industrial a mudança de proprietário que não provenha de transmissão resultante de concessão legítima, e quer o estabelecimento se destine ao mesmo ramo de negócio, quer a diferente.

§ 1.° Quando não tenha sido declarado o valor do traspasse, a contribuição incidirá sôbre o valor resultante da avaliação, nunca podendo êste em caso algum ser inferior a 20 vezes a renda anual do prédio ou parte do prédio que o estabelecimento ocupa ou, não havendo renda, 20 vezes o rendimento constante da matriz predial.

Artigo O valor dos bens livres, para os efeitos da contribuição de registo, será 20 vezes o rendimento que tiver servido de base a liquidação da contribuição predial relativa ao ano anterior àquele em que se operar a sua transmissão.— O Ministro das Finanças, Daniel Rodrigues.

Para a Secretaria.

Aprovado com alterações.

Para a comissão de redacção.

Artigo 11.° No ano económico de 1924-1925, a contar da vigência desta lei, aplicar-se há o coeficiente 12 para o cálculo de melhoria de vencimentos a que se refere o artigo 2.° da lei n.° 1:452, de 20 de Julho de 1923.

Artigo 12.° Os vencimentos certos orçamentais das diversas categorias do funcionalismo público são fixados de harmonia com o disposto no artigo 32.° da lei n.° 1:355, de 15 de Setembro de 1922, em relação aos maiores vencimentos que foram tomados como base para o cálculo das melhorias de vencimentos, devendo, quanto aos funcionários cujas categorias não tenham correspondência, calcular-se os vencimentos fixos por interpolação em atenção às subvenções diferenciais que lhes correspondem nos termos da tabela a que se-refere o decreto n.° 9:528, de 24 de Março de 1924.

Artigo 13.° É integrada no soldo dos oficiais de todas as armas e serviços do exército e da armada, a gratificação de patente, mas só pela importância que por lei estava fixada para os oficiais da arma de infantaria, devendo a diferença existente entre essa importância e a da gratificação de patente que é abonada aos oficiais de certas armas e serviços continuar a subsistir com a desigiíação do «Gratificação diferencial», à qual se aplicará o que estiver em vigor sôbre melhoria de vencimentos.

Artigo 14.° Os limites fixados no artigo 19.° da lei n.° 1:452, de 20 de Julho de 1923, são acrescidos de um têrço do seu quantitativo, quanto aos vencimentos dos funcionários orn actividade de serviço, e de metade, quanto aos dos funcionários aposentados, na reserva ou reformados.

Artigo 15.° Para execução das disposições referentes a melhorias de vencimentos é o Govêrno autorizado a:

a) Fazer ingressar no regime do artigo 25.° da lei n.° 1:355 iodos os funcionários que se encontram abrangidos pelo § 2.° do artigo 6.° da lei n.° 1:452; de 20 de Julho de 1923, executando-se o disposto no § 4.° do artigo 6.° da mesma lei;

b) Fazer ingressar no regime dos coeficientes e percertagens todos os funcionários que até agora não foram abrangidos pelas disposições da lei n.° 1:355 e bem assim alterar as percentagens, actualmente fixadas, que forem reconhecidas deficientes ou menos equitativas;

c) Regularizar equitativamente as pensões de sangue concedidas às famílias, do

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exército e da armada e bem assim a todas as pensionistas a que se refere o decreto n.° 9:275, de 5 de Dezembro de 1923;

d) Regulamentar o regime das melhorias das novas pensões dos funcionários aposentados, na reserva e reformados;

e) Publicar as tabelas e as instruções e adoptar as providências que forem necessárias.— Daniel Rodrigues.

Para a Secretaria.

Admitido.

Aprovada.

Para a comissão de redacção.

1.° O Poder Executivo nomeará uma comissão composta de elementos de todas as corporações militares a fim de no prazo de 3 meses estudar os aumentos das praças de pró e elaborar uma tabela de vencimentos e gratificações de categoria iguais para todos os sargentos de terra e mar, estabelecendo uma gratificação diferencial por cada Ministério, conforme as circunstâncias de serviço.

2.° Para efeitos de cálculos de melhoria, será modificada a percentagem de forma que aplicada a um vencimento base e com o coeficiente resulte a mesma melhoria que receberam na ocasião do ser aplicada a nova tabela de vencimentos a que se refere o número anterior.— Pedro Pita.

Para a Secretaria.

Não foi aceita na Mesa por não vir assinada pelo Sr. Ministro das Finanças.

Artigo 4.°:

Proponho a eliminação das palavras «e essas ser interessadas com equidade aos aumentos das respectivas cobranças» e «incluindo a remodelação dos respectivos serviços e a abertura de quaisquer créditos».— Pedro Pita.

Admitida.

Aprovada.

Para a comissão de redacção.

Proponho a eliminação do artigo 3.°— Pedro Pita.

Admitida.

Aprovada.

Para a comissão de redacção.

O Sr. Presidente: — Está interrompida a sessão, para continuar à hora regimental. Eram 4 horas.

Documentos enviados para a Mesa durante esta primeira parte da sessão

Declaração de voto

Declaro que se estivesse presente na sessão de ontem teria votado contra a matéria do artigo 2.°, como já tinha votado contra o artigo 1.° da proposta -aos duodécimos, pelos aumentos de despesa que a matéria dêsses artigos compreende, em relação à proposta de duodécimos aprovada pelo Parlamento, para os dois primeiros meses dêste ano económico, aumentos êsses de despesa para os quais não existe a receita necessária e correspondente.— Velhinho Correia.

Para a acta.

Projecto de lei

Do Sr. Sampaio Maia, autorizando a Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis a contrair um empréstimo até 400.000$ para aquisição duma central hidro-eléctrica ou termo-eléctrica, para fornecimento de energia à rede que já possui na vila.

Para o Diário do Govêrno.

Proposta de lei

Do Sr. Ministro das Colónias, autorizando o Govêrno, a, dentro das bases aprovadas pelas leis orgânicas da administração colonial, expedir a Carta Orgânica de cada colónia ou as modificações que fôr necessário introduzir-lhe.

Para o Diário do Govêrno.

Pareceres

Da comissão de instrução especial e técnica sôbre o projecto de lei n.° 767-A, que considera de utilidade pública e urgente as expropriações para fins de educação, cultura física e prática do desporto.

Para a Secretaria.

Para a comissão de legislação civil e comercial.

Da comissão de finanças, sôbre o n.° 811-A, que concede à Câmara de Tomar a garantia de juro de 7 por cento para emissão dum empréstimo de 5:000.000$ para construção do caminho de ferro de Lamarosa a Tomar.

Imprima-se.

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Da comissão de marinha, sôbre o n.° 103-0, que conta ao escriturário do quadro do Arsenal de Marinha, Pedro Elisiário Moreira Correia, para promoção e reforma, o tempo que prestou serviço no extinto Ministério da Marinha e Ultramar.

Para a comissão de finanças.

Da comissão de finanças, sôbre o n.° 492-B, que autoriza o Govêrno a ceder o bronze para o busto do Dr. António Granjo, e a mandá-lo fundir no Arsenal do Exército.

Imprima-se.

SEGUNDA PARTE

O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.

Eram 16 horas e 30 minutos.

O Sr. Ginestal Machado: — Sr. Presidente: depois duma, manhã regularmente perdida, talvez com mais alguma serenidade possa fazer ligeiras considerações que completem aquelas que, a horas impróprias da noite, me vi forçado a fazer nesta Câmara a propósito da contribuição de registo.

Como já disse a V. Exa., e repito, o seu carácter social sobreleva a sua importância fiscal. Por muita que seja a sua importância fiscal, a sua repercussão social é sempre, muito mais importante, mesmo moralmente, como procurarei demonstrar a V. Exas. com estas considerações ligeiras.

Não me demorarei.

Mas, sob o ponto de vista moral, a sua importância na repercussão que tem na sociedade representa muito mais do que a sua imediata importância financeira.

As arcas do Tesouro parecem aqueles tonéis das Danaides: não têm fundo.

De maneira que não têm fundo, não porque se gaste o dinheiro imoralmente, mas porque se desperdiça.

No tempo em que estive no Govêrno a situação era outra.

Na maioria são caluniados os homens da República, porque a mecânica é que não é perfeita, e por isso é improdutiva.

Não houve ainda ninguém que tivesse a coragem de remediar esta mecânica administrativa com aquela fôrça que é imposta a todas as mecânicas, mas que não está nas possibilidades humanas.

Eu sou o primeiro a reconhecer a brilhantíssima instituição do Ministério do Trabalho.

O problema da assistência é um problema de que nos devemos ocupar. Já as nossas promessas no tempo da propaganda diziam respeito sobretudo ao problema da assistência moral e material, aos serviços de instrução pública e outros que a solidariedade social nos impunha e impõe.

Devemos confessar que, apesar dos esfôrços efectivos, dentro das suas possibilidades, dos funcionários que dirigem os serviços da Assistência, e mormente daqueles que os dirigem superiormente, o Sr. João Luís Ricardo, homem por quem tenho a maior consideração, apesar de militar num campo político oposto ao meu, pelas qualidades de trabalho, dedicação e zelo nos serviços a que superintende — êsses funcionários, dizia eu, bem como S. Exa., não podem fazer milagres : nem dar pão nem peixe.

Não me admiro por isso de que o clamor dos desgraçados que se encontram nos hospitais, dos velhos e dos desvalidos chegassem até o Ministério do Trabalho e que o ilustre titular dessa pasta se encontrasse impressionado, como não podia deixar de o estar qualquer homem que nessas condições se sentasse naquele lugar. E porque gosto sempre de fazer justiça e ter tranqüila a minha consciência, eu não podia associar-me a certas manifestações desta Câmara, porque as julgo excessivas.

Sr. Presidente: a repercussão social e política dos tributos ó, porventura, o factor mais importante e que deve ser, em especial, atendido por quem tem de os lançar.

Geralmente, porém, não se pensa nisso. Pega-se num lápis, fazem-se multiplicações e anda-se pára diante. Assim é fácil ser financeiro. Difícil é aplicar os tributos prevendo as suas conseqüências.

Posto isto, cinjamo-nos à contribuição predial de registo.

Evidentemente, para as pessoas que representam as correntes da opinião pública, como aquela que eu tenho a honra de representar nesta Câmara, isto é, a maioria conservadora do País, o seu dever é

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expor a sua opinião, sem nada esconder, apresentando os seus critérios sem nenhuma velatura, claramente, precisamente.

A verdade é ainda hoje, mau grado o uso limitado que dela se faz, uma grande virtude. Desde velhos tempos que eu me habituei a dizer o que penso: ou não digo nada ou digo exclusivamente o que sinto. Isto, é claro, será a estulta pretensão de ser o detentor da verdade absoluta, que não tenho na algibeira. O que é necessário é não lazer confusões. Todas as ideas que aparecem no espírito dos homens representam necessidades sociais, e quando elas se não manifestam há desiquílibrio.

Daí resulta a necessidade de todos definirmos claramente a nossa opinião. Se eu estou na direita da Republica, isso para o efeito nada significa, porque não há nenhuma antinomia da palavra «República», que anda sempre envolvida numa afectividade e interêsse, para que ela seja o objectivo de toda a nossa acção. Ora a República é um meio, não é um fim; é um instrumento, de progresso, e só assim ela poderá corresponder àquilo que pensavam os que a proclamavam como uma necessidade social.

Definamos, pois, as nossas posições. Se nós adoptarmos êste princípio, é fácil a cada um dizer o que pensa, sem acanhamentos de nos definirmos, sem nos julgarmos deminuídos ou engrandecidos, porque todos temos uma função de conjunto, e só dessa função pode resultar qualquer cousa de proveitoso.

Àparte do Sr. João Camoesas, que não se ouviu.

O Orador: — Da aplicação dos princípios das sciências físicas às sciências sociais resultaram, com efeito, erros gravíssimos sôbre o problema da actividade dos homens.

É indispensável, pois, repito, cada um de nós afirmar sempre claramente o que pensa, marcando simultaneamente a nossa posição.

Eu, por exemplo, sou conservador, para que hei-de dizer-me radical só porque posso ir mais depressa para o lugar de tal, ter uma ovação, uma recompensa? Isso seria rebaixar-me.

Apoiados.

Lá chegará o momento em que as correntes da opinião me favoreçam e eu possa subir. Então, nessa ocasião, será com orgulho justificável que eu irei ocupar o meu lugar. Seria bom por isso que nós não usássemos dominós em política e nos apresentássemos, por conseqüência, tais quais somos.

Modificarmos o nosso sentir para podermos ter situação de predomínio seria uma escravatura abominável.

Eu tenho de obedecer não ao meu modo de ser, mas ao que fôr favorável de momento?

Nesse caso, por maior que seja a situação que ocupemos, ficaremos deminuídos e seremos no fundo miseráveis.

É o que não quero ser.

De maneira que em toda a parte apenas falo exclusivamente segundo as minhas convicções.

Por isso mesmo fui obrigado a tomar a palavra sôbre a proposta. Não podia deixar do fazer estas considerações.

Evidentemente a família é uma instituição que tem de perdurar, indo além do indivíduo.

É uma instituição necessária.

Julgo a propriedade uma instituição social.

A riqueza é a causa do progresso; é uma condição essencial para que êle se realize.

Em princípio, devo dizer a V. Exas. que não teria dúvida em estabelecer a isenção até determinada importância, e daí por diante adoptaria uma certa taxa, sem contudo aumentar as percentagens.

Sr. Presidente: em questão de finanças sei que ignoro bastante; e, por isso, não me atrevo a dizer muita cousa. Todavia, vejo que muita gente fala em finanças, e que sabe muito menos do que eu.

Interrupções dos Srs. Vasco Borges e João Camoesas.

O Orador: — Sr. Presidente: se eu tivesse elementos para elaborar uma proposta no sentido das considerações que venho de fazer, creia a Câmara que já a tinha apresentado.

Trava-se diálogo entre o orador, o Sr. Vitorino Godinho e o Sr. João Camoesas.

O Orador: — Sr. Presidente: já há pouco disse, e repito, que em minha opinião não havia grande inconveniente em que

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êste assunto fôsse resolvido em outra ocasião.

Não sei de repente o que vamos modificar e quais as conseqüências.

É sob êste aspecto que me atreveria a propor que esta proposta baixasse às comissões, para ser oportunamente apreciada.

Não faço questão disto, porque a minha responsabilidade fica ilibada, e simplesmente desejaria saber que o Sr. Ministro das Finanças está de acordo com êste alvitre.

O feitio do português é diferente do inglês.

O português, se vir que o produto das suas economias, depois de êle morrer, vai para o Estado e não tiver uma certa continuidade nos seus herdeiros, desinteressa-se absolutamente de juntar ou terá o cuidado de colocar os seus capitais no estrangeiro.

Nestas condições parece-me que o Estado por umas dezenas de contos vai afectar profundamente a economia da Nação.

O Sr. Vasco Borges: — Isso afecta principalmente os portugueses que vivem fora de Portugal, como no Brasil e na América do Norte, e que não terão dúvida em se naturalizar estrangeiros para garantirem aos seus herdeiros as suas fortunas.

O Orador: — Diz V. Exa. muito bem. Creio que alguns portugueses se naturalizaram já brasileiros para poderem gozar das vantagens que a lei confere aos estrangeiros.

O grande mal é não se atender ao dia de amanhã.

Estamos a fazer uma série de experiências em matéria de legislação, e afinal é como se as não fizéssemos, porque continuamos com os mesmos princípios, adoptando os mesmos princípios estéreis e fora da realidade.

Ainda sob o ponto de vista económico, eu tenho os meus receios, porque agravando a situação dos cônjuges e descendentes com uma contribuição de registo exagerada, daí resulta evidentemente o enfraquecimento de riqueza da Nação, mesmo porque convida os vários indivíduos a não pouparem, e é da poupança que nasce a riqueza de um povo.

Nos países de moeda desvalorizada a falta de poupança manifestou-se como uma conseqüência. E indispensável para se criar a riqueza da Nação que cada um de nós seja uma concentração de novas riquezas, que cada um de nós seja um cofre particular da Nação. É dessas economias, dessa poupança, que podem vir as grandes emprêsas. Foi assim que se fizeram as grandes maravilhas do século passado.

Ora êstes processos todos os consideramos necessários; mas, por uma cousa inexplicável, parece que nos comprazemos em ir contra êles. As intenções são excelentes, mas fazemos tudo ao contrário, julgando-nos detentores de uma fôrça sobrenatural em que, dita uma palavra, tudo nos obedecesse.

O Sr. João Camoesas: — Para mim é êsse o defeito da atitude conservadora.

O Orador: — Talvez então seja eu o radical e V. Exa. o conservador.

Na minha vida política tenho sempre exercido a minha acção no sentido de criar, orientando-me no sentido da-s realidades do tempo presente e na base da sustentação do passado.

É neste sentido que eu sou conservador.

Mas, Sr. Presidente, prosseguindo, eu, devo dizer a V. Exa. que realmente, não se garantindo aos indivíduos que possuem fortunas a continuidade destas nos seus descendentes, nós enfraquecemos a poupança particular e vamos impossibilitar a riqueza, transformando ao mesmo tempo o que existe em valores que fàcilmente escapam ao fisco.

E isto dá em resultado a eliminação do rendimento.

Já no tempo da Revolução Francesa, e no clamor dêsses tempos tam freqüentemente citados, houve um homem notável que disse isto: foi Turgot.

Estas medidas fiscais quando muito apertadas dão resultados contraproducentes.

Afigura-se-me que, dada a situação do País, realmente o que é preciso é aproveitar o potencial de riqueza que em Portugal é assombroso.

Mas se nós afastarmos todos aqueles que têm condições em si para aumentar

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a nossa riqueza, prejudicamos enorme-mente essa fôrça.

Em Portugal a maior parte do potencial da nossa riqueza está por aproveitar.

Se amanhã o soubermos aproveitar, a crise que atravessamos não vale nada.

Em meia dúzia de anos» podemos ter uma vida excelente, se soubermos orientar-nos neste sentido, não só pelo que respeita à metrópole, mas pelo que se refere aos domínios que temos lá fora.

Há grandes proprietários no nosso país que não aproveitam os seus haveres, e pode chegar o momento em que não tenham pão para a família.

O homem que aproveite um hectare, tirando dele o máximo, pode viver com abundância; aquele que não sabe aproveitar muitos hectares Vive com dificuldades.

Todos êstes excessos fiscais de momento representam, sob o ponto de vista económico, um procedimento contrário às realidades e mesmo às necessidades da Nação.

Sr. Presidente: já ontem chamei a atenção de V. Exa. para o parágrafo relativo aos traspasses.

Repare V. Exa. no que aqui se fez antes de ontem.

Salvo a minha responsabilidade! Mas isso é o menos, porque os homens
pouco valem: as cousas é que valem.

Todavia, fizemos uma cousa brutal sôbre a lei do inquilinato.

Apoiados.

Bom seria que isso passasse sem conseqüências de maior, mas chamo a atenção da Câmara para ver se isto pode ser: um comerciante que pagava 100$ por mês em 1914 vai pagar 1.200$.

Ora isto afigura-se-me que é um exagero que o alto da noite fez passar.

Apoiados.

É o resultado de as cousas se fazerem à pressa.

O Sr. Vasco Borges: — A incidência da contribuição de registo sôbre um traspasse é muito discutível!

O Orador: — Realmente, desde que os comerciantes já pagam contribuição industrial.

Já vê V. Exa. que êstes vexames fiscais não dão senão resultados contrários.

Bastava isto para justificar a minha solicitação ao Sr. Ministro das Finanças, se concordasse com ela, para esta proposta baixar às comissões e então, sendo aí devidamente analisada, nós, depois de devidamente informados, podermos discutida conscienciosamente.

Apoiados.

E tenho terminadas as minhas considerações, pedindo à Câmara desculpa de tanto as alongar.

Vozes: — Muito bem. Muito bem.

O orador não reviu.

O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: parece-me que o protesto tam sentido, quam eloqüente, que o ilustre snb-leader dêste lado da Câmara lavrou esta madrugada contra a apresentação de chofre da proposta em discussão, alterando as disposições principais em vigor no que respeita à contribuição de registo por título gratuito e Oneroso, foi bem recebido pela Câmara, porque, segundo depreendi das palavras do Sr. Ginestal Machado e do acolhimento que julgo ter visto da parto de muitos Deputados a essas mesmas palavras, suponho que ela terá de ser retirada da discussão.

Na realidade não faz sentido que numa sessão prorrogada e cêrca das quatro horas da madrugada, quando se discutiam propostas não só de actualização de contribuições, mas referentes ao funcionalismo público, venha enxertar-se na discussão uma proposta da natureza da que se contém no artigo que V. Exa. acaba de pôr em discussão e nos outros três que se lhe seguem.

Não quero neste momento entrar, sequer, na apreciação das novas taxas propostas para a contribuição de registo por título gratuito; não quero e não sei mesmo se poderei consegui-lo com o pouco espaço de tempo que tive para estudar êste assunto.

Não quero também entrar na apreciação sôbre se as taxas propostas darão para o Estado, quando aplicadas, um rendimento maior do que as taxas em vigor.

O que quero é protestar contra esta forma atrabiliária de legislar que, sendo

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desprestigiante para o Parlamento, parece que não é de moldo a acautelar devidamente os interêsses do Estado.

Para entrar com consciência na discussão duma proposta tam importante como esta, era preciso ter presente a legislação em vigor e ter algumas horas de sossêgo, no remanso dum gabinete com papel e lápis para fazer cálculos.

Era necessário confrontar a& taxas propostas com as taxas em vigor, e com as disposições doutras propostas pendentes da apreciação da Câmara, e que tem sido apresentadas há dois anos a esta parte.

Tudo isto demandava muito estudo, e por isso não devia ser às 4 horas da madrugada que se devia atirar com uma proposta destas para a discussão.

Sr. Presidente: antes de dar por findas as minhas considerações, terei o cuidado de enviar para a Mesa uma proposta a fim de que o artigo em discussão e os três que se lhe seguem, que dizem respeito à contribuição de registo, baixem às comissões, para serem devidamente apreciados.

Não foi só o Sr. Daniel Rodrigues que ultimamente se lembrou do apresentar qualquer proposta tendente a modificar as taxas em vigor da contribuição de registo.

Já antes dêle, os Srs. Álvaro de Castro, Vitorino Guimarães e Portugal Durão tinham enviado para a Mesa propostas de remodelação da referida contribuição; e, no emtanto, apesar de decorridos já cêrca de dois anos, após a apresentação da primeira proposta, ainda a Câmara se não ocupou dêsse assunto.

Sr. Presidente: diz-se que, por motivo de se tratar de uma proposta de actualização de impostos, a contribuição de registo deve ser actualizada também.

Ora, Sr. Presidente, eu sustento que a contribuição de registo, tal como se pratica entrenós, está não só actualizada, mas actualizadíssima.

Basta citar que aquela contribuição, por título gratuito, conforme foi estabelecido pelo decreto de 12 de Julho de 1918, adoptou taxas progressivas, que vão sucessivamente aumentando, chegando ao dôbro nos escalões mais altos.

Ora, como o limite dêsses escalões está fixado pelo modo antigo, segue-se que apesar da desvalorização da moeda, na maior parte dos casos — por exemplo, em todas as transmissões de bens cujo valor fôr, actualmente, superior a 150 contos — aplicam-se não as taxas pequenas, como estava no pensamento do legislador, mas as taxas mais elevadas.

E, como as taxas mais elevadas, em regra, são o dôbro das outras, chega-se à conclusão que se aplica mais do dôbro da contribuição que se aplicava em 1918.

Sr. Presidente: a proposta em discussão, por mais que V. Exa. diga que se trata de um artigo novo, não é outra cousa senão uma proposta, pois não só se refere à contribuição de registo por título gratuito, como se ocupa da transmissão por título oneroso, e da aplicação de uma taxa nos casos de traspasse.

Sr. Presidente: actualmente as taxas em vigor conforme o regulamento de 1899 são variáveis e progressivas. Dantes, aplicava-se uma taxa uniforme de 10 por cento sôbre as transmissões, qualquer que fôsse o seu valor; em 1911, essa taxa baixou para 8 por cento, e depois de 1918, passou a haver três taxas diferentes: uma de 8 por cento para as transmissões até determinado valor, outra de 10 por cento para as transmissões até 100 contos, e ainda outra de 12 por cento para valor superior a 100 contos.

A proposta volta ao regime da taxa única de 10 por cento.

Sr. Presidente: eu não quero neste momento dizer, ao pronunciar-me sôbre a proposta em questão, se é preferível uma taxa única, se taxas variáveis.

Mas pregunto: Que critério impera nos nossos legisladores, para no dia imediato àquele em que se votaram taxas uniformes, a Câmara vir alterar o que fez na véspera?

A proposta em discussão, vem estabelecer uma innovação na nossa legislação, respeitando à mesma contribuição de 10 por cento, os traspasses de estabelecimentos comerciais e industriais.

Figuremos a hipótese de um prédio, destinado a estabelecimento comercial ou industrial que pagava de renda em 1914 20$. Pela lei do inquilinato ultimamente votada, a renda passa para 200$.

Para o cálculo da contribuição, no caso de traspasse, diz-se nesta proposta que a contribuição em caso algum poderá recair sôbre uma quantia inferior a vinte

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50 Diário da Câmara dos Deputados

vezes a renda anual. Como a renda anual é de 2.400$, vinte vezes esta quantia representa 48.000$.

Nestas condições a contribuição pelo traspasse dum estabelecimento comercial, sujeito a uma renda antiga de 10$, vinha a ser de 4.800$.

Eu pregunto: o que diria o público amanhã, se uma disposição desta natureza tivesse sido aprovada pela Câmara dos Deputados?

Que juízo ficaria fazendo o País dos seus representantes, se estes atirasssem para o Diário do Govêrno uma cousa desta natureza?

Sr. Presidente: não quero nem posso entrar na apreciação detalhada das taxas propostas para a contribuição de registo por título gratuito; não tive o tempo suficiente para fazer os cálculos indispensáveis que demandariam muito tempo para poder pronunciar-me com consciência sôbre se estas taxas são ou não de aceitar e se, aceitando-as, o Estado viria a receber mais ou ficaria ainda prejudicado.

Vou, por conseqüência, dar por findas as minhas considerações, enviando para a Mesa a proposta que há pouco anunciei para que o artigo em discussão e os outros referentes à contribuição de registo por título gratuito ou oneroso baixem ás comissões respectivas para que sôbre êles incida o exame atento dessas comissões e para que depois a Câmara consciente-mente possa ocupar-se do assunto.

Tenho dito.

Foi admitida a proposta.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Sr. Presidente: mando para a Mesa uma proposta.

Foi admitida.

O Sr. António Maria da Silva: — Sr. Presidente: não contava entrar na discussão dêste assunto, porque, estando a sessão muito adiantada e havendo necessidade de ultimar a discussão das várias propostas pendentes, necessário se torna que todos os elementos da Câmara colaborem n,o sentido de resolver os problemas com aquela urgência que a opinião pública reclama.

Várias tentativas têm sido feitas para resolver o melhor possível o que se refere à contribuição de registo, quer por titulo gratuito, quer por título oneroso; estranho é que, tendo algumas propostas sido trazidas a esta casa do Parlamento desde 1920 até à data nunca conseguíssemos entrar na especialidade na discussão delas, embora todos reconheçamos que a resolução dêsse problema traria para o Estado uma grande fonte de receita.

De resto, todos sabemos as fraudes de que o Estado é, dia à dia, vítima.

Em 1918 modificou-se a tabela que até então vigorava, diferençando-a muito daquela que foi promulgada nos primeiros tempos do advento da República.

O Sr. Pina Lopes, quando Ministro das Finanças, apresentou um conjunto de medidas tendentes a diminuir o déficit orçamental, entre as quais uma referente à contribuição de registo.

Mais tarde, o Sr. Cunha Leal, quando Ministro das Finanças, teve onsejo de versar êste assunto e apresentar também uma proposta, não tendo havido forma de se chegar à discussão na especialidade.

Àpartes.

Quando o Estado vê que há grande número de contraventores, a sua obrigação é modificar a legislação.

Hoje ainda se empregam outros processos.

Sr. Presidente: eu não acuso nesta Câmara pessoas sem provas, mas estou convencido de que, sendo a taxa onerosa, o Estado não recebia o que devia receber.

Sr. Presidente: na situação da política portuguesa, não me importa que me classifiquem de radical, conservador ou esquerdista, e aproveito o que disse o Sr. Ginestal Machado.

As medidas chamadas radicais não o são, porque elas são as que são necessárias.

Na Itália foram tomadas medidas radicais por aqueles que se dizem conservadores, porque êles viram que eram necessárias.

Tem no seu partido o Sr. Ginestal Machado o Sr. Barros Queiroz que apresentou uma medida com êsse carácter, e seguindo o sistema inglês.

Àpartes.

Fazia a incidência da contribuição sôbre cada herdeiro.

Àpartes.

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O que é certo é que os povos que não são ricos e que não aproveitam o produto dos seus trabalhos, não podem ser bons povos.

Creio que a medida do Sr. Queiroz daria um resultado maior do que hoje se cobra.

Os homens públicos têm necessidade de usar de certos processos, sôbre uma base scientífica, tendentes a evitar as fraudes e a aumentar as receitas.

Para mim a contribuição de registo distingue-se de todas as outras. Não pode ser chamado radical porque é uma justa restituição ao Estado.

Quem paga essa contribuição e faz a riqueza são as pessoas que exploram a terra.

Àpartes.

Também concordo com as pessoas que entendem que essa contribuição deve ser destinada a melhorar as condições da sociedade, aplicando-a a obras de assistência.

Segundo êsses autores, procuraríamos criar uma melhor situação para a assistência pública, seguindo fórmulas menos arbitrais do que as que só têm seguido.

Se se destinasse essa contribuição a obras de solidariedade humana, não haveria tanta repulsão por uma cousa que era destinada a um fim justo.

Sr. Presidente: esta proposta vem numa ai altura da sessão que não pode ser estudada da forma que seria conveniente.

Nós não podemos tratar assim de ânimo leve êste assunto, nem podemos deixar o assunto para outro momento.

Sr. Presidente: êste assunto podia ser tratado largamente com proveito para todos, ouvindo as pessoas que têm nele especial autoridade.

Mas, neste momento, do que se trata não é de atontar contra a propriedade, mas procurar receitas para as despesas que temos a fazer. Se estas não forem alcançadas pelos meios que o Sr. Ministro indica, por outros processos ainda trariam mais ónus para o contribuinte.

Se o assunto não é atendido por outras propostas, a culpa não é minha.

Tenho dito.

O discurso será publicado na integra, revisto pelo orador, quando, nestes termos, restituir as notas taquigráficas que lhe foram enviadas.

O Sr. Pinto Barriga: — Sr. Presidente: sôbre esta proposta tenho de fazer alguns reparos por não vir acompanhada dos esclarecimentos necessários.

O artigo 1.° foi substituído por um outro que eleva a taxa de uma forma extraordinária.

Interrupção.

O Orador: — Invocou-se o precedente da França.

A França é realmente um país em que predomina a riqueza mobiliária, precisando, portanto, ressarcir se com uma taxa maior; mas, num país menor em que predomina a riqueza imobiliária, taxas como estas são verdadeiras espoliações.

A questão — mais uma vez o repito — é muito melindrosa.

Era necessário que sôbre essa proposta se fizesse incidir um parecer da comissão.

A proposta, tal como está, nego o meu voto, porque ela corresponde a uma caça ao capital, contribuindo para que a riqueza imobiliária que haja seja afugentada das mãos portuguesas.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: se alguma cousa fôsse preciso para demonstrar quanta razão eu tinha ontem para afirmar que não se fizera nenhum estudo sôbre um caso tam grave, como êste, bastar-me-ia a circunstância de o Sr. Ministro das Finanças já hoje mandar para a Mesa uma proposta inteiramente diversa. Bastava isso para se ver a falta de base com que todos êstes serviços são feitos.

Assim, Sr. Presidente, nas heranças a favor de descendentes nós vimos já agravamentos espantosos. Mas há mais.

Temos a proposta enviada agora para a Mesa pelo Sr. Ministro das Finanças. Pregunto em primeiro lugar a S. Exa. se as taxas máximas que incidem sôbre cada herança são estas que S. Exa. enviou para a Mesa.

O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Sim senhor.

O Orador: — Como S. Exa. sabe, pela lei n.° 1:368 sôbre a contribuição de ré-

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gisto incide um adicional de 25 por cento, havendo, além disso, um adicional para os empregados de finanças, que suponho ser de 3 por cento; de maneira que S. Exa. tem a acrescentar a estas taxas a módica quantia de 28 por cento.

Basta esta circunstância para se demonstrar a violência extraordinária desta tributação.

Mas há mais.

O Sr. Ministro das Finanças sabe que em todos os países o escalão do imposto progressivo faz-se por meio da incidência das diversas taxas sôbre cada um dos grupos do escalão, e pela proposta de S. Exa. mantém-se o mesmo princípio que se mantinha na lei de 1911, a qual estabeleceu o imposto progressivo para a contribuição de registo; e, assim, êste último escalão não é só o que devia ser: mas é isso e mais 28 por cento.

Não pode ser.

Mas como se isto ainda não bastasse, a Câmara tem estado a legislar em matéria de contribuição predial rústica por forma original, por uma forma que nenhum outro país adoptou; porque em todos, os outros países, na França, na Bélgica, na Itália, na Suíça, em toda a parte, se estabeleceu, já como conseqüência da depreciação da moeda, já como necessidade de agravar a contribuição predial rústica, um desdobramento de impostos em dois: um propriamente sôbre a propriedade; o outro sôbre os lucros de exploração agrícola. Nestas condições, não se afectou de nenhuma maneira o rendimento colectável da propriedade rústica.

E assim, ao passo que em nenhum outro país se multiplicou o valor das fortunas por qualquer coeficiente, a Câmara ainda ontem votou multiplicações que vão até 20.

Em 1911 o rendimento coleclável da propriedade tinha sido multiplicado por um factor de 2,91 centésimos, o que significa que os valores colectáveis de 1913 se podem representar por quantias que vão até 41,8. Quere dizer: o valor duma herança em propriedade rural está hoje multiplicado, para efeito do cálculo do montante sôbre que incide a contribuição, por 41,8. Assim, uma herança de 1:000 contos, por exemplo, dividida por 41,8, temos que 20 e tal contos de 1913 representam já o máximo de fortuna a ser colectada pela taxa mais elevada. Compreende a Câmara quanto isto é absurdo.

Já no começo, quando se estabeleceu a progressão para a contribuição de registo em 1911, se incorreu em vários erros: o primeiro em não estabelecer que as diferentes taxas fossem incidir só sôbre os diferentes graus do escalão; e o segundo em distanciar muito pouco os limites sôbre o grau dêsse escalão.

De maneira que havia propriedades que diferindo então de 50$ tinham já uma diferença de 1 por cento, diferença que o adicional que incide sôbre a contribuição de registo faz com que a taxa de 1,28 em cada um dos graus do escalão chegue a atingir diferenças que vão até 61 por cento.

Faço a justiça ao Sr. Ministro das Finanças de acreditar que S. Exa. não mediu os resultados que certamente advirão da aplicação desta proposta. O que acabo de dizer basta para que S. Exa. desista por agora da sua proposta, pára que ela possa ser estudada na respectiva comissão, de forma a haver um parecer sôbre ela e a dar tempo a que nós, com um lápis e um papel, possamos aplicá-la aos diversos casos. E estou certo de que não haveria depois disso Deputado algum ou Ministro que teimasse em fazer votar uma proposta que, tal como está, irá dar na prática resultados espantosos.

Devo dizer a V. Exa. que esta persuasão em que a Câmara está de que é preciso actualizar os impostos é errada. A contribuição de registo, por exemplo, está muito mais que actualizada.

Para a lavoura vejamos o que se passa. Um filho que herdou de seus pais uma propriedade rural já paga hoje mais 36 vezes do que pagava em 1911. Pretende-se agora que êle pague mais 50 por cento do que pagava, o que representa cêrca de 54 vezes mais. Se isto era inadmissível para o imposto geral sôbre o rendimento, imagine-se o que seria aplicado sôbre o capital.

Para o caso dum ascendente que pagava já 36 vozes o que pagava, pela proposta de S. Exa. propõe-se um agravamento de 50 por cento. Para o caso dum cônjuge, que já hoje pagava 26 vezes, pela proposta de S. Exa. passa a pagar 40 vezes mais, devendo nós notar que é um êrro da nossa legislação desde 1911 o

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considerar a taxa à herança dum cônjuge correspondente à dum descendente.

Em quási todos os países a taxa correspondente à herança dum cônjuge é inferior à dum descendente. E V. Exas. compreendem que isto tem uma razão de ser. Em geral, o cônjuge sobrevive pouco tempo ao autro cônjuge, visto que em regra as idades são aproximadas. Se nós formos a exigir a um cônjuge por herança do outro 40 vezes o que pagava em. 1913, para daí a pouco tempo exigirmos a um filho dêsses cônjuges, por morte do último, o pagamento de 50 e tantas vezes o que pagava em 1913, cometeremos uma verdadeira monstruosidade, que certamente não está no espírito do Sr. Ministro das Finanças, visto que S. Exa. não está disposto a fazer o confisco das fortunas particulares.

Em relação a irmãos, que pagavam já 26 vezes em relação a 1913, passam a pagar 40; um parente colateral no 3.º grau que paga hoje 23 vezes mais que em 1913 ficaria a pagar 38.

Em referência a quaisquer outras pessoas que pagavam já 30 vezes mais, passariam a pagar 50.

Disto resultaria nem mais nem menos que, dentro de duas gerações, o Estado seria o detentor da propriedade particular.

No que respeita à propriedade urbana, eu só queria que V. Exa. me dissesse o que, numa proposta estudada conscienciosamente, pode ser hoje tomado como base de cálculo para o pagamento da contribuição de registo.

Tal como está, a propriedade urbana não tem rendimento colectável.

Pois, Sr. Presidente, para o efeito da contribuição de registo, pega-se em 75 por cento do rendimento colectável que figura na matriz e multiplica-se isso por 20. Pregunto a V. Exa. como é que um proprietário urbano pode pagar esta contribuição.

É princípio assente em matéria de contribuição de registo que as taxas não devera de forma alguma exceder aquilo que caiba dentro do rendimento de qualquer herdeiro, porque de contrário isso representaria o aniquilamento da fortuna particular, pois obrigaria o herdeiro a recorrer ao crédito para pagar a contribuição de registo. Mas... a Câmara não liga importância a êste assunto e conversa!...

Eu só queria que o País pudesse ver como decorrem às vezes os trabalhos desta Câmara para apreciar a obra que daqui sai!

O Sr. Carlos de Vasconcelos: — O País o que não pode ver é o obstrucionismo de V. Exa.!

O Orador: — Chame-lhe V. Exa. obstrucionismo, e eu chamo-lhe falta de conhecimento dos assuntos, porque nem sequer nos dão tempo para os estudar devidamente.

O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Se V. Exa. com falta de conhecimentos leva tanto tempo a usar da palavra, o que faria se os tivesse!

Risos.

O Orador: — Se as oposições cumprissem à risca o seu dever, não deviam consentir, mesmo pela violência, que entrasse em discussão uma proposta desta importância sem se dar tempo a ninguém para a estudar.

Isto não sucede em Parlamento algum!

O Sr. João Camoesas: — Não sucede realmente em Parlamento algum, porque em todos é limitado o uso da palavra.

O Orador: — Embora se limite o tempo para usar da palavra, o que se não faz em Parlamento algum é apresentar propostas destas sem base de justiça e de equidade.

Mas eu vou mostrar à Câmara, com alguns exemplos de proprietários rurais, o que pagavam os sons herdeiros até 1913 e o que pagam já hoje, para que a Câmara veja bem a obra de ruína o de desrespeito que quere levar a cabo.

Em 1913, um pequeníssimo proprietário rural, cuja propriedade valesse 95$, fazia pagar ao seu herdeiro de contribuição de registo o seguinte:

Leu.

Veja bem a Câmara o que vai aprovar!

Uma proposta da importância que reveste a que se discute não pode ser votada sem que se saiba bom o que se vai votar.

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Não temos o direito de aprovar uma cousa que vá arrumar o produto do trabalho duma vida inteira do qualquer cidadão; e assim eu chamo a atenção da Câmara para o seguinte:

Imaginemos o caso duma herança de 14 contos.

Leu.

Agora vejamos o caso duma herança de 1:000 contos.

Leu.

A consciência da Câmara deixo a indicação dêstes números para que ela considere na responsabilidade que vai assumir aprovando esta proposta que traduz, nada mais nada menos, o confisco das fortunas particulares.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Pedro Pita: — Sr. Presidente: o Sr. António Maria da Silva, quando há pouco falou, declarou que a alteração feita à proposta pela substituição apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças ainda era pequena e que a diferença de taxas era mínima.

Vejamos.

À primeira vista a diferença é de 1/2 por cento.

Imaginemos, porém, que se trata dum prédio que tinha o valor de 1.000$.

A taxa a pagar para o efeito da contribuição de registo era de 8,5 por cento. Mas êsse prédio valo hoje 30 contos, e assim não se pagará os 8,5 por cento sôbre aquele valor; pagar-se há, sim a que a êsse valor corresponde, que é a de 10 por cento. A diferença é, portanto, de 1,5 por cento.

Suponha a Câmara que se tratava dum prédio com o valor de 10 contos. Aplicar-se-ia a taxa de 6 por cento. Pagava então de contribuição de registo 600$.

A diferença está nisto: é que valendo o prédio uma quantia, é-lhe aplicada uma taxa; valendo uma quantia superior, é aplicada outra.

Portanto o aumento não é o que aparentemente aparece.

Um exemplo: um prédio valia 10 contos.

Tratando-se de uma herança, pagava 12 por cento ou sejam 1.440$.

Hoje, êste prédio que então valia 10 contos, vale 300 contos.

Se se lhe aplicasse a mesma taxa de 12 por cento, a actualização estava feita.

Mas tal não acontece, porque a taxa passa a ser 13,5 por cento, e pela proposta, passa a ser de 15 por cento.

Vê, portanto a Câmara que há uma certa diferença.

Mas, como toda a gente sabe, sôbre tudo isto recai um adicional de 25 por cento, que passa, segundo a proposta que está na Mesa a ser de 40 por cento.

Nestas condições, a conclusão a que se chega, é esta: um prédio que em 1918 pagava 12 por cento, passa a pagar 21 por cento.

Sr. Presidente: mas há mais ainda.

V. Exa. o a Câmara sabem que para um prédio valer hoje 500 contos, não é preciso que seja muito grande; basta apenas que esteja bem situado.

Ora a êste prédio compete a taxa de 17 por cento, que junta com os adicionais, obriga a pagar, em relação aos 500 contos, qualquer cousa como 84 contos.

Sr. Presidente: por êste processo, afirmo a V. Exa. que, em muitos casos, o dono do prédio terá de vê-lo empenhado em praça, porque ninguém lhe empresta dinheiro sôbre hipoteca.

Trava-se diálogo entre o orador e o Sr. Nunes Loureiro.

O Orador: — Sr. Presidente: pretende-se fazer a actualização por duas formas.

Vamos multiplicar o valor do prédio, para efeito da contribuição, e depois, a quando da liquidação da contribuição de registo, acha-se o valor do prédio, multiplicando por 20, o valor que êsse prédio tinha, quantia esta que só então serve para base de actualização.

Mas, Sr. Presidente, há mais.

Pelas dificuldades com que hoje luta o proprietário urbano, por motivo dos encargos serem insuportáveis, a propriedade movimenta-se muito pouco, e a contribuição de registo há-de fatalmente diminuir de rendimento.

Actualmente as dificuldades são tam grandes, que quási nem de graça se quero um prédio.

Basta chegar à Boa Hora, para verificar que há prédios que, com um rendimento do 45 contos, são arrematados por 200 contos.

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Antigamente, chalés no Estoril, tinham sempre compradores; hoje não.

Tenho interêsse em fazer estas demonstrações: é que se não pode esquecer a circunstância da diferença de valores a que têm de ser aplicadas taxas diferentes.

A proposta do Sr. Ministro, não é exeqüível; no fundo é-o menos do que actualmente existe.

Não tenho dúvida em demonstrar que se se fizer a comparação entre esta tabela e a de 1911, verifica-se que o rendimento era muito maior para o Estado então, e que os abusos serão hoje muito maiores.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Dinis da Fonseca: — Sr. Presidente: mais uma vez tenho de lamentar que propostas da importância e do alcance destas, que têm repercussão na economia do País, sejam trazidas à Câmara de afogadilho.

Apoiado do Sr. Carvalho da Silva.

O Orador: — Na verdade a estas horas da noite, não devem vir propostas destas à Câmara, para que os Deputados as aprovem a dormir.

Apoiados.

Assim a Câmara votará uma cousa que não sabe o que é.

Apoiados.

E depois vamos fazer comparação com o que se passa noutros países.

Não me apontam um único Parlamento do mundo em que isto se faça.

Apoiados.

Há uma proposta de aumento de contribuição de registo, e falta-nos tempo para discuti-la.

Apoiados.

Tenho apenas de declarar que não a posso discutir, porque o Sr. Ministro parece que tem interêsse em que nós não a possamos discutir, visto que nos é trazida nestas condições.

Apoiado do Sr. Carvalho da Silva.

O Orador: — Não estamos dispostos a votar de ânimo leve, tudo quanto o Sr. Ministro das Finanças aqui nos traga, e entenda devermos aprovar.

Apoiados.

Não quero atribuir a S. Exa. as intenções malévolas; mas quando ao menos supuséssemos que S. Exa. tivesse estudado detalhadamente, ponderadamente o assunto, examinando documentos, cálculos, estatísticas, no interior do seu gabinete, isto era infelizmente logo desmentido pela própria proposta.

Apoiados.

É-nos apresentada sem um relatório, ao menos, que nos demonstre que realmente houve da parte de S. Exa. um estudo consciencioso e demorado.

Precisávamos ter a certeza de que aquilo que se nos pede que aprovemos é o fruto de longas vigílias do Sr. Ministro.

Creio que não faço injustiça ao Sr. Ministro das Finanças declarando que S. Exa. nem mesmo é capaz de nos dizer a que conseqüências nos leva a lei, e quais os resultados financeiros que podem advir da proposta para a qual vem pedir dispensa do. Regimento.

Pedir ao Parlamento que vote sem saber o que vota?

Assim ilude-se o País, e atira-se sôbre o Parlamento, fazendo o Ministro ditadura, a responsabilidade do facto.

Nestas condições não há o direito de pedir ao Parlamento que vote uma proposta que o Parlamento não teve tempo de poder estudar.

Apoiados.

Nenhum Parlamento consentiria que isto sé fizesse, abusando-se da sua paciência.

Apoiados.

E rebaixar o Parlamento o mandar-lhe que vote, sem saber o que vota, sem ter a consciência do que vota.

O Sr. Carvalho da Silva: — É uma vergonha!

O Orador: — É.

Por esta forma estamos dando ao País inteiro um triste documento da nossa inteligência.

Apoiados.

E porque, pelo menos, eu não quero que se possa dizer que fui cúmplice e me prestei sequer a dar a minha colaboração para uma obra feita nestas condições, em que se nos exige que façamos esta figura, levanto nesta hora o meu protesto.

E protesto também mais uma vez pelo facto de os Srs. Parlamentares deixarem assim desprestigiar-se o Parlamento.

Apoiados das bancadas monárquicas.

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A função normal própria do Parlamento é fiscalizar.

Desde que estou no Parlamento todas as questões tributárias têm sido discutidas de afogadilho. Têm sido votadas urgências a altas horas da noite, parece que propositadamente para fazer crer que esta função primordial de fiscalizar é inteiramente inútil.

Sr. Presidente: lavrado assim o meu protesto, e declarando ao País que não voto uma proposta desta natureza, não porque concorde ou deixe de concordar, mas porque não nos foi concedido tempo para saber se isto que se nos pede é bom, mau ou péssimo, eu farei apenas as ligeiríssimas considerações que me foram sugeridas pela leitura rápida desta proposta, repetindo que elas não são o fruto dum estudo, que não fiz por não ter tempo de o fazer.

Basta aquilo que vou dizer para mostrar que as iniqüidades saltam inteiramente à vista pela simples leitura da proposta mandada para a Mesa pelo Sr. Ministro das Finanças=

Até 1918 entendia-se, em matéria de contribuição de registo, que os contribuintes que possuíssem bens cujo valor não excedesse 50$ estavam isentos dessa contribuição, entendendo-se muito naturalmente que não devam sujeitar-se a ela pessoas cujos haveres mal chegavam para a sua subsistência.

Na proposta mandada para a Mesa pelo Sr. Ministro das Finanças acabou-se com essa isenção.

Porquê?

Afirma-se catedràticamente que não há hoje propriedades que valham somente 50$.

De facto é verdade. O valor de 50$ desapareceu; mas aquela propriedade que hoje vale 500$ tem actualmente o mesmo-valor que tinha em 1918, quando valia apenas 50$.

As circunstâncias do contribuinte não melhoraram pelo facto de o Estado, pelos seus processos de administração, desvalorizando a moeda, ter dado lugar a que hoje se atribua um valor nominalmente alto àquilo que não ultrapassa o seu valor efectivo em 1918.

Assim, por exemplo, um pobre aldeão que tinha exclusivamente o buraco da sua casa a que era atribuído o valor de 50$,

pelo facto de hoje a desvalorização da moeda atribuir a essa mesma choupana o valor de 500$, não passa a ser mais rico nem tem mais haveres ou rendimentos.

O que é isto senão uma iniqüidade cometida contra os pequenos proprietários, que o Estado não se cansa de dizer que pretende proteger?

Se o Sr. Ministro das Finanças, antes de mandar a sua proposta para a Mesa, mandasse fazer um inquérito pelo menos em duas ou três. províncias de Portugal, S. Exa. encontraria que eram atingidos pela sua proposta centenas de aldeãos que têm apenas o buraco da sua casa e que vivem à custa do trabalho da sua enxada, moirejando de sol a sol.

Sr. Presidente: a iniqüidade dêste processo salta inteiramente aos olhos.

Tenho notado desde que estou nesta Câmara que êste regime que se diz democrático, que se ufana de o ser, e a maioria que tem o nome de Partido Democrático, é o primeiro a abolir as isenções a favor dos pobres e dos pequenos.

Em nome deles, eu protesto, e entendo que todo o País deve ser o primeiro a não deixar que se cometam iniqüidades como esta.

Em nome deles, eu protesto e afirmo que seria justíssima a cólera, e que será justíssimo um movimento de indignação e revolta com que o País inteiro há-de receber está iniqüidade.

O Sr. Sá Pereira: — Não apoiado.

O Orador: — Diz V. Exa. não apoiado, mas V. Exa. não percebe nada dêste assunto.

O Sr. Sá Pereira: — Não julgo a ninguém com o direito de viver à custa do que herda, sem querer trabalhar.

Àpartes.

Para a Câmara, ver a razão com que discute, basta notar-lhe que o Sr. Sá Pereira acaba de dizer que não julga a ninguém com o direito de viver com o que lhe, deixem os seus pais.

E esta a doutrina que sustenta a Câmara, porque não julga de direito que alguém trabalhe a vida inteira para deixar aos seus filhos ou a quem entenda.

Àpartes.

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Pois saibam os proprietários e o País inteiro que têm aqui tam generosos defensores.

Àpartes.

O Sr. Carvalho da Silva (interrompendo): — Depois vão pedir-lhe votos.

Àpartes.

O Orador: — Sr. Presidente: um Sr. Deputado acaba de dizer que estou fazendo uma reles especulação política.

Tenho a dizer-lhe que nunca pedi para ser Deputado, nem preciso disso para viver, estando antes aqui sacrificando a minha vida particular.

E estou, porque entendo que na política portuguesa é necessário que haja alguém que defenda a verdade.

Um dia, o povo, convencido de que não tem aqui quem o defenda, hâ-de abrir os olhos, e, então, não virão à Câmara Deputados seus inimigos, mas quem o defenda na realidade e não a fingir.

Apoiados.

Àpartes.

Sr. Presidente: eu gostava de que nos apartes que me fazem apresentassem argumentos e não só palavras sem base, e me mostrassem, por exemplo, como é que a um pobre que possui um prédio que rende 50$, que pela desvalorização da moeda pode valer 200$, se não lhe deixam aumentar as rendas.

Àpartes.

O que era pois de justiça era manter as isenções que existiam e aumentar-lhes o limite.

Sr. Presidente: há porventura duas medidas, uma para o Estado e outra para o contribuinte?

O Estado para receber actualiza os valores, e o contribuinte para gozar os benefícios da lei não tem direito a pedir que também lhe actualizem as devidas isenções.

Sr. Presidente: há outra consideração que me sugere a leitura da proposta e que já foi também referida pelo Sr. Pedro Pita.

A actualização dos impostos deriva naturalmente da actualização do valor do prédio.

Desde o momento em que a taxa incide não sôbre o valor antigo do prédio, mas sôbre o seu valor actual, o imposto è enorme quanto ao verdadeiro valor do prédio.

Se um prédio com o valor de um conto fôr actualizado em trinta contos, fica automaticamente aumentado o imposto.

Não se diga pois, que apenas se quere corrigir os defeitos da lei.

Àpartes.

O que se pretende realmente é agravar a taxa e não actualizá-la.

Àpartes.

Mas há ainda um argumento que não foi apresentado pelo Sr. Pedro Pita, e que vem confirmar as suas considerações.

Creio que por esta proposta (e não afirmo porque não a li) se não alteram as disposições vigentes com respeito à contribuição de registo.

Toda a gente sabe que as contribuições de registo são liquidadas em face dos valores do inventário nos respectivos casos.

Na província, sobretudo, êsses valores estão sendo mais que actualizados, para aumentarem os proventos das tabelas dos funcionários respectivos, o que faz com que haja uma fiscalização que vai até o exagero.

Desta forma, não é só a actualização que resulta da proposta que aumenta os valores, é também o aumento feito pelos louvados dos inventários, e sôbre que recaem as taxas.

Não existe nenhuma razão para levantar as taxas, pois que bem pesadas eram as que já existiam.

Apoiados.

Sr. Presidente: termino as minhas considerações declarando a V. Exa. mais uma vez que por descargo de consciência enviarei para a Mesa uma proposta que vise ao menos a salvaguardar os direitos dos pequenos proprietários, daqueles cujos valores não excedem aquilo que possuíam em 1918.

Se estavam isentos os proprietários que não possuíam valores excedentes a 50$ em 1918, isentos devem continuar; e tudo que não seja isto, é mais do que praticar uma injustiça: — é escarnecer do pobre povo, que estamos aqui todos os dias a dizer que queremos proteger.

Tenho dito.

O orador não reviu.

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O Sr. Nuno Simões (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: na última sessão, e nos últimos dias, dirigi a V. Exa. alguns requerimentos para que me fossem enviados pelo Ministério das Finanças determinados documentos relativos à questão dos tabacos.

V. Exa. e a Câmara compreendem, decerto, quanto êsses documentos são absolutamente necessários para o debate que naturalmente vai levantar-se em volta da questão.

O Sr. Ministro das Finanças teve ontem a amabilidade de me informar que só ontem mesmo recebeu os requerimentos a que aludo.

Sr. Presidente: apesar de não se tratar de documentos que levem muito tempo a enviar à Câmara, quero formular a V. Exa. um pedido: como é natural que na sessão da próxima segunda-feira se discuta a questão dós tabacos, queria pedir ao Sr. Ministro das Finanças o favor de envidar os seus esfôrços para que, tendo recebido tardiamente êsses requerimentos, procure suprir com a sua diligência a demora que houve na expedição da Câmara dos Deputados para o seu Ministério dos requerimentos em questão.

Faço êste podido, porque, tornando-se cada vez mais fremente o sentimento e a disposição da opinião pública em relação à questão dos tabacos, necessário é que não faltem no debate elementos que são precisos, a fim de que êle resulte largo e profícuo a bem da honra da Nação, a bem da dignidade do Poder e a bem do prestígio e interêsses do País.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ferreira da Rocha (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: a minha situação é idêntica à do Sr. Nuno Simões, porventura, ainda mais agravada, visto que requeri certos documentos indispensáveis, fazendo o meu requerimento no dia 6 dêste mês.

Um dos documentos que eu pedi tem de ser fornecido pela Companhia dos Tabacos, e é indispensável para o exame do acordo.

Já há dois dias tive ocasião de pedir a intervenção do Sr. Presidente; mas, apesar disso, até agora ossos documentos não me foram enviados.

Lembro ao Sr. Ministro das Finanças, que está presente, a necessidade de instar com a Companhia dos Tabacos a fim de que me sejam fornecidos os elementos que pedi.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Após a recepção no meu Ministério dos requerimentos do Sr. Nuno Simões e Ferreira da Rocha, tenho instado com o comissário junto da Companhia dos Tabacos a fim do que lhes sejam enviados os documentos pedidos e que eu igualmente desejo, a fim de que seja esclarecida a situação em volta dessa questão.

Tomo boa nota dos desejos de S. Exas., prometendo instar junto da Companhia dos Tabacos a fim de que remeta êsses documentos no mais curto prazo de tempo possível.

E, se fôr necessário intervir junto daquela entidade, creiam S. Exas. que não terei dúvida em mandar ali qualquer funcionário a fim de colhêr os elementos precisos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ferreira da Rocha: — Sr. Presidente: aparece uma proposta de contribuição de registo arte nova em regime parlamentar — apresentada como emenda a uma proposta de adicionais e melhorias.

Estamos já tam habituados à forma de trabalho do Parlamento, que já não há quási lugar a surpresas, tal é o que o Parlamento tem feito em matéria de contribuições e impostos.

No emtanto, esta ultrapassa os limites legítimos, mesmo para aqueles que já se habituaram a considerar, o Parlamento uma péssima máquina de fabricar legislação.

O Sr. Ministro das Finanças, entende que a contribuição do registo é qualquer cousa em que se pode legislar sôbre o joelho, quando o que é certo é que propostas de contribuição de registo tem de ser cuidadosamente estudadas.

Os finais de sessão legislativa são sempre assim.

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Êste final de sessão, porém, excede os limites a que nos tínhamos habituado nas sessões anteriores.

Julga-se que a massa tributária de Portugal é elástica.

Quem manda é o partido que tomou conta do Poder e, por isso, entende que pode dispor da riqueza particular de todos os contribuintes, criando à custa disso os lugares que quere, sustentando as conezias que entende, porque há-de haver sempre maneira de encontrar algum desgraçado a cujas algibeiras se vá, para êle pagar tudo isso.

Não é que a capacidade do contribuinte tenha recursos especiais; a noção única que tem mostrado até agora o Partido Democrático é a de que «isto é nosso», é «uma fazenda que nos pertence, porque a conquistamos pela fôrça das armas em 5 de Outubro e pusemos fora aqueles dos nossos companheiros que não se entenderam tam donos dela como nós».

Todos os membros do Partido Democrático seguem a mesma doutrina, amarelos e bonzos; não há diferença nas várias correntes de opinião do Partido Democrático.

Até o Regimento foi atropelado. As nossas garantias nesse sentido desapareceram.

O Presidente da Câmara é democrático, e entendendo que não vale a pena tratar de questões mínimas do Regimento, chama-lhes especulação.

Isto de fazer especulação é tam fácil de dizer e é repetido tam fàcilmente em todos os jornais e nas várias chafaricas dos «donos» do País, que nem vale a pena discutir.

Assim, vou ligeiramente referir-me à proposta, já com aquele cansaço que faz levar todos os homens á convicção da improdutividade e à certeza de que aqueles que não são por temperamento revolucionários, não conseguirão forma normal de fazer entrar no bom caminho o Puís.

E vem depois dizer-se que o Parlamento não dá ao Govêrno os meios de governar, como se fôsse lícito a um Govêrno apresentar à Câmara uma proposta desta natureza, que às 3 horas traz uma tabela e que às 4 a substitui por outra, sem nos dar quaisquer elementos com que a possamos discutir.

Como se fôsse honesto no Parlamento dum país civilizado vir-o Govêrno apresentar uma proposta desta natureza com a desfaçatez com que esta nos é apresentada, declarando-se nos vários centros que se o País está perdido é porque o Parlamento não dá ao Govêrno os meios de governar!

Como se fôsse honesto que o Sr. Presidente do Ministério viesse depois dizer-nos aqui que na opinião pública se levanta uma atmosfera de ódios contra o Parlamento pelo obstrucionismo que aqui lhe é feito!

Como se não fôsse mais honesto dizer que na opinião pública se levanta uma atmosfera de ódios contra os Partidos e contra o Partido Democrático principalmente pela forma como o Parlamento procede, pelo descuido, pela negligência com que trata todos os problemas, pela rapaziada ladina que fornece todo o elenco governativo!

Como se nós fôssemos obrigados a aceitar todas as monstruosidades que nos são impostas pelo Partido Democrático!

O Partido Democrático quere porventura lançar o ódio entre os portugueses, ódio que já está bem assente e que cada vez há-de ser maior.

Quere-se criar essa atmosfera em Portugal.

Que se crie à vontade.

Eu já estou na situação daqueles que já pouca crença têm na possibilidade de um ressurgimento na vida do País. Já estou quási desiludido.

Não quero fazer perder tempo à Câmara com a análise mais demorada das disposições da proposta do Sr. Ministro das Finanças; mas quero ainda assim salientar que em princípio combate toda a forma de contribuição de registo que não seja aplicada pela progressividade do imposto em relação à massa herdada e à divisão do imposto em vários graus em relação às qualidades de parentesco.

Um País que pretenda aceitar uma forma progressiva de tributação, um País que tem de aceitar, como não pode deixar de o fazer, a doutrina de que aqueles que mais possuírem mais devem contribuir para a sustentação das despesas do Estado, entende que a contribuição de registo deve ser necessàriamente progressiva em relação ao montante total da he-

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rança, e nunca em relação aos quinhões deixados.

o Não compreendo como um homem que deixa uma fortuna de 100 contos tenha de tributação a mesma percentagem que se aplica a um outro que deixou uma fortuna de 1:000 ou 2:000 contos.

Entendo que o Estado, sôbre o montante da fortuna deixada, deve retirar para si, por meio de impostos, uma determinada quantia, mas que na importância legada à descendência directa se deve fazer incidir um imposto conforme a tradicional forma portuguesa.

É triste que esta forma de tributar, que é legitimamente democrática e, portanto, a única que pode incluir-se num sistema de política esquerdista, seja defendida por mim, a quem, porventura, os canhotos acusarão de reaccionário, e que todas as propostas a êste respeito apresentadas à Câmara tenham dimanado de dois homens que pertencem ao meu partido, porventura até, alcunhados pelos bonzos dos democráticos, de monárquicos.

No emtanto, o Sr. Ministro das finanças, que pertence à facção esquerdista do seu Partido, apresentou a forma mais reaccionária que se pode imaginar.

Rejeitá-la hei na generalidade, visto que não é a melhor forma da política republicana, e eu não creio que ser republicano seja simplesmente desejar substituir uma coroa por um barrete, ou um rei por lima revolução.

Creio mesmo até que se a República isso só fôsse, eu não podia deixar de estar ao lado dos monárquicos, porque por muito mau que seja um rei, será sempre melhor do que uma revolução. Sou republicano, porque dentro da República se pode realizar uma série de reivindicações de progresso que a hipótese monárquica não poderia nunca conceder.

Sou republicano, porque entendo que é preciso fazer uma política republicana, e lamentável é que, a 14 anos de República, não haja em matéria de princípios senão propaganda e actos monárquicos, e em matéria de detalhes senão obra monárquica.

Os princípios fundamentais são obra monárquica, e na forma de executar, obra exclusivamente anárquica.

Então uma contribuição de registo é isto?

Então prefiro aquele critério simplista de criar coeficientes até que o contribuinte grite que não paga.

Sr. Presidente: desejo ainda referir-me a uma outra afirmação constante da proposta em discussão.

Sr. Presidente: se há alguma cousa bem republicana em Portugal, a avaliar pelo que a República tem feito, é a incompetência em matéria financeira, pelo menos aquela incompetência que se traduz no desenvolvimento das regras de finanças, que se aprendem em todos os livros.

Contribuição de registo em traspasse de estabelecimentos!

Então alguém tem dúvidas sôbre o que significa contribuição de registo?

A contribuição de registo é um imposto sôbre o capital, e como não é fácil lançar impostos sôbre capitais que não estão à vista, tributam-se por ocasião das transmissões, isto é, quando êsses bens vêm à luz pública.

Traspasse, ou é um lucro obtido numa exploração comercial, ou industrial, ou a maior valia de um direito obtido na exploração do comércio ou indústria.

O traspasse, pode ser ainda o pagamento de despesas da instalação, feitas em qualquer estabelecimento.

Ora se êste imposto é sôbre o capital, como vem fazer-se incluir aqui sob a forma de contribuição de registo.

Mas vejamos o que há de injustiça neste imposto.

Se se considera o traspasse como um lucro comercial da exploração, porque motivo se não tributa dentro da legislação em vigor?

Se se considera o traspasse como o preço das despesas de instalação, porque se vai tributar sob a forma de contribuição de registo? Se o comerciante tem já nos seus livros escrita a importância das despesas de instalação que foz da sua casa para estabelecimento comercial, evidentemente do traspasse vai tirar a quantia necessária para saldar essa conta.

Onde está o lucro então?

Seria a diferença entre a quantia que despendeu com a instalação comercial e aquela que porventura recebeu a mais.

Mas a proposta apresentada faz contar todo o traspasse como um lucro geral.

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Enferma ainda de mais defeitos, esta proposta.

Por exemplo: toda a gente sabe que muitos comerciantes adquiriram os estabelecimentos onde estão instalados, pagando traspasse; e que agora, quando deixarem êsses estabelecimentos, pedem também um traspasse, que pode ser igual ou maior, do que aquele que pagaram.

Pregunto: isso é lucro?

A proposta não quere saber se o comerciante para se instalar teve ou não que pagar traspasse.

De rosto, o comerciante em regra, só faz o traspasse, quando a sua situação comercial é má, pois que quando ela dá lucro, procura por todas as formas manter-se.

Ora nessa altura o seu activo não deve ser maior que o passivo.

Pois é nessa altura que o Estado o vai tributar pelo traspasse da sua casa, que muitas vezes serve para saldar as suas dívidas?!

Mas ainda mais: admitamos que um estabelecimento industrial ou comercial se valorizou, não pela acção do seu proprietário, mas porque o local onde êle estava instalado se tornou melhor, pela abertura de um bairro, pela abertura de outras casas comerciais, etc.

Chegamos àquele caso célebre de Loyd Greorge, sôbre a questão da maior valia, pela qual se pretende que a sociedade obtenha uma parte do maior valor atribuído a qualquer casa, e para que de facto a sociedade contribuiu mais do que o próprio indivíduo.

Pois nem Loyd George — e é uma criatura esperta — se lembrou de atribuir aos estabelecimentos essa maior valia.

Não há o traspasse do direito do comerciante sôbre o estabelecimento, mas de facto, o traspasse do maior valor adquirido pelo imóvel em que o estabelecimento está colocado.

Ora em Portugal, pela lei do inquilinato, nós já retirámos ao proprietário do imóvel o direito de se ir aproveitando dêsse maior valor, mês a mês.

Agora procuramos retirá-lo permanentemente.

Não pode ser!

É uma situação instável, própria do período anormal que atravessamos, e que devemos quanto antes rectificar.

Não devemos juntar-lhe uma questão que tornará ainda mais difícil essa solução.

Mas vejamos o que diz a proposta.

Nós devemos ser o país do empirismo, porque o culto que temos das conclusões empíricas é muitíssimo grande.

Êsse culto é que devia ter inspirado o artigo em discussão.

Como se pode saber êste valor de que aqui se fala?

Diz-se que foram buscar isto à lei antiga do inquilinato, em que se dizia que o comerciante quando fôsse obrigado a sair da casa onde estava receberia vinte vezes o valor da renda anual.

Mas isto era uma indemnização ao comerciante, para fazer face às despesas da nova instalação; era uma indemnização por um prejuízo para que êle não tinha concorrido.

E o traspasse é de sua livre vontade!

Tem porém isso alguma cousa com a situação do prédio, com a abundância da clientela, com a concorrência dos outros estabelecimentos e até com o valor dos artigos que dentro do estabelecimento se contêm, cousas estas por que se regula o traspasse?

Nestas condições, pode alguém atribuir êste valor ao traspasse, sem ter ouvido a Associação Comercial e outras entidades que conhecem aqueles assuntos, se é que é possível determinar o valor do traspasse de um estabelecimento em todos os casos?

Apoiados.

Contudo, nós temos de aprovar o artigo neste fim da sessão legislativa, porque senão vamos como especuladores para as comissões políticas, onde o Sr. Presidente do Ministério dirá que nós o levamos a fabricar mais notas para aumentar os vencimentos dos funcionários públicos, visto que Dão lhe aprovamos esta e outras leis.

Há, Sr. Presidente, um êrro no nosso país a respeito do que é a máquina parlamentar.

O primeiro dever dentro do Parlamento pertence ao Governo, na iniciativa das medidas financeiras. É êle que reunindo todos os elementos de observação e de estudo, que em geral os parlamentares não possuem, sabendo as dificuldades em que uma lei mal redigida ou estudada o

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pode colocar até na cobrança dos impostos que deseja, é o Govêrno o primeiro que deve ser obrigado a trazer ao Parlamento as suas propostas devidamente relatadas e elaboradas.

Cabe então ao Parlamento e às suas comissões, mormente à comissão de finanças, completar o trabalho do Govêrno e a êste fornecer-lhes os elementos que tem. à sua disposição nas repartições públicas, dê forma a poder convencer os Srs. Deputados de que não estão aqui apenas para ir receber os seus subsídios no fim do mês, mas para trabalharem, correspondendo devidamente à alta missão que desempenham como representantes da Nação.

Anda tudo, porém, ao contrário em Portugal.

Assim, traz-se às 3 horas um dêstes — como chamar-lhe? — um dêstes acordos em que se tem trabalhado ultimamente em finais de sessão.

Como não costumo empregar termos pelos quais tenha de ser chamado à ordem pelo Sr. Presidente da Câmara ou quaisquer palavras que os Srs. taquígrafos não possam recolher, abstenho-me de classificar isto que se pretende fazer.

Na comissão de finanças do Parlamento só há os Srs. Velhinho Correia e Lourenço Correia Gomes, pessoas que me merecem a mais alta consideração pela sua competência, mas cujos esfôrços não são por vezes suficientes, em virtude de serem apenas dois.

É absurdo, Sr. Presidente, estar a discutir-se esta proposta. É inadmissível que nos arroguemos o direito de julgar que podemos decidir sôbre êste assunto, sem que, previamente, os comerciantes e industriais de Portugal nos hajam dito de sua justiça nesta matéria.

Somos então, porventura, os donos de Portugal?

Num regime republicano estamos a fazer a mesma cousa que faríamos no gabinete do rei?

E esta então a política republicana, uma política dum regime de publicidade e de opinião?

Podemos conscientemente fazer isto?

Termino as minhas considerações sôbre traspasses comerciais; e peço agora a atenção dos ilustres financeiros para outro ponto desta proposta.

Quero referir-me às taxas de capitalização.

Por tradição, a capitalização é feita multiplicando por 20 o valor do arrendamento. Quere dizer, um prédio que valia 20 contos passa a valer 400 para o efeito da capitalização das taxas.

Hoje, isto é simplesmente absurdo.

Já não me quero referir ao empréstimo ouro de 6 1/2 por cento, do qual se disse que o juro era de 15 por cento para apanhar dinheiro, e que depois foi deminuído; mas posso referir-me aos bilhetes de Tesouro, que já têm hoje um juro de 10 por cento.

Hoje não se emprega dinheiro sôbre propriedade urbana a menos de 18, 19 e 20 por cento.

Se sabemos tudo isto, para que continuamos a julgar que a taxa a que me venho referir é de 5 por cento?

Só isto não tivesse conseqüências na prática, não teria dúvidas em que ficasse na proposta o ponto a que me venho referindo, que apresenta deficiências de clareza.

Como se afirma que o valor dos bens é 20 vezes o seu rendimento anual, vou apresentar um exemplo para se ver o horror que isso representaria.

Ninguém hoje vende um prédio por êsse valor.

Àpartes.

Por 100 contos pode comprar-se um prédio que renda 15 ou 16 contos anuais.

Àpartes.

O que é certo é que o.preço por que se vendem, os prédios está muito longe de ser 20 vezes o seu rendimento, porque o que os inquilinos pagam não dá o respectivo rendimento correspondente ao verdadeiro valor do prédio, conforme a desvalorização da moeda.

Àpartes.

O inquilino não paga o que seria justo que pagasse, e talvez ainda o senhorio venha a ser obrigado a dar alguma cousa ao inquilino.

E não se diga que há juizes em Berlim.

Em Lisboa o esquerdismo não deixa mesmo o senhorio receber mais.

Àpartes.

É certo que, pelo que se quere estabelecer, por um prédio que renda 18 con-

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tos será necessário pagar contribuição de registo por 300 contos.

Assim, julgo que não haverá maneira de receber também um prédio deixado por um estranho, tendo de contar-se também com as despesas de conservação do mesmo prédio, o que fará que nada se receba do seu rendimento.

Vou dar um exemplo ainda.

Hoje há uma crise de habitação em Portugal. A situação presente é esta: um construtor vê-se em sérios embaraços para construir. Eu não tenho nenhuma antipatia pelos gaioleiros, apesar de ter sido vítima dum, pois morava numa casa que abateu; todavia, não-posso deixar do reconhecer que êles prestavam um grande serviço, empregando uma numerosa classe que, se não fossem êles, não teria nada que fazer.

Mas, Sr. Presidente, eu devo dizer à Câmara que um prédio com rendimento de 45 contos com grande dificuldade se vende por 240 contos. Mas como a lei manda que a avaliação se faça por esta taxa, segue-se que a repartição de finanças dá-lhe o valor de 800 contos, sôbre o qual se aplicam 12 por cento e mais 25 por cento de adicionais, ou sejam mais de 24 contos. Mas como tem mais 3 por cento para os empregados das finanças e respectivos adicionais, verifica-se que a contribuição eleva-se a 130 contos.

Pregunto: como é que um construtor há-de encontrar quem lhe compre o prédio por 240 contos se quem compra tem de pagar 130 contos de contribuição de registo?

O resultado disto é que a maior parte dos construtores prediais estão arruinados, e na Boa Hora estão vendendo a camisa.

Sr. Presidente: isto deu em resultado uma nova indústria após a República, e que é a indústria do suborno. Isto corrige se, é questão de tempo e geito. Ao Estado não se pagam impostos, mas pagam-se a outras entidades. Então não é melhor reconhecer a verdade dos factos? Então não é mais honesto que «m vez de o valor ser de 20 vezes seja apenas de 10?

Deve ainda considerar-se que haverá toda a vantagem em facilitar a construção de prédios, já para evitar a crise de trabalho que se nos apresenta cada vez mais iminente, já para facilitar a solução do problema do inquilinato. E a Câmara sabe bem o que seja uma crise de construção civil. Ao lado dessa crise surgirá imediatamente o problema da ordem pública. Não nos esqueçamos de que muitas são as classes que vivem da construção civil.

Haveria talvez uma maneira de se chegar a um resultado, tanto quanto possível satisfatório, qual seria o de isentar do, pagamento de contribuição a venda do prédio feita pelo seu construtor. Quere dizer, sôbre a primeira venda não incidia contribuição de registo. O Estado não perderia com isto, visto que nas sucessivas vendas vigoraria o sistema normal da contribuição de registo e dava-se um incentivo aos construtores de prédios.

Sr. Presidente: há quem julgue que a contribuição de registo produz tanto mais quanto maior fôr a taxa aplicável. É um êrro. Tenho disso prova pelo que já se deu em Macau.

A taxa de contribuição de registo era ali de 8 por cento. Não havia maneira de fomentar a construção de prédios. Então arrojadamente reduziu-se a taxa a 2 por cento. O que sucedeu? Constatou-se imediatamente um enorme incremento nas vendas de propriedades e o rendimento do imposto passou a ser muito maior do que fora até então.

Há ainda a forma francesa, que consiste no seguinte:

Pelo primeiro acto de registo dum prédio é cobrada a contribuição de 10 por cento. Depois, se no prazo de dois anos após a construção o prédio é vendido, restitui 8 por cento, que vai receber do comprador, e, portanto, nada perde.

Há, pois, duas formas de atender à questão.

Supondo que não fiz obstrucionismo, e desejando simplesmente que os ilustres indivíduos que têm o direito de mandar nesta casa se lembrem de aceitar qualquer delas, concluo as minhas considerações.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Está interrompida a sessão até as 22 e meia horas.

Eram 20 horas e ô minutos.

Reabertura da sessão às 22 horas e 35 minutos.

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O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. João Camoesas.

O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: quando V. Exa. no termo da última parte da sessão da tarde, teve a bondade de me conceder a palavra, ia eu dizer que o Sr. Ferreira da Rocha tinha produzido considerações que podiam agrupar-se em duas categorias diversas: considerações de carácter propriamente político e considerações de carácter simplesmente técnico.

Nas considerações de carácter político, mais uma vez o Sr. Ferreira da Rocha fez nesta Câmara afirmações à volta de um tema que lhe é muito favorito, e que S. Exa. vem produzindo com tal insistência, que chega a ter o aspecto de uma autêntica teoria.

É o Sr. Ferreira da Rocha uma pessoa de fino espírito e ágil dialéctica, que todos estamos habituados a respeitar nesta Câmara.

Chega quási a parecer impossível que S. Exa. encare o problema político português através de um critério tam estreito, que não há malefício, inconveniente nem prejuízo, que S. Exa. não atribua ao Partido Republicano Português.

Sr. Presidente: os partidos como as pessoas, não são isentos de defeitos, não podem em qualquer instante da sua vida, jactar-se de jamais ter errado; não são criações artificiosas separadas do meio em que vivem e se desenvolvem; são antes composições dêsse meio, reflectindo por conseqüência, todas as qualidades e defeitos do próprio ambiente em que se desenvolvem.

Pretender afirmar, Sr. Presidente, que o Partido Republicano Português resume em si todos os defeitos, que é o resumo de todos os vícios e malefícios, é, pois, uma atitude de espírito viciosa que podia perfeitamente passar despercebida ao primeiro espírito inferior e rudimentar, aos espíritos que são na política sempre movidos pela paixão, mas. que, não podia deixar de lembrar ao Sr. Ferreira da Rocha, que tem uma merecida categoria pessoal e que por conseqüência, tem obrigação de ser menos estreito nas suas apreciações.

De há muito que, por uma consideração de fenómenos de ordem política e social da nossa terra, me habituei à idea de que efectivamente existe uma crise em Portugal, reflectindo-se e traduzindo-se em todas as manifestações de actividade.

Encontra-se na actividade industrial incapaz de assimilar os processos de organização em voga por toda a parte do mundo, e, portanto, -incapaz de organizar os esfôrços humanos em ordem ao maior rendimento; encontra-se em todas as outras modalidades da actividade económica incapaz de erguer as normas da acção scientífica, que por igual se pratica em quási todo o mundo culto; e encontra-se na actividade política.

Tenho para mim que essa crise é essencialmente uma crise de direcção. É o País que não põe os homens preparados para lutar e praticar os processos de acção que já hoje, repito, são correntes em todos os países cultos.

Crise de direcção, que deriva de um cômputo de fenómenos que vem a trabalhar de muito longe, conjunto do fenómenos, que, sobretudo no último meio século, criou correntes tam profundas de mal estar, tam intensas, na sociedade portuguesa, que houve mister fazer-se uma transformação de regime para procurar abrir, pela violência, o início de uma solução eficaz dessa tremendíssima crise.

Só as pessoas que vivem isoladas num romantismo, que as impede da consideração da realidade, imaginaram que a transformação republicana produziria milagrosamente essa criação de valores indispensáveis pára a actualização de todas as energias do povo, de todas as suas qualidades, e para uma disposição mais eficaz dos seus esfôrços e das suas energias.

De certa maneira, as pessoas que viram efectivamente o movimento republicano em Portugal, contaram desde logo com um período inicial perturbado e convulso que não seria bem ainda a realização das aspirações que havia alimentado e criado êsse movimento, mas que seria como que um estado inicial de preparação e, permita-se a expressão, um estado de pré-República, e que por deficiência de direcção e de cultura, e infelizmente para nós teria de ser o empirismo, a experiência, o caminho difícil e escabroso por vê-

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zes, que teria de preparar a elaboração do regime de harmonia com as aspirações a que já me referi.

E se isto é assim, se de facto há na vida social transformações milagrosas, se de facto a simples implantação da República não pode, de uma hora para a outra, produzir a afirmação, e pode, quando muito, produzir as afirmações indispensáveis para num dado momento se poderem arranjar os valores necessários, a que vem a propósito essa teimosia e insistente atitude do Sr. Ferreira da Rocha, procurando atribuir todas as maleficências ao Partido Republicano Português?

Repito o que há pouco disse: não somos um produto isolado no meio em que vivemos; não somos uma formação esporádica e extemporânea: — somos, pelo contrário, compostos pelos elementos de vida desta mesma sociedade como os outros partidos e categorias de actividade política e não política.

Creio que a atitude dos homens de espírito culto, como o Sr. Ferreira da Rocha, não pode ser essa atitude recriminativa nem tampouco aquela que afluie por por vezes nas suas considerações.

Em 1911, em artigos e conferências, tive ocasião de defender o ponto de vista que acabo de expor, e que pode reduzir-se nestas breves considerações. A transformação do regime não era o último termo de uma evolução: — era, pelo contrário, o princípio dessa evolução; era, por assim dizer, a criação da primeira condição indispensável para que essa evolução deixasse de ser verbal, visto que a monarquia em muitos séculos nos havia preparado esta crise em que nos debatemos.

Admira-me que uma pessoa com as faculdades mentais do Sr. Ferreira da Rocha, queira comparar catorze anos de uma sociedade com catorze anos de uma pessoa.

É agora que é difícil ser republicano, porque é agora que o nosso republicanismo deixa de ser sentimental para ser de defesa.

Apoiados.

É por isso, Sr. Presidente, que eu não reputo maus todos os partidos como o Sr. Ferreira da Rocha, e não encontro incitamentos para me afastar de um pôsto que é agora mais doloroso do que nunca.

Reduzir a actividade política em Portugal, como há pouco fez o Sr. Ferreira da Rocha, a uma maioria viciosa, harmonizando-se num certo número de comodidades e de benefícios, é um êrro que êsse Sr. Deputado praticou. Menos do que ninguém S. Exa. pode esquecer ou ignorar que aqui, nestas bancadas, se sentam dezenas de homens que da República nada têm recebido e tudo lhe têm dado (Apoiados da esquerda}, sacrificando até as suas comodidades.

Para que sermos nós próprios, os principais desacreditadores, aqueles que fazem crítica exagerada e injusta?!

Para que serem aqueles que tem um renome intelectual, político e parlamentar, os que desprestigiem êsse renome num exagero de crítica?!

Sr. Presidente: não quero prolongar por mais tempo esta introdução de carácter político, a que me vi forçado pelas obrigatórias políticas do Sr. Ferreira da Rocha.

Repito, Sr. Presidente: a circunstância de a catorze anos da implantação do regime nos encontrarmos na situação em que nos encontramos, deriva muito mais de causas externas do que propriamente das deliberações dos dirigentes republicanos de todas as categorias e de todos os partidos.

As fôrças políticas dos outros países não são constituídas de massa diferente dos portugueses.

Pelo contrário, são formações do meio.

Como o Sr. Ginestal Machado, eu considero inteiramente indispensável que os políticos sejam claros, precisos e sinceros.

S. Exa. resumiu as considerações que fez assim: que o político não deve exagerar os defeitos dos outros, mas deve também ser sempre preciso e claro nas suas apreciações.

Mas, para assim se fazer, não necessitamos de ser injustos.

Pelo contrário, repito: para se realizar isto, necessitamos de ser justos e dar a César o que é de César, não estando continuamente a deminuir-nos.

Estranhou-se que a apresentação dessa proposta se fizesse nos termos em que foi feita; mas, oh! Sr. Presidente, se há propostas que não podem ser consideradas uma surpresa, que não podem apanhar

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desprevenido ninguém nesta casa do Parlamento, seria uma delas precisamente uma proposta sôbre contribuição de registo; porque, como muito bem disse o meu ilustre amigo e colega nesta casa do Parlamento o Sr. António Maria da Silva no seu discurso, êsse problema da contribuição de registo tem estado quási sempre na ordem do dia desta Câmara.

Ainda se encontram quatro ou cinco propostas nos arquivos cora os seus respectivos pareceres; de maneira que todos os parlamentares, e mais particularmente os especializados nesta matéria, não podem considerar-se desprevenidos porque tinham a obrigação de ter êsse problema estudado, sob pena de não terem cumprido o seu dever, das outras vezes que êste problema tem vindo a esta casa do Parlamento.

Como o Sr. Ginestal Machado, eu desejo que a propósito da proposta de tributação, que é ao mesmo tempo uma medida de carácter fiscal, os homens representantes dos diversos partidos definam uma nítida atitude.

Uns, como o Sr. Ginestal Machado, colocaram-se definidamente no terreno do liberalismo individualista; outros, como porventura o meu prezado e ilustre correligionário, duma formação política quási isolada, o Sr. Sá Pereira, definindo ama orientação socialista; e outros, como eu, definindo uma orientação puramente democrática, em que realmente as liberdades e individualidades são respeitadas, mas apenas até o ponto em que as liberdades e individualidades podem ser e devem ser respeitadas, não pondo em risco o desenvolvimento da vida de todos.

Sr. Presidente: fez o Sr. Ginestal Machado uma calorosa apologia das instituições familiares, defendendo S. Exa. a continuidade dessa instituição, e acrescentou que para haver uma perfeita continuidade da instituição familiar era inteiramente indispensável garantir a continuidade da constituição da família, que ela fôsse o mais integralmente possível transmitida e se considerasse uma cousa intangível.

Acompanho inteiramente o Sr. Ginestal Machado no que diz respeito à instituição familiar, considerando a instituição familiar indispensável a uma boa filosofia social.

Unicamente não posso acompanhar S. Exa. nalguns pontos de carácter económico e fiscal, que S. Exa. considera indispensáveis para a continuidade da instituição familiar.

Sr. Presidente: parece-me que os princípios que o Sr. Ginestal Machado defendeu correspondem ao chamado período romano da constituição familiar, e, por conseqüência, não se ajusta ao período em que nos encontramos. Nestas condições, a sua adopção, em vez de facilitar o desenvolvimento de construção de família, iria dificultar êsse desenvolvimento e estabelecer as regras jurídicas dum passado morto.

Assim, Sr. Presidente, S. Exa. defendeu o critério de garantir a transmissão integral, mas esqueceu-se de ver que disso resulta um prejuízo para a própria família. S. Exa. levou a idea dessa garantia tam longe que chegou a defender que a herança se devia considerar, em relação aos descendentes, uma cousa sagrada,

Ora, o período romântico de construção familiar, que se estendeu em quási todo o mundo durante o século passado, caracterizava-se por êste princípio fundamental a que S. Exa.aludiu: era preciso que o pai passasse a vida continuamente a juntar o mais possível para de certa maneira transmitir aos descendentes uma, necessária estabilidade. As conseqüências desta atitude na vida social são de todos conhecidas.

Precisamente dentro da dialéctica de S. Exa., e aplicando a análise dos mesmos fenómenos, dos mesmos elementos psicológicos, os filhos, herdando sem esfôrço uma certa utilidade, habituados à idea de que quem tenha bens tem a tranqüilidade garantida, habituados à idea de que o poder aumenta com o dinheiro, perdem aquele estímulo necessário para a transformação própria, tornando-os apenas uns parasitas do esfôrço realizado.

Podia apontar, não dezenas, mas centenas de casos em que os herdeiros duma fortuna bem ganha foram loucos dissipadores dessa fortuna.

Quer queiramos, quer não, paralelamente a uma evolução do pensamento há uma evolução da experiência, em que a vida realiza uma constante transformação. Esta transformação acaba por criar

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entre os chefes de família uma idea de segurança e tranqüilidade no futuro dos filhos, começando em toda a parte do mundo os homens a perceber que é melhor deixar os filhos preparados para a vida, preparados para si próprios se dirigirem do que deixar-lhes os cofres a abarrotar de libras ou as gavetas cheias de títulos de registos de propriedades.

Paralelamente a esta evolução, veio-se fazendo na sociedade a consciência de que a transmissão dos bens da família tinha de deixar de ser, no mundo culto, uma posse individual, e afirmando-se o direito da sociedade a uma parte dêsses bens.

Aqui está como, a pouco e pouco, da própria experiência dos factos se alevantam doutrinas democráticas defendendo a absoluta liberdade de testar e a participação da colectividade nos resultados dos esfôrços individuais, que só foram profícuos e úteis porque a colectividade auxiliou essa proficuidade e utilidade.

Um homem, senhor de grossos cabedais, pôde organizar uma oficina com todas as condições de conforto. Com o esfôrço e a actividade de milhares de pessoas pode aumentar enormemente essa fortuna. Quando ao fim dalguns anos ia gozar o descanso não pôde esquecer-se dessa legião de trabalhadores que o tinham auxiliado a obter tam grossos cabedais.

Sr. Presidente: quando a fortuna deixa de ser um meio para ser um fim, torna--se inimiga da sociedade e um dos maiores perigos sociais, porque se converte num obstáculo ao livre desenvolvimento da vitalidade humana; e como êsse desenvolvimento é uma cousa natural que tem de se fazer, sucede que há um momento de concentração em que se manifesta a energia humana, dando-se o mesmo fenómeno que se dá nos cursos de água, em que êstes quando encontram algum obstáculo se juntam em volume até ganhar a fôrça de resistência necessária para obrigar o obstáculo a ceder.

E então, Sr. Presidente, a riqueza desviada da sua função fisiológica transforma-se inevitavelmente no maior inimigo do equilíbrio social, numa causa de perturbações.

E vós, que teimais em manter o estado social antigo e pretendeis a permanência de certos critérios e certas regras, é que sois os anarquistas, porque sois os provocadores de fatalidades inevitáveis!

Eis a razão por que nós outros radicais, os que temos dentro do ponto de vista social uma atitude contrária aos revolucionários, desejamos que se siga uma orientação diferente da nossa; uma orientação mais justa, mais alta e mais humana, porque é mais consentânea com a realidade, visto que é experimental. 0Aqui tem V. Exa. como, pelo poder de mobilidade da direcção de um magnífico povo, se foi fazendo, sem sangue, uma transformação que, segundo o nosso entender, é bastante profunda.

Aqui tem V. Exa. e a Câmara como, num rápido e resumido bosquejo, eu mostrei a razão por que a Inglaterra adoptou essa atitude.

Sr. Presidente: há quem sustente que uma grande transformação se operou à superfície da terra, nos últimos dois séculos, modificando as condições da actividade económica.

Muitos tratadistas têm versado esta questão; e entre êles citarei Guiraut.

Afirma Guiraut que a crise que actualmente atravessa o mundo inteiro é resultado dessa desaptidão entre as condições da vida social e as categorias de direcção.

Isto explica como as correntes do mal-estar que invadem todos os povos, os avançados ou recuados, os progressivos ou cristalizados, têm aumentado, vindo reforçar a afirmação de que os nossos sistemas escolares têm de ser os elaborados das condições da vida social.

Sr. Presidente: isto demonstra ainda a necessidade absoluta de se reformar o nosso sistema de ensino, adaptando-o ao desenvolvimento da nossa raça, para assim impedir o Sr. Ferreira da Rocha de formular as acusações que há pouco fez.

Sr. Presidente: afastado do desenvolvimento da minha idea, por esta pequena divagação, eu creio ter provado à Câmara que a atitude radical é a única capaz de realizar a obra de direcção necessária e indispensável, para fazer desta sociedade, dêste povo, aquilo que elo deve ser.

Apoiados.

Por conseqüência, todos aqueles que, como nós vamos a militar e batalhar contra todas as reacções, e repare V. Exa.,

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Sr. Presidente, no «todas», o fazemos por entendermos que é esta a única forma capaz, como já -disse, de fazer dêste povo aquilo que êle deve ser.

Reacção, considerado no sentido que lhe atribuo, é um fenómeno que se caracteriza pela tentativa de imposições por parte de uma minoria, dos seus principais, pontos de vista, a uma massa enorme de cidadãos, a um país inteiro, a uma Nação.

Neste critério, reacção é todo aquele movimento de direcção social que considera a fôrça e a coacção como um agente criado, como uma conduta a adoptar.

Definido assim o meu critério de reaccionarismo, não se admirará V. Exa. que eu diga que tam reaccionários são os chamados conservadores, que pretendem subordinar tudo ao que copiaram de páginas mortas e já esquecidas, como são os outros que pretendem garantir a tranqüilidade social, que pretendem garantir a tranqüilidade individual pela imposição de regras, que já não correspondem ao presente.

É então, segundo êste critério, tam reaccionários são êstes avançados como aqueles pseudo-conservadores.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ferreira da Rocha: — Sr. Presidente: o meu ilustre colega, Sr. João Camoesas, aproveitou a falta de número para fazer um longo discurso, à espera dos seus colegas desta Câmara que aos trabalhos parlamentares não se querem dedicar a assiduidade bastante.

Do mal o menos.

Ouvimos o Sr. João Camoesas fazer afirmações um pouco teóricas, sem dúvida, especialmente doutrinárias, mas, quando estamos tam hatituados a ver que nos partidos da República e no Partido Democrático, sobretudo, já não há quem faça afirmações de princípios, porque já quási não é preciso tê-los, quando estamos assim tam habituados, alguma cousa se ganha com esta falta de número.

Disse S. Exa. no seu discurso várias cousas, em parte a mim referentes quanto ao aspecto político do problema actual, em parte referentes a considerações sociais quanto ao problema da família, da distribuição da riqueza.

Quanto à segunda parte nada tenho a dizer. E S. Exa. suficientemente novo para que eu possa quási dizer que, quando S. Exa. nasceu já eu defendia o que S. Exa. acaba de defender.

Nessa matéria apenas direi que não é preciso ser-se democrático para sentir que a evolução do direito se foi fazendo em termos de sentir-se que instituições anteriores se não podem manter no mesmo rígido aspecto em que agora se pretendessem conservar.

Mas na primeira parte — o problema político da actualidade — o Sr. João Camoesas fez moldar as suas considerações na necessária existência dum período pré-República, período em que estaríamos agora que seria evidentemente indispensável como conseqüência fatal das circunstâncias, duma instabilidade de tal ordem que ninguém pode exigir uma certeza real de direitos, processos e princípios.

Sòmente direi a S. Exa. que,me não considero num período pré-República mas sim, se me permitem o desalento que é o de todos os que são sinceramente republicanos, num período post-República.

Num período pré-República, quando, após catorze anos de regime republicano, nós sentimos a existência da forma monárquica em princípios e da forma anárquica em processos?

Num período pré-República nota-se uma confusão momentânea e uma certa perturbação de processos.

Mas é nos períodos post-República que se notam então os apetites ambiciosos de todos os que esperam como que o desmanchar da feira para irem ainda rebuscar depois o que por lá se encontra.

Período pré-República foi aquele em que durante alguns anos houve ainda doutrinas e princípios.

Não é, pois o período pré-República aquele em que nos encontramos.

Se eu disse e confirmo que as circunstâncias presentes eram de desalentar, não tem o Sr. João Camoesas o direito de sentir nestas palavras á condenação de todos os meios e tentativas de regeneração.

O que tem é o dever de sentir a indicação daqueles que, vendo que marchamos mal, procuram emendar essa marcha errada.

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É preciso por vezes castigar para remediar. É preciso apontar os males para apontar os remédios.

No período pré-República, o que seria natural ver seria os homens juntarem-se à volta de princípios, cada um levantando a sua bandeira, todos convencidos de que era essa a melhor forma de conseguir a felicidade comum.

Mas, num período post-República, sente-se que os homens se dividem em volta do mesmo bolo.

Nós herdámos da monarquia um sistema de caciquismo subordinado, todavia, a um sistema ponderador, constituído por um rei.

Se estivéssemos num período pré-República, havíamos de procurar substituir êsse período de caciquismo por um período de educação, levando todos a colaborar, na medida das suas fôrças, na regeneração nacional.

Estando num pré-República procuraríamos substituir o rei; uns tentavam substituí-lo pelo Presidente querendo-lhe atribuir aquela mesma função que o rei desempenhava, outros procuravam directamente substituí-lo pela revolução suprema manifestação de génio nacional.

Isso não é um período de pré-República!

Há tempos vi como que o desenhar de uma formação de princípios dentro do Partido Democrático. Um grupo de homens, sentindo que existia uma massa republicana, procurava aproveitar essa massa; não quero dizer agora se com intuitos de absoluta certeza e confiança nas prosperidades do seu país, se com quaisquer outros — mas procurava aproximar - se dessa massa, afirmando que queria dar uma característica ao seu par-tido.

Não quero agora discutir se êles o faziam em termos de inspirar confiança, e se havia aquela quantidade de senso que é preciso apresentar para propagandas dêsse género. Não o quero discutir, nem, sequer, se êsses homens apareciam como ambiciosos do Poder ou convictos duma idea nova.

Mas o que vimos?

E que o próprio partido, em que se manifestava essa tendência, procurava abafar essa acção concentrando-se, arranjando maneira de por todas as formas manter o Poder, afastando e fazendo desaparecer essa divisão que podia caracterizar os partidos dentro da República, para ficar sempre a mesma cousa: a máquina que governa Portugal, pondo fora dela aqueles que não queiram nela ingressar, e levando-nos para aquele reaccionarismo a que o Sr. João Camoesas se referiu.

Pregunto: o que são êstes homens que assim procedem? Cegos ou mentecaptos? O que esperam do seu país?

Supõem que a Nação há-de suportar o pêso do cilindro dessa máquina?

Eu sei que as tendências revolucionárias dos últimos anos vão desaparecendo, porque até no meio dos revolucionários se encontram pessoas que não inspiram confiança aos revolucionários. Mas acredita alguém que uma nação inteira passe da monarquia para a República para ficar dominada pelo mesmo sistema, sem ao menos ver a seu lado para quem possa apelar: o rei?

Era isto que eu dizia ao Sr. João Camoesas que era impossível. E a triste experiência de catorze anos, e a série de revoluções contra o domínio estabelecido não fizeram ainda mostrar a êsses cegos ou mentecaptos que levam o seu país para a absoluta ruína?

Mas eu disse mais ao Sr. João Camoesas que num período pré-República educam-se até os próprios órgãos do Govêrno, ensina-se que não há poderes omnipotentes numa democracia, ensina-se que não querendo ser governados em ditadura por alguém que de chicote em punho nos domine, nós não queremos também que essa ditadura, não sendo exercida por um, seja exercida por um grupo de homens que, fazendo-se substituir pela máquina de que dispõem, façam sempre o que muito bem queira fazer. Num período de pré-República ensina-se que a governação pública se deve fazer pela mutação de poderes, para que nenhum exceda as suas faculdades.

Num período pré-República ensina-se que, acima do todas as pretensões de omnipotência parlamentar ou governamental, há aqueles direitos escritos ou não escritos que estão na consciência de todos, e que ninguém pode postergar ou violar sem incorrer imediatamente no desagrado geral, sem dar lugar à revolta, e à revolta de direito, à revolta legítima.

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Num período de pré-República ensina-se que há tribunais para julgar as causas que surjam entre particulares, nos termos das leis promulgadas e publicadas.

Num período pré-República ensina-se que ninguém pode modificar as decisões dêsses tribunais, servindo-se abusivamente, servindo-se ditatorialmente, servindo--se despoticamente da fôrça de que o número conquistado pela máquina eleitoral dispõe aqui na Câmara.

Num período pré-República ensina-se que não há ninguém que, pelo facto de ter na sua mão o comunismo burocrático da nação, pelo facto de dispor dos meios de suborno e de governo, e por êsses meios conseguir maiorias parlamentares, não há ninguém que por êsse facto tenha o direito de ser o senhor, ser o dono dum país inteiro.

E, no emtanto, é o que está fazendo um partido que se diz democrático. E democrático porquê?

A maior parte dos membros do Partido Democrático desafio eu a que prove ser mais radical do que eu sou. Em exemplos vários tenho aqui demonstrado - a própria proposta base dêste debate é a proposta tipo do que afirmo — que o Partido Democrático é o menos radical da República.

E tem alguém, a dentro do Partido Democrático, o direito de pôr de parte os homens do meu partido porque se não prestam, porque se não sujeitam a ficar dominados na máquina, para os colocar na situação especial de homens fora da República, quê nela não têm ingresso, a não ser para dar êste pequeno número de minoria, que serve como que de carimbo, de chancela à própria maioria para governar, e a nação supor que há aqui um Govêrno parlamentar?

Quanto ao Sr. João Camoesas ir pelo país além, fora ou dentro do Partido Democrático, com ou sem partido, se S. Exa. quere juntar-se aos homens que são republicanos, que entendem que dentro da monarquia não cabem as reivindicações a que a República pode dar largo desenvolvimento; se o Sr. João Camoesas quere ir pelo país fora procurar educar portugueses e ensiná-los a ser republicanos, a fim de que se não repita o espectáculo que estamos dando à nação, terá em mim um companheiro.

Eu posso lá admitir que um Govêrno se apresente com um programa que é como que um índice das publicações parlamentares do último ano! Posso lá admitir que, em nome da República, o Sr. João Camoesas, em nome do Partido Democrático, se afirme radical e queira apresentar radicalismos a maior parte das vezes sem noções claras e categóricas que caracterizem um partido nessas condições!

As palavras que o Sr. João Camoesas disse a respeito do seu partido estaria pronto a dizê-las em igualdade de condições aos homens que o meu dirigissem. Continuo convencido da necessidade duma política republicana radical dentro daqueles termos em que S. Exa. defende o radicalismo; mas continuo a afirmar também que não se vai lá pelos processos que o Partido Democrático tem procurado seguir até agora.

Não quero intervir na restante parte da argumentação do Sr. João Camoesas, que teve de nela se prolongar, devido à falta de número na Câmara dos Deputados.

E não pretendo discutir com S. Exa. a vantagem dessa orientação na sociedade.

No emtanto S. Exa., tendo defendido a fórmula do radicalismo individual, estabelece em promessas a defesa do liberalismo individualista.

S. Exa. ou está enganado, ou, devido à necessidade de falar durante muitos tempo, traiu o seu pensamento.

Não há nenhuma evolução no momento presente em qualquer parte do mundo que nos mostre o triunfo próximo de qualquer fórmula de socialismo no Govêrno.

A única experiência, feita na Rússia, está falhando por completo, e não é senão o regresso a uma forma individualista corrigida.

Da experiência feita pelo Partido Trabalhista em Inglaterra, resultou um Govêrno individualista de tendências corrigidas.

As tendências do Govêrno Radical Francês são uma simples experiência individualista com excessos de individualismo corrigido.

O direito de propriedade não é nem pode ser um direito absoluto, mas convém que seja mantido exactamente por-

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que do desempenho da função que nele se contém resultam vantagens para a sociedade e resultam vantagens para a própria produção da riqueza pública. Em todas essas experiências se mostrou que o estímulo da iniciativa privada é absolutamente indispensável à produção e que ainda não se encontrou forma de o substituir; mas também se verificou que, visto que a propriedade em última análise era mantida não como um direito absoluto mas como uma conseqüência da função social, tinha a sociedade também o direito de lhe impor as tributações necessárias para sustentar as despesas do Estado, fazendo da propriedade uma utilidade social.

É isto simplesmente o programa que se pode conseguir; e nesse campo mais do que o Sr. João Camoesas, mais do que todos os «canhotos» do Partido Democrático, mais do que todos os esquerdistas, me encontro eu; somente desejo que justiça se faça, fazendo incidir a contribuição na proporção progressiva das fortunas.

O que não quero, o que não é republicano, o que é talvez criminoso é procurar alcançar pela expoliação aquilo que está à vista, aquilo a que é fácil lançar a mão, como fez, por exemplo, o último Govêrno, aos juros da Divida Externa.

Isso não é esquerdismo: — é roubo.

Esquerdismo seria lançar o imposto de rendimento sôbre o capital de todos os portugueses.

O resto não é esquerdismo, é uma cousa repugnante.

E é contra essa forma de anarquismo financeiro que eu tenho protestado. Não quero anarquismo no sentido etimológico da palavra da falta de Govêrno, nem mesmo no sentido de confusão caótica da administração.

É contra êsse empirismo do Govêrno se julgar no direito de lançar mão sôbre todas as cousas que tenham valor, é contra êsse empirismo horroroso em matéria financeira que eu tenho protestado.

Se radicalismo quere o Sr. João Camoesas chamar à forma de interpretação de doutrinas políticas ou sociais em que se compreende absoluta liberdade de pensar, a absoluta liberdade de querer, a absoluta igualdade perante o Estado em matéria financeira, então sou eu que chamo a S. Exa. reaccionário, como chamo reaccionários àqueles que pretendem ajustar injustamente à cabeça o chapéu do liberalismo ou do radicalismo.

Sr. Presidente: desde que não se conseguiu até agora o número de Deputados suficiente para a sessão prosseguir, melhor seria que V. Exa. a encerrasse.

O que se está passando é desprestigiante da instituição parlamentar.

É caso para se preguntar onde está êsse apoio com que o Govêrno conta da parte do grande e forte bloco, que nem com a sua presença aqui lho manifesta!

Um grupo parlamentar que brilha pela ausência dos seus elementos às sessões, não tem o direito de conservar o Govêrno eternamente nas suas mãos.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Sr. Presidente: sendo necessário obter maiores recursos do que aqueles que poderão advir para o Estado pela execução das propostas já entregues ao Parlamento, à data em que se constituiu o actual Govêrno, eu entendi que a única maneira de conseguir o fim desejado, era alcançar da Câmara a aprovação da que se discute e que por mim foi apresentada.

Se ela apareceu a desoras da noite, quando já estão cansados os Srs. parlamentares por um exaustivo trabalho, não foi porque eu pretendesse obter que ela se aprovasse como que sub-repticiamente, mas sim porque as circunstâncias a isso me obrigaram.

Compreende-se que era necessário aproveitar todos os momentos dêste final de sessão legislativa; e não podia, portanto, estar com delongas, que se dariam se houvesse de se trazer um minucioso relatório para elemento de discussão. De rosto, a proposta é de urna grande simplicidade para todos o muito especialmente para os Srs. Deputados, todas pessoas de grande ilustração e que, nesta especialidade, se encontram devidamente preparados.

Nestas condições, não tive hesitações em submeter tal proposta à consideração da Câmara pela forma como a trouxe.

Sr. Presidente: diz-se que esta proposta não corresponde a uma teoria defi-

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nida, que é empírica e grosseira, que terá conseqüências de flagrante iniqüidade.

Mas, eu então pregunto se as demais propostas que estão entregues à resolução do Parlamento, não são susceptíveis de igual crítica e se não serão susceptíveis de produzir também conseqüências iníquas!

A Câmara, se entende que melhor cousa se pode fazer, não deve hesitar em proceder por forma a que de facto obra melhor se consiga.

O que há que obste a isso?

Eu estou aqui pronto a aceitar todas as indicações, pois que todo o trabalho é susceptível de aperfeiçoamento.

Procurei subordinar o meu trabalho à aceitação de ideas úteis; mas não consegui obter a satisfação da minha espectativa, e tenho de insistir pela minha humilde proposta.

Pregunta-se em que critério eu baseio êste pequeno trabalho.

V. Exas., com certeza, não querem ouvir uma série de teorias acerca do caso, mais ou menos arquitectadas.

Poderia, se o tempo o permitisse, fazer uma exposição de que afinal vem em todos os tratados; mas seria abusar de V. Exa. roubando tempo que V. Exas. precisam.

Estamos no encerramento dos trabalhos parlamentares.

Fixando a cifra, procurei obtê-la pela contribuição de registo; mas apenas o suficiente para isso.

Se V. Exas. confrontarem êste trabalho, com o de 1911, verificarão que as minhas alterações representam o mínimo a obter.

Ontem, ao apresentar o meu trabalho, que é um pouco diferente do que hoje apresento em substituição, fi-lo ainda dentro da orientação que tenho seguido até aqui, procurando suprir as deficiências com a colaboração do Parlamento, neste espírito de confiança recíproca, de todos que estão colaborando nesta Câmara com o mesmo intuito.

Apresentei uma proposta que depois verifiquei que era não só ociosa, como prejudicial, visto que não resultava dela o intuito que tinha em mente.

A preocupação do Govêrno era obter receitas para as necessidades com que tem de arcar.

Aqui têm V. Exas. a razão por que, sem quebrar lanças por esta proposta, esperava a colaboração de todos.

Ouvi com muito agrado as considerações feitas especialmente pelo Sr. Ferreira da Rocha.

Verifiquei, com satisfação, que S. Exa. tendo aliás ideas sôbre o assunto, achou ocasião de melhorar a proposta apresentada.

Não tenho nisso dúvida nenhuma.

Mando para a Mesa duas propostas de artigos adicionais.

Refere-se a primeira à transmissão dos prédios novamente construídos, assim como à compra de prédios.

Não é matéria nova: é matéria já de vária legislação, mas que é preciso adoptar.

Assim o fiz.

Não tenho a preocupação de possuir a verdade.

Se alguém tem essa preocupação, não é dêste mundo: anda pairando um pouco mais alto.

Eu não tenho a preocupação de mo apresentar num papel, que não possa desempenhar.

Eu sei que se faz hoje curso em finanças, em colónias, etc.; mas eu não quero ser discípulo de tal curso, e quando falo com sinceridade, afirmando que não estava preparado para realizar esta função, digo apenas claramente aquilo que penso — o que aliás muitos não têm a coragem de fazer.

A República não tinha homens preparados, e é na prática dos negócios públicos, que êles se fazem.

Vai longe o tempo, em que o menino nascia para ministro; mas o regime actual não é assim.

A República vai buscar os homens onde êles se, encontram, è depois, pela experiência, é que êles só formam, na preparação das necessidades que a República exige.

Nem todos nutrem vaidades ou ambições de chegar aos altos cargos da República; mas isso não impede que, quando' chamados, se não prestem a servir a Pátria e o regime.

Sr. Presidente: todas as propostas apresentadas á esta casa do Parlamento estão, mais ou menos erradas, e o critério que segui, foi aumentar um pouco as ta-

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xás, visto ser esta a forma de resolver a questão.

Pregunto: á que impede que, daqui a três ou quatro meses, o Parlamento vote uma lei de contribuição de registo, adequada às necessidades e que corresponda ao espírito moderno?

Nada obsta.

Sr. Presidente: alguns oradores, referindo-se à proposta, foram de uma injustiça grande acerca das intenções com que ela foi apresentada.

Não me refiro à pessoa que a apresentou, porque essa nada vale, mas a verdade é que eu não vejo outra forma de tributar, senão aquela que todos os homens de Estado utilizam.

Enchem a cabeça de teorias, mas, em chegando às cadeiras do Poder, não têm outros recursos senão aqueles que a prática dos negócios lhes dão.

O oportunismo é uma consideração ainda para os homens públicos.

Portanto, o dizer-se que vem para aqui uma proposta desconexa e injusta, não é senão fazer uma injustiça.

Longos estudos?

Como é que êles podem fazer-se?

É fácil fazer declamações sentimentais, mas o nosso papel é trabalhar rápida e utilmente.

Demos que as presentes taxas aplicadas a matéria colectável, principalmente depois da sua actual ligação, podem produzir uma grande elevação do imposto.

Mas é que temos também de contar com outros coeficientes.

E a riqueza que escapa?

E a riqueza mobiliária por exemplo? Há muitos valores fàcilmente sonegáveis, há valores que se não vão dar aos inventários.

O Sr. Morais Carvalho (interrompendo}: — Agora, essa fuga não se pode dar, porque há o pagamento de avenças; paga-se a contribuição de registo em relação ao portador.

O Orador: — Há muitos valores, desde o bragal de linho às jóias, que se não dão aos inventários.

Mostra isso que há um grande pé de meia.

Vejam V. Exas. como é que se pode sujeitar ao imposto tal riqueza, mobiliário, jóias, etc.?!

Há, por exemplo, títulos ao portador.

A taxa é simplesmente tendente a corrigir.

Pode dar em resultado situações mais ou menos injustas; mas não é com excepções que nós vamos argumentar — mas sim com a regra.

«- O imposto é reaccionário, não tem nada de democrático» — são as acusações que se fazem.

Eu não sei o que seja o imposto democrático ou reaccionário a respeito da proposta que se está discutindo. O que é democrático é ter como principal preocupação a salus populi, valendo às necessidades da Nação.

De resto, não se vêem excepções; vêem-se regras que a tudo se aplicam.

Não há outro intuito senão o igualitário, o mais popular e o mais democrático.

Eu não quero cansar a atenção de V. Exa. e da Câmara.

Mas não pense V. Exa., Sr. Presidente, que eu estou fazendo os elogios dêste elixir salvador.

O que eu acho absolutamente necessário ao Govêrno é que esta proposta, à falta de melhor que o Parlamento não proporcionou, seja aprovada.

Postas estas considerações, Sr. Presidente, eu envio para a Mesa dois artigos adicionais que vão ao encontro das observações feitas pelo Sr. Ferreira da Rocha.

O orador não reviu.

O Sr. Carneiro Franco: — E para mandar para a Mesa uma proposta de substituição ao artigo 4.°:

O valor dos bens lovres para os efeitos da contribuição de registo será, quanto aos prédios urbanos, de 15 vezes o rendimento que tiver servido de base à liquidação da contribuição predial relativa ao ano anterior àquele em que se operar a transmissão; quanto aos prédios rústicos, o valor respectivo não poderá ser inferior àquele limite de 15 vezes.

15 de Agosto de 1924. — Ernesto Carneiro Franco.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se a proposta do Sr. Morais Carvalho.

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Proponho que os artigos enviados para a Mesa pelo Sr. Ministro das Finanças, acerca da contribuição de registo, baixem às comissões respectivas, para que sôbre êles formulem e fundamentem o seu parecer.

Sala das Sessões, 15 de Agosto de 1924. — Morais Carvalho.

Posta à votação, foi aprovada.

O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

O Sr. Presidente: — Vai fazer-se a contraprova. Pausa.

O Sr. Presidente: — Estão 44 Srs. Deputados em pé e 11 sentados.

Está rejeitado.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se o artigo. Leu-se.

O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro votação nominal para êste artigo.

Sussurro.

O Sr. Pedro Pita: — Se V. Exa. garante que não sai da sala, voto.

Posto à votação o requerimento, foi rejeitado.

Posto a votação o artigo, foi aprovado.

O Sr. Pedro Pita: — Requeiro a contraprova.

Feita a contraprova, verificou-se o mesmo resultado.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se o artigo 2.º

Leu-se.

O Sr. Carvalho da Silva: — V. Exa. diz-me qual é o artigo que está em discussão?

O Sr. Presidente: — É o artigo 2.° da proposta.

O Orador: — Ora ainda bem que V. Exa. diz: o artigo 2.° da proposta.

Isto prova que ilegalmente, contra todas as disposições da lei, V. Exa. permite que se continue a discutir esta proposta.

Sr. Presidente: começando por declarar a V. Exa. e a Câmara que a nossa indignação é sincera e sentida, eu garanto a V. Exa. que», se de nó» dependesse a aprovação desta proposta, ela não seria aprovada.

Bom é que isto se saiba para que as responsabilidades de todos fiquem claramente definidas.

Entendemos dêste lado da Câmara que, considerando-se perniciosa, ilegal e anti-regimental uma proposta, contribuir por qualquer forma para que ola possa ser votada é o mesmo que aprová-la, com a diferença de que quem a aprova é coerente com a sua atitude, e nós não o seríamos se votássemos uma proposta atentatória da fortuna particular.

Sr. Presidente: já esta tarde, num discurso brilhante, como todos aqueles que S. Exa. profere, o Sr. Ferreira da Rocha manifestou a sua opinião, dizendo que esta proposta não devia de maneira nenhuma ter sido admitida. S. Exa., muito indignado, considerava que ela era anti-regimental, que ela era tudo que havia de mais atrabiliário, que ela era uma vergonha para o Parlamento e que não servia senão para deprimir o prestígio parlamentar.

Já esta tarde S. Exa. disse, acerca da contribuição de registo por título oneroso, o que representava para a economia nacional a doutrina exposta.

Ontem, data gloriosa para o nosso País, serviu a comemoração do aniversário que passava para encher por bastante tempo a sessão, evitando que ela tivesse de fechar por falta de número.

Uma hora depois da marcada para a sessão, hoje, um daqueles que nos acusam de fazer obstrucionismo, falou mais de hora e meia, respondendo-lhe, num discurso brilhantíssimo, o Sr. Ferreira da Rocha.

Êsse largo discurso não me pareceu que fôsse sôbre o artigo 1.º da proposta de lei de contribuição de registo.

Eu entendo que, mais do que as doutrinas, falam os factos; e, por isso, não resisto a apresentar à Câmara um depoimento importante que encontro no livro

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Lês problèmes du logement, e que é a resposta àqueles que me preconizam o regime comunista ou radicalista.

Implantado na Rússia o regime dos soviets, sucedeu o seguinte:

Lê.

Fez-se depois a municipalização das casas e os resultados foram de tal ordem, que elas começaram a arruinar-se. Em vista disso, entrou -a Rússia numa nova política que se traduz no seguinte:

Lê.

Foram insuficientes estas medidas e, por isso, o regime dos soviets resolveu restabelecer o direito de construir nas condições que passo a ler.

Lê.

Aqueles que atacam a propriedade e defendem o regime comunista não devem esquecer que as suas doutrinas foram já postas em prática na Rússia, tendo dado péssimo resultado e tendo de se restabelecer a propriedade privada, podendo o proprietário legá-la aos seus herdeiros em testamento.

Na própria Rússia dos soviets já se reconheceu isso, quanto é indispensável garantir o direito à propriedade; e não se trata já só da propriedade vitalícia, trata-se de garantir a propriedade com o direito de testar.

Mas isto era ainda insuficiente; e, porque era ainda insuficiente, a Rússia foi mais longe na sua legislação: desmunicipalizou já parte das casas porque via as que estavam mobilizadas arruinarem-se por completo.

Ela foi obrigada a restituir aos seus antigos proprietários todas as casas que não tinham mais de seis compartimentos.

Isto são factos, que servem para provar quanto o respeito pela propriedade e absolutamente indispensável e quanto são perniciosas, absolutamente perniciosas, as doutrinas que por vezes ouço expor nesta Câmara, e tanto mais perigosas quando são expostas por uma maioria parlamentar que tem portanto a sua missão de legislar no sentido dêsses princípios que defende.

Bem sei que a maior parte dessa maioria não pensa dessa maneira; mas a verdade é que uma minoria dessa maioria a leva atrás dêsses princípios, pelo medo daqueles que constituem a forma do reagir contra essa fôrça que constitui, por assim dizer, a própria essência da República, a própria essência do regime.

Nestas condições não andamos longe da verdade dizendo que a continuação da República é a aproximação dum regime comunista...

Uma voz: — Ainda bem, oxalá que assim seja.

O Orador: — É das bancadas da maioria parlamentar que se diz: «ainda bem».

Sr. Presidente: ainda há dias li um relatório feito por um Congresso Internacional de Proprietários em Paris, em Outubro do ano passado, redigido por um antigo proprietário da Rússia, em que êle conta o que naquela nação se passava antes da revolução comunista: a indiferença dos conservadores perante os princípios que eram defendidos lá como aqui são.

Essa falta de resistência das classes que se dizem conservadoras, a sua inconsciência é que fizeram com que na Rússia se dessem os acontecimentos que se deram.

Não olhem para o que aqui se faz os conservadores do meu país, e verão as conseqüências da sua atitude e comodismo...

O Sr. José Domingues dos Santos (interrompendo): — As eleições ainda vêm longe.

O Orador: — V. Exa. está hoje satisfeitíssimo porque faz parte dum partido ou duma corrente importante dêsse partido que entende que as heranças devem ser abolidas.

Ao menos V. Exa. detende êste princípio abertamente, porque o apresenta em toda a parte. Portanto, os conservadores que derem os seus votos já sabem que os dão a quem defende princípios dêsses.

Não é a V. Exa. nem àqueles que como V. Exa. defendem êsses princípios que eu me quero referir; quero referir-me àqueles que se apresentam como conservadores e que não fazem senão sancionar a obra que V. Exa. defende, facilitando-lhe o caminho da prática.

Sr. Presidente: tenho ouvido falar muito nesta casa do Parlamento em que é necessário resolver o problema da habi-

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tacão, tenho ouvido clamar muito contra o preço espantoso das rendas das casas modernamente construídas, preços absolutamente incomportáveis para o orçamento da maior parte das famílias que eu nem sei mesmo como conseguem arranjar o dinheiro preciso para pagar essas rendas fabulosas.

Mas, Sr. Presidente todos êsses democratas e amigos do povo, que não se cansam de defender essas doutrinas, vêm apresentar aqui uma proposta de contribuição de registo, e não se lembram de quantas reclamações têm havido nesta casa do Parlamento e lá fora.

Nós, dêste lado da Câmara, estamos a defender desde que aqui temos lugar, o princípio de que é absolutamente necessário isentar de contribuição de registo, por título oneroso, as casas modernamente construídas, na sua primeira venda.

O Sr. Presidente (interrompendo): — Sobre a Mesa está uma proposta do Sr. Ministro das Finanças, que atende na sua quási totalidade os desejos de V. Exa.

O Orador: — Há três anos, apresentei eu aqui duas propostas, uma nesse sentido, e outra no sentido de isentar por quinze anos de contribuição as modernas construções.

Lembro-me quanta indignação provocou nas bancadas da maioria uma proposta dessa ordem, e de que alguns Srs. Deputados daqueles que dizem que só por especulação política aqui falamos, se riram com um ar de superioridade.

Sr. Presidente: que tremendas responsabilidades tem a maioria da Câmara, no estado em que se encontra entre nós o problema da habitação!

Ainda há dias, quando aqui se discutiu a lei do inquilinato, eu defendi a necessidade de incluir nessa lei um artigo destinado a isentar por quinze anos de contribuição os prédios construídos de novo, como defendi também o princípio de o Estado fornecer materiais baratos para essas construções, é estabelecer prémios de construção para as casas construídas de novo.

Sr. Presidente: esta taxa de 10 por cento, é pesada para a transmissão por título oneroso, e entendo que, até para bem do Estado, ela devia ser reduzida.

A suposição, que muita gente tem, de que aumentar as taxas de contribuição é aumentar as receitas do Estado, é a mais errada das suposições.

E ainda talvez haja quem possa confirmar esta informação, que eu tive, e que prova quanto é verdadeira esta doutrina que eu defendo.

A receita dos telégrafos, quando das taxas anteriores às actuais, era maior do que é hoje, apesar de as taxas terem sido aumentadas.

Quere dizer: o número de telegramas diminuiu em número tal que a receita dos telégrafos é menor, apesar do agravamento das taxas.

Também, em matéria de sêlo, já devem saber as estações oficiais o que sucedeu com o agravamento da taxa de sêlo para recibo: deixou de haver recibos.

Hoje há apenas memoranda.

Portanto, o agravamento da taxa do sêlo, serviu só para diminuir as receitas.

Agravaram-se as taxas dos selos dos cartazes e imediatamente deixou de haver cartazes,

O Estado que obtinha uma boa dúzia de contos da afixação de cartazes, com esta medida extinguiu essa receita.

Era portanto um dever do Estado deminuir consideràvelmente a taxa de contribuição do registo por título oneroso; mas, Sr. Presidente, eu vejo que o Sr. Ministro das Finanças continua com a sua doutrina do começo da sessão.

Esta sessão começou já ontem, e talvez que ainda-S. Exa. tenha mais algumas propostas para mandar para a Mesa.

E, Sr. Presidente, não pode uma oposição de dois Deputados, por mais que se canse, por mais esfôrços que empregue, lutar contra o acordo duma Câmara inteira, e tem de a deixar fazer todos os atropelos ao Regimento, e tem de deixar emfim, que o Govêrno faça o que quere e entenda, ou antes o que quero, porque não sei se o Govêrno entende o que quere.

E creio que não entende, Sr. Presidente, porque ainda ontem o Sr. Ministro das Finanças apresentou, depois das 3 horas da manhã, uma proposta sôbre contribuição de registo e hoje vem apresentar outra totalmente oposta àquela.

Ainda não há um ano, sucedeu a mesma cousa com o Sr. Velhinho Correia.

S. Exa. apresentou, nesta casa do Par-

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Lamento uma proposta sôbre contribuição, defendendo-a calorosamente do seu lugar e, porque um modesto Deputado da oposição lhe mostrou o que essa proposta era, S. Exa. apressou-se em ir à Mesa trocar essa proposta por uma outra inteiramente diferente.

Chama-se a isto processos de competência republicana; chama-se a isto processos que dão autoridade para dizer aos outros que se opõem, a essa medida, que êles fazem obstrucionismo, e que é criminosa a sua acção, não considerando como criminoso aceitar uma pasta para ir fazer o que fazem muitos Ministros da República!

Mas, Sr. Presidente, o Sr. Ministro das Finanças disse há pouco que apenas fazia esta elevaçãozinha das taxas na contribuição de registo para obter mais dinheiro.

Pode V. Exa. dizer-me qual é a receita que espera auferir dêste agravamento de taxa?

O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Não sei se o conseguirei, mas desejaria tirar 30:000 contos.

O Orador: — Creio que não conseguirá obter essa importância com êste imposto.

V. Exa. disse que da riqueza mobiliária há uma parte grande que escapa à tributação e que procura compensar isso com a tributação exagerada da riqueza imobiliária.

É justo que assim se proceda?

É justo que a pobre riqueza imobiliária, pelo facto de ser a única que não pode fugir à tributação, pague mais do que deve?

Parece-me que não!

Os Deputados monárquicos têm feito tudo quanto nas suas fôrças cabe para combater a injustiça com que se vai sobrecarregar o contribuinte.

O País apreciará a nossa atitude e a atitude dos Deputados republicanos.

O orador não reviu.

Posto à votação é aprovado o artigo.

A contraprova pedida pelo Sr. Carvalho da Silva confirmou a votação por 44 votos contra 11.

É lido e aprovado sem discussão, o primeiro artigo novo.

Proponho que o corpo do artigo 1.° seja substituído pelo que segue:

Artigo 1.° As taxas da contribuição de registo por título gratuito serão:

[Ver valores da tabela na imagem]

O Ministro das Finanças, Daniel Rodrigues.

Lê-se e entra em discussão o segundo artigo novo.

Artigo... Na primeira transmissão doa prédios urbanos, em que fôr devida contribuição de registo por título oneroso, desde que essa transmissão seja feita pelos próprios construtores e dentro do prazo de 3 anos após a construção, a contribuição de registo respectiva será de 1 por cento do valor dos prédios transmitidos. Artigo Na transmissão de prédios quando a compra seja feita no intuito de revenda, o comprador, fazendo a respectiva declaração, terá o direito a uma restituição de dois terços da contribuição de

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registo paga, se revender o prédio dentro de dois anos contados desde a data da compra.— O Ministro das Finanças, Daniel Rodrigues.

O Sr. Morais de Carvalho: — Cada artigo da proposta de lei em discussão representa um novo gravame para o contribuinte que, nos tempos saudosos da propaganda, não podia nem devia pagar mais.

Mas, Sr. Presidente, servirá êste lançamento de impostos, feito à toa, para conduzir-nos ao equilíbrio orçamental?

A prática dos últimos anos, respondo, sem hesitação, pela negativa.

Quando em 1923 se votou a lei n.° 1:368, recordo-me de que o Sr. António Maria da Silva, então Presidente do Ministério, exaltou a obra do Parlamento, dizendo que ela era o início da regeneração financeira do País. S. Exa. estava convencido de que o país ia entrar no almejado equilíbrio orçamental.

Mas o que vemos?

Vemos que essa avalanche extraordinária de impostos, que é a lei n.° 1:368, para nada serviu e que, pelo contrário, se efectivou a obra prevista por êste lado da Câmara.

Sr. Presidente: o meu vaticínio é; agora o mesmo. Êste lançamento de impostos só trará um desiquílibrio maior ao orçamento.

Sr. Presidente: pelo artigo em discussão, ficam sujeitos ao pagamento da contribuição de registo, por título oneroso, os traspasses de estabelecimentos comerciais e industriais.

Já há pouco, na sessão da tarde, o Sr. Ferreira da Rocha, num discurso cheio de dados e proferido com aquela clareza que é timbre da sua eloqüência, declarou à Câmara que esta contribuição era uma cousa que não se compreendia.

Na verdade, assim é.

Mas, pelo § 1.° da proposta em discussão diz-se que para os efeitos da presente lei, considera-se como traspasse a mudança de proprietário, seja ela qual fôr.

Assim, basta que um indivíduo estabelecido, de sociedade a qualquer dos seus empregados de maneira a formar uma nova entidade jurídica, para que êsse facto seja considerado como traspasse, e, nos termos da lei, ter de pagar contribuição.

Sr. Presidente: poderia tratar-se duma contribuição nova, que não afectasse grandemente êsse rendimento; mas não. O próprio § 1.°, na sua parte final, determina que, na falta de declaração, o vale do traspasse, será o rendimento colectável do prédio onde existe o estabelecimento, multiplicado por 20.

Sr. Presidente: suponhamos o caso dum estabelecimento, sujeito a uma renda, anterior à guerra, de 50$ mensais.

Êsse rendimento, pela lei ultimamente aprovada, passa a ser de 500$, ou repassa 6 contos anuais. Multiplicando os 6 contos por 20, como manda a parte final do artigo que se discute, obtém-se a quantia de 120 contos, e neste caso, 10 por cento representam a contribuição a pagar, ou sejam 12 contos.

Sr. Presidente: então porque um comerciante quis ligar mais a si um colaborador, fica por êsse motivo, obrigado à contribuição de 12 contos?

Isto respeita a um estabelecimento pequeno, e por aqui a Câmara pode ver o que acontecerá no caso de um estabelecimento de maior valia.

Sr. Presidente: depois das considerações produzidas nesta Câmara, pelos vários oradores que se pronunciaram, o artigo em questão não pode nem deve merecer a aprovação desta casa do Parlamento.

Isto que se pretende transformar em lei representa uma violência por tal forma espantosa que, estou certo, não mereceria a aprovação, nem mesmo daqueles Deputados que aqui tem manifestado a propósito desta proposta, os critérios mais radicais.

Isto é de tal forma violento, que ainda há pouco ouvi dizer a um dos Deputados do Partido Democrático, que menos podem ser acusados de conservadores, que a votação desta disposição representaria uma arbitrariedade tam manifesta, um golpe tam profundo no desenvolvimento comercial e industrial do País, que êle, também, não acreditava que a Câmara a aprovasse.

É ainda na convicção de que realmente se fez no espírito da maioria o convencimento de que o artigo em discussão não pode passar, pele menos tal como se encontra, que eu vou dar por findas, desde já, as minhas considerações.

Tenho dito.

O orador não reviu.

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O Sr. Pinto Barriga: — Sr. Presidente: eu já tive ocasião na discussão na generalidade da presente proposta, de dizer o que penso a respeito do seu artigo 3.° que contém, nem mais nem menos, uma verdadeira duplicação de taxas.

É indispensável regular por uma outra forma, essa contribuição se não querem, de facto, eliminá-la.

O § 2.° diz:

Leu.

De forma que se verifica o seguinte: é que não estão bem definidos os elementos que hão-de constituir esta avaliação.

Como se há-de avaliar o traspasse?

Quais as condições em que essa avaliação se há-de fazer? Não se sabe.

De maneira que é indispensável definir o que é êsse valor, porque não encontramos no nosso Código Comercial elementos para isso. Assim, ou deve eliminar-se êste artigo ou dar-se-lhe uma outra redacção.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ferreira da Rocha: — Sr. Presidente: já esta tarde, falando a propósito da disposição que se discute no presente momento, disse a V. Exa. que ela não era de possível aprovação. De facto, não existe no traspasse dum estabelecimento comercial ou industrial nada que possa ser tributado a título de contribuição de registo.

Não se trata da transmissão dum móvel, porque suponho' eu que o Sr. Ministro das Finanças não se quere referir, porventura, à venda do prédio em que o estabelecimento esteja instalado, visto que para essa hipótese a contribuição já incide sôbre o valor do próprio prédio transmitido.

Não havendo imóvel transmitido, não pode o próprio Sr. Ministro das Finanças justificar perante a Câmara como é que sôbre o traspasse pretende fazer incidir uma contribuição por título oneroso. Mas suponhamos que o Sr. Ministro das Finanças marcou êste tributo sôbre a proposta de contribuição de registo, por ser ela aquela que tinha à mão, mas que o seu intuito era obter do traspasse um- lucro para o Estado.

Veja agora a Câmara o que é «traspasse», e como o Sr. Ministro das Finanças pode fazer isso.

S. Exa. parece supor que no traspasse há simplesmente a transmissão de chave do estabelecimento, dando à palavra «chave» aquela significação que estamos habituados a atribuir-lhe, no sentido de valor comercial do estabelecimento. É impossível na prática distinguir êsse valor do valor total do traspasse. Quando uma casa comercial se traspasse, traspassa-se com tudo que tem dentro, a não ser quando a casa já nada tem, porque estava preparada para outro estabelecimento, nem se distingue na prática o que é a chave dos estabelecimentos e as mercadorias neles contidas. Creio mesmo que dentro da teoria do Sr. Ministro das Finanças, aliás errada, não se contém a tributação dos géneros que estiverem dentro do estabelecimento, e, assim, é difícil distinguir o valor do estabelecimento do valor dêsses géneros.

Mais ainda: pela opinião do Sr. Ministro das Finanças a simples modificação da sociedade obriga ao pagamento da contribuição, e isto quere dizer que logo que uma casa dê interêsse a um seu empregado, é obrigada a pagar imposto sôbre o valor da chave de todos os estabelecimentos que porventura a casa tiver.

Se amanhã uma casa que tenha o capital de 1:000 contos der a um seu empregado, naturalmente pura provocar o maior interêsse dêsse empregado nos negócios da casa, uma cota de 100$ ou de 200$, o Sr. Ministro das Finanças entende que ela tem de pagar um imposto sôbre o valor do traspasse, sôbre o valor da chave de todos os estabelecimentos que a sociedade possuir, só pelo simples facto de admitir como sócio, com uma pequena cota,.um seu caixeiro. Veja V. Exa., Sr. Presidente, se isto não é simplesmente absurdo!

O facto de o Sr. Ministro das Finanças desejar obter uma nova receita para o Estado, naquilo em que supõe haver um lucro, tem um aspecto muito louvável, quanto ao intuito. Tem, porém, muito de censurável se se quiser obrigar a Câmara, neste cansaço de dias e noites seguidos de trabalho, a vencer as dificuldades que se juntam em torno dêste problema, sem ouvir os interessados, sem conhecer as minúcias, os pormenores a que tem de atender.

Bem andará, portanto, o Sr. Ministro

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das Finanças se concordar cora que êste artigo baixe a uma comissão para o estudar durante o mês e meio que nos separa da reabertura do Parlamento. O Sr. Ministro, procedendo assim, não andará senão como um homem prudente. Este é o dever fundamental dos estadistas.

Se porém, S. Exa. não quiser ir por estas razões práticas, lembrar-lhe hei aquelas razões teóricas que lhe farão crer que não há lugar a uma contribuição de registo senão numa transmissão de capital, e que não há, de facto, uma transmissão de capital no simples -traspasse. Muitas vezes o traspasse é o simples pagamento das despesas de instalação já feita anteriormente; outras vezes o traspasse é a reposição de importâncias anteriormente pagas por aqueles que inicialmente na casa se estabeleceram.

É também preciso notar que o traspasse é normalmente o acto da sociedade que liquida, que não pode continuar a negociar, e não da que prospera. E é então que se pretende lançar um novo tributo? Entendo que o Sr. Ministro das Finanças deve ter todo o cuidado com respeito à um procedimento desta natureza, e eu não posso fazer a S. Exa. a injúria de supor que por mera teimosia seria capaz de insistir na aprovação duma disposição a respeito da qual ainda não estivesse convencido de que tinha encontrado os meios de resolver possíveis e graves dificuldades.

Eu creio que o Sr. Ministro das Finanças deixará para melhor estudo a oportunidade da admissão desta proposta.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: não sei que mais há-de a Câmara fazer de repente, sem estudar nem pensar!

Esta proposta representa a sanção de um roubo.

Em geral, um traspasse feito por um comerciante o que é? O comerciante tem de receber a diferença entre a renda correspondente ao valor do estabelecimento e aquela que a lei do inquilinato permite ao senhorio que receba. Pois o Estado quere, pela proposta do Sr. Ministro das Finanças, comparticipar de um roubo e sancioná-lo!

Melhor seria que o Estado lançasse uma contribuição Sôbre todos os roubos, porque isto não tem outro nome.

Então proíbe-se ao senhorio de receber, em nome de uma necessidade de assistência, aquilo que representa, o valor do seu imóvel e vai-se permitir ao inquilino que receba aquilo que lhe não pertence?

E para que nada falte, neste artigo até está especificada a circunstância do traspasse do estabelecimento se fazer para ramo diverso do negócio explorado pelo negociante, o que é uma agravante.

É a isto que se chama sistema democrático.

Poderia ainda defender-se um critério socialista; que eu não aceito: o do imposto sôbre a maior valia da propriedade correspondente a uma percentagem do aumento do valor da mesma; mas isso estaria reservado ao proprietário e não ao inquilino. Mas há mais.

O que se toma como base nesta proposta é verdadeiramente um absurdo. A base é de 20 vezes o rendimento do prédio.

Ora a Câmara sabe que qualquer modesta taberninha do Alto do Pina paga hoje uma renda superior ao estabelecimento da Rua do Ouro.

Sob o ponto de vista da propriedade, demonstra-se que esta proposta não é mais do que a sanção de um roubo feito ao proprietário.

Sr. Presidente: a maneira como esta Câmara está, a trabalhar, a altas horas da noite, só merece a realização daquelas ameaças que ao Parlamento têm sido feitas.

Eu só queria que o País estivesse nas galerias desta Câmara a ver a maneira como caminham as discussões e a atenção que os Deputados prestam aos trabalhos parlamentares.

Não há um Parlamento, há dois Parlamentos: um que consiste em se reunir a maioria para impor o que há-de ser aprovado, e o outro para entrar neste simulacro de discussão.

O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Os acordos que fazemos são sempre no intuito de beneficiar as propostas que aqui se apresentam.

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E V. Exa. mesmo tem entrado em vários.

O Orador: — Quando se discutiu nesta Câmara a questão do inquilinato fui eu quem teve a honra de iniciar o debate, declarando desde logo que punha de lado a questão política.

Porque numa questão daquela magnitude e daquela importância impunha-se a maior isenção.

Nunca supus que se chegaria ao ponto de se ter em tam pouca conta a propriedade alheia.

Os argumentos apresentados por êste lado da Câmara contra o que se está fazendo não têm sido contraditados, nem mesmo o poderiam ser, fundamentadamente; e todavia a Câmara vai aprovando todas as monstruosidades que lhe apresentam.

Nem ao menos há a sorte de os Deputados que estão dormindo acordarem para dizer que rejeitam. O País muito tinha a lucrar com isso; mas infelizmente só acordam para dizer que aprovam.

O Sr. Nuno Simões: - É a prova de que são disciplinados.

O Orador: — A disciplina neste caso é inconsciência.

O Sr. Vasco Borges: — Vota-se conforme o olho que se abre.

Se é o esquerdo aprovam, se é o direito rejeitam.

O Orador: — O País saberá apreciar êsse gracejo.

E admiram-se depois que lá fora se diga que o Parlamento é uma rapaziada!

Há cousas com que se não brinca.

Isto de se estar tirando a propriedade a uns para se dar a outros, não é caso que admita brincadeiras!

Não se fará isso com o meu voto. Com. o meu voto nunca se dará a uns o que a outros pertença.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carlos de Vasconcelos: — Mando para a Mesa uma proposta de substituição.

É a seguinte:

Proponho a substituição do artigo e seus parágrafos pelo seguinte:

Artigo... A cedência, a título oneroso, do direito ao arrendamento de prédio ou parte de prédio em que se encontre instalado estabelecimento industrial ou comercial, fica sujeito ao imposto de 10 por cento sôbre o valor por que ela se fizer.

16 de Agosto de 1924.— Carlos Eugénio de Vasconcelos.

Devo declarar que esta fórmula não me satisfaz; entretanto apresento-a como transigência e afirmação de um princípio que é absolutamente necessário estabelecer na nossa legislação financeira.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Sr. Presidente: não obstante a opinião expendida por alguns Srs. Deputados, eu continuo a entender que não se trata de uma tributação sôbre capital, mas sim duma tributação predial.

O traspasse é um direito inerente ao prédio; e, digamos, um valor do prédio; e, embora se diga que o proprietário não tem na sua mão êsse direito, não há que o considerar de outra forma.

Essa alegação apenas serve para nos mostrar que ao lado do direito do proprietário se criou outro direito: o do inquilino.

Êste é como co-proprietário do prédio no que êle representa de valor comercial ou industrial.

Podem, efectivamente, os proprietários dizer que foram esbulhados dum direito. Foram os factos que o produziram, independentemente, até, da intervenção do legislador.

O facto é que existem valores que se transmitem sem que sôbre êles incida um imposto.

Era, portanto, de elementar intuição tributar esta matéria.

Parecia-me que tinha sido estudado o assunto com o cuidado devido.

Quando se faz a transmissão dum estabelecimento, não entra em linha de conta a existência de moradores.

Estou convencido ter ido ao encontro, de muitas reclamações havidas lá fora.

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Há muitos traspasses de estabelecimentos comerciais e industriais que são feitos por especulação.

Outros não o são; mas quem disfruta o prédio é o inquilino.

O Sr. Carvalho da Silva: — Não é.

O Orador: — É, não há dúvida.

Sendo assim, não pode deixar de tributar-se o seu valor.

É absolutamente justo que vá buscar-se êsse rendimento onde exista.

Aqui tem V. Exa. o fundamento da disposição proposta.

Foi apresentada uma substituição.

Insisto no meu ponto de vista: não tenho o menor intuito de oposição, senão o de defender a redacção que está na Mesa, que reputo a mais adequada ao fim que me proponho.

O orador não reviu.

O Sr. Júlio Gonçalves: — Sr. Presidente: quando me inscrevi para falar sôbre o artigo 4.°, era para combater essa disposição que se pretendia transformar em lei.

Como foi eliminado, eu vou apenas produzir umas ligeiras considerações sôbre a emenda enviada para a Mesa pelo ilustre Deputado Sr. Carlos de Vasconcelos.

O Sr. Ministro das Finanças, animado certamente dos melhores intuitos em trazer para o Tesouro Público um rendimento que é na realidade, de considerar, rendimento êsse que ia recair nos diversos negócios que se fazem em traspasses de estabelecimentos comerciais e industriais, estabeleceu uma doutrina e uns princípios que eu entendo que a Câmara de maneira nenhuma pode admitir; mas, respeitando a honestidade com que S. Exa. trouxe ao Parlamento essa disposição, não posso deixar de dizer que não é honesto, para mim, estar a aprovar a emenda do Sr. Carlos de Vasconcelos, porque essa emenda uma vez votada era a eliminação pura e simples do artigo que o Sr. Ministro das Finanças pretendia aprovar.

Eu vou provar.

Diz S. Exa. nessa emenda que fica colectado o direito ao arrendamento.

Ora, sabe V. Exa. que não há nenhuma lei que exija que o indivíduo que traspassa o estabelecimento diga que vende ou cede o direito ao arrendamento, porque o . que êle traspassa é o estabelecimento e não tem nada que se referir ao direito ao arrendamento...

O Sr. Carlos de Vasconcelos (interrompendo): — Diz V. Exa. que entende não ser honesto apresentar-se aqui um artigo que vai eliminar outro da autoria do Sr. Ministro das Finanças. Eu não protesto contra a afirmação de V. Exa., porque sei que não tem intuito de desvirtuar as minhas intenções, mas, no emtanto, acho que é pouco parlamentar que venha aqui dizer-se que não é honesto o procedimento dum Deputado que mande para a Mesa uma emenda para substituir, alterar ou modificar outra do Sr. Ministro das Finanças.

O Orador (continuando): — O que eu desejava e desejo acentuar é que, para mim, não julgo honesto aceitar essa emenda.

De resto, devo dizer também que acho justo que se colectem os traspasses dos estabelecimentos, mas nunca dando-lhes o carácter de contribuição como estava naquele artigo.

Eu devo dizer a V. Exa. o seguinte:

Acho justo, e comecei por dizer que se colectem os traspasses, mas nunca pela forma que se estabelece neste artigo, por que assim acabávamos por colectar uma cousa que não era do dono do estabelecimento.

Era a inversão de todos os princípios de Direito.

Mas não pense V. Exa. que eu não concordo com a colecta.

Suponha V. Exa., por exemplo, que eu traspasso um estabelecimento comercial e não digo por quanto o traspassei.

Como é que o Govêrno vai avaliar por quanto traspassei o estabelecimento?

De modo que me parece que temos de fazer o seguinte: ou rejeitar, in limine, a proposta e o artigo, ou o que é mais razoável ainda, acrescentar à proposta um parágrafo, em que se diga que o indivíduo que traspassa um estabelecimento é obrigado a dizer por quanto o traspassou, e, no caso de o não dizer, a renda ao di-

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reito do arrendamento será a que constar da renda anual, multiplicada por um factor qualquer.

Aquilo que ali está não é nada.

O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: o artigo enviado para a Mesa, em substituição da proposta do Sr. Ministro das Finanças, não pode merecer a aprovação desta Câmara.

Eu não sei se o Sr. Júlio Gonçalves tem razão (nem mesmo quero entrar nessa apreciação), quando afirma que o artigo, tal qual está redigido, fazia com que nada se pagasse ao Estado.

Mas, Sr. Presidente, contra o princípio estabelecido é que eu me revolto, é que eu protesto.

O direito que ali se pretende tributar pelo artigo enviado para a Mesa pelo Sr. Carlos do Vasconcelos é a sublocação, é o direito de cessão ao arrendamento, e isto não pode ser.

Não quero dizer com isto que dali advenha ou não uma receita para o Estado.

O Sr. Júlio Gonçalves (em àparte): — É precisamente a mesma cousa que se nós nos lembrássemos amanhã de colectar o arrendamento.

O Orador: — Sr. Presidente: tudo isto servo para demonstrar que não é forma de se legislar a de estar aqui às 3 ou 4 horas da madrugada tratando dos vários assuntos pendentes. O resultado é êste que se está vendo.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: se era péssima a proposta -do Sr. Ministro das Finanças, é mil vezes pior a do Sr. Carlos de Vasconcelos.

A proposta do Sr. Ministro das Finanças ainda podia deixar dúvidas sôbre aquilo que se ia tributar; mas a proposta do Sr. Carlos de Vasconcelos vem mostrar claramente o que se colecta: é o que o comerciante arranjou pelo traspasse da casa, pelo imóvel.

Ora Sr. Presidente, eu já tive ensejo de dizer o que lá fora se estava fazendo, e por acaso tenho ainda alguns documentos que comprovam como nos Parlamentos estrangeiros se trabalha diferentemente do nosso.

A questão, por exemplo, da propriedade comercial é um caso que está em discussão no Parlamento francês desde 1913 e ainda não teve nenhuma solução.

Não quero estar a cansar a Câmara, com a leitura dum artigo publicado na revista dos Dois Mundos, em que vem parte das moções votadas no Senado Francês e que ainda não conseguiram ser transformadas em lei, porque se julga que ela é um atentado à propriedade imobiliária.

Eu vou ler à Câmara alguns artigos.

Leu.

Mas, Sr. Presidente, o que o Sr. Ministro das Finanças queria era obter mais receitas.

Mas vir S. Exa. hoje, dois dias depois de o Parlamento ter votado que o inquilino não podia pagar na proporção do valor real do prédio, sustentar que o inquilino tem capacidade para pagar êsse valor numa capitalização dessas rendas, não pode ser.

Se V. Exa. quere sustentar que o Estado não pode perder a parte que representa o imposto correspondente à diferença entre a renda pelo que a lei permite, e aquela que devia ser cobrada, então tem de dizer o seguinte:

Que todo o proprietário pode fazer arrendamentos por um certo número de anos e durante êsse tempo o Estado não pode aumentar-lhe a contribuição; mas, terminado êsse prazo, não só o Estado vai permitir o aumento de rendas, como vai obrigar o proprietário a cobrar dos inquilinos todo o rendimento que é possível obter para que o Estado não fique prejudicado.

Não seria só neste país que se faria isso.

Tem V. Exa. aqui o que se faz na Inglaterra.

Leu.

O contrário é declarar que o proprietário não é dono do imóvel.

E isso não está certo, nem nós podemos de maneira alguma deixar passar isso sem protesto.

Quere V. Exa. saber o que, a êste respeito, foi aprovado no Senado Francês?

Leu.

Quere dizer: quando se faz um arrendamento a longo prazo, dois anos antes

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do arrendamento terminar, o inquilino notifica o senhorio dizendo que quere continuar o arrendamento.

O senhorio responde: convém ou não, depois vem a arbitragem; e quando se chega a um acordo, o senhorio tem direito de dizer ao inquilino que tem uma oferta para um outro ramo do negócio que lhe dá uma certa quantia pela casa, e, nesse caso, ou êle lhe dá a quantia que estabelece, ou então arrenda a outro inquilino.

Isto porquê, Sr. Presidente?

É pelo facto de ser em relação ao local e não ao valor da clientela.

Faça V. Exa. isto cá. Se assim fizer, digo-lhe que faz uma obra boa de justiça e rendosa para o Estado,

Mas, Sr. Ministro, não insista V. Exa. no sua proposta, porque ela representa a falta de ponderação e cuidado, em querer resolver um assunto em 5 minutos, quando em nenhum outro país se resolveu em 11 anos.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se o artigo do projecto.

Leu-se.

O Sr. Carlos de Vasconcelos pede a prioridade para a sua proposta de substituição, sendo aprovado.

Em contraprova requerida pelo Sr. Morais de Carvalho, e que invocou o § 2.° do artigo 116.°, é novamente aprovado por 45 votos contra 12.

É lido outro artigo.

O Sr. Carneiro Franco pede a prioridade para a sua proposta de substituição, sendo aprovado.

É rejeitada a proposta de aditamento do Sr. Joaquim Dinis da Fonseca.

A requerimento do Sr. Morais de Carvalho procede-se à contraprova sendo rejeitada.

É aprovada a proposta de emenda do Sr. Velhinho Correia.

Em contraprova requerida pelo Sr. Vasco Borges é rejeitada.

É lida e admitida uma proposta de aditamento dum artigo novo do Sr. Velhinho Correia.

Artigo 2.° (Novo). O adicional de 1 por cento estabelecido pelo artigo 67.° da mesma lei é elevado a 3 por cento.— António Pinto Barriga (vencido) — Paiva
Gomes — Júlio de Abreu — Constâncio de Oliveira (com declarações) — Amadeu de Vasconcelos — Ernesto Carneiro Franco — F. G. Velhinho Correia — Lourenço Correia Gomes, relator.

O Sr. Carvalho da Silva: — Não quero crer que a Câmara possa aprovar esta proposta.

Há cêrca de três meses, o Sr. Presidente do Ministério, Álvaro de Castro, tendo apresentado à Câmara uma proposta relativa à parte variável da taxa militar, pediu à Câmara que ela entrasse em discussão com urgência e dispensa do Regimento. Nós opusemo-nos e, então, o Sr. Pereira Bastos, presidente da comissão de guerra, levantou-se e disse que, como presidente da comissão de guerra, o surpreendia que o Sr. Presidente do Ministério requeresse semelhante cousa, porquanto se tratava dum assunto que à comissão de guerra estava estudando há muitos meses, não tendo encontrado ainda aquela solução que era para desejar. S. Exa. afirmou que não podia de maneira nenhuma ocupar-se dêsse assunto sem que o parecer da comissão viesse à discussão.

Sr. Presidente: a Câmara resolveu não se ocupar dêsse assunto sem que viesse o parecer da comissão de guerra.

Não temos presente o texto; e não estamos portanto habilitados a discutir essa proposta.

Uma cousa há, no emtanto, que nós temos de ver. O Sr. Velhinho Correia, apresentando uma proposta desta natureza, veio criar uma complicação no imposto pessoal de rendimento.

Compreende-se mesmo que aqueles que são partidários dêsse imposto, em 1911 tivessem apresentado uma cousa nesse sentido, porque esta taxa variável é o imposto pessoal de rendimento. Mas depois da Câmara ter estabelecido o imposto pessoal de rendimento pela lei n.° 1:368, S. Exa., criando isto, não vai agravar êsse imposto, duma forma verdadeiramente extraordinária. V. Exa. e a Câmara sabem que êsse imposto chega a atingir 30 por cento do rendimento. E note V. Exa.: 30 por cento do rendimento actualizado, como a Câmara resolveu ainda ontem, votando o artigo 1.° da proposta de actualização.

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Nestas circunstâncias votar dois impostos pessoais de rendimento representa uma verdadeira monstruosidade que não acredito, repito, que a Câmara a seja capaz de votar.

Mas, Sr. Presidente, gostava de ouvir a opinião do Sr. Ministro das Finanças a êste respeito.

É inacreditável que se mandem para a Mesa, depois de se passarem sessões consecutivas para serem aprovadas de afogadilho, propostas desta natureza como esta apresentada pelo Sr. Velhinho Correia, que constitui matéria duma proposta de lei que deve ser justificada por um relatório.

É necessário ver quais os impostos que o contribuinte paga para ver se êles podem pagar êste.

Êste adicional é maior do que a totalidade em contribuições pagas em alguns países.

Apesar de tudo o que Parlamento tem leito, eu ainda não acredito que seja capaz do votar esta proposta de autoria do Sr. Velhinho Correia.

A Câmara resolveu em contrário. Nós já dissemos claramente o que esta proposta representa.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: pedi a palavra para responder ao Sr. Carvalho e pedir a V. Exa. que me esclarecesse sôbre o resultado da votação do meu artigo sôbre cooperativas. A confusão que havia na sala deixou-me dúvidas sôbre se tinha sido aprovado ou rejeitado.

O Sr. Presidente: — Foi rejeitado.

O Orador: — Devo significar a V. Exa. e à Câmara que foi com profunda mágoa que vi a Câmara dos Deputados nesta hora difícil, em que todos nos debatemos com a carestia da vida, não dar importância a uma proposta que beneficiava aquelas instituições.

É para lamentar que esta Câmara tam zelosa em isentar toda a espécie de contribuintes, como hoje fez aos comerciantes, módicos e advogados, tivesse todo o rigor para com uma proposta que beneficiava as cooperativas.

Espero que o Sr. Ministro das Finanças tenha no Senado ocasião de reparar esta grave injustiça.

Tinha procurado S. Exa., mostrando-lhe as três propostas. Combinei com os Srs. Deputados da oposição a votação desta proposta das cooperativas. Não tenho dúvida em afirmar que tenho interêsse nela, não porque me dêsse interêsse, porque como se sabe, as cooperativas não dão dividendos, mas porque beneficiam os respectivos sócios.

Por isso, repito, foi com magoa que vi rejeitar uma proposta que os beneficiava.

Respondendo ao Sr. Carvalho da Silva sôbre o imposto de rendimento, tenho a dizer que já hoje os contribuintes de taxa militar estão sujeitos ao imposto de rendimento.

Êsse imposto é regulado por um decreto com fôrça de lei, que compreendia taxas muito pesadas por incidirem sôbre pessoas e famílias.

A proposta que mandei para a Mesa torna mais humano êsse imposto, mais suave e de modo a tornar possível a sua cobrança.

Basta, Sr. Presidente, consultar a tabela de Março de 1911 e a proposta que eu mandei para a Mesa, para que dêsse confronto se conclua que a proposta que eu mandei para a Mesa é muito mais suave para os contribuintes.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: o Sr. Velhinho Correia enviou para a Mesa um artigo novo que estabelece um novo imposto de rendimento.

Sr. Presidente: a redacção dêste artigo é feita de modo a querer induzir a Câmara no êrro de que por esta proposta se reduzem as taxas fixadas no decreto do recrutamento militar de Março de 1911 quando, na verdade, o que só faz é aumentá-las.

Quem ler despreocupadamente êste artigo fica com a impressão de que nas palavras finais «não podendo ir além de 5 por cento» se quis estabelecer uma redução à tabela anterior.

O Sr. Presidente, é precisamente o contrário que se dá, porque pela tabela de Março de 1911 a taxa máxima era de 3 por cento e não de 5 por cento.

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O Sr. Velhinho Correia (em àparte): — Mas diga V. Exa. sôbre que incidem essas taxas.

O Orador: — Quando a tabela incluída na lei de Março de 1911 foi publicada, os, valores eram reais, os valores eram actualizados e ainda não se havia dado a desvalorização da moeda e a taxa era de 3 por cento sôbre os valores em moeda real.

Agora, Sr. Presidente, essa taxa é elevada para 5 por cento.

Sr. Presidente: a. Câmara naturalmente vai aprovar êste artigo, mesmo porque a esta hora adiantada da noite os Srs. Deputados não se preocupam senão em se ir embora; o País depois que lhe sofra as conseqüências.

Mas, Sr. Presidente, não vale a pena cansar-me mais, não vale a pena perder a paciência nem gastar palavras a pretender convencer quem não se quere convencer e está de ânimo feito em votar todas estas violências.

Tenho dito.

O orador não revu.

O Sr. Meireles Barriga: — Sr. Presidente: como a Câmara parece estar devidamente elucidada direi apenas que não concordo com a taxa aqui indicada nos termos respectivos à lei do recrutamento.

Bem sei que tem coeficientes, mas, mesmo assim, não a acho de admitir.

Tenho dito.

O orador não reviu.

Posta à votação a proposta do Sr. Velhinho Correia, foi rejeitada.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se para se votar uma proposta de artigo novo enviada para a Mesa pelo Sr. Velhinho Correia.

O Sr. Velhinho Correia: — Sr. Presidente: peço a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite que eu retiro essa proposta.

Consultada a Câmara, resolveu afirmativamente.

Leu-se na Mesa, para se discutir, uma proposta de artigo novo apresentada pelo Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente : quando se começou a discutir nesta casa do Parlamento o parecer n.° 717, o Sr. Presidente do Ministério de então, Sr. Álvaro de Castro, apresentou essa proposta como se pode apresentar o rol das contas, sem relatório, sem nada, como é moda nesta República.

Declarou S. Exa. que ao propor êsses adicionais, ou antes o agravamento dêsses adicionais, não tinha entrado em linha de conta com a actualização das contribuições, porque, se tivesse entrado em conta com essa actualização, êle não proporia três adicionais.

Sr. Presidente: a elevação dos adicionais representa uma duplicação.

Se êsses adicionais são uma percentagem sôbre o montante da verba das contribuições, se essa verba das contribuições é introduzida completamente, aumentar a cifra dêsses adicionais é duplicar, portanto, o seu aumento.

Suponhamos um contribuinte que pagava 1.000$ de contribuição e ainda o adicional de 25 por cento dessa importância, ou seja 250$.

Esse contribuinte passada pagar 3.000$ mais 750$ de adicional. Êle já tinha aumentada naturalmente, a importância do seu adicional em três vezes aquilo que pagava.

Mas não; vem a proposta que se discute e diz que êsse adicional sobe de 25 para 40 por cento.

E assim o contribuinte que pagava sôbre 1.000$ 250$ irá pagar 40 por cento sôbre 3.000$, ou seja 1.200$.

Feita dêste lado da Câmara ao Sr. Álvaro de Castro, autor da proposta, esta observação. S. Exa. reputou-a fundamentada; e, nessas condições, declarou que se não fôsse a circunstância de ter apresentado os adicionais antes da proposta, a não teria trazido ao Parlamento.

Estávamos nós convencidos de que, em face desta declaração, a proposta seria retirada da discussão. Mas com espanto verificámos que tudo quanto é esfolar o contribuinte é sempre pouco e que, por isso, subsiste a proposta.

Êstes adicionais incidem não só sôbre a contribuição predial rústica e industrial, mas ainda sôbre o imposto sôbre o valor das transacções e contribuição de registo. O imposto sôbre o valor das transacções é, como a Câmara sabe, um imposto sôbre o preço bruto dos produtos. Desde que

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os preços aumentam, aumenta proporcionalmente o imposto. Todavia pretende-se aumentar ainda o montante destas percentagens, o que, a ser aprovado, irá criar uma sobreposição de razões justificativas do aumento do custo da vida.

Aumenta o preço das cousas, conseqüentemente aumenta o imposto de transacção, mas aumenta, também, o adicional, e aumentando o imposto e respectivo adicional aumentam novamente as cousas, e nesta onda de loucura vamos caminhando para um encarecimento de vida que não mais se sabe onde pára.

Tudo isto faz o Parlamento de ânimo leve e por forma que, quando amanhã um desgraçado verificar os preços que lhe pedem na mercearia, êle se não esquecerá de dizer que tudo isto foi por causa de um Deputado que estava a dormir em casa e que a certa altura se lembrou de agravar assim o custo da vida. Talvez até alguns dos Srs. Deputados nestas condições tenham a atenuante de, sendo estremunhados do sono =a que os foram tirar, não pensaram bem no que iam fazer.

Mas não é só à taxa que incide sôbre o valor das transacções que se lançaram diversos adicionais. Há também artigos que esta Câmara entendeu que devia tributar com um sêlo a sobrepor-se ao valor das transacções, sêlo que vai até 10 por cento.

Ainda ontem o Sr. Plínio Silva declarou que, se ainda não estava publicado o regulamento geral dêsses artigos que são tributados em 10 por cento do valor sôbre o imposto de transacção, é porque não tinha sido possível ultimar os trabalhos para a execução dêsse caso, mas que no emtanto se iria fazer.

De forma que temos, depois disto tudo, artigos tributados em 30 por cento sôbre o seu custo.

Assim, se nos lembrarmos de fazer contas, chegamos à conclusão de que são «apenas» 42 por cento sôbre o valor actual dos géneros o que se lhes lança.

Tudo isto é para deminuir o custo da vida e depois dizer-se que é o comércio que tem a culpa de toda essa carestia!

Não pode dizer-se que, ao votar medidas destas, o Parlamento não tenha gasto bem as suas noites de sessão, que até parecem noites de benefício.

E tudo isto se faz — como é lamentável! — no meio da alegria e da risota dos Srs. Deputados!...

O Sr. João Camoesas: — Não apoiado!

O Orador: — Nestas noites de festa, para se trazerem os convidados, mandam-se sair todos os automóveis das garages do Estado.

Sr. Presidente: os adicionais sôbre a contribuição de registo são condenados em todos os países.

Não sendo a contribuição de registo um imposto que incida em cada ano sôbre a totalidade dos contribuintes, a variação do montante dos seus adicionais é profundamente injusta, ficando mais sobrecarregados os contribuintes que em determinado ano foram tributados por certos actos praticados do que aqueles no ano anterior os mesmos actos praticaram.

Pois êste Parlamento de nada serve a opinião dos homens dos outros países, a opinião dos tratadistas:

Aqui todos são técnicos.

Um àparte.

O Orador: — E nosso dever empregar todos os esfôrços para que o Parlamento não vote medidas desta ordem.

Nós não fugimos ao cumprimento dos nossos deveres.

Não tenho dúvidas sôbre os resultados da aplicação desta proposta.

O país há-de emfim convencer-se de que êste regime não pensa senão em lhe extorquir dinheiro, pondo inteiramente de lado todas aquelas regras que em matéria de impostos não devem esquecer-se.

Sr. Presidente: eu não quero abusar da atenção da Câmara de forma a que alguém possa dizer que estou a demorar muito as minhas considerações.

Mas V. Exa. deve compreender que quando um Deputado vem a esta casa do Parlamento assume responsabilidades perante o país, às quais não pode fugir, tem por vezes o dever de alongar as suas considerações.

Sr. Presidente: ainda agora tive pena de que não estivesse presente o Sr. António Maria da Silva quando me referi ao rendimento dos telégrafos, antes e depois do agravamento das taxas, S. Exa. poderia dizer à Câmara se é ou não verdade

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que o aumento das contribuições de maneira nenhuma determina o aumento de receitas do Estado.

O Sr. António Maria da Silva que é Director Geral dos Correios e Telégrafos poderia bem elucidar-nos sôbre se é ou não certo que o aumento das taxas telegráficas tornou menor o rendimento dos telégrafos.

S. Exa. que fale com sinceridade e a Câmara que pondere.

O que nós não queremos é arcar com qualquer soma de responsabilidades pela forma como Parlamento está a funcionar em assunto de tanta magnitude.

Entendo que o Parlamento não deve de maneira nenhuma deixar de obrigar os Governos a fazer uma forte redução nas despesas públicas.

Se não estivesse tam fatigado, demonstraria quais as despesas que poderiam ser reduzidas.

Infelizmente, porém, somos nós, minoria monárquica, a única oposição nesta Câmara.

Não apoiados.

Nós não estamos aqui a combater somente propostas do Govêrno, mas também do Partido Nacionalista, como a do agravamento de contribuição predial rústica, da iniciativa dos Deputados nacionalistas.

Creio ter demonstrado que não temos nem queremos ter nenhuma responsabilidade neste assunto.

E nestas condições dou por terminadas as minhas considerações.

O País, porém, saberá ver. E pena é que não possa assistir a todas as sessões desta Câmara para presenciar êstes trabalhos parlamentares e ver como aqui se dispõe das fortunas particulares.

O orador não reviu.

O Sr. Ginestal Machado: — Não imaginem os meus colegas nesta Câmara que lhes vou levar muito tempo.

Preciso, no emtanto, fazer ligeiras considerações, e responder ao Sr. Carvalho da Silva, por quem tenho pessoalmente muita consideração, que lhe é devida.

Mas S. Exa. por vezes fez afirmações menos justas.

Apoiados.

S. Exa. afirmou que a minoria monárquica era o única oposição desta Câmara.

Todos sabem que isto não é verdade; e pesa-me até ter de dizer isto, tratando-se do Sr. Carvalho da Silva com quem tenho aS melhores relações pessoais, que desejo manter, embora, em política, nos encontremos em campo diametralmente oposto.

O Sr. Carvalho da Silva: — Também tenho por V. Exa. a maior consideração e estima pessoal; mas desejava apenas deixar bem frisado que se na nossa mão estivesse impedir a votação, saindo da sala, para que estas cousas não fossem votadas, o teríamos feito.

Queria referir-me ao facto de V. Exas. terem dado número para a votação.

O Sr. Ferreira da Rocha: — V. Exa. dá-me licença, Sr. Ginestal Machado?

Pedia a V. Exa. o favor de fazer ver ao Sr. Carvalho da Silva que nós não somos monárquicos; e quando fôr necessário sair da sala, quando o Parlamento queira fazer qualquer cousa que vá contra o Regimento, ou repugne à moral que temos obrigação de manter sempre, daremos o nosso voto discordante, e não teremos dúvida em o fazer.

O Orador: — Desculpe V. Exa., mas a esta hora da noite já a gente não tem a lucidez necessária.

O Sr. Carvalho da Silva entendia que devíamos proceder como a oposição monárquica.

Como muito bem disse o Sr. Ferreira da Rocha, nós somos fundamentalmente republicanos, apesar de termos pontos de vista muito opostos ao outro lado da Câmara.

Nós temos que facultar ao Estado republicano todos os meios de poder viver.

V. Exa., Sr. Carvalho da Silva, no seu critério, não tem essa obrigação, pois entende que deve dificultar a marcha ao regime, talvez na melhor das intenções. Não lho levo a mal.

Todavia, os nossos pontos de vista não se confundem, porque o nosso é que, dentro da República, é que o País pode desenvolver-se e realizar todas as suas aspirações, embora representemos a direita da República. Nestas circunstâncias, a nossa oposição não se pode confundir sob o ponto de vista político com a de V. Exa.

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Se V. Exa., Sr. Carvalho da Silva, quere tirar alguém do nosso campo, não o consegue, dizendo que não fazemos oposição e que somos iguais uns aos outros.

Sr. Presidente: somos iguais no amor à República. Na maneira de exprimir êsse amor, pode haver diferença de concepções; mas no desejo de a conservar, somos todos da mesma opinião.

Sr. Presidente: os dois discursos do Sr. Ferreira da Rocha marcam em qualquer parte e em qualquer Parlamento. De maneira que o nosso conceito foi o que devia ser.

Eu também não aceito essa doutrina de que só podemos governar, quando o Partido Democrático quiser; havemos de governar quando tivermos fôrça.

Apoiados.

Desta forma posso afirmar que não existem características negativas no nosso partido, mas apenas características positivas que sempre se têm afirmado.

Sr. Presidente: desejo unicamente que o meu partido se fortaleça.

Posto isto, devo dizer a V. Exa. que lamento que coloquemos o funcionalismo público numa situação péssima, porque todos ficam convencidos de que êstes impostos e adicionais são absorvidos por êsse mesmo funcionalismo.

Nós estamos votando êstes impostos; mas o que é verdade é que êles não chegam para dar aos funcionários o que deveria ser, pois dar-se-lhes 60$, 70$ ou 100$ não é nada, porque representam apenas 3$.

Sr. Presidente: eu suponho que a maioria, p, êste respeito, podia ter seguido outro caminho, sem que deixasse mal colocados os funcionários.

Se realmente a vida encareceu neste último semestre mais do que 50 por cento, o imposto de transacções deve ser maior, visto que êle incide sôbre o montante dos negócios.

Ainda a respeito dêste imposto devo dizer que, proibindo a Direcção Geral dos Impostos que quem venda possa lançar êsse imposto sôbre o consumidor, isso não traz senão conseqüências nefastas, porque, se há muito comerciante honrado que lance a taxa devida, outros há que arredondam sempre para mais.

Acredite V. Exa. que no espírito de todos nós ficou a impressão - e com êsse
intuito votámos — que o imposto de transacções era para ser pago pelo consumidor, não sabendo por que bulas a Direcção Geral dos Impostos entendeu ao contrário do Parlamento.

Quando se discutiu o imposto de transacção, em 1922, calculava-se que dêsse 100:000 contos. Hoje, que o custo da vida dobrou, devia dar 200:000. É certo que há restrições, por que o volume dos negócios vai deminuindo e a fuga do imposto acentua-se cada vez mais; e por isso pode restringir-se essa quantia a 150:000 contos.

Entretanto, informam-me que essa verba nem sequer atinge os 100:000 contos.

Para esta falta de cobrança dos impostos é que eu chamo a atenção da Câmara e do Govêrno.

Apoiados.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: não podia de forma alguma deixar de responder ao Sr. Ginestal Machado por quem tenho a maior consideração.

Eu não quis ser de nenhuma maneira desprimoroso para com a minoria nacionalista.

Disse S. Exa. que nos separa uma fundamental distância. E isso é absolutamente verdadeiro, tendo se encarregado S. Exa. de o demonstrar.

Eu avalio bem, visto que conheço S. Exa., quanto devia sangrar o seu coração ao fazer as considerações que lhe acabamos de ouvir. Avalio quanto dolorosa é a sua situação para com o Govêrno, porque sendo republicano tinha de lhe dar os meios para viver; e avalio quanto dolorosa também devia ser a situação dos deputados nacionalistas, patriotas como são, em terem de dar à República, para ela poder viver, aquilo que êles consideram ruinoso.

Isto, entretanto, em nada separa as nossas relações de amizade, e até agradeço ao Sr. Ginestal Machado, meu querido amigo, as suas considerações, porque elas vieram afervorar mais as minhas convicções monárquicas.

Tenho dito.

O orador não reviu.

É aprovado o artigo 1.°

Lê-se e entra em discussão o artigo 2.º

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O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: eu não percebo como é que aumentando espantosamente o montante das contribuições seja preciso para o cofre dos emolumentos dos empregados do Ministério das Finanças elevar a 3 por cento êste adicional.

Foi publicado recentemente um decreto que estabelecia que, quando êsses emolumentos excedessem a um determinado limite, êsse excesso iria para o Estado.

Os pobres empregados de finanças servem neste caso, como todos os funcionários que recebem emolumentos, para encobrir a maneira que o Estado tem de lançar mais impostos.

Êsses 3 por cento que a Câmara vai apreciar para serem votados, dizendo que são para o cofre dos emolumentos dos empregados do Ministério das Finanças só o são até um determinado limite; o resto é mais um adicional para o Estado.

Sr. Presidente: como acabo de ser informado de que o Sr. Ministro das Finanças vai desistir dessa proposta eu termino as minhas considerações.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se o artigo 11.°

Leu-se.

O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: mais uma vez, saltando por cima do Regimento desta Câmara, vamos apreciar, ou antes vai a Câmara dizer ao País 'que vai apreciar uma proposta relativa à melhoria de situação dos funcionários públicos.

Às 17 horas menos 20 minutos, neste relógio, alguma cousa atrasado, começa a Câmara a apreciar, depois de três dias de sessão, quási permanente, a proposta relativa aos vencimentos do funcionalismo público.

Sr. Presidente: um assunto desta magnitude, com a experiência que a votação de leis idênticas nos trás, pode dar lugar às mais fundamentadas e maiores injustiças, contra as quais não tardarão as reclamações.

O funcionalismo público, cuja situação é verdadeiramente de miséria, é coitado mais uma vez vítima duma ilusão; é vítima da ilusão de que lhe vão melhorar a sua situação.

Em 1922, sendo o coeficiente do custo da vida, de 12, a Câmara votou um coeficiente 9, para a melhoria dos vencimentos do funcionalismo público.

De forma que, Sr. Presidente, êsse coeficiente 9 não estava de harmonia com o coeficiente do custo de vida.

Nesse ano, quando tinha pedido o coeficiente 18, deu-se-lhe o coeficiente 10 e ninguém podia ganhar mais 10 vezes do que ganhava em 1914.

Assim, nós tínhamos reduzido quási a metade aquilo que se dava aos funcionários públicos.

Quere dizer: do ano de 1922 para o ano de 1923 o funcionalismo público empobreceu em quási 50 por cento do que tinha.

Sr. Presidente; hoje o Estado republicano, ante a péssima administração que tem dado e dá aos serviços públicos, vem mostrar agora a continuidade dessa má administração, pois quando a moeda teve nova depreciação a ponto de hoje o coeficiente do custo de vida ser de 24 vezes mais, por essa circunstância, dá-se apenas ao funcionalismo público o coeficiente 12; o que equivale a dizer que se lhe vai dar menos de metade daquilo que êle ganhava em 1914.

Se confrontarmos a situação do funcionalismo com a situação do contribuinte do Estado, nós vemos que as contribuições estão mais que actualizadas, porque a contribuição industrial aumentou, segundo os meus cálculos, 40 vezes.

Mas ainda se lança sôbre o comércio e a indústria mais um adicional, no imposto de transacção, para se juntar às 40 e tantas vezes da contribuição industrial.

Quere dizer: o comércio paga hoje, pelas verbas calculadas no Orçamento, 90 vezes o que pagava em 1914; a lavoura pagava em 1914, 4:000 e tantos contos e hoje paga de verba principal 30:800 contos, com mais de 148 por cento de adicionais.

Parece-me que estas contribuições estão mais que actualizadas.

E, Sr. Presidente, se nós olharmos para todas as outras contribuições, verificamos que estão muito mais do que actualizadas; mas por outro lado, nós vamos preguntar se o Estado, que actualiza assim as suas receitas, actualiza também as suas despesas.

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Sessão de 14 e 15 de Agosto de 1924 91

Como é que actualizando-se as contribuições até este ponto, se vai dar ao funcionalismo público apenas o coeficiente 12 que o deixa ficar na miséria?

Em que é que se gasta então o dinheiro que se recebe do contribuinte?

O Estado tem o dever de pagar bem aos seus funcionários; e eu estou convencido de que não tardarão as reclamações mais que justificadas do funcionalismo exigindo melhoria de situação.

Se, por outro lado, olharmos à situação em que se encontram os portadores de títulos da dívida pública consolidada, encontrá-los-hemos também na miséria.

Nestas circunstâncias, deve haver um superavit espantoso no Orçamento do Estado.

Mas não; pelo contrário o Orçamento do Estado tem um déficit tam grande que se não confessa qual êle é.

Isto é ou não a demonstração de que não pode o País continuar a viver como tem vivido?

O povo está sacrificado com as contribuições mais exaustivas, está evidentemente empobrecido e não pode pagar àqueles que trabalham por sua conta.

Ficarão porventura os funcionários públicos em boas condições?

Não, Sr. Presidente.

Os funcionários com o coeficiente de 12 ficam reduzidos à miséria, visto que o coeficiente custo da vida é 24.

Demonstra isto que o País está espantosamente empobrecido, empobrecidos os que pagam para o Estado, e empobrecidos os funcionários públicos que não recebem metade do que deviam receber.

É êste o quadro verdadeiro da situação.

E porque é que o País está empobrecido?

Se olharmos para as despesas criadas depois de 1914, nós encontramos a razão da impossibilidade do equilíbrio orçamental.

Se não fôsse êsse desiquílibrio, poderia ser fácil o caminho de actualização das receitas; mas as despesas criadas posteriormente a 1914 tornaram impossível a adopção dêsse caminho.

De maneira que a situação é clara.

Mantendo as despesas criadas posteriormente a 1914, principalmente as despesas resultantes dos célebres 30 suplementos, há-de acontecer isto: o contribuinte paga de mais e ficará-na miséria; mas como aquilo que paga não é para o funcionalismo que trabalha, mas para ser dividido por um número de funcionários muito maior do que aquele a que devia pertencer, muitos dos quais nada fazem, sucede que o funcionário que trabalha se encontra também na maior miséria.

Nestas condições, é justo considerar como inimigos do País, todos aqueles que o Estado admitia ao seu serviço sem serem necessários e ainda os que governando êste país, não têm a coragem precisa para destruir a causa fundamental do empobrecimento dos portugueses e cortar fundo nas despesas do Estado — única maneira do País se poder salvar.

Estou convencido de que não tardará muito a hora de toda a gente dêste país se convencer disto; e no dia em que o funcionário público se convencer disto, no dia em que o contribuinte se convencer de que a causa da ruína e empobrecimento de todos os portugueses é a sustentação das despesas criadas depois de 1914, nesse dia um formidável movimento nacional imporá aos governantes do País que não continuem a desgraçá-lo.

Nesse dia, os homens que se sentarem naquelas cadeiras hão-de compreender que há uma cousa que está acima da República, que é o País, e não hão-de continuar a impor-se pela fôrça, porque não haverá fôrça capaz de resistir à onda de movimento nacional a impor que saiam daquelas cadeiras, os homens que por paixão política estão a fazer a ruína da Nação.

Sr. Presidente: nós não queremos de maneira alguma que o funcionalismo público que trabalha, que presta serviço ao Estado continue a receber uma quantia que é metade do que precisa para comer, mas porque não queremos desgraçar êste país e reconhecemos que é absolutamente necessário eliminar das despesas do Estado tudo aquilo que fôr supérfluo, lavramos o nosso protesto, e depois diremos a todo o país que abra os seus olhos para a situação que a República lhe cria.

República e Portugal, são duas cousas incompatíveis.

Não apoiados.

República e miséria do funcionalismo, República e miséria do contribuinte são sinónimos.

O orador não reviu.

Posto à votação, o artigo foi aprovado.

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92 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Presidente: — Vai ler-se o artigo 2.º

Leu-se.

Posto à votação foi aprovado.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se outro artigo.

Leu-se.

O Sr. Crispiniano da Fonseca: — É para mandar para a Mesa uma proposta de aditamento referente aos magistrados judiciais e do Ministério Público.

Proposta de aditamento

As percentagens aplicáveis aos vencimentos de categoria dos magistrados judiciais e do Ministério Público serão graduadas de modo a que as dos delegados do Procurador da República de 3.ª classe não sejam inferiores a 40 e as dos juizes do Supremo Tribunal de Justiça não sejam inferiores a 57.— Afonso de Melo — Crispiniano da Fonseca — Pedro de Castro — Adolfo Coutinho — Vasco Borges —Alberto de Moura Pinto.

Concordo. — Daniel Rodrigues.

Posto à votação, o artigo foi aprovado.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se a proposta de aditamento.

Leu-se.

Admitida e posta à votação foi aprovada.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se o artigo seguinte.

Leu-se.

Posta à votação foi aprovado.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se outro artigo.

Leu-se.

O Sr. Viriato da Fonseca: — Sr. Presidente: é para mandar para a Mesa uma proposta de aditamento referente às pensões às viúvas.

São elas talvez em todo o país as que mais necessitam.

Por isso envio para a Mesa a minha proposta.

O Sr. Sebastião de Herédia: — Sr. Presidente: é para mandar para a Mesa um artigo novo.

São elevados em 25 por cento os emolumentos a que se referem os artigos 1.° e 2.° do decreto n.° 9:075, de 25 de Agosto de 1923.

Êste artigo novo é o que estabelece o aumento de 25 por cento aos funcionários do Registo Civil...

É de justiça, porque vai equipará-los aos funcionários judiciais.

Artigo (novo). São elevados em 25 por cento os emolumentos a que se referem os artigos 1.° e 2.° do decreto n.° 9:075, de 25 de Agosto de 1923.

15 de Agosto de 1924. — O Deputado, Sebastião de Herédia.

O Sr. Vasco Borges: — Sr. Presidente: vou mandar para a Mesa um artigo novo.

O Sr. Presidente:— Como mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai votar-se o artigo da proposta.

Posto à votação foi aprovado.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se uma proposta de aditamento do Sr. Ministro das Finanças.

Leu-se.

Seguidamente foi admitida, e, posta à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se uma alínea do Sr. Ministro das Finanças.

Leu-se.

O Sr. Carvalho da Silva: — Desejava saber, Sr. Presidente, quais eram os serviços a que se refere esta alínea.

Ò Sr. Viriato da Fonseca (interrompendo): — Refere-se aos serviços da Junta, que é um serviço autónomo.

O Orador: — Mas êsses funcionários não foram abrangidos da outra vez?

O Sr. Viriato da Fonseca: — Não, porque se disse que eram de um serviço autónomo.

Posta à votação a alínea foi aprovada.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se a proposta do Sr. Lelo Portela.

Leu-se.

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Sessão de 14 e 15 de Agosto de 1924

O Sr. Presidente: — A Mesa entende que não pode proceder à votação desta proposta sem a autorização do Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se a proposta do Sr. Vasco Borges.

Leu-se.

Art... A disposição da alínea c) do § 3.° do artigo 1.° da lei n.° 1:631 é também aplicável:

a) Ao Procurador Geral da República, segundo a sua categoria;

b) Aos magistrados da Procuradoria Geral da República, Procuradoria da República Junto das Relações e aos que ao abrigo da lei especial exerçam comissão de carácter permanente junto do Ministério da Justiça, segundo as suas classes.— O Deputado, Vasco Borges.

Seguidamente foi admitida, e posta à votação foi aprovada.

O Sr. João Camoesas: — Sr. Presidente: é para mandar para a Mesa um artigo novo respeitante aos funcionários da câmara municipal.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se uma outra proposta de aditamento do Sr. Ministro das Finanças.

Leu-se.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se um artigo novo.

Leu-se.

O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: trata-se de mais um imposto lançado sôbre o contribuinte; e nessas condições nós que conhecemos a situação em que êle se encontra, não podemos dar o nosso voto à proposta tanto mais que são demasiadamente caros os serviços do Registo Civil.

Posto á votação o artigo, foi aprovado.

O Sr. Presidente: — Vai ler-se um artigo do Sr. Ministro das Finanças.

Leu-se.

Seguidamente foi admitido, e, pôsto à discussão, foi aprovado.

O Sr. Presidente:—Vai ler-se a proposta enviada para a Mesa pelo Sr. João Camoesas.

Artigo (novo). Ficam equiparados para efeito de melhoria de vencimentos aos funcionários do Estado, de igual ou similar categoria, os funcionários das Câmaras Municipais de Lisboa e Pôrto, de forma que os totais do vencimento e dessa melhoria, nunca possam ser inferiores aos percebidos pelos funcionários do Estado.

§ 1.° Aos funcionários que não tenham categoria correspondente, ser-lhes há estabelecida uma proporção aritmética para pagamento dessa melhoria.

§ 2.° Para os funcionários das outras câmaras municipais as melhorias serão fixadas pelo coeficiente desta lei.

§ 3.° Aos funcionários municipais na situação de reformados ou aposentados, será aplicada a doutrina respectivamente estabelecida neste artigo e parágrafos anteriores.

Sala das Sessões, 15 de do Agosto de 1924. — O Deputado, João Camoesas.

O Sr. Presidente: — Eu tenho dúvidas sôbre se esta proposta restringe a autonomia administrativa das câmaras.

Em todo o caso, vou pô-la à votação.

Posta à votação, foi rejeitada.

O Sr. Presidente: — Vai ler- se um artigo novo do Sr. Ministro das Finanças.

Leu-se.

Seguidamente foi admitido, e pôsto em discussão.

O Sr. Vasco Borges: — O artigo novo mandado para a Mesa pelo Sr. Ministro das Finanças parece-me inconstitucional, em face do disposto no artigo 19.° da Constituição.

Sr. Presidente: como já no decorrer desta legislatura êsse subsídio foi alterado, creio não poder haver dúvidas sôbre a inconstitucionalidade da alteração proposta.

O Sr. Presidente: — O reparo do Sr» Vasco Borges tinha toda a razão de ser em face da Constituição. O que há a averiguar é se o subsídio foi alterado ou não nesta legislatura.

O subsídio foi fixado aos Srs. Deputados em 1919; e, de então para cá, nunca mais se alterou.

Sendo assim, não tem razão V. Exa.

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94 Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Ferreira da Rocha: — Apesar da Constituição dizer que o subsídio dos parlamentares não pode ser alterado na mesma legislatura, a Câmara dos Deputados tem encontrado forma de fazer alteração por meio da fixação de coeficientes.

Trata-se duma dessas alterações, deforma que o subsídio parlamentar venha a ser igual a 50 por cento do vencimento dos Ministros.

Como o vencimento dos Ministros é de 4.800$, o subsídio dos parlamentares passará a ser de 2.400$.

Vamos primeiro à parte financeira do caso, para depois apreciarmos a questão no seu aspecto moral e político.

Eu não compreendo como o Sr. Ministro das Finanças pode dar o seu assentimento a uma proposta que lhe aparece, nesta altura, aumentando de tal forma as despesas do Estado.

S. Exa. tem obrigação de se opor, por todas as formas, ao aumento das despesas públicas; e é difícil de admitir que o seu procedimento, neste caso, esteja dentro dessa obrigação.

Quanto ao aspecto moral do caso, devo dizer que os Deputados e Senadores não tem, em matéria de melhorias, outro direito senão o de se abonarem a si próprios a mesma melhoria e na mesma proporção que atribuírem aos funcionários públicos.

Seria absolutamente imoral que os Deputados reunidos entendam que só podiam aumentar os ordenados dos funcionários públicos numa percentagem de 20 por cento e julguem que os cofres públicos estão completamente à sua disposição para talharem a si próprios uma percentagem que vai até 150 por cento do actual subsídio.

O Parlamento não goza já dê grande prestígio. Todos o sabem e é inútil ocultá-lo.

Ainda há dias o Sr. Presidente do Ministério disse aqui que sentia formar à sua volta uma corrente geral de animosidade contra o Parlamento.

Essa corrente, não sendo, aliás, devida às circunstâncias que o Sr. Presidente do Ministério apontou, agravar-se há extraordinariamente no dia em que lá fora se souber que os parlamentares reunidos em sessão até de madrugada, procuraram arrancar ao contribuinte o máximo de impostos, aproveitando o momento em que concedia um mísero aumento de vencimentos ao funcionalismo público, para talharem para si a melhor fatia do bolo, atribuindo-se subsídios que os colocam em situação de fazer face à carestia da vida. Se há algum critério justo em matéria de melhorias aos Deputados e Senadores, êsse critério só pode ser o de nos colocarmos na mesma situação em que se encontram os funcionários que anteriormente à guerra percebiam um vencimento igual ao subsídio parlamentar. Assim está certo. O que não está certo é que se dê a um funcionário que antes da guerra ganhava 100$, 1.500$, ao mesmo tempo que se eleva o subsídio parlamentar dos mesmos de 100$ a 2.400$.

O subsídio parlamentar não é um vencimento, mas sim a importância que se julga necessária para que os parlamentares se possam deslocar das suas residências e abandonar as suas ocupações habituais, para tomarem parte nos trabalhos parlamentares.

Sr. Presidente: falei sob o aspecto financeiro e moral da proposta apresentada.

Quero agora falar do aspecto político.

É absolutamente impolítico que numa República arrumada, num país em situação financeira e económica desgraçada, o Parlamento aproveite um final de sessão para pensar em si. Em idêntica situação teve a monarquia a coragem de acabar com o subsídio parlamentar.

A República longe de acabar com êle, aumenta-o.

É impolítico supor ou fazer crer que o Deputado há-de ganhar mais que qualquer funcionário da República.

Não há comparação de categorias entre Deputados e funcionários; e não se queira supor que, pelo facto de se fazer parto do Poder Legislativo, essa situação dá, em matéria de vencimentos, equiparação a qualquer funcionário que o Estado nomeie ou contrate para os seus serviços.

Então, porque os directores gerais ganham 2.000$, têm os Deputados de ganhar 2.400$?

Por que motivo?

No País em que os generais não ganham vencimentos superiores a 2.000$, em que um juiz do Supremo Tribunal de Justiça vence 1.800$, entendem os Depu-

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Sessão de 14 e 15 de Agosto de 1924 95

tados e Senadores que não podem vencer menos de 2.400?

Porquê?

E não sentem que a Nação há-de reprovar, indignada, êsse procedimento?

Do facto de se dizer que o Parlamentar deve ser subsidiado, exactamente porque é democrático, que o seja, porque não há o direito de exigir que só os ricos possam ser membros do Poder Legislativo, até o facto de se lhe pretender dar o mais alto vencimento da burocracia do seu País, vai uma distância considerável.

Parece que o número 2.400$ foi escolhido para que todos os Deputados que são funcionários públicos, qualquer que seja o seu vencimento, possam optar pelo exercício do cargo parlamentar e possam, de facto, comparecer na Câmara, abandonando o exercício das suas funções nos estabelecimentos ou repartições do Estado a que pertencem.

Já aqui disse, tendo tido ocasião de apresentar o respectivo projecto, que a solução dêsse problema reside, principalmente, np facto de se não permitir que os funcionários que optam pelo exercício das funções parlamentares fiquem na situação em que presentemente se encontram, de não ter de ir ao seu serviço porque são Deputados ou Senadores, e de não comparecerem às sessões das Câmaras porque recebem os vencimentos dos seus cargos de funcionários públicos.

Quere-se acabar com a desigualdade de situação, que se dá entre Deputados que vencem como tal e Deputados que vencem pelos cargos públicos que desempenham no funcionalismo?

Muito bem: reparem-se êsses inconvenientes nos termos em que fôr moral fazê-lo; mas não se queira dar aos Deputados um subsídio igual a 24 vezes aquilo que recebiam em 1914, ao mesmo tempo que aos funcionários públicos se vai dar apenas o coeficiente de 12.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Carvalho da Silva: — Sr. Presidente: ouvi sempre dizer que é função principal do Parlamento exercer uma eficaz acção fiscalizadora dos actos dos Governos.

E é até para que essa acção seja eficazmente fiscalizadora que todas as Constituições (e a da República não faz excepção) declaram que nenhum Deputado ou Senador pode, uma vez eleito, aceitar qualquer cargo remunerado do Poder Executivo.

Infelizmente, porém, em relação a muitos Parlamentares, vivemos bem afastados de um tal preceito moralizador, visto que êles têm aceitado, contra a Constituição, nomeações do Poder Executivo.

Mas, como se isto não bastasse, aparece-nos agora o Sr. Ministro das Finanças, cuja acção na sua qualidade de membro do Poder Executivo deve ser fiscalizada pelo Parlamento, a autorizar com a sua assinatura uma proposta no sentido de que seja aumentado o subsídio dos membros do Parlamento, seus fiscalizadores.

Quere dizer: estamos em face de uma proposta altamente atentatória do prestígio e independência do Poder Legislativo.

Como se isto não bastasse, uma circunstância existe na apresentação desta proposta, que por si só é suficiente para me horrorizar.

O Sr. Ministro das Finanças pôs a sua assinatura, autorizando os Deputados a receber maior subsídio.

Os Deputados em face desta proposta colocam-se numa situação deprimente para a sua independência; e o Sr. Ministro das Finanças apresenta-se como um superior a conceder aos subalternos um aumento de remuneração.

Só isto bastaria para liquidar o prestígio e a independência que os Deputados precisam ter.

Não é o Sr. Ministro das Finanças nem o Poder Executivo que têm de conceder favores ao Poder Legislativo: — é o Poder Legislativo quem tem de pedir ao Executivo conta dos seus actos.

Sr. Presidente: esta proposta é absolutamente inconstitucional porque, segundo os termos da Constituição, os vencimentos dos Deputados não podem ser alterados no decurso desta legislatura.

Ouvimos ontem o Sr. Ministro do Trabalho declarar que não havia dinheiro para manter os doentes nos hospitais e que as crianças da Assistência estavam sem ter que vestir nem que comer; o nós, que ouvimos isso, o Parlamento que acaba de votar para o funcionalismo público uma situação de miséria, o Parlamento que há pouco, mais de uma vez, saneio-

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96 Diária da Câmara dos Deputados

nou que o Estado não cumprisse os seus deveres para com os seus credores, vem agora votar o aumento do seu subsídio, colocando-se numa situação verdadeiramente crítica!

Nós somos absolutamente contrários ao subsídio parlamentar; mas neste caso, nem de um subsídio se trata, visto que se estabeleceu para os Deputados um ordenado anual.

Os Deputados não podem ter um ordenado, porque não são funcionários do Estado.

Têm uma função levantada a cumprir, e não podem de nenhuma maneira deixar de ser os primeiros a dar o exemplo de sacrifício numa época em que se exige ao País inteiro que se sacrifique.

O subsídio parlamentar fica agora aumentado 35 vezes, ao passo que para o funcionalismo público apenas votámos e coeficiente 12.

Isto é imoral, e representa mais de 3:500 contos por ano, só para pagar aos parlamentares.

Êste lado da Câmara apresenta o seu mais formal protesto a esta proposta.

E não se diga que o fazemos por especulação política.

Haja em vista o exemplo dado pelos Deputados da Monarquia, quando da crise de 1891.

Nessa altura a situação não tinha nem sombras de semelhança com a actual; mas como era preciso, que o País fizesse sacrifícios, os Deputados entenderam que deviam ser os primeiros a fazê-lo.

Isto é que é moral e prestigia um Parlamento.

O contrário só serve para que o País se convença de que os parlamentares se lembravam mais de si próprios, que do funcionalismo público, votando para êste o coeficiente 12 e para si o coeficiente 35.

Tenho pena de me sentir tam fatigado, porque, de contrário, muito mais enérgico seria o meu protesto.

Em todo o caso, êle fica lavrado, e é bem sincero.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Viriato da Fonseca: — Sr. Presidente: sempre que se trata de subsídio aos parlamentares, levanta-se aqui um sentimento de pudor especial, apresentando-se argumentos de sofística moral.

Precisamos de considerar as cousas pelo seu prisma verdadeiro.

É porque a Câmara não trabalha como devia trabalhar, pois muitas vezes não tem número.

Mas há mais.

Se olharmos para os trabalhos das comissões, vemos que êles deixam muito a desejar, e eu tenho autoridade bastante para o poder afirmar, visto que não falto aqui um único dia, embora as sessões acabem tarde.

Sr. Presidente: eu tenho funções lá fora que me tomam bastante tempo, mas no emtanto venho sempre à Câmara, devendo acrescentar que não recebo nada como parlamentar, pois os meus vencimentos são de coronel de artilharia.

Eu entendo que a base fundamental do desprestígio da Câmara provém da maneira como ela trabalha e, porventura, a origem advém de muitos parlamentares não terem os meios monetários para se conservarem na cidade de Lisboa.

Nessas condições, êsses parlamentares têm de resolver a sua vida, e por isso ficam nas suas terras, tratando dos seus interêsses.

Êste é o caso principal, que necessita de ser resolvido.

Sr. Presidente: não se trata de modificar o subsídio; êle continua a ser de 250$ aumentado em conformidade com a lei das melhorias.

Mas, Sr. Presidente, comparemos os vencimentos : em 1914, um Deputado tinha 100$ e em 1919 passou a ser de 250$, e nessa época, ainda quando não havia melhorias, um director geral recebia 200$ de vencimento.

Agora, após a adopção das melhorias, tem o director geral, 1.700$ mensais; menos ainda que um chefe de secção!

Por isto se vê quam inconsistentes são as razões de sofística moral que se levantam em torno desta questão sempre que dela se trata.

Os parlamentares não estão colocados pelo subsídio melhorado na escala hierárquica que lhes corresponde.

Pela sua representação, e funções que desempenham, devem ter um certo nível social, e estar em condições de manterem a sua posição.

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Reconheceu-se agora que os professores de instrução primária, anteriores a 1914, tinham um pequeníssimo vencimento e por se reconhecer que tal não podia ser, foi-lhes posteriormente aumentado o vencimento.

Um professor de instrução primária, se se considerar o antigo vencimento, recebe 37 vezes o que recebia.

Diz-se que todos os funcionários recebem 10 e 12 vezes mais o seu antigo vencimento de 1914.

Não está certo.

Há funcionários que têm 11, 12, 15, 18, 20 e 37 vezes.

De maneira que o multiplicador constitui uma série crescente, em toda a extensão da escala.

É minha opinião, fundamente arreigada, que a falta de número é devida à pequenez e insuficiência do subsídio, que não permite aos parlamentares, sobretudo aos que vivem na província, o poderem sustentar-se na capital.

Os ricos poderão ter opinião contrária, mas os outros não.

Representação parlamentar?

Como?

Ela não existe na maior parte do tempo, porque as faltas são contínuas e nem o trabalho da Câmara nem o das comissões pode luzir.

E de tudo isto resulta a forma extraordinária como se têm feito os trabalhos nestes quatro dias, tendo-se perdido anteriormente um tempo imenso.

Mas para V. Exas. verem a minha maneira de pensar, leio à Câmara, na parte referente, o que escrevi no parecer da comissão do Orçamento do Ministério das Finanças, de que fui encarregado, em que se fez o relato do subsídio dos parlamentares em, alguma nações, podendo assim inferir da exigüidade nossa a tal respeito.

Leu.

Êste é o meu pensamento, a minha maneira de ver, e apresentada de resto em resposta aos argumentos do Sr. Ferreira da Rocha.

Entrar na discussão dos sentimentos morais que cada um possa ter, a respeito dêste assunto, é uma questão subjectiva.

Eu tenho os meus sentimentos morais. Cada qual encara como pensa e quere êste assunto.

Comparar o subsídio aos parlamentares com os vencimentos do funcionalismo público, é um mal enorme.

Sabe-se perfeitamente que o não trabalhar a Câmara durante quatro a cinco meses, como aconteceu por falta de número, produz um prejuízo muito maior do que o total do subsídio proposto aos parlamentares.

Entendo melhor concedê-lo do que estarmos aqui meses seguidos sem exercermos a função de representantes da Nação, sem aprovarmos os orçamentos, sem um estudo consciencioso, feito pelas comissões, dos mais instantes problemas que nos são propostos.

Isso é muito mais perigoso, muito mais prejudicial à Nação, e muito pior.

Por isso não me repugna nada que esta proposta seja aprovada assim ou de qualquer outra forma em que todos os parlamentares possam vir aqui dignificando-se a si, ao Parlamento e à República.

Tenho dito.

O Sr. Agatão Lança (para interrogar a Mesa): — Sr. Presidente: pedi a palavra para preguntar a V. Exa. se o Regimento não permite que eu faça o seguinte requerimento:

Requeiro a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se permite que o artigo em discussão seja discutido separadamente da proposta de melhorias.

O Sr. António Maria da Silva (sobre o modo de votar): — Sr. Presidente: pedi a palavra para lembrar a V. Exa. que há uma lei que não permite que se apresente qualquer proposta aumentado a despesa sem receita compensadora; V. Exa., portanto, nem sequer pode aceitar o requerimento do Sr. Agatão Lança.

Apoiados.

Não foi aceito o requerimento do Sr. Agatão Lança.

O Sr. Morais Carvalho: — Sr. Presidente: nesta altura do debate, a propósito do artigo em discussão e dada a hora adiantada da noite, não quero alongar-me em considerações, tanto mais que por parte dos Srs. Deputados que não concordaram com êsse artigo já foram apresentados todos os argumentos que levam à sua rejeição; mas, Sr. Presidente, eu

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não quero deixar de lavrar também o meu protesto contra o subsídio proposto aos parlamentares.

Eu não compreendo que numa ocasião como esta, numa crise gravíssima que o País atravessa, com um déficit espantoso que o Estado tem, quando o Estado acaba de fazer falência com os seus credores, no momento em que é desgraçada a situação das pensionistas, no momento em que dizemos à maioria dos funcionários do Estado que o custo da vida é de 24 vezes mais que não podemos dar-lhes senão 12 vezes, não compreendo, repito, que o subsídio parlamentar seja uma quantia a vencer mensalmente, todo o ano, quer o Parlamento funcione ou deixe de funcionar.

O que me revolta, sobretudo, é que, reconhecendo-se que a vida subiu 24 vezes, neguemos aos funcionários do Estado um subsídio superior a 12, querendo para nós um subsídio maior.

Aquilo que recebemos não o aproveitamos para nós. Todavia, o que revolta, é que nós neguemos aos funcionários do Estado um aumento maior, e votemos um subsídio para nós superior ao coeficiente 12.

Lavrado assim o meu protesto, dou por findas as minhas considerações.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Sr. Presidente: não é sob o ponto de vista moral ou político que vou entrar na discussão dêste assunto.

Desejo apenas prestar algumas explicações sôbre o alcance financeiro da proposta.

Foi um cálculo aproximado; pode computar-se em mais de 3:000 contos, o excesso de despesa com o subsídio proposto.

Eu não direi a V. Exa. que é de mais ou de menos, porque lá fora não é de estranhar que se atribua a um parlamentar um subsídio congruente com a sua sustentação honesta.

Porém, o que devo dizer a V. Exas. é o seguinte: o meu nome figura na proposta, visto que ela traz aumento de despesa,- mas acrescentarei que não colaborei na sua redacção. Apenas servi de chancela.

Seria minha obrigação fazer a defesa, e faço-a sempre, dos interesses do Tesouro; mas visto que se trata de um Poder do Estado que melhor do que o próprio Ministro sabe o que interessa à Nação, não podia recusar-me a pôr o nome na referida proposta.

Eu não sou fiscal dessa face do problema.

Se V. Exas. me preguntarem se eu pessoalmente considero a proposta elevada, eu não poderei deixar de confessá-lo.

Se V. Exas. me disserem que não há outra forma de estabelecer aos Srs. parlamentares um subsídio condigno, eu não tenho senão que me curvar perante a deliberação da Câmara.

Quere-me, porém, parecer que essa forma existe.

A mim é que me não compete indicá-la, visto que eu não tenho que interessar-me ou desinteressar-me do assunto.

Só à Câmara compete resolver pela melhor maneira.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. Jaime de Sousa: — Mando para a Mesa a seguinte proposta de substituição:

Artigo... A percentagem aplicável ao subsídio dos parlamentares será calculada por maneira a que êle não seja inferior à maior ajuda de custo fixada na tabela a que se refere o decreto n.° 6:667, de 23 de Agosto de 1923.— Jaime de Sousa.

O Sr. Viriato da Fonseca: — Mando para a Mesa a seguinte proposta:

O subsídio parlamentar é de 600$, com a melhoria que resulta da aplicação da presente lei sôbre 20 por cento dêsse subsídio.— Viriato da Fonseca.

São lidas, admitidas e entram em discussão.

É lida a, seguinte proposta:

O subsídio parlamentar passará a ser de 600$, devendo ser melhorado segundo as disposições desta lei.

16 de Agosto de 1924.— Viriato da Fonseca.

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O Sr. Carvalho da Silva: — As duas propostas enviadas para a Mesa não modificam o aspecto moral da questão.

Já que se exigem sacrifícios ao País, acho que os parlamentares devem ser os primeiros a dar o exemplo.

O Sr. Pedro Pita: — Todas as vezos que se discute nesta Câmara a questão do subsídio, surge a preocupação daquilo que lá fora possa dizer se. E por isso que se estabelece sempre um subsídio irrisório que deixa os parlamentares na mesma situação. O resultado é não haver sessões por falta de número, visto que os parlamentares têm de procurar, fora do Parlamento, as ocupações necessárias à sua manutenção em Lisboa.

Sr. Presidente: fazendo-se a comparação daquilo que é dado como subsídio aos parlamentaras de Portugal com o que, com êsse intuito, é dado nos outros países, reconhece-se imediatamente que é absolutamente irrisório o que se dá em Portugal.

Sr. Presidente: acima de tudo, é necessário que o Parlamento funcione; mas para isso é necessário habilitar os parlamentares a poderem viver, a poderem assistir às sessões.

Há sobretudo uma situação de desigualdade que é muito para notar. Em primeiro lugar há a que resulta dos parlamentares que são funcionários públicos, e há em segundo lugar a dos funcionários e particulares que não vivem habitualmente em Lisboa. Não achava mal — e eu sou dos que residem em Lisboa — que se estabelecesse um subsídio especial de residência para os membros do Parlamento que tenham residência fora de Lisboa, pois não é possível a um parlamentar, que vive fora de Lisboa, manter-se nesta cidade, fazendo despesas de hotel com êsse dinheiro.

Sr. Presidente: não acho, nem podia achar demasiado, o subsídio que resultava da proposta mandada para a Mesa pelo Sr. Ministro das Finanças, e que era de 2.400$ mensais.

Disso o Sr. Ferreira da Rocha que a monarquia tinha reduzido os juros da dívida pública, mas tinha acabado com o subsídio aos parlamentares. Mas, Sr. Presidente, nesse tempo era a monarquia, e agora é a República. A democracia precisa ser sorvida por pobres e ricos, e não é numa República que se pode proibir a alguém que seja parlamentar pela circunstância de ser pobre.

Disse ainda S. Exa. que não deviam os parlamentares aumentar o subsídio em proporção diversa dos aumentos dados ao funcionalismo. Simplesmente admiro que S. Exa. tenha hoje o conceito de fazer do parlamentar um funcionário, quando em 1922 disse aqui que o Parlamento não devia colocar-se na situação do funcionário.

Sr. Presidente: são funções absolutamente diversas, embora sejam de serviço ao País; mas é absolutamente necessário dizer que a função de parlamentar obriga a encargos de natureza especial que não tem os funcionários.

Estabeleça-se, se se entender que deve ser estabelecida, a diferença de subsídio para aqueles que residem fora de Lisboa, porque êsses precisam, de facto, ter subsídio maior. Mas, Sr. Presidente, das outras vezes que êste assunto tem vindo à discussão, eu é que tenho enviado para a Mesa as propostas respectivas. Não o faço agora.

Mas pregunto à consciência daqueles que me ouvem se realmente o subsídio fixado pelo Sr. Ministro das Finanças é alguma cousa para quem desempenha funções como desempenham os Srs. Deputados e Senadores.

O orador não reviu.

O Sr. Ferreira da Rocha: — Sr. Presidente: não pretendo alongar-me em considerações, visto já a êste respeito ter exposto a minha opinião à Câmara.

Ora sôbre êste caso dos subsídios o que eu disse foi que a monarquia os havia suprimido.

Todos os países monárquicos ou republicanos, quando deixem de honrar os seus compromissos, não podem aumentar as suas despesas, e, todavia, votada a lei da redução de juros, no dia imediato faz-se um aumento de desposa desta natureza.

Reconheço que o subsídio é pequeno; reconheço que têm razão os Srs. Deputados, que 2.400$ não seria domais para viver em Lisboa com uma certa despreocupação financeira, mas reconheço que todos aqueles que também vivem em Lis-

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boa, como sejam os militares e funcionários públicos, vivem com muito menos dinheiro do que aquele que nós vamos dar aos Deputados e Senadores.

Se é verdade que um subsídio de Deputado não é vencimento de funcionário, se eu em 1922 entendia que o subsídio de Deputado se não deva considerar como vencimento para aplicação de melhorias, não é menos verdade que a doutrina que triunfou foi a minha.

Repito, não pretendo alongar o debate. É preciso notar que não quero fazer qualquer cousa de agravo no momento da discussão dos subsídios, mas, no emtanto, entendo que nós temos o direito de expor a nossa opinião.

O orador não reviu.

O Sr. Manuel Fragoso: — Sr. Presidente: é a primeira vez que entro num debate desta natureza.

Não era intenção minha usar da palavra sôbre êste caso; mas vou procurar-dizer o que se me oferece sôbre o assunto, esperando que ninguém veja nas minhas palavras qualquer intuito de melindrar seja quem fôr.

Tenho exactamente a opinião do Sr. Ferreira da Rocha.

Cada um aqui é Deputado, e tem o direito de dizer sempre o que pensa sem se pretender saber o que é lá fora.

Mas, Sr. Presidente, se é um princípio assente que pode ser Deputado todo aquele que esteja habilitado a sê-lo, todo aquele que os eleitores quiserem eleger, sem se pretender saber também se êsse Deputado está ou não nas condições de suprir as despesas do seu cargo e tendo de ficar um Deputado com um aumento de 1.660$, então é melhor rasgarem êsse princípio e proclamarem em voz bem alta que só os ricos podem aqui vir defender os interêsses da Nação, conjugando-os muitas vezes com os seus próprios interêsses.

Sim, rasguem êsse princípio e depois digam que voltamos ao regime da monarquia em que apesar de tudo os subsídios aos Deputados eram muito mais avultados do que os que têm sido dados aos Deputados republicanos.

Lá fora, os Deputados vencem às vezes centenas de vezes mais do que se vence em Portugal.

Bem sei que estamos num país pobre; mas eu pregunto se êsses 2.400$ são alguma cousa que se compare com os 27:000 francos dos franceses, com as libras dos ingleses e de uma maneira geral com os vencimentos dos Deputados do mundo inteiro.

Eu considero-o um subsídio de uma nação pobre.

O Sr. Ferreira da Rocha disse que não nos devíamos colocar fora da situação em que colocamos todos os outros funcionários públicos.

Mas S. Exa. não reparou que a natureza especial do nosso cargo traz aumentos de despesa que os outros funcionários não têm.

Os funcionários públicos têm já uma situação melhorada que lhes permite fazer face às despesas da vida com o pouco que recebem.

Mas eu ainda pregunto mais: É verdade que o funcionalismo público vive única e simplesmente dos vencimentos que o Estado lhes dá?

Não é verdade, Sr. Presidente. Não há hoje em Portugal funcionários públicos, que tenham, família, que possuiu viver com aquilo que o Estado lhes dá.

E então acontece que o funcionário público se distrai das suas obrigações para se ir ocupar de outros interêsses.

Uns são professores, outros fazem-se comerciantes e industriais, etc. E agora, quanto a mim, eu ponho a questão muito clara.

Eu que não vendi nem vendo a minha cadeira de Deputado a interêsses de qualquer ordem, eu que não sou rico, se porventura o subsídio parlamentar ficar na miséria de 1.000$, renuncio ao meu lugar de Deputado. E fique aqui quem em Lisboa pode viver com 1.000$.

Mas ainda há outra espécie de parlamentares que formam uma classe à parte dentro desta Câmara: são aqueles que são também funcionários públicos e, como tal, recebem vencimentos superiores ao subsídio.

Êsses têm a cómoda situação de não terem obrigação de se apresentarem ao serviço das repartições a que pertencem porque são parlamentares, e, quando faltam às sessões da Câmara, não estão sujeitos ás mesmas penalidades que os outros.

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É contra isto que eu me revolto.

Sacrifiquemo-nos todos por igual e sejamos todos sujeitos às mesmas penalidades.

O orador não reviu.

O Sr. Jaime de Sousa: — Requeiro a V. Exa. que consulte a Câmara sôbre se me permite retirar a proposta que apresentei.

A Câmara permitiu.

O Sr. Ginestal Machado: — Era meu intuito não me ocupar desta questão. Dado, porém, o aspecto que ela tomou, entendo do meu dever, em vista das responsabilidades que pesam sôbre mim, dizer inteiramente o que penso.

Parece-me que, da extrema direita à extrema esquerda da Câmara, todos devemos fazer um esfôrço sôbre nós próprios para abstrairmos dos nossos interêsses pessoais e considerarmos apenas os interêsses da instituição que representamos.

O que exigem os interêsses superiores desta instituição?

Sr. Presidente: o regime democrático exige que se faculte aos melhores portugueses o assento nesta Câmara.

O que seria para desejar é que o processo de escolha se aperfeiçoasse, e aqui viessem aquelas pessoas que melhor pudessem desempenhar a sua missão.

E é possível até que eu nesse momento não tivesse o prazer de fazer parte desta Câmara.

Não apoiados.

Mas repito, o que era necessário era que a selecção se fizesse entre os mais competentes. Era isso o que convinha ao País.

De maneira que, sendo assim, tem de se proporcionar as condições materiais a todo» os cidadãos, mesmo da condição mais humilde, para poderem aqui ter assento.

Sondo assim, é indispensável que só faculte a todos os parlamentares os meios materiais, para que não sirva de pretexto a ninguém para não cumprir os seus deveres, a falta dêsses meios.

É por isso que eu não concordo, em que se comparem os parlamentares com os funcionários públicos, porque temos de considerar que nós constituímos um órgão de soberania.

Nós não podemos compararmo-nos com funcionários públicos. Temos de considerar as necessidades materiais que os parlamentares têm para dignamente desempenhada sua missão.

Sabe V. Exa. que hoje em todos os povos os parlamentares são subsidiados. Até mesmo aqueles países que se encontram na nossa situação têm procurado garantir aos parlamentares uma vida. livre de preocupações.

O Sr. Viriato da Fonseca (em àparte): — Há até um país que dá aos parlamentares fauteuils nos teatros.

O Orador: — Eu não queria tanto: quero que se dê só o indispensável.

Não é indispensável para exercer as funções parlamentares ir ao teatro, mas era por exemplo necessário que no Parlamento houvesse uma biblioteca com bons livros pura podermos tratar todos os assuntos duma forma minuciosa.

De maneira que dizem que em todos os países de organização democrática, seja monarquia seja república (? quantas democracias existem em.toda a Europa com uma ou outra modalidade?) se procura dar aquilo que permite viver em harmonia com a sua posição, aos funcionários que têm de ter uma certa representação.

Isto não sucede connosco; porque há muitas classes a que não damos aquilo que devíamos dar.

Apoiados.

Reparem V. Exas., por exemplo, o que se dá com o Ministro dos Estrangeiros, a quem não se dão os recursos indispensáveis para representar a Nação.

Mas agora não é o Poder Executivo que está em jôgo: é o Legislativo. E lembro a V. Exas. que várias são as formas de se poder regular o subsídio aos parlamentares.

Há países em que êles têm o subsídio fixo, como por exemplo na Suíça; outros há que têm uma parte fixa e outra variável, segundo o local onde residam, como acontece com os funcionários públicos que se deslocam da sua residência em que o Estado tem obrigação de lhe fornecer recursos financeiros; outras têm um subsí-

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dio de residência, ajuda de custo de vida, que varia segundo o custo da vida de 3 em 3 meses para os colocar em condições de poderem viver em harmonia com a sua posição.

Como V. Exas. vêem, há muitas formas de se estabelecer o subsídio, que nós, se quiséssemos, poderíamos considerar serenamente e de forma a estabelecer-se aquilo que nós entendêssemos que melhor se adaptaria ao nosso País.

Eu pregunto à consciência de todos, se, excluindo da função parlamentar todos aqueles que exercem funções públicas, o médico, o advogado, o comerciante e o industrial, alguém viria aqui?

Relativamente às considerações aqui feitas, de que aqueles que são funcionários deveriam abandonar o serviço em que se encontram, são casos para considerar, mas isso não se pode fazer se estivermos, todos apaixonados e julgarmos que uns têm mais do que outros porque são funcionários.

Aqui há parlamentares com igualdade de direitos e deveres.

Por isso é preciso sabor se se todos têm recursos para estar aqui e terem de manter-se em condições de certa igualdade mesmo aparente.

O que eu entendia que o Regimento devia estabelecer era que os parlamentares que não comparecessem às sessões ou que dessem um certo número de faltas, perdessem o seu mandato.

Os nossos eleitores é que têm de fazer a fiscalização do modo como nós desempenhamos a missão para que fomos encarregados; porque nós representamos aqui a Nação e especificadamente os eleitores; e, portanto, êles que nos apreciem.

É preciso, portanto colocar os parlamentares numa situação diferente da dos funcionários públicos.

Posto isto, não me repugna nada votar qualquer modificação ao subsídio, contanto que na nossa consciência seja o mínimo indispensável.

É o que exige o estado do País.

Tenho dito.

O orador não reviu.

O Sr. João Camoesas: — Muito poucas palavras.

Hesitei em tomar parte neste debate; porque, representando nesta casa do Parlamento uma instituição para que ela me elegeu, embora não seja funcionário público, eu estou contado numa situação especial de vencimentos.

É verdade que esta casa do Parlamento já aprovou; um projecto de lei, que, embora não tenha sido tunda aprovado pela outra casa, visa a reconduzir-me na situação antiga.

Sentia portanto um melindre se algum dos meus colegas cuidasse que eu falava assim por querer defender os meus interêsses.

Mas, Sr. Presidente, não quero deixar de talar, porque — e êsse é o aspecto que me preocupa — entendo que esta casa do Parlamento, votando ainda esta noite medidas que importam um sacrifício de toda a gente dêste País, tem a obrigação de dar pelo exemplo a prova da sua latitude no sacrifício.

Apoiados.

Vivo neste momento, na minha vida particular, em condições que posso dizer, sem vergonha, de miséria — como nunca vivi durante toda a minha vida, que posso dizer que não é pequena, porque a mim próprio me sustento desde os 11 anos de idade.

E no emtanto diz-me a minha consciência que não tenho o direito do exigir a todas as pessoas, a todos os cidadãos portugueses, um sacrifício cujo limite não posso rigorosamente avaliar.

Êste é o aspecto moral da questão.

Há um outro aspecto que a mim não onde ficar despercebido: — é que considero inconstitucional a proposta, tal qual ela só encontra redigida.

O espírito da Constituição é êste: que o subsídio não é fixado pelas pessoas que O recebem.

Domos nós as voltas que quisermos dar à letra da Constituição o seu espírito é êste.

Eu, Sr. Presidente, fui companheiro de armas de centenas de milhares do filhos do povo, alguns dos quais baquearam ao meu lado para defender a integridade da Nação, e por isso não posso sancionar com o meu voto uma medida que acho absolutamente inconstitucional.

O orador não reviu.

É lida a proposta do Sr. Viriato da Fonseca

Posta à votação é aprovada.

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O Sr. Agatão Lança requere a contraprova e o Sr. Carvalho da Silva invoca o § 2.° do artigo 116.°

O Sr. Ferreira da Rocha (sôbre o modo de votar): — Tenho duvidas sôbre se essa proposta é constitucional ou não; não sei se poderá ser admitida em face do que diz a Constituição.

O Sr. Presidente: — Já expliquei que o subsídio foi fixado em 1919.

Por conseqüência a Câmara pode fixar agora um novo subsídio.

O Sr. Ferreira da Rocha: — Mas não é isso que diz a Constituição.

O Sr. Presidente lê a Constituição.

O Sr. Carvalho da Silva (para interrogar a Mesa): — Desejava que V. Exa., Sr. Presidente, fizesse o obséquio do me informar se, quando um Deputado manda para a Mesa duas propostas sôbre um determinado assunto, são ambas admitidos ou se a segunda não é admitida.

O Sr. António Maria da Silva: - Há uma outra proposta na Mesa com o concordo do Sr. Ministro das Finanças, que não foi retirada.

O Sr. Carvalho da Silva: — Peço a V. Exa. que me diga se a primeira proposta que tem o concordo do Sr. Ministro das Finanças é do Sr. Viriato da Fonseca.

O Sr. Presidente: — Não me recordo se foi o Sr. Viriato da Fonseca ou o Sr. Ministro das Finanças que a apresentou.

O Sr. Carvalho da Silva: — O Sr. Ministro das Finanças não podia apresentar uma proposta dessa ordem, porque não é Deputado.

O Sr. Agatão Lança: — Quero ter a fácil coragem de, apesar de não concordar plenamente com o que se irá fazer, dizer que, em minha opinião, a proposta que está na Mesa é da autoria e responsabilidade do Sr. Ministro das Finanças.

Se assim não fôsse, não se podia admitir na Mesa, visto que traz aumento de despesa.

Há dias apresentei um projecto de lei que foi também assinado pelo Ministro das Finanças de então.

Imediatamente êsse projecto deixou de ser da minha autoria.

Assim mo afirmou o Sr. Presidente.

Êsse projecto foi para a Imprensa Nacional sem a minha assinatura.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Eu já disse à Câmara que não tinha na lembrança quem foi que mandou para a Mesa esta proposta.

Peço ao Sr. Ministro das Finanças que esclareça a Câmara.

Nesta altura sai da sala o Sr. Viriato da Fonseca.

O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Sr. Presidente: já expliquei a razão por que assinei a proposta: era para poder ser recebida na Mesa.

Por isso pus nela a minha assinatura para êsse fim.

Pausa.

Entra na sala o Sr. Viriato da Fonseca.

O Sr. Presidente: — Notei que V. Exa., Sr. Viriato da Fonseca, saiu da sala quando fiz uma pregunta ao Sr. Ministro das Finanças.

Não sei o motivo porque V. Exa. o fez, mas suponho que não teve razão para isso, porque a obrigação da Mesa é esclarecer êste assunto.

S. Exa. não reviu.

O Sr. Viriato da Fonseca (para explicações): — Sr. Presidente: logo que começou êste incidente, eu pedi a palavra para explicações, a fim de esclarecer êste assunto.

Ora foi dada a palavra ao Sr. Agatão Lança depois ao Sr. Carvalho da Silva e por último ao Sr. Ministro das Finanças, parecendo que eu não era Deputado para poder usar da palavra, antes daqueles outros Deputados.

O Sr. Presidente: — Não ouvi V. Exa. pedir a palavra, senão tê-la-ia dado.

O Orador: — Dou-me por satisfeito com essa explicação, e vou procurar esclare-

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cer a Câmara acerca do incidente levantado.

O Sr. Ministro das Finanças tinha uma proposta escrita por alguém, fôsse quem

Num dado momento chegou-se ao pé de mim e preguntou-me se eu a podia mandar para a Mesa.

Disse-lhe que sim e fiquei com ela; mas daí a bocado veio ter comigo o Sr. Sá Pereira, e disse-me que eu não podia apresentar a proposta porque isso era contra a lei-travão.

Fornos ao Sr. Ministro das Finanças, que a assinou e depois a mandou para a Mesa, mas em seu nome, esquecendo-se de riscar o meu.

O orador não reviu.

O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Não me esqueci de riscar o nome de V. Exa.

Apenas pus o meu nome, para a proposta poder ser recebida na Mesa.

O Orador: - Mas a proposta foi enviada para a Mesa por V. Exa.

O Sr. Ministro das Finanças (Daniel Rodrigues): — Sim, senhor.

O Orador: — Então a proposta é de V. Exa.

O Sr. Presidente: — Vou pôr à votação as duas propostas.

Apoiados.

Vai ler-se a primeira proposta enviada para a Mesa.

É lida e aprovada a proposta enviada para a Mesa pelo Sr. Ministro das Finanças e assinada também pelo Sr. Viriato da Fonseca.

Proposta

Artigo novo. O subsídio dos Deputados e Senadores é fixado em 50 por cento dos vencimentos que tiverem os Ministros.— Viriato da Fonseca — Daniel Rodrigues, Ministro das Finanças.

O Sr. Carvalho da Silva: — Requeiro a contraprova e invoco o § 2.° do artigo 116.°

Procede-se à contraprova.

Diário da Câmara dos Deputados

O Sr. Presidente: — Estão presentes 54 Srs. Deputados.

Não há número.

Vai proceder à chamada.

Procede-se à chamada.

Disseram «aprovo» os Srs.:

Adolfo Augusto de Oliveira Coutinho.

Adriano António Crispiniano da Fonseca.

Albano Augusto de Portugal Durão.

Amaro Garcia Loureiro.

António Albino Marques de Azevedo

António Augusto Tavares Ferreira!

António Ginestal Machado.

António Maria da Silva.

António Pais da Silva Marques.

Carlos Eugénio de Vasconcelos.

Delfim Costa.

Ernesto Carneiro Franco.

Francisco Cruz.

Francisco da Cunha Rêgo Chaves.

Jaime Júlio de Sousa.

João José Luís Damas.

João Salema.

João de Sousa Uva.

José Cortês dos Santos.

José Domingues dos Santos.

Júlio Gonçalves.

Luís António da Silva Tavares de Carvalho.

Manuel Eduardo Fragoso.

Marcos Cirilo Lopes Leitão.

Mário Moniz Pamplona Ramos.

Paulo Limpo de Lacerda.

Pedro Góis Pita.

Pedro Januário do Vale Sá Pereira.

Sebastião de Herédia.

Viriato Gomes da Fonseca.

Vitorino Henriques Godinho.

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Disseram trejeito» os Srs.:

Afonso de Melo Pinto Veloso.

Alberto da Rocha Saraiva.

Alfredo Rodrigues Gaspar.

António Abranches Ferrão.

António Alberto Tôrres Garcia.

António Pinto de Meireles Barriga.

Armando Pereira de Castro Agatão Lança.

Artur de Morais Carvalho.

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Baltasar de Almeida Teixeira.

Bernardo Ferreira de Matos.

Custódio Martins de Paiva.

Francisco Dinis de Carvalho.

João José da Conceição Camoesas.

José Mendes Nunes Loureiro.

José Miguel Lamartine Prazeres da Costa.

José Pedro Ferreira.

Luís da Costa Amorim.

Manuel Ferreira da Rocha.

Nuno Simões.

Valentim Guerra.

Vasco Borges.

O Sr. Presidente: — Disseram «aprovo» 32 Srs. Deputados e «rejeito» 21.

Não há número.

A próxima sessão é na segunda-feira à hora regimental, com a mesma ordem de trabalhos dada para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 7 horas e 55 minutos do dia 16 de Agosto de 1924.

Os REDACTORES:

Sérgio de Castro.
João Saraiva.

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