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REPÚBLICA PORTUGUESA

DIÁRIO DO SENADO

SESSÃO N.º 13

EM 16 DE MARÇO DE 1922

Presidência do Exmo. Sr. Manuel Gaspar de Lemos

Secretários os Exmos. Srs.

Luís Inocêncio Ramos Pereira
João Manuel Pessanha Vaz das Neves

Sumário. - Abriu a sessão com 38 Srs. Senadores. Procedeu-se à leitura da acta, que foi aprovada, e deu-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Santos Garcia alude ao péssimo horário da linha de Sul e Sueste, e o Sr. Godinho do Amaral queixa-se da falta de vagões para transportar o vinho da região de Dão.

A ânimos os Srs. Senadores responde o Sr. Ministro da Agricultura (Ernesto Navarro).

O Sr. José Pontes refere-se aos mutilados, respondendo o Sr. Ministro da Guerra (Correia Barreto).

O Sr. Silva Barreto pede para que seja convertido em lei o projecto n." 443 e o Sr. Joaquim Crisóstomo insiste pela remessa de documentos.

Os Srs. Silvestre Falcão e José Pontes participam a constituição de comissões.

Na ordem do dia, verifica-se a interpelação anunciada pelo Sr. Oriol Pena, respondendo-lhe o Sr. Ministro da Agricultura (Ernesto Navarro).

O Sr. Presidente encerra a sessão.

Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:

Abílio de Lobão Soeiro.
Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.
Aníbal Augusto Ramos de Miranda.
António da Costa Godinho do Amaral.
António Gomes de Sousa Varela.
António Maria da Silva Barreto.
António Xavier Correia Barreto.
Artur Augusto da Costa.
Artur Octávio do Rêgo Chagas.
Augusto Casimiro Alves Monteiro.
César Justino de Lima Alves.
Duarte Clodomir Patten de Sá Viana.
Elísio Pinto de Almeida e Castro.
Ernesto Júlio Navarro.
Francisco José Pereira.
Francisco de Sales Ramos da Costa.
João Catanho de Meneses.
João Manuel Pessanha Vaz das Neves.
João Maria da Cunha Barbosa.
João Trigo Motinho.
Joaquim Manuel dos Santos Garcia.
Joaquim Pereira Gil de Matos.
Joaquim Xavier de Figueiredo Oriol Pena.
José Augusto Ribeiro de Melo.
José Augusto de Sequeira.
José Joaquim Fernandes Pontes.
José Mendes dos Reis.
Júlio Augusto Ribeiro da Silva.
Luís Augusto de Aragão e Brito.
Luís Inocêncio Ramos Pereira.
Manuel Gaspar de Lemos.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Raimundo Enes Meira.
Ricardo Pais Gomes.
Rodolfo Xavier da Silva.
Rodrigo Guerra Álvares Cabral.
Tomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.)
Vasco Gonçalves Marques.

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2 Diário das Sessões do Senado

Srs. Senadores que entraram durante a s fissão:

Alfredo Narciso Marçal Martins Portugal.
Francisco António de Paula.
Francisco Vicente Ramos.
Frederico António Ferreira de Simas.
Herculano Jorge Galhardo.
Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.
José António da Costa Júnior.
Júlio Maria Baptista.
Luís Augusto Simões de Almeida.
Silvestre Falcão.

Srs. Senadores que não compareceram à sessão:

António Alves de Oliveira Júnior.
António de Medeiros Franco.
Augusto César de Vasconcelos Correia.
João Alpoim Borges do Canto.
Joaquim Teixeira da Silva.
Jorge Frederico Velez Caroço.
José Joaquim Fernandes de Almeida.
José Joaquim Pereira Osório.
José Machado Serpa.
José Nepomuceno Fernandes Brás.
Júlio Ernesto de Lima Duque.
Nicolau Mesquita.
Querubim da Rocha Vale Guimarães.
Roberto da Cunha Baptista.

Pelas 15 horas e 5 minutos, o Sr. Presidente manda proceder à chamada, fez-se a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 38 Srs. Senadores. Está aberta a sessão.

Vai ler-se a acta.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Senador pede a palavra, considera-se aprovada. Vai ler-se o

Expediente

Ofícios

Da Câmara dos Deputados enviando os seguintes projectos de lei ali aprovados:

Que entrega à Junta Geral do Distrito do Pôrto o semi-internato "Rosa Santos" e a "Escola Maternal e Profissional de Vairão".

Que cede definitivamente à Misericórdia de Tentúgal o edifício do convento do Carmo.

Para as comissões de assistência, cultos e finanças.

Da Câmara dos Deputados remetendo as propostas de lei ali aprovadas:

Que altera o decreto n.º 5:640, sôbre contribuições" lançadas a (sociedades anónimas ou por cotas.

Que autoriza a Administração dos Caminhos de Ferro do Estado a construir o ramal de Portei a Viana do Alentejo.

Para as comissões de finanças e obras públicas.

Requerimentos

De Ana Rosa Martins pedindo que lhe seja aumentada a pensão que lhe foi concedida pela lei n.° 1:202.

Para a comissão de finanças.

Do tenente do quadro auxiliar de artilharia José Fernandes pedindo que seja publicado ao abrigo do artigo 32.° da Constituição o projecto de lei que regula a situação dos oficiais milicianos.

Para a comissão de guerra.

"Peço que seja convertido em lei o projecto n.° 443, de iniciativa desta Câmara e enviado à Câmara dos Deputados em 24 de Maio de 1921, ofício n.° 446, por fôrça do artigo 32.° da Constituição da República Portuguesa".

16 do Março do 1922. - A. M. da Silva Barreto.

Para a Secretaria afim de informar.

Do alferes chefe de música, reformado, Joaquim Marcelino Saraiva, pedindo que lhe seja aplicada a lei n.° 736, conferindo-lhe o pôsto de tenente chefe de música.

Para a comissão de petições.

"Rogo a V. Exa. que consulte o Senado sôbre se permite que a comissão de in

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quérito ao Ministério da Guerra possa reunir, ou quaisquer dos seus membros, para trabalhar durante as sessões".

Sala das Sessões do Senado em 15 de Março de 1922. - Rêgo Chagas.

Autorizado.

Projecto de lei

Do Sr. José Pontes arbitrando uma redução nas passagens de caminhos de ferro para os militares reformados, que estejam inválidos.

Para primeira leitura.

Parecer

Da comissão de infracções e faltas sôbre o pedido de licença do Sr. Fernandes de Almeida, autorizando-o a que esteja ausente dos trabalhos parlamentares por quinze dias.

Aprovado.

Constituição de comissões

Constituíram-se as comissões de inquérito ao Ministério das Colónias, escolhendo para presidente o Sr. Silvestre Falcão; e a comissão de redacção e Regimento, tendo escolhido para presidente o Sr. Sousa Varela e para secretário o Sr. José Pontes.

Para a Secretaria.

Admissão

Projecto de lei

Do Sr. Ramos da Costa sôbre construção de casas baratas.

Para as comissões de obras públicas e finanças.

O Sr. Presidente: - Está aberta a inscrição para

Antes da ordem do dia

O Sr. Santos Garcia: - Sr. Presidente: pedi a palavra a fim de chamar a atenção do Govêrno, e especialmente do Sr. Ministro do Comércio, para a forma como está elaborado o horário do caminho de ferro do Sul e Sueste, que há de começar a vigorar na próxima segunda-feira.

Com êsse horário praticou-se uma injustiça flagrante.

Sr. Presidente: é necessário que as instâncias superiores, com sede em Lis-

boa, não continuem a julgar a província do Alentejo como um simples sertão, pois que a província alentejana é uma província que quer trabalhar e progredir, e que, pelo seu desenvolvimento agrícola, comercial e até industrial tem direito a ser tratada com um pouco mais de carinho e consideração.

Com o horário agora estabelecido desaparece o comboio das 5,30 da tarde, que chegava a Lisboa às 10,30, e o que daqui partia às 4,30 da tarde e que chegava a Évora às 10,30 da noite.

O comboio das 5,30 ligava com o do Algarve na Casa Branca e agora êsse comboio passou para a linha do Vale do Sado.

Eu não discuto a importância da região do Vale do Sado, o que estranho é que. se vá beneficiar essa região em detrimento de outra, tanto ou mais importante do que aquela.

Diz-se que êsse comboio tal como existia atravez do Alentejo não produzia a receita necessária; no emtanto pelos dados que colhi, e até pelo que tenho observado não me parece que assim seja; o que me parece é que êsse comboio se poderia transformar em mixto, e desta forma se beneficiava a província do Alentejo e os seus habitantes.

Os distritos de Évora e Beja ficam apenas com dois comboios; o de madrugada e o que parte de Moura e Vila Viçosa às b da manhã.

Mas fica com um comboio que parte às 9,55 da manhã e outro às 3,43 da madrugada.

Eu pregunto a V. Exa., Sr. Presidente, eu pregunto à Câmara, quem é que tendo um comboio às 9,55 se vai utilizar de um às 3,43 da madrugada.

Assim, um dos comboios que partem de Évora é completamente prescindível e o melhor era não existir e na sua substituição ficar o comboio que estava e que partia às 5,30 da tarde.

Para isto chamo a atenção do Sr. Ministro da Agricultura, a quem peço que transmita as minhas considerações ao seu colega da pasta do Comércio.

Tenho dito.

O Sr. Ministro da Agricultura (Ernesto Navarro): - Eu transmitirei ao meu colega as considerações de S. Exa.

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4 Diário das Sessões do Senado

O Sr. Santos Garcia; - Agradeço a S. Exa.

O Sr. José Pontes: - Pedi a palavra aproveitando a presença do Sr. Ministro da Guerra, para lhe chamar a atenção sôbre um facto importante.

O Sr. Ministro da Guerra que eu conheci quando estive mobilizado, como homem amigo dos seus soldados; S. Exa., que nos tempos em que empenhava todo o meu entusiasmo na campanha dos mutilados da guerra, era um dos que mais me animavam nessa campanha; o Sr. Ministro da Guerra, que me abraçava e me felicitava por essa mesma campanha, há de com certeza, achar razoável o que digo e que se justifica por um sentimento de solidariedade e como eco dessa campanha, que me entusiasmou durante alguns anos de labor jornalístico.

Hoje, ainda nos jornais, falo de assistência, e, por êsse motivo, à nossa banca de redacção chegam-nos pedidos e lamentos e, dêstes, alguns respeitam a assuntos militares.

Quando fiz a propaganda a favor dos mutilados da guerra na Capital, para a sua reeducação profissional, e ao Século, para a sua colocação, auxiliado pelos jornais Janeiro do Pôrto, Manhã, Mundo e Diário de Noticias, eu trabalhei para que aos mutilados e estropiados nada faltasse.

Os governos da República trabalharam o problema com certo carinho o promulgaram, entre outras, uma lei, certamente a mais generosa dos países aliados, dando aos militares que estivessem nos estabelecimentos de reeducação os mesmos honorários como se estivessem em campanha.

Vem a paz e depois muitas cousas se esqueceram.

Foram arrancados às fileiras do exército muitos soldados que ainda precisavam de amparo e ainda carecem de reeducação, tanto funcional como profissional, e cuidados de prótese, que não podem ter nos recantos da província para onde foram viver.

Cito o caso de um homem que pede auxílio para ir até um ponto onde haja mais elementos de higiene e assistência para se tratar, visto que no recanto da província onde vive não há possibilidade cê encontrar lenitivo às suas, lesões.

Êste problema de deslocação de inválidos tem sido estudado em toda a parte, e é necessário que era Portugal também se estude.

Ao Sr. Ministro da Guerra, que é desvelado e generoso amigo dos que se inutilizaram na guerra, peço que, neste sentido, mande estudar ama lei comparada às que existem lá fora, a fim de se darem aos inválidos e estropiados da guerra as regalias a que tem direito.

No estrangeiro dão-se bónus de passagem nos caminhos de ferro, em harmonia com a invalidez dêsses homens. Pois é nessas condições que eu formularei um projecto de lei que talvez nesta mesma sessão mande parada Mesa.

Isto é humano. É preciso acudir àqueles que estão inválidos porque por nós trabalharam.

Tenho dito.

O Sr. Ministro da Guerra (Correia Barreto): - A propaganda que o meu amigo dedicado, Sr. José Pontes, tem realizado pelos jornais e em conferências, tem feito com que a Pátria se não tenha esquecido, como às vezes sucede, dos heróis que perderam a saúde na guerra.

Já temos uma lei de assistência aos mutilados, mas essa lei não está completa, porque só concede benefícios aos mutilados hospitalizados e há muitos, talvez a maior parte, que tendo ido para as suas terras não têm tido assistência alguma.

Tenciono apresentar uma proposta de lei modificando a actual lei de assistência aos mutilados da guerra, de modo que os que não entraram nos hospitais, e não receberam do Estado qualquer benefício possam usufruir as regalias que a Pátria tem concedido aos outros.

Dou o meu mais entusiástico apoio ao projecto de lei, que o Sr. José Pontes tenciona apresentar a fim de que os caminhos de ferro concedam a êsses inválidos serventuários da Pátria os bónus a que se referiu.

Assim como êsse projecto tem o meu mais decidido apoio, tê-lo há com certeza de todo o Govêrno.

O orador não reviu.

O Sr. José Pontes: - Agradeço o aplauso que o Sr. Ministro da Guerra deu à

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minha iniciativa. A atitude de S. Exa. é bem própria do chefe do exército.

Muito e muito obrigado.

O Sr. Silva Barreto: - Sr. Presidente, mando para a Mesa o seguinte requerimento.

Peço que seja convertido em lei o projecto n.° 443 da iniciativa desta Câmara e enviado à Câmara dos Deputados em 24 de Maio de 1921, ofício n.° 446, por fôrça do artigo 32.° da Constituirão da República Portuguesa.

Em 16 de Março de 1922. - Silva Barreto.

Enviado à Comissão para informar.

O Sr. Godinho do Amaral: - Desejava dirigir-me ao Sr. Ministro do Comércio, mas como S. Exa. não está presente, peço ao Sr. Ministro da Agricultura que transmita a êsse seu colega as minhas considerações.

Como V. Exa. sabe a região do Dão tem um regime especial limitado para o seu vinho. Acontece que os compradores dêsse vinho fazem, em geral, as suas compras em Dezembro, devendo os vinhos retirar em Fevereiro ou Março.

Pelas informações que tenho, poucas adegas foram vendidas; e, as que o foram não conseguem fazer sair o seu vinho por falta de transportes, não sendo possível, dum momento para outro, arranjar novas vasilhas. Mas o que mais prejudica é que as companhias de caminhos de ferro não atendem às reclamações dos sindicatos agrícolas e dos compradores de vinho. A companhia da Beira Alta, pela junção da linha da Pampilho sã, faz dreno dos vagões para a Companhia Portuguesa de forma que quando há uma requisição, por exemplo, do Pôrto para aquela região, servem os vagões da linha do norte, mas como a Beira Alta não os tem ficam retidos na Pampilhosa e se os requisitam à Beira Alta, esta em geral não os tem.

Isto é a ruína para aquela região. Os compradores fizeram as suas compras, mas não vão retirar o vinho.

Chamo, pois, a atenção de V. Exa. para êste assunto, pois recebi várias reclamações pedindo que se estabeleça um período de dois meses destinados a dar a preferência à saída do vinho a qualquer outra mercadoria estabelecendo-se também o intercâmbio de material nestas companhias.

O Sr. Ministro da Agricultura (Ernesto Navarro): - Transmitirei ao Sr. Ministro do Comércio as considerações que V. Exa. acaba de fazer.

O Sr. Joaquim Crisóstomo: - Pedi a palavra para dizer a V. Exa. que, tendo requerido, há um mês, vários documentos, êstes ainda me não foram enviados.

Se se tratasse da cópia dum processo longo, volumoso, de muitas páginas, compreendia-se que não houvesse tempo de tirar tal cópia, pelo que eu a aguardaria com serenidade; mas tratando-se de documentos insignificantíssimos como seja a relação dos funcionários actualmente em serviço na exposição do Rio de Janeiro, nota do que auferem, e da quantia que recebeu a Sr.a Virgínia Quaresma, para fazer publicar alguns artigos nos jornais de Lisboa e Pôrto, referentes à dita exposição, não se compreende nem se explica fàcilmente essa demora.

No caso presente só posso pedir responsabilidades ao Sr. Ministro do Comércio, visto que os seus empregados, ou não trabalham, e vão às repartições apenas fazer cera, o que é bastante para estranhar, ou executam os serviços que lhes são confiados, e nessa hipótese há quem se interêsse porque os documentos que requeri não me sejam fornecidos.

Fico assim privado de exercer a minha fiscalização parlamentar, emquanto não me fizerem entrega dos elementos indispensáveis que solicitei, a fim de apreciar a aplicação que tem pido dada pelo Sr. Lisboa de Lima ao crédito votado para a mencionada exposição.

Já ontem insisti pela remessa imediata dos aludidos documentos e peço de novo a V. Exa. que adopte as providências necessárias no sentido de ser dado inteiro cumprimento e execução às minhas requisições, porque de contrário sou forçado a acreditar que há interêsse oficial em ocultar qualquer irregularidade, ou abuso praticado pelo Sr. comissário da Exposição Internacional do Rio de Janeiro.

Tenho dito.

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6 Diário das Sessões do Senado

O Sr. Presidente: - Informo V. Exa. que está já feito o ofício instando por êsses documentos.

Vai passar-se à

ORDEM DO DIA

O Sr. Oriol Pena: - Sr. Presidente: Ao fazer aqui, há dias, uma pregunte simples a S. Exa. o Sr. Ministro da Agricultura, não era minha intenção chegar até à interpelação, que acabe; por lhe anunciar. E fi-lo, por S. Exa. me ter respondido aguardar ainda informações, que pedira às estações competentes, para conhecimento completo do decreto que fixou em 11° centesimais a graduação mínima dos vinhos expostos à venda a retalho.

E fi-lo contrariado porque, vivendo há 30 anos na obscuridade da minha vida particular, não me julgo com dotes para tratar, em assemblea pública, composta de pessoas ilustradas como esta, demoradamente de assuntos técnicos, sem grave risco, de me tornar enfadonho.

Tenho muito prazer em que seja o Sr. Ministro da Agricultura a pessoa coo quem tenho de discutir e cujo nome é, para mim, o deve ser para os interêsses agrícolas nacionais, garantia segura de que possa fazer muito de útil para o país.

O nome obriga! E S. Exa. não pode esquecer que Emídio Navarro, sobraçando uma pasta de que agora só tem a sen cargo um têrço, deixou da sua passagem pelo Govêrno obra muito notável, de que ainda restam bons vestígios, que o Sr. Ministro, melhor que ninguém, pode ter ocasião de apreciar.

A crise filoxérica foi a maior crise que; na minha já longa vida, o país teve cê sofrer, antes da crise republicana, de que ainda enferma gravemente.

Da primeira conseguiu, com trabalho perseverante, de bastos anos, libertar-se, refazer um. ramo de agricultura completamente arrumado, e torná-lo próspero.

Da segunda conta, no activo s estragos, perturbações, inquietações e prejuízos de toda a espécie, que seria ocioso enumerar, e, embora seja uma realidade a inclinação para a direita do actual gabinete, interessado na questão vital e primacial da defesa da ordem pública, só

Deus sabe quando chegará a ver-lhe o termo.

Com auxílio dos governos, dos corpos técnicos, das escolas agrícolas e com a boa vontade dos vinhateiros, que queriam defender-se da ruína, a praga que os assolava foi a causa determinante dos aperfeiçoamentos de cultura e fabrico, em que, havendo ainda muito que fazer, não sofrem já comparação com a situação anterior.

Por êsse tempo, e quando eu me ocupava assiduamente do renova mento das pequenas propriedades vinícolas que possuo, tive conhecimento da publicação dum folheto inglês, que nunca consegui obter, e da qual me dispenso de dizer o título em inglês, mas que, estranho e, sugestivo, pode ser em português êste: É a filoxera uma praga ou uma bênção?

Praga porque nos devastou as vinhas um momento: bênção porque de então em diante se acentuou a melhoria de cultura, mais cuidado fabrico, mais consciente governo dos vinhos e das adegas, melhor e mais regular produto obtido, o que não pouco tem contribuído para que os nossos vinhos alcançassem a fama de que, tam justamente gozam.

Eu disse, na ocasião em que chamei a atenção do Sr. Ministro para êste decreto nocivo, que considerava tal documento sem base técnica, absolutamente inoportuno e suspeito nas intenções!

Posso agora acrescentar, também, sem bases em conveniências higiénicas ou fiscais.

O decreto publicado rio Diário do Govêrno de 30 de Novembro de 1921, que é a cópia piorada de um decreto anterior de poucas semanas publicado no Diário do Govêrno de 22 de Outubro, pode condensar-se no artigo 1.° e seu parágrafo.

Os restantes artigos tratam de sanções & penalidades. Criam, eventualmente, um enxame enorme de agentes fiscais, que, forçosamente, serão incompetentes.

Proíbe o artigo 1.° que os vinhos possam ter graduação inferior a 11° centesimais e apesar de, no decreto anterior, de que êste é cópia pior, se dar como razão, no período que antecede o artigo 1.°, que êste tem por fim evitar o desdobramento dentro de barreiras, logo no § 1.° se dá um desmentido formal a tal afirmação.

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Parece incrível como escapei uma enormidade desta natureza em diploma dêste género. Exclui os vinhos verdes e os vinhos Colares. Está muito bem, na ordem de ideas de quem elaborou o decreto.

Mas os vinhos do Douro? E da região demarcada?!

Por Deus! Haverá alguém neste pobre País que ignore serem os vinhos da região demarcada no Alto Douro os mais ricos vinhos de Portugal e, para boas autoridades, os melhores vinhos licorosos do mundo?

Êsses são então directamente potáveis, como vinhos higiénicos; não tem 11°, não podem sofrer desdobramentos?

Por Deus! Que êste senhor técnico, que seria o Ministro da Agricultura, e que como técnico foi apregoado na imprensa, ou não o era; ou estava a sonhar, ou estava, permita-me a frase, a caçoar com a viticultura.

Sem querer insistir, porque não desejo alongar-me, nem fatigar a atenção de S. Exa. o Ministro e da Câmara, creio que S. Exa. começará a estar edificado.

Mas há mais: O artigo 3.°, § 1.° não está com meias medidas. Classifica de autoridade de vinho desdobrado o que tiver menos de 11°. Não diz porquê.

Ignora vá então o Ministro que os vinhos podem, e higienicamente até devem, ter graduação inferior?

Ignorava que os vinhos de pasto, os vinhos de mesa de bastantes regiões do País, não são aguardentados e não atingem, mesmo nos anos bons ou normais, essa graduação?

Não sabe o Ministro, não sabem as estações técnicas, que, no dizer do decreto, foram ouvi das, que muito s vinhos podem ser excelentes, com graduação bem inferior?

Haverá alguém que ignore que a baixa graduação ligada à excelência de qualidade não é privilégio dos verdes e dos de Colares?

é Que os verdes têm 7° ou 8° e pouco mais de 8° o Colares genuíno, e que os vinhos de 10° abundam por êsse País fora e são excelentes em milhares de rincões do nosso abençoado torrão?

Condenar assim, com esta semcerimónia, os vinhos do Alto Douro a emparceirar-se, a aviltar-se, na promiscuidade odienta dos vinhos neutros e anónimos de taberna!

Como se revoltariam, se fossem vivos, o Barão de Forrester, o Barão da Rueda, o Visconde de Vila Maior, o Visconde de Vilar de Alen, que eu conheci no Pôrto, aí por 1883, quando a filoxera nos começou a assolar a Estremadura, e a quem António Batalha Reis, outro homem útil, chamou a chave do Douro, e que tanto orgulho tinham em afirmar que o vinho do Pôrto é rei entre os vinhos afamados?!

Do que tenho dito suponho que fique justificada a afirmação que diz respeito à base técnica e aos fundamentos higiénicos, que estão igualmente assentes.

E cito só por memória a imperfeição do critério, que manda fazer os ensaios por mãos inexperientes, com o ebulioscópio, hoje absolutamente condenado, quando se trate de análises rigorosas, de cuja exactidão dependem interêsses consideráveis e que, ainda recentemente, foi condenado oficialmente em França.

A respeito da base higiénica do projecto, parece-me que disse o suficiente para que o Sr. Ministro veja a razão com que eu falo. Base fiscal? Vejamos.

Os vinhos apareciam, em geral, à venda em Lisboa com uma fôrça alcoólica que em pouco excedia 10°, e creio que ainda hoje sucede o mesmo, apesar de supor que não tenha sido alterada a tabela de entrada das barreiras de Lisboa que era de 13° graus com tolerância dos décimos, na prática 13°,9, riqueza que tinha sido fixada para atender às conveniências de alguns lavradores do sul e, sobretudo do Alentejo, que ainda vivem na doce ilusão de que podem abalançar-se a competir em vinhos com o Alto Douro, esquecendo-se que esta região é privilegiada, inimitável e única no mundo.

Está, infelizmente, muito atreigada entre nós a idea falsa de que o vinho é tanto melhor quanto maior é a sua fôrça alcoólica e, apesar dos esfôrços para melhor orientação por que tein pugnado desde muitos anos os nossos melhores enólogos, ainda não se conseguiu modificar essa maneira de ver de muitos dos nossos produtores.

Bastam os nomes de António Augusto de Aguiar, químico, conferencista, parlamentar e estadista, a quem a viticultura e a vinificação tanto devem, o Visconde de Vila Maior, Ferreira Lapa e António

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8 Diário das Sessões do Senado

Batalha Reis, para se saber que não é por falta de orientadores que a vinicultura não tem progredido mais.

Nenhum dos homens que acabo de citar com saudado, e que tanto se interessaram, em obras que continuarão a viver, pelos progressos das boas práticas enológicas, poderiam concordar com as doutrinas do decreto infeliz de que me estou ocupando.

Os vinhos, creio não estar em êrro, continuam a entrar nas barreiras de Lisboa com a riqueza alcoólica de 13°,9, e sem se contar com a fôrça latente que possam ter na glicose que lhes resta. E de apreciar é esta, sempre ou quási sempre, nos vinhos de graduação superior a 10°. O limite de 11º, como termo inferior, é invertido e constitui uma verdadeira heresia scientífica e higiénica não remediando cousa alguma e produzindo, tam somente, prejuízos importantíssimos,.

Base fiscal também não tem. Essa só pode encontrar-se, e deve encontrar-se, na escala alcoólica a estabelecer na entrada de barreiras e na obrigação, a impor aos retalhistas do vinhos por medida e a entregar directamente ao consumidor, da afixação da riqueza alcoólica dêsses vinhos, em caracteres bem aparentes, nas vasilhas de qualquer espécie em que se alojem e de onde se medem.

Eu não me conformo com o critério que toma a riqueza alcoólica como indicador único do valor, ou qualidade dos vinhos de consumo e de quaisquer outros, mas entendo que para os efeitos fiscais, e para os vinhos de que se trata, é o único pràticamente possível de considerar.

E ainda acrescido, na entrada de barreiras, do valor alcoólico em reserva na glicose que os vinhos possam ter e que seria útil fixar.

Com isto só teria a ganhar a boa conservação dêsses vinhos, que cevem ser acidules e secos, condição essencial nos bons vinhos de pasto.

Nós que tam fàcilmente copiamos o figurino francas, no que êle tem de mau, podemos e devemos aprender com os franceses e com os italianos em matéria de vinhos, o que 'ainda não sabemos, 0 é muito, por ora.

A obrigatoriedade da afirmação da fôrça alcoólica nos armazéns ou lojas de veada

a retalho é, em França, um facto, não é invenção minha,

Ainda ultimamente um a notável circular assinada pelo Ministro da Agricultura da França chamava para esta determinação a atenção dos seus subordinados.

S. Exa. o Sr. Ministro tomará o alvitre na consideração que entender melhor para o País, que pode nesta disposição encontrar apreciável fonte de receita.

E absolutamente inoportuno! É odientamente inoportuno!

Publicado no Diário do Govêrno de 22 de Outubro de 1921, na sua forma original, tornado a publicar no Diário do Govêrno de 30 de Novembro do mesmo ano, com os agravamentos que indiquei sumariamente, causou estragos, que já se não remedeiam mas que é mester se não repitam, e que foram afectar, não só os pequenos vinhateiros, terceiros ou rendeiros, mas também os médios e maiores vinhateiros, que, tomados de pânico e com os vinhos mal alojados, pela maior parte, foram vítimas de verdadeiras expoliações de destiladores, que, para obterem aguardentes baratas, em detrimento da viticultura, arrastaram os preços até quantias irrisórias.

A colheita do ano corrente, abundante em qualidade,, era em Portugal, e também o foi na França, na Argélia e na Itália, de péssima qualidade, no geral das regiões vinhateiras.

Ninguém que se ocupe de vinhos o ignorava, e as estações técnicas, que o Ministro afirma ter consultado, deviam, por dever do ofício, sabê-lo.

A colheita de 1921 é não só má: é absolutamente anormal.

Os laboratórios franceses, onde estas cousas se tratam a sério, e que têm, sobretudo na escola de Montpellier, professores o técnicos da maior autoridade, estão absolutamente embaraçados com os indicadores encontrados nos vinhos dêste ano; e tanto que se lhes torna impossível determinar, com segurança, quais as amostras que devem ser consideradas incapazes de entrar no comércio.

O professor Degrully diz nitidamente que os vinhos estão fora das regras enológicas, ainda que sãos e de gosto direito, sem vestígios de azedia e de volta.

E pregunta: que se fará dêsses vinhos que os laboratórios podem conside-

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rar hidratados e que, contudo, são absolutamente naturais?

Aconselha uma série de providências para evitar que alguns vinhos mal constituídos se percam, visto que estão mais sujeitos ao amarelecimento e ao azulamento, casse jaune, casse bleue, e ainda ao refervimento ou volta.

Disto é que o Ministro técnico, que assinou o decreto de 30 de Novembro, se deveria ter ocupado, bem como o seu precursor de Outubro.

Deveria ter feito circular, nas regiões vinhateiras, em larga, em larguíssima escala, instruções e conselhos, claros e explícitos, sôbre o que havia a fazer aos vinhos do ano, acautelando os produtores contra os prejuízos que mais tarde os surpreenderam.

Mais ainda: deveria, se fôsse realmente patriota, e tivesse a noção precisa dos deveres do cargo que exercia, ter mobilizado todo o pessoal agronómico disponível, que o país tem, e algum excelente e dedicado, para em missões por êsse país fora, mostrar pràticamente e aconselhar os bons processos de evitar o mal generalizado, que tem inutilizado não poucas pipas de vinho, com grave prejuízo da economia nacional.

Preferiu o Ministro, ou quem o aconselhou ou sugestionou, resolver tudo pela limitação alcoólica invertida, condenar à caldeira a grande massa de vinhos das regiões vinhateiras que os produziram, em quantidades enormes, de graduação que não atingiu êste ano, os 11° indicados.

E, ao que li em jornais, teve o aplauso da Direcção da Real Associação Central da Agricultura Portuguesa!

E teve o aplauso da Direcção do Sindicato Agrícola de Tôrres Vedras!

É pasmoso de inconsciência, mas é verdade!

Consultaram estas direcções os associados que representam? Não consta.

Exprimiram opiniões pessoais dos directores, dalguns dentre êles?

Não sei, mas reputo leviandade imperdoável que, em assunto de tanta monta, não fossem chamados os interessados de cada região, emquanto era tempo de atenuar, ao menos, os efeitos nocivos do malfadado diploma!

Disse-se também que, tendo-se feito observar ao Ministro a má qualidade e falta de fôrça alcoólica dos vinhos de 1921, êste respondera que o remédio era fácil: aguardentá-los.

Esqueceu porém o que isso custa e a impossibilidade do obter álcool puro para os que fossem destinados à exportação que se poderia fazer para França.

E só o álcool bem rectificado poderia animar os vinhos com destino ao mercado francês, onde a aguardentação não é permitida, onde os laboratórios só essa deixariam passar se fôsse tam habilmente feita que escapasse aos analistas e aos courtiers.

Já que falei em courtiers, vem a propósito dizer a S. Exa. como os pintou o conselheiro António Augusto de Aguiar, venerável figura de homem de sciência e de estadista, cuja voz sonora e potente tantas vezes ressoou com inexcedível brilho, na cátedra e nesta sala em que estamos, de que êle foi um. dos mais notáveis ornamentos, e a cuja memória a viticultura nacional deve o maior respeito.

Julgo que poderei reproduzir o essencial que ultimamente reli com prazer e atenção demorada, se a minha gasta memória me não atraiçoar.

Dizia o conselheiro Aguiar, falando do courtier:

"Pelo que toca ao moral, a honradez e a probidade são a base da profissão.

"Emquanto ao físico, é preciso que tenha olho de lince, boca de prata, embora a língua não seja do mesmo metal, paladar afinado e faro de perdigueiro.

"Faro!

"Quanto mais faro melhor!

"O génio do courtier é o faro!

"Fareja um vício de fabrico, como o policeman um crime!

"Descobre uma vasilha mal lavada, depois de morrerem todos os que a deixaram suja!

"Aponta um bolor num sítio em que o microscópio o não enxerga!

"E assim é preciso que o faça, porque o courtier não diz somente o que o vinho é hoje, tem de pronosticar o que êlle será no futuro.

"Vê para diante e para traz.

"Não é homem, é bruxo.

"Uma gota de vinho que lhe entre na boca sai de lá com toda a sua história em pratos limpos".

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10 Diário das Sessões do Senado

Êste decreto foi o coroamento dos múltiplos prejuízos que advieram à viticultura nacional, nos últimos meses do ano que findou.

Veio agravar o aviltamento de preços, que teve lugar depois de Julho do ano passado, e que deve ter tido o seu principal fundamento na burla dos 50.000:000 de dólars, que, produzindo um aumento fictício no valor da moeda, desnorteou completamente os comerciantes e quem lhes fornecia os créditos, para apenas dar resultados pecuniários aos exploradores de bolsa, que porventura estivessem em situação de poder saber o que se passava por detrás dos bastidores.

Além disso uma operação menos conhecida se pensou fazer com os álcoois americanos em seguida à proibição, na América, do consumo de bebidas alcoólicas, calculando-se que ali se quisessem desfazer delas a preço vil.

Tudo isto contribuiu para produzir o pânico, e fazer descer os preços das aguardentes e atrás dêsses os preços dos vinhos.

Não foi só o pequeno lavrador o molestado, pois que proprietários mais importantes chegaram a entregar vinhos a 2$50 e 2$ o almude de 20 litros, e cada pipa de aguardente por quantias que não excediam 500$.

E a pipa de aguardente no Pôrto é de 5341,24.

Houve pessoas que largamente jogaram, na armazenagem de aguardente e viram os seus capitais arriscados de serem cerceados em centenas de contos.

Dir-se-ia que êste decreto foi feito para acautelar justamente êsses interêsses, que seriam muito legítimos para as pessoas que os tintam em jôgo, mas sram forte agravo para a viticultura nacional, sobretudo a dos pequenos proprietários, mas não só essa,

Aqui está a razão por que eu disse que êste decreto, além do resto, era suspeito nas intenções.

Espero que o Sr. Ministro da Agricultura, que tem de honrar o nome que herdou, faça a obra útil de agarrar neste mostrengo para o esfrangalhar, porque não tein razão de existir e não tem defesa possível, como julgo ter conseguido demonstrar,

S. Exa. há-de querer ocupando o lugar que seu pai,, o conselheiro Emídio Júlio

Navarro, tanto ilustrou, com brilho inexcedível; a quem a viticultura portuguesa tanto deveu, no. seu período amargo de reconstituição, de quem a obra de ensino industrial conta ainda o que lhe resta de bom, que alargou, com ousadas vistas, a rede da viação, hoje infelizmente em bem miserável estado ; que foi o, colossal jornalista, no tempo em que os havia de boa marca, que dentro dalguns anos, um adversário político, como eu sou de S. Exa., possa dizer do filho o que tenho a satisfação de dizer do pai.

Pouco conheci o Sr. Emídio Navarro, que vejo sempre através do que sei da sua obra notável de estadista monárquico, que sempre foi, o que consola o meu espírito de monárquico indefectível e que considero como o Ministro de mais decidida acção e de maior talento que, nos últimos cincoenta anos, passou pela pasta das Obras Públicas, Comércio e Indústria.

E muito folgo de o poder dizer com justiça. (Apoiados).

Tenho dito.

O Sr. Ministro da Agricultura (Ernesto Navarro): - Sr. Presidente: foi com prazer que recebi o aviso de interpelação mandado para a Mesa pelo Sr. Oriol Pena, porque, tendo numa das últimas sessões declarado que estava a rever o decreto de Outubro de 1921, colhendo informações, era mais uma opinião de grande valor, a dum agricultor distintíssimo e culto, que vinha auxiliar-me no meu estudo.

Foi neste sentido que eu respondi o outro dia a, S. Exa., dizendo que tencionava modificar o decreto que regula a graduação do vinho de pasto para a venda a retalho, estando a reunir todos os elementos de estudo nascidos das reclamações e informações que foram, dirigidas ao meu Ministério.

Esta interpelação representa, pois, para mim não um ataque do ilustre Senador o Sr. Oriol Pena, visto que não se trata de combater actos por mim praticados, mas uma colaboração valiosa no trabalho que tenho em vista.

Agradeço as palavras amáveis que S. Exa. me dirigiu, e as palavras de justiça que dirigiu ao grande estadista Emídio Navarro, e V. Exa. calcula como são sempre gratas ao meu coração essas re-

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Sessão de 16 de Março de 1922 11

ferências, mas deixe-me V. Exa., Sr. Presidente, frisar que, se teiu sido feita justiça àquele homem público depois da sua morte, quem lha não fez e o tratou com ingratidão foi justamente o regime monárquico que êle serviu.

S. Exa. atribuiu ao Sr. Antão de Carvalho a iniciativa dêste decreto, quando êle apenas modificou aquele que era da responsabilidade do Govêrno do malogrado Dr. António Granjo.

O decreto inicial foi elaborado por sugestão da Associação Central de Agricultura Portuguesa, de acordo com- a Federação dos Sindicatos Agrícolas e aconselhado pelo Conselho Superior de Agricultura.

Ninguém melhor do que os viticultores teria autoridade para indicar o que mais conviria aos seus legítimos interêsses.

Vieram depois várias reclamações, evidentemente de atender, o que o Sr. Antão de Carvalho procurou fazer, e eu aproveito a ocasião de prestar homenagem a êste ilustre republicano, que tam corajosa e denodadamente tem defendido os interêsses da região do Douro, a cujas reclamações sôbre êste decreto êle procurou dar satisfação.

Devo dizer que não concordo com a excepção por S. Exa. introduzida, relativamente à região demarcada dos vinhos de pasto do Douro.

A maneira como está redigido o decreto pode até prejudicar a região do Douro, em lugar de a favorecer, auxiliando o desdobramento que se pretende evitar, e julgo de toda a vantagem que se marque um limite de graduação para aqueles vinhos.

Tem, no emtanto, S. Exa. razão relativamente aos vinhos do resto do País, cuja graduação alcoólica é muito variável, sobretudo os da colheita dêste ano, que, comquanto abundante, foi deficiente sob o ponto de vista da qualidade.

Êste inconveniente vat ser devidamente regulado no decreto que eu tenciono publicar, dando às câmaras municipais e aos sindicatos agrícolas a faculdade de estabelecer ã graduação para a venda a retalho nas diversas localidades, em harmonia com a natureza específica dos vinhos da região respectiva.

Uma outra correcção necessária é a que diz respeito aos vinhos em trânsito. A palavra expedir, que vem no decreto, foi mal aplicada e não deve ficar a mínima dúvida sôbre a completa liberdade de trânsito dos vinhos, independentemente da sua graduação.

Há também uma disposição que eu reconheço que é absolutamente inútil. É a que obriga a fazer a fiscalização in loco nas próprias casas de venda. Ora eu não acho vantagem alguma nesta disposição, sobretudo pela impossibilidade de a cumprir.

Existem actualmente apenas 7 aparelhos Salleron para toda a fiscalização, e o pessoal fiscal não sabe trabalhar com êles. E, pois, impossível fazer-se a fiscalização legal.

E êste também um ponto que eu atenderei no novo decreto a publicar, voltando-se a fazer as análises nos laboratórios, salvaguardando, porém, os inconvenientes resultantes das demoras nos resultados das mesmas análises.

Condena, porém, o Sr. Oriol Pena o decreto em absoluto, mas não demonstrou os inconvenientes do limite da graduação.

S. Exa. esqueceu-se de ponderar que nenhuma vantagem havia, para as próprias regiões onde a graduação alcoólica dos vinhos, de facto, é fraca, em suprimir aquele limite, pois não era à sombra dessa liberdade que êsses vinhos teriam mais fácil venda. O falsificador iria certamente comprar vinho de maior graduação, perto de Lisboa ou Pôrto, para os desdobrar- em seguida, poupando assim também os transportes caros em caminho de ferro.

A doutrina do decreto é, portanto, de louvar. Foi para evitar o desdobramento, e, conseguintemente, para obviar às escandalosas falsificações, que o Govêrno do Sr. António Granjo fez publicar o aludido decreto.

É preciso limar-lhe determinadas arestas e pó Io efectivamente em plena execução com uma rigorosa fiscalização. É o que eu pretendo fazer.

Creio, com as minhas explicações, ter respondido à interpelação do ilustre Senador o Sr. Oriol Pena.

Tenho dito.

O Sr. Oriol Pena: - Agradeço ao Sr. Ministro da Agricultura os esfôrços que

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12 Diário das Sessões do Senado

fez para procurar convencer-me de que o decreto em questão, com as modificações apontadas, tem conserto. Eu, porém, não lho vejo. O único remédio é agarrar aele e rasgá-lo, fazendo-se de conta cue nunca existiu.

Contraria-me que eu me deixasse ir atrás de considerações técnicas, e me esquecesse justamente de falar no enxame enorme de fiscais incompetentes que um tal decreto inventou para manejar aparelhos que têm fatalmente de ser delicados, muitíssimo frágeis, e os que o decreto indica, pouco exactos, como já tive a honra de dizer a S. Exa.

Fez-me S. Exa. sentir que a situação do Ministro era boa, por isso que tinha o aplauso da Real Associação Central de Agricultura Portuguesa e do Sindicato Agrícola de Tôrres Vedras. Isto mesmo disse eu a S. Exa. no começo do meu discurso.

Deixe-me, porém, S. Exa. tornar a afirmar que não me consta que a Real Associação Central de Agricultura Portuguesa, nem o Sindicato Agrícola de Tôrres Vedras tivessem consultado a parte competente da lavoura vinícola antes de darem o seu aplauso ao. decreto infeliz de que temos tratado,

Corria-lhes a obrigação restrita de o fazer, e não podiam, nem deviam, num assunto desta natureza e importância, proceder doutra forma.

Nem nica, nem outra dessas associações o fizeram.

Eu não venho aqui fazer cumprimentos, nem à Real Associação Central de Agricultura Portuguesa, nem ao Sindicato Agrícola de Tôrres Vedras; venho apenas dizer a verdade como a entendo e como a penso, e na defesa de importantíssimos interêsses injustamente agravados, e irremediàvelmente lesados.

Para terminar, devo agradecer ao Sr. Ministro a gentileza com que me respondeu.

Ouvi S. Exa. com toda a atenção, mas mantenho a minha opinião de que S.Ex.a está em êrro quando diz que êste decreto pode ser aplicável depois de introduzidas as alterações que S. Exa. pretende. Um só destino merece, e deve ter, êste nocivo diploma: a morte.

O Sr. Silvestre Falcão: - Pedi a palavra para participar ao Senado que foi ontem instalada a comissão de inquérito ao Ministério do Comércio, dando-me a honra de me eleger para presidente.

Encarregou-me também de pedir autorização ao Senado paru funcionar durante as sessões.

Consultada a Câmara, foi aprovado o requerimento.

O Sr. José Pontes: - Pedi a palavra para comunicar que já se acha instalada a comissão de redacção e Regimento, tendo escolhido para seu presidente o Sr. Sousa Varela e a mi m participante para secretário.

Aproveito a ocasião para mandar para a Mesa o projecto de lei de que há pouco falei.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é têrça-feira, à hora regimental.

Está encerrada a sessão.

Eram 16 horas e 40 minutos.

O REDACTOR - Albano da Cunha.

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