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REPÚBLICA

DIÁRIO: DO!SENADO

EM i DE MAIO DE 1926

Presidência do Ex,roo Sr, António Xavier Correia Barreto

Luís Inocfincio Ramos Pereira

Secretários os Ex,mos Srs.

António da Costa Godinno do Amaral

Sumário. — Chamada e abertura da sessão— Leitura e aprovação da acta —Dá-se conta do expediente.

Antes da ordem do dia.— O Sr. Presidente comunica o falecimento do Sr. Tomé de Barras Queiroz, traça o seu nobre per til de homem e de cidadão e propõe um voto de profundo sentimento.

Associam-se os Srs. Júlio Dantas, Caldeira Queiroz, Pedro Chaves, Fernandes de Almeida, Artur Cos',a, Fernando de Sousa, Afonso de Lemos^ Ministro da Justiça (Catanho de Meneses).

É interrompida a sessão por um quarto de hora, por proposta do Sr. Júlio Dantas, como homenagem ao ilustre extinto.

Reaberta a sessão, é nomeada a delegação do Senado para o representar no funeral.

O Sr. José Varela fala sobre a taxa de impor' tacão de farinhas no Funchal, tratando de outros assuntos relativos àquela i-'ha.

Responde o Sr. Ministro do Comércio (Gaspar de Lemos).

O Sr. Caldeira Queiroz fala sobre o relatório do caso dos Transportes Marítimos.

Responde o Sr. Ministro do Co,nércio.

O Sr. Alvares Cabral chama a atenção do Governo para o pouco zelo dos empregados da Ilha de Santa Maria, respondendo o tír. Ministro do Comércio.

Ordem do dia. — E lida a proposta de nomeação do Alto Comissário de Angola, sendo aprovada.

Entra em discussão o projecto n." Í4, relativo ao contrato coma Companhia das Aguas de Lisboa.

Usam da palavra os Sr,i. Fernando de S usa e Carlos Costa, que fica com a palavra reservada.

É aprovada a última redacção da proposta de lei n.° 10Í.

O Sr. Presidente encerra a sessão

Abertura da sessão às lõ hora» e 10 minutos.

Presentes à cJiamaâa 30 Srs, Senadores.

Entraram durante a sessão 22 Srs. Senadores.

faltaram à sessão 18 Srs, Senadores,

Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:

Álvaro António de Bulhão Pato. António Alves do Oliveira Júnior. . António da Costa Godinho do Amaral. António Maria da Silva Barreto. António Martins Ferreira. António Xavier Correia Barreto Artur Augusto da Costa. Augusto de Vera Cruz. Ernesto Júlio Navarro. Francisco António de-Paula. Francisco José Pereira. Francisco de Sales Bamos da Costa. Francisco Vicente Ramos. Frederico António Ferreira de Simas. Henrique José Caldeira Queiroz. Jo3o António de Azevedo Coutinho F. de Siqueira.

João Augusto de Freitas.

João Carlos da Costa.

Joaquim Pereira Gil de Matos.

José António da Costa Júnior.

José Fernando de Sousa.

José Joaquim Fernandes de Almeida.

José Machado Serpa.

José Mendes dos Reis.

José Varela.

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Diário das Sessões do Senado

Júlio Ernesto de Lima Duque. Luís Augusto Simões de Almeida. Pedro Virgolino Ferraz Chaves. Silvestre Falcão.

Srs. Senadores que entraram durante a sessão:

Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.

Álvaro César de Mendonça.

Augusto Casimiro Alves Monteiro.

Constantino José dos Santos.

Domingos Frias de Sampaio e Melo.

Duarte Clodomir Patten de Sá Viana.

Elísio Pinto de Almeida e Castro.

Ernesto Maria Vieira da Rocha.

Herculano Jorge Galhardo.

João Catanho de Meneses.

João Manuel Pessanha Vaz das Neves.

Joaquim Manuel dos Santos Garcia.

José Joaquim Fernandes Pontes.

José Nepomuceno Fernandes Brás.

Júlio Dantas.

Luís Inocêncio Ramos Pereira.

Manuel Gaspar de Lemos.

Miguel

Roberto da Cunha Baptista.

Rodrigo Guerra Alvares Cabral.

Tomás de Almeida Manuel de Vilhe-na (D.).

Vasco Gonçalves Marques.

Srs. Senadores que não compareceram à sessão:

Alfredo Narciso Marcai Martins Portugal.

António de Medeiros Franco.

António dos Santos Graça.

Artur Octávio do Rego Chagas.

Augusto César de Almeida Vasconcelos Correia.

Francisco Xavier Anacleto da Silva.

Henrique Ferreira de Oliveira Brás.

João Maria da Cunha Barbosa.

João Trigo Motinho.

Joaquim Correia de Almeida Leitão.

Joaquim Crisóstomo da Silveira Júnior.

Joaquim Teixeira da Silva.

José Augusto Ribeiro de Melo.

Luís Filipe de Castro (D.)

Nicolau Mesquita.

Querubim da Rocha Vale Guimarães.

Raimundo Enes Meira.

Vítor Hugo, de Azevedo Coutinho.

O Sr. Presidente:—Vai proceder-se à chamada.

Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente (às 15 horas e 15 minutos):— Estão pressentes 30 Srs. Senadores.

Está aberta a sessão.

Vai ler-se a.acta.

Leu-se.

O Sr. Presidente : —Está em discussão a acta. .

, Pausa.

O Sr. Presidente: — Como nenhum Sr. Senador pede a palavra, considera-se aprovada.

Vai ler-s'e o

Oficio

Da junta de revisão do Hospital Militar de Lisboa, pedindo que o Sr. José Pontes compareça naquele hospital no dia 6 do corrente, pelas 14 horas, para fazer parte de uma comissão.

Para a Secretaria.

Projecto de lei

Do Sr. António da Costa Godinho do Amaral, actualizando as importâncias mencionadas no artigo 1534.° do Código Civil.

Para a 2." Secção. . .

O Sr. Presidente: —Como V. Ex.as sabem,, faleceu o Sr,. Barros Queiroz.

S. Ex.a, pelo seu carácter de homem de bem, soube, pelo seu talento, pelo seu trabalho e pela sua inteligência, elevar-se de modo a ocupar na sociedade portuguesa um lugar de destaque.

Eu proponho que se lance na acta um voto de sentimento por esta perda verdadeiramente nacional e que se comunique, caso ele seja aprovado, á sua família.

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completas, das mais prestigiosas, e até das mais representativas incarnações.

Democrata de convicção e de princípios, estadista de sólida mentalidade, especialmente versado nas questões áridas mas vitais da política financeira e económica, orador fluente, nítido, rico de conceitos, por vezes ato elegante de expressões, foi sobretudo pela sua honradez, pelas suas austeras virtudes, pela sua perfeita e habilíssima linha moral que Barros Queiroz se impôs à consideração, não apenas dos republicanos, mas de todo o Pa-ís.

Hoje, que a vida portuguesa atravessa infelizmente uma grave crise, que nfto é apenas .uma crise de incompetência, mas também uma crise de carácter, prestemos homenagem á este homem honrado, austero e bom, cuja vida foi uma permanente lição de moral cívica e de virtudes republicanas.

Apoiados.

Não é neste momento de homens de génio que Portugal mais precisa para a obra que se impõe de ressurgimento nacional; é de homens sensatos, .probos, com uma visão serena dos factos, com- a noção perfeita das realidades, de homens, emfim, como Barros Queiroz, cuja estatura, neste momento que a morte o derrubou, nos parece ainda maior do que em vida.

Eu as sócio-me com profundo sentimento ao voto de V. Ex.a e proponho, em aditamento, que seja encerrada por 15 minutos' a sessão, e que se nomeie uma comissão que represente esta Câmara no funeral de Barros Queiroz.

Kealmente, este dia não é apenas um 'dia de luto para o Partido Nacionalista; é um dia de luto para a República.

Apoiados.

O Sr. Presidente: — É submetida à consideração da Câmara, não só a minha proposta, más ainda o aditamento feito pelo Sr. Júlio Dantas.

O Sr. Caldeira Queiroz: — É com profunda comoção que, em meu nome pessoal, me associo ao voto de sentimento proposto pela morte do Sr. Barros Queiroz, e dou o meu voto ao aditamento feito pelo Sr. Júlio Dantas.

Disse eu que era com profunda comoção que me associava a esse voto, por-=

que há muito tempo conhecia Barros Queiroz, que me honrou com a sua amizade e habituei-me a estimá-lo pelas suas lídimas qualidades do carácter e pelo muito que valia.

De entre as qualidades que o honravam uma havia que falava à minha consciência de republicano, de democrata: ó que Barros Queiroz-adquiriu na vida posições brilhantes e de destaque unicamente devido ao seu esforço e à sua inteligência.

Não é só a família de Barros Queiroz que nesta hora de dor lastima o seu falecimento, não somos só.nós, seus amigos ou companheiros, que sentimos o seu passamento, é a Nação inteira que muito e muito sofre com a sua perda.

Apoiados.

O Sr. Ferraz Chaves:—Em meu nome pessoal associo-me ao voto de sentimento proposto pelo Sr. Presidente pela morte do ilustre republicano Barros Queiroz.

Cada uma das palavras proferidas pelo Sr. Júlio Dantas foram como que um hino ao Sr. Barros Queiroz, mas não houve uma delas que não fosse inteiramente justa.

Apoiados.

. Teve o homenageado este dom extraordinário : homem sempre na política activa, militante combatendo ideas de interesses opostos, conseguiu ver-se cercado do respeito dos adversários a quem combatia.

Vivendo uma época tam melindrosa para os , políticos sinceros, Barros Queiroz desaparece coberto da simpatia e carinho de todos, porque em cada um dos seus adversários contava uma pessoa que o respeitava e nos seus correligionários amigos decididos,

A melhor homenagem que nós poderíamos prestar a Barros Queiroz seria cada um de nós, quer na sua vida política, quer na sua vida particular, termos sempre em mente o seu procedimento e imitá-lo.

Se assim fosse, acabariam por uma vez essas lutas inglórias em que nos debatemos e as futuras lutas travar-se-iam sempre num campo de estima e perfeita correcção, com maior soma de utilidades para a Pátria e para a Eepública.

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Diário 'das Sèssôêi 'do Senado

Barros Queiroz, mas, desde os primeiros momentos, pela lhaneza do seu trato que não representava transigência, pois que se alguém lhe fazia um pedido com que ele não concordava, com toda a correcção, com toda a urbanidade, mas com toda a firmeza, recusava o que lhe pediam.

Mas. Sr. Presidente, se o que pediam era justo, não se tornava necessário renovar o pedido, pois o tomava a seu cargo e quási sempre obtinha satisfação para ele.

Barros Queiroz desapareceu, ainda, rea]izando este facto extraordinário.

É frequente, as .pessoas que tenham durante a sua vida pontos vulneráveis ou mesmo defeitos graves, serem depois consideradas pessoas excelentes só porque morreram.

Mas Barros Q,ueiroz, não; era um homem honesto, um grande patriota e um jndefectível republicano. Sirva-nos ele de exemplo. Assim, Sr. Presidente, assocío--me, comovidamente à proposta de V. Ex.a e aditamento do Sr. Júlio Dantas, Tenho dito.

O Sr. Lima Duque: — Sr. Presidente: foi com profunda mágoa que esta manhã li a notícia do falecimento de Barros Queiroz.

Era em grande português, um portu-, guês do melhor quilate, um trabalhador indefesso que sabia lutar, com firmeza e sem agravos, pelos seus ideais políticos, e por isso mereceu sempre a consideração e estima de todos os seus concidadãos e as bênçãos da sua querida Pátria.

Apoiados.

Sr. Presidente: eu não poderia ficar silencioso ao comemorar-se o falecimento deste prestante cidadão porque fui seu correligionário e colaborador num dos Ministérios a que ele presidiu, e apreciei portanto, as suas qualidades, os primores da sua inteligência e, sobretudo, a sua lealdade para com os colegas do Gabinete, os bons e sãos conselhos que aos seus correligionários dava sempre, porque ele não possuía o espírito faccioso que, em geral, acampanha os homens públicos do nosso País.

Ainda me recordo, com saudade, destas atitudes tam cativantes do ilustre estadista.

O seu aviso amigo e desinteressado era sempre o de um homem de bem, de um homem honesto, de um verdadeiro patriota.

Apoiados.

Barros Queiroz era completamente isento de facciosismo, disse eu e ele mesmo o confirmava dizendo-o muita vez, e repetiu-o num jantar que lhe ofereceram os seus colegas do Gabinete, que «não era nem sábio nem político», na acepção partidária, é claro.

. Barros Queiroz tinha-se dedicado especialmente às questões financeiras., em que era uin dos homens mais conhecedores, distintos e sinceros do País, e se, Sr. Presidente, ele não pôde conseguir extraordinário brilho na aplicação dos conhecimentos que tinha da cousa pública, é porque as circunstâncias políticas não lho permitiram.

Barros Queiroz morreu, despertando o sentimento geral da Nação e o maior elogio que se pode fazer de Barros Queiroz é dizer-se que a Nação perde nele um bom cidadão e a República perde nele um excelente servidor. Tenho dito.

Vozes: — Muito, bem, muito bem.

O Sr. Fernandes de Almeida: — Sr.

Presidente: pedi a palavra para em nome da União Liberal Republicana me associar ao voto de sentimento por V. Ex.a proposto e ao aditamento a ele feito pelo ilustre leader do Partido Nacionalista Sr. Júlio Dantas.

Faço-o comovidissimamente e com tanta maior comoção quanto é certo que eu tive a honra de com o ilustre morto manter relações políticas e particulares, sendo-me dado conhecer^ do seu carácter as mais elevadas virtudes, da sua inteligência as mais fortes qualidades, no seu coração os mais nobres sentimentos.

Sr. Presidente: o elogio de Barros Queiroz está já feito por quem de direito não só por ser um ilustre entre os mais ilustres escritores deste País, mas também um dos maiores estadistas da República Portuguesa, o Sr. Júlio Dantas.

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E eu, só por isso e por um dever a cumprir, é que faço uso da palavra.

O Sr. Tomé de Barros Queiroz, com quem tive a honra de manter as mais íntimas relações políticas e particulares, em épocas um pouco agitadas da vida portuguesa, é efectivamente merecedor de todas as manifestações de luto nacional.

Foi um grande idealista da Eepública à qual prestou os mais alevantados serviços e à qual' podia prestar, se a morte não o levasse de entre nós tam cedo," ainda os mais relevantes e prestimosos serviços.

Perdeu portanto a Pátria e a República um dos seus mais nobres-servidores, de qnem tanto uma como outra ainda muito tinham a esperar.

Sr. Presidente: repito, associo-me comovidamente, e mmeu nome pessoal e em nome do partido a que tenho a honra de pertencer, ao voto proposto por V. Ex.a bem como ao aditamento feito pelo Sr. Júlio Dantas.

Tenho dito.

O Sr. Artur Costa : — Sr. Presidente: em nome dos Senadores do Partido Republicano Português associo-me ao voto de sentimento proposto por V. Ex.a pelo falecimento do Sr. Barros Queiroz, e também associamos os nossos votos à proposta de aditamento apresentada pelo Sr. Júlio Dantas.

Barro.s Queiroz ó bem merecedor das homenagens que o Senado lhe está prestando. A sua memória perdurará como a de um cidadão que prestou os mais altos, os mais alevantados e desinteressados serviços à causa da Pátria e da República.

Muitos apoiados.

O Sr. Barros Queiroz que a morte ceifou, pode dizer-se na flor da. vida, faz falta à sua Pátria,

Militava num partido que, em muitas ocasiões travou lutas acesas com o Partido Republicano Português mas nunca da boca desse ilustre cidadão saiu uma palavra de injúria ou de ataque contra este partido.

E porque Barros Queiroz era daquela escola de velhos republicanos que sabia respeitar os seus irmãos de armas ainda que divergisse em pontos de doutrina. Por j será debalde que nós procuraremos

um acto da sua vida que possa merecer o mais ligeiro reparo quer como cidadão, quer como político.

Merece todo o nosso respeito e consideração porque foi um cidadão que não precisava para subir aos altos postos que lhe foram confiados senão do seu trabalho, da sua honestidade, do seu coração e da sua lealdade para com todos aqueles com quem convivia.

Por isso associamo-nos comovidamente , às palavras aqui proferidas por todos os oradores. Como eles, nós, os Senadores do Partido Republicano Português, consideramos uma verdadeira perda para á Pátria e para a República a morte de tam ilustre cidadão.

Tenho dito.

O Sr. Fernando de Sousa: — Em nome deste lado da Câmara o em meu nome pessoal ássocio-me comovidamente à proposta de V. Ex.a e ao aditamento do Sr. Júlio Dantas.

Perante a morte todas as Bandeiras políticas se abatem.. Temos todos que prestar homenagem aos merecimentos da inteligência e do carácter do ilustre defunto.

Não está tam rica de valores morais a nossa torra que não devamos salientar como um exemplo as qualidades de Barros Queiroz. Deveu ele a elevação ao seu esforço, ao seu trabalho honesto, à sua inteligência, conseguindo uma situação merecida, quer na política quer no mundo dos negócios.

Eu, que há 36 anos tenho, a honra de trabalhar nessa grande obra de fomento levada a efeito pela grande família ferroviária— agora de luto—tinha por Barros Queiroz a máxima consideração e respeito.

Chamado ele pelo Grovêrno a tomar parte na administração da nossa mais importante Companhia de Caminhos de Ferro, e sucedendo na presidência a outro grande homem de bem, muito versado nos assuntos da sua especialidade, que foi Melo e Sousa, a ^ua acção inteligente e criteriosa como presidente do Conselho de Administração dessa Companhia foi verdadeiramente modelar.

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Diário âas Sessões ao Senado

dos panegíricos de Barros Queiroz aqui pronunciados: -

«Afinal a melhor posição neste mundo é ser homem de bem». Tenho dito.

O Sr. Afonso de Lemos: — Sr. Presidente: é preciso ainda acrescentar duas palavras àquelas que têm sido proferidas nesta sessão a propósito da morte de Barros Queiroz.

Essas duas palavras não as pronunciarei em nome do partido, porque esse dever foi brilhantemente cumprido pelo nosso ilustre leader Sr. Júlio Dantas.

Essas duas palavras referem-se à administração municipal'de que ele fez parte e eu, sob a presidência do nosso saiidoso Brramcamp Freire.

Barros Queiroz entrou na política, pode-se dizer por concurso, i.sto é defendendo a sua tese brilhantemente aã administração municipal. Quando a vereação tomou conta em 1908 da administração municipal encontrava-se esta num verdadeiro caos. Havia sete anos que, não se pagava aos fornecedores. Barros Queiroz, como eu disse há pouco, defendendo a sua tese de administrador, conseguiu sozinho, porque nós apenas colaborámos na sua obra mas guiados por ele, levar as cousas da Câmara a tal ponto que, quando a deixámos em 1912, havia uma receita importante, tinham-se pagos todos os fornecimentos, e até havia um superavit verdadeiro.

Estas duas.palavras não deviam deixar de ser ditas. Foi apenas para frisar este ponto que eu pedi a palavra.

Também não falo como velho republicano. Muitos dos Srs. Senadores que falaram são velhos republicanos. Mas quero falar para os novos republicanos., para daqui lhes lembrar que aqueles que foram os poetas de 1910 vão desaparecendo, e eu tenho receio de que os novos es não imitem. Tenho dito. O orador não reviu.

O Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos (Catanho de Meneses): — Sr. Presidente: associando-me em nome do Governo ao voto de sentimento pelo falecimento do

Sr. Tomé" de Barros Queiroz, devo dizer que o faço comovidamente.

O ilustre Senador Sr. Fernando de Sousa, fazendo o elogio do extinto, aca-- bou por uma síntese, que afinal, tudo resume:— o ser-se homem de bem.

Foi perfeitamente o que se deu com' Tomé de Barros Queiroz.

Filho de famílias humildes —se humilde é não ter meios próprios de fortuna — ninguém como ele teve um grande valor, o valor de se bastar a si mesmo; probo, honesto, respeitado, político, tudo deveu a si'próprio e-do nada se elevou. Filho de famílias quo, como disse, viviam numa mediania, sem os confortos que dão as fortunas que são legadas, ele trabalhou incessantemente para se elevar.

Começou pela vida comercial, mas, como todos sabem, foi o exemplo mais raro e honesto de comerciante e esse exemplo trouxe-o para a vida pública. Todos conhecem a lealdade e o assomo de independência — como já aqui foi frisado — com que ele se soube manter no meio das convulsões políticas e nunca sacrificou às conveniências do seu partido os ditames da sua consciência. Lembro-me de um Governo, não importa agora qual ele fosse, que reduziu os juros creio que da dívida interna. Pois Barros Queiroz magoou-se muito com esse facto e sem vir agora para aqui discutir se essa redução se deveria ou não fazer, vê-se nisso o verdadeiro homem de bem, acostumado a cumprir os seus deveres, e portanto, não compreendendo que o Estado não cumprisse também os seus.

Barros Queiroz entendia dever já estar terminado o ciclo das revoluções, mas que não era licito desligar a honra individual da do Estado. Ele s?bia qne um Estado vive pelo seu trabalho, pelo respeito às leis e à Constituição.

É por isso, Sr. Presidente, que ele se afastou sempre de tudo o que não fosse estar dentro da lei, não cumprir os «eus deveres de cidadão.

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hão-de abrir alas com os seus corações para deixar passar o ilustre extinto que foi uma figura proeminente da República, e que a todos deixa saudades porque a sua vida foi um grande exemplo para os vindouros.

O orador não reviu.

O Sr. Presidente: — Em vista da manifestação da Câmara considero aprovado por unanimidade o voto de sentimento proposto por mini e o aditamento do Sr. Júlio Dantas.

Em sinal de sentimento interrompo a sessão por 15 minutos.

Eram 15 horas e 28 minutos.

O Sr. Presidente (eram 16 horas e 9 minutos) :—Está reaberta a sessão. . Vai entrar-se no período de

Antes da ordem do dia

O Sr. José Varela: — Sr. Presidente : já pedi a palavra há muito tempo para quando estivesse presente o Sr. Ministro do Comércio por causa duns assuntos que dizem respeito à importação de farinhas no distrito do Funchal. Depois fui informado que este assunto dizia respeito à pasta das Finanças e à dos Estrangeiros. Já aqui há tempos, por isso, tratei do assunto, dizendo aquilo que era necessário dizer para que a questão fosse resolvida, não se tendo, no entretanto, tomado as providências necessárias que afinal constavam simplesmente de uma medida governativa que impedisso que as farinhas que .entrassem no distrito do Funchal fossem sobrecarregadas com um imposto ouro indirecto que sobre elas não devia recair.

Eu pedia portanto ao Sr. Ministro do Comércio ou a qualquer dos Srs. Ministros presentes, que junto .do Governo e pelas pastas competentes fossem tomadas as medidas necessárias porque este problema tem uma excepcional importância, principalmente depois das criteriosas considerações ontem aqui produzidas pelo meu ilustre colega e patrício Sr. João Augusto de Freitas, e que dizem respeito às dificuldades económicas com que luta actualmente o povo da Madeira.

Eu creio que este assunto não tem sido resolvido apenas por falta de tempo e não

porque propositadamente se pretenda pô-lo de parte.

Visto que estou no uso da palavra, vou fazer umas ligeiras considerações relativamente a um outro assunto que prende de uma maneira extraordinária neste momento as atenções das pessoas que se interessam especialmente por tudo quanto diz respeito à economia da Madeira.

Esse assunto refere-se às obras do porto do Funchal.

Não tenho hoje aqui presentes nem a lei que trata da organização da junta autónoma desse porto nem alguns apontamentos que tinha coligido para quando pudesse tratar do assunto. Deixei-os em casa.

Entretanto sei de cor o suficiente para dizer o necessário a fim dê que o Sr. Ministro do Comércio tome em consideração o assunto que vou versar.

Em Agosto de 1913 publicou-se uma lei, a n.° 89, que criou, na Madeira, uma corporação especial que tem o nome de Junta Autónoma das Obras do Porto do Funchal, e que tinha como objectivo unicamente melhorar as condições de trânsito de pessoas e mercadorias no referido porto.

Toda a gente sabe que o porto do Funchal é excepcionalmente concorrido, onde .passa uma grande parte da navegação que da Inglaterra se dirige ao Cabo, da Alemanha se dirige à América do Sul e, ainda a navegação de Portugal para a África Ocidental e Oriental, como também a que se dirige de Portugal para as ilhas adjacentes, indo até às últimas ilhas dos Açores.

Esse porto é frequentado ainda por navios especiais chamados «de turistas», grandes transatlânticos que vindos da América passam pela Madeira para proporcionarem aos seus passageiros, quando o tempo o faculta, e é quási sempre, o panorama belo daquele porto e também as especiais condições de clima que a mesma terra tem.

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Diário das Sevsôeê 'do Senado

pequena, mas que serviu durante muito tempo para evitar que as embarcações, quando o tempo se tornava agreste, viessem parar à praia, especialmente navios de vela.

•Fez-se esse molhe, mas verificou-se mais tardo que não era suficiente. Por isso, e porque mais tarde, com a autonomia relativa que se deu às ilhas adjacentes, nunca mais dos dinbeiros do Ministério das Obras Públicas, depois Ministério do Fomento, se tirou qualquer verba para acudir às necessidades de melhoria e conservação do porto; houve então a lembrança do se criar a Junta Autónoma das Obras do Porto de Funchal que se reconheceu ser necessária, mas foram-lhe atribuídas receitas que depois se verificou, bastarem apenas para manter os empre1 gados e lazer umas pequenas obras que não tinham importância alguma, por assim dizer.

Decerto alguns rendimentos obtinha essa junta, mas elos foram gastos exclusivamente em estudos, a maior parto dos quais sem valor como mais tarde se verificou.

Em consequência da falta de rendimentos corri que lutava a Junta Autónoma das Obras do Porto do Funchal, pcnsou--se em arranjar novas receitas e assim ver se se conseguia que alguma empresa tomasse, conta do assunto e realizasse as obras consideradas necessárias.

Nesta altura ó que o assunto obras do porto do Funchal começou a ter importância.

Para colocar ao lado das pessoas que pretendiam realizar essas obras e tirar daí os proventos que elas entendiam necessários para os seus trabalhos, criaram--se receitas especiais e procurou-se dar uma certa importância à Junta Autónoma.

Mas, Sr. Presidente, e é para isto que eu chamo a atenção do Sr. Ministro do Comércio: por circunstâncias várias a Junta Autónoma, que era constituída por 11 membros, segundo dispunha um artigo, e mais 7 membros, segundo outra disposição da mesma lei, sendo esses 11 membros principalmente funcionários su< poriores do Estado, como o director da alfândega, o director das obras públicas, o presidente da junta agrícola, etc., em consequência de ter acabado a j unta agrí-

cola e não se ter eleito um certo número de membros que deveriam pertencer a essa junta; aqueles que a constituíram finalmente entenderam que deviam legislar à sua vontade e passaram a dar à Junta Autónoma das Obras do Porto do Funchal o quorum que entenderam e que era constituído da maneira mais cómoda para poderem deliberar à soa vontade.

Como disse, a Junta Autónoma tem 18 membros, sendo 7 parlamentares.

Os parlamentares da Madeira fazem parte, nos termos da lei, da Junta Autónoma, como dela faz parte-o presidente da Junta Geral que actualmente ó Senador e chefe de um dos. partidos nesta Câmara.

De maneira que- resultava disto tudo que a Junta não tinha número e resolveram não contar para o quorum o presidente da junta agrícola, o representante das câmaras municipais, os parlamentares, e, assim, reduziram o quornm para 9, passando a maioria a ser 5, e, como a comissão executiva era de õ, passava esta a substituir a Junta e portanto a deliberar.

Isto que estou dizendo é absolutamente verdadeiro.

Diante de uma organização destas e com este modo de proceder chegou-se a uma altura em que, depois de se ter arranjado uma companhia que tomava o encargo das obras do Porto para as fazer como melhor entendesse, sem nunca se ter feito a devida discussão do assunto, conseguiu-se que o Sr. Ministro do Comércio desse vários despachos em virtude dos quais alguns membros da Junta se julg?ram habilitados a fazer um contrato com uma companhia considerando-se essa companhia como concessionária das obras do porto do Funchal, continuando a Junta Autónoma nas condições a que me acabo de referir,, condições que em ocasião oportuna demonstrarei, com a lei, serem as referidas, sem receio que aquilo'que acabo de dizer possa ser contestado seja por quem for.

Precisava de mais tempo para tratar com o devido desenvolvimento este assunto, mas, por agora, dou por findas as minhas considerações.

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O Sr. Ministro do Comércio e Comuni: cações (Gaspar de Lemos): — A questão a que S. Ex.a se referiu sobre importação de farinhas na ilha da Madeira é das pastas da Agricultura e das Finanças. Comunicá-la hei aos meus colegas.

Pelo que respeita ao porto do Funchal, foram diversas as reclamações que a este respeito foram recebidas. Acerca do primeiro contrato, o Sr. Nuno Simões, meu antecessor nesta pasta, fez a sua revisão e impôs certas alterações. Foi feito segundo contrato que foi aprovado por uma portaria ministerial.

Como o assunto era assaz delicado, eu suspendi a Junta, entregando a parte meramente ao expediente a uma comissão com poderes limitados, e .mandei que o assunto fosse estudado por uma comissão. Aguardo que esta dê parecer e que me habilite a resolver o assunto. Não posso proceder de outra forma.

Ò Sr. José Varela:—As informações dadas não me deixam dúvidas de que S. Ex.a procurará fazer com que seja feita a devida Justiça. Porém, com relação à informação dada de que esse contrato foi aprovado por uma portaria ministerial, não posso com tal concordar.

A Junta Autónoma tinha planeado fazer as obras de -uma determinada forma, vieram os projectos para o Sr. Ministro do Comércio, e, se este viu que não estavam em condições, só devia fazer que se abrisse novo concurso.

Apoiados.

Não vou fazer sobre o assunto uma interpelação porque não me parece necessário, mas em qualquer altura tratarei do assunto com a conveniente documentação; porém, quero fazer a declaração de que não tenho o fim de prejudicar as realizações das obras, nem tàm pouco prejudicar aqueles que julgam com elas fazer uma fortuna. Muito estimo até que tal consigam, desde que as coisas se façam como deve ser.

O Sr. Caldeira Queiroz: — Tinha pedido a palavra para quando estivesse presente o Sr. Ministro do Comércio para fazer uma pregunta que já tive ocasião de fazer, estando presente o Sr. Ministro da Justiça, o qual muito gentilmente se encarregou de transmitir a'S. Ex,a

Desejo preguntar se o relatório rela'-tivo à sindicância feita aos Transportes Marítimos do Estado, relatório que deu entrada no Ministério do Comércio há' muito tempo sendo Ministro o Sr. Nuno Simões, era de conhecer ou não nos seus resultados, porque, tratando-se de um escândalo (tam monumental como foi este, mal parece e mal vai ao prestígio da Ke-pública se não houver uma sanção severa para este crime.

Espero que o Sr. Ministro do Comércio me diga alguma coisa a este respeito e reservo-me para lhe responder depois se entender conveniente.

Tenho dito.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Gaspar de Lemos): — Pedi a palavra para declarar que nunca houve nem há o menor desejo de abafar a sindicância feita aos Transportes Marítimos do Estado.

Esse processo encontra-se na Secretaria Geral do meu Ministério, estando a ser visto agora pelo conselho do directores gerais.

Está, por consequência, seguindo os termos normais e, se S. Ex.a quiser vê-lo, não tem mais que ir ao meu Ministério, que lhe será facultado.

O Sr. Caldeira Queiroz : — Sr. Presidente: agradeço ao Sr. Ministro do Comércio a sua resposta.

Fico satisíeitíssimo.

Disse S. Ex.a que o processo de sindicância está sendo examinado pelo conselho de directores gerais e, naturalmente, depois, será publicado.

Agradeço a S. Ex.a a segurança que me dá de que o Parlamento e toda a Nação terá conhecimento do que se passou em tal caso e faço votos por que o processo não demore muito tempo nessa apreciação dos directores gerais a que S. Êx.a se referiu.

Tenho dito.

O Sr. Álvares Cabral:— Sr. Presidente: pedi a palavra aproveitando a presença do Sr. Ministro do Comércio, a fim de chá mar a sua atenção para certos factos que julgo de certa importância.

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Diário das Sessões do Senado

tantes e se acha a 30 milhas aproximadamente da Ilha de S. Miguel.

Tem um posto de telegrafia sem fios, que está qoási abandonado, porque lhe faltam acumuladores e ato aoscultado-rés.

Na casa, onde estão os maquinisnaos, chove como na rua e fica a distância, aproximadamente de 10 quilómetro da, vila, onde ruora o empregado.

Quere dizer quando está mau tempo o empregado não vai lá.

Projecta-se mudar as instalações para ao pó da vila do Porto, mas tudo tem ficado em projecto.

Chamo, pois a atenção do Sr. Ministro do Comércio para esto assunto, por isso que em virtude da falta de abrigo, os vapores no inverno muitos meses ali não tocam, ficando aqueles povos sem comunicações com o resto do mundo.

O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Gaspar de Lemos);— Ouvi a reclamação de S. Ex.a o Sr. Álvares Cabral e vou chamar a atenção da Administração Geral dos Correios e Telégrafos para o caso a fim dele tomar as providências adequadas.

O Sr. Presidente:—Vai entrar-se na

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente:—Vai proceder-se à chamada para a votação da proposto do Sr. Ministro das Colónias, para a nomeação do Alto Comissário de Angola.

Em seguida procedeu-se à chamada, sendo previamente lida a seguinte

Proposta

Nos termos do artigo 25.° da Constituição Política da República Portuguesa, tenho a honra de propor ao Senado da República para o cargo de Alto Comissário e Governador Geral da Província de Angola o coronel de engenharia António Vicente Ferreira.

Sala das Sessões do Senado, 4 de Maio de 1926. — Ernesto Maria Vieira da Rocha.

O Sr. Presidente: — Está encerrada a votação.

Proponho para escrutinadores os Srs. Carlos da Costa e Vasco Marques.

Em seguida procedeu-se ao escrutínio.

O Sr. Presidente:—Entraram na urna 48 esferas: 45 brancas e 3 pretas, o que corresponde a igual número de descargas.

Está portanto aprovada a proposta do Sr. Ministro das Colónias.

Pausa.

O Sr. Presidente :— Vai entrar cm discussão o projecto de lei n.° 14, rescindindo o contrato do Estado com a Companhia das Aguas.

Vai ler-se.

O Sr. Mendes dos Reis:—Requeiro dispensa da leitura.

Consultado o Senado sobre se dispensava a leitura, resolveu afirmativamente, sendo o projecto posto à discussão na generalidade.

O Sr. Fernando de Sousa:—Sr. Presidente : antes de entrar na apreciação deste projecto, pregunto a mim mesmo se ele tem cabimento numa discussão parlamentar.

A rescisão do contrato das águas de Lisboa é urna faculdade do Poder Executivo ou da Câmara Municipal, segundo está estabelecido no ar ti gol 7.° do contrato de 1867, que é do teor seguinte:

Leu.

Portanto é o Governo ou a Câmara que devem apreciar a conveniência ou inconveniência da rescisão do contrato, e usar do direito que este lhes confere.

Como questão prévia, ponho esta dúvida.

Não direi que o projecto é inconstitucional, mas parece-me mal cabida esta discussão no Senado, quando o Governo deve ser o juiz na matéria.

<_.E que='que' no='no' a='a' estado='estado' ou='ou' é='é' resgate='resgate' o='o' p='p' câmara='câmara' têm='têm' municipal='municipal' utilidade='utilidade' qual='qual'>

Suponho que muitos serviços podem ser confiados a empresas particulares e na verdade o têm sido, com vantagens para todos.

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Sessão de õ de Maio de 1926

U

nesse serviço, demais a'mais quando ela tem já unia brilhante folha de serviços...

O Sr. Carlos da Costa (interrompendo)"'— Não apoiado! Não tem!

O Orador: — V. Ex.a dirá, mas o que n3,o oferece dúvida é que a canalização do Alviela e instalações anexas ó uma obra que faz honra à nossa engenharia, e representa um enorme esforço financeiro escassamente retribuído.

Cresceu muito a população de Lisboa.

A quantidade de água quando se canalizou o Alviola era superabundante; hoje de facto é escassa, e ocasiões de estiagem há em que a cidade de Lisboa luta com dificuldades no abastecimento de água.

Já em 1898, numa revisão do contrato, se mandaram lazer obras duma grande importância, como foram:

Leu,.

Estes trabalhos fizeram-se. Achamo-nos agora numa terceira étape, porque o aumento di população da cidade de Lisboa foi enorme nestes últimos tempos, por efeito da desgraçada corrente de deslocação dos campos para os grandes centros.

Careço este problema das águas de Lisboa de ser resolvido. Para esse efeito mandou há muito a Companhia elaborar um projecto de larga envergadura, melhorando as condições de condução das águas para Lisboa e procurando efectivar outros estudos de grande alcance.

Quanto à fantasia dos poços artesianos, não rne parece que passe do domínio dos contos cor de rosa, conforme a opinião dos geólogos categorizados que não crêem na eficácia desse recurso.

A Companhia mandou pois elaborar esse projecto, mas ele não podia, nem mesmo devia, ser executado por em-quanto.

Mas há outro mais modesto que não colide com ele e que, há seis anos," sendo Ministro, creio eu, o Sr. Velhinho Correia, já foi devidamente apreciado, tendo sido até nomeada, a pedido da Companhia, uma comissão em que se achavam representadas as diversas entidades interessadas e competentes e que chegou à seguinte conclusão: o canal do Alviela pode comportar grande volume de águas e todavia tem numerosos s^ões cuja capacidade - de vazão é muito inferior. De-

mais há cinquenta e tantos sifôes na canalização, alguns deles em condições melindrosas. Por isso, ó necessário duplicar esses sifões para lhes aumentar a vazão e assegurar a passagem das águas quando um sifão careça de reparação demorada.

É também indispensável a construção xdum grande reservatório que, com os que já existem, venha assegurar o abastecimento da cidade num caso de avaria na canalização.

Finalmente còntou-se com o aproveitamento

Foi de harmonia "com isso que foi submetida às Câmaras uma proposta preparada pela comissão de 1920 para aumentar o preço da água. com o fim de assegurar os recursos para as importantes o rãs planeadas, mas passaram-se várias legislaturas sem que nada se fizesse, do que não cabe à Companhia a menor responsabilidade.

Dada a dopn-ciação da moeda é absolutamente necessário e honesto elevar o preço da água.

Em 1923, pelo decreto n.° 9:634 foi autorizada a elevação do preço da água para 1$20, e determinou-se que desse aumento se retirasse para fundo de obras determinada quantia e quando o rendimento líquido não chegue para os encargos da Companhia, o Governo tem de providenciar, segundo o texto do decreto.

Foi no aumento do preço da água que se basearam essas providências.

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Diário deu Sessões do Senado

numerosos de febre tifóide em Lisboa, chegando quási a ter o carácter epidémico, e dizia-se que era a água o veículo do micróbio.

Pregunto:

É principalmente do estado caótico em que se encontram as canalizações das águas em Lisboa.

Não temos a canalização feita de forma em que haja independência de canos.

Encontram-se juxtapostos os das águas e dos esgotos e cruzam-se, bastando infiltrações e roturas para ser possível uma inquinação.

Neste momento está-se procedendo a uma desinfecção das"águas, que não sói se será eficaz, e pelas informações que tenho dá-se o seguinte: a Companhia não era obrigada pelo seu contrato a fazer essa desinfecção, mas tomava sobre si toda a despesa com material e pessoal, mas exigiu que fosse dirigida pela Direcção Geral de Saúde Pública, que era a competente, sob a direcção competeatíssima do Sr. Dr. Ricardo Jorge. Módicos por ele designados dirigem a desinfecção, sendo os desinfectantes assim como a mão de obra fornecidos pela Companhia.

Pregunto:

Parece-me que tal não sucederá.

^A execução de obras será mais garantida por conta do Estado ou do município, ou por uma companhia interessada em bem as executar?

Parece-me bem que não.

(TEm que condições é-feito o resgate?

Rtígula-o o contrato de 1867 e vejamos o que ele diz:

Leu.

Por consequência, determina-se o rendimento liqcido médio de exploração, que ó a receita com que a Companhia tem de ocorrer aos seus encargos financeiros e essa anuidade entrega-se anualmente à Companhia até o fim da concessão. Mas além disso tem que se atender a cláusula 5.a do contrato de 1898? que diz o seguinte:

Leu.

<_0 p='p' dizer='dizer' que='que' se='se' isto='isto' boa='boa' em='em' hermenêutica='hermenêutica' fizer='fizer' quere='quere' o='o'>

resgate da concessão, terão de ser avaliadas aquelas obras, que são quatro, e avaliadas pelo seu valor actual.

E pregunto eu: 4Quanto representa isso?

Nestas condições, eu não vejo a vantagem financeira do resgate.

^Deverá o Estado ir tomar sobre si os encargos de abastecimento de águas, entregando-o à Câmara Municipal de Lisboa?

1 Não me parece que a Câmara Municipal de Lisboa tenha dado grandes garantias de tino administrativo e de capacidade em questão de obras desta e de outra natureza, visto que ela não tem sabido realizar os melhoramentos mais essenciais à vida da cidade, como ó por exemplo o problema dos esgotos, pondo termo à promiscuidade de canalizações do sub-solo, que tem ocasionado esta epidemia da febre tifóide.

Quando vemos o problema das carnes criminosamente tratado pela Câmara Municipal, com prejuízo da lavoura e da saúde pública e da bolsa dos consumidores a ponto de neste momento se estar a proceder a uma sindicância a vários dos funcionários do Matadouro, quando a Câmara Municipal não paga os seus encargos, pregunto eu se é a ela que se deve entregar este serviço público, com os encargos enormes do resgate.

Se é à Câmara Municipal de Lisboa que se vai entregar este serviço, ó ela que tem que pagar as obras que teriam de ser pag s pela Companhia. «iMas, se a Câmara não paga à Companhia o sen consumo de água, corno é que ela vai pagar os encargos dessas obras?

Eu entendo, pois, que o resgate do contrato nem pode constituir uma iniciativa do Poder Legislativo, porque é atribuição do Poder Executivo, que pode proceder neste caso com todas as responsabilida-des.

Poderá o Poder Legislativo preguntar porque é que ele usa ou não desse direito e. se as suas respostas não forem satisfatórias, manifestar-lhe a sua reprovação.

Em segundo lugar não julgo o resgate conveniente nem oportuno.

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O Sr. João Carlos Costa:—-O Sr. Senador que acaba de falar, ao iniciar as suas considerações, estabeleceu uma questão prévia: se assistia ou não ao Poder Legislativo a faculdade do propor a revisão dos contratos com a Companhia das Aguas.

Não sei se V. Ex.a, Sr. Presidente, já reclamou para a Mesa essa questão prévia escrita e assinada para sobre ela discutirmos.

O Sr. Presidente:—Não, senhor.

O Sr. Fernando de Sousa: — Não apresentei uma questão provia, apresentei uni ponto de vista a que não dei as honras o a solenidade de uma questão prévia.

O Orador:—Então trata-só simplesmente do projecto em discussão.

Para bem se compreender a razão que motivou a apresentação deste projecto, que é a segunda vez que vem à apreciação da Câmara, é necessário fazer um pouco a história do que tem sjdo a administração da Companhia das Aguas de há uns anos a esta parte.

Desde 1916 a Companhia começou a intensificar a sua campanha, espalhando no público boatos, mesmo alarmantes, mandando notas para'alguns jornais e publicando entrevistas tendentes a satisfazer o fim que tinha em vista, que era a modificação dos seus contratos. Aproveitando a situação criada pela guerra, conseguiu desde 1918 obter variadíssimos decretos que a favoreciam na sua acção.

Vou enumerar esses decretos pola sua ordem. O decreto n.° 4:293 de 21'de Maio de 1918 ó o primeiro em que se aumenta o preço da água e se alteram as disposições dos contratos de Abril de 1867 e Julho de 1898, que estabeleciam como base o preço máximo de 200 réis por metro cúbico.

Compreendia-so a necessidade da modificação do preço, era a época da Grande Guerra, era forçoso admitir essa medida como disposição transitória.

Seguiu-se o decreto n.° 6:889, impondo restrições em relação ao consumo da água durante um certo número de meses do ano, endossando à Câmara Municipal de Lisboa o encargo da fiscalização das canalizações e bocas de incêndio, e ainda

pior do que isso: dando à Companhia uma arma com a qual ela tem extorquido ao público variadissimas importâncias, a seu belo prazer e quando lho apetece. Criou-se, pois, uma íonto, não de água, mas de receita para a Companhia.

Esse decreto precisa ser revogado por várias razões; o, em primeiro lugar, porque desapareceu a sua base.

O decreto n.° 6:889 diz no seu artigo 1.°: '

Artigo 1.° O período de restrições do consumo de água dentro da cidade de Lisboa será fixado anualmente, tanto no seu início, como na sua finalização, pelo conselho de melhoramentos sanitários.

Um mês e onze dias depois da publicação deste decreto, saía no Diário do Governo um outro, com o n.° 7:036 e data de 17 de Outubro de 1920, que terminava com o conselho de melhoramentos sanitários. E, desde que o decreto n.° 6:889 tem como base as determinações do conselho do melhoramentos sanitários, desaparecido esse conselho, não sei como ele se possa executar. E certo que o decreto que acabou com o referido conselho no seu artigo 2.° diz:

Leu.

Mas a Direcção de Saúde, dependente do Ministério do Trabalho, nunca pôs em execução esta disposição de lei. Agora sucedeu mais. Foi extinto o Ministério do Trabalho.

Para onde foram ôsses serviços?

í Estão no Ministério do Interior ou no do Comércio?

O -que é certo é que esse tal organismo, que deveria substituir o conselho, nunca apareceu, e é muito mais grave a sua falta do que à primeira vista parece, porque o Estado fica, por esse facto, extraordinariamente prejudicado. Há, pois necessidade de acabar com esse decreto porque ele, afora as extorsões que per. mite, o resto é música celestial. Eestrin. gir o consumo de água, quando a não há , perfeitamente desnecessário. Mas o que mais interessante é o disposto no artigo 10.°, que serve de base aos seus dois pá. rágrafos, bem. mais interessantes ainda.

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bom estado de funcionamento todas as bocas de incêndio e de regas, devendo conservar as primeiras seladas, nos termos do respectivo contrato, e nos casos de qualquer avaria procederá ao seu rápido conserto, assim como nas canalizações em todos os pontos onde sejam acusadas fugas.

Ora isto é perfeitamente inútil. Evidentemente que a Companhia deve ter Ê.S canalizações em bom estado e tapar as fugas, quando as haja.

Era desnecessário • aqui vir; mas vem para mascarar dois parágrafos, que vou ler:

1 § 1.° Os consertos serão pagos pelas entidades que pelos contratos a isso são obrigadas, devendo a Companhia das Aguas de Lisboa executá-los, independentemente da liquidação do seu pagamento, logo que das avarias lhe for dado conhecimento.

§ 2.° A falta de pagamento dás importâncias dos consertos devidos por ^articulares autoriza a Companhia das Aguas de Lisboa a interromper o fornecimento da água até à liquidação da'respectiva importância.

,iE querem V. Ex.as saber o que tem sucedido, e há-de continuar a suceder, emquanto existir aquele diploma?

Passa um carro pesado numa rua; a calçada cede e, como as canalizações estão quási à superfície, rompe-se uma delas. A Companhia manda fazer a excava-ção e reparar a rotura; os empregados, já devidamente industriados, seguem o cano de chumbo que encontram até à propriedade onde ele conduz a água; aí dizem aos respectivos moradores:

«Vai ser fechada a água».

Como já vivemos há muito tempo em regime de conta-gotas, o aviso não merece grande reparo; mas, passadas 24 horas, continuando a interrupção, vão indagar a razão por que não têm água, e a Companhia diz-lhes isto:

«Os senhores só terão água quando for paga a reparação que nós fizemos».,

E, como os consumidores não têm oa« tro remédio, cotizam-se e pagam.

E aqui tem, Sr. Presidente, como a Companhia, contra as disposições dos seus contratos, abusa escandalosamente, servindo-se de um decreto que não pode revogar dois diplomas legais, como são os contratos de 1867 e 1898.

É fácil verificar que o abuso de a Companhia fechar a água é contrário a todas as disposições dos contratos, que são muitíssimo claras; em primeiro lugar, dizendo a quem pertence a canalização; aos proprietários só pertence a canalização que vai desde a boca de incêndio para o interior da propriedade nfto tem nada com o ramal que liga com a canalização geral da rua.

O contrato de 1898 fixa os únicos casos .em que a Companhia pode cortar a água aos consumidores: em caso de burla ou falta de .pagamento, ou ainda de avaria nos contadores.

Ora, Sr. Presidente, este caso de avaria na canalização da rua não tem nada com os citados no contrato, sendo portanto um abuso e mna extorsão, que a Companhia pratica.

Sabendo ela muito bem que nos prédios onde fecha a água pode haver consumidores com contadores de pressão, não deixa no emtanto de, no fim do mês, receber a quantia relativa ao consumo mínimo de 5 metros.

Isto tem um nome especial.

No contrato de 1898 há a seguinte disposição :

§ 2.° da base 17.a: O consumo dos contadores .de pressão é fixado no mínimo de 5 metros cúbicos em cada mês, salvo quando o fornecimento de água for interrompido a pedido do consumidor, «ou por qualquer outra circunstância».

E contudo a Companhia manda sempre cobrar a importância mínima de 5 metros.

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temuuho de pessoas, e assim, no caso que acabo de apresentar à consideração da Câmara eu cito o nome do nobso colega, o Sr. Pereira Gil.

Há dias, na propriedade onde mora, fecharam a água, sem que qualquer dos moradores nesse prédio devesse absolutamente nada; e, se a quiseram ter novamente, foi necessário que-os inquilinos se cotizassem e fossem pagar à Companhia a quantia que ela tinha-fixado a seu belo prazer.

Um caso idêntico, documento-o com um recibo, que aqui tenho, da Companhia das Águas.

Peço licença para não indcar o nome, pois isso torna-se absolutamente desnecessário, mas posso dizer que se trata de um antigo Minsitro das Finanças.

É uni recibo da importância de 93á>50; é não só escandaloso exigir aos locatários aquilo que não têm de pagar, como também é censurcivel faltar à verdade, pois no documento em questão, se diz que a obra foi requisitada, e eu posso garantir que nenhum locatário do prédio indicado no recibo, requisitou qualquer conserto na rua.

Um conselho eu dou aos consumidores, aos quais seja interrompido o fornecimento de água em casos idênticos aos que contei.

Promovam a abertura da água na boca de incêndio do prédio onde habitarem e continuem a consumir a água.

A Companhia não pode inundar proceder contra esses consumidores, porque os contadores continuam dentro de casa a contar a água que corre pela canalização. Ela não'tem o direito de a fechar, só o podendo fazer quando haja falta de pagamento, fraude ou avaria provocada nos aparelhos que pertencem à Companhia. Qualquer cliente que não esteja incurso nessas disposições tem o direito de continuar a consumir água.

A Companhia tem de compreender que não é ainda um poder dentro do Estado.

Há ainda o regulamento aprovado por um decreto, que diz' que as torneiras de passagem e bocas de incêndio têm duas chaves depositadas na Companhia para ela entregar uma ao consumidor quando for feito o contrato.

Isto é letra morta.

Expostos os abusos a que se presta o

nuignífico decreto n.° 6:889, repito, é absolutamente necessário actibar com as extorsões que a Companhia faz ao público de Lisboa. Nestas condições mando para a Mesa uma moção.

Eu peço desculpa à Câmara de enxertar este assunto na discussão do projecto de remissão do contrato da Companhia das Aguas, mas assim é preciso porque o Sr. Ministro do Comércio, qual outra flor de Lotus, só j, largos intervalos floresce nesta Câmara, e por isso eu aproveito o momento, agarrando-o pelos cabelos e pedindo a S. Ex.a o favor de revogar este decreto,

É do teor seguinte a moção que mando para a Mesa:

Considerando que o decreto n.° 6:889 de 6 de Setembro de 1920 se tem prestado a um escandaloso abuso por parte da Companhia das Águas de Lisboa, fazendo pagar aos particulares os consertos das canalizações que só a ela pertencem;

Considerando que o abuso vai ao ponto de tornar responsáveis pelo pagamento de reparações nas calçadas, não só os proprietários dos prédios próximos do local dos consertos mas até os inquilinos desses prédios, consumidores da Companhia;

Considerando que para obter o pagamento imediato das reparações, a Companhia manda fechar a água, servindo-se para isso do disposto no § 2.° do artigo 10.° do docreto n.° 6:889, mas continuando a cobrar a importância do aluguer do contador e a do mínimo de 5 metros de cousuíno de água, o que representa uma extorsão;

Considerando que as-contas das reparações são feitas com tal falta de correcção que até obrigam os consumidores a pagar os pavimentos das ruas (vide ex-trato da sessão da Câmara Municipal de 21 do corrente);

Considerando que é da máxima urgência, moralidade e conveniência acabar com tais extorsões, que podem perturbar a ordem pública, e que desmentiriam, se de há muito o não estivesse já, o conceito de seriedade que a Compóinhia das Águas de Lisboa se protende arrogar:

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mente o decreto n.° 6:.889 de 6 de setembro de 1920. e continua na ordem do dia. S?> l a das sessões do Senado, 5 de Maio de 1926.

Vou também ler à Câmara o artigo do jornal O Rebate com o extracto duma sessão da Câmara Municipal.

Serve para demonstrar que a Companhia cobra importâncias que pertencem a outras entidades.

Esse extracto refere-se à sessão de 21 de Abril:

«A Companhia das Aguas também le-\?anta os pavimentos livremente.

Desconheço qual soja a lei, regulamento, postura ou deliberação em que ela se funda para se permitir essa liberdade.

Primeiro levantava os pavimentos o repunha à sua custa; mas, depois, passou simplesmente a destruí-los, deixando a reposição à conta da Câmara.

Levanta portanto a calçada como quere, não aguardando quaisquer indicações da Repartição do Engenharia; e nas participações que faz depois nota-se sempre deficiências nas superfícies levantadas, donde resulta discordância na importância por que foi debitada.

E o que é mais grave é que ela permite-se cobrar dos munícipes, muitas vezes, a importância da calçada que levantou, como.se fora o Município».

Sr. Presidente: ao decreto n.° 6:í segue-se o n.° 6:990, de l de Outubro de 1920, aumentando o preço da água.

Para a eclosão destes diplomas teve a Companhia o cuidado de lançar a público boatos tendenciosos e alarmar os habitantes com a eterna scie da escassez da água e mesmo da absoluta falta, que, segundo ela afirmava, era culpa do Governo. Preparava a atmosfera favorável dizendo que a cidade estava debaixo dum perigo iminente, que Lisboa está arriscada a ficar de um dia para o outro sem água ou a morrer queimada, e muitas outras cousas, sempre com lugares comuns já conhecidos que eu não estou para repetir. Lançando o pânico no público, a seguir recorre aos vários Ministros do Comércio; tem tido a felicidade de encontrar a maior parte das vezes pessoas muito ob-sequiadoras e amáveis dentro do Ministé-

rio do Comércio, que tem feito tudo quanto ela tem querido.

Já um Sr. Ministro aqui disse que houve Ministros para a época' das secas e Ministros para a época das chuvas, mas o que é certo é que ela lança mão desse meio em obediência ao plano a que já me referi; a Companhia quere, segundo declarou em público, verbalmente e por escrito, que ele lhe pague todas as despesas, todas as alterações à sua rede de canalizações, máquinas, ctc.

Numa palavra, a Companhia só ficará com o encargo de receber do público o dinheiro: pior que no tempo dos açacais seus antecessores.

Sr. Presidente: começou a contar há cinco anos e seis meses, e não quinze anos, como diz o relatório que acompanha o projecto, o prazo a partir do qual se pode fazer a remissão.

£ A Companhia, vendo o perigo de perder esse monopólio, o que fez?

Continuou a intensificar a campanha para ver se conseguia fazer um novo contrato, mas um novo contrato, em que o público passava a pagar absolutamente tudo, canalizações, aparelhos, etc., e a Companhia ficava apenas com o encargo de cobrar o dinheiro ao consumidor.

A campanha que a. Companhia tem feito tem sido para isto.

A Companhia, em Agosto de 1920 conseguiu que fosse apresentado na Câmara dos Deputados um proje'cto que já vai na 3.a edição no Diário do Governo.

A Companhia tem lançado para cima da Câmara dos Deputados todas as culpas por não estar convertido em lei, pois eu declaro que a Câmara dos Deputados não teve culpa; fui eu quem teve ensejo de inutilizar a ofensiva da Companhia.

De então para cá a minha atitude nesta Câmara tem impedido não só isso, como até o aumento a que se reíere o decreto n.° 8:634; nunca mais se tratou do aumento de preço desde que este assunto começou a ser tratado com interesse nesta Câmara.

Como ia dizendo, aos decretos citados segne-se o^n.° 7:997, de 28 de Janeiro de 1922. Esse decreto trata mais uma vez do aumento do preço da água.

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A seguir a este decreto veio o n.° 8:634. Merece especial referência porque, além do aumento de preço, tem outras condições que é necessário apreciar, embora levemente.

Esse decreto estabeleceu, por assim dizer, a fonte da qual brotam todas as vantagens para a Companhia.

É o' banqueiro da Companhia, é onde ela vai buscar o dinheiro de que tem necessidade para a sua administração; falta-lhe dinheiro para comprar material? Lança mão desse decreto.

Mas, independentemente disso, o decreto inventou uma cousa especial! m a descoberta do Otta para resolver o problema do abastecimento de águas à cidade !

Pois eu devo dizer, e disso estou convencido, que o Otta é uma verdadeira blague. O Otta é um rio que foi estudado, entre outros, pelo Sr. general Montene-gro, estudo que foi publicado; o volume de água é avaliado em 5:000 metros cúbicss.

Quando a Companhia pediu a concessão do Otta, disse que ele dava 10:000 metros cúbicos por dia; ao ser publicado o respectivo decreto elevou esse número para 15:000 metros cúbicos; numa entrevista publicada num jornal afirmou depois que ele fornecia 20:000 metros cúbicos! Pois o Otta não dá absolutamente nada disso.

Dizia a Companhia que o Otta é destinado a aumentar a quantidade de água que o Alviela traz na época da estiagem!

. Mas, como a estiagem influi tanto no Alviela como no Otta, quando se der o período da estiagem o volume de água há-de deminuir em ambos os rios, porém, far-se há sentir muito mais no Otta, que ó um ribeiro comparado com o Alviela. r As águas do Alviola, -se não dão a quantidade que seria para desejar por habitante, em todo o caso ainda permitem a distribuição de mais de 90 litros por pessoa. É muita água? Não é, evidentemente, para as necessidades da moderna higiene, mas em relação a outras capitais, como Bruxelas, Berlim e a antiga capital da Turquia, está acima da quantidade que cabe a cada um dos habitantes dessas cidades, e contudo algumas delas dão-nos lições em assuntos de higiene.

Eu tive o cuidado de me fornecer da documentação precisa para apoiar estas minhas palavras, porque já sei que, se o não fizesse, a Companhia viria dizer, que as minhas considerações não eram exactas.

Tenho aqui um mapa em que se mostra a quantidade de água distribuída a cada habitante. Até 1910 é variável e menor que a actual, mas a partir de 1910 é mais importante.

Nessa época já havia reclamações da parte do público em relação à quantidade de água. Ao proclamar-se a Kepública a Companhia, lembrando-se da propaganda republicana contra todos os monopólios, teve receio que se efectivasse 6sse desejo de tantos e melhorou o abastecimento.

Isto ó uma hipótese minha, não posso afiançar, mas tudo nos leva a crer que assim seja.

Õ que é certo é que em 1910 a quantidade de água por habitante passou logo a 84 litros, por dia. Depois disto temos 82, 83, 80, 85, etc. (só do Alviela).

Mas temos melhor. Numa célebre palestra, conferência ou qualquer outra cousa que no ano passado teve lugar num teatro de Lisboa, um director da Companhia disse que ela, em 1924, tinha posto em Lisboa 17.000:000 de metros cúbicos de água, o que, a dividir por 518:578 habitantes, dá 901,6 para cada um.

Creio que isto pstará certo, são informações de um director da Companhia.

Se 90^6 não é uma boa dotação, também não ó má.

Para justificar a melhoria do abastecimento no ano' passado, disse a Companhia :

«1925 foi um ano rico em águas, por isso não deve haver escassos no verão!»

Em 1925 não houve escassez porque a Companhia aproveitou o conselho que em Junho lhe dei aqui no Senado, dizendo-lhe :

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Oito dias dopois a Companhia—que até aí não tinha aproveitado a idea— mandou um mestre de-obras e dois empregados ao Alviela e aumentaram de 18 ^centímetros a crista do açude.

É claro que não convinha trazer para público que tinha sido a insistência de um Senador renovando um conselho já em tempos dado à Companhia o motivo desse melhoramento e pur isso foi preciso inventar outra cousa.

Então inventou se "isto que veio publicado na Época de 4 de Setembro de 192o:

«Ê?te ano foi um óptimo ano de águas. Em 50 anos nunca houve um ano tam bom como este nem tam mau como o de 1921. Se os Governos olhassem a tempo e horas para estes assuntos a água nunca faltaria».

Pois, Sr. Presidente, o ano «muito rico em água» teve durante os doze meses 604 milímetros de chuva. Igual a este é o de 1921, e só os de 1915 e 1910 é que lhe são inferiores. De resto há outros muito superiores com 700 e tal milímetros.

Mas vamos por meses.

O ano «muito rico em água» teve em Janeiro 17 milímetros de chuva, o ano anterior, em que houve escassês feita pela Companhia, teve 105mm,4.

No mês de Fevereiro, o «ano muito rico em água» teve S?"™^ e o ano anterior 72mra,7.

Em Março, no «ano muito rico em água», houve 32mm,3 de chuva, o anterior' 105ma,5.

E assim sucessivamente. Como o artigo é de 4 de Setembro eu fiz a conta até 31 de Agosto. Nessa data o «ano muito rico em água» teve 234[nm,5 o ano anterior 447mm,9!

Pois no ano anterior foi uma cousa fabulosa, no que toca a falfa de água: j automóveis para os bombeiros milicianos da Companhia, bocas de incêndio guardadas pela guarda republicana ou polícia, notícias alarmantes nos jornais: «Vai faltar a água» ! ; «Lisboa está por cima d© um vulcão»! etc.

No ano seguinte não houve falia de água. Isso teve a explicação que r,cabo de dar.

Não quero pôr aqui a nota pessoal, mas sempre direi que houve um Ministro que acabou com esta situação ridícula de há quatro ou cinco anos, uma entidade da mesma Companhia ser nomeado para regularizar o consumo da água em Lisboa.

Foi o Sr. Pires Moateiro quem acabou com essa farça, e o caso é que a água deixou de faltar.

Deu-se até o facto muito importante de, ros1;;ingindo-se o cousumo da água aos habitantes, mandou-se abri-la para os lagos e regas das ruas, para comprometer o Ministro que, tendo conhecimento disso, providenciou de forma que, dentro em pouco tora pó, tendo aumentado o consumo do público numa proporção grande, ao mesmo 'tempo se aumentassem as reservas, nos depósitos.

Há um processo muito simples de fazer com qne a água não falte: é aplicar à Companhia o artigo 23.° do contrato de 1867, que du:

Artigo 23.° No caso de interrupção total ou parcial no fornecimento das águas, conforme o presente contrato, o Governo proverá, por sua própria autoridade, a qne o fornecimento continue, podendo, para esse-fim, assumir a administração e posse de todas as obras e águas da empresa, até que esta se mostre habilitada a continuar por si o fornecimento.

E, para que não naja dúvidas na sua interpretação, diz o seu § 1.°, no qual o legislador teve o cuidado de esclarecer a doutrina do 'artigo:

§ 1.° Durante o tempo em que por tal motivo durar a administração do Governo, a perda que a administração dor será a cargo da emprê|a, e o lucro reverterá a favor do Estado.

Digam-me se isto não é um artigo de sanções contra a Companhia.

Não lenho dúvida nenhuma.

Infelizmente, em diploma oficial publicado se fez habilidosamente uma contrária interpretação de tal disposição.

Motivos especiais me levam a não me referir largamente agora á esse caso; fiz--Ihe a crítica em Junho do ano passado.

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.Sessão de ô de Maio de 1926

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Companhia que lhe aplica o artigo 23.° do contrato de 1867, imediatamente cessa a falta de água.

Em 58 auos de. existência da Companhia, não encontramos nela a mais pequena parcela de trabalho para beneficiar o público; apenas nela existe a ganância para auferir grandes lucros, sem dar compensações.

Nem na qualidade, nem na quantidade da água, nem nas relações com o público, a Companhia se lembra de ser atenciosa.

Ela nem sequer teve a previsão de estabelecer condições de segurança para • que o abastecimento se fizesse em condições aceitáveis.

Kefiro-me à questão da inquinação das águas que, contrariamente à opinião que emitiu o Sr. engenheiro Fernando de Sousa, não provém das canalizações públicas, e não podia provir, porque a água dentro das canalizações da Companhia está sob pressão; quando se dá uma rotura, a água das canalizações da Companhia sai em virtude da pressão.

Houve e há inquinação, sim, e eu vou dizer como, e isso ó um'dos maiores crimes da Companhia.

Pausa.

O Orador: — Sr. Presidente: desejo chamar a atenção de V. Ex.a para o seguinte facto: o Sr. Fernando de Sousa comunicou-me que ia sair do Parlamento, por absoluta necessidade. Como estou respondendo às observações de S. Ex.a, não sei se deva prosseguir, pois não desejava estar a contestar as suas palavras sem que ele aqui estivesse, ou, pelo menos, sem fazer esta declaração.

O Sr. Presidente: — V. Ex.a tem razão, e por isso é melhor ficar com a palavra reservada, mesmo porque alguns Srs. Senadores precisam ir arranjar-se para seguirem para Sintra.

O funeral do Deputado Sr. Barros Queiroz já não é amanhã, porque a Câmara Municipal deseja fazer o enterro. E provável que seja na sexta-feira. Amanhã há Secções. Aos Srs. Secadores que não estão presentes vou mandar fazer pela Secretaria os respectivos avisos.

A próxima sessão é sexta-feira à hora regimental, com a mesma ordem do dia que estava marcada para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 .horas.

O KEDACTOR—Alberto Bramão.

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