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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 82

VIII LEGISLATURA - 1964 17 DE NOVEMBRO

SUMÁRIO

Parecer n.º 17/VIII - Projecto de proposta de lei n.º 504/VIII acerca do projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967.
Parecer n.º 18/VIII - Projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967- Continente e ilhas.

ANEXOS:

I - Parecer subsidiário da secção de Lavoura sobre o capítulo I (Agricultura, silvicultura e pecuária).
II - Parecer subsidiário da secção de Indústria (subsecção de Indústrias extractivas, energia o combustíveis) sobre o capitulo IV (Energia).
III - Parecer subsidiário da secção de Transportes e turismo sobre o capítulo VI (Turismo).
IV - Parecer subsidiário da secção de Interesses de ordem cultural (subsecção de Ensino) sobre o capítulo VII (Ensino e Investigação).
V - Parecer subsidiário das secções de Indústria (subsecção de Construção, vidro e cerâmica) e de Interesses de ordem Administrativa (subsecção de Obras públicas e comunicações) sobre o capítulo viu (Habitação).
VI - Parecer subsidiário da secção de Interesses de ordem espiritual e moral sobre o capítulo IX (Saúdo). Parecer n.º 19/VIII - Projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1907- Províncias ultramarinas.

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PARECER N.º 17/VIII

Projecto de proposta de lei n.º 504/VIII

Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.º 504/VIII, sobre o Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração ultramarinas e Finanças e economia geral), à qual foi agregado o Digno Procurador José Pires Cardoso, sobre a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

Apreciação na generalidade

1. A proposta de lei em apreciação reproduz, nas suas linhas gerais, embora com algumas modificações, a lei que promulgou as bases de organização do II Plano de Fomento (1959-1964) - Lei n.º 2094, de 25 de Novembro de 1958.
Sem embargo de reconhecer as vantagens de uma certa continuidade na sistematização e redacção destes diplomas, afigura-se à Câmara que a natureza substancialmente diversa de que se reveste o novo Plano, designadamente quanto à técnica de programação global e sectorial utilizada - pelo menos no tocante ao continente e ilhas -, justificaria diferente formulação da proposta de lei que reflectisse essa mesma diversidade de situações.
Além disso, o diploma em causa, atenta a sua finalidade, deveria limitar-se a definir os princípios fundamentais a que obedecerá a organização e execução, pôr parte do Governo, do Plano de Fomento, nestes três aspectos basilares: grandes objectivos do Plano, sectores em que incide, e meios financeiros e outros destinados a assegurar a sua realização efectiva.
E à luz destas considerações que a Câmara entende dever propor alguns aditamentos, alterações e supressões ao texto da proposta, quando do exame na especialidade.

2. Ainda a propósito dos fins visados pelo diploma em apreciação, lê-se no n.º 2 do relatório da proposta:
A presente proposta de lei destina-se a autorizar o Governo a elaborar e a promover a execução do aludido Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967.
Idêntico passo se encontrava no relatório da proposta de lei relativa ao II Plano de Fomento (Actas da Câmara Corporativa, n.º 12, VII Legislatura, 1958, p. 140).
A Camará chama a atenção para o facto de os termos «autorizar o Governo» se deverem entender, não em sentido técnico-jurídico, à face do nosso direito constitucional - pois a aprovação das bases de organização e execução de planos de fomento não é matéria reservada à lei ou si competência exclusiva da Assembleia Nacional, como se vê do disposto, entre outros, nos artigos 70.º, 91.º, 93.º e 109.º, n.º 2.º, da Constituição Política, não sendo, por consequência, caso de «autorização legislativa» -, mas no sentido de se considerar politicamente indispensável que, em matéria, de tamanha relevância para o progresso económico e social do povo português, a Assembleia Nacional defina os princípios gerais em que deve enquadrar-se o planeamento.
Esta tem sido, desde o I Plano, a prática consagrada, e certamente assim continuará sucedendo no futuro.

3. Outra observação de carácter genérico diz respeito à qualificação de «Intercalar» que o Governo propõe para este novo Plano de Fomento, e consta, quer do subtítulo, quer de diversas bases da proposta em apreciação.
Já ficaram expostas, no n.º 5 do parecer desta Câmara sobre o projecto de Plano, as razões pelas quais se entende de eliminar aquele qualificativo. Assim se procederá no diploma em análise, cuja epígrafe, geral deve passar a ser a de «III Plano de Fomento (1965-1967)».

4. Relativamente à sistematização da proposta, importa fazer duas ordens de comentários.
O primeiro é o seguinte: em boa técnica legislativa deve incluir-se numa primeira parte, sob a epígrafe «Disposições gerais», além da base i, todas as mais cujo âmbito seja comum ao continente e ilhas e às províncias ultramarinas. este respeito pode desde já avançar-se que a Câmara irá propor, na especialidade, o aditamento de algumas bases de índole genérica, que não constam da proposta.
A segunda observação é que, dentro de cada epígrafe, convirá dispor as bases segundo a ordem lógica das mate-

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rias tratadas e, sob este ângulo, alguma coisa haverá a aperfeiçoar, como adiante se verá.

5. Uma última anotação acerca dos aspectos gerais da proposta diz respeito à época, excessivamente tardia, com que, desta feita, aquele diploma foi presente à Câmara e à apreciação da Assembleia Nacional.
Espera-se que, na preparação do IV Plano, se possa trabalhar em condições menos prementes e sugere-se, tendo em vista a elaboração desse documento, cujo início de execução será em 1 de Janeiro de 1968, que o Governo apresente, cerca de um ano antes dessa data, uma proposta de lei relativa à definição dos objectivos e das orientações gerais de política económica e social em que deverá enquadrar-se o IV Plano de Fomento.

II

Exame na especialidade

§ l.º Disposições gerais

Base I da proposta

6. Base I, n.º 1. - Reproduz este número, com as necessárias adaptações quanto ao período a que respeita o novo plano, o preceito correspondente da citada Lei n.º 2094.
O único comentário que suscita é o de que a expressão «de harmonia com o disposto na presente lei» deve passar para o final do preceito, sendo certo que a finalidade do diploma é a de submeter às suas normas genéricas tanto a organização como a execução do Plano.
Propõe-se a seguinte redacção:

1. O Governo, ouvida a Câmara Corporativa, organizará o III Plano de Fomento do continente e ilhas adjacentes e das províncias ultramarinas para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1965 e 31 de Dezembro de 1967, e promoverá a respectiva execução, de harmonia com o disposto na presente lei.

7. Base I, n.º 2.-Também esta disposição vem transcrita da Lei n.º 2094.
Independentemente da questão de saber se deve manter-se a referência a «empreendimentos e obras prioritárias» - a qual, pelo menos no respeitante à metrópole, parece não se coadunar com o carácter global que se pretendeu imprimir ao Plano -, o preceito afigura-se, não apenas deslocado, pois o seu lugar próprio seria junto das bases que tratam das fontes de financiamento, mas, sobretudo, supérfluo, pois fora daquelas duas origens - fundos públicos e capitais privados - não se vê que outras pudessem custear os empreendimentos.
Pelo exposto, propõe-se a eliminação.

8. Base I, n.º 3. - Consta- explicitamente do projecto de Plano - em particular do n.º 6 da introdução - e mereceu inteira aprovação da Câmara no respectivo parecer, que a realização dos objectivos fundamentais do mesmo Plano se considera sujeita às seguintes condições:
Coordenação com o esforço de defesa; Manutenção da estabilidade financeira interna e da solvabilidade exterior da moeda nacional; Equilíbrio do mercado de trabalho.
De todo este condicionalismo apenas o primeiro termo aparece explicitado na proposta, precisamente no preceito em exame.
Entende a Câmara que tais condições, pela sua primacial relevância, devem ser expressamente referidas na lei em base autónoma a introduzir na devida altura.
No tocante à coordenação com o esforço de defesa, de que trata este n.º 3 da base I, é evidente que ela se reflecte predominantemente na realização dos empreendimentos previstos no Plano a custear por dotações do Orçamento Geral do Estado, como se estabelece na alínea a) do preceito em exame. Mas afigura-se por igual manifesto que tal regra se tem de estender, paralelamente, aos orçamentos das províncias ultramarinas, na parte em que por eles sejam financiados certos empreendimentos.
Propõe-se, assim, que esta referência seja aditada à alínea em causa.
No concernente à alínea b), a fonte é ainda a Lei n.º 2094, e a regra dirige-se, como é obvio, às despesas extraordinárias relativas a obras ou a empreendimentos fora do Plano, pois os incluídos neste já ficaram contemplados na alínea a). Sendo assim, não parece seja este o lugar mais apropriado para figurar semelhante norma de disciplina financeira, a não ser na medida em que ela signifique uma precedência outorgada ao Plano relativamente à efectivação de despesas extraordinárias II ele estranhas.
Foi neste sentido que a Câmara aceitou a sua inserção na proposta de que resultou a mencionada Lei n.º 2094 (1). Agora, porém, aquelas despesas ficam subordinadas a duas precedências: as relacionadas com a defesa e as referentes aos empreendimentos do Plano.
Com o entendimento que acaba de apontar, não se opõe a Câmara à manutenção do preceito.
Toda a matéria deste n.º 3 deverá ser integrada na base acima sugerida sobre as condições a que fica subordinado o Plano.
Ainda quanto à prioridade atribuída à defesa, a Câmara emite o parecer de que ela sómente deverá operar na medida em que não seja possível recorrer à compressão de outros gastos, nomeadamente os de carácter sumptuário ou supérfluo.

9. Não consta da proposta nenhuma base em que se definam os objectivos fundamentais, de ordem económica e social, a que visa o novo Plano.
Apenas no relatório se declara que «o projecto de Plano tem como objectivo principal a aceleração do ritmo lê acréscimo do produto nacional, acompanhado de uma repartição mais equilibrada do rendimento».
Julga a Câmara que tais finalidades, dada a sua transcendência, devem figura como base autónoma da proposta de lei.
Recorda-se o que, a tal respeito, se lê no parecer da Câmara sobre a proposta de lei relativa ao II Plano:
Quando a elaboração de um plano consiga ser feita com mais segurança técnica -e será, porventura, o caso do III Plano de Fomento -, entendemos que o problema seva de reconsiderar, na delicada conciliação dos princípios constitucionais e dos dados técnicos da questão. Haverá, porventura, que repartir então, de harmonia com os novos dados que se apresentam, as indeclináveis atribuições da Assembleia

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(1) Câmara Corporativa. Pareceres, VII Legislatura, ano de 1958, p. 185.

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Nacional e do Governo. Ao Governo deverá presumivelmente continuar a competir tudo o que se destine a conferir ao Plano a sua imprescindível maleabilidade de ordenação e execução. Mas a Assembleia Nacional terá também, presumivelmente, de decidir em princípio sobre as grandes linhas das finalidades propostas, isto é, em relação a que objectivos de fundo o planeado obedece. E na escolha do que virão a ser os verdadeiras algarismos-chaves do Plano (ou seja a taxa de acréscimo do produto nacional, ou seja a subida do nível de vida ou do emprego, ou o equilíbrio da. balança, tudo em função também do grau de sacrifício pedido ao País) terá a Assembleia de decisivamente, formular a sua transcendente opção (1).

Por outro lado, resulta de diversos passos do projecto de Plano -designadamente da parte final do n.º 6 da introdução -, bem como de dois preceitos insertos na proposta de lei em exame (base V, n.º 3, e base VI, n.º 4), que na organização e execução do Plano se deverá atender ainda, na medida do possível, às exigências de correcção dos desequilíbrios de desenvolvimento regional, em particular no continente e ilhas.
A referência ao continente e ilhas destina-se a evitar confusões a que a «região» e a «regionalização» já se têm prestado entre nós (a região não é o continente, ou Angola, por exemplo, no espaço português, mas sim subdivisões de qualquer desses territórios), e ainda porque a gravidade dos desequilíbrios regionais apenas aí se apresenta, por ora e, certamente, por longo tempo ainda.
De harmonia com o exposto, sugere a Câmara a inclusão de nova base, que teria o n.º II e a redacção seguinte:

BASE II

1. O Plano tem por finalidade o progresso económico e social do povo português e constituem seus objectivos específicos:

a) A aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional;
b) A repartição mais equilibrada do rendimento nacional.

2. Na organização e execução do Plano deverá ainda atender-se, na medida do possível, às exigências de correcção dos desequilíbrios de desenvolvimento regional, em particular no continente e ilhas.

10. Será agora a altura de introduzir a base, há pouco alvitrada, sobre o condicionalismo de que fica dependente a realização dos objectivos do Plano. Tomaria o n.º III com o texto que segue:

BASE III

1. A realização dos objectivos do Plano, a que se refere a base II, considera-se sujeita às seguintes condições:

a) Coordenação com o esforço de defesa da integridade do território nacional;
b) Manutenção da estabilidade financeira interna e da solvabilidade exterior da moeda nacional ;
c) Equilíbrio do mercado de trabalho.

2. Ficam especialmente subordinados à prioridade estabelecida na alínea a) do n.º 1 desta base:

a) Os empreendimentos previstos no Plano a custear pelo Orçamento Geral do Estado ou pelos orçamentos das províncias ultramarinas ;
b) As despesas extraordinárias não incluídas no Plano, as quais serão dotadas, em cada ano, de harmonia com as disponibilidades financeiras.

11. Ainda, na parte respeitante às disposições gerais ou comuns, afigura-se à Câmara merecer consagração legislativa a utilíssima prática, até agora seguida pelo Governo, de mandar publicar, em relatórios periódicos, os resultados da execução do Plano, tal como é de desejar se continue a fazer -e a Câmara- sugere no parecer sobre o projecto de Plano - relativamente aos trabalhos preparatórios.
Quanto aos relatórios de execução, será ocioso acentuar o seu alto interesse, não apenas para os órgãos da representação nacional, para o próprio Governo e para os responsáveis pela execução do Plano, mas, de modo geral, para todos, os portugueses, dada a funda repercussão daquele documento em todos os sectores da vida nacional.
Tais relatórios devem acompanhar, primeiro, a execução dos programas anuais e, depois, a realização do Plano no seu conjunto.
Propõe-se o seguinte texto, que ficaria a constituir a base IV:

BASE IV

O Governo publicará, sobre a execução do Plano, um relatório anual nos doze meses seguintes ao termo de cada um dos dois primeiros anos, e um relatório geral até ao fim do ano de 1968.

§ 2.º Continente e ilhas

Base II da proposta

12. Respeita esta base aos sectores em que, no espaço metropolitano, incidirá a organização e execução do III Plano de Fomento.
Pensa-se que interessará consignar no texto do Plano não apenas aqueles sectores, mas também os elementos essenciais do planeamento a executar - isto é, a concretização dos objectivos, as projecções globais e sectoriais e as medidas genéricas de política económica e social II adoptar para cumprimento do Plano.
Devem estes pontos constar de um n.º 2 da base em apreciação.
Haverá ainda que substituir, de acordo com o decidido, a referência a «Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967» por «III Plano de Fomento», e numerar a base com o n.º V.

Base III da proposta

13. Base III, n.º 1. - Dispõe-se neste número que o Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos aprovará, até 15 de Novembro de cada um dos anos de vigência do Plano, o programa de execução no ano seguinte.
Na Lei n.º 2094, base III, n.º 2, a aprovação dos programas anuais, então da competência do extinto Conselho Económico, deverá ser feita até 15 de Outubro do ano anterior.

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(1) Câmara Corporativa, Pareceres, cit., p. 182.

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Alarga-se agora por um mês a data limite para a referida aprovação, mas, apesar disso, desde logo se verifica a inviabilidade do seu cumprimento no primeiro ano de vigência do Plano, tal como já sucedera em 1958 ...
O limite de 15 de Novembro está naturalmente relacionado com os prazos para a discussão e aprovação da Lei de Meios e para a organização do Orçamento Geral do Estado - aquela até 15 de Dezembro, esta até ao fim do ano. E que do Plano constam empreendimentos financiados pelo Estado e haverá que decidir acerca deles para lhes apontar as verbas no documento financeiro.
Em sentido inverso, pode, porém, arguir-se que, se certas realizações do Plano estão condicionadas às disponibilidades da Administração, não será viável incluir aquelas nos programas anuais antes de se conhecer o orçamento.
Na prática, crê-se que um e outro programa anual - o Plano de Fomento e o Orçamento do Estado - têm de caminhar a par no seu apuramento e, por consequência, parece supérflua a marcação de uma data anterior para a aprovação dos programas anuais relativos ao Plano. É manifesto que estes hão-de estar aprovados até ao fim do ano anterior àquele a que respeitam, como sucederá no tocante a 1965.
Pelo exposto, propõe-se a eliminação da referência à data de 15 de Novembro.
Chama-se agora a atenção para o facto de a matéria deste n.º 1 da base III, relativamente à competência para a aprovação dos programas anuais, se encontrar repetida no n.º 3 da base VI.
Vem a propósito recordar um dos reparos formulados quando da apreciação na generalidade (supra, n.º 4), no que se refere a certas deficiências de sistematização do diploma em exame.
Parece que a matéria relativa à competência do Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos, dada a sua posição hierárquica no que toca à organização do plano trienal e dos programas anuais, bem como a outros problemas de particular importância (como, por exemplo, a aprovação dos planos de desenvolvimento regional), deveria figurar no lugar ocupado pela base III da proposta, e não ser relegada para a base VI.
Quando do exame desta última base, recordar-se-á o alvitre.

14. Base m, n.º 2. - Regula-se neste preceito o conteúdo dos programas anuais.
Destes programas deverão constar também os elementos essenciais do planeamento mencionados no n.º 2 da base V atrás proposta (supra, n.º 12) no que interessa ao respectivo ano. Cumpre, pois, aditar esta matéria e incluir o preceito na base que, em conjugação da base III com a base VI da proposta do Governo, oportunamente será redigida e tomará o n.º VI da contraproposta da Câmara.

15. Base III, n.º 3. - Corresponde esta disposição a uma das bases fundamentais da proposta de lei - a enunciação das fontes de recursos a considerar para o financiamento do Plano.
A sua inserção como terceira norma de uma base, cujos anteriores preceitos regulam apenas a aprovação e conteúdo dos programas anuais, diminui o seu significado, além de a deslocar do lugar próprio.
Entende a Câmara que a matéria tem relevância para ocupar uma base autónoma -- a VII-, mas não propõe qualquer alteração de forma, salvo na alínea d), em que a designação deverá ser «instituições de previdência social obrigatória», pelos fundamentos adiante desenvolvidos a propósito do n.º 3 da base seguinte.
A lista de recursos constante do preceito ilustra claramente a natureza mista do Plano, em cujo financiamento participam fundos públicos e capitais privados, tal como se dizia no n.º 2 da base I, cuja eliminação se propôs.

Base IV da proposta

16. Desenvolve-se nu presente norma a matéria do financiamento do Plano, atribuindo-se ao Governo determinadas tarefas específicas com vista a garantir aquele financiamento.
Nenhum reparo suscitam à Câmara os n.ºs l, 2, 4 e 5 do preceito em causa.
Relativamente ao n.º 3, cumpre, porém, fazer quatro ordens de observações.
Em primeiro lugar, a referência a «caixas de previdência» é extremamente restritiva, se se der à expressão o seu sentido técnico-jurídico, à face da lei vigente. Trata-se de instituições compreendidas na segunda das categorias estabelecidas pela base III da Lei n.º 2115, de 18 de Junho de 1962, que é actualmente o diploma fundamental em matéria de previdência. Consideram-se como tais, segundo o n.º 3 da citada base, «as instituições de inscrição obrigatória das pessoas que, sem dependência de entidades patronais, exercem determinadas profissões, serviços ou actividades».
Ficariam, assim, de fora as instituições de maior importância, que são as caixas sindicais de previdência - primeira das categorias previstas pela referida disposição.
A expressão a utilizar é, evidentemente, a de «instituições de previdência social obrigatória», sendo certo que não está no espírito da proposta de lei em exame abranger nas fontes de recursos as instituições de inscrição facultativa - associações de socorros mútuos -, que constituem a 3.ª categoria da mencionada classificação legal.
O segundo reparo reporta-se precisamente à citação, feita no preceito em análise, do Decreto-Lei n.º 37 440, de 6 de Junho de 1949 - revogado desde a publicação da aludida Lei n.º 2115. Trata-se de lapso que decerto resultou de se haver reproduzido o preceito correspondente da lei sobre o II Plano.
A aplicação dos valores das instituições de previdência obrigatória - caixas sindicais e caixas de reforma ou de previdência- está hoje regulada pelas bases XVIII e XXIV daquela lei e depende de autorização do Governo, por intermédio do Ministro das Corporações e Previdência Social.
A terceira anotação é no sentido de eliminar os «certificados de dívida pública», pois já se encontram incluídos entre os «títulos do Estado».
O quarto e último comentário respeita à omissão da referência ao investimento dos fundos das instituições de previdência social na construção de habitações económicas - precisamente uma das formas contempladas nas aludidas bases da Lei n.º 2115 e que, para este Plano de Fomento, assume particular interesse, visto o sector da habitação ter passado a figurar entre os capítulos abrangidos pelo Plano.
Do que antecede resulta propor a Câmara novo texto para o n.º 3 da base IV da proposta, nestes termos:
3. Promover o investimento, em títulos do Estado, acções e obrigações, bem como na construção de habitações económicas, dos valores das instituições de previdência social obrigatória, que devam ser levados em cada ano às respectivas reservas sob aquelas formas de aplicação, nos termas das bases XVIII e XXIV da Lei n.º 2115, de 18 de Junho de 1962.

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Terminado o exame da base IV da proposta, resta anotar que ela passará a base viu no texto apresentado pela Câmara.

Base V da proposta

17. Base V, n.ºs 1 a 4. - Além de ligeiras alterações de forma, nenhum comentário suscitam o corpo da base e os n.ºs 2 e 4. Apenas se dirá que as reformas ali anunciadas se revestem do maior alcance, não só no que toca à execução do Plano, mas ainda na preparação e aperfeiçoamento dos futuros trabalhos de planeamento.
Relativamente ao n.º l, parece de eliminar, por desnecessário.
Quanto ao n.º 3, que trata da articulação dos órgãos regionais de fomento e assistência técnica de cada Ministério com o serviço central de planeamento, com vista à regionalização do desenvolvimento, importa considerar o seguinte.
Emitiu a Câmara, em Dezembro de 1962, parecer sobre o projecto de decreto-lei relativo à Junta de Planeamento Regional (1), no qual propôs determinada orgânica em ordem àquele planeamento, já então muito urgente, perante os desequilíbrios verificados no desenvolvimento das várias regiões do continente e ilhas - desequilíbrios que entretanto certamente se agravaram.
Não foi possível, até ao presente, legislar sobre o assunto e criar a orgânica então aconselhada.
Mas no projecto do novo Plano (n.º 6, in fine, da introdução) escreveu-se - e a Câmara registou o facto com natural aprazimento - que:
... logo no início do Plano Intercalar se porá em efectivo funcionamento do planeamento regional, orgânica que obedecerá ao esquema que ao Governo foi já sugerido pela Câmara Corporativa no seu parecer sobre a matéria.
Após tão clara afirmação de propósitos, não pode a Câmara deixar de estranhar que, ao redigir este n.º 3 da base em apreciação, o Governo se limitasse a referir a articulação dos órgãos regionais de cada Ministério com os serviços de planeamento, o que, evidentemente, não pode constituir senão um primeiro passo na efectivação da orgânica de planeamento regional encarada no aludido parecer da Câmara.
Continua a Câmara convencida da instante necessidade de resolver tão agudo problema, e confia em que a promessa feita no aludido passo do projecto de Plano possa ser efectivamente realizada. De outro modo, não será viável dar adequado cumprimento ao disposto no n.º 4 da base VI da proposta, quanto à aprovação dos planas de desenvolvimento regional, uma vez que tal aprovação supõe a prévia constituição e funcionamento dos órgãos que hão-de elaborar esses mesmos planos.
18. Base v, n.ºs 5 a 7. Embora se trate, nestes preceitos, de funções que já incumbem, ao Governo, nos termos das leis vigentes, não deixa a Câmara de considerar útil a sua explícita formulação no que interessa à execução do Plano, embora retocando ligeiramente a forma, e passando os números a constituir alíneas, a fim de traduzir melhor a natureza exemplificativa da enunciação.
Relativamente ao n.º 5 - constituição de sociedades de economia mista - a Câmara pensa que, de harmonia com a posição assumida pelo Estado Português na ordem
Câmara Corporativa, Pareceres, cit., 1962, pp. 453 e segs.
económica e social, a criação de tais empresas deve, em princípio, ser restrita a empreendimentos de grande interesse para a comunidade nacional, embora extensiva aos diversos sectores da actividade económica.
Com o mesmo objectivo de assegurar a integral realização do planeado, recomenda a Câmara sejam inseridas, na base em exame, três novas alíneas, cuja matéria considera do maior interesse para a execução do Plano.
São as seguintes:

A modernização das orgânicas e métodos de trabalho nos serviços públicos;
O estímulo aos esforços de modernização e aumento de produtividade das empresas privadas, com objectivos económicos e sociais;
O desenvolvimento de capacidades de iniciativa e progresso existentes no sector privado, através de facilidades de ordem fiscal, de crédito, de preparação de pessoal, e, ainda, mediante auxílios no campo da técnica e da simplificação administrativa.

Base VI da proposta

19. Começa por recordar-se que, de acordo com a sistematização atrás sugerida (supra, n.º 13), deverá esta base passar a figurar com o, n.º VI e incluir a matéria dos n.º 1 e 2 da base III da proposta.
No corpo da base cumpre citar não apenas o § 1.º, mas também o § 2.º do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 44 652, pois foi especialmente esse § 2.º que transferiu do antigo Conselho Económico para o Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos, então criado, algumas das funções enunciadas em diversos números da base sob apreciação.

20. Base VI, nas 1 e 2 Relativamente ao n.º 1 nada há a observar.
O n.º 2 refere-se à aprovação da ordem de prioridade na execução dos empreendimentos do Plano, "estabelecendo os planos parcelares e respectivos projectos". Ora, esta matéria parece dever inserir-se na elaboração e aprovação dos programas anuais, visto o disposto no n.º 2 da base III. Será nesses programas o lugar próprio para fazer a selecção de empreendimentos visada pelo preceito. Além disso, não se vislumbra claramente o que deve entender-se por "planos parcelares e respectivos projectos", que não sejam os constantes dos programas anuais. Tal terminologia vem, em linha recta, da Lei n.º 2094, mas não parece de manter por inadequada ao novo Plano.
Alvitra-se, pois, em suma, a abolição deste n.º 2 da base VI.

21. Base VI, n.º 3. - Contempla-se aqui a competência para "aprovar os programas anuais de execução do Plano".
Tendo em vista a fusão preconizada com o n.º 1 da base IV e a norma transitória para o primeiro ano de execução do Plano, constrói-se o seguinte texto:

3. Aprovar, até ao final do ano anterior àquele a que respeitam, os programas anuais de execução do Plano.
22. Base vi, n.º 4. Segundo o preceito, competirá também ao Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos "aprovar os planos de desenvolvimento regional".
Relativamente a este ponto, lembra-se a conveniência de sobre os planos regionais que vierem - ser elaborados e não se integrem no III Plano, ser ouvida a Câmara Corporativa antes da aprovação pelo Conselho.

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Justifica-se o alvitre esclarecendo que, já hoje, a Câmara é consultada regularmente nos seguintes casos, cuja relevância não é decerto superior à dos planos regionais:

Fomento hidroagrícola (Decreto-Lei n.º 42 655, de 20 de Novembro de 1959, artigo 11.º);
Povoamento florestal (Lei n.º 1971, de 15 de Junho de 1938, base II, segunda parte, e Lei n.º 2069, de 24 de Abril de 1954, artigo 6.º);
Planos gerais de colonização (Decreto-Lei n.º 44720, de 23 de Novembro de 1962, artigo 6.º); neste último caso, a consulta à Câmara é deixada facultativamente ao Governo.

23. Base vi, n.º 5. - Importa reajustar o disposto neste n.º 5 ao preceito correspondente do n.º 3 da base IV da proposta, atrás examinado.
Por um lado, a expressão «instituições de previdência» deve ser acompanhada dos qualificativos «social obrigatória», pelas razões já aduzidas:
Por outro lado, como também se sugeriu, haverá que aditar a referência à «construção de habitações económicas».

24. Base VI, n.ºs 6 a 8. - Trata-se de poderes que já pertencem ao Governo, nos termos da legislação em vigor, e não interessam exclusivamente às matérias do Plano de Fomento.
Não tem, pois, a Câmara qualquer dúvida em recomendar a sua supressão.

25. Besta integrar nesta base o disposto no n.º 2 da base III da proposta do Governo, que define o conteúdo dos programas anuais de execução do Plano, a aprovar pelo Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos, aditando a matéria sugerida no n.º 14 do presente parecer.
Ficaria a constituir o n.º 2 da base em apreciação.

Base VII da proposta

26. Fornece este preceito alguns critérios quanto à selecção de novos empreendimentos a lançar no âmbito do Plano.
Duas observações, apenas.
Em primeiro lugar, os critérios constantes da base não se mostram ordenados em escala de preferências, como seria mister para a sua pacífica utilização.
Depois, não se vê que tais critérios devam ser privativos dos novos empreendimentos a incluir durante a vigência do Plano, antes se afiguram de alcance geral, quer no tocante aos próprios empreendimentos já integrados no Plano, quer, por exemplo, na instalação de novas unidades industriais estranhas àquele documento, ou, ainda, em matéria de incentivos fiscais.
Não parece, assim, ser o diploma sobre as bases de organização e execução do Plano de Fomento o lugar mais apropriado para inserir o preceito em exame.
Por outro lado, verifica-se que, em relação à fonte donde proveio a norma em causa - a base VII da Lei n.º 2094 -, se suprimiram duas razões de preferência, particularmente significativas para o Plano em perspectiva - maior emprego de mão-de-obra por unidade de capital investido e localização com interesse para o desenvolvimento regional.
Enfim, ainda se dirá que não se estabelece, no preceito, qualquer nexo lógico entre os critérios enunciados e os objectivos do Plano.
Pelo exposto, parece preferível retirar da proposta a base em apreciação.

§ 3.º Províncias ultramarinas

Base VIII da proposta

27. Conforme se lê no projecto de Plano (n.º 3 da introdução):

No ultramar o Plano continua a ser, fundamentalmente, um agregado de projectos de investimentos prioritários, com forte predomínio do sector público na hierarquia das necessidades a satisfazer e, por consequência, no volume dos investimentos programados.
Esta distinção na fórmula de planeamento das províncias ultramarinas relativamente à metrópole justifica o seu tratamento em capítulo separado da proposta de lei, sem embargo das disposições comuns a todo o território nacional, que constam do primeiro capítulo do diploma, e da aplicabilidade ao ultramar de diversos preceitos do capítulo referente ao continente e ilhas.
A base em apreciação enumera os sectores em que incidirá o Plano nas províncias de além-mar, acentuando-se rio proémio que, em cada província, o Plano poderá abranger todos ou sómente alguns dos sectores indicados.
A Câmara limita-se a sugerir que, no referido proémio, a designação do plano seja a de III Plano de Fomento, de harmonia com o anteriormente decidido, e que, na enunciação dos sectores, se coloque a «Indústria» antes da «Energia», como sucede na base correspondente do «Continente e ilhas», pois não se vê motivo para diferente arrumação, e, ainda, que se discriminem os sectores relativos ao «ensino» e à «saúde», como se propôs no parecer da Câmara sobre- o projecto de Plano.

Base IX da proposta

28. Base IX, n.º 1. -Manda este preceito aplicar às províncias o disposto nos n.ºs 1 e 2 da base III da proposta, que regulavam a competência do Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos quanto à aprovação dos programas anuais e definiam o conteúdo destes documentos.
A remissão deve agora ser feita para os n.ºs l, alíneas a) e. b), e 2 da base V, segundo o ordenamento adoptado neste parecer.

29. Base IX, n.º 2. -Trata-se dos meios financeiros que hão-de assegurar a execução do Plano no ultramar. Por analogia, com o sugerido para o continente e ilhas, propõe-se que o preceito Se destaque do resto da base e fique a constituir disposição separada.
O elenco de fontes de recursos para o ultramar apresenta algumas disparidades relativamente, ao continente e ilhas (base m, n.º 3, da proposta), que se afiguram correctamente enunciadas.
Nenhuma outra observação suscita o preceito.

Bases X e XI da proposta

30. Respeitam ainda estas bases à aludida matéria financeira. Regula a primeira a competência do Governo Central e dos governos provinciais no tocante à obtenção de recursos para a cobertura do Plano. A segunda contém algumas normas especiais respeitantes à concessão de empréstimos às províncias, bem como à situação financeira de Cabo Verde e de Timor.
O n.º 1 da base X contém um erro material. A remissão deverá ser para os n.ºs 4 e 5 da base IV - agora n.ºs 4 e 5 da base VIII, como sucedia, na disposição correspondente da Lei n.º 2094.
No mais, salvo pequenas correcções de forma, nenhum comentário se julga útil formular, devendo tudo passar

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822 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 82

a integrar-se numa única base, atenta a afinidade dos temas versados.

Base XII da proposta

31. Prevê-se nesta última norma que a repartição legal de competências, entre Governo Central e governos ultramarinos, funcione especificamente no que respeita à execução dos planos provinciais.
A matéria é pacífica e não suscita qualquer anotação, salvo ligeiro retoque de forma.

III

Conclusões

32. A Câmara Corporativa, tendo em atenção as considerações gerais atrás formuladas e o exame a que procedeu na especialidade, entende ser de aprovar a proposta de lei a que respeita o presente parecer, com a redacção seguinte:

Proposta de lei relativa à organização e execução do III Plano de Fomento (1965-1967)

Disposições gerais

BASE I

O Governo, ouvida a Câmara Corporativa, organizará o III Plano de Fomento do continente e ilhas adjacentes e das províncias ultramarinas para o período compreendido entre 1 de Janeiro, de 1965 e 31 de Dezembro de 1967, e promoverá a respectiva execução, de harmonia com o disposto na presente lei.

BASE II

1. O Plano tem por finalidade o progresso económico e social do povo português e constituem seus objectivos específicos:
a) A aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional;
b) A repartição mais equilibrada do rendimento nacional.

2. Na organização e execução do Plano deverá ainda atender-se, na medida do possível, às exigências de correcção dos desequilíbrios de desenvolvimento regional, em particular no continente e ilhas.

BASE III

1. A realização dos objectivos do Plano, a que se refere a base n, considera-se sujeita às seguintes condições:
a) Coordenação com o esforço de defesa da integridade do território nacional;
b) Manutenção da estabilidade financeira interna e da solvabilidade externa da moeda nacional;
c) Equilíbrio do mercado de trabalho.

2. Ficam especialmente subordinados à prioridade estabelecida na alínea a) do n.º 1 desta base:
a) Os empreendimentos previstos no Plano a custear pelo Orçamento Geral do Estado ou pelos orçamentos das províncias ultramarinas;
b) As despesas extraordinárias não incluídas no Plano, as quais serão dotadas, em cada ano, de harmonia com as disponibilidades financeiras.

BASE IV

O Governo publicará, sobre a execução do Plano, um relatório anual, nos doze meses seguintes ao termo de cada
um dos dois primeiros anos, e um relatório geral, até ao fim do ano de 1968.
Continente e ilhas

BASE V

1. O III Plano de Fomento compreenderá, no continente e ilhas, os seguintes sectores:

I - Agricultura, silvicultura e pecuária;
II - Pesca;
III - Indústria;
IV - Energia;
V - Transportes e comunicações;
VI - Turismo;
VII - Ensino e investigação;
VIII -Habitação;
IX -Saúde.

2. Do texto do Plano devem constar: a concretização dos objectivos a atingir, as projecções globais e sectoriais e, ainda, as medidas genéricas de política económica e social a. adoptar para II execução do planeado.

BASE VI

1. No exercício da competência definida nos §§ 1.º e 2.º do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 44 652, de 27 de Outubro de 1962, cabe, em especial, ao Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos:
a) Concretizar os empreendimentos incluídos no Plano que devam ser integralmente realizados ou iniciados durante- a sua vigência;
b) Aprovar, até ao final do ano anterior àquele a que respeitam, os programas anuais de execução do Plano.
c) Aprovar os planos de desenvolvimento regional;
d) Fixar a parte das reservas das instituições de previdência social obrigatória a colocar em cada ano em títulos do Estado, na construção de habitações económicas e na subscrição directa de acções e obrigações de empresas cujos investimentos se enquadrem nos objectivos fixados no Plano para cada sector da actividade económica nacional.

2. Nos programas anuais de execução do Plano, a que se refere a alínea b) do n.º 1 desta base, serão especificados, além dos elementos mencionados no n.º 2 da base V e respeitantes a cada ano, as obras e empreendimentos a realizar nesse ano, os recursos financeiros que hão-de custeá-los o as fontes onde serão obtidos, tendo em conta o estado de execução dos projectos, a origem e natureza dos capitais a empregar e a situação da balança de pagamentos e do mercado monetário e financeiro.

BASE VII

As fontes de recursos a considerar para o financiamento do Plano são as seguintes:
a) Orçamento Geral do Estado;
b) Fundos e serviços autónomos;
c) Autarquias locais;
d) Instituições de previdência social obrigatória;
e) Empresas seguradoras;
f) Instituições de crédito;
g) Outras entidades particulares e empresas;
h) Crédito externo.

BASE VIII

Compete ao Governo, para garantir o financiamento do Plano:
l.º Aplicar os saldos das contas de anos económicos findos e, anualmente, os excessos das receitas ordinárias

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sobre as despesas da mesma natureza, que considerar disponíveis;
2.º Realizar as operações de crédito que forem indispensáveis;
3.º Promover o investimento,- em títulos do Estado, acções e obrigações, bem como na construção de habitações económicas, dos valores das instituições de previdência social obrigatória que devam ser levados em cada ano às respectivas reservas sob aquelas formas de aplicação, nos termos das bases XVIII e XXIV da Lei n.º 2115, de 18 de Junho de 1962;
4.º Coordenar as emissões de títulos e as operações de crédito exigidas pelo desenvolvimento das actividades não interessadas directamente no Plano com as necessidades de capitais provenientes da execução do mesmo Plano;
5.º Promover e encorajar a poupança privada, com vista a que os capitais formados sejam preferentemente investidos nos empreendimentos do Plano.

BASE IX

A fim de assegurar a execução do Plano, compete ao Governo, em especial, promover:
a) A modernização das orgânicas e métodos de trabalho nos serviços públicos;
b) O reajustamento da orgânica dos serviços de planeamento, em ordem a que a execução do Plano se realize de acordo com as condições a que essa execução fica subordinada;
c) A articulação dos órgãos regionais de fomento e assistência técnica dos diversos Ministérios, entre si e com o serviço central de planeamento e integração económica, tendo em vista a regionalização do desenvolvimento económico nacional;
d) A reorganização do sistema nacional de estatística indispensável ao planeamento à escala do espaço português;
e) A constituição de sociedades em cujo capital poderá comparticipar, se isso for necessário à formação das empresas e à sua viabilidade;
f) A prestação às empresas de cooperação técnica e dos estudos e projectos organizados pelos serviços ou custeados pelo Estado, sem prejuízo da indispensável fiscalização;
g) O estímulo aos esforços de modernização e aumento de produtividade das empresas, com objectivos económicos e sociais;
h) O desenvolvimento de capacidades de iniciativa e progresso existentes no sector privado, através de facilidades de ordem fiscal, de crédito, de preparação de pessoal e ainda mediante auxílios no campo da técnica e da simplificação administrativa;
i) A coordenação dos empreendimentos de fomento compreendidos no Plano e que devam ser realizados ou iniciados durante a sua vigência.

Províncias ultramarinas

BASE X

A parte do III Plano de Fomento referente a cada província ultramarina será organizada de forma a compreender todos ou alguns dos seguintes sectores:

I - Conhecimento científico do território e das . populações e investigação científica;
II - Agricultura, silvicultura e pecuária;
III -Pesca;
IV - Indústria;
V - Energia;
VI - Transportes e comunicações;
VII -Turismo;
VIII - Ensino:
IX - Habitação e melhoramentos locais;
X -Saúde;
XI - Promoção social.

BASE XI

É aplicável às províncias ultramarinas o disposto na base VI, n.º l, alíneas a) e b), e n.º 2.

BASE XII

As fontes de recursos a considerar para o financiamento do Plano nas províncias ultramarinas são as seguintes:

a) Orçamento da província;
b) Fundos e serviços autónomos;
c) Autarquias locais;
d) Instituições de crédito;
e) Outras entidades particulares e empresas;
f) Assistência, financeira do Governo Central;
g) Crédito externo de origem privada.

BASE XIII

1. Compete ao Governo Central, além da acção prevista nos n.ºs 4.º e 5.º da base VIII, providenciar quanto à obtenção de recursos estranhos a cada uma das províncias ultramarinas ou procedentes do estrangeiro.
2. Compete aos governos das províncias ultramarinas a mobilização dos recursos de cada província ou dos que nela devam obter-se para financiamento do Plano.
3. Os empréstimos que não forem colocados nas províncias interessadas, ou tomados directamente por empresas cujas actividades aí se desenvolvam, serão contraídos no continente e ilhas ou concedidos pelo Tesouro àquelas províncias, nos termos do artigo 172.º da Constituição.
4. A assistência financeira do Tesouro à província de Cabo Verde não vencerá juro enquanto se mantiver a actual situação financeira desta província.
5. As dotações destinadas ao fomento da província de Timor serão concedidas a título de subsídio gratuito reembolsável na medida das possibilidades orçamentais da província.

BASE XIV

O disposto na base IX é aplicável ao Governo Central e aos governos das províncias ultramarinas, conforme as respectivas competências.

Palácio de S. Bento, 12 de Novembro de 1964.

Álvaro Rodrigues da Silva Tavares.
Vasco Lopes Alves.
António Trigo de Morais.
Carlos Krus Abecasis.
Eugénio Queiroz de Castro Caldas.
Francisco Pereira de Moura.
João Faria Lapa.
Luis Quartin Graça.
Manuel Jacinto Nunes.
Pedro Mário Soares Martinez.
José Pires Cardoso.
António Jorge Martins da Motta Veiga, relator.

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PARECER N,º 18/VIII

Projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967

Continente e ilhas

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967, emite, sobre aparte relativa ao continente e ilhas, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Finanças e economia geral), à qual foram agregados os Dignos Procuradores Afonso de Melo Pinto Veloso, Aníbal José Mendes Arrobas da Silva, António Jorge Andrade de Gouveia, António Júlio de Castro Fernandes, António Pereira Caldas de Almeida, Carlos Garcia Alves, Daniel Duarte Silva, Fernando Carvalho Seixas, Francisco de Melo e Castro, Francisco de Paula Leite Pinto, João José Lobato Guimarães, João Pedro da Costa, José Augusto Correia de Barros, José Frederico do Casal Ribeiro Ulrichi, José Pires Cardoso, José de Queirós Vaz Guedes, Mário Malheiro Reymão Nogueira, Paulo de Barros, Pedro António Monteiro Maury e Rui Ennes Ulrich, sob a presidência de S. Ex.º o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

1

Apreciação na generalidade

§ l.º As circunstâncias em que aparece o Plano Intercalar de Fomento

1. Os últimos anos de execução do II Plano de Fomento foram marcados por acontecimentos ou condicionalismos de tal modo graves para a comunidade portuguesa que se torna legítima a interrogação acerca do prosseguimento de um esforço de desenvolvimento económico assente em planos de largo prazo.
Efectivamente, planear, é prever tendências de evolução.; mas também é a análise e tomada de decisões correctivas sobre essas tendências, e tanto numa óptica de concordância entre as necessidades sociais e a sua satisfação pelo processo produtivo, como sob o aspecto da congruência interna desse mesmo processo de produção.
A primeira equação constitui um balanço entre objectivos e meios e pressupõe a possibilidade de definir com clareza, tanto os meios como os objectivos. E a outra fase do planeamento, que habitualmente se traduz por um sistema de equilíbrios parciais, implica o conhecimento dos enquadramentos em que irá mover-se a vida económica e social.
Ora, é precisamente este conjunto de condições que não está preenchido, a prazo, na actual situação portuguesa. A incerteza não provém dos objectivos: quando o Governo, no projecto de plano, refere «a aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional acompanhada de uma repartição mais equilibrada dos rendimentos formados», interpreta correctamente, no entender da Câmara, as. aspirações nacionais e impõe-se uma norma de acção perfeitamente adequada às exigências do tempo presente.
Todavia, a estimativa dos recursos a orientar para investimento reprodutivo está condicionada pela «difícil previsão dos encargos financeiros da defesa do País». E de entre os enquadramentos em que hão-de mover-se as actividade(r) produtoras e definir-se as políticas de fomento tem de destacar-se a unificação, do espaço económico português e a integração europeia. «Complexidade do processo da progressiva unificação dos mercados nacionais» e «indecisão em que a Europa se encontra quanto à sua própria- integração» - são expressões do relatório governamental que a Câmara entende caracterizarem adequadamente o- momento actual.
Estaremos perante razões para abandonar uma linha de política, de fomento já enraizada nos hábitos nacionais?

2. A própria noção de planeamento que se apresentou atrás resume as vantagens desse método de política económico-social. Quando forem mais escassos os recursos atribuíveis ao fomento, maior cuidado, tem de haver na sua distribuição pelos vários sectores e empreendimentos, confrontando usos alternativos e seleccionando apenas aqueles que se revelaram mais concordantes com os objectivos. Também essa mesma- exiguidade de meios convém que seja expressa em objectivos quantificados - para poder medir-se a intensidade do sacrifício imposto, por razões superiores, ao bem-estar e ao progresso das populações. E a incerteza- acerca de certos quadros básicos da sociedade e da evolução económica interna e internacional antes parece motivo para redobrada cautela no estudo das consequências que a concretização de uma

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ou de outra alternativa arrastará para o1 País - e por maioria de razão quando a definição de tais enquadramentos básicos não pode considerar-se inteiramente incontrolável, antes estando condicionada a decisões políticas que o País também tomou ou ainda virá a tomar. Estas observações não levam a Câmara a rejeitar a orientação do Governo de elaborar um plano para três anos, em vez dos seis que começavam a constituir tradição. Mas delas derivam algumas consequências que passam a explanar-se.

3. Se foi, efectivamente, o peso das incertezas enunciadas que aconselhou a contracção do período de plano, parece não colher a doutrina do n.º 2 da introdução, onde se escreve: «independentemente das razões nacionais específicas que justificam a adopção de um plano trienal, deve dizer-se que soluções análogas têm sido adoptadas em muitos dos países que, com estrutura económica semelhante à nossa, enveredaram pelo caminho do planeamento económico, distinguindo os planos prospectivos, que abrangem um ou mais decénios dos planos de desenvolvimento imediato concebidos para nortear a expansão económica dos três a cinco anos seguintes». E explica-se, logo a seguir, que «não é possível vincular a política de fomento a opções definitivas de ampla duração».
A distinção apresentada entre planos prospectivos (um ou mais decénios) e planos de desenvolvimento imediato (3 a 5 anos) parece uma adaptação simplificada da outra arrumação habitual dos planos e das ideias: planos ou mero traçado de tendências a longo prazo (15 a 25 anos em geral), planos de médio prazo e planos de curto prazo. Estes últimos têm, geralmente, duração anual, p que suscita imediatamente o problema das suas relações com os «orçamentos económicos», terminologia característica dos anos 30 e 40, e com os planos financeiros do Estado (leis de finanças e orçamento público); é tema suficientemente importante - porventura ainda em começo de solução no nosso país- para voltarmos a ele mais adiante.
Quanto aos planos de médio prazo, são os que, habitualmente, recebem a designação de planos de desenvolvimento, no sentido que, em Portugal, se tem definido pela expressão «planos de fomento».
Ora. não se; afiguram possíveis outros critérios para delimitar a sua duração típica além da experiência concreta dos países, a par de algumas observações acerca da maturação dos empreendimentos. Prazos muito curtos não chegam a comportar o início do funcionamento em sequência da execução da maioria dos projectos - às vezes, nem sequer a totalidade da execução; e perdem-se assim muitas virtualidades da política planeada, pois acabam por aparecer cindidas em mais de um plano conexões que haveria vantagem em analisar e realizar sob inspiração una. À extensão demasiada do período de plano opõe-se, essencialmente, a- dificuldade de estabelecer projectos com muita antecipação - salvo em casos particulares, em que a execução requer também tempo anormalmente longo.
Por outro lado, olhando às experiências de planeamento estrangeiras, vê-se que apontam dominantemente por todo o Mundo para prazos de quatro a seis anos, muito raramente se alterando o intervalo para três ou sete anos.
Crê-se, portanto, que não é pelo exemplo de soluções alheias, como não será também à luz de observações teóricas, que convirá justificar o período de plano agora proposto.

4. Da preparação e execução dos anteriores planos de fomento talvez possa colher-se a ideia de haver dificuldades em inventariar projectos a mais de seis anos de prazo. E já foi realçada, mesmo, certa imperfeição do II Plano, em que se projectavam menores volumes de investimento nos anos terminais do .que nos primeiros anos de execução e, precisamente, por escassearem projectos concluídos para apreciação em 1957-1958, mas a executar apenas a partir de 1962.
A Câmara entende que há muito a fazer no domínio da preparação, em tempo conveniente, dos projectos de empreendimentos do sector público e do sector privado; e assim se corrigirá, parcialmente, esta dificuldade, ao mesmo tempo que se asseguram melhores cadências de realização - e o relatório governamental respeitante aos quatro primeiros anos de execução do II Plano constantemente refere atrasos atribuíveis a «demoras na elaboração dos projectos». Todavia, a resposta fundamental ao problema posto está numa alteração da própria natureza do planeamento, ganhando relevo o estabelecimento de projecções globais, sectoriais e regionais, e esfumando-se um pouco a necessidade de apresentar e avaliar logo na fase preparatória do Plano todos os projectos que virão a ser executados. Também é matéria a desenvolver mais adiante, no contexto próprio.
Por todas as razões apontadas, a Câmara entende que a preparação, por esta vez, de um plano de três anos, não arrasta, necessariamente, a modificação para futuro da periodicidade habitual dos planos de fomento portugueses. Considera-se a conclusão suficientemente importante para justificar a atenção dedicada a esta discussão acerca dos prazos. E é com agrado, aliás, que a Câmara verifica parecer orientar-se o Governo do mesmo modo, pois refere expressamente um «III Plano de Fomento (1968-1973)», que há-de seguir-se ao que está agora em apreciação, tendo-se mesmo realizado já certos trabalhos preparatórios - por exemplo: todo o sistema de projecções macro-económicas que se apresentam no relatório e que vão até 1973.

5. A título subsidiário - mas sem poder esquecer alguma ressonância política que o caso tem -, não pode deixar de aludir-se à designação atribuída ao novo plano. Em rigor, «intercalares» são todos os planos de uma sequência, com excepção do primeiro e do último...
Pensa-se que a origem da designação terá estado no receio de ser impossível realizar trabalho à altura das exigências da opinião pública e das necessidades de uma política económica moderna - receio perfeitamente fundado em certo momento dos estudos preparatórios ante a escassez de- prazos com que se deparava. Nasceu, assim, o nome (agora já ultrapassado) de «.plano de investimentos».
Entretanto, em vez de elaborar apenas uma lista de investimentos, foi possível progredir sensivelmente em relação aos planos anteriores no que respeita à preparação de projecções globais e sectoriais e mesmo quanto ao traçado das linhas de política em alguns campos. E não se vê razão para diminuir, no consenso público, a importância dos objectivos propostos e dos empreendimentos projectados, assim como os progressos analíticos conseguidos em matéria de planeamento. Por que não guardar a expressão «intercalar» para quando for necessário suspender a execução de um plano e prosseguir a obra de fomento orientando-a temporariamente por um esquema de emergência, enquanto não possa ser lançado novo plano de mais amplidão e melhor técnica?

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O facto é que u política de desenvolvimento nacional não sofreu qualquer quebra de continuidade, levando-se a seu termo o II Plano de Fomento e iniciando-se imediatamente outro -e mais progressivo- que há-de vigorar entre 1965 e U 967. Não será esse o terceiro plano de fomento?

6. Bem mais funda é a observação que tem de fazer-se ao projecto apresentado pelo Governo, quando partimos das razões autênticas que levaram ao encurtamento da sua duração. Realmente, se foi a incerteza reinante nos três aspectos referidos (e que se recordam: encargos militares, unificação económica nacional, integração europeia) que dominou a preparação do plano, mal se compreende que ele seja apresentado explicitamente em termos não alternativos. Não seriam definíveis e exploráveis todas as eventualidades; mas um esquema conduzido em termos de limites (superior e inferior, por exemplo, em função dos encargos com a defesa) constituiria apreciável instrumento para fundamentar a política económica num período que agora se afigura incerto.
A lição de 1961 deveria ter frutificado, pois a carência de um esquema prospectivo da economia nacional obrigou a tomar medidas no desconhecimento de muitas das suas repercussões. E se haveria sempre algum prejuízo, pois o esforço de defesa e a política de fomento só não aparecem inconciliáveis enquanto se não desce das formulações literárias às quantificações macroeconómicas, esse prejuízo poderia, porventura, ter sido mais limitado.

§ 2.º Situação da economia portuguesa e formulação dos objectivos do Plano

7. De um modo geral, no projecto trazido à Câmara resumem-se textos muito mais extensos, e esclarecedores correspondentes à fase de trabalhos preparatórios; e fique desde já registada a estranheza que causa o facto de não terem vindo a público esses mesmos textos.
Do ponto de vista da qualidade do plano só haveria vantagem em receber de fora todas as sugestões e críticas válidas e construtivas - e ainda não se descortinou processo de distinguir as que o são daquelas que porventura não mereçam esses qualificativos antes de elas poderem aparecer e ser analisadas. Já assim era há 2000 anos com o trigo e o joio.
Mas vê-se outro prejuízo, e bem mais grave, na feição reservada que se atribuiu a quanto foi coligido e trabalhado até se chegar ao projecto de plano. Um plano de fomento é tarefa colectiva, eminentemente nacional, porque exige o esforço de todos os portugueses e ao bem-estar e progresso de todos eles se dirige também. Mais ainda: é tendência universal a participação das populações nas tarefas de preparação e decisão dos planos, pois não se consegue de outro modo nem a compreensão correcta dos anseios e necessidades efectivas a considerar, nem uma adesão ao plano que leve a aceitar os sacrifícios ou simplesmente .as actuações convergentes que hão-de garantir o seu êxito.
Neste aspecto da fase preparatória do II Plano correu por forma a ter a Câmara podido afirmar no seu parecer:
Ao lado do texto do projecto, como sua base e seu desenvolvimento, publicou-se o Relatório Final Preparatório, análise extensa e profunda dos múltiplos aspectos da economia portuguesa ligados ao Plano. Seria injusto não salientar a sólida contribuição que tal relatório, com os seus cinco volumes, traz à bibliografia portuguesa de especialidade, fornecendo números actuais e dissecando sem eufemismos os pontos dolorosos da nossa vida(1).
A orientação adoptada desta vez revela-se tanto mais contraprudecente quanto foi tentada, em certa altura e em alguns sectores de actividade, uma participação de entidades directamente afectadas pelo Plano, que constituiu experiência virificadora e mereceu o mais franco acolhimento.
A Câmara emite o voto de que seja rapidamente tornada pública a documentação vastíssima preparada para este Plano - ainda quando seja necessário resumir alguns textos, actualizar certos números e marcar claramente que as sugestões, análises e conclusões produzidas não responsabilizam o Governo, mas sim os organismos privados e públicos, ou os técnicos nacionais e estrangeiros, cuja colaboração e competência foi solicitada.

8. O projecto de plano, na sua parte geral, vem marcado por um conjunto de objectivos que o Governo definiu ao ordenar o início dos trabalhos preparatórios. E esses objectivos resultaram, naturalmente, de uma visão crítica sobre a situação e problemas de fundo da economia e sociedade portuguesa no momento presente - momento que, numa perspectiva de crescimento, tem de entender-se englobando a evolução recente.
Mas não se ofereceram, a priori, definições precisas, quantitativas mesmo, para tais objectivos. A primeira tarefa que se impuseram os técnicos que elaboraram o programa global foi (como resulta dos estudos preparatórios e, ainda um pouco, do relatório do projecto de plano) precisar os objectivos - o que implicou a realização de trabalhos sobre a situação, evolução recente e perspectivas de economia portuguesa que importa analisar.
Sendo a aplicação imediata desses trabalhos e análises o estabelecimento de projecções de desenvolvimento, centrou-se o estudo no traçado das tendências evolutivas reveladas pela contabilidade nacional. Não que houvesse a intenção de prolongar mecanicamente, para o futuro, as tendências da expansão anterior; mas essa expansão, só por si, revela virtualidades e impõe ou sugere limitações a que convém não ficar alheio no trabalho de programação.
Escolheu-se para observação o período de 1953-1962; e os números que interessam por agora, numa óptica global e de grandes sectores, são os que seguem:

QUADRO I

Evolução do produto e despesa em 1953-1962

Valores em 10 escudos de 1958

[Ver Quadro na Imagem]

(1) Parecer n.º 3/VII, Projecto ao II Plano de Fomento (1969-1064), Metrópole (Câmara Corporativa, Pareceres, VII Legislatura, 1958, p. 363).

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[Ver Quadro na Imagem]

(a)Há divergência entre o somatório das componentes de despesa e o total apresentado, que provém da hão atribuição de uma parcela, ao corrigir as contas nacionais.
Fonte: quadros n, XX e XXI do Projecto. Os valores da despesa referentes a 1953 foram fornecidos pelo Secretariado Técnico da Presidencia do Conselho, onde também se pediram os números corrigidos para a tendência referentes ao ano do 1962.

Os dados apresentados não são directamente os que constam dos quadros de contas nacionais anualmente preparados e publicados pelo Instituto Nacional de Estatística: houve que rever métodos e números, chegando-se a um sistema que pareceu mais coerente internamente e, também, mais realista, sistema de agregados que passou a constituir o fundamento da análise.
9. Mostram os números que o produto nacional cresceu cerca de 4,5 por cento em cada ano do decénio, o que corresponde ao aumento da capitação em cerca de 4 por cento, também anualmente. Resultado mau? Resultado bom? Crê-se que estamos, no que respeita ao essencial, diante de ritmos de desenvolvimento e progresso favoravelmente comparáveis com os de quase todos os restantes países do mundo ocidental e mesmo do «terceiro mundo»; mas não será esse o único confronto a estabelecer, cumprindo avaliar o crescimento efectivo também em função das necessidades e das virtualidades de expansão. Atendendo às exigências de melhoria de bem-estar, já a conclusão não pode ser perfeitamente optimista, pois ainda quando a economia portuguesa evolua um pouco mais depressa do que as do Ocidente europeu, por exemplo, só lentamente se atenua o afastamento entre as populações em termos de níveis de vida. Assim, supondo o rendimento por habitante em Portugal igual a cerca de um terço- do rendimento nos países industrializados da Europa (sensivelmente 500 dólares contra 1500 dólares, entrando em conta com os poderes de compra internos das moedas), e admitindo taxas sustentadas de crescimento anual respectivamente de 4 por cento e de Í,75 por cento para as capitações do rendimento, atingir-se-ia a paridade ao fim de uns 50 anos - e a economia europeia não tem evoluído a 1,75 por cento ao ano.
Olhando às virtualidades de expansão - não apenas as que se abrem para futuro, mas numa tentativa de revisão crítica do passado recente -, não podem deixar de impressionar certos desequilíbrios sectoriais - salientes no quadro apresentado, assim como o traçado da série cronológica do produto revelaria quebras de ritmo conjunturais comprometedoras dos resultados médios. E crê-se não sair do domínio das apreciações realistas observando que não se deram progressos mais rápidos por não ter a comunidade
portuguesa enfrentado algumas deficiências de base - a instrução e educação, por exemplo - com uma mobilização de recursos e uma decisão idênticas àquela de que se revelou capaz diante de ameaça aos territórios de África.

10. Na definição dos objectivos do novo Plano o Governo mostrou-se sensível a preocupações da natureza das que se enunciaram, apontando a aceleração do ritmo de desenvolvimento económico nacional como a ideia força que deveria presidir à nova fase de evolução. Faltava, todavia, atribuir um valor indicativo desse ritmo acelerado.
Em termos agregados, entende-se que a decisão deve balizar-se pelas expectativas de crescimento de outras economias com as quais seja mais corrente -e razoável - o confronto. Quer isto dizer que convirá propor uma expansão do produto substancialmente superior ao programa médio do conjunto dos países da O. C. D. E, isto é, 4,5 por cento por ano até 1970, podendo servir como termo de referência os objectivos fixados nos recentes planos elaborados para os países mediterrâneos: 6 por cento para a Espanha e a Grécia, 7 por cento para a Turquia e mais de 10 por cento para a Jugoslávia.
E a razão destas orientações é fácil de dar à luz do que já se argumentou sobre as exigências de diferenciação de ritmos evolutivos para vencer atrasos absolutos tão salientes como os que ainda nos separam da Europa industrializada. Mais ainda: os crescentes contactos internacionais a generalizar-se extensamente entre nós. e em todos os níveis sociais, levaram a uma efectiva- tomada de consciência do atraso em que o País se encontra e permitiram, simultaneamente, radicar na opinião pública a convicção das possibilidades rápidas de progresso.
Mas a Câmara entende que o problema não pode ser visto apenas em termos agregados. As taxas de crescimento e as capitações do produto, do rendimento e do nível de vida assumem formas muito concretas que devem estar presentes ao definir objectivos de desenvolvimento. Ë, aliás, nessa visão desagregada que o crescimento ganha dimensão verdadeiramente humana, tornando-se sensível a relação entre nível económico e condição social, e daí derivando, também, a possibilidade de medir o valor dos esforços e sacrifícios que o desenvolvimento requer, mas quê vêm a consubstanciar-se tantas vezes na solução para dramáticas e generalizadas situações de desequilíbrio.
Ora, dos estudos preparatórios para o novo plano consta uma vasta e séria análise comparativa dos níveis de consumo e de vida em Portugal - comparação que se estendeu no tempo e no espaço interno e internacional. E material que necessita ser atentamente ponderado.

11. A primeira; Lição a colher desse estudo, é que tanto no domínio da situação alimentar ou de saúde, como no das facilidades de transporte e comunicações, de habitação e do equipamento doméstico, do nível de instrução ou de cultura, nota-se uma evolução positiva, embora a ritmos desiguais. Registam-se sensíveis progressos na luta anti tuberculosa, em contraste com fraca diminuição na mortalidade infantil e com os progressos demasiado lentos da estrutura qualitativa da alimentação, na qual ainda pesam excessivamente produtos pobres. Evolução particularmente rápida operou-se, por outro lado, nas taxas de escolaridade de todos os ramos de ensino, mas em especial do liceal e do técnico profissional. A transformação positiva é também confirmada pelos restantes indicadores relativos, por exemplo, à frequência de espectáculos, condições de habitação e equipamento doméstico.
Mas também se colhe dos números estudados outra lição: que a evolução registada não é suficiente para anular

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a distância que separa Portugal dos países industrializados e só com dificuldade, em vários domínios, permite acompanhar o rápido progresso em curso nos restantes países da Europa do Sul. Uma análise comparativa em relação aos países de idêntico nível de desenvolvimento revela que a posição de Portugal é relativamente melhor (não é tanta a diferença quanto em 1950, aliás) no que respeita II índices de equipamento material - telefones, automóveis, rádios; é igual quanto a alimentação, embora em relação desfavorável no aspecto quantitativo genérico, traduzido no baixo consumo de calorias; e é pior quanto aos aspectos sanitários e educacionais.
De tudo resulta mais uma conclusão importante: é a de que os aspectos do nível de vida- que derivam de gastos espontâneos dos consumidores apresentam entre nós situação superior à da Europa menos desenvolvida, sucedendo o contrário nos domínios em que as medidas de política coordenada e de organização nacional são decisivas - nos sistemas de instrução e saúde o ritmo do progresso português foi inferior ao desse grupo de países europeus com análogo grau geral de desenvolvimento económico.
As consequências destas observações, para as linhas de política que hão-de informar o nosso plano, revelam-se claras à Câmara: os progressos do nível de vida não resultam correcta e inevitavelmente do crescimento do produto nacional ou da sua capitação média, havendo que considerar medidas específicas que assegurem a efectiva tradução nas estruturas e nas condições sociais dos avanços possibilitados pelo desenvolvimento económico. A partir de toda a gama de meios tradicionalmente utilizados neste domínio - política de salários, extensão dos esquemas de previdência, maior facilidade de acesso à propriedade das explorações rurais e das casas de habitação, mais directa participação na vida das empresas e das actividades económicas em geral - haverá que projectar um esquema coerente de intervenção. De modo especial parece aconselhável à Gamara que se dedique particular atenção aos esforços orientados para a rápida melhoria de situação nos domínios que dependem fortemente de políticas coordenadas à escala nacional - nomeadamente quanto à situação sanitária, nível de instrução e efectiva participação dos trabalhadores na vida económico-social, como é exigência do pensamento corporativo.
Quando o Governo enuncia o objectivo de «repartição mais equilibrada dos rendimentos formados», é certamente nesta óptica, ampla,«em que se atende também ao peso relativo de certos consumos públicos fundamentais.
que se deve tentar apreender o seu pensamento.

12. Na parte I do texto do Projecto, onde se trata da execução do II Plano de Fomento, faz-se, uma análise sumária- da distribuição regional dos empreendimentos realizados, concluindo-se por «uma forte concentração do investimento em pólos de desenvolvimento existentes, não tendo tido portanto (o do Plano, nos seus quatro primeiros anos), influência determinante na correcção cias disparidades de crescimento das diversas regiões metropolitanas».
Entretanto, dos estudos preparatórios do novo plano constou a recolha e observação crítica- de alguns elementos acerca da situação económica e social do País, precisamente neste aspecto das desigualdades regionais e seu eventual agravamento. Convém resumir essas notas, pois constituem o elemento de base de que o Governo pode dispor para definir a orientação da política de desenvolvimento regional no enquadramento do Plano.
Primeiramente, verifica-se a gravidade dos desequilíbrios regionais recorrendo a três critérios: peso da população do sector primário na população activa total, distribuição
do produto interno e confronto de níveis de vida (por indicadores sintéticos). E conclui-se pela desigualdade fortíssima, favorável a Lisboa, seguida do Porto (e mais Setúbal, Braga e Aveiro, mas não quanto a todos os critérios); em contrapartida, os distritos do Norte e Centro interior e os do Sul aparecem sistematicamente em posições inferiores.
Exemplos? O peso da população activa primária no total excede os 50 por cento em todos os distritos além dos cinco que se referiram e que compõem as duas zonas industrializadas do continente, chegando a ultrapassar os 65 por cento em Viseu, Guarda, Beja, Portalegre, Bragança e Vila Real. A capitação do produto interno por pessoa activa excede a média do continente apenas em Lisboa (+64 por cento), Setúbal e Porto, mal passando metade dessa média nos distritos não industrializados do Norte. Quanto ao nível de vida, mede-se, sempre em relação -à média do continente, por + 90 por cento em Lisboa e + 22 por cento no Porto, caindo até um terço da média em Viana do Castelo, Vila Real e Viseu.
Mas o confronto das posições relativas alcançadas pelos três critérios permite ir mais fundo no diagnóstico da situação: a distribuição espacial do rendimento e da despesa revela-se mais desigual do que a do produto. Isto é o mesmo que dizer verificarem-se transferências regionais de rendimentos gerados, agravando situações sociais já marcadas por maior debilidade das estruturas produtivas.
Terceira conclusão: a desigualdade tem vindo a agravar-se no tempo, como se vê confrontando as distribuições das populações distritais em 1950 e 1960. Despovoa-se o interior e o Sul, que são. as regiões agrárias, em favor dos dois núcleos industrializados centrados em Lisboa e Porto; e esse despovoamento tem de avaliar-se em termos mais extensos do que simplesmente os números da variação populacional, uma vez que emigram os jovens e os mais capazes.
Foram, certamente, as realidades já anteriormente entrevistas, e que estas análises sobre a situação espacial agora permitiram fundamentar, que levaram o Governo a propor um objectivo de equilíbrio regional do desenvolvimento ao. traçar orientações apara os trabalhos com vista a este plano.

§ 3.º A programação global e o comprimento dos objectivos

13. Deve prender-nos agora a atenção o capítulo I da parte II do projecto de plano, intitulado «Projecções do desenvolvimento económico no período de 1965-1973». Essa é, efectivamente, a parte fundamental do Plano, aquela que permite analisar as suas características e onde se resumem e concretizam os objectivos (Introdução), da qual decorrem exigências de financiamento e condições respeitantes à mão-de-obra (que são dissecadas nos outros dois capítulos dessa parte, n), que prolonga a experiência do execução, do actual Plano de Fomento e dela colhe apreciáveis sugestões (parte I) e que, finalmente, se desdobra nos programas sectoriais já referidos (parte III). O Plano sem o sistema de projecções seria apenas um conjunto de análises e de programas parciais desconexos.
A programação global é o estabelecimento de uma contabilidade nacional prospectiva, assentando num conjunto de hipóteses, das quais depende, evidentemente, o realismo e a utilidade das projecções.
Numa tentativa do alcançar realismo nas previsões, organizou-se o sistema de colheita de informação e de proposição de orientações, de modo a combinar o trabalho

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dos técnicos de programação, em gabinete, com os conhecimentos das gentes práticas, que vão sentindo, no dia a dia actuante, o pulsar das actividades económicas e das inquietações sociais. Mais adiante terá a Câmara de analisar, com algum pormenor, a orgânica em que assentou a preparação do projecto de plano. Por agora, sómente interessa referir que a preocupação apontada de juntar pessoas de formação e informação diversa, e também em atitudes naturalmente diferentes, se considera salutar - e representa progresso metodológico a realçar na organização do Plano.

14. Já ficou escrito que o período de plano seriam os três anos de 1965-1967. Ora em todos os quadros onde se apresentam as projecções globais e sectoriais - e que já adianto se resumem - o período abarcado é muito mais vasto, iniciando-se em 1962 todos os cálculos e prolongando-se as estimativas quase sempre até 1973. Razões para o facto?
Embora o Plano venha a ter início apenas em Janeiro de 1965, os dados de contabilidade nacional (bem como de outras fontes - comércio externo, por exemplo, ou índices de produção industrial) disponíveis quando se realizaram os estudos não iam além de 1962 e, mesmo esses, com feição provisória na fase inicial dos trabalhos. Daí ter-se tomado esse ano como base de projecções, o que se revelou, aliás, uma circunstância menos feliz, dadas às características de anormalidade que a actividade económica nacional durante ele experimentou. Todavia, as extrapolações foram feitas sempre a partir de números «tendenciais» em vez dos efectivamente, verificados.
A Câmara sugere que, na versão definitiva do Plano, se faça a apresentação de dados comparativos tendenciais, e que eles se refiram a 1962 ou a 1963; e também que se estabeleça um ensaio de contrôle dessas projecções para 1963 e das que estão implícitas para 1964, com os valores que se conheçam como realizados nestes anos (ainda quando provisórios ou incompletos).
Quanto ao prolongamento da maioria das projecções para além de 1967, tem de dizer-se que o Governo ordenou a formulação de delineamentos hipotéticos a mais longo prazo ao mesmo tempo que se fizesse a projecção até 1967, a fim de se ficar em condições de marcar orientação para o plano subsequente. Aliás, como vimos no § 1.º, n.º 3, está-se perante uma projecção de médio prazo devidamente enquadrada noutra, de longo prazo (abrangendo um decénio). Fica para discutir, na oportunidade conveniente, se a tomada de decisões entre as alternativas estudadas de longo prazo deveria decorrer segundo o processo que foi .seguido.
Tudo visto, importa distinguir sempre nas projecções os períodos 1963-1964 (este não explicitamente apresentado), 1965-1967 e 1968-1973, pois os números que lhes correspondem tem, efectivamente, origem e significado diversos - isto, como é evidente, além dos elementos de 1953-1962, que, em geral, também se contêm nos quadros do projecto e correspondem à descrição da evolução histórica recente da economia nacional.

15. Os quadros II a VI deste parecer resumem quanto se afigura essencial nas projecções globais e de grandes sectores. Antes de expor o modo como foram construídas (e é tema para o § 4.º), interessa uma palavra rápida de leitura ou no que é o mesmo, de comentário sobre o preenchimento dos objectivos que ficaram enunciados atrás para o Plano.
O ritmo de crescimento do produto interno (e estamos no quadro n) vem sendo de 4,5 por cento e propõe-se que sofra uma aceleração sensível, até 6,1 por cento ao ano e, depois de 1967, até ao nível dos 6,5 por cento. E espera-se que estes ritmos se localizem essencialmente no sector secundário, pois se projecta o incremento de uma taxa de expansão que já vinha sendo elevada, quase se diria desproporcionada em relação às dos outros sectores. O terciário também sofrerá um impulso muito sensível; quanto ao sector primário, projecta-se, não propriamente a estagnação, mas quase - com a lenta subida até 1,5 por cento (e 1,8 por cento a longo prazo) de uma evolução anterior bem débil, cifrada em 1,2 por cento ai ano.

QUADRO II

Projecções globais do produto

[Ver Quadro na Imagem]

Fontes: As taxas de variação média anual colheram-se do quadro IV do Projecto (capítulo i, parte n), bem como os valores de 1962 e 1967, mas tendo-se corrigido o produto do sector primário de 1962 para a tendência. O restante material foi obtido directamente no Secretariado Técnico da Presidência do Conselho (grupo de programação global).
A cumprir-se este programa, a estrutura da produção portuguesa aparecerá substancialmente alterada relativamente à sua posição actual, e mais ainda se a avaliarmos à luz de números de há dez anos, que traduziam clara-

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mente o panorama do País «principalmente agrícola». São os que seguem os números que importa reter:

QUADRO III

Composição do produto por grandes sectores Percentagens

[Ver Quadro na Imagem]

Fonte: quadro V do Projecto, tendo-se corrigido para a «tendência» os números de 1962.

16. Examinemos agora as projecções respeitantes ao emprego. Logo impressiona a relativa lentidão da variação total, que não excede os 0,5 por cento ao ano ao longo do período (veja-se o quadro IV). A razão de ser deste facto está na hipótese que se pôs de continuar a não ser possível
proporcionar emprego em condições adequadas a toda a população que aparece a pesar no mercado de trabalho em cada novo ano e proveniente não apenas do crescimento demográfico mas também do abandono de actividades tradicionais em que a produtividade e as remunerações são em geral demasiadamente exíguas. Assim, projectaram-se ao nível de 43 000 e 27 000: respectivamente, em média anual, a expansão natural da população activa do continente e o saldo das correntes migratórias; e daí se chegou si ordem de grandeza dos 16 000 novos empregos no País, também em cada ano até 1973.
A Câmara não está certa de que fosse intenção inicial do Governo, ao apontar o objectivo de «equilíbrio no mercado de trabalho», continuar a resolver através de emigração os problemas suscitados pela expansão demográfica nacional. Crê-se que a inspiração para este objectivo condição tem de ir buscar-se ao II Plano de Fomento; mas aí falava-se abertamente em «ajuda à resolução dos problemas de emprego». Desta vez procura-se o equilíbrio, o que não é, manifestamente, idêntico a resolver o problema - tanto mais que tal equilíbrio vem a consistir, apenas, em assegurar as transferências sectoriais do primário para os outros tipos de actividade, aceitando-se a saída das populações para o estrangeiro.

QUADRO IV

Projecções globais do emprego e da produtividade

[Ver Quadro na Imagem]

(a) Em rigor, o cálculo das variações refere-se a 1950-1960, anos dos Censos da população.
(b) As variações foram calculadas para todo o período 1963-1967.
Fontes: As variações anuais de emprego (1965-1967 e 1968-1973) vêm no quadro viu e os níveis de emprego (1962 e 1967) no quadro X do Projecto (capítulo I, parte u). Os restantes elementos foram obtidos directamente no Secretariado Técnico da Presidência do Conselho (grupo de programação global).
Essas transferências intersectoriais, em linhas aproximadas, cifram-se em redução drástica da população do sector primário, aumentando em cerca de 20 000 pessoas o emprego anual em cada um dos outros sectores durante
o plano de 1965-1967 e em 30 000 trabalhadores, também anualmente, durante o hexénio que se seguirá.
A estrutura da população activa evoluirá então como mostra o quadro v:

QUADRO V

Distribuição sectorial da população activa Percentagens

[Ver Quadro na Imagem]

Fonte: quadro X do Projecto, p. 44.

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A Câmara sente que o problema ganharia em ser analisado - e projectado - numa desagregação regional, só assim se revelando em toda a sua extensão e gravidade. Pois atrás dos números e variações de percentagens apontados, tanto pode estar o despovoamento progressivo de extensas zonas rurais do País como unicamente a transformação de estrutura económica dessas mesmas zonas, mediante a implantação de indústrias em condições convenientes. E crê-se que não será fácil, por caminho diverso desta segunda alternativa, promover "a correcção dos desequilíbrios regionais de desenvolvimento" - objectivo enunciado pelo Governo em certa fase dos trabalhos.

17. Na projecção da despesa nacional está implícito o equilíbrio entre recursos G utilizações, tendo-se programado taxas de expansão idênticas às do produto - 6,1 por cento até 1967 e 6,5 por cento posteriormente. Teremos de voltar ao assunto, mas já na óptica do financiamento e do equilíbrio monetário.
Através do quadro VI verifica-se que a aceleração do ritmo de crescimento do produto se traduzirá, efectivamente, em melhoria do bem-estar e condições de vida dos Portugueses: o consumo privado, que tem vindo a evoluir a +4 por cento ao ano, poderá passar para a ordem, de grandeza dos +5,2 por cento. Em termos de consumo privado por capita rondar-se-á +4,5 por cento ao ano.

QUADRO VI

Projecções globais da despesa nacional

[Ver Quadro na Imagem]

(a) Este saldo não concorda com os valores discriminados de exportações e Importações.

Fontes: As taxas de variação média anual tiraram-se do quadro XXI do Projecto e os valores de 1962 (corrigindo-o para a tendência) e 1967 do quadro XX. Os valores de 1973 estimaram-se a partir do produto interno e da estrutura do quadro XX; este mesmo quadro deu as estruturas para os três anos que se apresentam.

Mas o problema da utilização dos recursos - que é o da constituição da despesa nacional - abarca algumas facetas fundamentais do processo económico e social, para além desta que se referiu da evolução do consumo privado. Efectivamente, as restantes componentes básicas da despesa são o consumo público, a formação de capital e o saldo externo (exportações-importações). O mesmo é dizer que estão em causa: o andamento da balança de transacções correntes, e, portanto, a solvabilidade exterior da moeda nacional; a própria sustentação do ritmo mais acelerado de progresso, através da acumulação progressiva de capital que a expansão do produto requer; e a repartição mais equitativa do rendimento nacional, na óptica em que o problema ficou ampliado, ao examinar a situação presente e a evolução da economia portuguesa, isto é, o peso relativo do consumo público no total dos consumos. Cada um destes pontos suscita importantes conclusões a extrair da programação em análise.

18. Verifica-se primeiramente que houve a intenção de não deixar agravar um desequilíbrio tradicional do deficit exportações-importações da metrópole, e até o propósito de conseguir a sua redução vencidos os três anos que nos separam do termo do novo Plano. O problema teria de ser visto em termos desagregados, mas parece correcta a linha estratégica escolhida.
Quanto à formação de capital fixo, não se vê que a progressão seja forçada. O crescimento anual previsto para 1965-1967 é de 8,1 por cento, portanto superior ao do produto, que vai a 6,1 por cento - o que envolve expansão mais limitada do que a deste para as despesas de consumo, uma vez que não haverá agravamento relativo perante o exterior. Todavia, durante o decénio de 1953-1962 já a formação de capital fixo cresceu a +8,5 por cento ao ano, e o aumento anual do produto andava, então, apenas por 4.7 por cento. Noutros termos, também esclarecedores: a componente formação de capital fixo representava 12,6 por cento da despesa nacional em 1953, atingindo 15,8 por cento em 1962; ora sòmente se prevê a passagem a 17,8 por cento até 1967, e ao fim dos seis anos seguintes é que se atingirá a ordem de grandeza dos 20,7 por cento. Não fora a crença nas técnicas de programação e dir-se-ia que o esforço parecia exíguo em face dos resultados.
Resta uma palavra acerca do terceiro ponto que se anotou, o da programação do consumo público e suas relações com a mais equitativa repartição do rendimento nacional..

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Do relatório em apreciação colhe-se como que a impressão de ter causado certo desgosto ou desalento a ligeira intensificação dos ritmos de aumento desta componente - dos + 5,9 por cento ao ano no decénio terminado agora passa-se para +6,4 por cento até 1967 e estagna-se em +6,5 por cento até 1973. Esta última ó, precisamente, a medida da expansão da despesa total; e o resultado de tudo vem a ser a manutenção do peso do consumo público na despesa durante o próximo decénio (de 18,9 para 14,2 por cento entre 1962 e 1973), quando no decénio antecedente a variação foi dos 9,8 para 13,9 por cento.
"Resultados mais positivos poderão ser conseguidos na medida em que se tornar possível limitar o crescimento do consumo público" - é o que pode ler-se no projecto de plano 1). Não se afigura compatível uma expectativa desta natureza com o propósito, atirado logo no início do texto governamental, de promover, através do Plano, a melhor repartição do rendimento. E a Câmara entende que não será possível, à luz desta concepção, dar novo impulso decisivo na política social do País, tendo designadamente em vista (como já se escreveu atrás) a rápida melhoria de situação em domínios que dependem fortemente de políticas coordenadas à escala nacional - saúde, ensino e investigação e bem se poderá desde já acrescentar, habitação.

§ 4.º Meias sectoriais e metodologia das projecções

19. As projecções globais que se resumiram - e que vêm no projecto apresentado pelo Governo - constituem a linha orientadora básica para a política de desenvolvimento nos próximos anos, ao mesmo tempo que permitem o confronto com os objectivos atribuídos expressamente a essa política e, portanto, ao Plano. E também significam, pela sua mesma lógica interna, que estarão assegurados) os equilíbrios macroeconómicos fundamentais - entre recursos totais e utilizações, entre poupança interna mais saldo externo e acumulação de capital, entre procura de mão-de-obra mais - emigração e disponibilidades de trabalho, entre crescimento do produto e expansão da capacidade produtiva, entre constituição de capacidade para importar e importações. Esta a relevância das projecções globais.
Mas não chegam, num delineamento de política planeada, tais projecções globais. Por um lado, a excessiva agregação não esclarece acerca de eventuais desequilíbrios parciais - por exemplo, entre a expansão da produção de um sector e o incremento da procura que irá verificar-se nesse mesmo sector; e por aí estará aberta a linha das tensões inflacionistas, ou das subutilizações de capacidade. O mesmo, vale para desequilíbrios entre o novo capital formado em um sector e o aumento projectado na respectiva produção, ou para programas de importação e de exportação saldados ao. nível global mas, apenas, mediante desvios - às vezes bem graves - de sentidos contrários em alguns ramos de actividade. Impõe-se, portanto, a programação em termos mais desagregados, ou seja o que tecnicamente se designa por programação e projecções sectoriais.
Todavia, as exigências de desagregação ainda se situam em outros aspectos, e a análise e selecção de projectos (seja realizada logo na fase de preparação do Plano, ou à medida que o mesmo vai sendo executado), a formulação das decisões de política económica que hão-de assegurar a execução e o próprio exercício de um contrôle útil e orientador sobre a marcha do Plano - tudo são razões a impor também a programação sectorial.
Finalmente, na apreciação do projecto apresentado à Câmara, deve ter-se presente a circunstância de o trabalho técnico de programação haver sido conduzido, em primeiro lugar, ao nível sectorial, resultando as projecções globais da agregação desses valores dos sectores; ao discutir a metodologia abordar-se-á este ponto. E se na apresentação sumária das projecções as coisas aparecem aqui (e sem que se veja nisso qualquer inconveniente) por ordem inversa da cronologia de construção - demos relevo ao programa global e só agora se vai tratar das projecções sectoriais -, o que não pode é deixar de ter-se presente a importância da análise de sectores na lógica da programação realizada.

20. Um último aspecto, meramente formal, antes de entrar na apreciação dos números e das hipóteses de trabalho: a projecção sectorial obriga à classificação das actividades num certo número de categorias, os "sectores". Tem muito de arbitrária, a escolha de uma classificação, dependendo largamente dos fins para que vai ser usada. Por isso, nos quadros que vão seguir-se, e que constituem o resumo dos do projecto, não nos cingimos rigorosamente, à classificação sectorial adaptada nesse texto.
Escreve-se, justificando essa ordenação das actividades, que houve a preocupação de definir sectores com suficiente grau de homogeneidade, de respeitar, na medida do possível, a desagregação tradicional dos quadras de contabilidade nacional e de individualizar sectores relevantes para o esclarecimento das opções a tomar quanto ao ritmo de desenvolvimento económico futuro".
Parece à Câmara que, por serem coisas diferentes os documentos correspondentes à fase técnica de elaboração das projecções e a apresentação dos resultados desse trabalho sob a forma de Plano, deverá interessar agora, sobretudo, pôr em destaque os sectores sobre os quais vão incidir intervenções da política de fomento. Daí a orientação, nu medida do possível, para uma classificação correspondendo aos capítulos especializados do Plano.
Subsidiariamente, entende-se que a dimensão e heterogeneidade do sector das indústrias transformadoras justifica a sua divisão em subsectores, ficando cada um com dimensão (avaliada pelo valor do produto líquido) razoável em confronto com as restantes rubricas. Acontece, ainda, que a densidade das relações de interdependência é muito grande precisamente com respeito às indústrias transformadoras; e dispõe-se de projecções, em parte - apresentadas no capítulo relativo à indústria, do projecto governamental, que permitem a desagregação desse sector. São duas circunstâncias que orientam no sentido indicado, apenas se lamentando não poder proceder do mesmo modo quanto ao sector agrícola.

21. Os quadros VII a IX resumem os números de programação sectorial, referindo-se o primeiro à produção e os outros ao emprego e à formação de capital. Só mais adiante se apresentam os programas sectoriais nas suas incidências de consumo e comércio externo, bem como no que respeita aos fornecimentos intermediários (quadros X o XI).
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(1) Actas da Câmara Corporativa, n.º 65/VIII, de 1 de Outubro de 1964, p. 562. As citações do projecto de Plano serão, sempre, referidas a esta edição.

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QUADRO VII

Projecções sectoriais do produto

[Ver Tabela na Imagem]

Fontes: As taxas de variação e os valores de 1962 (este, corrigindo-o para a tendência) e do 1967 constam do quadro III do Projecto. Os restantes valores, designadamente o desdobramento do sector 4 (indústrias transformadoras) e a agregação necessária para construir o sector 10 (outros serviços), foram pedidos directamente aos grupos de programação global e de programação industrial, respectivamente do Secretariado Técnico da Presidência do Conselho e dá Secretaria de Estado da Indústria.

Já se viu que o ritmo de crescimento no período de 1958-1962 atingiu, globalmente, o valor + 4,5 por cento ao ano; mas pode verificar-se agora que o desequilíbrio sectorial, também já apontado ao nível dos três grandes sectores de produção, correu taxas de crescimento que vão dos - 2 por cento até aos +11,5 por cento - respectivamente nas indústrias extractivas e na electricidade -, tendo-se processado uma contracção a ritmo ainda mais saliente (- 2,5 por cento) nos serviços domésticos, incluídos no sector dos outros serviços.
Transcreve-se do projecto, por se pensar que está aí bem traduzida a dinâmica da produção nacional no período em análise:

A traços muito gerais, pode concluir-se que o desenvolvimento da economia metropolitana no último decénio se deve em grande parte ao crescimento dos sectores industrial e dos serviços, podendo ainda acrescentar-se que o papel motor coube muito predominantemente ao sector secundário e, dentro deste, às indústrias orientadas para a exportação, para a formação de capital fixo e para a substituição de importações (produtos químicos e bens de consumo duradouros).
Na metodologia da programação sectorial, e na sequência desta tendência vinda de trás, deu-se às indústrias transformadoras, a par da construção e do turismo, o papel motor; daí as elevadas taxas de crescimento que se propõem para tais sectores, as quais não estão, no entanto, fora de proporção com a tendência verificada no decénio iniciado com o I Plano de Fomento. E definiu-se desta forma a cronologia precisamente para salientar que a sustentação - e com ligeiro incremento - desses ritmos de crescimento elevados há-de resultar de uma política deliberada de fomento e expansão industrial, não podendo entregar-se o cumprimento das projecções ao exclusivo livre desenrolar das actuações individuais. E ponto importante este, a desenvolver e concretizar na definição dos programas de investimento, de produtividade e de fornecimentos das indústrias (tanto para o mercado interno como para a exportação); e que também terá de retomar-se na análise especializada das orientações e medidas de política propostas para o sector industrial.
Quanto às restantes actividades, escreve-se no projecto de plano que algumas tenderão sem dificuldade a acompanhar o comportamento das primeiras (indústria transformadora, construção e turismo), classificando-se nesta hipótese o comércio, bancos, seguros, serviços pessoais e serviços recreativos. Outras actividades exigirão que se intensifiquem as medidas de promoção, evitando estrangulamentos perigosos e, de um modo geral, atrasos comprometendo os objectivos - e citam-se, expressamente, a agricultura e a pesca, os transportes e a instrução, às quais parece à Câmara dever juntar-se a indústria extractiva, uma vez que se prevê tão abrupto aumento nesse ramo. Finalmente, admite-se que outras actividades virão a beneficiar das potencialidades oferecidas pela expansão do sistema económico, citando-se os serviços de saúde, a administração pública e a habitação. Ficou por fazer qualquer referência à indústria da electricidade, o que se toma como merecida prova de confiança no sector.
Caberá, naturalmente, ao exame na especialidade de cada um dos sectores a avaliação das hipóteses que ficaram descritas sinteticamente. Para já, porém, não se esconde uma palavra de preocupação diante das projecções

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referentes à agricultura. Realmente, a taxa de crescimento antevista para 1965-1967 é a mesma que o sector conheceu desde 1953, e mesmo para além de 1968 até 1973 não se apontam metas ambiciosas; ninguém, desde os agricultores aos responsáveis pela condução política e passando pelos técnicos da programação, se tem afirmado em sossego perante um ritmo de expansão manifestamente deficiente.
E as razões da inquietação são fáceis de dar, mesmo sem sair de uma perspectiva exclusivamente macroeconómica, isto é, não referindo aspectos tão importantes como os reflexos sociais e a economia das próprias explorações ou das regiões de agricultura.
Realmente, a expansão económica geral ao ritmo de 6,1 por cento e, depois, de 6,5 por cento ao ano, até 1973, exigirá, grandes quantidades adicionais de matérias-primas de origem agrícola, florestal e pecuária - para fazer andar as indústrias de bens de consumo, e as de produtos intermediários também. Do mesmo modo, o aumento do poder de compra previsto -pois quer-se, e bem, que não haja simplesmente incrementos de produção, mas que se traduzam em melhoria dos níveis de vida- há-de pesar largamente nas procuras alimentares e têxteis, dados os seus valores ainda baixos por habitante. Ora, se não se desenvolve o sector primário, sòmente vai restar o recurso à importação, quando se tornaria necessário não agravar o deficit externo e, até, tender a reduzi-lo com o aumento de exportações agrícolas, entre outras.
Já adiante vai ver-se que até 1967 são compatíveis as hipóteses de projecção acerca dos crescimentos sectoriais, variação da despesa global e manutenção do deficit externo (quadros X e XI). Não se fez idêntica análise até ao ano de 1973, mas adianta-se que, provavelmente, não se deparará com a mesma compatibilidade entre as diversas hipóteses postas - a não ser mediante alguma expansão vertical das exportações não agrárias, para o que se não encontra suporte. É problema grave, portanto.

22. As projecções sectoriais do emprego foram elaboradas conjugando os resultados programados para cada produto sectorial com uma hipótese acerca da evolução da produtividade do trabalho - hipótese essa que, normalmente, derivou da observação crítica das tendências evolutivas nos anos anteriores.
A excepção a esta regra geral está, naturalmente, no sector agrícola, pois, como já se viu ao tratar das projecções globais e por grandes sectores, prevê-se uma redução sensível do emprego nas actividades primárias - e o efeito «estatístico» é o aumento da produtividade média dos trabalhadores retidos no campo.
No quadro viu compendiam-se os elementos básicos de .projecção; e vê-se, agora com mais discriminação, qual o tipo de absorção previsto para a mão-de-obra a adicionar até 1967 e, depois, até 1973, tanto no sector secundário como no terciário.

QUADRO VIII

Projecções sectoriais do emprego e da produtividade

[Ver Tabela na Imagem]

[Ver Legenda na Imagem]

Fontes: As taxas de variação da produtividade e do emprego vêm nos quadros VI e VII do Projecto e as variações anuais e os níveis para 1962 o 1967 no quadro IX. O restante material foi facultado pelos grupos de programação global e industrial, já referidos.

As variações previstas para a produtividade, relativamente às tendências anteriores, situam-se: na agricultura, pela razão já enunciada; nas indústrias extractivas, por efeito da inversão pretendida no andamento do produto e que se espera conseguir sem aumento do emprego; nas indústrias transformadoras (em geral), bem como nos

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transportes e comunicações, onde se admite uma acentuação temporária da melhoria de produtividade, a significar sensível recuperação de tendências da produção também temporariamente sustidas a seguir a 1961; e em algumas das sub-rubricas dos «outros serviços», embora muito limitadamente. Quanto aos serviços de saúde e ensino supõem-se aumentos da produtividade do trabalho desprezíveis - o que não significa, evidentemente, que a qualidade e a eficiência desses serviços não venham a melhorar substancialmente; mas a questão é de métodos de avaliação do produto do sector.
Referindo-nos agora essencialmente ao período do Plano em estudo, e vendo que a taxa de crescimento do emprego há-de igualar a diferença entre as taxas de expansão do produto e de aumento da produtividade do trabalho, chega-se aos valores do novo emprego, tanto em média de absorção, em cada um dos três anos, como em termos finais (números de 1967, que podem confrontar-se, por exemplo, com os de 1962).

23. Da metodologia seguida nas previsões da formação bruta de capital fixo pouco se fica a saber lendo o correspondente texto do projecto apresentado à Câmara. Parece que se terão relacionado as taxas de expansão do produto nos períodos 1953-1962 e 1965-1967 (ou 1968-1973) com as taxas de incremento na acumulação de capital - mas nem é claro que se fizesse assim, nem o método parece também pacífico. Não há qualquer referência a parâmetros fundamentais como os coeficientes capital-produto, médios ou marginais, e até uma simples verificação de consistência, a posteriori, não consta do texto do projecto.
Sòmente no capítulo respeitante à indústria transformadora aparecem valores dos coeficientes para cada um dos subsectores e ainda com a discriminação respeitante a certas indústrias importantes, num ou noutro caso. E bem se sabe que foi o «Inquérito industrial», conduzido pelo Instituto Nacional de Estatística para os anos de 1957 a 1959, que permitiu a colheita de números sobre o capital fixo das empresas industriais, os quais agora permitem o cálculo de coeficientes.
Seja como for, e mesmo no desconhecimento do método, dispõe-se de números sobre o investimento programado para acumulação de capital. Mais uma vez estamos perante valores globais já conhecidos, interessando aqui a sua distribuição por sectores. Ora, como se lê no projecto, «a posição dos investimentos na indústria transformadora manter-se-á destacada ao longo de todo o período, sempre com mais de 25 por cento do total, e peso muito significativo apresentarão também, provavelmente, no processo de formação de capital fixo, os sectores da electricidade, transportes e casas de habitação, os quais, em conjunto com a indústria, serão responsáveis por cerca de 70 por cento dos investimentos necessários nos próximos anos».
De passagem, sempre convém notar que não jogam certo as estimativas de formação de capital para as indústrias segundo a previsão do Secretariado Técnico (total das indústrias transformadoras e construção) e aquelas a que se chegou na preparação do capítulo referente à indústria: as primeiras correspondem à formação bruta e as últimas à formação líquida, supondo certo grau de utilização invariante. Juntando um valor grosseiro para a depreciação, cair-se-ia facilmente nos 20 milhões de contos no triénio, o que parece excessivo. Há aqui um problema de acerto metodológico para que se chama a atenção.

QUADRO IX

Projecções sectoriais da formação bruta de capital fixo

[Ver Tabela na Imagem]

(a) As taxas (variações anuais) desta linha englobam também a «Construção».
(b) Os valores desta alínea e das cinco seguintes referem-se a formação de novo capital fixo.

Fontes: As taxas de variação constam do quadro XI do Projecto. O restante material foi fornecido directamente pelos grupos de programação global e industrial, já referidos.

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Outro aspecto que tem muito relevo é a composição do capital fixo a formar - pois com isso se prende a criação de mercado para importantes actividades nacionais. Há seis anos publicou-se um conjunto de elementos comparando a estrutura da formação de capital em Portugal com o que se passava na generalidade dos países, concluindo "pela necessidade (ou mera verosimilhança) de alteração profunda na actual estrutura da formação de capital fixo" (1).
A questão estava na proporção dos investimentos em máquinas é equipamentos relativamente ao total da acumulação; o número português era 32 por cento em 1950-1956, com 28 por cento no último desses anos, ao passo que as percentagens estrangeiras (dezanove países, da mais diversa estrutura económica) se arrumavam dominantemente nos 45-60 por cento, chegando-se a mais em alguns casos. Lê-se no projecto de agora que o peso dos equipamentos atingiu 44 por cento sobre o total da formação de capital fixo em 1962, projectando-se composições para 1967 e 1973 que equivalem à manutenção dessa posição. Como a Câmara aceita que "após 1967 o esforço de investimento também incida em maior escala sobre estas últimas actividades (as indústrias produtoras de equipamentos mecânicos) do que sobre as indústrias de construção, em consequência de alteração da estrutura do investimento por sectores e da ligeira tendência para a crescente importância relativa dos equipamentos dentro de cada sector", sugere que se experimente aprofundar o assunto, pois parece insatisfatòriamente abordado e é de importância decisiva para o fomento e progresso de actividades motoras fundamentais.

24. Uma visão sintética das metas de programação sectorial e global apresenta-se nos dois quadros seguintes, que foram facultados directamente à Câmara, não constando do projecto do Governo. Têm contextura idêntica, referindo-se um a 1962 (posição "actual") e o outro a 1967 (termo do Plano Intercalar), e consistem em descrições numéricas, macroeconómicas e sob a forma de matriz, da economia do continente. O confronto de ambos os quadros esclarece acerca da incidência e intensidade das variações projectadas, devendo notar-se que todos os valores monetários estão expressos a preços de 1958, como acontecia nas projecções.
Quanto à ordenação sectorial, difere daquela que temos vindo a usar em dois pontos: não se contam as "comunicações" no mesmo sector que os transportes, e não se discriminam - por falta de elementos e também por certa carência de interesse - as actividades de "casas de habitação" e "saúde e ensino"; o desinteresse provém da quase inexistência de relações interindustriais afectando tais sectores. Limitações mais fundas derivam: de a base dos quadros ser a primeira matriz portuguesa de relações industriais, naturalmente imperfeita por ser exactamente a primeira e em versão, ao tempo, ainda provisória; e de subsistir certa dose de inconsistência ao nível das grandes fontes de informação estatística nacional - contas nacionais e inquérito industrial, por exemplo, o que introduz desvios sistemáticos nos cálculos. A linha de "resíduo" foi posta para restabelecer a congruência contabilística com a programação global e sectorial ë medir o erro que se comete ao ajustar.
No exame na especialidade, do capítulo "Indústria" terão dê referir-se alguns aspectos da metodologia seguida nestes estudos. Aqui só interessa notar que se. partiu da matriz de 1959, actualizando-a para 1962 mediante as taxas sectoriais de crescimento e os elementos conhecidos da procura final, e corrigindo um ou outro coeficiente técnico; e que se fez a projecção para 1967 conservando quase toda a estrutura de produção (apenas introduzindo certas correcções mais salientes), utilizando os elementos de programação global e sectorial (aí, no que respeita às indústrias transformadoras, ainda sem desagregação), propondo ritmos de crescimento adequados para cada um dos sectores das indústrias transformadoras, e estimando números sobre certas componentes sectoriais da procura final - por exemplo, o programa de exportações.

(1) Parecer n.º 3/VII, Projecto do II Plano de Fomento (1959-1964), Metrópole. Anexo II - Parecer subsidiário das secções de Pesca e conservas e de Indústrias transformadoras (Câmara Corporativa, Pareceres, VII Legislatura, 1958, pp. 653 a 655).

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QUADRO X

Estrutura da economia, portuguesa (continente) em 1962

Valores em 10 escudos de 1958

[Ver Tabela na Imagem]

Fonte: Grupo de programação industrial da Secretaria de Estado da Industria, tendo sido pedidos os elementos de programação global ao Secretariado Técnico da Presidência do Conselho.

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QUADRO XI

Estrutura da economia portuguesa (continente) em 1967

[Ver Tabela na Imagem]

Fonte: Veja quadro X.

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Muitas das conclusões que se podem extrair do confronto destes quadros já ficaram expostas; mas quer-se pôr agora em relevo como são bem salientes os equilíbrios sectoriais e o equilíbrio, global das produções - e foi ponto a que se atribuiu a maior relevância.
Todavia, também os quadros permitem abordar o tema das deficiências de programação - agora na óptica dos estudos de síntese que não chegaram a ser feitos. Efectivamente, o programa de exportações adicionais, como o de importações (variação 1962-1967), que se contêm nos quadros estão implícitos no projecto apresentado à Câmara, na parte referente às indústrias e, portanto, nas projecções já atrás sumariadas. Mas do mesmo projecto consta um outro tipo de estimativas de evolução do comércio externo e mesmo de toda a balança de transacções correntes - e seguindo métodos que à Câmara se afiguram perfeitamente correctos. Simplesmente: não pode saber-se se as hipóteses adoptadas num e noutro capítulo jogam certo, por se fundarem em classificações dos movimentos com o exterior que não são imediatamente redutíveis umas às outras. Num dos estudos ordenam-se os números pelos sectores de origem; no outro, de acordo com a natureza dos produtos (por exemplo, «produtos alimentares», que podem ser originários da agricultura ou da indústria, e «energia», que pode corresponder aos sectores das indústrias extractivas, derivadas do petróleo e electricidade).
A única conclusão que se quer tirar é esta: ainda faltam algumas verificações de consistência dentro das projecções preparadas, e verificações que se consideram fundamentais. Nesse sentido se chama a atenção do Governo - mas adiante terá de voltar a abordar-se o assunto.

§ 5.º Tratamento dos projectos de empreendimentos no Plano

25. As projecções globais e sectoriais de desenvolvimento são, pode dizer-se quase sem injustiça, coisa nova nos métodos e hábitos do planeamento português- e, por isso, além da posição fulcral que ocupam no Plano, se entendeu deverem ter muito relevo no parecer da Câmara.
No projecto de II Plano de Fomento apareceram, em tentativa pioneira no País, projecções globais do produto e de despesa. O facto é, porém, que não vieram essas projecções a constituir elemento efectivo do Plano, tendo sido consideradas, quando muito, como o traçado, de um quadro geral orientador que ajudou a situar os empreendimentos e as linhas da política de desenvolvimento.
Entretanto, com o correr do tempo, divulgaram-se entre nós algumas ideias sobre métodos modernos de planeamento e de preparação da política económica, e foram-
-se afinando, lá por fora, as técnicas de base exigidas por esses métodos. Isso explica, certamente, que o projecto do novo Plano surja em moldes novos em relação ao que vinha sendo hábito no País.
Não é o gosto da inovação e modernidade que leva a Câmara a regozijar-se com a evolução verificada, antes a convicção de que a política económica ganha ao fundar-se em elementos cientificamente preparados. O que parece necessário é assegurar a ligação entre as projecções, por um lado, e a acção política ou, meramente, empresarial, por outro - o que orienta para a constituição do Plano em termos de incluir, além da programação global e sectorial, elementos sobre determinados projectos e as linhas de política económica, às vezes até medidas bem concretas e pormenorizadas.
Crê-se que este sistema de progressiva desagregação é o único que serve a preparar a acção, e as acções é que verdadeiramente importam para conseguir o desenvolvimento. Bem se sabe como determinados erros ou defeitos são típicos dos planeamentos e políticas não integrais - e algumas vezes foi dito que os planos de fomento portugueses pecavam exactamente por consistirem em agregados de empreendimentos parciais, perdendo-se a possibilidade de antever antagonismos ou corrigir carências, designadamente quanto ao preenchimento dos objectivos de crescimento ou à eliminação de estrangulamentos. Mas a verdade é que a programação também tem os seus pontos fracos, especialmente as deficiências de informações de base, tantas vezes não disponíveis ou erróneas nas fontes estatísticas - o que poderá corrigir-se mediante a crítica de quantos trabalham na execução.
Já em 1958 a Câmara Corporativa sentiu o problema, tendo aconselhado abertamente a preparação de projecções sectoriais (1). E depois de comentar a evolução sofrida pela economia política, «comportando o aparecimento da econometria e, mais recentemente, a técnica de programação económica, com os factores numéricos que lhe andam associados», escreveu-se que «a precisão da matemática não vai além da que se encerra nos parâmetros de que parte e a teoria dos erros põe de sobreaviso os que manejam números aproximados» (2).
São estes pensamentos que orientam os comentários apresentados a seguir.

26. Em dado momento dos trabalhos preparatórios, ficou-se, certamente, na posição que vai descrever-se: por um lado, estavam preparadas projecções globais e sectoriais, consistentes entre si e, no que respeita ao realismo, fundadas nas tendências anteriores de longo prazo, numa proposta-decisão estratégica de recuperar até 1967 os atrasos desencadeados a partir de 1961 e, ainda, em algumas informações colhidas junto de pessoas e entidades particularmente instruídas acerca das potencialidades e tendências de evolução próxima em vários sectores. Por outro lado, e em consequência da orgânica adoptada na fase preparatória, com Comissão Interministerial e seus grupos especializados de trabalho, os quais receberam, em tantos casos, a colaboração directa dos agentes da produção dos sectores privado e público, dispunha-se de impressionante volume de material sobre cada sector, envolvendo a descrição e crítica da evolução passada e a sugestão de projectos e de medidas de política económica.
A uma situação destas responde-se, logicamente, com trabalhos de síntese. E tais trabalhos podem classificar-se em várias categorias, designadamente:
a) Revisão das projecções à luz das informações «práticas» prestadas pelos sectores;
b) Revisão das disposições e propostas oriundas dos sectores à, luz dos resultados das projecções, destacando-se, essencialmente, a influência dos ritmos globais previstos sobre a evolução em cada sector e as inter-relações de uns com outros ramos de actividade;
c) Análise e selecção de «projectos», se não de todos para o período de plano, pelo menos de alguns correspondentes a empreendimentos particularmente relevantes e suscitando problemas quanto ao tempo de execução e aos efeitos de interdependência;
d) Preparação da política económica conveniente para cada sector ou tipo de problemas, de modo a ficarem conhecidos dos agentes parcelares os enquadramentos em que hão-de projectar e realizar, e também por forma a

(1) Câmara Corporativa, Pareceres, VII Legislatura. 1958, pp. 373 e 374.
(2) Oh. cit., pp. 371 e 372.

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resultar claro o grau de responsabilidade de cada entidade na execução do Plano.
Na análise de cada capítulo de especialidade haverá que ter presente este formulário, por ele avaliando a qualidade do projecto apresentado à Câmara. Por agora, apenas se poderá dizer que se depara, na parte II do projecto, relativa às projecções, com um certo número de anotações que levam a compreender ter-se realizado, pelo menos um pouco, a tarefa de revisão das projecções globais e sectoriais à luz das informações vindas dos sectores. Não se vislumbra outra origem para a profunda alteração dos números tendenciais relativos às indústrias extractivas, por exemplo.
Porém, quanto à análise e selecção de projectos, aparece no texto do Governo alguma coisa que à Câmara não se afigura absolutamente clara e que merece ser examinada com atenção.

27. A dúvida surge diante do quadro relativo aos investimentos prioritários - somando 34,4 milhões de contos na metrópole - e que se pensa corresponderem apenas à categoria da «primeira prioridade», definida alguns parágrafos antes desse mesmo quadro.
Desde os primeiros planos portugueses que se fala acerca de «critérios de prioridade», assim como de empreendimentos «do plano» contrapostos aos empreendimentos «fora do plano»; e também se afirma inalteràvelmente - agora uma vez mais - a destrinça entre a feição «indicativa» de uma parte do Plano, ao invés do resto, que será de execução «imperativa». Haverá algum nexo entre estas questões, e, a existir, terão as distinções propostas razão de ser? (1).
Quando os países ocidentais começaram a seguir a via do planeamento - aberta em 1928 pela Rússia soviética-, constituiu preocupação ideológica, ao mesmo tempo que correspondia a uma situação efectiva, a oposição do indicativo e do imperativo. Perante sociedades democráticas não se afigurava possível a introdução de uma forma de política económica até então identificada com a organização totalitária de leste; e a solução esteve, precisamente, em apelidar esta última de imperativa, ao passo que o Ocidente ensaiaria tipos de planeamento, sim, mas indicativos. Evidentemente, não poderia ser total a ausência de imposição em tais planos; mas reservou-se essa característica para os projectos do sector público, uma vez que não se levantava, por aí, qualquer contradição relativamente à lógica de mercado e à ideologia da livre empresa, ao mesmo tempo que essa condição de compromisso estadual se coadunava com exigências da lei e da prática em matéria de finanças públicas.
Fizeram-se as primeiras experiências de planeamento; e ao êxito dos planos - recorda-se, por nos afectar mais directamente, o impulso sobre a economia nacional que significou o I Plano de Fomento - andou associada a verificação de que, efectivamente, não deveriam ser imperativos apenas os empreendimentos públicos, porque alguns projectos do sector privado ou de economia «mista» eram verdadeiramente fulcrais para garantir progresso acelerado e harmonioso. Nasceu, assim, a segunda distinção, entre os empreendimentos do Plano - e esses seriam imperativos - ao lado dos empreendimentos além ou fora do Plano, meramente indicativos.
Dão-se, entretanto, progressos na natureza do planeamento e nas suas técnicas; e diante de um plano que se apresenta composto por um sistema de projecções globais e sectoriais, discriminando-se ainda um certo número de projectos, tanto do sector público como do sector privado, cabe perguntar: ainda são válidas as distinções tradicionais, ou devem ser corrigidas, como se fez em parte no projecto, ao falar nos empreendimentos de primeira prioridade?

28. O debate da questão leva a concluir o seguinte:
a) As projecções são parto integrante do Plano, e não mero estudo técnico orientador para a preparação e execução do mesmo; o compromisso da autoridade económica estende-se exactamente a questões como o ritmo de crescimento do produto, que só ganham sentido como elemento da programação;
b) Há razões para destacar, na elaboração, apresentação e processo de contrôle de execução do Plano, um certo número de empreendimentos: grandeza no quadro da economia nacional, número elevado de relações de interdependência de que sejam o centro (e tanto na fase de funcionamento como na fase de execução), premência das utilizações a que se dirijam, relação directa e importante com algum dos objectivos propostos ao Plano;
c) Estes projectos, expressamente discriminados no Plano, tanto serão do sector público como do sector privado; mas nem esgotam o Plano, nem são necessariamente prioritários, nem podem conduzir a qualquer classificação de imperativos - perguntar-se-ia, em muitos casos, porquê?
Resolvido parcialmente o problema - pois já se sabe, agora, que a antiga distinção entre projectos ou empreendimentos do plano e além do plano fica reduzida à citação expressa de alguns deles dentro de uma programação integral - resta analisar que valor conservam os adjectivos indicativo e imperativo quando aplicados a quinhões de um plano de fomento, assim como se impõe uma palavra acerca de critérios da selecção de empreendimentos.
E, muito em concreto, que pensa a Câmara das características que poderá assumir o novo plano nacional em termos de compromisso por parte do Estado?

29. Seja qual for a natureza e amplitude do plano, haverá sempre uma parte do trabalho feito que é de índole técnica e outra parte que assume ressonância política. Levantar, pois, a dúvida de poder o Estado (e fosse através da Assembleia, ou seja por decisão do Governo) assumir compromissos em relação a um sistema de projecções macroeconómicas, por se prestarem a erros de ordem técnica, equivale a pôr em causa a possibilidade de todo e qualquer compromisso de política económica - desde que tenha, ao menos, um resquício de fundamento científico; só o empirismo puro, se acaso existe, se apresenta isento de risco técnico ... A conclusão vale, evidentemente, para a aprovação de um orçamento do Estado, por exemplo. Parece, pois, que a dificuldade se resume, afinal, em esclarecer o alcance do compromisso a assumir, o que é o mesmo que tentar definir com clareza em que diferem o imperativo e o indicativo nos planos e na política económica.
Aprovado um programa, executam-se os empreendimentos que apareceram destacados no plano, mais outros empreendimentos também públicos ou privados; e nuns casos por intervenção directa do Estado, noutros casos adoptando este as apropriadas medidas de política, em especial a definição de enquadramentos e a concessão de incentivos (políticas indirectas). Se tudo acontecer de acordo com as previsões, não importam as distinções teóricas; mas quando surgem razões de desvio em relação ao plano é que pode averiguar-se efectivamente qual é o grau de compromisso que ele envolve. Ora a verdade é que essas razões de desvio
_____________

(1) Sobre este ponto e as explanações a que deu lugar quando da apreciação do II Plano de Fomento, convém ver Câmara Corporativa, Paraceres, VII Legislatura, 1958, pp. III, 368 e 657.

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tanto levam a correcções nas medidas de política económica no sentido de adaptar a tendência que está a verificar-se ao programa que fora estabelecido como determinam da parte do Poder Público atitudes de «correcção do plano», aceitando os novos condicionalismos, que haviam sido deficientemente projectados ou nem sequer poderiam ter sido entrevistos. E tem de considerar-se mais importante o cumprimento dos objectivos e metas gerais adoptados para o planeamento do que a realização de determinado projecto só porque era do sector público ou que havia sido incluído explicitamente no plano ... só porque estavam prontos os respectivos estudos.
É, então, às projecções que deve ligar-se mais acentuadamente a ideia de compromisso da autoridade económica na execução do plano? Parece à Câmara que a resposta deve ser afirmativa, sem implicar, todavia, o apego aos valores menos significativos e menos operacionais da programação e sem excluir a eventualidade de reajustamentos sensíveis diante de uma evolução conjuntural imprevisível. Mas não era assim com o imperativo dos anteriores Planos?

30. Pelo menos em três pontos da introdução do projecto se faz referência à selecção de empreendimentos a que se procedeu.
Em certa passagem lê-se (Actas, cit., p. 539):

No que se refere aos investimentos, incluem-se no Plano os projectos mais importantes, quer do sector público, quer do sector privado, embora estes últimos não representem um compromisso definitivo, mas tão sòmente o alto interesse atribuído à sua realização.

Pouco adiante está escrito (Actas, cit., p. 540):

... compreende-se que se tenham escolhido os investimentos a realizar pela aplicação de um critério selectivo que se poderá caracterizar, em síntese, pela forma que segue:

Preferência pelos empreendimentos de mais acentuada, directa e imediata reprodutividade;
Preferência pelas actividades da produção de bens e serviços susceptíveis de satisfazer a procura nos mercados externos ou de substituir a importação de outros bens e serviços originários do estrangeiro;
Preferência pelas infra-estruturas que mais directamente contribuam para o alargamento e melhoria do potencial produtivo da população.
Quando já não parecia clara a situação criada por esta apresentação de critérios, mas, de qualquer modo, se ensaiava alguma verificação entre o seu conteúdo e os projectos apresentados pelo Governo, esbarrou-se com a noção, já aludida, da prioridade, que se verificou equivaler à primeira prioridade, a qual é concebida nestes termos: investimentos «em relação aos quais se determinam desde já os respectivos montantes, definindo-se ao mesmo tempo as fontes que asseguram a respectiva cobertura financeira ...». A incerteza da concepção esfuma-se diante do complemento da frase relativo aos investimentos de segunda prioridade: aqueles «cuja execução fica condicionada à conclusão dos necessários projectos técnicos e económicos, à definição dos respectivos regimes jurídicos e à obtenção de recursos financeiros adequados a determinar nos programas anuais de financiamento a aprovar pelo Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos» (Actas, cit., p. 540).
A Câmara sugere que na versão definitiva do Plano se orientem as coisas no sentido de distinguir - porque realmente são coisas bem diferentes - entre selecção de empreendimentos a executar entre 1965 e 1967 e apresentação desde já, sob forma expressa, no texto do Plano, de alguns desses empreendimentos. O critério para esta última filtragem afigura-se que só pode ser do género que já se enunciou atrás [n.º 28, alínea b), deste parecer]; e a sua aplicação não é incompatível com uma situação em que não foram inventariados todos os projectos e na qual não se podem tirar conclusões definitivas por se carecer de clareza quanto a quaisquer métodos de análise e critérios de escolha - a situação em que se pensa estará ainda o departamento de plano.
Esta orientação implica que os únicos valores agregados acerca de investimentos do Plano são os das projecções sectoriais e globais, e não subconjuntos construídos arbitrariamente, como os 34,4 milhões do projecto. Implica, também, a substituição da terminologia de primeira e segunda, prioridade, como o abandono da distinção do indicativo e imperativo - e que se trabalhe tècnicamente no sentido de poder fazer selecção de projectos durante o decorrer do Plano.

§ 6.º Aspectos financeiros do Plano

31. Um pouco mais de 20 por cento do texto do projecto de plano é dedicado aos aspectos financeiros, não contando certas referências ao mesmo tema nos capítulos gerais de análise e programação, nem as indicações prestadas em cada capítulo sectorial acerca das fontes de financiamento previstas para os empreendimentos referenciados.
A Câmara vê com agrado o cuidado posto no estudo deste problema do financiamento do desenvolvimento, tanto mais que no parecer relativo ao II Plano de Fomento (e aceitando uma conclusão do parecer subsidiário da secção de Crédito e seguros) se propunha um «estudo do potencial financeiro do País que permitisse apreciar a possibilidade dos investimentos totais» (1). Esse estudo foi agora feito - e era exigido, aliás, pela condição de plano integral que se atribuiu ao novo plano, contra planos meramente parciais como o I e II Planos de Fomento.
Não vamos examinar aqui minuciosamente todo esse estudo financeiro. Trata-se de um trabalho de índole técnica que pode ser resumido e exposto, como seguidamente se faz, no parecer da Câmara; mas não se vê como controlar as fontes básicas de informação utilizadas, nem de que modo poderiam agora ser dilucidadas algumas das hipóteses aceites no estudo. Resta, pois, tratar esse estudo acerca do financiamento de maneira análoga à que se seguiu na apreciação das projecções: apreender a natureza do trabalho apresentado, controlar as hipóteses básicas do estudo e apreciar, criticamente, sobretudo os resultados e as implicações que deles derivam.
Diz-se também, desde já, que se entendeu deixar para o capítulo que se seguirá as referências às medidas de política financeira respeitantes à recolha de fundos - pois parece deverem enquadrar-se no exame crítico da política económica geral proposta no Plano. Quanto às disposições de política financeira que já hoje constituem -ou se prevê que venham a ser lançadas de novo para constituírem - estímulos às diversas actividades económicas, entende-se que devem ser analisadas quando do exame na especialidade do correspondente sector.

32. Depois das referências, habituais em estudos económicos sobre o País, à carência de informações estatís-
______________

(1)Câmara Corporativa, Pareceres, VII Legislatura, 1958, p. 374.

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ticas, apresenta-se uma extensa análise amplamente documentada com os números de 35 quadros. E chega-se à conclusão de que "não se experimentarão dificuldades insuperáveis no plano financeiro". Efectivamente, o investimento total programado para o Plano atingirá, quando convertido a preços correntes (1), o valor de 61,3 milhões de contos; ora, como a capacidade interna de financiamento de investimentos calculada para o triénio é a diferença entre 77.4 milhões e os encargos de natureza militar, conclui-se legitimamente pelo equilíbrio, tanto mais que ainda haveria a acrescer o crédito externo.
Antes de discutir certos aspectos da conclusão, importa descrever quais os dados, hipóteses e cálculos que andam por trás desse número global de 77,4 milhões de contos.
Começou-se por classificar em três grandes rubricas as entidades onde se forma a poupança interna:

Estado, incluindo, além da administração central (Orçamento Geral do Estado e fundos e serviços autónomos de administração central), a administração local (autarquias locais e seus fundos autónomos), a previdência social e as empresas públicas;
Instituições de crédito e empresas seguradoras, onde se contaram a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, a Caixa Económica de Lisboa, o Banco de Fomento Nacional, a banca comercial e as empresas seguradoras.
Particulares e empresas.

Sobre cada uma destas fontes de fundos para investimento estudou-se a tendência apresentada pela poupança em períodos anteriores (em geral, 1958-1962), assentando na visão crítica dessas tendências, à luz de condições específicas de vária natureza, a estimativa da capacidade de financiamento para o triénio de 1965-1967. Resumidamente, foram estes os números a que se chegou:

1) Estado:

Milhões de contos

Administração central (a)..... 16
Administração local .......... 2,1
Previdência social ........... 3,2
Empresas públicas ............ 1,4

2) Instituições de crédito e empresas seguradoras :

Bancos comerciais............................ 4,3
Caixa Geral de Depósitos, Crédito e
Previdência e Caixa Económica de Lisboa...... 4,3
Banco de Fomento Nacional.................... 1,8
Empresas seguradoras......................... 1,1

3) Particulares e empresas................... 36,7
Total........................................ 70,9

(a) Não inclui a poupança dos fundos e serviços autónomos da administração central.

A diferença destes 70,9 milhões para os 77,4 milhões já registados explica-se por não coincidência das fontes de informação, sistemàticamente expressa no período de 1958-1962 por um desvio de 8 por cento, em média, entre a poupança detectada, pelo método que foi seguido e o investimento efectivamente financiado segundo os dados das contas nacionais.

33. No que respeita ao sector Estado - e já se disse qual é o significado amplo que o termo apresentou para estas estimativas, não valendo a pena aqui levantar certas objecções e melindres que se ofereceriam em outro contexto (1) - há a notar o que segue. A previsão das receitas foi feita minuciosamente, atendendo, por exemplo, às incidências da recente reforma fiscal sobre o produto de cada imposto, aos efeitos da desmobilização pautal decorrente da convenção da Associação Europeia de Comércio Livre e às consequências dos incentivos fiscais ao desenvolvimento previstos no próprio projecto de plano - tudo isto quanto à administração central. E as mesmas cautelas devem ter presidido às restantes estimativas do sector.
Todavia, a uma análise desagregada há sempre vantagem em fazer seguir uma verificação em termos agregados, sintéticos, pois assim poderão suscitar-se críticas que o estudo parcial não levanta. No caso presente, e olhando apenas à previsão das receitas correntes do sector Estado no período de 1965-1967, em confronto com os números efectivamente verificados entre 1958 e 1962, verifica-
-se que a taxa histórica de crescimento de 7 por cento ao ano foi extrapolada ao nível de apenas, 5 por cento.
Acerca, das previsões relativas às instituições de crédito e empresas seguradoras, importa destacar quanto se diz sobre o Banco de Fomento Nacional e sobre os bancos comerciais.
Sabe-se quantas esperanças suscitou o lançamento do Banco de Fomento e a acção decisiva que instituições análogas de outros países têm desempenhado na política de desenvolvimento. Nem tudo pode ser igual em toda a parte, e a inserção da nova instituição num sistema bancário já consolidado levantou problemas que ainda não encontraram solução.
Olhando aos números: nos quatro anos de existência, o Banco fez empréstimos directos e algumas participações financeiras na metrópole no valor total de 1,7 milhões de contos, distribuindo-se 0.65 milhões pelas indústrias transformadoras e 0.95 milhões para o ramo da electricidade. A capacidade de financiamento proposta para o triénio do Plano vai a 2,4 milhões; mas parece grave que nada se possa dizer acerca da origem dos 2 milhões de contos que, nesse total programado, representarão a parte não proveniente de recursos próprios. Relendo as fontes principais a que o Banco terá de recorrer: emissão de obrigações a médio e a longo prazo, aceitação de depósitos a prazo superior a um ano, realização de operações de crédito para fomento com instituições nacionais e internacionais, recolha de fundos facultados pelo Estado para fins específicos de fomento - não se considera suficiente a afirmação de que "não parece fácil a elaboração de um programa de obtenção de meios destinados, a fazer face aos financiamentos, uma vez que estritamente dependente do recurso a fontes de financiamento cujo comportamento é dificilmente previsível" (Actas, cit., p. 570).
Dos bancos comerciais não se recolhem números concludentes acerca dos financiamentos de fomento relativos ao passado. O processo de estimativa para o período do novo plano consistiu em calcular as capacidades de absorção das disponibilidades, conforme se trate de aplicações em títulos não garantidos pelo Estado, promissórias do fomento, títulos de dívida e ainda outras aplicações, atendendo aos condicionalismos legais que são diferentes para cada caso; afigura-se correcta a metodologia.

(1) Os números das projecções são a preços de 1958, recorda-se.

(1) O reparo dirige-se à inclusão das instituições de previdência social.

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Resta uma palavra acerca da estimativa da poupança de particulares e empresas. Essa verba representa metade da poupança total inventariada, e não se pode dizer que o método de cálculo seja satisfatório. Quando muito, é seguro, pois os desvios do investimento realizado para a poupança formada são, naturalmente, por defeito. Mas bem necessário se está a tornar que nas contas nacionais surjam estimativas válidas de poupança, e que não obriguem a recorrer a métodos indirectos de avaliação.

34. A querer dirigir algumas críticas de fundo ao estudo previsional do financiamento do Plano, parece à Câmara que haveria de atender-se aos seguintes pontos:

Relação entre capacidade financeira e ritmo de desenvolvimento;
Estimativa do montante de crédito externo;
Explicitação das despesas militares;
Preocupação exclusiva com o financiamento do investimento.

Umas notas sobre o primeiro aspecto, ficando os restantes pontos para o número seguinte.
A visão tradicional das implicações financeiras na organização dos planos de desenvolvimento consiste em, por um lado, estimar despesas desejáveis de investimento (inventário de projectos); por outro lado, avaliar a capacidade de financiamento (só interna ou também externa), e proceder à síntese mediante a limitação das realizações às disponibilidades. Era possível, nesta metodologia, ignorar a relação entre capacidade financeira e ritmo de desenvolvimento.
Todavia, quando se faz assentar todo o trabalho de planeamento em projecções globais macroeconómicas, torna-se claro que a diferença entre o produto gerado, que equivale à despesa total, e as previsões do consumo, representa as disponibilidades de factores para formação de capital. E também se vê que todas estas grandezas variam conforme o ritmo de desenvolvimento que venha a verificar-se na economia; crescer a 6 por cento ao ano, ou sòmente a 3 por cento, significa diferença substancial na capacidade de financiamento para investimento, bem menor no segundo caso, em igualdade de condições estruturais.
De modo que a estimativa a que se procedeu é meritória sob numerosos aspectos, mesmo em relação ao Plano - pois já se sabe que cada vez é mais saliente a orientação no sentido de conjugar estimativas globais com estimativas e decisões em sucessivos níveis de desagregação. E ainda meritório, o ensaio, como contribuição ao conhecimento do mercado de capitais do País, designadamente ao inventariar deficiências de informação estatística que compete e é possível corrigir nos departamentos onde foi feito o estudo. O que não pode, porém, é pretender tirar-se dos números mais do que eles contêm, devido às hipóteses implícitas ou explicitadas na sua construção.
Ora a estes números, que se referiram, está subjacente uma hipótese: é a da invariância no ritmo de crescimento económico português. No texto do projecto, aliás, alude-se, de passagem, a essa circunstância, ao escrever que há a contar «com a aceleração do ritmo da formação da poupança, que se prevê venha a formar--se e a ser mobilizada no próximo triénio por particulares e empresas» (Actas, cit., p. 586). E como essa hipótese não se conjuga com o resto do Plano, só há a dizer que, em vez do equilíbrio financeiro, os cálculos parece conduzirem à verificação de um desaproveitamento de fundos disponíveis para acumulação de capital.

35. Não se apresenta no projecto qualquer estimativa acerca do montante que poderá atingir o recurso ao crédito externo; mas inventariam-se, numa linha teórica esclarecedora, as vantagens e as limitações dessa fonte de financiamento, ao mesmo tempo que se demonstra - e à luz de abundantes confrontos internacionais- ser ainda fraco o peso da dívida externa no caso português.
Quanto às despesas militares, não aparecem no projecto concretamente traduzidas em números, que seriam realidades passadas e meras previsões para futuro. Mas a diferença dos 61,3 milhões de investimento do Plano para os 77,4 milhões de fundos inventariados leva a 10,1 milhões em três anos, resultado que tem de conferir-se diante das despesas ùltimamente exigidas.
Mas não está tudo: pois na medida em que se recorra ao crédito externo, e também na medida em que se subestimaram as disponibilidades inventariadas, surgem fundos a juntar aos 16,1 milhões a que se chegou. Pensa-se haver, efectivamente, possibilidade de facultar 3 milhões de contos para financiamento do Plano no ultramar, como o Governo propõe na parte final da introdução ao projecto.
Uma vez estudados estes aspectos do financiamento do Plano, é oportuno voltar a discutir os números dos investimentos de primeira, prioridade, que levaram a apresentar-se no projecto um total de investimento atingindo 34,4 milhões de contos. E é oportuno por haver ainda um entendimento que poderia ser dado - e já o tem sido, a propósito dos planos anteriores - a essa relação de projectos e ao correspondente montante de financiamento: em caso de dificuldades de qualquer natureza, estaria aí um mínimo de fomento económico a que o Governo se comprometeria, e quando o fizesse teria executado o Plano a 100 por cento.
São fáceis as contas para compreender o alcance da hipótese. Como os 34,4 milhões representam cerca de 63 por cento do investimento das projecções, em vez de crescer à taxa de 6,1 por cento, marcharíamos a 4 por cento ao ano ou, apenas a 3,3 por cento por habitante. O cálculo ainda peca por excesso, por não estarem os investimentos de primeira prioridade avaliados a preços de 1958, mas, presumivelmente, mais altos, e por se incluírem no respectivo total verbas que deveriam ser contadas não no investimento, mas no consumo público. E tudo isto sem falar nos efeitos depressivos imediatos, de curto prazo, mais difíceis de estimar, mas que sempre surgiriam ante a quebra das despesas de investimento. Vê-se que é um caminho impensável.

36. E a mais outro ponto, também já abordado anteriormente, embora em óptica que não era a do financiamento, convém voltar: o do compromisso a assumir pelo Governo ao decretar o Plano.
As conclusões que parece poderem apontar-se agora coincidem com as que já haviam sido produzidas: não importa um «plano imperativo parcial» - pois ainda quando ele se executasse plenamente, poderia o País estar mergulhado no caos económico. O que interessa é garantir o cumprimento dos objectivos de crescimento, agora propostos ao ritmo de 6,1 por cento, até 1967: e como para isso se estima necessário um investimento de cerca de 61,3 milhões de contos a preços correntes (ou 53,3 milhões para formação bruta de capital fixo, a preços de 1958), deverá ser essa a medida do compromisso da autoridade financeira - já deduzidos alguns outros encargos a que terá de atender além do Plano de Fomento.
Não querer chegar a esta conclusão pode ser conciliável com a prudência e até com o progresso efectivo; só

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o não é com o Plano e seus objectivos; tais como aparecem no projecto. Aliás, ficou margem de segurança que parece perfeitamente suficiente para quaisquer eventualidades - tanta que, a terem de aumentar ainda os encargos com a defesa, só seria aceitável que isso se fizesse em detrimento do consumo privado supérfluo, e não das despesas reprodutivas da formação de capital.
E a quem compare o alto valor de financiamento entregue, para execução, à responsabilidade do Governo e, em especial, da autoridade financeira, com o volume habitual das despesas do Estado, há que fazer notar estarmos perante grandezas substancialmente diversas, às quais se responde por métodos de trabalho também diversos, ainda que relacionados. Para executar o Plano não interessa apenas o orçamento, como também já não vai chegar o esforço para garantir certa mobilização de recursos anualmente requerida para alguns empreendimentos - os do Plano. Pois se o Plano passa a identificar-se com a totalidade da orientação de recursos para acumulação de capital, é toda a política financeira, num sentido amplo, que tem de pôr-se em equação para assegurar o desenvolvimento.
Vê-se que o estabelecimento, no começo de cada ano, de um plano financeiro cobrindo a execução dos investimentos do País é ponto essencial dentro da orientação para que nos encaminhámos; quer-se dizer que os mapas contendo os financiamentos dos empreendimentos do Plano (fontes e utilizações), tais como actualmente vêm sendo submetidos ao Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos, têm de ser substituídos por outro tipo de documento.
Pensa-se, efectivamente, que nesse novo documento devem aparecer actualizadas as projecções globais e sectoriais e que, na parte financeira, se hão-de apontar aí as fontes correspondentes aos empreendimentos discriminados (devido à sua importância) no Plano, e, além disso, se apresentarão análises e decisões respeitantes à cobertura do conjunto dos empreendimentos não discriminados.
Como um documento deste tipo andará a ser preparado e aprovado pela mesma época que o Orçamento Geral do Estado e os orçamentos de outros entes públicos, estaremos a dar passos decisivos para construir anualmente o orçamento ou plano económico-social e financeiro da Nação, que convém exista para orientar a política de um Estado moderno.

§ 7.º As medidas de política económico-social

37. No projecto do novo plano deu-se particular relevo aos aspectos de política económica e social - e a Câmara pensa que essa orientação foi salutar.
Por um lado, de pouco vale inventariar projectos possíveis e desejáveis e estabelecer projecções mais ou menos verosímeis, se faltarem as condições capazes de assegurar a execução e o cumprimento desses programas; a acção política consiste, exactamente, na criação dessas condições, tanto por meios indirectos e de enquadramento, como por decisões e actuações directas do Estado. O defeito de muitos ensaios iniciais de planeamento foi, precisamente, este, da separação dos empreendimentos e investimentos em relação à política económica - e é hoje tendência generalizada a coordenação de uma e outra coisa ao preparar planos.
Mas, por outro lado, salienta-se o adjectivo «social» que apareceu a caracterizar a política de desenvolvimento. Também é um movimento moderno, nas ideias e nas concretizações, esse da ligação entre o económico e o social na interpretação e promoção do crescimento. Tão moderno que já se tem caído em exageros - como em tudo quanto começa e luta por afirmar-se -, proclamando-se que foram erróneos quantos planos se fizeram no passado por terem desprezado a dimensão social do desenvolvimento, esquecendo, até, o homem. Acabará por se ficar numa posição de serenidade - conjugando as acções e objectivos numa linha simultaneamente económica e social. Nos métodos de planeamento em Portugal não custa reconhecer que ainda haverá muitos passos a dar para a consideração plena e justa de importantes aspectos sociais.
As linhas gerais da política de desenvolvimento e as medidas concretas que delas derivam são múltiplas, correspondendo aos objectivos e problemas, aos domínios e sectores de acção, aos próprios instrumentos de intervenção. Faz-se uma primeira ordenação do material contido no projecto, ligando as linhas gerais de política aos objectivos apontados para o Plano e deixando as medidas mais concretas para tratamento na especialidade, a propósito dos sectores a que se referem. Daí não surgir alusão, neste parágrafo, às políticas de ensino e investigação, habitação e saúde - apesar da sua enorme importância social e incidência económica; assim como não se vai tratar das aplicações concretas de certas medidas gerais (estímulos financeiros ao investimento em determinados ramos de indústria, por exemplo), pois interessam essencialmente a alguns sectores de actividade.
Uma última palavra: vai-se procurar ser extremamente sintético, pois a matéria é vastíssima, e de ideias gerais andam cheios os compêndios.

38. A constituição do espaço económico português não se apresenta pròpriamente como um objectivo do Plano; mas assume tanta importância no conjunto das definições de política nacional, que a Câmara vê com agrado as referências que se lhe fazem na introdução do projecto.
Todavia, não se depara com qualquer medida concreta que possa contribuir para o cumprimento dessa finalidade. Verdadeiramente, ligando metrópole e ultramar, apenas há o financiamento previsto de 3 milhões de contos e o próprio esforço de desenvolvimento da metrópole, condição essencial para que continue a expansão dos territórios de além-mar; além disto, apenas o formalismo da inserção num mesmo preâmbulo dos resumos dos investimentos previstos para a totalidade do território nacional.
Ver-se-á, ao examinar na especialidade cada um dos sectores, se aparecem problemas de relação ao nível verdadeiramente nacional e em que termos terão sido postos.
Já se referiu o primeiro objectivo apontado no projecto à política de desenvolvimento durante os anos que seguem: aceleração do ritmo de crescimento do produto nacional. E também ficou resumido e apreciado (§§ 2.º e 3.º) quanto se contém nas projecções em resposta a este ponto, sòmente devendo salientar-se agora um aspecto de estratégia do plano trienal que implica, necessariamente, a adopção de medidas de política peculiares.
Efectivamente, não foi arbitrária a preferência por ritmos de expansão dos produtos sectoriais nos próximos anos, que se resumem na taxa global de crescimento de 6,1 por cento. Observadas as tendências desde 1953 e verificada uma quebra conjuntural a partir de 1961, entendeu-se que deveria constituir meta concreta a retoma em 1967 da linha tendencial de longo prazo - quer dizer, recuperar os atrasos dentro do plano trienal.
Sendo assim, está-se perante uma intenção de intensificar o esforço de desenvolvimento; e sem afirmar que sejam, demasiados os escolhos a vencer, crê-
-se que alguns sempre hão-de surgir, aconselhando-se meticulosa prepa-

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ração das medidas de política económica que possam assegurar em cada sector e para o conjunto do sistema o cumprimento das metas.
Prepararam-se projecções, inventariaram-se projectos do sector público e do sector privado, anotaram-se numerosos correctivos ou acções de fundo que será necessário considerar na política económica e social -e juntou-se a tudo umas páginas de introdução compondo o projecto de plano. Mas a Câmara não pode deixar de manifestar desde já, independentemente do muito que haverá para apreciar e aprovar a propósito de cada sector, as preocupações que causa a falta de precisão com que aparecem referidos os temas de política económica em geral. No seguimento vai documentar-se a afirmação, começando pela política de investimentos.
Diante dos números que projectam a formação de capital até 1967 e meditando a constante referência que se faz entre nós -como em todos os países não industrializados- à carência de espírito de empresa e de iniciativa, parece dever concluir-se que: ou seriam necessários estímulos excepcionais para mobilizar capacidades latentes no sector privado; ou deveria aparecer abordado firmemente o tema da atracção de empresários estrangeiros; ou, finalmente, teria de comprometer-se o Estado a suprir a iniciativa privada, fosse por fórmulas de economia mista ou por intervenções mais directas, mas em qualquer caso indo além da mera afirmação platónica da sua função supletiva, quantificando-a quanto fosse necessário para se chegar aos 6,1 por cento.
Realmente, estímulos excepcionais não se nos deparam, inventariando-se apenas no capítulo do financiamento o conjunto de disposições já anteriormente promulgadas e que ainda não se sabe até que ponto aceleram o investimento. Quanto à atracção de empresas e capitais vindos de fora, nem o tema é referido na parte geral do projecto, tendo sido remetida para o capítulo da indústria uma simples anotação sobre a esperada publicação do diploma relativo à aplicação de capitais estrangeiros - e anotação que aparece no contexto da melhoria de organização das empresas. E no que respeita à função supletiva do Estado - mas nos termos que se definiram - nada se encontra de positivo. Há uma experiência nacional de empresas de economia mista em alguns sectores; sabe-se de experiências, por todo o Mundo, de intervenção directa do Estado a promover a instalação de actividades; discutem-se, mesmo, alguns pontos muito concretos, como a necessidade de autonomia para essas administrações, ao mesmo tempo que um efectivo contrôle e responsabilização, e a substituição de intromissões políticas pela adopção de critérios económicos de gestão; a Câmara entende que estas questões deveriam ter sido tratadas.
A Câmara espera que da versão definitiva do texto agora em apreciação constem já disposições encarando este tipo de problemas.

39. A «manutenção da estabilidade financeira interna e da solvabilidade exterior da moeda nacional», são objectivos-condições que têm um lugar no projecto.
Já se escreveu alguma coisa sobre um e outro ponto. Pois na medida em que as projecções de desenvolvimento realizam o equilíbrio global da despesa e do produto está, implicitamente, a planear-se sem recorrer à hipótese da inflação. O confronto da capacidade de financiamento para formação de capital com as projecções de acumulação permitiram concluir no mesmo sentido embora, para mais garantia, se proponham (v. p. 134 do Projecto) disposições precisas, tendentes a «completar o conjunto de medidas de política financeira com vista a uma mais perfeita mobilização da poupança para o financiamento do investimento». E quanto à solvabilidade externa, também se cuidou de não exceder limites comportáveis ao programar a evolução do saldo de importações e exportações e ao admitir expressamente o recurso aos financiamentos vindos do estrangeiro.
Mas bem se sabem algumas coisas mais. Um equilíbrio global pode ocultar desequilíbrios parciais de sinal contrário, por exemplo em dois sectores, tendo um deles capacidade, excessiva em relação às necessidades de produção e escasseando a capacidade no outro, a determinar tensão inflacionista; e umas tensões inflacionistas não se compensam facilmente com sobras de capacidade em outros sectores.
Por isto mesmo, é essencial cuidar das medidas efectivas que também neste aspecto garantam o cumprimento das projecções sectoriais, o que pressupõe a explanação das hipóteses que condicionam tais projecções.
Muita desta matéria é, exactamente, para tratar na especialidade; mas abordam-se dois pontos que parecem particularmente relevantes - e que constituem questões gerais.
A política conjuntural portuguesa não é diferente da de muitos outros países do Mundo, aplicando-se os instrumentos comuns na obtenção de equilíbrios macroeconómicos. A visão crítica desse tipo de políticas, à luz das exigências do desenvolvimento, não põe em causa o objectivo estabilidade, nem o recurso aos instrumentos de acção clássicos: mas aconselha que se faça a relação dos meios, oportunidades e incidências diante de um quadro de consequências hipotéticas, para não sofrer retaliações inesperadas e dolorosas. Pensa-se que o incipiente armamento, designadamente a informação estatística corrente, da nossa política económica conjuntural não permitirá voos tão largos como os que se descreveram; mas, sendo assim, continuaremos em grande risco de não conseguir um crescimento acelerado e sustentado, risco que já não provém das más condições naturais ou das incertezas do clima sobre as actividades tradicionais, antes das deficiências ou excessos da despesa, que não pode ser bem comandada por uma política económica sem informação e estrutura.
O outro ponto a abordar tem a ver com o comércio externo. Já se consideraram aceitáveis os valores das projecções, louvando-se a meticulosidade posta no desdobramento das componentes de importação e exportação, até por dois critérios diferentes, ambos significativos - só faltando conjugá-los. E atentou-se, particularmente, na discussão dos caminhos que se abriam quanto à previsão do deficit externo, optando-se por uma alternativa prudente.
Simplesmente: basta transcrever um trecho do relatório para ver que não será automático o preenchimento das projecções, podendo ler-se (Actas, cit., p. 561):

As tendências programadas para as importações de mercadorias e serviços assentam na previsão de que não surjam dificuldades anormais de abastecimento em bens de produção nacional - requerendo compras extraordinárias no exterior -, ao mesmo tempo que prosseguirá, ao ritmo do último decénio, o processo de substituição de importações. Por sua vez, as tendências de aumento das exportações de bens e serviços dependerão directamente da eficácia das medidas de promoção adoptadas, designadamente, quanto às mercadorias, do aperfeiçoamento das redes comerciais e da solução dos problemas do crédito e seguro às exportações.

O texto é concludente, e num parágrafo que ainda se lhe juntou no projecto agravam-se as exigências, apon-

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tando-se para a premência de «realizar uma reconversão bem mais profunda, que adapte a economia portuguesa ao novo condicionalismo em que cada vez mais se encontrará inserida».
A Câmara procurará encontrar disposições de política económica que respondam a tão legítimas e bem expostas preocupações ao proceder à análise de cada sector, na especialidade. Da parte geral do projecto não constam.

40. Ao «equilíbrio do mercado de trabalho» dirige-se um conjunto de análises e disposições concretas de política económico-social (às vezes descendo à minúcia da execução dos projectos), expostas em todo um capítulo do relatório do Plano; aliás, nessas mesmas análises e propostas alarga-se correctamente o âmbito ao problema por forma a englobar não só a política de emprego, mas também a política de formação profissional. São novidades agradáveis no planeamento nacional.
Os problemas (ou o problema) esquematizam-se dizendo que interessa o pleno emprego produtivo, mas, além disso, distribuindo a população activa pelos sectores e regiões pela forma mais eficiente.
A primeira condição -emprego produtivo para os Portugueses- obriga a retornar a questão da emigração; pois em contacto cada dia mais estreito com a Europa industrializada seria inútil - e injusto - tentar pôr entraves à saída de quem tenha capacidade e não encontre remuneração, ao mesmo tempo que não haverá vantagem em querer manter ou estabelecer actividades a níveis de produtividade não concorrenciais. Resta a dúvida acerca do nível proposto para a saída de trabalhadores, podendo cair-se na aceitação passiva de condições e tendências deficientes, julgando estar-se a promover uma política activa de mão-de-obra - é o problema já referido atrás (n.º 16 deste parecer).
Quanto à segunda condição enunciada - distribuição mais eficiente da população activa, por sectores e regiões - o ponto básico e a inserção na política de trabalho de instrumentos de mobilidade. A segurança que se dá, por esta via, no trabalhador, a braços com graves problemas de reclassificação, faz jogar no sentido favorável ao desenvolvimento todo um mundo de forças sociais e, o que mais importa, reduz os sacrifícios que a mudança estrutural inevitavelmente arrasta para a comunidade e para os homens. Vejamos o que se propõe nesta matéria.
A observação das tendências migratórias espontâneas, descendo à escala regional e profissional, bem como a previsão das variações no emprego causadas por iniciativas de política económica (obras públicas, reorganização industrial, localização de indústrias e desenvolvimento regional), e a orientação dessas tendências e variações à luz de um critério de interesse nacional são aspectos que só podem abordar-se dispondo de serviços especializados. Existem os serviços, de criação recente, no Ministério das Corporações e Previdência Social, estando projectada a conclusão da respectiva estruturação.
No mesmo departamento (Fundo de Desenvolvimento de Mão-de-Obra) prevê-se a criação de um serviço nacional de emprego, com as funções de análise do mercado de trabalho, de colocação de trabalhadores, de classificação e documentação profissionais e de orientação de trabalhadores jovens e adultos. No relatório do Plano enunciam-se, para além das justificações da orientação sumariada, as disposições que constituem o «projecto» a realizar: rede de observação e colocação, a iniciar em Lisboa (1965), estendendo-se até 1967 ao País, prioritàriamente às zonas mais industrializadas; formação do pessoal para as várias funções, com auxílio técnico da O. C. D. E., como já vem acontecendo; proposta do financiamento dos encargos é anúncio de legislação a promulgar. O delineamento é coerente e exequível.
No campo da formação profissional (e explica-se a feição extra-escolar que assume) distinguem-se os domínios da aprendizagem e da formação acelerada, respectivamente para adolescentes e para adultos. Apontam-se programas de informação da opinião pública e de estabelecimento de estímulos individuais à formação. Mas passando a orientações mais realistas, há a referir o programa do Instituto de Formação Profissional Acelerada: formação de 360 monitores no -triénio, o que obriga a duplicar a capacidade actual; apoio técnico e financeiro a iniciativas de aprendizagem e formação profissional no sector privado; criação de 3 centros de formação acelerada; criação de 30 centros comuns de aprendizagem ou de pré-aprendizagem; previsão de 30 centros de reciclagem, da iniciativa de organismos corporativos. Apontam-se verbas, formas de financiamento previstas e legislação necessária à realização do programa.
Apenas não está clara a razão por que se inclui este projecto na parte geral do relatório, quando foi norma remeter a descrição das acções concretas para capítulos especiais, e havendo uma rubrica dedicada ao ensino e investigação que poderia designar-se por «Ensino, formação profissional e investigação». Não se argumentará com o facto de serem entidades diferentes, e, até, comandadas por Ministérios diversos, as que conduzem respectivamente o ensino e a «formação profissional» de que se trata aqui: também assim acontece em outros capítulos de especialidade, designadamente nesse do ensino (Ministério da Educação Nacional) e investigação (Ministérios da Educação Nacional, Economia e Obras Públicas).
Importa salientar que o delineamento apontado está, ao menos em parte, integrado num traçado que chega a 1973 - com a previsão de 450 000 trabalhadores a formar em 350 centros. A extrapolação dos custos estimados para os primeiros centros levaria a valores incomportáveis; mas nem se gastará agora, porventura, tanto quanto se orçamentou, nem a proporção será válida para a multiplicação do projecto.

41. Já se referiu o objectivo de crescimento e a sua aceleração de ritmo; mas, logo acrescenta o projecto, essa finalidade há-de andar acompanhada de uma repartição mais equilibrada dos rendimentos formados.
Nesta fórmula simples contém-se a visão crítica da situação actual, ao mesmo tempo que se lança o elo de ligação entre crescimento da produção e melhoria do bem-estar colectivo, com seus reflexos imensos na paz social e na realização dos homens.
Para fundamentar a necessidade de correctivos nos níveis actuais dispensam-se, por agora, mais elementos e estatísticas. Quanto às relações entre desenvolvimento e progresso social, a Câmara limita-se a referir as considerações expostas pelo Governo no projecto de plano (Actas, cit., pp. 598-599) as quais merecem o seu inteiro acordo. Salientam-se as observações respeitantes à resistência social e mental à transformação das estruturas em experiências contemporâneas, bem como o amplo panorama de acções entrevistas para a Administração visando a criação de um mais justo equilíbrio social: sobretudo nos meios rurais, apontando-se o caminho do desenvolvimento comunitário, e também nos próprios locais de trabalho, pela gradual reforma da empresa.
E as medidas de política de redistribuição do rendimento?
Medidas directas - ou sequer estimativas e projecções sobre a repartição funcional - não se nos deparam

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explìcitamente. A dificuldade em estabelecer projecções deve ser o resultado da carência de estatísticas fundamentais neste domínio; em todo o caso, recorda-se a lição de outros países da Europa, onde se acredita na enorme vantagem de apresentação de uma hipótese numérica desta natureza, mesmo quando seja muito errónea - pois, a verdade, é que toda a projecção do consumo tem, implícita, uma hipótese destas.
Todavia, sugerem-se no relatório certas consequências redistributivas das projecções apresentadas: a transferência de mão-de-obra da agricultura para outros sectores mais produtivos e mais bem remunerados, bem como a intensificação do consumo público (mas já vimos que a ritmo extremamente lento).
A Câmara entende que seria conveniente encarar disposições concretas em ilustração de uma orientação posta no projecto do Governo. Efectivamente (Actas, cit., p. 556), pode ler-se:

Progressos mais rápidos conducentes à melhor repartição do rendimento encontram--se, porém, na dependência directa da forma como se operar a fixação dos salários e das medidas que facilitem o acesso à propriedade e que aperfeiçoem os mecanismos de redistribuição.

E a seguir se oferece uma sugestão.
A reforma de empresa é expressão que já hoje não levanta lá por fora as ondas emocionais de há anos atrás - pois as empresas estão efectivamente a reformar-se nos sentidos variados e múltiplos que os doutrinadores foram delineando.
Pode dizer-se que entre nós já são correntes, ao menos nas empresas mais importantes e progressivas, o serviço social e o serviço de pessoal, a atenção pelas condições físicas de trabalho e as campanhas de prevenção de acidentes. Isto, além das acções especìficamente de previdência social, generalizadas nos sectores industrial e dos serviços.
Mas a melhoria das relações humanas na empresa poderá - e deveria - constituir um elemento dentro das metas da política social a desenvolver no triénio do Plano. A actuação a desenvolver centrar-se-ia: no estabelecimento de condições básicas em cada empresa (fixando-se normas mínimas acerca de ambiente físico, adaptação das tarefas, segurança, nível e sistema de remuneração, esquema de promoções, recompensas e sanções); na definição de políticas de direcção do pessoal de acordo com as modernas técnicas administrativas e os ensinamentos da psicologia, com serviços de pessoal próprios de cada empresa importante, ou comuns consultivos para as pequenas empresas; finalmente, na constituição de órgãos mistos de colaboração nas empresas de grande dimensão, e de estruturas de representação dos trabalhadores junto das direcções, para cooperar no campo social e receber informações nos domínios técnico e económico (1).
Toda esta acção exigiria esforços conjugados das entidades patronais, organismos corporativos, estabelecimentos de ensino (designadamente Universidades) - vindo o impulso inicial do sector público. Só ao Governo, e não à Câmara, pode competir, por agora, dar algum passo mais na formulação de um projecto desta natureza e seu lançamento.

42. Em vários capítulos do texto governamental surgem alusões ao tema do desenvolvimento regional equilibrado - em sequência de uma formulação de objectivos, em que este aparecia expressamente, que se chegou a fazer num dado momento.
Diz-se que o problema, pela sua grande importância, foi objecto da maior ponderação, tendo-se procurado «evitar os inconvenientes das excessivas concentrações industriais e favorecer a criação de novos pólos de desenvolvimento geradores de múltiplos núcleos de progresso económico e social capazes de assegurar a recuperação de zonas em declínio e a valorização da vida rural» (Actas, cit., p. 541). E outros exemplos se poderiam citar.
A linha geral de evolução do problema parece ter sido: intenção de o abordar abertamente, dificuldades técnicas na preparação das decisões (falta de estatísticas, etc.), indecisão quanto à orgânica de acção regional a montar ou simples retardamento na sua montagem e, por fim, abandono do propósito de ataque explícito ao tema, no Plano - sem, todavia, poder esquecer a sua gravidade.
A Câmara não vai alongar-se sobre o assunto, tanto mais que teve oportunidade de o discutir amplamente há pouco tempo (1), facultando ao Governo quantos elementos pode reunir para ajudar a uma solução correcta. O mais que entende adiantar é que uma solução é, cada dia, mais urgente - e os elementos apresentados no projecto, no capítulo sobre execução do II Plano, não são animadores nesta perspectiva de conjugar as intenções de desenvolvimento regional harmónico com as realizações polarizadas nos núcleos já industrializados e de aglomeração. Apenas três números e um comentário: dos 16,8 milhões de contos investidos entre 1958 o 1962, identificou-se u localização de empreendimentos com o valor de 12,1 milhões - e 6,3 ficaram em Lisboa e Setúbal; «como conclusão, pode dizer-se que o II Plano se caracterizou, no quadriénio 1959-1962, por uma forte concentração do investimento em pólos de desenvolvimento existentes, não tendo tido portanto, influência determinante na correcção das disparidades de crescimento das diversas regiões metropolitanas» (Actas, cit., p. 548).
Aguarda-se, pois, a concretização dos propósitos enunciados no projecto, quer na introdução (idem, p. 541), quer no capítulo referente à indústria (idem, p. 620) onde se escreve:

Será publicada legislação que favoreça a descentralização geográfica da indústria, mediante incentivos à instalação de estabelecimentos fabris em novos pólos ou zonas industriais, a criar nas regiões onde se considere conveniente e viável a montagem das infra-estruturas necessárias à recepção das novas unidades industriais.

Todavia, insiste-se em que o problema não é apenas de orgânica nova a estabelecer, havendo muitas acções de desenvolvimento regional que podem ser levadas a termo através de meios já previstos na lei e por intervenção de departamentos públicos existentes, ou aproveitando instituições e entidades privadas. Sabe-se que tem havido algum trabalho nesta linha, essencialmente pelo Ministério da Economia - mas no capítulo seguinte voltar-se-á ao assunto.

§ 8.º A orgânica de planeamento

43. A história é a mestra da vida - sobretudo da vida colectiva, nos povos organizados e que querem progredir.

(1) Neste sentido se dispôs já no projecto de diploma relativo ao Contrato de Trabalho (artigo 18, n.º 3)

(1) Parecer n.º 7/VIII - Junta do Planeamento Económico Regional. (Câmara Corporativa, Pareceres, VIII Legislatura, 1962, pp. 455 e seguintes).

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Quase em seu termo mais uma experiência de preparação de um plano e de execução de outro, a Gamara entende dever olhar um pouco sobre um passado ainda tão próximo, pois algumas lições parece poderem colher-se, e lições a pôr em prática urgentemente.
No parecer de 1958, depois de recordar a proposta, feita quando da discussão do 1 Plano, para a criação de um órgão orientador do planeamento, historiava-se rapidamente a evolução das coisas até ao aparecimento do inspectorado superior do Plano de Fomento; e comentava-se: «estamos, porém, convencidos de que esta não poderá ser ainda, por insuficiente, a solução definitiva» (1).
Correram mais seis anos, a Inspecção transformou-se na Direcção dos Serviços de Planeamento, do Secretariado Técnico da Presidência do Conselho. Mas a Câmara continua convencida de que a esta solução cabe inteiramente o comentário transcrito.
Qual deverá ser então a orgânica de planeamento a ensaiar? Parece metodologia correcta partir do exame das funções a exercer, para concluir pela sua atribuição a tais e tais organismos e para propor uma estrutura de relações entre esses órgãos. Vai interessar mais à Câmara, neste momento, explorar esta metodologia do que chegar a propor uma orgânica nova.
O processo de desenvolvimento planeado supõe três tipos básicos de funções: a preparação dos planos, a sua execução e o contrôle ou acompanhamento dessa execução.
A execução está distribuída por numerosos agentes económicos, sociais e políticos: no sector privado são essencialmente as empresas e no sector público, embora se depare com departamentos autónomos que executam projectos, a função essencial compete à Administração, que põe em curso as acções de política económica previstas no próprio Plano.
Quanto à preparação dos planos, foi tempo em que se cuidava dever entregá-la, monolìticamente, a um novo serviço público, que viria justapor-se aos departamentos das administrações tradicionais, para preencher essa nova função. Assiste-se, presentemente, a um movimento generalizado de dinamização dessas mesmas administrações clássicas, e no sentido de uma dupla abertura, às preocupações do longo prazo, e à colaboração com os outros departamentos - duas características que marcam, especificamente, as tarefas de preparação dos planos. O mesmo é dizer que um executivo moderno tende a ser, todo ele, impregnado do espírito, de funções e das técnicas de planeamento. Ainda, recentemente, se orienta neste sentido uma das conclusões da 4.ª Conferência de Estudo sobre os Problemas do Desenvolvimento Económico, promovida em Paris, de 7 a 11 de Setembro passado, pela O. C. D. E. e subordinada ao tema «Organização governamental e desenvolvimento económico».
Resta o contrôle de execução. Além de certo pendor para a descentralização, semelhante ao que se descreveu acerca da elaboração inicial, avulta sobretudo o movimento tendente a completar o contrôle financeiro pelos controles físicos, tanto dos projectos, como das metas de programação. E a própria actuação de contrôle vai sendo completada por uma acção contínua de acompanhamento da execução, o que se coaduna com a natureza dos planos, entretanto também modificada. Escreveram-se atrás algumas observações concretas acerca destes aspectos (n.º 36 deste parecer).

44. Não vai ocupar-nos muito a orgânica de execução, pois as atenções têm de convergir agora para as instituições e processos de preparação (implicitamente também para o acompanhamento e contrôle dos planos). Em todo o caso, não quer deixar de referir-se um certo número de pontos que se consideram mais importantes, designadamente para o caso português.
Um primeiro aspecto é o da adaptação dos serviços públicos às novas modalidades de intervenção do Estado: este assumiu responsabilidades que antes não tinha no lançamento de projectos, e muitas vezes projectos pioneiros, a servir de exemplo às actividades privadas; além disso, alargou-se de tal modo o seu campo de intervenção, que implicam maiores perdas pára a colectividade e para os próprios interesses particulares as quebras de eficiência dos serviços; finalmente, a atitude que hoje se exige aos agentes e órgãos de administração vem muito mais marcada de intuitos de persuasão (até em campos tradicionalmente repressivos, como o fisco e a polícia ...).
É em sequência destas concepções e exigências que por todo o mundo se atende francamente aos problemas de organização e métodos de trabalho nos serviços públicos, bem como às reformas administrativas, em especial quanto aos funcionários - seu regime jurídico e suas condições de formação e actualização. Nada se encontrou no projecto de plano respeitante a matérias de tanta importância e que assumem particular gravidade na situação portuguesa.
O outro aspecto a referir tem a ver com as empresas, fundamentalmente o sector privado, mas também as administrações autónomas de carácter industrial, sobretudo. Mudaram os tempos e as exigências; e já não é o empresário ou director de indústria tradicional que consegue atender aos domínios variados e múltiplos em que se inserem as acções a exercer nas empresas desde o apuramento tecnológico até à capacidade de inovação, da gestão financeira e económica à política de relações humanas, das colaborações com o Estado aos contactos com o estrangeiro e a todo o mundo complexo das relações públicas em geral.
Responde-se a estas tendências através da preparação sistemática de directores e administradores de empresas, função que as Universidades tantas vezes já tem chamado a si e em que sempre colaboram, mesmo quando não polarizam o movimento. É matéria em que se começou a trabalhar em Portugal - e há a destacar a influência dos cursos de produtividade do Instituto Nacional de Investigação Industrial; mas as Universidades mantêm-se inexplicavelmente apáticas.
Terceiro aspecto: a execução do Plano pelas numerosas entidades públicas e privadas que lançam as medidas de política e promovem os projectos ganha, indiscutivelmente, se tiver havido colaboração activa dessas mesmas entidades na fase de preparação, ganha em realismo e em exequibilidade - mas também será maior o entusiasmo e o esforço em realizar alguma coisa que é sentida como obra pessoal. Toda a problemática desta cooperação deve estar presente ao analisar-se a orgânica de planeamento em Portugal.

45. E como devem preparar-se os planos de fomento?
Tem-se consciência de que não é uma única a orgânica possível; mas também se está certo da tendência universal para determinadas soluções típicas quanto às diversas fases da elaboração, tendências que o exame cuidado das sucessivas experiências portuguesas (e já contamos três) parece confirmar.
A elaboração do Plano terá, antes de mais, de ser determinada por alguma entidade - normalmente um

(1) Câmara Corporativa, Pareceres, VII Legislatura, 1958, pp. 369 e 370.

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governo. A simplicidade da anotação parece que a dispensaria; mas se considerarmos o elemento tempo, ou prazo, ganha muita importância - e desta vez ficou pouco mais de ano e meio entre o início da elaboração e a data em que deverá entrar em execução, o que é um período escasso.
Naturalmente, quando se ordena a preparação de um plano de desenvolvimento marcam-se orientações: objectivos gerais a atingir, em resposta aos mais sérios problemas económicos e sociais do Pais, natureza dos trabalhos preparatórios a executar, atribuição desses trabalhos aos vários departamentos que participam no planeamento, definição de prazos para que tudo volte até ao Governo, com vista às decisões políticas fundamentais e para a consulta ou mesmo aprovação do Plano nos órgãos legislativos.
Os trabalhos técnicos da elaboração do Plano envolvem, conforme se admite hoje generalizadamente: a preparação de projecções globais, sectoriais e regionais; o inventário de projectos e seu estudo e avaliação; o exame crítico dos sectores e regiões e a proposta das orientações da acção a desenvolver; a síntese entre programação, projectos e política económica. Nesta altura estará concluído um primeiro esboço de plano, que ainda necessita de ser examinado e criticado em função de preocupações de vária índole e por entidades com diverso grau de responsabilidade e «horizonte»: o Governo, os conselhos económico-sociais nos países em que os há (no caso português tem sido norma consultar a Câmara Corporativa). É também o momento de ouvir a opinião pública, sobretudo através do comentário da imprensa - mas, para isso, há-de facultar-se-lhe tudo quanto se preparou.
Vencida esta fase, há que operar correcções e complementos no projecto, chegando-se à versão definitiva, ou quase definitiva, naqueles países em que a última palavra caiba a um Parlamento; mas, mesmo nesses casos, e sob pena de recair no caos, há-de estar fortemente limitada a zona de discussão nesta fase tão avançada do processo, o que pressupõe alguma intervenção parlamentar anterior, designadamente na definição dos objectivos e a apontar certas metas, sobretudo de índole social.
É também nesta fase final que já começa, ia-se a escrever, a «execução». Os serviços públicos têm de ter preparadas medidas de política logo para o início do período do Plano, assim como hão-de estar equipados, estruturados e mentalizados para as aplicar. Também as empresas do sector privado e do sector público terão de avançar os seus primeiros projectos, sob pena de se verificar uma travagem nos tempos iniciais do novo plano. Ora, não é fácil estabelecer a linha divisória entre preparação e execução quando se chega às exigências de pormenorização que estas funções agora descritas supõem.

46. Quando começaram os trabalhos preparatórios do plano agora em apreciação existia montada uma «máquina» de planeamento, a qual se pôs em movimento antes do Verão de 1963, à ordem do Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos. Porém, logo na atribuição de funções, verificou-se que, por exemplo, o Secretariado Técnico da Presidência do Conselho não estava tecnicamente equipado para as tarefas de programação, quase novas no País; daí o recurso a um grupo eventual.
Este grupo beneficiou da valiosa assistência técnica de dois eminentes professores estrangeiros, por intermédio da O. C. D. E. Sem esquecer a importância de outros trabalhos que, entretanto, foram preparados no Secretariado, por exemplo, o relatório crítico sobre a execução do II Plano, de que sómente o resumo aparece no projecto, a verdade é que a parte substancial do novo plano - o diagnóstico da situação económica nacional, o traçado projecções e o delineamento das exigências de [...] económica e social - foi obra desse grupo eventual rígido por um assistente da Universidade. Escreve-se porque é de justiça estimular os avanços técnicos e bem porque, de outro modo, não se saberia comi preparado o Plano nem se divulgaria a debilidade [...] da Direcção dos Serviços de Planeamento Secretariado Técnico.
Mas as projecções, só por si, pouco valem - como escreveu, mais de uma vez, neste parecer; e também se adianta, para a acção, com o mero delineamento exigências de política implícitas na programação quantitativa. Daí que os trabalhos ao nível sectorial e régio tenham enorme importância, pois carreiam material projectos para preencher as projecções e juntam informações, críticas, sugestões e propostas de política pá assegurar o cumprimento dos desenvolvimentos entrevistados em termos macroeconómicos.

47. Ao nível regional pode dizer-se que não houve trabalhos. A distribuição locacional dos investimentos do II Plano, a que já se fez referência, foi continuada experimentalmente pelo menos para os projectos inventariados no sector das indústrias transformadoras; mas não se sabe que aí tenha assentado a tarefa referida no preâmbulo de projecto, de combate às excessivas concentrações industriais, favorecendo «a criação de novos pólos de desenvolvimento geradores de múltiplos núcleos de progresso económico e social capazes de assegurar a recuperação de zonas em declínio e a valorização da vida rural» - nem se vê que tenha assentado fosse no que fosse.
No grupo de trabalho das questões sociais foi preparado um estudo sobre «desenvolvimento comunitário», que até beneficiou de assistência técnica da O. C. D. E., além de ser fundado nos ensinamentos colhidos através de importantes ensaios em curso no País. Não se encontra no texto agora apresentado qualquer notícia desse estudo. A Câmara chama para o facto a atenção do Governo e sugere que constitua um dos empreendimentos a discriminar no Plano, dada a sua importância, precisamente o projecto de desenvolvimento comunitário. Esse projecto abrangeria no triénio a estruturação do Gabinete Técnico (apontam-se como necessários três especialistas, respectivamente em planificação económica, em educação de base e em sociologia e relações humanas), com a sua comissão coordenadora interministérios. Este gabinete teria como funções imediatas: a criação, estruturação e avaliação de experiências-piloto que sirvam à aquisição de técnica e ao treino do pessoal; a formação de agentes de desenvolvimento comunitário, e uma primeira acção coordenadora das políticas dos diferentes Ministérios, com repercussão directa na transformação das condições de vida das populações, evitando duplicações e garantindo a oportunidade das realizações e o verdadeiro interesse e a cooperação activa da população pelos projectos - é este o ponto básico do desenvolvimento comunitário.
Se a Câmara recomenda este ponto, não está, todavia, convencida de que a ele deva resumir-se o lançamento da acção regional, tão largamente preconizada nos últimos anos no País, e que tão necessária efectivamente se apresenta. Já ficaram números sobre as incidências locacionais do II Plano, assim como se apresentaram outros, a propósito de definição dos objectivos (n.º 12 deste parecer), que não são para nos sossegar, tão gritantes se oferecem as desigualdades de povoamento, produção e produtividade, níveis de vida ou de rendimento no País - e abertamente, em agravamento contínuo é persistente.

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Nos últimos anos tem havido movimento regional estimulado pelo Ministério da Economia, donde, aliás, saiu para a Câmara a proposta de decreto-lei referente à orgânica de planeamento regional. Pensa a Câmara que essa é a orientação correcta para início das acções á empreender, não se correndo assim o perigo de tentar políticas de regionalização e descentralização... centralizadas em Lisboa.
Mas é essencial que esse despertar de forças regionais encontre meios de realização, sob pena de frustrações mais perniciosas do que a apatia. E neste terreno crê a Câmara que já se poderia ter avançado mais, porventura seguindo as sugestões traçadas no parecer de 1962, e que foram estudadas e oferecidas exactamente com a preocupação de estimular ao arranque, evitando que se ficasse na dependência de acordos complexos e morosos quanto à natureza da nova orgânica e sua situação no conjunto da Administração. Reproduz-se a 9.ª conclusão formulada então pela Câmara:

Ao nível do Ministério da Economia pode actuar se desde já recorrendo a alguns departamentos existentes, apenas os orientando para formas conjugadas de acção selectiva ou executiva.
O estabelecimento de «zonas industriais» e a valorização das áreas rurais beneficiadas pela hidráulica agrícola mediante a instalação de certas indústrias são tarefas realizáveis por serviços das Secretarias de Estado da Agricultura e da Indústria, independentemente de promulgação de novas leis em matéria de desenvolvimento regional (1).

Vem agora anunciado o propósito governamental de pôr «em efectivo funcionamento a orgânica administrativa do planeamento regional, orgânica que obedecerá ao esquema que ao Governo foi já sugerido pela Câmara Corporativa no seu parecer sobre a matéria» (Actas, cit., p. 541). Recorda-se que esse esquema-tipo partia de uma divisão de funções, atribuindo-se lugar primacial (conclusão 6.ª do parecer) aos órgãos consultivos e de coordenação em cada uma das regiões, os quais seriam servidos por departamentos técnicos e de planeamento, e ainda instituições especialmente Concebidas par a realizar ou apoiar os empreendimentos de fomento.
Esta concepção, eminentemente descentralizada - e deram-se, no momento, as razões que a aconselham - requer ainda o preenchimento de funções de coordenação, de uns com outros planos regionais e destes com os programas sectoriais e com o plano global do território. E disse-se que a Direcção dos Serviços de Planeamento (actualmente englobada no Secretariado Técnico) deverá cuidar exclusivamente da coordenação, e não da elaboração dos planos regionais (conclusão 5.ª). São aspectos que a Câmara continua a encarar como há dois anos.

48. Os trabalhos sectoriais de preparação do Plano correram, de um modo geral, em correspondência com cada Ministério ou Secretaria de Estado, mas no âmbito da comissão interministerial e seus grupos de trabalho especializados. Assim estava previsto na lei, e assim foi determinado nas orientações do Governo.
Não é possível inventariar agora os processos de actuação e a organização interna efectiva de cada um dos grupos de trabalho, embora essa análise e crítica deva ser realizada com vista a modificações que se introduzam na orgânica. Conhecem-se, todavia, os resultados - numerosos estudos sobre a situação e problemática de cada sector, ainda comportando o levantamento de projectos e a sugestão de amplas orientações e medidas concretas para a política de desenvolvimento.
Dificuldades de trabalho houve-as, sem dúvida. Uma consistiu na inexistência orgânica de apoio técnico - e, de uma maneira ou de outra, cada grupo resolveu o> problema mediante a cooperação empenhada dos serviços públicos ou das entidades do sector privado nele representados, bem como ,pelo esforço violento e meritório dos presidentes dos grupos e dos técnicos que secretariaram os vários grupos. Outra dificuldade residiu na falta de definição mais precisa, e logo desde início, acerca do horizonte em que deveriam situar-se as concepções do desenvolvimento sectorial - teria sido vantajoso dispor de projecções globais e sectoriais ao encetar a actividade dos grupos de trabalho, mas não permitiram assim os prazos disponíveis; e mesmo durante o curso dos estudos e discussões foi, porventura, demasiada a compartimentação entre os trabalhos de vários grupos e destes com a equipa técnica de programação. Finalmente, e avaliando agora pelos resultados obtidos, ou sejam os relatórios preparatórios de cada sector, dir-se-á que nem sempre esteve clara a noção do tipo de informações e análises que verdadeiramente interessam para construir um plano - por exemplo, os projectos, em concreto, não abundam.
Um ponto merece realce: já foram vários os sectores ou Ministérios que puderam trazer à colaboração departamentos técnicos recentemente instituídos com maior ou menor formalismo e abertamente dirigidos à visão de longo prazo e intersectorial. E um importante progresso da administração pública e da vida e mentalidade, portuguesa, que se regista com esperança e que pode verificar-se, pelo menos, nos sectores da agricultura, indústria, energia (este o de mais tradição), transportes, turismo e ensino, além do trabalho e questões sociais e do sector financeiro.
Outro aspecto extremamente relevante desta experiência foi p contacto estabelecido e a boa colaboração verificada entre o sector privado e os representantes do sector público. Em certos casos, a participação do sector privado foi numerosa e activa, além de valiosa, devendo salientar-se o que se passou com a «Indústria»; cerca de 400 entidades participaram dos trabalhos através de uns 100 grupos de indústria e mais de 20 Comissões relatoras de classe. Ausência importante, todavia, foi a dos sindicatos, se não formalmente (pois estavam na comissão e no grupo as corporações da indústria), pelo menos, efectivamente.

49. Serão oportunas algumas considerações sobre o trabalho de síntese que a organização dos planos de fomento impõe.
As projecções, construídas por técnicos (ainda que colhendo informações e promovendo Contactos com os práticos conhecedores directos dos sectores), são um roteiro provisório para a acção; tornam-se valiosas depois de confrontadas com a experiência de quem há-de executar os projectos a aplicar as políticas que garantem, de facto, o desenvolvimento, e de corrigidas em definitivo depois desse confronto.
Do mesmo modo, os projectos entrevistos ao nível microeconómico e não dispondo de informação sobre o enquadramento e evolução dos restantes sectores e do conjunto da economia nacional, bem como as propostas parcelares de medidas de política económica, constituem elementos úteis, mas provisórios, de trabalho - que se

(1) Parecer já citado sobre a Junta de Planeamento Económico Regional. (Câmara Corporativa, Pareceres, VIII Legislatura, 1962, p. 493).

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convertem em projectos e em políticas a executar apenas depois de harmonizadas entre si, com a ajuda dos técnicos de planeamento.
Ambas são tarefas a realizar simultaneamente pelos agentes de execução e pelos térmicos de programação, devendo salientar-se que nesses agentes de execução devem contar-se os dirigentes de empresas e departamentos oficiais especializados (que executam os projectos), assim como os responsáveis pela administração pública (que lançam as orientações e aplicam as medidas de política económica e social).
Podem conceber-se diversos modos de organização do trabalho, dividindo tarefas e escalões para a realização das actividades de síntese entre responsáveis pela definição da política económico-social, executores de projectos e das medidas de política a aplicar, e técnicos especializados nos problemas sectoriais (e regionais) e de planeamento geral.
Todavia: recolher um ensaio de projecção esquecendo as suas hipóteses de construção, no que respeita às condições a cumprir pela política; agradecer a colaboração dos grupos sectoriais, sem chegar a abrir um diálogo que - supõe resposta, e não apenas perguntas - e sem comunicar nem às linhas de enquadramento global, nem os critérios que se usaram na selecção do material fornecido, nem sequer os resultados sectoriais que acabaram por ser retidos; seleccionar alguns projectos indicando critérios que não podiam ter sido usados nessa selecção por não o permitir a informação disponível, sendo ainda mais do que discutível a orientação básica que levou a uma selecção; enunciar numerosos propósitos de política, mas desligados dos objectivos, das projecções, dos projectos, e, até dos anseios e propostas manifestados por quem foi induzido a analisar os problemas e a sugerir soluções para eles; - todo este parece ser o único caminho que não é justificável seguir.
A Câmara entende que numa revisão de orgânica e de escalonamento de tarefas a que se proceda, com vista aos trabalhos do próximo Plano, será especialmente de cuidar este problema da realização das sínteses. Houve, oportunamente, propostas concretas sobre a questão, não se sabendo em que ponto estacionaram; bem se poderá retomá-las agora, revê-las à luz do que foi possível alcançar por caminho tão diverso e decidir uma norma de acção para futuro.

50. E um último ponto se entende dever tratar, a concluir esta apreciação na generalidade relativa à preparação e significado do Plano: o das estatísticas económicas e sociais portuguesas. A simples leitura do projecto de plano ou deste parecer, que sobre aquele assenta, mostra a importância da informação estatística no processo de desenvolvimento planeado - a descrever evoluções passadas, a caracterizar estruturas e a medir parâmetros de base.
As próprias projecções são «estatísticas» prospectivas do futuro, devendo colher-se continuamente elementos conjunturais para confrontar com elas e assegurar um acompanhamento e contrôle eficientes do Plano. Sem estatísticas, e boas estatísticas, não haverá planeamento.
De entre os estudos preparatórios do novo Plano, que foram facultados à Câmara, conta-se um intitulado Principais Limitações das Estatísticas Económicas da Metrópole. Lendo-o, fica-se com ideia suficiente de quanto se impõe fazer no sentido de rapidamente melhorar o nosso sistema estatístico; e deve apreciar-se o valor dessas sugestões, assentes exactamente na experiência agora em curso de elaboração do novo Plano.
Diz-se também, desde já, que se está seguro de não haver sistemas de informação estatística perfeitos, embora sejam grandes as exigências e grandes, também, os progressos verificados nos dois últimos decénios, tudo consubstanciado em: técnicas de colheita, apuramento, tratamento e divulgação dos resultados; alargamento dos universos II observar com avanços tão espectaculares como II contabilidade nacional, os quadros de relações interindustriais e os inquéritos prospectivos de «opinião»; rapidez com que se requerem os dados e as suas análises, essencialmente no terreno da orientação conjuntural dos governos e das empresas; amplidão das utilizações dos resultados observados, com saliência precisamente para o planeamento económico e social e para as decisões de longo prazo na actividade empresarial.
No estudo que se referiu, aponta-se, primeiramente, uma limitação do âmbito regional do sistema estatístico da metrópole: normalmente, os dados abarcam apenas o continente, e não aparecem desagregados por grandes regiões alguns dos elementos fundamentais, em especial as contas nacionais ou, ao menos, as estimativas do produto interno.
«Trata-se de uma situação impeditiva da integração dos Açores e Madeira no quadro do planeamento económico da metrópole», assim como não tem sido possível «o correcto diagnóstico e a condução da política de desenvolvimento regional» (estudo citado).
Outra dificuldade é a que se refere aos intervalos de tempo entre a colheita dos dados e a sua divulgação - mesmo em relação aos apuramentos fundamentais, como os recenseamentos da população, essa demora é suficiente para que se introduzam alterações de estrutura (por exemplo, em relação ao censo de 1960, as correntes migratórias). Todavia, o problema avoluma-se quanto à informação conjuntural, de curto prazo, em que «desfasamentos de alguns meses devem considerar-se inaceitáveis».
Olhando agora a alguns tipos de dados, pode dizer-se que as maiores dificuldades foram sentidas: quanto às estatísticas demográficas, pois não jogam certo os confrontos dos censos com as variações acumuladas intercensitárias; quanto aos dados sobre mão-de-obra, faltando estatísticas de emprego; quanto ao produto nacional, em que as estimativas «parecem revelar um certo grau de subavaliação que se afigura mais sensível nos sectores do comércio, das casas de habitação e da agricultura», e em que os resultados dos inquéritos agrícola (1952-1954) e mesmo industrial (1957-1959) já estão desactualizados; quanto à despesa nacional, em que se não determina autonomamente o consumo privado, não se consideram os movimentos de invisíveis entre a metrópole e o ultramar, e não parecem suficientemente controladas as estimativas sobre formação de capital fixo e variação de existências; quanto ao rendimento nacional que apenas se conhece globalmente, e não sob qualquer forma de repartição; quanto ao sector financeiro, onde falham dados acerca da poupança privada, não estão suficientemente recenseados os mecanismos financeiros, e careceriam de correctivos e aperfeiçoamentos as estatísticas relativas às taxas de juro e aos movimentos de capitais com o estrangeiro e o ultramar; quanto às estruturas dos consumos, estando antiquados os inquéritos às principais cidades, que, aliás, se referem apenas à um estrato limitado de famílias, e não se tendo ainda feito para as populações rurais; quanto à passagem a preços constantes, pois os índices gerais de preços não reflectem sempre bem o comportamento dos preços sectoriais.
A conclusão do estudo já referido parece impor-se: «A melhoria do sistema estatístico não pode deixar de se considerar uma exigência básica dos aperfeiçoamentos a introduzir nos métodos de programação e de realização de mais eficazes políticas de desenvolvimento económico».

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A Câmara vê com o maior interesse a atenção que todo este problema está a merecer ao Governo, o qual, entre outras disposições, obteve através da O. C. D. E. um estudo subscrito por um eminente especialista acerca de algumas acunas que mais rapidamente conviria atacar e do modo de o fazer.

II

Exame na especialidade

51. Ordenação a adoptar na análise de cada sector. - O estudo a que vai proceder-se acerca de cada um dos capítulos sectoriais do projecto de plano obedecerá a um esquema uniforme, salvo em algum caso em que, manifestamente, haja vantagem em seguir outro caminho. Pensa-se que, desta forma, se poderá avançar mais depressa e com mais segurança na apreciação - o que são vantagens a considerar no caso presente; e ainda se crê que ficará, deste modo, facilitada a tarefa de revisão do projecto a que o Governo vai proceder, pelo menos no que tem a ver com a eventual introdução de sugestões provindas da Câmara.
Em cada capítulo começar-se-á por dar um resumo das projecções sectoriais correspondentes, mas conservando apenas os valores que se consideram mais significativos para execução e contrôle do Plano - os do produto e os de formação de capital para os três anos.
A seguir entrar-se-á na exposição dos objectivos e das orientações de política económica ou social encaradas no projecto para o sector em análise, sumariando ainda, sem descer a minúcias inúteis, o tipo de medidas de política em que o Governo pensa.
Conclui-se a exposição apresentando o resumo dos «investimentos prioritários» programados para o sector durante o triénio tal como se contém no projecto de plano.
A revisão crítica começará, naturalmente, pela observação dos problemas e perspectivas de desenvolvimento que se apontam - e as fontes de informação vão desde o próprio relatório do Governo até aos pareceres subsidiários da Câmara, aos estudos preparatórios para o Plano e a outros documentos e análises que foi possível consultar nas condições de trabalho existentes - e que não foram das mais favoráveis.
Dessa linha de rumo assim estabelecida nasce, evidentemente, o confronte com o que se projecta; e concluir-se-á nuns casos que o Plano corresponde às expectativas legítimas, propor-se-ão noutros casos alterações de menor ou maior monta. E diz-se, desde já, que a atenção vai ser especialmente atraída por dois tipos de preocupações:

Por um lado, a relação entre os objectivos gerais propostos ao desenvolvimento económico e social do País, através do Plano, e as incidências desses objectivos sobre o sector em estudo;
Em segundo lugar, as ligações intersectores e interprojectos, pois um desenvolvimento coordenado, «a jogar certo», requer, exactamente, atenção a este aspecto.

É, em certo sentido, ao trabalho de síntese, que não transparece no projecto do Governo, que a Câmara entende dever dar o melhor do seu esforço; e faz assim por estar convicta de que essas sínteses é que constituem a essência e a razão de ser da organização dos planos. Terminar-se-ão os capítulos, em geral, reproduzindo novamente a súmula dos projectos que pela sua relevância (seja qual for o aspecto que a determine) a Câmara pensa deverem aparecer discriminados nos textos sectoriais do Plano, acompanhando esse enunciado de algumas
indicações que se consideram de extrema utilidade - entidade executora do projecto, em certos casos volume de investimento ou gasto previsto e ainda algumas notas acerca de ligações sectoriais a que o projecto dá lugar.

§ 9.º Agricultura, silvicultura e pecuária

52. As projecções sectoriais do texto governamental - e que já foram apresentadas e explicadas na apreciação na generalidade deste parecer (§ 4.º) - resumem-se aos números que seguem, pelo que respeita a este sector e tendo em vista as exigências de acompanhamento e contrôle da execução:

a) Produto interno originado na agricultura, silvicultura e pecuária:

Meta para 1967: 17,5 X 109 escudos de 1958.
Variação anual: +1,2 por cento.

109 escudos
de 1958
b) Formação bruta de capital fixo:
Em 1965........................... 1,3
Em 1966........................... 1,3
Em 1967........................... 1,4
1965-1967......................... 4

53. As linhas básicas de orientação da política para o sector dirigem-se a:

a) Aumento do produto agrícola e elevação do nível de vida das populações rurais;
b) Valorização económica e social das regiões menos evoluídas (1).

O Plano é ainda encarado para este sector como fase ou período de transição entre a relativa estagnação que se vem atravessando e um estado de desenvolvimento que lhe permita acompanhar a evolução da economia nacional. Mas reconhece-se que, sendo embora da iniciativa privada que há a esperar as realizações que concretizam o desenvolvimento, não é lícito aguardar a adaptação espontânea do sector sem se correr o risco de se agravarem as assimetrias sectoriais que se vêm registando.
Daí as exigências de uma política agrária destinada a orientar e incentivar a iniciativa privada, a qual, no projecto do Governo, se consubstancia no conjunto de medidas reproduzidas a seguir (Actas, cit., p. 608):

1) Estruturação de uma agricultura fortemente empresarial, através de medidas que facilitem a constituição de empresas dimensionadas e equipadas em termos de se revelarem econòmicamente viáveis e socialmente eficazes, mediante providências visando:
a) Apoiar a indivisibilidade da empresa agrícola do tipo familiar econòmicamente viável, mediante recurso a facilidades de ordem técnica e financeira;
b) Estabelecer direitos de preferência, a favor de proprietários confinantes, em caso de venda de propriedades contíguas, até se atingirem as dimensões correspondentes a empresa do tipo familiar considerado econòmicamente viável;
c) Concessão, na medida do possível, de isenções e reduções fiscais relativamente às ex-

(1) Actas da Câmara Corporativa n.º 65/VIII, de 1 de Outubro de 1964, p. 600.

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plorações agrícolas do tipo familiar econòmicamente viável;
d) Promulgar medidas legislativas que facilitem a aquisição de propriedades, máquinas e demais equipamentos da exploração e, ainda, a realização de benfeitorias ou melhoramentos fundiários, por rendeiros ou parceiros;
e) Incentivar e regular a constituição de cooperativas ou de outras formas de associação de agricultura, especialmente no que respeita ao fomento pecuário, frutícola, hortícola, florícola e florestal e de utilização conjunta de maquinaria agrícola;
f) Procurar normalizar, na medida do possível, a contabilidade das empresas agrícolas, de molde a permitir uma mais fácil apreciação dos resultados da exploração.

2) Preparação especializada dos empresários e dos trabalhadores agrícolas mediante:

a) Intensificação das acções de vulgarização técnica;
b) Criação de cursos especiais de ensino e de formação complementar, destinados a preparar empresários agrícolas, dirigentes de associações de agricultores e trabalhadores especializados em condições de desempenharem eficazmente as novas funções resultantes da evolução da agricultura.

3) Elevação da produtividade da terra e do trabalho agrícola, para o que se torna necessário:

a) Intensificar a motomecanização, pela concessão de assistência técnica, destacadamente no que respeita a experimentação de máquinas e motores e formação de pessoal especializado; regulamentar e fiscalizar a importação, produção, venda e aluguer de máquinas e alfaias agrícolas, manter e intensificar, dentro das possibilidades da conjuntura financeira, as isenções e a concessão de bónus de preços relativos a combustíveis das máquinas e veículos utilizados nos serviços agrícolas, bem como as isenções e reduções fiscais relativas aos mesmos veículos e aos serviços agrícolas por eles efectuados;
b) Incentivar a reconversão cultural das explorações técnica e econòmicamente inadequadas, de acordo com as directrizes expressas no Decreto-Lei n.º 45 223, de 2 de Setembro de 1963;
c) Conceder facilidades financeiras e de assistência técnica consentidas pelas possibilidades de financiamento para repovoamento florestal, estabelecimento de regadios e melhoramentos fundiários;
d) Regulamentar a associação de interesses do Estado e de outras pessoas colectivas de utilidade pública na exploração de matas instaladas em terrenos de domínio comum dos concelhos ou freguesias;
e) Intensificar os estudos com vista à determinação das existências e potencialidades de produção e das possibilidades da sua colocação nos mercados interno e externo, a curto e a longo prazo;
f) Definir as providências adequadas à intensifificação das explorações quando os agricultores não alcançarem os índices normais de produção.

4) Aperfeiçoamento contínuo e rentável das técnicas, pela adopção das seguintes providências:

a) Aumento da eficácia da investigação e da experimentação aplicadas e mais intensa colaboração entre a Universidade e os serviços ou organismos em que essa investigação e experimentação se realiza;
b) Intensificação do esforço de difusão entre a lavoura dos resultados da investigação e da experimentação, a fim de que possam ser utilizados na resolução de problemas concretos da agricultura portuguesa.

5) Melhoria das condições de comercialização e de industrialização dos produtos agrícolas, a qual implica, entre outras, as seguintes actuações:
a) Promover a concentração da procura e da oferta num número limitado de pontos, providos de instalações adequadas e de meios de informação que tornem as condições do mercado mais acessíveis ao conhecimento do público;
b) Rever o funcionamento dos circuitos de distribuição de alguns produtos agrícolas. Neste domínio encontram-se em estudo ou já em vias de publicação diversos diplomas legais;
c) Incentivar a normalização dos produtos agrícolas, de modo a promover a celebração dos contratos a prazo e facilitarem-se as vendas por amostras;
d) Criação de centros de selecção, transformação, embalagem e conservação de produtos agrícolas e de aproveitamento de subprodutos;
e) Melhorar e fiscalizar as condições de transporte de grande parte dos produtos agrícolas;
f) Incentivar o agrupamento de produtores, sob a forma de cooperativas ou de outras associações, com vista à comercialização e à transformação de produtos agrícolas, sempre que tal medida se torne necessária. Importa, por outro lado, definir claramente o âmbito das atribuições destas associações agrícolas e o seu enquadramento na orgânica corporativa;
g) Melhorar as condições de industrialização dos produtos agrícolas e incentivar a construção de unidades industriais, convenientemente dimensionadas e localizadas, capazes de contribuir, de maneira decisiva, para um melhor aproveitamento da produção e contrariar, em grande parte, as variações estacionais da actividade agrícola. A instalação de algumas destas unidades teria ainda o efeito de quebrar o estado de relativa apatia em que se encontra a lavoura em relação ao lançamento de novas culturas e produções, contribuindo assim para a maior adesão dos empresários agrícolas ao desenvolvimento do sector.

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6) Finalmente, importa rever as condições de concessão de crédito agrícola, designadamente no que se refere aos seguintes aspectos:

a) Concessão selectiva de crédito, tanto quanto possível, em função dos objectivos fixados aos planos globais ou regionais de desenvolvimento económico do País;
b) Definição de uma escala de prioridade, a rever periodicamente, à qual deve subordinar-se a concessão dos empréstimos do Fundo de Melhoramentos Agrícolas;
e) Revisão das condições respeitantes a taxas, prazos e garantias dos mesmos empréstimos.

54. Os investimentos discriminados no projecto de plano são os que constam, resumidamente, do enunciado que segue (Actas, cit., p. 607):
Resumo dos investimentos prioritários programados para a agricultura, silvicultura e pecuária no período de 1965-1967

Contos
A) Investimentos de maior e mais rápida Reprodutividade......................... 751 000
1) Fruticultura, horticultura e floricultura............................ 150 000
2) Fomento pecuário..................... 290 000
3) Assistência técnica e extensão....... 10 000
4) Sanidade das plantas e dos animais... 86 000
5) Armazenagem de produtos.............. 140 000
6) Melhoramentos agrícolas.............. 75 000

B) Investimentos para a intensificação Racional................................1 138 000
1) Hidráulica agrícola.................. 386 000
2) Povoamento florestal................. 370 000
3) Reestruturação da vitivinicultura.... 3 000
4) Reorganização da estrutura agrária... 165 000
5) Motomecanização da agricultura....... 6 000
6) Correcção e conservação do solo...... 5 000
7) Cooperativas e outra associações de produtores.............................. 203 000

C) Investimentos para a valorização rural 940 000

1) Viação rural......................... 420 000
2) Abastecimento de água das populações rurais.................................. 160 000
3) Electrificação rural................. 360 000
Total.............................2 829 000

55. No parecer sobre o II Plano de Fomento, no capítulo respeitante à agricultura, depois de historiar as insuficiências que haviam marcado o I plano nesta matéria, e recordados os antecedentes da extensa e profunda análise à agricultura nacional, produzida em 1958 - o projecto de lei de fomento rural de Oliveira Martins em 1887 e a proposta de lei de organização rural apresentada por Ezequiel de Campos em 1925 -, escreveu-se o seguinte, como que a antever a execução de quanto era clarividentemente proposto ao abrigo desse II plano:

Isto nos abre o caminho à esperança de que, ao aproximar-se o ano de 2000 - a respeitar-se o período -, não virá reaparecer, como um cometa periódico, nova proposta de estrutura agrária a acusar o nosso tempo de Ter deixado sem tratamento os males que aponta a estrutura actual (1).

As reformas ou tentativas de 1958 não foram avante; o produto agrícola continuou a crescer a +1,2 por cento ao ano; e agora, uns cinco a seis anos depois, aparece uma nova proposta de renovação da política e de estrutura agrária, mas desta vez em perfeita obediência cronológica aos 38 anos de periodicidade. Às vezes, as questões sociais e económicas também seguem leis «exactas» - sirva de ensinamento a quem participou dos ensaios lançados durante o II Plano.
Parece, pois, ser este o momento para conceber uma autêntica política agrária - vamos a ver se também para a lançar e para lhe colher os frutos. Deparam-se no texto do Governo elementos amplos, e que se vê andarem fundamentados, para apoiar essa política. E não se quer passar à discussão, em pormenor, dos projectos apresentados sem marcar uma atitude de princípio acerca da problemática da agricultura nacional - atitude que ainda é a que a Câmara consignou no parecer de 1958:

Em verdade ao olharmos a nossa agricultura, encontramo-nos talvez perante o ponto fraco de maior projecção dentro da nossa estrutura social, em rente da parcela de trabalho cuja melhoria de produtividade terá influência mais nítida e mais geral no nível da vida portuguesa.
Nenhum ciúme, nenhum desgosto, sentem as restantes actividades pelas atenções que à agricultura se dediquem. É grande, é nobre, é antiga, é o ministério que nos dá de comer; aquilo em que ela melhore a todos nos favorece. Esse favor ninguém lho discute, mesmo quando se caminha, como hoje caminhamos para uma rápida e necessária industrialização; só se condiciona este primado da agricultura com a reserva de que o esforço de adaptação e de eficiência que o social e o económico exigem de todos os sectores não lho podemos dispensar a ela (1).

Há no parecer agora apresentado pela secção de Lavoura abundantes e esclarecedoras elementos acerca das exigências que o mundo actual põe à agricultura. Não consegue tirar-se outra conclusão, lendo esse texto, a não ser que a vida agrária do nosso país ou se transforma radicalmente e em curto prazo, ou morre - quando muito com o lenitivo de não morrer sòzinha.

56. A expansão do produto agrícola vem sendo extremamente lenta, não sustentando qualquer confronto com a evolução dos sectores das indústrias transformadoras e dos serviços. Lenta e também oscilante, com flutuações no decénio que vão de - 5,3 por cento no ano de 1958 até +11 por cento em 1962 (mas parece que há forte correctivo a operar sobre este último número, embora seja o do projecto de plano). Oscilações e lentidão que ainda são marcadamente salientes em culturas como as cerealíferas, as leguminosas, os vinhos e aguardentes.
Ao declínio relativo da produção aliam-se a redução não só relativa, mas também absoluta do emprego -
___________________

(1) Parecer já citado (Câmara Corporativa, Pareceres, VII Legislatura, 1958, p. 381).

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quase 100 000 activos menos entre 1953 e 1962, e o movimento acentuou-se, sobretudo, nos últimos anos. O capital não aflui, pelo menos o capital aplicado em fins reprodutivos: a formação bruta de capital fixo cresceu a .2,3 por cento ao ano no decénio, quando no conjunto da economia (nacional avançou a 8,5 por cento.
De tudo resultam dificuldades de abastecimento interno quanto a certos produtos que vão directamente para consumo ou que sofrem transformações em sectores intermediários! produtivos - pois parece que abundam as interferências intermediárias menos produtivas. E também resulta a fraca contribuição para a exportação, com o ritmo de aumento médio anual de 1,25 por cento.
Esta é a situação económica do sector agrário e a evolução que vem sofrendo numa época marcada por incontestável e seguro progresso das restantes actividades da nossa economia. Mas nem vale a pena referir os perigos que podem surgir, por esta disparidade, em termos de economia e de estrangulamentos no abastecimento de matérias-primas de base e de carência de mercados ou desaproveitamento dos que só existem potencialmente nos 5 milhões de portugueses ligados directamente à terra. E não vale porque sobre esta deficiente situação económica estão gritantemente salientes - de modo que é o Governo a vir mostrar as suas preocupações com ela - um desequilíbrio e uma enorme injustiça social.
O fenómeno não é apenas português, antes universal; e por isso há inspiração a colher, para as mossas soluções, na multiplicidade de experiências dos mais variados países, sobretudo quando possa colher-se delas uma súmula decantada à luz dos princípios fundamentais de respeito pela pessoa humana. E a lição observada é a da transformação das técnicas e das culturas, da estrutura das empresas e das intervenções do Estado, do número de agricultores e, mais do que tudo, da sua mentalidade.

57. Importa, pois, estabelecer o confronto desta situação da agricultura com os objectivos que se apontam no projecto de plano à política a desenvolver no sector; ao mesmo tempo hão-de examinar-se as relações entre esses mesmos objectivos sectoriais e os objectivos gerais do Plano, pois estes concretizam-se - e ganham, portanto, verosimilhança e realismo - nesses desdobramentos sectoriais.
O aumento do produto agrícola é o primeiro objectivo que se aponta no projecto; ninguém dirá que não é concordante, seja com as necessidades do sector, seja com o objectivo geral de expansão da economia nacional. Todavia, ao apontar esse objectivo geral houve o cuidado de ser preciso: aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional, precisamente o que se não diz, nem se projecta, para o produto agrícola. Há que ser claro.
O texto governamental, mais de uma vez, alude a razões para esta impossibilidade de aceleração de ritmo na agricultura, silvicultura e pecuária; assim, escreve-se: «a curto prazo, porém, a aceleração de ritmo de crescimento do produto agrícola resultante de tais transformações não poderá deixar de ser necessariamente moderada». Todavia, não ficam bem definidas as razões, a não ser, porventura, quando se afirma que as características do sector «não nos permitem esperar que seja muito rápido o ritmo de crescimento do investimento agrícola nos próximos anos»; ou ao escrever não ser provável «que possa operar-se uma apreciável expansão no ritmo das exportações de produtos da agricultura»; e ainda quando se diz que «da adesão da lavoura aos objectivos preconizados e da colaboração entre esta e o sector público dependerá, em larga medida, a aceleração do ritmo de crescimento que virá a processar-se no sector agrícola». Parece poder concluir-se que não se
projectam avanços mais ousados, porque isso dependeria de maiores investimentos e esforços de exportação do sector privado, e não está assegurado que se verifiquem tais variações.
O segundo e o terceiro objectivos apontados ao sector confundem-se, parece: elevação do nível de vida das populações rurais e valorização económica e social das regiões menos evoluídas - que são, exactamente, as rurais, e cujas populações melhoram o seu nível de vida com esses esforços de valorização. Seja como for, correspondem tais intenções a objectivos gerais do Plano e a problemas fundos do sector. O que não há é, em todo o imenso articulado de medidas já atrás reproduzidas, uma única que se dirija a estes fins, a não ser indirectamente. E ponto para que se reclama a atenção, tanto mais que no texto do relatório (e já não no articulado de medidas de política), e entre os próprios projectos enumerados, há coisas a reter e a justificar em função precisamente destes objectivos: fala-se sobre desenvolvimento regional; aparece todo o grupo dos «investimentos para a valorização rural»; e escreve-se mesmo «sob o ponto de vista social, importa proceder à gradual revisão das condições de trabalho e de previdência social no campo, de forma que o trabalho agrícola deixe de ser encarado como uma actividade em situação de inferioridade em relação às outras ...», e logo adiante «... assegurando uma distribuição equitativa dos rendimentos gerados pelos diversos factores intervenientes na produção agrícola».
Importa - e confia-se em que será feito na redacção definitiva do Plano - é transformar estes propósitos numa política, o que implica a preparação e adopção de medidas concretas.

58. Não é intenção da Câmara examinar pormenorizadamente todos os projectos sugeridos pelo Governo: faltam-lhes dados suficientes, meios técnicos de trabalho e tempo; e constituiria duplicação relativamente ao quê se contém no parecer da secção de Lavoura. Mas também se acredita que nem é isso que se espera do parecer, nem o que realmente conviria que daí viesse. Apenas algumas ideias básicas sobre o espírito em que vai fazer-se a apreciação, a juntar a outras ideias gerais que já ficaram atrás (n.º 51).
Primeiro: considera-se assente que se discriminam apenas alguns projectos de cada sector, projectos de particular relevância, mas sem que isso signifique que o Plano é apenas esse conjunto, ou que esses são prioritários relativamente aos que não se. discriminaram. Isto mesmo se discutiu e assentou na apreciação na generalidade (§ 6).
Segundo: discriminar projectos não é o mesmo que apresentar todos os elementos sobre eles - e a reserva vai, sobretudo, para os elementos financeiros, quer o valor a despender, quer as fontes de cobertura.
Terceiro e último: no caso particular da agricultura, silvicultura e pecuária vai dar-se relevo - sugerindo a discriminação no Plano - a certos projectos de reduzido porte, até financeiro; liga-se essa posição com a natureza de tais projectos, que são dirigidos ao estudo, experimentação e contrôle de soluções para problemas de fundo, pois pareceu que a estratégia procurada pelo Governo para o fomento do sector envolvia muito de experimental neste triénio de transição, com vista a acções mais amplas no plano seguinte; e há que ter base para essas acções mais amplas.

59. Compendiam-se no mapa que segue os projectos que se entende devem aparecer discriminados no capítulo relativo à «Agricultura, silvicultura e pecuária».

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Programa do sector Agricultura, silvicultura e pecuária

[Ver tabela na imagem]

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Em relação à lista apresentada pelo Governo, não se discriminam vários projectos no valor de 68 000 contos, e transferem-se para um capítulo final (§ 18.º) empreendimentos agrupados na rubrica «Investimentos para a valorização rural»: viação, abastecimento de água e electrificação rural, tudo soma 940 000 contos. Vêm comentários suficientes no parecer da secção de Lavoura que explicam a arbitrariedade da inclusão deste tipo de projectos no capítulo «Agricultura»; mas dir-se-á alguma coisa mais ao retomar o assunto no último capítulo do parecer (§ 18.º).
Além disso, não se contou a verba de 75 000 contos para reforço do Fundo de Melhoramentos Agrícolas, pois não se considera claro que sega esse o volume de investimentos a fazer, o mesmo acontecendo quanto ao Fundo de Fomento Florestal e Aquícola (contaram-se 300000 contos do plano de povoamento florestal, e não as outras verbas menores). Finalmente, não quis deixar de referir-se o valor de 100 000 contos que se admite venha a corresponder ao desenvolvimento da motomecanização.

60. Para fechar este capítulo referente à agricultura, silvicultura e pecuária convém estabelecer um confronto sintético, mas que vá desde o enunciado das medidas de política económica aos projectos, e destes às projecções, aos objectivos e ainda às necessidades, exigências e carências que podem pressentir-se no sector.
A primeira impressão que se colhe confrontando medidas de política e projectos concretos é que se foi bem mais longe naquelas do que nestes; não é rigorosamente um defeito, se houver desejo e capacidade para avançar imediatamente pela formulação de novos e imperiosos projectos e acções.
Pode dizer-se que as medidas da rubrica «1) Estruturação de uma agricultura fortemente empresarial...» encontram correspondência sobretudo nos projectos da Junta de Colonização Interna, havendo já um dispositivo legal que responde a algumas das alíneas enunciadas; o título é que parece demasiadamente ambicioso.
Quanto à rubrica «3) Elevação da produtividade da terra e do trabalho agrícola» depara-se um número importante de projectos, ainda alargado se aí incluirmos os da hidráulica agrícola. Em todo o caso, levantam inquietação as alíneas e) e/), pois nada se aponta de concreto acerca das entidades que vão cumprir as missões indicadas e dos métodos que vão seguir.
Quanto à rubrica «5) Melhoria das condições de comercialização e de industrialização dos produtos agrícolas», apenas se encontra o projecto da armazenagem e, porventura, alguma coisa do projecto relativo às cooperativas. Mas nada garante a instalação das «unidades industriais, convenientemente dimensionadas e localizadas, etc., da alínea g); até a redacção dessa alínea soa a vazio.
Restam três rubricas: uma sobre preparação especializada de empresários e trabalhadores, outra relativa à investigação e difusão técnica (1), a última sobre crédito agrícola. Por junto, a preencher tal sistema de intenções de política, aparecem: os projectos-piloto dos centros de gestão e explorações de demonstração e também os que se destinam a reestruturar a vitivinicultura e a ensaiar e difundir a motomecanização (por isso demos o maior relevo aos 19 000 contos, que é quanto somam estes três projectos-piloto); o pequeno aumento de dotação do Fundo de Melhoramentos Agrícolas; e umas referências nos projectos de reorganização de estrutura agrária e de cooperativismo. Todavia, estão em causa os factores trabalho e capital, como diriam os clássicos - e já eles ensinavam que não é aconselhável querer produzir apenas com o factor terra. Isto apenas na análise das relações política-projectos.

61. Dos projectos para as projecções levanta-se um hiato, que não é fácil preencher. Não é tanto o volume total dos financiamentos que está em causa; o que impossibilita qualquer análise é a falta de tradução «física» da maioria dos projectos apresentados, que vêm - e parece hábito antigo, de quando os planos de fomento eram oportunidade para obter verbas - expressos só em milhares de contos.
Lamenta-se, sobretudo, que não tivesse sido feita qualquer tentativa de estimar projectos do sector privado; e certamente que os há. Até no caso dos «Melhoramentos agrícolas», onde se propõe o reforço do respectivo Fundo com mais 75000 contos, transparece apenas a preocupação financeira; mas o que importava era uma avaliação dos investimentos que, presumivelmente, irão fazer-se no triénio recorrendo a esse Fundo - e não deve ser difícil chegar a essa estimativa analisando as tendências passadas, contendo-se no parecer da secção de Lavoura valiosos elementos elucidativos de acção cumprida ao abrigo da lei dos melhoramentos agrícolas (n.º 26 desse parecer subsidiário).
Já ficaram algumas notas, mais atrás, acerca da relação entre os objectivos sectoriais e os objectivos gerais do Plano. Mas não se esgotou esse tema, pois há os «objectivos-condições» no preâmbulo ao texto do Governo, e também haverá, por outro lado, que ver os projectos em função das exigências autênticas da agricultura nacional.
Ora, se é verdade que nunca poderia levar-se a previsão e estudo e a consequente decisão até ao ponto de garantir perfeito equilíbrio entre procura e oferta de produtos agrícolas fundamentais até 1967, evitando crises e tensões inflacionistas (a «manutenção da estabilidade financeira interna»), também parece certo que na fase preparatória do Plano nem um passo foi dado ou uma linha de estudo feita a tender nesse sentido.
Também não está claro como se vai contribuir para a «solvabilidade externa da moeda» quando podia ter-se pensado e escrito que a certos projectos gerais de fomento agrário, florestal ou pecuário andavam ligadas análises concretas e a edificação de estruturas de exportação, que não se montam de repente; também valerá a pena considerar as relações dessas campanhas de fomento e de sanidade e, sobretudo, os projectos de mecanização da vinha e de motorização da agricultura com as capacidades a desenvolver na indústria nacional para fornecer produtos intermediários e equipamentos e para vir a transformar matérias-primas que se passe a produzir. Porque não é certo que o cumprimento da medida 3.a), onde se trata da motomecanização, venha a jogar em favor da produção nacional - terá que haver uma intenção deliberada nesse sentido.
Finalmente, não há em todo o estudo sobre a agricultura uma palavra de relação metrópole-ultramar.
Tem-se discutido no País os êxitos de Badajoz, na Espanha, e da Grécia ou da Turquia - mas lá produzem algodão e tabaco; quanto ao açúcar de beterraba no continente, ou ao milho do ultramar, podem suscitar-se também problemas sérios de descoordenação. Todavia, tais temas não estão analisados, embora o que se está a apreciar tenha sido «concebido como um plano coordenador dos diversos programas elaborados para cada um dos territórios integrantes da Nação», segundo se lê no projecto.

(1) No capítulo respeitante ao «Ensino e investigação» retomar-se-á o assunto.

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§ 10.º Pesca

62. Os elementos de programação no sector das pescas apontam para os seguintes valores:

a) Produto interno originado na pesca:
Meta para 1967: 1 X 109 escudos de 1958.
Variação anual: +3,7 por cento.

109 escudos
de 1958
b) Formação bruta de capital fixo:
Em 1965........................... 0,15
Em 1966........................... 0,15
Em 1967........................... 0,15
1965-1967......................... 0,45

Os objectivos básicos para o sector são definidos em termos de desenvolvimento quantitativo da produção, para melhorar as dietas alimentares das populações do interior do País e para incrementar a exportação, em natureza e em conserva; mas reconhece-se que este esforço terá de ir a par com a melhoria da qualidade e das condições de distribuição. Tudo sumariado, vêm os seguintes objectivos, que constituem, a antevisão de um programa para actuar:

Reorganização da estrutura do sector e das próprias empresas armadoras;
Orientação das capturas - e correspondentes meios - para pesqueiros longínquos;
Preparação profissional dos pescadores e desenvolvimento da investigação científica e dos meios técnicos de pesca;
Equipamento das frotas e dás infra-estruturas terrestres de modo a garantir a conservação e boas condições de distribuição;
Racionalização dos circuitos de distribuição;
Promoção das exportações.

63. Em concreto, vêm no projecto as seguintes medidas de política das pescas e a lista de investimentos prioritários que se reproduz a seguir (1):

a) Directrizes da política de pescas:
Estudo das imposições fiscais de modo a evitar discriminações entre o peixe nacional e o importado, e que estão a derivar de acordos internacionais;
Apoio do Estado à indústria da pesca;
Necessidade de reorganizar as estruturas do sector e das empresas e melhoria do equipamento científico e técnico;
Adopção de medidas com vista à racionalização dos circuitos de distribuição interna e à promoção das exportações.
b) Resumo dos investimentos programados para 1960-1967:

Pesca do bacalhau:
Contos
Construção de três arrastões de 2800 t AB......................... 102 000
Substituição e melhoramento do equipamento dos arrastões em serviço.......................... 16 670
Pesca de arrasto:
Construção de um navio transportador frigorífico de 3000 t AB......... 35 000
Construção de quatro arrastões costeiros, de aço, de 150 t AB... 24 800
Transporte................. 178 470

A transportar.............. 178 470
Construção de dois arrastões lagosteiros, de madeira, de 300 t AB......................... 20 000
Transformação de cinco arrastões do alto em congeladores.......... 24 000
Construção de dois arrastões congeladores para crustáceos de 130 t AB......................... 8 670

Pesca da sardinha:
Substituição de velhas traineiras por novas unidades de 50 t AB; reconstrução e melhoramento do equipamento...................... 5 340

Pesca do atum:
Construção de quatro atuneiros oceânicos para 100 t de carga..... 28 000

Ostras e outros bivalves:
Parques de criação e engorda e instalação de afinação............ 800

Pesca local:
Motorização, melhoria de equipamento e reparação de embarcações........ 7000

Comercialização do pescado - Instalações frigoríficas e de venda em:
Matosinhos........................ 12 670
Figueira da Foz................... 1 470
Lisboa............................ 8 000
Funchal (Madeira)................. 4 000
Horta (Açores).................... 5 340

Apoio à pesca longínqua - Equipamentos para congelação e armazenagem do
pescado........................... 14 400
Total....................... 318 160

64. A obra que tem sido feita no sector da pesca é das mais interessantes - pela visão larga, persistência e continuidade, preocupação social sem quebra do equilíbrio económico e capacidade de chamar à colaboração os vários interesses, em vez de a eles se sobrepor.
Ainda em plena 2.ª guerra mundial, iniciou-se a política de modernização do sector da pesca, intensificada ao abrigo dos planos de fomento, designadamente pela criação em 1953 do Fundo de Renovação e Apetrechamento da Indústria da Pesca. Cumpriram-se, por excesso, os programas dos dois primeiros Planos, e sente-se que novamente se está a delinear um programa de continuidade.
Pode ser essa continuidade, no entanto, o ponto mais fraco do programa em apreciação, pois o mundo da pesca e das fainas do mar e de terra com a pesca relacionados como que sofreu uma mutação nos dois últimos decénios - por efeito do progresso técnico.
Na busca contínua de novas fontes de alimento para uma população mundial em aumento espectacular, lançaram-se as frotas dos países mais evoluídos tecnicamente para zonas dos oceanos até agora praticamente inexploradas; tais zonas situam-se longe dos grandes centros de consumo, mas o desenvolvimento simultâneo das técnicas de prospecção e captura, por um lado, levando a índices de produtividade insuspeitados, e das técnicas de transformação em navios-fábrica e de transporte demorado em navios frigoríficos, permitiu modificar até ao presente o panorama geral da actividade piscatória, prevendo-se avanços ainda mais salientes nos próximos decénios. Alemães, Russos e Japoneses têm estado na vanguarda deste esforço de transformação de uma estrutura arcaica, pelo recurso à

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investigação e às técnicas contemporâneas; e nem será sempre para se dedicarem a actividades diferentes das piscatórias que os navios-fábricas russos aparecem pelos mares angolanos, por exemplo, mas sim porque há aí riquezas de pescado ainda não prospectadas pelos próprios Portugueses.
O texto do Plano dá aberturas para estes tópicos, mas não se crê que tenham sido levados às consequências para que orientam.
Efectivamente, há como que uma contradição entre a análise e os objectivos enunciados e a programação que efectivamente se apresenta. Basta citar, em sequência dos objectivos que já se transcreveram e que são claros e parecem correctos, uma nota que introduz a lista dos investimentos prioritários: «atribui-se prioridade aos empreendimentos susceptíveis de fornecer as bases em que assentarão futuros e mais vastos planos de desenvolvimento» - o que quer dizer se preferiram as infra-estruturas científicas e técnicas (como se diz logo abaixo) no presente esforço de readaptação. Pois não há disposições efectivas de política nem investimentos projectados que se possam considerar dirigidos à investigação científica e tecnológica, nem à preparação do novo tipo de pessoal que há-de passar a ser requerido.
«Far-se-á o possível para equipar essas escolas (as elementares e a profissional), de modo que elas possam corresponder às crescentes necessidades»; «prevê-se a construção de um navio de pesquisas que completará, nu mar, a investigação básica realizada em laboratório»; e como «a realização desta e de outras iniciativas que se afiguram susceptíveis de contribuir valiosamente para o progresso tecnológico das pescas fica condicionada à conclusão dos projectos respectivos e às disponibilidades financeiras», não se inclui entre os «investimentos prioritários», nem o navio, nem a preparação técnica de pessoal. Errado.
A Câmara considera da maior importância a modificação do projecto do Governo no sentido que ficou apontado, sob pena de tender para o afundamento um sector a que isso não convém, pois tem tradições e, o que é mais, em que se antevêem boas possibilidades futuras desde que se faça urgentemente o esforço de inserção nas tendências que surgiram e se desenvolvem fulgurantemente pelo Mundo.

65. Por se sentir que já estão enquadradas nesta linha de pensamento, a Câmara dá o seu aplauso a determinadas orientações concretas respeitantes ao programa de construções apresentado.
Assim, a construção dos três arrastões para o bacalhau refere-se a unidades de bom porte, de arrasto pela popa e equipadas com instalações de congelação, farinação e extracção de óleos. No ramo da pesca de arrasto inclui-se um navio transportador frigorífico e a transformação em congeladores de cinco unidades existentes, prevendo-se ainda o estabelecimento das bases frigoríficas necessárias para o indispensável apoio, já a partir de 1965..E no ramo da pesca do atum decide-se a construção de quatro atuneiros para 100 t, a trabalhar em mares longínquos - o que se torna possível através da constituição de empresas armadoras convenientemente dimensionadas para um programa de fôlego.
O facto de não se discriminar a apreciação dos restantes empreendimentos do projecto não significa desacordo ou menos apreço; significa, sim, que não vale a pena gastar tempo a justificar necessidades evidentes - como a renovação de equipamentos, a construção de lagosteiros ou congeladores para crustáceos, a montagem de parques para as ostras, o apoio (de tão grande alcance social e humano, com incidências económicas locais) à pesca «artesanal» e a expansão de instalações frigoríficas e de venda.

66. O mapa com os projectos que a Câmara entende deverem aparecer discriminados é o seguinte:

Programa do sector Pesca

[Ver tabela na imagem]

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67. Não convencem as medidas de política sectorial apresentadas. Primeiramente, na justificação que as antecede, colhe-se a desagradável impressão de sempre, ao ler textos em que os sectores de actividade nacional culpam o estrangeiro das consequências da falta de produtividade, iniciativa e coordenação nacionais. E ainda não anda perfeitamente claro que interesse teriam os grandes países estrangeiros em exportar peixe e tudo o resto sempre abaixo do custo - ou serão peculiares a Portugal as leis da economia e as boas regras da administração das empresas?
Mas a crítica mais séria dirige-se ao próprio conteúdo das medidas: afinal, nada se avança relativamente ao enunciado de objectivos, até se considerando esse mais esclarecedor. Como vai reorganizar-se a estrutura do sector e das empresas, por mera dinâmica interna ou por efeito de estímulos estaduais - e, nesse caso, quais? Qual é o tipo de intervenções e estruturas pensadas para assegurar a racionalização dos circuitos de distribuição em que se fala lia tantos anos? Qual é a estrutura fomentadora da exportação e com que meios e sob que orientações concretas vai trabalhar? Tudo isto para não retomar os outros pontos já referidos da investigação, preparação técnica do pessoal e equipamento das frotas, este último ainda o mais encaminhado, como se viu, ao menos a prazo imediato.
A Câmara sugere ao Governo que este problema de concretização, desde já, da política sectorial mereça a maior atenção: não estão em causa adaptações da linha que até agora foi seguida; o que se impõe é a preparação de uma profundíssima alteração - pois as condições tendem a ser radicalmente diversas e a prazo muito curto.

§ 11.º Indústria

68. O sector da «indústria» é tão largo e variado e oferece uma problemática tão densa em todos os países, em especial naqueles que, como Portugal, estão lançados num processo de industrialização ainda a correr suas primeiras fases, que se considerou indispensável dividi-lo em subsectores nos trabalhos preparatórios do Plano e na apresentação formal das projecções. Essa mesma subdivisão vai ser seguida agora neste resumo dos números básicos projectados:

[Ver tabela na imagem]

(a) Este valor e os das cinco alíneas seguintes referem-se a formação de novo capital fixo.

69. Em matéria de definição de objectivos sectoriais não é uniforme quanto se contém no projecto de plano a respeito dos diferentes sectores; neste caso particular das indústrias, subordinou-se ao título «Objectivos do Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967» a apresentação das projecções já atrás resumidas nos seus números essenciais. Nota-se que nem sempre assim foi feito, mesmo para outros capítulos do projecto que também vieram do Ministério da Economia ou dos grupos de trabalho que se moveram no seu âmbito - mas na mera divergênciade critérios não é razão para considerar errada seja uma seja outra das orientações».
Não vai explicar-se aqui a metodologia dessas projecções, aliás já sumariada na apreciação na generalidade (§ 4.º) e exposta no projecto em redacção de quem estaria mais dentro do assunto. Apenas interessa verificar se há concordância entre os objectivos ou metas que se impuseram a essas projecções e os objectivos gerais do plano; e vê-se que a aceleração do crescimento se respeitou e também a melhoria média do nível de vida (tanto pelo aumento das produções para consumo, como pelo aumento da produtividade do trabalho); a absorção de trabalhadores apresenta-se em volume razoável; o equilíbrio interno entre procuras e ofertas sectoriais parece tratado sem gravames perigosos para a situação perante o exterior; e apenas quanto à contribuição para maior equilíbrio de desenvolvimento regional não é clara a posição - as palavras do texto jogam num sentido equilibrador, mas os cálculos a que se procedeu sobre a repartição regional dos empreendimentos antevistos não pareceram de molde a sossegar e de qualquer modo não se encontram no projecto.

70. Constitui inovação no planeamento português o modo como aparecem tratados neste capítulo da indústria os investimentos a realizar. Até já se fizeram contas a mostrar que 14,8 milhões em relação a um total de 34,4 milhões de contos constituíam uma proporção desmesurada e injusta em relação a outros sectores (para uns), ou congruente com as necessidades imperiosas da industrialização (segundo outros). Não é o momento para discutir estratégias de desenvolvimento, concedendo-se desde já que a virtude deverá estar fora das posições extremistas. Mas sempre convém repisar que as contas sobre os números indicados nada significam; o que pode calcular-se é o peso do investimento industrial no total projectado para formação de capital fixo (15,8 milhões sobre 53,3 milhões de contos de 1958), o que dá 30 por cento. O mais é poesia, e da má.
Mas o que importa reter é a relação - e a diferença conceptual profunda - entre dois números de investimento industrial que andam pela mesma ordem de grandeza.
Por um lado, há as projecções, e temos os 15,8 milhões de contos. Por outro lado, há o total dos investimentos indicados pelos próprios sectores como prováveis, e indicados em resposta a pedidos de informação acerca de projectos em andamento ou em idealização até 1967 (1).
Trata-se de números independentes do trabalho técnico de projecção, não devendo até esquecer-se que a formulação do plano, com as perspectivas que apresenta aos meios industriais portugueses, contribuirá para alterar as perspectivas até este momento havidas. Seja como for, um qua-
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(1) Nesses números já não há referência ao sector da construção, por não ter existido, na orgânica preparatória do plano nenhum grupo ou comissão dedicado ao seu estudo. Foi uma omissão grave.

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dro comparativo, que também consta do projecto, esclarece acerca dos desequilíbrios entre previsões da indústria e programação (tomando esta como referência):

Carência de projectos:

Têxteis, vestuário e calçado .......... 0,75
Produtos minerais não metálicos ....... 0,73

Equilíbrio:

Transformadoras diversas .............. 0,92
Alimentação e bebidas ................. 1,09

Excesso de projectos:

Extractivas ........................... 1,39
Metalúrgicas e mecânicas .............. 1,45
Químicas e petróleo ................... 1,91

A que pode servir este confronto? Di-lo expressamente o texto governamental, e com exemplificações que se julgam concludentes (1):

Relativamente aos sectores onde se manifesta a carência de projectos, terá de cuidar-se particularmente da promoção de iniciativas. Deve sublinhar-se que nos têxteis, vestuário e calçado se prevê largo aumento de exportações, e ter na devida conta que a carência de projectos no sector de produtos minerais não metálicos, pelas extensas ligações intersectoriais deste sector, pode perturbar sèriamente o processo de desenvolvimento.
Quanto aos três sectores onde aparece excesso de projectos, deve registar-se que decisões importantes já tomadas (caso da construção naval e da refinação de petróleo), ou perspectivas favoráveis sentidas pelos industriais (caso das extractivas) explicam, em parte, o afastamento do valor do investimento que resulta dos projectos apresentados em relação ao valor do investimento programado. Trata-se, porém, repete-se, de simples estimativas, que poderão ir sendo corrigidas ano a ano.

O mais que se faz no projecto para diante, em matéria de informação sobre investimentos, é desdobrar os números sectoriais por indústrias - mais uma vez, os números do inquérito realizado junto das empresas e serviços de indústria.

71. As medidas de política industrial vêm apresentadas no projecto também em dois níveis de agregação diferentes. Há, por um lado, críticas ao que se tem feito e à situação presente, ou sugestões e propostas para futuro - tudo elaborado e apresentado pelas próprias indústrias, em cooperação com os seus organismos associativos e com a ajuda técnica dos departamentos oficiais especializados. E há, por outro lado, uma linha geral de orientação da política industrial, formulada na Secretaria de Estado da Indústria e abordando apenas alguns tópicos, ainda que fundamentais; em geral, anuncia-se a promulgação próxima de novas leis nesses domínios da política, circunstância que aconselha a atentar um pouco no caso, mesmo antes de virem tais leis.
Convém ainda recordar, da apreciação na generalidade deste parecer, que há medidas de política industrial e bem importantes noutros capítulos que não o da indústria, pròpriamente: medidas fiscais, de formação profissional e de emprego, de investigação aplicada. E há outras que sómente foram afloradas e a que a Câmara atribui tal importância que fez corresponder a essas ligeiras anotações do projecto autênticos delineamentos de acção renovadora a empreender (caso das relações de trabalho na empresa).
A descobrir alguma ideia de fundo, comum a todas as medidas de política industrial apresentadas no respectivo capítulo, crê-se que só poderá ser a de incapacidade actual da «incipente estrutura industrial portuguesa» para resistir ao crescente contacto e concorrência internacionais - por força do G. A. T. T., da E. F. T. A., do Mercado Comum e do mais que poderá vir. Pretende-se, assim, trabalhar «de forma que o País venha a dispor em tempo oportuno de um parque industrial que possibilite a competição nos mercados europeus e no próprio mercado interno, apetrechado com unidades bem dimensionadas e especializadas nas produções mais convenientes».

72. O projecto resume a quatro novos diplomas essa linha de política industrial, acrescentando uma importante observação acerca da orgânica necessária para preparar e conduzir a política; reza assim o texto (Actas, cit., p. 620):

Pode concluir-se que a acção económica a levar a cabo no sector industrial se encontra fundamentalmente consubstanciada - para além dos instrumentos correntes de política económica - em quatro novos diplomas legais, um em vias de publicação e os restantes em fase adiantada de preparação, e cuja entrada em vigor se deverá verificar no início do período de vigência do Plano:

Diploma sobre a aplicação de capitais estrangeiros ;
Diploma sobre condicionamento industrial à escala nacional;
Diploma sobre a defesa da concorrência;
Diploma sobre o planeamento da acção económica regional.

Para dar execução à política industrial consignada na legislação referida, reconhece-se que alguns órgãos do Ministério da Economia carecem de ser reajustados.
Em especial reconhece-se conveniente que a um órgão da Secretaria de Estado da Indústria caiba fundamentalmente a missão de planear a actividade industrial no quadro dos Planos de Fomento e ainda a de estudar as medidas de política necessárias à sua execução e os contactos com os empresários nacionais e estrangeiros que hão-de levar por diante as iniciativas julgadas mais favoráveis.

No comentário explicativo sobre a lei de capitais estrangeiros diz-se que se pretende atrair a colaboração de empresas estrangeiras, aproveitando-lhes os capitais, a organização, a experiência e o conhecimento dos mercados internacionais - o que leva a aceitar essa cooperação estrangeira fundamentalmente quando se dirija «a fabricar produtos destinados à exportação e (ou) substitutivos de importações».
Em matéria de condicionamento industrial (à escala nacional) define-se uma orientação: maior liberalização das instalações industriais; mas retém-se logo a liberdade, dizendo que será «orientada e enquadrada, na medida em que, por um lado, se lhe deverão fixar objectivos e prever os seus possíveis efeitos e, por outro lado, terá de ser acompanhada de instrumentos, directos e indirectos, que permitam corrigir os desvios anormais em relação aos objectivos que interessa prosseguir».

(1) Actas da Câmara Corporativa, n.º 65/VIII, de 1 de Outubro de 1964, p. 619.

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Sobre defesa da concorrência esclarece-se que regular o comportamento das empresas é compatível com o abandono do receio acerca da instalação de grandes empresas, pois o que interessa é a sua forma de actuação nos mercados dos produtos ou dos factores, e não o facto de serem grandes. E insiste-se na necessidade da reorganização industrial de certos sectores pelo estímulo à voluntariedade dessa reorganização, mediante acordos de concentração, racionalização ou especialização.
Quanto ao planeamento da acção económica regional anuncia-se a publicação de diplomas favorecendo «a descentralização geográfica da indústria, mediante incentivos à instalação de estabelecimentos fabris em novos pólos ou zonas industriais, a criar nas regiões onde se considere conveniente e viável a montagem das infra-estruturas necessárias à recepção das novas unidades industriais».
Sem dar lugar a uma alínea no sumário de legislação a publicar ainda há referências à acção no campo da organização das empresas: efectivamente, anuncia-se estar prevista a criação do instituto de administração e gestão de empresas, no âmbito do Instituto Nacional de Investigação Industrial.
No domínio tributário, além dos incentivos anteriormente promulgados e agora integrados nos diplomas da reforma fiscal, anunciam-se medidas estimuladoras de determinadas indústrias (têxtil, metalomecânica e de material eléctrico, químicas e transformadoras de produtos agrícolas); tais incentivos têm a ver com a redução da matéria tributável da contribuição industrial e imposto complementar (por aceleração das amortizações e por dedução do montante investido) e com a anulação temporária ou redução de taxa normal da contribuição industrial, e ainda se utilizam do imposto de capitais, da sisa e do imposto do selo - sempre com reduções estimuladoras.

73. Tem sido marcada por êxitos a expansão da indústria no País - ao abrigo de legislação e acção protectora e estimulante, como também) em consequência de determinados eventos -, avultando a pauta e o condicionamento, a inflação da segunda guerra, a legislação sobre fomento de indústrias (especialmente a Lei n.º 2005) e os programas de industrias-base. Cifra-se o êxito na taxa média anual de crescimento de 8 por cento, no emprego a expandir-se a 2 por cento e a produtividade a 6 por cento também ao ano, e conquistando-se novos mercados, internos em substituição) de importações e no exterior, a diversificar uma gama de exportações demasiadamente concentrada, até há pouco, em três ou quatro produções tradicionais.
Diante dos progressos da industrialização não têm faltado vozes menos ousadas ou saudosistas, preocupadas - aliás, bem - com os desequilíbrios de crescimento em desfavor da terra, com o abandono das ocupações rurais, com a concentração em urbes fabris, com as alterações de estruturas mentais e dos valores sociais, com um despertar de inquietações e levantar de problemas a que o próprio progresso vai criando possibilidades de formulação, mesmo quando não os resolva automàticamente. E acabam essas vozes, mais ou menos veladamente, por sugerir se entrave o processo, cortando facilidades ao sector.
Quando essas sugestões ou queixas entroncam em mentalidades e ideologias frontalmente adversas ao progresso, não pode haver grande esperança nas conversões, nem vale a pena gastar esforço em apologética. Para os casos de boa fé - que também os há, e em número, numa sociedade ainda muito fechada ao sentido das transformações científicas, económicas e sociais que agitam o mundo contemporâneo - vale a pena juntar uma ou outra informação a mostrar que nada tem de espantoso o nosso progresso industrial; e que, se há desequilíbrios e problemas graves, provém, não do progresso e da industrialização em si mesmos, mas de os homens nem sempre terem sabido imprimir, nos termos mais convenientes, a ordenação que as transformações sociais requerem.
As informações são estas:

variação média anual
Produção industrial, 1950-1962: percentagens

Mundo ..................................... 6,3
Europa ocidental........................... 5,8
U. E. S. S. e Europa de Leste ............. 11,7
Países não industrializados (de todos
os continentes) ........................... 8,2
Portugal (continente) ..................... 8

Vamos mais depressa do que uma Europa já fortemente industrializada (e o mesmo se poderia verificar em relação aos Estados Unidos, pesando ambos esses grupos no resultado global do Mundo); mas a simples comparação com os países não industrializados já não nos é vantajosa, e nem se apontam outros confrontos.

74. Se o objectivo aceleração do ritmo de industrialização, que as projecções traduzem, encontra justificação nestas considerações, também ele se nos depara a partir do estudo a que já se procedeu das virtualidades de evolução de outros sectores - fundamentalmente a agricultura. E a conclusão é só uma: há que melhorar a terra e as culturas, há desacertos a corrigir na transformação estrutural; mas só a indústria permitirá absorver produtivamente grande parte dos braços que vão chegando à idade de trabalho e ainda muitos daqueles que o sector primário há-de continuar a libertar, para poderem ter uma actividade mais produtiva e uma vida mais digna quantos na terra possam e queiram finalmente ficar.
A questão que está posta, portanto, já não é a de intensificar ou não o .esforço de industrialização, pois a resposta tem de ser afirmativa; por onde importa avançar é pela definição dos caminhos desse fomento industrial, e dos meios a lançar mão para conseguir vencer a jornada. Em linguagem técnica, definido o objectivo, importa estabelecer metas desagregadas e formular as políticas que permitem preenchê-las.
Ao traçado das metas sectoriais dedicou-se, desta vez, grande parte do esforço preparatório do plano para a indústria. Foi um progresso metodológico importante, que a própria Câmara Corporativa tinha já pedido há seis anos - e deram-se as razões que motivaram o avanço de agora, assim como se explicou o processo seguido (n.º 24 deste parecer). Mas não se crê que o estudo de projecção tenha sido levado a termo, nem andam muito claras as linhas de política industrial que com essas projecções deveriam aliar-se. E todo o problema das relações entre objectivos sectoriais, traçado das projecções, orientações e medidas de política e discriminação de projectos que está assim levantado, como se fez nos capítulos anteriores para alguns sectores produtivos e se procurará fazer sistemàticamente para todos.

75. As projecções que se apresentaram para as indústrias já permitiram o confronto com as tendências reveladas internamente e com autonomia pelos próprios industriais, através dos seus grupos de estudo e comissões preparatórias do plano; e esse confronto suscitou orientações para a política industrial - haverá sectores a carecer de estímulos mais fortes, outros até em que conviria, porventura, refrear excessos, corrigindo expectativas

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demasiadamente optimistas. E o trabalho de verificação dos equilíbrios foi feito a um nível de maior, desagregação do que a apresentação agora dada, tendo sido doze (e não apenas seis) os subsectores em que se agruparam as indústrias transformadoras.
Todavia, parece que nem assim se terá ido tão longe quanto era necessário; pois o caso é que um trabalho preparatório da indispensável síntese - o retorno aos industriais e suas comissões dos resultados da programação, do mesmo modo que deles vieram, para corrigir tais projecções, as perspectivas de expansão pressentidas - não foi sequer iniciado; e crê-se que não teria grande êxito, se o fosse simplesmente com os números a que se chegou. Será possível pedir a um industrial que faça a crítica e discuta a verosimilhança de metas apontadas à «indústria» alimentar, ou química, ou mecânica, ou mesmo (descendo ao nível dos doze subsectores), do material de transporte? Não se defrontará a dificuldade grave de cada industrial conhecer ou as conservas de peixe, ou a moagem, ou a cerveja, mas nunca o sector todo «alimentação e bebidas», que é uma construção de gabinete, indispensável, mas desligada do real? E o mesmo quanto aos outros casos.
De modo que a Câmara sugere - para se tirar proveito da linha metodológica ensaiada, construindo resultados susceptíveis da indispensável crítica por parte dos industriais- que se façam projecções ao nível das indústrias, dando a esta palavra o sentido que tem na prática do sector. Não se pensa numa análise «entradas-saídas» exaustiva; mas aconselha-se o traçado de perspectivas de crescimento do consumo aparente e, por aí, da produção, recorrendo às tendências anteriores, ao exame das suas causas e ao provável comportamento dessas mesmas causas no futuro, devendo interessar particularmente a substituição de importações e a abertura de novas exportações; e também se recomenda o estabelecimento de balanços materiais, em matriz, pelo menos para os produtos estratégicos. Parecem dois tipos de trabalho ao alcance do «grupo de programação industrial» que já funcionou para as projecções no âmbito da Secretaria de Estado da Indústria; e precisamente números desses é que mereceriam a crítica vinda dos industriais, pois estariam à sua escala de cálculo.

76. O outro ponto fraco do programa relativo à indústria parece ser o da preparação da política económica.
Efectivamente, por um lado inventariaram-se problemas e defeitos dos sectores, pediram-se sugestões construtivas da política a seguir, partindo daquela que tem sido seguida e da sua crítica. E a resposta do sector privado foi entusiástica, ficando-se com novo conjunto de estudos relativos à situação e necessidades das indústrias nacionais, a juntar ao inventário que podia ter servido quando do II Plano, resultante do Congresso da Indústria.
Pensa-se que essas propostas e essas queixas deveriam ter sido estudadas, analisadas, sintetizadas; passar-se-ia ao confronto com os programas de evolução entretanto quantificados e também por um processo de autêntica colaboração; e pôr-se-ia tudo em equação com as ideias gerais sentidas ao nível mais alto da política industrial. Deste modo, acabaria por se formular um sistema contendo algumas medidas concretas, bem adaptadas a casos prementes, e que nas empresas e indústrias (e, às vezes, nos serviços públicos) ninguém compreende porque não são promulgadas. E a par disso, certamente, também apareceriam as orientações de feição geral, a definir os enquadramentos em que deve mover-se a vida e a iniciativa e liberdade das empresas, pois o sistema quer ser, predominantemente, de intervenções indirectas.
Parece que assim deveria ter sido; como se fez, apenas foi possível chegar-se às orientações muito gerais, ficando tudo o resto «para a actuação corrente da Administração» - e iludindo as expectativas (não se está a dizer-se legítimas ou não, mas som dúvida efectivas) do sector privado, que acreditara na colaboração porque esperava ver-lhe os frutos.
Não duvida a Câmara que ainda é tempo de corrigir: porque nem o Plano está pronto, riem os trabalhas do estudo em conjunto entre departamentos públicos e industriais convém que esmoreçam depois deste ensaio. Mas é preciso é prosseguir pelo caminho conveniente.

77. Por constituírem o resumo de quanto se publica, em anexo ao projecto, mais pormenorizadamente e para cada subsector (o que, por sua vez, ainda resume os relatórios apresentados pela indústria), vão na íntegra as notas relativas aos problemas mais gerais apontados pelo sector, tal como os sente dia a dia quem nele trabalha (Actas, citadas, p. 616):

a) Existe um predomínio muito acentuado de unidades de pequena dimensão, laborando quase exclusivamente para o reduzido mercado interno e fora da concorrência externa, da qual, aliás, se encontram defendidas pela protecção pautai. Agrava esta situação estrutural, em muitos casos, a grande diversificação de gamas de fabrico, impedindo a produção em massa, para o que concorre o carácter muito individualista dos consumidores nacionais;
b) Na generalidade das indústrias é patente o afastamento entre a capacidade de produção das unidades fabris e a produção efectiva, do que resulta um sobreequipamento particularmente gravoso, porque respeita, em grande parte, a maquinismos antiquados e de baixo rendimento;
c) Apesar de o volume de mão-de-obra existente se apresentar ainda abundante e, além disso, com apreciáveis qualidades potenciais para o seu aproveitamento pela indústria, o recrutamento de pessoal especializado apresenta dificuldades crescentes em muitas categorias profissionais. A aprendizagem nos estaleiros e oficinas é morosa e não completamente satisfatória e os estabelecimentos escolares não ministram ainda o ensino mais adequado. É, além disso, notória a falta de técnicos com formação média (capatazes ou dirigentes de nível médio);
d) É baixo o nível de conhecimentos de gestão, de capacidade técnica e de mentalidade industrial na generalidade dos sectores industriais, deficiências que avultam muito particularmente quando se tem em vista a colocação de produtos nos mercados externos;
e) O abastecimento de matérias-primas é, em certos casos, um pouco oneroso. Apontam-se, ainda, em alguns sectores da produção custos relativamente mais elevados de energia e combustíveis;
f) Apesar da acção desenvolvida, convirá ainda intensificar o apoio oficial à exportação. Para além da incidência de direitos sobre produtos exportados (embora de reduzido valor e limitada extensão), reconhece-se conveniente a adopção de modalidades de seguro e crédito à exportação e ainda de uma acção conjunta de prospecção de mercados e de propaganda dos nossos produtos. Convirá também que os industriais, por intermédio dos seus órgãos representativos - corporativos e associativos -, sejam informados mais pormenorizadamente sobre o alcance e

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as consequências da celebração de acordos bilaterais ou multilaterais de comércio e integração económica;
g) A pulverização de empresas nos vários sectores conduz a uma concorrência desregrada na colocação dos produtos e a condições defeituosas de comercialização. Além disso, não existem normas de fabricação nem padrões de qualidade para a maioria dos produtos fabricados. A falta de normalização e a impunidade com que muitos produtos de grau inferior imitam outros de boa qualidade, com o consequente aviltamento de preços, geram a confusão e contribuem para o descrédito da indústria;
h) Convirá melhorar as condições de obtenção de crédito a médio e longo prazos;
i) Interessará aumentar o estímulo pela investigação aplicada nos sectores industriais, em relação a muitos dos quais interessaria o seu desenvolvimento, dada a inadaptação de algumas tecnologias estrangeiras às condições nacionais ou às peculiaridades das nossas matérias-primas;
j) Julga-se necessário, em muitos sectores, disciplinar o acesso à indústria regras que condicionem o exercício da actividade industrial a um mínimo de garantias de ordem técnica e económica;
k) As transacções com o ultrmar, especialmente com Angola, apresentam certas dificuldades, resultantes, em particular, de ainda não ter sido possível resolver, por completo, o problema da transferência de cambiais.

78. No mapa que segue apresentam-se, resumidamente, estes problemas postos à política industrial, bem. como os elementos de solução que no projecto do Governo se lhes propõem em certos casos. Juntaram-se também as próprias indicações gerais de reforma da política industrial indicadas expressamente e já atrás sumariadas. E, em cada caso, acrescentou-se uma nota acerca do Ministério responsável e a visão crítica das propostas. Dá o seguinte.

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Sistema de política industrial

[Ver Mapa na Imagem]

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Acredita-se que a leitura do mapa esclarece acerca cios pontos úteis como das debilidades do programa de política industrial formulado no projecto de Plano. Pensa a Câmara que, na maior parte dos casos, não se estará pròpriamente diante de um caso de falta de ideias ou, mesmo, de carência de acções concretas já preparadas; mas o que se aconselharia era a apresentação desses delineamentos, designadamente das novas leis (ou dos seus princípios orientadores) que estão preparadas em domínios fundamentais, ao mesmo tempo que o plano. De outro modo, perde significado toda esta tarefa de preparação do mesmo, que consiste em relacionar necessidades com projecções de desenvolvimento, em preencher estas com projectos e, ainda, em traçar claramente os processos de efectivação de todos esses delineamentos - e esses processos suo as orientações, as leis novas e as medidas de aplicação de política económica.

79. A Câmara não esconde alguma inquietação diante dos «vazios» do quadro anterior, bem como ao rever, em conjunto, as críticas formuladas a muitas das soluções do Governo - mesmo abandonando agora o problema de indeterminação do esforço legislativo renovador.
Passa-se por alto a questão do preço de matérias-primas, energia e transportes, sem esquecer que muitas dessas matérias-primas para novas indústrias, que se queixam do seu alto custo, são produções de outras indústrias nacionais que demonstram a necessidade de manter ou aumentar a protecção que já têm; problemas de família.
Mas querer exportar mais mediante a atracção de empresas estrangeiras não convence, por parecer pouco; e até pode acontecer que essas empresas se disponham a vir, mas percam o estímulo ao verificarem, depois, que hão-de pagar direitos de exportação, não encontram crédito nem seguro e terão de ir aos corredores para saber o que lhes terá acontecido em alguma negociação internacional mais repentina.
Também não se vê que a indústria nacional possa verdadeiramente progredir sem um esforço, mas muito sério e profundo, de normalização e exigência de qualidade. Verdadeiramente custa compreender porque não se andou, nem anda para a frente.
O crédito é problema que vinha de longe, e a que se julgou responder com a criação do Banco de Fomento. Como os grandes problemas do fomento nacional deveriam estar acima de muitas outras considerações, também não se alcança porque não há-de corrigir-se aquilo que toda a gente - da indústria, entre os técnicos, no Estado e, crê-se, também do Banco - sabe não andar adequadamente. Já sobre as transferências do ultramar não se ouvem agora tantas queixas como em agudos momentos de crise há anos - o que não quer dizer que esteja o problema resolvido.
Olhando agora àqueles pontos para que aparecem soluções concretas, logo a primeira dúvida dirige-se à reorganização industrial. No parecer de 1958 fez-se larga análise acerca da necessidade, ou não, de adaptar a Lei n.º 2005 a novos tipos de política. Foi possível realizar, entretanto, uma experiência acerca da aplicabilidade da lei tal como fora concebida; e se é certo que se nomearam comissões para várias indústrias (cerca de vinte), que essas comissões trabalharam e apresentaram propostas e que, até, num ou noutro caso, se apontaram superiormente as linhas de acção - também é certo que nada resultou. Há que concluir como na física: desencadeada a presumível causa e mudando-lhe sucessivamente os parâmetros caracterizadores do enquadramento (e houve jurista, tecnólogo, administrador e economista, pelo menos), se a consequência não resulta e nem chega a produzir-se um começo do fenómeno, é porque a presunção era falsa; e convém alterar o esquema teórico-interpretativo. O que era preciso era formular o novo esquema à luz da lição do anterior e fica-se sem saber se foi assim ou não que se procedeu; o texto é lacónico.
Em matéria de condicionamento também o processo é longo: quer-se dizer o processo de experimentação e de discussão teórica. Aponta-se agora para uma legislação de âmbito verdadeiramente nacional, estendida do continente ao ultramar, e sabe-se dos trabalhos de uma comissão que preparou o novo regime; parece problema a enfrentar com as maiores cautelas. A Câmara dá o seu apoio de princípio (pois de um princípio muito geral se trata também no projecto do Governo) à maior liberalização, ainda que controlada e orientada; mas não lhe é fácil dizer mais nada enquanto lhe não for pedido expressamente.
Acerca da necessidade de dispor de um departamento que proceda ao planeamento, prepare e coordene a política industrial e promova iniciativas só há a repetir a palavra de concordância que já ficou na apreciação na generalidade (n.º 48).

80. Três dos tópicos sumariados tem a ver com os aspectos e determinantes humanos da industrialização: empresários, pessoal especializado, investigação. Embora haja um capítulo dedicado ao ensino e investigação, e já se tenha analisado, na generalidade, o que o Governo propõe, de concreto, em matéria de formação profissional, só parece conveniente repisar certas ideias neste enquadramento de síntese, que é o dos problemas do próprio sector a que se dirigem a formação e a investigação industrial. Tentar-se-á, aliás, não cair em repetições, tratando, até sòmente dos dois primeiros tópicos.
A questão dos técnicos de qualificação «média» tem sido debatida de muitas formas, e em condicionalismos diferentes, desde há uns anos para cá; e a conclusão é sempre a mesma - são em número absolutamente insuficiente, agravando-se cada vez mais a carência, pois continuam a formar-se poucos, por ano, relativamente às promoções de técnicos com cursos superiores. A referência vale, essencialmente, para a desproporção entre agentes técnicos de engenharia e engenheiros, pois é a que mais importa aqui; sabe-se como é extensiva, ainda, ao campo das técnicas agronómicas.
A unanimidade aio reconhecimento dos problemas conduz, nos casos felizes, à proposta e adopção de soluções para os resolver; o que se analisa deve ser, porém, um caso infeliz - pois nem surge a solução, nem ao menos se aponta pana qualquer caminho. Ora o recente congresso do ensino da engenharia parece ter aberto, finalmente, essa solução, ao reconhecer que não são necessários seis anos de formação universitária para ficar apto a preencher grande parte dos postos actualmente entregues a engenheiros; mas porque se espera?
Noutro domínio da preparação para actividades nas empresas industriais - o da administração e gestão - é se mais corajoso no projecto, apanhando-se abertamente o tipo de solução que se encontrou. A Câmara aplaude o sentido realista da atitude; mas não está convencida que deva triunfar sempre e apenas o realismo - ou facilidade, como queira chamar-se-lhe. E diz-se, ràpidamente, a razão da discordância, que tem a ver com questões de fundo do sistema universitário português.
A Universidade moldou os avanços da civilização porque foi realizando, ao longo dos séculos, não apenas as sínteses culturais definidoras dos valores e das concepções do mundo e da sociedade, mas também as sínteses, essas em mutação e progresso contínuo, entre o conhecimento desin-

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teressado e os modos de actuação, ou sejam as técnicas. Mas por uma conjugação de circunstâncias em que ela mesma, Universidade, também é responsável, vê-se como que posta de lado, no momento actual, relativamente à sua função primeira e tradicional de formar os dirigentes da sociedade, ao menos quanto a alguns dos postos e tipos de direcção - foi assim com os chefes religiosos e militares, irá acontecer também, com os dirigentes das empresas, nem sequer chegou a ser posto o problema quanto aos leaders sindicais, poderá amanhã revelar-se com a máxima agudeza diante de algum instituto novo, e também extra-universitário, para formar os políticos.
Voltando aos dirigentes de empresa: de que não há dúvida é da relevância social das funções por eles exercidas, comandando os exércitos de homens na labuta diária e acumulando meios poderosíssimos de acção organizada; assim como não se vê bem a razão por que não há-de caber a alguma Faculdade ou instituto universitário este tipo de formação, quando se sabe estarem na base das técnicas de gestão e administrativas exactamente as disciplinas que na Universidade se ensinam e desenvolvem, como a Psicologia e a Sociologia, o Direito, a Economia ou a Ciência Política - já não referindo as Matemáticas e alguns dos seus ramos mais modernos, como a Estatística e a Programação.
A Câmara vê com inquietação esta tendência para proliferarem institutos ditos superiores, mas como que arrancados à Universidade; e mesmo quando não fiquem eles comprometidos em qualidade, sempre se está a contribuir para desprestígio daquela instituição e a tirar-lhe estímulos e meios para a renovação, que é imperioso promover. Formula-se, pois, o voto de que vá para a frente a ideia de haver onde formar, em nível superior, dirigentes e administradores para as empresas, tanto do sector privado como do sector público; mas que isso aconteça dentro da Universidade, seja adaptando cursos em escolas existentes, seja criando Faculdades ou, simplesmente, especializações novas.
Mas, dir-se-á, a Universidade não se molda às novas exigências; nem está mentalizada ou estruturada para receber também homens já lançados e prestigiados na vida que não podem ser levados a sentar-se em bancos escolares; e não tem largueza para remunerar especialistas bem pagos nas actividades profissionais correntes; nem maleabilidade para os fazer. ascender aos postos docentes sem os submeter ao processo clássico dos graus e provas para recrutamento; está, sobretudo, desligada da vida concreta, dos problemas «práticos» ... De nada disto se discorda; apenas há a acrescentar que são precisamente todas estas as críticas que há para fazer à Universidade, mas em geral, e não sòmente a propósito de eventuais cursos de administração de empresas; e como o que se quer não é deixar morrer a instituição, antes reedificá-la, porque não dirigir para essa renovação tão urgente os meios materiais e, sobretudo, as ideias, o estímulo e decisão, e alguns homens com que, porventura, se contava já ao anunciar a fundação do novo instituto?

81. Não se terminará esta análise dos problemas de desenvolvimento industrial sem ensaiar uma referenciação mais pormenorizada aos vários grupos ou sectores de indústria. E um modo de incentivar a colaboração do sector privado, e a Câmara está informada do que representou de válido e, mesmo, entusiástico, essa colaboração. E a palavra de orientação que pode formular-se é apenas de apoio ao Governo para novas e mais amplas e seguras iniciativas da mesma natureza, iniciativas que ficaram a dever-se, desta vez, os titulares da pasta da Economia - o anterior e o actual.
Seguir-se-á ràpidamente o enunciado de situações, problemas e perspectivas que vem inserido em anexo ao projecto do Governo.
No sector das indústrias extractivas, a leitura dos pontos em que se sumariam todos os estudos feitos leva à conclusão de que tudo - ou quase - dependerá da reorganização da Direcção-Geral de Minas; pois é esta entidade que deve classificar as substâncias e atribuir as concessões, e que há-de proceder à prospecção das não concessíveis, e que estudará nova legislação mineira e; sobretudo, que terá de orientar e estimular as empresas privadas, chamando-as a uma colaboração que é de extrema urgência e vantagem para elas e para à economia nacional.
Todavia, lê-se no relatório do Grupo de Trabalho n.º 2, na parte referente a esta actividade:

... não se percebe como é que a D. G. M. S. G. poderá trabalhar certo com um quadro de pessoal que já vem do século passado, dispondo actualmente (fora os serviços geológicos e o S. F. M., com funções específicas) de menos de meia dúzia de engenheiros e pouco mais de agentes técnicos para informar processos, fiscalizar, estudar, orientar a actividade de todas as minas e pedreiras, desde o Minho ao Algarve!

E ainda é importante reter outra dificuldade, neste momento de preparação de um novo impulso de fomento - que nesta actividade se pretende seja dos O por cento para 6,5 por cento ao ano -, e dificuldade que tem a ver com o pessoal:

... os engenheiros estão impedidos pela natureza e ética dos serviços de colherem benefícios da actividade profissional de carácter (particular. [...] A inferioridade e situação de iniquidade sentida perante os colegas [...] não constituem atracção para novos nem estímulo para os actuais, e já não concedem apoio firme para exigências de aplicação e interesse continuados. Claramente perguntamos se é lícito esperar que um licenciado em Engenharia, servindo .há uma dezena de anos, viva conformado, ele e os seus, com 3731$ de vencimento líquido mensal; mesmo com 6000$, se for afortunado bastante para alcançar 1.ª classe aos vinte anos de serviço ...

Repete-se: o progresso neste sector dependerá, fundamentalmente, da acção e capacidade técnica do departamento oficial competente - que é esta Direcção-Geral de Minas.
Nas indústrias alimentares e das bebidas apontam-se como problemas básicos: as deficiências de abastecimento em matérias-primas (má qualidade, para as conservas de carne e massas, escassez ou irregularidade nos lacticínios e conservas de peixe, maus circuitos de distribuição do açúcar para bolachas, chocolates e confeitaria, e preços elevados ou artificiais ainda do açúcar, das farinhas e das sêmolas); e também a má estrutura e exígua dimensão das empresas.
Nas indústrias têxteis, do vestuário e do calçado avultam as queixas relativas ao abastecimento em algodão (preço, disponibilidades e classificações), e ao custo dos fios artificiais e sintéticos;, aponta-se a dispersão de unidades dos lanifícios; refere-se a carência de pessoal qualificado e a indisciplina no acesso à indústria, no caso do vestuário; e a reduzida dimensão das fábricas e, dentro destas, das séries, quanto ao calçado.
Sobre as indústrias químicas apontam-se, como principais estrangulamentos, «a falta de um estudo de con-

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junto das matérias-primas que considere as suas transformações prévias e as interligações com outras indústrias, nomeadamente com as indústrias metalúrgicas; a falta de adequada qualificação do pessoal empregado no sector; o planeamento ainda deficiente da investigação nas Universidades, nos serviços públicos e na indústria privada; a carência de elementos estatísticos para fundamentar toda a política de investimentos».
Acerca das indústrias dos produtos minerais não metálicos diz-se no projecto que a cerâmica de construção defronta custos elevados com a dispersão das fontes de matéria-prima e, conjunturalmente, sofre as crises dá construção civil; no vidro há excessiva diversificação de produções e excessos de capacidade relativamente ao mercado; nas porcelanas e faianças aponta-se a necessidade de defender os jazigos de matéria-prima, a urgência de prospectar mercados externos e a vantagem de evitar formas de concorrência desleal; nos cimentos carecer-se-ia de melhor coordenação e previsão da política das obras públicas e construção, havendo alguns custos de factores porventura excessivos; no fibrocimento há excesso de equipamentos e nos mármores pesam os direitos de exportação e maus equipamentos.
As indústrias metalúrgicas e mecânicas, englobando sectores muito diversificados (desde a siderurgia às construções metálicas, equipamentos, material eléctrico, construção naval e material de transporte), também apresentam situações diversas.
Na metalurgia do estanho escasseia a produção nacional e a própria importação de cassiterites; nos produtos metálicos avulta a pulverização das instalações, a falta de técnica, a ausência de disciplina na produção e comercialização; na construção de equipamentos e de material eléctrico a dificuldade fundamental reside nas deficiências de programação do investimento nacional, tornando difícil às empresas prepararem-se para os fornecimentos; a falta ou a irregularidade de encomendas tem dificultado o andamento da construção naval e da construção de material ferroviário; e quanto à montagem de automóveis e camiões nada se depara no texto - porventura por ainda ser cedo para lamentações.
O sector das indústrias transformadoras diversas (abarcando madeiras, mobiliário e cortiça, pasta de papel e tipografia, curtumes e borracha) não exibe, pròpriamente, um comentário respeitante aos problemas das diversas indústrias - e sabe-se que há, entre elas, as situações mais díspares.

82. No estudo dos restantes capítulos (ou sectores) do projecto do Governo, a Câmara tem concluído por analisar sumàriamente o programa dos «investimentos prioritários», bem como os que haviam ficado em segunda linha, com vista a sugerir quais parece deverem ser retidos, para apresentação discriminada, na versão definitiva do Plano.
No sector da indústria não há esse conjunto dos investimentos prioritários - e tem-se isto como um progresso, pois significa concordância metodológica com o tipo de plano preparado. Mas não se vê razão para deixar de discriminar, também aqui, alguns projectos ou grupos de projectos (ou, meramente, projecções ao nível de certas indústrias individualizadas), e com os mesmos fundamentos que serviram os restantes casos. Vai tentar-se essa sugestão, evidentemente, com menos elementos informativos do que nos restantes sectores - uma vez que estamos a seguir o texto do projecto, pois nos estudos preparatórios já o material seria abundante. E põem-se duas reservas: nem a inserção de um empreendimento, indicado pela indústria, pode significar aprovação, envolvendo qualquer quebra do processo administrativo normal para licenciamento de instalações; nem a indicação da verba tem outro valor além do de contribuição para medir a importância e prováveis incidências (por exemplo, nos sectores fornecedores dos equipamentos e nos sectores que, futuramente, hão-de abastecer em matérias-primas).
Segue a lista dos empreendimentos ou das expansões das indústrias que conviria citar, expressamente, no Plano:

Programa do sector Indústria

[Ver Tabela na Imagem]

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[Ver Tabela na Imagem]

§ 12.º Energia

83. Na programação sectorial apenas aparecem discriminadas metas referentes à electricidade, que são as seguintes:

a) Produto interno originado na electricidade:

Meta para 1967: 3,2 X 109 escudos de 1958.
Variação anual: +11,5 por cento.

b) Formação bruta de capital fixo:

109 escudos de 1958
Em 1965 ........................ 1,9
Em 1966 ........................ 2,1
Em 1967 ........................ 2,3
1965-1967 ...................... 6,3

Sabendo-se que um dos empreendimentos básicos previstos - e decididos - para o sector energia, no triénio, é o da nova refinaria de petróleo no Norte, à qual convém aliar investimentos na distribuição, há cerca de 2 milhões de contos (preços correntes) a juntar ao número que ficou para formação bruta de capital fixo.

84. Os objectivos apontados ao sector sumariam-se nos seguintes pontos (1):

Satisfação integral e contínua da procura, da maneira mais rentável e com menor custo nacional;
Garantia de emprego no sector e dignificação das condições de trabalho;
Ligação com os problemas do desenvolvimento regional;
Preparação criteriosa do futuro (formação profissional, investigação científica e planeamento energético de longo prazo).
Fundamentalmente, é o primeiro dos objectivos apontados que dá lugar a concretizações numéricas. Assim, diz-se que será necessário produzir electricidade até aos valores seguintes, nas datas que se indicam, implicando as capacidades (1):

[Ver Tabela na Imagem]

Na extracção de antracites aponta-se a meta anual de 480 000 t e quanto às lenhites de Rio Maior anda-se por duas alternativas: 120 000 t ou 60 000 t anuais, correspondentes a condições diferentes.
Quanto a combustíveis líquidos e gasosos derivados do petróleo, a capacidade de refinação aumentará em 1 500 000 t anuais, com a instalação do Norte.

85. O programa de "investimentos prioritários" apresentado para o triénio é o seguinte:
Contos
Electricidade:
Produção ............... 2 229 000
Transporte ............. 240 000
Grande distribuição .... 800 000
Pequena distribuição ... 400 000
3 669 000
Combustíveis:

Sólidos ................ 57 000
Líquidos e gasosos:

Refinação ...... 1 356 000
Distribuição ... 586 000
1 942 000
1 999 000
5 668 000

(1) Veja-se a nota ao n.º 88, já adiante.

(1) Actas da Câmara Corporativa, n.º 65/VIII, de 1 de Outubro de 1964, p. 638.

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Na produção de electricidade incluem-se os montantes a investir nos projectos actualmente em execução, ou cuja construção tem de ser imediatamente decidida:

Milhares de contos
Bemposta e Távora (conclusão) ...... 145
Tapada do Outeiro (3.º grupo) ...... 142
Central Térmica do Carregado:

1.º grupo ........... 552
2.º grupo ........... 425
977

Carrapatelo (com eclusa) .............. 965
Total ........................... 2 229

No transporte prevêem-se os projectos necessários à ligação dos novos centros produtores e à ampliação das instalações e linhas existentes. Vem como segue, no projecto:

Milhares de contos

Subestações (Estarreja, Cercal, Setúbal,
Vermoim, Alto de Mira e outras) ........ 109,8
Linhas e ligações (Tapada do Outeiro,
Carregado e Carrapatelo) ............... 38,8
Outras obras em linhas e subestações e
equipamentos diversos .................. 91,4
240

Na grande distribuição gastar-se-ão 800 000 contos e na pequena distribuição 400000 (havendo a juntar mais 360 000 de electrificação rural).
Quanto a combustíveis sólidos prevê-se um investimento de 57 000 contos nas minas da bacia duriense e de Rio Maior.
E acerca de combustíveis líquidos e gasosos já se referiram os números importantes.

86. Para formular as medidas da política energética, parte-se da verificação dos novos condicionalismos que impõem se disponha de órgãos adequados para abarcar o problema global da energia, com vista aos futuros planos - e estará implícito o reconhecimento de que desta vez ainda é meramente formal a junção num mesmo capítulo das matérias respeitantes a electricidade e combustíveis sólidos ou líquidos e gasosos. Apontam-se problemas a resolver: melhor distribuição de consumos entre electricidade e combustíveis, definição de um programa de utilização dos carvões nacionais na produção termoeléctrica e definição do programa da nova refinaria à luz desses problemas, bem como do aproveitamento de ramas nacionais e da coordenação com outras refinarias portuguesas.
Quanto ao sector específico da electricidade levanta-se a questão de haver que atribuir os novos aproveitamentos hídricos aos concessionários a tempo de se começarem as obras, e depois o funcionamento, também a tempo. Mas aí entronca o subproblema da especialização funcional e geográfica das empresas actualmente existentes na rede primária - a discutir adiante.
Outro problema é o do custo dos empreendimentos hidroeléctricos, sobretudo as diferenças do custo orçamentado para o custo efectivo depois da execução. Também se sente, no modo como o Governo põe o problema no seu texto, que essas diferenças hão-de ter sido grandes; o ponto mais grave estará na impossibilidade em que assim acaba por se ficar para proceder à selecção dos projectos (a escolha entre aproveitamento ou entre processos hídricos contra térmicos), uma vez que os números de cálculo levam a uma solução e os números efectivos mostram que teria sido outra a preferível. Aponta-se para a eventualidade de uma definição de responsabilidades com tolerâncias normais (e ressalvados caso de força maior) sobre as estimativas dos projectos das concessionárias - e à Câmara pareceu perfeitamente legítima a preocupação e a intenção de corrigir.
A dispersão das empresas suscita problemas: no próprio campo da produção - e ver-se-á como se tende para a concentração de algumas funções, sem perda da individualidade empresarial -, mas também nos domínios da grande distribuição, e sobretudo da pequena distribuição, reconhecendo-se- "a necessidade de novas medidas legislativas quanto à atribuição das respectivas concessões".
No sector dos carvões aponta-se a necessidade da intervenção directa ou indirecta (financiamentos) do Estado para restabelecer o equilíbrio das concessionárias - evitando a paralisação, com seus gravíssimos prejuízos sociais, e orientando os esforços para a melhoria da produtividade.
Quanto aos combustíveis líquidos sugere-se a necessidade de rever a regulamentação da indústria refinadora no que respeita à importação de produtos acabados e à constituição de reservas obrigatórias.

87. Dispensam-se parágrafos extensos a mostrar a importância do sector, ou a rever a obra feita desde há vinte anos no campo da electricidade. A melhor homenagem que pode prestar-se a quem travou, para vencer, a batalha da electrificação, será continuar para diante - certamente em condicionalismos novos e a exigir soluções também novas, mas sem nada perder dos métodos de trabalho, da linha de rumo e da decisão a que, tão vantajosamente, já o País se habituou. Também se não inclui neste capítulo nenhuma análise ou recomendação relativa às relações com os sectores nacionais produtores de equipamentos, por- já constituir norma entre as empresas eléctricas esse princípio do fomento pela interdependência, com o que todos beneficiamos.
Pela primeira vez trata-se no plano de fomento como um todo o sector da energia; até agora vinham os carvões classificados como indústria extractiva, e os petróleos juntamente com as indústrias transformadoras, porque refinação. E um importante progresso metodológico, este, e que permite não nos iludirmos acerca de aspectos essenciais do problema energético nacional, correctamente expostos no início do capítulo do projecto. Aí se lê, com efeito:
O confronto da situação energética da metrópole com os recursos respectivos leva inelutàvelmente à conclusão de que o deficit, já actualmente elevado e traduzindo-se nas importações de combustíveis líquidos (ainda que predominantemente sob a forma de ramas) e de carvões (com relevo, recente, para o coque siderúrgico), tenderá a agravar-se com o rápido crescimento dos consumos. Com efeito, é limitada a possibilidade de intersubstituição de formas de energia e, em particular, a expansão dos combustíveis líquidos continuará.
Pôr outro lado, deixou de ser longínquo o esgotamento do potencial hídrico e, sobretudo, em breve estarão realizados os aproveitamentos mais rentáveis. O recurso crescente, mas indispensável, à produção de electricidade, por via térmica, constitui

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um encargo para a balança de pagamentos, que convirá minorar por todos os meios.

As conclusões a tirar do texto são claras: primeiro, apontar, desde já, para o recurso aos combustíveis nucleares, preparando técnicos, meios de investigação e capacidade industrial para saber recorrer oportunamente aos minérios cindíveis nacionais; depois, impõe-se formular uma política energética à escala nacional, considerando ramas de Angola, capacidades de refinação do ultramar e disponibilidades hídricas a baixo custo, próprias para electroquímica e electrometalurgia, também no ultramar; finalmente, haverá que abordar em termos novos e mais exigentes a rentabilidade e o tipo dos empreendimentos, por se modificarem, também, as condições em que aparecem as disponibilidades de capitais, agora mais pressionadas à luz de modelos globais de desenvolvimento.

88. Sendo o da energia - em particular, o da electricidade - um sector em que têm tradição e métodos bem estabelecidos as tarefas de programação a longo prazo e a sua concretização em projectos que, depois, se executam efectivamente, não haverá muito mais a fazer, neste capítulo do parecer da Câmara, além de fundar-se, precisamente, em tais estudos técnicos e tirar conclusões para a acção a desenvolver.
O parecer subsidiário da secção de Indústria (subsecção de Indústrias extractivas, energia e combustíveis) retoma, com particular vigor e clareza, propostas - quase se diriam evidências - já trabalhadas na fase preparatória, mas que a indeterminação em que se caminha na elaboração das sínteses, acerca da natureza do plano e da relação entre projecções, capacidade financeira e conjuntos de projectos a executar, levou a subestimar, ou, pelo menos, a deixar perigosamente indefinidas.
E o seguinte o problema, sempre seguindo o referido parecer, onde se encontram as coisas pormenorizadas.
Trabalhando apenas com os consumos permanentes (1) e admitindo o seu crescimento a 11 por cento ao ano, estabelece-se- com toda a- segurança uma previsão das necessidades- coluna 2 do quadro abaixo.
Consideremos, por outro lado, a capacidade actualmente existente, e acrescentemos-lhe os novos empreendimentos que, no projecto de plano, se diz estarem decididos (os «prioritários»), portanto, com data de entrada em funcionamento previsível. Definida certa hipótese acerca do grau de utilização do sistema global, pode estabelecer-se o balanço energético - saldos, da última coluna do quadro:

[Ver Quadro na Imagem]

Pontos importantes, para suportar a conclusão, são as hipóteses acerca da utilização e as previsões de datas para funcionamento dos empreendimentos novos do projecto.
Parecem à Câmara tão indiscutíveis os elementos apresentados no parecer da subsecção respeitantes a esses dois pontos que se conclui como aí:

Em 1965 e em 1966 a margem de segurança é elevada; em 1967 e 1968 já se torna mais reduzida, visto o saldo de 160 GWh ou 120 GWh não ser elevado para cobrir eventuais atrasos na realização das obras. Mas a partir de 1969, começam a surgir deficits, isto é, para ano seco não há cobertura para os consumos permanentes previstos. Isto vem demonstrar a afirmação feita anteriormente de ser necessário começar a construção de novos centros produtores, além dos considerados prioritários, ainda no decurso do Plano Intercalar, a fim de assegurar a cobertura dos consumos a partir de 1969.

89. O problema que se põe, portanto, é o da escolha, desde já, dos novos empreendimentos a juntar aos que já estão decididos no projecto. De um conjunto deles, que foi considerado nos trabalhos preparatórios, e tendo em atenção não só a capacidade, mas os prazos de construção (a iniciar, quando muito, em 1965) e a exigência da entrada em serviço, a partir de 1969, seleccionam-se cinco projectos, concluindo-se pelo jogo de importantes critérios adicionais, como o estado de definição e de estudo de cada um, pelos aproveitamentos de Vilarinho das Furnas e de Fratel.
Todavia, ainda isso. não será suficiente; e mesmo que se inicie rapidamente (em 1965 ou um ano depois) o baixo Mondego e em meados de 1967 o terceiro grupo térmico do Carregado, subsiste a carência, embora apenas para 1971 e anos seguintes; até aí haverá cobertura, não mais do que tangencial, deve dizer-se.
No mapa que segue vê-se com clareza a situação; e incluem-se números relativos a mais três projectos que o subgrupo «Electricidade», durante os trabalhos preparatórios do Plano, considerou com cuidado especial. E difícil à Câmara tirar outra conclusão que não seja a de vir a optar-se pelo quarto grupo térmico do Carregado; mas bastará iniciar a instalação em 1968, portanto já fora do período do Plano (o que não aconteceria com qualquer das outras duas alternativas), além de que «este programa poderá ser alterado se, em face de estudos a completar, se demonstrar haver outro mais conveniente», como diz o parecer da subsecção Energia.

(1) Os números relativos às metas de produção, apontados logo no início deste capítulo (n.º 84), englobam, também, uma estimativa dos consumos não permanentes, dentro de certa hipótese teórica; veja-se o parecer da subsecção de Energia, § 3.

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Situação do programa da electrificação

[Ver Tabela na Imagem]

Verifica-se, portanto, que mesmo não entrando com este último aspecto (outro empreendimento para assegurar os consumos permanentes em 1971), vão bem para lá dos «prioritários» os empreendimentos que será indispensável executar dentro do Plano até 1968.
Quando, no parecer subsidiário, se conclui que o programa de investimentos para a «produção deverá atingir os 3 174 000 contos, fez-se lógica e aponta-se um caminho que parece o único certo.

90. Ainda quanto a outros aspectos de previsão de obras e correspondentes financiamentos se faz referência no parecer da subsecção: linha de transporte» partir de Vilarinho, teleinformações para comando da rede e instalações de condensadores na subestação de Sacavém.
Na pequena distribuição, o número que aparece no projecto não concorda com o critério de estimativa que se aponta como devendo ser seguido - o de acelerar a tendência anterior de investimento. Só para manter essa tendência, exigir-se-iam 1 080 000 contos, incluindo a electrificação rural (e no projecto vêm 400 000 mais 360 000 contos).
Quanto à energia nuclear, é a subsecção de opinião que a doutrina do projecto é correcta - realização de estudas com vista à instalação de uma primeira central nuclear, de escala industrial, dentro de cerca de dez anos. Apenas acrescenta que para realizar tais estudos há que realizar, desde já, despesas de investimento, apontando o número de 40 000 contos.
Na apresentação do mapa de empreendimentos a discriminar, que se apresentará no termo deste capítulo do parecer, referir-se-ão estas anotações à luz de critérios a debater a seguir sobre o financiamento dos programas do sector.
91. Logo no início desta análise recorda-se o número dos investimentos para formação de capital no sector entre 1965 e 1967: 6,3 milhões de contos (de 1958) para a electricidade e 2 milhões (preços correntes) para os combustíveis líquidos e "gasosos. Nem valerá a pena converter os 6,3 a preços correntes - chegar-se-ia a cerca de 7;2. milhões; pois é tão grande a desproporção entre qualquer dos valores e a soma dos «investimentos prioritários» que o plano aponta para a electricidade (3,7 milhões de contos, nem de 1958 nem «correntes» do período do plano, mas sim um meio termo, de agora), que a Câmara sente ter de dedicar alguma atenção ao problema.
Houve tempo em que os piamos de fomento da metrópole se destinavam, sobretudo, a sistematizar, a pôr ordem e alguma coordenação nos conjuntos de planos parciais lançados para este e aquele sector, predominantemente o sector público, mas também o sector privado - e o de economia mista, que nunca se sabe bem onde deve caber -, designadamente quanto a empreendimentos reconhecidos como de muito interesse para a economia do País. Quando tudo era assim, ainda sem uma visão de conjunto sobre os desenvolvimentos e os investimentos globais, dirigidos a objectivos claros e quantificados, a lógica de negociação entre o Governo e as entidades executoras dos projectos (fossem públicas, fossem mistas ou fossem particulares) era a do «regateio» - ou bargaining, como diriam os Anglo-Saxões. Cada entidade ou sector a querer mais no Plano; e as autoridades económicas e financeiras, por extensão das atitudes apropriadas à elaboração de orçamentos estaduais extraordinários, a procurar reduzir as verbas de cada projecto, dos vários sectores e do total do Plano. Era prudente e era humano.
Não vai dizer-se que tudo mudou agora; mas pelo menos alguma coisa tem de ser, e convém que seja, bem diferente. Pois, quando se aponta, como meta a um sector de electricidade, expandir a produção a + 11 por cento ao ano, têm-se presentes imperiosas necessidades de consumo, e consumo que não é apenas final (usos domésticos ou de iluminação pública, por exemplo), mas sobretudo usos intermediários - nas indústrias e nos transportes, também a título de exemplo. Não assegurar a satisfação deste programa seria travar toda a economia do País, e sabe-se que ninguém quer hipótese.
Por dois ou três caminhos inteiramente diversos estimam-se as necessidades de investimento para cumprir um programa de produção. Os economistas da programação, em gabinete e recorrendo a parâmetros típicos ou a tendências anteriores de aumento do investimento, mas sempre por uma via agregada, chegam à ordem de grandeza dos 6-7 milhões de contos. Os especialistas do sector, da electricidade, com antecedentes de seriedade e êxitos técnicos que os acreditam, e recorrendo a outras vias metodológicas: a análise desagregada, projecto a projecto, de modo a preencher o programa e, por outro lado, métodos estatísticos (como se diz no parecer subsidiário), apontam para a ordem de grandeza dos 5,4 milhões de contos. Por certo há divergência nos números, parecendo de reter o dos especialistas que procederam à análise desagregada e em contacto com as entidades habituadas

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a executar projectos desta natureza - haverá, quando muito, que verificar se tudo do sector está contado e se a ordem de grandeza dos desvios habituais entre estimativas e contas de execução não explicará parte da diferença. Mas o que também se conclui é que não faz qualquer sentido a verba dos 3,7 milhões de contos do projecto em apreciação.
92. Esta é uma observação de índole geral, que já se fez em termos globais (é o confronto entre os 34,4 milhões de contos do «plano dos prioritários» e os 53,3 ou 61,3 milhões de contos, respectivamente, a preços de 1958 ou correntes no período do plano); mas quer-se, repeti-la a propósito de um sector, para se ver melhor o seu alcance, e para procurar os caminhos concretos que hão-de ocorrer ao problema suscitado pela carência de lógica do projecto.
Quanto a alguns sectores, não se vê qualquer inconveniente - até só haverá vantagem- em projectar certo valor agregado de investimento, e discriminar no plano e nos programas anuais, apenas alguns dos empreendimentos, somando uma parcela desse investimento total. Trata-se de conciliar planeamento, liberdade de iniciativa (privada e, também às vezes, do sector público, por exemplo, noa sectores do ensino e da saúde) e descentralização de decisões menos importantes, e ainda de respeitar os processos correntes de condução da política económica sectorial (por exemplo, a aplicação do condicionamento industrial dentro do enquadramento definido para cada subsector de indústrias pelo sistema de projecções do plano).
Todavia, há sectores em que se passam as coisas de modo diferente, porque a concentração dos empreendimentos leva a que o conjunto daqueles que importa discriminar praticamente esgotem a projecção sectorial. E quais serão então os critérios para essa discriminação? Escreveu-se, ao discutir na generalidade, que interessaria destacar projectos que significassem: «Grandeza no quatro da economia nacional, número elevado de relações lê interdependência de que sejam o centro (e tanto na ase de funcionamento como na fase de execução), prenência das utilizações a que se dirijam, relação directa ) importante com algum dos objectivos propostos ao Plano» (n.º 28), ou que suscitem «problemas quanto ao tempo de execução e aos efeitos de interdependência» n.º 26).
O enunciado feito quase se aplica totalmente à maioria Los empreendimentos do sector da electricidade e da nergia, em geral - como também aos transportes e comunicações, por exemplo. Destaca-se agora, sobretudo, elemento tempo de execução: a análise atrás apresenta acerca das exigências de trabalho ao abrigo deste plano para garantir os consumos até 1971 assentou, exactamente, na verificação dos longos períodos que acarreta em empreendimento básico de produção.
Vêem-se claramente duas coisas: que não é incompatível a previsão de maior investimento com o próprio delineamento traçado pelo Governo através das; projecções sectoriais; mas que o modo de abordar o assunto nas decisões relativas ao sector é inaceitável por perigosa, podendo comprometer todo o equilíbrio da economia da energia do País.
A frase do projecto:

A realização das restantes obras constantes do programa geral (Vilarinho das Furnas, Fratel, Alvarenga, Valeira, Aguieira ou Caneiro-Dão e o 3.º e 4.º grupos da Central do Carregado) ou de outras que eventualmente venham a revelar-se aconselháveis pelo prosseguimento dos estudos, entre as quais um aproveitamento de fins múltiplos no Guadiana, integrado no Plano de rega do Alentejo, fica condicionada à conclusão dos respectivos estudos e projectos e às disponibilidades financeiras a determinar nos programas anuais de financiamento do Plano, e outras semelhantes relativas ao transporte, por exemplo, devem ser substituídas, no entender da Câmara, pela tomada de decisões rápidas acerca do programa a cumprir.

93. Tem de admitir-se a hipótese de vir a publicar-se o Plano (no máximo, até ao fim do corrente ano) sem estarem completamente definidas as alternativas acerca dos projectos a realizar. A Câmara entende que essa circunstância não é incompatível com a tomada de decisão de que fazem parte do Plano, além dos empreendimentos «prioritários» do projecto, mais os necessários para assegurar a continuidade do abastecimento - portanto, um programa do género daquele que a subsecção propõe no seu parecer e que se resumiu mais atrás. E mesmo nessa hipótese de relativa indeterminação ao nível elementar pode tomar-se como certo - e isso é importante, até do ponto de vista da psicologia de quem trabalha no sector- que o volume global do investimento a fazer nos três anos em electricidade vai andar pelos 5,4 milhões de contos (com a ressalva já referida, que joga no sentido do aumento da estimativa). O que se chama é a atenção para as datas de início dos empreendimentos que ainda não estão bem definidos e que haverá que começar a executar a tempo - logo um em meio de 1965 e mais dois para 1966, pelo menos. Não resta muito vagar para aprimoramento das soluções.
Todavia, para andar depressa na definição de posições, há, pelo menos, mais dois problemas que carecem de resolução: a atribuição dos empreendimentos às empresas e o modo de financiamento das obras. Sobre o primeiro ponto há sugestões no projecto governamental, e acerca de ambos se pronunciou a subsecção de energia.
A execução do esquema primário de produção na parte mais importante, que tem sido a hidroeléctrica, está «regionalizada», até nos nomes de empresas: Hidroeléctricas do Cávado, do Douro, do Zêzere, do Alto Alentejo, por exemplo. Correspondeu esta especialização regional a primeiros conjuntos de empreendimentos que se afiguravam como sequências naturais de obras e significando um volume de investimentos, um valor anual de produção corrente e um esforço de organização e avanço técnico que justificaram, cada um deles, a criação de uma empresa ou o desenvolvimento de alguma já existente. Justificação, diga-se, que andava dependente da escala de realizações e empresas a que o País estava habituado.
A situação actual é diferente. Não se podem considerar as empresas existentes tão grandes que não devam atribuir-se-lhes os novos projectos a executar, havendo até quem defenda a necessidade de alguma concentração, logo a esse nível das produtoras. Todavia, a manter o critério geográfico e funcional de especialização existente, haverá, porventura, que não executar certo aproveitamento, e preferir outro, apesar de o primeiro ser mais defensável do ponto de vista nacional: mas ficaria muito de acréscimo em mãos de uma só empresa das existentes, o que romperia um equilíbrio vantajoso e, mais grave, determinar-se-ia a desocupação do corpo técnico e de toda a estrutura montada para a realização de empreendimentos naquelas empresas (ou regiões) onde não se decidisse alguma continuação. O raciocínio vale, como se anota no projecto, para a própria especialização entre hidráulicas e térmicas.

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Os caminhos que se abrem - e que vêm sugeridos no projecto, com aplauso da subsecção - são ou certa «concentração de funções das empresas produtoras através da sua associação para estudos e mesmo realizações em comum», ou então «uma reconversão de actividades, dentro ou mesmo além do campo energético (v. g. a propósito do planeamento de bacias hidrográficas também com finalidades não energéticas e realizações subsequentes)».

A Câmara compartilha deste tipo de preocupações e também de caminhos novos; e apenas recorda que já em outra ocasião. (1) sugeriu, precisamente, alguma coisa que vai de encontro às propostas agora apresentadas pelo sector da electricidade.

94. No parecer da subsecção trata-se também do problema do financiamento do sector electricidade; e dá-se mesmo um grito de alarme, diante da situação revelada por números que, em essência, são estes.

Composição do investimento em 1963:

Percentagens
Acções ................................... 1,8
Recursos próprios ........................ 11,2
Empréstimos .............................. 85,5
Comparticipações ......................... 1,5

A realização dos projectos de um sector básico, como o da energia, financiando-os mediante empréstimos já não seria a melhor orientação; mas sabendo-se que se trata, na sua maior parte, de empréstimos a curto e a médio prazo (como consta do parecer, transcrevendo o relatório do Grémio Nacional dos Industriais de Electricidade relativo ao ano de 1963), a única conclusão possível é que algo de erróneo está a passar-se nestes domínios do financiamento da electrificação.

95. Tudo ponderado, crê-se que o programa de realizações no triénio, no sector da energia, é o que se resume no quadro abaixo. Deixa-se indefinida uma rubrica, «Outros empreendimentos», na produção, pelas razões apontadas no n.º 93 e pensa-se que será necessário juntar elementos que definam o regime financeiro, também de acordo com sugestões que ficaram no parecer.

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Programa do sector Energia

[Ver Tabela na Imagem]

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§ 13.º Transportes e comunicações

96. Resumem-se as projecções sectoriais do sector dos transportes e comunicações, tais como constam dos quadros apresentados na apreciação na generalidade:

a) Produto interno originado nos transportes e comunicações:

Meta para 1967: 5,2X109 escudos de 1958.
Variação anual: + 6,5 por cento.

b) Formação bruta de capital fixo:

109 escudos de 1958
Em 1965 .............................. 2,5
Em 1966 .............................. 2,7
Em 1967 .............................. 2,8

1965-1967 ............................ 8

97. Os objectivos do sector definem-se, em linhas gerais, dizendo que deve acompanhar a evolução da economia, apoiando em particular as actividades motoras do desenvolvimento - indústrias e turismo, tal como foram apontadas para este Plano -, bem como transformações de âmbito regional (1).
Distinguem-se, seguidamente, vários domínios dentro do sector, pois a cada um correspondem problemas e metas a alcançar, bem como projectos e orientações de política diferentes. Todavia, depara-se no projecto do Governo com uma referência a que a Câmara dá .º seu inteiro aplauso, considerando-a preocupação basilar para toda a actividade orientadora a desenvolver no triénio de recuperação; lê-se:

Os esforços durante a vigência do plano trienal deverão ser orientados em primeiro lugar para o saneamento financeiro e profunda reorganização das estruturas internas das empresas e serviços públicos, por forma a restituir-lhes a eficiência administrativa e rentabilidade económica que a observação directa mostra em muitos casos não possuírem, sem o que é legítimo duvidar-se da possibilidade de se efectuar tão elevado investimento ou, então, que, uma vez efectuado, produza resultados de exploração compensadores.

Seguem os objectivos e metas por subsectores:

a) Transportes terrestres: insiste-se, sobretudo, nas reformas estruturais e de saneamento financeiro, bem como na continuação dos empreendimentos iniciados no II Plano; coisas novas são os projectos relativos às centrais de camionagem, inseridos na prevalência atribuída aos transportes colectivos urbanos e às afluências suburbanas;
b) Portos: concentração de tráfego nos dois grandes núcleos de Lisboa e Porto, melhorando a sua rentabilidade;
c) Transportes marítimos: a meta de longo prazo (mas não definido) consiste em entregar à marinha mercante nacional 60 por cento do volume de mercadorias movimentado por via marítima no espaço económico português; em 1962 apenas se atingiam os 34 por cento. Quanto a investimentos, preferem-se, no triénio, as unidades especializadas mais rentáveis;
d) Transportes aéreos: no que respeita a infra-estruturas, dirige-se a atenção para reajustamentos de características dos principais aeroportos existentes, de acordo com o tipo de tráfego que os procura. Quanto ao equipamento da frota, renovar-se-á a de longo curso e aumenta-se e adapta-se a de médio curso - tudo conjugado com o saneamento financeiro da companhia nacional concessionária;
e) Comunicações: até 1967 não serão possíveis grandes progressos a corrigir a desfasagem que vem a verificar-se entre a oferta e a procura; assim, aponta-se para a elevação da densidade telefónica e telex, progresso da automatização dos serviços telefónicos local e interurbano e início no internacional, e ampliação da rede interurbana; e mesmo o programa limitado que se apresenta exige uma reforma estrutural da orgânica administrativa existente.

98. Os investimentos "prioritários" recolhidos para o projecto do Governo são os da lista que se segue.

Resumo dos investimentos prioritários programados para o período de 1965-1967 em
transportes e comunicações

Transportes rodoviários:

1) Estradas:
Contos
a) Construção, reparação e beneficiação, no continente e ilhas .................. 830 784

2) Centrais de camionagem:

Em Lisboa:

a) Estação de Entrecampos .............. 28 000
b) Estação de Alcântara ................ 30 000

No Porto:

a) Estação do Sul (Parque das Camélias) .......................... 32 000

3) Transportes colectivos do Porto:

a) Remodelação e substituição do equipamento ......................... 95 000

4) Ponte sobre o Tejo:

a) Estudos, projecto, expropriações e fiscalização ......................... 21 000
b) Construção ..........................651 461
1 688 245
Transportes ferroviários:

1) Rede geral:

a) Conclusão da electrificação da linha Lisboa-Porto ............. 247 000
b) Reforço e substituição de pontes ............................ 45 000
c) Recuperação de vagões imobilizados ...................... 35 000
d) Renovação de material circulante ........................ 173 000
A transportar 500 000 1 688 245

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Transporte ................. 500000 1688 245

2) Rede urbana de Lisboa:

a) Conclusão do 2.º escalão da
linha n.º 1 (Rossio-Alvalade) (1) ...... 275 000
775 000
Portos :

1) Lisboa ...................... 205 000
2) Douro e Leixões ............. 139 000
3) Aveiro ...................... 30 600
4) Figueira da Foz ............. 22 100
5) Setúbal ..................... 8 900
6) Sines ....................... -
7) Portimão .................... -
8) Faró-Olhão .................. 10 100
9) Póvoa de Varzim ............. 26 700
10) Peniche .................... -
11) Sesimbra. .................. -
12) Lagos ...................... 3 000
13) Vila real de Santo António . -
14) Funchal e Porto Santo ...... 13 000
15) Ponta Delgada .............. 17 000
16) Angra do Heroísmo .......... 6 000
17) Dragagens e aprofundamentos
por quebramento de rochas;
renovação da frota da divisão de
dragagens; estudos, ensaios
laboratoriais, fiscalização e
administração de obras ......... 10 000
491 400
Transportes marítimos:

1) Companhia Nacional de
Navegação - 1 navio de carga
de 12 500 t ................... 100 000
2)Companhia Colonial de
Navegação - 1 navio de carga
de -12 500 t ................... 100 000
3) Empresa Insulana de Navega-
cão - 1 navio de
carga de 3000 t ................ 50 000
4) Companhia Nacional de Navegação
- 1 navio de cabotagem ......... 25 000
5) Companhia Colonial de Navegação
- 1 navio de cabotagem ......... 25 000
6) Soponata - Sociedade Portuguesa
de Navios-Tanques, L.da
- 1 navio-tanque ............... 160 000
460 000

Transportes aéreos:

1) Aeroportos, instalações e serviços de navegação aérea:

a) Aeroporto de Lisboa ....... 157 000
b) Aeroporto do Porto ........ 8 000
c) Aeroporto de Faro ......... 47 000
d) Aeroporto da Madeira ...... 43 000
e) Aeroporto de S. Miguel .... 30 000
f) Centros regionais de
telecomunicações ............. 10 000

2) Aviação comercial ......... 600 000
895 000
Transporte ...... 4 309 645

Comunicações:

1) Rede geral de telecomunicações:

a) C. T. T. ............... 1 250 000
b) A. P. T. ............... 700 000
1 950 000
Total ........ 6 259 645

99. A política de transportes visará ao cumprimento dos objectivos enunciados, obedecendo a dois princípios: integração dos transportes no contexto geral da economia e promoção de uma sã concorrência. Concretizam-se estes pontos:

1). Acesso ao mercado dos transportes, executando o regime de licenciamento dos transportes particulares de mercadorias (regulamentação flexível do Decreto-Lei n.º 45 351) e definindo um sistema maleável de contrôle da capacidade dos transportes rodoviários públicos;
2) Organização do mercado de. transportes: em matéria de preços pretende-se fixar uma tarifa obrigatória, mas maleável, a possibilitar concorrência, para a camionagem de carga de aluguer, e também instituir novo regime de tarifas ferroviárias baseadas nos custos e estimulantes da exploração; no que respeita a acordos de complementaridade e fretamento, sugerem-se incentivos financeiros, suplementares e tarifários, ao acordo para serviço combinado entre meios de transporte concorrentes e para. fretamento de distribuição; e ainda se referem medidas de regulamentação saneadora contra os intermediários de transportes terrestres, de orientação indicativa (excepcionalmente, imperativa) de certos tráfegos para meios de transporte adequados, e de regulamentação dos transportes suburbanos de passageiros;
3) Harmonização do mercado dos transportes, dos pontos de vista fiscal (prevendo-se a tributação dos transportes rodoviários particulares de mercadorias), social (uniformizando as políticas salariais e os regimes de previdência) e técnico (regulamentando-se, por normas internacionais, as características dos veículos, com vista a obter rapidez e segurança de circulação). Também se anuncia uma alteração no tipo de relações entre o Estado e as empresas obrigadas a prestação de determinados serviços públicos menos rentáveis, deixando o Estado de cobrir deficits de exploração, mas imputando-se-lhe os encargos derivados dessas prestações especiais de interesse colectivo. Finalmente, aponta-se para a atribuição dos custos de infra-estruturas aos diversos transportadores;
4) Coordenação de investimentos, continuando-se os trabalhos de base para estabelecer a "conta dos transportes da Nação"; reorganizando-se o Fundo Especial de Transportes Terrestres, alargando-lhe a capacidade de facultar financiamentos nas condições excepcionais que o sector requer, e prevendo-se acentuada cooperação do organismo de planeamento dos transportes na política e planeamento do desenvolvimento regional;
5) Coordenação técnica relativa às sequências de transportes;

(1)Em rigor é 2.º escalão da 1.ª fase

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6) Aspectos específicos dos transportes marítimos, comportando a continuação da política de empréstimos em condições favoráveis para a construção de navios e medidas protegendo o mercado e os custos (exploração portuária).

100. A importância deste sector dos transportes e comunicações, escreve-se no projecto do Governo, torna-se de difícil avaliação, pois «se reflecte mais nos efeitos que exerce sobre os outros sectores do que na expressão da sua própria actividade».
Não pode, pois, deixar de salientar-se o agrado com que se vê ter sido delineado o capítulo do projecto respeitante aos transportes e comunicações. Parecem justas as preocupações e orientações básicas apontadas à política, realçando-se os propósitos de estabelecer um sistema eficiente - pela sã concorrência e pelo saneamento financeiro e administrativo das empresas e dos departamentos públicos intervenientes. Dos projectos pode dizer-se, de um modo geral, que se julgam solidamente estruturados, aliás na sequência do esforço desenvolvido nos planos anteriores. E das projecções afirmar-se-á, em síntese, que parecem encontrar correspondência no conjunto dos projectos e, por outro lado, que asseguram o equilíbrio interrectorial a que se aludiu pouco acima.
Todavia, o grau de exigência não pode ser idêntico em relação a todos os domínios de trabalho técnico em que se desdobra a preparação de um plano: e a este sector precisamente parece que há o dever de exigir mais por um conjunto de razões que resumidamente se expõem.
São relativamente poucas as entidades privadas ou públicas que intervêm na execução de empreendimentos de transportes e comunicações - e, portanto, também na preparação dos projectos. Realmente, citando a Junta Autónoma de Estradas, o Gabinete da Ponte sobre o Tejo e os serviços ou empresas de transportes colectivos dos grandes centros urbanos; a C. P. e o Metropolitano de Lisboa; as Administrações dos Portos de Lisboa e do Douro e Leixões e a Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos; as quatro ou cinco empresas de navegação relevantes; a Direcção-Geral da Aeronáutica Civil e a T. A. P.; os C. T. T. e a A. P. T. -temos quase todo o investimento possível no sector, apenas faltando referir o equipamento em material circulante rodoviário, mas disperso por numerosas entidades. A simples citação dos nomes sugere tradições na elaboração de projectos vultosos e, mais do que isso, especiais responsabilidades na sua concepção, pois o volume de cada empreendimento é grande, a justificar todas as cautelas da prospecção.
Além de poucas entidades, e importantes, estão os seus dirigentes plenamente cônscios do significado que tem para o País o que se faça ou não faça e o modo como se processa quanto for feito no sector. E quando houvesse desacerto, o próprio grau de concentração facilita o exercício do contrôle por parte do Governo: a relação é, em geral, demasiadamente directa para não actuar com eficácia à luz do interesse nacional.
Finalmente, ainda outra circunstância contribui para tornar o sector um dos mais permeáveis às concepções da programação de longo prazo: é que as perspectivas para qualquer projecto, mesmo encarado de um ponto de vista parcelar, individualizado, têm de ser também a longo prazo, dada a extensa vida média do tipo de capitais fixos a considerar; e existem órgãos internacionais de estudo e coordenação dos transportes (terrestres, marítimos, aéreos), podendo entre nós colher-se e beneficiar-se com uma experiência universal - o que não é comum a todos os sectores.
.Acodem estas considerações ao examinar criticamente as perspectivas e metas que no projecto se apontam para cada um dos ramos considerados; e também ao encarar três problemas que mal se discutem no projecto e aos quais a Câmara atribui a maior importância - volume global do investimento no sector e sua estrutura, participação da indústria nacional nos fornecimentos ao sector, e relações a estabelecer com o planeamento e a acção de desenvolvimento regional.

101. Dos transportes terrestres fez-se uma análise sumária no projecto, concluindo pelo desequilíbrio entre rodovia e ferrovia (esta apenas com escassos 19 por cento do transporte de mercadorias), agravado ante a escassez da rede capilar de estradas e o excesso de material circulante rodoviário, a par da redução dos percursos médios no caminho de ferro e do obsoletismo que ainda caracteriza o respectivo parque. Daqui se traçam objectivos a atingir, que encontram tradução parcial nos projectos e nas orientações de política: esforço de construção de estradas municipais e regularização dos regimes de transportes públicos rodoviários; correcção de vícios de exploração no sistema ferroviário e renovação do material fixo e circulante.
Seria importante ver orientações mais firmes a respeito do tráfego urbano, com prevalência para os transportes colectivos; assim como não deixa de impressionar o desperdício anual de fundos para investimento e de capacidade para importar que constitui a entrada de mais automóveis ligeiros no parque nacional - como se fôramos país rico, onde as necessidades de acumulação para finalidades primordiais já não se suscitassem.
A marinha mercante nacional, com seus 164 navios e meio milhão de toneladas, está «de meia idade», apesar do intenso esforço de renovação de há anos atrás; mas houve suspensão e o resultado é este: 35 por cento dos navios são velhos (com mais de vinte anos de uso), 46 par cento estão numa fase média de utilização, e apenas 18 por cento se podem considerar na fase inicial - mas ainda haveria a ter em conta o obsoletismo económico de muitas destas unidades, além das do primeiro grupo, devido ao combustível, ao porte, à reduzida velocidade de que são capazes. Lançarmo-nos em amplo programa renovador? E a crise mundial de navegação, duradoura como não há memória? Em todo o caso apontam-se critérios selectivos para orientação de construções: transporte de minérios e carvão, embarque de turistas em cruzeiros.
A aeronáutica tem passado, recentemente, por revoluções técnico-económicas sucessivas e fundamentais, não se podendo ainda prever, com rigor, como serão e que infra-estruturas vêm a exigir os aviões supersónicos. Entretanto, há realidades: aeroportos inadequados às actuais exigências do tráfego, material insuficiente para cumprir as carreiras .existentes (fretando-se para a África), ou inapropriado para outras (o caso dos Caravelas a fazer Lisboa-Porto).
Nas telecomunicações apontam-se muito em concreto metas para 1975: densidade de 13,4 postos telefónicos por 100 habitantes e 25 postos telex por 100 000 habitantes, serviço telefónico local e interurbano completamente automatizado e existência de cabos em todas as artérias da rede interurbana.

102. Diante dos números dos investimentos de primeira prioridade que aparecem logo no início do projecto governamental não faltará quem faça contas de dividir e conclua que parece equilibrada a posição do sector no volume global de investimento: 18 por cento.

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Mas o cálculo não tem o menor significado, pois já se demonstrou na apreciação na generalidade que nem os investimentos de primeira prioridade constituem uma categoria a reter, nem o total do investimento a fazer no triénio poderia vir abaixo dos números da programação global - sob pena de graves consequências para o País.
Sendo assim, a posição do investimento para formação bruta de capital fixo no total da formação de capital exprime-se por 8 milhões de contos a dividir por 53,3 milhões: chega-se a 15 por cento.
Não se dirá que é bom ou que é mau, apresentam-se números europeus, que são médias de 1953 até 1962, mas que apenas se referem ao investimento nos «transportes interiores», o que exclui a marinha mercante e a aviação.
São estes os números:
Investimento em transportes interiores, em relação ao total de investimento bruto -1963-1962:

Porcentagens
Alemanha ............... 22
Áustria ................ 22
Espanha ................ 15
França ................. 17
Grécia ................. 12
Noruega ................ 14
Países Baixos .......... 19
Portugal ............... 12
Reino Unido ............ 23
Turquia ................ 19

Parece poder concluir-se que o número português anda por baixo, e mais grave se afiguraria a situação olhando à estrutura, do investimento, ou seja, distinguindo entre infra-estruturas e material circulante.
Concluem-se duas coisas: quando no projecto do Governo se sugere o critério «de procurar reduzir ao indispensável o peso das infra-estruturas, em obediência à orientação de dar preferência aos investimentos de maior e mais rápida reprodutividade», parece de reter a ideia geral, mas notando a restrição indispensável, e quase receando que se tenha vindo abaixo disso. Não se esqueça que o ritmo de crescimento da formação de capital fixo vinha tendencialmente a crescer a 8,8 por cento e agora se programou a 5,7 por cento para o triénio.
Segunda conclusão: o investimento programado, apesar de tudo, é de 8 milhões de contos (preços de 1958), a que correspondem, grosseiramente, 9,2 milhões a preços correntes.
Considerando as características especiais do sector que se apontaram atrás (n.º 100), parece aconselhável que o conjunto dos projectos discriminados no plano não desça muito abaixo desse valor total - o que quer dizer que haverá a contar com alguns daqueles que no texto em apreciação aparecem como «adicionais», a realizar apenas se houver recursos financeiros.
103. Vê-se outra razão muito mais profunda para seguir esta orientação de cuidar desde já de discriminar maior número de projectos neste sector: trata-se da influência exercida sobre outros ramos de actividade, essencialmente as indústrias fornecedoras de bens de capital.
No quadro resumo dos projectos, que adiante se apresenta, são salientes essas relações, sobretudo nas indústrias de construção e materiais de construção e nas indústrias mecânicas (equipamentos para obras públicas, equipamentos de elevação e manutenção, material circulante ferroviário e automóvel, construção naval, construções metálicas, equipamento eléctrico e electrónico).
A quase dezena de milhões de contos que se apontou para investimento trienal no sector pode ficar - e convém que fique - no País, sob a forma de aquisições a actividades nacionais. Mas para isso é essencial que- se estabeleça um clima de relação entre compradores e eventuais fornecedores, fabricantes ou empreiteiros; e o Estado tem uma palavra e uma acção importante a desempenhar neste aspecto, pois é muitas vezes ele mesmo o cliente, ou está em posição de subordinar a tal forma de política de industrialização as facilidades ou concessões que dê. Não basta, porém, a lei ou a compreensão e esta existe, apontando-se já números elucidativos no projecto de Plano, com 65 por cento dos fornecimentos aos C. T. T. vindos da indústria nacional e 80 por cento no caso da A. P. T. Além dessas condições de base, há trabalho efectivo de programação, a conduzir desde já.
Qual é a capacidade e como está a carteira de encomendas dos empreiteiros nacionais? Que se passa em matéria de fornecimentos de material circulante de caminho de ferro por parte da empresa nacional especialmente montada para essa produção - e que, regularmente, é posta em dificuldade precisamente por estas faltas de coordenação? Quais serão as perspectivas e reacções da indústria de construção naval ante as duas hipóteses que comporta o programa- do Governo - seis barcos e mais um petroleiro, ou ainda mais quinze navios a construir ou iniciar no triénio? E as indústrias de equipamentos, e as de material eléctrico e electrónico, incluindo aparelhagem para iluminação de aeroportos? E a recém-mantada indústria de material automóvel, que possibilidades verá abrirem-se para uma certa normalização e programação de compras que se consiga, pelo menos, dos principais grupos de transportes rodoviários?
O ataque a problemas deste género é que justifica os planos.
104. Uma última questão é a das ligações entre programas de transportes e desenvolvimento regional. Pelo menos em dois pontos deste capítulo do Projecto se alude a eles, crê-se que uma vez correctamente, da outra menos bem. Transcreve-se (Actas, cit., p. 659):
Quanto aos aspectos relacionados com o desenvolvimento regional, prevê-se uma íntima colaboração dos órgãos centrais de planeamento e coordenação de transportes (Gabinete de Estudos de Planeamento de Transportes Terrestres) com as instituições de planeamento regional para determinar, segundo critérios económicos de minimização dos custos totais, as acções prioritárias regionais em matéria de construção de infra-estruturas; a comparticipação, na medida do possível, das instituições centrais de financiamento (Fundo Especial de Transportes Terrestres) nos empreendimentos regionais que, pelas suas características., se justifiquem no âmbito da política geral de transportes, e o estímulo, através de medidas apropriadas, de colaboração entre empresas para efeitos de conjugação de esforços para o seu reapetrechamento técnico.
Isto está pensado no melhor espírito de desbravar, em colaboração, um terreno que vai ser novo e difícil na política económica portuguesa dos anos próximos. Mas não parece é conciliável com estoutro trecho, que aparece poucas páginas antes do que se transcreveu (Actas, cit., p. 648):
A linha de rumo que se define, no tocante à sua [dos transportes] contribuição para a política regional que se esboça, é a de que só depois de se elabora-

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rem, a curto prazo, os planos regionais mais necessários, pelos quais os transportadores saibam o que podem vir a transportar, equacionando-se deste modo as futuras necessidades de tráfego, se poderá decidir quais os tipos de transporte a melhorar ou a criar prioritariamente. Assim se garante a economicidade do sistema.
Apenas acontece que o «sistema» é de interdependência: e como se avançará, se a futura orgânica administrativa do desenvolvimento regional (de que o- Governo fala noutro texto) vier proclamar que a sua linha de rumo é a de só depois de decididos os tipos de transporte a criar ou melhorar, de modo a saberem os produtores se podem vir a receber materiais e a escoar as produções, se decidirá acerca do que vai produzir-se e onde, elaborando planos regionais com garantias de economicidade?

105. No quadro que segue apontam-se os projectos discriminados na versão provisória de Plano, tendo-se juntado alguns elementos esclarecedores acerca da sua razão de ser e correspondentes incidências sobre actividades fornecedoras dos capitais. Incluíram-se alguns dos projectos que no texto do Governo apareciam além dos de «primeira prioridade» e de que (já se explicou) se considera provável e, mais, indispensável, a realização, aconselhando a inclusão discriminada desde já. Ainda se incluiu uma referência a «material de transporte rodoviário», pois se entende que há trabalho de programação a fazer neste domínio, e trabalho que é útil além de parecer possível.

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Programa do sector Transportes e comunicações

[Ver Tabela na Imagem]

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[Ver Tabela na Imagem]

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§ 14.º Turismo

106. Embora não apareça discriminado nos quadros onde se resumem as projecções elaboradas para o Plano, o sector do turismo também deu lugar a trabalhos de previsão, que se podem sintetizar deste modo (1):

a) Produto interno originado no turismo:

Variação anual:

Percentagens
Na hotelaria ......................... + 12
Em actividades complementares ........ + 9,2
Percentagens

b) Formação bruta de capital fixo (no triénio):

109 escudos de 1958
Na hotelaria ......................... 1,5
Em actividades complementares ........ 0,6

Os objectivos propostos para o sector traduzem-se na atracção de turistas estrangeiros a um ritmo de aumento médio anual de + 18 por cento e na promoção prioritária do Algarve e da Madeira como centros turísticos.

107. As medidas que se preparam para atingir estes objectivos ordenam-se do seguinte modo, resumindo quanto consta -e é muito- do projecto (Actas, cit., pp.
Crédito turístico: saneamento do sistema de crédito hoteleiro, considerando a uniformização das taxas, a supressão dos juros nulos (ou quase) que se tem praticado, a conversão de empréstimos existentes para condições mais convenientes, a normalização dos tipos de empréstimos, a definição de critérios para concessão, a simplificação de processo e a melhoria da gestão dos fundos pelo escalonamento dos orçamentos. Tentar-se-á ainda ligar melhor a .concessão do crédito aos objectivos de expansão do sector, para o que se prevê fixar o volume dos empréstimos em função do número de "unidades" construídas (quartos ou camas), em vez dos gastos, e alargar para além da hotelaria o campo da acção do Fundo de Turismo (piscinas, barcos de passeio de turistas, campos de desporto, etc.).
Regulamentação e incentivos no sector da hotelaria: utilização em termos mais precisos, mas também mais latos e expeditos, do incentivo que é a declaração de "utilidade turística"; classificação rigorosa dos estabelecimentos hoteleiros e similares; revisão do regime de preços, introduzindo uma modalidade "tudo incluído" e fixando um campo de variação para cada categoria; intervenção estadual a facilitar a cedência dos terrenos para construções de interesse turístico, evitando a especulação, adquirindo zonas antes de estarem beneficiadas e concedendo terrenos do domínio público, em especial marítimo. Ainda se prevêem incentivos para formas de alojamento complementares da hotelaria.
Transportes aéreos: encara-se uma política liberal em matéria de voos fretados destinados aos aeroportos do Porto, Faro, Porto Santo e Funchal.
Publicidade: intensificar-se-á a publicidade no estrangeiro, mas cuidar-se-á particularmente de racionalizar as acções de várias entidades (públicas e privadas), escolhendo e centralizando a informação básica, estabelecendo objectivos definidos às campanhas e realizando estudos de mercado.
Formação profissional: para preparar o pessoal especializados aos níveis requeridos (cerca de 5000 profissionais nos três anos) requerem-se três escolas hoteleiras, sendo uma na Madeira, e será ainda necessário promover cursos móveis de índole prática para aperfeiçoamento. Nos domínios de guias e intérpretes e quanto a agências de viagens, rever-se-á a correspondente legislação nos termos requeridos.
Núcleos turísticos: reservam-se certas zonas para um turismo mais selectivo e caro, ocorrendo assim às desvantagens da saturação.
Abastecimento de produtos alimentares: pretende-se evitar carências que seriam comprometedoras, valorizando simultaneamente as produções e economias locais e regionais.
Reorganização dos serviços: atender-se-á às necessidades de planeamento e acompanhamento e contrôle de execução, ao mesmo tempo que será necessária uma orgânica coordenadora da própria execução do que se planeou.

107. Os investimentos programados distribuem-se da seguinte forma:

Milhares de contos
Hotéis .................................. 1 220
Pensões ................................. 260
Pousadas ................................ 24
Total ............................. 1 504

Como já se escreveu, ainda se prevêem mais 0,6 milhões de contos a investir em actividades complementares, além dos projectos de outros sectores - como portos e aeroportos, estradas, etc.
Por constituir a verba fundamental, tem interesse registar - abreviadamente - a metodologia seguida para o seu cálculo, ou, o que é o mesmo, para equacionar o objectivo de atracção de turistas e os meios materiais para os receber.
Partindo dos números actuais e da taxa programada para turistas estrangeiros (+18 por cento ao ano), chega-se a uma projecção do número de turistas a entrar no continente e ilhas em cada um dos amos; calcula-se até 1968, pois a capacidade adicional de alojamento requerida para esse ano (já além do Plano) deverá começar a ser financiada pelo menos em 1967. Introduzindo um parâmetro relativo ao número médio de dormidas por turista, e que se supõe igual ao valor de 1963 -ou seja 3,7-, calcula-se o número total de dormidas de estrangeiros.
Para nacionais, partiu-se do número de dormidas em 1963 e projectou-se o crescimento a ritmo igual ao do produto nacional.
A fase seguinte de cálculo consistiu em converter os números relativos a dormidas em equipamento (camas, classificadas por cinco categorias de estabelecimentos hoteleiros) . Para as categorias, partiu-se das situações e tendências actuais, chegando a duas distribuições tipo, para estrangeiros e nacionais; para a conversão em equipamento, fez-se o cálculo tendo em atenção as flutuações sazonais, em que avulta a "ponta" de Agosto (20 por cento dos estrangeiros e 17 por cento dos nacionais) e supondo um grau de utilização médio de 85 por cento,

(1) Actas da Câmara Corporativa, n.º 65/VIU, de 1 de Outubro de 1964, p. 661.

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justificado, entre outras razões, por desequilíbrios regionais.
Deste modo, chegou-se a números para o equipamento em cada um dos anos de 1965 até 1968, classificado por categorias; e fez-se o confronto com a capacidade existente, considerando ainda os programas já em construção, que se presume cheguem a seu termo no próximo ano - e de tudo resultou a projecção para cada um dos restantes anos.
Bestava converter em valor: «aceitando que metade do financiamento para um empreendimento hoteleiro deve estar disponível no ano da inauguração, e metade no ano anterior, e utilizando os valores de 120 contos e 80 contos como custos médios por cama, para hotéis, pensões e pousadas, respectivamente, chega-se à estimativa do investimento a realizar no triénio de 1965-1967» (Actas, cit., p. 663) -a qual ronda o 1 500000 contos.
O quadro que segue resume todo o cálculo:

Projecções de equipamento hoteleiro, 1965-1967

[Ver Quadro da Imagem]

108. Os objectivos propostos ao sector concordam com os que «e apontam ao conjunto da economia nacional: aceleração do crescimento, aumento do emprego e da exportação (de serviços), maior equilíbrio regional, até melhoria do nível de vida, quer por efeitos directos da expansão, quer pôr um efeito demonstração exercido na população e nas autoridades locais.
Não se pode, também, dizer que sejam excessivamente ambiciosos: vêm números no projecto de Plano que mostram bem o que tem sido o incremento turístico de estrangeiros recentemente, e sabe-se quanto tem representado tal expansão turística na Itália e na França, por exemplo, e como depois passou à Grécia e, recentemente, à Espanha. Terá chegado a nossa oportunidade, e há que ajudar - com uma política activa.
Parecem claras as contas de projecção hoteleira, com a limitação que há sempre em qualquer estimativa fora da rotina, que é a de se estarem a cometer erros derivados dos elementos de base ou das hipóteses. Sem projecções da natureza das que acaram sumariadas é que seria impossível delinear fosse que plano fosse com laivos de coerência; por isso se louva a vinda dos números. Todavia, como nota o parecer subsidiário da secção de Transportes e turismo (n.º 7), ainda recentemente se afirmou autorizadamente que «no ano corrente as entradas de turistas devem ser de ordem das 850 000 pessoas» - ou seja, atingiu-se em 1964 o total projectado para 1966. E o parecer da secção conclui «que o Governo terá de definir novamente, na última redacção do Plano, qual a quantidade de turistas esperados (ponto de partida) e a taxa de crescimento» (n.º 8 do parecer).
Outro reparo que se impõe é o da previsão da evolução das receitas: o nosso turista de 123 dólares há-de tender para o nível médio do resto da Europa do Sul, pois não constitui política exclusiva a atracção de correntes que não sejam as de massa. O parecer da secção considera esses números de receita, apontados no projecto, como optimistas em demasia; e segue o comentário, que parece pertinente: «Conhecidos os poucos produtos que os estrangeiros podem comprar em Portugal, sabido que quase não temos actividades em que possam gastar o seu dinheiro [...] pensamos que, de facto, os números são elevados de mais» (n.º 2 do parecer subsidiário). E é o mesmo parecer que chama a atenção para a intenção, que houve claramente, de «sacrificar o chamado turismo das massas ao turismo de luxo» (n.º 10); e acrescenta pensar-se que o primeiro «não pode nem deve ser completamente abandonado, pelo menos enquanto não subir muito o nível de .vida do nosso povo e se quiser atender, como é mister, ao turismo dessa natureza que acorre ao continente em elevado número».
Alguns riscos de alteração sobre os nossos tipos de vida sempre advirão daí, mas crê-se que poderão ser encaminhados para proveito.

109. Não escapam também três ou quatro notas importantes no texto do projecto. Há, primeiramente, uma preocupação de saneamento quanto aos processos financeiros - e a Câmara aprecia quanto se faça neste sentido, que é o da verdade, do realismo e da boa administração.

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Depois, lá vem a referência aos fornecimentos de outros sectores da produção nacional em ligação com o desenvolvimento turístico: os alimentos que convém não escasseiem, as indústrias fornecedoras de materiais e equipamentos hoteleiros, estando em estudo a legislação protectora para ligar as facilidades de crédito à utilização de produtos nacionais.
Vêm ainda na mesma linha das relações sectoriais, mas a outro nível, os transportes e comunicações, as obras públicas em urbanização e saneamento, em conservação das arribas e praias, em reconstrução de monumentos nacionais e arranjo de museus. O incremento do turismo depende tanto ou mais disso tudo do que dos hotéis e pousadas, havendo, todavia, que salientar a prevenção que consta do parecer da secção (n.º 18) - «o turista não gosta de encontrar monumentos de muitas centenas de anos com o aspecto de terem sido construídos há poucas décadas, ou até há poucos meses» - prevenção que não colide, evidentemente, com a continuação do que há de meritório nessas obras de restauração.
Por último, salientam-se as preocupações de aproveitar o turismo para desenvolvimento regional - e os casos do Algarve e da Madeira são nítidos, parecendo pacíficos. Fica a amargura de não se ir trabalhar o arquipélago dos Açores com a mesma intensidade, mas espera-se que isso possa acontecer em futuro próximo e ao abrigo de um planeamento regional que anda em preparação.
Em matéria de crédito, além do saneamento, pré vê-se o reforço do Fundo de Turismo; mas não se fica a compreender bem com que quantia, nem isso parece essencial neste momento, em que não tem de discutir-se e decidir-se; já se repisou que interessam as estimativas de investimento, as quais estão compatíveis com os resultados da programação, sendo, portanto, integráveis na capacidade global de financiamento. O resto tem de ser ponderado, e muito, mas nos programas anuais.
Aponta-se ainda, em certa passagem, para o interesse que o investimento em empreendimentos turísticos em Portugal começa a despertar nos meios financeiros internacionais, levando a «admitir a possibilidade de uma substancial redução do apelo às fontes internas, que poderá, eventualmente, vir a ser substituído pelo crédito externo privado». A referência vai, sobretudo, para os investimentos directos, e fala-se de operações dessa natureza ao longo da costa. Claro que há a saída ulterior de lucros e certa dose de desnacionalização; mas além de ser tendência da Europa, esta de ligar mais Intimamente e sem perdas de independência política os seus múltiplos pequenos retalhos, não sairiam os lucros se não entrassem os capitais alheios, mas também nada ficaria por não haver então, eventualmente, surgido a iniciativa e a capacidade, até de «mercado», que acompanha esses capitais.
O parecer da secção levanta, porém, uma dificuldade: nada se dizer acerca das condições em que os capitais estrangeiros entrarão em Portugal. Ora, a iniciativa privada precisa de condicionalismos claramente definidos, libertando-se do arbítrio das autoridades, sendo difícil de outro modo captar valores do exterior, subsistindo, para mais, alguma legislação vinda do tempo em que se contrariava tal afluxo (n.º 12 do parecer). Noutro capítulo do projecto - o da indústria - vem anunciado o propósito do Governo de fazer sair rapidamente um diploma relativo à aplicação de capitais estrangeiros, devendo esperar-se os seus benéficos efeitos também no sector do turismo.
"Finalmente, há uma reserva no parecer subsidiário respeitando às medidas destinadas a «facilitar a cedência de terrenos em condições razoáveis, etc."(n.º 23 do parecer).
A reserva da Câmara não poderá exprimir-se rigorosamente nos mesmos termos que a da secção, pois precisamente para evitar o cometimento de inúmeros abusos é que - todos o admitem - será necessário, por vezes, limitar o direito de propriedade; o que se impõe é que essas limitações sejam dirigidas efectivamente ao bem comum e, sobretudo, que não vão evitar os abusos do antigo proprietário facilitando os daquele que apareça a substituí-lo.

§ 15.º Ensino e investigação

110. Para seguir o esquema geral de exame na especialidade que se tem vindo a adoptar, faltam elementos no capítulo respeitante a «Ensino e investigação» do projecto do Governo. Metas respeitantes à evolução do produto e à formação de capital fixo, conjuntos de objectivos ou medidas de política sectorial não aparecem explicitamente, não se tendo mesmo adoptado estas últimas designações, que sempre apareceram a respeito dos sectores já analisados. Não se vê inconveniente numa diversidade de apresentação, uma vez que também a natureza do «sector» é substancialmente outra; tudo está em que não deixem de abordar-se as questões relevantes, marcando-se uma firme linha de orientação - e pouco importará a formalização que se queira preferir.
Aliás, vem no texto do projecto uma anotação a que se quer também juntar um comentário: «Não é possível referir a taxa de acréscimo no sector do ensino e investigação estimada para o triénio de vigência do Plano, nem o correspondente montante de investimento global, porque os dados da contabilidade nacional não permitem discriminar a parte do produto nacional gerado na actividade dos serviços de educação» (1). Dir-se-á que se reconhece interesse no desdobramento que venha a poder fazer-se nas rubricas das contas nacionais, de modo a evidenciar os valores relativos à educação, parecendo especialmente importantes os da despesa e da formação de capital fixo; mas nunca seria com o fim de utilizar tais números para medir, por exemplo, a importância do sector relativamente às restantes actividades nacionais - pois estão em causa valores humanos de ordem não quantificavel.

111. Seguindo sempre o texto do Governo - pois que dele constam certos pontos concretos, e há que os resumir aqui, para depois apreciar -, verifica-se que, logo de início, surge uma anotação justificando a inserção do capítulo no Plano de Fomento; e diz-se que se defronta «uma intenção que importa sublinhar», pois os planos de fomento devem abranger todos os aspectos que concorrem para valorizar intrinsecamente o homem, e também para aumentar os meios de acção ao seu dispor, ou seja, «para a intensificação e aperfeiçoamento do potencial produtivo da população» (Actas, cit., p. 666).
Seria de aconselhar na versão definitiva uma formulação em termos mais humanistas ou respeitadores de pessoa humana - em vez de económicos, o que aliás se está certo ser o pensamento do Governo.
Logo abaixo escreve-se que «o ensino e :a investigação, no seu todo, não só devem figurar nos planos de fomento como devem alinhar entre as matérias merecedoras de tratamento prioritário». O acordo da Câmara é total.
Vem, depois, um conjunto de considerações acerca dos trabalhos de planeamento em curso no Ministério da Educação Nacional, abarcando quer os aspectos qualitativos, quer os aspectos quantitativos: àqueles dirige-se a pre-

(1) Actas da Câmara Corporativa n.º 65/VIII, de 1 de Outubro de 1964, p. 670.

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paração de reformas básicas que e a meditação e a experiência aconselham para remodelar a estrutura do sistema educacional; a estes responde-se pela definição dos «elementos numéricos que devem idealmente exprimir, em função das necessidades económico-sociais, a concretização material do sistema escolar no decurso de certo prazo» -(Actas, cit., p. 666).
A respeito de reformas diz-se que o propósito de as introduzir já vem produzindo frutos - e destaca-se a extensão a seis anos de escolaridade obrigatória, a partir de 1968-1969. Sobre os elementos numéricos aponta-se a existência do relatório português do «Projecto Regional do Mediterrâneo», (preparado por acção conjunta do Ministério e da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico. A Câmara conhece - pois já está publicado - esse relatório e, ante a sua transcendente importância, terá de a ele recorrer, já adiante, para fundamentar a sua análise.
Ainda no projecto do Governo, embora afirmando-se que a vida não pode parar, procura-se não cair na orientação de subordinar a qualidade à quantidade, mostrando o propósito de só entrar no caminho de amplas realizações materiais depois de estar fixada a nova fisionomia da organização escolar no seu todo; não se vê no projecto incompatibilidade entre esta prudência e a necessidade de não devermos «deixar atrasar-nos ou consentir que se acentue o atraso já existente» (Actas, cit., p. 667)- e dão-se razões, as quais, todavia, se consideram discutíveis.

112. Dentro da linha preconizada no texto em apreciação, apenas se referem, depois, «alguns traços da situação do ensino e da investigação em Portugal, na medida do preciso para pôs em evidência certas necessidades mais urgentes e a descrever e justificar os investimentos a que se procederá, dentro dos limites permitidos pelo actual condicionalismo, em ordem a satisfazer algumas dessas necessidades» (Actas, cit.). Acrescenta-se logo a seguir que, em caso algum, se menosprezará o concurso do sector privado, «que nunca pode perder-se de vista num plano de desenvolvimento».
A crise dos sistemas educacionais é universal, até porque o ideal é humanamente inatingível, como se escreve no projecto; é assim, continua-se, particularmente no terreno de educação, onde tudo depende das pessoas «que se interpõem entre um superior pensamento orientador e as realizações e (que) nem sempre estão à altura da sua missão (Actas, cit.). E não se pode esperar tudo do Estado, o qual deve continuar a fazer as suas reformas, pois «subsistem deficiências antigas, outras foram geradas pela evolução dos acontecimentos, trazida pelo próprio progresso do País, e ainda não foi possível eliminá-las». O Ministério tem em estudo um órgão planificador.
Aliás, o panorama melhorará rapidamente quanto aos professores, pois foram ultimamente promulgadas medidas beneficiando grandemente «um vasto sector do professorado liceal; se valorizou o professorado primário, parte do qual será chamado a reger estudos mais desenvolvidos, constitutivos do ciclo complementar, com remuneração mais alta; se ordenou a reforma das escolas do magistério primário; se facilitou a realização do doutoramento ou agregação por parte dos assistentes do ensino superior, mediante a concessão de bolsas, de estudo, etc. (Actas, cit., p. 668). E também se prevê solução para o problema do excedente de professores do ensino primário, surgindo o ciclo complementar a permitir absorvê-lo. A Câmara não ficou esclarecida sobre os fundamentos da asserção, pois não ignora as elevadas média de alunos por professor, nem o facto de existirem tantas escolas onde leccionam «regentes escolares». E também seria de apreciar alguma palavra acerca dos benefícios ao professorado do ramo técnico.
Trata-se seguidamente dos alunos, distinguindo os aspectos de escolaridade dos de produtividade. Quanto à escolaridade, a obrigatória, alongou-se 50 por cento (a referência deve entender-se para o Decreto-Lei n.º 45 810, já referido atrás, ao abrigo do qual o facto se verificará a partir de 1968-1969, sendo os 50 por cento os dois anos adicionais do ciclo complementar). E explica-se que, se a escolaridade facultativa é muito mais diminuta, isso se deve a uma queda sensível de (frequência além do período de obrigatoriedade. Fica-se na indeterminação acerca da intensidade dessa quebra, sendo um dos pontos em que alguma quantificação ajudaria a esclarecer os factos.
O princípio de proporcionar meios para frequentar as escolas aos que o mereçam e não disponham de recursos é formulado com vigor, vindo depois referências ao que se tem feito, mediante o aumento do número e quantitativo das bolsas, pelo fomento da habitação estudantil e pela instalação e, mais, pelo funcionamento de cantinas ou refeitórios, pela recente instituição de subsídios de transporte ou deslocação aos melhores alunos do ensino primário que vivam longe de estabelecimentos do ensino secundário e desejem frequentá-los. Também se crê que tudo ficaria mais nítido se aparecesse quantificado.
Em matéria de produtividade, começa-se por defini-lo: trata-se de obter maior resultado (em aprovações de alunos), mas sem afrouxamento na apreciação do aproveitamento escolar, olhando assim também à qualidade; nem sempre terá havido estas cautelas ao aplicar o termo à indústria e bem se calcula quão falaciosos hão-de ser tantas vezes os resultados que daí advêm.
Mas assim entendidas as coisas, afirma-se que o nível de produtividade não é o desejável, e vêm logo as causas: falta de aplicação de bastantes alunos, distraídos dos estudos por esta terrível solicitação do mundo moderno, destruidora da quietude de espírito; errada escolha de curso; escassez de instalações ou de pessoal docente; reduzido rendimento do ensino de certos professores; exagerado rigor de alguns na apreciação do aproveitamento escolar; peso excessivo de determinados currículos e programas ou faltas de coordenação; utilização ainda limitada de meios pedagógicos eficazes como os áudio-visuais; e, no ensino primário, presença, nas classes normais, de alunos que deveriam seguir classes especiais. (Actas citadas, p. 669).
Felizmente, pode verificar-se que a quase todas estas dificuldades está na mão do Ministério ocorrer, exceptuando-se porventura sómente a primeira causa; e não deixa de apontar-se (seguindo ainda o texto oficial) o maior mal de todos - o sistema tem de servir cada vez maior número de alunos.

113. Tratados os professores e os alunos, falta uma referência aos planos de estudos, programas e métodos: a renovação necessária está condicionada à reforma prévia das estruturas. Todavia, aceita-se que se vão fazendo experiências, havendo já o exemplo da Matemática no 3.º ciclo liceal - com o auxílio da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico -, entre outras que também se vêm efectuando; é outro ponto que, pela sua relevância e melindre, mereceria maior pormenorização.
E os edifícios? Nas últimas décadas tem-se construído muitíssimo, por exemplo no ensino primário, à cadência de 1000 salas por ano. Todavia, há edifícios superlotados,

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ou antiquados, e outros que nunca ofereceram as necessárias condições.
A enorme necessidade de construções impõe economia e funcionalidade; e os dois Ministérios interessados, da Educação e das Obras Públicas, estão debruçados sobre, esta ordem de assuntos também em colaboração com a O. C. D. E. Crê a Câmara que haverá a decidir sobre um problema muito importante, que é o da economia da construção - e que parece possível resumir deste modo: ou se constrói para decénios, mas avança-se pouco em equipamento indispensável; ou se cuida de alargar rápida e decisivamente o número de instalações, sacrificando a durabilidade dos edifícios e optando por fórmulas mais expeditas e menos onerosas. Estudos e recomendações, designadamente de origem internacional, aconselham o segundo dos caminhos enunciados para países com fracos recursos e que necessitam de fomentar intensamente o ensino.
Sobre apetrechamento vem-se trabalhando: logo na fase de instalação das escolas se atende a isso e ainda ulteriormente mediante uma comissão (desde 1957). Ponto de tomo a referir é o dos meios áudio-visuais para ensino de massas, e lançou-se a televisão escolar e educativa.
114. A investigação merece natural carinho no texto em exame. A fundamental desenrola-se nas Universidades, pois é «a fonte que deve alimentar perenemente esse ensino, sob pena de ele perder a sua vitalidade e cristalizar» (Actas, cit., p. 669); e cita-se a obra do Instituto de Alta Cultura, embora reconhecendo que há por aí muito a fazer ainda.
Mas marcam-se rumos: a ligar essa investigação fundamental à pesquisa aplicada, pois há confusão de atribuições entre organismos, por vezes, e asso tem de ser corrigido; e a frisar (logo no início, do capítulo) que ao falar de investigação está sempre incluída aquela que tem por objecto o homem e a sociedade, mão menos importante do que o progresso científico sobre o mundo exterior.
Características .da nossa investigação aplicada, nos últimos dez anos: papel decisivo do Estado, predomínio dos temas interessando ao sector primário, carência de pessoal e - factor positivo - o reconhecimento no estrangeiro da capacidade de alguns institutos de investigação nacionais; seria importante citar casos destes, até a servirem de exemplo e estímulo, mas aceita-se que, certamente, se quis evitar melindres.

115. A parte final do projecto do Governo nesta matéria do «Ensino e investigarão» já obedece a um esquema semelhante ao dos restantes capítulos - e traba de investimentos. São do sector público e só os de «primeira prioridade», divergindo-se, todavia, relativamente aos outros sectores, por muito poucas sugestões se oferecerem sobre acções de prioridade ulterior. Porventura quase todo o programa apresentado pelo Ministério foi considerado suficientemente importante para não sofrer adiamentos, ainda que parciais - o que a Câmara considera orientação de aprovar.

O quadro que segue resume os investimentos:

Contos
A) Fomento extraordinário de actividades
pedagógicas, culturais e científicas ........ 100 000
B) Instalações (a) .......................... 585 000

Construção e adaptação de edifícios do
ensino primário ............................. 240 000
Construção e adaptação de edifícios do
ensino liceal ............................... 100 000
Construção e adaptação de edifícios do
ensino técnico .............................. 140 000
Construção e adaptação de edifícios do
ensino superior ............................. 90 000
Construção e adaptação de edifícios
destinados a residência de estudantes ....... 15 000

C) Apetrechamento extraordinário ............ 70 000
D) Investigação aplicada .................... 119 000

Construção civil ............................ 18 000
Fomento industrial .......................... 40 000
Fomento mineiro ............................. 21 000
Fomento agrícola ............................ 18 000
Publicação de cartas de ordena-
mento agrário ............................... 6 000
Fomento florestal e piscícola ............... 9 000
Fomento pecuário ............................ 7 000
Total ..................... 874 000

(a)Compreende não sómente obras novas cujos projectos sejam aprovados pelos Ministérios das Obras Públicas e da Educação Nacional, mas também a conclusão de obras em curso.

A ordenação e classificação dos investimentos não seguiu os graus de ensino, pois se considerou preferível (por permitir uma visão miais perfeita, diferenciando o que realmente é diverso) arrumar «em função da diversidade das suas naturezas intrínsecas» - apenas se abrindo a excepção quanto às instalações. Já os «investimentos referentes à investigação aplicada, qualquer que seja a configuração intrínseca que revistam, estão concentrados» (na última categoria), mas tem de reparar-se que com a investigação fundamental é de outro modo - distribuída por A) e por C). Sem estas anotações do texto governamental o quadro teria a leitura dificultada.
Seguem breves condensações do que se explana no projecto sobre cada uma das categorias de investimentos.
No «fomento extraordinário de actividades pedagógicas, culturais e científicas» põem-se 100 000 contos, desde já. Irão para: o planeamento da acção educativa, sobretudo as quantificações de 2.ª fase para levantamento da carta pedagógica e definição de uma rede escolar adequadamente regionalizada; valorização de pessoal docente, técnico e administrativo, cuja missão seria ocioso encarecer, pois sem ele de nada valem reformas, e a que se vão dirigir cursos de aperfeiçoamento e actualização; assistência a estudantes, permitindo que estudem, além da obrigatoriedade, os que possuem real mérito; experiências pedagógicas, em ordem a renovar programas e métodos; trabalhos extraordinários de investigação fundamental, onde se tem «em vista actividades, de carácter extraordinário, que venham a realizar-se no domínio da investigação fundamental»; reformas no âmbito da educação nacional, pois há-as, e «pensou-se que teria interesse contemplá-las também neste Plano», pondo verbas para arranque (Actas, cit., pp. 670 e 671).
No domínio «instalações» há discriminação suficiente no quadro apresentado, apenas se ficando a ignorar os programas físicos a que as verbas correspondem. E há referências a empreendimentos que surgirão se aparecerem disponibilidades.
Quanto a «apetrechamento extraordinário» nada se adianta.

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E, finalmente, sobre «investigação aplicada» vem com clareza e correspondendo ao desenvolvimento de programas anteriores, úteis e acreditados, o que se refere ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil, ao Serviço de Fomento Mineiro e às actividades do sector da agricultura, silvicultura, pecuária e piscicultura, avultando a pormenorização que respeita a estudos especializados em ligação com o «aproveitamento da bacia do Mondego». Vê-se em todos esses programas que esteve presente a preocupação de responder a problemas efectivos e urgentes do fomento económico.
No caso do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, retém-se a rubrica de trabalhos de pesquisa respeitando à construção habitacional - e ver-se-á no comentário ao capítulo da habitação como é grande e urgente a obra a realizar neste campo para conseguir «racionalizar» (e a palavra diz tudo) o actual panorama da construção em Portugal, que é um panorama de desperdício, falta de adequação às necessidades e acumulação de deficiências técnicas.
Acerca da investigação ligada à agricultura, etc., não fica clara a suficiência da proporção com o esforço de fomento que se pretende conduzir. A «investigação» terá de ser, muito, aquisição para o nosso meio e divulgação entre os lavradores de técnicas correntes lá por fora; mas nem os serviços parecem equipados e mentalizados por tanto, nem a receptividade será a melhor no momento actual, nem -e é ponto fulcral- se conseguirá nada quando as frequências e conclusões de cursos em Agronomia, Silvicultura e Veterinária caem, todos os anos, para níveis mais baixos.
O caso do Instituto Nacional de Investigação Industrial é diferente - o que se compreende, talvez, por ainda ser casa nova a apalpar caminhos. Todavia, olhando aos sectores industriais, que se diz no respectivo capítulo irem ser os prioritários - químicas, mecânicas, eléctricas e transformadoras de produtos agrícolas -, fica-se a pensar que ainda não foi atingida a fase de síntese com os programas próprios do Instituto: mas é problema a resolver internamente, na Secretaria de Estado da Indústria, não suscitando dificuldades inter-sectoriais.

116. Tudo isto é o que propõe o Governo e define a sua linha de acção educativa.
Também aqui - e com mais razão do que já se fez para outro sector - se consideram inúteis quaisquer palavras respeitando à importância dos problemas do ensino ou da investigação; faz-se, a quem lê, a justiça de admitir que tais palavras lhe serão familiares.
A situação em que a Câmara se vê pode sintetizar-se nesta curta expressão: trata-se de um problema muito sério para o País, e convém que seja tratado em profundidade. Não se estranhará, pois, algum alongamento dos comentários, porventura desproporcionados para quem seguisse o critério de valorar pelas verbas do investimento sectorial.
Começa-se por declarar compreender a dificuldade em que se debate o Ministério da Educação Nacional: ante um ritmo avassalador de crescimento dos problemas tradicionais e de outros, novos, e sentindo, ao mesmo tempo, que uma obra honesta deve ser meditada, opta-se pelo trabalho de fundo, que parece não estar ainda amadurecido suficientemente para se lhe poderem enunciar as linhas mestras.
Mas a Câmara, ao formular parecer acerca do que se lhe apresenta, entende não dever calar as inquietações do
País, que vêm sendo cada vez mais prementes em torno deste problema do ensino. Não se atinge ninguém ao analisar tal problema; deliberadamente, procurar-se-á não interferir por algum comentário ou proposta demasiadamente concreta, com orientações e trabalhos porventura já em pleno andamento. Mas tem-se a esperança de que ainda seja possível ao Governo reformular as linhas fundamentais do capítulo de «Ensino e investigação» no plano definitivo de acção que vai resultar da versão provisória agora em apreciação.

117. A secção de Interesses de ordem cultural (subsecção de Ensino), em seu parecer especializado, aborda frontalmente o problema das deficiências e do atraso em que nos encontramos em Portugal diante do resto da Europa. Pode haver esta ou aquela minúcia a diferençar os critérios de construção das estatísticas de ensino dos vários países - e temos sido muito propensos a repudiar os confrontos internacionais quando nos desfavorecem, ao mesmo tempo que os acolhemos e deles abusamos, até, quando nos situam bem. Mas a verdade é que as diferenças de nível -na alfabetização, na duração da escolaridade obrigatória, na frequência das fases de escolaridade facultativa, na proporção entre diplomados médios e superiores relativamente à população total, nas despesas com a investigação e nos resultados dela obtidos, na projecção científica, técnica e até cultural no mundo contemporâneo -, as diferenças são de tal grandeza que não é possível calar, ou ladear, o problema, ou iludirmo-nos (a nós, pois não iludimos os outros) a pretexto seja da universalidade dos problemas, seja da escassez dos recursos, seja sómente da incomparabilidade dos números. Seria excessiva responsabilidade perante a história para as élites de um país.
Como não se estão a buscar ou a apontar responsáveis - e todos o somos -, mas a querer contribuir para uma solução do mais grave de todos os problemas nacionais, impõe-se esgotar quantos meios porventura existam para ajudar a construção desse caminho. O Ministério da Educação Nacional, no capítulo do texto provisório do plano, refere o relatório português integrado no «Projecto Regional do Mediterrâneo»; sabe-se que esse estudo serviu na fase preparatória dos trabalhos do Plano; anda ele publicado com a chancela introdutória do próprio titular da pasta e em edição do Centro de Estudos de Estatística Económica (que o elaborou), o qual pertence ao Instituto de Alta Cultura; e, acima de tudo, constitui a única base que existe e que possa servir de orientação para a actividade a adoptar em matéria de ensino e estabelecido à luz dos melhores métodos de previsão hoje conhecidos. Mal pareceria se a Câmara como que ignorasse tal estudo, ao querer apreciar o problema português do ensino.

118. Apesar das suas largas páginas, numerosos quadros e algumas fórmulas matemáticas, esse estudo da «Evolução da estrutura escolar portuguesa - Metrópole» é linearmente simples.
Parte-se da estrutura educacional da população activa em 1960 e aponta-se um objectivo para 1975, O prazo tem de ser efectivamente longo, pois uma estrutura desta natureza não se modifica e corrige em poucos anos - e agora até já sómente restam dez. Por outro lado, o fulcro todo da questão reside nesse objectivo - quem queira impugnar é aí que deve centrar a atenção, e não nos métodos depois utilizados para estabelecer as necessidades de ensino, quer dizer, de frequências e conclusões de cursos, de professores, de instalações, de medidas de política educa-

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cional dirigidas a esses objectivos e de verbas para as cumprir. Põem-se já tais objectivos:
Estrutura educacional da população activa em 1960 e 1975

[Ver Tabela na Imagem]

a) Inclui o ciclo complementar do ensino primário, criado pelo Decreto-Lei - n.ºs 810.

A primeira consequência que se tira dos objectivos é que terá de aumentar intensamente o número de conclusões de cursos e a própria frequência escolar, embora menos, por se dirigirem esforços ao aumento de produtividade. Por exemplo: nos 15 anos que vão do ano lectivo de 1945-1946 ao de 1959-1960 concluíram-se cursos ou ciclos em número de 1,5 milhões, sendo (ainda a título de exemplo) 27,5 milhares de cursos superiores e 220 milhares de primeiros ciclos secundários; pois nos 15 anos que medeiam até 1975, haveria que conseguir 64 000 formaturas universitárias e 1455 milhares de primeiros ciclos, multiplicando-se por 2,9 é total de conclusões de cursos e ciclos (4,3 milhões).
Outro exemplo, agora quanto a frequências: confrontando os quinquénios de 1950-1955 e de 1970-1975 (vinte anos de intervalo), teria de vir multiplicado por 1,9 o efectivo escolar, naturalmente com maior intensidade uns ramos e graus de ensino do que outros (1.º ciclo secundário 11,2 vezes mais, Universidade 2,5 vezes). Note-se o grande aumento de produtividade implícito nos dois números dos totais relativos a conclusões e frequências - o que esse aumento exigirá é medidas concretas.

119. Passa-se por alto toda a análise (e conclusões parciais) respeitante à situação e carências actuais, bem como às hipóteses que suportam os raciocínios. A conclusão básica para o ensino superior é a de entrarem 5500 novos alunos em 1964-1965, por exemplo,- e 10 800 em 1975-1976 - os quais não seriam «sacrificados», como até agora tem acontecido, nas proporções que se traduzem por taxas de aproveitamento de 1/3 nas escolas de Economia e de 50 por cento nas Faculdades de Medicina. Professores, seriam precisos 2700 dentro de dez anos, o que significa ser necessário formar e fazer ingressar na carreira cerca de muito mais de 2000 novos, além dos que agora estão e ainda possam estar nessa altura.
Análise semelhante é a que se faz para cada um dos graus de ensino. Mas, retendo apenas a conclusão básica do estudo, aquela que neste momento pode interessar a Câmara no sentido de recomendar uma linha geral de ataque ao problema segundo esta óptica, ou o seu abandono, por impossível: «... poderá estimar-se em cerca de 152,1 milhões de contos (preços de 1960) o PNBpm metropolitano naquele ano [de 1975(1)]. Desse modo, a despesa total com o ensino anteriormente estimada deveria representar então cerca de 4,2 por cento do PNBpm(2).

Repare-se que estão incluídas também as despesas de investimento com instalações novas, e que nas despesas correntes se contam quer as do sector público, quer as que continuariam a corresponder ao sector do ensino particular- Mas, sem dúvida, o aumento, que é de cinco vezes em relação a 1960, deve-se essencialmente aos gastos correntes com o pessoal. E a manutenção de posições do ensino particular, melhor, o alívio que é necessário conseguir para o Estado do encargo de facultar o ensino obrigatório em todas as zonas do País, orientam para uma política de subsídios aos alunos desse ensino particular - e a percentagem das despesas globais com o ensino em 1975, que se apontou há pouco, cresceria- ligeiramente para 4,56 por cento, variação sem significado para a análise de agora.
E um peso demasiado? Será suportável sem sacrifício? A Câmara não sabe dar outra resposta diferente desta: e indispensável. E quanto mais tarde se encetar a jornada não só se estará a retardar também o seu termo mas. o que é bem mais grave, vão-se acumulando os atrasos, tornando cada ano mais difícil a arrancada, e- vão-se perdendo gerações de jovens portugueses para a instrução, a cultura e a vida do espírito, que é como se disséssemos, .vão-se perdendo para a sua condição de homens.

120. A Câmara é de parecer que não basta formular doutrina geral, cumprindo-lhe ainda - neste caso concreto - contribuir para a eventual reformulação dos próprios termos em que se apresenta o capítulo de ensino e investigação, com vista ao Plano.
Devem constar, primeiramente, orientações tendentes a imprimir ao sistema uma plasticidade que se coadune com as exigências impostas ao homem de hoje no que respeita à mobilidade interprofissional e, até, à constante redução técnica dentro de uma mesma profissão. Ainda mais, como se observa no parecer da subsecção, o investimento intelectual apresenta-se como verdadeiro motor do desenvolvimento; e tudo vem sintetizado nesse mesmo texto (preâmbulo):
A aceleração do ritmo da transformação social, determinada pelo abandono de um tipo de sociedade pré-industrial, modifica as relações entre os grupos e subgrupos nascidos da própria organização do trabalho e as relações dos indivíduos perante a estrutura social, entregando às instituições educativas não só a instrução das massas, como também a manutenção do impulso científico e técnico, o recrutamento cias profissões e a própria selecção social.
A partir de certa fase do desenvolvimento, as instituições e funções educativas encontram-se compelidas a adoptar novos esquemas, passando o sistema educativo a desempenhar um papel estratégico, como determinante da organização económica e cultural da sociedade.

Destas observações decorrem algumas normas para a acção prática - aliás no sentido, bem apontado pelo Governo, da melhoria ou reforma «qualitativa» do sistema de ensino: é necessário que. pelo seu anarcrolismo, esse

(1) As projecções actuais, do próprio plano em análise, levam a um número mais alto.
(2) C. E. E. E. - «Evolução da estrutura escolar portuguesa (metrópole) : previsão para 1975», Lisboa, 1964, p. 248.

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sistema não constitua travão ao processo de desenvolvimento e- transformação em curso, nem abdique «da sua função básica de promoção e dignificação dos homens» (ainda nas palavras do parecer da subsecção); e também é indispensável que a «cultura geral» receba a atenção exigida pela sua crescente importância como instrumento de mobilidade, «assumindo a forma de património comum a todas as categorias sócio-profissionais e proporcionando uma capacidade para aprender, muito mais útil do que a simples bagagem de conhecimento especializado imposto ao estudante de um modo prematuro».
Esse texto, dedicado especialmente aos problemas básicos do ensino, formula em poucos tópicos orientações que a Câmara entende apoiar, reproduzindo-as neste parecer geral:

a) Devem aumentar os efectivos discentes como resposta às maiores necessidades de trabalhadores qualificados e às necessidades da promoção social de novos estratos demográficos;
b) Torna-se essencial desenvolver a cultura geral, assegurando, o mais tarde possível, especializações cada vez mais numerosas;
c) Deve facilitar-se a orientação e a reorientação dos estudantes e dos diplomados através de um sistema escolar eficaz, que permita a permeabilidade dos graus e nos ramos do ensino, e na formação complementar ou de reconversão situada para além do período de escolaridade;
d) Os métodos e os meios do ensino devem evitar que o acréscimo do número se faça em detrimento da qualidade;
e) Deve-se organizar e manter um sistema permanente de formação «de informação.
Ainda do parecer da subsecção de Ensino consta uma contraproposta de acções a desenvolver, no âmbito do Plano entre 1965-1967, a qual está reproduzida no quadro que segue:

Programa para o sector «Ensino e investigação»

[Ver Tabela na Imagem]

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[Ver Tabela na Imagem]

A Câmara entende dar todo o apoio a essa proposta da subsecção à luz das considerações que, resumidamente, passa a expor.
O primeiro ponto é o do valor global atingido, cerca do dobro daquele que constava do projecto do Governo. Mas há que distinguir as verbas de investimento em formação de capital fixo [essencialmente as alíneas B) e C)] de outras verbas, somando cerca de 400 milhares de contos, as quais constituem gastos de consumo público. O investimento propriamente dito representará, portanto, apenas 2,6 por cento do total do investimento do triénio (ou ainda menos, por estarem estes valores calculados a preços correntes).
Outra observação tem a ver com os critérios para escolha e discriminação dos projectos apontados. A preocupação que ressalta do parecer da subsecção de Ensino foi a da viabilidade imediata, tendo-se atendido à «existência de projectos, capacidade de construções, possibilidade de formação de professores e condições de selecção e de prosseguimento de estudo dos estudantes» (parecer citado, capítulo III).
Importa ainda -e é o terceiro aspecto- enunciar os objectivos que a Câmara (como a subsecção) teve presentes ao formular o seu esquema: são os que constam das conclusões do parecer subsidiário, designadamente das que se transcrevem:
Tornar imediatamente compulsório o ensino primário até à idade profissional, tendo-se em vista, essencialmente, a educação da criança, a consolidação dos assuntos fundamentais do ensino e a introdução de elementos básicos, úteis a uma aprendizagem profissional;
Elevar as frequências do ensino liceal e do ensino técnico, l.º e 2.º graus, de maneira a atingir-se num futuro próximo mais cerca de 200000 estudantes;
Promover o desenvolvimento do ensino técnico e agrícola médio, com uma frequência que se procuraria, principalmente, entre os bons alunos dos ensinos profissionais;
Promover também, com rigorosa selecção, o melhoramento e o alargamento das frequências do ensino superior, que num futuro próximo deveriam alcançar os, 40 000 estudantes.
Destes objectivos decorrem, naturalmente, concretiza- coes como as que também foram apontadas entre as conclusões da subsecção, e que efectivamente estão em correspondência com o programa já transcrito:

a) A intensificação da construção e adaptação de edifícios dos diferentes graus de ensino e seu apetrechamento;
b) A preparação científica e pedagógica muito intensiva de professores, com reorganização dos cursos de habilitação e realização de cursos de aperfeiçoamento;
c) A valorização das profissões docentes por alargamento apropriado dos quadros e reclassificação de categorias;
d) Orientação e selecção dos estudantes «para cursos próprios e garantias da possibilidade de sequência de estudos por concessão de bolsas em grande escala.
Finalmente, não quer a Câmara deixar ,de anotar que de pouco serviria à formulação de doutrina correcta sem lhe fazer seguir as realizações - estando em causa, como estão, interesses pessoais e colectivos de ordem superior. Quer-se terminar com uma palavra de confiança e estímulo na acção do Governo, afirmando que tudo o que se faça de novo e profundo nestes domínios do ensino encontrará muito favorável aceitação no País.

§ 16.º Habitação

122. A natureza especial do sector da habitação leva a dar todo o relevo aos números das projecções que se referem u construção, ou seja a formação de capital fixo, sendo muito menor o significado de dados respeitando ao produto. Teremos, assim, para o triénio:

Formação bruta de capital fixo:

109 escudos de 1958
Em 1965 ................ 2,7
Em 1966 ................ 2,9
Em 1967 ................ 3,1

1965-1967 .............. 8,7

Estes valores representam, só por si, uma variação anual ao ritmo de + 8,5 por cento, quando no decénio anterior essa expansão se media pela taxa de 6 por cento.

123. Os objectivos apontados são (1):

Estruturação de uma política habitacional para se dispor, com vista ao plano seguinte, de um conjunto de directivas e instrumentos adequados;
Realização de um programa de empreendimentos prioritários de reconhecido interesse social, asseguran-

(1) Actas da Câmara Corporativa, n.º 65/VIII, de 1 de Outubro de 1964, p. 673.

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do-se investimento público e das instituições de previdência;
Aplicação de um conjunto de medidas para coordenar a iniciativa privada e orientá-la para a satisfação das carências habitacionais das classes de mais fracos rendimentos.

Em concretização do segundo destes objectivos apresenta-se o seguinte programa de investimentos (1):

Contos
Construção de casas económicas (Oeiras, Lisboa-Chelas, Agualva-Cacém e outros)......................... 207 100
Construção de casas para famílias pobres os 55 500
Construção de casas para os Serviços Sociais da Guarda Nacional Republicana e da Polícia de Segurança Pública ............................ 30 000
Empréstimos individuais para a construção de casa própria ................................. 7 200
Plano de construção de habitações, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 42 454, na zona oriental da cidade de Lisboa (Olivais e Cheias) .................... 143 600
Prolongamento do plano de melhoramentos da Câmara Municipal do Porto (Decreto-Lei n.º 40 616) ......................... 50 500
Construção de casas de renda económica ........... 918 000
Empréstimos a beneficiários das instituições de previdência para construção, aquisição e beneficiação de habitações ....................... 420 000
Construção de casas para pescadores .............. 15 000
Total ............... 1 846 900

124. As medidas de política habitacional abarcam os seguintes pontos:

a) Revisão da legislação vigente, imprimindo-lhe características para acompanhar a evolução técnica e social;
b) Orientação de política fiscal no sentido de protecção às famílias de menores recursos;
c) Activação da política de terrenos mediante expropriação, designadamente nas «regiões que não tenham ainda planos de urbanização, desde que se reconheça que os terrenos a expropriar são adequados à construção de agrupamentos habitacionais»;
d) Direcção preferencial do crédito à construção para habitações de carácter social, orientação das poupanças individuais para construção em regime de propriedade resolúvel mediante a formação de cooperativas, impedimento à concessão de créditos para reconstrução de imóveis demolidos (com a ressalva de interesse urbanístico reconhecido pelos municípios) e aumento da comparticipação do Estado na construção de casas para famílias pobres;
e) Constituição de duas comissões - uma para orientar o combate às construções clandestinas e o saneamento dos aglomerados já constituídos, a outra dedicando-se à promoção de serviços públicos e de equipamento complementar nas zonas urbanas carecidas; e adaptação da lei e da orgânica às exigências do «planeamento físico»;

f) Promoção de experiências-piloto relativas à utilização de recursos potenciais e à coordenação de organismos especializados dependentes de diversos Ministérios, bem como à constituição e trabalho de cooperativas e, ainda, à formação de pessoal técnico.

125. O exame a que a Câmara tem de proceder sobre este capítulo da habitação vem extremamente facilitado pela enorme riqueza documental e profundidade da análise produzida no parecer das secções de Indústria e de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Construção, vidro e cerâmica - subsecção de Obras públicas e comunicações), o que foi possível, por sua vez, como se anota repetidamente nesse texto, devido à grande valia dos estudos preparados pelo grupo de trabalho n.º 7 da Comissão Interministerial. Dir-se-á que o sector aparece pela primeira vez nos planos de fomento, mas que por este conjunto de circunstâncias felizes isso acontece da melhor maneira.
As conclusões básicas de todos esses documentos não divergem daquelas que andam no texto apresentado pelo Governo: o problema habitacional situa-se ainda «entra os graves problemas da actual vida económica do País», tais são as palavras agora reeditadas, e que constavam do relatório do Decreto-Lei n.º 36 212, de 7 de Abril da 1947, já lá vão dezassete anos.
Mas, sendo grave, reconhece-se que não ë possível abarcá-lo decisivamente neste momento. Nem é só a capacidade financeira que falta; são também, e, porventura, primacialmente, os instrumentos legais adequados, os técnicos instruídos de muitas especialidades, a indispensável readaptação das indústrias de construção e, sobretudo, ideias transformadas em orientação política para a acção e, mesmo, a adesão colectiva à prioridade do problema e à necessidade de lhe ocorrer por fórmulas abertamente diversas das que até agora têm vigorado.
Todavia, como diz o Governo, «a atitude de pura expectativa- aguardando o arranque de uma política de habitação dentro de dois ou três anos, não se considera aceitável» (Actas, cit., p. 673). Daí que se tenha procurado assegurar tal arranque em futuro próximo, delineando, a partir de agora, a orientação básica no sector - para o que se apontou exactamente o primeiro dos objectivos do plano; mas também que se definisse um programa imediato de realizações públicas, a ocorrer às dificuldades mais gritantes e constituindo, desde logo, um avanço substancial no sentido em que, provavelmente, virá a trabalhar-se mais tarde; e, ainda, que se atentasse na urgência de orientar de melhor maneira aquela outra acção do sector privado, que tem existido e ainda agora se prevê continue em bom ritmo, mas à qual cumpre imprimir correcção profunda à luz de critérios eminentemente sociais.
A Câmara dá o seu acordo tanto à prudência em não marcar, desde já, rumos definitivos para os quais não há ainda suficiente suporte, como à decisão de não se perder tempo a acumular atrasos e a manter situações que sempre hão-de ser atacadas dentro de qualquer delineamento de mais longo prazo que venha a definir-se. Daqui se infere um programa para esta análise a que a Câmara procede: interessa examinar, em concreto, as propostas do Governo; mas é ainda mais importante contribuir para o esclarecimento dos rumos futuros, avaliando quanto material de estudo já exista preparado neste momento.

126. O parecer subsidiário das secções começa por rever o esforço legislativo que desde há 30 anos vem a

(1) Não inclui os investimentos já projectados e em curso referidos na alínea A) -159 750 contos.

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fazer-se para abarcar este problema da habitação. Casas económicas (1933), casas de renda económica (1945), casas de renda limitada (1947 e 1958), casas desmontáveis (1958), casas para famílias pobres (1945),- casas para pescadores (1946 e 1950), casas para famílias desalojadas na cidade do Porto (1956), tudo são marcos de um esforço continuado que convém agora recordar. Mas avulta, sobretudo, o diploma de 1958 (Lei n.º 2092), que fixou como objectivo fundamental, sobretudo, às caixas sindicais de previdência e às caixas de reforma ou de previdência o cooperarem no fomento da habitação construindo directamente, quer casas de intuito «social» (casas económicas, prédios em regime de propriedade horizontal e casas de renda económica), quer prédios de renda livre, e recorrendo ainda à concessão de empréstimos para estimular entidades construtoras - os próprios beneficiários, as entidades patronais que queiram auxiliar os seus empregados e assalariados e as Casas do Povo e suas federações em relação aos seus sócios efectivos ou equiparados. E também importa referir o plano de construção de habitações na cidade de Lisboa (Decreto-Lei n.º 42 454, de 1959) e a definição que se fez do regime de cooperação das instituições de previdência na resolução do problema habitacional (1946 e, sobretudo, em 1960 o Decreto-Lei n.º 43 186, de 23 de Setembro).
Logo a seguir faz-se no parecer subsidiário o inventário das necessidades actuais de alojamento, e não apenas numa perspectiva estática e momentânea, mas na sequência dos períodos desde 1950 até 1970 - a primeira década que passou, os quatro anos que se cumpriram desde então até agora, e as perspectivas próximas, em que deverá enquadrar-se o próximo plano de fomento e, pelo menos, o início do seguinte.
Não cumpre à Câmara discutir os métodos e os dados - o mais que pode dizer-se é que se afiguram tecnicamente correctos. Mas o que importa reter é a conclusão: o «deficit carencial (em linguagem não técnica, as necessidades de fogos para abrigar as famílias sem alojamento ou com alojamento sem ser em prédio e ainda aquelas que ocupam parte de um fogo, as que vivem em superlotação crítica e as que residem em casas sem o mínimo exigível de condições de higiene, salubridade e segurança) atingia, como ordem de grandeza, 500 000 fogos em 1964, afectando cerca de um quarto da população do País. Este deficit agravou-se à média de 4000 fogos cada ano desde 1950, o que significa não ter a nova construção chegado sequer para cobrir as necessidades entretanto surgidas. E há aspectos de discriminação geográfica a atender, pois o problema do «alojamento sem ser em prédio» (barracas, «ilhas», «bairros de lata») é essencialmente um problema de Lisboa e Setúbal: a massa de agregados plurifamiliares diminuiu na província, mas aumentou extraordinariamente em Lisboa; e a superlotação dos fogos constitui sobretudo um problema rural.
Outra conclusão básica é a que se refere ao «deficit de reposição» (novos alojamentos necessários em cada ano para atender ao crescimento demográfico, responder aos movimentos migratórios de carácter permanente, substituir fogos inutilizados por variadas razões): chegou-se ao número de 34000 fogos, em média, para cada um dos anos de 1961 A 1970; e. embora haja aí aspectos de pormenorização dos cálculos que não serão pacíficos, pensa-se que o números síntese deve valer.

127. Pode partir-se destes números: construções a fazer em cada ano para ocorrer ao deficit de reposição (34 000 fogos até 1970. naturalmente mais em cada um dos decénios seguintes), o que -constituiria- o mínimo para não agravar o problema; e construções para ir reduzindo o deficit carência-] de partida (seriam 500 000 fogos a distribuir pelo número de anos do programa de recuperação): a soma dos dois números dar-nos-ia- as metas do plano habitacional.
Crê-se não se conveniente estabelecer Cálculos desses - que qualquer pessoa poderá fazer, aliás - sem conhecer, primeiramente, como aconteceram as coisas na década 1950-1960.e até um pouco para cá desse ano. Assim se dirigirá a .atenção para os pontos que exigem intervenção activa.
O caso é que a evolução portuguesa se traduz pelos seguintes números:

A construção de habitações em Portugal: 1953-1962

[Ver Tabela na Imagem]

Fonte: Parecer subsidiário citado. n.º 10, quadro III (donde se remete para o Instituto Nacional de Estatística. Estatística Industrial, 1953-1962).

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Vem, primeiramente, o número de construções e a tendência evolutiva que revelam; já sabíamos que a construção não cobriu o deficit de reposição (faltando, em média, uns 4000 fogos cada ano); mas tem interesse examinar a tendência, francamente progressiva de 1954 até 1958 e, esporadicamente, em 1961. O interesse dessa tendência é o seguinte: suponhamos que se fixava como meta do programa habitacional resolver as dificuldades já enunciadas até 1985, isto é, com o novo plano de três anos e mais três planos hexenais; entrando com o deficit carencial de 1964 (que situamos em 500 000 fogos), supondo que o nível de construção nesse ano terá sido de 30 000 fogos e admitindo, ainda, que se podia extrapolar durante mais decénio e meio o valor estimado para o deficit de reposição (34 000 novos fogos por ano), seria necessário construir, nos 20 anos, cerca de 1,3 milhões de fogos - isto é, que. o ritmo actual de construção progredisse sem desfalecimentos à taxa de 7,5 por cento ao ano. Ora foi essa- a taxa de 1953-1961, o que mostra a viabilidade da meta apontada.

128. O cumprimento de um programa desse género não é. porém, compatível com a estrutura que o mesmo quadro reve-la no que respeita às entidades impulsionadoras da construção - e daqui podem sair linhas fundamentais para a política a formular.
O ponto-chave está no peso do sector privado a trabalhar na modalidade de renda livre - o qual é excessivo entre nós. A iniciativa privada em empresas lucrativas move-se, na aplicação de capitais, em busca do taxas altamente remuneradoras; que isso não é concordante com programas sociais de habitação, mostram-ino os números portugueses (as «rendas livres» absorveram 91,3 por cento das construções totais do decénio, ou 96 por (tento do total de realizações do sector privado). Mas não sendo programas sociais, estaremos a resolver, com prioridade, o problema habitacional das classes ricas (corno aconteceu, exactamente, 1.10 decénio transacto), tendo de aguardar-se do desenvolvimento económico do País e da consequente elevação média- de rendimentos que as restantes classes ascendam às rendas exigidas por uma habitação, dessas que são remuneradoras para o capital privado; e, pior do que isso ainda, estaremos a desperdiçar capitais em construções caras, pois são essas que justificam tais rendas remuneradoras - e os números das contas nacionais portuguesas, que também se mostram no parecer subsidiário, esclarecem sobre este ponto. Efectivamente, no mesmo decénio, o País imobilizou em alojamentos 19,2 por cento da formação bruta de capital fixo, o que deveria ter permitido resolver substancialmente o problema habitacional, em vez de o agravar (tal percentagem compara-se perfeitamente com as do resto da Europa, como mostra o quadro IV do parecer subsidiário); todavia, o «investimento urbano do nosso país, carecido de orientação adequada, gastou num número relativamente pequeno de edificações caras [...] capitais que, melhor aplicados, permitiriam [...] um número muito superior de fogos» (Parecer, cit., n.º 12).
Tudo quer dizer que se impõe uma reorientação profunda, no sentido de a construção passar a ser, essencialmente, constituída por programas de intenção social.

129. Se alguém cuidasse que a única via aberta era a da socialização (no sentido de estatização) das habitações, haveria que fazer notar no quadro apresentado as colunas relativas à acção das cooperativas e às construções para rendas limitadas, além de também se pedir a distinção entre entidade construtora e regime jurídico de fruição, no que respeita aos fogos construídos com investimento público. Tudo isto, que é elementar, convém fique afirmado pela Câmara, a prevenir reacções emocionais que, no fundo e com serenidade de espírito, se vê nada significarem senão interesses feridos.
Como se passam as coisas na Europa? Com a ressalva de que as estatísticas internacionais a seguir apresentadas (e reproduzidas do parecer subsidiário já citado) dão ao nosso país uma posição mais favorável da que se consegue obter olhando às próprias informações nacionais que andam publicadas e atrás se referiram, temos:

Contribuição relativa do sector privado e cooperativo e do sector público para os programas de construção habitacional

[Ver Tabela na Imagem]

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Na preponderância ao sector privado, sem ajuda do sector público, avantajam-se os números de Portugal e da Grécia, vindo abaixo um número mais antigo da Itália; olhando às colunas do sector público (e com ajuda desse sector) é que a nossa posição se afigura especialmente atrasada - o que neste caso significa ineficácia, como vimos. É especialmente notável o esforço da Irlanda, da França, da Inglaterra, da Suécia, da própria Espanha, onde o sector público constrói 24,3 por cento das habitações (em valor) e comparticipa ainda nos outros 75,7 por cento. De destacar, ainda, todos os números da coluna «Cooperativas e associações», mesmo sem olhar ao da Finlândia, que chega a quase metade do total do país

130. Vistos estes tópicos gerais, a mostrar a acuidade do problema e a justificar a intenção firme de o abordar, ao mesmo tempo que certa reserva momentânea, da parte do Governo - importa examinar aquilo que, de concreto, se contém no projecto.
Em primeiro lugar, as metas programadas: e à luz das observações e números que ficaram, apenas se dirá que a aceleração de ritmo na construção concorda com urgente carência nacional, havendo, todavia, que cuidar rasgadamente de tirar o máximo proveito social dos volumes de investimento a realizar. Estão em causa graves situações humanas, assim como exigências de protecção à família - e tudo não se compadece com abstenções de orientação e intervenção, em proveito da ganância de poucos.
Depois, os objectivos; em linhas gerais, já se escreveu o acordo da Câmara às três rubricas apresentadas. De modo que há, para ver em pormenor, os investimentos e as medidas que, em concreto, vão preencher os objectivos e metas apontados.
Sobre os investimentos, apenas se faz, por agora, um comentário de feição genérica - como nos restantes capítulos. Comparando os investimentos do programa governamental e que somam 1,8 milhões de contos (a preços médios, no triénio) com a projecção total de construção de habitações (8,7 milhões de .contos de 1958), vêm cerca de 18 pôr cento; é, sem dúvida, um grande passo em frente, e na direcção que se demonstrou ser a única aceitável.
Reparando no volume físico de construções: ao 1,8 milhões de contos corresponderão 19,7 milhares de fogos, e vem o custo médio de 9i) contos por fogo; usando este parâmetro (mas sabe-se que é favorável), conclui-se que ao investimento global de 8,7 milhões de contos de 1958, que representariam cerca de 10 milhões a preços do triénio, poderiam corresponder quase 108 mil fogos, ou ainda 8/5 mil em cada ano, em média.

131. Para estruturar a política- habitacional de longo prazo (primeiro objectivo) encara o Governo «a criação e regulamentação de um órgão destinado a orientar a política de habitação e urbanismo». Já se escreveu, na apreciação na generalidade deste parecer, que constitui tendência universal, na modernização dos serviços públicos, a preocupação - mas operacional - pelos problemas do planeamento de longo prazo, ao nível global como ao nível de cada sector (e regional, também, o que não é agora para discutir). E pôde escrever-se que, na preparação deste plano para 1965-1967, «já foram vários os sectores ou Ministérios que puderam trazer à colaboração departamentos, técnicos recentemente instituídos com maior ou menor formalismo e abertamente dirigidos à visão de longo prazo e interdisciplinar» (n.º 48) -o que se considerou importante progresso da administração pública e da vida e mentalidade portuguesa. No caso da habitação, não existiu tal departamento; mas dentro do grupo de trabalho n.º 7 foi possível reunir técnicos dominando toda a problemática em causa, por forma a produzir, ainda que publicado apenas em resumo no projecto do Plano, um estudo notável. A Câmara dá todo o aplauso à intenção revelada pelo Governo de dar continuidade e eficiência a este tipo de tarefas, tanto mais que está em causa uma terrível dispersão de técnicos e de atribuições de estudo, execução, etc.; lê-se no parecer subsidiário, citando o relatório do grupo de trabalho:
«Mais de vinte serviços e organismos diferentes -dos quais pelo menos dez com funções de planeamento e construção de habitações no plano nacional -, dependentes de seis Ministérios, fazem estudos, estabelecem programas, executam empreendimentos e promulgam normas e regulamentos no campo da habitação e do urbanismo, ordinariamente sem qualquer actividade de coordenação ou sequer de simples informação mútua, por vezes até quando pertencendo a um mesmo Ministério» (parecer citado, n.º 15).
Nada se dirá sobre a inserção deste organismo novo, reconhecendo que virá a ser difícil fugir à hipótese da Presidência do Conselho, más também que se torna necessário evitar tal tendência - hoje tudo é interdependente o que não era a situação de quando se estruturou a orgânica da administração pública em Ministérios sectoriais. Muitos países criaram nas últimas décadas o seu Ministério da Habitação, mas também não é solução pacífica.
A Câmara não esquece, todavia, um aspecto particularmente relevante: apesar dos seus contornos ainda não completamente definidos, já há um programa, e de tipo e intensidade novos, para este período transitório até 1967 - o que parece requerer, desde já, também estudos e trabalhos orientadores diferentes do que tem podido ser feito. Além disso, para que o órgão proposto pelo Governo tenha pronta e estruturada uma política habitacional - de forma que no início do plano seguinte se disponha de um conjunto de directivas e instrumentos adequados - haverá que começar desde já a trabalhar, não bastando criar um serviço pouco tempo antes de se encetar tal plano. Tudo aconselha, portanto, a lançar imediatamente, embora em regime de ensaio, o novo departamento, de modo a poderem afinar-se métodos, treinar os técnicos e garantir o êxito da política durante estes três anos e para os seguintes.

132. Já se tratou, em termos globais, dos investimentos que o Governo inscreveu como prioritários no projecto de Plano. Mas ainda interessa- verificar que a distribuição da verba total por vários grupos de construção obedeceu aos seguintes critérios: eliminação de bairros impróprios e reabilitação de zonas insalubres nos aglomerados urbanos e na sua periferia; planeamento urbanístico e equipamento mínimo das zonas urbanas que se desenvolveram desordenadamente e que estão carecidas de serviços públicos e equipamento complementar; alargamento da política de valorização do meio rural, através da beneficiação de aldeias: e execução de todos os projectos em curso.
Dizem as secções, no seu parecer subsidiário: «Cumpre, todavia, reconhecer que, dentro dos limites do investimento previsto, bem se seleccionaram os objectivos, atacando-se exactamente aquela zona em que os problemas são mais agudos do ponto de vista humano e perigosos do ponto de vista social. A eliminação dos «bairros da lata», das «ilhas» e dos bairros clandestinos não aproveitáveis, a reabilitação de zonas insalubres e o planeamento e equipamento mínimo de zonas urbanas (como

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alguns dos «dormitórios» de Lisboa) que se desenvolveram desordenada e incoerentemente devem, com efeito, situar-se no primeiro plano das preocupações de quem governa» (parecer citado, n.º 34). E mais adiante dá-se também acordo aos restantes pontos.
A Câmara não quereria ir além desta referência geral acerca dos critérios - pois que a sua transposição para os casos concretos implica conhecimentos pormenorizados e abundância de dados que não são do seu foro. Todavia, há uma referência no texto do projecto que não pode passar sem reparo: é a justificação para o saneamento social e urbanístico de toda a região do vale de Alcântara «de forma a apresentar em condições de dignidade a zona da cidade onde terminará a ponte sobre o Tejo» (Actas, cit., p. 676). Não se contesta a necessidade da obra: mas julga-se que sempre ela se impôs, e ainda agora,
para acudir a uma situação que não é digna de homens, mais do que por estética e paisagem relacionadas com a ponte nova. E mais uma nota, já que o assunto foi abordado: «a Câmara Municipal de Lisboa dispõe de diversos terrenos onde é possível a totalidade das construções (7500 fogos) e de serviços técnicos em condições de garantirem a execução do plano em causa» (Actas, cit., p. 676). É importante que se comece já a trabalhar e em força, de contrário vai querer-se inaugurar a ponte e o vale e só então se vê que é preciso demolir as barracas e bairros arruinados, e retiram-se as famílias para abrigos «temporários» ainda piores do que aqueles que se pretende eliminar - como já tem acontecido.

133. Os números do projecto do Governo são os que constam, discriminadamente, do mapa junto.

[Ver Tabela na Imagem]

Juntou-se a última coluna com os custos médios por fogo, e a distribuição ordena-se nitidamente, em duas classes: até aos 60 contos por fogo (desde 35 contos) e entre 87 e 150 contos. O primeiro grupo, mesmo considerando o programa «eventual» da Junta Central das Casas dos Pescadores, representa 5,5 milhares de fogos e cerca de 270 000 contos, ao passo que o outro grupo ficará com 14,2 milhares de habitações, no valor de quase 1,6 milhões- de contos.
Ora, apenas o grupo das habitações até aos 60 contos é que poderá considerar-se enquadrado nas definições do projecto do Governo: «construção de agrupamentos de habitações em escala considerável predominantemente dirigidos para as classes de menores recursos», ou «esforço decisivo para a eliminação de bairros impróprios e reabilitação de zonas insalubres... construindo-se habitações com essa finalidade». (Actas, cit., p. 673). Isso quer dizer que se destinam a tal política menos de 15 por cento do gasto do programa do Governo, ou até cerca de 3 por cento de quanto se prevê venha a ser investido no País, durante o triénio, em habitação.
A Câmara concorda com o objectivo apontado no texto em exame e que acima se transcreveu; e por isso recomenda insistentemente ao Governo que seja revisto para termos muito mais amplos quanto consta agora do projecto do plano - pois estão em causa situações sociais e morais que exigem solução.
Seguindo a análise do mesmo mapa, verifica-se que não há correspondência prática para mais dois pontos que se referiram no enunciado dos critérios: «o equipamento mínimo das zonas urbanas que se desenvolveram desordenadamente e que estão carecidas de serviços públicos e equipamento complementar» e o «alargamento da política de valorização do meio rural». Quanto ao primeiro ponto, em concreto, apenas há declarações de intenção [alínea c), p. 674 das Actas, cit.] e o propósito de criar uma comissão [alínea c), p. 677 das Actas]; não se acredita que seja o caminho das soluções eficientes. E acerca da habitação rural não se vê qualquer referência a projectos- quando conviria destacá-los por se tratar de uma acção importante, de tipo novo; a nota a um quadro (p. 675) parece demasiada modéstia.

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134. O último dos objectivos de política habitacional preconizados pelo Governo é a coordenação da iniciativa privada, orientando-a para a satisfação das carências de alojamento das classes de mais fracos rendimentos; e a este objectivo se dirigem quase todas as medidas concretas já atrás enunciadas [n.º 124, alíneas a) até f)].
Pelas razões de fundo que já atrás se expuseram, não está a Câmara convicta de que possa ter grande êxito este tipo de acção, ao menos em algumas das suas modalidades. Por muito que se queira ser adepto da economia de mercado e da capacidade, reguladora dos mecanismos de preços e lucros para estabelecer e resolver a equação entre necessidades e recursos, não se consegue ignorar que existem dificuldades enormes para que tais mecanismos funcionem em casos de intenção social básica, como é o da habitação; as doutrinas demo-liberais fizeram o seu tempo, e não se vê pretexto para voltarem à tona - ainda menos aqui.
O mais que se pode e deve tentar - mas com energia - é não aumentar, à força de. estímulos, desviados das suas intenções originais nas aplicações práticas, os estragos que essas estruturas liberais nos domínios da construção habitacional ainda vão podendo fazer. A esta luz, tem de reconhecer-se constituírem escândalo público os abusos todos os dias cometidos com o regime da «renda limitada»- que só dá lugar a fogos com duas ou três divisões, ou que para ter mais obriga a compensações financeiras vultosas ao proprietário, que sempre vai colhendo benefícios de ordem fiscal pensados e legislados com outro intuito bem diverso.
Do mesmo modo, uma lei moralizadora, tendente a corrigir desequilíbrios e injustiças em desfavor dos proprietários com «rendas antigas», é amplamente utilizada para destruir equipamento habitacional ainda em bom uso, criando graves dificuldades às famílias compelidas ao desalojamento - só porque as perspectivas de lucros especulativos podem sobrepor-se, dentro do mecanismo dos mercados imperfeitos, às mais evidentes exigências da política social. Que ao menos isso não seja feito com crédito concedido por institutos públicos, salvos casos em que tais demolições sejam, manifestamente, de interesse da colectividade; isto enquanto não surgem providências mais profundas.
Medida inovadora, a única, é a que se refere à política do solo, anteriormente indicada.
A atenção do Governo aponta para diversos tipos de situações, e para todas também se encontra cuidada análise no parecer subsidiário das secções (n.º 41); mas se se considera pacífica a doutrina desse parecer quanto aos três primeiros casos, já não se quer passar sem discussão o último ponto - onde está, realmente, a inovação útil.

135. O que o Governo refere no projecto é o seguinte [Actas, cit., p. 677, n.º 17-c)]: «Igual medida (dispor o Estado da faculdade de declarar de utilidade pública urgente todas as expropriações necessárias a) deve ser extensiva às regiões que não tenham ainda planos de urbanização, desde que se reconheça que os terrenos a expropriar são adequados à construção de agrupamentos habitacionais, o que acarreta a promulgação ou revisão, consoante os casos, das disposições legais em vigor relativas à determinação da justa indemnização e a celeridade do processo de expropriação.
No parecer das secções, não se levanta objecção doutrinal prévia diante da intenção de reforma da expropriação e da justa indemnização - havendo, evidentemente, que aguardar o projecto ou o texto do correspondente diploma legal, pois não se pode sancionar aquilo que ainda é desconhecido.
Todo o problema está na extensão dia possibilidade de expropriar terrenos na hipótese a/pontada de se tratar de «regiões que não tenham ainda planos de urbanização, desde que se reconheça que os terrenos a expropriar são adequados à construção de agrupamentos habitacionais». As secções começam por prestar justiça à intenção, reconhecendo tratar-se nitidamente de «uma providência que se insere na luta contra a especulação desenfreada de terrenos, da qual o País, de há longos anos vem sendo vítima» (parecer citado, n.º 41). A seguir, declaram que por tal caminho, de expropriação nessas circunstâncias, se encontra «meio eficaz de constituir, nas mãos do Estado e por preço moderado, as reservas volumosas de terrenos que depois lhe permitirão executar uma política habitacional ajustada aos recursos da população».
Informam, depois, documentando abundantemente, sobre os regimes seguidos nesta matéria nos vários países da Europa acidental - notando quanto a um dos métodos, o do bloqueamento de preços, que constitui o mais drástico, «fortemente contrastante com os princípios que informam a economia de mercado da maioria dos países», pelo que só tem sido adoptado excepcionalmente. Como nada se diz em contrário dos restantes regimes (e ao mais nove alíneas), crê-se ir ler a aceitação da proposta do Governo. Mas em vez disso, diz-se que «repugna aos princípios em que assenta a nossa ordem jurídica; [...] a possibilidade de expropriar para uma finalidade e necessidade meramente potencial e não actual para uma utilização diferida e mesmo eventual, não imediata e certa, representaria um golpe demasiado fundo no direito de propriedade, constitucionalmente reconhecido como um dos alicerces da ordem jurídica portuguesa, corporativa e não socialista» (parecer citado). E conclui-se recomendando que o Estado compre os terrenos em mercado livre.
136. Parece que há duas questões a averiguar para a Câmara poder tomar, ou não tomar, como seu o parecer das secções: a primeira questão é doutrinária, e tem a ver com a aceitabilidade do regime de expropriação no caso em análise; o outro problema é o de apontar a solução melhor para o grave ponto, que se reconhece em aberto e a carecer de solução, da política habitacional - pela expropriação (no caso de não ser condenável) ou por outra via.
A Câmara não vê que exista qualquer óbice constitucional acerca do primeiro dos problemas postos. Com efeito, a Constituição diz no artigo 35.º:
A propriedade, o capital e o trabalho desempenham uma função social, em regime de cooperação económica e solidariedade, podendo a lei determinar as condições do seu emprego ou exploração conformes com a finalidade colectiva.
Se bem se lê esse documento básico, que tem de estar escrito em linguagem acessível e directa, pois é carta magna de direitos e deveres para todos os cidadãos e instituições, o artigo não tem aplicação imediata ao caso presente, sendo antes uma formulação geral de princípios reguladores da ordem económica e social, e não repudiando a propriedade - antes lhe reconhecendo uma função social, embora deixando à lei a sua orientação em conformidade com a finalidade colectiva. E um artigo, se assim se pode designar anti-socialista, mas também contrário ao capitalismo liberal, doutrina mecanicista e individualista que erige a propriedade privada dos meios de produção à categoria de absoluto ou de instituto que é de direito por natureza, em vez de lhe buscar a justificação - que a tem - na defesa da liberdade e realização da

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pessoa humana, como se faz, por exemplo, no ensino social da Igreja.
Mas a Constituição diz mais: no artigo 31.º, n.º 4.º, vem:

O Estado tem o direito e a obrigação de coordenar e regular superiormente a vida económica e social com os objectivos seguintes:
................................................................................
4.º Impedir os lucros exagerados do capital, não permitindo que este se desvie da sua finalidade humana e cristã.

Ora o problema em análise é o dos desvios do capital em relação aos seus fins de serviço humano, com prejuízo para o interesse colectivo.
Duas palavras sobre o segundo ponto levantado, o de opção entre vários caminhos técnico-jurídicos para evitar a especulação e o chamado «entesouramento de terrenos» Com a excepção, já referida, do bloqueamento dos preços, e desfeita a dúvida doutrinal acerca da expropriação, crê-se que todos os que foram sugeridos e exemplificados com referências estrangeiras no parecer subsidiário podem servir; chama-se a atenção para a anotação desse parecer, realçando a feição híbrida ou mista dos sistemas concretos - é orientação que se julga dever ser seguida, e também lá vem admitida, a par de tantas outras, a hipótese da «compra sistemática de terrenos no mercado e sua revenda sem lucro», que se indica ser seguida em França.

§ 17.º Saúde

137. A inclusão de um capítulo respeitante à saúde no projecto do novo Plano de Fomento poderia suscitar - como suscitou, efectivamente, à secção de Interesses de ordem espiritual e moral, chamada a dar. um parecer subsidiário - uma questão prévia: a de dever, ou não, tratar-se de tal matéria nesse contexto. E deve reconhecer-se que a redacção do texto governamental, na medida em que parece entender a relação saúde-desenvolvimento plano em termos de estar em causa uma infra-estrutura das «que mais directamente contribuem para o aperfeiçoamento do potencial produtivo da população», favorece, escusadamente, a propositura de tal questão prévia (1).
O desenvolvimento só pode aceitar-se e promover-se para serviço do homem: como «processo», é uma transformação da estrutura económica e social capaz de corrigir situações inferiores, inadequadas à dignidade eminente da pessoa humana; como «política», e, portanto, como plano, é uma mobilização racional e deliberada dos recursos da comunidade para o triunfo - ainda quando lento - sobre a miséria, a fome, a injustiça e a degradação na sociedade e na vida cultural.
Tem, pois, uma política de desenvolvimento económico e social de olhar a todas as exigências da condição humana: primeiramente, às exigências espirituais, para que sejam respeitadas e nunca se subordinem a este ou àquele aparente progresso material; depois, as exigências da ordem temporal - e há que desenvolver a produção para os homens, todos os homens terem alimento, vestuário, habitação, ensino, saúde, ou, se quisermos de outro modo, para que todos os homens possam encontrar na organização social a indispensável entre ajuda que lhes permita dar aos frutos da criação o uso a que Deus os destinou.

A inclusão dos problemas, objectivos, projectos e políticas de saúde num plano de desenvolvimento encontra, pois, esta primeira e essencial justificação: trata-se de consumir para satisfação de necessidades humanas fundamentais, e é a finalidades como essas que se dirige precisamente uma política de desenvolvimento.
Mas desta simples observação decorrem algumas consequências. O consumo requer produção, e produção organizada em estruturas: estas devem ser adequadas, para evitar ineficiências; e mais importante do que isso, para que os homens-consumidores, que são também agentes da produção de produtos e serviços de saúde, encontrem no trabalho aquela possibilidade de realização própria, em dignidade de pessoas, que é inerente à sua condição de seres para uma vida espiritual.
Além das estruturas, exige este consumo-saúde meios materiais, e tanto para utilização directa (medicamentos, alimentos, etc.), como para usos intermediários que assegurem o consumo final, como ainda sob a forma de equipamentos.
Aspectos como o da concorrência entre os consumos-saúde e os outros grandes tipos de consumo (que atrás se indicaram), ante a escassez global de recursos produtivos, põem-se, com toda a evidência, quando sentimos que não é possível prestar a todo o povo português aquele nível e intensidade de assistência médica que os progressos científicos permitiriam - e que os avanços económico-sociais já permitem mais largamente do que entre nós em alguns países. E não menor importância oferecem questões como a da orientação para as carreiras médicas e auxiliares da medicina de parte da jovem população activa (com as exigências em escolas, etc., que daí advêm); ou a da coordenação das intervenções dos múltiplos agentes públicos e privados que intervêm em matéria de saúde.
Voltando ao ponto inicial: a Câmara não tem dúvida em afirmar que representa um progresso do planeamento português a inclusão do tema «saúde» nas preocupações objectivadas através do Plano à política social e económica. Razões como: a essencialidade, a par de outros, do consumo-saúde; a organização do sistema e das condições de trabalho dos seus servidores; a exigência de aumento das produções de serviços e de produtos destinados à saúde (com a densidade de interdependências produtivas e de disponibilidade de equipamentos que isso implica); a orientação a que obriga sobre parte importante da população activa; e a coordenação entre tantos agentes, como entre o sector privado e o sector público - são suficientes para justificar esse capítulo do novo plano respeitante à saúde.

138. Não se discutirá por agora certo problema que vem levantado logo no início do projecto do Governo: em que ponto estamos, no País, quanto às condições gerais de saúde, e que progressos terá, porventura, havido nos últimos tempos? E sobretudo a mortalidade infantil que constitui o ponto negro do nosso panorama sanitário, pelo que abordaremos a questão no contexto próprio.
Mas não passa sem reparo outra anotação do preâmbulo do capítulo: é o tema da dispersão dos «serviços de saúde» pelos vários Ministérios. Os campos sumariados são:

Higiene e salubridade geral - Ministérios das Obras Públicas (Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização) e câmaras municipais;
Sanidade dos alimentos - Ministério da Economia;
Higiene nos locais de trabalho - Ministérios da Economia e das Corporações;
Saúde escolar - Ministério da Educação Nacional;
Medicina curativa (grande parte) - Ministério das

(1) Actas da Câmara Corporativa, n.º 65/VIII, de 1 de Outubro de 1964, p. 677.

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Corporações e Previdência Social (pelos Serviços Médico-Sociais e Casas do Povo e dos Pescadores) e Ministério das Finanças, além dos departamentos militares.

A conclusão que pareceria tirar-se de tudo isto não é bem a do texto em exame - onde se escreve que «no âmbito do presente capítulo apenas se considera especificamente a acção enquadrada no Ministério da Saúde e Assistência» (Actas, cit., p. 678). Por um lado, ficam assim muito falhos o projecto e os programas concretos de acção apresentados; por outro lado - e é o mais importante -, perdeu-se a oportunidade de ensaiar verdadeiramente uma visão crítica sobre o conjunto dos departamentos, pessoal e meios materiais disponíveis para a política de saúde, ao menos no que respeita ao sector público. Mas acredita-se que o prazo entretanto decorrido habilite o Governo a considerar já essa visão panorâmica geral no texto definitivo do Plano.
Não se irá ao ponto de requerer exame tão circunstanciado quanto foi possível fazer para os serviços e acção do Ministério, mas um inventário do «armamento sanitário» disponível, a medida (mesmo grosseira) do seu grau de eficiência e o delineamento de uma política verdadeiramente geral, em que decerto caberá ao Ministério da Saúde apenas uma posição orientadora cimeira no que respeita aos serviços de execução pertencentes a outros Ministérios - tudo isto é o que se está a requerer com premência e que o Plano poderá fazer.

139. Seguindo o texto do projecto, depara-se com uma descrição sobre o passado recente, a situação actual e as perspectivas em cada um dos sectores em que se organiza o Ministério da Saúde e Assistência: saúde pública, protecção materno-infantil, tuberculose, saúde mental, assistência hospitalar e assistência social. Logo a seguir apontam-se os objectivos para o período do Plano, bem como os investimentos a realizar. Ora como em ambas estas matérias não se vislumbra qualquer relação inter-sectorial adentro do conjunto dós serviços referidos, vindo cada tema simplesmente ordenado pelas seis rubricas que se indicaram, parece vantajoso reunir todas as anotações respeitando a cada uma dessas rubricas.

140. Saúde pública. - O projecto contém um sumário esclarecedor acerca da orgânica da Direcção-Geral de Saúde, distinguindo os domínios da investigação e ensino (Instituto Superior de Higiene do Dr. Ricardo Jorge), os serviços técnicos centrais e os órgãos periféricos. «Quem conheça a extrema dispersão e até, em muitos casos, o anacronismo das numerosíssimas disposições legais que disciplinam esta matéria [...], assim como a dificuldade de obtenção de elementos estatísticos seguros, aperceber-se-á dos obstáculos que foram vencidos pelo Ministério da Saúde e Assistência para apresentar, por forma tão clara e sintética, a exposição que se desenvolve através dos dez (1) primeiros números do capítulo» - é a apreciação que se faz, com autoridade especial, no parecer subsidiário, e que se transcreve nesta rubrica relativa a saúde pública apenas por uma razão de ordem.
Nos serviços técnicos centrais contam-se os de profilaxia das doenças infecciosas e sociais, de higiene rural e defesa anti-sezonática, de higiene do trabalho e das indústrias, de higiene da alimentação e bromatologia, de salubridade, de fiscalização do exercício da medicina e profissões auxiliares, de fiscalização do exercício de farmácia e de defesa sanitária dos portos e fronteiras. Alguns destes serviços exercem-se em colaboração com outros Ministérios e com as câmaras municipais. Ainda se depara com alguns sectores e órgãos especializados: engenharia e educação sanitária e Junta Sanitária das Aguas. E existe um Conselho Superior de Higiene e Assistência Social que deve reunir semanalmente.
O País está coberto pela rede dos serviços externos, de acordo com a divisão administrativa: delegações de saúde nas distritos, subdelegações nos concelhos. A estes postos fixos juntam-se as brigadas móveis de profilaxia (predominantemente, vacinação) e os dispensários de higiene social ou «centros de saúde», estes estrategicamente localizados. E ainda há serviços externos em ligação com a defesa sanitária dos portos e fronteiras, bem como para a higiene rural e defesa anti-sezonática.
A descrição respeitante a cada uma das doenças transmissíveis não tem grande interesse para este resumo, apenas importando as conclusões. Assim, há doenças que foram completamente erradicadas durante o último decénio, outras cuja morbilidade foi sensivelmente reduzida (em alguns casos deixando de constituir graves problemas de saúde pública), outras ainda que se mantêm em nível estacionário nos últimos anos (difteria, tétano, tosse convulsa e febre tifóide - e é uma situação lamentável).
Um último grupo engloba as doenças cujas taxas de morbilidade apresentam tendência crescente - e não estaremos, neste caso, em posição diferente do estrangeiro. Todavia, lendo os comentários pormenorizados para algumas doenças transmissíveis mais importantes, crê-se que a conclusão básica é a que consta destas linhas do projecto (Actas, cit., p. 680):

O combate às endemias rurais deve enquadrar-se no plano mais vasto de protecção da saúde da população rural.

141. O programa do Ministério neste sector da saúde pública traduz-se nos seguintes objectivos e investimentos:

a) Desenvolvimento da investigação e do ensino, reorganizando o Instituto Superior de Higiene do Dr. Ricardo Jorge com 35 000 contos;
b) Conclusão do estudo do plano nacional de vacinações e sua execução;
c) Intensificação de outras medidas profilácticas contra doenças transmissíveis, para consolidar erradicações e conseguir eliminar outras cuja morbilidade mais nos afasta do resto da Europa;
d) Intensificação, de modo sistemático, da educação sanitária da população.

O parecer subsidiário já referido (n.º 16) contesta o interesse da reorganização do Instituto indicado, opinando que «a preparação de médicos sanitaristas deverá caber ou às Faculdades de Medicina ou a uma escola nacional de saúde pública, a integrar nos quadros gerais do ensino». A Câmara já formulou doutrina, em outro contexto deste mesmo parecer (n.º 80), que se limita a dar como aplicável neste caso - e corrobora, portanto, a orientação da secção. Apenas acrescenta que o Instituto em causa é apresentado no projecto como dedicando-se à investigação e ensino, quando o que faz, efectivamente, são análises e alguns ensaios aplicados de investigação; ora, nesta linha, que sempre deverá constituir função de

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algum departamento do Ministério da Saúde, pode acontecer que sejam indispensáveis condições materiais de trabalho que, porventura, não existam.
Quanto aos restantes pontos do programa, não se dirá, evidentemente, que não interessam, antes se reconhece que todos oferecem inteira oportunidade. Mas nem se vê corresponderem-lhes projectos concretos - e em nenhum dos três casos parece possível que a rotina dos serviços possa assegurar a execução - nem se dispõe de elementos que permitam formular uma opinião sobre prioridades. Relendo o esquema jurídico-administrativo dos serviços de saúde pública, pressente-se que a higiene rural poderia chamar as preocupações fundamentais do sector; também não se vê nenhum projecto, ou até, sòmente objectivo, nos domínios da higiene do trabalho e das indústrias e da higiene alimentar. Ora em todos estes campos, além de ser muito o que há para fazer, parece relativamente facilitada a colaboração com os Ministérios das Corporações e da Economia - porque não seguir avante?
Fica-se com a sensação que se inventariou uma estrutura ou orgânica; mas nem o exame foi levado às condições de efectivo funcionamento, nem se passou à análise dos problemas da acção a exercer sobre a saúde pública e ainda menos se propõem formas efectivas para os atacar. Lembra-se, apenas, acerca do primeiro aspecto, o do efectivo funcionamento da orgânica, quanto consta de um documento extremamente autorizado que emanou da Ordem dos Médicos - o Relatório sobre as Carreiras Medicas (1961) -, e ao qual, como é óbvio, esta Câmara Corporativa não pode ficar alheia. Ora, a respeito da rede de subdelegados de saúde enumeram-se aí as tarefas que a lei lhes atribui: subdelegados, médicos municipais, assistência gratuita aos pobres, consulta semanal nas sedes das freguesias - havendo a juntar a presunção, também da lei, de que devem «viver» da clínica livre. A conclusão é esta: «Sob o ponto de vista sanitário a influência dos subdelegados é reduzida: os meios são limitadíssimos, a preparação científica e administrativa é, na generalidade, insuficiente. O sistema de recrutamento, a formação e a preparação técnica já não correspondem às necessidades e aos conceitos que norteiam a política sanitária moderna».

142. Protecção materno-infantil. - O combate à mortalidade infantil representa «o objectivo primordial a atingir neste sector», lê-se no «projecto (Actas, cit., p. 680); e como, apesar da evolução favorável, «se está ainda longe dos índices desejados, porque se partiu de uma posição de grande atraso», há que descortinar as causas do mal, para lhe apontar os meios de luta e executar programas efectivos que permitam obter progressos muito sensíveis (1).
Sobre as causas, escreve-se no texto governamental, está demonstrado que os óbitos no primeiro ano de vida são atribuíveis à falta de assistência à mãe, a par da sua carência de preparação, antes e depois do nascimento da criança. Daí que o fulcro da acção tenha vindo a centrar-se nos dispensários materno-infantis, e apontam-se insultados concludentes, forno os seguintes:

[Ver Quadro na Imagem]

Fonte: Actas, cit., dados da p. 681.

A acção proposta ao Instituto Maternal é a criação escalonada de novos dispensários materno-infantis nas áreas onde não existam e o reagrupamento e remodelação de alguns dos existentes que oferecem escasso rendimento. Para tudo isto consignam-se 15 000 contos no projecto de Plano.
Lê-se no parecer subsidiário que quanto até agora foi possível progredir mostra «as largas perspectivas que oferece no campo sanitário uma ponderada e equilibrada planificação» (n.º 9 desse parecer); e logo abaixo repete-se a ideia, concluindo: «certamente que da multiplicação de experiências do tipo das realizadas nas ilhas adjacentes, zonas de muito elevada mortalidade infantil, há a esperar uma elevação sensível do nosso nível de protecção à primeira infância».
Todavia, é o mesmo texto que serve a abrir perspectivas sobre alguns defeitos da obra feita (n.º 10):

Julga-se dever chamar a atenção para as frequentes dispersões de meios resultantes de um acentuado desfasamento que com frequência se nota entre a instalação de unidades assistenciais e a sua entrada em funcionamento, por carência de pessoal habilitado ou de verbas de manutenção. Esse desfasamento tem
determinado avultados desperdícios de capitais, que os modestos recursos nacionais não deveriam permitir [...]. Com frequência se deixam, entre nós, envelhecer, desactualizar, custosas instalações e equipamento, não apenas com baixo nível de utilização, mas até antes de se tentar extrair deles qualquer rendimento, económico, social e humano.

(1) A Câmara dispensa-se de reeditar, trazendo-os abe à actualidade, os abundantes e esclarecedores conjuntos de elementos estatísticos sobre a situação sanitária do País, designadamente em matéria de mortalidade infantil, e que se contém no parecer n.º 42/VII, «Estatuto da Saúde e Assistência» (Câmara Corporativa, Pareceres, VIII Legislatura, 1961, vol. II, pp. 41 a 485) (relator, o Digno Procurador Joaquim Trigo de Negreiros).
Para um ponto particular quer-se, todavia, chamar a atenção: vêm, quer no projecto, quer no parecer subsidiário, referências ao desfavor que representa para os números portugueses, em confronto com os estrangeiros, a diferença de definições estatísticas; ora, no parecer da Câmara sobre o Estatuto da Saúde e Assistência (cit., pp. 93 e 94) vem uma clara orientação no sentido do alinhamento dos conceitos nacionais pelos da Organização Mundial da Saúde, perfilhando assim doutrina expendida pelo Dr. Santos Bessa. Não se irá mais longe, agora, do que até reafirmar essa directiva de 1961.

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Sendo tudo assim - e são resultados a reter para uma valoração sintética no final -, pareceria indicado que do projecto de Plano constassem elementos mais elucidativos acerca do programa apresentado. Quantos dispensários vão instalar-se? Em quais zonas, e porquê? Está assegurado o funcionamento eficiente de tais dispensários? Trata-se de planos-piloto (como os das ilhas, com tão assinalado êxito) ou de acções desconexas? Tudo isto se espera que venha no texto definitivo, pois apenas por esforço de síntese se explica que não aparecesse publicado já nesta primeira versão.

143. Tuberculose; saúde mental. - Estes dois domínios de acção do Ministério da Saúde e Assistência correspondem a doenças que bem se poderiam qualificar de representativas respectivamente do passado e do futuro, não fossem elas tristes realidades do presente, a tuberculose por ainda não estar vencida e as perturbações mentais por já se manifestarem largamente.
No projecto descreve-se a orgânica existente centrada no Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, com seus serviços centrais e os seguintes órgãos periféricos: 16 sanatórios; 2 centros cirúrgicos; 4 centros de diagnóstico e profilaxia; 3 preventórios; 90 dispensários; 23 brigadas móveis de radiorrastreio; 15 brigadas móveis de vacinação B. C. G.; 100 consultas-dispensário, e 83 enfermarias-abrigo, funcionando em regime de cooperação com as Santas Casas das Misericórdias, e 16 sanatórios ou casas de saúde particulares, com os quais o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos mantém acordos para internamento.
Além deste números, apontam-se os de mortalidade, a mostrar declínio acentuado no decénio que findou (1), sem, todavia, perdermos a posição de ter as mais elevadas taxas na Europa.
Como programa aponta-se a intensificação da profilaxia, incluindo uma campanha de educação sanitária (30000 contos), e também o aperfeiçoamento dos meios terapêuticos (10000 contos), o lançamento de um plano de readaptação ao trabalho (1000 contos) e a reorganização de serviços e instalações.
O parecer subsidiário propende para o optimismo, escrevendo-se mesmo «que seria de suscitar uma revisão do regime que ainda domina entre nós» (n.º 11).
A Câmara prefere abordar o problema por outra via, não fazendo mais, aliás, do que reproduzir um texto do preâmbulo ao projecto do Estatuto de Saúde e Assistência, onde se trata dos institutos especializados:

É exacto que alguns deles correspondem a grandes problemas sanitários com autonomia suficiente, exigindo técnica própria e unidade de direcção; é o caso da assistência materno-infantil, da luta contra a tuberculose e da saúde mental. Contudo, mesmo quanto a eles, não é possível, por falta de especialistas e de meios financeiros, levar actividades monovalentes até à periferia e às pequenas unidades locais. Terá portanto de rever-se o esquema e, mantendo o comando especializado (que é indispensável), dar características predominantemente polivalentes aos órgãos de execução regional e acentuar-se essa predominância na medida em que for mais pequena a circunscrição territorial a cujas necessidades visem recorrer. Quanto a certos institutos, haverá talvez que ir mais longe e ponderar em que medida será aconselhável a sua integração em unidades já existentes.
Há aqui matéria de índole geral a reter para a avaliação final das soluções aos problemas portugueses de saúde.
Quanto à saúde mental, aponta-se no projecto a gravidade do problema: embora se desconheça o número de doentes, sabe-se que tem vindo a aumentar, estimando-se em 4 par mil sobre a população total. Existe, desde 1958, o Instituto de Assistência Psiquiátrica, com finalidades de coordenação, orientação e fiscalização das actividades exercidas através de medidas de profilaxia e higiene mental e, também, nos domínios curativo (regime ambulatório e de internamento) e de reintegração social. E também se conta, desde 1963, com a Lei n.º 2118, onde se prevê a criação do Instituto de Saúde Mental e de centros - tudo dirigido simultaneamente à profilaxia, à cura e à recuperação; a lei aguarda regulamentação, aliás prevista no projecto de plano.
Os outros objectivos-programa apontados pelo Governo são a preparação de pessoal médico e auxiliar, criação e desenvolvimento das actividades de profilaxia, extensão dos serviços às zonas não servidas (e que são quase todas as do País, com excepção do litoral norte e centro, de Faro e das ilhas adjacentes), aumento do número de camas hospitalares e desenvolvimento dos serviços de saúde mental infantil. Mas, de concreto, apontam-se 30 000 contos para centros de saúde mental.
A gravidade do problema está posta com crueza no parecer subsidiário, quando se escreve (n.º 12):

Em épocas de (perturbações sociais profundas, não é raro que o amoralismo e as extravagâncias de doentes mentais, acolhidos benevolamente, exerçam influência marcada em muitos sectores: na moda, na arte, em usos sociais, até na política.

Não se crê que a verba apontada de escassas três dezenas de milhares de contos esteja em harmonia com a profundidade dos males a esconjurar - mas faltam à Câmara informações para avançar alguma sugestão mais concreta. Apenas se quer recordar um cálculo que já foi feito:

Mesmo não indo além de um programa reduzido, precisaremos em 1970 de mais 170 psiquiatras e 60 psicólogos, isto é, mais de 230 médicos dedicados à saúde mental, o que parece fácil de conseguir mas não o é(1).

144. Assistência hospitalar. - É este o sector da saúde, tratado com mais extensão, densidade e abundância de informação factual no texto em apreciação - e felizmente que assim acontece, pois também aí se localizam, porventura, os problemas mais fundos e espectaculares, «e é sobre os hospitais que têm incidido as apreciações críticas mais numerosas [...] porque eles formam o eixo e constituem o índice do funcionamento e eficiência dos serviços [...] onde se concentram as funções, múltiplas da medicina moderna: diagnóstico e tratamento, ensino da clínica, das profissões paramédicas e administrativas e, se ainda não o são entre nós, virão a sê-lo um dia - centros de prevenção e de medicina recuperadora» (2).
A «lei hospitalar» (Lei n.º 2011, de 2 de Abril de 1946, completada pelo Decreto n. º 36 300, de 22 de Novembro de

(1) Taxa de mortalidade por tuberculose, por 100 000 habitantes: 1943, 153; 1953, 63, e 1963, 36.

(1) Ordem dos Médicos, Relatório, cit., p. 197.
(2) (a) Ordem dos Médicos, Relatório, cit., p. 74.

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1947) define o âmbito do sector e a sua organização, distinguindo o sistema geral e as estruturas especializadas (para tuberculose, doenças mentais, lepra e cancro), das quais não se tratará aqui.
Dividiu-se o País em três zonas: norte, centrada no Porto; centro, com sede em Coimbra, e sul, dirigida de Lisboa. As zonas estão divididas em regiões (25, das quais 6 não seguem a norma, que é a da correspondência com os distritos) e estas em sub-regiões (coincidindo, normalmente, com os concelhos, embora algumas sedes de concelho não possuam hospital sub-regional). Os hospitais centrais são cinco, sendo quatro do Estado e o outro da Santa Casa da Misericórdia do Porto; os regionais estão todos a cargo das Misericórdias, mesmo quando se instalem em edifícios pertencentes ao Estado; e os sub-regionais pertencem a instituições de assistência particular. «Todos os hospitais - lê-se no texto do Governo - se integram num sistema coordenado que assenta numa hierarquia técnica, que vai desde o tipo mais evoluído e complexo, o central, aos elementos de periferia, que são os hospitais sub-regionais, e os torna complementares uns dos outros de tal maneira que, se o sistema funcionar bem, tudo se deverá passar como se todos eles constituíssem um único hospital, cujos elementos integrantes se encontrassem colocados em pontos determinados do território. Aos doentes será, assim, garantido o acesso ao serviço medicamente adequado à sua situação clínica, onde quer que esse serviço exista ou qualquer que seja o hospital que o possua.» (Actas, cit., p. 682; o itálico é de agora).

145. Não se discutirá a concepção; mas diante dos números e comentários que o projecto em apreciação oferece, seguidamente ao texto transcrito, é difícil colher outra impressão diferente desta - o sistema não funciona bem.
O primeiro ponto a destacar é a própria sequência temporal do estabelecimento da organização: a lei veio em 1946 e a Comissão de Construções Hospitalares menos de um mês depois; mas a divisão regional do País para efeitos hospitalares é do fim do ano de 1957, e a Direcção-Geral, dos Hospitais apenas surge em 1961 (antecedida dois anos pela criação da primeira Comissão Inter-Hospitalar, a de Lisboa). Ora como é a esta Direcção-Geral que «compete fomentar, orientar, coordenar e fiscalizar a acção dos estabelecimentos e instituições de saúde e assistência, oficiais e particulares, que prossigam actividades hospitalares» não é de estranhar que o sistema vivesse 15 anos a construir hospitais sub-regionais - 69 novos e mais 50 remodelados (1) -, quando agora vem concluir-se, por exigências do progresso técnico, a impor a concentração de meios, que se torna necessário «rever a concepção dos hospitais sub-regionais, que devem tender para unidades simples, de acção simultaneamente curativa e preventiva» (Actas, cit, p. 685).
Qual foi a razão por que se dirigiu o esforço de equipamento para as unidades sub-regionais em vez das regionais, que deveriam funcionar como charneira fundamental do sistema? No projecto aponta-se a escassez de meios disponíveis. Com os números desse mesmo texto e com os do parecer subsidiário talvez possa concluir-se que um hospital regional-tipo para 200 camas poderá custar 15 000 contos ou menos ainda, donde resulta que se se tivesse orientado nesse sentido o dispêndio dos 177 000 contos aplicados nos hospitais sub-regionais (1) teríamos agora, pelo menos, 12 unidades regionais além das que existem. Não se levanta o problema dos hospitais escolares de Lisboa e do Porto, com o custo total de 677 000 contos, pois trata-se de unidades centrais.
A par das instalações, exige-se, para funcionamento do sistema, tal como foi concebido, um eficiente sistema de mobilidade dos doentes de uns para outros níveis da hospitalização - é, largamente, um problema de transportes. «A falta de dados estatísticos não permite documentar a respectiva evolução», apenas se dizendo no projecto que há um número de ambulâncias quase satisfatório, embora desigualmente distribuídas pelo País (cerca de metade em Lisboa, Porto e Coimbra). Mas adianta-se que «não existe organizado, a nível nacional, o sistema de transporte de doentes» (Actas, cit., p. 685), pelo que se inclui entre os objectivos para o sector a «estruturação de uma rede de transportes de doentes como elemento do sistema hospitalar», prevendo até 1967 a «melhoria da rede de transportes de doentes» - o que, aliás, não requer dispêndio que se julgue valer a pena discriminar entre os investimentos para o triénio.
Passa-se por alto o problema do número de camas nos hospitais e seu grau de utilização - a revelar franco desequilíbrio, com praticamente 100 por cento nos hospitais centrais (o que corresponde a uma terrível superlotação e à endemia da «espera de vaga») e apenas 53 por cento nos hospitais sub-regionais, quando o razoável seria um coeficiente de 80 por cento. Não se comentará também o problema do financiamento da manutenção dos hospitais, embora os números do quadro apresentado (a p. 683 das Actas, cit.) suscitem questões de fundo como estas: por que razão não subsidia o Estado quase nada os hospitais regionais e sub-regionais (15,2 e 12,6 por cento das despesas totais)?; como se cumpre a orientação legal que manda participar dos -encargos de hospitalização, entre muitas entidades, a previdência social? - com 1,8 por cento nos hospitais centrais, 0,2 por cento (embora sujeito a revisão o apuramento) nos regionais e O nos hospitais sub-regionais. Já foi escrito que «a previdência encontra-se em face de um dilema, do qual está dependente o futuro dos seus Serviços Médico-Sociais: ou persiste em utilizar os hospitais, ou procede à construção dos que precisa, organizando uma nova rede hospitalar, paralela e concorrente com a actual. Nas circunstâncias presentes, a opção por qualquer dos termos afigura-se má» - e dão-se razões: «desde há algum tempo, as caixas garantem o internamento para alguns tipos de intervenções de cirurgia. Mas a dificuldade não está na permissão legal, está na possibilidade de lhe dar cumprimento. Os doentes que hoje procuram os hospitais munidos de uma guia passada pela previdência são os mesmos que já anteriormente, pelas vias normais, frequentavam as consultas e eram internados, se disso careciam. A capacidade dos hospitais e os médicos são os mesmos que existiam antes da publicação do texto legal»; mais adiante, e referindo-se à segunda alternativa, a de se estabelecer uma organização hospitalar concorrente da actual, escreve-se: «além da dissipação de dinheiros, agravar-se-ia o desencontro com a assistência, piorando os defeitos do sistema» (2).

(1) No parecer subsidiário publica-se um precioso mapa discriminando todos os hospitais construídos pela Comissão de Construções Hospitalares (v. g., n.º 14 desse parecer).

(1) Da lista que. consta do parecer subsidiário conclui-se que sempre haveria que construir algumas das unidades sub-regionais, por exemplo: Barreiro, Vila Franca de Xira, Vila Nova de Famalicão e Santa Comba Dão. Somaram essas obras 16,1 milhares de contos, isto é, o valor de apenas um hospital regional.
(2) Ordem dos Médicos, Relatório, cit., pp. 29 e 30.

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146. E passamos por alto todos estes problemas porque outro mais grave se apresenta - o dos meios pessoais. Trata-se dele no projecto, descrevendo a situação actual e adiantando caminhos de solução. A Câmara considera que está aqui o fulcro dos problemas da saúde no País, sendo inúteis gastos adicionais com edifícios e equipamentos, ou estando perdidos de antemão mais esforços legislativos a rever pontos de orgânica administrativa - enquanto ele não se abordar frontalmente.
Diz o projecto que havia 7606 médicos em 1962, o que representa mais 21 por cento do que nove anos antes e significa uma cobertura média razoável, com 1 médico por 1184 habitantes. As observações respeitando a desigual distribuição geográfica e a carência de especialistas (Actas, cit., p. 683) ganhariam em ser pormenorizadas e com números. Pois sabe-se - tanto que até se propõe um objectivo no Plano - que é necessário fixar médicos fora das cidades de Lisboa, Porto e Coimbra. No parecer subsidiário comenta-se, com pertinência: «muito apreciaria esta Câmara conhecer os processos em estudo para fixação de médicos fora das cidades de Lisboa, Porto e Coimbra, posto que da exequibilidade de tais processos dependerá um melhor aproveitamento das pequenas unidades hospitalares já construídas» (n.º 20.º do parecer) - mas nada de construtivo se adianta.
Anotações semelhantes valem para o pessoal auxiliar; mostram-se efectivos, verifica-se um aumento, ainda que desequilibrado; mas custa a compreender que a proporção entre médicos e profissionais auxiliares não ande pela ordem de grandeza 1:6 ou 1:8; ora não chega a alcançar 1:3, mesmo contando o «pessoal de enfermagem».
Todavia, reconhecida a prioridade do problema, mal pareceria que a Câmara apenas o referisse, quando tanto se preocupou em analisar e sugerir soluções para aspectos de modo nenhum tão importantes para o País. Aceita-se, evidentemente, que nem o assunto estará plenamente esclarecido, não havendo doutrina pacífica, nem convém prender-se a Câmara (ou aconselhar se prenda o Governo) desde já a uma determinada orientação. Mas só haverá vantagem em contribuir para racionalizar a escolha dos caminhos que se oferecem.

147. Parte-se de uma afirmação básica: a única preocupação deve consistir em facultar cuidados médicos - curativos e, de preferência, preventivos - a toda a população; ficaram, nas linhas iniciais deste capítulo, razões suficientes para fundamentar a asserção. Porém, grande parte da população dificilmente suporta os encargos que uma acção de saúde exige, pelo que um sistema financeiro de voluntariedade está condenado ao fracasso - como sempre aconteceu, aliás, pois a generalidade das populações apenas neste século começou a ter assistência à saúde; havia os médicos e as clínicas livres assegurando cobertura satisfatória aos grupos sócio-económicos com maiores meios, e havia os hospitais e centros de saúde «popular» para os casos extremos apenas. Logo, a segunda conclusão será esta: através do Estado e das instituições paraestatais é que a generalidade da população poderá ser induzida a canalizar para o consumo-saúde uma proporção conveniente dos rendimentos e, naturalmente, em termos mais do que proporcionais ao nível de rendimentos, isto é, com preocupações redistributivas.
Onde vão receber-se esses cuidados de saúde? Em muitos casos, os mais correntes e simples, terá de ser em centros disseminados, de acordo com a própria distribuição local das populações. Mas toda a acção mais complexa terá de ser concentrada, por imperiosa exigência das novas técnicas e descobertas científicas, a impor a especialização das funções e o uso dos equipamentos - uma e outra coisa incompatíveis com pequenas escalas de utilização e, portanto, com a disseminação. Esta é a doutrina da lei portuguesa pelo menos desde 1946, com a orgânica hospitalar estratificada segundo uma hierarquia técnica; e crê-se que, da história mais antiga, ao procurar justificação para instituições como as Misericórdias ou os primeiros hospitais (que representaram «revoluções» na medicina e nos hábitos sociais, não se esqueça), nenhuma lição poderá colher-se diferente desta da concentração dos meios que o progresso vai sucessivamente facultando para bem dos homens.
O que se crê não ter sido levado às suas consequências lógicas- é o efeito destas ideias e tendências inelutáveis sobre a situação dos médicos. Viveram decénios a cuidar dos grupos sociais superiores, recebendo por isso remuneração que lhes permitia atender também um pouco às necessidades médicas mais prementes dos pobres - e sempre se apontou, por isso mesmo, a carreira médica como um «sacerdócio».
Mas já o próprio recurso aos meios de tratamento ou de prevenção não muito modernos se revela impossível, para a generalidade da população, na estrutura actual: os partidos médicos, essencialmente dirigidos a zonas rurais, e as subdelegações de saúde têm tão vasto e disperso campo de acção que se torna impossível atender verdadeiramente às populações; e não é solução subdividir ainda um pouco as correspondentes áreas, pois sempre ficará, e mais agravado, o vício fundamental - as populações pobres não «sustentam» o médico e a lei assenta em que o pulso livre, para a clientela particular, deve constituir a base da existência material desses clínicos.
Parece inútil tentar concluir outra coisa diferente da urgência de uma orgânica em que seja a comunidade a assegurar a necessária cobertura de saúde. - e comunidade não significa, necessariamente, estatismo.

148. Uma organização orientada neste sentido pode resolver o problema financeiro; mas nada adianta quanto ao aspecto técnico, o da disponibilidade de meios profilácticos, terapêuticos e de recuperação que a ciência faculta, mas que se torna indispensável não ficarem estiolados pela rigidez das estruturas ou pela falta de engenho dos homens.
Aqui, temos já apontada solução portuguesa na lei. E quando o projecto do Governo vem agora enunciar objectivos como os que seguem, acredita-se que irá dar-se finalmente um grande passo em frente (Actas, cit., p. 686):

1.º Continuação da construção de hospitais centrais e regionais com vista à concentração de todos os meios técnicos adequados às suas funções, sem prejuízo da conclusão das obras em curso nos hospitais sub-regionais;
................................................................................
3.º Promoção do estabelecimento de carreiras de médicos e técnicos auxiliares e de condições para a sua fixação nos centros regionais.

Merece, pois, todo o aplauso a orientação preconizada, e acerca das verbas a investir só se poderá dizer que são exíguas. Certamente que o Governo não irá estruturar e concretizar os projectos de novos hospitais regionais sem estudar previamente o relatório da Comissão de estudo para a reforma da estrutura dos hospitais centrais - para o qual o parecer subsidiário chama a atenção (n.º 14). O que a Câmara não concebe é que tal relatório venha a sair muito fora do que ela mesma pensa em quanto respeita a estas orientações básicas e tão gerais, assentes na razão, nas experiências de todo o Mundo e nos pontos fracos e pontos fortes da própria experiência e evolução histórica portuguesa.

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E como vai concretizar-se a transformação do sistema hospitalar? O texto governamental é omisso; mas crê-se que seria erróneo tentar, repentinamente, modificações de fundo, antes havendo que seguir prudentemente, mas com persistência e continuidade, e sempre orientando para metas bem claramente definidas desde início - sob pena de nada se avançar de útil. E tudo aconselha, portanto, a lançar experiências-piloto ou "sectores experimentais", como já se chamou (1) - e a incidência imediata iria, porventura, para os ensaios centrados em hospitais sub-regionais ou centros de saúde, pois é a população dessas regiões rurais que está "quase completamente desprotegida de cuidados médicos rudimentares", e parece "praticamente impossível actualizar um hospital regional na mesma medida e no mesmo tempo em que se preparam dois ou três hospitais sub-regionais". A Câmara vê perigos nesta orientação, que poderia repetir a experiência de construções a partir de 1946; e recomenda o trabalho-piloto simultâneo, pelo menos aos dois níveis, dos centros de saúde e dos hospitais regionais.

149. O último sector contemplado no capítulo da saúde é o da assistência social. Avança-se que a definição das funções, a esquematização da orgânica e os próprios objectivos apontados não estarão perfeitamente estabelecidos, mas admite-se que seja viável sistematizar melhor numa redacção mais repousada, para a versão final do plano. Aliás, o parecer subsidiário auxiliará sensìvelmente a essa tarefa, com os conceitos doutrinàriamente seguros e dirigidos à operacionalidade que apresenta (n.ºs 15 e 21).

§ 18.º Valorização rural

150. No projecto de Plano incluem-se, subordinando-os a este título, três grupos de actuações:

Contos
Viação rural ............................ 420 000
Abastecimento de água das
populações rurais ....................... 160 000
Electrificação rural .................... 360 000

Trata-se, de um modo geral, de empreendimentos integrados numa política de mais longo prazo e alcance, que tem por meta levar estes benefícios mínimos da civilização às povoações que tenham, pelo menos, 100 habitantes.
A Câmara recomenda vivamente a realização destes empreendimentos; e apenas borda duas considerações sobre pontos laterais:

a) Quer a natureza dos empreendimentos, quer até o título a que se subordinam, não obrigam a sua inclusão no capítulo do Plano respeitante à "Agricultura, silvicultura e pecuária". Já se disse que consta do parecer subsidiário da secção de Lavoura este mesmo reparo;
b) A índole dos empreendimentos está muito mais relacionada com a política social e de desenvolvimento ou valorização local - e não se esquece que esta Câmara, se debruça, neste momento, sobre esse tipo de problemas.
Em concreto, admite-se que o Governo queira fazer constar do Plano um capítulo onde se incluiriam não apenas estas três rubricas, mas ainda projectos e acções do tipo dos que a Câmara apontou sobre desenvolvimento comunitário e, mesmo, acerca de reforma da empresa. Um título possível para esse conjunto, a desenvolver um futuros planos, seria "Promoção, social".

III

Conclusões

O estudo a que procedeu do projecto de Plano de Fomento para 1965-1967 e dos pareceres subsidiários pedidos a algumas secções leva a Câmara Corporativa a formular as seguintes conclusões:
1.º O Plano merece aprovação, sendo de esperar que possam considerar-se na versão definitiva as observações produzidas ao longo do parecer e que aqui se dão como incluídas;
2.º O novo Plano apresenta uma extensão a novos e importantes sectores e aparece alicerçado numa metodologia e numa riqueza de informação factual tais que permitem classificá-lo como avanço substancial em relação aos planos anteriores;
3.º Consideram-se partes integrantes do Plano os objectivos, as projecções globais e sectorais e as orientações e medidas de política económica e social, além dos projectos de empreendimentos que o Governo entenda dever discriminar:
4.º Julga-se que deve ainda merecer renovada atenção o trabalho de síntese entre projecções, projectos e medidas do política, pois do modo como for cumprida, tal tarefa muito dependerá o êxito da execução do Plano.

Palácio de S. Bento, 13 de Novembro de 1964.

António Jorge Martins da Motta Veiga.
Carlos Krus Abecasis.
Eugénio Queiroz de Castro Caldas.
João Faria Lapa.
Luis Quartin Graça.
Manuel Jacinto Nunes.
Afonso de Mello Pinto Veloso.
Aníbal José Mendes Arrobas da Silva.
António Jorge Andrade de Gouveia.
Carlos Garcia Alves.
Daniel Duarte Silva.
Fernando Carvalho Seixas.
Francisco de Mello e Castro.
João José Lobato Guimarães.
João Pedro da Costa.
João Augusto Correia de Barros.
José Pires Cardoso.
José de Queiroz Vaz Guedes.
Mário Malheiro Reymão Nogueira.
Paulo de Barros.
Pedro António Monteiro Maury.
Rui Ennes Ulrich.
Francisco Pereira de Moura, relator.

ANEXO I

Parecer subsidiário da secção de Lavoura

Agricultura, silvicultura e pecuária

A secção de Lavoura, à qual foram agregados os Dignos Procuradores António Bettencourt Sardinha, Eugénio Queirós de Castro Caldas, João António Teixeira Canedo,

(1) Ordem dos Médicos, Relatório cit., 4.ª parte (pp. 221 e seguintes).

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João Pedro da Costa, Joaquim Pina Gomes, Luís Quartin Graça e Manuel Coelho Baptista de Lima, consultada sobre o capítulo I (Agricultura, silvicultura e pecuária) da parte referente ao continente e ilhas, do projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967, emite, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer subsidiário:

I

Aspectos actuais da agricultura

1. Não pode constituir motivo de surpresa afirmar-se que não é matéria fácil a esta secção da Câmara Corporativa emitir parecer sobre o que, quanto ao capítulo «Agricultura, silvicultura e pecuária», é apresentado pelo Governo no projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967. Basta não esquecer o melindre que os problemas agrícolas nos seus aspectos sociais e económicos apresentam nos nossos dias e que têm dado origem às mais discutidas teses, hipóteses, êxitos e muitas decepções.
Na verdade, os problemas situam-se, actualmente, em sector ou sectores bem diferentes dos tradicionais, condicionando até os factores básicos da técnica -investigação, experimentação e aplicação prática - a outros durante muito tempo tidos como secundários ou até mesmo não considerados. Daí surgiram novos aspectos e perspectivas em que a programação - sempre dificílima num sector que a tantos títulos se escapa da vontade humana e se agrava pelo número e diferentes características dos participantes - tem de ser cautelosa, à distância e com clareza e constância de princípios.
Essa programação envolve aspectos técnicos, financeiros e humanos. Não serão os últimos, certamente, os de mais fácil domínio por deles dependerem todos os outros.

2. Afigura-se não ficarem deslocadas algumas considerações de ordem geral e breves apontamentos quanto a aspectos dominantes na agricultura de hoje. Servirão para alicerçar o que mais adiante se escreverá.
Em American Farm Policy (1964), o Prof. Paarlberg classificou as recentes «revoluções» da agricultura dos Estados Unidos nas quatro ordens seguintes:

1) Revolução mecânica - substituindo a energia animal pela energia mecânica;
2) Revolução biológica - com os novos conhecimentos de genética, nutrição, etc.;
3) Revolução química -r- respeitante aos adubos, produtos de defesa das culturas, etc.;
4) Revolução nos sistemas da comercialização agrícola, isto é, no ciclo produção-consumo.

Por sua vez, em Itália, nas conclusões da Conferência Nacional do Mundo Rural e da Agricultura (1961), ao analisar-se a posição da agricultura em relação às transformações gerais do sistema económico e social do País, afirmou-se:

O desenvolvimento económico moderno é caracterizado pela diminuição da importância da agricultura em relação ao conjunto da economia. As nossas possibilidades técnicas são melhor e mais ràpidamente apreendidas pelo mundo industrial, enquanto a dispersão da produção agrícola por numerosíssimas unidades dificulta a defesa dos preços nos mercados. O desequilíbrio entre o nível económico das populações agrícolas e o das populações urbanas pode determinar-se, entre outros, pelos seguintes factores: diferente capacidade de iniciativa dos empresários agrícolas ë não agrícolas; insuficiente preparação técnico-profissional das classes agrícolas; tendência para o êxodo por parte das populações rurais de maior iniciativa; acumulação dos rendimentos agrícolas na mão de agricultores absentistas, que investem os rendimentos da empresa fora do local da produção; fuga dos lucros provenientes da agricultura para outras actividades.
O segundo facto de alcance geral é constituído pelas variações da composição da procura dos produtos agrícolas e alimentares determinadas pela melhoria do nível de vida das populações. Reduz-se o consumo doa produtos pobres (cereais, legumes secos, batata e alimentos de pequeno valor energético) e aumenta o de produtos de qualidade (carne e outros produtos de origem animal, fruta, legumes verdes, açúcar, etc).

Em nosso entender, no quadro evolutivo do Mundo a agricultura de hoje requer:
Conhecimentos técnicos e profissionalismo por parte de empresários e executantes;
Estruturas capazes de permitir o maior rendimento dos equipamentos mais modernos e mais eficientes;
Recursos financeiros (crédito amplo, oportuno e bem orientado);
Administração das explorações segundo as normas de uma boa gestão;
Associação de produtores e ampla cooperação com os técnicos;
Organização do mercado:

a) Estandardização e integral aproveitamento dos produtos, por meio de cooperativas ou outras formas de actuação no quadro das indústrias agrícolas;
b) Comercialização oportuna e bem orientada dos produtos agrícolas.

Tudo isto com o fim de se obterem bons produtos a preços compensadores e aceitáveis no quadro da economia de mercado.
Parece-nos desnecessário, desenvolver os enunciados, dada a forma como têm sido debatidos, lá fora e entre nós, estes pontos comuns à agricultura europeia. Acrescentemos, apenas, a citação de alguns outros aspectos fundamentais e de capital importância neste momento:

1) A falta de mão-de-obra agrícola especializada;
2) A necessidade de apoio à juventude rural;
3) O custo dos produtos agrícolas e o nível de preços;
4) Os níveis de vida e de «bem-estar rural», e, ainda, o factor turismo, na sua incidência quantitativa e qualitativa na agricultura das regiões que lhe são propícias.

Estes e outros aspectos - entre os quais a actualização das estruturas e funcionamento dos serviço públicos - sobrepõem-se, sem os invalidar, aos problemas específicos das culturas ou produtos, que a eles ficam subordinados e são, em grande parte, de mais fácil domínio do que os princípios que deverão informar uma política agrária, que se procura entre nós definir, como se procura hoje, em toda a parte do Mundo, nomeadamente na França, na Espanha, como na bacia do Mediterrâneo, que agricolamente nos abrange, ou mesmo englobando fronteiras mais amplas, como no seio do Mercado Comum.

3. Compete a esta secção defini-la? Supomos que está fora das nossas atribuições, dado que faz parte de um todo e este ultrapassa largamente os limites do projecto do

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Governo e do âmbito deste parecer. Admite-se, porém, que, antes de se entrar, ainda que em curta análise, na apreciação do que nos é apresentado, se justifica incluir umas linhas onde, com brevidade e singeleza, se destaquem aqueles pontos que, parece, não poderão ser esquecidos no desenvolvimento do tema.
Tudo o resto, ainda que essencial, fica como que secundário, e a tão vasta documentação existente sobre a matéria dispensará que se repita o muito que está ao dispor dos estudiosos. Daí a forma sintética deste parecer, que, nestas notas introdutórias, não deseja esquecer não só todos os esforços e boas vontades - até mesmo sacrifícios - registados entre nós, mas também os valiosos contributos que, sempre úteis pelos confrontos e ensinamentos, nos facultam estudos da categoria dos seguintes, como entre outros: «Contributo alla conoscenza dell'agricultura dei paesi delia Comunitá Europea» (Cassa per il Mezzogiorno, 1959-1961); «Plano Quinquennale di sviluppo dell'agricultura», Ministéro dell'Agricultura, Roma, 1962; «Conferenza Nazionale dei Mondo Rurale e dell'Agricultura, 1961»; «Projecto de Desenvolvimento da Região Mediterrânea F. A. O., 1959»; «Problèmes du développement économique dans les pays méditerranéens», colóquio de Nápoles, 1962, e ainda os estudos realizados em Espanha, quer pelo Instituto de Estúdios Agro-Sociales, quer pelo Gabinete Técnico de Programacion Regional e as reuniões da O. C. D. E. de 1963 para o estudo dos problemas dos países mediterrâneos.
Parece-nos que se pode considerar como válido o que se escreveu num dos recentes relatórios da grande organização que é a Federação Italiana dos Consórcios Agrários:

O problema dominante da agricultura é essencialmente económico, pelos desequilíbrios existentes entre as colheitas e os preços; a solução é procurar por todos os meios melhorar esta relação.

E acrescenta-se:

De qualquer maneira, é necessário o reforço da actuação pública em prol da agricultura: do ensino à propaganda; da experiência às várias formas assistenciais e de previdência.
A agricultura tem, sobretudo, necessidade de um largo período de tranquilidade e de uma vasta afluência de capital público e privado; de suscitar uma mais activa comercialização a favor dos agricultores, com o objectivo fundamental de aproximar a produção do consumo.

4. O projecto em apreciação representa como que uma actualização das matérias básicas do II Plano, a que foi dada larga divulgação no vol. II do Relatório Final Preparatório, completado pelo relato, já publicado, quanto ao trabalho efectuado nos anos de 1959-1960 [Relatório da Execução do II Plano de Fomento - 1). Metrópole, 1961].
No projecto de agora revêem-se os planos de então, apreciados pela evolução registada nos cinco anos de trabalho, e apresentam-se as directrizes para o Plano Intercalar de Fomento na mesma linha de rumo ou colmatando algumas insuficiências notadas.
Seis anos passados, há que reconhecer a razão de ser dos estudos e directrizes que constituem, neste sector, o II Plano de Fomento, as críticas construtivas que lhe foram feitas, e lamentar também que por circunstâncias diversas não tivesse encontrado na opinião pública, e nos meios interessados em especial, aquela compreensão e apoio merecido, e indispensável, à realização de uma obra prolongada, dificilmente visível e de que há necessidade de tirar os maiores efeitos económicos e sociais e seus reflexos psicológicos. Nada há, pois, a alterar ao que então se propôs e de que o presente projecto em análise é, nos aspectos da actuação técnica, natural e actualizado complemento.
O que não se pode esquecer, porém, é que em seis anos os problemas da agricultura - no plano internacional como no caso português - evolucionaram por forma que obrigam a ponderada revisão de ideias, o que de certo modo pode vir a modificar, com maior ou menor intensidade, princípios e modos de actuação.
Seria inoperante entrar aqui em pormenores quanto às consequências próximas e futuras - e o futuro em agricultura é sempre distante- dos empreendimentos em curso ou esboçados. A integração do espaço económico português, os grandes grupos económicos europeus, a evolução dos conceitos por que se regem, são factores a considerar na marcha sempre lenta das coisas agrícolas. Parece, porém, não ser ousadia afirmar-se que, seja qual for a sua evolução, há factores básicos a considerar como preâmbulo de qualquer análise: de ordem estrutural, por parte do Estado e da. iniciativa privada, e de natureza técnico-económica.
Quem, com alguma proximidade, acompanhe a marcha dós problemas da nossa agricultura terá de reconhecer que a orgânica dos serviços do Estado não se coaduna com o ritmo e necessidades da hora presente. Dispersão, insuficiências, anomalias, por vezes mesmo duplicações, aliadas a comandos superiores de origens e critérios diferentes, levam a poder considerar-se inadequada a orgânica estadual em prol do fomento da agricultura e seus problemas, o que não invalida a possibilidade de com os actuais recursos humanos e materiais, ser possível obter-se uma coordenação de directrizes e um potencial de realizações, por certo superior, não obstante a atroz e sobejamente comprovada escassez de meios de que dispõem os serviços. Mas uma estruturação de acordo com as exigências da época requer recursos financeiros bastante maiores que os actuais. Daqui concluir-se da necessidade de um objectivo reordenamento e reforço da máquina estadual, o que a secção considera da maior urgência, seja realizado.

5. Outro aspecto basilar é a participação efectiva, lado a lado, em complemento da intervenção oficial, de uma válida orgânica da lavoura.
A organização da lavoura, apenas completada em 1958, necessita, nos vários escalões que se considerem, de iniciativa e do desejo de estudo e de realizações que não teve ainda ocasião de manifestar senão em aspectos restritos, ao mesmo tempo que tem de oferecer uma disciplina e considerar sempre os problemas de conjunto para atingir aquele nível técnico e de grandeza que as circunstâncias actuais impõem a uma agricultura que deseja situar-se em nível económico e social válidos. Não bastam as manifestações doutrinárias ou de combate; para se poder construir uma agricultura evoluída, personificada e rentável, torna-se necessário o conhecimento profundo dos problemas, a possibilidade de se assegurarem os meios materiais para as realizações indispensáveis na latitude necessária e uma perfeita e conveniente integração nos grandes movimentos a que os mercados conduzem nos nossos dias. O exemplo do interesse que o estudo e as realizações merecem à agricultura francesa é sobejamente conhecido.

6. Como alicerce indispensável haverá que refundir e completar toda a rede do ensino, quer nas normas clássicas, quer nas modernas e diversas modalidades de «formação acelerada», abrangendo todos os escalões, desde o empresarial ao do trabalhador, sem esquecer os aspectos especiais e delicadíssimos da juventude rural e da

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mulher, que, como elemento dirigente ou executante, tanta influência tem no nosso campo.
O crescente êxodo rural, abrangendo normalmente os mais aptos pela sua preparação, vem trazer a este problema uma nova acuidade. Acuidade que tem o seu paralelismo com a necessidade de uma mais evoluída preparação e maiores conhecimentos em matéria económica, problema fundamental da agricultura de hoje.
Analisando o caso português, a consulta das estatísticas referentes à frequência dos vários graus de ensino agrícola, comparada com a dos outros ramos de escolaridade, permite conclusões que, se dispensam comentários, revelam bem a atenção que o problema requer. Atenção e urgência. Assim o compreendem vários países, entre os quais a nossa vizinha Espanha, onde, com uma população agrícola activa de 4 617 000, ou seja 39,7 por cento (1963), isto é, 3,3 superior à .de Portugal, se dispõe, especialmente no ensino elementar ou de formação profissional, de elevado número de escolas ou de cursos, a contrastar com o que se passa no País.
Às suas 28 escolas de capatazes, sensivelmente equivalentes às nossas três de Santo Tirso, Paia e Mirandela, corresponde a formação de 500 alunos por ano, quando entre nós não se chega à média de 50 (12 em 1961-1962)!
E .ª frequência de cursos vários, de «capacitação», etc., organizados pelos serviços do Estado ou pelas «herman-dades de labradores», abrange anualmente mais de 25 000 alunos, quando no nosso caso, fora os «cursos de aprendizagem .agrícola» nas escolas primárias, que em pouco excedem as 2000 frequências, aliás numa simples, se bem que sempre benéfica, iniciação, número aproximado só foi atingido em cerca de vinte anos. Daí, ser bem limitado, ainda, o número dos trabalhadores que beneficiam de cursos de especialização ou de renovação de conhecimentos.
Em França as escolas agrícolas passaram de 47 em 1960 para 115 este ano: 60 masculinas e ss femininas!
Entendemos que deve ser feita uma referência especial ao espectacular e para muitos imprevisto êxito dos cursos dos 46 centros fixos e ambulantes do serviço de extensão agrícola familiar, iniciados em 1959, promovidos pelaSecretaria de Estado da Agricultura, com o apoio da Fundação Gulbenkian, e de que já beneficiaram mais de 3 milhares de camponesas, número revelador da necessidade e do interesse da população feminina dos campos pela melhoria dos seus conhecimentos de técnica agrícola e de ordem doméstica, e que vieram reforçar e alargar algumas iniciativas, como a da Obra das Mães pela Educação Nacional, em especial.
Muito embora não constitua novidade, não deixa de ser flagrante a desproporção que se verifica entre nós quanto aos vários- graus de ensino, em relação ao agrícola (média anual), referente aos anos escolares de 1957-1958 e 1961-1962. Assim:
No mesmo período, os números absolutos do nosso ensino traduzem-se por:
Frequência Conclus5o do curso
Ensino elementar — Escolas práticas de agricultura : Santo Tirso, Paia e Mirandela ....... 350 49
Ensino médio — Escolas de regentes agrícolas: Coimbra, Santarém e Évora. ........... 578 80
Ensino superior — Instituto Superior de Agronomia e Escola Superior de Medicina Veterinária. ... 508 58
Total ...... 1436 187
Frequúncia Conclnsilo do curso
Primário ............ 966174 231 729
200931 42807
4114 1761
Superior ............ 22384 2133

Se se considerar o ensino superior ministrado nas Universidades clássicas e noutras escolas, teremos:
Frequência ConclusSo do curso
18302 1779
Outras ............. 4078 354

Dos 2133 alunos que concluíram um curso superior, 58 são engenheiros agrónomos e silvicultores e médicos veterinários; isto é, não chegam a 3 por cento os diplomados nas profissões agrícolas.
Nos cursos médios, aos 140 formados pelos institutos comerciais e industriais há a juntar os 80 regentes agrícolas e aos 13 942 diplomados pelas escolas comerciais e industriais devem opor-se os 49 das escolas de Paia, Santo Tirso e Mirandela!
A situação é de tal modo flagrante que dispensa quaisquer outros comentários. Se nos lembrarmos, porém, de que os vários problemas da mecanização, da rega e de administração exigem, entre outros, uma forte percentagem de mão-de-obra suficientemente preparada, encontra-se aqui, certamente, um dos grandes entraves ao progresso da nossa agricultura.
Se se pensar que o trabalho de um agricultor francês, com a ajuda de duas ou três horas por dia da mulher, permite alimentar 21 pessoas, quando em 1900 não ia além de 6, bem se pode avaliar da eficiência e necessidade da preparação profissional.
Agricultura de auto-suficiência, propriedades de recreio ou de entretenimento, não entram, hoje em dia, no ciclo das economias agrícolas. Subsistirão ainda, felizmente, para dar satisfação a tantos amadores e apaixonados pelas coisas da terra, para quem. os problemas de interesse material são secundários. Não são estes, porém, os que constituem a exploração agrícola ao nível rentável e como expressão económica válida. Esta terá, mau grado toda a rudeza da afirmação, de se libertar de tudo quanto de belo as práticas agrícolas têm amorosa e humanamente conservado, para se incorporar no ciclo das grandes actividades económicas — no «sentido industrial» de uma exploração que, não obstante todos os inconvenientes, não está inteiramente sob a alçada da vontade humana e tem
de conservar aquelas incógnitas inerentes aos seres vivos./
7. Em 1960, definiu-se assim a evolução dos problemas «agricultura — mundo rural», considerados inseparáveis (*):
ÏÍ evidente que na nossa época a agricultura tem de ser considerada por forma totalmente diferente do passado, o que exige uma preparação profissional em
1960.
Luis QUARTIS GRAÇA, O Problema Agrícola Português,

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todos os escalões de técnica e de mão-de-obra, um equipamento, uma estrutura de propriedade e uma racionalização dos processos de cultivo, armazenagem, conservação e normalização dos produtos e sua comercialização inteiramente novos. Este conjunto constitui a verdadeira, pacífica, mas construtiva, revolução na agricultura.
Como consequência: menor massa humana entregue directamente aos trabalhos agrícolas e com a inerente melhoria das suas condições, não só de salário, mas de padrão de vida. Porque uma das bases de fixação das populações nos meios rurais - mesmo que exerçam até actividades não agrícolas, o que se torna necessário para a boa distribuição da mão-de-obra e para libertar a agricultura de encargos incomportáveis - é a habitabilidade em condições convenientes e outras atracções da vida social e de convívio.

Não se pode pretender originalidade para esta síntese, que se afigura conservar flagrante oportunidade. Mais proximamente, em Espanha, em 28 de Dezembro de 1963, as Cortes aprovaram o «Primeiro Plan de lo Desarrollo Económico y Social de Espana» para o período de 1964-1967.
Diz o artigo 6.º do Plano espanhol: «A acção do Estado .em favor da elevação do nível de vida das regiões ou zonas económicas da baixo rendimento por habitante será realizada mediante o fomento da sua industrialização, da melhoria agrária e da modernização dos serviços».
O artigo 10.º diz que a acção do Estado no sector agrário será orientada para elevar a produtividade e «melhorar o nível e as condições de vida no campo, para alcançar gradualmente o dos mais sectores».
Os meios que o Plano espanhol considera para atingir os seus objectivos são:

a) Fomento de ensino, formação profissional, investigação e «extensão» agrárias;
b) Reforma das estruturas agrárias para estabelecimento de empresas com as devidas condições sociais e humanas e suficientemente dotadas de capital, técnica e meios mecânicos de produção;
c) Acção intensiva nas infra-estruturas, especialmente incrementando os regadios, o repovoamento florestal, a melhoria dos gados e o acondicionamento dos núcleos de população rural;
d) Política de preços adequada para impulsionar ou manter, de maneira efectiva, a produção agrária;
e) Política de inversões públicas, fiscal e de fomento do crédito agrário, que contribua para a capitalização da agricultura.

Do exposto depreende-se uma das maiores preocupações dos economistas e sociólogos votados aos problemas rurais: não estarem em causa apenas os problemas da técnica e da economia pura, mas fundamentalmente os humanos. E, consequentemente, tudo quanto respeite a «investimentos intelectuais» - quer dizer, os encargos com a- valorização do homem na sua formação intelectual -, nível de vida e bem-estar rural, não pode de forma alguma ser descurado. Deixa-se este simples apontamento, como uma das «integrações» que deverão merecer a maior atenção no III Plano de Fomento.
Na verdade, é modesta a nossa posição quanto aos «investimentos intelectuais» no sector da agricultura, como se depreende dos seguintes quadros extraídos de El Campo Español en 1963 (edição do Vice-Secretariado Nacional de Ordenação Económica: Sector Campo), possìvelmente merecedores de quaisquer correcções ou actualizações que não alterarão, por certo, grandemente o confronto estabelecido. Frisa-se, uma vez mais, que os países da «região mediterrânea» se encontram, sempre, em situação especial nos aspectos estatísticos em relação aos do Centro e Norte da Europa.

Inversões intelectuais no sector da agricultura

[Ver Tabela na Imagem]

(a) Milhões do francos balgas.
(b) Milhões do dracmas.
(c) Milhões de libras.
(d) Milhões de florins.
(e) Milhões de escudos.
(f) Milhões do libras.
(g) Milhões de pesetas.

Origem: Números relativos a 1959-1960 da O. C. D. E. referidos em Kl Campo Español.

Por sua vez e da mesma origem transcreve-se este quadro:

Estatísticas relativas ao ensino superior agrícola

(1960)

[Ver Quadro na Imagem]

Um aspecto fundamental, se bem que não específico do sector, é o nível de remuneração de todos os escalões de diplomados, de forma a permitir a entrega plena ao exercício da função, e o nível de salários. Facetas ìntimamente ligadas com a rentabilidade da exploração no domínio do privado, e com os critérios de vencimento por parte do Estado, constituem factor básico para o recrutamento, em número e qualidade, dos que trabalham na agricultura. Eis um ponto de cuja delicadeza não se põe dúvida, mas que se considera essencial frisar neste parecer, dadas as suas repercussões.

8. O emparcelamento, nomeadamente nas regiões mais fáceis de actuar, mau grado as suas limitações, custo e demora, continua na ordem do dia. Ainda tão tìmida-

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mente iniciado. entre nós, após a publicação do diploma que o regulamenta -Decreto n.º 44647, de 26 de Outubro de 1962 -, dos 6000 ha previstos no II Plano estão em curso apenas trabalhos de campo em dois ou três locais do Minho. Já então se previa a dificuldade de se atingirem os números apresentados para as realizações. Porém, na nossa vizinha Espanha, para não se ir mais longe, houve neste domínio um êxito espectacular.
Mas o emparcelamento, pelo que tenha de moroso nos aspectos jurídicos e técnicos a observar, próprios do empreendimento, não é o único sistema a que se está recorrendo para aumentar a superfície de exploração de forma a permitir uma mecanização conveniente e assegurar à mão-de-obra a estabilidade e nível desejados. Está-se ensaiando o que se classifica de «agricultura de grupo», através do sistema cooperativo ou de sociedades agrícolas. A Espanha fornece-nos, neste aspecto, também, alguns exemplos curiosos, que já foram examinados por alguns lavradores nacionais, como o grupo da região da Bairrada que há pouco visitou Zuniga (Navarra).
Não é apenas à cultura cerealífera e a outras culturas arvenses que esta modalidade interessa; no pomar, na vinha, na exploração pecuária, está conquistando adeptos. Por outro lado, o conceito da propriedade familiar tem evoluído, quanto à extensão das superfícies mínimas, de forma que a unidade cultural possa corresponder às exigências técnicas da época e assegurar um nível de vida estimulante.
A parcela muito limitada, «agricultura a tempo parcial», só poderá ser aceitável como unidade complementar de salário para trabalhadores do meio rural ou de outras actividades. A média propriedade, do tipo patronal para uma exploração intensiva, terá sempre o seu lugar como índice de empresa agrícola autónoma, económica e socialmente válida. Mas já a grande unidade de exploração, considera-se aceitável desde que explorada intensivamente e em alta rentabilidade, seja de regadio ou de sequeiro, o que implica uma larga mecanização e equipamento de toda a ordem e um investimento financeiro que dificilmente poderá ser atingido a título individual. Daí, recorrer-se - o que não está ainda generalizado entre nós - às sociedades agrícolas, de forma que estas explorações possam ser conduzidas num ritmo e nível comparáveis a qualquer grande indústria.
Como elementos de apreciação de um problema que oferece as mais diversas facetas, não só quanto a países em confronto, como adentro do mesmo país em face das circunstâncias ambientais em que se processam, influenciados pela evolução das técnicas e métodos de trabalho, nomeadamente pela mecanização, e pelo êxodo agrícola, são, certamente, curiosos os números constantes do quadro relativo às dimensões das explorações agrícolas em diversos estados europeus.

Distribuição de explorações segundo a sua dimensão em diversos países europeus (a)

[Ver Tabela na Imagem]

(a) Reproduzido de El Campo Españoel em 1963.

Seguem-se dois quadros referentes às nossas culturas principais, o vinho e o trigo, que concorrem para ilustrar a forma como se processa, quanto à dispersão, a exploração agrícola no continente:
Vinho - 300 000 explorações:

[Ver Tabela na Imagem]

Trigo - Do apuramento que a Federação Nacional dos Produtores de Trigo efectuou para a distribuição do subsídio atribuído em 1961, foi possível reunir os seguintes e elucidativos dados, em face do número de produtores que manifestaram as suas colheitas no quinquénio de 1956-1960.

[Ver Tabela na Imagem]

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Por sua vez, em recente publicação oficial francesa - Bulletin Technique d'Information des Ingénieurs des Services Agricoles - escreve-se:

Com a dimensão das explorações abordámos um dos problemas mais delicados, porque se parte do princípio que houve uma escolha política e filosófica. A Europa do Oeste parece ter escolhido a exploração familiar. O futuro nos dirá se esta estrutura poderá resistir em presença da grande exploração capitalista ou das fórmulas comunitárias. No estado actual dos nossos conhecimentos pode dizer-se que nenhuma das experiências conhecidas é de plena satisfação. Isto sem dúvida porque nenhuma delas resolveu o problema da tensão indústria-agricultura, que se exerce simultâneamente nos domínios técnicos, económicos, financeiros e sociais. Torna-se necessário considerar amanhã de que maneira todas as explorações agrícolas, e as das regiões de desenvolvimento em particular, que devem estar à testa do progresso, poderão sustentar a velocidade tomada pela indústria em todos os domínios.

A mesma publicação, ao estudar aspectos da agricultura na Alemanha em confronto com a agricultura francesa, esclarece:

Os agricultores que abandonam a terra têm numerosas possibilidades de se colocar na indústria mesmo sem mudar de região. A presença da indústria permite manter por toda a parte uma densidade de população elevada, mau grado o êxodo rural.
A situação é, portanto, bem diferente das numerosas regiões francesas exclusivamente agrícolas, já muito despovoadas, para as quais a necessária reforma das estruturas arrisca provocar uma nova regressão da população, levando a esvaziar as regiões de toda a vida económica e social. Isto mostra bem que as soluções dos problemas agrícolas não dependem ùnicamente da agricultura e que devem necessàriamente inscrever-se numa concepção de conjunto de equipamento do território.

Na Dinamarca, cujo equilíbrio técnico-económico justifica a sua florescente agricultura, escreveu-se não há muito tempo:

De facto, o sistema de agricultura da Dinamarca, baseado até hoje na pequena propriedade, vai passar por uma reforma completa, desaparecendo 10 000 das 30 000 propriedades rurais que actualmente existem. O Ministro da Agricultura pretende desse modo que as herdades com menos de 3 ha desapareçam, dando lugar a propriedades com 5 ha de boa terra e 7 ha de terra inferior, por família.

Por sua vez, o Ministro da Agricultura Pisani disse recentemente que, em França, na maioria dos casos, uma exploração de 8 ha a 10 ha com diversas culturas e sem especialização não permite que dela viva uma família de agricultores.
Voltando à vizinha Espanha, "laboratório" trabalhando em grande ritmo no sector agrícola e que sob tantos pontos de vista nos interessa acompanhar cuidadosamente, o êxito espectacular da "concentração parcelar", emparcelamento, também de interesse directo e indispensável como prólogo à "agricultura de grupo", ou outras formas de associação das explorações agrícolas, levou a ter de se considerar como indispensável um estádio mais avançado, o do "ordenamento rural", que consiste "na ciência de uma melhor vida no campo e deve reunir num
todo e coordenar uma série de problemas e de técnicas até aqui estudadas em separado e que, por isso mesmo, não podiam esses problemas, no estado actual das coisas, receber soluções nem aplicações satisfatórias" e assim actuar como embrião em zonas limitadas dos planos mais vastos do desenvolvimento regional. Para D. Ramon Beneyto, director do Serviço Nacional de Concentración Parcelaria y Ordenación Rural (1962), tem de se considerar em conjunto (1):

1) Ordenamento da propriedade da terra, ordenamento agrário e ordenamento rural em sentido restrito, com os seus aspectos agronómicos, jurídicos e sociais;
2) Equilíbrio agro-industrial;
3) Concentração municipal e desenvolvimento das cabeças de comarca;
4) Dotação local em equipas culturais, escolares, sanitárias e sociais;
5) Comunicações e transportes;
6) Embelezamento dos lugares e cuidado com a paisagem natural.

Entretanto, como se disse, o emparcelamento em Espanha tem tido um êxito espectacular. Em 1963, o balanço de dez anos de trabalho era o seguinte:

Hectares concentrados ..................................... 433 535
Proprietários que intervieram na concentração ............. 74 789
Parcelas concentradas ..................................... 1 105 034
Propriedades resultantes .................................. 143 706
Parcelas, por proprietário, antes da concentração ......... 14,08
Propriedades, por proprietário, resultantes da concentração 1,09
Superfície média por parcela:
Antes (hectares) .......................................... 0,4
Depois (hectares) ......................................... 3

As operações em curso estendiam-se por 1338 povos e em 2 052 400 ha de 31 províncias.
Beneyto, bom conhecedor da fácies agro-social espanhola e dos resultados das operações em curso, conclui que:

a) O minimifúndio é o mais grave freio da economia agrícola espanhola. É preciso concentrar com urgência 53 milhões de parcelas, cuja área média é de 25 a, que ocupam uma superfície de 13 milhões de hectares e são propriedade de 5 milhões de pessoas;
b) As grandes propriedades não exercem função perturbadora desde que os proprietários esgotem as possibilidades teóricas da utilização das suas terras e que utilizem um e todos os meios técnicos que as suas dimensões o permitam.

E acrescenta:

As características gerais da propriedade da terra em Espanha que impedem o seu máximo rendimento e a devida organização das empresas agrárias são o não aproveitamento de todas as suas possibilidades e a desordem, anarquia e clandestinidade jurídica, que impedem a capitalização do campo e o desenvolvimento da sua riqueza, através de explorações que hão-de melhorar-se e incrementar-se, como a ganadaria e indústrias derivadas.

(1) RAMON BENEYTO, La Ordenación Rural en España, 1963.

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Muito recentemente, o Prof. Bandini, da Universidade de Roma, escreveu para a XII Conferência Internacional dos Economistas Rurais, reunida em Agosto, em Lião, cuja finalidade era o estudo das "Disparidades do ritmo e forma do desenvolvimento agrícola e rural":

É evidente que não se deverá conceber o processo do desenvolvimento económico das zonas agrícolas como baseado no acréscimo do valor dos produtos agrícolas. Dever-se-á, pelo contrário, pôr em prática um melhor sistema económico, que poderá ser realizado por forma diversa segundo as diferentes zonas:

a) Aumentando a produção proporcionalmente ao acréscimo da mão-de-obra afecta;
b) Reduzindo a mão-de-obra excedentária, mantendo igual nível de produção;
c) Reduzindo a produção proporcionalmente à diminuição de mão-de-obra afectada;
d) Aumentando a produtividade da mão-de-obra pela mecanização, os métodos técnicos e uma maior especialização, mantendo-a, no entanto, quantitativamente, etc.;
e) Melhorando a estrutura agrícola por uma coordenação mais económica de todos os factores de produção.

Se, em lugar de se entender por desenvolvimento económico um acréscimo, de produção - o que não é de admitir-, pensarmos que significa um sistema de produção mais económico, quer dizer, um sistema de custos unitários inferiores, o problema não consistirá já em escolher zonas particulares de desenvolvimento, mas, antes, em escolher o tipo de desenvolvimento que conviria melhor a cada zona particular do país. Por outras palavras: isto justifica que se intervenha em cada zona. Nenhuma zona deveria ser abandonada ou não ser considerada sob o pretexto de que não apresenta nenhum problema; da mesma forma que nenhuma zona deveria ser submetida a exame atento sob o pretexto de que põe problemas: é preciso para todas as zonas escolher a melhor forma de intervenção.

Para Bandini podem resumir-se os factores que marcam a evolução da agricultura italiana do seguinte modo:

[Ver Tabela na Imagem]

Por sua vez, diz Bergmann, o conhecido professor do Institut National de la Recherche Agronomique, Paris): (1)

É provável que certas regiões estejam mais próximas do que outras em ver acelerar a transformação da agricultura actual, transformação caracterizada pela passagem de uma agricultura composta de unidades tendo uma larga autonomia das suas decisões numa agricultura em constituição de vastos complexos integrados.

O factor essencial parece ser o dinamismo dos agricultores e o seu nível de formação técnica.

Noutra passagem afirma o reputado economista:

A exploração agrícola moderna será desmembrada. Só efectuará pelos próprios meios aquelas actividades para as quais as suas dimensões permitam o bom emprego de processos eficazes (e pouco custosos por unidade produzida).

As transcrições, ainda que um tanto desligadas, que se arquivam, visam reforçar o conceito de uma "agricultura nova", que tem de se basear na economia - através da gestão e de outros métodos, e na técnica mais moderna e econòmicamente válida -, e em um e em outro caso pressupõe a existência de empresários e executantes profissionalmente aptos e actualizados. Depende a mesma, não menos, de um espírito de cooperação entre lavradores e entre estes e outras actividades, como o comércio e indústria Intimamente ligados aos produtos da terra, e de um esclarecimento quanto à posição individual e colectiva dos produtores agrícolas, desiderato que requer uma profunda e constante doutrinação.
Não será tarefa fácil, nem a curto prazo. Parece, porém, ser indispensável, para que não fiquem largamente comprometidos os programas e investimentos em causa.

9. Os sistemas de produção que se apontam implicam, necessàriamente, o seu complemento transformador e comercial, dependente das diversas hipóteses consideradas. A produção agrícola não está, na generalidade dos casos, preparada para, isoladamente ou pelas suas organizações, competir na imensidão do mercado retalhista. Mas pode e deve, em todas as hipóteses, actuar na preparação dos seus produtos, valorizando-os em grosso, indo mesmo junto do consumidor quando necessário e viável. São bem esclarecedores a este respeito os três volumes da série Débouchcs Agricolcs, do Rev. P.e Henry de Farcy S. J., professor do Instituto de Estudos Sociais do Instituto Católico de Paris.
Daí a necessidade de uma apertada rede cooperativa em unidades de competição. Ainda recentemente, em França, o Ministro da Agricultura, Pisani, afirmou que a hora das cooperativas minúsculas ou de "amadores" tinha passado. Pretendem-se organizações fortes e eficientes, o que não quer dizer que as unidades que as constituem não estejam dispersas, mas adentro de esquemas técnicos e económicos perfeitos e com dirigentes superiormente preparados. E, quer para os mercados internos, quer para o comércio externo, estas organizações são, por acção directa ou em colaboração com o comércio especializado, indispensáveis.
Se nos aspectos doutrinários, no estudo e função representativa, as federações das organizações agrícolas são necessárias, nomeadamente quanto aos planos gerais, aspectos de gestão e formação profissional, as uniões são o complemento directo da actuação no sector económico.
E no quadro da "integração da agricultura" no ciclo do comércio, em constante progresso, quer quanto aos grande; grupos mundiais, já com ligações em Portugal, quer em cadeias mais modestas, em face das modernas exigências do mercado retalhista, tão expressivamente posta no plano de supermercados, a organização comercial da lavoura nos

(1) DENIS BERGMANN, Réflexions aur l'agriculture moderne, Journées C. E. T. A., 1964.

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justos moldes é a maneira mais eficiente para, sob todos os aspectos, não só se defender de intervenções abusivas, mas também estabelecer o conveniente equilíbrio entre produção e consumo.
Na Europa, a França e a Itália, nomeadamente, fornecem-nos vastos exemplos de organização da lavoura.
A França, no seu espírito inovador habitual, apresenta um grau impressionante de organizações privadas, ou mistas, que abrangem no campo teórico e das realizações os mais diversos e, por vezes, inesperados aspectos. A Itália tem de há muito um organismo de tal forma importante que, bem recentemente, foi alvo em pleno Parlamento das mais vivas controvérsias políticas: a Federação Italiana dos Consórcios Agrários. São valiosíssimas algumas organizações espanholas. E porque não referir a nossa U. C. A. L. (União das Cooperativas Abastecedoras de Leite) e outras organizações no sector do leite, a Cooperativa de Transformação de Produtos Agrícolas do Vale do Sorraia, para não falar já nas cooperativas ligadas aos organismos corporativos e de coordenação económica do vinho e do azeite, ou as grandes realizações da Federação Nacional dos Produtores de Trigo ou da Comissão reguladora do Comércio de Arroz, no seu tipo especial de funcionamento?
O Plano Intercalar anuncia e programa as realizações técnicas. Não se podem, porém, desligar estas do quadro das actuações de conjunto que apresenta como factores imprescindíveis: a preparação profissional, desde o técnico especializado ao empresário e ao trabalhador de ambos os sexos e de todos os escalões; os estudos de ordem económica quanto ao conjunto da exploração e cultura, e seu aproveitamento; os problemas vastos da comercialização. Enunciá-los constitui já lugar-comum. Mas recordá-los, como intróito a uma apreciação, torna-se indispensável, porque são como que as linhas mestras de um problema em que a economia e a sociologia ocupam as posições de vanguarda.

10. Um aspecto da comercialização dos produtos agrícolas que pelas suas incidências várias está na ordem dó dia é o da "integração da agricultura".
Que se pretende definir como "integração"? A "cadeia" que, sob formas diversas, torna solidários, num sistema, produtores e comerciantes.
Kohlz, da Universidade de Purdue (E. U. A.), esclarece, quanto à "integração vertical", que os tipos principais de contrato são (1):

1) Contrato limitando-se a precisar as características dos produtos;
2) Contrato com cláusulas de fornecimento;
3) Contrato com cláusulas de apoio e assistência às culturas e lucros garantidos.

E acrescenta:

"Um dos efeitos essenciais do processo de organização, que constitui a integração vertical por contrato, é que este compromete o valor dos raciocínios que tratam a exploração agrícola como uma entidade autónoma, tanto na teoria como na prática, das actividades conexas de fornecimento e de comercialização. Trata-se de um fenómeno que deve ser observado na totalidade. Certos países que lutaram para incrementar ràpidamente a sua produção agrícola devem estudar com cuidado, esta arma útil do arsenal do desenvolvimento. "Devemos, cada vez mais, aceitar o facto de que a invenção de novos métodos para manipular, organizar e guiar o elemento humano nas decisões e gestão constitui uma tecnologia nova, da mesma forma que os novos adubos, os alimentos melhorados para o gado ou as máquinas modernas".
Nos Estados Unidos avalia-se que 95 por cento das galinhas, 50 por cento, dos perus, 25 por cento dos ovos, 70 por cento dos legumes para conserva, 75 por cento de sementes de milho híbrido, 75 por cento das plantas de açúcar e 15 por cento de gado de engorda e menos de 10 por cento dos porcos, são actualmente produzidos graças a certas ligações de integração vertical sob uma ou outra forma.
A integração progride, rapidamente, em vários países, para além dos Estados Unidos, como se depreende dos seguintes números:

Produtos avícolas. - França, frangos 80 por cento,
através de 50 firmas; Ovos. - França, 10 por cento;
Produção porcina. - 5 por cento na França, 15 por cento nos Países Baixos, 20 por cento na Bélgica e 51 por cento na Dinamarca;
Produção bovina. - 1 por cento na França;
Legumes e frutas. - Tendência para se desenvolver especialmente para conservas.

É curioso frisar que em Portugal a "integração", conhecida por "culturas em regime de contrato", já se pratica entre nós há dezenas de anos. Para além do sistema tradicional, seguido de há muito na ilha de S. Miguel quanto a beterraba sacarina, batata doce, tabaco, chicória, etc., no continente a cultura de cânhamo e de linho e a progressiva e florescente cultura do tomate para a indústria, representam um tipo de integração vertical pelas ligações estabelecidas entre os produtores e os industriais que contrataram as culturas. Estão nesta linha de orientação, com facetas diversas, as culturas para a produção de sementes de plantas hortícolas e flores, entre produtores portugueses e casas estrangeiras de renome mundial e, também de certo modo, através da intervenção da Federação Nacional dos Produtores de Trigo, o fornecimento de cevada dística para a indústria do malte, etc.
Das vantagens deste tipo de cooperaçâo, devidamente regulamentado, parece haver já entre nós sobejas provas.

11. Apenas alguns números indicativos da movimentação de capitais provenientes dos sectores oficiais para operações englobadas no conceito actualmente atribuído a crédito agrícola, pouco generalizado ainda entre nós, e que compreende o crédito hipotecário, os subsídios e financiamentos, empréstimos ao abrigo da lei dos melhoramentos agrícolas e outros.
Segundo os números da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, a média anual do crédito agrícola em que a Caixa interveio foi, no quinquénio de 1959-1963, de 2 113 711 contos.
Destes números pertencem 970 590 contos aos financiamentos feitos à produção de cereais, vinho e pecuária, através dos organismos competentes: 236 660 contos para cereais, 619601 contos para a viticultura, 114329 contos para a pecuária. Nas operações directas com o sector privado a verba atingida foi de 1 080 534 contos. A Junta de Colonização Interna, através da lei dos melhoramentos agrícolas, concedeu empréstimos que atingiram a média de 62 586 contos.
O Banco de Fomento Nacional financiou a agricultura em 1961 e 1963 com 40 000 contos, em cada ano, por intermédio da Junta de Colonização Interna.

(1) B. L. KOHLS, Les conséquences de l'intégration verticale par contrat en agriculture, 1964.

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A Estatística Agrícola apresenta os seguintes valores quanto a empréstimos hipotecários, garantidos por prédios rústicos situados no continente:

contos
1958 .................... 379 817
1959 .................... 368 559
1960 .................... 510 854
1961 .................... 590 282
1962 .................... 733 865

Nota-se um crescente recurso ao crédito hipotecário, que, mau grado as bem conhecidas dificuldades por parte da lavoura, não pode, como tal, ser tomado em absoluto, dado que a intensificação da exploração agrícola exige uma soma de recursos que normalmente obriga a operações de financiamento.
Além destes números, há a considerar ainda os financiamentos de vária ordem que, através da banca privada e de grandes empresas comerciais e industriais, nomeadamente de adubos químicos e de máquinas agrícolas, são feitos à lavoura, cujo montante não é fácil de apurar, mas que se deve traduzir por verbas de muito apreciável importância.
O crédito agrícola é hoje em dia um dos sectores da base de qualquer política relacionada com os produtos da terra. De uma sensibilidade especial quanto ao momento e justeza da sua aplicação, se é por muitos considerado como «faca de dois gumes», a que se atribuem muitos malefícios, por algumas vezes desvirtuada a sua aplicação, quando criteriosamente facultado e a tempo utilizado, tem de considerar-se, como as oficinas tecnológicas e outros meios de comercialização colectiva, um dos grandes garantes da eficiência e rendabilidade da agricultura moderna.
Necessita de estar muito ligado, como, aliás, outros sectores da Administração, ao órgão que funciona como coração, conhecendo e sentindo as realidades da vida agrícola e seus momentos cruciais. Por isso mesmo, em muitos países, o crédito agrícola oficial depende do Ministério da Agricultura.
Um dos aspectos mais importantes para a agricultura é a possibilidade de crédito na base da responsabilidade pessoal e a curto prazo. A amplitude dada em 1960 à lei dos melhoramentos agrícolas veio, no que respeita às garantias para empréstimos, facilitar e alargar as possibilidades de crédito. Esta modalidade, segundo se escreveu recentemente em Espanha:

... é a raiz do problema, pois existe um grande número de unidades produtivas com limitados recursos financeiros e de carácter eminentemente pessoal, e poucas garantias pode oferecer o crédito a médio ou longo prazo se não conseguir solucionar os problemas com que contam para o financiamento da sua vida produtiva.

Neste país, o crédito agrícola, segundo El Campo Español, nas suas diversas formas, passou de 3859,3 milhões de pesetas em 1959 para 11 090 milhões em 1963, especialmente devido à participação do Banco de Crédito Agrícola, instituído em Abril de 1962.

Entre as conclusões aprovadas na assembleia geral da Confederação Internacional de Crédito Agrícola realizada recentemente na Holanda, contam-se:

I) Para conseguir o desejado surto da agricultura, o crédito é o meio indispensável, quer seja para a melhor estruturação, quer para a organização dos mercados de produtos agrícolas.
Os créditos deverão ter presente a rendabilidade das inversões, para que possam ser reintegrados, sem prejudicar o nível de vida familiar, e possam permitir aumentar os fundos do lar. As herdades que não proporcionem um lucro razoável não correspondem nem ao interesse geral, nem ao do agricultor.
Deve ser analisada a relação entre os capitais próprios de exploração e a dívida que os agrava, que nestes últimos anos cresceu consideràvelmente. Os capitais próprios da exploração devem ser a base do financiamento.
Observa-se uma grande diminuição de capitais, motivada pelas sucessões, pelo que deve prever-se uma legislação adequada, relativa aos direitos sucessórios.
À medida que se melhoram as estruturas das explorações, deve cuidar-se das infra-estruturas: equipamento rural, ensino, vulgarização, etc., com a participação do Estado.
Os institutos de crédito agrícola pedem que seja sempre definida, tão claramente quanto possível, a política das estruturas, com o fim de orientar tais institutos, de maneira a poderem seleccionar os programas de acordo com os regulamentos financeiros.
II) A política de estruturas deverá actuar para conseguir a organização dos mercados e dos preços agrícolas.
Os empresários, os seus organismos profissionais e as entidades públicas deverão preocupar-se em criar condições estáveis de mercado.
As cooperativas são o meio para que os agricultores se familiarizem com o mercado e orientem a evolução das suas explorações. Os institutos de crédito podem contribuir de um modo decisivo para proteger a independência financeira das explorações ameaçadas pelas concentrações comerciais.

12. Mau grado os problemas dos países da C. E. E. (Comunidade Económica Europeia) terem características muito particulares em relação ao caso português e de se conhecerem as dificuldades e imprevistos que têm resultado da integração progressiva dos produtos agrícolas no Mercado Comum, não se afigura despropositado, dados os inevitáveis reflexos para os problemas comerciais dos produtos agrícolas em geral, fazer uma breve referência a alguns dos aspectos que se estão desenrolando neste sector.
O Mercado Comum - Alemanha Federal, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos -, com a superfície agrícola de 73 421 000 ha, dos quais 64 por cento são constituídos por terras aráveis e 35,4 por cento por prados e pastagens permanentes, contava em 1963 com 174 milhões de habitantes, número que se admite venha a atingir cerca de mais 10 milhões em 1970, isto é, sensìvelmente a população da Bélgica. Admite-se que a evolução anual de rendimento individual se processe na ordem de 4,9 por cento.
A posição da população activa agrícola é ali a seguinte:

[Ver Tabela na Imagem]

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O nível de vida dos países da C. E. E. tem melhorado nitidamente nos últimos anos, e essa tendência mantém-se. Assim, são optimistas as perspectivas para 1970, o que permite prever-se um aumento de consumo para os produtos que se seguem:

Percentagens
Para a carne de bovinos .......... + 50
Para a carne de porcinos ......... + 25
Para a carne de aves ............. + 100

Em relação à Campanha de 1961-1962, a "posição produtora" do Mercado Comum, em relação às necessidades de consumo dos "Seis", foi a seguinte:

Percentagens
Trigo .................... 88
Aveia .................... 82
Cevada ................... 74
Centeio .................. 56
Milho .................... 95
Carne de bovinos ......... 98
Carne de ovinas .......... 71
Carne de equídeos Queijo . 100
Manteiga ................. 105
Vinho .................... 79

O deficit destes produtos em 1963 atingiu 15,6 milhões de francos.
Os cereais - um dos sectores que maiores repercussões tem tido (a C. E. E. detém apenas 3 por cento da superfície cultural e 17 por cento da produção mundial de cereais) - evoluíram de forma possìvelmente um tanto imprevista, no global e por cada um dos associados. Assim, desde já se põe em relevo que o consumo humano de trigo diminuirá em todos os países do Mercado Comum.
Para o ano de 1970 prevê-se que se mantenha o de cereais para consumo humano (actual de 225 milhões de quintais) e que o destinado à alimentação animal seja acrescido de mais 81 milhões, atingindo 435 milhões. O consumo animal de cereais deverá atingir em 1970, na Alemanha e em França, um aumento sensìvelmente do mesmo nível, isto é, de cerca de 36 por cento.
A Itália é o país em que o consumo humano de cereais está à cabeça. No entanto, no ano de 1970 será, como nos outros países, ultrapassado pelo consumo animal.
O consumo animal de cereais na C. E. E. aumentará em 25 por cento e atingirá 60 e 70 por cento de consumo total.
O consumo humano não ultrapassa 30 por cento dos cereais, na Europa. No desenvolvimento da cultura cerealífera dos últimos dez anos, verifica-se na C. E. E. um aumento global de 25 por cento na produção de cereais, dos quais o trigo em 18 por cento, especialmente pela maior produção unitária.
A produção de cevada foi superior ao dobro e o milho aumentou em 74 por cento. A França e a Itália chamam a si, cada uma, 50 por cento da produção do Mercado Comum.
Estes números revelam bem a importância que a cultura de cereais forrageiros está tendo e reflectem a evolução da pecuária.
Em 1970 a C. E. E. cobrirá 86 por cento das necessidades em .cereais.
A produção de milho e cevada, em dez anos, passou de 10 para 65 milhões de quintais.
Eis alguns números que não podem deixar de interessar na apreciação de qualquer plano, pelos aspectos que oferecem, quer no que respeita à evolução das culturas, quer como índice da modificação dos níveis de vida.
O Mercado Comum tem já em funcionamento ou prontas a entrar em vigor, de acordo com as decisões de Janeiro de 1962, para assegurar o êxito do sistema que adoptou (o período transitório termina em 31 de Dezembro de 1969), as instituições e disposições executivas seguintes:

1) Fundo europeu de orientação e de garantia agrícola;
2) Regulamento leiteiro;
3) Regulamento da carne ovina;
4) Regulamento do arroz;
5) Regulamento dos cereais;
6) Regulamento dos produtos transformados - carne de porco, aves e ovos;
7) Regulamento de frutas e legumes;
8) Acordo de "vinho".

13. Como se disse, considera-se que tudo o que se escreveu na análise do projecto do II Plano de Fomento, no tocante à agricultura, silvicultura e pecuária, continua a ter actualidade. O ambiente, interno e externo, é que tem evoluído rapidamente e, sem negar o que se defendeu, obriga a considerar alguns aspectos de outra forma ou a visionar novas soluções para antigos e novos problemas. Aliás, o caso não é apenas português. Acompanhe-se o que vai por essa Europa fora, pelos países que, pelas afinidades dos seus problemas com os nossos, mais nos interessam.
O êxodo agrícola e suas repercussões na mão-de-obra - quantitativa e qualitativamente apreciada - vêm trazer novas implicações.
Para prender aos trabalhos da terra elementos válidos torna-se indispensável que a sua vida seja atractiva, quer quanto ao nível das jornas, quer quanto às facilidades e comodidades que o progresso proporciona a outras ocupações e fazendo-os beneficiar das regalias de ordem social de que já desfrutam os trabalhadores de outras actividades. Daí haver necessidade de valorizar a mão-de-obra agrícola, pressupondo-se a existência de cultura e de formação profissional actualizada em todos os sectores e de uma estrutura da propriedade, permitindo métodos de trabalho que assegurem ao empresário e ao trabalhador rendimento compatível.
Os movimentos de planeamento regional, agora tão ambicionados, serão, por certo, valioso contributo para esse fim, como, em tese, os de reconversão cultural poderão tender para uma mais eficiente orientação da actividade agrícola. Mas são, em qualquer caso, movimentos de resultados a longo prazo, e a agricultura dos nossos dias e suas necessidades - que são, aliás, as do País e de todos os restantes sectores económicos - não se compadecem com tais delongas. Isto mesmo se sente lá por fora, em meios tidos como mais evoluídos. Haverá, portanto, em muitos casos, necessidade de andar mais depressa, ainda que sem tanta certeza ..

14. Duas evocações de um passado distante, merecedoras de um momento de meditação, findam estas linhas de introdução: uma estrangeira, outra nacional.
A propósito do 75.º aniversário, do I Congresso Internacional de Agricultura - Paris, Julho de 1889 -, escreveu-se, recentemente, o que se transcreve na íntegra (1):

Pendant des siècles, les relations entre agriculteurs et agronomes des différents pays étaient restées limi-

(1) Confédération Européenne de l'Agriculture, 75 Années de Travail en Commun pour l'Aqriculture Mondiale et Européenne, 1964.

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tées à des échanges de publications et à des visites individuelles ou de groupes. Sans remonter à l'antiquité ni même au Moyen Age, rappelons le reten-tissement que trouvèrent à une époque plus recente les publications de quelques agronomes de renom; de même, le vif intérêt que suscitèrent dans l'Europe entière, au 18º siècle, certames méthodes révolutionaires appliquées en Angleterre en matière de sélection du bétail.
Cest toutefois en 1848 seulement que fut convoque, à Bruxelles, un premier congrès agricole au sens propre du terme. Il fut suivi sporadiquement de rencontres analogues, organisées généralement par les gouvernements ou sous leurs auspices. On y traitait essentiellement sinon exclusivement de problèmes dordre scientifique ou technique.
Cependant, peu après 1880, une crise sans pré-cédent sabattit sur l'agriculture des Etats européens. Le développement prodigieux des moyens de communication au cours des deux décennies precedentes permit lenvahissement des pays de vieille culture par les produits obtenus à des conditions beaucoup plus favorables dans des régions lointaines. A titre d'exemple disons quen Suisse les prix du blé seffondrèrent de 40 francs et plus par quinial au début des années 1850 à 15 francs vers 1890.
Selon les pays, on sefforça de pallier les effets de la crise par de timides mesures omcielles de protection; ou bien, les agriculteurs modifièrent leurs productions, abandonnant en bonne partie la culture des céréales pour la remplacer par le lait et les spéculations animales en general. On settacha dautre par sa améliorer la technique agricole. Mais on comprenait aussi quune meilleure information, voire une coordination ser le plan international, s'imposaient.
C'est dans cet esprit que fut convoque, dans le cadre de 1Exposition universelle de Paris, le premier Congrès international d'Agriculture proprement dit. Ce congrès futinstituo par un arrete de M. Lucien Daustresme, ministre français du Commerce et de l'Industrie, en date du 2 aoat 1887, parallèlement à une quinzaine dautres congrès ou conférences, Un Comité dorganisation ad hoc appela à sa présidence M. Jules Méline, alors président de la Chambre des Députés.
Le premier soin du Comité dorganisation du Congrès de Paris fut détablir un questionnaire détaillé, adressé, en France et à Tótranger, aux agronomes de renom et aux grandes associations agricoles. Ce questionnaire embrassait l'ensemble des pvoblèmes agricoles du moment; il accordait toutefois la priorité à l'étude de la crise agricole, à ses causes, à ses effets, ainsi quaux moyens de la combattre, en insistant particulièrement ser l'amélioration du Credit dans les campagnes.
Le premier Congrès international dAgriculture, qui tint ses assises du 5 au 11 juillet. 1889 au palíiis de la présidence de la Chambre des Deputes, réunit un nombre de participants bien supérieur aux espoirs de ses organisateurs: 1451 membres incrits, dont 289 de 1étranger. les Etats ciivlisés du monde entier sy étaient fait représenter officiellement. A. la séance douverture, le président, M. Jules Méline, declara plus parbiculièrement:

... Jamais, à aucune époque, j'ose laffirmer, un congrès international agricole na presente un plus haut intérêt pour 1avenir de tous les peuples. Jamais il na été plus nécessaire qu'aujourd'hui de mettre en commun les lumières des savants, des agronomes, des écqnomistes, de tous les vrais amis des classes laborieiises, pour rechercher les causes et les effets de la grande révolution économique qui saccomplit sous nos yeux; cest la seule manière darriver à en régler la marche de façon à en faire sortir des résultats bienfaisants et à sauver de la ruine les masses immenses qui vivent du travail de la terre.
J'ai prononcé le mot de róvolution et je suis convaincu que personne ici ne le trouvera excessif, tant le mouvement dont je parle a été rapide et profond. Il y a dix ans, lors de notre dernière Exposition, on commençait seulement à l'apercevoir et on nen ressentait encore que les lointains effets. À cette époque, le marche agricole de chaque pays navait à compter sérieusement quavec un certain nombre de marches plus ou moins voisins, dont la capacite de production a vai t des limites connues. Tout, dans les échanges internationaux, pouvait en quelque sorte être prévu et calcule d'avance.
Les choses allaient ainsi, quand tout à coup, en quelques années, par le simple jeu du perfectionnement des moyens de communication, par l'extension prodigieuse de la télégraphie, la multiplication des chemins de fer et des canaux, et la diminution générale de tous les tarifs de transport, la barrière de la distance qui isolait les marches les plus éloignés sabaisse comme par enchantement. Le génie du commerce international apparait à son tour avec sa merveilleuse organi-sation et fait le reste; si bien quaujourdhui on peut dire que tous les marches sont devenus solidaires les uns des autres, ou plutôt qu'il n'y a plus désormais quun seul et immense marche qui sappelle le marche du monde.
Les conséquences dun pareil bouleversement économique au point de vue agricole étaient inévitables; elles devaient être tout à l'avantage des nations jeunes et sans passe, en possession dun sol vierge produisant sans grandg efforts, et presque sans frais, au delà des besoins d'une population clairsemée. Elles menaçaieht de devenir désastreuses pour les nations anciennes, écrasées par les charges du passe, qui, depuis des siècles, pressurent les flancs de la terre et qui ne peuvent lui rendre sa fécondité qu'à force de travail et de sacrifices. Comment lutter dans de pareilles conditions?
Le problème est loin d'être résolu; cest pourquoi nous vous convions aujourdhui à le regarder bien en face dans les quelques jours que nous allons passer ensemble et, après avoir le mal, à, nous en indiquer le remede. Il me parait im-possible que de cette vaste enquête, conduite par lelite des représentants de l'agriculture dans le monde entier, ne se dégage pás un ensemble de conclusions quon pourra considérer comme définitives et qui serviront désormais de guide aux agriculteurs de tous les pays ...

Por curiosidade enumeram-se as secções do Congresso:

Secção I - A crise agrícola.
Secção II - Instituições de crédito e previdência no campo.
Secção III - Ensino agrícola.
Secção IV - Culturas industriais. Indústrias agrícolas e leiteiras.

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Secção V - Viticultura e sericicultura.
Secção VI - Protecção das aves. Destruição dos anos mais e criptogâmicas prejudiciais. Piscicultura.

Por sua vez no Congresso Nacional promovido em 1909 pela Liga Naval, a Associação Central da Agricultura Portuguesa apresentou uma tese intitulada «Estado da Agricultura Portuguesa - males e remédios».

Limitamo-nos a recordar parte de um texto, bem curioso como análise de uma época, que, se em parte ultrapassado, noutras revela manifesta objectividade nas considerações e aspirações apresentadas quanto aos «remédios». Entre estes dá-se parte destacada aos problemas da instrução profissional, hidráulica agrícola e aos meios de promover o progresso e incitar o aproveitamento dos vários ramos da exploração agrícola. O documento apresenta, entre outras, como causas de que deriva o atraso da agricultura portuguesa, as seguintes:

Descrever o estado actual da agricultura num país, como Portugal, cuja feição natural e característica é precisamente a agricultura, equivale a fotografar toda a sua economia, nos múltiplos aspectos sociais, porque todos se ligam, todos exercem mùtuamente a sua influência, com tamanha intensidade que o desprezo de um pode representar a afirmação de causas erradas ou a dedução de falsos corolários. A vida portuguesa resume-se por assim dizer na vida rural: a questão financeira, a questão social, a questão política até, são no fundo elementos de um só corpo, são ramadas de um tronco comum e basilar - a questão agrária. E nas condições desta questão agrária é que se filia o estudo da agricultura, que delas directamente depende.
O urbanismo (como era então considerado) é também um dos males que afecta a agricultura portuguesa; tem como resultados a rotina nos campos, a carência de benfeitorias nos prédios, o desvio da terra de capitais gastos nas cidades em manifestações de luxo e um estorvo ao crédito agrícola, visto que os agricultores, não sendo donos da terra que trabalham, não podem dar suficientes garantias. Este urbanismo exagerado tem, entre nós, além das causas comuns ao facto, a da orientação dada à educação portuguesa, a qual mais prepara o indivíduo para uma vida de ostentação e de idealismo do que para um fim prático, um trabalho positivo e sobretudo um fito social.

II

A execução do programado no II Plano de Fomento

15. Dado que não atingiu o seu termo o II Plano de Fomento é impossível fazer-se o balanço dos resultados conseguidos em relação ao programado, em todos os aspectos e, especialmente no sector «Agricultura, silvicultura e pecuária», mesmo concluídos os trabalhos que foi possível executar; os seus reflexos e repercussões económicas só mais à distância serão palpáveis.
Da execução que tem tido, há larga documentação no volume do Relatório referente aos anos de 1959 e 1960, como já se acentuou no n.º 4 deste parecer. E de documento mais recente que o Secretariado Técnico da Presidência do Conselho divulgou (n.ºs III e IV do Boletim Técnico, Abril-Julho de 1964), permite-se ficar com a ideia global do desenvolvimento do Plano no período 1959-1962, portanto, a dois terços do seu termo.
Desde já parece poder tirar-se uma conclusão optimista: mau grado atrasos verificados, nomeadamente nalgumas das rubricas dos capítulos «Agricultura, silvicultura e pecuária» e «Investigação científica e ensino técnico» na parte complementar do anterior, os resultados globais excedem as previsões e, nalgumas alíneas mesmo, a taxa de acréscimo do produto bruto nacional atingiu os valores previstos para 1964. Assim, a taxa de acréscimo da produtividade de população activa, prevista para 3,6 em 1964, foi de 5,8 em 1959-1962. É certo que o acréscimo líquido anual da população foi de 40 000, em vez dos 56 000 previstos.
O Plano de 1949-1964 previa a utilização no capítulo I - Agricultura, silvicultura e pecuária - da verba de 3 812 192 contos e de 80 000 contos em Investigação aplicada e ensino técnico.
Extraem-se do quadro X do Relatório do Secretariado Técnico da Presidência do Conselho os seguintes elementos relativos à Agricultura, silvicultura e pecuária, e à Investigação aplicada ligada à agricultura, por revelarem a marcha da execução do Plano. A notar, em especial, as verbas estimadas para o período dos primeiros quatro anos e as efectivamente despendidas.

[Ver Tabela na Imagem]

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[Ver Tabela na Imagem]

Extracta-se do Relatório em causa:

Assim, no que respeita ao capítulo de «Agricultura, silvicultura e pecuária» nota-se uma taxa de execução relativamente baixa, derivada fundamentalmente dos atrasos nas realizações das rubricas de «Hidráulica agrícola» e «Armazenagem dos produtos agrícolas» e, também, das rubricas de «Viação rural» e «Abastecimento de água às populações rurais». No capítulo de «Pesca, indústrias extractivas e transformadoras», a rubrica de «Minas» encontra-se em estado de bastante atraso e a rubrica de «Industrias transformadoras» também se revela atrasada. Igualmente se notam alguns atrasos no capítulo de «Transportes e comunicações» no que diz respeito às rubricas de «Transportes ferroviários», «Portos» e «Ponte sobre o Tejo» e na rubrica de «Investigação aplicada» do capítulo de «Investigação e ensino técnico». Em contrapartida, os números do mesmo quadro mostram o ritmo de investimento que pràticamente tem correspondido às previsões em numerosas rubricas: é o caso do «Povoamento florestal», da «Reorganização agrária», da «Defesa sanitária das plantas e dos animais» e dos «Melhoramentos agrícolas» do capítulo «Agricultura, silvicultura e pecuária». É de notar, ainda, o início (a partir de meados de 1962) da realização das novas rubricas inscritas no mesmo capítulo intituladas «Campanha frutífera» e «Melhoramento pecuário».

Mas o projecto de Plano Intercalar esclarece:

Quanto à hidráulica agrícola, o atraso deve-se ao facto de não ter sido possível promulgar mais cedo os regimes jurídicos a que se refere a base X da Lei n.º 2094, de 25 de Novembro de 1958, base essa que fez depender a execução de novas obras de hidráulica agrícola da revisão do regime jurídico relativo à exploração e amortização das obras de rega e à colonização interna, revisão essa- que só se verificou com a publicação do Decreto-Lei n.º 42 665, de 20 de Novembro de 1959 (novo regime jurídico das obras de fomento hidroagrícola), e do Decreto-Lei n.º 44 720, de 28 de Novembro de 1962 (regime jurídico da colonização interna).
Na viação rural o atraso deve-se fundamentalmente à demora na elaboração dos projectos e na execução das obras a cargo dos municípios, embora com comparticipação do Estado. O mesmo se pode dizer quanto ao «Abastecimento de água das populações rurais», em que se verificou também a falta de legislação adequada até 22 de Março de 1960, data em que foi promulgada a Lei n.º 2103, que estabelece as bases legais para a execução das obras compreendidas nessa rubrica.

Vem a talho de foice frisar que, contràriamente ao inicialmente estabelecido, foram em 1962 incluídos no Plano dois novos empreendimentos: as campanhas «Frutícola» e de «Melhoramento pecuário», esta última baseada no estudo realizado em 1960, as quais foram dotadas, respectivamente, com 1839 e 7861 milhões de escudos, verbas estas limitadíssimas para a grandeza da obra a realizar que, seria de admitir, fosse largamente dotada, no Plano Intercalar, o que não se verificou na medida desejada.
A título documental arquivam-se mais os seguintes comentários relativos à melhoria do nível de vida, que figuram no citado Relatório do Secretariado Técnico da Presidência do Conselho:

Do que precede, pode inferir-se, assim, que o produto nacional tem crescido a um ritmo mais rápido do que o consumo privado, o que significa que se tem vindo a destinar uma percentagem cada vez maior do produto para a formação de capital; aliás, a manutenção desta tendência é, no estádio actual, indispensável para assegurar a continuidade do desenvolvimento económico nacional. No que respeita ainda ao consumo privado, pode acrescentar-se que, relativamente aos níveis energéticos e à composição da dieta alimentar, se terá registado alguma melhoria na capitação das calorias diárias e na distribuição das proteínas, não se notando variação no consumo de gorduras.
Com efeito, enquanto nos estudos preparatórios do Plano se indica que a capitação das calorias diárias se situava então entre as 2280 e 2550, da análise da balança alimentar calculada para 1961 pelo Instituto

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Nacional de Estatística verifica-se que essa capitação passou para 2740 (sem vinho e cerveja, 2554);
No que respeita a proteínas, as respectivas capitações diárias oscilavam entre 62 g e 71 g, com uma composição em que as proteínas de origem animal não excediam os 23 g e as de origem vegetal atingiam um máximo de 49 g; em 1961, a capitação diária elevou-se a 72,2 g (total este considerado suficiente para a nossa população), correspondendo 27,2 g a proteínas de origem animal e 45 g a proteínas de origem vegetal, o que evidencia um progresso no sentido de se atingir uma distribuição mais equilibrada de proteínas de origem animal e vegetal (50/50). A capitação do consumo de gorduras, que oscilava entre 65 g e 74 g, foi em 1961 de 71,1 g.
Outros elementos podem servir ainda para se aquilatar da evolução do nível de vida no período de quatro anos de execução do Plano, destacando-se, entre eles, a análise conjugada dos índices de preços e de salários. Dessa análise pode concluir-se que têm vindo a progredir os salários reais dos trabalhadores industriais e agrícolas, o mesmo se observando em relação a diferentes profissões do sector de serviços. Com efeito, e por exemplo, enquanto o índice geral de preços por grosso em Lisboa aumentou no quadriénio de 1959-1962 de 2,6 por cento e o índice geral de preços no consumidor, em relação à mesma cidade e idêntico período, cresceu de 8,6 por cento (no Porto, Coimbra, Évora e Viseu os aumentos evidenciados pelos respectivos índices gerais de preços no consumidor foram, para cada uma dessas cidades, de 7,2, 5,7, 4,8 e 7,6 por cento), a evolução do índice ponderado de salários rurais mostra um acréscimo de 40,4 por cento para os homens e 36,6 por cento para as mulheres e a do índice ponderado de salários por profissões na cidade de Lisboa um aumento de 18,1 por cento.

Quanto à ajuda à resolução dos problemas de emprego, escreveu-se mais:

De acordo com os estudos preparatórios do II Plano, concluiu-se por um acréscimo anual de 20 000 empregos como limite mínimo de novas colocações a criar no período de 1959-1964, para se manter a ocupação da mão-de-obra nacional ao nível relativo de 1950. Julgou-se também conveniente prever não só a fixação fora do sector agrícola deste acréscimo anual de novos trabalhadores, mas também o desvio desse sector de uma parcela progressivamente maior de mão-de-obra, tendo-se admitido, como hipótese de trabalho, a colocação de um total de 90 000 trabalhadores para fora do sector agrícola. Assim, a distribuição prevista implicaria a criação de 210 000 novos empregos fora da agricultura no período de 1959-1964. Tal é a expressão quantitativa do objectivo de ajuda à resolução dos problemas de emprego. Uma vez que pelos dados actualmente disponíveis do censo populacional de 1960 se nota, como já se teve ocasião, de salientar, que no decénio de 1951-1960 o ritmo de crescimento da população foi bastante inferior ao previsto, para se ajuizar da forma como este objectivo tem vindo ou não a ser alcançado torna-se necessário, antes de mais, verificar se, à luz dos elementos constantes do último censo, se mantém ou não a ocupação da mão-de-obra nacional ao nível relativo de 1950.
De acordo com os estudos preparatórios do II Plano de Fomento, esta manutenção da mão-de-obra ao nível de 1950 é dada pela posição relativa da população activa com profissão em relação ao grupo etário dos 12 aos 69 anos e em relação ao total da população. Ora, com base no censo de 1950 verifica-se que a população activa com profissão (3005 milhares de pessoas) representa 52,9 por cento do grupo etário dos 12 aos 69 anos (5678 milhares) e 38,2 por cento do total da população (7857 milhares). Mas, tendo em atenção o censo de 1960, observa-se que a posição relativa da população activa com profissão (3 124 000), em relação à população total (8 255 000), passa a ser de 37,9 por cento, p que já é um indicador de que a evolução do emprego não foi até 1960 de molde a mante-lo ao nível relativo de 1950.
A inexistência de elementos disponíveis não permite averiguar em que medida terá também decrescido, entre os anos de 1950 e 1960, a posição relativa da população empregada face ao grupo etário dos 12 aos 69 anos. Pode, todavia (tomando como base elementos da população residente metropolitana, e não, como até aqui, da população presente no continente), dizer-se que, enquanto o volume de emprego correspondia em 1950 a 58,4 por cento da população com 20 e mais anos de idade, em 1960 desce paira 56,3 por cento, o que é uma indicação mais de que até ao fim de 1960 não se verificou uma ocupação da mão-de-obra nacional por forma a corresponder ao objectivo do Plano.
Nos dez anos de 1951 a 1960, o número médio anual de novos empregos criados foi de 11 900, tendo-se, além disso, processado uma certa absorção de mão-de-obra do sector agrícola pelo sector industrial, pelos serviços e pela emigração. O decréscimo da população activa agrícola entre 1950 e 1960 foi de cerca de 116 000 pessoas, o que corresponde a uma transferência anual média de 11 600 efectivos da agricultura para outros campos de actividade.
Se retomarmos as estimativas da distribuição da população activa com profissão indicada nos estudos preparatórios do II Plano de Fomento e as compararmos com os números evidenciados pelo censo de 1960, concluiremos que a posição relativa do sector agrícola em 1960 é já menos pesada que a prevista naqueles estudos para o ano de 1964:

[Ver Tabela na Imagem]

Passados quatro anos da execução do Plano, procurou-se saber qual o volume de emprego directamente resultante dos empreendimentos programados. Embora não se tenham obtido informações em relação a todos os casos, conseguiram-se obter alguns elementos, que se espera poderão ser completados no futuro, com vista a permitir uma análise tão completa quanto possível da incidência do Plano sobre

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o volume do emprego. Sublinhe-se que os números já obtidos se referem aos efectivos que as entidades e empresas responsáveis directamente empregaram, e não ao aumento de emprego derivado do desenvolvimento de certos sectores de actividade, provocado pelas realizações do Plano. Assim, no que respeita aos empreendimentos de «Agricultura, silvicultura e pecuária» e «Investigação aplicada» obtiveram-se números respeitantes ao volume de pessoal utilizado na execução dos seguintes empreendimentos:

1) Povoamento florestal e investigação aplicada ao momento florestal - o pessoal dos serviços responsáveis que em 1958 era em número de 730 passou em 1962 para
952. Quanto ao pessoal assalariado, encontrou-se como valor médio para 1959 o número de 11 310 e para 1962 o de 7670;
2) Defesa sanitária das plantas - aumento em 1959-1962 de 145 pessoas;
3) Campanha frutícola - 5 pessoas empregadas;
4) Melhoramento pecuário - 66 pessoas empregadas;
5) Defesa sanitária dos animais e investigação aplicada ao fomento pecuário - em 1958 o número de pessoas ocupadas era de 120, tendo em 1962 passado para 138;
6) Investigação aplicada ao fomento agrícola - aumento de 1959-1962 de 285 pessoas;
7) Publicação de cartas de reconhecimento agrário - aumento em 1959-1962 de 16 pessoas;
8) Investigação aplicada ao fomento industrial - 122 pessoas.

Em face destes números, verifica-se que a execução dos empreendimentos referidos implicou a criação em 1959-1962 de 879 novos empregos, número este, no entanto, que se considera subavaliado, visto não ter sido possível apurar o volume de todo o pessoal assalariado que foi necessário recrutar para as obras em causa.

III

O Plano Intercalar para 1965-1967

1) Considerações prévias

16. É sobejamente conhecida a inquietante fase de depressão em que se encontra a agricultura nacional.
Tudo o que se relatou anteriormente contribui para concretizar a ideia de que são bem complexos, para além dos pormenores da técnica, os problemas relacionados com a evolução da agricultura e seu fortalecimento, e não será no quadro restrito dos investimentos de um Plano Intercalar que se encontrarão as soluções, que requerem urgência, amplas colaborações e decisão pronta.
Daí admitir-se que no período de 1965-1967 seja diminuto o acréscimo do rendimento do produto agrícola. Por outro lado, as verbas com que são dotados os investimentos prioritários relativos ao fomento agrícola - 1 877 000 contos, ou sejam 5,5 por cento do total programado com carácter prioritário nos vários capítulos do Plano Intercalar -, por exíguas não são de molde a permitir que se admita que as realizações previstas possam ser conduzidas, na sua execução, com aquela intensidade que seria necessária e venham a ter as repercussões que as circunstâncias impõem.

17. A apreciação da secção faz-se sobre um «Plano Intercalar» que cobrirá o período 1965-1967, constituindo como que prolongamento e complemento do II Plano de de Fomento e dando assim margem a cuidado e pormenorizado estudo para o III Plano, que necessariamente se seguirá. Esta circunstância em muito alivia a responsabilidade do parecer, visto ser sobejamente conhecida a posição da Câmara Corporativa quanto aos princípios fundamentais de que informou o II Plano, mau grado as mutações que, nalguns aspectos, o tempo e os factos levaram a considerar e a aceitar.
Por outro lado, a maioria dos temas focados foi exaustivamente tratada aquando do II Plano de Fomento e consta de larga documentação então reunida em volumes. Agora, parte da matéria é actualizada em face da evolução dos conhecimentos e das coisas. Há, porém, alguns aspectos ou propósitos novos em aditamento aos que figuram no II Plano.
Estão neste caso: o que se refere ao «Fomento pecuário»; à «Reestruturação da vitivinicultura»; à «Motomecanização»; às «Cooperativas e outras associações de produtores».
O projecto de Plano estima em 2 829 000 contos a soma dos investimentos prioritários programados para a agricultura, silvicultura e pecuária no período de 1965-1967. Mas neste total estão 940 000 contos que correspondem aos investimentos para a valorização rural (viação rural, abastecimento de água das populações rurais e electrificação rural), que manifestamente não se referem ao sector agrícola.
Vimos acima (n.º 16) que a percentagem dos investimentos relativos ao fomento agrícola é de 5,5 por cento do total programado no Plano com carácter prioritário. Terá interesse anotar que a referida percentagem será de 8,3 por cento se considerarmos o total das verbas prioritárias do capítulo (investimentos para a agricultura, silvicultura e pecuária e investimentos para a valorização rural). E é curioso referir que no I e II Planos, no capítulo «Agricultura, silvicultura e pecuária», embora de composição diversa, foram atribuídos 1 238 000 contos, 10,8 por cento do total do Plano, e 3 630 000 contos, 17,3 por cento, respectivamente.
Entende-se, porém, recordar que a matéria nova, atrás mencionada, se bem que não integrada no âmbito de II Plano, foi, de 1959 a esta parte, ou incluída nas actividades dos serviços ou estruturada em novos moldes. Estão, neste caso, o «Plano de Fomento Forrageiro e Pecuário» delineado em relatório elaborado em 1960 e medidas tomadas posteriormente, como as que justificaram realizações levadas a cabo nos sectores da mecanização, electrificação agrícola, gestão da empresa, horticultura e fruticultura, etc.

2) Objectivos do Plano

18. Os motivos do fraco acréscimo do produto agrícola bruto no último decénio apurado e da sua inferioridade em relação aos restantes sectores da actividade económica nacional são múltiplos e de vária natureza. Não é de estranhar, consequentemente, que a contribuição do sector primário para o produto nacional bruto tenha baixado de 34 por cento em 1953 para 25,7 por cento, o que, aliás, vem sucedendo com maior ou menor projecção nos

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países onde a agricultura tem posição destacada na economia.
Sabe-se quanto de irregular tem o comportamento das várias culturas devido a factores diversos, entre os quais os climatéricos, mau grado a por vezes bem notória evolução favorável das técnicas; conhece-se a falta de mão-de-obra e o aumento dos salários, a pouca especialização, os reflexos dos preços estabelecidos, etc.
Não é, pois, de admirar a baixa de 12 para 7,8 por cento que no decénio se verificou na formação bruta do capital.
A tendência de progresso é natural que se registe mais vincadamente nos sectores para que se abrem horizontes mais largos e favoráveis: pecuária, fruticultura, horticultura, exploração florestal, «culturas ricas», etc.
Por outro lado, a intensificação do êxodo rural, obrigando a um acréscimo de produtividade no sector, trouxe novos e inesperados problemas.
Quanto à exportação de produtos de origem agrícola, houve uma ligeira expansão, e a taxa média anual de acréscimo atingiu 1,25 por cento.

Metrópole - Exportação de produtos da agricultura em confronto com a exportação total

[Ver Quadro na Imagem]

Origem: Relatório do Grupo de Trabalho n.º 1. (Agricultura, silvicultura e pecuária) que colaborou com o Governo no estudo e organização do projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967.

Do exposto, parece depreender-se não ser de «esperar que seja muito rápido o ritmo de crescimento do investimento agrícola nos próximos anos». Admite-se, também, que, no triénio, a mão-de-obra sofra no sector uma redução na casa das 80 000 unidades, o que levará a população agrícola activa em 1967 a aproximar-se de 38 por cento, solicitando-se, portanto, uma maior produtividade à mão-de-obra disponível.
Diz-se mais no projecto do Governo:

O triénio de 1965-1967 deverá, pois, constituir um período de transição entre a fase de relativa estagnação que o sector agrícola presentemente atravessa e um estado de desenvolvimento que lhe permita acompanhar mais de perto a evolução em curso na economia nacional. E, acrescenta-se, «pretende-se que o triénio de 1965-1967 constitua uma fase preparatória de esquemas que venham a conjugar, por um lado, no sistema horizontal o melhor aproveitamento das características e possibilidades das diversas regiões do País e por outro, as condições da organização vertical, especialmente as relativas aos serviços oficiais, de molde a permitir uma coordenação, orientação e apoio do desenvolvimento regional em condições mais adequadas às exigências do próprio crescimento económico e social do País.
Contudo, é ao sector privado da lavoura que continuará a caber o principal papel no processo de desenvolvimento da agricultura nacional.
Assim, o Plano Intercalar visa neste capítulo, fundamentalmente:

a) Aumento do produto agrícola e elevação do nível de vida das populações rurais, através:

1) Do melhor aproveitamento do território;
2) Do apetrechamento técnico das empresas agrícolas;
3) Da adaptação social do sector a novas condições de produção;
4) Da melhoria de qualidade dos produtos;

b) Valorização económica e social das regiões menos evoluídas.

Não se poderá, por certo, negar a razão destes desideratos.
Até que ponto o programado no Plano Intercalar para três anos poderá dar-lhe satisfação?

3) Investimentos

19. Como já se acentuou, no Plano Intercalar consideram-se empreendimentos de três naturezas:

a) Conclusão de trabalhos em curso;
b) Ampliação de empreendimentos programados;
c) Novos empreendimentos a iniciar ou simplesmente a estudar no período 1965-1969.

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Figurando os constantes da alínea a) e, portanto, os da alínea b) em parte dos estudos e pareceres relativos ao II Plano, muito facilitada fica a apreciação, forçosamente ligeira, que no presente parecer terá lugar sobre o que consta do projecto do Governo, que frisa e justifica a posição prioritária dada aos empreendimentos classificados nos seguintes grupos:
A) Investimentos de maior e mais rápida produtividade;
B) Investimentos para a intensificação racional das explorações agrícolas;
C) Investimentos para a valorização rural.

Por sua vez, as verbas atribuídas podem agrupar-se assim:

a) Para reforço do equipamento dos serviços;
b) Para fomento, individual ou colectivo;
c) Para a valorização rural.

A secção não pode deixar de notar que o seu trabalho de apreciação do projecto do Governo é muito dificultado pelo facto de não constarem do respectivo relatório elementos suficientes de esclarecimento acerca da forma como irão ser distribuídas as verbas prioritárias correspondentes aos investimentos dessa natureza programados. E estranha que não tivesse sido possível fazer constar do Plano esses elementos de informação, que permitiriam fazer um juízo completo sobre os critérios adoptados no tocante à distribuição das verbas.

A) Investimentos de maior e mais rápida produtividade

a) Fruticultura, horticultura e floricultura

20. Não pode estar em causa, dadas as aptidões naturais, posição geográfica e necessidades de momento, a importância económica das actividades englobadas nesta alínea, a que se destinam 150 000 contos, dos quais 30 000 provenientes do Orçamento Geral do Estado.
Consideram-se verbas para a continuação de trabalhos já em curso, como sejam os que sob a orientação do investigador Prof. Vieira Natividade estão sendo realizados em Alcobaça e a secção deseja estendam-se com intensidade a outras regiões do País propícias ao fomento das pomoídeas e prunoídeas; os trabalhos de instalação de viveiros adentro do projecto já em curso do «Viveiro Nacional de Pés-Mães», para a obtenção das espécies e variedades mais desejadas para os trabalhos de fomento, de que se espera uma produção anual não inferior a 300 000 árvores, e para o prosseguimento dos estudos sobre a tecnologia dos frutos, para o que se dispõe já de moderno e actualizado laboratório, na Tapada da Ajuda, adentro das realizações do II Plano. Este laboratório é uma unidade da maior importância em face não só dos crescentes e progressivos métodos de industrialização como da possibilidade de aproveitamento e valorização de frutos de refugo de que dispomos, ainda em tão elevada percentagem.
Quanto aos novos projectos, contam-se os trabalhos relacionados com os citrinos e frutos secos, cuja importância se torna desnecessário encarecer, tal como a da expansão da cultura da uva de mesa, que não ocupa ainda mais do que 0,2 por cento da área total da vinha - de 1936 a 1962, foram concedidas licenças para a plantação de 2 670 594 pés, dos quais 335 783 em 1963 -, e bem assim a do melhor aproveitamento da azeitona para conserva, cujo valor se estima em 100 000 contos (em 1962 a exportação atingiu 31 500 contos), e que com a uva de mesa constituem factores de exportação da maior valia. Quanto à azeitona, a conclusão, que se deseja próxima, da estação de olivicultura em Elvas, iniciativa da Junta Nacional do Azeite, deverá dar largo apoio a uma actividade que interessa várias regiões, não só as tradicionais, mas a Beira Baixa e outras.
Não figura neste número qualquer verba destinada ao incremento da horticultura por, como a referente à expansão da floricultura, ter transitado para outra alínea. O facto não impede de neste lugar, se chamar a atenção para a grande importância que sob vários aspectos este problema oferece, não só no aspecto alimentar, como no seu valor comercial, do maior interesse, e a necessidade de o dotar amplamente.
A expansão do turismo com as suas naturais exigências obriga a encarar o seu fomento com a maior urgência, como aliás se frisa no respectivo capítulo sectorial. Não constitui novidade afirmar-se que no Algarve, zona privilegiada para as culturas de «primores», tão apreciados nos mercados externos, o simples afluxo de alguns milhares de turistas obriga as poucas unidades hoteleiras a ter de recorrer a Lisboa, com os encargos e dificuldades inerentes, para obtenção periódica dos alimentos de base: hortaliças, frutas, aves, ovos, etc.!
É um problema que não pode aguardar uma programação ideal no conceito dos «planos regionais do desenvolvimento».
Os serviços responsáveis admitem que no período do Plano Intercalar sejam plantados no Oeste e no Ribatejo cerca de 600 ha de novos pomares e que, no País, a área das plantações a fazer se eleve a 3000 ha, especialmente de macieiras e também de pereiras, pessegueiros, citrinos, etc.
Entende-se frisar a alta contribuição que as culturas incluídas neste número podem dar ao «Plano de valorização do Alentejo» como, aliás, à valorização de outras regiões do País.
A secção permite-se lembrar também as condições propícias e o interesse comercial da cultura de plantas aromáticas e medicinais e a produção de óleos essenciais, rica actividade em tantos países, como na vizinha Espanha, por exemplo.
Recorda, igualmente, as aptidões especiais da ilha da Madeira para a floricultura e seu largo interesse económico.
Frisa-se que no quadro da E. F. T. A. é Portugal o país que se encontra mais favorecido para a expansão dos produtos hortifrutícolas, o que é de capital importância para o futuro destas actividades.
Em Maio de 1962, foi, por despacho, criado na dependência da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas o Centro Nacional de Estudos e Fomento da Fruticultura que, pela sua estrutura, poderá imprimir à orientação dos problemas analisadas aquela ordem de prioridade e de continuidade indispensáveis.
A secção entende destacar que o ciclo produção-consumo da hortifruticultura e floricultura, pelas suas possibilidades, impõe o maior interesse e colaboração entre os serviços do Estado e as organizações da lavoura em todos os seus numerosos e delicados aspectos.

b) Fomento pecuário

21. Nos anteriores Planos de Fomento não figurou qualquer empreendimento relacionado com o fomento e melhoramento animal.
Não será possível dar agora a este tema o desenvolvimento que, em matéria de base como esta, se justificaria. Sabe-se que a pecuária não interessa, apenas, como actividade produtora de alimentos ou de outros bens de consumo, mas que é participante indispensável em todas as modalidades da agricultura.

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O Plano atribui-lhe 290 000 contos, dos quais apenas 90 000 nos três anos, financiados pelo Orçamento Geral do Estado. O projecto do Governo diz que os principais objectivos a atingir são o desenvolvimento da produção forrageira e fomentar a produção de bovinos de carne e de leite, ovinos, suínos e aves.
Sabe-se que um nível de preços compensador é o grande estimulante da produção, o que não é precisamente o que se tem verificado, na generalidade, entre nós, quanto à carne e ao leite. Da falta de rendabilidade da exploração pecuária resulta parte apreciável da situação actual em que são manifestos os deficits destes produtos de base na alimentação.
Dos trabalhos também previstos neste sector podem considerar-se como continuação dos que estão em curso os relativos à inseminação artificial, contrastes funcionais, livros genealógicos e assistência técnica às explorações.
O fomento forrageiro, baseado no relatório de Agosto de 1960 - Campanha de Fomento Forrageiro e Pecuário e respectivos despachos, embora não incluído no II Plano de Fomento em execução -, teve início, ainda que por estruturar em definitivo, em 1960, e foi objecto do Decreto n.º 44 419, de Junho de 1962, que instituiu o Serviço de Campanha de Fomento Pecuário, dotado, aliás, modestamente: 38 000 contos no triénio 1962-1964.
O fomento e melhoramento dos bovinos leiteiros estava, ainda que fora do II Plano, já em evolução, bem como o da avicultura, para o que contribuíram certamente as disposições legais não só respeitantes à composição e comércio de rações (Decreto n.º 42 979, de 16 de Maio de 1960) e de sementes de forragens (Portaria n.º 17 938, de 13 de Setembro de 1960), como as relacionadas com o fomento avícola (Decreto n.º 42 165, de 27 de Fevereiro de 1959, e legislação posterior).
Poderá admitir-se que haja outros trabalhos em curso, mas estruturados de novo e agora incluídos no Plano, referentes ao fomento e melhoramento dos bovinos de carne, fomento e melhoramento de ovinos e fomento e melhoramento de suínos.
Um dos objectivos considerados de maior urgência será acelerar a instalação e completar a rede de inseminação artificial, serviço básico no conceito moderno da pecuária, ainda com muitas lacunas em várias regiões do País.
Enquanto nos países nórdicos a pecuária chega a atingir 80 por cento do produto bruto agrícola, nos países mediterrânicos regula entre 23 e 35 por cento; Portugal, com predomínio de exploração em regime extensivo misto e com espécies e raças pouco exigentes, figura com 23 por cento. Está largamente desactualizado o arrolamento geral de gados, pois o último é o de 1955, e sabe-se bem como se têm modificado as coisas neste decénio.
Como tem evoluído a produção pecuária? Segundo se escreveu no Relatório do Grupo de Trabalho n.º 1 já citado:

Nos bovinos se vem registando um constante e progressivo acréscimo, embora o ritmo em que este se processa seja insuficiente para satisfazer as solicitações do consumo em carne e leite, produtos cada vez mais solicitados por uma população que cresce incessantemente e cujo nível de vida tende a melhorar. De resto, o próprio turismo, que nos últimos tempos vem a intensificar-se de forma sensível, dará lugar a um importante aumento de consumo daqueles produtos alimentares.
Nos aspectos da produção convém destacar que a mecanização da agricultura. e dos transportes tem permitido e incentivado a progressiva substituição do boi de trabalho pela vaca de criação nas regiões do Sul, da vaca de trabalho pela de vocação leiteira no Norte e, ao mesmo tempo, provocado um crescente interesse pela produção de animais expressamente destinados ao talho (vitelos de 6 a 8 meses e novilhos dos 18 aos 30 meses). É significativo o facto de o número de vacas leiteiras em produção ter aumentado nos últimos 15 anos cerca de 50 por cento.
Nos ovinos, os efectivos, embora com leves flutuações, mostram-se praticamente estacionários.
Nos suínos o incremento registado é bastante significativo, embora não deva perder-se de vista, na apreciação da sua evolução, o carácter cíclico, que constitui uma das características da exploração desta espécie.
Nas espécies cavalar, asinina e caprina os decréscimos mostram tendências para se acentuarem. Nos efectivos de muares..., a verdade é que nos últimos anos o decréscimo tem sido bastante acentuado.
Nas aves, e particularmente no Gallus domesticus, o aumento verificado tem sido verdadeiramente espectacular, correspondendo à criação de uma nova indústria, com organização e técnica bastante satisfatórias.

A capitação média do consumo de carne no decénio 1953-1962 foi de 18,350 kg, distribuindo-se assim: suínos, 37,2 por cento; bovinos, 85,2 por cento (25,2 por cento adulto e 10 por cento vitela); ovinos e caprinos, 16 por cento; animais de capoeira, 8,5 por cento; equídeos, 1,5 por cento; e caça, 1,3 por cento.
O quadro que segue discrimina a origem da carne consumida:

Consumo de carne

Média anual no decénio 1953-1962

[Ver quadro na Imagem]

(a) Não inclui pequenas quantidades importadas do ultramar, cuja média no decénio quase não tem expressão.

Origem: Relatório do Grupo de Trabalho n.º 1 (Agricultura, silvicultura e pecuária).

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Quanto ao leite admite-se que seja de 160 000 o efectivo de vacas adultas, número que em quinze anos. aumentou de. cerca de 50 por cento. O leite produzido regula por 300 milhões de litros, dos quais dois terços em natureza e o restante industrializado.
Não é de mais recordar que, com uma capitação de cerca de 25 l de leite, Portugal ocupa uma das posições mais baixas entre os países europeus.
Ao abrigo do Decreto n.º 44 419, foram constituídos alguns núcleos de gado seleccionado: cerca de 500 cabeças, de bovinos e ovinos, de raças exóticas, para apetrechamento dos serviços oficiais e subsidiada a lavoura nas suas compras, de cerca de 700, com o que, em 1962-1963 foram despendidos perto de 10 000 contos. Entretanto, a posição actual foi sintetizada da seguinte forma no Relatório do Grupo de Trabalho n.º 1:

a) A pecuária do território continental, sob o ponto de vista do abastecimento em produtos alimentares e em matérias-primas industrializáveis, é insuficiente para prover às necessidades visíveis do mercado interno, e isto apesar do baixo nível em que se situam as nossas capitações;
b) Os deficits registados no abastecimento são supridos pelo recurso à importação, na qual são absorvidas anualmente algumas centenas de milhares de contos em divisas estrangeiras;
c) O agravamento desta situação é de prever, porquanto a procura - mercê dos saldos fisiológicos, do aumento do nível de vida e da própria população flutuante que, em número bastante apreciável, o turismo traz até nós - cresce em ritmo bastante superior àquele em que se vem registando a produção: de entre estes factores deve assinalar-se que a evolução económica e social de alguns dos estratos da população, pelas modificações que origina nos hábitos e regimes alimentares, dará lugar a uma progressiva redução do consumo do pão e correspondente aumento das capitações de carne e leite;
d) A expansão das culturas forrageiras não tem sido a desejável, mantendo-se a lavoura em fase de expectativa. Assim, continua a verificar-se que nos aproveitamentos hidroagrícolas e em certos outros regadios a cultura de forragens só excepcionalmente entra nos afornamentos. Pelo que se refere ao sequeiro, a erva espontânea continua a ser o recurso verde quase exclusivo e os alqueives nus, com os seus inconvenientes, persistem nas rotações.

Os quadros que se seguem definem claramente as necessidades estimadas quanto à produção e consumo de produtos animais no período de 1965-1975:

Necessidades em carne e leite

[Ver Quadro na Imagem]

Origem: Relatório do Grupo de Trabalho n.º 1 (Agricultura, silvicultura e pecuária).

Ordenamento pecuário

[Ver Quadro na Imagem]

Origem: Relatório do Grupo de Trabalho n.º 1 (Agricultura, silvicultura e pecuária).

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Partindo dos números citados, diz-se no relatório em referência ser possível prever para 1975 as seguintes disponibilidades:

Toneladas
De cavalo e muar .................. 1 510
De bovino (leiteiro) .............. 28 950
De bovino (carne de trabalho) ..... 87 770
De ovino .......................... 26 300
De caprino ........................ 3 940
De suíno .......................... 86 190
De animais de capoeira ............ 25 000
259 660

Litros
Leite .............................486 000

Toneladas
Toucinho e banha .................. 82 000

as problemas da pecuária oferecem, pois, um sem número de aspectos fundamentais, em que há a destacar, e para as quais a secção chama a atenção, os seguintes:
I) Fomento forrageiro. - Torna-se indispensável interessar os agricultores na expansão das culturas forrageiras, base de uma pecuária evoluída e de qualidade. Um simples exemplo: das sementes certificadas obtidas através da Federação Nacional dos Produtores de Trigo no triénio de 1960-1961/1962-1963, que atingiram 20641, apenas foram requisitadas pela lavoura, para utilização, 868 t!
A secção é de opinião que tudo o que se realize neste sector, e bem necessário é, deve ser orientado de forma a traduzir-se numa efectiva expansão e melhoramento do cultivo das forragens.
II) Produção pecuária. - Por meio da importação de animais para a constituição de núcleos válidos, fornecimento de reprodutores e pela melhoria das raças autóctones, haverá que aumentar e melhorar os efectivos pecuários de forma a, em número e qualidade, se atingirem os objectivos considerados necessários ao abastecimento público em carne e leite em níveis aceitáveis e se intensificar o consumo do leite e derivados, especialmente entre a juventude.
Entende-se que este aspecto, o da importação de gado seleccionado, que não pode desligar-se do fomento forrageiro, deve ser motivo de prioridade na distribuição das verbas atribuídas.
Recorda-se também o alto interesse que a pecuária oferece à economia das ilhas adjacentes, o seu contributo para o abastecimento do continente e a necessidade de os seus problemas serem, em colaboração com os organismos dependentes de juntas gerais, objecto do maior cuidado e interligação com os continentais.
III) Industrialização e comercialização. - Embora fora do âmbito do projecto de Plano, são factores inseparáveis de qualquer política da fomento pecuário.
IV) Preços. - Convém ter presente que não poderá haver produção pecuária suficiente sem preços compensadores. Torna-se indispensável o conhecimento sistemático dos custos de produção e sua evolução através de orgânicas adequadas, para que, por distorção dos preços, não surjam novas inversões, como a verificada em 1962, de se terem abatido 250 000 vitelas e 175 000 bovinos adultos, o que, não só é menos lógico, como compromete largamente os objectivos previstos de adensamento pecuário.
Entende-se que o fomento da avicultura, pela sua larga comparticipação no abastecimento público e importância económica que oferece, deve ser estimulado e amparado devidamente.
A secção quer frisar a preocupação da lavoura resultante da dizimação dos efectivos de suínos no Sul e Centro, consequência da epidemia da peste suína africana, agravando a situação anteriormente afectada pelo decréscimo não justificado de consumo de gorduras animais, com largas repercussões na valorização dos montados e nas economias privadas e do País, e emite voto no sentido de que se dispense aos estudos técnico-económicos deste problema, cuja acuidade por vários motivos é manifesta, a maior das atenções.

c) Assistência técnica e extensão agrícola

22. Na «assistência técnica e extensão agrícola» está a chave do sucesso, a causa do êxito de toda a actividade dos sectores dedicados ao fomento e valorização agrícolas.
Assistência técnica, vulgarização, formação profissional, «extensão» na terminologia americana e pelos serviços dós Estados Unidos introduzida na Europa, representam um mundo de actividades, espectaculares ou não, a canalização dos conhecimentos, a apreensão das dúvidas ou deficiências da produção e que, no conjunto, constituem a «mola real» do sucesso da investigação e da experimentação. Misto de acção técnica, psicológica e de sociologia, a «assistência» engloba os problemas profissionais em toda a sua latitude e cada vez mais tem necessidade de não se afastar das bases da economia.
O que é certo é que a assistência técnica, da forma como é conduzida entre nós - e bem meritórios têm sido os serviços prestados -, não atingiu, ainda, aquele rendimento desejado. Em parte, em face da evolução das coisas e dos sempre bem limitados recursos de que tem podido dispor; por outro lado, devido a uma acção isolada, não só entre os ramos base da agricultura como na conjugação de todos os factores da técnica e desta com os da economia. Porque, como Chombard de Lauwe incisivamente afirma, «a técnica propõe; a economia dispõe».
A economia de produtos e de mercados e sua elasticidade implica, igualmente, um apoio aos seus agentes, em grau que foi até hoje difícil ou impossível obter, dada a extensa e dispersiva acção dos serviços e os recursos humanos e materiais relativos para uma actividade que tem de ser profunda, actualizada, para eminentemente válida.
Considerou-se no plano verba para «centros de gestão» e «explorações agrícolas de demonstração»: 4000 e 6000 contos, respectivamente. Pouco? Muito? Não é possível pronunciarmo-nos. Mas não parece ser a rubrica suficientemente dotada para a dispersão e importância do empreendimento.
Frisa-se que neste aspecto será limitada toda a acção estadual, por mais eficiente, se não tiver o amparo, o apoio e a confiança dos elementos da produção.
Conhece-se o interesse que em muitos países da Europa o estudo dos seus problemas oferece aos agricultores, a contribuição de toda a ordem que a eles dispensam, por iniciativa própria ou compartilhando e auxiliando a acção do Estado. Um dos muitos exemplos que se podem apresentar é o dos C. E. T. A. franceses, ou seja, os «Centros de Estudo de Técnica Agrícola», pequenos agrupamentos de produtores de regiões limitadas para estudo dos seus problemas com o apoio de técnicos privativos. E cada C. E. T. A. tem os seus «centros de gestão». A sua federação nacional apresenta um efectivo de trabalho digno do maior interesse. Em Portugal deve-se ao Centro de Estudo da Economia Agrária da Fundação Gulbenkian

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- cujo potencial e nível de trabalhos conquistou um prestígio internacional porventura não compreendido ainda entre nós - o estímulo e amparo técnico e financeiro ao estabelecimento de centros de gestão, modalidade ampliada a outros locais pelos serviços do Estado. Houve, como é normal, desilusões e êxitos, desistências e redobrado interesse, como se verifica, por exemplo, na área da Federação dos Grémios da Lavoura da Beira Litoral. O que se fez já tem muito de valor, não só pela exploração do meio, mas por se terem encontrado motivos para prosseguir e intensificar uma norma de trabalhos considerada hoje indispensável à agricultura da nossa época, que tem de ser conduzida conhecendo-se as contas e resultados de exploração.
A «gestão», a análise económica do seu trabalho e as indicações que daí é possível, a curto prazo, tirar, são-lhe completamente indispensáveis.
Não parece deslocado, por se integrar nesta ordem de ideias e constituir elemento de interesse para as «reconversões», referir uma realização que a Federação Nacional dos Produtores de Trigo iniciou em 1958 e que está praticamente no seu termo: o «Concurso Nacional da Empresa Agrícola predominantemente Cerealífera», em que se inscreveram 585 produtores de trigo de todo o país, dos escalões de pequena, média e grande exploração, dos quais chegaram até ao fim 169. Resulta, assim, a análise mais completa, com a duração de seis anos, que se tem feito da condução técnico-económica de uma exploração agrícola, no nosso país, em livre orientação do proprietário, sempre apoiada pela assistência na contabilidade e com o conhecimento anual dos resultados. A anotar dois aspectos dignos de registo: o facto de um grande produtor do Sul ter, logo na fase preliminar, atingido a maior pontuação, símbolo de uma exploração evoluída, e o de um dos premiados em vários anos ser o decano da sua classe profissional.
Pelo que constitui de contributo para o esclarecimento dos problemas regionais, quer deixar-se uma palavra de apreço para alguns estudos que as organizações da lavoura vêm efectuando, destacando-se pelo número e reconhecido interesse dos seus trabalhos os editados pela Federação dos Grémios da Lavoura do Baixo Alentejo.
O problema das «explorações agrícolas de demonstração» - consideradas no projecto do Governo - tem dado motivo a largas divergências dependentes da forma, meios e facilidades como são conduzidas. As granjas e «explorações-piloto» são, sem dúvida, merecedoras do maior interesse, mas não estão isentas de dificuldades várias, resultantes até das próprias estruturas dos serviços, quanto à harmonização de directrizes, métodos e meios de actuação, em que participam sectores diferentes. Aspecto este aliciante, de manifesta necessidade em ser considerado devidamente e de que há elementos de apreciação, mas que nos levaria para fora do âmbito do parecer.
Admite-se que os «centros de gestão», em número aproximado da dezena, possam, como convém, ser instalados de preferência nas regiões onde estão em curso programas de desenvolvimento económico, ou seja, em Trás-os-Montes, bacia do Mondego, Alentejo, etc., tornando-se para isso necessário recrutar e preparar cuidadosamente o pessoal técnico e auxiliar.
Marcante o que está sendo feito em Franca pelo Institut National de Gestion et d'Économie Rurale através de 85 «centros de gestão» que agrupam 20 000 produtores, assistidos por 380 especialistas!
Considera-se do maior interesse que sempre que possível a criação dos «centros de gestão» pertença à iniciativa particular ou aos organismos corporativos da lavoura e assim se julga necessário prever a possibilidade da concessão de subsídios do Estado para o seu funcionamento.
Quanto às «explorações agrícolas de demonstração», conviria que em cada uma das dezasseis regiões agrícolas consideradas no continente houvesse, nas zonas mais características, unidades com esta finalidade, pelo que se terá de contar não só com as técnicos, como com as verbas indispensáveis às possíveis indemnizações que, no Plano, se prevê passam justificar-se.

d) Sanidade das plantas e dos animais

23. I) Sanidade das plantas (apetrechamento da rede fitossanitária e fomento da defesa fitossanitária das plantas e dos produtos armazenados: defesa das florestas contra pragas e doenças e homologação dos produtos farmacêuticos).
Uma alínea cuja justificação é fácil, não só pelos seus objectivos mas porque os empreendimentos discriminados e orçados no projecto constituem a continuação do que consta do II Plano de Fomento.
Se se estimar o volume dos prejuízos anuais provocados pelos inimigos das culturas, doenças e pragas, atingem-se números inesperados, superiores ao milhão de contos! Às consequências da acção destruidora nas culturas e produtos armazenados, há a juntar os encargos com os meios de os combater, aparelhagem, ingredientes- e salários. Portanto, tudo quanto possa contribuir para o equipamento e preparação profissional - laboratórios, meios de prevenção em especial e de luta - e larga e objectiva vulgarização constitui elemento cuja utilidade não se pode pôr em causa. Por outro lado, é sabido que, compreensivelmente, este combate é das técnicas agrícolas para que o agricultor está em geral mais mal preparado e em que a intervenção individual é muitas vezes insuficiente. Este é um dos aspectos da educação profissional do produtor agrícola, que necessita de ser largamente intensificada para que ele possa colaborar com eficácia. É ainda de admitir que neste domínio se solicite a intervenção de entidades que nos seus meios ocupem posições de destaque, como o clero, o professorado, as próprias Casas do Povo, etc., já que a organização corporativa da lavoura, de base concelhia, não atingiu ainda a capilaridade indispensável para- de forma objectiva se estender as freguesias e lugares.
Pelo exposto, deduz-se que o apetrechamento da rede fitossanitária é essencial.
Os serviços agrícolas dispõem há muito de uma Repartição de Serviços Fitopatológicos. O Decreto-Lei n.º 41 473, de 23 de Dezembro de 1957, previa a construção, que veio a realizar-se no âmbito do II Plano de Fomento, da Estação de Sanidade Vegetal, que, na Tapada da Ajuda, deve ficar concluída em meados de 1965, e bem assim o Laboratório de Fitofarmacologia, que se estruturou em 1959 e veio a ser criado pelo Decreto n.º 44 480, de 26 de Julho de 1962, e o Centro de Quarentena, em Oeiras, na Estação Agronómica Nacional. Inclui-se ainda entre estes órgãos o Laboratório da Defesa dos Produtos Armazenados, inaugurado em 1958 e que pela primeira vez figura nestes planos entre os meios de actuação na luta contra os inimigos das espécies vegetais e seus produtos. Tudo quanto represente equipamento dos serviços regionais, neste sector, deve considerar-se como fundamental. Assim se procurou no início do II Plano dotar cada organismo regional-base com uma secção especializada. Parece, porém, que só as estações agrárias do Porto e de Tavira estão suficientemente equipadas e que mais quatro regiões agrícolas dispõem de técnicos especializados. Não pode a agricultura do País dispor apenas dos cuidados especializados na prevenção ou no combate aos inimigos das culturas de

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dois ou três centros; arriscam-se estes, pela inoportunidade ou insuficiência de acção, à margem dos méritos e interesses dos seus técnicos,a serem pouco mais do que simbólicos e os problemas a verem-se ingloriamente ultrapassados...
Um campo de actividade que se julga merecedor da maior atenção.
Parques de material sanitário anexos aos serviços, postos de sanidade vegetal junto das organizações corporativas da lavoura (existem 95, dos quais 41 subsidiados pelo Estado), utilização dos meios mecânicos mais modernos, entre os quais o helicóptero e o avião -usados já largamente nas espécies florestais na defesa anual de 1 300 000 ha de montados de sobro e azinho -, e pessoal especializado, são factores básicos para a salvaguarda das economias.
O projecto inclui, também, verbas para a «homologação dos produtos fitofarmacêuticos», isto é, o conhecimento e aprovação das características dos cada vez mais numerosos produtos que aparecem ao dispor da lavoura. Pelos perigos e inconvenientes para as culturas, para o homem e para a economia, que podem resultar de uma inadequada aplicação de produtos, consideram os especialistas esta modalidade, de actuação da maior urgência e, assim, é relativamente bem dotada a continuação do equipamento do Laboratório de Fitofarmacologia.
As verbas atribuídas à defesa dos produtos armazenados destinam-se, em parte, ao apetrechamento das instalações que o Laboratório vai ocupar no novo edifício da Tapada da Ajuda e ao prosseguimento do trabalho em curso adentro do II Plano, acrescido do que se pretende efectuar nas ilhas adjacentes, pelo seu clima tão propícias à má conservação dos produtos.

24. II) Sanidade dos animais - No seu campo próprio repetem-se as considerações de base feitas quanto à defesa das plantas, tanto mais que, neste sector, trata-se fundamentalmente da continuação dos programas do II Plano de Fomento era curso. Destinam-se para este fim 45 000 contos, que não podem, como no caso anterior, ser considerados largos em face da grandeza e dispersão da actividade a desenvolver, agravada pela pouca compreensão que tantas vezes mostram os interessados.
Portanto, haverá aqui que prosseguir o que vem sendo praticado, com manifesto êxito e numa intensidade invulgar, no quadro do II Plano, e que se refere em especial à, luta contra: febre carbunculosa, doenças rubras, febre-de-malta, tuberculose dos bovinos, saneamento dos aviários, parasitoses, mormoses e outras zoonoses.
Dada a dificuldade de nos sectores da defesa das plantas e dos animais se poder encontrar a cada momento um especialista, é um dos campos de acção que requer uma mais larga, persistente e objectiva divulgação de sintomas e de processos, pelo que se consideram indispensáveis equipamentos especiais que percorram, regularmente, mercados, feiras e outros locais de reunião.
Não é possível admitir se esta sugestão da secção, uma vez tomada em consideração, terá cabimento nas verbas atribuídas a estes empreendimentos. Mas do que não resta dúvida é de que tal actuação requer material circulante e de esclarecimento audio-visual e pessoal bem adaptado, e tem de ser considerada como fundamental.
A secção deseja frisar que os benefícios de toda a ordem que resultam para o País da defesa sanitária das culturas, dos gados e dos produtos são de tal monta que considera as verbas atribuídas a este fim - sem esquecer as destinadas à investigação - excessivamente modestas para que se possa trabalhar no ritmo necessário.

e) Armazenagem de produtos agrícolas

25. Tem sido sem dúvida notável o esforço desenvolvido no quadro, cada vez mais importante, da armazenagem, em boas condições técnicas, para os diversos produtos da agricultura. O Plano do Governo considera o seu prosseguimento em especial no que respeita a vinho, azeite, batata, fruta e arroz.
Diz-se no projecto:

O financiamento dos empreendimentos para armazenagem de produtos agrícolas será assegurado por autofinanciamento dos organismos de coordenação económica e corporativos e acessoriamente por crédito externo, estimando-se em 140 000 contos o montante a investir.

Difícil se torna fazer qualquer consideração sobre o que poderá ter lugar no período do Plano Intercalar. Parece, porém, que se podem acrescentar algumas linhas mais.
É notório - mesmo num país pouco dado à observação e a julgar dos méritos do que se faz- nos sectores ligados à agricultura - o largo apoio de toda a ordem que a armazenagem tem oferecido à produção: a privativa e a de emergência sujeita aos cuidados dos organismos competentes. Apenas uns números para ilustrar o afirmado:

Vinho. - A Junta Nacional do Vinho dispõe de capacidade para 350 000 pipas; pretende aumentá-la no ritmo de 10 000 pipas anuais incluindo a ampliação do armazém de Vila Nova de Gaia e a construção de um na zona portuária de Lisboa; Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes - neste sector prevê-se a construção de uma rede de armazenagem a iniciar no concelho da Maia, instalação de destilarias, etc.; Federação dos Vinicultores do Dão - dispõe de 5000 pipas; continuam os estudos de ampliação de armazenagem da Casa do Douro (Federação dos Vinicultores da Região do Douro), que presentemente tem capacidade para 33 000 pipas.
Azeite. - A Junta Nacional do Azeite dispõe de três unidades, com a capacidade de 14 milhões de litros.
Batata e fruta. - A Junta Nacional das Frutas dispõe de armazenagem para batata com a capacidade de 4000 t. Espera poder construir: armazéns de concentração de batata de consumo em Lisboa e Porto; nove armazéns para batata de consumo em diversos locais a escolher em colaboração com as Federações dos Grémios da Lavoura nas regiões de batata tardia; dois armazéns polivalentes para batata, fruta, etc.; um armazém em Lisboa, regulador do comércio de banana. Dispõe dos recursos financeiros que permitem a realização deste programa.
A secção manifesta o seu interesse em que se conclua o armazém destinado ao figo no Algarve e se construam os restantes três programados no II Plano de Fomento.
Arroz. - A Comissão Reguladora do Comércio de Arroz dispõe de quatro unidades, com a capacidade de 7000 t, para armazenagem, e 5000 t (em 30 dias) para secagem. Como cerca de 30 por cento da colheita provém de 97 por cento dos produtores, com menos de 50 t de produção média e, portanto, sem possibilidades autónomas para armazenagem e propriedade de secadores, é da maior importância nesta cultura a existência deste equipamento. Pré-

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vê-se a conclusão das três unidades iniciadas esta ano, a instalação completa de cinco e o inicio de outra com o fim de se atingir o programa final de 30 000 t de armazenagem para pequenos produtores, ou seja 20 por cento da produção destinada para a indústria. A capacidade de secagem será elevada para 32 000 t (30 dias). Trigo, centeio e milho. - Não está prevista qualquer construção de vulto pela Federação Nacional dos Produtores de Trigo, cuja rede de instalações próprias é constituída por 504 unidades, com a capacidade total de 346 000 t. A notar que neste efectivo constam oito silos, com a capacidade de 76 000 t, das quais 42 000 t pertencem ao Silo Portuário de Lisboa, construído no período do II Plano de Fomento, e que veio dar ao País um elemento de trabalho que pela sua capacidade e equipamento tem demonstrado uma eficiência a que recorrem, na medida das possibilidades, diversas actividades privadas, tendo-se dotado, assim, o apoio à produção, ao abastecimento do País e o porto de Lisboa com uma unidade de larga projecção. Uma referência, pelo seu especial equipamento, às instalações destinadas à secagem de cereais, como são as de Lisboa. Caldas da Rainha, Viana do Castelo e Tavira.

As autoridades da ilha da Madeira revelam, de há muito, o maior interesse em disporem de um silo para cereais que assegure a regularidade do abastecimento do seu território, que é quase integralmente abastecido pelas importações do estrangeiro e mesmo do continente (estas oneradas pelo maior encargo nos transportes).
O relatório do Grupo de Trabalho n.º 1 define este problema nos seguintes termos:

a) O abastecimento em trigo e milho tom de ser feito quase ao ritmo das necessidades de consumo. Por esta razão, não podem utilizar-se as melhores oportunidades de aquisição dos trigos e são frequentes as dificuldades na obtenção de praça para o transporte do milho ultramarino;
b) No plano das preocupações da defesa nacional quanto ao abastecimento, são praticamente nulas as possibilidades do arquipélago relativamente à constituição de reservas;
c) As condições de descarga no porto do Funchal são, quanto à forma, simplesmente lastimosas.

Deste modo, entende-se urgente levar por diante a construção da unidade prevista em 1947 e de que há um estudo executado em 1958, que, naturalmente, deverá ser revisto. Trata-se de um silo misto de conservação e desembaraço portuário, com capacidade para 10 000 t e cujo custo se estima em 14 000 contos.
A secção compreende as preocupações que o problema levanta e manifesta o seu interesse no sentido de se encontrarem as soluções técnicas e de financiamento para a sua realização.

f) Melhoramentos agrícolas

26. As várias operações de financiamento e subsídios concedidos ao abrigo da Lei dos Melhoramentos Agrícolas, de 25 de Junho de 1946, ampliada e remodelada pelo Decreto-Lei n.º 43 355, de 24 de Novembro de 1960, Decretos n.ºs 43 661, de 4 de Maio de 1961, e 45 401, de 2 de Dezembro de 1963, têm na lavoura reflexos de tal ordem que dispensam quaisquer comentários ao préstimo deste empreendimento, um dos aspectos do «crédito agrícola» no sentido lato que actualmente se lhe atribui. De lamentar apenas que não possam ser mais vultosos os fundos de que se dispõe actualmente para este fim - originários do Orçamento Geral do Estado, Banco de Fomento Nacional e reembolso de empréstimos - e que haja regiões do País que ainda o utilizam em pequena escala, como aliás já foi frisado no parecer subsidiário do II Plano de Fomento referente à agricultura, silvicultura e pecuária.
O alargamento do seu âmbito de acção a novas modalidades, que os diplomas recentes lhe imprimiram, transformou-o mais em «Fundo de Fomento Agrícola» do que a nomenclatura actual pode deixar admitir.
A secção faz votos para que estes fundos possam ser o mais ampliados possível, abrangendo o maior número de regiões, modalidades e lavradores, especialmente os menos dotados economicamente, e que a sua concessão e aplicação sejam motivo de cauteloso estudo para se atingir o máximo dos objectivos em vista.
O quadro que segue é extremamente elucidativo quanto aos benefícios que a lei possibilitou:

[Ver quadro na Imagem]

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[Ver Quadro na Imagem]

[Continuação]

(a) Em metros.
(b) Em pés.

Origem: Junta de Colonização Interna.

B) Investimentos para a intensificação racional das explorações agrícolas

Não entrando em consideração quanto ao critério que levou a agrupar neste título um certo número de empreendimentos, prossegue-se na rápida análise do que consta do projecto:

a) Hidráulica agrícola

1) Plano de Rega do Alentejo

27. Mau grado o muito que se tem dito e escrito sobre este grande empreendimento, admitidas as naturais preocupações de ordem económica que uma profunda transformação, que atinge os mais diversos aspectos humanos e de ordem técnico-económico e social, legitima, pode afirmar-se que, na sua essência, no reconhecimento da indispensabilidade dos regadios, não se discute a conveniência de uma aspiração bem antiga, a rega do Alentejo.
Pode ser motivo de controvérsia a forma do seu planeamento, os sistemas previstos para a utilização da água, a participação financeira dos produtores, a rentabilidade e tantos outros pormenores que inevitavelmente surgem e surgirão em obras desta envergadura. Mas a rega será o motor da renovação da agricultura de uma vasta parcela do País, que terá parte apreciável na evolução dos meios de produção no que se prevê seja a agricultura do futuro, com os seus reflexos nos níveis de consumo e comercialização.
Apesar da importância da obra, pouco haverá que referir neste parecer, já que a Câmara teve ocasião, em momento oportuno, de largamente se pronunciar sobre o Plano em causa (1).
O projecto do Governo considera, como é natural, a conclusão adentro dos planos aprovados das obras da 1.ª fase, ou seja a dos aproveitamentos no curso do Mira (11 200 ha, dos quais 11 000 ha na Charneca de Odemira), Roxo (4500 ha) e Caia (7400 ha) e ainda o do Divor (470 ha), assegurando ou contribuindo estas obras para o regular abastecimento de água de importantes aglomerados populacionais e pequenas povoações.
Está previsto o dispêndio de 350 000 contos, a financiar pelo Estado, com contrapartida parcial em crédito externo.
Aparece expresso o desejo do início das obras da 2.ª fase, execução «condicionada à conclusão dos estudos e projectos e à obtenção de meios financeiros adequados, nomeadamente através da utilização de crédito externo». Esta 2.ª fase compreenderá os aproveitamentos do Alto Sado (3500 lia), completando o sistema do Sado, o aproveitamento do Crato, complemento do Sorraia (4000 ha), e ainda os da ribeira de Odivelas e do Guadiana.

2) Pequenos regadios, incluindo obras de defesa e enxugo

28. Atribuem-se 12 000 contos para prosseguirem, no quadro já aprovado do II Plano, estes utilíssimos trabalhos de interesse local.

3) Aproveitamentos hidráulicos da Madeira

29. A verba de 15 000 contos indicada destina-se ao prosseguimento dos empreendimentos hidroagrícolas incluídos no II Plano de Fomento, ou seja a conclusão do empreendimento do Funchal-Santa Cruz, e a iniciar os respeitantes aos aproveitamentos de S. Vicente-Cardais e a Porto Moniz, a que se destinam 3500 contos.

4) Estudos de adaptação ao regadio

30. Atribuem-se 8000 contos para estes estudos, a cargo da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas. A urgência da

(1) Parecer n.º 84/VII «Plano de Valorização do Alentejo - Rega do 170 000 ha». (Câmara Corporativa, Pareceres. VIII Legislatura, 1960, vol. II, p. 227).

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sua intensificação, bem como a criação de «escolas de regantes» com diversos graus de preparação profissional, é, certamente, um dos aspectos mais flagrantes e da maior importância no quadro dos empreendimentos hidroagrícolas, em especial no que se refere a aspectos relacionados com a horticultura e culturas de aproveitamento industrial. Afigura-se que há necessidade de se colmatar o atraso que se admite existir neste sector, pelo que a verba indicada parece ser excessivamente modesta.
A este propósito, a secção lembra a urgência de se regulamentar o Decreto-Lei n.º 42 665, de 20 de Novembro de 1959, que criou a Junta de Hidráulica Agrícola, e o alto interesse dos estudos de ordem técnica, económica e social, abrangendo 160 000 ha, realizados a partir de Outubro de 1958, em relação aos perímetros de Campilhas. Sado, Mira, Roxo e Caia, pela Junta de Colonização Interna, pela Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, pelo Serviço de Reconhecimento e Ordenamento Agrário (estudo das possibilidades de utilização do aproveitamento hidroagrícola em função das suas condições ecológicas) e pelo Grupo de Trabalho para o Estudo do Aproveitamento de Regadios, com a participação de técnicos da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos e do Centro de Estudos da Economia Agrária, criado por despacho de 27 de Maio de 1959.
Destes numerosos e valiosos trabalhos já está publicado pela Junta de Colonização Interna o Estudo Económico-social das Obras de Fomento Hidroagricola - Perímetro de Campilhas (1961) e, pela sua originalidade, faz-se referência a uma curiosa tentativa de determinação das áreas destinadas às diversas culturas num perímetro de rega recorrendo à programação linear (Caia).
A secção sugere que nas áreas dos perímetros de rega se definam as zonas de mais fraca produtividade e nelas se intensifiquem os estudos de adaptação ao regadio, para orientação futura das decisões a tomar.

31. Quanto a novos projectos no domínio dos empreendimentos hidroagrícolas figuram «outras obras hidroagrícolas no continente, incluindo a defesa dos campos do Lima, Vouga e Mondego». Para além dos trabalhos ao abrigo do Decreto-Lei n.º 42 665, de 20 de Novembro de 1959, isto é, os de regularização dos leitos e margens dos rios e outros cursos de água, dos lagos e das lagoas, bem como os de «defesa contra as inundações, correntes e marés», com que nos cinco primeiros anos do II Plano se despenderam 86 702 contos, figuram trabalhos nas bacias do Mondego, Vouga e Lima, previstos no Decreto n.º 43 549, de 21 de Março de 1961, dada a gravidade da situação, nomeadamente quanto à conservação das «motas», margens e ao assoreamento e enxugo dos fecundos terrenos agrícolas destas regiões. Assim, prevê-se no projecto do Governo a continuação dos trabalhos já iniciados no Mondego, como antecipação do Plano geral de aproveitamento hidráulico da bacia, e a intensificação dos trabalhos nos 8000 lia dos campos do Lima, que requerem obras de defesa, enxugo e rega. Quanto ao Vouga, além dos trabalhos da natureza, dos citados, considera-se a defesa de algumas centenas de hectares dos efeitos das águas salgadas, e bem assim a recuperação pelo enxugo de algumas áreas apauladas, como os 200 ha das pateiras existentes nas proximidades de Cacia.
A verba atribuída a estas realizações - 12 000 contos - não parece muita folgada em relação ao número e importância dos trabalhos incluídos e possivelmente outros que possam com ela ser beneficiados, como o caso das obras de rega no vale de Chaves e outras complementares de regadio já em exploração, de forma a assegurar-se a máxima rentabilidade.

32. Para diversos estudos e ensaios de vária ordem, «estudo de novas obras hidroagrícolas e a obtenção de elementos que habilitem, a extrair das já construídas ou em execução todos os benefícios económicos e sociais possíveis», atribui-se à Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, para o triénio, a verba de 24 000 contos.

5) Plano de aproveitamento da bacia do Mondego

33. Em último lugar dedicam-se neste número algumas linhas ao aproveitamento da bacia do Mondego, que pelas suas múltiplas finalidades, produção de energia eléctrica, abastecimento de águas, rega de cerca de 44 000 ha, defesa contra cheias, enxugo, arborização da bacia, etc., constitui, pela sua importância, matéria do projecto já distribuído à Câmara Corporativa para efeito de parecer.
Diz-se no projecto do Plano Intercalar:

O início das obras de aproveitamento do Mondego, que se admite poder verificar-se na vigência do Plano Intercalar, fica condicionado à aprovação definitiva do respectivo projecto e à obtenção de meios financeiros adequados, nomeadamente através da utilização de crédito externo.

Aceita-se que, se o projecto se iniciasse no período de 1964-1967, seriam necessários, para o triénio, 378 000 contos.
Visto o Plano do Mondego ir ser objecto de parecer da Câmara Corporativa, distinto do da secção, parecem, pois, deslocadas agora quaisquer considerações quanto às obras do Mondego integradas no Plano geral de aproveitamento hidráulico da bacia do Mondego e que, englobando a rega dos campos de Cantanhede e Vouga e obras complementares, está orçado em 1 639 000 contos.
Os Índices económicos de beneficiação dos campos do Mondego e do Vouga são, segundo as previsões da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, os que constam dos quadros que seguem:

Campos do Mondego

[Ver Quadro na Imagem]

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Campos de Cantanhede e Vouga

[Ver Quadro na Imagem]

(a) Inclui diversos produtos secundários (restolhos, bandeiras de milho, etc.).

A secção emite voto de que o Plano da bacia do Mondego possa vir a ser estruturado e financiado devidamente, de forma a iniciar-se a sua execução o mais breve possível, para uma maior valorização de tão importante zona, não só nos aspectos agrícolas como nos demográficos, e que tem estado sujeita às contingências mais diversas e a elevados prejuízos, que urge, quanto antes, eliminar.
Como nota geral, em relação aos problemas das bacias hidrográficas, põe-se em foco a importância básica do povoamento florestal, correcção torrencial e melhoramentos silvo-pastoris e, bem assim, da íntima colaboração que tem de verificar-se entre todos os sectores da Administração intervenientes e as actividades privadas, agrícolas ou não.

b) Povoamento florestal

34. Trata-se de uma das grandes realizações nacionais, cuja importância económica e obra realizada estão suficientemente documentadas em publicação recente: 75 Anos de Actividade na Arborização das Serras (1961).
O projecto do Governa considera os aspectos já incluídos no II Plano de Fomento, relativos ao povoamento florestal e à correcção torrencial, incluindo duas rubricas novas - Inventário florestal e Combate a incêndios florestais -, e destaca a dotação atribuída ao Fundo de Fomento Florestal e Agrícola, reorganizado com autonomia pelos Decretos n.ºs 44 481 e 45 795, de 26 de Julho de 1962 e de 6 de Julho de 1964. Destinam-se a estes empreendimentos 370 000 contos do Orçamento Geral do Estado. Frisa-se no projecto do Governo:

No triénio de 1965-1967 procurar-se-á desenvolver a arborização e o melhoramento silvo-pastoril dos terrenos particulares, especialmente dos abrangidos pela alínea c) do artigo 13.º da Lei n.º 2069.
Espera-se obter, deste modo, para além dos benefícios da defesa dos solos contra a erosão, um sensível aumento da rentabilidade dos terrenos beneficiados, que se traduza num acréscimo do produto bruto agrícola.

Dizem o corpo do artigo 13.º e a alínea c) atrás citados:

Para efeito de arborização dos terrenos particulares, compreendidos na área dos perímetros cujo revestimento florestal foi reconhecido de utilidade pública, os respectivos proprietários ou possuidores, por qualquer título, terão de optar por uma das seguintes modalidades:
...............................................................................
c) Execução total dos trabalhos a cargo dos serviços florestais, com ocupação dos terrenos pelo tempo necessário para a sua conclusão.
A secção considera que a referência especial à alínea c) do artigo 13.º não invalida o interesse dos serviços pelas modalidades das alíneas a) e b), aliás de mais fácil execução. Recorda, também, a necessidade de regulamentação da Lei n.º 2069.
Pode considerar-se que a actividade oficial nos problemas florestais se orienta agora da seguinte forma:

a) Administração das matas nacionais e obras de interesse público, a cargo da Direcção-Geral dos Serviços Florestais;
b) Arborização das propriedades particulares, a cargo do Fundo de Fomento Florestal e Agrícola (em que está representada a Direcção-Geral dos Serviços Florestais).

Parece nada haver a acrescentar ao que consta do Plano de fomento florestal (no período do II Plano de Fomento devem ter sido arborizados 100 000 ha dos 120 000 ha previstos, e do programado em 1938 faltam cerca de 200 000 ha para o completar) e, bem assim, pela sua importância, ao que se alude quanto à correcção torrencial nos cursos de água mais responsáveis pela acção erosiva que provocam. Aparecem pela primeira vez verbas, modestas sem dúvida, destinadas ao «Inventário florestal do País», a realizar pelos métodos mais modernos e expeditos, meio eficiente para o estudo do aproveitamento das matérias-primas de carácter florestal e sua utilização industrial, e ao «Apetrechamento contra o incêndio nas matas», para, adentro do Plano, se reforçar o que com tanto mérito vem sendo já executado pelos serviços florestais, mas que urge ampliar e completar. Basta dizer que só nas matas do Estado, nos últimos três anos, arderam cerca de 9000 ha, com prejuízos superiores a 11 000 contos, e infelizmente com perdas de vidas humanas, que, como sempre, devota e ardorosamente se entregam à perigosíssima tarefa do combate a incêndios nas florestas.
A secção reconhece os altos serviços prestados pelos Serviços Florestais, mas julga de recordar a necessidade do melhor esclarecimento dos povos menos propícios a aceitarem os benefícios da arborização e a vantagem de esta ser conduzida de forma a conquistar a sua adesão para uma obra de interesse geral, para o que muito contribuirá a actividade que se desenvolve quanto a melhoramentos silvo-pastoris, nomeadamente no tocante à intensificação das pastagens nos baldios, que possam servir ao interesse das populações.
O Fundo de Fomento Florestal - a que se torna necessário dar estrutura e meios - actuará no fomento florestal e repovoamento de terrenos particulares, para o que terá, além de trabalhos de povoamento propriamente ditos, de

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proceder à arborização de «matas-piloto», defesa contra a erosão dos montados, cortinas de abrigo em perímetros de rega, etc. Mas, desde a serra do Algarve e das bacias hidrográficas, até aos mais diversos locais em que a arborização racional e progressiva da propriedade particular é fundamental, torna-se necessário conseguir um esclarecimento dos responsáveis e entendimento indispensável à aceleração de uma obra da maior projecção.
O êxito da participação da propriedade privada no Fomento Florestal depende fundamentalmente da rentabilidade da exploração, que se considera não ser aliciante nas condições actuais da valorização dos produtos.
Entende-se fazer uma referência às preocupações devidas à erosão eólica nalgumas regiões, nomeadamente em zonas turísticas, como a ilha do Porto Santo, por exemplo, e ao interesse e oportunidade de se rever a possibilidade de dar realização a duas aspirações em tempo formuladas: a valorização económico-social das populações das áreas dos perímetros florestais através de uma «Obra Nacional da Montanha» e a criação de escolas de ensino elementar e formação profissional para os filhos do pessoal das matas nacionais, que pelo seu habitat tantas dificuldades têm com a sua educação.
A secção admite que as verbas destinadas ao fomento florestal sejam limitadas em relação às necessidades, em obra e tempo, e grandiosidade do empreendimento.

c) Reestruturação da vitivinicultura

35. Este é outro aspecto novo nos planos de fomento e cuja inclusão no Plano Intercalar é fácil de aceitar, dados os agravamentos verificados no quadro da vitivinicultura, que implicam a necessidade da racionalização das plantações de vinhas, locais e compassos, permitindo a introdução de pequenas máquinas nos diversos trabalhos culturais em face da escassez de mão-de-obra e consequente aumento dos salários. Acresce ser preciso obterem-se bons produtos e a sua colocação no mercado externo, que as circunstâncias indicam deva ser alargado quanto possível, já que avolumam as preocupações quanto ao escoante das colheitas, o que neste momento está trazendo sérios embaraços à lavoura e ultrapassa as possibilidades momentâneas dos organismos interventores.
A verba destinada a este empreendimento é muito modesta - 3000 contos em três anos.
Diz-se que «iniciar-se-ão estudos com vista à generalização do uso da máquina nas vinhas», ou melhor, a intensificação destes estudos, pois, pelo menos em 1960, já foram realizados, e bem assim ao «estudo das modalidades de estabelecimento de novos vinhedos» e também «da melhoria da qualidade dos nossos vinhos» e «redução dos respectivos custos de produção», a que por certo não ficará deslocado acrescentar os que se refiram à vulgarização dos porta-enxertos mais aconselháveis e à eliminação e substituição dos produtores directos.
Admite-se que haja financiamentos de outras origens para outros estudos considerados necessários, como sejam a intensificação dos relacionados com os de adaptação de porta-enxertos, do envelhecimento dos vinhos, etc.
A posição especial da viticultura na ocupação da terra portuguesa e a importância social e económica da vinha e do vinho (17 por cento do produto agrícola bruto) poderiam levar a largas considerações em face do título atribuído ao empreendimento e forma como é dotado. Ficarão, porém, reduzidas a bem pouco.
Frisa-se o que se pode esperar da contribuição do Centro Nacional de Estudos Vitivinícolas, instituído pelo Decreto n.º 43 354, de 24 de Novembro de 1960, para a coordenação de todas as actividades do Estado, organismos económicas e privados, no sentido da valorização global dos nossos vinhos.
Frisa-se também quanto se bem progredido, nomeadamente no tocante a métodos de vinificação e qualidade dos produtos apresentados, graças à intervenção técnica dos serviços do Estado, dos organismos coordenadores - e uma referência especial à Junta Nacional do Vinho não ficará deslocada - e à compreensão e apoio dos particulares, quer produtores, quer comerciantes.
Frisa-se mais a necessidade de se completar o equipamento dos serviços oficiais especializados, nomeadamente o da Estação Vitivinícola da Beira Litoral, em Anadia, de honrosas tradições, e de onde saiu o «fermento» da racionalização dos métodos de vinificação, através dos cursos que abrangeram produtores de todo o País, e que victua numa zona plena de interesse, nomeadamente para a produção de espumantes, de consumo crescente e já cão acreditados- no estrangeiro. Frisa-se ainda a excelência das instalações integradas no Centro, em vias de inauguração em Dois Portos, cujo equipamento urge completar, dado que a realização em Portugal, no próximo ano, do Congresso Internacional da Vinha e do Vinho (o último realizado no País foi em 1936, com excepcional repercussão para a época), obriga a especiais responsabilidades neste sector, o que é preciso não esquecer.
E sugere-se, em face da necessidade da procura de outros consumos para os produtos da vinha e da tendência generalizada para os sumos e bebidas diversas, que o Centro de Estudos Vitivinícolas e o Laboratório de Tecnologia dos Frutos estudem as possíveis aplicações da uva, destinando-se a este fim, dada a- premência do problema, algumas verbas previstas para investimentos considerados de menor urgência.
Se podem parecer deslocadas aqui estas considerações, julga, porém, a secção, que têm a sua oportunidade.
A revisão ponderada da legislação vigente sobre diversos aspectos do problema, nomeadamente do Decreto n.º 38525, de 23 de Novembro de 1951, que regula o" plantio da vinha, cuja evolução é documentada pelos números que seguem, a repressão dos produtores directos americanos cumprindo-se a lei vigente e conforme os acordos internacionais, o regime do álcool, etc., julga-se dever constituir objecto de atenção do Governo.

[Ver Quadro na Imagem]

d) Reorganização da estrutura agrária 36. Diz-se no projecto do Governo:
Na acção a desenvolver assumirão importância os trabalhos de emparcelamento integral, de ordenamento rural ou de simples reagrupamento predial

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quando económicamente justificados. Simultaneamente procurar-se-á promover o acesso à propriedade de tipo familiar económicamente viável ou que constitua complemento de salário.
A actividade que se prevê desenvolver será de dois tipos: acção directa e indirecta.
No âmbito da acção directa, deverão prosseguir os trabalhos em curso, designadamente os seguintes: constituição de empresas do tipo familiar económicamente viáveis e de logradouros em propriedades já adquiridas; instalação de centros de preparação de novos empresários agrícolas; aquisição de novos equipamentos e conclusão de projectos de emparcelamento. Dar-se-á, também, execução a diversos novos empreendimentos, entre os quais se destacam: instalação de explorações experimentais de tipo familiar económicamente viável e acesso à propriedade do mesmo tipo, aquisição de propriedades junto de aglomerados populacionais e nas áreas beneficiadas pelos empreendimentos hidroagrícolas, emparcelamento em diversas zonas, etc.
Prevê-se, assim, que venham a ser executados, entre outros, trabalhos de emparcelamento nos campos do Mondego, na veiga de Chaves, na várzea de Campeã, próxima de Vila Real, e na zona que se estende da Ribeira de Lima até Carreço, Afife e Areosa.
Na acção indirecta, adoptar-se-ão diversas medidas que terão por principal finalidade promover o acesso à propriedade do tipo familiar económicamente viável e a concessão de empréstimos aos proprietários e rendeiros para a constituição de empresas do mesmo tipo nas zonas beneficiadas pelos empreendimentos hidroagrícolas.

Desta transcrição do projecto do Governo ressalta tratar-se de um mundo de realizações no quadro do que já vem sendo efectuado, nomeadamente a partir de 1959, em face dos meios facultados pelo II Plano, cuja discriminação se lamenta não haver, pela sua extensão, possibilidade de incluir neste parecer.
Considera-se ainda que venham a ser ultimadas as experiências de emparcelamento para efeito de estudo de técnicas e preparação de pessoal na várzea de Estorãos (Ponte de Lima) e na várzea de Cabanelas (concelho de Vila Verde), trabalhos iniciados em 1960 e que abrangem a área de 105 ha e 300 ha, respectivamente.
Estão feitos reconhecimentos em cerca de três dezenas de possíveis empreendimentos. Nó parágrafo «Aspectos actuais de agricultura», com que abre este parecer, fez-se referência à evolução dos trabalhos de emparcelamento em Espanha, bem reveladores da importância que os mesmos têm para uma condução racional e económica da agricultura moderna. Estão previstos ainda estudos de vária ordem, nomeadamente económico-sociais, nas bacias do Mondego, em Trás-os-Montes e nos Açores, e outros ligados com o desenvolvimento regional, campo de acção para que a Junta de Colonização Interna está particularmente dotada.
A secção manifesta interesse em que seja dado apoio de toda a ordem a iniciativas que surjam no conceito de «agricultura de grupo» dada a urgência de se eliminarem estruturas que impedem o êxito económico das explorações. E lamenta não figurarem no projecto verbas destinadas ao «acesso à propriedade».
Entende-se fazer referência a uma actuação que, conduzida pelo Ministério das Obras Públicas, mas com a colaboração da Junta de Colonização Interna e de particulares, está tendo, ainda que como «realização-piloto», o maior interesse, pelo exemplo que dá e por servir de base para novas e meritórias iniciativas dos serviços oficiais, das actividades privadas ou mistas: as «aldeias melhoradas», de que são já um exemplo as de Romeu e de Vale Verdinho, no distrito de Bragança, e outras em estudo.
Poderoso contributo para a fixação das gentes, melhoria de nível de vida e do bem-estar rural, merecem estas iniciativas ser lembradas neste parecer, e formula-se voto para que das verbas disponíveis parte possa ser destinado para, em diversas regiões do País, apareçam novas e por certo frutuosas realizações neste domínio.
Os quadros que seguem, extraídos do Relatório do Grupo do Trabalho n.º 1, apresentam aspectos da nossa estrutura agrária, e bem assim da actuação da Junta de Colonização Interna, no sentido a facilitar o acesso à propriedade, de manifesto interesse.

Distribuição das empresas quanto à forma de exploração

[Ver quadro na Imagem]

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Percentagem do número de explorações muito pequenas e pequenas e percentagem da superfície correspondente

[Ver Quadro na Imagem]

Percentagem do número de explorações médias e percentagem da superfície correspondente

[Ver Quadro na Imagem]

Percentagem de empresas familiares imperfeitas

[Ver Quadro na Imagem]

Fragmentação da exploração agrícola

[Ver Quadro na Imagem]

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Acesso à propriedade no continente

(Rendeiros)

[Ver Quadro na Imagem]

Acesso à propriedade na Madeira

(Colónia)

[Ver Quadro na Imagem]

Acesso à propriedade por distritos

(Rendeiros e colonos)

[Ver Quadro na Imagem]

[Ver legenda na Imagem]

Prédios adquiridos no período 1959-1963 ao abrigo do Plano de Fomento para parcelamento e logradouros comuns

[Ver Quadro na Imagem]

Acesso à terra

Lei dos Melhoramentos Agrícolas

(1947 a 1963)

[Ver Quadro na Imagem]

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e) Motomecanização da agricultura

37. No projecto consideram-se dois aspectos distintos: o de apetrechamento da Estação de Cultura Mecânica e o de «acção regional».
A motomecanização da agricultura não será, e por manifesta escassez de recursos, dos sectores em que os serviços oficiais tenham tido uma actuação mais intensa; em contrapartida deve-se, em grande parte, à actuação das firmas importadoras o desenvolvimento, por vezes nem sempre o mais conveniente, que tem tido.
É de recordar o esforço no sentido da demonstração e da divulgação que para a época desenvolveu, décadas atrás, a Estação de Ensaio de Máquinas, de Queluz, primeira intervenção oficial em matéria que, admite-se, tenha sido iniciada, entre nós, há um século com a importação das primeiras máquinas agrícolas.
A Campanha do Trigo de 1929 veio trazer forte incremento a esta actividade, que se tem expandido de forma expressiva, especialmente nos últimos anos, não obstante as dificuldades de terreno e das estruturas, sobretudo no Centro e Norte, custo dos maquinismos, falta de pessoal especializado, etc.
Mas a evolução das coisas leva a motomecanização a lugar cimeiro nas necessidades dos nossos dias e obriga a um conveniente esclarecimento da lavoura para se evitarem prejuízos de ordem técnica e financeira, que não devem ser inéditos entre nós. Para isso é necessário haver um organismo oficial suficientemente equipado e dotado para poder fazer os "ensaios de campo e o contrôle de laboratório, quer para os modelos importados, quer em apoio da crescente indústria nacional, subsidiária ou não, que se está desenvolvendo neste ramo e, na generalidade, pela sua modéstia, ainda não pode dispor de assistência técnica privativa, idónea.
A fábrica de tractores (F. P. A;.), em Aveiro, e a de motocultivadores na Lousã, são índice dessa expansão. Por assim se pensar, foi há poucos anos, ainda, sugerida a criação de um:«Gabinete de Orientação e Assistência Técnica», a formar em colaboração dos serviços agrícolas com o Instituto Nacional de Investigação Industrial, o que não passou, ao que se julga, de legítima aspiração.
Estão-se montando pequenas indústrias, e com prazer se regista que as grandes firmas exportadoras já recorrem ao mercado português para completar alguns dos seus maquinismos, em face da excelência ou do melhor preço dos produtos. Por tudo o exposto, o apetrechamento da Estação, de Cultura Mecânica e a «extensão» da sua actividade na acção regional, através de estudos e demonstrações - e pode encontrar, neste sector, facilitada a sua acção com a colaboração inteligente de importadores e fabricantes, como se verificou com as demonstrações de material para a mecanização da viticultura que tiveram lugar em 1960 em Salvaterra de Magos e em Anadia -, constituem matéria basilar. Afigura-se que os 6000 contos considerados no Orçamento Geral do Estado (diz-se, no projecto, que se admite a possibilidade de recorrer a outras fontes de financiamento até ao montante de 100 000 contos, com a finalidade de desenvolver a motomecanização agrícola) são bem escassos para a larga missão a executar, e, certamente, impõe a remodelação, da orgânica da Estação do Cultura Mecânica, não permitindo mais o que a montagem do laboratório e de urna pista de rolos para ensaio de tractores segundo as normas da O. C. D. E. E frisa-se a necessidade urgente de cursos práticos de mecânicos e condutores de material agrícola, não considerados no projecto.
A motomecanização tem tanto interesse no sector, agrícola como no florestal e, pelo que anteriormente se disse, não pode nem deve ser em muitos casos considerada como parte do equipamento individual de uma exploração, dadas as suas dimensões, custo e dias de trabalho útil da máquina, pessoal especializado, etc.
Assim, é das modalidades mais propícias, em especial quanto a alguns tipos de maquinismos, a formarem-se, para além dos parques de material agrícola dotados de maquinaria e de profissionais competentes, cooperativas ou associações entre vizinhos, modalidades facilitadas pela Lei dos Melhoramentos Agrícolas. Considera-se também da maior vantagem o apoio e regulamentação da actividade dos alugadores de material agrícola.
É curioso registar que, quando os empréstimos para compra de máquinas se limitavam aos grémios da lavoura e cooperativas, foram concedidos, de 1949 a 1962, 16 179 640$. e, a partir da promulgação do Decreto-Lei n.º 43 355, em 1960, os agricultores isolados utilizaram, só em três anos, 21 788 290$, o que se salienta com satisfação, pelo que revela de crescente interesse da nossa lavoura.
Alguns números relativos à evolução do parque de material agrícola nacional:

[Ver Quadro na Imagem]

Quanto aos tractores, o quadro a seguir mostra a sua progressão:

Evolução do parque nacional de tractores

[Ver quadro na Imagem]

Origem: Instituto Nacional do Estatística.

A secção admite que seria de estudar, a possibilidade de utilização, por aluguer, de maquinaria pesada pertencente a vários serviços do Estado e que nos períodos de imobilidade poderia dar apreciável contributo à realização de algumas das mais difíceis ou onerosas práticas de interesse agrícola, nomeadamente na exploração florestal... Haveria, também, que pensar na criação de escolas móveis de tractoristas e de condutores de máquinas.

f) Conservação e correcção do solo

38. Esta alínea, refere-se a empreendimentos em curso iniciados em 1959 e cuja importância se torna desnecessário pôr em foco, conhecidos como são os largos prejuízos causados pela erosão, em estudo em Trás-os-Montes e Baixo Alentejo, e a necessidade de aproveitamento económico dos sapais - nomeadamente os do Algarve e Vale do Sado (Águas de Moura), a acrescentar aos citados no projecto do Governo e de que há boas perspectivas de aprovei-

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tamento -, ao dessalgamento, etc. De novo, a inclusão de uma verba destinada aos ensaios de fertilização das espécies florestais, prática pouco divulgada entre nós, mas que a participação da floresta na conservação dos solos e a crescente industrialização dos seus produtos e necessidades inerentes justifica, como a exploração em regime de «silvicultura intensiva».
Como se justifica plenamente a coordenação de todos os trabalhos que os sectores oficiais e a actividade particular, nomeadamente os fabricantes e importadores de adubos, tem realizado entre nós, em especial após a Campanha do Trigo. Foi elaborado um projecto de diploma, em 1960, com a finalidade da criação de um «Centro de Estudos de Fertilizantes», indispensável a tirar-se o maior rendimento e proveito para a lavoura da intensa, persistente e difusa experimentação que é necessário fazer, sob uma linha de orientação válida. A secção permite-se pedir uma especial atenção para este aspecto. E todos os estudos que se façam para aumentar as disponibilidades em matéria orgânica, animal ou não, merecem o maior apoio, dada a sua exiguidade em relação às necessidades crescentes.
Por outro lado, os problemas da drenagem devem merecer cuidados especiais. Sabe-se que o insucesso de muitas culturas, nomeadamente das cerealíferas no Sul do País, é devido às características irregulares das quedas pluviométricas, texturas dos solos e em grande parte à deficiência de drenagem de muitos terrenos.
Por isso a secção, neste parecer, propõe que aos estudos e realizações relacionados com a drenagem seja dado o maior apoio.

g) Cooperativas e outras associações de produtoras

39. Como se frisou já no parágrafo deste parecer intitulado «Aspectos actuais da agricultura», o problema da cooperação na agricultura andou durante muito tempo à margem do interesse da grande maioria dos nossos produtores agrícolas. A evolução da vida rural e da técnica e economia agrícolas, com suas limitações e exigências, e o poderoso estímulo financeiro e amparo técnico dos organismos económicos vieram abrir novos horizontes para esta modalidade, cada vez mais indispensável, da cooperação entre os produtores agrícolas. Na forma tradicional das cooperativas, ou nas mais recentes da «agricultura do grupo», a exploração colectiva de determinadas actividades agrícolas está-se tornando bem notada, ultrapassando já as clássicas instalações tecnológicas e de armazenagem anexas, como sucede quanto ao vinho, azeite e leite - de que a U. C. A. L. é exemplo marcante -, mais raramente no que respeita à fruta, estendendo-se já à industrialização do tomate, do descasque de arroz e das forragens (Cooperativa de Transformação dos Produtos Agrícolas do Vale do Sorraia). Também o vasto conjunto da Federação de Grémios da Lavoura do Nordeste Transmontano em construção, e bem recentemente ainda, no âmbito da «agricultura, do grupo», a nova Cooperativa para a criação do gado dos seus associados e actividades complementares, que acaba de surgir, por iniciativa privada, no concelho de Sever do Vouga, são exemplos benéficos desta evolução.
É curiosa a forma como se tem processado a criação das cooperativas agrícolas, 869 no continente e ilhas adjacentes, no final de 1963:

De 1867 a 1925.............. 8
De 1926 a 1935.............. 40
De 1936 a 1952.............. 150
De 1953 a 1962.............. 187

e que, nesse momento, se distribuíam por: de produtores de leite e lacticínios, 110; de viticultores, 114; de olivicultores, 59, destinando-se as restantes a 13 actividades diversas.

os benefícios quanto à qualidade de produtos, facilidades de comercialização, economia e comodidade para os participantes, dispensam-se quaisquer comentários. O que é necessário, como já se acentuou, é que adentro do quadro de dispersão a que os produtos agrícolas obrigam sejam bem dimensionadas, tecnicamente bem equipadas e económicamente viáveis, podendo competir, sempre que necessário, com as actividades privadas e mantendo-se nos seus campos específicos. Para isso torna-se necessária assistência efectiva e competente, pelo que, dada a impossibilidade de em tantos casos serem os próprios lavradores os gerentes e técnicos destes empreendimentos, deve dispor-se de elementos com uma formação especializada, o que pressupõe a existência de órgãos de preparação. A apontar, no campo da vinificação, o contributo que a Fundação Gulbenkian e os organismos da região dos vinhos verdes já deram em fase inicial a este problema. A destacar também o interesse e devoção de muitos lavradores, verdadeiros leaders na sempre difícil missão de convencer os incrédulos, e o entusiasmo, apoio e competência revelados pelos técnicos dos serviços oficiais e dos organismos corporativos e de coordenação económica, a quem, sem exagero, se deve atribuir grande parte do êxito, por vezes espectacular, que se tem registado. Atesta-o a necessidade imediata da ampliação das instalações das cooperativas, tantas vezes tão timidamente iniciadas...
O projecto prevê investimentos da ordem de 203 000 contos, dos quais 3000 para a preparação do pessoal, e o restante financiado por várias fontes e destinado ao prosseguimento da construção de adegas cooperativas e armazenagens de azeite, instalação de uma «cooperativa-piloto florestal», para a industrialização da gema do pinheiro, serração e outras actividades complementares, e ainda diversas realizações integradas em planos de desenvolvimento regional, onde actuações desta natureza têm função destacada.
Admite-se que o problema das cooperativas florestais não possa ficar à margem do interesse e orientação da respectiva Direcção-Geral pela assistência técnica indispensável ao seu êxito, matéria, aliás, de há muito estudada e até estruturada por este departamento do Estado.
Considera-se que haja desigualdade de tratamento, quanto à facilidade da concessão de subsídios ou financiamentos, em relação a grémios e cooperativas, gerando-se, por vezes, mau estar. Afigura-se à secção que, sendo actividades complementares e orientadas num mesmo sentido de actuação, deverá ser revista com brevidade a legislação, no sentido de desaparecerem motivos de dúvida ou de incompreensão injustificados.
Quanto às adegas cooperativas, a Junta Nacional do Vinho conta que no final de 1964 estejam construídas unidades com a capacidade de mais 60 000 pipas, a que há a juntar ainda a ampliação de três adegas, correspondendo a mais 10 500 pipas.
Tem previsto no período do Plano Intercalar uma média anual de construções para 22 500 pipas.
Na área da Casa do Douro (Federação dos Vinicultores da Região do Douro) trabalharam na vindima de 1963 vinte adegas, com a capacidade de 34 500 pipas, prevendo-se que no triénio, por construções e ampliações, possa este número ser elevado em mais de 24 000 pipas.
Por sua vez, a Federação dos Vinicultores do Dão espera que sejam construídas treze adegas, num total de

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26 300 pipas, e a Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes prevê a construção de vinte novas adegas e a ampliação de dez, o que corresponde a um aumento de capacidade de cerca de 50 000 pipas, bem como uma instalação para o aproveitamento de subprodutos.
Este simples enunciado revela o interesse da produção pelas adegas cooperativas e justifica todo o apoio que for possível prestar-lhes.
No que se refere ao azeite, pretende a Junta Nacional do Azeite, se dispuser de meios financeiros que auxiliem a sua efectivação, que o aumento de armazenagem das Cooperativas de olivicultores, existentes e a criar, seja
elevado em 13 600 000 l.
No que toca às frutas, a secção, ainda que tendo em conta que parte da armazenagem prevista pela Junta Nacional das Frutas para batata terá utilização para as frutas, não deixa de fazer referência à alta importância que têm hoje as estações fruteiras e seu equipamento frigorífico, aspectos focados, mas não individualizados, no grau que se julga merecerem, por fundamentais, neste momento.
Uma simples referência para pôr em relevo a envergadura de um empreendimento anteriormente citado e que a Comissão da Acção Económica, que se instituiu na região de Trás-os-Montes e Alto Douro, pretende alargar a outros locais, o que a Federação dos Grémios da Lavoura do Nordeste Transmontano tem em curso em Macedo de Cavaleiros e Cachão, e que compreende: lagares de azeite; armazenagem, britagem e selecção de amêndoa; matadouro regional; lavandaria de lãs; desidratação de produtos; fábrica de concentrado de tomate; queijarias; instalações para azeitona de conserva; destilação de resinas; extracção de óleos essenciais, e curtumes, empreendimento que, pela larga visão, grandiosidade de investimentos e responsabilidades contraídas se deseja venha a constituir um êxito e um frutuoso exemplo a seguir com brevidade noutras províncias.
Vem a propósito uma palavra de apreço pela mais antiga, espontânea e das mais eficazes modalidades de cooperação agrícola entre nós, a maioria vivendo à margem de qualquer regulamentação: as mútuas de seguro de gado.

40. Quer recordar-se, ainda, que, fora do âmbito do parecer, o projecto de Plano Intercalar considera no programa sectorial «Investigação e ensino», na parte «Investigação aplicada», como já sucedeu no II Plano - e já no parágrafo «Aspectos actuais da agricultura» se fez referência aos problemas fundamentais do «ensino agrícola» que requerem urgente e particular atenção para o progresso das técnicas e agora não considerados -, a verba de 40 000 contos destinada a fomento agrícola, que se admite venha a destinar-se em especial a trabalhos a cargo da Estação Agronómica Nacional, Centro de Estudos Vitivinícolas e estudos sobre fruticultura; aos trabalhos de interesse florestal e piscícola, e de investigação no domínio pecuário, e bem assim, nos três sectores, aos relacionados com o aproveitamento da bacia do Mondego. São complemento indispensável, e mesmo partes integrantes de matérias anteriormente consideradas, e como tal aqui se enunciam.
Da mesma forma merece todo o interesse a dotação incluída para a publicação das Cartas de ordenamento agrário, ou sejam as folhas das cartas agrícola e florestal, dos solos e da capacidade de uso, cuja consulta bem como a dos trabalhos a que obrigaram, da maior-valia, é indispensável a quaisquer planeamentos.

C) Investimentos para a valorização rural

41. Nils Westermarck, presidente da Associação Internacional de Economistas Agrários, presidindo à 12.ª Conferência Internacional dos Economistas Agrários, reunida em Milão, disse:

Parece-me que um dos primeiros deveres dos economistas agrários é o de assegurar que a população agrícola disponha, e de forma estável, de um nível de vida razoável.

Na realidade, no conceito actual das coisas, todos os problemas relacionados com o bem-estar rural, sejam os de ordem social ou de carácter material, têm de ser considerados coadjuvantes do mais sensível dos factores de produção: o homem. Daí a preocupação dos responsáveis, lá fora, e aqui, por estes problemas e sua íntima ligação com os aspectos especificamente técnicos o económicos das actividades agrícolas.
Assim, a secção não esconde as circunstâncias manifestamente desvantajosas e quanto de injustas em que se encontra o rural, quando ocupado na agricultura, ao lado daqueles que, acidentalmente ou não, se entregam a obras públicas ou outras actividades. Possibilidades de abono de família, assistência médica mais efectiva, reforma, etc., são aspirações que, mau grado estarem fora do âmbito deste parecer sectorial, se entendeu aqui frisar. A secção mostra a sua preocupação quanto a um estado de coisas que considera possam contribuir em boa parte puni o crescente êxodo agrícola e rural.
No Congrès National de l'Habitat Rural de 1963, na actuação dos Safer - Société d'Aménagement Foncier et d'Établissement Rural, em França, na Société National e de la Petite Propriété Terrienne, na Bélgica, e em outras instituições de índole vária que em quase todos os países se dedicam aos problemas do desenvolvimento e valorização regional, as questões de abastecimento de águas, de viação, de electricidade, como de habitação, merecem posição destacada entre as preocupações mais prementes. E admite-se, mesmo, como já se frisou, que as insuficiências neste sector contribuam para o agravamento dos problemas da mão-de-obra e do nível das populações que se verificam em muitos locais.
Como no II Plano de Fomento, foram agora adstritos ao capítulo «Agricultura, silvicultura e pecuária» empreendimentos para a valorização rural: viação rural, abastecimento de águas e electrificação, que absorverão, no conjunto, 940 000 contos, ou sejam 33 por cento da dotação atribuída à totalidade do capítulo.
Os chamados «melhoramentos rurais» regem-se por legislação especial e são, fundamentalmente, da iniciativa e responsabilidade dos municípios, comparticipados pelo Estado. Incluem-se obras de interesse camarário, outras de que beneficiam os agricultores e outras ainda fora do que possa constituir programa regional de desenvolvimento económico, o que se afigura não concordar inteiramente com o que se expressa no projecto de Plano Intercalar.

a) Viação rural

42. Os trabalhos de viação rural, incluindo estradas e caminhos municipais, estão sendo executados ao abrigo da Lei n.º 2108, de 11 de Abril de 1961, que instituído chamado «Plano de Viação Rural», integrado posteriormente no II Plano de Fomento, e que previu:

1) A construção de 6310 km de estradas e caminhos municipais, por forma que ficassem satisfatoriamente dotados de acesso a viaturas automó-

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940 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 82

veis todas as povoações do continente e das ilhas adjacentes com mais de 100 habitantes;
2) A reparação, incluindo novos pavimentos, de 5490 km de vias municipais existentes, em mau estado, com prioridade para" aquelas que interessassem ao objectivo da alínea anterior;
3) A aquisição do equipamento necessário para a reparação e conservação da rede rodoviária municipal.

Previu-se, na mesma lei, que a realização de tal plano demorasse dezoito anos e que as despesas inerentes seriam suportadas pelo Estado (Orçamento Geral do Estado) e pelas autarquias locais interessadas, na razão de 75 por cento para o Estado e 25 por cento para aquelas.
Durante os quatro primeiros anos de vigência do II Plano de Fomento (1959-1962), despendeu-se por conta do Estado a quantia total de 311 927,7 contos, ao abrigo de dotações anuais de 105 000 contos (do Orçamento Geral do Estado), podendo considerar-se, em números redondos, como tendo sido de 415 000 contos o total gasto em viação rural, incluindo as comparticipações das câmaras municipais.
Não obstante os atrasos inevitáveis, em parte inerentes às possibilidades dos municípios, nos quatro primeiros anos do II Plano foi possível realizar:

Novas estradas, incluindo 80 pontes .... 1339
Reparação de estradas antigas .......... 955

embora algumas das estradas tenham- sido construídas, dada a sua urgência, com características diferentes das previstas, mas também com manifesta economia. Foram, assim abrangidos cerca de 1000 povoados, com uma população total de perto de 250.000 habitantes. Prevê-se que tais construções continuem durante a vigência do Plano Intercalar de Fomento e prossigam para além desse Plano; A secção não tem observações a fazer, mas considera que na rubrica respectiva se deve também contar com os trabalhos de conservação de estradas municipais, incluindo a aquisição do equipamento necessário, para não acontecer descuidar-se, por falta de verba, tão indispensável conservação.

b) Abastecimento de água das populações rurais

43. O Decreto-Lwi n.º 21 698, de 19 de Setembro de 1932 estabeleceu o princípio de que o Estado comparticiparia, até um máximo de 50 por cento do seu custo, as obras municipais tendentes à satisfação das necessidades de água potável das populações rurais, saindo as verbas necessárias do Fundo de Desemprego, criado por essa altura. Com vista a acelerar, como se desejava, o ritmo destes trabalhos, publicou-se, em 15 de Agosto de 1944, o Decreto-Lei n.º 33 863, que definiu um plano de execução que englobava todas as sedes de concelho, tendo-se, para o efeito, inscrito no Orçamento Geral do Estado uma dotação anual igual à do Fundo de Desemprego. Ainda mais tarde, em 4 de Novembro de 1947, o Decreto-Lei n.º 36 575 tomou extensivas as comparticipações àquelas obras que interessassem os aglomerados populacionais, cujo nível económico consentisse a distribuição domiciliária de água, elevando o máximo da taxa de comparticipação até 75 por cento do custo das obras. Ao mesmo tempo estabeleceu-se um plano - o chamado plano dos fontanários - destinado a abastecer por esse meio as populações de menor capacidade económica.
Nesse regime se viveu até 1958, com dotações orçamentais de 20.000 contos para obras de distribuição domiciliária e de mais 18 000 contos, do Fundo de Desemprego, para fontanários. Poderiam, assim, contando com as taxas médias de comparticipação, realizar-se em cada ano obras no valor total de 64 000 contos, correspondendo 40 000 contos a obras do primeiro tipo e 24 000 contos às do segundo.
Reconhecida a exiguidade das dotações perante o muito que havia a fazer - existiam então 11 000 povoações de mais de 100 habitantes, representando uma população total de cerca de 3 milhões de pessoas, sem abastecimento conveniente de água em condições higiénicas, estimando-se o custo das obras necessárias em 2 600 000 contos -, lei promulgada, em 22 de Março de 1960, a Lei n.º 2103, que criou as condições técnicas e financeiras necessárias para resolver o problema, embora em longo prazo.
Abandonou-se com ela o critério do abastecimento por fontanários, adoptando-se, na generalidade, o abastecimento domiciliário, mesmo para as povoações de menos de 100 habitantes que se encontrassem perto das condutas adutoras de centros populacionais mais importantes, e o plano instituído pela Lei n.º 2103 foi integrado no II Plano de Fomento, com dotações totais anuais de 63 333 contos, cabendo 40 000 contos ao Orçamento Geral do Estado, 10 000 contos ao Fundo de Desemprego e 13 333 às autarquias locais. Com essas dotações, a realização integral do plano exigia 55 anos. Não se incluíram nele as obras a realizar nas ilhas adjacentes, que foram reguladas por disposições legais especiais.
Durante os quatro primeiros anos do II Plano de Fomento (1959-1962) executaram-se, por conta das dotações nele inscritas, obras no valor total de 191 508 contos, notando-se que, pelas mesmas razões que se apontaram quanto às obras, de viação rural, foram inferiores às dotações as verbas despendidas nos dois primeiros anos e que também não transitaram para o ano seguinte os saldos dos exercícios findos. Com aquela verba fizeram-se no quadriénio 98 obras, de distribuição domiciliária servindo 120 000 habitantes, e 196 obras de fontanários servindo mais de 70 800 habitantes; foram, assim, beneficiados ao todo uns 200 000 habitantes.. A execução dessas obras prosseguiu no ano de 1963 e continua no ano corrente.
A secção, fendo em consideração a importância do problema em causa e tendo em atenção que dos três planos de melhoramentos rurais em execução é o da distribuição dê água às populações rurais aquele que maior número de anos exige, pondera a necessidade de se não reduzirem as dotações a ele destinadas para valores que sejam inferiores aos inicialmente considerados para execução do II Plano de Fomento.

c) Electrificação rural

44. No final do ano de 1952, ou seja imediatamente antes do início do I Plano de Fomento, das 3778 freguesias do continente metropolitano (censo de 1950) estavam electrificadas 1609 freguesias, pertencentes a concelhos urbanos e rurais, ou seja 42,59 por cento daquele número.
No final do ano de 1962, 10 anos decorridos e executado o I Plano de Fomento e 4 anos do II Plano, o número de freguesias electrificadas subiu para 2425, com um aumento de 816 freguesias, num ritmo anual de 81,6 freguesias, e elevou-se para 64,18 por cento a percentagem de electrificação das freguesias.
Há a notar, porém, que, dado que o critério estatístico considera electrificada uma freguesia quando o está um dos seus lugares - em geral o que lhe serve de sede -, acontece considerarem-se electrificadas muitas freguesias

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que só o estão em parte. O facto, aliás, pouco altera a realidade da electrificação, porque há muitas freguesias com um só lugar e porque nas outras muitos lugares secundários, pela sua pequeníssima população e afastamento das sedes, não podem, por enquanto, ser electrificados.
O avanço conseguido é notável, mas não está, no entanto, de acordo com as necessidades do País. Ao ritmo a que se esteve trabalhando nos últimos anos serão necessários 13 a 14 anos para se completar a electrificação, segundo o critério estatístico, e muitos mais serão necessários para a electrificação de todos os lugares com mais de 100 habitantes.
O auxílio do Estado para a electrificação rural, que se iniciou há cerca de 30 anos, variou conforme as disponibilidades do Tesouro. Só em 1955 (Decreto-Lei n.º 40 212, de 30 de Junho de 1955), já, portanto dois anos e meio depois do início do I Plano de Fomento, foi fixada para comparticipação às câmaras (trata-se também de obras municipais) a verba anual de 33 000 contos, da qual 20 000 contos pelo Orçamento Geral do Estado e 13 000 contos pelo Fundo de Desemprego. Com o início do II Plano de Fomento - 1959 - as dotações foram elevadas para 50 000 contos, das quais 30 000 contos pelas dotações orçamentais e 20 000 contos pelo Fundo de Desemprego.
Do esforço de electrificação produzido revelam as estatísticas os resultados, que se podem, em síntese, apresentar assim:
1) Um aumento substancial e francamente progressivo dos consumos domésticos e industriais, subindo os primeiros, nos dez anos decorridos, de médias de 2 kWh para 11 k Wh por habitante servido e os segundos por forma semelhante por habitante servido nas freguesias que foram electrificadas.
2) Baixos consumos agrícolas nas freguesias que foram electrificadas - médias de 2 kWh por habitante servido -, com tendência para a estabilização.
3) Consumo inicial apreciável na iluminação pública, com tendência posterior para a estabilização.
4) Aumento progressivo do número de habitantes ligados às redes, ou seja realmente abastecidos de energia, em relação ao número de habitantes das zonas servidas.
5) Incremento dos consumos totais por habitante servido, com valores que atingiam, no final de 1962, números médios de 80 kWh por ano, mas ligeira tendência para a estabilização nas freguesias que primeiro foram electrificadas.
Acentua-se, também, para facilitar a electrificação rural, a necessidade de elevar as taxas de comparticipação e a extensão desta às obras de remodelação e- ampliação das redes e - o que é muito importante - às obras que incluam linhas de alta tensão, dado que o elevado custo destas tem obstado à electrificação rural.
A verba inscrita no Plano Intercalar foi de 360 000 contos, ou seja, considerando a percentagem média autorizada de 50 por cento para comparticipações, uma dotação pelo Estado de 180 000 contos, que implica a inscrição no Orçamento Geral do Estado de uma verba anual de 40 000 contos, dado que não é de esperar elevação da dotação de Fundo de Desemprego (20 000 contos por ano), uma vez que as suas receitas estão quase totalmente comprometidas. Verifica-se, assim, na realidade, que o aumento de dotação que foi consentido se cifra em 10 000 contos anuais.
A propósito da electrificação rural é de salientar os pequeníssimos consumos agrícolas de energia eléctrica - da ordem de 2 kWh por ano e por habitante servido -, que tendem a estabilizar-se nesse ínfimo valor. O facto é grave nestes tempos em que a agricultura luta com falta de braços; em que se aconselha vivamente a mecanização; em que a electricidade representa um auxiliar importantíssimo do trabalho e dos afazeres domésticos.
A causa reside, em especial, na falta de redes de alimentação de energia que se estendam às propriedades agrícolas, ficando confinadas, em geral, aos centros populacionais. Parece indispensável encarar o assunto com a maior atenção e, assim, a secção emite o voto de que se progrida no caminho de facilitar e incrementar o fornecimento de energia eléctrica às explorações agrícolas em condições e preço praticáveis.
Não obstante haver nalguns casos legislação especial para as ilhas adjacentes, a secção nota que, nestes aspectos da valorização rural considerados, faz-se, apenas, referência a investimentos no continente.
E, também neste capítulo, frisa-se que as dotações atribuídas a estes três importantíssimos empreendimentos são bem limitadas em relação às que se considerariam satisfatórias para cumprimento de programas em atraso e satisfação de novas e por vezes imperiosas solicitações.
Este parecer permite-se, ainda, recordar que os Planos de Fomento não têm considerado a possibilidade de dotações destinadas a pequenas obras de urbanização, a realizar em comparticipação com o Estado,- como pavimentações, restauros, salubridade, etc.; o que é de interesse fundamental para a vida das populações.

45. Como nota final, uma referência à dúvida que se suscitou na secção quanto à inclusão dos investimentos da rubrica «Valorização rural» no capítulo sectorial «Agricultura, silvicultura e pecuária», dada a circunstância de tais melhoramentos, da competência dos municípios, não interessarem exclusivamente às actividades agrícolas e às populações que a elas se dedicam e deformarem a finalidade das dotações globais atribuídas ao capítulo. Recordasse, porém, que já no II Plano de Fomento se seguiu a mesma orientação.

4) Resumo dos investimentos prioritários programados para a agricultara, silvicultura e pecuária no período de 1965-1967

46. Segundo o projecto do Governo, estes investimentos são os seguintes: .
Contos
A) Investimentos de maior e mais rápida reprodutividade ......... 751 000
1) Fruticultura, horticultura e floricultura .................... 150 000
2) Fomento pecuário ............................................. 290 000
3) Assistência técnica e extensão agrícola ...................... 10 000
4) Sanidade das plantas e dos animais ........................... 86 000
5) Armazenagem de produtos ...................................... 140 000
6) Melhoramentos agrícolas ...................................... 75 000

B) Investimentos para a intensificação racional das explorações
agrícolas .......................................................1 126 000
1) Hidráulica agrícola .......................................... 386 000
2) Povoamento florestal ......................................... 370 000
3) Reestruturação da vitivinicultura ............................ 3 000

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4) Reorganização da estrutura agrária ................ 165 000
5) Motomecanização da agricultura .................... 6 000
6) Correcção e conservação do solo ................... 5 000
7) Cooperativas e outras associações de produtores ... 203 000

C) Investimentos para a valorização rural ............ 940 000
1) Viação rural ...................................... 420 000
2) Abastecimento de água das populações rurais ....... 160 000
3) Electrificação rural .............................. 360 000
Total ...............................................2 829 000

5) Medidas de política agrícola

47. Neste capítulo sectorial, o projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967 conclui com um extenso enunciado de afirmações e aspirações, dizendo-se que "no Plano, porém, apenas se apresentam as grandes directrizes da política agrícola a prosseguir, deixando-se à actuação corrente da Administração as medidas de carácter mais específico cuja aplicação decorre da análise concreta das soluções conjunturais a enfrentar e a resolver".
Afirma-se mais no projecto do Governo:
Observa-se, por outro lado, a necessidade de eliminar ou atenuar as disparidades regionais do crescimento que se verificam na metrópole, favorecendo a evolução económica e social das regiões menos evoluídas, de modo a atingir-se um melhor desenvolvimento global do território e o adequado equilíbrio demográfico. Este último aspecto implica a adopção de medidas destinadas a permitir que, através de um esforço coordenado de desenvolvimento regional, possa tirar-se um maior proveito das potencialidades humanas e físicas de cada região.
No Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967 já se consideram, num primeiro passo para a regionalização do planeamento económico, alguns programas; coordenados de actuação, os quais abrangem a viação rural, a classificação e o abastecimento de água dos aglomerados populacionais. Esta acção terá, porém, de ser alargada no futuro, estendendo-se à hidráulica agrícola, ao povoamento florestal, à colonização interna e a outros domínios da actividade económica. Sob o ponto de vista social, importa proceder à gradual revisão das condições de trabalho e de previdência social no campo, de forma que o trabalho agrícola deixe de ser encarado como uma actividade em situação de inferioridade em relação às outras, contrariando-se assim, em larga medida, o fenómeno do êxodo rural excessivo que se vem verificando em algumas regiões do País.

Dada a latitude do enunciado das questões, que visam a:

1) Estruturação de uma agricultura fortemente empresarial ;
2) Preparação especializada dos empresários e dos trabalhadores agrícolas;
3) Elevação da produtividade da terra e do trabalho agrícola;
4) Aperfeiçoamento contínuo e rentável das técnicas;
5) Melhoria das condições de comercialização e de industrialização dos produtos agrícolas;
6) Revisão da concessão do crédito agrícola;

temas já comentados no decorrer do parecer e cuja objectividade não pode estar em causa, a secção nada tem que acrescentar. Referir-se-á, apenas, a preocupação que foi revelada pela série de problemas que se acentuam em determinadas zonas, especialmente do centro e interior do Pais, menos beneficiadas por factores de vária ordem, e que agravam desmedidamente o êxodo rural e a possibilidade de uma actividade agrícola rentável e socialmente sã. A este respeito é muito elucidativa a consulta de Níveis de Desenvolvimento Agrícola no Continente Português (1963) do Prof. Castro Caldas e Dr. Santos Loureiro.

IV

Conclusões

48. A secção de Lavoura da Câmara Corporativa, tendo apreciado o capítulo I "Agricultura, silvicultura e pecuária", da parte referente ao continente e ilhas, do projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967, emita o voto de que sejam tomadas em consideração as sugestões e recomendações feitas no texto deste parecer subsidiário e formula sob os aspectos gerais das questões nele versadas as seguintes conclusões:

1) A secção entende que o Governo deve adoptar, com urgência, medidas excepcionais de carácter prioritário, principalmente no que respeita aos níveis de preços dos produtos agrícolas, em ordem a melhorar decisivamente a situação da agricultura. Com efeito, as condições de vida do sector agrícola não podem deixar de se considerar inquietantes, dada a falta de rendabilidade e baixa capitação da agricultura.
2) Se a conclusão anterior não vier a ser adoptada, a secção é de parecer que não será legítimo esperar que as realizações do Plano Intercalar de Fomento provoquem progressos substanciais tio sector agrícola. O facto de o Plano prever para 1973 uma disparidade ainda maior do que a actual entre a capitação da agricultura, silvicultura e pecuária e a das outras actividades económicas nacionais é prova de que as dificuldades presentes tenderão a agravar-se, a não ser que combatidas eficazmente através de medidas excepcionais.
3) Em conjugação com os problemas focados nas conclusões anteriores, a secção pensa que se torna indispensável fazer terminar com a situação de desprotecção em que se encontra o trabalhador agrícola no tocante a regalias de ordem social, tais como o abono de família e os benefícios da previdência, nomeadamente quando comparada com a da mão-de-obra empregada em outros sectores.
4) A secção está convencidade que as medidas que visem ao bem-estar e à protecção social dos trabalhadores agrícolas contribuirão, além do mais, para contrariar o êxodo rural, que é presentemente um dos males mais graves de que sofre a agricultura.

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5) A secção entende ser indispensável no quadro da valorização dos meios rurais organizar planos de desenvolvimento económico regional que fomentem o progresso das regiões mais atrasadas do interior do País. Enquanto estes planos não se encontrem definidos e em vigor, dever-se-ia, pelo menos, procurar canalizar as novas indústrias para essas regiões, especialmente as que possam aproveitar e valorizar os produtos da terra.
6) A secção é de parecer que os problemas técnicos, económicos e sociais da agricultura atingiram uma tal transcendência e complexidade que aconselham uma modificação das estruturas da Administração, ao mesmo tempo que impõem uma mais intensa colaboração e interligação da organização da lavoura e das várias actividades privadas, entre si e com o Estado, além de uma ampla e eficiente tarefa de esclarecimento e de divulgação. Finalmente,
7) A secção reconhece e compreende que o nível dou recursos financeiros disponíveis, em face dos problemas urgentes de defesa do ultramar não terá permitido a atribuição de dotações suficientes para as realizações prioritárias do Plano Intercalar que se aconselham em favor da agricultura, mas não pode deixar de notar que as verbas previstas são muito reduzidas tendo em atenção a magnitude dos problemas e a urgência da sua solução, como o são também - há que frisar - as dotações normais do Orçamento Geral do Estado.

Palácio de S. Bento, 23 de Outubro de 1964.
António Pereira Caldas de Almeida.
Francisco Pereira Freixo.
Luís José Braamcamp Cardona de Meneses.
João Afonso Ferreira Dinis.
Fernando Maria André de Oliveira de Almeida Calheiros e Meneses.
José Mercier Marques.
José Estanislau de Albuquerque e Bourbon Barahona Fragoso.
António Martins da Cunha e Melo.
Fernando Afonso do Melo Giraldes Sampaio Pereira de Figueiredo.
Juno do Mira de Sousa Carvalho.
Aníbal Barata Amaral de Morais.
João Valadares do Aragão o Moura.
Manuel Cardoso.
Artur Patrocínio.
Manuel de Almeida de Azevedo e Vasconcelos.
Agostinho Pereira de Gouveia.
João Pessoa Trigo.
Joaquim Manuel Franco.
David Faria de Matos Viegas.
João Pinto Picão Caldeira.
Luís Manuel Fragoso Fernandes.
João Manuel Branco.
António do Almeida Monteiro.
José Bulas Cruz.
Duarte Jesus Rodrigues.
Joaquim Prates Ribeiro Teles.
António Bettencourt Sardinha.
Eugénio Queiroz de Castro Caldas (vencido quanto à redacção do n.º 1 das «Conclusões» quando se escreve: «principalmente no que respeita aos níveis de preços dos produtos agrícolas». Parece-me que o vulto dado ao que se entende como principal «medida excepcional de carácter prioritário» diminui a concordância da secção quanto a algumas das fundamentais orientações expressas no Plano, particularmente a que julgo mais importante e que se encontra referida no n.º 11, nos seguintes termos: «Procurar-se-á, também, mediante recurso ao emparcelamento e a outras formas de actuação no domínio da reorganização agrária, incentivar o aparecimento de explorações agrícolas convenientemente dimensionadas e equipadas, capazes de corresponder às exigências que se impõem à agricultura moderna»).
João António Teixeira Canedo.
João Pedro da Costa.
Joaquim Pina Gomes.
Luís Quartin Graça, relator.

ANEXO II

Parecer subsidiário da secção de Indústria (subsecção de Indústrias
extractivas, energia e combustíveis)

Energia

A secção de Indústria (subsecção de Indústrias extractivas, energia e combustíveis), consultada sobre o capítulo IV (Energia) da parte referente ao continente e ilhas, do projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967, emite, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer subsidiário:

Evolução recente, situação actual e perspectivas

1. Alguns dos dados estatísticos referidos no projecto do Governo precisam ser completados ou esclarecidos; pretende-se com- isto, além de certas rectificações de pormenor, fornecer indicações complementares que ajudarão o entendimento de alguns aspectos importantes do problema energético.

2. As potências instaladas que se referem no n.º 4 do capítulo do plano referente à energia (aumento de 541 MW para 1179MW no decairia 1953-1962) são. de facto, as indicadas pelo subgrupo electricidade do grupo de trabalho n.º 2 (sector da energia), que colaborou com o Governo no estudo e organização do projecto de plano más representam os valores máximos atingíveis em condições reais de exploração e apenas para a rede integrada no Repartidor Nacional de Cargas (que abrange empresas que totalizam uma produção de cerca de 94 por cento da produção total do País). Estas potências são, portanto, inferiores às que constam da Estatística das Instalações Eléctricas em Portugal, e que correspondem a valores de 580 MW e 1350 MW, nos anos extremos do decénio, em centrais de serviço público.
Há também um lapso, certamente tipográfico (35 000 t, quando devem ser 350 000t), no n.º 9 do projecto do Plano ao referir-se que «a importação de antracites e hulhas acusa tendência, geral decrescente, com valores da ordem das 10 000 t e 35 000 t, respectivamente, no final do período em análise», uma vez que é de 366 000 t o valor verificado em 1962, segundo os elementos contidos no relatório do subgrupo combustíveis do grupo de trabalho n.º 2 (sector da energia).

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Objectivos do Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967

3. Prevê-se (n.º 13) uma taxa anual de crescimento do consumo de 11 por cento durante os próximos anos e conclui-se assim ser necessário produzir cerca de 5300 GWh em 1965, 6600 GWh em 1967 e 11 400 GWh em 1973; convém esclarecer o significado destes números, obtidos a partir do quadro seguinte:

[ Ver Quadro na Imagem ]

Os números indicados para previsões de consumo total incluem consumos permanentes e não permanentes; mas estes últimos, são consumos máximos potenciais correspondentes a laboração contínua (12 meses por ano), e não consumos reais. Quer dizer, os consumos não permanentes são calculados para uma hipótese que só se poderá verificar em ano excepcionalmente húmido, o que nunca tem, aliás, acontecido, visto corresponder a uma laboração de 12 meses; na verdade, por dados estatísticos existentes desde 1952, verifica-se corresponderem os consumos não permanentes a durações médias compreendidas entre 11,5 meses em 1959 e 5,5 meses em 1953 e 1957, com o predomínio nítido de valores inferiores aos 10 meses. Os números relativos às previsões do consumo não são, por consequência, reais, pois o que é necessário satisfazer com elevada garantia são os consumos permanentes, que em relação ao triénio de 1965-1967 representam, respectivamente, 4245 GWh, 4750 GWh e 5306 GWh para cada um dos anos. Como os consumos não permanentes são essencialmente abastecidos por excedentes hidroeléctricos, existentes em maior ou menor quantidade consoante a hidraulicidade do ano, conclui-se que o consumo total será, na verdade, superior ao consumo permanente. Por estudos realizados verifica-se, porém, que de 1966 em diante a duração média da energia hidráulica excedente para consumos não permanentes em anos médios vai diminuindo sucessivamente, prevendo-se para 1965 e 1966 valores de 9,5 meses e 9 meses, mas para 1967 apenas 6,5 meses; este número vai, aliás, decrescendo, atingindo 5 meses em 1973.
Esta rápida análise leva-nos imediatamente ao problema dos consumos não permanentes. Sobre este assunto permitimo-nos transcrever as seguintes palavras do relatório da direcção do Grémio Nacional dos Industriais de Electricidade relativo ao ano de 1963:
O abastecimento dos consumos não permanentes - que em 1963 representaram o apreciável valor de 19 por cento do total, embora já tenham antes atingido percentagem superior - representa um problema importante e delicado do sector da electricidade.
Efectivamente, trata-se de indústrias (essencialmente electroquímicas e electrometalúrgicas) de alto interesse nacional, mas que só são viáveis com preços baixos de energia.
A sua instalação, em conjugação com o plano de electrificação nacional, obedeceu ao propósito de aproveitar energia temporária e sobrante dos aproveitamentos hidroeléctricos, e, efectivamente, tem permitido utilizar largos volumes dela, no período de 1951-1963, volumes esses complementados, por vezes, por alguns contingentes de energia permanente.
No entanto, esta duração anual da energia temporária e sobrante está tendo tendência a baixar, por motivo da maior regularização da produção hidroeléctrica e da maior intervenção da produção térmica, do que se espera resulte dentro de três anos uma redução dessa duração a seis meses, em média, com tendência a seguir ainda para maior redução. Põe-se naturalmente a dúvida de que o funcionamento anual das fábricas possa ser correspondentemente reduzido e dessa circunstância podem resultar dificuldades económicas. Efectivamente, nessas condições, terá de se comparar o preço, global ou médio, de venda aos consumos não permanentes com o custo, global ou médio, da produção hidráulica II térmica de complemento que lhe tenha de ser destinada - e esta circunstância pode conduzir a prejuízos das empresas de energia eléctrica, na medida em que seja importante a participação nos fornecimentos de energia térmica, que é de custo marginal muito mais elevado do que a energia hidráulica de Inverno. Se esses prejuízos vierem a existir, a única alternativa será compensá-los através das tarifas dos consumos permanentes.
Assim, importa que as entidades oficiais tenham em atenção o problema, sobretudo quanto a eventuais ampliações das indústrias existentes ou instalações de novas - que só parece deverem fazer-se moderadamente e em casos do carácter nacional indispensável -, não podendo perder-se de vista que, se os custos de produção vierem a exceder os preços de venda, se terão de fazer distorções tarifárias através dos consumos permanentes.
Estas palavras situam o problema com tanta clareza que nos parece desnecessário acrescentar quaisquer comentários mais; a subsecção apenas chama a atenção para a gravidade do problema e para as consequências que pode trazer o crescimento indiscriminado na metrópole das indústrias electroquímicas e electrometalúrgicas, dando assim a sua inteira adesão à orientação expressa no n.º 35 do projecto do Governo sobre a conveniência de serem desviadas para o ultramar (Angola e Moçambique, onde existem grandes disponibilidades de energia hidroeléctrica muito económica) as indústrias grandes consumidoras de energia eléctrica, isto é, essencialmente as de natureza electroquímica e electrometalúrgica.

4. Ao abordar-se o problema da energia nuclear (n.º 18), fala-se na «aproximação do limiar do esgotamento do potencial hidroeléctrico». É preciso esclarecer bem o significado- desta expressão, pois, de outra forma, pode dar lugar a confusões, certamente inconvenientes.
Numa recente estimativa elaborada pelo Grémio Nacional dos Industriais de Electricidade (incluída nos elementos-base para o Colóquio sobre a participação da produção termoeléctrica na satisfação das necessidades nacionais de

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energia eléctrica) calcula-se em cerca de 15 800 GWh a produtibilidade média anual correspondente à totalidade dos recursos hídricos, embora nem todos eles sejam porventura económicamente aproveitáveis.
Em 1963, a energia hidroeléctrica produzida totalizou 3902 GWh, correspondente, aliás, a uma produtibilidade maior; em 1965 estarão construídos aproveitamentos com uma produtibilidade média total da ordem dos 6100 GWh, que representa cerca de 40 por cento do valor atrás referido. Assim, quando se fala na aproximação do limiar do esgotamento do potencial hidroeléctrico, pretende-se significar que, se continuássemos a satisfazer todo o aumento do consumo só com energia hidroeléctrica, como no decénio de 1953-1962, isso nos levaria em prazo curto -uns 10 anos - ao esgotamento dos recursos. Mas se admitirmos um crescimento da produção hidroeléctrica em valor absoluto constante, da ordem dos 350 GWh a 400 GWh anuais, concluiremos que o esgotamento dos recursos hidroeléctricos se dará por volta de 1985 a 1990. Esta conclusão não invalida os raciocínios feitos nem constitui objecção à orientação preconizada no Plano, que merece o acordo da subsecção, para o desenvolvimento da produção de energia eléctrica, que considera um ritmo de construção de aproveitamentos hidroeléctricos sensivelmente constante no tempo em valor absoluto (n.º 14) e, portanto, uma participação cada vez maior da produção térmica. E, na verdade, esta política não corresponde ao reconhecimento do esgotamento próximo das disponibilidades hidroeléctricas, mas. sim ao seu aproveitamento racional. E este facto é importante, pois dá-nos um panorama exacto da situação e permite-nos saber que, em caso de necessidade ou de alteração das circunstâncias, poderemos sempre
intensificar o programa da produção hidroeléctrica, visto termos ainda recursos suficientes para isso.
5. Para a resolução do problema das lenhites de Rio Maior (n.º 19) admitem-se duas alternativas de ampliação, para produções anuais de 120 000 t ou de 60 000 t.
É conveniente esclarecer não serem as duas alternativas comparáveis: a hipótese de 60 000 t anuais implicaria o não pagamento das dívidas ao Estado nem do imposto mineiro e a não remuneração do capital social. Por isso se entende ser preferível a solução correspondente à produção de 120 000 t anuais, desde que seja possível conseguir mercado para essa maior produção.
Quanto à melhor utilização das lenhites, a subsecção apoia a sugestão feita de se estudar rapidamente a solução da central térmica à boca da mina, sob o duplo aspecto de viabilidade económica e técnica, dadas as características altamente inconvenientes das lenhites de Rio Maior como combustíveis e desde que se confirme não ser viável a sua utilização para usos químicos.

Investimentos

6. O projecto de Plano Intercalar apresenta o seguinte programa geral de construção de novos centros produtores, dentro do qual se integram os investimentos a realizar no triénio de 1965-1967:

[ Ver Quadro na Imagem ]

Nos aproveitamentos de Vilarinho das Furnas, Fratel, Alvarenga, Valeira, Aguieira ou Ganeiro-Dão e 3.º e 4.º grupos da central térmica do Carregado está indicado «início da construção em data a determinar». Para garantir a continuidade de abastecimento em energia eléctrica no período seguinte ao triénio de 1965-1967 é, porém, indispensável iniciar a construção de alguns destes centros produtores ainda no decurso do Plano Intercalar, pelo que será necessário estabelecer um programa de prioridades e definir as respectivas datas para início da construção.

7. É fácil demonstrar a necessidade referida no número anterior de iniciar no decurso do Plano Intercalar a construção de centros produtores, além dos investimentos prioritários consignados.
Conhecemos a evolução dos consumos, indicada no n.º 3 deste parecer. Vamos considerar apenas a cobertura dos consumos permanentes, dado que os não permanentes devem ser abastecidos,. em princípio, por excedentes hidroeléctricos.
A energia produtível nos diversos anos será calculada para as seguintes hipóteses:
a) Energia térmica. - Admite-se uma utilização anual de 6000 horas para uma potência igual a 76 por cento da potência instalada, para se terem em conta as indisponibilidades de material

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em face da experiência existente. Entra-se em conta com as centrais da Tapada do Outeiro (três grupos), do Carregado (dois grupos) e Tejo;

b) Energia hidroeléctrica. - Considerou-se a produtibilidade em regime hídrico com a probabilidade de ser excedida 96 por cento; isto quer dizer que para cada um dos anos em causa, de todos os regimes hidrológicos possíveis, 96 por cento serão mais húmidos do que o considerado; esta garantia é ligeiramente inferior à que foi utilizada no último decénio. Por estudos feitos - embora com a imprecisão inerente à sua natureza - no seio do Grémio Nacional dos Industriais de Electricidade (subcomissão da produção) e em relatórios apresentados ao «Colóquio sobre a participação da produção termoeléctrica na satisfação das necessidades nacionais de energia eléctrica» conclui-se não oferecer grande risco de restrições aceitar este regime hidrologico para a garantia de satisfação dos consumos permanentes.
Em ano médio (média de todos os regimes hidrológicos utilizados nos estudos - 1922-1962 -) a energia hidroeléctrica produtível será evidentemente superior, e serão esses excedentes .que poderão ser utilizados para o abastecimento dos consumos não permanentes.
Os aproveitamentos hidroeléctricos considerados para o cálculo da energia produtível são os existentes actualmente e mais os referidos como prioritários no projecto de Plano Intercalar, isto é, Bemposta. Távora e Carrapatelo.
Para o cálculo das disponibilidades hidroeléctricas teremos ainda de entrar em conta com a energia desarmazenada das albufeiras de regularização interanual.
Para estudos de produtibilidades hidroeléctricas considera-se sempre o ano hidrologico (Novembro a Outubro), pois o mês de Novembro coincide em geral com o início da época das chuvas e, portanto, com o fim do desarmazenamento.
Como, porém, o Plano Intercalar, como é evidente, se refere a anos civis e os consumos estão também calculados para anos civis, definimos as produtibilidades para anos civis também, aliás, com uma margem de erro inferior à que resulta das próprias previsões.

8. A potência térmica e a energia correspondente disponível de 1965 a 1971 serão as seguintes:

[Ver Quadro na Imagem ]

(a) O 3.º grupo entra em serviço em meados do 1966; consideram-se seis meses de trabalho.
(b) Apenas a alta pressão da central Tejo.
(c) O 1.º grupo entra em serviço em Junho de 1967; consideram-se seis meses do trabalho.
(d) O 2.º grupo entra em serviço em Junho de 1968; consideram-se seis meses de trabalho.

energia hidroeléctrica disponível de 1965 a 1971 é a seguinte:

[ Ver Quadro na Imagem ]

(a) Inclui a central de Bemposta com dois grupos durante todo o ano e um grupo durante seis meses.
(b) Inclui a central do Bemposta na sua totalidade o a central do Távora.
(c) O 1.º grupo da central do Carrapatelo entra em serviço em Junho do 1969; considera-se em trabalho no último semestre com uma energia produtível inferior a metade do total.
(d) Central do Carrapatelo completa.

Podemos agora estabelecer o balanço entre os consumos permanentes previstos e as energias produtíveis calculadas para o ano 96 por cento.

[ Ver Quadro na Imagem ]

Verifica-se assim que com o sistema existente, aumentado com os aproveitamentos da Bemposta (completo), Távora, Carrapatelo, 3.º grupo da Tapada do Outeiro e dois grupos da central do Carregado, se obteriam saldos positivos decrescentes de 1965 a 1968 e negativos crescentes de 1969 em diante, atingindo o deficit em 1971 o elevado valor de cerca de 1270 milhões de kilowatts-hora.
Fazemos notar, como aliás já dissemos, que estes saldos são calculados para uma produtibilidade hidroeléctrica correspondente a um regime hidrológico com 96 por cento de probabilidade de ser excedida e que, nessas condições, se terá de recorrer a apoio térmico e a energia interanual. Observe-se que esta hipótese é mais desfavorável do que a de ocorrência, de um biénio seco com à mesma probabilidade de 96 por cento.
Em 1965 e em 1966 a margem de segurança é elevada; em 1967 e 1968 já se torna mais reduzida, visto o saldo de 160 GWh ou 120 GWh não ser elevado para cobrir eventuais atrasos na realização de obras. Mas, a partir de 1969, começam a surgir deficits, isto é, para ano seco não há cobertura para os consumos permanentes previstos. Isto vem demonstrar a afirmação, feita anteriormente, de ser necessário começar a- construção de novos centros produtores, além dos considerados prioritários, ainda no decurso do Plano Intercalar, a fim de assegurar a cobertura dos consumos a partir de 1969.

9. Os aproveitamentos e respectivas características considerados nos estudos de planeamento, tanto pela subcomissão de produção que funciona no Grémio Nacional dos Industriais de Electricidade como pelo subgrupo electricidade, constam do quadro seguinte.

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[Ver tabela de imagem]

(a) Custo correspondente ao aproveitamento de fins múltiplos.
Deste modo, a subsecção considera necessário a entrada em serviço em 1969 de novos centros produtores, além dos considerados, para garantir a cobertura do consumo. Para isso será necessário iniciar a sua construção- em 1965 e ter prazos que não excedam em muito os três anos. Estão nestas condições:

Meses

Vilarinho das Furnas ................. 36+2
Fratel ............................... 40+4
Alto Lindoso ......................... 36+4
Girabolhos ........................... 42+3
Grupos da central do Carregado ....... 36

Por inquérito feito pelo subgrupo electricidade, dispõem neste momento de estudos levados à fase do projecto ou anteprojecto os aproveitamentos do Alto Lindoso, Girabolhos e Fratel; o aproveitamento de Vilarinho das Furnas encontra-se bem definido sob o ponto de vista energético, podendo dizer-se que o projecto se encontra praticamente terminado.
O aproveitamento do Alto Lindoso tem de se considerar pendente do estabelecimento prévio de um convénio internacional, no sentido de permitir avaliar, em bases concretas, o seu interesse económico para Portugal. Dada a morosidade que é de recear nas negociações, não será possível fixar data para inicio de construção, não se podendo assim incluir, por enquanto, em qualquer programa.
O aproveitamento de Girabolhos faz parte do sistema do Mondego e desde que se opte, como parece indicado, por razões não energéticas, pela construção do Baixo Mondego (Aguieira ou Caneiro-Dão), não é conveniente incluir por agora outro escalão do Mondego; além disso, tem prazo de construção superior aos de Vilarinho das Furnas e Fratel.
Contudo, se o Baixo Mondego não puder ser incluído, deverá considerar-se a hipótese de Girabolhos, que oferece inegável interesse.
Bestam assim, para começar em 1965, os aproveitamentos hidroeléctricos de Vilarinho e Fratel, sendo, aliás, conveniente que um se siga ao outro, dado o rápido andamento do deficit em energia que se verifica de 1969 para 1970.
Entre os dois, Vilarinho tem um prazo de construção menor, cerca de seis meses, o que é importante, não oferece dificuldades especiais para a sua construção e permite assegurar a continuidade do trabalho a pessoal hoje dedicado às obras do Alto Rabagão e que será brevemente dispensado se não houver outra realização; este último argumento não é decisivo, mas merece, contudo, ponderação.
Como elementos adjuvantes de opção entre um e outro para prioridade de execução (de qualquer maneira, como dissemos, um dever-se-á seguir ao outro), apresentamos as conclusões do subgrupo da electricidade e da subcomissão da produção.
Diz o relatório do subgrupo electricidade do grupo de trabalho n.º 2:

Dos restantes aproveitamentos, o de Fratel também não dispõe ainda de concessão; não apresenta, porém, problemas especiais no que respeita a dimensionamento nem problemas externos; apresenta-se, por outro lado, para o custo indicado, como um investimento francamente interessante, com elevadas condições de rentabilidade, qualquer que seja o critério de avaliação. Julgando-se que a circunstância referida é passível de resolução próxima e atendendo-se a que o prazo de construção previsto é relativamente curto, parece natural considerar-se a sua inclusão no sistema para um futuro próximo.

A inclusão no programa de empreendimentos para o futuro próximo. do aproveitamento de Vilarinho das Furnas justifica-se não só pelas suas aceitáveis condições de rentabilidade, mas também pela convicção de que essa inclusão para o futuro mais próximo, permitindo assegurar a continuidade de ocupação aos quadros da Hica e, principalmente, à numerosa mão-de-obra, de escassa especialização, que tem estado ocupada nas obras do Alto Rabagão - que atingiram a sua fase final-, permitirá minorar certos problemas de ordem social, que, não sendo, como se disse, facilmente quantificáveis em termos de poderem ser tidos em consideração numa equacionação objectiva do problema do Plano, assumem, por vezes, aspectos de relevância.

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Por sua vez, a subcomissão da produção do Grémio emite o seguinte parecer:
O aproveitamento de Vilarinho das Furnas deverá ter prioridade na entrada, por não existir qualquer obstáculo no arranque imediato das obras, por estas virem a dar continuidade de trabalho à organização da Hidroeléctrica do Cávado e assim tornar-se possível a sua contribuição para o esforço de novas realizações indispensáveis para o período subsequente.
O aproveitamento de Fratel, consideradas as suas características específicas e a melhoria da regularização do Tejo por efeito da entrada em serviço até 1967 dos aproveitamentos espanhóis de Valdecanas e Alcântara, apresenta-se com interesse para entrar em serviço em 1970.

O Baixo Mondego, conforme atrás se disse, poderá começar a construir-se em 1965 ou 1966, desde que a parcela do custo das obras a imputar à produção de energia eléctrica não exceda SOO 000 contos, sendo o restante lançado às outras finalidades. Fixaremos o início das obras em 1966; o prazo de construção será de 48+3 meses (Aguieira) ou 54+3 meses (Caneiro-Dão).
As obras de Fratel deverão começar em 1966 também e em meados de 1967 deverá começar a montagem do 3.º grupo de 125 MW da central térmica do Carregado.
Resumindo:

[Ver tabela de imagem]

a) Estas datas diferem ligeiramente das indicadas pelo subgrupo electricidade. b) Esta data dependerá da consideração dos aspectos hidroagrícolas.

As produtibilidades acrescidas (gigawats-hora) ao sistema atrás considerado, de 1969 a 1971, são as seguintes:

[Ver tabela de imagem]

Nestas condições, a situação nos anos de 1969 a 1971 será a seguinte:

[Ver tabela de imagem]

Conclui-se que o programa suplementar enunciado pela subsecção permite assegurar tangencialmente a cobertura do consumo nos anos de 1969 e 1970, mas já não o consegue para 1971, em que existe um deficit da ordem dos 300 milhões de kilowatts-hora.
Será assim necessário prever a construção de outros centros produtores - hidráulicos ou térmicos - que assegurem a cobertura do consumo em 1971. Embora não se possa por enquanto estabelecer o programa definitivo, referiremos, conforme indica o subgrupo electricidade, os aproveitamentos de Alvarenga e Valeira e o 4.º grupo da central do Carregado. Quanto a Valeira, a data do início de laboração está prevista para Junho de 1972, e, por consequência, as obras deveriam começar no Verão de 1967. Para a entrada em serviço do aproveitamento de Alvarenga, na primavera de 1971, conforme previsto, seria necessário iniciar os trabalhos em
1965. O 4.º grupo da central do Carregado deverá estar concluído em fins de 1971, o que portanto permite o início da construção em 1968, já fora do Plano Intercalar.
Aliás, este programa poderá ser alterado se, em face de estudos a completar, se demonstrar haver outro mais conveniente.
Não vamos além deste ano porque já iríamos ultrapassar o Plano Intercalar, o que está fora do âmbito deste parecer, e além disso algumas obras que porventura comecem em 1967 só estarão completas depois de 1971.
10. Poderia, é certo, ter-se escolhido um outro programa com maior predomínio da componente térmica, mas quis-se respeitar a orientação expressa no projecto de Plano Intercalar com a qual aliás se concorda e que irem referida no n.º 14:
Nas circunstâncias actuais afigurou-se que tal equilíbrio (hidráulico-térmico) deveria ser condicionado pela manutenção de um ritmo de construções de novos aproveitamentos aproximadamente constante, de forma a não provocar perturbações nos níveis de emprego, nem nas múltiplas actividades, industriais e de investigação, que se desenvolveram como consequência da importante expansão que tem conhecido o sistema hidráulico nacional.

11. Os investimentos previstos para 1965-1967 no projecto de Plano Intercalar (n.º 23) e relativos aos projectos actualmente em execução, ou cuja construção tem de ser decidida imediatamente, são os seguintes:

Contos

Bemposta e Távora (conclusão) ............ 145 000
Central da Tapada do Outeiro (3.º grupo).. 142 000
Central do Carregado:
1.º grupo ..................... 552 000
2.º grupo ..................... 425 000
977 000
Carrapatelo (com eclusa) ...... 965 000
Total ......... 2 229 000

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Já vimos que este programa é insuficiente para a satisfação do consumo de energia eléctrica no período subsequente a 1969, devendo ser completado com os centros produtores anteriormente referidos.
O programa de investimentos a considerar, com carácter prioritário, deverá por consequência ser o seguinte:

[Ver tabela de imagem]

(a) Valores indicados no projecto de Plano Intercalar.
(b) As verbas indicadas correspondem a uma quota-parte do total - 300 000 contos - imputado ao sector electricidade.
(c) O subgrupo electricidade previu ama verba total de 2873, inferior portanto à consignada neste parecer. A diferença provém de o subgrupo electricidade ter considerado para os aproveitamentos de- Bemposta, Távora e Carrapatelo verbas inferiores às adoptadas no projecto de Plano Intercalar.

O programa de investimentos prioritários deve assim corresponder a um total de 3 174 000 contos, com uma diferença de cerca de 950 000 contos em relação ao projecto de Plano Intercalar.
A subsecção entende, por consequência, ser necessário reforçar em 950 000 contos as verbas previstas para a produção de energia eléctrica no projecto de Plano Intercalar, estabelecendo-se um programa de novos centros produtores, tal como foi definido.
Ao chamar a atenção para o problema da produção de energia eléctrica, a subsecção sente que seria faltar ao seu dever e à sua missão se não mostrasse com clareza as incalculáveis consequências da não inclusão de uma verba suplementar da ordem de 950 000 contos para a construção de novos centros produtores não considerados como investimentos prioritários no projecto de Plano Intercalar.

12. A subsecção, no que se refere ao transporte (n.º 25), chama a atenção para algumas rubricas que têm o carácter de investimentos prioritários e que não foram consideradas. Desde que sé inclua o aproveitamento de Vilarinho das Furnas, é preciso prever a linha de transporte, estimada em 15 000 contos; não existe verba destinada a teleinformações, que custará 15 000 contos, indispensáveis para o comando correcto da rede; o problema de garantia da tensão em Lisboa em níveis aceitáveis exige a instalação na subestação de Sacavém de uma bateria de condensadores com a potência de 40 MV Ar, prevista em 15 000 contos.
Nestas condições, será necessário reforçar a verba destinada ao transporte com 45 000 contos.
Mesmo assim, a verba total apurada (240 000+45 000 = 285 000 contos) é inferior à que resultaria da tendência verificada nos últimos anos.

13. Ao tratar do problema da pequena distribuição diz-se (n.º 17):
A previsão dos investimentos a realizar, embora apoiada também no estudo estatístico da evolução verificada, ligou-se à definição de um objectivo quanto à electrificação do continente; vai, com efeito, procurar acelerar-se a tendência actual, de forma a conseguir-se abreviar quanto possível a electrificação de todas as sedes de freguesia.
Tomando os dados estatísticos da evolução anterior, conclui-se ser necessário prever um investimento de 1080 000 contos durante a duração do Plano Intercalar(1); não se considerou assim qualquer aceleração de programa, mas antes se admitiu que a electrificação seguiria dentro dos moldes anteriores; desde que se queira acelerar e impulsionar a pequena distribuição, como é pensamento e objectivo do Governo, será certamente necessário admitir uma verba superior.
Ora no projecto de Plano Intercalar prevê-se uma verba de 400 000 contos para à pequena, distribuição (n.º 27), aos quais se deverão adicionar 360 000 contos destinados a electrificação rural, incluída nos investimentos prioritários programados para a agricultura, silvicultura e pecuária.
Sendo assim, está considerado um total de 760 000 contos, que se reputa manifestamente insuficiente, pois a contracção das obras na grande ou na pequena distribuição terá como consequência a dificuldade de escoamento da energia produzida; um programa de produção, transporte e distribuição tem de ser um todo harmonioso e equilibrado, não podendo forçar-se a aceleração de uma componente sem dar às outras o mesmo efeito; não proceder assim vai originar estrangulamentos que terão como consequência haver um dos estádios com folga quando os outros estarão insuficientes.
A subsecção chama por isso a atenção para a necessidade de reforçar a verba prevista para a pequena distribuição, se se pretende não só manter o esforço de electrificação feito nos últimos anos, mas, e principalmente, se se deseja acelerar a electrificação do continente, atingindo todas as sedes de freguesias.

14. Em relação à energia nuclear diz-se no projecto de Plano Intercalar (n.º 18):

O conhecimento da evolução da técnica de produção de energia por via nuclear e dos seus custos, a falta de combustíveis «clássicos» na metrópole, a aproximação do limiar do esgotamento do potencial hidroeléctrico, a conveniência de valorizar os nossos recursos em minérios de urânio e, ainda, a necessidade de ir adquirindo experiência das novas técnicas, são convincentes justificações para que se programe a realização de estudos com vista à instalação de uma primeira central nuclear - um primeiro grupo em escala industrial - dentro de cerca de dez anos.

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(1) Estudo elaborado pela Subcomissão da Pequena Distribuição da Comissão do Plano de Fomento do Grémio Nacional dos Industriais de Electricidade; a previsão anual é a seguinte:

Milhares de contos
1965.......................... 329,7
1966.......................... 359,4
1967.......................... 391

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E mais adiante (n.º 28), ao tratar dos investimentos, esclarece-se:

Os trabalhos de estudo, investigação e preparação técnico-industrial com vista à futura instalação de centrais nucleares exigirão investimentos cujos montantes serão determinados à medida que os projectos se concretizem e de acordo com as disponibilidades de financiamento.

Dá-se o inteiro aplauso à doutrina expendida no projecto de Plano Intercalar; mas, para que ela seja realizável, é necessário prever desde já alguns investimentos para a realização dos estudos, que se prevêm da ordem dos 40 000 contos. Só assim se poderá consiguir a integração da central nuclear com urânio nacional no prazo referido nos dez anos.

15. Em resumo, os investimentos considerados prioritários pela subsecção, no capítulo «Electricidade», são os Seguintes:

Milhares de contos

Produção ........................... 3 174
Transporte ......................... 285
Grande distribuição ................ 800
Pequena distribuição ............... l 080
Estudos nucleares .................. 40
Total................... 5 379

Em recente estudo sobre «Investimentos e Financiamentos na Indústria da Energia Eléctrica», em que interveio o relator deste parecer, chegou-se à conclusão, por meio de métodos estatísticos, que os investimentos no triénio de 1965-1967 deveriam atingir 5300 contos (sem incluir a energia nuclear). A identidade das duas verbas, calculadas por métodos diferentes, confere-lhes um grau de certeza que não se pode ignorar, sob pena de se cometerem erros não reversíveis.
O resumo dos investimentos prioritários do sector energia seria então:

Milhares de contos

Electricidade ............. (a) 5 019
Combustíveis .............. (b) 1 999
Total......... 7018

(a) Valor apurado com a dedução dos 360 000 contos destinados à electrificação rural.
(b) Verba indicada no projecto de Plano Intercalar (n.º 32).
Como no projecto de Plano Intercalar se previa um investimento global da ordem dos 7 milhões de contos no triénio (n.º 12), verifica-se uma coincidência entre as duas verbas, a prevista pelo. Governo e a indicada neste parecer.
Em relação ao consignado no projecto de Plano Intercalar - 5668 milhares de contos -, há assim uma diferença para mais de 1350 milhares de contos, cuja justificação já foi enunciada.

16. Para terminar a análise deste parágrafo do projecto do Governo queremos referir-nos a um último ponto, que reputamos da maior importância: o problema do financiamento da indústria da energia eléctrica.
Recorremos de novo ao Relatório do Grémio Nacional dos Industriais de Electricidade relativo ao ano de 1963, e dele extraímos as seguintes passagens:
Os números relativos aos investimentos feitos de 1960 a 1963 são os seguintes:

[Ver tabela de imagem]

Conclui-se que no quadriénio de 1960-1963 o investimento cresceu a uma taxa média de 13 por cento, superior ao valor verificado no consumo. Aliás, [...]
Repare-se que os investimentos anuais têm crescido sucessivamente, passando de 894 600 contos em 1960 para 1 421 000 contos em 1963, tudo indicando que este ritmo não possa afrouxar, pois que o consumo continua a aumentar e o investimento tem de o acompanhar; assim, é natural que em 1964 se atinja investimento superior a 1400 000 contos, e, a manter-se a taxa de crescimento de 10 a 11 por cento, num período de seis a sete anos teremos de construir, grosso modo, tantas instalações quantas as existentes actualmente [...]
Contudo, o exame da composição do investimento nos anos de 1961, 1962 e 1963, conforme inquérito feito pelo Grémio, causa preocupações. Na verdade, os números, em percentagem, são os seguintes:

[Ver tabela de imagem]

O que ressalta imediatamente é a reduzida percentagem, de capital accionista nos dinheiros mobilizados em 1963: apenas 1,8 por cento. A contrapartida encontra-se no grande aumento da rubrica «Empréstimos» - 85,5 por cento-, dos quais, grande parte, se não a maior, é a curto e a médio prazo.
A conclusão imediata é estar o sector eléctrico, neste momento, a ser abastecido pelo mercado de capitais em condições perfeitamente impróprias para uma indústria de expansão contínua e de reprodutividade lenta.
Desde que as empresas de energia eléctrica sejam forçadas a recorrer a empréstimos a curto e a médio prazo, não terão forma de satisfazer as respectivas amortizações, a não ser contraindo novos empréstimos, criando-se assim um circuito de dificuldades e preocupações que impedem a concentração do esforço na resolução dos problemas específicos da indústria.
Será, portanto, necessário encontrar forma de abastecer em capitais a indústria da energia eléctrica, segundo as regras canónicas, permitindo a realização de ampliações de capital em condições satisfatórias

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e facilitando o dinheiro a taxa aceitável para empréstimos a longo prazo.

Quanto ao problema de empréstimos, será necessário - e isso já não depende da indústria - facultar meios para empréstimos a longo prazo, de preferência no mercado interno, pois as empresas eléctricas devem ter prioridade no acesso ao mercado interno de capitais. Com efeito, o recurso ao mercado externo não é isento de riscos, dado que, processando-se todo o movimento comercial da energia no próprio país, em caso de desvalorização da moeda não se encontra a necessária compensação, o que não sucede em indústrias de exportação, em que o produto da venda pode cobrir o aumento de encargos provenientes do aumento das anuidades de amortização do empréstimo em moeda nacional.
Uma última observação quanto ao problema dos financiamentos: nota-se uma descida progressiva da intervenção dos recursos próprios, que passam de 23,9 por cento em 1961 para 11,2 por cento em 1963. Pode perguntar-se a razão deste facto e ela parece existir justamente na necessidade de recorrer a empréstimos a curto prazo e por consequência na mobilização de todos os fundos disponíveis para pagar esses empréstimos; e assim as empresas não possuem recursos próprios para reinvestir no seu activo.
Em toda a parte do Mundo se procura aumentar a intervenção dos fundos próprios, de forma a facilitar o financiamento, que na electricidade assume aspectos cada vez mais difíceis. Na Inglaterra, por exemplo, o objectivo oficialmente confessado consiste em atingir em 1963 recursos próprios para reinvestir na indústria, representando 48 por cento dos financiamentos totais necessários; de 1955 a 1962 estes números oscilam entre 36,7 por cento, para 1956, e 46,8 por cento, para 1962.

Fez-se esta longa transcrição por se entender que ela traduz, com clareza, uma situação existente e uma doutrina que deve ser seguida e respeitada. Na verdade, é preciso assegurar à indústria eléctrica a possibilidade de ser financiada em condições aceitáveis, para evitar o encarecimento e porventura a falta de energia eléctrica.
Aliás, o relatório do grupo de trabalho n.º 2 «Energia» apresenta, sobre este assunto, a seguinte sugestão:

Sugere-se que seja definida oficialmente doutrina quanto aos planos de financiamento do sector da electricidade que tem investimentos muito elevados, porque essa orientação básica evitará a solução de problemas desta natureza, caso a caso, o que é extremamente inconveniente. Considera-se ter de se definir o âmbito da utilização de capitais privados internos, criando-lhes condições atractivas através de uma remuneração accionista e obrigacionista que seja adequada à situação do mercado, assim como as condições das respectivas emissões, definindo consequentemente o âmbito da utilização de crédito externo em seguimento da que tem sido realizada recentemente e dentro dos limites que forem comportáveis pela situação financeira do País e pelos condicionalismos do próprio sector da electricidade...

A subsecção, ao chamar a atenção para este ponto, sabe que o problema tem sido considerado atentamente; os números estatísticos citados constituem, porém, um grito de alarme, que não pode ser ignorado, sob pena de não se informar convenientemente o Governo da situação existente; por isso se desejou introduzir esta nota, que parece essencial, para a exacta compreensão do problema.

Medidas de política energética

17. Ao preconizar certas medidas de política económica a realizar no sector da energia eléctrica, afirma-se no projecto do Governo (n.º 37):

... Por outro lado, não parece aceitável que a escolha dos aproveitamentos hidroeléctricos (ou, até, do ponto de equilíbrio hidráulico-térmico) continue sujeita à consideração das empresas produtoras da rede primária uma por uma, isto é, sem que cada uma possa sair do seu âmbito funcional e geográfico de acção. Terá de ponderar-se se a melhor solução será uma concentração de funções das empresas produtoras através. da sua associação para estudos e mesmo realizações em comum, ou, antes, uma reconversão de actividades, dentro ou mesmo além do campo energético (v. g., a propósito do planeamento de bacias hidrográficas também com finalidades não energéticas e realizações subsequentes); mas não oferece dúvidas que se deverá procurar uma solução melhor do que a continuação da situação presente, que não se afigura adaptada a um ritmo de expansão hidroeléctrica como o que vai verificar-se. Com efeito, da estrutura actual, ou resultará desocupação nas empresas, ou a escolha forçada de aproveitamentos distribuídos um a um quando poderá interessar ao planeamento global uma escolha diferente, por exemplo concentrada.

Em referência à distribuição, diz-se (n.º 38):

No sector da distribuição, tem de enfrentar-se o problema da dispersão das concessões. Se na grande distribuição o número de empresas e a sua dimensão (por exemplo em volume de energia distribuída) dão já lugar a dúvidas quanto à rentabilidade global a que conduzem, é, evidentemente, anómala a dispersão e diversidade das entidades de pequena distribuição, reconhecendo-se a necessidade de novas medidas legislativas quanto à atribuição das respectivas concessões.
A subsecção não pode deixar de aplaudir estas palavras, que indicam um caminho a ser seguido. Corresponde aliás à orientação preconizada pelo Grémio Nacional dos Industriais de Electricidade no relatório relativo ao ano de 1963, e do qual transcrevemos as seguintes palavras:

A indústria eléctrica tem hoje de pensar em termos globais, quer dizer, tem de pensar ao nível de sector, e não ao nível de empresa.
Procedendo desta forma, adquire-se uma visão de conjunto e encontram-se as soluções particulares que melhor se integram na solução geral. Esta orientação não se traduz pela perda de liberdade da empresa na resolução dos seus problemas próprios, nem elimina a empresa como célula básica do desenvolvimento industrial; corresponde, sem dúvida, à abdicação de algumas das liberdades empresariais na resolução dos problemas comuns, como, por exemplo, na coordenação dos investimentos, na política salarial, na estrutura tarifária.

O organismo representativo da indústria eléctrica preconiza assim uma linha de política idêntica à sugerida pelo Governo, afirmando a necessidade do pensamento global, mas mantendo a existência da empresa como «célula básica do desenvolvimento industrial». Entendemos, de acordo com o Grémio, ser este o princípio a respeitar e por isso, afirmamos a necessidade de preservar a empresa

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e, por consequência, de não se pensar em concentrações que implicassem o desaparecimento da estrutura empresarial. Tem a experiência demonstrado que os organismos nacionalizados,- como em França ou em Inglaterra, são forçados a grandes desconcentrações para conseguirem um funcionamento eficiente do seu sistema; quer dizer, nos organismos nacionalizados existe um pensamento global, uma coordenação geral, que parece na verdade indispensável, mas existe também uma série de departamentos com larga autonomia, para assegurarem a gestão do organismo e a exploração das instalações.
Os esforços devem portanto orientar-se no sentido de se criar uma coordenação de acções e de pensamentos e, por isso, se considera como extremamente útil a criação de um gabinete comum de estudos, que possa planear em conjunto e que elimine os problemas, já por mais de uma vez alegados e certamente inconvenientes, da desocupação do pessoal técnico de alto nível.
Aceita-se que, para além desta criação de um gabinete de estudos comuns, possa haver outras medidas a tomar, sempre no sentido de coordenar as acções, evitar esforços dispersos e, acima de tudo, soluções que não sejam as mais convenientes para o interesse nacional. Na resolução dos problemas não podemos tomar em consideração o interesse de uma empresa, se ele for contrário ao interesse geral, mas temos de tomar em consideração o interesse geral da indústria, representado pelas empresas.
Quanto à pequena distribuição, não há qualquer dúvida que se torna necessário tomar medidas que permitam a concentração de concessões em distribuidores idóneos. Não se negam os esforços realizados pelos pequenos distribuidores, mas reconhece-se a sua impossibilidade de conseguirem uma técnica apurada e uma gestão económica. Não há qualquer dúvida ser indispensável existir um óptimo determinado para que a exploração de uma distribuição de baixa tensão seja rentável, e- só isso permite o estabelecimento de tarifas aceitáveis e de condições técnicas boas. E por isso de aplaudir a orientação de se promulgarem medidas legislativas que permitam de vez acabar com a dispersão das pequenas concessões.

Conclusões

18. Os estudos preparatórios do projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967 foram feitas em íntima colaboração com o sector privado. Considera-se esta orientação como merecedora de todo o louvor, pois permitirá comparar experiências e conhecimentos e examinar os problemas sob as ópticas, por vezes diferentes, do sector oficial é do sector privado. Deste confronto de ideias entre pessoas animadas da mesma Doa vontade e do mesmo desejo de atingir objectivos idênticos podem resultar -e resultam sem qualquer dúvida- vantagens evidentes, evitando-se muitos obstáculos e conseguindo-se uma solução mais perfeita.
No sector da energia existiam um grupo de trabalho, com um órgão consultivo, e dois subgrupos, electricidade e combustíveis; em todos estavam representados os sectores público e privado. Os relatórios do grupo de trabalho e dos subgrupos electricidade e combustíveis constituem trabalhos de alto nível e de indiscutível merecimento e neles se encontra matéria e sugestões concretas para uma coordenação eficaz entre os sectores electricidade e combustíveis de forma a definir uma política energética, objectiva e racional. À subsecção foram facultados estes documentos, que constituíram amplas fontes de informação. Teve ainda a subsecção acesso a todos os valiosos trabalhos realizados pelo Grémio Nacional dos Industriais de Electricidade por intermédio da Comissão do Plano de Fomento (Subcomissões da Produção e da Grande e da Pequena Distribuição). A atenção deste organismo incidiu especialmente nos problemas de produção, por serem aqueles em que as indeterminações são maiores e as dificuldades mais evidentes; por isso a Subcomissão da Produção, além dos seus relatórios anuais, publicou um conjunto de notas, informativas, onde se encontram elementos seguros de informação, indispensáveis para se encontrar a melhor solução do problema.
Pode afirmar-se que os estudos exaustivos realizados pelos especialistas tanto no grupo e subgrupos de trabalho da Comissão Interministerial de Planeamento e Integração Económica como nas comissões e subcomissões do Grémio Nacional dos Industriais de Electricidade esgotaram o problema e estabeleceram orientações que, sem qualquer dúvida, são não só representativas do modo de ver da indústria, como traduzem a melhor forma de se atingirem os objectivos fixados.
A subsecção recorreu naturalmente a todos os estudos citados e utilizou os dados técnicos apurados pelos especialistas, e que serviram de base ao parecer elaborado.
O crescimento do consumo de energia eléctrica, segundo lei exponencial -lei, aliás, verificada em muitos outros sectores da economia -, obriga a um trabalho cada vez maior e a uma conjugação de esforços cada vez mais perfeita; todos juntos, unidos no mesmo propósito, não somos de mais para realizar a tarefa que se nos depara, fundamental para se conseguir o progresso do País em ritmo satisfatório. Este parecer é uma achega mais a juntar a todo o valioso material existente para o estudo e resolução do problema económico nacional, e, se ele contribuir, como se deseja, para uma solução mais perfeita, pensa-se que se atingiu o objectivo fixado.

Palácio de S. Bento, 27 de Outubro de 1964.

Fernanda Carvalho Seixas.
Alcide Ferreira.
Manuel Pinto de Oliveira.
Mário Pedro Gonçalves.
José Mercier Marques.
Paulo de Barros, relator.

ANEXO III

Parecer subsidiário da secção de Transportes e turismo

Turismo

A secção de Transportes e turismo, consultada sobre o capítulo VI (Turismo) da parte referente ao continente e ilhas do projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967, emite, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer subsidiário:

§ 1.º Evolução recente, situação actual e perspectivas

1. Resolveu o Governo, e fê-lo pela primeira vez, dedicar ao turismo um capítulo especial de um plano de fomento.

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Procedeu de maneira avisada ao fazê-lo, e as justificações que apresenta são absolutamente convincentes.
De facto, não só em Portugal mas em quase todo o mundo civilizado o turismo é hoje uma das actividades mais desenvolvidas, e numa fase de enorme expansão nos países onde tal actividade é incipiente. Está nesta posição Portugal.
Embora há muitos anos numerosas pessoas procurassem para gastar os seus sócios ou descansar de uma vida muito activa o excelente clima da Madeira e da Gosta do Sol, a verdade é que não havia em Portugal turismo propriamente, dito. E nem é de admirar que assim acontecesse. E ainda hoje, apesar de tudo o que se tem feito, Portugal está longe de ser um país de turismo propriamente dito.
Quando na Suíça, França e Itália já o turismo era uma verdadeira indústria, e rendosa, o nosso país preocupava-se apenas com os problemas de «baixa política», vivendo numa verdadeira «balbúrdia sanguinolenta».
Restabelecida a ordem, iniciado o período de progresso financeiro, económico e- social em que temos vivido nos últimos 35 anos, foi possível voltar os olhos para o turismo, que poderia constituir uma fonte de divisas para um país que tanto delas necessitava.
Alguns particulares, sem olharem a sacrifícios e apenas desejando o progresso das regiões onde viviam (a secção lembra os nomes de Fausto de Figueiredo e Alexandre de Almeida), investiram grandes somas de capital para dotarem o País com alguns hotéis e amenidades que chamassem os estrangeiros ansiosos de ver as nossas belas paisagens e monumentos e de gozar o nosso clima e sol. Mas as comunicações eram difíceis e caras, dada a distância entre nós e os países fornecedores de maiores contingentes para o turismo.
As estradas em Portugal e Espanha eram más, os comboios poucos, caros e com linhas péssimas ao atravessarem a vizinha Espanha e a primeira parte do percurso em Portugal. Apenas a via marítima podia trazer turistas, mas mesmo assim encontrando inúmeras dificuldades.
Depois tudo mudou. Com o aparecimento da aviação comercial, com a reparação das estradas e vias férreas, com o embaratecimento e popularização dos automóveis, que se tornaram acessíveis a pessoas de médios e até de pequenos recursos, as vias de acesso a Portugal simplificaram-se imenso e o fluxo de turistas começou. De princípio timidamente, depois com maior vigor e actualmente em pleno desenvolvimento.
Apesar de ser uma indústria a dar os primeiros passos, constitui já a nossa maior fonte de divisas, ultrapassando as receitas obtidas por quaisquer das mercadorias por nós exportadas.
E, como bem se nota no projecto de Plano Intercalar, a indústria de turismo necessita, para se estabelecer e manter, pequeno concurso de mercadorias estrangeiras, o que se reflecte favoravelmente na balança de pagamentos. Quer isto dizer que a grande maioria das divisas obtidas não precisa de sair do País ao serviço da actividade que as obteve.

2. No projecto do Governo nota-se que a taxa média anual de entrada de estrangeiros no País é de 13 por cento, embora com grande irregularidade. A secção, porém, não apreendeu a razão pela qual se foi buscar a média do decénio, neste caso tão pouco significativa. De facto, o grande crescimento apenas começou depois de 1958. Os 13 por cento são, pois, muito inferiores à realidade dos últimos anos, mesmo tendo em conta o progresso verificado no ano em curso.
Em 1963 entraram em Portugal 514 000 estrangeiros, dos quais 26 por cento espanhóis, 17 por cento franceses, 17 por cento americanos, 12 por cento oriundos do Reino Unido e 6 por cento alemães. Apenas contando com as dormidas em hotéis e pensões, a duração média da estada dos turistas estrangeiros foi de 3,7 dormidas.
No referido projecto afirma-se que a receita total derivada deste afluxo turístico foi de 2 142 000 contos, o que se explica pela boa proporção de visitantes americanos e ingleses. E diz-se em seguida, que a receita por turista orçou, em 1962, por 123 dólares, enquanto na Jugoslávia, em Espanha e na Itália as quantias correspondentes foram de apenas 32, 67 e 104 dólares, respectivamente.
Sem querermos pôr em dúvida a autenticidade dos números ou a seriedade dos métodos pelos quais foram obtidos, parecem-nos estes algarismos optimistas em demasia.
Conhecidos os poucos produtos que os estrangeiros podem comprar em Portugal, sabido que quase não temos actividades em que possam gastar o seu dinheiro (se exceptuarmos o jogo, onde exista, apenas temos o golf do Estoril e pouco mais), comparando com a Itália e Espanha, pensamos que, de facto, os números são elevados de mais. Não se terá tomado como receita do turismo certas remessas em espécie feitas por emigrantes portugueses às suas famílias e que vão procurar mais tarde as casas de câmbio? Sem querermos ser pessimistas, pensamos que os números citados devem ser tomados com reservas e talvez mereçam um exame mais cuidadoso.
Voltando aos elementos de informação do Governo: em 1963 o turismo interno repartiu-se regionalmente por 38 por cento no Norte, 46 por cento no Centro, 12 por cento no Sul e 4 por cento na Madeira, isto excluindo os hotéis de 3.ª classe.

3. Quanto à distribuição de dormidas, nota-se que tem havido um ligeiro desvio, da parte dos estrangeiros, das pensões e hotéis de 3.ª classe, em favor dos estabelecimentos de 2.ª, 1.ª e de luxo. Como se dirá mais tarde, a péssima qualidade dos hotéis e pensões de 3.ª classe explica, em grande parte, esta fuga para os de maior categoria.
Lisboa e arredores continuam a ser a maior atracção turística, talvez por serem a região mais bem apetrechada com hotéis e pensões, mas é de notar que aumenta o interesse pelas praias do litoral, sobretudo pelas do Algarve e Madeira.

4. Refere-se depois o projecto de Plano Intercalar às acentuadas flutuações estacionais de afluxo turístico. Como é lógico, visto coincidir em regra com as férias de grande quantidade de turistas, concentra-se nos meses de Julho, Agosto e Setembro (em 1963, 13,2 por cento, 18,2 por cento e 11,6 por cento, respectivamente). O «mês de ponta» é Agosto. Novembro, Dezembro e Janeiro são os meses mais fracos.
As flutuações do turismo interno são menores, o que se explica pelas menores distâncias a percorrer.

5. Como é natural nesta fase de crescimento, o aumento da capacidade hoteleira tem sido mais lento do que o do afluxo turístico. O maior crescimento tem sido em hotéis de luxo e de 1.ª classe, pensões de luxo e de 1.ª classe, estalagens e pousadas. No projecto afirma-se que, mesmo assim, é quanto aos estabelecimentos hoteleiros de maior categoria que a necessidade de aumento é mais notória, dado ser quanto a eles que se tem registado a maior procura.
Não se faz qualquer referência ao chamado turismo barato - o dos parques de campismo e das roulottes, albergues da juventude, aldeia de férias, etc. Mas ele

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também tem aumentado muito é grandes somas têm sido gastas por várias câmaras municipais e comissões de turismo nas instalações de parques de campismo e dependências anexas.
Lembremo-nos de que a vizinha Espanha tem procurado incrementar, e com êxito, esta espécie de turismo, que se considera de apreciável rendimento, até pelo menor investimento que é necessário fazer por turista.

6. Manifesta-se bem fundado optimismo no aumento do turismo em Portugal se for seguida uma avisada política de fomento, dão-se várias razões para esse optimismo, a nosso ver todas elas pertinentes. É necessário não só aumentar as amenidades, mas também não estragar as já existentes, como pode acontecer pela poluição das águas marítimas adjacentes às praias mais frequentadas, o que tem infelizmente acontecido em vários pontos.

7. Entra-se depois no exame da evolução recente do afluxo turístico e das perspectivas de futuro. Os números dados são:

Milhares

1965............ 730
1966............ 860
1967............ 1030
1968............ 1230

Estes números parece pecarem por pessimismo, pois tendo o projecto de Plano Intercalar sido apresentado à Câmara Corporativa no dia 1 do corrente mês de Outubro e prevendo para o ano de 1965 730 000 turistas, logo em 19 do mesmo mês, ao falar na sessão inaugural do Congresso Nacional de Turismo, o Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho afirmou que no ano corrente as entradas de turistas devem ser da ordem das 850 000 pessoas. Quer isto dizer que se atingiu em 1964 o total previsto para 1966. Todos os números apresentados no projecto devem, pois, pecar por falta, mesmo admitindo que o número médio de dormidas por turista se manterá.
Esses números médios são:

Milhares

1965......... 2 700
1966......... 3 200
1967......... 3 800
1968......... 4 500

E lógico que se mantenham os actuais «meses de ponta», não obstante todos os esforços feitos para atrair turistas nos restantes meses.
O quadro que segue reflecte a repartição entre as várias categorias de hotéis de turistas nacionais e estrangeiros:

[Ver tabela de imagem]

§ 2.º Objectivos do Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967

8. Prevê-se que seja necessário, para a actividade hoteleira, um investimento de cerca de 1 500 000 contos no triénio coberto pelo Plano Intercalar.
Para os «serviços diversos» (restaurantes, diversões, serviços pessoais, etc.) prevê-se que sejam necessários no triénio 600 000 contos. Estes investimentos devem produzir mais 33 000 novos empregos e tornarão possível o objectivo fundamental da política de fomento turístico nos próximos anos, o qual deverá consistir na realização dos condições necessárias para satisfazer a procura externa e interna que se prevê.
Como nos parece que as previsões do afluxo turístico foram feitas com demasiada modéstia, também se nos afigura assaz limitada a quantia a investir. Mas admite-se que não haja possibilidade de fazer mais, não obstante a boa rentabilidade do investimento turístico, principalmente se for possível conseguir espalhar os turistas por mais meses do ano e por mais regiões do País.
De focar a necessidade de infra-estruturas, tão essenciais ao turismo como a própria existência de hotéis e pensões.
Sublinha-se aqui que as previsões do projecto de Plano pecam por defeito por não terem em conta as taxas de crescimento que se estão actualmente a verificar.
Pensa a secção que o Governo terá de definir novamente, na última redacção do Plano, qual a quantidade de turistas esperados (ponto de partida) e a taxa de crescimento. Só então se poderá saber qual a política de alojamento hoteleiro, publicidade, formação profissional, etc., que é conveniente seguir.

9. Diz-se que as principais correntes turísticas foram para a Madeira e o Algarve e por isso se deve olhar mais para estas duas zonas. Mas os números parecem demonstrar que Lisboa e os seus arredores continuam a ser os pontos mais procurados, o que torna absolutamente necessário considerar cuidadosamente as necessidades dos Estoril, Cascais, restantes praias da Costa do Sol, Caparica, etc. Bem sabemos que o vento e ser fria a água do mar são o grande contratempo nos «meses de ponta». Mas a existência de piscinas em número cada vez maior, abrigadas da ventania e com água temperada, está aumentando os atractivos desta zona. Nela estão já investidos muitos capitais, e é essencial não os desperdiçar.
Depois temos um sem-número de estâncias termais abandonadas e decadentes que, como afirmou o Digno Procurador Augusto de Castro no recente Congresso Nacional de Turismo, poderão vir a ser, ou tornar a ser, grandes pontos de atracção turística para um sem-número de pessoas que pretendem aliar o descanso com o tratamento de doenças reais ou imaginárias.
Também certas cidades e vilas que contêm ou estão cercadas de monumentos históricos e belas paisagens podem vir a constituir importantes centros turísticos, principalmente fora dos «meses de ponta», em que o turista procura fundamentalmente o sol e o calor.
Isto não quer dizer que não se dê todo o apoio às medidas tendentes à valorização das duas grandes regiões turísticas que são já o Algarve e a Madeira.

10. Prevê-se no projecto de Plano o seguinte quadro de dormidas no «mês de ponta» (Agosto), cujas necessidades devem ser integralmente satisfeitas:

[Ver tabela de imagem]

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Mesmo no «mês de ponta», só se prevê a utilização de 85 por cento dessa capacidade. Á previsão do número de camas é a seguinte:

[Ver tabela de imagem]

Discriminando por categorias de hotéis e pensões:

[Ver tabela de imagem]

A capacidade hoteleira em fins de 1964 pode estimar-se como segue:

Milhares de camas

Hotéis de luxo e de 1.ª classe ............................... 10,8
Hotéis de 2.º classe ......................................... 5,9
Hotéis de 3.ª classe ......................................... 6,2
Pensões de luxo e de 1.º classe, estalagens e pousadas ....... 9,8
Pensões de 2.º classe ........................................ 9,2

Os objectivos em matéria de alargamento da capacidade hoteleira serão, assim, os seguintes:

[Ver tabela de imagem]

Vê-se claramente o objectivo de sacrificar o chamado «turismo das massas» ao «turismo de luxo». E obvie que este último tem o maior interesse, deixando maior número de divisas por turista e trazendo menos incómodos às populações das zonas de turismo. Pensamos que o «turismo das massas» não pode nem deve ser completamente abandonado, pelo menos enquanto não subir muito o nível de vida no nosso povo e se quiser atender, como é mister, ao turismo dessa natureza que acorre ao continente em elevado número. A secção já frisou atrás o interesse que o «turismo das massas» pode ter, pelo muito menor investimento de que necessita.
Os hotéis de 3.ª classe não são procurados, porque raras vezes atingem aquele mínimo de higiene e conforto a que o turista, mesmo não abastado, aspira. Mas isso não significa que hotéis de 3.ª classe limpos e asseados não possam dar uma grande achega no problema da colocação de turistas através do País. O turista menos abastado gasta menores quantias, mas elas têm mais dispersão e beneficiam algumas classes que sem elas pouco virão a lucrar com a existência do turismo em Portugal. De tudo isto resulta que nos parece inferior ao necessário a previsão feita no Plano Intercalar para 1965-1967.

§ 3.º Investimentos

11. No projecto do Governo programam-se depois os investimentos para concretização dos objectivos citados. Diz-se, contudo, que se espera despender maiores montantes tanto para os hotéis, pensões e pousadas, como para as infra-estruturas.

A) Hotéis, pensões e pousadas

12. O texto do Governo, dando várias razões acerca do que se vai fazer sobre a construção de novos hotéis, pensões e pousadas, chega à estimativa do investimento a realizar no triénio de 1965-1967, que prevê seja o seguinte:

Investimentos:

Milhares de contos

Hotéis........................ 1 220
Pensões....................... 260
Pousadas...................... 24
Total.............. 1 504

Diz-se depois:
Este montante de investimento a realizar essencialmente pelas diversas empresas privadas interessadas na indústria hoteleira será financiado pelo Fundo de Turismo, pelo mercado interno de capitais e por crédito externo.

Vendo-se no n.º 20 do projecto de Plano Intercalar, na parte referente ao capítulo em análise, que o Fundo Nacional de Turismo apenas deverá dispor de 600 000 contos durante o triénio, conclui-se que a maior parte das receitas terá de ser obtida pelo mercado interno de capitais e pelo crédito externo.
Espera-se que o crédito externo venha a tomar uma parte substancial dos investimentos necessários.
Da leitura do projecto de Plano Intercalar não se conclui se esta afirmação é mais do que a manifestação de um desejo que todos queremos seja realizável. Mas nada se diz acerca das condições em que tal crédito será obtido, nem acerca das garantias que os capitais estrangeiros terão em Portugal.
E sabido que os capitais procuram investimentos rentáveis, feitos em países de moeda sã e situação financeira equilibrada. As duas últimas condições estão felizmente realizadas em Portugal. Mas quanto à primeira tudo depende da forma como em cada caso for tratada a empresa que deseja obter capitais no exterior.
As lentidões na aprovação dos projectos, as dúvidas que se levantam acerca da- orientação geral a seguir, etc., podem demorar de tal maneira a obtenção das autorizações necessárias para conseguir créditos no estrangeiro que impossibilitem obtê-los no momento azado.
Alguma legislação existente, vinda do tempo em que se contrariava a entrada de capitais estrangeiros, pode

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também dificultar, senão impossibilitar, a obtenção de fundos vultosos para investimentos turísticos.
À iniciativa privada move-se com facilidade e eficiência num clima de liberalização económica, ou de condicionalismo claramente estabelecido, livre do arbítrio das autoridades, no qual as empresas saibam em que termos devem proceder, a fim de angariarem o concurso- dos capitalistas estrangeiros.
Mas não se pode assacar à iniciativa privada a falta de certas realizações que se torna impossível fazer pelas peias e demoras em obter uma decisão das instâncias oficiais. E também muitas vezes as duplicações de competência são tantas que nem se sabe qual a entidade a quem compete finalmente decidir.
A declaração de princípio e as esperanças contidas no projecto de Plano Intercalar só poderão ser realizáveis nas condições acima esboçadas.
Os meios financeiros internacionais estão seguramente interessados em investir fundos em Portugal para fins de turismo, mas cheios de dúvidas quanto a ser possível o investimento e às condições em que pode ser realizado.
Torna-se, pois, essencial a publicação da lei que - regulamente a forma de obtenção e aplicação dos capitais estrangeiros, ou, pelo menos, definir em estudos bilaterais a política que deve ser seguida.

B) Investimentos complementares

13. Passando subitamente da declaração geral de princípios para uma concretização pormenorizada de fins a atingir, diz o projecto do Plano Intercalar que alguns dos investimentos de interesse turístico se realizarão conforme as possibilidades financeiras a determinar nos programas anuais de financiamento do Plano.
De sublinhar a imprecisão desta parte do projecto, cuja definição concreta ficará para os planos anuais de investimento.

1) Infra-estruturas urbanísticas

14. Toma-se como assente a prioridade estabelecida em favor do Algarve e da Madeira. Note-se que podiam ter sido mais convincentes as razões apresentadas para tal prioridade, dada a preferência nítida dos turistas pela região de Lisboa e arredores, e as possibilidades de aumento de turismo nos meses que não são de «ponta» noutras zonas do País, que nem sequer são mencionadas no projecto.
Parece-nos perfeitamente aceitável e essencial que se trate do fornecimento de água e da construção de esgotos em Meia Praia, Alvor, Tavira, Quarteira, Faro e Portimão, e da valorização turística de Câmara de Lobos.
Parecia-nos, no entanto, mais vantajoso, não se mencionar qualquer destes pontos, para não dar a ideia de que se trata de uma enumeração limitativa que tornaria, com certeza, o Plano mal recebido pelo País.

15. O mesmo se pode dizer acerca da referência feita às obras a realizar na Cova da Iria - Fátima.
Não se trata de uma região de turismo, posto que possa ajudar o turismo, pois quem vem a Fátima não o faz à procura de facilidades e amenidades turísticas. Para manter um .ambiente propício às grandes manifestações de fé convém afastar «os vendilhões do templo».

16. Voltando às generalidades do problema, refere-se o projecto do Plano Intercalar à necessidade de certas obras de correcção torrencial dos curso de água em zonas abrangidas pelos planos de urbanização. Cremos que assim deve ser.

2) Obras de conservação e utilização de arribas e praias

17. Nada temos a observar.

3) Monumentos nacionais

18. Sem dúvida que o restauro de alguns monumentos nacionais, feito com cuidado e bom gosto, muito os valorizará. Note-se que o turista não gosta de encontrar monumentos de muitas centenas de anos com o aspecto de terem sido construídos há poucas décadas, ou até há poucos meses.
A manutenção de certa patina do tempo e até o aspecto de ruína, às vezes mais belo do que o do monumento quando estava completo, é essencial para que o turista sinta que Viu qualquer coisa sobre a qual passou a corrente avassaladora dos anos.
Nada temos a opor a que se restaurem os monumentos citados no projecto do Plano Intercalar e julgamos que a enumeração deles é meramente exemplificativa.

4) Infra-estruturas de interesse económico geral

19. Aplaudimos sem reserva tudo o que a este respeito se diz no projecto.
Sem bons portos, estradas e caminhos de ferro não será viável trazermos turistas ao nosso país. É necessário providenciar para que não sejam só as estradas internacionais e nacionais as beneficiadas. Ao fazerem turismo terão os interessados de se embrenhar pelas estradas municipais e até por alguns caminhos vicinais que convém estejam em estado de neles se poder circular sem grande prejuízo para os veículos utilizados.
É inegável que têm melhorado muito os portos e estradas; infelizmente, o mesmo não pode dizer-se dos caminhos de ferro e das estações. Basta verificar o estado em que se encontram certas estações localizadas em pontos predominantes para o turismo e a deficiente conservação do material circulante, comparando esta situação com a de há alguns anos - não nos referimos à linha do Norte -, para se concluir que neste ponto temos andado para trás e se torna essencial arrepiar caminho.

A caça e pesca igualmente têm de ser cuidadas e fomentadas. Portugal possui condições cinegéticas excelentes, que bem aproveitadas nos poderão trazer grande afluxo de turistas com dinheiro para gastar. O que se tem passado nos últimos anos - é ilógico, dada a destruição de espécies que acarreta. O mesmo se pode dizer quanto à pesca desportiva, que convém regulamentar e fomentar, cuidando em não poluir as águas nem permitir a instalação de certas indústrias em locais em que vão destruir esta grande riqueza potencial que é a pesca desportiva.
Vem aqui a propósito referir que nos parece não dever ser autorizada a exportação indiscriminada de certos mariscos, peixes e espécies de caça, a fim de evitar uma enorme subida do seu preço, quando se poderão obter muito mais divisas servindo nos nossos restaurantes as lagostas, lagostins, camarões, perdizes, etc., actualmente exportados.
O turismo gastronómico é um facto e todos os países o tem explorado. Nós temo-lo destruído, sacrificando-o em holocausto a uma exportação que no fundo representa um sacrifício de divisas para o País, embora represente um enorme lucro para aqueles que a fazem.

c) Reforço do Fundo de Turismo

20. Prevê-se um reforço do Fundo de Turismo para 600 000 contos durante os três anos de 1965-1967.

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Achamos muito bem que se aumentem substancialmente as receitas do Fundo, pelo que nos parece bastante exíguo o reforço proposto.
Prevendo-se um investimento total da ordem de 1 504 000 contos, apenas se eleva o Fundo de Turismo para 600 000 contos. Ora este Fundo é, sem dúvida, o meio ao dispor do Estado que mais facilmente e da maneira mais económica pode impulsionar o grande esforço de fomento do turismo, que já neste momento é a maior fonte de divisas de que o País dispõe.
O dinheiro investido em turismo, sabido que á maior parte do apetrechamento é obtido em Portugal, é quase todo em escudos. As receitas de turismo são, deduzidas as derivadas dos gastos de portugueses, constituídas em moeda estrangeira, de que tanto necessitamos pare, as importações do equipamento essencial a outras indústrias que nos propomos criar.
Bem sabemos que a conjuntura é difícil e que necessitamos de muito dinheiro para outros fins. Mas devemos lembrar-nos de que as importâncias investidas em turismo - é claro que em empreendimentos rentáveis- nos trarão muito mais do que as quantias para esse fim despendidas.
De aprovar o princípio de ter em consideração, ao conceder o crédito hoteleiro, as percentagens de produção nacional que os empresários se propõem utilizar.
Resumo dos investimentos prioritários programados no turismo para o período de 1965-1967

21. Concordamos com a distribuição dos investimentos prioritários.

§ 4.º Medidas de política turística

22. Crédito turístico. - Acerca das providências que paralelamente com o esforço das dotações do Fundo de Turismo se pensa adoptar, oferece-se dizermos o seguinte:

a) Parece-nos muito bem a uniformização da taxa de juro dos empréstimos hoteleiros. Já o alinhamento pelas taxas normais da Caixa Nacional de Crédito se nos afigura mais discutível. Certas pequenas empresas terão grande dificuldade em suportar, pelo menos nos primeiros anos, taxas de juro altas.
Bem sabemos que a taxa de juro em Portugal ainda, é das mais pequenas do Mundo, mas parece-nos ,que o completo alinhamento poderá contrariar, em certos casos, o desenvolvimento da indústria hoteleira.
E óbvio que se torna indispensável o aumento das disponibilidades financeiras do Fundo de Turismo e que é de má política económica conceder empréstimos sem juro ou apenas com juros estatísticos.
Uma avisada selecção de créditos que tenha em conta a idoneidade técnica dos empresários e a rentabilidade dos projectos a financiar parece essencial e nem se concebe que não tenha sido sempre essa a política seguida;

b) Tudo o que se diz no projecto do Plano Intercalar acerca da possibilidade de transformação. dos actuais empréstimos concedidos a empreendimentos hoteleiros, sem a garantia do Fundo de Turismo, em empréstimos a médio e longo prazo, e bem assim todas as medidas tendentes a permitir uma mais rápida rotação dos fundos afectados ao crédito hoteleiro, são de aplaudir. Claro que todas estas medidas devem ser tomadas sem prejuízo do fomento hoteleiro que se deseja fazer;

c) Limitar os empréstimos a um montante certo por quarto ou cama, em vez de o ser por uma percentagem do custo real da obra, também se nos afigura de preconizar. Ao fazermos um tão grande esforço financeiro temos .de limitar ao mínimo os gastos dispensáveis;

d) Faz-se aqui uma referência à «utilidade turística», no sentido de dar uma preferência nas condições dos empréstimos feitos a empreendimentos que obtiveram aquela classificação. Parece justo que assim seja. A respeito da «utilidade turística», a secção deseja notar que é seu parecer ser indispensável e urgente definir por forma concreta, em diploma legal adequado, quais as condições a que os estabelecimentos turísticos devem obedecer para terem direito àquela classificação, e que, uma vez fixadas as respectivas características, não devia. ser possível haver qualquer excepção às regras adoptadas;

e) O Fundo de Turismo existe para fomentar a vinda de turistas. Sendo assim, sabido que não é só fazendo hotéis e pensões que essa vinda de turistas se fomenta, é absolutamente, essencial o alargamento do crédito a empreendimentos fora desse sector.
A construção de piscinas, campos de golf e de ténis, barcos de passeio e de pesca desportiva, etc., é da maior utilidade e nela se deve investir
o que estiver dentro das disponibilidades do Fundo de Turismo:

f) A definição de critérios genéricos, simples, justos e claros, fáceis de compreender pela iniciativa privada, para a concessão de crédito turístico, é uma medida que não oferece discussão.
A instituição de um processo expedito para apreciação dos pedidos de empréstimo, livre do arbítrio, prepotência ou estreiteza de vistas de quem tiver de o conceder, merece o mais completo e entusiástico acordo.
Estabelecer prazos dentro dos quais a resposta aos requerimentos feitos terá de ser dada, bem como a possibilidade de recurso fácil e barato contra as decisões que pareçam injustas, será uma medida do maior alcance para o fomento turístico. A secção regozija-se por ver o Governo propor estas medidas;

g) Sem dúvida que os projectos que acompanhem os pedidos de financiamento para fins de turismo devem ser examinados e estudados pelos serviços oficiais de turismo.
Estes serviços terão de proceder com rapidez e seguindo critérios objectivos, independente dos caprichos ou gostos de qualquer funcionário.
O empresário tem o direito de ser ouvido em defesa do que propôs e convém não esquecer que, mesmo que lhe seja concedido um empréstimo, é ele finalmente quem corre o risco do empreendimento.

23. Regulamentação e incentivos no sector da hotelaria:

a) Concordamos absolutamente em que a declaração de «utilidade turística» deva continuar a ser um instrumento essencial do fomento turístico e que se deve estender as vantagens que essa concessão

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traz a outros empreendimentos turísticos, além dos estabelecimentos hoteleiros e similares.
Como já dissemos anteriormente, convém que a concessão de «utilidade turística», que poderá constituir, se for mal concedida, um verdadeiro alvará de enriquecimento seja cercada de uma série de condições e garantias legais e regulamentares que a torne completamente independente do possível arbítrio da administração pública.
É necessário que esteja bem estabelecido em diplomas legislativos quem e em que condições pode requerer a declaração de «utilidade turística». É também essencial que o processo de concessão seja simples, eficiente, com prazos e custos bem definidos na lei. Como o projecto do Plano Intercalar se pronuncia nesse sentido, tem jus à nossa plena aprovação.
O alvará de concessão deverá conter todas as vantagens e facilidades que a declaração de «utilidade turística» comporta, entre elas a declaração dos vários prazos no que respeita a isenções fiscais;
b) Também nos parece conveniente que seja revisto o esquema da Lei n.º 2073, que teve a sua utilidade, mas precisa agora de se adaptar às novas realidades; sem dúvida que nessa revisão devem ficar assentes os requisitos essenciais para a classificação dos estabelecimentos hoteleiros;
c) Ã regulamentação de preços é um dos assuntos mais delicados de que o Estado se pode ocupar. Arrisca-se a tornar impossível a vida económica e o nível a que convém manterem-se os estabelecimentos hoteleiros e similares.
Por outro lado, pode levar certas entidades a praticarem preços muito mais altos do que necessitariam para realizar um lucro suficiente para manter determinada classificação.
Parece-nos que não deve haver limite de preços nos hotéis e restaurantes de luxo, posto que os preços fixados devam ser visados pela autoridade competente, a fim de evitar possam praticar-se preços diferentes para a mesma clientela, o que muito pode prejudicar o turismo.
Nos hotéis de 1.ª e restaurantes parece-nos bem estabelecer preços «tudo incluído» e fixar limites máximos e mínimos dentro dos quais, sempre com o «visto» oficial, os empresários fixem os preços que lhes parecem justos e razoáveis ;
d) Tudo o que se referir a limitações do direito de propriedade tem de ser cuidadosamente estudado. A arma perigosíssima da expropriação precisa de ser pormenorizadamente regulamentada, cercando de garantias o proprietário cujos bens são forçadamente comprados. É que se assim se não fizer poderemos ir facilitar o cometimento de inúmeros abusos a secção não fica desde já vinculada ao que vier a ser legislado neste particular e espera que a Câmara seja ouvida oportunamente sobre a legislação a publicar.
É sabida a especulação de preços, que se tem às vezes feito com terrenos que foram expropriados, justamente com o fim de impedir especulações. Isto não significa que se não tomem severas medidas legislativas, a aplicar com todas
as garantias jurídicas, contra aqueles que se sirvam do afluxo turístico para enriquecer com facilidade pela especulação com os terrenos valorizados pelo esforço turístico de outrem.

24. Incentivos à instalação de formas complementares de alojamento. - Parece uma referência um pouco sibilina aos parques de campismo, às caravanas e ao aluguel de quartos em casas particulares. Está muito bem que se fomentem, com as devidas cautelas, estas formas complementares de alojamento.

25. Política de transportes aéreos. - Sobre esta matéria nada se nos oferece dizer.

26. Publicidade. - A publicidade é essencial no mundo moderno e tem de fazer-se mesmo quando a procura excede os meios de que se dispõe para lhe fazer face.
Está publicidade tem de ser cuidadosamente estudada e a iniciativa privada tem de lhe trazer uma grande achega. A multiplicação de organismos oficiais de propaganda, com o seu funcionalismo sempre em aumento, nem sempre traz ao esforço publicitário o equivalente ao dinheiro nele despendido.
Separando cuidadosamente a publicidade comercial da publicidade turística, excepto quando as duas se conjugam, como em alguns casos sucede, a secção entende ser possível especializar serviços e torná-los mais eficientes.

27. Formação profissional. - Este um dos pontos mais delicados, mas também de maior utilidade, focados no projecto de Plano Intercalar.
O aumento enorme da capacidade hoteleira e das infra-estruturas essenciais ao turismo tem ocasionado um grande aumento no número das pessoas que servem os turistas.
Torna-se necessário que possuam uma boa formação profissional, conheçam regularmente algumas línguas estrangeiras, tenham boa apresentação, sejam bem educadas e com vontade de trabalhar. Sabida a falta de pessoas nestas condições em todo o Mundo, sabido que os nossos salários são inferiores aos de muitos países estrangeiros, sabido também que o pessoal vai lidar com gentes vindas de países onde há falta de mão-de-obra especializada nas tarefas do turismo, é inegável que sobre ele se desenvolverá uma enorme força de atracção no sentido de o levar a emigrar. E pois essencial a formação de pessoal para o turismo, mas essencial é também dar a este pessoal salários e condições de vida - o que por intermédio da organização corporativa, tão pouco falada neste projecto de Plano Intercalar, será possível alcançar - que o levem a não se deixar atrair pelas remunerações que no estrangeiro poderá obter.

28. Política de núcleos turísticos. - São muito judiciosas as considerações que a este respeito são feitas no projecto de Plano Intercalar. A definição de zonas geográficas, nas quais se concentre o turismo mais caro, a conservação e desenvolvimento dos atractivos naturais, paisagísticos, urbanísticos, artísticos, etc., são objectivos que convém atingir, por serem do maior valor para o desenvolvimento racional do turismo no nosso país.

29. Abastecimento de produtos alimentares para turistas. - Além do que já se afirmou acerca da necessidade de conservar no País certos produtos de caça e pesca, que podem ser importante chamariz de turistas estrangeiros, se forem conjugados com a valorização da

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culinária à portuguesa, é indispensável fomentar a produção e garantir o abastecimento de produtos hortícolas, frutas, etc., mais consumidos pelos turistas. Também é necessário fomentar a pecuária nacional no sentido de termos boa carne, que é uma das bases de alimentação. De apoiar e aprovar os objectivos em vista preconizados no projecto de Plano, ou seja:
Encontrar as soluções que evitem ou remedeiem as dificuldades; valorizar ao máximo as economias das zonas turísticas, pela oferta dos produtos que estas vierem a consumir.

30. Regulamentação da actividade doa guias e intérpretes e das agências de viagem. - Há muito que se preconiza a revisão do Decreto n.º 10 292 no sentido de garantir os direitos, a formação profissional e a disciplina dos guias e intérpretes. Também é essencial regulamentar as agências de viagem, tendo em atenção as características actuais do desenvolvimento turístico, de modo a evitar excessiva proliferação de agências, que, se não forem bem conduzidas, se podem transformar em organizações de angariação de emigrantes clandestinos e de outras actividades condenadas pela lei e pela moral.
Sabemos que há muito a Corporação dos Transportes e Turismo apresentou a quem de direito uma exposição acerca deste assunto.

31. Reorganização dos serviços responsáveis pela concepção e execução da política de turismo. - Prestando a nossa homenagem aos serviços que tão bem têm dirigido as actividades turísticas no País, somos de opinião que é de facto chegada a hora de proceder à sua remodelação no sentido de os especializar mais, e de aumentar a sua colaboração com a organização corporativa e com as empresas que se dedicam ao turismo. É necessário dotar os serviços com fundos e com pessoal especializado, atento às realidades e à evolução do turismo nacional e estrangeiro. Convirá também ter em atenção o desenvolvimento do turismo interno, praticado por portugueses, e para esse fim dotar os serviços através do País com meios que possam atingir este desiderato.
Toda a coordenação de serviços preconizada no projecto de Plano merece a nossa absoluta concordância.

§ 5.º Conclusões

32. Parece, pois, à secção de Transportes e turismo da Câmara Corporativa que é de aprovar este capítulo do Plano Intercalar de Fomento, consideradas que sejam as sugestões contidas neste parecer e que em resumo são as seguintes:
a) Necessidade de novo cálculo dos números referentes ao afluxo turístico;
b) Aumento das verbas a conceder para fomento hoteleiro e infra-estruturas;
c) Regulamentação, por lei ou acordos bilaterais, do regime a que convém fiquem sujeitos os capitais estrangeiros;
d) Fixação dos termos em que deverá ser concedida a «utilidade turística;
e) Aplicação, sem mais formalidades, das vantagens inerentes à «utilidade turística» às empresas a quem for reconhecida aquela qualidade ou classificação;
f) Maior preocupação com o «turismo das massas», o qual deve ser considerado de relevante utilidade;
g) Intensificação da publicidade de propaganda das
regiões turísticas portuguesas;
h) Reorganização dos serviços de turismo no sentido
de uma marcada especialização.

A secção presta justa homenagem ao Governo e aos serviços pela forma como prepararam, no meio de dificuldades de toda a ordem, o Plano Intercalar na parte a que se refere o presente parecer.

Palácio de S. Bento, 30 de Outubro de 1964.

Armando Artur Sampaio.
Mário Malheiro Reymão Nogueira.
Armando Jorge Coutinho.
José Manuel da Silva José de Melo.
Luís de Sousa e Silva.
António Abrantes Jorge.
Fernando Augusto Serra Campos Ferreira.
Manuel Mendes Leite Júnior.
Fernando João Andresen Guimarães.
José Augusto Correia de Barros, relator.

ANEXO IV

Parecer subsidiário da secção
de Interesses de ordem cultural
(subsecção de Ensino)

Ensino e investigação

A secção de Interesses de ordem cultural (subsecção de Ensino), à qual foram agregados os Dignos Procuradores António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho, Eugénio Queiroz de Castro Caldas, Francisco de Paula Leite Pinto, Herculano Amorim Ferreira, José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich, José Mercier Marques e Paulo Arsénio Viríssimo Cunha, consultada sobre o capítulo VII (Ensino e investigação) da parte referente ao continente é ilhas, do projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967, emite, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer subsidiário:

I

Preâmbulo

A subsecção de Ensino da secção de Interesses de ordem cultural da Câmara Corporativa, sentindo o alcance do que ficou expresso no Plano quanto à «evolução recente, situação actual e perspectivas» dos sistemas educacionais portugueses, apoia vivamente os propósitos do Governo quanto à renovação dos actuais «planos de estudos, programas e métodos».
Na realidade, encontramo-nos num momento em que não só os sistemas educativos recebem o impacto do desenvolvimento económico, como também o investimento intelectual se apresenta como verdadeiro motor desse desenvolvimento, pelo que se torna urgente adaptar as estruturas educacionais aos objectivos do Plano Intercalar.
Sabe-se que «a aceleração do ritmo do acréscimo do produto nacional, acompanhada de uma repartição mais

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equilibrada dos rendimentos formados» permitirá que a juventude concretize a aspiração de se instruir, ao mesmo tempo que faculta ao Estado os meios indispensáveis para corresponder a tal propósito. For outro lado, .sabe-se também que o desenvolvimento económico se caracteriza por uma reestruturação dos quadros profissionais, dando origem à uma .contínua criação de novas especialidades. Daqui o desencadeamento de uma mobilidade social que implica a mobilidade intelectual, impondo, como consequência, a plasticidade dos sistemas educativos. A aceleração do ritmo da transformação social, determinada pelo abandono de um tipo de sociedade pré-industrial, modifica as relações entre os grupos e subgrupos nascidos da própria organização do trabalho e as relações dos indivíduos perante a estrutura social, entregando às instituições educativas não só a instrução das massas, como também a manutenção do impulso científico e técnico, o recrutamento das profissões e a própria selecção social.
A partir de certa fase do desenvolvimento, as instituições e funções educativas encontram-se compelidas a adoptar novos esquemas, passando o sistema educativo a desempenhar um papel estratégico, como determinante da organização económica e cultural da sociedade.
Assim, na perspectiva de aceleração do progresso técnico e económico, passam a ser enormes as responsabilidades do sistema educativo, que não pode, pelo seu anacronismo, constituir travão ao processo em curso, nem abdicar da sua função básica de promoção e dignificação dos homens. Em face de uma mobilidade social intensificada, a cultura geral toma crescente importância, assumindo a forma de património comum a todas as categorias sócio-profissionais e proporcionando uma capacidade para aprender, muito mais útil do que a simples bagagem de conhecimento especializado imposto ao estudante de um modo prematuro.
Nestas condições, o sistema de educação deve aproveitar as oportunidades oferecidas pelo desenvolvimento económico que permitem um alongamento da escolaridade em todos os estratos da população, de forma a salvaguardar a ética educacional em face das pressões utilitárias do desenvolvimento acelerado, formando as diferentes categorias de especialistas, o mais tarde possível, e sobre uma base de cultura comum, também tão vasta quanto possível, e de acordo com um sistema de ensino aberto à mobilidade intelectual e apoiado num sistema de informação que permita o aproveitamento máximo de todas as vocações.
De acordo com as conclusões de diferentes grupos de trabalho reunidos por iniciativa da O. C. D. E., julga-se que se encontram mais esclarecidas as condições gerais a que deve obedecer um sistema educativo em face das necessidades do desenvolvimento económico e do progresso social:

a) Devem aumentar os efectivos discentes como resposta às maiores necessidades de trabalhadores qualificados e às necessidades da promoção social de novos estratos demográficos;
b) Torna-se essencial desenvolver « cultura geral, assegurando, o mais tarde possível, especializações cada vez mais numerosas;
c) Deve facilitar-se a orientação e a reorientação dos estudantes e dos diplomados através de um sistema escolar eficaz, que permita a permeabilidade nos graus e nos ramos do ensino, e na formação complementar ou de reconversão situada para além do período de escolaridade;
d) Os métodos e os (meios ido ensino devem evitar que o acréscimo do número se faça em detrimento da qualidade;
e) Deve organizar-se e manter-se um sistema permanente die formação e de informação.

II

Âmbito e objectivo da proposta

O Governo propõe-se incluir no Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967, nos programas sectoriais, um capítulo relativo ao ensino e à investigação, o primeiro definido, com grande largueza, como formação e desenvolvimento da personalidade em todos os seus aspectos, e a investigação, também em acepção muito ampla, como conjunto das actividades que contribuam para o progresso da ciência e da técnica, compreendendo a investigação fundamental e a aplicada. Exprime-se também a intenção de continuar a integrar nos futuros planos de fomento as matérias de ensino e investigação em seu conjunto.
Gomo justificação desta orientação, considera-se que os dois objectivos desta rubrica - valorização intrínseca do homem e progresso da ciência- são os fundamentos de uma progressiva técnica e, portanto, de uma boa produção. À matéria deste capítulo é atribuído na proposta um valor tal que se entende que o ensino e a investigação devem ficar entre os assuntos de tratamento prioritário.
Esta subsecção congratula-se com a introdução deste importante capítulo neste e nos futuros planos de fomento. Concorda com os conceitos, princípios e intenções que justificam a sua inclusão, mas tem de averiguar se a execução preconizada para o triénio de 1965-1967 se ajustará à urgência de melhoria das deficientíssima condições actuais do ensino e da investigação entre nós, as quais, realmente, deveriam já ter sido consideradas, com prioridade e maior amplitude, nos dois anteriores planos de fomento. Não tendo isto sido feito, há que recuperar o tempo perdido e, assim, encarar com a maior resolução estes fundamentais problemas, em especial o do alargamento e cuidada preparação do escol, do qual terão de sair os professores, os dirigentes, os cientistas e os técnicos, e o da preparação em melhor nível cultural e profissional dos trabalhadores das diversas categorias e especialidades.
A investigação, em geral muito reduzida e desorganizada, precisa de um vigoroso impulso, porquanto teremos de contar, normalmente, com resultados lentos.
A investigação fundamental, função essencial das Universidades e institutos anexos, corresponde a um elemento basilar do ensino superior, ou seja daquela formação que cria iniciativa nos que a praticam em bom nível e com boa orientação. Por outro lado, são as Faculdades e institutos superiores que, pela sua própria natureza e função, se mantêm permanentemente a par dos limites dos conhecimentos e assim em condições de promover os seus progressos.
Às Universidades deve caber também papel muito importante na investigação aplicada, pois elas serão a fonte onde os laboratórios, públicos e privados, com tarefas de investigação bem concretizadas, .irão buscar os seus investigadores e cientistas, a sua actualização de processos e métodos, as suas aplicações da ciência fundamental e especializada. Ora, para tudo isto torna-se indispensável que as Universidades se encontrem bem integradas naquela ordem de trabalhos.

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Os institutos de investigação a que acima nos referimos, independentes das Universidades, mas a elas profundamente ligados, deverão ser acarinhados e oportunamente desenvolvidos.
Para podermos avaliar a obra que poderá ser executada no triénio do Plano Intercalar, vejamos, sumariamente, o estado do ensino e da investigação na metrópole, para podermos tirar conclusões sobre a presente proposta.

III

Ensino

Consideremos, de uma maneira muito sucinta, o problema educacional português, nas suas diferentes fases.
A educação infantil é muito reduzida (em 1962-1963, 8039 alunos), embora com um bom índice de desenvolvimento, que precisa de ser muito mais forte,- pois este ensino constitui um elemento importante na formação da criança, se considerarmos que a maior parte das famílias não poderão por si dá-lo.
O ensino primário é obrigatório e comporta a totalidade das crianças portuguesas metropolitanas (954 837 em 1962-1963). Até agora este ramo de ensino tem sido constituído por quatro classes, com início nos 7 anos de idade, de maneira que, normalmente, será terminado aos 10 anos. É um período demasiadamente curto, em que as crianças não têm possibilidades de ficar bem habilitadas nos elementos fundamentais: ler, escrever, contar e educar-se. Estas minguadas condições foram recentemente reconhecidas e o ensino primário passará para seis classes.
Dos actuais diplomados com a 4.ª classe, ingressam no ensino secundário (liceal e técnico) cerca dei 1/4, 268 802 em 1962-1963, com 129 439 no ensino liceal, 118 297 no ensino comercial e industrial, elementar e complementar, e 3845 no médio, e, com números também pequenos, no ensino agrícola (5803), enfermagem (2907), parteiras (322), serviço social (129), artístico (1225) e eclesiástico (6835). No ensino superior tivemos, em 1962-1963, um fetal de 26924 alunos, com as seguintes distribuições: Letras 7055; Belas-Artes 1114; Direito 2929; Ciências Sociais 2589; Ciências Exactas e Naturais 5556; Engenharia 2310; Medicina 3377; Agricultura 594; Militar 1048; Náutica 352. No ensino normal dos vários graus há 4885 escolares, com a seguinte distribuição: infantil 238; primário 4209; magistério de anormais 8; secundário 236, e Educação Física 164.
Sem entrar em pormenores, no quadro n.º 1 (anexo) encontram-se indicados os números de alunos, de professores e de estabelecimentos nos diferentes graus de ensino em Portugal, referentes ao ano lectivo de 1-962-1963, e as relações alunos/estabelecimentos=A/E e alunos/professores = A/P; no quadro n.º 2 (anexo) comparam-se estes mesmos números com os de um grupo de nações europeias, indicando-se as percentagens da população total em cada grau de ensino; no quadro n.º 3 (anexo) comparam-se a população em idade escolar e o número de estudantes dos países da O. C. D. E., por grupos de idades; finalmente, os gráficos n.ºs l, 2 e 3 (anexos) referem-se à relação entre densidade populacional e o número de estabelecimentos de ensino, por milhão de habitantes correspondentes a Portugal e ao grupo de países do quadro n.º 2 (anexo).
.Embora sejam conhecidas as enormes dificuldades de comparação dos dados estatísticos internacionais referentes à instrução, podemos afirmar que os números respeitantes ao nosso país não nos colocam em boa posição no conjunto das nações europeias. Com efeito, verifica-se, tanto no quadro n.º 2 (anexo) como no quadro n.º 3 (anexo), que as nossas taxas de escolaridade são. inferiores às escolaridades de quase todos os países considerados.

Ensino primário:

Todas as crianças em idade escolar frequentam a escola em quatro classes e, assim, a média de frequência não se afasta muito das dos outros países.
Porém, se atendermos a que em todos os países da Europa o ensino é obrigatório pelo menos em seis classes, verifica-se que a nossa taxa de escolaridade, no grupo dos 5 aos 14 anos, é excepcionalmente baixa, sendo entre os países da O. C. D. E. apenas superior ao da Turquia. A relação alunos/professor es não se pode considerar muito longe da média, assim como também o número de escolas que servem as quatro classes. As percentagens de aproveitamento escolar em relação às frequências são de cerca de 75 por cento.

Ensino liceal:

A percentagem da nossa população no ensino liceal é muito baixa (concorrem ao exame de admissão cerca de 16 por cento dos que frequentam a 4.ª classe e só 1,45 por cento da população total). A frequência por edifícios escolares é exageradamente elevada, correspondendo a uma forte sobrelotação.

Ensino técnico:

A nossa população escolar no ensino técnico, elementar, complementar e de formação, precisa de aumentar em número e eficiência, principalmente no ensino profissional. A relação alunos/professores não é excessivamente alta. As escolas encontram-se muito sobrelotadas.
O ensino médio (industrial e comercial e agrícola) é limitadíssimo, sendo os seus diplomados em número muito inferior ao dos estudos correspondentes em nível superior. Na metrópole há só dois institutos industriais e dois comerciais (em Lisboa e Porto), instalados em edifícios antigos e impróprios.
A relação entre o número de diplomados pelos institutos industriais e as escolas de engenharia superiores é cerca de */2» quando deveria aproximar-se de */,.

Ensino superior:

A percentagem da nossa população no ensino superior é baixa em número e, especialmente, em aproveitamento. As instalações laboratoriais clamorosamente deficientes do ensino das ciências, e a relação de 27 alunos por professor (e em casos como os da Química, Física, Matemática e certas secções de Letras muito mais elevada), tornam necessária uma cuidadosa consideração deste ensino.
No que respeita a desistências e a taxas de aproveitamento, damos números e critérios apresentados no estudo sobre a «Evolução da estrutura escolar portuguesa (metrópole)- Previsão para 1975», do Centro de Estudos de Estatística Económica.

Desistências. - No ensino liceal, abandono antes da conclusão do 7.º ano:

Anos lectivos: Percentagens

1951-1952 ...................... 60,8
1952-1953 ...................... 67,5
1953-1954 ...................... 51,2
1954-1955 ...................... 62,4
1955-1956 ...................... 43

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1956-1957 ...................... 37,1
1957-1958 ...................... 52,4
1958-1959 ...................... 48,2
1959-1960 ...................... 31,8
1960-1961 ...................... 42

Não há dados estatísticos suficientes para os outros graus de ensino.

Taxas de aproveitamento (em percentagens):

Ensino primário. - Médias dos valores apresentados, dos anos lectivos de 1950-1951 a 1954-1955 e de 1956-1957 a 1960-1961:

Classes: Percentagens

1.ª ...................... 64
2.ª ...................... 76,4
3.ª ...................... 73,7
4.ª ...................... 73,9

Ensino liceal. - Médias dos valores apresentados, referentes aos alunos aprovados em exames, nos anos lectivos mencionados:

Anos de curso: Percentagens

2.º ...................... 71,7
5.º ...................... 50,7
7.º ...................... 56,4

Ensino técnico (ciclo preparatório). - Médias dos valores apresentados, dos anos lectivos de 1950-1951 a 1953-.1.954 e 1960-1961:

Anos de curso: Percentagens

1.º ...................... 76,1
2.º ...................... 65,7

Ensino superior. - Médias dos valores apresentados, dos anos lectivos de 1950-1951 a 1956-1957:

Percentagens

Agronomia ...................... 64,2
Ciências ....................... 38,4
Direito ........................ 45,8
Farmácia ....................... 55,2
Letras ......................... 34,2
Medicina ....................... 47,6
Veterinária .................... 55,8
Economia ....................... 36,5
Engenharia ..................... 57,1

Ensino normal. - Média das taxas de aproveitamento, de 1950-1951 a 1959-1960: 94,7 por cento. Podemos tirar as seguintes conclusões:

1) O ensino infantil é muito reduzido, entregue apenas à iniciativa particular;
2) Praticamente, todas as crianças de Portugal metropolitano frequentam as quatro classes do ensino primário. Esse ensino é, em geral, executado em instalações e com um número de professores que, no conjunto das condições actuais, se podem considerar razoáveis; há necessidade urgentíssima de extensão do ensino até à idade profissional;
3) Apenas pouco mais de um quarto das crianças que terminam o ensino primário prossegue normalmente os estudos nos estabelecimentos
do ensino secundário. Esta posição não é satisfatória, porque temos 700 000 jovens que deveriam prosseguir estudos apropriados, num mínimo de mais duas a quatro classes, seleccionando-se entre eles os mais aptos, os quais deveriam completar os cursos secundários, médios e superiores.

Assim, para atingirmos o nível médio existente de momento na Europa, teríamos de pôr a funcionar imediatamente, pelo menos, a 5.ª e, a seguir, a 6.º classe, com um encargo de cerca de mais 200 000 estudantes nos dois próximos anos. Teríamos de elevar o número de alunos no ensino secundário e técnico de cerca de 200 000 estudantes, distribuídos pelas duas modalidades, segundo as suas tendências e as necessidades da Nação - o que corresponderia nestes graus de ensino à quase duplicação do número de estudantes. Principalmente nas escolas técnicas do 2.º grau - industriais, comerciais e agrícolas - deveriam seleccionar-se os estudantes para os institutos médios e escolas de regentes agrícolas, que deveriam comportar cerca de 60 000 estudantes, se desejarmos ter, entre os técnicos de preparação superior e média, uma relação satisfatória.
No ensino superior deveríamos atingir os 40 000 estudantes, isto é,- um aumento de cerca de 15 000.
Todos estes números correspondem a cifras que teríamos de alcançar para, neste momento, igualarmos as condições médias de ensino na Europa. Para uma previsão e planeação futuras os números seriam mais elevados, pois tudo leva a crer que o desenvolvimento do ensino lá fora será cada vez mais acentuado.
Há grandes deficiências de instalações em todos os graus. Quanto ao ensino superior, principalmente nas disciplinas que exigem instalações laboratoriais, essas deficiências são clamorosas. Os professores, em todos os graus de ensino, são em número muito reduzido e nem sempre bem habilitados para as funções que lhes são atribuídas.
A produtividade do ensino é muito baixa e os alunos, mesmo quando diplomados, atingem, em geral, um nível de formação e desenvolvimento intelectual não satisfatório.
O problema do ensino é muito complexo, com forte interligação nos seus diferentes graus, por tal forma que as melhorias e crises, em qualquer dos sectores, se fazem sentir nos outros, o que conduz a que devam ser tratadas em conjunto. Temos, em consequência, de partir daquilo que temos, verificar as deficiências, mobilizar todas as nossas possibilidades, estabelecer prioridades e executar com decisão.
Dentro deste estado de coisas e para levar o ensino ao nível médio dos países da Europa, para não falar já dos de vanguarda, vejamos quais as necessidades prementes neste capítulo, referentes a instalações, professorado e aproveitamento dos alunos, quais as possibilidades de resolução destes assuntos, dentro do condicionalismo português (existência de projectos, capacidade de construções, possibilidades de formação de professores e condições de selecção e de prosseguimento de estudo dos estudantes) e comparemos o custo daquelas possibilidades de resolução com a verba proposta. Atendendo apenas aos edifícios projectados ou em estudo, e não considerando, portanto, muitas necessidades do ensino superior, resumimos no quadro n.º 4 (anexo) problemas prementes de instalações.
A escassez de estudos dos projectos das obras atrás referidas e as limitadas possibilidades de construção no

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País, é de supor que limitam a execução do plano anterior, durante o triénio, ao seguinte:

Contos
Construção e adaptação de edifícios dó ensino primário ............ 300000
Construção e adaptação de edifícios do ensino liceal .............. 200000
Construção e adaptação de edifícios do ensino técnico ............. 280000
Construção e adaptação de edifícios do ensino superior, com a maior intensificação do estudo de projectos ................. 260000
Residências ....................................................... 30000
Total ..........................1070000

E esta uma verba muito inferior à do quadro n.º 4 (anexo), mas que muito excede a proposta no projecto de Plano Intercalar.

PESSOAL DOCENTE. - Com base nos números anteriormente dados, apresenta-se a seguinte estimativa do número de docentes nos diferentes graus de ensino, em condições especificadas:
Ensino primário, compreendendo as seis classes e o encargo de 30 alunos por professor. São necessários cerca de mais 10 000 professores, para atingir a cifra de 37000. Há possibilidade da formação destes professores num ritmo de cerca de 2000 por ano.
Ensino liceal. - Há actualmente uma relação de 20 estudantes por professor, que parece aceitável. Tem, portanto, de se considerar o acréscimo dos alunos, que calculamos em cerca de 50 000, sendo precisos cerca de 2500 professores, pelo menos, difíceis de obter com boa preparação científica e pedagógica, num tempo limitado.
Ensino técnico. - Quando se atingir o nível indicado (cerca de 250 000 estudantes), e tomando a relação de 18 alunos por professor, serão precisos 13 500 docentes, com um acréscimo de 7700. O ensino médio, quando alcançar a cifra mencionada, precisará de 3300 professores.
Ensino superior. - De uma maneira geral, o pessoal docente precisa de duplicar (2500 docentes). e, nos casos das Faculdades de Ciências, de triplicar (600 docentes), só para o ensino das disciplinas e dos estudantes actuais. Se considerarmos, ainda, o acréscimo para 40 000 estudantes (aumento de 15000 estudantes), seria necessário mais 1500 docentes, num total de 4000.
Mas, ainda que se atenda a que, num futuro próximo, não há, decerto, condições para preparar uma tal massa de pessoal docente, a verdade é que é necessidade premente e inadiável o aumento substancial de pessoal docente universitário.
Além dos encargos provenientes deste grande aumento de pessoal, há necessidade, como no projecto de Plano se admite, de criar incentivos para combater a penúria de quadros e evitar o abaixamento do seu nível. Ora, estes incentivos deverão ser encontrados na melhoria das condições de vida do pessoal docente, que, principalmente nos lugares mais modestos, necessita de uma subida de categoria. São clamorosas as situações dos segundos assistentes, classificados na categoria M, com 3200$ ilíquidos, dos primeiros assistentes, na categoria J, com 4500$, dos professores primários, com início na categoria T (1600$) e subindo custosamente até à categoria P (2400$), dos professores do ensino técnico, a começar na categoria O (2600$), dos professores de Educação Física na categoria N (2900$), dos contramestres, a começar em U (1500$), e dos numerosíssimos professores agregados do liceu, sem vencimentos em férias. O projecto de Plano Intercalar não prevê o necessário aumento dos quadros de pessoal docente, técnico e administrativo, nem, tão-pouco, as melhorias de categoria, certamente por transcenderem o seu âmbito, mas trata-se de verdadeiras necessidades, que precisam de ser urgentemente resolvidas para ser possível um bom recrutamento de pessoal. Este, nas condições actuais - quadros restritos e vencimentos baixos -, prefere melhores situações conferidas por particulares e até por alguns serviços do Estado. Nesta alínea, referente à valorização do pessoal docente, técnico e (administrativo, a realização de cursos de aperfeiçoamento e actualização
- embora de interesse - de maneira alguma resolve o grave problema apresentado. Estudantes. - Considerou-se já a - escolaridade e deram-se alguns números, aproximados, das taxas de aproveitamento. Não há dúvida de que, à medida que o ensino vai assumindo mais alto nível ou maior especialização, o rendimento diminui acentuadamente.
Isto revela vários sintomas (alarmantes - más condições de ministração de ensino, por deficientes instalações, por sobrelotação destas, por elevadas relações de alunos por professor, por má organização de planos de estudo, por imperfeita preparação dos professores-, mas também, e, porventura, essencialmente, pela falta de orientação escolar, que não dirige os estudantes para as modalidades e categorias que lhes seriam próprias, pelas suas qualidades de inteligência e de vocação. Preponderam, como factores de decisão individual, a situação económica das famílias e certas tendências de capilaridade social, muitas vezes mal fundamentadas e contrárias ao interesse, nacional. Em meios fortemente industrializados, por exemplo, as inscrições nas escolas técnicas fazem-se na secção comercial (futuros empregados de escritório), de preferência à industrial, esta última certamente mais ligada às necessidades de especialização do meio, aos interesses da Nação e aos dos próprios alunos.
Neste difícil problema de orientação e selecção dos estudantes, cumpre aos professores dos diversos graus de ensino papel preponderante na formação do aluno e na informação para as possibilidades de sequência de estudos no nível e matérias próprios. Para garantir a possibilidade de sequência de estudos aos alunos mais bem dotados, a Nação - quer dizer, as entidades oficiais e particulares - tem de fornecer os meios para que isso suceda. Verifica-se que no nosso país o montante distribuído em bolsas de estudo tem sido inferior a 0,1 por cento das despesas totais com o ensino (pouco mais de 1000 contos), o que parece irrisório, más também não se vê como o Plano Intercalar poderá contribuir eficazmente para este importante assunto dentro da verba de 100 000 contos destinada às várias rubricas na alínea de fomento extraordinário de actividades pedagógicas, culturais e científicas.
Em países altamente evoluídos, como, por exemplo, a Grã-Bretanha, mais de 90 por cento dos estudantes universitários recebem bolsas de estudo, totais ou parciais. No nosso país é particularmente importante a sequência de estudos daqueles que, na escola primária, se revelassem de maior capacidade, os quais deveriam ser amparados até ao limite daquela capacidade. Isso traria ao ensino médio e superior valores que levariam a termos normais da nossa produtividade escolar.

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mento previsto no projecto de. Plano .Intercalar é, portanto, deficientíssimo. Apetrechamento extraordinário. -Uma .das causas do mau rendimento do nosso ensino está no mau apetrechamento das nossas escolas, em que há grandes deficiências de material didáctico corrente, de equipamento e condições higiénicas de oficinas e laboratórios, da utilização corrente de material de ensino moderno, nomeadamente dos meios audio-visuais. Assim; o investimento previsto de 70 000 contos para apetrechamento extraordinário, que não tem contrapartida num apetrechamento normal, quase inexistente, é necessariamente diminuto, propondo-se que oportunamente se proceda ao seu aumento substancial.

IV

Investigação

Já se deram razões pelas quais se considera a investigação fundamental como função indispensável de uma escola superior - à qual efectivamente compete a formação no mais alto nível dos seus escolares, além de adequada contribuição para o progresso das ciências. A Universidade também não deve afastar-se da investigação aplicada, porque, quando ela é verdadeira investigação, não se afasta em interesse científico da investigação fundamental, sendo mesmo, muitas vezes, um tanto subtil a distinção entre as duas. De qualquer maneira, a Universidade não pode afastar-se dos problemas económicos e sociais e, portanto, da investigação dirigida no sentido da sua solução, visto que para ela tem de formar pessoal e tem de orientar processos e métodos.
A investigação universitária peca por insuficiência de pessoal, de meios, de organização e de coordenação. Os dois primeiros temas foram já anteriormente considerados - falta de pessoal docente e de investigação, e deficiências de instalações e de apetrechamento. A falta de organização e coordenação tem de ser matéria de estudo e de acção. Nas Universidades e institutos anexos, além de uns centros de estudos de carácter provisório e mal dotados, não há instituições de - carácter permanente, com pessoal próprio. Em muitos casos, o apetrechamento está sujeito a eventualidades; não têm qualquer ligação definida com os seus estudantes, por falta de. cursos pós-escolares que sejam garantia de mais altas habilitações daqueles, obtidos na participação activa em trabalhos de investigação. Para o atraso da investigação universitária contribui, também, uma falta de tradição da sua actividade em larga escala, produzindo assim resultados restritos dos mestres mais bem dotados e de marcada vocação.
Muito se tem melhorado e se pode continuar no progresso desta matéria, por forte intercâmbio cultural com os meios científicos de maior nomeada.
O trabalho das Universidades deve ter toda a possível autonomia, que tem sido ao longo dos séculos um factor fundamental na sua capacidade criadora. Contudo, essa autonomia não é incompatível com programações gerais de actividades e mesmo, nos assuntos aplicados, da sua sugestão e coordenação:
Teria, assim, interesse, não só a remodelação no País dos organismos que coordenam, ou devem coordenar, os planos da cultura e da investigação, mas até, porventura, a criação de um conselho coordenador no plano nacional. Em tais organismos teria de estar assegurada a representação efectiva das Universidades e de outras instituições com provas dadas no vasto campo da investigação. Esta coordenação torna-se tanto mais precisa quanto mais concretizados são os estudos em profunda ligação com questões de interesse económico nacional. E assim se chega à investigação, aplicada, que deve ser modelarmente cultivada nas Universidades e seus institutos, e em instituições independentes, oficiais e particulares, com tarefas bem determinadas, os quais, para sua permanente actualização e progresso, deverão manter ligações com os meios universitários. A estes últimos laboratórios e institutos, alguns dos quais em pleno funcionamento e com notáveis serviços prestados à ciência e à tecnologia e à resolução de importantes problemas nacionais, devem ser dadas condições de oportuno desenvolvimento, em instalações, apetrechamento è, particularmente, em pessoal científico e técnico habilitado.
Todos os investimentos na investigação aplicada, para serem seguramente reprodutivos, tem de enquadrar-se num planeamento permanente, dirigido à promoção do desenvolvimento económico do País, ao estudo de projectos de trabalhos de investigação; principalmente no campo aplicado, ao aumento da eficiência dos serviços já existentes- e à continuidade de projectos anteriores, quando devidamente fundamentados. Para isto toma-se necessário um organismo de inquérito, coordenação e informação, com secções especializadas, onde os problemas específicos sejam estudados para serem superiormente apresentados e decididos. A subsecção sugere que se destinem a este trabalho preliminar e fundamental o mínimo de 1500 contos. Aliás,- esta mesma proposta já tinha sido. sugerida pela Câmara e por esta subsecção quando dó II Plano de Fomento (1).
Para continuidade e desenvolvimento dos estudos, bem justificados no relatório preparatório do Plano que foi posto à disposição da secção, aprovam-se os investimentos propostos no projecto de Plano Intercalar, adicionando-se apenas duas verbais, uma de 3000 contos, para estudos científicos do ciclo de combustíveis nucleares, e outra de 1500 contos, para iniciar as actividades de inquérito, coordenação e informação:

Investigação aplicada: Contos

a) Construção civil ................... 18 000
b) Fomento industrial ................. 40 000
c) Fomento mineiro .................... 21 000
d) Fomento agrícola ................... 18 000
e) Publicação de cartas de ordenamento
agrário ............................... 6 000
f) Fomento florestal e piscícola ...... 9 000
g) Fomento. pecuário .................. 7 000
h) Estudo do ciclo de combustíveis
nucleares.............................. 3 000
i) Inquérito, coordenação e informação 1 500

Apresenta-se, no quadro n.º 5 (anexo), o resumo dos investimentos prioritários programados no sector de ensino e investigação para o período de 1965-1967, segundo projecto do Governo e o parecer da subsecção.

V

Conclusões

A subsecção emite as seguintes conclusões sobre o capítulo VII da parte III «Programas sectoriais» do projecto

____________

(1) Parecer n.º 3/VII e parecer subsidiário sobre o capítulo VI - Investigação científica e ensino técnico - (Câmara Corporativa, Pareceres, VII Legislatura, 1958, pp. 505 e 962).

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de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967 (Ensino e investigação):
1) E altamente louvável a iniciativa do Governo de integrar este sector nos planos de desenvolvimento nacional e fazê-lo alinhar entre as matérias merecedoras de tratamento prioritário.
2) Em referência ao Ensino, recomenda-se:

A criação oficial dó ensino infantil;
Tornar imediatamente compulsório o ensino primário até à idade profissional, tendo-se em vista, essencialmente, a educação da; criança, a consolidação dos assuntos fundamentais do ensino e a introdução de elementos básicos, úteis a uma aprendizagem profissional;
Elevar as frequências do ensino. liceal e do ensino técnico, 1.º e 2.º graus, de maneira a atingir-se num. futuro próximo mais cerca de 200 000 estudantes; :
Promover o desenvolvimento do ensino técnico e agrícola médio, com uma frequência que se procuraria, principalmente, entre os bons alunos dos ensinos profissionais;
Promover também, com rigorosa selecção, o melhoramento e o alargamento das frequências do ensino superior, que num futuro próximo deveriam alcançar os 40 000 estudantes;
Adaptar os sistemas educacionais às novas estruturas sócio-profissionais; resultantes do desenvolvimento económico e do progresso social.

Para tornar viáveis as recomendações anteriores de valorização, pelo ensino, da nossa população, torna-se necessário:
O planeamento da acção educativa, a médio e a longo prazo, abrangendo:

a) A intensificação da construção e adaptação de edifícios dos diferentes graus de ensino e seu apetrechamento;
b) Á preparação científica e pedagógica muito intensiva de professores, com reorganização dos cursos de habilitação e realização de cursos dê aperfeiçoamento;
c) A valorização das profissões docentes por alargamento apropriado dos quadros e reclassificação de categorias;
d) Orientação e selecção dos estudantes para cursos próprios e garantias da possibilidade de sequência de estudos por concessão de bolsas em grande escala.

3) Quanto à Investigação, pura e aplicada, julgamos que se deve exercer nas Universidades e institutos superiores, sem prejuízo, no que respeita à investigação aplicada, do seu exercício em laboratórios e institutos oficiais ou privados.
A investigação universitária deve manter a sua autonomia dentro da orientação superior do Ministério da Educação Nacional, mas, no que respeita essencialmente à investigação aplicada, deveria diligenciar-se no sentido da criação de um organismo de inquérito, coordenação - e informação, à escala nacional.
Os investimentos propostos nesta rubrica destinam-se ao incremento da investigação nas Universidades e institutos superiores -com a dupla finalidade de formação de pessoal no mais alto nível e contribuição para o progresso da cultura e das ciências - e à continuidade e desenvolvimento da investigação aplicada em instituições ligadas à economia nacional.
4) Apesar dos condicionalismos de execução das obras e serviços, propostos neste parecer, o total de investimentos em ensino e investigação, sugeridos pela subsecção, excede em 891 600 contos a verba apresentada no projecto do Governo. Contudo, se atendermos a que o investimento total do Plano Intercalar de Fomento é da ordem dos 34,5 milhões de contos e se destinam ao sector do ensino e da investigação 874 000 - cerca de 2,5 por cento -, temos de lamentar que o importantíssimo capítulo da Educação - sector basilar da economia nacional, metropolitana e ultramarina - não tenha sido tratado com muito mais largueza. Ò aumento proposto neste parecer - de. mais 2,5 por cento daquele investimento total - nele se poderia procurar, sem prejuízo sensível para as outras rubricas do plano, cuja execução- é custeada pelo Estado, e com bom auxílio ao problema educacional português.
5) Merece aprovação o capítulo em análise, com as ampliações. indicadas e com a recomendação de que a concessão das verbas não se dê com o - cancelamento de verbas correspondentes nos respectivos capítulos do Orçamento Geral do Estado.

Palácio de S. Bento, 6 de Novembro de 1964.

Armando Estado da Veiga.
Américo José Cardoso Fonseca.
Mário dos Santos Guerra.
Hildebrando Pinho de Oliveira..
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
Eugénio Queiroz de Castro Caldas.
Francisco de Paula Leite Pinto.
José Frederico do Casal Ribeiro Ulrích.
José Mercier Marques.
Paulo Arsénio Virissimo Cunha.
António Jorge Andrade de Gouveia, relator.

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ANEXOS

QUADRO N.º 1

1962-1963

[ver tabela na imagem]

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QUADRO N.º 2

[ver tabela na imagem]

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QUADRO N.º 3

[Ver Tabela na Imagem]

QUADRO N.º 4

[Ver Tabela na Imagem]

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QUADRO N.º 5

[ver tabela na imagem]

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970 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 82

GRÁFICOS

Relação entre densidade populacional e escolas primárias/106 habitantes; escolas secundárias/106 habitantes; e escolas técnicas/106 habitantes

N.º 1

[ver gráfico na imagem]

N.º 2

[ver gráfico na imagem]

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N.º 3

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972 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA. N.º 82.

ANEXO V

Parecer subsidiário das secções de Indústria (subsecção de Construção, vidro e cerâmica) e de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Obras públicas e comunicações).

Habitação

As secções de Indústria (subsecção de Construção, vidro e cerâmica) e de Interesses de. ordem administrativa (subsecção de Obras públicas e comunicações), às quais foram agregados os Dignos Procuradores António Jorge Martins da Motta Veiga, António Júlio de Castro Fernandes, António Vitorino França Borges, João de Castro Mendes, José Pires Cardoso, Manuel Duarte Gomes da Silva, Manuel Mendes Tainha, Nuno Maria de Figueiredo Cabral Pinheiro Torres e Serafim de Jesus Silveira Júnior, consultadas sobre o capítulo viu (Habitação) da parte referente ao continente e ilhas do projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967, emitem, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer subsidiário:

§ 1.º Considerações gerais

1. O problema da habitação vem de longa data preocupando o Governo e os meios responsáveis.
Assim, já em 23 de Setembro de 1933, o Decreto-Lei n.º 23 052 autorizava o Governo a promover a construção de casas económicas, em colaboração com as câmaras municipais, corporações administrativas e organismos corporativos - ficando esse diploma (1) a constituir o assento legislativo básico do regime jurídico daquele tipo de habitações, cuja finalidade essencial era a de facilitar o acesso à propriedade do lar e que seriam distribuídas aos interessados em regime de propriedade resolúvel (2).
Em 7 de Maio de 1945, a Lei n.º 2007 previu e regulou um novo tipo de habitações para as classes menos abastadas: as casas de renda económica, que, além de obedecerem a certos requisitos no tocante à sua dimensão, sistemas de distribuição de água e de esgotos, condições de higiene, solidez e duração e entidades construtoras (3), não devem exceder, nas rendas-base mensais, os limites fixados pelo Governo (4).

(1) A que se seguiram outros: Decreto n.º 24468, de 6 de Setembro de 1934; Decreto-Lei n.º 33278, de 24 de Novembro de 1943; Decreto-Lei n.º 36256, de 30 de Abril de 1947; Decreto-Lei n.º 39288, de 21 de Julho de 1963; Decreto-Lei n.º 39978, de 20 de Dezembro de 1954; Decreto-Lei n.º 40246, de 6 de Julho de 1955; Decreto-Lei n.º 40552, de 12 de Março de 1956; Decreto-Lei n.º 41211, de 2 de Agosto de 1957, e Decreto-Lei n.º 42 263, de 14 de Maio de 1959.
(2) Existem algumas excepções: Decretos-Leis n.ºs 36 115, de 25 de Janeiro de 1947, 39 031, de 19 de Dezembro de 1952, 39 288, de 21 de Julho de 1953 (vide artigos 2.º e 3.º), etc.
(3) Que só poderão ser sociedades cooperativas ou anónimas, especialmente constituídas para esse fim, organismos corporativos ou de coordenação económica, instituições de previdência social, empresas concessionárias de serviços públicos, empresas industriais e outras entidades idóneas de direito privado (base i, n.º 1.º, da Lei n.º 2007).
(4) A Lei n.º 2007 fixava, no n.º 6.º da base I, certos limites que, como, de resto, se previa no § único da mesma base, foram depois alterados por despacho do Ministro das Obras Publicas. No atinente às casas de renda económica construídas pelas instituições de previdência, os limites de renda vieram a ser sucessivamente fixados pelo artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 35611, de 25 de Abril de 1946, e pelas base III, IV, V e VI da Lei n.º 2092, de 9 de Abril de 1958.
Em 7 de Abril de 1947, o Decreto-Lei n.º 36 212 (depois continuado pelo Decreto-Lei n.º 41 532, de 18 de Fevereiro de 1958) regulou a construção de casas de renda limitada, mediante a concessão de excepcionais facilidades, em terrenos para o efeito postos em licitação, a preços acessíveis, pelas câmaras municipais ou em lotes particulares, com rendas fixadas previamente e que se fazem constar da respectiva licença de habitação.
E, antes e depois, uma série de diplomas promovia construção de:
Casas desmontáveis (Decreto-Lei n.º 28 912, de 12 Agosto de 1938);
Casas para famílias pobres (Decretos-Leis n.º* 34 4o e 35 106, respectivamente de 6 de Abril e 6 de Novembro de 1945);
Casas para pescadores (Decreto-Leis n.ºs 35 732 e 37 750, de 4 de Julho de 1946 e 4 de Fevereiro de 1950);
Casas para famílias desalojadas na cidade do Porto (Decreto-Lei n.º 40616, de 28 de Maio de 1956).

Entre todos os instrumentos legislativos promulgados em Portugal, tendo em vista a solução do problema que nos ocupa, cumpre destacar a Lei n.º 2092, de 9 de Abril de 1958, que fixou, como objectivo fundamental, às caixas sindicais de previdência e às caixas de reforma ou de previdência (e ainda, dentro de certos limites, às associações de socorros mútuos e às Casas do Povo e suas federações) o cooperarem no fomento de habitação através de:

a) Construção de casas económicas ou de prédios em regime de propriedade horizontal ou de casas de renda económica;
b) Construção ou aquisição de prédios de renda livre;
c) Concessão de empréstimos aos beneficiários para construção, benfeitorias! e obras de conservação das suas próprias habitações;
d) Concessão, às entidades patronais contribuintes, de empréstimos para a construção de habitações destinadas aos> empregados e assalariados ao seu serviço;
e) Concessão, às Casas do Povo e suas federações, de empréstimos para a construção de habitações destinadas, quer aos sócios efectivos e outros beneficiários dos fundos de previdência das Casas do Povo, quer às pessoas que sejam equiparadas aos sócios efectivos, nos termos do § 1.º do artigo 6.º

Muitos outros diplomas podem ainda citar-se, desde o Decreto-Lei n.º 35611, de 25 de Abril de 1946, que igualmente estabelecia e regulava a cooperação das instituições de previdência social na resolução do problema da habitação, até ao Decreto-Lei n.0 42 454, de 18 de Agosto de 1959, que fixou o plano de construção de novas instalações na cidade de Lisboa, e ao Decrato-Lei n.º 43 186, de 23 de Setembro de 1960, que determinou o regime dos empréstimos de capitais das instituições de previdência aos seus beneficiários para aquisição de habitações próprias.

2. Forçoso é, todavia, reconhecer que, a despeito da diversidade e amplitude das medidas adoptadas e dos esforços feitos, o .problema da habitação está longe de se encontrar resolvido e - para repetir, a dezassete anos de distância, palavras do relatório do Decreto-Lei n.º 36212, de 7 de Abril de 1947 - «situa-se ainda entre os graves problemas da actual vida económica do País».

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Nas breves considerações que de seguida se alinham seria estulto pretender analisar exaustivamente a questão ou contribuir com qualquer ideia nova para á resolver. A problemática do alojamento tem sido objecto, lá fora e entre nós, de numerosos estudos e referências, e investigadas sê encontram, quantas vezes com o apoio de realizações audazes, todas as hipóteses de solução concebíveis. De resto, a dispersa legislação que atrás citámos demonstra, pelo seu conteúdo normativo e pelos relatórios que muitas vezes a introduzem, a perfeita
nsciência que o Governo tem da acuidade do problema pelas suas determinantes fundamentais.
Parece-nos, todavia, que haverá vantagem em «fazer o ponto» da situação e definir as linhas gerais da conjuntura do sector, visto que só assim, traçado o enquadramento em que o Plano Intercalar se integra, será possível apreciar do significado prático do programa quê consubstancia e da razoabilidade dos objectivos que se lhe marcam.
Cumprirá desde já consignar aqui uma palavra de louvor ao grupo de trabalho n.º 7 da Comissão Interministerial de Planeamento e Integração. Económica, pelo
consciencioso e desassombrado estudo contido no seu relatório sobre a «Habitação», a que constantemente recorremos neste parecer.

§ 2.º Necessidades actuais de alojamento

3. As necessidades actuais de habitação, definindo o chamado «deficit carencial», compreendem, como é manifesto,- não apenas os fogos necessários para abrigar as famílias sem alojamento ou com alojamento sem ser em prédio, mas ainda os indispensáveis para acolher os agregados:
Que ocupam parte de um fogo;
Que vivem em superlotação crítica;
Que residem em casas sem o mínimo exigível de condições de higiene, salubridade e segurança.
O quadro I, obtido basicamente a partir do mencionado relatório do grupo de trabalho n.º 7, dá-nos uma ideia da situação e de como ela evoluiu entre 1950 e 1960.

QUADRO I

(Em milhares)

[ver quadro na imagem]

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974 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 82

[ver tabela na imagem]

Seria, assim, da ordem dos 500000 fogos o deficit carencial de habitações em 1960.
Como é evidente, o quadro, na crueza dos seus números, não entra em conta com o condicionalismo específico dos diferentes meios a que se refere.
Cumpre .considerar que o problema é muito mais urgente nos bairros urbanos clandestinos ou arruinados do que nó meio rural, onde a própria dispersão e o modo de vida dos habitantes torna menos preocupantes as condições sanitárias e de promiscuidade.
Podem pôr-se reservas às conclusões extraídas do quadro, por não entrar em linha de conta, por um lado, com o volume existente de casas desocupadas (excedendo largamente o índice normal de desocupação) e, por outro lado, com o facto de uma parte substancial dos fogos superlotados ser susceptível de ocupação por famílias menos numerosas, devendo, consequentemente, excluir-se no calculo do deficit.
Os reparos são, em princípio, fundados.
Devemos, todavia e antes de mais, observar que o volume anómalo de desocupação se verifica na província (1), designadamente nos concelhos rurais que progressivamente se despovoam, não podendo, pois, contribuir de modo imediato e sensível para solução do problema habitacional. Trata-se, muito pelo contrário, de riqueza perdida, de investimentos inutilizados por subsequentes migrações internas.
Quanto ao reaproveitamento de fogos superlotados, destinando-os a famílias de menor dimensão, cumpre considerar, por um lado, que a falta de mobilidade dos agregados prejudica em larga medida esse reaproveitamento e que, por outro lado, uma parte apreciável de tais fogos carece de condições mínimas de higiene, salubridade e segurança,- ou reclama, pela sua vetustez, reparações volumosas e urgentes, se não mesmo a sua integral substituição.

O rigor impunha, apesar de tudo, que se reduzisse, em função do reaproveitamento possível, o número representativo das carências resultantes da superlotação. Sucede, porém, que não se dispõe ainda de elementos que permitam estudar e planificar, em termos aceitáveis, e partindo de hipóteses válidas, esse reaproveitamento.
Posto isto, afigura-se-nos aceitável, para traduzir a ordem de grandeza das necessidades de habitação em 1960, o número de. 500 000- fogos resultante do quadro acima elaborado, visto que o eventual exagero da cifra correspondente à superlotação compensaria:

As carências não consideradas resultantes da superlotação em fogos de maior dimensão e famílias mais numerosas (sete ou mais pessoas com três divisões; nove ou mais pessoas com quatro divisões; etc.);
As necessidades suplementares decorrentes de um menos elástico e mais correcto critério de superlotação (uma ou duas pessoas por divisão, por exemplo) ;
As carências, que não se consideraram, resultantes da necessidade de substituir ou reparar grande número de habitações vetustas ou sem os requisitos mínimos de higiene e segurança (1).

4. A cifra de 500 000 fogos, representativa do deficit de habitações em 1960, pode aceitar-se para 1964, embora seja quase certo que a situação se agravou nos quatro anos entretanto decorridos.
Por outro lado, talvez seja conveniente evidenciarmos desde já as seguintes conclusões que se extraem do quadro reproduzido no número anterior:
a) No decénio de 1950-1960 o deficit carencial aumentou de um pouco menos de 40 000 fogos, ou seja de 4000 fogos por ano. Significa isto que a
_____________

(1) Todos os distritos, à excepção de Lisboa, Porto e Setúbal, tom superavit mais ou menos largo de habitações (Nelson Montes o Vaz Finto, Aspectos do Desenvolvimento da Indústria de Construção em Portugal, comunicação ao I Colóquio de Produtividade na Indústria da Construção em Abril de 1964, pp. 56 e 57).

_____________

(1) A este propósito será pertinente observar que, em 1960, dos agregados domésticos portugueses 59 por cento não tinham cozinha nem instalações sanitárias ou só dispunham de cozinha;
22 por cento tinham cozinha e retrete, mas não dispunham de casa de banho; só 19 por cento tinham cozinha, retrete e casa de banho; 72 por cento não dispunham de água canalizada;
62 por cento não tinham esgotos, e 59 por cento careciam de electricidade (I. N. E. - X Recenseamento Geral da População, tomo VI).

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construção no período considerado não chegou sequer a cobrir as necessidades acrescidas durante ele, ou seja o deficit anual de reposição;
b) O problema das construções provisórias (barracas, «ilhas», «bairros da lata», etc.), a que se refere a rubrica «Alojamento sem ser em prédio», agravou-se em todo o País, mas constitui, fundamentalmente, um problema da região de Lisboa (17 400 agregados domésticos) e da de Setúbal (5900 agregados);
c) A massa de agregados plurifamiliares (famílias ocupando parte de um fogo) diminuiu, de modo geral, em toda a província (mesmo no Porto) de 1950 a 1960, mas aumentou extraordinariamente na região de Lisboa. Só na capital o número de famílias vivendo nessas condições elevou-se de 53 para 94 milhares; e nos subúrbios passou de 15,6 para 19,4 milhares. O problema continua a ser, e cada vez mais acentuadamente, um problema urbano, consequência do despovoamento dos campos e do afluxo das populações rurais às cidades, onde o nível de rendas ultrapassa a modéstia dos seus recursos, forçando-as à acumulação e à promiscuidade;
d) Pelo contrário, a superlotação constitui fundamentalmente um problema rural. Dos 340 900 fogos superlotados, só 64000 se localizam nas regiões de Lisboa e Porto, situando-se os restantes 276 900 nos demais distritos do continente e nas ilhas adjacentes.

§ 3.º «Deficit» de reposição

5. O deficit de reposição corresponde ao número de alojamentos indispensável em cada ano para:

Fazer face ao crescimento demográfico;
Dar resposta adequada aos movimentos da população.
(migrações internas de carácter permanente); Substituir os fogos inutilizados por envelhecimento, destruídos por sinistro ou outro facto, demolidos
por qualquer razão, etc.

Trata-se, pois, de necessidades que, a não serem satisfeitas no ano em que se concretizam, vão acrescer às que o deficit carencial traduz, agravando cada vez mais este último.

6. O grupo de trabalho n.º 7, a que mais de uma vez nos referimos, ao tratar no seu relatório do problema que nos ocupa, considerou (embora com as reservas que naturalmente resultam da imprevisibilidade do comportamento dos factores determinantes da evolução das necessidades em causa):

a) Que no decénio de 1961 a 1970 será, no mínimo,, de 13 300 (!) o acréscimo anual de famílias na metrópole, reclamando a construção .de 13 300 novos fogos;
b) Que o fenómeno migratório, pelas anomalias a que dá lugar (desagregação das famílias rurais em unidades de menor dimensão, duplicando o número de fogos necessários; manutenção de habitação no lugar de origem, com a mesma consequência, etc.), implicará um aumento anual efectivo das necessidades de alojamento da ordem dos 2800 fogos (1);
c) Que a depreciação, por envelhecimento, do património habitacional exige a construção de 17 900 fogos por ano (admitindo, para um volume de. 2 201 000 habitações em 1960, uma vida média de 123 anos por fogo) (1);
d) Que, assim, o deficit anual de reposição seria de 34 000 fogos, correspondendo a:

Fogos

Crescimento demográfico ..... 13 300
Migrações internas .......... 2 800
Amortização de habitações ... 17 900

c) Que este volume de reposição permitirá, porém. satisfazer já em parte o deficit carencial, na medida em que, por um lado, incida sobre casas superlotadas, acima incluídas como parcela daquele deficit, e em que, por outro lado, a cifra de amortizações se reduza por desnecessidade de substituir casas envelhecidas em zonas despovoadas (1).

7. Sendo pouco relevante a parcela da prevista reposição, que, em última análise, cobrirá deficit carencial e atenta a invencível falibilidade de todas as estimativas nesta matéria, parece-nos que poderá tomar-se, para o período que o Plano Intercalar abrange - 1965 a 1967 - a referida cifra anual de 34 000 fogos.

§ 4.º Volume e características da construção nos últimos dez anos

8. Definidas as necessidades de alojamento tal como
se dimensionavam em 1950 (um deficit carencial de 460 000 fogos), vejamos como se procurou fazer face ao problema e o modo como nele intervieram os sectores
interessados (público, sémipúblico e privado).

9. De há muito que em todo o Mundo se concluiu não poder entregar-se ao livre jogo da iniciativa particular a solução do problema habitacional.
Em primeiro lugar, o volume do investimento indispensável e a urgência com que as necessidades se impõem tornam insuficiente a contribuição do sector privado, processando-se na base dos puros estímulos de mercado.
Em segundo lugar, o espírito de lucro que inevitavelmente comanda o investimento do referido sector não se concilia, em regra, com os objectivos de ordem social que a solução do problema do alojamento, ao nível nacional, implica e pressupõe.
Observando o que passa na Europa, verifiquemos (quadro li) que se distribui do seguinte modo, entre os sectores públicos e particulares, o financiamento da construção de casas.

____________

Função, por um lado, do crescimento fisiológico mínimo e máximo previsto para o decénio (10,6 por cento e 18,7 por cento, respectivamente); por outro, do volume da emigração para fora do continente (considerou-se cerca de metade do aumento demográfico), e, por último, da composição média da família portuguesa (3,8 pessoas por família) - Relatório cit.

_____________

1) Relatório cit.

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976 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 82

QUADRO II

Em percentagem do valor total das construções

[Ver Quadro na Imagem]

Fonte: «Bulletin Annuel de Statistiques du logement et de la construction pour l'Europe» - NU, Genève, 1963 (Relatório do grupo de trabalho n.º 7, já citado).
É especialmente notável o esforço da Irlanda (cujo sector público financia integralmente 33,6 por cento das edificações e comparticipa nos restantes 66,4 por cento), da França (com 34,3 por cento a cargo exclusivo do sector público, que ainda comparticipa em mais 55,8 por cento), da Inglaterra (43,7 por cento financiado pelo sector público), da Suécia (31,1 por cento), da Espanha (cujo sector público constrói 24,3 por cento das habitações e comparticipa ainda nos outros 75,7 por cento), etc.

10. E Portugal?
Pelo quadro II verifica-se que os organismos públicos financiaram, no período em causa, apenas 6,7 por cento do volume das contruções, devendo-se os restantes 93,3 por cento, inteira e exclusivamente, ao sector privado.
Uma análise rigorosa do investimento habitacional no período de 1953 a 1962 conduz, todavia, aos seguintes resultados, mais precisos (quadro III):

QUADRO III

[Ver Quadro na Imagem]

Fonte: Instituto Nacional de Estatística. - Estatística Industrial, 1953-1962.

Apura-se, pois, que o contributo do sector público para a solução do problema habitacional se limitou a 5 por cento do número total de fogos construídos, cabendo ao sector privado o encargo e o mérito de haver promovido a edificação de 95 por cento.
E note-se que, se as percentagens se deslocassem do número de fogos para o volume do investimento, mais reduzido ficaria ainda o papel do sector público, atenta, a circunstância de os fogos a cuja construção este procede serem, em regra, de custo médio muito inferior ao dos edificados por, iniciativa particular.

11. Mas o quadro do número antecedente, se nos demonstra situar-se Portugal, em tudo quanto respeita

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ao financiamento público do alojamento, na cauda de todos os países da Europa (mesmo depois da Grécia, que tem, nos últimos anos, envidado um esforço sério para resolver o seu gravíssimo problema habitacional), permite-nos também chegar a outras conclusões preciosas.
Assim, e antes de mais, verifica-se que o volume global de construções, se localizou, durante o decénio de 1953-1962, francamente abaixo do deficit de reposição (cujo valor médio, nesse período, devia ser de aproximadamente, 27 000 habitações por ano): Daí o agravamento da ordem dos 40 000 fogos que, de 1950 para 1960, se operou, como atrás averiguámos, no deficit carencial.
Em segundo lugar, apercebemo-nos do reduzidíssimo papel que as cooperativas desempenham no sector da construção. De 1953 a 1962 não se processa nenhuma evolução: no início (1953), no meio (1958) e no fim (1962) do período, o número de fogos por elas edificados anualmente (respectivamente, 277, 265 e 257) mantém-se sensìvelmente o mesmo, representando pouco mais de 1 por cento do volume global das habitações construídas. Carecendo de um regime jurídico que lhe facilite a consecussão dos seus objectivos sociais, não existindo uma fiscalização eficiente nos actos de gestão, e faltando-lhe um apoio financeiro adequado e decidido, não parece haver até agora vingado entre nós o movimento cooperativo, de que tanto haverá a esperar e que tão activamente intervém, como acima vimos, na solução do problema habitacional da Alemanha (26,1 por cento dos fogos), da Áustria (27,3 por cento), da Dinamarca (27,5 por cento), da Finlândia (45,2 por cento), da Holanda (26,2 por cento), da Noruega (27,3 por cento), da Suécia (29,5 por cento) e da própria Suíça (12,6 por cento).
A terceira observação a fazer-se - e esta, de longe mais importante - é a de que 91,3 por cento dos fogos construídos na metrópole no decénio de 1953-1962 o foram à margem de toda e qualquer orientação social, agindo o sector particular movido pelos estímulos usuais do mercado: o lucro e a especulação.
Pode, assim, afirmar-se a priori que a esmagadora maioria, a quase totalidade dos investimentos feitos na construção urbana no período em causa, não se orientou seguramente pelo critério da maior rentabilidade social, já que, visando acima de tudo obter a mais alta remuneração para os capitais, tenderia forçosamente a aplicar-se em imóveis de luxo e de renda elevada, inacessíveis à grande massa da população.
Significa isto que, havendo estado até agora pràticamente a cargo do sector particular o problema português do alojamento, nada se fez de significativo para canalizar os respectivos investimentos imobiliários no sentido que as necessidades sociais do País gritantemente impunham, exceptuados alguns casos esporádicos, nomeadamente as vantagens legalmente concedidas para a construção de casas de renda limitada e a atitude salutar da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, que, na distribuição dos seus financiamentos à construção, se orienta, desde há anos, pelo critério predominante da concessão de crédito apenas para o caso de rendas acessíveis ou habitações dos próprios mutuários.
E aí estão, como corolário inevitável, todas as características e anomalias da nossa conjuntura habitacional, algumas das quais nos parece útil pôr aqui em evidência.

12. O quadro IV indica-nos qual foi, em percentagem do produto nacional bruto e em percentagem da formação bruta interna de capital fixo, a formação bruta de capital fixo na habitação durante o ano de 1960.

QUADRO IV

[Ver Quadro na Imagem]

Fonte: Bullelin Annuel de Statistiques du Logement et de la Construction pour l'Europe - NU, Genève, 1963 (in Relatório do Grupo de Trabalho n.º 7).

Verifica-se, pois, que Portugal aplicou, em 1960, na construção urbana, uma percentagem do produto nacional bruto que, se se situa, relativamente a este e ao volume de formação bruta interna de capital fixo, um pouco abaixo da média dos indicados países da Europa, no entanto, de modo algum traduz atitude de abandono ou de menos interesse pelo sector e antes representaria, se bem orientado o investimento, esforço notável e meritório de um país de escassos recursos e carecido de acelerar o seu desenvolvimento económico. Basta comparar com a nossa a posição da Dinamarca, da Irlanda e, designadamente, da Inglaterra para disso nos apercebermos.
E o confronto ainda mais nos favorece se. entendendo a análise ao decénio de 1953 a 1962, verificarmos que Portugal, nesse período, imobilizou em alojamentos 19,2 por cento (e não apenas 16,7 por cento como em 1960) de formação bruta interna de capital fixo (1).
Conclui-se, assim, que o nosso país vem aplicando em alojamentos uma parte substancial do produto nacional bruto, dificilmente se entrevendo a possibilidade de sem prejuízo dos interesses igualmente inadiáveis do desenvolvimento económico nacional, distrair do investimento reprodutivo para o sector de habitação muito maior proporção de capitais. E, em princípio, os efectivamente aplicados deveriam ter sido suficientes, se não para eliminar em prazo curto o deficit carencial que vinha de 1950, pelo menos para cobrir o deficit de reposição e concorrer em larga medida para a gradual solução do primeiro.
Que sucedeu, porém?
Antes de mais, e como atrás vimos, as carências aumentaram de cerca de 40 000 fogos entre 1950 e 1960.
Isto só poderia resultar ou da insuficiência dos recursos aplicados ou do excessivo custo médio dos fogos construídos.

(1) Relatório do Grupo de Trabalho n.º 7.

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Afastada, como foi, a primeira hipótese quanto ao sector privado, tem de concluir-se que o investimento urbano do nosso país, carecido de orientação adequada, gastou num número relativamente pequeno de edificações caras, inacessíveis à grande massa da população, capitais que, melhor aplicados, permitiriam, pela construção, a custa médio baixo, de um número muito superior de fogos de renda ajustada ao nível de vida do povo português, resolver, em prazo mais ou menos curto, o problema nacional do alojamento.

13. De dois modos o facto evidenciado no número anterior se reflecte na conjuntura do sector da habitação.
O primeiro, que já foi posto em relevo, consiste no desajustamento manifesto entre as características do investimento do sector privado e o tipo das necessidades nacionais a satisfazer.
O segundo (que, em última análise, constitui corolário do primeiro), desdobra-se nos seguintes aspectos básicos:
a) Alto índice de desocupação, consequência do excesso da oferta sobre a procura no mercado específico da habitação cara e da insuficiência da oferta no tocante a fogos de renda ajustada à capacidade económica da grande massa na população (1);
b) Acréscimo constante, nas zonas urbanas, do volume de agregados domésticos multifamiliares, única forma que ao cidadão comum se apresenta de suportar o elevadíssimo nível de rendas corrente no mercado. Já vimos atrás que, entre 1950 e 1960, na região de Lisboa, o número de famílias vivendo em parte de um fogo aumentou de 44 700;
c) Aumento constante do volume de famílias que vivem em construções provisórias, por não lhes permitirem os seus modestíssimos recursos fazer face ao encargo das elevadas rendas vigentes no mercado de habitações e não lhes ser possível, ou não desejarem, optar pela solução da co-residência multifamiliar. De 1950 a 1960 o número de agregados com alojamento sem ser em prédio aumentou de 20 500 - dos quais cerca de metade na região de Lisboa;
d) Insolubilidade do problema habitacional, seja qual for o volume dos capitais aplicados, enquanto se mantiverem os critérios (ou a falta de critérios) que até agora tem caracterizado o investimento urbano. Com efeito, o constante aumento do número de habitações caras, fora do alcance económico da grande massa da população, ou não concorre para colmatar o deficit de carência, provocando apenas o empolamento do índice de desocupação, ou determina a constituição de agregados domésticos multifamiliares, social e moralmente mais perigosa que a residência unifamiliar em construção provisória;
e) As tentativas dos construtores para edificarem habitações a níveis fie renda mais compatíveis com os recursos da população levam-nos, em face da cotação proibitiva dos terrenos no seio das grandes cidades, como Lisboa e Porto, a promoverem a construção de grandes aglomerados imobiliários nos mais diversos e desencontrados pontos da área suburbana, exactamente aí onde o solo for mais barato, em regra sem uma planificação adequada de todos os aspectos relevantes do ponto de vista social e urbanístico (equipamentos colectivos, transportes, etc.) e provocando uma distribuição irracional das massas populacionais na zona considerada.

§ 5.º Outros aspectos de conjuntura

14. Nos números seguintes ocupar-nos-emos de alguns outros factores que determinaram de modo decisivo o tonus peculiar da actual conjuntura do sector da construção em Portugal.
Deixaremos para o § 7.º o problema da inexistência e urgente necessidade de definição de uma verdadeira política habitacional no nosso país.

15. No que toca à organização administrativa e técnica, acentua justificadamente o relatório do grupo de trabalho n.º 7:

A multiplicidade de serviços e organismos;
A sobreposição de. competência e duplicação no mesmo campo de actividade;
Graves lacunas e uma generalizada descoordenação a todos os níveis.

Lembra depois que «mais de vinte serviços e organismos diferentes - dos quais pelo menos dez com funções de planeamento e construção de habitações no plano nacional -, dependentes de seis Ministérios, fazem estudos, estabelecem programas, executam empreendimentos e promulgam normas e regulamentos no campo da habitação e do urbanismo, ordinàriamente sem qualquer actividade de coordenação ou sequer de simples informação mútua, por vezes até quando pertencendo a um mesmo Ministério».
E conclui:

Este desperdício de energias e de competências técnicas que daí resulta tem consequências directas e decisivas no agravamento das situações, que se tem verificado nos domínios da habitação e do urbanismo.

16. A nítida persistência entre nós de uma «mentalidade económica pré-industrial» (1) faz com que as poupanças se canalizem sistemàticamente para a aquisição de prédios urbanos, de preferência a outras actividades produtivas dos sectores primário e secundário.
Se tal facto podia, em princípio, concorrer para a solução do problema da habitação, certo é, todavia, que o espírito de lucro que domina esses capitais os conduz, em regra, para aplicações que não correspondem às reais necessidades do País.
Com efeito, o adquirente procura investimentos que, pelo nível das rendas e pela qualidade dos locatários, lhe assegurem um rédito estável.
E o capitalista-construtor, respondendo a essa fortíssima procura, edifica prédios de luxo, de rendas elevadas, inacessíveis à grande massa da população.
Por isso mesmo se acentuou no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 36 121, de 7 de Abril de 1947, que:

... a prosperidade financeira de certos sectores conduz a grandes especulações na transacção de pré-

(1) Este alto índice médio de desocupação resulta também, como atrás acentuámos, do progressivo despovoamento das zonas rurais e do consequente abandono de grande parte dos fogos ali situados.
(1) ADÉRITO SEDAS NUNES, «A perspectiva sócio-cultural do desenvolvimento económico», in Análise Social n.º 3, Julho de 1963, p. 386.

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dios, que têm larga procura para investimentos de capitais, dada a segurança que o negócio envolve, principalmente nos grandes centros, onde se verifica constante afluxo populacional.
Por sua vez, a possibilidade de tais negócios conduz fatalmente ao agravamento progressivo do custo dos materiais e da mão-de-obra, pois a verdade é que, na actual posição do problema, ao construtor pouco importa o custo efectivo da construção, tal é a certeza da possibilidade de venda do prédio com farto lucro, seja por que preço for.
E de tudo resultam, como é natural, dois males de suma gravidade: o aumento constante das rendas, que hoje atingem proporções incomportáveis para o nosso nível geral de vida, e o agravamento do custo das casas das modalidades especiais atrás referidas, casas que, assim, correm o risco de perder as suas características económicas, factor importante do seu interesse social.

Assim se gera a situação anómala, já mais de uma vez posta em relevo, de existir um excedente de habitações para as classes mais elevadas da população e um deficit cada dia agravado de fogos para as classes pobres.
Cumpre, pois, insistimos, que se tomem as providências necessárias para moderar este afluxo de capitais à construção de prédios de luxo, desviando-os, em certa medida (1) e através dos mecanismos adequados, para a edificação de imóveis de renda limitada.

17. O terceiro aspecto a destacar é o da especulação sobre terrenos, que constitui o fenómeno mais chocante nos grandes meios urbanos do País.
À especulação referida constitui, simultaneamente, uma causa e um efeito: efeito do apetite da poupança para o investimento em prédios urbanos, determinando uma forte procura de terrenos para edificações e a qualquer preço, visto tratar-se, em regra, de imóveis de luxo com elevado nível de rendas; causa, porque, aproveitando-se da conjuntura para elevar o preço de venda, os proprietários e negociantes de terrenos criam, com o encarecimento do custo global da construção, a necessidade de encaminhar esta para imóveis de grande porte e refinação de acabamentos, únicos que, pelas rendas que possibilitam, compensarão, em termos satisfatórios, os capitais aplicados.
Deste modo se gerou um mecanismo, manifestamente irreversível, sem intervenção dos Poderes Públicos, que concorre de modo decisivo para orientar o investimento urbano em sentido oposto ao das reais necessidades de alojamento da grande massa da população.
Também aqui, portanto, se impõe que providências legislativas adequadas disciplinem o mercado de terrenos, instituindo uma política do solo que constitui condição sine quo, non de um eficaz ataque do problema habitacional

18.O elevado preço por que se adquirem correntemente os terrenos e o alto nível de rendas tornam econòmicamente viável a compra de edifícios antigos, ainda em bom estado de conservação, para, uma vez demolidos, se utilizar em nova construção o terreno que ocupavam.
Este facto, bem significativo das anomalias da conjuntura no sector da construção, exercendo nova pressão sobre o nível das rendas, desdobra-se ainda em outros efeitos acessórios de não menos importância. Com efeito, a demolição de prédios antigos, de rendas baixas, frequentemente ocupados por famílias pobres, implica o desalojamento destas, forçando-as, pela impossibilidade de suportarem as rendas actualmente em vigor, a procurar soluções inconvenientes do ponto de vista humano, moral e social e contrárias aos verdadeiros interesses do agregado (ocupação de imóveis não destinados a habitação ou de quartos alugados, reunião de várias famílias num só fogo, arrendamento de casas com dimensões insuficientes para as necessidades da família ou carecidas de condições mínimas de higiene e de salubridade, etc.).
Cumpre reconhecer que em grande parte esta situação resulta da falta de uma planificação de conjunto que, quer ao nível nacional, quer ao nível regional, quer ao nível da cidade, equacione e resolva, em termos adequados e em estreita dependência de um planeamento físico global e de um esquema nítido de urbanização, o problema do alojamento.
A inexistência de planos coerentes e o desconhecimento do modo como se processaria a distribuição espacial da população urbana, provocam, com a indecisão em todos os níveis (desde o capitalista-construtor até aos serviços municipais), a tolerância de fenómenos como o que analisámos.
Importa, todavia, pôr-lhes cobro, gizando e pondo em prática critérios que assegurem a racionalidade e justificabilidade económico-social das demolições para reconstrução, evitando-se desperdício de capitais que de outro modo concorreriam positivamente para a solução do problema português do alojamento.

19. Um outro ponto a examinar é o do financiamento da construção.
É ele exercido, no continente e ilhas adjacentes, pelos institutos de crédito do Estado, pelos bancos comerciais e por certos estabelecimentos especiais de crédito.
Sucede, todavia, que não se encontra instituído, de modo sistemático e eficaz, regime que, por um lado, oriente os capitais no sentido do investimento imobiliário de maior produtividade social e que, por outro lado, organize um esquema de apoio financeiro, em condições particularmente favoráveis, a esse tipo de investimento.
O crédito à construção, tal como hoje funciona, mais ou menos alheado da problemática da habitação ao nível regional e nacional, trata cada empreendimento de per si, estimando-o em função da rentabilidade dos capitais investidos, e deste modo constitui factor adicional a impulsionar os industriais e os recursos para aplicações divorciadas do que imporiam os verdadeiros interesses do País.

20. Um outro aspecto que cumpre ter bem presente é o da inexistência de planos de urbanização locais consistentemente estruturados, enquadrando-se num planeamento físico regional e nacional, por sua vez coordenado com uma planificação geral do desenvolvimento económico do País.
Para além do estudo de alguns primeiros planos ao escalão regional, o que temos são isolados e desconexos planos de urbanização locais, frequentemente incompatíveis entre si, arraigando quantas vezes numa motivação irrelevante ou inadmissível e que, ou se alteram a todo o momento ao sabor de circunstâncias anódinas, inutilizando todas as legítimas expectativas que neles se fundavam, ou se impõem com rigidez indefectível, negando-se-lhes aquele mínimo de maleabilidade que todo o plano, pelo simples facto de constituir previsão e se basear em meras hipóteses, deve possuir.
Tudo isto conduz à frequente impropriedade das soluções adoptadas, desde o nível do construtor até ao dos serviços, e provoca o lançamento de esquemas que, não sendo os

(1) Não deve esquecer-se que a construção de prédios para a classe media corresponde também a uma necessidade social.

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mais convenientes do ponto de vista económico e social, exigem, depois de executados e atenta a irreversibilidade dos valores investidos, pesadíssimo sobrecusto de reajustamento (aliás, sempre incompleto e insatisfatório).

21. Um último aspecto a destacar é o da falta de regulamentação adequada da indústria de construção civil.
Em 1956 entendeu o Governo que deveria estruturar em bases sólidas a indústria de empreitadas de obras públicas, a fim de permitir o seu saneamento e progresso, habilitando-a a colaborar na execução do vasto programa de trabalhos que de então para cá vem sendo realizado. Para p efeito se promulgou o Decreto-Lei n.º 40 623, de 30 de Maio do referido ano.
Não carece menos de estrutura e de disciplina o sector da construção civil. De resto, este assunto já mereceu a atenção do Governo, que enviou à Câmara Corporativa o projecto do Decreto-Lei n.º 500, sobre o qual incidiu o parecer n.º 10/VIII (1).
A despeito de estarem em jogo neste sector altíssimos interesses, públicos (entre os quais avulta o da segurança das famílias), o facto de a profissão se encontrar absolutamente aberta para todos faz com que a ela afluam, das mais variadas proveniências, indivíduos sem o mínimo de capacidade financeira e técnica e de idoneidade moral.
Assim surge em todos os cantos das principais cidades do País, designadamente em Lisboa e Porto, um sem-número de empresas fantasmas, meio clandestinas, abusando de um crédito (de fornecedores e bancos) inexplicavelmente concedido, oferecendo preços de execução inferiores aos de custo (a má qualidade da obra e a não liquidação dos seus compromissos as compensa ...), construindo mal, desrespeitando todas as disposições legais e regulamentares aplicáveis e as regras de arte, e tripudiando sobre a responsabilidade nominal dos técnicos de fachada, signatários dos "termos" exigidos pelas câmaras, quando os edifícios fragorosamente aluem.
Os prejuízos que deste estado de coisas advêm, não só para a profissão, mas também para o País, nomeadamente quando o ataque eficaz do problema habitacional pressupõe uma indústria sã, capaz e progressiva, exigem que tão cedo quanto possível ela seja devidamente organizada e regulamentada.

§ 6.º Situação especial da região de Lisboa

22. O problema habitacional apresenta uma acuidade particular na região de Lisboa, por esta constituir o primeiro foco de atracção dos movimentos, migratórios internos.
Com efeito, no triângulo definido pelos distritos de Lisboa, Setúbal e Santarém aglomeram-se 2 221 852 habitantes, ou seja 27 por cento da população da metrópole, e aí se encontra concentrada grande parte da indústria nacional.
O enorme afluxo migratório, o grande volume de famílias á instalar, o custo avultadíssimo dos terrenos para construção, o incomportável nível das rendas dos novos edifícios, a grande proporção de indivíduos sem preparação e qualificação que lhes facultem salários suficientes, tudo são factores a determinar o constante agravamento da situação habitacional.
Assim:
a) Em 1960, na região de Lisboa (compreendendo, além do próprio concelho de. Lisboa, os concelhos de Cascais, Oeiras, Sintra, Loures, Vila Franca de Xira, Almada, Seixal, Barreiro, Montijo e Moita) era da ordem dos 116 000 fogos a carência de habitações, decompondo-se do seguinte modo:

QUADRO V

(Em milhares)

[Ver Quadro na Imagem]

De 1960 a 1964 é natural que o deficit se tenha agravado, admitindo-se que se aproxime dos 120 000 fogos, embora a Câmara Municipal de Lisboa tenha construído neste período cerca de 5000 habitações;
b) Quanto ao deficit de reposição nacional, uma parte importantíssima dele cabe à região de Lisboa.
Com efeito o deficit de reposição nesta região será da ordem dos 10 000 fogos por ano, assim decomposto:

Crescimento demográfico (incluindo migração) ................. 7000
Amortizações imobiliárias .................................... 3000

c) Em nenhum outro ponto do País existe especulação mais desenfreada do que a que se verifica na região de Lisboa, no atinente a terrenos e habitações.
É também aí que mais agudamente se fazem sentir os inconvenientes derivados da falta de estrutura e disciplina da indústria de conscrução civil e que os improvisados construtores, vindos dos mais diversos pontos do território metropolitano, se instalam, para exploração do negócio fácil ...
É ainda a zona suburbana de Lisboa a mais flagrante ilustração dos graves prejuízos de ordem económica e social que advêm para o País e para as populações da inexistência de um planeamento físico regional bem concebido e de adequados planos de urbanização locais

§ 7.º Política habitacional

23. Cada situação conjuntural no sector da construção resulta, além do natural aumento de população (no nosso país houve um acréscimo de 123 000 pessoas em 1962), de factores de ordem geral, directamente ligados à estrutura e evolução da economia nacional e de factores que se localizam no próprio seio da actividade em causa.
Entre os primeiros avultam, para além da "atracção mística" pela cidade de que falava Bento Carqueja (O Povo Português, 1916, p. 334), os seguintes, que, com maior ou menor intensidade, se têm feito sentir em todos os países, embora em épocas diversas:
a) Migrações internas permanentes: traduzem-se fundamentalmente no afluxo às cidades da população rural, em busca de melhores salários e de melhores condições de vida.
No nosso País o fenómeno adquire relevo particular, visto que:

É baixíssima a produtividade da agricultura, explorada por processos tradicionais e com difícil acesso às modernas técnicas agrícolas;

(1) Câmara Corporativa, Pareceres, VIII Legislatura, 1968, p. 133.

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Existe uma grande disparidade entre os salários rurais e os dos sectores secundário e terciário;
Os meios campesinos, um pouco abandonados à sua própria sorte, não têm colhido os benefícios da civilização, carecendo das comodidades, tanto materiais como espirituais e recreativas, que hoje se consideram elementares;
O trabalhador rural não desfruta, do ponto de vista social, da protecção em regra concedida aos trabalhadores dos sectores secundário e terciário;
A actividade agrícola, mercê de conceitos que nada justifica, mas que nem por isso deixam de difundir-se e de motivar o comportamento humano, é tida como menos digna ou menos nobre do que a indústria e os serviços;
Os métodos ancestrais, ainda comummente seguidos na agricultura portuguesa, exigem do trabalhador um esforço físico de que a máquina há muito o libertou na indústria e que, em regra, não existe no sector dos serviços;

b) Concentração das indústrias nos meios urbanos: o incontrolado exercício da iniciativa privada levou as empresas, por razões de vária ordem e mais ou menos compreensíveis (facilidade de transportes, proximidade de mercados, mais fácil recrutamento de pessoal especializado, etc.), a localizarem sistematicamente as suas fábricas junto dos grandes aglomerados urbanos, transformando, assim, estes, por mais um motivo, em pólos de atracção das populações da província;
c) Desenvolvimento económico: o desenvolvimento da economia do País, processando-se designadamente no sector industrial e provocando o inevitável empolamento do sector terciário (1), exerce uma pressão constante sobre o mercado de trabalho, solicitando mão-de-obra que só os campos podem fornecer e determinando, com o aumento dos salários nos dois sectores em evolução, o agravamento da disparidade entre aqueles e os da agricultura.
É, assim, manifesto que o problema da habitação depende estreitamente da política que o Governo adoptar em todas as zonas da actividade económica nacional.

24. A definição de uma política do alojamento pressupõe, assim, para além de um rigoroso inquérito tendente a apurar o volume exacto das necessidades actuais, a sua incidência geográfica e as prioridades a estabelecer, de uma previsão da evolução dessas necessidades, dependente, como é óbvio, das medidas que se adoptarem no tocante ao sector agrícola, à distribuição regional das indústrias e ao conjunto do desenvolvimento económico do País.
Não nos incumbe pronunciar-nos sobre estas questões e, tanto quanto resulta do relatório do Plano Intercalar, parece que nem o Governo se considera ainda habilitado a programar, em termos adequados, uma política da habitação.
O esforço e o investimento que se projectam destinam-se a permitir a satisfação parcial de necessidades evidentes e prioritárias, de modo algum prejudicando, pois, a oportuna definição de uma política que, na posse de todos os dados necessários, venha a encarar o problema habitacional português no seu conjunto.
É esse, de resto, um dos objectivos fundamentais que o Governo expressamente fixa ao Plano em análise nos n.ºs 7 e 8 do capítulo VIII do respectivo relatório.
Registamos, todavia, que desde já se prevê, no âmbito do próprio Plano, o "alargamento da política de valorização do meio rural, através da beneficiação de aldeias nos pontos mais necessitados do País". Não foi; porém, incluída qualquer verba para este fim no Plano Intercalar.
E permitimo-nos acentuar o quão urgente se nos afigura ser a definição criteriosa e exaustiva de uma política da habitação.
A magnitude do problema do alojamento à escala nacional e as implicações que nele têm todos os demais problemas económicos e sociais do País tornam indispensável, por um lado, que o Governo intervenha em todos os níveis, programando, orientando e disciplinando, e que, por outro lado, o sector público e para público chame a si o primeiro papel na execução da política definida, conjugando e articulando os seus esforços e os seus investimentos com os do sector privado.
A falta de uma política da habitação que traçasse o enquadramento, as linhas axiais e o regime da actividade a desenvolver tem certamente concorrido para um descaminho de energias e de vultosos capitais aplicados em realizações urbanas que nem sempre correspondem às verdadeiras necessidades do País.

§ 8.º O Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967

25. É este o primeiro plano de fomento em que se insere o problema da habitação.
E nele se marcam "três objectivos fundamentais", que assim se definem:

1.º Estruturação de uma política habitacional de forma que no início do III Plano de Fomento se disponha de um conjunto de directivas e instrumentos adequados a uma solução mais completa do problema;
2.º Realização de um programa de empreendimentos prioritários de reconhecido interesse social, através de um esquema de investimento assegurado pelas entidades públicas e pelas instituições de previdência social;
3.º Aplicação de um conjunto de medidas tendentes à coordenação da iniciativa privada actuante no sector e à sua melhor orientação para satisfazer as carências habitacionais das classes de mais fracos rendimentos.
Ocupar-nos-emos de cada um destes objectivos em cada um dos parágrafos seguintes:

§ 9.º Estruturação de uma política habitacional

26. Para se habilitar a definir e a dar execução no decurso do III Plano de Fomento a uma política do alojamento à escala nacional, projecta o Governo efectuar até 1967:

O estudo da criação e regulamentação de um órgão destinado a orientar a política de habitação e urbanismo, por forma a poder entrar em funcionamento com o III Plano de Fomento:
A análise dos problemas do sector, visando especialmente a avaliação das necessidades e dos recursos e a definição de objectivos:
A promoção da formação dos técnicos necessários;

(1) É curioso notar que nos Estados Unidos, país de maior desenvolvimento económico no mundo inteiro, o sector terciário ocupava, em 1950, 54 por cento da população activa, contra 34 por cento na França e 33 por cento na Alemanha. Por voltas de 1900 as percentagens eram, respectivamente, de cerca de 34 por cento, 27 por cento e 22 por cento (FOURASTIE, Pourquoi nous travaillons, p. 36).

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A difusão de conhecimentos sobre problemas de habitação e urbanismo;
O apoio técnico, orientação ou coordenação de iniciativas já existentes ou a suscitar.

27. A prudência com que o Governo aborda o problema do alojamento neste aspecto particular, se poderia estranhar-se - dada a vetustez da questão, quase tão aguda há dez anos como hoje -, constitui, todavia, sinal de que pretende chegar a fórmulas operativas, alicerçadas num profundo estudo prévio de todos os aspectos relevantes.
E note-se que o prazo de três anos que o próprio Governo fixa para pôr de pé a estrutura anunciada não é, por um lado, excessivo para o fim em vista, e, se cumprido, permitir-nos-ia arrancar já em 1967 com soluções de fundo perfeitamente integradas na panorâmica do desenvolvimento económico do País.

28. O órgão, cuja criação e regulamentação se prevê, «destinado a orientar a política de habitação e urbanismo», constituirá, se devidamente estruturado, a forma de superar a descoordenação administrativa e técnica a que nos referimos no n.º 15 do presente parecer.
No seu relatório o grupo de trabalho n.º 7 preconizava que, à semelhança do ocorrido em vários outros países, o problema da habitação viesse, num futuro mais ou menos próximo, a ser atribuído a um ministério autónomo.
Que seja essa ou outra qualquer a solução mais adequada, o que importa é que o órgão a constituir superintenda de modo efectivo na concepção e execução de toda a política habitacional.

29. Um outro ponto que nos apraz registar, pela extraordinária importância de que se reveste, é o da «promoção da formação dos técnicos necessários».
Num país em que os quadros técnicos se mostram cada vez mais escassos em face das exigências cada vez maiores do desenvolvimento económico cumpre que o Governo, tomando aguda consciência do problema, o encare frontalmente, gizando em tempo as soluções adequadas.

§ 10.º Programa de investimentos

30. O quadro VI indica os investimentos previstos no Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967:

QUADRO VI (a)

[Ver Quadro na Imagem]

(a) Este quadro não inclui os investimentos correspondentes a realizações já projectadas ou em curso no Talor do 159 750 contos.

Temos, portanto, em três anos, a construção de 18242 fogos, ou, se se quiser (adicionando-lhe os indicados sob a epígrafe «Aquisição»), 19 742 fogos, o que corresponde a uma média anual de 6580 fogos.
O investimento público no triénio seria, ,na mesma hipótese, de 1 839 400 contos, o que equivale a um investimento médio anual de 613 133 contos.

31. Como resulta do mapa constante do n.º 10 do presente parecer, o número médio de fogos construídos pelo sector público no decénio de 1953 a 1962 foi de 1164.
Os 6580 que agora se prevêem para cada um dos próximos três anos representam seis vezes mais.
No conjunto dos referidos dez anos os serviços e organismos públicos edificaram 11 638 habitações e investiram cerca de 1 200 000 contos.
Nos três anos que o Plano Intercalar abrange, projecta o Governo construir 19 742 fogos e aplicar 1 839 400 contos.
Tem de reconhecer-se que, num momento difícil como aquele que o País atravessa, forçando-o, dada a escassez de recursos, a opções difíceis em matéria de investimento, o esforço anunciado no Plano é, de todos os pontos de vista, meritório e traduz bem a preocupação com que o Governo encara o problema do alojamento.
E repare-se - ainda em desenvolvimento do que dissemos no n.º 10 deste parecer - que se em cada um dos anos de 1965, 1966 e 1967 se construírem, em média, 34 000 fogos, o sector público terá participado com 19,35 por cento desse volume; se a média se elevar para 40 000 (como deveria, visto que já em 1962 se atingiram os 30 000 fogos com apenas, 1302 construídos pelo sector público), a participação do Estado será de 16,45 por cento. Num caso e noutro, portanto, se excederão amplamente os 5 por cento do decénio 1953-1962.

32. Situando-se na ordem dos 34 000 fogos o deficit anual de reposição (vide n.º 6 e 7 supra) no triénio que o Plano contempla - e cumprindo eliminar, no mínimo prazo, o deficit carencial, atrás (n.º 3) demonstrado, de 500 000 fogos (dos quais se revestem de particular urgência os 156 000 destinados a famílias sem alojamento e com alojamento sem ser em prédio ou ocupando parte de um fogo) -, cumpre reconhecer que as 6580 habitações que o sector público edificará em cada um dos anos de 1965, 1966 e 1967 não constituem resposta adequada e válida para a gravidade e magnitude do problema posto.
Muito provàvelmente esse contributo estadual concorrerá apenas para assegurar a cobertura do deficit de reposição evitando que as carências se avolumem.

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É pouco.
Mas cumpre notar:

a) Que se trata de posição transitória, anunciando desde já o Governo um ataque directo e profundo do problema a partir de 1968 (III Plano de Fomento);
b) Que, em qualquer hipótese, garantida fica, por certo, a cobertura do deficit de reposição, ao contrário do que sempre sucedeu até ao presente;
c) Que os encargos extraordinários a que o País tem de fazer face na ordem interna e as exigências do seu normal desenvolvimento económico difìcilmente consentiriam, durante o triénio em I causa, maior investimento público no sector da habitação;
d) Que as medidas anunciadas no relatório do Plano, visando a orientação do sector privado em sentido mais conforme com os interesses sociais da construção, devem concorrer para uma maior produtividade dos capitais aplicados (redução do custo médio por fogo e consequente aumento do número de fogos construídos).

33. Reconhecendo o Plano que "a solução dos problemas habitacionais só será possível a longo prazo" e que "a formulação de um programa eficaz para o sector exige a coordenação de organismos com diferentes âmbitos e de sectores diversos e a inventariação Completa de recursos e necessidades" - concluindo, lògicamente, que seria "prematuro determinar, desde já, qualquer reforma de base ou iniciar um plano de realizações de vulto com objectivos perfeitamente definidos" -, afirma, todavia, que a "atitude de pura expectativa aguardando o arranque de uma política de habitação dentro de dois ou três anos não se considera aceitável", e resolve, por isso, adoptar "imediatamente um programa prioritário para o triénio de 1965-1967, traduzido pela intensificação da iniciativa do sector público, utilizando os regimes legais vigentes e pela extensão e ajustamento destes, de modo a garantir-lhes maior eficácia".
São os seguintes os objectivos de tal programa:

a) Esforço decisivo para a eliminação de bairros impróprios e reabilitação de zonas insalubres, nos aglomerados urbanos e na sua periferia, construindo-se habitações com essa finalidade;
b) Planeamento urbanístico e equipamento mínimo das zonas urbanas que se desenvolvem desordenadamente e que estão carecidas de serviços públicos e equipamento complementar;
c) Alargamento da política de valorização do meio rural, através da beneficiação de aldeias nos pontos mais necessitados do País;
d) Execução de todos os projectos em curso.

34. Embora deva observar-se que o facto de não se encontrar ainda definida uma política da habitação não impedia o Governo de fixar ao Plano em exame objectivos bem mais vastos - cumpre, todavia, reconhecer que, dentro dos limites do investimento previsto, bem se seleccionaram os objectivos, atacando-se exactamente aquela zona em que os problemas são mais agudos do ponto de vista humano e perigosos do ponto de vista social.
A eliminação dos "bairros da lata", das "ilhas" e dos bairros clandestinos não aproveitáveis, a reabilitação da zonas insalubres e o planeamento e equipamento mínimo de zonas urbanas (como alguns dos "dormitórios" de Lisboa) que se desenvolveram desordenada e incoerentemente devem, com efeito, situar-se no primeiro plano das preocupações de quem governa.
Não foi, porém, prevista no Plano Intercalar qualquer verba destinada especìficamente à resolução imediata do problema da eliminação destes bairros e do alojamento dos respectivos habitantes, possibilitando às câmaras municipais a resolução deste angustioso problema.
Lembramos que só na área administrativa do concelho de Lisboa existiam, em 1959. 10 918 barracas, dando alojamento a 43470 pessoas, e que o número de bairros clandestinos na região de Lisboa, carecidos, em regra, de condições mínimas de higiene, de salubridade e até de segurança, bem como de equipamento colectivo de qualquer tipo, é superior a 84, com mais de 8200 fogos e abrigando para cima de 37 000 pessoas! E esta situação, para além de todos os inconvenientes já atrás apontados, constitui obstáculo sério à actividade a desenvolver pela Câmara Municipal de Lisboa no saneamento urbanístico da capital.
Quanto à beneficiação das aldeias, constitui ela, a par com a solução do problema agrícola nacional, um dos meios de fixar à terra as populações rurais, evitando o êxodo maciço para os centros urbanos e o abandono puro e simples dos campos. Nada poderá, contudo, esperar-se de tal medida, se não se integrar num conjunto de providências que visem o próprio cerne da questão: a orientação do sector primário para rumos que, através do dimensionamento racional das unidades agrícolas, da mecanização e industrialização, e, eventualmente, de novas culturas, lhe garantam, o mínimo de produtividade que assegure um nível de vida razoável tanto ao empresário como ao trabalhador.

35. A um outro ponto queremos fazer referência especial: o da aceleração, que se anuncia, do "planeamento das zonas de maior extensão urbana, por forma a possibilitar a definição de zonas residenciais, orientando, assim, de modo adequado, toda a actividade construtora".
À falta de um tal planeamento deve, na realidade, imputar-se grande parte das anomalias de crescimento dos principais centros urbanos do País e a criação de aglomerados suburbanos sem o mínimo essencial de equipamentos colectivos, sem serviços públicos indispensáveis, sem integração urbanística e errados tanto do ponto de vista económico como do ponto de vista social e regional (distribuição no espaço das massas populacionais).
Bom é, pois, que o Governo se tenha apercebido do problema e se disponha a resolvê-lo desde já.

36. Da análise do programa de investimentos resulta que ele se subdivide como segue:

Contos
Construção de casas económicas ..................... 207 100
Construção de casas de renda económica ............. 1 061 600
Construção de casas para famílias pobres ........... 55 500
Construção de casas de renda módica para
desalojados no Porto (Decreto-Lei n.º 40 616) ...... 50 500
Construção de casas para pescadores ................ 15 000
Construção de casas para os Serviços Sociais da
Guarda Nacional Republicana ........................ 30 000
Empréstimos individuais para construção,
aquisição e beneficiação de habitações .............. 427 200
Total ............................................... 1 846 900

Um pouco menos de um quarto do investimento destina-se, pois, a empréstimos para construção ou aquisição

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de casa própria. E se a esse valor (427 200 contos) adicionarmos o de 207 100 contos relativo às casas económicas (cuja propriedade pertencerá também aos moradores), teremos 634 000 contos, correspondentes a um terço do investimento previsto, facultando casa própria (imediata ou mediatamente) a 5672 famílias (que tantos são os fogos a construir ou a adquirir).

37. Uma última observação nos ocorre: os custos médios por fogo que se consideram (incluindo, como se estipula no Plano, a habitação e o terreno urbanizado) afiguram-se-nos, em alguns casos, insuficientes.
Ignorando, porém, o tipo de projectos que se tem em vista, a localização e o preço de aquisição dos terrenos, nada mais poderemos adiantar aqui sobre o problema.

§ 11.º Medidas de política habitacional tendentes à orientação e coordenação da iniciativa privada

38. É este o terceiro e não o menos importante dos objectivos do Plano.
Ocupar-nos-emos de cada um dos aspectos que nele se contemplam, tratando em seguida de alguns outros que nos parece igualmente urgente regular.

39. Anuncia-se, antes de mais, o propósito de rever os regimes legais relativos ao sector, designadamente os que se referem às "casas para famílias pobres", "casas de renda económica" e "casas de renda limitada" - a Lei n.º 2092, o Decreto-Lei n.º 42 454 e o Regulamento Geral das Edificações Urbanas -, "de modo a imprimir-lhes a flexibilidade necessária para satisfazer as necessidades mais instantes, bem como acompanhar a evolução técnica e social".
É, a nosso ver, indiscutível a urgência da revisão projectada.
No que troca às "casas para famílias pobres" - designação que as subsecções sugerem seja alterada - o sistema seguido até agora converte-as, em grande número de casos e em certos aspectos, em verdadeiras soluções provisórias, desaconselháveis tanto do ponto de vista económico (a prática demonstra que as soluções provisórias são, em regra, as soluções mais farás), como do ponto de vista social.
No que toca às "casas de renda económica" e "de renda limitada", cumpre, com efeito, conferir aos respectivos regimes legais estrutura e maleabilidade que permitam extrair dos dois esquemas todos os benefícios que podem e devem assegurar ao País. A sua relativa ineficácia, tal como hoje se encontram concebidos e funcionam, evidencia-se flagrantemente quando se pondera que no decénio de 1953 a 1962 se construíram apenas 2942 casas de renda económica (média de 294 por ano) e 5749 de renda limitada (média de 574 por ano).
A inactualidade de grande número de disposições do Regulamento Geral das Edificações Urbanas e a sua falta de resposta a algumas das mais importantes preocupações e problemas do sector do alojamento tornam também indispensável e urgente a sua revisão.

40. Diz-se em seguida no Plano que, "em matéria de política fiscal", convirá proceder a "uma reconsideração do próprio conceito de casas para famílias pobres, de modo a emprestar-lhe uma natureza mais vincadamente social e a possibilidade de ampliar os benefícios tributários".
O regime fiscal pode desempenhar um papel de relevo na orientação do investimento do sector privado para aplicações de nítido carácter social.
Cumprirá, para tanto, gizar e estabelecer um esquema por virtude do qual:

a) Se agrave o encargo fiscal inerente às operações relacionadas com alojamentos de luxo;
b) Se eliminem ou reduzam substancialmente os encargos fiscais relativos a alojamentos "para famílias pobres ou de modestos recursos" e a casas de renda limitada, bem como às transacções que os tenham por objecto ou que visem a aquisição de terrenos a eles destinados.

É manifesto que a estruturação deste esquema depende estreitamente da política do solo que vier a adoptar-se e exige cuidada ponderação de todos os interesses em jogo, a fim de evitar uma eventual e perigosa recessão no sector.
Porém, enquanto se procede "os estudos necessários para o estabelecimento de um regime definitivo, poderiam introduzir-se na lei algumas das alterações preconizadas pelo grupo de trabalho n.º 7 e nomeadamente explicitar o que se entende por casas de renda compatível com as possibilidades económicas das famílias de modestos recursos - critério-base das isenções previstas no Código da Contribuição Predial e que indirectamente comanda as isenções de sisa sobre a compra de terrenos para a construção de habitações e sobre a primeira transmissão de prédios urbanos.

41. No que toca à política do solo, o Plano prevê, fundamentalmente:
a) A expropriação por utilidade pública urgente dos terrenos necessários à sua execução;
b) A expropriação por utilidade pública, sem indemnização para as edificações, dos terrenos onde estão ou venham a ser construídas ilegalmente barracas e bairros clandestinos;
c) Deverem continuar sujeitos à declaração de utilidade pública os terrenos que se encontrem nas condições dos artigos 8.º e 9.º da Lei n.º 2030 e na posse dos municípios;
d) A promulgação de disposições novas ou a revisão das disposições legais em vigor relativas à determinação da justa indemnização e à celeridade do processo de expropriação, em ordem a possibilitar a oportuna expropriação de terrenos sitos em regiões ainda não dotadas de plano de urbanização "desde que se reconheça que tais terrenos ... são adequados à construção de agrupamentos habitacionais".

Quanto à alínea a), haveria a notar a possibilidade de expropriação pública urgente quanto a empreendimentos cuja necessária urgência se não demonstra - se a prática legislativa nos não houvesse já habituado a tal.
A alínea b) merece uma atenção mais demorada.
Surge aí, parece, uma hipótese de expropriacão-sanção (1). Expropriação sem indemnização quanto às barracas e bairros clandestinos - e isso compreende-se facilmente em face da sua própria situação de ilegalidade. Expropriação com indemnização mas sem necessidade de mais requisitos (designadamente "mesmo que esses terrenos não estejam incluídos em planos de urbanização") quanto aos terrenos em que tais barracas e bairros clandestinos estejam implantados.
Quanto a este segundo caso, e no atinente aos terrenos, embora se preveja já indemnização, as subsecções põem dú-

(1) Prof. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 6.ª edição, p. 142.

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vidas quanto à justiça desta solução, nos termos gerais em que é formulada. Parece às subsecções que se deveria fazer distinção entre o caso de terrenos cujos proprietários aufiram lucros com a implantação das barracas e bairros clandestinos - hipótese em que se justifica a expropriação-sanção - e o caso de terrenos cujos proprietários ignorem a presença de barracas ou bairros clandestinos ou a tolerem por espírito de caridade e generosidade. Nesta última hipótese, parece às subsecções que não se justifica qualquer expropriabilidade de regime particular, estabelecido a titulo sancionatário.
À alínea c) não oferece dúvidas de maior.
Já a alínea d) exige uma análise cuidadosa.
Tal alínea abrange dois aspectos:

1.º A afirmação da necessidade ou da revisão das normas em vigor ou da promulgação de um regime novo, quanto à determinação da justa indemnização e à celeridade do processo de expropriação;
2.º A possibilidade de expropriar terrenos em "regiões que não tenham ainda planos de urbanização, desde que se reconheça que os terrenos a expropriar são adequados à construção de agrupamentos habitacionais".

Note-se que a reforma prevista no n.º l.º é ligada pelo projecto à solução prevista no n.º 2.º (1). Sobre este ponto parece às subsecções justificado estudar-se a reforma da expropriação e da justa indemnização. Sòmente não permite o projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967 ulterior apreciação: só em face de uma especificação e concretização das reformas a introduzir no regime da expropriação por utilidade pública poderia a Câmara Corporativa, caso a caso, pronunciar-se contra ou a favor de tais reformas.
Quanto ao ponto concretizado no n.º 2.º, urge ver se se justifica a solução aí contida. Prestam as subsecções justiça à intenção com que é propugnada. Trata-se nìtidamente de uma providência que se insere na luta contra a especulação desenfreada de terrenos, da qual o País, de há longos anos, vem sendo vítima.
A possibilidade de expropriar prédios rústicos incluídos em zonas não urbanizadas representa meio eficaz de constituir, nas mãos do Estado e por preço moderado, as reservas volumosas de terrenos que depois lhe permitirão executar uma política habitacional ajustada aos recursos da população.
Em países estrangeiros têm-se tomado, para evitar a especulação e o chamado "entesouramento de terrenos", atitudes diversas, em que, em regra, se conjugam providências de vária índole:

a) Constituição de reservas de terrenos (Suécia, Alemanha e Inglaterra);
b) Expropriações sistemáticas (França e Itália);
c) Constituição a favor do Estado de um direito de superfície sobre os terrenos urbanizáveis ou urbanizados (Suíça);
d) Bloqueamento dos preços dos terrenos (Holanda e durante curto período Alemanha Federal e Noruega);
e) Compra sistemática de terrenos no mercado e sua revenda sem lucro (França);
f) Atribuição ao sector público de um direito de opção na compra e venda de terrenos;
g) Tributação dos benefícios resultantes da venda de terrenos (Noruega e França);
h) Tributação de terrenos não utilizados (Áustria e Itália);
i) Isenção de impostos para as novas construções (Aústria e Itália);
j) Anulação, por processos vários, do direito dos proprietários a quaisquer mais-valias, etc.

O bloqueamento de preços constitui, manifestamente, o processo mais drástico, fortemente contrastante com os princípios que informam a economia de mercado da maioria de países. Por isso mesmo só tem sido adoptado, transitòriamente, em situações de emergência (v. g., pela Alemanha depois da guerra) e sempre limitando-o a certas regiões, em que o problema habitacional se faz sentir com maior acuidade
Em regra prefere-se um sistema híbrico, em que a acção directa - as medidas indicadas nas alíneas a), b), c) ou c) - se combina com meios compulsivos do tipo dos referidos nas alíneas f), g), h), i) e j), entre outros.
Crêem as subsecções que as medidas adoptadas no Plano, por um lado, não são suficientes para disciplinar o mercado de terrenos, por outro repugnam aos princípios em que assenta a nossa ordem jurídica. Escasseiam, por um lado, os meios financeiros de que os organismos e serviços públicos dispõem para a aquisição de reservas suficientes. Por outro lado, a possibilidade de expropriar para uma finalidade e necessidade meramente potencial e não actual para uma utilização diferida e mesmo eventual, não imediata e certa, representaria um golpe demasiado fundo no direito de propriedade, constitucionalmente reconhecido como um dos alicerces da ordem jurídica portuguesa, corporativa e não socialista (1). Acresce que a constituição de reservas de terrenos pode fazer-se -e tem-se feito através de compra livre desses terrenos pelas entidades interessadas.

42. No tocante ao financiamento, são inteiramente de aplaudir, por motivos já amplamente expostos, as medidas preconizadas no Plano e tendentes:

A canalizar o crédito à construção para as habitações de carácter social, de preferência à restante construção;
A orientar as poupanças individuais para a construção de casas em regime de propriedade resolúvel, mediante a formação de cooperativas;
A impedir a concessão de créditos para reconstrução de imóveis demolidos ao abrigo das Leis n.ºs 2030 e 2088 (salvo nos casos considerados pelos respectivos municípios de reconhecido interesse urbanístico);
A aumentar a comparticipação do Estado na contrução de casas para famílias pobres.

Os meios mais adequados para a consecussão desses objectivos carecem manifestamente de estudo prévio que,

(1) Não se vê, aliás, em que é que a possibilidade de expropriar terrenos em zonas não urbanizadas acarreta necessàriamente a reforma do regime da justa indemnização e do processo de expropriação.

(1) Outro golpe seria o abandono, propugnado pelo projecto do salutar princípio da reversão. Em todo o caso, sendo em todos os países, e designadamente no nosso, o estabelecimento de uma sólida política de terrenos condição sine quo, non do êxito de qualquer política habitacional, reveste-se de particular urgência o estudo de um sistema que previna eficazmente a especulação e d entesouramento, reconduzindo o mercado a preços compatíveis com as necessidades da Nação em matéria de alojamento.

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tendo presente a actual estrutura bancária e o regime do crédito, planifique as alterações necessárias, evitando perturbações graves do equilibrado funcionamento do mercado financeiro e do mercado de capitais.

43. De aplaudir suo igualmente todas as providências programadas para ocorrer ao combate da construção clandestina e ao sansamento dos aglomerados já constituídos susceptíveis de aproveitamento para orientar a instalação de serviços públicos e de equipamento complementar nas zonas urbanas deles carecidas, para constituir os quadros técnicos necessários à concepção e execução 3o «planeamento físico» e para facultar às empresas industriais facilidades na construção de bairros destinados ao seu pessoal.
Trata-se de problemas que amplamente já ventilámos atrás.

44. Um aspecto que se nos afigura essencial destacar é o da urgência da regulamentação das sociedades cooperativas destinadas à construção de habitações, «com vista - como se diz no Plano- a fixar-lhes os objectivos, meios de acção, condições de funcionamento e garantias legais e a possibilidade de fusão em uniões ou federações de cooperativas similares, de modo a proporcionar-
lhes uma maior capacidade de acção».
Na generalidade dos países da Europa as cooperativas desempenham um relevantíssimo papel no sector da habitação, como ficou demonstrado nos n.ºs 9 e 11 do presente parecer.
Entre nós, apenas se lhes deve 1,2 por cento da construção verificada no decénio de 1953-1962, e pode dizer-se que o movimento cooperativo se encontra de há longos anos pràticamente estagnado.
Se isso resulta em larga medida do baixo nível de vida e de certas características peculiares do povo português, é também consequência da falta do regime jurídico e de apoio financeiro que viabilizem em termos adequados a acção das cooperativas.

45. A acuidade do .problema do alojamento em Portugal impõe que se apure da viabilidade de outras medidas a que o Plano se não refere.
Avultam, entre elas, as que respeitam a eventuais subsídios à construção e a concessão de subsídios de renda.
Por outro lado, cumpriria explorar o vasto campo da «auto-construção», nas modalidades de «esforço próprio», «ajuda própria auxiliada» e «ajuda mútua», analisadas no Relatório do grupo de trabalho n.º 7.
Um outro aspecto a investigar é o da eventual conveniência de estabelecer limites máximos de construção.
A urgência com que tem de ser dado o presente parecer impede-nos de nos alongarmos sobre cada um destes pontos.
Não deixaremos, todavia, de chamar ainda a atenção do Governo para a necessidade de com toda a urgência, proceder à regulamentação da indústria de construção civil, nos termos sugeridos no n.º 21 supra, até porque sem ela é impossível a reforma dos processos de trabalho e a estruturação de empresas capazes de se integrarem nas técnicas modernas de produtividade.

§ 12.º Conclusões

46. Como já dissemos, é este o primeiro plano de fomento em que se ataca o problema habitacional.
Em boa hora decidiu o Governo trazê-lo à colação, já que constitui, sem dúvida alguma, uma das mais graves questões que o País defronta.
E verifica-se com júbilo que, para além do investimento programado, se analisa corajosamente a situação actual, se apontam alguns factores anómalos que a provocaram e ameaçam determinar o seu agravamento e se anunciam objectivos e medidas que, embora pouco definidas nos seus contornos, testemunham, no entanto, o propósito firme de debelar males reconhecidos.
As subsecções, porém, não podem deixar de fazer uma reserva no que se refere à sua adesão à contextura e sistemática das medidas legislativas a adoptar. Com efeito, não podem comprometer desde já a sua opinião quanto à orientação dessas providências e esperam que a Câmara Corporativa seja ouvida, oportunamente, sobre os textos em que os princípios esboçados venham a ser definidos.
Merece, pois, a aprovação das subsecções o capítulo VIII do Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967.
E das providências de toda a ordem que nele se anunciam ou preconizam, quer para obviar desde já a alguns vícios de que o sector enferma, quer para preparar a programação de mais vastas realizações, no âmbito de uma política coerentemente estruturada, muitos benefícios advirão para o País.
Afigura-se, todavia, às subsecções que o êxito da acção a desenvolver pelo Governo depende, em certa medida, de serem oportunamente tomadas em linha de conta as observações e sugestões feitas ao longo do presente parecer.

Palácio de S. Bento, 28 de Outubro de 1964.

Fernando Carvalho Seixas.
António José de Sousa.
João Clarimundo Sá Viana Cardoso.
José Mercier Marques.
João Pedro da Costa.
José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich.
António Jorge Martins da Motta Veiga.
António Vitorino França Borges.
João de Castro Mendes.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Nuno Maria de Figueiredo Cabral Pinheiro e Torres.
Serafim de Jesus Silveira Júnior.
José de Queirós Vaz Guedes, relator.

ANEXO VI

Parecer subsidiário da secção de Interesses de ordem espiritual e moral

Saúde

A secção de Interesses de ordem espiritual e moral, à qual foram agregados os Dignos Procuradores Joaquim Trigo de Negreiros e Pedro Mário Soares Martinez, consultada sobre o capítulo IX (Saúde), da parte referente ao continente e ilhas, do projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967, emite, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente, da Câmara, o seguinte parecer subsidiário:

§ 1.º A inclusão do capítulo IX (Saúde) no projecto de Plano Intercalar de Fomento

1. A previsão de investimentos cujo efeito, pela sua própria natureza, é indirecto, mediato, relativamente à

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formação e ao desenvolvimento do produto nacional, não foi alheia aos planos parciais realizados ao abrigo da Lei n.º 1914, de 24 de Maio de 1935, designada por Lei de Reconstituição Económica. Entre esses diversos planos parciais destaca-se o respeitante ao abastecimento de água às sedes de concelho (Decreto-Lei n.º 33 863, de 15 de Agosto de 1944), o qual não tevê em vista nem um acréscimo rápido da produtividade global nem a aplicação de capitais em pólos de desenvolvimento caracterizados e delimitados para o efeito de através deles se obter determinado ritmo de expansão.
E a mesma tendência, para não excluir a previsão de investimentos de acção económica indirecta e mediata manteve-se, embora sempre esbatida, quando, através do I Plano de Fomento, para 1953-1958, se julgou possível tentar «uma sistematização de recursos metropolitanos e ultramarinos» e proceder a «um estudo conjunto e coordenado das aplicações mais urgentes». Assim, naquele mesmo I Plano de Fomento se incluíram previsões de investimentos orientados para a construção de escolas técnicas, factores mediatos de desenvolvimento do rendimento nacional, através da preparação de mão-de-obra mais habilitada e não da constituição de capitais produtivos.
A tendência referida encontra-se ainda no II Plano de Fomento, para 1959-1964, que já abrangia um capítulo da I parte subordinado à rubrica «Investigação científica e ensino técnico». E agora o projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967, não obstante o especialíssimo condicionalismo que reflecte, vem acentuar a orientação para abranger investimentos de efeito mediato ou, se preferirmos, a orientação no sentido de alargar o próprio âmbito do planeamento económico. A par da «Investigação e ensino», contam-se entre as rubricas dos capítulos do projecto a «Habitação» e a «Saúde».
É sobre este último capítulo que cumpre à secção emitir parecer, o .qual difìcilmente poderia deixar de iniciar-se pela mais ampla manifestação de júbilo pelo presumível significado da inclusão, pela primeira vez, de um capítulo sobre saúde num plano de fomento nacional. Com efeito, essa inclusão mostra-nos que as condições sanitárias da população portuguesa suscitaram mais uma vez ao Governo fundas preocupações e o decidido propósito de envidar todos os esforços no sentido de uma elevação do nível sanitário nacional.

2. Mas importa considerar os problemas, particularmente delicados, que o próprio enquadramento da saúde num plano de fomento envolve, e, posteriormente, apreciar as condições em que esse enquadramento foi tentado através do projecto governamental de Plano Intercalar. Tal é o objecto deste parecer subsidiário.
Se não fora a inovação constituída por este planeamento do sector saúde, dispensar-se-iam considerações de ordem geral. Mas essa inovação parece impor que o próprio problema de saber se as questões sanitárias têm cabimento num plano de fomento seja posto em causa; e semelhante imposição aconselharia, em princípio, uma análise complexa e detalhada do sector sanitário português. Mas nem a natureza deste parecer nem o condicionalismo que rodeou a sua elaboração, sobretudo quanto ao tempo disponível para realizá-la, tornam possível aquela análise, pelo que múltiplos aspectos têm de considerar-se pressupostos ou implícitos, por impossibilidade de referi-los expressamente.
Segundo o projecto governamental, a inclusão no Plano de um capítulo sobre a saúde «decorre do reconhecimento das necessidades nacionais nesta matéria, a que correspondeu a decisão de dar prioridade, nos planos de desenvolvimento português, às infra-estruturas que mais directamente contribuem para o aperfeiçoamento do potencial produtivo da população».
Invoca-se, pois, como primeira razão, o nível sanitário nacional, dado que, como também se afirma no projecto, depara-se-nos «um longo caminho» a percorrer no sector da saúde, «pela simples razão» de que, neste sector, «os meios de actuação são cada vez mais dispendiosos».
Mas algumas ordens de considerações aconselham que se aprecie o fundamento da razão invocada.
Com efeito, até as referências do projecto aos esforços já realizados, alheios aos Planos de Fomento, em matéria sanitária, e às situações comparativas relativamente a países como a França, a Grã-Bretanha e a República Federal Alemã, poderiam deixar dúvidas ao leitor desprevenido quanto à gravidade das carências que se notam em Portugal no sector da saúde; e suscitariam, por si sós, bastantes hesitações quanto à necessidade da inclusão deste novo capítulo num Plano de Fomento.
Parece indiscutível que muito amplas, ordenadas e conjugadas realizações se tem de operar no nosso país, no campo sanitário, com a maior urgência. Mas o que importa saber é e essas realizações deverão ser previstas e enquadradas num plano de conjunto; e importará também apreciar, em momento posterior, se quanto se insere no capítulo IX do projecto corresponderá às actuais exigências do sector sanitário.

3. Compreende-se fácilmente que os investimentos na agricultura se conjuguem com o emprego de capitais na energia, nos transportes, noutros sectores, em obediência a escalas de prioridades determinadas e em ordem a evitar duplicações e contradições. Mas é menos nítida a admissível necessidade de ajustamento dessas inversões de capital e das despesas que cumpre afectar à elevação do nível sanitário português. Em suma: as carências do sector sanitário reclamam, por certo, todas as atenções, e até uma planificação dos esforços a empreender; mas o projecto não contém elementos que nos orientem no sentido de excluir uma planificação autónoma do sector sanitário. Mais. Embora a- questão possa ser entendida como meramente formal, não pode deixar de ferir a sensibilidade de quem se integre na ordem constitucional portuguesa - mesmo- abstraindo das suas raízes profundas - que um plano comum abranja os investimentos pecuários e os investimentos sanitários, aliás reservando para aqueles o primeiro capítulo e para estes o último.
Não é indiferente organizar planos económicos dos quais conste claramente que o aumento do produto nacional constitui apenas um meio, ao serviço do bem-estar da população, ao serviço do homem, em última análise, ou organizar planos económicos em que o aumento do produto nacional constitua o único fim declarado e visível. Adoptando-se esta última orientação, talvez pudesse entender-se a planificação do sector sanitário conjuntamente com a respeitante à produção de bens materiais e, mesmo, assim, subsidiàriamente, em último lugar. Também se se distinguisse no projecto de Plano a produção de bens e de serviços, talvez se pudesse entender a inclusão da saúde, aliás em posição destacada, entre outras- matérias, dentro do sector dos serviços. Tal foi, por exemplo, a orientação do 1.º plano quinquenal turco (3963-1967), onde, depois de se deixar bem vincado que todo o desenvolvimento programado tem em vista a população e o seu bem-estar, se reserva aos investimentos no campo sanitário o maior relevo sob a rubrica «Serviços». Também nos planos franceses, nomeadamente no

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IV (1962-1965), os «investimentos sociais», entre os quais se contam os sanitários, precedem os investimentos económicos stricto sensu. Mas a índole e a sistematização do projecto de Plano Intercalar português impõem reservas quanto à posição atribuída à saúde, tanto mais que esta secção não exclui que se mantenha actual e válida a orientação segundo a qual os planos de fomento devem ser precisos e restritos, dando prioridade a alguns grandes empreendimentos de carácter acentuadamente reprodutivo.

4. Até agora só foi considerada a primeira razão invocada para incluir a saúde no projecto de Plano Intercalar: o modesto nível sanitário nacional. Mas a essa parece ter-se agregado «a decisão de dar prioridade, nos planos de desenvolvimento portugueses, às infra-estruturas que mais directamente contribuam para o aperfeiçoamento do potencial produtivo da população». Poderá inferir-se daqui uma subalternidade atribuída à população, ao homem, afinal, no esquema do projecto. Visa-se aumentar, aperfeiçoar, o seu potencial produtivo. O fim, esse, não se situa no homem, mas na própria produção de riqueza em si mesma.
Semelhante entendimento não oferece novidade; mas pareceria estranho que fosse perfilhado num Estado corporativo, limitado na sua acção pela moral cristã, tradicional no País. E mais estranho seria que a própria Câmara Corporativa o perfilhasse.
Acrescentar-se-á, aliás, quanto a este ponto, que a colocação de capitais no sector sanitário não pode ser incluída entre as que mais directamente contribuem para o aperfeiçoamento do «potencial produtivo da população». Assim, aquela colocação de capitais vai contribuir para a redução das taxas de mortalidade infantil, para o aumento do período de vida dos diminuídos físicos, sem excluir, a par de muitos outros irrecuperáveis, aqueles cuja diminuição resulta da idade. Estes dois casos característicos revelam-nos a colocação de capitais no plano sanitário como tendo uma influência remota, lenta, ou até, em certos casos, sem qualquer relevo, do ponto de vista do desenvolvimento do potencial produtivo. Já alguns economistas- estrangeiros, dominados por preocupações exclusivas de aumento de produção e de capitações de rendimento, ou querendo pôr em destaque o amoralismo de semelhantes preocupações, chamaram a atenção para a circunstância de o desenvolvimento da acção sanitária, traduzindo-se, em larga medida, na conservação da vida de indivíduos cuja robustez e capacidade de trabalho são inferiores às médias, exercer um efeito desfavorável do ponto de vista do aumento das capitações de rendimento.

5. Julga-se dispensável reunir mais elementos para pôr em dúvida as vantagens da inclusão deste novo capítulo no Plano Intercalar, excluída evidentemente aquela que já foi assinalada: a de revelar um renovado interesse do Governo em relação ao sector sanitário. Mas mesmo essa vantagem apresenta-se em termos de chamar muito ostensivamente a atenção para o respectivo reverso, porquanto a referida inclusão, ao mesmo tempo que suscita expectativas favoráveis relativamente à acção que venha a ser exercida em defesa da saúde pública, poderá também provocar rápidos desanimes, sobretudo para quem não se debruce sobre as previsões estabelecidas com alguma profundidade. Além da posição aparente, formal, de subalternidade, em relação a outros sectores, já assinalada, é natural que a exiguidade, absoluta e relativa, dos investimentos previstos, anule, em larga medida, a expectativa optimista de um maior interesse que os problemas sanitários tenham merecido do Governo. Mas sobre este aspecto convirá insistir noutro momento.
Para já sublinhar-se-á:

a) Que parece impor-se um vasto plano sanitário nacional exigido pelo reduzido nível a que se refere, clara e pertinentemente, o projecto governamental em apreciação, o qual plano sanitário deveria, através de uma ampla concentração de esforços, exceder em muito o actual âmbito de acção do Ministério da Saúde e Assistência;
b) Que, dada a estrutura dos planos de fomento nacionais, se não vêem vantagens em que tal plano sanitário se circunscreva àqueles;
c) Que, sem elementos que permitam reconhecer à inclusão do capítulo saúde no projecto de Plano Intercalar para 1965-1967 qualquer relevo que transcenda os limites de uma promessa de realizações algum tanto remotas, situadas para além de 1967, também se não descortinam razões de fundo que exijam um juízo desfavorável relativamente à referida inclusão, tanto mais que alguns dos empreendimentos sanitários têm implicações de ordem económica directa e do maior relevo;
d) Que, havendo razões bastantes para incluir a saúde num plano de fomento, não se compreende que ele não inclua também um capítulo que abranja toda a assistência social. Tanto mais que, sendo o fim visado um aumento do «potencial produtivo da população», se julga melhor adequadas a esse fim a assistência à família e a assistência à infância abandonada do que os cuidados a dispensar aos prematuros ou quaisquer tentativas de aplicação dos mais recentes progressos da gerontologia.

Na base destas conclusões preliminares se passa a uma análise de quanto se contém no capítulo IX do projecto governamental.

§ 2.º O âmbito do capítulo IX do projecto do Plano Intercalar de Fomento

6. A primeira ordem de considerações respeita à extensão, ao âmbito, do capítulo, bastante mais restrito do que o conteúdo conceituai da epígrafe. Nele se considera apenas a acção enquadrada no Ministério da Saúde e Assistência, recordando-se, expressamente, que existem outros departamentos do Estado com competência no mesmo campo e que, nomeadamente, «a parte da medicina curativa depende, em grande medida, do Ministério das Corporações e Previdência Social». Esta restrição do âmbito do capítulo aconselha uma leve insistência sobre a justificação do mesmo. Renunciando-se, ao menos de momento, a uma planificação coordenada das actividades sanitárias a cargo de diversos departamentos de Estado - planificação que esta secção julga altamente desejável - será curial pôr em dúvida o fundamento lógico e a utilidade de uma coordenação, ou de uma reunião formal, através do Plano Intercalar, de algumas das actividades do Ministério da Saúde e Assistência e das actividades agrícolas, piscatórias, turísticas e outras.

7. É de elementar justiça assinalar a bem-elaborada, sintética e elucidativa exposição que neste capítulo se contém, sobre a organização dos serviços sanitários stricto sensu, a cargo da Direcção-Geral de Saúde. Quem conheça a extrema dispersão e até, em muitos casos, o anacronismo das numerosíssimas disposições legais que disciplinam

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esta matéria, entre as quais têm ainda particular relevo as do Regulamento de 24 de Dezembro de 1901, assim como a dificuldade de obtenção de elementos estatísticos seguros, apercerber-se-á dos obstáculos que foram vencidos pelo Ministério da Saúde e Assistência para apresentar, por forma tão clara e sintética, a exposição que se desenvolve através dos dez primeiros números do capítulo.
Sem que as observações que seguem atinjam de algum modo o nível daquela exposição, afigura-se pertinente chamar a atenção para algumas passagens nela incluídas.
Assim, a objectividade da indicação do crescimento médio anual de 7,4 por cento pelo que respeita às despesas referidas no n.º 2 não pode deixar de causar algum desalento, pois é forçoso reconhecer que a pressão demográfica, a evolução do poder de compra do escudo, o aumento de custos específicos de grande parte dos bens de produção externa a utilizar pelos serviços, os efeitos das concentrações urbanas, outros factores ainda, absorvem, e até excedem, esse crescimento anual de 7,4 por cento, donde se impõe concluir que os meios postos à disposição dos serviços nos últimos anos são, relativamente às necessidades e aos custos reais, mais modestos ainda do que aqueles de que dispunham em 1953, ano de que se parte nas referências comparativas consideradas.
De resto, o quadro que se apresenta seguidamente, abrangendo já todas as verbas despendidas pelo Estado com os serviços integrados no Ministério da Saúde e Assistência, não reclama, para ampla compreensão do seu significado, largos comentários.

MAPA N.º 1

Despesa dos serviços integrados no Ministério da Saúde e Assistência, expressa em contos

[Ver Mapa na Imagem]

Em relação às despesas ordinárias, como em relação às despesas gerais do Estado, não se nota uma tendência nítida para o emprego de mais elevadas verbas com os serviços de saúde; pelo contrário.
Importa observar, no entanto, que, dada a circunstância de em Portugal, e de harmonia com as tradições do sector da assistência, esta se encontrar em larga medida a cargo de instituições cujas verbas não são inscritas no Orçamento Geral do Estado, os números apontados não definem o âmbito do sector assistêncial, nem sequer o âmbito do sector sanitário. A colectividade metropolitana portuguesa não tem reservado para fins assistenciais e sanitários, em cada um dos últimos anos, apenas 700 000 contos. A verba global, difícil de precisar, é, necessàriamente, muitíssimo mais avultada. Mas, dado que as instituições de assistência privadas ou descentralizadas não se acham, de uma maneira geral, particularmente florescentes, que a pressão tributária tem aumentado, deixando aos contribuintes menores, possibilidades de afectação de rendimentos a fins de benemerência, e que os sentimentos tradicionais de caridade se manifestam na sociedade portuguesa menos claramente que noutros tempos, não se tendo logrado que fossem substituídos pela filantropia - não é arriscado concluir que, abrangendo na mesma visão o sector público e o sector privado, a comunidade portuguesa metropolitana não reservou, durante os últimos anos, uma maior percentagem do rendimento global destinada à assistência e à defesa da saúde pública.
Esta conclusão envolve necessariamente sérias preocupações, não apenas em face de alguns confrontos estatísticos com outros países, mas, sobretudo, tendo em vista os destinos da comunidade portuguesa, gravemente afectada
por uma atitude psicológica colectiva que traduz um complexo de inferioridade radicado em frustrações e recalcamentos que a nossa história, substituindo-se vantajosamente neste plano aos processos de psicanálise, com clareza nos revela. Por influências culturais alheias à nossa própria cultura, e até com esta incompatíveis, coexiste, na vida portuguesa, com uma forte consciência nacional, acompanhada do legítimo orgulho da própria nacionalidade e da decisão firme de preservá-la de todos os perigos, uma ansiedade constante em relação a quanto se passa além-fronteiras. E essa coexistência não poderá considerar-se pacifica na medida em que é intensamente dramática, arrastando muitas vezes o Português, dolorosamente, lamentosamente, para outros meios, que geralmente repugnam à sua sensibilidade, mas onde julga poder solucionar satisfatòriamente os seus problemas materiais de sobrevivência. É de admitir que tanto pelo turismo como pelo retorno da emigração essa ansiedade se vá esbatendo; mas para tanto muito importa também a realização dos maiores esforços no sentido de fazer desaparecer confrontos desfavoráveis. E é por certo o sector sanitário um daqueles em que tais confrontos são admissíveis, embora não o sejam nos termos salientes atribuíveis a desconhecimento, má fé ou ansiedade desmedida.
É certo que o sector da saúde pública, sobretudo o da assistência hospitalar, tem manifestado, nos últimos tempos, essa desmedida ansiedade. Mas nem admira. A vulgarização superficial de conhecimentos científicos, a publicidade das empresas laboratoriais, arrastam os estabelecimentos hospitalares para terapêuticas dispendiosas, correspondendo aos últimos ecos da imprensa médica, mesmo quando essas terapêuticas não são indispensáveis

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para restabelecer o equilíbrio fisiológico dos assistidos. Alas compreende-se que o conhecimento por parte destes da existência de medicamentos novos, estrangeiros, reputados mais poderosos na luta contra a doença, acabe por impor a sua utilização. Trata-se de matéria em que ao médico cabe muitas vezes iludir a desmedida ansiedade dos assistidos. Contou algures Gregório Maoanón que, julgando aconselhável ministrar sal comum a uma doente, mas temendo a reacção da mesma em face da banalidade do medicamento, acabou por receitar-lho afirmando tratar-se de um novo específico norte-americano designado por CLNA ...
A cultura histórica facilitará a tarefa dos clínicos em face da tal desmedida ansiedade, pois a história da medicina lhes revelará constantemente que a última palavra no domínio da terapêutica é quase sempre efémera, transitória. O clínico preparado para a sua missão assim o entenderá, recordando-se do destino que o tempo reservou a terapêuticas apresentadas sob invólucros de sensacionalismo; mas terá, por certo, com frequência, dificuldade em convencer os seus doentes, porquanto o ritmo da vida moderna trouxe com ele impaciências, inconformismos, que se reflectem intensamente no plano sanitário. O homem comum não suporta a dor, nem o prolongamento das suas enfermidades; e reclama da sociedade, do Estado-providência, que empregue todos os meios de rápido alívio e de rápida recuperação, mesmo que impliquem um uso imoderado de analgésicos, de antibióticos, cujo emprego poderia muitas vezes dispensar-se se a vida moderna não fosse dominada pela impaciência, bem compreensível nos quadros de uma civilização hedonística que parece tender a desprezar ou negar qualquer valor transcendente, qualquer bem alheio à capacidade de desfrutar dos prazeres da vida.

8. A utilização de mais poderosos meios terapêuticos e profilácticos contribuiu decisivamente para que fossem erradicadas, no último decénio, doenças como a varíola, o tifo exantemático, a. raiva, a bilharzíase, a ancilostomíase mineira, o Aedes oegypti, transmissor potencial da febre-amarela, e, praticamente, o paludismo; também aquela utilização, tornada possível pelos progressos laboratoriais, aliada a modificações favoráveis da vida social e económica que se reflectiram nas dietas alimentares e em hábitos de higiene, influiu decisivamente na quebra de mortalidade verificada em relação a várias outras doenças. Em consequência, não são desfavoráveis as nossas taxas globais de mortalidade em confronto com as dos outros países ocidentais da Europa, como revela o mapa n.º 2.
Na fase actual muito importa, porém, desenvolver, de uma maneira geral, mais ampla acção profiláctica, a cargo sobretudo da Direcção-Geral de Saúde. Além de ser sempre preferível prevenir que remediar, e muito especialmente quando está em causa o equilíbrio, o bem-estar, a capacidade de trabalho e até a vida de seres humanos, é de ponderar também que a prevenção da doença constitui uma forma de acção sanitária que, não exigindo despesas muito elevadas, oferece as melhores condições para evitar os gastos avultadíssimos da medicina curativa e recuperadora. Mas neste como em muitos outros sectores da saúde o aspecto mais importante respeita ao pessoal. O País carece de remunerar suficientemente os elementos habilitados a desenvolver uma ampla acção profiláctica, que, além de todos os outros benefícios fàcilmente previsíveis, acabará por evitar elevados gastos à Nação. Julga-se estarem hoje criadas, em certa medida, as condições de base indispensáveis para, através de uma reorganização da Direcção-Geral de Saúde, que não esqueça a situação de quantos nela servem e particularmente a dos delegados e subdelegados de saúde, se estabelecer em termos actuais o instrumento fulcral de combate à doença e de defesa sanitária das populações, sem omitir as necessidades dos meios rurais, em que mais acentuadamente se nota a carência de meios profilácticos. Muito conviria também, para mais satisfatório desenvolvimento da acção da Direcção-Geral de Saúde, que se codificassem as normas aplicáveis ao sector ou. pelo menos, aquelas que correspondem às matérias que, seguindo a terminologia proposta no seu Tratado por José Pinheiro de Freitas Soares em 1818, são abrangidas pela designação de «Polícia médica».

9. Sendo sobretudo no plano da mortalidade infantil que a posição sanitária portuguesa se apresenta em termos comparativamente menos satisfatórios dentro dos quadros europeus (embora o facto se deva em larga medida a diversidade dos critérios estatísticos adoptados nos diversos países), é natural que o projecto governamental tenha dado relevo a esse aspecto. E aí, apesar de nos acharmos longe de ter atingido o nível desejável, pelo extremo atraso do ponto de partida, são inegáveis os progressos já realizados, que podem considerar-se mais do que proporcionais ao acréscimo de meios financeiros empregados. Esses progressos revelam, para além da objectividade e moderação com que o problema é apresentado através do projecto governamental, as largas perspectivas que oferece no campo sanitário uma ponderada e equilibrada planificação.
Apesar de ser neste sector da defesa da saúde na primeira infância que mais desfavorável influência exercem o baixo nível económico das populações, factor que não é removível por meios sanitários, e a ignorância das vantagens de hábitos higiénicos elementares, também não removível por meios sanitários, ao menos em sentido restrito, foi possível, através de grandes dificuldades, mas, também, de um começo de planificação, embora sectorial, obter resultados que não será exagerado qualificar de surpreendentes. A redução de taxas de mortalidade infantil no distrito de Ponta Delgada, de 172,68 em 1955 para 71,97 em 1963, constitui facto de assinalar na história da saúde pública em Portugal. E é de crer que os factores exógenos, alheios à acção dos serviços, pouco tenham influído no êxito obtido, posto que nas regiões onde ainda não há dispensários materno-infantis as taxas de mortalidade infantil se têm mantido mais ou menos estacionárias.
Ainda é comparativamente desfavorável, embora não tanto como poucos anos atrás, a nossa posição no plano da mortalidade infantil. O facto deve-se a circunstâncias várias, algumas de ordem económica, outras de ordem educacional, sobretudo porque, em vez de melhorarmos as condições de vida nos meios rurais, estes têm-se visto privados dos elementos humanos julgados mais úteis e que neles se encontravam.
Os dados estatísticos apurados revelam-nos que, em 1963, num total de 217 216 partos, 49 920, ou seja a quarta parte, aproximadamente, tiveram lugar em estabelecimentos hospitalares. O número de partos sem assistência qualificada, porém, mantém-se elevado: 106 520, quase metade do total. E é de notar que em muitos distritos (Beja, Bragança, Guarda, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu) as percentagens de partos sem assistência qualificada são muito elevadas.
Certamente que da multiplicação de experiências do tipo das realizadas nas ilhas adjacentes, zonas de muito elevada mortalidade infantil, há a esperar uma elevação sensível do nosso nível de protecção à primeira infância.

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10. Regista-se com alguma estranheza que o projecto governamental pareça manifestar uma atitude de impotente resignação relativamente ao grave problema da quebra de natalidade, que se reputa «inevitável, sendo de prever que venha a acentuar-se em curto prazo», não obstante o aumento da nupcialidade durante o último decénio, dado que «é cada vez maior o número de casais só com um filho».
E sabido que a Europa, com excepção da U. E. S. S., acusa, há um século, uma marcada tendência para a redução das taxas de natalidade, tendência que, numa visão sociológica, já tem sido qualificada como índice de uma determinação suicida, de carácter colectivo, de todo um grupo étnico, debilitado pelos esforços realizados durante séculos na conquista e em demanda de mais elevados estádios de civilização. Mas sabe-se também que quase todos os países ocidentais têm conseguido corrigir de algum modo ou até travar, nas últimas dezenas de anos, aquela tendência, cujas causas próximas se encontram no relaxamento dos costumes e na desorganização da vida familiar. Por isso se estranha que, num país cuja Constituição e legislação ordinária vigentes se não abstiveram de firmes declarações de princípio no sentido da defesa da família, se tome por inelutável uma maior quebra de natalidade nos anos próximos.
Nem a linha evolutiva recente da natalidade portuguesa nem o conhecimento da mesma linha evolutiva nos outros países europeus durante os últimos decénios oferecem elementos bastantes para extrapolações tão pessimistas.
De 1940 em diante, as taxas de natalidade portuguesa
têm-se- mantido estacionárias, variando entre um nível máximo de 26,75 (1948) e um nível mínimo de 23,05 (1954). Com excepção do ano passado (23,88) as taxas de natalidade portuguesa posteriores a 1956 excedem 24. Não parece, na base desta estabilidade e da recuperação acusada pelas estatísticas da natalidade de outros países do Ocidente, que as perspectivas próximas justifiquem alarmes. Na Bélgica, onde as taxas de natalidade eram inferiores a 16 durante os anos que precederam a 2.ª guerra mundial, têm-se mantido, desde 1947, com ligeiras oscilações, taxas de natalidade de 17. Em Espanha, a pressão de nascimentos desde 1950 oscila entre taxas de 20 a 22. A França, cujas taxas de natalidade nos anos de 1937 a 1939 foram de 14,6, atingiu no pós-guerra taxas de 21 e parece ter-se fixado ultimamente em taxas de 18. A evolução operada na Inglaterra aproxima-se muito da que foi assinalada quanto à França.
Sendo a evolução da natalidade francesa durante as últimas dezenas de anos das mais características, tanto na fase descendente como na fase ascendente, é de algum interesse chamar a atenção para a circunstância de nesta última fase, os departamentos muito industrializados serem dos que mais contribuem para os excedentes fisiológicos. E o caso, nomeadamente, dos departamentos do Norte, de Pas-de-Calais, do Somme, das Ardenas, do Marne, do Mosela, e outros, cujas taxas de natalidade têm sido superiores a 20. O próprio departamento do Sena apresenta uma natalidade mediana, sendo alguns departamentos do Sul, do Centro e do Sudeste que oferecem taxas de natalidade inferiores.

MAPA N.º 2

[Ver Mapa na Imagem]

N - Taxas de natalidade.
M - Taxas de mortalidade.

Mas se a situação demográfica nacional oferece perspectivas tão alarmantes como as que se inferem da passagem do projecto onde se contêm referências ao problema, importará, antes de mais, traçar um plano nacional de defesa da população portuguesa, pois de reduzido interesse acabariam por ser as realizações materiais mais ambiciosas se a acção conjugada da emigração e da restrição de nascimentos se substituísse aos efeitos que noutros tempos foram exercidos pelas naus da índia.
Espera-se que o Governo não tenha esgotado os meios ao seu alcance para dominar os factores próximos de que poderiam resultar novos decréscimos da natalidade.
E evidente que estas considerações não invalidam uma conclusão favorável ao desenvolvimento das realizações orientadas no sentido de reduzir a mortalidade infantil, por imposições morais e sociais, por imperativo da própria consciência nacional. E nessa base, e não na de uma possível tentativa para compensar a quebra da natalidade através dos cuidados a dispensar à primeira infância, que esta secção manifesta a sua mais ampla concordância relativamente aos propósitos de desenvolvimento da assistência materno-infantil. Quanto a esses propósitos e à necessidade de dar-lhe execução dentro dos apropriados planos, julga-se dever chamar a atenção para as frequentes dispersões de meios resultantes de um acentuado desfasamento que com frequência se nota entre a instalação de unidades assistenciais e a sua entrada em funcionamento, por carência de pessoal habilitado ou de verbas de manutenção. Esse desfasamento tem determinado avultados desperdícios de capitais, que os modestos recursos nacionais não deveriam permitir.
Este inconveniente não se nota, aliás, apenas no campo da protecção
materno-infantil. Além de não se extrair dos capitais investidos em todo o sector da assistência o pleno

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rendimento que deles geralmente obtêm os países mais ricos, pelo regime de funcionamento dos estabelecimentos assistenciais, com frequência se deixam, entre nós, envelhecer, desactualizar, custosas instalações e equipamento, não apenas com baixo nível de utilização, mas até antes de se tentar extrair deles qualquer rendimento, económico, social e humano.

11. Como se observa, em termos judiciosos, no projecto governamental, tem sido acentuadamente favorável a recente evolução das taxas de mortalidade por tuberculose. E de tal modo que seria de suscitar uma revisão do regime que ainda domina entre nós a luta contra a tuberculose, o qual foi traçado tendo em vista um condicionalismo muito diverso do actual. Para mais, as perspectivas optimistas que oferece este sector não radicam apenas nos meios terapêuticos, nem nos meios profilácticos directos, mas também noutros factores, alheios à acção sanitária. Dado o relevo que a tuberculose teve noutros tempos nos quadros sanitários, mantém-se uma organização que o actual condicionalismo não justifica. Recorde-se que à permilagem de óbitos tendo por causa a tuberculose, nos últimos cinco anos, tem variado entre 0,46 e 0,32. Quer dizer: em 3000 falecimentos encontra-se um que tenha por causa a tuberculose. O estudo comparativo da situação noutros países exclui a hipótese de um movimento regressivo.

12. Depois, ou até a par, da saúde na primeira infância, é o sector da saúde mental aquele que, no panorama sanitário português, suscita mais apreensões. Aos factores que poderíamos considerar tradicionais, e cuja violência parecia
estar-se quebrando, nomeadamente através da luta contra o alcoolismo e a sífilis, vieram juntar-se outros que, em última análise, radicam no alastramento de uma posição psicológica de dúvida quanto à origem, à essência e ao destino dos homens e das sociedades, em que se integram. Essa posição psicológica, enquanto limitada a camadas reduzidas da população, teve também um reduzido relevo macrossocial: levava ao suicídio alguns libertinos e jogadores infelizes, por frustração nas suas expectativas de gozos materiais. Mas o alastramento dessa mesma posição criou recentemente, sobretudo nos países velhos, um problema social da maior gravidade. A vulgarização de teses filosóficas que podem qualificar-se genericamente como niilistas tem vindo a afectar, tanto por via directa como por via indirecta, o equilíbrio psíquico de extensas camadas populacionais, constituídas sobretudo por semi-letrados. Directamente, as próprias incertezas quanto à sua essência e destino e a falta de estímulos delas resultantes determinam em numerosos indivíduos psicoses de gravidade variável; indirectamente, as mesmas incertezas conduzem a desregramentos físicos e morais que acabam por provocar um assustador acréscimo de doentes do foro psiquiátrico. O desenvolvimento técnico, tendendo a mecanizar numerosíssimas tarefas e desligando muitos homens de qualquer interesse pelo trabalho que realizam, também tem contribuído para agravar o problema.
Em consequência das suas próprias causas, a situação que se nos depara neste campo não é fundamentalmente de ordem sanitária. E social, é política; liga-se directamente à crise da sociedade contemporânea e à necessidade de vencê-la através de uma autêntica revisão de estruturas que assegure a defesa integral do homem. Precisamente este constante alargamento do número de doentes mentais, ligado ao conhecimento das causas de muitas psicoses, impõe uma tomada de consciência quanto à defesa da saúde pública, que, afinal, não reclama apenas a proibição ou condicionamento da, venda de substâncias tóxicas, mas também a adopção de medidas rigorosas relativamente a todos os elementos que possam afectar o nível moral das populações.
E é de notar que grande parte das medidas adequadas à defesa da saúde mental coincidem com as que cumpre adoptar também em ordem a negar a inevitabilidade da quebra dos nascimentos.
São talvez mais necessárias ainda do que em qualquer outro as medidas preventivas a adoptar neste plano, pelo risco social gravíssimo que oferece a circunstância de a maior parte dos portadores de psicoses ocultarem o seu estado, sem deixarem, contudo, de através de comportamentos amorais ou extravagantes, afectarem as condições de convivência social, sobretudo pelo desconhecimento de que esses comportamentos resultam de anomalias psíquicas. Em épocas de perturbações sociais profundas, sobretudo, não é raro que o amoralismo e as extravagâncias de doentes mentais, acolhidos benevolamente, exerçam influência marcada em muitos sectores: na moda, na arte, em usos sociais, até na política.
Estas considerações não invalidam o mais completo acordo relativamente à necessidade de manter e intensificar a acção desenvolvida, ao melhor nível, dentro da exiguidade dos meios disponíveis, pelo Instituto de Assistência Psiquiátrica, que, aliás, só em 1958 iniciou a sua actividade.
Convém, no entanto, manter presente que o problema em causa não é exclusivamente de ordem sanitária. Mas também é, sem dúvida alguma, um problema sanitário, e do maior relevo, relativamente ao qual o nosso país tem particulares responsabilidades, não apenas pelas dificuldades actuais que se nos deparam, como pelas tradições portuguesas em matéria de assistência aos doentes mentais.
Quando os loucos constituam motivo geral de escárnio, de abandono e até de perseguição, pois só nos séculos XVIII e XIX, sobretudo depois da fundação, respectivamente, dos Hospitais de S. Lucas e de Bicêtre, países como a Inglaterra e a França atribuíram interesse clínico à loucura, já em Portugal se procurava prestar socorros médicos aos doentes mentais, existindo em 1539, no Hospital de Todos-os-Santos o cargo de médico doa doidos, à data desempenhado por Pedro Fernandes de Gouveia. E há notícia de que em 1758 os médicos do grande hospital de Lisboa tinham a obrigação de visitar duas vezes por semana as enfermarias dos doidos ou casas de orates. Estas enfermarias já existiam no século XVI, quando esteve em Portugal Francisco Monzon, autor de Espejo dei Príncipe Christiano, pois refere-se-lhes elogiosamente ao afirmar a superioridade do Hospital de Todos-os-Santos em relação a outros grandes hospitais da época (Espírito Santo, de Saxe, Santiago de Compostela, Toledo e Hospital dos Espanhóis de Roma).
Também por iniciativa de um português, S. João de Deus, se fundou uma ordem religiosa, que, na base do beneplácito de Pio V, de 1551, se propôs espalhar por todo o mundo cristão hospitais de loucos, os quais, pela acção daquela ordem, se estenderam até às índias Orientais.
É de recear que há muito já nos não encontremos ao nível de tais tradições, apesar das tentativas sucessivas de organização de uma assistência eficaz aos alienados. Na actualidade, para além das medidas profilácticas a adoptar, deparam-se-nos no campo da psiquiatria curativa dois problemas fundamentais: falta de especialistas e carência de camas. Calculando-se em 16 000 o número mínimo de camas necessárias pára assistir a doentes mentais, apenas se dispõe de 9000..

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13. É pena que, em razão da já aludida restrição do âmbito do capítulo considerado, o projecto se não refira à luta anticancerosa e à necessidade de dar novo impulso à obra que Portugal ficou devendo, sobretudo, a um excepcional homem de ciência recentemente falecido, o Prof. Francisco Gentil.
Também o projecto de Plano Intercalar se não ocupa do combate às doenças cardiovasculares. E estas duas omissões não podem deixar de ser apontadas, porquanto, num caso como noutro, nos achamos em presença de doenças que de ano para ano têm alastrado assustadoramente no nosso país, como ressalta do quadro seguinte:

[Ver Quadro na Imagem]

Um plano sanitário nacional terá de reservar o maior relevo à luta anticancerosa e à prevenção e tratamento das doenças cardiovasculares. Nem será procedente o argumento que tente fundamentar a relativa passividade em face de tais enfermidades na impotência dos meios oferecidos pela ciência, à escala mundial. A impossibilidade de cura não exclui a terapêutica adequada que permite, na generalidade dos casos, que a vida dos indivíduos atingidos por essas enfermidades seja prolongada por períodos de dezenas de anos. E não deve esquecer-se até o interesse económico quase directo desse prolongamento, tendo em vista que as doenças cancerosas atingem os mais diversos grupos etários e as doenças cardiovasculares na actualidade tendem a ferir indivíduos no início da- maturidade das suas actividades produtivas.

14. Passaremos a deter-nos mais demoradamente em face da alínea respeitante à assistência hospitalar. E por duas razões. Porque o projecto é bastante menos explícito quanto à organização desse tipo de actividade; e porque esta mesma actividade constitui actualmente objecto de maiores atenções e críticas tanto da parte do público em geral como até dos que participam, em elevado nível de responsabilidades, das actividades hospitalares, os quais frequentemente pretendem que a organização actual nega possibilidades de rendimento satisfatório à acção por eles próprios desenvolvida. Nem outra conclusão, nos permite a leitura do relatório sobre as carreiras médicas,- que mereceu oportunamente a aprovação do organismo profissional em que a classe médica se acha enquadrada e constitui valiosa e construtiva contribuição para o estudo dos problemas sanitários.
Sabe-se que a organização hospitalar portuguesa é dominada por um princípio de hibridismo decorrente das nossas tradições em matéria assistêncial e que se tem discutido se essa situação é conciliável com o actual condicionalismo. O projecto não nos esclarece amplamente sobre as dificuldades de funcionamento do sistema, pondo, no entanto, em dúvida que o mesmo funcione bem, à face da concepção ideal expressa de um único hospital repartido por diversos estabelecimentos e localidades, concepção por certo dificilmente conciliável com a autonomia das Santas Casas da Misericórdia uma das quais mantém um hospital central, e com as tradições dos hospitais escolares, necessariamente ligados às Universidades, e dos Hospitais Civis de Lisboa, unidade cuja autonomia institucional resulta de uma longa evolução e de características próprias que não podem ser removidas por esquemas geométricos. Mal se entende mesmo, em face das realidades das instituições hospitalares portuguesas, que elas possam sequer ser orientadas, coordenadas e fiscalizadas por um departamento central de estrutura burocrática, sem tradições e de reduzidos meios, ao qual, segundo a sua designação, cumpriria dirigir superiormente os estabelecimentos hospitalares, quando é certo que não podem ser dirigidos pelo Estado estabelecimentos que nem sequer lhe pertencem.
É indiscutível a necessidade de. coordenar as actividades das diversas unidades hospitalares; mas essa coordenação deveria, dada a autonomia de muitas das instituições em causa, ser confiada a uma junta, sem feição burocrática e que incluísse representantes dos estabelecimentos a coordenar.
O projecto governamental oferece-nos o seguinte quadro relativamente aos hospitais existentes e ao número de camas de que dispõem:

[Ver Quadro na Imagem]

Mas é do conhecimento geral que estes números globais nos dão uma visão deformada dos meios de que dispõe a organização hospitalar metropolitana, dadas as reduzidas taxas de ocupação das camas dos hospitais sub-regionais. taxas essas que põem em causa, alternativamente, ou as possibilidades de acção dos hospitais sub-regionais ou a suficiência das verbas de que dispõem. Segundo elementos constantes do projecto governamental, a taxa de ocupação das camas dos hospitais sub-regionais foi, em 1962 de 52,61 por cento. Ou seja, metade das camas dos hospitais sub-regionais não são utilizadas.
Essas reduzidas taxas de utilização atestam a possibilidade de extrair quaisquer conclusões do aumento da permilagem de camas hospitalares em relação ao número de habitantes.
Em face da indicação do custo global dos hospitais escolares de Lisboa e do Porto - 677 000 contos -, não deixa de ser oportuno pôr a questão de saber se as dotações destinadas ao funcionamento desses estabelecimentos correspondem ao referido custo. Questão semelhante merecerá ser posta relativamente às verbas de apetrechamento, aliás modestas, respeitantes aos. três últimos anos. E questão semelhante, se porá naturalmente muito em breve em relação ao Centro, de Medicina Física de Alcoitão.
Conforme se recorda no projecto, a Comissão de Construções Hospitalares orientou-se predominantemente para a construção de hospitais sub-regionais, precisamente os de baixa utilização e rendimento, sendo de notar que esse rendimento, reduzido não é revelado apenas pela falta de ocupação de camas disponíveis, mas por muitos outros índices: número e natureza de intervenções cirúrgicas realizadas, quadros de pessoal -, especialidades médicas, etc. Não importa já discutir essa orientação seguida quanto à predominância de construções hospitalares que sem têm revelado de menor utilidade, orientação que, aliás, poderá ter sido prejudicada por factores posteriores e recentes. Mas interessaria muito ver definida

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com nitidez uma ideia central, uma directriz, quanto à orientação futura oas construções hospitalares.
Se se entende que, dada a configuração geográfica do território metropolitano e a relativa facilidade de transportes, a assistência hospitalar deverá assentar fundamentalmente nos três centros universitários, únicos em condições de disporem de pessoal habilitado em número suficiente, sobretudo pelo que respeita às especialidades médicas, cumpria afirmar claramente o princípio, por forma a abandonar uma inglória dispersão de esforços. Sem prejuízo, evidentemente, de uma ou outra excepção, baseada precisamente na distância ou dificuldade de acesso a qualquer dos grandes centros de assistência hospitalar. Considere-se, exemplificativamente, além das ilhas adjacentes, o caso de Bragança. Não poderá deixar de impressionar, em apoio deste entendimento para a concentração da assistência hospitalar, que 60 por cento dos medidos inscrito? na respectiva Ordem exercem a sua actividade em Lisboa e no Porto, e que dos pediatras e ginecologistas se encontram nestas cidades 75 por cento, aproximadamente, havendo distritos que não dispõem de médicos habilitados com estas especialidades. Ou se consegue atrair para a província um número razoável de especialistas, ou se renuncia a um funcionamento satisfatório dos hospitais regionais e sub-regionais.
Mas se se julga, pelo contrário, que o actual estádio da medicina curativa é compatível com a sobrevivência e desenvolvimento de hospitais de província, cumpre afirmá-lo claramente, em ordem a dotar esses hospitais de meios, sobretudo humanos, ao nível da função que são chamados a desempenhar.
De resto, o problema não se põe exclusivamente em relação aos hospitais de província. Também os hospitais centrais pecam por insuficiente aproveitamento dos capitais neles investidos; bastará recordar que, com excepção dos serviços de banco, os nossos hospitais centrais só funcionam plenamente da parte da manhã, donde resulta que o equipamento dispendioso, utilizado apenas durante um período reduzido de horas diárias, quando o é, se desactualiza antes de ter fornecido o rendimento que poderia prestar.
Estamos em face da questão de maior relevo respeitante ao custo da assistência hospitalar. E é evidente que para solucionar essa questão teremos de realizar uma análise mais profunda, que necessariamente colocará à superfície a urgência de uma revisão do estatuto do pessoal sanitário. Com os actuais quadros e com o espírito de desânimo que os domina, melhor será não considerar sequer a hipótese de aproveitamento pleno dos capitais, aliás avultados, já investidos nas nossas unidades hospitalares.
Apresenta-se seguidamente uma relação respeitante aos hospitais construídos e equipados, desde 1950, pela Comissão de Construções Hospitalares.

MAPA N.º 3

Hospitais construídos pela Comissão de Construções Hospitalares

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[Ver Mapa na Imagem]

(a) Estas verbas não incluem o equipamento, posto tratar-se de unidades que ainda o não receberam.
A esta relação haveria que acrescentar, a fim de oferecer um quadro completo do trabalho realizado pela Comissão de Construções Hospitalares, a dos hospitais remodelados e ampliados, no todo ou em parte, pela mesma Comissão, entre os quais se contam o Hospital de D. Estefânia (23 145 000$) e seis hospitais regionais beneficiados pela construção de pavilhões. Mas a relação apresentada já define a orientação seguida, caracterizada pelo predomínio de uma cobertura sanitária do território metropolitano através de pequenas unidades hospitalares, de baixas lotações e escassas possibilidades de acção.
No entanto, parecem perigosas generalizações em tal matéria, muito interessando considerar não a actividade global de todos os hospitais sub-regionais, mas a actividade desenvolvida por cada um deles. Os números respeitantes às intervenções cirúrgicas realizadas nos três tipos de hospitais durante o ano de 1962 dão-nos uma ideia de quanto a actividade de muitos hospitais sub-regionais poderá ter aliviado as maiores unidades hospitalares.

[Ver Quadro na Imagem]

Recorda esta secção que, em 1963, por portaria do Ministério da Saúde -e Assistência, foi nomeada uma comissão à qual coube a tarefa de estudar a reorganização das grandes unidades hospitalares portuguesas. Dessa comissão fazem parte destacadas personalidades, cuja presença é garantia bastante de que o estudo da referida comissão oferecerá elementos da maior utilidade para uma planificação da assistência hospitalar. Seria aconselhável, consequentemente, que essa planificação, mesmo parcial, não precedesse o conhecimento e análise por parte do Governo do relatório da Comissão de Reforma Hospitalar, que, segundo é do conhecimento desta secção, se acha concluído.
Conviria - e neste ponto se reconhece o maior interesse de uma coordenação entre o sector sanitário e outros - que se organizasse um esquema de colaboração com entidades públicas e particulares em ordem ao transporte rápido de doentes cujo estado reclame urgentes intervenções. Não pode o próprio sector sanitário assegurar a manutenção e conservação dos mais rápidos meios de transporte; atribuir-lhos reclamaria novas e elevadas despesas de escassa rentabilidade e muito duvidosa eficiência. Mas já seria aconselhável uma colaboração, nomeadamente com as autoridades militares, para utilização regular, normal, de aviões e helicópteros, a pedido dos serviços de saúde.

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O projecto aflora o aspecto dos «meios pessoais», concluindo que o número total de médicos «se aproxima da suficiência», embora reconhecendo que importa ter em conta a sua desigual distribuição geográfica e a carência de especialistas. Em relação ao pessoal de enfermagem, revela-se-nos, através de um quadro estatístico, que o seu número, entre 1955 e 1962, não evoluiu em termos particularmente satisfatórios, sobretudo quanto ao pessoal mais habilitado. Ao facto não deve ter sido alheia, a par do baixo nível de remunerações, a situação mantida durante um longo período durante o qual foi vedado o casamento às enfermeiras. Também o nível de preparação que se está exigindo do pessoal de enfermagem dificulta o seu recrutamento, sendo da maior oportunidade uma revisão de programas e uma reorganização das respectivas escolas.

15. Episodicamente, refere-se o projecto, sob a rubrica genérica «Saúde», a um sector que, pelo menos à luz das concepções nacionais, sob aquela rubrica se não enquadra. A não ser que se adopte o conceito muito amplo da Organização Mundial de Saúde, que fez corresponder à saúde a ideia de bem-estar físico, mental e social, não faz sentido integrar na saúde a assistência social.
Mas, uma vez que se tentou essa integração, impõem-se alguns reparos relativamente à forma por que se encarou a assistência social. Duvida-se que, na actualidade, a instrução necessária para os indivíduos fazerem vida segundo a sua condição ou as suas possibilidades vocacionais constitua um problema assistêncial; e julga-se contrário aos sentimentos cristãos que a pobreza constitua fundamento bastante para privar de grande parte das alegrias da vida familiar crianças integradas em lares bem constituídos.
Ao debruçarmo-nos sobre os problemas da assistência aos menores, talvez conviesse recordar os exemplos de Pina Manique e do matemático e poeta José Anastácio da Cunha, ao qual o intendente cometeu o encargo de estruturar a Casa Pia de Lisboa, não como depósito de crianças abandonadas, mas como centro educacional para os menores desprovidos de bens materiais, ao tempo em que não havia um departamento do Estado que tivesse a seu cargo a educação, considerada globalmente. Daquele centro de Pina Manique irradiaram os alunos, rapazes das vielas de Lisboa, para as escolas médico-cirúrgicas de Londres, Edimburgo e Copenhaga, para o Colégio de Belas-Artes de Roma; nesse centro se formou o pintor António Domingos de Sequeira; e nos seus saraus recebeu os primeiros aplausos a cantora Luísa Todi. De entre os alunos dos primeiros cursos da Casa Pia contaram-se três futuros lentes da Universidade, quatro futuros lentes da Escola Veterinária, o historiador Luz Soriano, e muitos outros que se destacaram na vida social portuguesa.
§ 3.º Os objectivos do projecto de Plano Intercalar de Fomento no plano sanitário

16. No sector da saúde pública distinguem-se três categorias fundamentais de objectivos a prosseguir: investigação e ensino; vacinações; educação sanitária.
Pelo que respeita à investigação e ensino, o objectivo traduz-se numa reorganização do Instituto Superior de Higiene do Dr. Ricardo Jorge, estabelecimento ao qual o País deve serviços inestimáveis. Na fase actual das ciências médicas e do condicionalismo geral da Nação, porém, é de recear-se que uma tentativa de reorganização do Instituto Superior de Higiene do Dr. Ricardo Jorge seja menos oportuna. A preparação de médicos sanitaristas deverá caber ou às Faculdades de Medicina ou a uma escola nacional de saúde pública, a integrar nos quadros gerais, do ensino, cumprindo contrariar, em defesa da cultura portuguesa, a tendência para cada departamento de Estado dispor, para seu serviço, de arremedos de instituições universitárias.
Quanto ao prosseguimento dos trabalhos de vacinação, em ordem à erradicação de diversas doenças transmissíveis, parece indiscutível a sua utilidade; mas não deixará de observar-se que esses trabalhos, processando-se dentro da normalidade da actuação da Direcção-Geral de Saúde, bem poderiam realizar-se à margem de uma ampla planificação. Aliás, é de notar que à definição deste objectivo não corresponde a afectação de qualquer verba no projecto de plano.
Sobre a educação sanitária da população algumas hesitações se oferecem. Os conhecimentos assimiláveis por grandes massas populacionais têm de ser de tal modo rudimentares que, sem prejuízo de uma esquematização desses conhecimentos por parte do Ministério da Saúde e Assistência, se julga vantajosa e eficiente a actuação de outros departamentos, através dos professores primários e dos organismos corporativos lato sensu, abrangendo instituições como as freguesias e outras, a fim de fornecer às populações conhecimentos rudimentares de higiene e profilaxia.

17. O propósito de criação escalonada de novos dispensários materno-infantis, nas áreas onde eles não existam, e o reequipamento e remodelação de alguns dos existentes que oferecem escasso rendimento, por forma a torná-los em órgãos mais activos, de finalidade essencialmente profiláctica, merece todo o aplauso da secção, que apreciaria fosse possível acrescentar a esse propósito o de reapetrechamento e modernização cias maternidades existentes nos grandes aglomerados urbanos.

18. Por razões já referidas neste parecer, e sem deixar de reconhecer que merece ampla aprovação tudo quanto se realize no sentido de uma completa erradicação da tuberculose, receia-se que, de harmonia com uma hierarquização objectiva de necessidades dentro do sector sanitário, se não deva continuar a atribuir à luta contra a tuberculose uma prioridade que também deveriam merecer as doenças cardiovasculares e a luta anticancerosa.

19. Regista-se muito favoravelmente que, em relação à saúde mental, o projecto considere prioritariamente a preparação do pessoal médico, de enfermagem e outro de carácter técnico.
E, dando o seu acordo à indicação dos objectivos a atingir neste, sector, a secção apreciaria conhecer os meios considerados para alargamento dos serviços de saúde mental, por forma a atingirem de modo mais fácil e rápido as populações que vivem afastadas dos grandes centros. Estabelecendo-se algumas reservas em relação ao grau de eficiência do trabalho das brigadas móveis, não se descortinam meios de atingir o objectivo que não se baseiem na atracção de jovens médicos para a especialidade de psiquiatria, por forma a garantir-se uma cobertura psicossanitária de todo o território metropolitano.

20. Alguns dos objectivos propostos relativamente ò assistência hospitalar revelam ausência de opção relativamente às alternativas que se formulam quanto à organização hospitalar portuguesa. Antes de ser conhecido o relatório da Comissão de Reforma Hospitalar e o Regulamento do Estatuto da Saúde e Assistência afigura-se prematura qualquer tentativa de estabelecimento de directrizes em matéria tão melindrosa. Julga-se também que a promoção do estabelecimento de carreiras de médicos e

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técnicos auxiliares, de primordial importância e da maior urgência, mas transcendendo em muito o plano da assistência hospitalar, não tenha aqui lógico cabimento.
Também muito apreciaria esta secção conhecer os processos em estudo para fixação de médicos fora das cidades de Lisboa, Porto e Coimbra, posto que da exequibilidade de tais processos dependerá um melhor aproveitamento das pequenas unidades hospitalares já construídas.

21. A par do plano sanitário nacional, que se impõe estabelecer urgentemente, a organização dos estabelecimentos de assistência a menores justificaria também uma ampla planificação que afastasse estruturas e processos anacrónicos, no pior sentido deste termo, cuja remoção seria certamente exigida por imperativos de dignidade nacional se a actual situação e os seus vícios fossem suficientemente conhecidos. Receia-se, porém, que a exiguidade dos meios mobilizados e a falta de definição rigorosa de objectivos se traduzam, neste sector, numa dispersão de disponibilidades.
§ 4.º Os investimentos previstos no capítulo IX do projecto de Plano Intercalar de Fomento

22. Não pode deixar de causar apreensão que, em consequência das considerações contidas no capítulo IX, nele se preveja um montante global de investimentos que não excede 356 000 contos. Pouco mais de 100 000 cantos em cada um dos próximos três anos. O quantitativo impressiona tanto em termos absolutos como em confronto com outros ramos de actividade considerados no projecto e financiados por fundos públicos.
É admissível o argumento de que se procurou dar prioridade a actividades directamente reprodutivas; mas, sendo assim, regressamos ao ponto inicial: a saúde, reclamando, exigindo, um plano nacional próprio, particular e extremamente amplo, oferece dificuldades de integração num plano de fomento.
Nem se diga, em relação à exiguidade dos investimentos no sector saúde, recordando as dificuldades presentes e usando de um velho rifão, que «quem dá o que tem .... Não. O Estado e as instituições particulares despendem anualmente com a saúde pública verbas bastante elevadas, às quais se devem adicionar, em larga medida, as verbas despendidas pela previdência para os mesmos fins. Os investimentos previstos no projecto de Plano Intercalar constituem apenas uma parte reduzida da despesa realizada em Portugal com a saúde pública; e certamente que, abstraindo das despesas de funcionamento, se poderiam ter incluído neste capítulo investimentos mais avultados, sem exceder os que se vêm normalmente realizando.

23. Apreciemos cada uma das verbas destacadas.
Pelas razões já expostas, parece dispersiva a verba de 35 000 contos para reorganização do Instituto Superior de Higiene do Dr. Ricardo Jorge. Ainda que o financiamento seja realizado parcialmente por «instituições desinteressadas», afigurar-se-ia preferível canalizar o desinteresse dessas instituições para zonas onde as necessidades se apresentam como mais imperiosas, nomeadamente as das doenças cardiovasculares, da luta anticancerosa e da protecção
materno-infantil.
Depois de quanto foi exposto sobre as nossas necessidades em matéria de protecção materno-infantil, a verba de 15 000 contos destinada à criação e remodelação dos dispensários materno-infantis bem pode ser interpretada
como simbólica. Mesmo assim, esse investimento de 15 000 contos encontra a sua cobertura através de acordos a celebrar entre os Ministérios da Saúde e Assistência e das Corporações e Previdência Social, acordos cujos termos interessaria conhecer, em ordem a apreciar os novos rumos que parece desenharem-se no campo da assistência.
Embora em termos absolutos não pareça excessiva, a verba de 41 000 contos reservada à tuberculose poderá sê-lo dentro da escala de prioridades que se impõe no sector sanitário.
Depois dos termos em que foi descrita a situação do País do ponto de vista da saúde mental e à face do enunciado dos objectivos respeitantes a este sector, a verba de 30 000 contos destinada a centros de saúde mental perde bastante do seu aparente relevo. Não é dessa verba de 30 000 contos que se pode esperar, para os próximos três anos, um esforço intensivo de preparação de psiquiatras ou o preenchimento do deficit de 7000 camas para doentes mentais.
Quanto à verba reservada à assistência hospitalar, de 210 000 contos, dada a falta de directrizes firmes em tal matéria, nem sequer é de excluir a hipótese de que seja excessiva, pois não se estranharia que viesse a ser utilizada em realizações que têm sido reputadas estéreis, por dispersivas e por desligadas de um plano director relativamente à conjugação de meios materiais e de pessoal habilitado que possa tornar esses meios úteis. Observar-se-á, no entanto, que, abstraindo do interesse sanitário dos empreendimentos, a construção de hospitais constitui, entre todos os investimentos previstos no capítulo IX, o de mais acentuado efeito multiplicador.
A verba de 25 000 contos destinada aos estabelecimentos de recuperação de crianças cegas, surdas e diminuídas mentais, verba de rotina dentro da vida administrativa do sector, é natural que possa contribuir de algum modo para melhorar o funcionamento dos referidos estabelecimentos.
§ 5.º Conclusão geral

24. Impõe-se uma conclusão de ordem geral.
O sector da saúde tem merecido ao Governo, nas últimas dezenas de anos, investimentos elevados em relação às nossas possibilidades. Mas esses avultados investimentos não têm sido orientados segundo uma política sanitária global rigorosamente definida nem têm beneficiado d) indispensável apoio de despesas de funcionamento suficientes para garantir um satisfatório aproveitamento dos capitais investidos.
Em consequência, o regime de trabalho dos estabelecimentos de saúde, sobretudo oficiais, o estatuto dos seus servidores, na generalidade dos casos ainda privados do benefício da aposentação, a carência de verbas bastantes para assegurar a conservação do equipamento instalado nos estabelecimentos e até para assegurar a conservação, dentro de limites razoáveis, dos próprios edifícios, a extrema diversidade de normas reguladoras da administração dos estabelecimentos, mesmo oficiais, outros factores ainda, contribuíram para uma situação do sector sanitário que não pode hesitar-se em qualificar, a vários títulos, como menos satisfatória.
Em face desta situação, impõe-se uma tentativa muito ampla e audaciosamente revolucionária orientada no sentido de reformar todo o sector, começando por dar ampla satisfação às justas reivindicações de quantos nele servem, não só em cumprimento de exigências de uma justiça distributiva, mas também a fim de tornar mais fácil reclamar de grande número desses servidores a dedicação inseparável das funções extremamente delicadas que lhes

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são cometidas. Sugere a secção para tanto a organização de um plano nacional de saúde, autónomo, em cujos quadros seja atribuído o maior relevo às despesas de funcionamento dos serviços.
São muito profundas e vêm de muito longe as raízes dos males que afligem .este sector e que cumpre remover. De tal modo que só a perspectiva histórica permite aperceber com amplitude todo o relevo desses mesmos males, de que recentemente as massas começaram a tomar consciência, mas que sempre foram conhecidos de quantos se debruçaram sobre os problemas assistenciais numa visão global
sócio-política. Nos últimos anos da monarquia constitucional, lamentava Vítor Ribeiro a extraordinária multiplicidade e desconexão dos nossos numerosos institutos de beneficência, dos quais resultava um inútil acréscimo de despesa. Apesar de todos os esforços desenvolvidos, esta situação não se modificou radicalmente, até porque dispõe a seu favor de uma rede apertadíssima de pequenos interesses criados, muitos dos quais, aliás, defendidos com boa fé, ainda que na base de uma visão estreita das realidades.
Um inventário de todas as duplicações e neutralizações de iniciativas e actividades que não transcendesse mesmo os serviços integrados no Ministério da Saúde e Assistência, ou por este coordenados e fiscalizados, poria bem em destaque o facto, já assinalado, de serem relativamente elevadas as verbas utilizadas no sector, das quais, pela dispersão, não se extrai toda a possível utilidade
social. E nem se julgue que aquela dispersão possa ser quebrada por uma reforma centralizadora, pela perda de autonomia de muitas instituições. Também a burocracia, a par de muitos outros vícios, sobretudo no plano assistencial, não tem conseguido comprovar a sua imunização relativamente às tendências dispersivas.
Apesar de os males virem de longe, apesar de os esquemas mais cuidadosamente elaborados e mais rigorosamente fiéis aos princípios superiores a observar se destinarem sempre a sofrer, no plano da aplicação, compressões e distorções geralmente provocadas por pequenos conflitos de interesse, alheados dos fins sociais a prosseguir, apesar de todas essas circunstâncias adversas, a secção confia que o Governo, pelas vias adequadas, vá ao encontro dos problemas fundamentais da saúde pública e os solucione satisfatoriamente, sem quebra das tradições portuguesas, mas sem complacência em relação a sobre vivências incompatíveis com os condicionalismos da nossa época e com as exigências nacionais.

Palácio de S. Bento, 6 de Novembro de 1964.

António dos Reis Rodrigues.
António da Silva Rego.
Fernando Baeta Byssaia Barreto Rosa.
João José Lobato Guimarães.
Joaquim Trigo de Negreiros.
Pedro Mário Soares Martinez, relator.

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PARECER N.º 19/VIII

Projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967

Províncias ultramarinas

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1963-1967, emite, sobre a parts relativa às províncias ultramarinas, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Política e administração ultramarinas), à qual foram agregados os Dignos- Procuradores António Trigo de Morais, Carlos Krus Abecassis e Francisco Pereira de Moura, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:

SUMÁRIO

I

Apreciação na generalidade

&. 1.º Objecto do parecer:

1 - Objecto do parecer

Características dos planos de fomento do ultramar:

2 - I Plano (1953-1958) ................................... 1001
3 - Investimentos do I Plano, por províncias ............. 1001
4 - Despendido no I Plano ................................ 1001

Quadro n.º 1, Cabo Verde ................................. 1002
Quadro n.º 2, Guiné ...................................... 1002
Quadro n.º 3, S. Tomé e Príncipe ......................... 1002
Quadro n.º 4, Angola ..................................... 1003
Quadro n.º 5, Moçambique ................................. 1004
Quadro n.º 6, Índia , .................................... 1004
Quadro n.º 7, Macau ...................................... 1004
Quadro n.º 8, Timor ..................................... 1004
Quadro n.º 9, fontes de financiamento do I Plano ........ 1005

5 - Fontes de financiamento do I Plano 1005
6 e 7 - Empreendimentos principais do I Plano ................................................. 1005
8 - Antecedentes- do II Plano ........................... 1005
9 - Investimentos provinciais do II Plano ............................................... 1006
10 - Rubricas principais do II Plano ................... 1006
11 - Povoamento ........................................ 1006
12 - Objectivos fundamentais do II Plano ............... 1006
13 - Programa do II Plano e despesa realizada no quadriénio de 1959-1962................................. 1006
14 - Características do II Plano por províncias ........ 1006
15 - Impulso às grandes- infra-estruturas ultramarinas nos

I e II Planos de Fomento ................................ 1006

Quadro n.º 10 - Investimentos no quadriénio de 1959-1962, por províncias .......................................... 1007
Quadro n.º 11 - Investimentos do II Plano, por sectores.. 1007
Quadro n.º 12 - Dotações das grandes infra-estruturas no

I Plano de Fomento ..................................... 1008

16 - Características do II Plano ....................... 1008
Quadro n.º 13 - Financiamento do II Plano. ............. 1009

17 - Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967 ........ 1009

1) Antecedentes:

18 - Parecer n.º 1/62 da Comissão Restrita do Conselho Superior de Fomento Ultramarino ....................... 1010
19 - Adicionais ao parecer n.º 1/62 ................... 1010
Adicional sobre o colonato do Limpopo ................. 1010
Adicional sobre a barragem de Massingir, secas- na África do Sul e no Limpopo e parecer n.º 12/64 do Conselho Superior de Fomento Ultramarino sobre o aproveitamento de Massingir .......................................... 1014
Adicional sobre a estrada de Macia-Bilene ao colonato do Limpopo............................................. 1014
20 - Adicionais referentes a Angola ................... 1015
Adicional sobre as novas albufeiras do Cunene ............................................ 1015
Adicional sobre a irrigação Molondo-Quiteve-Humbe. Comissão Odendaal ............................................. 1015

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1000 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 82

Aproveitamentos hidráulicos do Curene e acordos com a África do Sul .................................................. 1018

2) Formulação do Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967:

21 - Grupos de trabalho .......................................... 1020
22 - Actuação e programação dos investimentos prioritários ....... 1021
23 - Investimento total do Plano Intercalar e sua distribuição, por províncias ................................................... 1021
24 - Distribuição dos 14 400 OUO contos por sectores de desenvolvimento - Quadro n.º 18 .................................................. 1021

Quadro n.º 19 - Plano Intercalar de Cabo Verde ................... 1022
Quadro n.º 20 - Plano Intercalar da Guiné ........................ 1022
Quadro n.º 21 - Plano Intercalar de S. Tomé e Príncipe............ 1022
Quadro n.º 22 - Plano Intercalar de Angola ....................... 1022
Quadro n.º 23 - Plano Intercalar de Moçambique ................... 1023
Quadro n.º 24 - Plano Intercalar de Macau ........................ 1023
Quadro n.º 25 - Plano Intercalar do Timor ....................... 1023

II

Exame na especialidade

§ 1.º Financiamento do Plano Intercalar:

25 - Fontes nacionais e externas de financiamento .............. 1025
20 - Filosofia das fontes de financiamento ..................... 1024

§ 2.º Observações sobra problemas comuns às várias províncias:

27 - Quanto às proporções do Plano Intercalar e às disponibilidades de pessoal técnico e científico .................................. 1025
Quadro n.º 26 - Confronto dos Planos I e II e Intercalar.......... 1026

28 - Quanto ao mimem de empreendimentos .......................... 1026

§ 3.º Análise dos empreendimentos e realizações previstos no projecto de Plano Intercalar:

29 - Referências gerais........................................... 1026

1) Cabo Verde

30 - Preâmbulo. .................................................. 1026
31 - Conhecimento científico do território e das populações, investigação científica e estudos de base......................... 1026
32 - Agricultura, silvicultura e pecuária

Quadro n.º 27 - Produções principais ............................ 1027

33 - Pesca ...................................................... 1027
34 - Energia .................................................... 1028
35 - Indústrias.................................................. 1028

Quadro n.º 28 - Esboço da evolução das indústrias de Cabo Verde . 1028

36 - Transportes e comunicações ................................. 1028
37 - Transportes aéreos ......................................... 1029
38 - Telecomunicações ........................................... 1029
39 - Habitação e melhoramentos locais............................ 1029
40 - Promoção, social ........................................... 1029
41 - Radiodifusão ............................................... 1030
42 - Aspectos da economia e promoção social de Cabo Verde ............................................ 1030

2) Guiné

43 - Preâmbulo .................................................. 1030
44 - Empreendimentos e características........................... 1030
45 - Conhecimento científico do território ë das populações, investigação científica e estudos de base..................................... 1030
46 - Agricultura, silvicultura e pecuária ........................ 1030
47 - Pesca ...................................................... 1031
48 -Energia ..................................................... 1031
49 - Indústria ................................................. 1031
50 - Transportes e comunicações ................................. 1031
51 - Estradas .................................................... 1032
52 - Portos, ..................................................... 1032
53 - Transportes aéreos .......................................... 1032
54 - Telecomunicações ............................................ 1032
55 - Habitação e melhoramentos locais............................. 1032
56 - Melhoramentos locais ........................................ 1032
51 - .Promoção social ............................................ 1032
58 - Meios para campanhas sanitárias ............................. 1033
59 - Prioridades ................................................. 1034

3) S. Tomé e Príncipe

60 - Preâmbulo. .................................................. 1034
61 - Empreendimentos e características ........................... 1034
62 - Conhecimento científico do território e das populações, investigação científica e estudos de base .................................... 1034
63 - Agricultura, silvicultura e pecuária ......................... 1034
64 - Povoamento .................................................. 1034
65 - Pesca ........................................................ 1035
66 - Energia ...................................................... 1035
67 - Indústria .................................................... 1035
68 - Transportes e comunicações: estradas, .portos, transportes aéreos, telecomunicações .................................................. 1035
69 - Habitação e melhoramentos locais.............................. 1036
70 - Promoção social .............................................. 1036
71 - Plano de acção ............................................... 1036

4) Angola

72 e 73 - Preâmbulo.. ..................................... 1030 e 1037
74 e 75 - Características da economia de Angola ................... 1037
76 - Conhecimento científico do território e das. populações, investigação científica e estudos de base....................................... 1037
77 - Agricultura, silvicultura e pecuária .......................... 1037
78 - Pesca ........................................................ 1038
79 - Energia ...................................................... 1038
80 - Indústrias ................................................... 1038
81 - Transportes e comunicações .................................. 1039
82 - Estradas. .................................................... 1039
83 - Portos. ...................................................... 1039
84 - Transportes aéreos ........................................... 1039
85 - Telecomunicações e correios .................................. 1039
86 - Turismo ...................................................... 1039
87 - Habitação e melhoramentos locais.............................. 1039
88 - Educação ..................................................... 1039
89 - Saúde e assistência .......................................... 1040
90 - Radiodifusão . ......... ...................................... 1040

5) Moçambique

91,92, 93,94 - Preâmbulo, ......................................... 1040
95 - Conhecimento científico do território e das populações, investigação científica e estudos de base ...................................... 1040
96 - Agricultura, silvicultura e pecuária.......................... 1041
97 - Pesca ........................................................ 1041
98 - Energia ...................................................... 1042

Página 1001

17 DE NOVEMBRO DE 1964 1001

100 - Transportes e comunicações: estradas -, caminhos de ferro, portos, transportes aéreos e telecomunicações............... 1042
101 - Turismo ...................................... 1044
102 - Habitação e melhoramentos locais.............. 1044
103 - Promoção social: ensino, saúde................ 1044

6) Macau

104,105, 106 - Preâmbulo................................. 1044e 1040
107 - Conhecimento científico do território
e das populações, investigação científica e
estudos de base.......................................... 1045
108-Agricultura, silvicultura e pecuária................. 1045
109-Pesca................................................ 1045
110 -Energia ............................................ 1045
111 - Indústria transformadora .......................... 1045
112 - Transportes e comunicações: estradas,
portos e navegação, pontes, transportes aéreos........... 1045
113 - Turismo ........................................... 1045
114 - Habitação e melhoramentos locais................... 1046
115 - Promoção social: educação, saúde e
assistência ............................................. 1046
116 - Finalidades........................................ 1046

7) Timor

117,118, 119 - Preâmbulo................................. 1046
120 - Conhecimento científico do território
e das populações, investigação científica
e estudos de base........................................ 1046
121 - Agricultura, silvicultura e pecuária............... 1047
122 -Pesca .............................................. 1047
123 -Energia ........................................... 1048
124 e 125 - Indústrias................................... 1048
126 - Transportes e comunicações: estradas,
portos e navegação, transportes aéreos e
telecomunicações......................................... 1048
127 - Turismo............................................ 1049
128 - Habitação, melhoramentos locais e
radiodifusão............................................. 1049

§ 4.° Empreendimentos e investimentos prioritários por provinda segundo o parecer da Câmara:

129 e 130 - Cabo Verde - Quadro n.° 29.... 1049 e 1050
Guiné - Quadro n.° 80..................... 1051
S. Tomé e Príncipe - Quadro n.° 31........ 1052
Angola - Quadro n.° 32.................... 1053
Moçambique - Quadro n.° 33................ 1054
Macau - Quadro n.º 34..................... 1056
Timor - Quadro n.° 35..................... 1057

III

Conclusões

131 - Conclusões ............ 1058

I

Apreciação na generalidade

§ 1.° Objecto do parecer

l. O projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967, na parte respeitante às províncias ultramarinas, ocupa-se do prosseguimento, sem soluções de continuidade, do planeamento de desenvolvimento económico das províncias ultramarinas, iniciado com o I Plano de Fomento, hexenal, de 1953-1958, e continuado cem o II Plano de Fomento, também hexenal de 1959-1964. O Plano Intercalar é um plano de fomento trienal, pretendendo o Governo que ele se insira numa linha de planeamento do desenvolvimento económico nacional no espaço português de maior prazo, e constitua base fundamental de planeamento futuro. Espera o Governo que o Plano Intercalar entre o II Plano, que termina em 1964, e o III Plano, em preparação e já com estudos iniciados, «seja a expressão de uma política económica realista e traduza a firme determinação de assegurar a necessária coordenação entre as exigências da defesa e os objectivos do fomento económico». Deverá ter-se sempre presente que na hierarquia das necessidades e dos encargos do ultramar a Nação conferiu preferência à defesa, depois da qual vêm os investimentos de natureza económico-social, que, nos termos do Plano agora apresentado, continuam a ser essencialmente os de empreendimentos predominantes do sector público, tendo como fins gerais a aceleração do acréscimo do produto nacional e a repartição mais equilibrada do rendimento, condicionada a sua realização à conservação da estabilidade financeira interna e externa e ao equilíbrio regional do desenvolvimento e do mercado do trabalho. Vejamos as características dos dois planos que antecederam o Plano Intercalar e as deste plano.

§ 2.° Características dos planos de fomento do ultramar

O I Plano de Fomento (1953-1958), aprovado pela Lei n.º 2058, de 29 de Dezembro de 1952

2. Em Maio de 1950 terminou a vigência da Lei n.° 1914, da reconstituição económica, de 24 de Maio de 1935, com a qual se pretendeu «substituir aos processos de realização improvisados e dispersivos a elaboração de planos que por si mesmos obrigassem ao estudo das condições e riquezas do solo e subsolo portugueses, à definição e escolha de soluções, à criação das fases em que o mesmo empreendimento se poderia desdobrar, ao prazo de execução, aos processos porque haverá de realizar-se, ao orçamento e valor económico das obras, ao seu custeio por disponibilidades públicas e particulares».

3. No termo da vigência da Lei n.° 1914, em que se despenderam mais de 14 milhões de contos com obras económico-sociais, foi estudado o I Plano de Fomento.
Por força da Lei n.° 2058, que o aprovou em 29 de Dezembro de 1952, da Lei n.° 2077, de 27 de Maio de 1955, que o ampliou, e de ajustamentos feitos pelo Conselho Económico, os investimentos para o ultramar elevaram-se no I Plano a 4 930 600 contos, com a distribuição provincial seguinte:

Contos

Cabo Verde.................. 13 7000
Guiné....................... 86 200
S. Tomé e Príncipe.......... 150 000
Angola...................... 2 267 700
Moçambique.................. l 848 500
índia ...................... 229 200
Macau....................... 120 000
Timor....................... 92 000

4. Em 31 de Dezembro de 1958, no final do I Plano de Fomento, a execução deste registou os investimentos e sectores de aplicação dos quadros n.ºs 1 a 8.

Página 1002

1002 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 82

Cabo Verde

I Plano de Fomento - Investimentos QUADRO N.º 1

[Ver Quadro na Imagem]

Guiné

I Plano de Fomento - Investimentos

QUADRO N.º 2

[Ver Quadro na Imagem]

S. Tomé e Príncipe

I Plano de Fomento -Investimentos

QUADRO N.º 3

[Ver Quadro na Imagem]

Página 1003

17 DE NOVEMBRO DE 1964 1003

Angola

I Plano de Fomento - Investimentos

QUADRO N.º 4

[Ver Quadro na Imagem]

Moçambique

I Plano de Fomento - Investimentos

QUADRO N.º 5

[Ver Quadro na Imagem]

Página 1004

1004 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 82

Estado da Índia

I Plano de Fomento - Investimentos

QUADRO N.º 6

[Ver Quadro na Imagem]

Macau

I Plano de Fomento - Investimentos

QUADRO N.º 7

Timor

I Plano de Fomento - Investimentos

QUADRO N.º 8

[Ver Quadro na Imagem]

Página 1005

17 DE NOVEMBRO DE 1964 1005

Fontes de financiamento do I Plano de Fomento

QUADRO N.º 9

[Ver Quadro na Imagem]

(a Imposto das sobrevalorizações e receitas do Fundo de Fomento do Angola.
(b) Imposto das sobrevalorizações o comparticipação do caminho de forro.

5. Quanto às fontes de financiamento do I Plano, Câmara Corporativa julga poder indicá-las como está registado no quadro n.º 9, por informes colhidos na Direcção-Geral de Fazenda do Ministério do Ultramar e no Conselho Superior de Fomento Ultramarino.

6. O projecto do I Plano de Fomento, submetido pelo Governo ao parecer desta Câmara Corporativa (1) e aprovado pela Lei n.º 2058, teve por finalidades principais a ocupação económica e o povoamento, distribuindo-se os
empreendimentos pelos dois grandes grupos seguintes:

A) Aproveitamento de recursos e povoamento, dotado com 2830 contos;
B) Comunicações e transportes, dotado com 2965 contos.

O investimento total previsto para o I Plano foi de 6 milhões de contos, aditando-se às parcelas de A) e B) anteriores mais 205 000 contos, sendo 165 000 contos destinados a melhoramentos de carácter social e 40 000 contos inscritos sob a rubrica «Constituição do Banco de Fomento».
Até ao final do I Plano foram financiados investimentos no total de 4 930 574 contos e despenderam-se 4 562 007

(1) Vide Parecer n.º 37/v (Câmara Corporativa, V Legislatura, 1052, vol. II, p. 589).

contos, sendo 1 806 215, ou 39,6 por cento, em empreendimentos para aproveitamento de recursos e povoamento e 2 755 792 contos, ou 60,4 por cento, nas comunicações e transportes.

7. Nos quadros n.º 1 a n.º 8, já referidos, encontra-se a relação dos empreendimentos contemplados em cada uma das províncias, sendo consolador notar o forte impulso dado à obra e apetrechamento dos portos em Cabo Verde, na Guiné, em S. Tomé e Príncipe, em Angola, em Moçambique, na índia, em Macau e em Timor; dos caminhos de ferro em Angola, em Moçambique, na índia; das estradas e pontes, em Cabo Verde, na Guino, em S. Tomé e Príncipe, na índia, em Macau e em Timor; dos aeroportos em Cabo Verde, na Guiné, em S. Torne e Príncipe, em Angola, em Moçambique, na índia, em Macau e em Timor; da produção e transporte de energia eléctrica em Angola e em Moçambique; do aproveitamento das riqueza mineiras em Angola, em Moçambique e na índia; da pesquisa e abastecimento de água e em saneamentos em S. Tomé e Príncipe, em Cabo Verde, em Angola, em Moçambique, na índia, em Macau e em Timor; da irrigação e do povoamento em Angola, em Moçambique e em Cabo Verde.

O II Plano de Fomento (1959-1964), aprovado pela Lei n.º 2094, de 25 de Novembro de 1958

8. O parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto deste Plano, que o Governo lhe enviou em 11 de Abril de 1958, foi dado em 9 de Agosto de 1958 (). A Câmara Corporativa aprovou o Plano do Governo com alterações concretizadas e depois consideradas na organização dos programas de execução anuais. O Digno Procurador Francisco Vieira Machado expressou, então, o seu pensamento em declaração de voto sobre os importantes pontos seguintes: quanto às possibilidades financeiras das províncias, à necessidade de prudência no fomento das iniciativas particulares, à necessidade de serem tidos em conta, os gastos avultados em relação ao valor da moeda e ao problema das transferências; quanto aos encargos, mesmo nas obras reprodutivas e ao tempo decorrido entre a despesa realizada e a alteração dos resultados financeiros; quanto à conveniência de estudo sistemático das zonas de colonização europeia de Angola e de Moçambique e à conveniência de dar balanço aos resultados do I Plano do Fomento de modo a conhecerem-se bem os seus efeitos sobre as populações e a economia dos territórios; quanto ao grande interesse que haveria de serem conhecidos os resultados que se esperam do II Plano de Fomento para se avaliar a justificação dos gastos previstos; sobre despesas inscritas no II Plano que dificilmente se podem considerar como fomento e outras despesas que presentemente deveriam figurar nas despesas dos orçamentos das províncias; e ainda quanto à conveniência de o Plano encarar menor número de problemas e realizações, de modo a assegurar a integral conclusão nos seis anos previstos para a sua vigência.

9. O II Plano de Fomento considerou o investimento de 9 053 528 contos no ultramar, divididos pelas províncias como a seguir se indica e consoante o aprovado pelo

(1) Parecer n.º 4/VIII (Câmara Corporativa. Pareceres. VII Legislatura, 1958, p. 1043).

Página 1006

1006 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 82

Conselho Económico, nos termos da base III, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 2094, de 25 de Novembro de 1958, com a redacção estabelecida no Decreto-Lei n.º 42 582, de 14 de Outubro de 1959:

Cabo Verde. - 210 000 contos, com financiamento assegurado pela metrópole.
Guiné. - 180 000 contos, com financiamento previsto de concessões petrolíferas e de empréstimos da metrópole.
S. Tomé e Príncipe. - 173 000 contos, financiamento com saldos do I Plano de Fomento e com empréstimos da metrópole.
Angola. - 4 603 000 contos, financiados com saldos de exercícios findos das contas da província, com as receitas das sobrevalorizações e o Fundo de Fomento de Angola e com empréstimos da metrópole.
Moçambique. - 3 243 000 contos, financiados com os saldos de exercícios findos das contas públicas da província, as receitas das sobrevalorizações, o Fundo de Fomento do Algodão, os saldos dos caminhos de ferro e empréstimos da metrópole.
Estado da Índia - 214 056 contos, financiamento com os saldos de exercícios findos das contas públicas respectivas, mais as receitas do Fundo Económico e autofinanciamento dos caminhos de ferro ! e do porto de Mormugão.
Macau. - 210 472 contos, financiados com empréstimos da metrópole.
Timor. - 220 000 contos, financiados com subsídios da metrópole.

10. As grandes rubricas dos empreendimentos considerados foram sete, assim designados e dotados para o conjunto do ultramar:

I) Conhecimento científico do território, 407 909 contos, ou 4,3 por cento do total.
II) Aproveitamento de recursos, 2 519 088 contos, 26,7 por cento do total.
III) Povoamento, 1 180 670 contos, 12,5. por cento do total.
IV) Comunicações o transportes, 4313493 contos, 45,8 por cento do total.
V) instrução e saúde, 616 897 contos, 6,7 por cento do total.
VI) Melhoramentos locais, 321 815 contos, 3,4 por cento do total.
VII) Equipamento dos serviços públicos, 59 500 contos, 0,6 por cento do total.

11. A rubrica «Povoamento» só foi considerada para as províncias de Angola e de Moçambique, com 155 304 contos para Angola e 726 366 contos para Moçambique.

12. Como objectivos fundamentais fixados ao II Plano de Fomento, a Câmara Corporativa lembra os quatro que a seguir se indicam:

1) Aceleração do ritmo de incremento do produto nacional;
2) Melhoria do nível de vida;
3) Ajuda à resolução dos problemas do emprego;
4) Melhoria da balança de pagamentos.

Pela Presidência do Conselho, o Governo elucidou, ao apresentar os investimentos totais e a repartição dos encargos, que «alguns empreendimentos inscritos no Plano figuram no mapa da estimativa da repartição hexenal dos encargos apenas por memória. Na elaboração dos programas anuais de financiamento, o Governo decidirá sobre as dotações que lhe devem ser atribuídas, tendo em conta a ordem de prioridade que a cada um for «reconhecida e os recursos disponíveis das fontes de financiamento chamadas a custeá-los. Não sendo, pois, o Plano um mero programa de investimentos, a sua importância e alcance mão dependem apenas da acção do Estado - é tarefa colectiva proposta à inteligência e à vontade de todos os portugueses».

13. Para o conjunto das províncias ultramarinas, dão-se a seguir os números esclarecedores:

Estimativas do II Plano de Fomento:

Contos
a) Para os seis anos do Plano (1959-1964) ............ 9 419 372
b) Para o quadriénio de 1959-1962 .................... 6 791 670

Dotações autorizadas para o quadriénio de 1959-1962 .. 7 052 587
Despendido no quadriénio ..........................(a) 5 686 686
Percentagens:

a) Do despendido no quadriénio sobre o total do Plano ....... 60,4
b) Do despendido no quadriénio sobre o autorizado ........... 80,6

(a) Para comparação com o quadro n.º 10 esclarece-se que este total não inclui o Estado da Índia, incluído, porém, no quadro n.º 10.

14. Por província, a Câmara Corporativa regista no quadro n.º 10 os elementos característicos respeitantes aos investimentos e execução no quadriénio de 1959-1962 relativos ao II Plano e no quadro n.º 11 encontra-se a pormenorização dos empreendimentos no conjunto das províncias, o qual indica o investimento total fixado pelo Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos nos programas de financiamento ao abrigo da Lei n.º 2094, de 25 de Novembro de 1958, com a redacção, estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 42 582, de 14 de Outubro de 1959.

15. Este quadro n.º 11, conjugado com os quadros n.ºs 1 a 8 da execução do I Plano de Fomento, mostra o notabilíssimo e forte impulso levado à economia e promoção social do ultramar pelos dois planos de fomento desde 1953 até 1962, contando-se, para o II Plano, sòmente com o que se fez no quadriénio de 1959-1962.
O quadro n.º 12 traduz o grande impulso dado aos portos, aos caminhos de ferro, à produção de energia eléctrica, à irrigação, ao povoamento, na vigência do I Plano de Fomento, ao qual o actual desenvolvimento do ultramar deve acção propulsora poderosa, que certamente ficará na lembrança grata das províncias ultramarinas.

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17 DE NOVEMBRO DE 1964 1007

QUADRO N.º 10

II Plano - Quadriénio de 1959-1962

[ver quadro na imagem]

(a) Segundo o projecto de Plano Intercalar de Fomento,
(b) 1959-1960.

QUADRO N.º 11

Empreendimentos e dotações para o II Plano de Fomento

(Contos)

[ver quadro na imagem]

Página 1008

1008 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 82

[Ver Quadro na Imagem]

QUADRO N.º 12

Dotações despendidas nas províncias ultramarinas nos anos de 1953-1958 (I Plano de Fomento)

(Contos)

[ver quadro na imagem]

(a) A rubrica deste investimento diz respeito a urbanização, água e saneamento, compreendendo o levantamento topográfico das ilhas, fornecimento de energia eléctrica, explorando agro-pecuária e edifícios escolares e hospitalares.

O I Plano caracterizou-se, logo de princípio, por se saber bem o que se queria quando, se planeou; depois, por não ter havido desvios de apetite durante a execução e ter sido dado a esta entusiasmo e mocidade. A Câmara Corporativa regista e louva o impulso dado a tantos factores qualificados da produção, como são os portos, os caminhos de ferro, a irrigação e povoamento, a energia eléctrica, as estradas, os aeródromos, os equipamentos de saúde e escolares.

16. O II Plano caracteriza-se fundamentalmente por ter dado continuidade aos objectivos do I Plano no sentido de dotar as províncias ultramarinas com empreendimentos de infra-estruturas do maior valor para a ocupação económica e social e para a criação de riqueza e povoamento. Merecem destaque os estudos levados a cabo para o conhecimento científico do território, dotados com 407 900 contos; a energia eléctrica, dotada com 540933 contos; os portos, dotados com 1 005 622 contos; os caminhos de ferro, dotados com 973 989 contos; as estradas, com a dotação de 1 770 768 contos; a aeronáutica, infra-estruturas e material de equipamento e voo, dotada com 377 314 contos; o povoamento, dotado com 1 180 670 contos; as escolas, dotadas com 355 555 contos, e a saúde, para que se previram 261 342 contos.
Merece ser sublinhado que, não obstante as despesas da defesa, de um total de 9 419 372 contos, previsto para os seis anos do II Plano, foram despendidos nos primeiros quatro anos 5 686 686 contos, ou sejam 60,4 por cento, o que já atrás foi referido. Também já se disse que a parcela financiada do II Plano no quadriénio de 1959-1962 se elevou a 7 052 587 contos, parecendo à Câmara Corporativa ter interesse registar neste parecer as fontes do financiamento, o que indica a seguir no quadro n.º 13.

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17 DE NOVEMBRO DE 1964 1009

QUADRO N.º 13

Financiamento do II Plano de Fomento

[Ver quadro na imagem]

Mostra este quadro — obtido pela Câmara Corporativa nos elementos de estudo do projecto de Plano Intercalar — quais foram as fontes de financiamento do II Plano para os quatro primeiros anos da sua vigência, respectivas importâncias e percentagens em relação ao total gosto. Tais fontes foram públicas e semipúblicas, característica dos planos de fomento plurianuais, contando-se 96 por cento das receitas provenientes de fontes públicas. Os empréstimos da metrópole foram a mais de 60 por cento, com l 242 000 contos em 1962, o que é merecedor de relevo dadas as ocorrências de Angola de 1961 e as enormes despesas militares.

No financiamento semipúblico contam-se os empréstimos do Banco Nacional Ultramarino e do Banco de Angola.

A contribuição do autofinanciamento foi pequena.

O Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967

1) Antecedentes

17. Em 6 de Março de 1961 o Conselho Económico aprovou duas «Notas» da Inspecção Superior do Plano do Fomento sobre a organização do III Plano de Fomento para o hexónio de 1965-1970, em consequência do que o Ministério do Ultramar determinou, em 31 de Outubro de 1961, a constituição de uma Comissão Restrita do Conselho Superior de Fomento Ultramarino para o estudo do III Plano de Fomento do Ultramar.

Ouvidos os governos das províncias ultramarinas e os diferentes sectores do Ministério do Ultramar, a Comissão Restrita procedeu ao estudo de seriação o ordenamento da documentação recebida (propostas, alvitres ou sugestões) e, tendo em conta as instruções aprovadas pelo Conselho Económico, de 6 de Março de 1961, produziu e emitiu o pormenorizado parecer n.° 1/62, datado de 1 de Maio de 1962.
As instruções do Conselho Económico diziam fundamentalmente respeito -ao programa de trabalhos para a preparação do III Plano, o qual não deveria constituir simples prolongamento ou continuação do Plano de Fomento em curso, podendo visar novos objectivos, adoptar outra técnica e abranger novos sectores. Acentuou que para além das questões directamente relacionadas com o processo de crescimento económico-social e com a necessidade da sua aceleração, sem prejuízo da manutenção da estabilidade financeira interna e da conservação da solvabilidade exterior da moeda nacional, havia que ter em conta um complexo de problemas que decorrem, mais ou menos imediatamente, da evolução das relações internacionais e da posição própria do País no quadro dessas relações, aludindo-se à participação de Portugal no European Free Trade Association (E. F. T. A.) e a sua acessão ao General Agreement on Tariffs and Trade (G. A. T. T.), aos acordos que instituíram o Fond Monetaire International (F. M. I.) e o Banque International de Reconstruction et Développexnent (B. I. B. D.), cujas obrigações específicas imporiam, a prazo mais ou menos curto, algumas modificações estruturais, revisões de disposições jurídicas e mu danças de processos de actuação, de amplitudes e repercussões variáveis.
A Comissão Restrita para o estudo do III Plano de Fomento do ultramar estabeleceu as linhas gerais seguintes:
a) Valorização do homem, educando-o, instruindo-o, cuidando da sua saúde, dando-lhe condições para vrver uma vida cada vez mais elevada;
b) Preenchimento dos vazios que ainda se encontram nalgumas províncias de grande extensão territorial e de fraca densidade populacional, quer pela deslocação de elementos metropolitanos ou de outras províncias ultramarinas, quer por uma mais ampla assistência as populações autóctones;
c) Promoção do desenvolvimento das economias de cada província em harmonia com programas visando a integração económica das várias parcelas do agregado nacional e tendo em conta, igualmente, as necessidades de cada uma e as obrigações de ordem internacional assumidas.
Para o fim indicou o seguinte programa de acção:
1) Prosseguir no conhecimento científico dos territórios;
2) Desenvolver e melhorar as actividades agrícolas, florestais e pecuárias;
3) Fomentar industrias;
4) Continuar a política dos aproveitamentos hidráulicos;
5) Dar maior incremento aos serviços de instrução, saúde e higiene e à assistência social;
6) Cuidar da habitação e resolver problemas de urbanismo;
7) Prosseguir nos planos de electrificação:
8) Melhorar as comunicações;
9) Promover, nalgumas províncias, o estabelecimento maciço de elementos portugueses;
10) Equipar devidamente os serviços públicos;

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11) Continuar a realização de empreendimentos previstos e não concluídos na vigência do II Plano de Fomento que mantenham a sua actualidade.

No respeitante ao povoamento diz-se no parecer da Comissão Restrita:

Na linha de conduta, firmada pela tradição e pela legislação fundamental em vigor, as províncias ultramarinas portuguesas constituem outros tantos núcleos de população de várias raças e origens, cujos componentes, vivendo em perfeita e sã harmonia, só se distinguem pelas respectivas posições sociais, alcançadas pelos seus méritos. Assim, justifica-se perfeitamente que, no desenvolver de uma acção conduzindo ao progresso, que pretendemos seja rápido, destas parcelas do todo português, se conte também com elementos não autóctones. Este facto dá-se em todas as províncias, com especial relevo em Angola e em Moçambique, de grandes espaços ainda livres e de população relativamente exígua; daí a necessidade do que nos planos anteriores se chamou o «povoamento».
Não discutiremos a propriedade do termo, aliás também aplicado a deslocações de populações autóctones, nem entraremos na apreciação dos métodos de "povoamento seguidos nos últimos tempos. Apenas focaremos alguns aspectos da questão que tenham relevância para o caso que agora interessa: a elaboração do programa do III Plano de Fomento.
Normalmente, ao pensar-se em povoamento ocorre a ideia do emigrante que se vai dedicar às fainas agrícolas.
Na realidade, nos últimos tempos, anteriormente à criação dos Planos de Fomento e durante a vigência destes, o Estado tem envidado esforços para que alguns milhares de famílias rurais metropolitanas se desloquem para as duas maiores províncias ultramarinas, aí se estabeleçam e vivam pela agricultura em condições que, normalmente, não alcançariam na sua terra natal.
A seguir dá esta Comissão alguns elementos económico-sociais sobre o colonato do Limpopo por transcrição de publicação recente do Ministério do Ultramar.
Julga-se, porém, poder afirmar que o processo da colonização dirigida usado teve o grande mérito de criar em África muitas centenas de lares autor abastecidos com garantia própria do bem-estar e da educação da família e de incentivar e enraizar frutuosa colonização livre e transcreve:

A obra de irrigação do Limpopo destina-se à colonização, entendida esta como obra de povoamento pela valorização da população portuguesa branca e negra e das suas actividades, feita sem preconceitos de raça e com o pensamento dirigido à unidade nacional, secularmente iluminada pela doutrina de Cristo, que criou e robusteceu a convivência fraterna no mundo plurirracial português.

Inclui o parecer um programa de realizações conjugado com os princípios gerais enunciados.

18. Ao parecer n.º 1/62 da Comissão Restrita do Conselho Superior de Fomento Ultramarino, de 1 de Maio de 1962, seguiu-se a apresentação de sete adicionais, elaborados pelo respectivo presidente da Comissão Restrita, datados de 8 de Abril de 1963, sendo quatro relativos ao fomento económico de Moçambique e três relativos ao fomento económico de Angola.
Porque tais adicionais se ocupam de empreendimentos do Plano Intercalar de Fomento e alguns já tiveram despacho superior de consideração e efectivação, deles a Câmara Corporativa deixa aqui a sucinta referência seguinte:

19. Adicionais referentes a Moçambique:
Adicional 1-M. - Diz respeito às obras do colonato do Limpopo, sua continuação e regista nos números I) a VI) seguintes o que já foi feito, seu custo e o que falta fazer.

I) Número de hectares de regadio ........................................ 31 000
II) Número de casais de família:
a) A instalar . ......................................................... 3 000
b) Instalados em 31 de Dezembro de 1963 ................................. 1 467

III) Constituição do casal de família:

A) Regadio:

Hectares
a) Culturas arvenses e industriais (média) .............................. 5,5
b) Lameiro comunitário:
1) Pascigo ......................................................... 1,5
2) Luzernal ........................................................ 0,5 2

B) Sequeiro para o gado cio recria em talhão comunitário e floresta 7,5
C) Total do casal de família ....................................... 24
31,5

IV) Investimentos:

A) Previstos:

Contos Percentagens
a) Irrigação, florestas, piscicultura o sequeiros ..... 594 000 40
b) Colonização ........................................ 817 586 55,1
c) Administração e fiscalização ....................... 72 546 4,9
1 484 132 100

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B) Aplicados até 31 de Dezembro de 1963:

a) Irrigação, florestas, piscicultura e sequeiros ........... 461 870 47,1
b) Colonização .............................................. 465 298 47,6
c) Administração e finalização .............................. 51 834 5,3
979 002 100

C) A aplicar ainda no II Plano de Fomento, no Plano Intercalar (1965-1967) o no III Plano até 1970:

a) 1964:

1) Irrigação, florestas, piscicultura e sequeiros ........... 8 085 20,2
2} Colonização ................................ ...........(a) 28 975 72,4
3) Administração e fiscalização ............................. 2 940 7,4
40 000 100

b) Depois de 1964 (Plano Intercalar e III Plano de Fomento até 1970):

1) Irrigação, florestas, piscicultura e sequeiros ........... 124 045 26,7
2)Colonização ............................................... 323 313 69,5
3; Administração e fiscalização ............................. 17 772 3,8
465 130 100

D) Percentagem dos investimentos aplicados até 31 de Dezembro de 1963 sobre os previstos em IV, A):

1) Irrigação, florestas, piscicultura e sequeiros........ 77,8
2) Colonização .......................................... 56,9
3) Administração e fiscalização ......................... 71,4
Total .................. 66

E) Custos unitários:

a) Da irrigação, por hectare:
594 000 contos - 18 418 contos
= 18,6 contos.
31 000 ha

b) De sequeiro, piscicultura e floresta, por família: 18 418 contos
= 6,1 contos.
3000 famílias

c) De instalação de colonos, por família: 198,8 contos.

V) Desdobramento dos investimentos (quadro n.º 14).
VI) Quadro n.º 15 contendo a distribuição das terras irrigadas pelas catorze aldeias e vila do colonato.

(a) Inclui 2000 coutos do financiamento à Cooperativa Agrícola do Limpopo, reembolsável.

QUADRO N.º 14

Investimentos

(contos)

[Ver tabela de imagem]

(a) Inclui G802 contos despendidos na participação dada às obras públicas para o troço de estrada de Folgares a Lionde.
(b) Inclui 6000 contos de financiamento à Cooperativa Agrícola do Limpopo, reembolsável.
(c) Durante o Plano Intercalar (1965-1967) e no III Plano de Fomento até 1970.
(d) Inclui 2000 contos de financiamento à Cooperativa Agrícola do Limpopo, reembolsável.

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QUADRO N.º 15

Distribuição do regadio pelas aldeias

[ver quadro na imagem]

(a) Inclui 6000 ha de lameiro comunitário, sendo 4500 ha da parcela do gado leiteiro, dotado com água do sistema de irrigação e bebedouros, e 1500 ha do lazernal para forragem verde o abastecimento da fábrica do desidratarão e farinação de luzerna.

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QUADRO N.º 16

Adaptação ao regadio

[ver quadro na imagem]

(a) Inclui o lameiro comunitário na parcela do luzernal.

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1014 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 82

Adicional 2-M. - Ocupa-se da albufeira de Massingir, no rio dos Elefantes, afluente do Limpopo, cuja construção é tida desde há muito e justificadamente como indispensável para o colonato do Limpopo e para a conservação e melhoramento das terras do baixo Limpopo, que entraram já num grau de salinidade proibitivo de culturas. Diz-se no adicional sobre a albufeira de Massingir:

A Câmara Corporativa JÁ recomendou, no seu parecer sobre o II Plano de Fomento, que, no capítulo de «Aproveitamento de recursos», se inscrevesse para estudos «além dos relativos ao Zambeze os que já foram começados e dizem «respeito ao rio dos Elefantes (Massingir) e ao Cunene», acrescentando: «os estudos de Massingir dão continuação aos estudos já feitos, que convém concluir, quer pelo interesse que o aproveitamento do rio dos Elefantes poderá ter para a ampliação do regadio do vale do Limpopo, quer pelo fornecimento de energia hidroeléctrica aos distritos de Lourenço Marques e Gaza».

Isto foi dito e recomendado em Agosto de 1958. De então para cá a seca progressiva e catastrófica no Transval repercutiu profunda e alarmante no vale do Limpopo, cujo rio não correu em 1964, falando-se já, na República da África do Sul, em abastecer Joanesburgo com água do mar depois de tratada se a seca continuar por mais alguns meses (1). O Governo-Geral de Moçambique tem expressado a sua preocupação pela falta de água no Limpopo e suas consequências perigosas para o colonato e já desastrosas para as terras do vale em João Belo, entradas num grau de elevada salinidade. O Conselho Superior de Fomento Ultramarino também acaba de expressar a sua forte preocupação e alarme no parecer n.º 12/64, de 2 de Outubro de 1964, sugerindo medidas de urgência que conduzam em 1965 ao começo da construção da albufeira de Massingir, recomendada há mais de 40 anos. Dadas as demoras havidas para levar por diante os estudos e a execução da barragem de Massingir, o Conselho indica de modo concreto o caminho recomendável nas conclusões que propôs e se transcrevem no fundamental, as quais merecem o apoio da Câmara Corporativa:

São de necessidade premente obras de regularização de caudais do rio Limpopo, tanto pelo que respeita à manutenção do colonato do Limpopo como para obstar ao progressivo salgamento de terrenos que vem a observar-se na zona de João Belo;
Entre as obras de regularização possíveis deve dar-se prioridade à barragem de Massingir, no rio dos Elefantes, pois es estudos já efectuados mostram que é viável e permitem aprontar o projecto em prazo mais curto;
Não obstante a prioridade da barragem de Massingir, devem estudar-se outras possibilidades de regularização, nomeadamente no local de Mapai, já assinalado, no rio Limpopo;
Pelas razões expostas no corpo do parecer, considera-se aconselhável a nomeação imediata de uma comissão restrita, com função de estudar, orientar, coordenar e propor superiormente tudo o que for necessário para a elaboração do projecto e preparação do lançamento da obra.
Porque o ciclo da seca iniciado em 1957-1958, e que ainda continua, mostrou poder o caudal de ano médio do rio dos Elefantes, na fronteira com a África do Sul, computado em 1908 milhões de metros cúbicos, ficar reduzido a menos de 25 por cento, como aconteceu em 1961-1962, ou a menos de 6 por cento, como se deu em 1962-1963, e o Governo da República da África do Sul anunciou recentemente, pelo Secretário de Estado para os Assuntos Hidráulicos (Water Affairs) o investimento de 2 milhões de rands para alteamento de barragens no Transval, parece à Câmara Corporativa ser muito recomendável que o problema da garantia da água para a albufeira de Massingir, indispensável ao colonato do Limpopo e à defesa das terras do vale em João Belo, bem como ao domínio das cheias, seja objecto de especial atenção na execução do acordo com a África do Sul sobre os rios internacionais de Angola e de Moçambique, recentemente assinado em Lisboa.

Adicional III-M. - Neste adicional ao parecer n.º 1/62 do Conselho Superior de Fomento Ultramarino sobre o III Plano de Fomento justifica-se e recomenda-se a continuação da pavimentação asfáltica da estrada de Bilene-Macia à aldeia da Barragem do colonato do Limpopo.
Esta estrada que serve o colonato do Limpopo, onde há já uma população civilizada superior a 10 000 indivíduos e uma movimentação de elevado e intenso tráfego de trânsito de mercadorias (já de algumas dezenas de milhares de toneladas), recebeu pavimentação asfáltica em 13 km dos 87 que vão da aldeia da Barragem à estrada de Lourenço Marques à Beira, no Bilene-Macia.
O assunto recebeu a consideração do Sr. Ministro do Ultramar para o projecto de Plano Intercalar de Fomento. Os estudos e a proposta do Governo-Geral de Moçambique para o Plano Intercalar consideraram a estrada pedida e a Câmara Corporativa recomenda a mesma pelo auxílio que leva aos milhares de portugueses já moradores no colonato do Limpopo.

Adicional IV-M. - Rega do Umbeluzi (Moçambique).
Diz este adicional:

Em 24 de Março de 1936, por proposta da Direcção-Geral do Fomento e em seguimento dos estudos preliminares realizados no Umbeluzi em 1925, foi criada a Missão Técnica em Moçambique, pelo Decreto n.º 26 449, para estudos hidroagrícolas, entre os quais se contava o da rega do Umbeluzi com objectivo ao povoamento.
Como em 1925 e em 1936, considera-se hoje que a rega do Umbeluzi tem inteira justificação económica e social, já pela sua situação em relação a Lourenço Marques, já pela ocupação económica e populacional que ali existe, servida por caminho de ferro e por estrada.
Crê-se que a execução do regadio por derivação do Umbeluzi, como já previsto, seja a solução presentemente recomendável, e que o investimento de 45 000 contos para o fim deva ser incluído no Plano de Fomento de Transição.

O projecto de Plano Intercalar considera 500 000 contos nos empreendimentos prioritários de regadio e povoamento.
O Governo-Geral de Moçambique na proposta que fez para o Plano Intercalar inclui a rega do Umbeluzi, dotada com 3000 contos para os três anos do Plano.

(1) Anexos encontram-se recortes da imprensa da África do Sul sobre os efeitos da seca que começou em 1957-1958, com efeitos catastróficos no Transval e em Moçambique.

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A Câmara Corporativa tem presente que a rega do Umbeluzi é uma velha aspiração da província, pelo que a acompanha nos seus desejos.

20. Os adicionais referentes a Angola são os três seguintes: 1-A, 2-A e 3-A:

1-A -Albufeira do Cunene (aproveitamento 2), nas cabeceiras do rio, de capacidade igual a 1197XIO9 ms, paro a regularização dos caudais estivais:

Previu-se nos estudos iniciais do aproveitamento do Cunene, na Matala, para fins hidroagrícolas (incluindo a produção de energia eléctrica), a regularização dos caudais estivais pela construção de albufeiras na bacia hidrográfica a montante da Matala. Em seguimento, em Julho de 1959, promoveu-se a efectivação dos respectivos estudos, encontrando-se já no Conselho Superior de Fomento Ultramarino, para parecer, o Plano Geral do Aproveitamento Hidroeléctrico da Bacia do Rio Cunene, a montante da Matala, datado de Agosto de 1962.
Dos estudos feitos pode concluir-se ser viável construir, em condições convenientes de técnica e economia, uma grande albufeira, de capacidade igual a 1197 milhões de metros cúbicos, regularizadora do caudal estival do Cunene para 39 m2/s.
Com este caudal permanente poderão irrigar-se mais 30 000 ha de terras do Quiteve-Humbe para povoamento de regadio em continuação do povoamento da
Matala-Capelongo, onde já estão instalados 325 colonos, e para produção do importante bloco de energia permanente de 54 GWh na central já construída da Matala.
A despesa a fazer com a criação da albufeira referida é de 187 000 contos, quantia que se julga estar ^particularmente indicada para ser incluída no Plano Intercalar de Fomento, dados os objectivos de povoamento económicos e sociais expressos. Em 30 000 ha de regadio podem fixar-se à vontade 3000 famílias de colonos, ou seja uma população da ordem das 15 000 pessoas só do povoamento. dirigido; e com o caudal permanente de 39 m3/s destinado ao regadio, que tem de passar pela albufeira criada da Matala, há a água para elevar a produção eléctrica firme ou permanente da Matala para 54 GWh, referidos, em central já construída.

II-A - Irrigação de 30 000 ha para povoamento no Cunene, zona Quiteve-Humbe:

O regadio do bloco Quiteve-Humbe com o caudal permanente de 39 m3/s da albufeira a criar no Cunene, e referida em 1-A deste adicional, tem valor económico, social e político do mais alto significado.
Pela experiência dos regadios feitos em Angola e em Moçambique, a despesa a fazer neste grande aproveitamento hidroagrícola, excluindo os 187 000 contos já indicados no adicional I-A, é da ordem dos 325 000 contos, assim escalonados:

Contos
A) Barragem, emergia e bombagem:

a) Barragem [adicional I-A];
b) Linha de transporte da energia da central da Matala para o
Quiteve, destinada à bombagem do rio Cunene para o sistema de
irrigação e à industrialização dos produtos agro-pecuários do
colonato, 120 km X 250 contos .............. .................. 30 000

b) Estações de transformação e de bombagem. ................... 25 000
_______
55 000
B) Canais, diques e valas. ........................................... 100 000
C) Adaptação ao regadio. ............................................. 170 000
_______
Total ........... 325 000
D)) Encargos por hectare:

a) Da albufeira I-A - 187 000
________ ..............= 6,2
30 000

b) Do regadio, energia e bombagem 325 000
________ = 10,8
30 000 ____
Total. ..... 17,0

E) Administração e fiscalização, 25 000 contos.

O total que haveria a inscrever no Plano Intercalar de Fomento para a irrigação de 30 000 ha do vale do Cunene, nas terras de Mulondo-Quiteve-Humbe, já reconhecidas, é de 350 000 contos, sendo 325 000 contos para obras e 25 000 contos para administração e fiscalização.

Nota. - O colonato de Mulondo-Quiteve-Humbe já foi considerado no I Plano de Fomento e dotado com a verba necessária para a sua realização. Depois foi retirado do Plano por falta de recursos e adiada a sua execução.
No II Plano de Fomento o parecer da Câmara Corporativa recomendou os estudos e a execução desta obra nos termos seguintes:
Os estudos do Cunene (Mulondo-Quiteve) completam estudos já começados relativos a Uma obra para a qual foi reconhecido alto interesse no I Plano de Fomento (Lei n.º 2058), dotada com 803375 contos, sendo 400 000 contos para a rega e 403 375 contos para colonização. A Câmara Corporativa tem presente e julga fundamentado o que foi já reconhecido pelo Governo no Decreto n.º 32 840, de 9 de Junho de 1943, de que o estudo dos aproveitamentos hidroagrícolas apresenta o maior interesse para o fomento e prosperidade de Angola, tendo o Ministério do Ultramar atribuído, em 29 de Março de 1946, especial importância ao problema das águas do Cunene, situado «na importantíssima zona económica e política» do Sul de Angola.

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SUDOESTE AFRICANO

Localização das «pátrias» referidas no relatório da Comissão Odendaal
ANGOLA

REPÚBLICA DA ÁFRICA no SUL

[Ver Mapa na Imagem]

ESCALA: 1/7.5OO.000

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Os acordos de 13 de Outubro de 1964, celebrados em Lisboa pelo Governo Português e pelo Governo da África do Sul, e designadamente o plano da Comissão Odendaal, nomeada pela República da África do Sul para o estudo da valorização económica e promoção social do Sudoeste Africano (Comissão que em 3 de Dezembro de 1962 esteve de visita ao Sul de Angola e em especial ao rio Cunene), levam a conferir ao aproveitamento dos terrenos do Mulondo ao Humbe, para irrigação e povoamento, interesse da maior projecção e significado económico e político, porque constituem aproveitamento que permite fixar no Sul de Angola 15 000 a 20 000 portugueses e será agente poderoso de paz e de defesa da Huíla.
O plano da Comissão Odendaal tem por objectivo, no respeitante às populações nativas, guarnecer os quase 400 km da fronteira com Angola de 10 «pátrias» ou «bantostões» - Ovambolândia, Damaralândia, Kaocoveld, Okango, Hereroland, são os principais territórios, de grande extensão no conjunto de mais de 310 milhas quadradas das 10 «pátrias», constituídas por populações «bantas». Destas parcelas desejam fazer nações autónomas - semelhantemente ao que já foi feito no Transkey. Estes territórios pensa-se que possam viver lado a lado com a nação branca e que o conjunto possa vir a constituir a desejada Comunidade
Sul-Africana.
Mas nas obras de desenvolvimento destes «bantostões» à água do Cunene cabe seguramente lugar vital. Já no Transkey decorre presentemente um vasto plano de irrigação e povoamento para 2500 famílias, das quais já ali trabalham 1000, sendo 90 brancas e as restantes «bantas».
Tudo indica que a Ovambolândia siga acelaradamente o caminho do Transkey, dotado em 1963 de assembleia legislativa. E. que os «bantostões» já hoje são assistidos financeira e anualmente com 60 milhões de libras pela República da África do Sul para desenvolvimento económico e social.
Ora a água do Cunene, que pode ser grandemente aumentada pelas albufeiras a criar «.montante do aproveitamento hidroeléctrico da Matala - Moitala que é obra do I Plano de Fomento de grande projecção no convénio hidráulico agora celebrado com a África do Sul - terá especial significado para a fixação de milhares de famílias nacionais, que garantam e afirmem a ocupação do Sul de Angola pelos portugueses. Convém ter sempre bem presente que o Sul de Angola é «importantíssima zona económica e política (1)».

III-A - Colonato do Cunene (Matala-Capelongo), continuação, assistência técnica para a produção e a industrialização agro-pecuária:

O colonato do Cunene tem presentemente concluídas as obras de irrigação e de instalação de colonos.
Estão instaladas 325 famílias, já constituídas em cooperativa, gozando dos benefícios das seguintes instalações industriais, integradas na cooperativa:
Uma fábrica de preparação de tabaco, em exploração. Uma fábrica de desidratação e fabricação de luzemas, em exploração. Uma moagem, em exploração.
Uma fábrica de concentrados de tomate, em exploração.
Carecem estes colonos de ser assistidos tecnicamente por mais algum tempo, quer na produção agro-pecuária, quer

(1) 1946, Ministério do Ultramar, PROF. MARCELO CAETANO, nas Instruções à Missão ao Sul de Angola para Estudo do Cunene.

nas explorações industriais. Por outro lado, por força do regime jurídico provisório do colonato (de parte fundamental constante dos contratos feitos com os colonos), cabe ao Estado o encargo da conservação e exploração do sistema de rega que leva a água às glebas dos colonos. Há deste modo que prever no Plano Intercalar de Fomento a dotação necessária para os encargos correspondentes.
Indica-se como necessária a dotação anual de 5000 contos, o que corresponde a inscrever no Plano 15 000 contos, para o período de três anos de 1965 a 1967. Os três adicionais de Angola tiveram na publicação do Ministério do Ultramar Aproveitamento Hidráulico e Colonato do Cunene a referência que a seguir se resume pelo interesse que ela tem para o estudo do Plano Intercalar e sua ligação com o acordo com a República da África do Sul sobre as águas do Cunene, de alto significado para os empreendimentos: hidráulicos do Cunene previstos no Plano que a Câmara Corporativa aprecia.

a) Sobre o colonato do Cunene

Posição do colonato em 1 de Outubro de 1963: número de hectares de regadio, 2756 (1); número de famílias instaladas, 324 (2), sendo 308 europeias e 16 autóctones.
Fábricas de preparação e industrialização dos produtos agro-pecuários do colonato, exploradas pela Cooperativa Agrícola do Cunene, de investimentos seguintes:

Contos
Preparação de tabaco . ............. 2 235
Moagem ............................ 761
Desidratação e farinação de luzerna. 1 802
Concentrados de tomate ............. 5 701
Embalagens ......................... 451
______
Total ......... 10 950

Investimentos totais, 222 100 contos, sendo:

a) Irrigação e florestas, 82 843 contos (37,3 por cento);
b) Colonização, incluindo o levantamento de uma vila e quatro aldeias e fábricas, 117 935 contos (53,1 por cento);
c) Administração e fiscalização, 21 322 contos (9,6 por cento).

Desdobramento dos investimentos:

a) Irrigação, 82 843 contos, sendo:

1) Sistema de rega (canais, diques e valas), 82 243 contos (99,3 por cento);
2) Florestas 600 contos (0,7 por cento).
Hectares
(1) Perímetro da aldeia da Matala ........... 227
Perímetro da aldeia de Castanheira de Pêra... 550
Perímetro de Alcácer (lameiro comunitário)... 230
Perímetro da aldeia de Algés-a-Nova ......... 458
Perímetro da vila de Folgares ............... 245
Perímetro da aldeia de Freixiel ........(a) 1 046
_______
Total.......... 2 756
_______
(a) 196 há são rogados por bombagens.
2756

(2) Mais 40 colonos autóctones em regime da fruição experimental de 2 ha irrigados.

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1018 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 82

b) Colonização, incluindo o levantamento referido de uma vila e quatro aldeias, fábricas para industrialização de produtos agro-pecuários, mais o financiamento de 1000 contos reembolsável feito à Cooperativa Agrícola do Cunene, 117 935 contos, sendo:

1) Vila de Folgares, aldeias de Freixiel, Algés-a-Nova, Castanheira de Pêra,
Matala e instalações industriais, 37 857 contos (32,1 por cento);
2) Instalação de colonos, incluindo o transporte de colonos da metrópole, a preparação de terras, as assistências técnica, médica, religiosa e escolar, 74 299 contos (63 por cento);
3) Exploração e conservação das obras de rega, defesa e enxugo, 5779 contos (4,9 por cento).

c) Administração e fiscalização, 21 322 contos.
d) Custo total da instalação de um casal de família:

Irrigação:

1) Por hectare: 82 243 = 29,8 contos.
______
2 756 ha

2) Por família de 5,5 ha de regadio: 5,5 ha X 29,8 contos = 163,9 contos.
Instalação (transporte, preparação de terras, casa, gados, alfaias, subsídio alimentar no primeiro ano, assistência técnica, médica, religiosa e escolar
74 299 contos = 229,3
______
324
contos que adicionados à importância fixada em 2) de irrigação dão um total de 392,2 contos.
Reembolso feito ao Estado com 1/6 das produções, até 1 de Outubro de 1963, 3552 contos.

Nota 1. - Este reembolso - feito em géneros entregues pelos colonos e a estes creditados pelo valor do mercado na altura da entrega - consta do regime contratual do colono com o Estado e destina-se ao pagamento das despesas com a obra de rega e com a sua instalação, excluídos os transportes e as assistências técnicas, que são gratuitas. Os abonos para os gados são reembolsados com a entrega do número de cabeças recebidas e as unidades industriais exploradas pela Cooperativa Agrícola do Cunene estão sujeitas ao reembolso de 50 por cento do investimento feito nas mesmas, sem juro, em 25 anos, contados a partir do III Plano de Fomento.
Nota 2. - A água de rega é gratuita, estando incorporada nas obras de rega, e é utilizada sob horário de regadio, do qual constam as dotações autorizadas.
Nota 3. - Logo que o valor do reembolso atinge o total despendido com os gados e com as mobílias, as alfaias, as sementes e insecticidas, bem como o subsídio alimentar do primeiro ano de instalação, o casal entra em regime de concessão definitiva, recebendo o respectivo colono o título correspondente.

b) Aproveitamentos hidráulicos

O aproveitamento hidráulico do Cunene, na Matala, estudado e delineado pela Missão ao Sul de Angola, de 1946, foi incluído no I Plano de Fomento e construído pela Inspecção-Geral do Fomento com a Brigada Técnica de Fomento e Povoamento do Cunene.
Tinha inicialmente por objectivo a exploração agro-pecuária do povoamento, apoiada na água do Cunene, elec-trobombada até 217 milhões de metros cúbicos com a energia produzida na central da Matala. Sá da Bandeira também seria abastecida de energia eléctrica da mesma origem, mas sómente na medida dos recursos hídricos disponíveis afluídos à central, satisfeitos os consumos hidroagrícolas.
Nas explorações agro-pecuárias. de povoamento inicialmente consideradas estava o actual colonato do Cunene, estendido da Matala até 7 km para jusante de Capelongo, hoje corripletamente ocupado.
Na vigência do I Plano de Fomento foi, porém, mudada a orientação inicial: manteve-se o colonato de regadio do Cunene previsto, mas destinou-se a energia da Matala (do povoamento agro-pecuário) para o abastecimento de electricidade não só a Sá da Bandeira, mas também a Moçâmedes, conforme a proposta da Inspecção-Geral do Fomento n.º 14 M/54, de 9 de Março de 1954, aprovada em Moçâmedes quando da visita presidencial de 1954, e considerou-se ainda a extensão do abastecimento eléctrico até Porto Alexandre para impulso à indústria da pesca, o que se espera seja brevemente mais uma realidade da valorização do Sul de Angola.
Na obra hidroeléctrica realizada há as três linhas seguintes de transporte de energia, que partem da Matala:
1) A do colonato, que vai até à aldeia de Freixiel;
2) A de Sá da Bandeira, com a tensão de 150 kV, capacidade de 20 M VA e extensão de 168 km;
3) A de Moçâmedes, que vai da subestação de Sá da Bandeira até Moçâmedes, com a tensão de 60 kV, capacidade de 5 MVA e extensão de 161 km.

Três subestações integram o sistema de transporte: a da central, equipada com dois transformadores 10/150 k V e 17 MVA; a de Sá da Bandeira, equipada com dois transformadores de 150/60/15 kV e 10 MVA; a de Moçâmedes, equipada com dois transformadores de 60/15 k V e 5 MVA.
Quanto ao sistema produtor, as obras principais realizadas são a seguir indicadas:

a) Uma barragem de comportas, constituída por dois troços: um de 175 III de comprimento, a partir da margem direita, no qual estão as três tomadas de água para a central, providas de comportas de sector de 6,5mX9m; outro com o desenvolvimento de 720 m, formado por 36 portadas de 20 m, das quais 29 têm comportas automáticas de charneira com 18,5 mX2,95 m, destinando-se uma a descarga de fundo e seis (as últimas da margem esquerda) constituem descarregadores de cheia, a partir da cota (1306,00).
Por cima da barragem passam a estrada de Sá da Bandeira para Serpa Pinto, na extensão de 895 m, e o caminho de ferro de Moçâmedes, na extensão de 720 m, continuando para a margem direita por 260 III de ponte independente da barragem.
A albufeira criada pela barragem da Matala, de capacidade útil de regularização igual a 70 milhões de metros cúbicos e o nível de armazenamento à cota (1305,65).
Esta albufeira alimenta directamente o canal de rega do colonato do Cunene, que tem 42,5 km de desenvolvimento e capacidade de transporte igual a 5 m3/s.

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b) Uma central, localizada imediatamente a seguir à barragem, com tomada de água nesta, destinada a três grupos turboalternadores de 17 MVA, dos quais dois já foram instalados. Além destes , grupos, possui a central mais dois grupos auxiliares de 550 kVA.
Os grupos principais são providos de turbinas Kaplan e os auxiliares de turbinas Francis, trabalhando o conjunto sob a queda útil de 19,80 m.
c) Um posto de comando e de transformação, equipado para a energia a emitir para o exterior com dois transformadores de 10/150 kV de 17 MVA, já referidos.
De início previu-se que a central da Matala (de objectivo hidroagrícola de povoamento em explorações agro-pecuárias) pudesse beneficiar da criação, a montante do Cunene, de uma ou mais grandes albufeiras de regularização
interanual.
Deve-se à Câmara Corporativa, pelo seu parecer n.º 4/VII, de 9 de Agosto de 1958, sobre o projecto do II Plano de Fomento (1959-1964), o impulso decisivo para se proceder aos estudos das cabeceiras da bacia hidrográfica do Cunene até à albufeira da Matala, indispensáveis para a regularização de caudais e para o conveniente regime de exploração da central da Matala. A Câmara Corporativa lembrou então que o Ministério do Ultramar já em 29 de Março de 1946, quando criou a Missão ao Sul de Angola, atribuíra especial importância ao problema das águas do rio Cunene, situado «na importantíssima zona económica e política» do Sul de Angola, zona que fora objecto de dois acordos do Cabo da Boa Esperança, ambos de 1926: um, de 22 de Junho, sobre a fronteira com o Sudoeste Africano, que tinha como limite sul o paralelo do Buacaná; outro, de 1 de Julho, sobre a partilha das águas do Cunene a jusante de Naulila.
Para dar execução ao voto da Câmara Corporativa, a que se seguiu a inscrição de 12 000 contos no II Plano de Fomento para «Estudo dos aproveitamentos das cabeceiras do Cunene para regularização do caudal do aproveitamento hidroeléctrico da Matala e acabamento dos estudos da 2.ª fase das obras hidroagrícolas do Mulondo-Quiteve-Humbe», a Inspecção-Geral do Fomento propôs, em 30 de Março de 1959, pelo documento n.º 623/59, que fosse dada execução ao sugerido sobre os estudos das cabeceiras e se concluíssem os estudos da 2.ª fase da rega do Cunene.
O proposto foi aprovado em 18 de Maio de 1959, e em Agosto de 1962 foi entregue o «Plano geral do aproveitamento hidroeléctrico da bacia do Cunene a montante da Matala».
O plano apresentado considerou dez aproveitamentos (incluindo a Matala, já em exploração) na bacia hidrográfica do Cunene, de quase 29 000 km2 a montante da Barragem Salazar, os quais, feita a selecção, reduziu a oito, por exclusão dos aproveitamentos n.ºs 1 e 9, por não serem económicos.
A energia produtível no conjunto dos oito aproveitamentos é de 290 GWh, de preço médio para os sete novos aproveitamentos igual a $338 por kilowatt-hora.
Submetido o Plano à apreciação do Conselho Superior de Fomento Ultramarino, este emitiu o parecer n.º 9/63, de 15 de Maio de 1963, aprovativo do Plano, e aconselhou o estudo definitivo da 1.ª fase do aproveitamento n.º 2, dizendo deste aproveitamento:
A economia da regularização prevista no aproveitamento n.º 2 não deve traduzir-se em termos puramente hidroeléctricos, pois as suas vantagens no que respeita à rega e ao povoamento ultrapassam muito aquele objectivo.
Até mesmo se não fosse recomendável, por motivos de natureza financeira, a execução imediata das obras de povoamento que o Sul de Angola necessita e a obra de regularização se destinasse apenas a melhorar a produtividade da central hidroeléctrica da Matala, para que esta pudesse acompanhar a evolução dos consumos, não devia perder-se de vista o grande benefício para todo o curso do Cunene a jusante, tanto no que respeita aos aproveitamentos futuros como ao fundamento para fixação de populações.
Este parecer foi homologado em 16 de Maio de 1963 e determinada a maior celeridade para os estudos da barragem do aproveitamento n.º 2, da irrigação de 30 000 ha do bloco Mulondo-Quiteve-Humbe e da linha de transporte de energia da Matala ao Quiteve-Humbe e da linha de transporte de energia da Matala ao Quiteve - e daqui para o sul.
Os nove aproveitamentos de cabeceiras estudados, cujos caudais passam pela central da Matala, localizam-se:

No rio Cunene, cinco - os n.º 1, 2, 3, 4 e 5.
No rio Guando, afluente do Cunene, três - os n.ºs 6,
7 e 8. No rio Calai, afluente do Cunene, um - o n.º 9.

O quadro n.º 17 indica os aproveitamentos do Plano, seus custos e energia produzida, excluído o n.º 1, por não interessar:

QUADRO N.º 17

[Ver Quadro na Imagem]

2. Consumos actuais e previstos de água de rega e de electricidade até 1975:
A) Agua de rega (metros cúbicos por segundo) a fornecer pelo caudal permanente (garantido) afluído à albufeira da Matala:

[Ver Quadro na Imagem]

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1020 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 82

B) Electricidade:

[Ver Quadro na Imagem]

3. Produção actual e prevista para fazer face aos consumos de água de rega e de electricidade indicados:

A) Água de rega:

1) Em 1965, 2,2m3/s, garantidos pelo actual aproveitamento da Matala;
2) Em 1970 e 1975, 39 m3/s, garantidos pelo caudal afluído à Matala, vindo da albufeira n.º 2 e da parte restante da bacia hidrográfica.

B) Electricidade:

1) Em 1965, 20 GWh provenientes da Matala;
2) Em 1970, 90 GWh do aproveitamento n.º 2, que com a Matala garante 100 GWh;
3) Depois de 1970, 180 GWh da Matala e aproveitamento n.3 2, mais os aproveitamentos n.º* 3 e 5, que, com o caudal vindo da albufeira do aproveitamento n.º 2, que por eles passa, asseguram 80 GWh;
4) Total:

Gigawatts-hora
Matala - Aproveitamento n.º 2 ...... 100
Aproveitamento n.º 3 ............... 33
Aproveitamento n.º 5 ............... 47
____
180
____
4. Investimentos estimados:

A) Para a água de rega de 30 000 ha do colonato Mulondo-Quiteve-Humbe:
Contos
1) Albufeira do aproveitamento n.º 2 ... 187 300
_______
B) Para a produção de electricidade necessária ao consumo de 180 GWh:
1) Instalação do 3.º grupo turboalternador da central da Matala, para o qual já foram feitas as obras de engenharia civil ................ 22 000
2) Central do aproveitamento n.º 2 ....................... 93 900
3) Linha de interligação das centrais do rio Cunene,
174 km ................................................... 44 000
4) Obras das centrais dos aproveitamentos
n.ºs 3 e 5 ...............................................218 500
_______
5) Total ................ 378 400

C) Linha de transporte de energia da Matala para o sul:
Contos
1) Até ao Quiteve ........... 60 000
2) Tara o sul ............. 120 000
________
3) Total .................. 180 000
________

5. Investimentos feitos na Matala e consumo de electricidade.
Nos «aproveitamentos hidráulicos e hidroagrícolas do Cunene, na Matala, nas linhas de transporte de energia para o colonato e para Sá da Bandeira e Moçâmedes (329 km) e nas pontes da barragem (de estrada com 895 III e de caminho de ferro com 980 m) foram investidos pelo Estado 381 920 contos, no I e II Planos de Fomento, assim parcelados:
Contos
Barragem, pontes e central ....... 186 920
Equipamentos de regulação hidráulica da
barragem (comportas) ............. 15 209
Equipamentos da central .......... 61 959
Linhas de transporte de energia .. 96 827
Subestações ...................... 20 996

A central da Matala entrou em serviço em 17 de Setembro de 1959, data em que Sá da Bandeira começou a receber energia em regime experimental. Moçâmedes recebeu energia depois, em 23 de Dezembro de 1959.
Sobre o preço da energia da Matala pronunciou-se a Inspecção-Geral do Fomento no relatório de 19 de Fevereiro de 1960 e foi fixado em 12 de Maio seguinte (emitido o parecer n.º 7/60 do Conselho Superior de Fomento Ultramarino e sob proposta da mesma Inspecção-Geral) em $60 para a energia saída das subestações de Sá da Bandeira e Moçâmedes e em $20 para a energia emitida pela subestação da Matala destinada ao colonato, dando-se no quadro seguinte os consumos anuais verificados em kilowatts-hora até ao fim do 1.º semestre de 1963:

QUADRO N.º 17-A

[Ver Quadro na Imagem]

A exploração do sistema hidroeléctrico da Matala foi entregue à Junta Provincial de Electrificação de Angola, criada em 11 de Maio de 1962, pela proposta da Inspecção-Geral do Fomento n.º 3M/62, de 9 de Junho de 1962. Antes da Junta foi a própria Inspecção-Geral do Fomento, com a Brigada Técnica de Fomento e Povoamento de Cunene, que fez a exploração.

2) Formulação do Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967

21. O Decreto-Lei n.º 44652, de 27 de Outubro de 1962, além de promulgar disposições destinadas a fomentar o crescimento económico e social dos territórios e regiões menos desenvolvidas do espaço português, introduziu alterações na orgânica dos Conselhos de Ministros especializados e fundiu num só o Conselho Económico e o Conselho de Ministros para o Comércio Externo, atribuindo ao novo Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos as funções de órgão de definição e de coordenação da política económica nacional.
Simultaneamente criou ainda o Secretariado Técnico da Presidência do Conselho, junto do qual está a Comissão Interministerial de Planeamento e Integração Económica.

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17 DE NOVEMBRO DE 1964 1021

Em seguimento deste diploma, o Ministério do Ultramar criou a Comissão de Coordenação dos Serviços Provinciais de Planeamento e Integração Económica pelo Decreto-Lei n.º 45 222, de 30 de Agosto de 1963, cuja orgânica foi definida pelo Decreto n.º 45258, de 21 de Setembro de 1963.
Ao abrigo do artigo 5.º deste diploma, o Ministério do Ultramar criou, a partir de Novembro de 1963, os dez grupos de trabalhos seguintes para o estudo do Plano Intercalar de Fomento em apreciação:

1) Agricultura, silvicultura e pecuária;
2) Energia;
3) Indústrias extractivas;
4) Indústria transformadora;
5) Pesca;
6) Migração, mão-de-obra e assuntos sociais;
7) Estudos de mercados;
8) Financiamentos;
9) Regimes fiscais;
10) Transportes e comunicações.

22. A programação dos investimentos prioritários, que saiu dos estudos- feitos para as províncias ultramarinas, é dada no quadro n.º 18, e é de 14 400 000 coutos o investimento previsto no ultramar no triénio de 1965-1967, para o qual a metrópole dá a contribuição de 3 milhões de contos - 1 milhão por ano - sob a forma de subsídios, empréstimos e outras modalidades de financiamento.

23. A distribuição dos 14 400 000 contos por sectores é dada a seguir:

I) Conhecimento científico do território e das populações, investigação científica e estudo de base 397 000
II) Agricultura, silvicultura e pecuária 1 549 300
III) Pesca ............................. 1 004 000
IV) Energia ........................... 1 338 000
V) Indústria ......................... 3 611 500
VI) Transportes e comunicações ......... 4 158 500
VII) Turismo ........................... 255 000
VIII)Habitação e melhoramentos locais..... 604 000
IX) Promoção social .................... 1 482 700
_________
Total ........ 14 400 000

24. A distribuição por províncias ultramarinas e sectores consta dos quadros n.ºs 19 a 25.

Plano Intercalar de Fomento

QUADRO N.º 18

Empreendimentos e investimento

[Ver Quadro na Imagem]

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1022 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 82

[Ver Quadro na Imagem]

Cabo Verde - Total: 500 000 contos

QUADRO N.º 19

Investimento do Plano Intercalar

[Ver Quadro na Imagem]

Guiné - Total: 180 000 contos

QUADRO N.º 20

Investimentos do Plano Intercalar

[Ver Quadro na Imagem]

S. Tomé e Príncipe - Total: 180 000 contos

QUADRO N.º 21

Investimentos do Plano Intercalar

[Ver Quadro na Imagem]

Angola - Total: 7 210 000 contos

QUADRO N.º 22

Investimentos do Plano Intercalar

[Ver Quadro na Imagem]

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17 DE NOVEMBRO DE 1964 1023

Moçambique - Total: 6 400 000 contos

QUADRO N.º 23

Investimentos do Plano Intercalar

[Ver Quadro na Imagem]

Macau - Total: 600 000 contos

QUADRO N.º 24

Investimentos do Plano Intercalar

[Ver Quadro na Imagem]

Timor-Total: 270 000 contos

QUADRO N.º 25

Investimentos do Plano Intercalar

[Ver Quadro na Imagem]

II

Exame na especialidade

§ 1.º Financiamento do Plano Intercalar

25. O projecto do Plano Intercalar prevê que os programas provinciais de investimento sejam financiados com os recursos seguintes:
Contos
1) Nacionais ............ (a) 9 800 000
2) Externos .......:..... 4 600 000

(a) Correcção de lapso de soma do quadro III, p. 770, do projecto de Plano Intercalar (Actas da Câmara Corporativa n.º 65, de 1 de Outubro de 1964, VIII Legislatura).

Os recursos nacionais provêm:

I) Do Estado, 4 635 000 contos, sendo:

1)3 milhões de contos da metrópole (Administração Central), e englobam:

a) Empréstimos provenientes de disponibilidades de tesouraria
da metrópole, a obter, pelo menos em parte, de operação
de crédito interno;
b) Amortizações contratuais de empréstimos anteriormente concedidos às províncias ultramarinas;
c) Outras modalidades de assistência financeira não especificada.

2) 1 620 000 contos de contribuição das administrações provinciais, obtidos dos saldos das receitas ordinárias no triénio de 1965-1967 e do saldo da conta de anos económicos findos em 31 de Dezembro de 1964, depois de deduzidos os encargos das despesas extraordinárias orçamentais realizadas fora do Plano, baseando-se o apuramento das verbas da participação das províncias em cálculos de extrapolação de certas rubricas das receitas e das despesas.
3) 15 000 contos também serão, obtidos de institutos públicos, de fundos de organismos autónomos e de autarquias locais.

II) De institutos de crédito, 252 500 contos.
III) De particulares e empresas, 4912500 contos (1), sendo, neste caso:

a) Autofinanciamentos ................................... 3 762 500
b) Participação privada das sociedades de financiamento.. 350 000
c) Emissão de obrigações de fomento...................... 800 000

Os recursos externos, no total de 4 600 000 contos, são obtidos:

1) De financiamentos puros ........... 1 650 000
2) De financiamentos para equipamentos 2 950 000

(1) Ver nota (a) acima.

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1024 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 82

Indica o projecto do Plano Intercalar que, feitos os cálculos para a determinação das receitas para o Plano Intercalar, se pode concluir:

1) Cabo Verde Contos

Encargos do Plano .............. 500 000

Financiamento:

1) Do Estado, Administração
Central ....................... 250 000
2) De financiamento do exterior
(empréstimo para o aeroporto do
Sal e empreendimentos da pesca
por empresas privadas) ........ 250 000
________ 500 000
_______
2) Guiné
Encargos do Plano ...................... 180 000
Financiamento, sómente da administração
central ............................... 180 000
________
3) S. Tomé e Príncipe

Encargos do Plano .............. 180 000
Financiamento, como na Guino, sómente da
administração central ........... 180 000

4) Angola

Encargos do Plano...............7 210 000

Financiamento:

I) Recursos nacionais ........ 4 360 000
1) Administração central ...... 1 000 000
2) Administração provincial.... 750 000
3) Instituições de crédito locais,
promissórias a tomar pelas
instituições de crédito local ... 202 500
4) Autofimanciamentos ......... 1 607 500
5) Emissão de obrigações de
fomento ....................... 600 000
6) Participação privada no capital
da prevista sociedade de financiamento
e de desenvolvimento ........... 200 000

II) Recursos externos ......... 2 850 000

_________
5) Moçambique
Contos
Encargos do Plano ............. 5 400 000

Financiamento:

I) Recursos nacionais ......... 3 900 000

1) Administração central ...... 1 120 000
2) Administração provincial ... 750 000
3) Instituições de crédito local,
promissórias tomadas pelas instituições
de crédito local .............. 50 000
4) Autofinanciamento .... ......1 630 000
5) Emissões de obrigações de
fomento ........................ 200 000
6) Participação privada no capital
da prevista sociedade de financiamento
do desenvolvimento ............. 150 000

II) Recursos externos ..........1 500 000

6) Macau

Encargos do Plano ............. 660 000

1) Orçamento ordinário da
província ..................... 20 000
2) Orçamento extraordinário da
Província ..................... 100 000
3) Leal Senado ................ 8 500
3) Provedoria da Assistência
Pública ...................... 6 750
5) Entidades privadas ......... 525 000
_______

Nota. - A previsão do financiamento contém a mais 250 contos em relação à previsão do projecto de Plano Intercalar.

7) Timor
Contos
Encargos do Plano ............. 270 000
Financiamento sómente da Administração
Central, como em Cabo Verde e S.
Tomé e Príncipe . ............. 270 000
O quadro n.º 18 dá o resumo dos empreendimentos e dos investimentos e financiamentos.

26. O projecto de Plano Intercalar prevê uma forte intervenção pública directa nas actividades económicas, sem prejuízo, porém, para as concepções político-económicas da Nação e sem que tal participação seja através de perigosa via fiscal, como aludido no projecto de Plano Intercalar para Cabo Verde, pois afastaria o capital Igualmente prevê o recurso intensivo a empresas de economia mista, como agentes impulsionadores e realizadores de novos projectos industriais de maior interesse que a iniciativa privada não possa considerar. Prevê também a constituição de grandes sociedades públicas ou mistas de investimentos que possam exercer uma acção complementar das instituições existentes ou a criar de impulsionamento ou financiamento do investimento privado. Prevê ainda a efectivação de um intenso apoio público ao investimento privado mediante a promulgação de medidas ou providências de política económica visando o estímulo, a orientação e o auxílio.
O novo plano atende também à concentração do esforço do investimento em «pólos de crescimento», com o fim de evitar a dispersão e os crescimentos disseminados; conta-se, sobretudo, com a acção benéfica da existência das chamadas «unidades motoras».
Quanto às fontes de recursos, julga-se que, no respeitante ao financiamento e investimento públicos, se conte com a manutenção da acção predominante da metrópole; e, no respeitante ao capital privado nacional, estão em consideração providências para fomentar o seu investimento directo no ultramar, bem como um programa de acção destinado a mobilização de poupança ultramarina e sua orientação para os empreendimentos produtivos.
Para a efectivação do recurso ao capital privado estrangeiro será estimulada a sua interferência, prevendo-se para o fim um programa sistemático para a respectiva atracção, sob a asseguração adequada da soberania portuguesa e de tudo que interessa à Nação. Espera-se que neste domínio tenham papel importante as sociedades públicas ou de eco-

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17 DE NOVEMBRO DE 1964 1025

nomia mista. Os princípios básicos serão- estabelecidos em diploma a publicar.
Quanto às fontes de financiamento, a Câmara Corporativa tem total confiança nos recursos da Nação e votos faz para que o apelo que vai ser feito à poupança para investir em infra-estruturas económicas e sociais dê os resultados optimistas previstos. Prevê o Plano uma decidida intervenção pública directa nas actividades económicas e, para o fim, haverá que intensificar o recurso a empresas de economia mista com o fim de em especial, ser dada efectivação aos projectos industriais.
E este outro ponto sobre o qual a Câmara Corporativa emite o voto de que os resultados sejam consoante as previsões. E inegável que o apoio do Estado terá de ser insistente e forte no sector privado, o que determina muita prudência e muita competência, que se caracterizem pela prontidão e segurança na orientação e nas decisões.

§ 2.º Observações sobre problemas comuns às várias províncias

27. Quanto às proporções do Plano e às disponibilidades de pessoal técnico e cientifico. - Este novo Plano de Fomento para três anos excede em investimentos o que foi programado para os dois planos de fomento anteriores. O I e o II Planos de Fomento, de seis anos cada, programaram-se com o total de 14 349 946 con-tos, o que correspondeu a uma actuação à razão da média anual de quase 1 200000 contos. Agora, no Plano Intercalar, em que se prevêm quase 5 milhões de contos de fontes particulares e empresas, a marcha exigirá uma actuação de investimentos maior de quatro vezes - uns 4 800 000 contos anuais -, o que requer acção pronta e bem estruturada dos organismos que hão-de desempenhar-se da condução dos empreendimentos (quadro n.º 26). Solução perfeita, parece impossível; contudo, algumas melhorias poderão ser conseguidas. A Câmara Corporativa, com base no parecer n.º 1/62 da Comissão Restrita do Conselho Superior de Fomento Ultramarino, referido no n.º 17 deste parecer, lembra a conveniência da unificação dos quadros técnicos metropolitanos e ultramarinos, designadamente através da intensificação no sentido da criação de serviços de investigação nacionais, no domínio da pesca, da agricultura, das obras públicas e da própria investigação científica, já como tal encarada no projecto de Plano Intercalar, para o serviço .da qual se deverá contar com os professores universitários em Angola e Moçambique; a concessão de bolsas de estudo para formação ou especialização de técnicos; a necessidade de facilidades no recrutamento dos técnicos ultramarinos.
Em especial, pelo que respeita às investigações científicas, para as quais se prevêem 115 000 contos, para todo o ultramar, a Câmara Corporativa entende que seria muito recomendável não dispersar e concentrar o problema das investigações em serviços nacionais ou centrais, nomeadamente na Junta de Investigações do Ultramar, porque o País não tem investigadores e outro pessoal idóneo para a investigação dispersa do projecto de Plano.
Quanto aos estudos de base, para que se prevêem 80 250 contos para todas as províncias, fora outros estudos para que foram indicadas importantes verbas, a Câmara Corporativa, julgando ser muito necessário que se estude e se estude bem, optaria (porque tais estudos fossem determinados £ orientados por uma entidade central, de capacidade e idoneidade científica seguras, e de experiência certa para o fazer, parecendo-lhe que a Junta de Investigações estaria especialmente indicada para o fim.
Concretizando, julga-se aconselhável:

a) Dividir atribuições. Para o mesmo trabalho passarão, em certos casos, a ser necessários menos técnicos, podendo, portanto, os existentes dar maior rendimento ou evitar-se a procura de mais especialistas;
b) Simplificar e apressar o recrutamento de pessoal. Sucede, por vezes, decorrer um ano desde que determinado indivíduo é convidado a ingressar nos serviços públicos até que inicie as suas funções; frequentemente por culpa do interessado, mas mais geralmente por obstáculos de ordem burocrática;
c) Exercer-se maior fiscalização sobre as actividades dos técnicos, em especial dos que constituem brigadas ou missões temporárias. Há a tendência de transformar estes organismos em permanentes e, nessa ideia, fazerem-se programas de trabalho que podem durar quase toda a vida de um indivíduo. Funções e objectivos a atingir bem definidos, limitar antecipadamente a duração do serviço, é o que o Estado deve promover ;
d) Recorrer ao auxílio de técnicos não funcionários ou empresas técnicas, mas ponderadamente, não se criando estados dentro do Estado, o que seria muito pior. Entidades particulares há também que poderão dar alguma contribuição, sem despesa ou com pequena despesa;
e) Aproveitar os serviços de organismos públicos metropolitanos, mediante a criação de novos serviços nacionais, onde seja exigido um alto nível de especialização;
f) Chamar a colaboração de técnicos estrangeiros, nos casos em que seja necessário, sem a preocupação de ofensas a um mal intendido orgulho nacional;
g) Criar subsídios universitários para o ingresso do maior número de estudantes aos cursos universitários.
Para o fim considera-se aconselhável uma verba de 100 000 contos e o número de 1000 estudantes ultramarinos, durante a vigência do Plano, e através de institutos de crédito, como, aliás, existiu no Estado da índia, pela Caixa Económica;
h) Promover, e custear pelas verbas dos planos, a especialização de técnicos, de preferência recentemente saídos das escolas, que tomem o compromisso de servir o Estado durante determinado tempo e em certas condições;
í) Aproveitar melhor os técnicos dos quadros permanentes, dando-lhes maiores conhecimentos especializados. Para isso, torna-se necessário reorganizar serviços e actualizar os seus quadros, por forma que, no conjunto, haja mais técnicos especializados nalguns ramos.
Não parece ser aconselhável a existência de direcções-gerais no Ministério do Ultramar para o fomento e a economia, porque as direcções devem estar onde estejam os empreendimentos e as obras para as dirigir, comandar e fiscalizar localmente. No Ministério do Ultramar devem estar inspecções-gerais com inspectores superiores especializados que efectivamente se ocupem das tarefas especializadas, tudo coordenado por um conselho superior de fomento do ultramar.

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QUADRO N.º 26

Confronto dos Planos de Fomento por sectores principais

(Milhares de contos)

[Ver Quadro na Imagem]

Observações. - O projecto de Plano Intercalar inclui 4 912 500 contos provenientes de fontes particulares e empresas (n.º 25 deste parecer), cabendo à indústria cerca de 3500000 contos.
Os totais dos I e II Planos somam sómente as parcelas dos sectores indicados neste quadro e o seu financiamento fez-se essencialmente com recursos do natureza pública e semipública.

28. Quanto ao número de empreendimentos, seria mais recomendável que o Plano tivesse menor número de rubricas e melhor dotadas. Consideram-se empreendimentos cujo lugar é nos orçamentos das províncias; e alguns empreendimentos surgem no projecto sem referência elucidativa e justificativa. É pena que o projecto de Plano Intercalar não venha acompanhado de apreciação sucinta, e concreta dos governos ultramarinos, do parecer do Conselho Superior de Fomento Ultramarino e ida informação da Direcção-Geral de Fazenda do Ultramar.
Também muito útil seria que o projecto elucidasse sobre a utilização das dotações dos planos anteriores, pelo menos nos empreendimentos mais vultosos, com a indicação das dotações utilizadas e com os resultados obtidos. Em poucas linhas seria possível dar uma nota elucidativa e orientadora. Por exemplo, no importante sector do povoamento, de que o Plano Intercalar se ocupa sob a rubrica «Esquemas de regadio e povoamento», há dois objectivos que convém ser apresentados e estudados em separado, como esta Câmara já recomendou no parecer sobre o II Plano de Fomento e em que agora insiste, esperando-se que os programas provinciais e anuais para o triénio contenham a separação. O projecto de Plano Intercalar indica, por exemplo, para Angola o investimento de 240 000 contos, sob a rubrica «Esquemas de regadio e povoamento», mas limita-se a informar o assunto dizendo que no capítulo do «Aumento da produtividade na agricultura» há que fomentar a produção, incluindo, para o fim, as obras hidráulicas entre os agentes do fomento, preconizando a sua «realização ou comparticipação» nas mesmas. Na descrição dos programas de investimentos a parte referente aos esquemas de regadio e povoamento contém uma referência ao povoamento da Cela, dizendo-se ser necessário que se proceda durante o triénio à consolidação de quinze aldeamentos. Na íntegra. diz o n.º 40, p. 737, do projecto de Plano sobre a importante matéria (Actuas dia Câmara Corporativa n.º 65, de 1 de Outubro de 1964, VIII Legislatura):

No que respeita ao povoamento da Cela, julga-se necessário que se proceda durante o triénio à consolidação de quinze aldeamentos, à manutenção e preparação de fazendas médias, à compra de sementes, adubos e medicamentos para gado e à instalação de novos colonos, e ainda a trabalhos complementares das obras hidroagrícolas.
Para o povoamento do Bengo está em estudo o aproveitamento desta região, e prevê-se que, além das obras da barragem no aproveitamento da Quiminha e do levantamento e cadastro de propriedade de toda a região que prossegue e se ultimará durante o triénio.
As possibilidades potenciais do vale do Bengo merecem e exigem que assim se proceda e encara-se realizar um estudo completo para definição total dos investimentos a realizar nesta obra. Dentro deste programa, encara-se a realização dos estudos agronómicos e nomeadamente o estudo dos solos, correcção da salinidade, determinação das culturas recomendáveis, com particular ênfase no palmar, bananal e cana sacarina.
Encara-se ainda o regadio da região de N'gola, o regadio do Hoque, aproveitamento do vale do Cavaco e estudo do plano de desenvolvimento.
E é tudo, e é bem pouco. Sobre a acção da Junta Provincial de Povoamento, criada pelo Decreto n.º 43 895, de 6 de Setembro de 1961, sabe-se que no seu «plano de trabalhos para 1964», se indicou a verba global de 202 000 contos referente à receita ordinária e parece ter entre mãos um vastíssimo campo de actividades, mas não se topa no projecto de Plano uma nota esclarecedora, e faz falta.

§ 3.º Análise dos empreendimentos e realizações previstos no projecto de Plano Intercalar

29. Para o melhor entendimento da análise que vai seguir-se, não pode deixar de estar presente o que atrás já se deixou registado quanto aos empreendimentos prioritários para cada uma das províncias do ultramar (n.ºs 21 a 24 do parecer), bem como o que se salientou quanto aos problemas comuns às várias províncias (§ 2.º anterior) .
1) Cabo Verde (Quadros n.º 18 e 19)

30. Prevê o Plano Intercalar que a província de Cabo Verde, contemplada no I Plano de Fomento com 96 730 contos, despendidos, e no II Plano com 250 210 contos, programados, de seis anos cada, seja dotada com 500 000 contos no Plano Intercalar, metade provenientes do Estado, administração central, e metade obtidos de financiamento externo (empréstimo para o aeroporto do Sal e empreendimentos da pesca por empresas privadas).
A seguir consideram-se os empreendimentos, encargos e características.

31. Conhecimento cientifico do território e das populações, investigação científica e estudos de base. - Prevê o Plano o investimento de 16 000 contos neste sector, sendo 10 000 contos para o conhecimento científico do território. 4500 contos para as investigações científicas e 1500 contos para estudos de base.
No conhecimento cientifico do território pretende-se actualiza a cartografia disponível e os trabalhos serão executados em .colaboração com o Centro de Geografia e o

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Instituto Hidrográfico. Não é assunto de urgência, mas reconhece-se-lhe todo o interesse.
Pretende-se ainda realizar, pela rubrica do conhecimento científico do território, a investigação energética respeitante ao aproveitamento da energia do vento e da energia solar, e os estudos necessários deverão ser realizados com o apoio do Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Parece ter justificação perfeita a despesa prevista de 4500 contos para o fim.

32. Agricultura, silvicultura e pecuária. - Esta rubrica está dotada no Plano Intercalar com 42 000 contos, sendo 6000 contos para investigação básica e 36 000 contos para o fomento de recursos agro-silvo-pastoris.
É escassa a dotação, porque a agricultura de Cabo Verde, em declínio, continua a estar longe de satisfazer as necessidades de uma população em franco crescimento, já de 200 000 indivíduos, que se conta atinja 250 000 no fim do Plano Intercalar, cujo acesso ao mercado do trabalho é da ordem dos 4000 indivíduos anuais.
Tem havido brigadas de estudos da matéria e de construções, mas os esforços parece não terem sido coroados dos resultados desejados e programados. O mesmo se pode dizer do Decreto-Lei n.º 42 390, de 15 de Julho de 1959, relativo ao café, produto que tão grandes esperanças deu em 1956 e nos anos imediatamente anteriores. Esperava-se que da acção desenvolvida por efeito da aplicação do diploma referido e da continuidade da plantação de café seleccionado e da assistência técnica ao agricultor a produção constituísse um importantíssimo contributo para a economia do arquipélago. A Câmara Corporativa lembra a conveniência de ser dada execução ao Decreto-Lei n.º 42 390.
No quadro das produções principais de Cabo Verde, dado pelo projecto de Plano Intercalar que a seguir, em parte, se reproduz para os anos de 1960, 1961 e 1962, sob o n.º 27, o café, que ainda em 1956 ocupou o primeiro lugar entre todos os produtos da exportação, tem representação que é muito desejável ver aumentada.

QUADRO N.º 27

Produções principais

[Ver Quadro na Imagem]

No sector da estrutura agrícola nota-se a falta de inclusão dos regadios de Cabo Verde, contemplados no I e II Planos de Fomento, fundamentais para ajudar a corrigir os desfavores da meteorologia da província, regadios que acusam resultados já nitidamente benéficos.
A propósito transcreve-se para este parecer o que a Gamara Corporativa já disse no parecer do II Plano:

Em 1956 e 1957 o Ministério do Ultramar procurou nova orientação a seguir no fomento agrário da província e para o fim uma missão de especialistas ali foi enviada, trabalhando também, por outro lado, no sentido de reconhecer todas as ilhas, para a elaboração de um plano geral de obras de captação de águas e ainda no sentido do reconhecimento ecológico agrícola.
Dos estudos feitos nasceu a orientação que, através deste II Plano de Fomento, se pretende imprimir à economia de Cabo Verde, com fundamento de que nos relatórios apresentados «pode concluir-se pela possibilidade de se transformar radicalmente o panorama agrário de Cabo Verde».
Assim, prevê-se uma actuação de conjunto abarcando os aproveitamentos hidroagrícolas, a protecção do solo e defesa contra a erosão, o fomento florestal e fomento agrário, tendo neste nomeada referência a cultura do café, dotada com 3000 contos, esperando a Junta de Exportação do Café que este produto influa dentro de pouco tempo no volume das exportações.
Votos formula a Câmara Corporativa para que o desejado se converta em realidades.

33. Pesca. - A pesca é contemplada no projecto do Plano Intercalar com 258 000 contos, os quais se indica possam ser financiados, com recursos externos de empréstimos para empreendimentos, por empresas privadas. Os investimentos de pesca abrangem as três rubricas seguintes:

a) Investigação e assistência técnica, dotadas com 7500 contos;
b) Pescas, dotadas com 211 500 contos;
c) Regularização do consumo interno do pescado, dotada com 39 000 contos.

O programa de desenvolvimento da estrutura da pesca compreende os seguintes objectivos:

a)Impulsionamento da exploração racional dos recursos marinhos, incluindo o arranque da captura oceânica de atuns tropicais, tendo em vista o acréscimo da dieta proteica de origem animal, a regularização do abastecimento interno e o robustecimento do sector de transformação, com acentuado incremento da participação da província no comércio internacional de produtos com base no pescado;
b) Estudos intensivos de biologia piscatória (nas águas em torno e ao largo da província) e apoio tecnológico para expansão acelerada do sector;
c) Modernização de barcos e artes de pesca local;
d) Ampliação da incipiente frota costeira que na província labora, incluindo novas artes de pesca e equipamento de bordo, designadamente para acréscimo de autonomia, detecção de peixe e racionalização das operações;
e) Introdução da pesca oceânica de atuns tropicais segundo as técnicas de maior produtividade na área de exercício e dispondo as embarcações utilizadas de meios para a congelação do pescado;
f) Montagem nos principais centros piscatórios de câmaras de refrigeração para breve armazenagem, favorecendo as condições, de recepção e de distribuição do pescado;
g) Construção de oficinas de salga e secagem de peixe, segundo os requisitos técnicos que assegurem a salubridade dos produtos nos núcleos piscatórios onde o volume e a composição qualitativa das capturas o justifique;
h) Renovação de instalações fabris para melhoria da qualidade dos produtos, dotadas, designadamente, com meios frigoríficos.

A Câmara Corporativa apoia e rememora o que já também apoiou para o II Plano de Fomento no referente ao desenvolvimento da pesca em Cabo Verde, expressando-se assim:

Nos novos empreendimentos a considerar no II Plano está a pesca, dotada com 5500 contos para

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estudos de uma missão de biologia marítima, cujo navio de apoio servirá também os estudos da mesma natureza na Guiné.
Conhece-se, desde há muito, que a riqueza ictiológica marítima do arquipélago é grande e variada. A sua utilização industrial é pequena e de feição rudimentar - já hoje se exporta atum em conserva e farinha de peixe, mas em pequenas quantidades.
Crê a Câmara Corporativa que tudo que se possa fazer para incentivar esta indústria, de contrapartida na produção e na venda, é obra de verdadeiro fomento, actuante na formação dos meios de vida própria de uma população em activo crescimento. Por isso sugere que a pesca de Cabo Verde receba já neste II Plano de Fomento não só a atenção dos estudos previstos, mas um pouco mais do que a missão de biologia marítima pode dar, participando nos investimentos básicos da indústria da pesca com 20 000 contos, em vez dos 5500 contos propostos.

34. Energia. - A potência instalada em todo o arquipélago é da ordem dos 1000 kW e o Plano Intercalar prevê que na sua vigência esta potência possa elevar-se a 2550 kW, e prevê para a produção, transporte e distribuição de energia o dispêndio de 23 000 contos; o que merece decidido apoio e o desejo de pronta e conveniente execução.

35. Indústrias. - É de 21 000 contos o investimento previsto para as indústrias de Cabo Verde, sendo 6000 contos para as indústrias extractivas e 15 000 contos para as indústrias transformadoras.
Nas extractivas, o investimento incidirá: a) sobre a carta geológica das ilhas de Santiago, Sal, Boa Vista e Brava. A ilha de S. Vicente já possui carta geológica de certo pormenor, permitindo estudos geológicos aceitáveis; b) sobre estudos e aproveitamentos dos meios de obtenção de água doce. Pensa-se orientar a actividade dos estudos e trabalhos hidrogeológicos correspondentes de forma a prestar colaboração à brigada de estudos e construções de obras hidroagrícolas que trabalha em Cabo Verde. Também se pensa na hipótese da obtenção da água doce, a partir da água salgada, das águas salobras e encara-se até a condensação da humidade atmosférica; c) no fomento mineiro incluído na rubrica das indústrias extractivas, prevê-se, fundamentalmente, incrementar a exploração das pozolanas e do sal, e cuida-se que têm interesse outras pedreiras com vista ao fabrico de cimento e de cal.
A Câmara Corporativa apoia e dá a seguir por transcrição do projecto de Plano Intercalar no quadro n.º 28 a evolução da produção das indústrias de Cabo Verde:

QUADRO N.º 28

Evolução da produção das indústrias de Cabo Verde

[Ver Quadro na Imagem]

Nas indústrias transformadoras firma o projecto de Plano Intercalar a esperança de criar o volume de emprego necessário à procura do crescimento demográfico global e indica as seguintes indústrias a considerar:

Extracção de óleo da purgueira e fabrico de sabões;
Descasque da castanha de caju G extracção do líquido da casca;
Curtumes;
Fabrico de calçado;
Fabrico de malas, pastas e artigos de viagem;
Melhoramento da aguardente de cana.

Assim seja, porque bem vale o investimento previsto de 15 000 contos nas indústrias transformadoras. Parece que muito interesse possa ter a indústria têxtil, mesmo com matéria-prima importada do ultramar português.
Anota-se que a emigração deve merecer cuidadosa atenção e todas as facilidades.
Quanto à indústria do caju, a Câmara Corporativa julga que só depois de se reconhecer que a exploração do cajueiro é viável econòmicamente é que deverá pensar-se na industrialização da castanha respectiva.

36. Nos Transportes e comunicações está previsto o investimento de 70 000 coutos, sendo 25 000 nos transportes rodoviários; 14 000 nos portos e navegação; 26 000 nos transportes aéreos; 5000 nas telecomunicações.

a) Estradas:

A província conta, graças ao I e ao II Planos de Fomento, com infra-estruturas rodoviárias de perto de 1300 km de estradas, sendo cerca de 10 por cento de estradas de 1.ª classe.
Pretende-se agora com o Plano Intercalar dar execução a um programa que permita valorizar a província com as estradas das ilhas de Santiago, S. Vicente, Fogo e Santo Antão.
A Câmara Corporativa nada observa em contrário, embora lembre que a dificuldade da construção de estradas em Cabo Verde é muito grande em virtude da orografia do arquipélago com relevo extremamente acidentado, e da natureza dos terrenos. Parece por isso que o programa talhado seja ambicioso de mais para os investimentos previstos para o triénio.

b) Portos e navegação:

Em 1962 foi inaugurado o Porto Grande de S. Vicente, que, com o Porto Novo, em Santo Antão, são os principais portos do arquipélago.
Em Abril de 1964 o Conselho Superior de Fomento Ultramarino deu o parecer n.º 5/64 - sobre o Plano portuário de Cabo Verde, submetido ao seu estudo e exame.
O Plano portuário previu:

Um porto de abrigo na baía da Praia que permita a entrada e a atracação durante todo o ano de toda a navegação que escala regularmente o porto e que origine uma área abrigada na baía que permita o estacionamento dos pequenos navios da navegação interinsular e dos barcos de pesca, qualquer que seja o estado de agitação exterior.
Um porto em cada uma das restantes ilhas habitadas do arquipélago (com excepção de Santo Antão e S. Vicente, não incluídas no presente
plano) que permita a atracação do navio-motor Santo Antão durante a maior parte do ano. Quanto à localização do porto em cada ilha, a missão achou bem seguir as preferências da navegação tradicional para não atrofiar os interesses econò-

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micos e sociais já criados. Deste modo, a missão escolheu os seguintes portos:

Furna, na Brava.
Vale de Cavaleiros, no Fogo.
Vila do Maio, no Maio.
Sal-Rei, na Boavista.
Palmeira, no Sal.
Preguiça, em S. Nicolau.

No que se refere ao porto da Palmeira, na ilha do Sal, o esquema deverá ser concebido de modo que o porto seja de abrigo para os pequenos navios da navegação interinsular e para os barcos de pesca.

O Conselho considerou ainda como de primeira prioridade as obras dos portos da Praia e do Vale de Cavaleiros, na ilha do Fogo, seguindo-se as dos portos da Palmeira, na ilha do Sal, é da Furna, na ilha Brava.
O projecto de Plano Intercalar considera: na ilha de Santiago a organização do projecto do porto da Praia (execução da 1.ª fase); na ilha de S. Vicente, os melhoramentos do Porto Grande em instalações terrestres nos terraplenos, à iluminação do cais de pesca e os estaleiros navais (1.ª fase); na ilha do Fogo, a construção da 1.ª fase do porto de Vale de Cavaleiros, e na ilha de Santo Antão, acessórios e equipamentos para Porto Novo.
A Câmara Corporativa apoia o programa indicado, observando, porém, que as instalações terrestres para o Porto Grande são de urgência e muito necessárias, destacando-se a dos estaleiros navais (1.ª fase), que só por si requer um aumento substancial da dotação prevista, e observa ainda que a verba do projecto de Plano para portos é escassa e que se ela não puder ser aumentada se deve concentrar a atenção num só porto - Praia ou Vale de Cavaleiros.

37. Transportes aéreos. - Dotados com 26 000 contos. Carecem os transportes aéreos de Cabo Verde de especial atenção e execução, justificadas por motivos evidentes derivados da composição das dez ilhas do arquipélago, com actividade económica e administrativa pràticamente concentrada em Santiago e em S. Vicente.
Os transportes aéreos dão facilidade, rapidez e unidade à Administração e diminuem os efeitos depressivos do isolamento.
De cinco aeródromos de que dispõe o arquipélago em condições operativas, sómente estão em estado satisfatório o da Boa Vista já completamente concluído, o dos Mosteiros (na ilha do Fogo) e o do Sal, em construção para aviões a jacto. As condições dos restantes são precárias nos acabamentos.
Há, pois, necessidade de dar aos aeródromos do Plano Intercalar: Praia, S. Vicente, S. Nicolau, Boa Vista, Maio e Fogo, características técnicas de exploração e segurança convenientes, o que a Câmara Corporativa inteiramente aplaude.

38. Telecomunicações. - Dotadas com 5000 contos.
A remodelação e o melhoramento do que existe é necessário e já foi objecto de um parecer do Conselho Superior de Fomento Ultramarino, dado em 13 de Setembro de 1963, com o n.º 12/63. As telecomunicações não podem ter um serviço eficiente necessário à vida actual, já no aspecto económico e no da aproximação dos indivíduos, já no apoio à navegação. E neste aspecto Cabo Verde ocupa um lugar de particular relevo, valor e responsabilidade pela sua posição geográfica. O empreendimento tem total apoio da Câmara Corporativa.

39. Habitação e melhoramentos locais. - Prevê o Plano Intercalar 20 000 contos, sendo 5000 contos para habitação e 15 000 contos para melhoramentos locais.
Com os 5000 contos da rubrica habitação pretende-se examinar e estudar as questões fundamentais respeitantes ao problema habitacional de uma população em franco crescimento.
A dotação não é escassa, e muito se poderá fazer se prèviamente houver uma preparação idónea que permita entrar na matéria, sabendo-se clara e concretamente o que se quer e como se vai fazer. Os 15 000 contos para melhoramentos locais destinam-se aos empreendimentos seguintes:

Abastecimento de água das povoações;
Instalação de esgotos nos centros urbanos;
Execução de planos de urbanização.

São, na verdade, melhoramentos de valorização essencial. A Câmara Corporativa apoia e deseja para eles pronta execução.

40. Promoção social. - Dotada com 50 000 contos, sendo 18 000 contos para a educação, 30 000 contos para a saúde e assistência e 2000 contos para a radiodifusão.
No ensino primário pretende o projecto de Plano Intercalar que o ensino primário adquira uma intensa generalização e que a educação de adultos seja objecto de vasto e intenso esforço, orientado mais no sentido de um desenvolvimento da aprendizagem do que no prolongamento da escolaridade, fixando os objectivos seguintes:

1.º Generalização do ensino primário;
2.º Realização de programas de grande envergadura em matéria de educação de adultos.

No ensino liceal e técnico prevê-se que o maior esforço seja no sentido de assegurar a formação de técnicos especializados. Indica o projecto de Plano que para o ensino secundário e médio o objectivo de carácter geral é aumentar as possibilidades de acesso dos alunos que concluam a instrução primária ao ensino secundário e dos alunos deste ao ensino médio e como também diz que a falta de elementos sobre as necessidades a determinar pelo desenvolvimento económico da província a que o ensino terá de recorrer não permite fixar objectivos precisos, em termos de quantidade que permitam garantir o equilíbrio desejado, a Câmara Corporativa limita-se a expressar a opinião de que o problema do ensino no ultramar é daqueles que se situam no âmbito dos problemas nacionais, não podendo ser resolvido com soluções locais e tantas vezes de apetite, falhas de realismo.
Dá o Plano prioridade à construção dos liceus e escolas e à preparação do pessoal docente.
Quanto à saúde, o objectivo é alargar as possibilidades de actuação dos serviços de saúde com o programa de acção seguinte:

a) A conclusão dos actuais hospitais e das actuais formações sanitárias e seu apetrechamento;
b) A construção imediata dos centros de reabilitação, e recuperação médica dos fìsicamente diminuídos, tanto no aspecto motor como no sensorial, ,por forma a obter-se a sua reintegração no meio comunitário donde a doença ou o acidente os retirou;
c) A construção de enfermarias-abrigo para tuberculosos;
d) A construção dos dispensários polivalentes, dos dispensários de higiene mental, dos dispensários de puericultura e pré-natais;

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e) O alargamento da assistência materno-infantil;
f) A intensificação das campanhas sanitárias contra as grandes endemias;
g) As campanhas de educação sanitária, de rastreio de cancerosos, de assistência sanitária rural e de educação familiar e de desenvolvimento comunitário;
h) A cuidada formação do pessoal técnico;
i) O alargamento dos seus quadros;
j) As campanhas intensivas de saneamento e salubridade.

Dispõe-se para o fim, no triénio, de 30 000 contos e a Câmara Corporativa concorda e deseja a mais conveniente utilização para esta verba.

41. Radiodifusão. - São 2000 contos para a radiodifusão que aditam ao investimento sob a rubrica «Telecomunicações» já referida.

42. Indicado e apreciado o programa de investimentos que o Plano Intercalar considera para Cabo Verde, registam-se a seguir alguns dos mais salientes aspectos da economia e promoção social do arquipélago no momento presente, segundo a óptica do Plano:

a) Elevada taxa anual de crescimento demográfico (3,1 por cento), sem tendência aparente para diminuir;
b) Baixo nível de rendimento per capita e ritmo anual de crescimento relativamente baixo;
c) Grande importância do sector comercial no conjunto das actividades económicas provinciais e dinamismo acentuado deste sector;
d) Fraca participação dos sectores primários e secundários na formação do produto e na utilização do capital fixo formado;
c) Participação predominante dos capitais despendidos por via pública no conjunto dos investimentos;
f) Elevado grau de dependência do exterior, tanto no que se refere às receitas das famílias como na capacidade de investimento da administração pública;
g) Declínio relativo das actividades agrícolas e ainda pouca importância relativa da indústria, apesar do apreciável ritmo do crescimento desta;
h) Carências nas infra-estruturas económicas e sociais;
i) Predominância económica das ilhas de Santiago e do grupo S. Vicente-Santo Antão.

Pode afirmar-se que o novo Plano de Fomento para o triénio de 1963-1965 se caracteriza pela continuidade dada aos investimentos em infra-estruturas dos dois planos anteriores, o que corresponde à realidade da deficiência ainda de infra-estruturas no nosso ultramar, não obstante- o muito que foi feito de 1953 até agora, sem se esquecer o mínimo de capital social julgado indispensável. Não se seguiu o modelo dos planos de desenvolvimento nos países subdesenvolvidos, de tendência marcada para a preferência de investimentos no aumento do capital fixo social, mas seguiu-se, no entender da Câmara Corporativa, o que melhor se ajusta às necessidades das províncias ultramarinas, ainda com evidente deficiência de infra-estruturas. Realizadas as infra-estruturas indispensáveis aos empreendimentos de carácter directamente reprodutivo para o impulso sobre o crescimento do produto interno, já começa a ser possível dar relevância e programar empreendimentos de actuação mais pronta na balança de pagamentos e nas estruturas sociais.

2) Guiné

(Quadros n.ºs 18 e 20)

43. A província da Guiné tem um Plano Intercalar de empreendimentos prioritários de 180 000 contos para o triénio do Plano Intercalar, financiados pela metrópole.
No I e no II Planos de Fomento os investimentos feitos na Guiné foram, respectivamente, 84 531 contos despendidos (quadro n.º 2) e 180 000 contos programados, dos quais foram autorizados 128 269 contos no quadriénio de 1959-1962 (quadro n.º 10).

44. Os empreendimentos considerados no projecto de Plano Intercalar caracterizam-se, quanto a encargos objectivos, como a seguir se indica.

45. Conhecimento cientifico do território e das populações, investigação cientifica e estudos de base. - Destina o projecto do Plano Intercalar a esta rubrica a verba de 15 000 contos, sendo 8500 contos para o conhecimento científico, 5000 contos para a investigação científica e 1500 contos para estudos de base.
No que se refere ao conhecimento científico, consideram-se três sectores, relativos: o primeiro, à cartografia geral, prevendo-se a execução de trabalhos respeitantes à conclusão do levantamento hidrográfico, à cobertura foto-geológica do território,) à carta de vegetação e à carta etnográfica; o segundo, à hidrologia, destinando-se a verba atribuída à continuação do estudo dos rios da província e à prospecção de águas superficiais e profundas e à execução da carta hidrológica, com o fim de se obterem elementos sobre a hidrologia do território para se suprir à falta de água para usos doméstico, industrial e agrícola que se verifica no final da época seca; e o terceiro, à meteorologia, destinando-se os encargos previstos para este sector à modernização do actual equipamento meteorológico, de forma a conseguir-se um mais eficiente trabalho.
A Câmara Corporativa dá o seu acordo ao que se propõe.
No respeitante à investigação cientifica, a verba que no projecto de Plano Intercalar se inscreve (5000 contos) destina-se a apetrechar e dotar de meios mais aptos o Centro de Estudos da Guiné, a criar e montar, com a colaboração e assistência do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, um laboratório de ensaios de materiais, de mecânica dos solos e de hidráulica.
Quanto aos estudos de base, a verba considerada visa à criação de bolsas de estudo, com o fim de se proceder a estudos vários sobre populações, tais como documentação estatística, estudos económicos de base, estudos demográficos, contabilidade económica, coordenação de documentação técnico-económica, etc. Parece que se trata de estudos de economia aplicada e não de base.

46. Agricultura, silvicultura e pecuária. - É de 33 300 contos a verba total inscrita, sendo 300 contos destinados à elaboração da carta de solos (pedologia), 9000 contos à investigação básica e 24 000 contos ao fomento de recursos agro-silvo-pastoris.
Os trabalhos que se prevê realizar neste sector têm por primordial objectivo:

a) Conclusão dos estudos dos solos;
b) Investigação agrícola base;
c) Aproveitamento de novos 4000 ha de terrenos de bolanha, incluindo defesa contra as águas salgadas, dessalgamento e drenagem para cultivo de arroz;
d) Estabelecimento de 1000 ha de mandioca em terrenos de sequeiros;

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e) Aproveitamento dos recursos hídricos subterrâneos para o estabelecimento de culturas regadas (hortas e pomares);
f) Instalação de 5000 ha de palmeira-do-azeite de alto rendimento, de 10 000 ha de bananais e de 10 000 ha de cajuais; e, finalmente,
g) Estudo e lançamento de indústrias ligadas a agricultura.

A Câmara Corporativa encontra justificação na despesa prevista para estes empreendimentos.

47. Pesca. - Neste sector - que deverá ser conjugado e resolvido nos seus problemas com o que se faça para Cabo Verde -, a verba inscrita para satisfazer o programa previsto é de 18 000 contos, subdividida em investigação e assistência técnica, com 4500 contos, pescas, com 6000 contos, e refrigeração do consumo interno do pescado, com 7500 cantos.
Na Guiné a pesca faz-se ainda por meios rudimentares e processos tradicionais, crendo-se, assim, que a evolução deste sector artesanal terá de ser lenta, pelo que não parece possível que até ao fim da vigência deste Plano Intercalar se consiga mais do que duplicar a tonelagem das actuais embarcações de pesca, o que, todavia, já permitirá que a pesca local comparticipe com cerca de 11 por cento no volume estimado, de 12 7341, que se espera atingir no termo de 1967.
Para isso prevê-se a gradual substituição, nos principais centros piscatórios, das actuais pirogas .empregadas na pesca, que pela sua fragilidade não permitem a motoriza cão, por embarcações mais seguras, com comprimento à roda dos 7,5 m e dotadas de motor de combustão interna e arrefecimento pelo ar, de tipo semelhante ao dos barcos ensaiados pela F. A. O., na África ocidental e na Ásia.
Quanto à pesca industrial, não estando ainda feitos estudos, designadamente no que respeita à prospecção de pesqueiros, à selecção de artes e à determinação dos rendimentos médios na captura, estudos que são do âmbito da Missão de Biologia Marítima, haverá que aguardar os resultados desses estudos para então se poderem fixar as características principais das novas unidades.
Competindo às pescas industriais, além de contributo no sector artesanal, suprir, em fins de 1967, um deficit superior a 10 000 t de pescado, para se conseguir a desejável melhoria do regime alimentar da província, haveria que dispor de embarcações com uma tonelagem total de 1000 tAB, o que não se julga possível conseguir desde já. Todavia, é de esperar que a expansão da pesca se verifique no triénio, pois embora a falta de investigações aplicadas não incite ao desenvolvimento da frota pesqueira, sem dúvida que um apoio tecnológico fornecerá, na fase subsequente, uma aceleração compensadora do atraso.
Actualmente existem na província apenas duas empresas de pesca. O desenvolvimento desejável neste sector dependerá, em grande parte, do interesse que a iniciativa privada tomar por novos empreendimentos.
A fim de incitar à canalização de parte da tradicional actividade agrícola para o sector piscatório, prevê-se, para se fazer o abastecimento periférico e para a penetração dos núcleos populacionais do interior, a instalação de algumas, embora poucas, câmaras de refrigeração e oficinas de salga e secagem de peixe.
Assim, terá prioridade a instalação de uma câmara de refrigeração em Bissau, principal centro consumidor de peixe fresco, e a construção de oficinas de salga e secagem de peixe, em condições de assegurar os indispensáveis requisitos de salubridade dos produtos, designadamente no que se refere à lavagem e salga em tanques adequados,
secagem, acondicionamento e armazenagem do produto nas devidas condições de higiene.
Prevê-se ainda melhorar as condições de refrigeração de pescado nas unidades existentes, a renovação do equipamento, se necessário e quando possível, para farinação e extracção de óleos de peixe.
A instalação de novas unidades poderá fazer-se, entre outras formas, pela constituição de empresas de economia mista, por crédito externo ou simples empreendimento privado, com eventual associação de capitais nacionais e estrangeiros.
A Câmara Corporativa dá o seu acordo, desejando que o desenvolvimento da pesca e a melhoria das suas condições de exploração se realizem o mais rapidamente possível.

48. Energia. - Neste sector o projecto de Plano Intercalar prevê o dispêndio de 3000 contos sob a rubrica «Estudos, produção, transporte e distribuição», destinando-se a verba u ampliação das redes de distribuição de Bissau e de povoações já electrificadas, a prosseguir, em conjugação com os sectores da agricultura e das indústrias extractivas, com os estudos do projecto de aproveitamento dos rápidos do Saltinho, no rio Corubal, de modo a poder iniciar-se a sua construção logo que as necessidades o exijam.
A Câmara Corporativa dá o seu acordo ao programado.

49. Indústria. - A verba total prevista neste sector é de 16 500 contos, destinando-se 9000 contos às indústrias extractivas e 7500 contos às indústrias transformadoras.
Nas extractivas, atribuem-se 200 contos a estudos geológicos (carta geológica), a fim de principalmente, se custearem os trabalhos de compilação e coordenação de elementos de base existentes e a recolha de alguns dados por meio de sondagens estratigráficas, em ligação com pesquisas mineiras e de águas subterrâneas; 7000 contos a estudo e aproveitamento dos meios de obtenção de água doce, tendo em conta as necessidades que há de água para usos domésticos, regadio e fins pecuários; e 1800 contos para o fomento mineiro da província, pois julgam-se susceptíveis de despertar interesse por parte da actividade privada e merecedores do apoio do Governo os seguintes empreendimentos:

a) Pesquisas de ilmenites nas zonas da Varela e Bijagós;
b) Prospecção e pesquisa dos oólitos ferruginosos devónicos e dos fosfates, cujas existências foram assinaladas em diversos locais;
c) Reconhecimento de filões de quartzo, cuja existência se conhece;
d) Reconhecimento dos sulfuretos encontrados em sondagens anteriores;
e) Exploração das bauxites já reconhecidas.

A Companhia Lusitana de Alumínio da Guiné e Angola pretende iniciar a exploração das minas do Boé, donde espera poder vir a extrair minério em bruto (bauxites) num mínimo de 1 milhão de toneladas por ano.
Estão em estudo as infra-estruturas que se admite virem a ser necessárias.
A Câmara Corporativa nenhuma objecção apresenta ao que é proposto, embora tenha dúvidas quanto à viabilidade económica.

50. Transportes e comunicações. - Prevê o Plano Intercalar o dispêndio de 51 000 contos - a maior verba

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atribuída a qualquer dos empreendimentos previstos para a província da Guiné -, sendo 12 000 contos para transportes rodoviários, 10 000 contos para portos e navegação, 24 000 contos para transportes aéreos e aeroportos e 5000 contos para telecomunicações.

51. A verba atribuída a transportes rodoviários destina-se à conclusão da mais importante estrada da província, a que liga Bissau a Nova Lamego, e que é uma linha central de comunicações rodoviárias. Estão já pavimentados nesta estrada cerca de 60 km, entre Bissau e Mansoa, faltando construir definitivamente mais 146 km, dos quais 51 km, entre Bafatá e Nova Lamego, que se desenvolvem em terrenos relativamente fáceis e têm já o projecto concluído e em vias de aprovação. Esta estrada, de Bissau a Nova Lamego, além da sua importância económica, que lhe garante prioridade absoluta, tem ainda a seu favor o facto de se situar no interior da província.
Haverá ainda que considerar na vigência deste Plano Intercalar os acessos à ponte provisória sobre o rio Colufi, em Bafatá, e o acabamento da obra, estando já concluídos e aprovados os estudos dos acessos e os da própria obra de arte. O estudo dos 95 km restantes, entre Mansoa e Bafatá, estão em curso, esperando-se terminá-los a tempo de as obras se iniciarem na segunda metade da vigência do Plano Intercalar.
A conservação da rede de estradas exige que os respectivos serviços de obras públicas estejam devidamente apetrechados e, para que do equipamento existente se possa tirar razoável rendimento, torna-se indispensável o melhoramento das oficinas da Repartição de Obras Públicas, de forma a torná-la capaz de manter em boas condições as máquinas e viaturas dos referidos serviços e de efectuar outros trabalhos de que a província tenha necessidade.

52. A verba fixada para portos e navegação marítima, fluvial e costeira, 10 000 contos, destina-se a permitir a realização de estudos e obras justificadas na vigência do Plano Intercalar.

53. No programa de empreendimentos respeitantes a transportes aéreos e aeroportos, dotado com 24 000 contos, prevê-se - levar a efeito, desde já, relativamente ao aeroporto de Bissau:

O apetrechamento da central eléctrica de emergência, cujo edifício sé encontra concluído em termos de assegurar o regular abastecimento do aeroporto;
A instalação de sinalização luminosa, constituída fundamentalmente por uma sinalização lateral, linhas de aproximação, indicadores visuais do ângulo da ladeira de descida e respectiva aparelhagem de comando, contrôle e manobra;
Iluminação da plataforma de estacionamento;
Equipamento de socorro e salvamento.

Para a elaboração rápida e conclusão dos respectivos projectos em ocasiões oportunas dispõe-se dos elementos lê base necessários.
No que se refere a transportes aéreos, preconiza-se para resolução do problema do transporte aéreo da Guiné o estabelecimento de uma única organização que disponha de:

Dois aviões (de preferência quadrimotores), com capacidade para 16/25
passageiros cada um e características que lhes permitam extenso sobrevoo do mar, para as ligações Guiné-Cabo Verde;
Dois aviões (de preferência bimotores) com capacidade para seis passageiros cada um, para as necessidades dentro da Guiné;
Dois aviões idênticos aos antecedentes para as necessidades menores de Cabo Verde.

Dá-se como justificação da necessidade de duas unidades de cada tipo de avião e em cada zona de operações o facto de não ser possível operar com uma única unidade, como também não é aceitável a aquisição de aviões sem o complemento indispensável de peças de reserva e sem adequado apoio de manutenção nas respectivas bases.
Relativamente a pessoal, preconiza-se a criação de um serviço de aeronáutica civil conjunto para as duas províncias de Cabo Verde e Guiné, por motivos de economia e em consequência da posição geográfica relativa das duas províncias.
O material só deverá ser adquirido depois de resolvido o problema dos quadros de pessoal e se as despesas forem comportadas pelo Plano.
As aquisições do material, uma vez criadas as condições de as poder fazer, devem efectuar-se em bloco.

54. Telecomunicações. - A dotação desta rubrica, 5000 contos, destina-se a conseguir melhorar urgentemente as comunicações com o exterior e as ligações internas. Para tanto prevê-se no triénio de 1965-1967 proceder:

Ao melhoramento e ampliação da rede de VHF (entre as circunscrições e os postos);
À instalação das centrais telefónicas e respectivas redes de Bolama, Bafatá, Farim e Teixeira Pinto;
À construção das estações telégrafo-postais de Bafatá, Fulacunda e Catió; ambulâncias Bissau-interior.

Conta-se que os projectos das centrais telefónicas e dos edifícios para as estações telégrafo-postais estejam concluídos a tempo de se iniciarem as obras nos prazos previstos.
A Câmara Corporativa, considerando estes empreendimentos de muita importância para o desenvolvimento económico da província, dá o seu acordo aos programas estabelecidos, lembrando, porém, a necessidade de pessoal técnico competente para as redes de VHF.

55. Habitação e melhoramentos locais. - Inscreveu-se a importância de 10 000 contos para fazer face ao programa de empreendimentos a levar a efeito neste sector, sendo 4000 contos destinados a habitação e 6000 contos a melhoramentos locais.
A verba atribuída a habitação destina-se a procurar resolver, em moldes adequados, os graves problemas criados pela atracção dos grandes centros e a lançar nas zonas rurais uma política destinada a conduzir à concentração lógica das populações, como é tão desejável. Para este fim será considerado na interligação com os do povoamento e do desenvolvimento rural comunitário.

56. No que se refere a melhoramentos locais prevê-se a realização de:

O abastecimento de água das povoações;
A instalação de redes de esgotos nos centros urbanos;
A execução de planos de urbanização.
A Câmara Corporativa dá o seu acordo ao programado.

57. Promoção social. - Esta rubrica subdivide-se em três alíneas, a saber:

1) Educação;
2) Saúde e assistência;
3) Radiodifusão.

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a verba total inscrita é de 33200 contos, competindo 10 000 contos à alínea 1), 21000 contos à alínea 2) e 2200 contos à alínea 3).

A) À alínea 1) «Educação» desdobra-se em ensino, primário e ensino liceal e técnico. Quanto ao ensino primário, os objectivos fixados para o ensino elementar básico são:

1.º Generalização do ensino primário; e
2.º Realização de programas de grande envergadura em matéria de educação de adultos.

Relativamente ao ensino liceal e técnico, considera-se que, para além da generalização do ensino primário, a qual só por si constitui um fim, independentemente dos seus efeitos sobre o desenvolvimento económico,- o maior esforço deve incidir sobre o ensino secundário, com o objectivo de formar técnicos.
B) O programa dos empreendimentos a realizar no âmbito da alínea 2) «Saúde e assistência» visa a prosseguir no esforço de alargar, mais e sempre, as possibilidades de actuação dos serviços de saúde do ultramar, para acompanhar a mudança radical verificada em matéria de saúde na presente época. Assim, sem deixar de continuar com o alargamento da cobertura sanitária existente, à qual se devem já incalculáveis benefícios, todo o esforço a empreender se deve orientar no sentido de considerar como fundamentais e prioritárias outras actividades, nomeadamente as ligadas à saúde pública, que não tinham lugar na orgânica existente, ou não tinham sido previstas, de entre as quais se destacam a educação sanitária e saúde escolar, a salubridade e saneamento do meio, as campanhas contra as endemias, a prevenção das doenças, a higiene e saúde mental, a assistência sanitária rural, a educação familiar, o desenvolvimento comunitário e a assistência materno-infantil.
Para o ano de 1965 o programa estabelecido prevê os seguintes trabalhos:

1.º Instalações hospitalares congéneres:

a) Reconstrução, ampliação, equipamento e apetrechamento do Hospital Geral de Bissau;

Justifica-se o encargo informando que é de grande necessidade aumentar a capacidade de internamento e instalar serviços que se consideram imprescindíveis.
O projecto do hospital de Bissau acaba de receber o parecer n.º 13/64 do Conselho Superior de Fomento Ultramarino, aprovativo.

b) Conclusão, equipamento e apetrechamento do hospital regional de Bafatá e construção das residências do respectivo pessoal.

Sendo um hospital com todas as características de um hospital regional e com um internamento que bem justifica esta designação, a sua conclusão é de premente interesse.

c) Conclusão, equipamento e apetrechamento dos hospitais rurais de Farim, Nova Lamego, Bissorá, Bubaque e Catió e construção das residências do respectivo pessoal.

Estes hospitais não oferecem as condições de eficiência que deles se requerem no estado actual das exigências normais da assistência na doença.

d) Construção, equipamento e apetrechamento dos hospitais de Mansoa e Fulacunda.

As localidades em causa não dispõem de instalações adequadas..

e) Construção, equipamento e apetrechamento da Escola Técnica dos Serviços de Saúde.

A formação de pessoal técnico auxiliar é elemento fundamental de toda e qualquer actividade dos serviços de saúde, o que justifica o encargo deste empreendimento.

f) Construção, equipamento e apetrechamento de uma enfermaria-abrigo para tuberculosos.

Apesar da instalação existente, julga-se indispensável aumentar a capacidade de internamento para doentes tuberculosos, como apoio da campanha antituberculosa em curso.

58. Meios sanitários para campanhas sanitárias:

a) Continuação da campanha contra a tuberculose;
b) Campanhas contra a doença do sono, oncocecose e malária;
c) Campanha contra as restantes endemias;
d) Campanha do alargamento da assistência materno-infantil, prevendo-se a construção de doze dispensários pré-natais e de puericultura, onde se preveja o início de uma campanha alimentar, preventiva correctiva.

Para os anos de 1966 e 1967 o programa dos trabalhos compreende as seguintes realizações:

1.º Instalações hospitalares e congéneres:

a) Conclusão das obras iniciadas em 1965 e não concluídas no decurso do ano civil;
b) Construção, equipamento e apetrechamento de 28 novas maternidades rurais, incluindo residências do respectivo pessoal em Nhacra, Porto-Gall Encheia, Mansabá, Olossato, Bijene, Covina-Norte, Sedengal, Ingorei, Susana, Fagonquito, Chitole, Camamadu, Cossi, Barnba-dinca, Canquelifá, Bussuntuma, Pamica, So-naco, Piche, Redondo, Aldeia Formosa, Tombali Quinhamel, Prabis e Ilha Formosa, Orango Grande e Uno;
c) Construção, equipamento e apetrechamento de seis enfermarias-abrigo para tuberculosos em Mansoa, Farim, Teixeira Pinto, Bafatá, Nova Lamego e Bubaque;
d) Construção, equipamento e apetrechamento de um centro de recuperação médica para diminuídos físicos em Bissau, tendo anexos o respectivo centro vocacional e centro de reabilitação de leprosos;
e) Construção, equipamento e apetrechamento de um pavilhão para alienados em Bissau te respectivo dispensário de higiene mental;
f) Construção, equipamento e apetrechamento de cinco dispensários polivalentes;
g) Apetrechamento de material hospitalar e das formações sanitárias.

2.º meios sanitários para campanhas sanitárias:

a) Continuação e intensificação da campanha contra a tuberculose;
b) Campanha contra a doença do sono, oncocecose e malária;
c) Campanha contra outras endemias;
d) Campanha contra a malnutrição;

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e) Campanha acelerada de assistência sanitária rural, de educação familiar e de desenvolvimento comunitário

3.º Alargamento dos quadros técnicos:

a) Alargamento do pessoal de enfermagem, de saúde pública, do serviço social e das brigadas móveis.

A cobertura sanitária programada é motivo bastante da necessidade de aumento solicitado do pessoal técnico.

b) Formação intensiva de agentes sanitárias de assistência rural.

59. Prioridades. - As prioridades estabelecidas são as seguintes:

1.º Conclusão dos actuais hospitais e das actuais formações sanitárias e seu apetrechamento;
2.º Construção imediata de centros de reabilitação e recuperação médica dos fisicamente diminuídos, tanto no aspecto motor como no sensorial, por forma a obter-se a sua reintegração no meio comunitário donde a doença ou o acidente os retirou;
3.º Construção da enfermaria-abrigo para tuberculosos em Bissau;
4.º Construção dos dispensários polivalentes, dos dispensários de higiene mental e dos dispensários de puericultura e pré-natais;
5.º Alargamento da assistência materno-infantil;
6.º Intensificação das campanhas sanitárias do rastreio de cancerosos, assistência sanitária rural, da educação familiar e de desenvolvimento comunitário;
7.º Cuidada formação do pessoal técnico;
8.º Alargamento dos seus quadros;
9).º Campanhas intensivas de saneamento e salubridade.

c) O programa das realizações compreendidas na alínea 3) «Radiodifusão» prevê a entrada em serviço de novos emissores, beneficiação de edifícios e instalação de estúdios.

A Câmara Corporativa, reconhecendo & muita importância dos empreendimentos programados, do ponto de vista da promoção social, dá o seu apoio.

3) S. Tomé e Príncipe

(Quadros n.ºs 18 e 21)

60. A província de S. Tomé e Príncipe tem um Plano Intercalar de empreendimentos prioritários de 180 000 contos, financiados pela metrópole.
Nos planos de fomento anteriores os investimentos foram:

No I Plano, 67 804 contos despendidos (quadro n.º 3).
No II Plano, 173 000 contos programados, elevando-se a despesa autorizada no fim do quadriénio de 1959-1962 a .175 497 contos, e a estimativa para o Plano a 216196 contos (quadro n.º 10).

61. A .seguir consideram-se os empreendimentos, os encargos e as características do. projecto do Plano Intercalar.

62. Conhecimento cientifico do território e das populações, investigação cientifica e estudos de base. - O investimento previsto no Plano é de 25 000 contos, distribuídos: 15 000 contos para o conhecimento científico do território, 6000 contos para investigação científica e 4000 contos para estudos de base.
No conhecimento científico do território pretende-se concluir os trabalhos de cadastro da propriedade rústica e de revisão da carta da província na escala 1:25000, prover ao equipamento de postos meteorológicos automáticos e ainda proceder à ampliação e melhoramento dos hidrológicos com vista a inventariar as possibilidades aquíferas da província.
Nas investigações cientificas, para as quais se prevêem 6000 contos, dos quais 4500 contos se destinam a um centro de estudo de S. Tomé e Príncipe, que funcionaria como pólo de convergência e coordenação dos estudos e investigações de natureza científica respeitante a S. Tomé e Príncipe. Também aqui a Câmara Corporativa lembra a necessidade de ter presente as disponibilidades do País em investigadores e outro pessoal, observando serem de natureza agronómica as investigações de maior interesse, pois é agrícola cerca de 80 por cento da produção total da província.
Também quanto aos estudos de base, para os quais se indicam 4000 contos, quase 5 por cento do previsto para todo o ultramar, a Câmara Corporativa sublinha que deve evitar-se a dispersão e repetição de experiências que um organismo central com técnicos especializados experimentados pode evitar.

63. Agricultura, silvicultura e pecuária. - O projecto de Plano Intercalar prevê a verba de 30 000 contos, sendo 6000 contos para investigação agrícola e pecuária, 12 000 contos para o fomento dos recursos agro-silvo-pastoris e outros 12 000 contos para o povoamento.
Na base de uma acção na agricultura, silvicultura e pecuária está um conhecimento científico tão perfeito quanto possível das possibilidades do território, bem como a difusão e divulgação desses conhecimentos, dos métodos modernos de cultivo, demonstrados em campos-modelo, nomeadamente no que respeita ao emprego de sementes melhoradas, adubos minerais, sombreamento, poda e protecção fitossanitária, objectivos todos incluídos na investigação agrícola e pecuária, para o que o Plano Intercalar prevê 6000 contos.
Para fomento dós produtos agrícolas, silvícolas e pecuários prevê o Plano 12 000 contos, ou seja 6,7 por cento do total a investir na província, parecendo que o principal objectivo é a criação de um serviço de assistência à agricultura, sobretudo aos pequenos agricultores. Julga a Câmara Corporativa que na realidade é recomendável, para o desenvolvimento económico da província, aumentar a produtividade do sector agrícola, donde sai quase toda a produção da ilha; no entanto, lembra a conveniência de os encargos com o serviço a criar não serem desproporcionados com os recursos da ilha, pois uma acção deste tipo, para produzir efeitos, requer permanência e continuidade que não se coadunam com o breve espaço do Plano Intercalar.

64. O povoamento, contemplado também com 12 000 contos, visa ao aproveitamento de algumas terras e instalação nelas de algumas famílias. O assunto já vem de longe.
O investimento previsto por família é de 70 contos, e, no projecto de Plano, considera-se possível o seguinte programa:

[Ver Tabela na Imagem]

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Verifica-se, portanto, que a dotação é insuficiente para a execução do programa.
Embora não. desmerecendo o valor desta obra com fomento e orientação de produção agrícola, pois estas propriedades podem constituir modelos e exemplos para os outros agricultores, não pode deixar de anotar-se a diminuta contribuição deste investimento para o problema dos excedentes populacionais não ocupados:

Pessoas
1965 ..................................... 10 600
1966 ..................................... 11 500
1967 ..................................... 12 200

65. Pesca. - O investimento previsto é de 20 000 contos, repartidos por:

Contos
Investigação e assistência técnica ....... 4 000
Pesca .................................... 2 500
Regularização do consumo interno do pescado
e instalações de terra ................... 13 500

Na pesca é incluído o melhoramento e renovação progressivos da frota piscatória, principiando pela substituição dos «dongos» por unidades com comprimento de cerca de 7,5 m e motor à volta de 10 HP, de porte similar aos ensaiados intensivamente pela F. A. O. na África ocidental e na Ásia.
Esta acção deve ser acompanhada da indispensável assistência técnica e trabalho de investigação que valorize e acredite essa assistência.
Na regularização do consumo de pescado e instalações de terra são previstas câmaras de refrigeração para compensar a irregularidade diária do pescado para consumo local e as oficinas para secagem ou fornagem das espécies com mais débil procura em fresco.
A conveniência de fomentar esta actividade de modo que ela possa contribuir para melhoria da alimentação da população e poder atingir um certo peso no montante das exportações parece justificar o investimento relativamente vultoso aqui previsto (13 500 contos).

66. Energia. - Está previsto no projecto de Plano o investimento global de 15000 contos destinado ao estudo, produção, transformação e distribuição. O aproveitamento hidroeléctrico do rio Contador, com uma potência instalada de 2400 kVA, repartida por dois grupos geradores com turbinas Pelton de eixo horizontal, está em construção, prevendo-se a entrada em serviço no fim de 1966, juntamente com a linha de 30 kV, que ligará este aproveitamento à cidade de S. Tomé. Por outro lado, a análise da evolução dos consumos mostra que o actual sistema produtor estará saturado ainda antes da entrada ao serviço do aproveitamento hidroeléctrico do Contador, o que obrigará a entrar em regime de restrições. Isto implica que os trabalhos do rio Contador sejam programados de modo que a sua entrada ao serviço não sofra atrasos em relação às previsões.
É aplicado neste objectivo a maior parte do investimento deste sector e, sendo, como se disse, uma obra já em construção, é indispensável considerar os investimentos necessários para sua pronta conclusão e entrada em serviço.
Outro investimento previsto é uma instalação de produção e distribuição na cidade de Santo António, na ilha do Príncipe, mas julga-se que para este último objectivo apenas foi prevista uma importância da ordem dos 2000 contos, o que é pouco.
Também não foram considerados no projecto de Plano Intercalar a electrificação de povoações, pelo que à Câmara Corporativa parece aconselhável desviar para reforço da dotação de energia 5000 contos provenientes da rubrica «Pesca - Regularização do consumo interno do pescado e instalações de terra» (quadro n.º 31).

67. Indústria. - O projecto de Plano Intercalar prevê no sector da indústria um investimento de 20 000 contos, sendo 8000 contos para as indústrias extractivas e 12 000 contos para as indústrias transformadoras.
Nas indústrias extractivas inclui-se uma verba de 2000 contos para os trabalhos de reconhecimento geológico, com o fim da publicação da carta geológica e para apoio dos trabalhos de hidrologia e pedologia.
Em ligação com o investimento anterior estão o estudo e aproveitamento dos meios de obtenção de água doce, contemplado com 4000 contos, onde se incluem algumas sondagens geológicas, e o fomento mineiro, com 2000 contos, que visa nomeadamente o estudo do guano e prospecção de pedreiras. A Câmara Corporativa não faz objecções à verba global de 8000 contos considerada e julga de pouco interesse a análise da repartição desta verba pelos objectivos parciais, porque estes são complementares e tem aspectos onde a destrinça é difícil.
Na parte relativa à indústria transformadora o projecto de Plano Intercalar prevê 12 000 contos e considera a instalação das seguintes unidades industriais:

Três centrais tecnológicas de cacau;
Três centrais tecnológicas para a extracção de óleo de palma.

Estas indústrias deverão orientar-se para a exportação.
O mercado local difìcilmente pode justificar a instalação de qualquer indústria, por falta de dimensão.
Exceptua-se talvez apenas a moagem de milho, de que são importadas anualmente 2500 t a 3000 t.

68. Nos transportes e comunicações está previsto o investimento de 42 500 contos, sendo 30 000 contos para os transportes rodoviários, 1000 contos para portos e navegação, 9000 contos para transportes aéreos e aeroportos e 2500 contos para telecomunicações.

a) Transportes rodoviários. - No projecto de Plano Intercalar apenas se considerou a continuação do plano de estradas da província, que vem sendo executado de acordo com as disponibilidades financeiras e a prioridade das ligações a estabelecer. A importância de 30 000 contos destina-se fundamentalmente a duas obras que parecem prioritárias: prosseguir com a estrada de cintura, no troço entre Santa Catarina e Santo António, com uma extensão de 32 km, na ilha de S. Tomé, e ligação da cidade de Santo António ao aeroporto, na ilha do Príncipe (cerca de 4 km).

A Câmara Corporativa concorda e sugere que a conservação e manutenção do que vai sendo feito é ainda mais importante do que fazer de novo.

b) Portos e navegação. - A dotação de 1000 contos, incluída no projecto de Plano Intercalar, destina-se apenas a estudos relativos a:

Cabotagem entre as ilhas;
Local e características das obras acostáveis em S. Tomé;
Características de idênticas obras no Príncipe.

c) Transportes aéreos. Aeroportos. - Embora sejam urgentes, não pode deixar de ter-se presente o

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tempo necessário para concluir os necessários estudos e projectos, pelo que o Plano prevê a verba de 9000 contos para trabalhos de melhoramento nos aeroportos de S. Tomé e do Príncipe e aquisição de dois aviões bimotores ligeiros, para renovação do material de voo.
d) Telecomunicações. - O programa de melhoramento das comunicações interiores e exteriores é modesto, mas parece corresponder às necessidades reais da província. Prevê o investimento 2500 contos nos seguintes melhoramentos:

Cabos urbanos, interurbanos e traçados;
Melhoramento dos centros emissores e receptores de S. Tomé e Príncipe;
Conclusão do novo edifício de S. Tomé e ampliação do do Príncipe;
Radiodifusão: edifício dos estúdios de S. Tomé, material de estúdios e melhoramento de antenas; ligação em cabo Estúdios. Emissores.

Visto os vários sectores do problema dos transportes e comunicações, a Câmara Corporativa não tem observações a fazer ao plano de investimento, salvo no que respeita às verbas de estudos relativos aos portos e à energia, que parecem escassas. Da energia já se disse o que era aconselhável. Quanto aos portos afigura-se urgente definir o interesse económico e localização mais conveniente para um porto para navios de longo curso, de modo a evitar a continuação de investimentos em locais que venham a mostrar-se de interesse secundário. O assunto está em apreciação no Conselho Superior de Fomento Ultramarino.

69. Habitação e melhoramentos locais. - São previstos um total de 9000 contos, sendo 3000 contos para a habitação e 6000 contos para os melhoramentos locais.
No sector da habitação é de aprovar a orientação de deixar ao sector privado o encargo de suprir a maior parte das dificuldades e, sendo assim, afigura-se não ser escassa a verba prevista.
Nos melhoramentos locais prevê-se especialmente a conclusão dos empreendimentos incluídos no II Plano de Fomento e, entre outros, o abastecimento de água de pequenas povoações.

70. Na promoção social, estão previstos 18 500 contos, dos quais 6000 contos são para a educação, 9000 contos para a saúde e assistência e 3500 contos para-a radiodifusão.

a) Educação. - O desenvolvimento económico necessita ser acompanhado pela evolução do ensino, tanto na parte básica do ensino primário como no ensino liceal e técnico. Assim afigura-se bem o programa de prever:

1) Generalização do ensino primário num período máximo de vinte anos;
2) Realização de programas de educação de adultos;
3) Assegurar a formação de técnicos especializados.

Nada a observar quanto à verba de 6000 contos prevista para estes objectivos.

b) A saúde e assistência ,está dotada com 9000 contos destinados a construção de duas subdelegadas de saúde, uma nas Neves e outra em S. João dos Angulares, o que permitirá descongestionar a cidade de S. Tomé, e ainda à intensificação da luta contra a malária e melhoria do apetrechamento das instalações existentes; e) A radiodifusão está dotada com 3500 contos, o que não é pouco e é de aceitar, «dada a sua função coadjuvante e complementar da educação. Esta importância adita-se ao investimento previsto na rubrica de telecomunicações, como foi dito.

71. Indicada e apreciada a parte do projecto de Plano Intercalar referente a S. Tomé e Príncipe, referem-se a seguir alguns dos aspectos anais importantes que interessa considerar no estudo do fomento destas ilhas, segundo o critério do Plano:

a) Composição heterogénea da população global: europeus, naturais e imigrados, com predomínio crescente dos segundos;
b) Composição complexa do grupo populacional dos designados por naturais; forros, crioulos, tangas e angolares;
c) Recente diminuição absoluta e relativa do grupo de imigrados, como consequência de uma fase de recessão da actividade agrícola, ganhando, entretanto, predominância o segmento populacional de imigrados cabo-verdianos;
d) Diminuição da mão-de-obra, em geral na agricultura, pela mesma razão;
e) Predominância da actividade agrícola sobre todas as outras;
f) Predominância das grandes empresas agrícolas sobre as restantes explorações;
g) Existência de grande número de explorações pequenas e médias na posse de naturais das ilhas;
h) Baixa produtividade das grandes empresas agrícolas e menor ainda das pequenas;
i) Relativa estabilização da produção agrícola;
g) Verificação, nos últimos anos, de uma baixa nas cotações internacionais dos produtos, exportados e consequente baixa de rendimentos da agricultura;
l) Fraca diversificação dos excedentes exportados;
m) Insuficiência das infra-estruturas económicas e sociais.

Como se verifica do plano de investimentos, os factores referidos foram tomados em conta, distribuindo os objectivos pelas infra-estruturas base, reconhecimento e estudo dos recursos e promoção social da população.
Julga a Câmara Corporativa que esta parte do projecto do Plano Intercalar se integra numa sequência dos I e II Planos de Fomento e dá-lhe o seu apoio.

4) Angola

(Quadros n.ºs 18 e 22)

72. Prevê o projecto do Plano Intercalar de Fomento que a província de Angola seja contemplada com 7 210 000 contos no triénio 1965-1967.
Nos dois anteriores Planos de Fomento foi dotada com 6 759 772 contos, sendo:

I Plano, 2 156 772 contos despendidos (quadro n.º 4),
II Plano, 4 603 000 contos programados, dos quais foram despendidos no quadriénio 1959-1962 2 655 708 contos (quadro n.º 10).

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73. Breve ainda o mesmo projecto que os 7 210 000 contos do Plano em consideração sejam financiados por:

Contos
I) Fontes nacionais ................... 4 360 000
II) Fontes externas ................... 2 850 000
7 210 000

Das fontes nacionais estão indicadas:

1) Metrópole (administração central) . 1 000 000
2) Administração provincial .......... 750 000

a) Saldos de exercícios findos ....... 300 000
b) Fundo de fomento .................. 300 000
c) Imposto de sobrevalorização ....... 150 000

3) Instituições de crédito locais .... 202 500
4) Particulares e empresas ........... 2 407 500

a) Autofinanciamento ................. 1 607 500
b) Emissão de obrigações de fomento .. 600 000
c) Participação privada no capital
das previstas sociedades de
financiamento e de desenvolvimento. ... 200 000

74. A seguir consideram-se os empreendimentos, encargos e características respectivas.

75. A economia de Angola tem a caracterizá-la fundamentalmente segundo o projecto de Plano Intercalar:

1) A abundância de recursos naturais;
2) A fraca densidade populacional;
3) O nível cultural e técnico de sectores importantes da sua população ainda insuficiente;
4) A vulnerabilidade às flutuações dos preços internacionais dos produtos primários resultante de excessiva concentração das suas exportações;
5) A insuficiente mobilização de poupanças locais para o investimento na própria economia, com tendência para o investimento imobiliário.

Resulta daqui que a solução do problema da aceleração do ritmo do .crescimento económico terá de procurar-se na expansão das produções, na diversificação das exportações e na redução do grau de dependência das importações, pelo desenvolvimento da produção interna para consumo. Os factores a ter em conta para efectivação deste objectivo são:

A) O aumento da produtividade na agricultura-o que permitirá aumentar a produção em termos absolutos e dispensar mão-de-obra para outros sectores;
B) A intensificação do processo de industrialização;
C) A elevação do nível do investimento das poupanças locais na própria economia;
D) A melhoria do nível cultural e técnico das populações.

Diz o projecto em apreciação, que visa à obtenção destes fins, o programa de investimentos propostos que a seguir se vai analisar.

76. Conhecimento cientifico do território e das populações, investigação científica e estudos de base. - A verba total inscrita para esta alínea é de 258 000 contos, repartida por três subalíneas: a primeira, conhecimento
científico do território, dotada com 118 000 contos; a segunda, investigação científica, dotada com 90 000 contos, e a última, estudos de base, dotada com 50 000 contos.
Os trabalhos programados no âmbito do conhecimento cientifico do território são de cartografia geral, destinando-se-lhe a verba de 108 000 contos, a fim de se proceder à conclusão da carta de Angola na escala 1:100 000, à actualização de algumas folhas já publicadas e à elaboração de cartas parciais, em escalas maiores, que permitam o lançamento do cadastro, à execução de trabalhos de geodesia e de nivelamento de precisão, à montagem de um marégrafo no Zaire e observações gravimétricas, etc.; de hidrologia, dotada com 4000 contos, prevendo-se fazer a ocupação hidrológica das bacias dos rios Cunene, Cubango. Guando, Lumege e Bengo-, a efectuar pela brigada de estudos dos rios de Angola, e de meteorologia, dotada com 6000 contos, para se completar o conhecimento científico do território e para melhorar as infra-estruturas existentes ou planeadas, contando-se levar a efeito, de entre os primeiros, o levantamento geomagnético, de interesse para a prospecção-geológica mineira, e, nos segundos, a ampliação da rede de estações meteorológicas, a aquisição de material para registo e processamento dos resultados das observações, para assegurar uma rede eficiente de telecomunicações nas estações meteorológicas, para medição da radiação solar e para aperfeiçoamento do serviço da hora.
A investigação cientifica está dotada globalmente com 90 000 coutos, sendo 60 000 contos para o Instituto de Investigação Cientifica e 30 000 contos para o Laboratório de Engenharia Civil, quantia que se destina a custear os trabalhos a realizar por estes organismos.
No que respeita a estudos de base, a terceira das subalíneas referidas, a dotação de 50 000 contos que lhe é fixada tem por fim permitir o aperfeiçoamento dos serviços de estatística, de necessidade reconhecida para a elaboração e condução do processo de desenvolvimento económico.

77. Agricultura, silvicultura e pecuária. - Dos 630 000 contos atribuídos a este sector, 40 000 contos destinam-se ao prosseguimento de trabalhos com o objectivo de elaboração da carta de solos; 84000 contos para investigação básica são para satisfazer os encargos de estudos de interesse imediato para a agricultura da província; 176 000 contos para fomento dos recursos agro-silvo-pastoris, para a manutenção das estruturas técnicas montadas, durante o II Plano de Fomento, e ainda para ampliação do parque de máquinas, material rolante e oficinas para assistência fitossanitária, fomento piscícola, da palmeira, do tabaco e para fomento florestal; 240000 contos para esquemas de regadio e povoamento, prevendo-se proceder durante o triénio à consolidação de quinze aldeamentos, à manutenção e preparação de fazendas médias, à compra de sementes, adubos e medicamentos para gado e à instalação de novos colonos e assistência técnica aos já instalados, como os do Cunene, para o que se prevê para o triénio 15 000 contos, e ainda a trabalhos complementares das obras hidroagrícolas e de povoamento, sugerindo-se aqui que para a irrigação do colonato Mulondo-Quiteve-Humbe sejam inscritos 150 000 contos, incluindo o acabamento de estudos e projectos, o que eleva para 700 000 contos o total da rubrica "Agricultura, silvicultura e pecuária".
No Bengo, está em estudo o aproveitamento desta região, com vista ao seu povoamento, além das obras da barragem do aproveitamento da Quiminha e levantamento e cadastro de propriedade de toda a região. Encara-se

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ainda o regadio da região de N'gola, e regadio do Hoque, e aproveitamento do vale do Cavaco e o estudo do plano do seu desenvolvimento. Julga a Câmara Corporativa que a obra do Bengo possa ter especial interesse para o povoamento com a cultura da cana sacarina, aplaudindo o que se faça neste sentido.
Ainda no sector da agricultura, silvicultura e pecuária, destinam-se 30 000 contos à comercialização e armazenagem do café, do algodão e dos cereais para dar um contributo à economia da província. Prevê-se fazer o estudo da industrialização e comercialização dos produtos agrícolas e frutícolas e semelhantemente dos produtos pecuários.
Por fim, consigna-se a verba de 60 000 contos para Crédito agrícola, crédito muito recomendável na verdade; julga a Câmara Corporativa que é de preferir neste Plano Intercalar empregar os 60 000 contos nos empreendimentos sob a rubrica «Agricultura, silvicultura e pecuária» e estruturar e lançar o crédito agrícola no III Plano de Fomento, procurando-se apoio de financiamento no Banco de Fomento Nacional.
A Câmara Corporativa considera de aprovar os programas indicados, merecendo-lhe especial apreço tudo que se continue a fazer pela estabilização da agricultura das populações itinerantes, obra iniciada pela Junta dos Cereais e que merece os maiores louvores. O quadro n.º 32 deste parecer dá os investimentos sugeridos pela Câmara Corporativa e respectivas dotações.

78. O sector Pesca é contemplado, na totalidade, com 370 000 contos, atribuindo-se 30 000 contos à Investigação e assistência técnica, 150 000 contos a Pescas e 190 000 contos à Regularização do abastecimento interno do pescado. O programa de empreendimentos preconizado tem os seguintes objectivos principais:

a) Impulsionamento da extracção racional do pescado, com inclusão da pesca de arrasto, da captura de atum e da exploração de outros recursos, tendo em vista a captura de espécies comercialmente mais valorizadas e a regularização do consumo interno;
b) Intensificação do povoamento das águas interiores:
c) Estudos intensivos de biologia piscatória, de tecnologia do pescado e apoio técnico ao sector;
d) Modernização de barcos e artes de pesca;
e) Montagem nos centros de maior relevo de câmaras de refrigeração para armazenagem breve do pescado;
f) Construção de instalações para congelação rápida do pescado e conservas esterilizadas pelo calor;
g) Construção de outras unidades transformadoras, que adequado aproveitamento do pescado recomenda;
h) Renovação de instalações fabris para melhoria da qualidade dos produtos ou introdução de novas fabricações;
i) Instalação de cooperativas de produção, com vista à concentração industrial, compreendendo unidades frigoríficas e de preparação de conservas que não tolerem utilização mais nobre.

A Câmara Corporativa apoia estas iniciativas, parecendo-lhe, porém, de especial interesse que sejam consideradas instalações para o congelamento do pescado para efeitos de exportação e cuida que na redacção da alínea i) a alusão a não tolerância de utilização mais nobre respeitaria às espécies aptas apenas para a produção de farinha e óleos.

79. Energia. - Reconhecida a necessidade de incrementar a produção, transporte e produção de energia eléctrica na província, a inclusão desta rubrica no Plano Intercalar vem possibilitar este objectivo. A verba total inscrita é de 850 000 contos, destinando-se 168 000 contos a Estudos, produção, transporte e distribuição; 350000 contos a cobertura de empreendimentos já realizados - Cambambe, Lomaum e Matala, e 332 000 contos a Aproveitamento do rio Cuncne, abrangendo esta rubrica estudos] produção e transporte e distribuição, dando execução ao acordo de 13 de Outubro de 1964 com a África do Sul.
Além dos estudos, prevê-se aumentar a produção e levar a energia a novas zonas de consumo e centros populacionais; construir novas linhas de transporte em Moçâmedes, Porto Alexandre, Cambambe-Salazar, Malanje e linhas a irradiar da central de Mabubas; fazer a regularização do rio Cunene a montante da Matala, e possìvelmente fazer a montagem de uma segunda central; e a electrificação de pequenas povoações; comparticipar nas despesas a fazer com a produção e transporte da energia e dar cobertura aos empreendimentos já realizados de Cambambe, Lomaum e Matala.
A Câmara Corporativa apoia estas finalidades.

80. Indústrias. - Este sector compreende duas alíneas, a primeira, que é das Indústrias extractivas, é dotada com 150 000 contos e abrange as subalíneas: carta geológica, aproveitamento de água doce e fomento mineiro; a segunda, que é das Indústrias transformadoras e é dotada com 1 918 000 contos, compreende estudos, ampliação, renovação e criação de novas indústrias e participação no capital accionista de sociedades de financiamento e desenvolvimento. Assim, a dotação global deste sector é de 2 068 000 contos.
Com a verba consignada à carta geológica - 69 000 contos - vão custear-se os trabalhos do levantamento da carta geológica a realizar por empresa especializada, dado que os serviços não dispõem dos necessários meios para isso, e dotar o Laboratório de Mineralogia e Geologia do material indispensável ao bom desempenho da sua missão.
Para estudo e aproveitamento de águas para abastecimento das regiões pastoris de Huíla e Moçâmedes consigna-se no Plano Intercalar a verba de 51 000 contos.
No que respeita a fomento mineiro, prevê-se continuar a fazer:

I) Prospecção mineira geral;
II) Prospecção geofísica;
III) Assistência técnica a pesquisadores e concessionários,

destinando-se a estes trabalhos a verba de 30 000 contos. Relativamente a indústrias transformadoras, o primeiro aspecto que se julga de considerar para se poder estabelecer um programa de industrialização para Angola, é o da instalação de novas indústrias, incluindo as do frio. Preconiza-se que o apoio estadual se revista das seguintes modalidades:

1.º Apoio financeiro sob forma de participação no capital, de crédito industrial e de concessão de aval a empréstimos por entidades privadas às empresas já interessadas na instalação, ampliação ou melhoria das indústrias;
2.º Assistência efectiva, técnica e financeira às pequenas e médias indústrias de interesse local ou complementares de outras indústrias; são especialmente as indispensáveis à instalação ou funcionamento das industrias-base e de oficinas de apoio às indústrias instaladas e à manutenção e equipamento de transporte e outros; e

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3.º Lançamento de empreendimentos que pelo volume de capitais exigido ou pela improdutividade de capital mais lenta não exerce sobre o capital privado força de atracção suficiente.

A Câmara Corporativa apoia esta iniciativa e cuida que a participação do Estado em empresas mistas só deva verificar-se nos casos de grande interesse nacional e de grande volume de investimentos, como, aliás, julga ser pensamento do Governo.

81. Transportes e comunicações. - A verba a inscrever no Plano Intercalar para fazer face às despesas resultantes da execução do programa de empreendimentos previstos para este sector da administração pública será de 1 930 000 contos, sendo 850 000 contos para Transportes rodoviários, 557 000 contos para Caminhos de ferro, 278 000 contos para Portos e navegação, 200 000 contos para Transportes aéreos e aeroportos e 45 000 contos para Telecomunicações.

82. A verba atribuída a transportes rodoviários destina-se a permitir a conclusão dos empreendimentos incluídos no II Plano de Fomento, pelo que terão prioridade de execução, e a satisfazer encargos já assumidos com trabalhos realizados em regime de pagamentos diferidos e a custear a execução do plano rodoviário aprovado, que deve dar prioridade às zonas onde o Governo lançou empreendimentos de colonização, prevendo a ligação das mesmas às capitais do distrito.
A verba atribuída a caminhos de ferro visa especialmente a satisfazer os encargos com estudos e construção de variantes, renovação da via, balastragem, construção de edifícios e dependências, aquisição de equipamento e material circulante e de fracção para os caminhos de ferro de Luanda e Moçâmedes. A exploração das minas existentes nas zonas de influência destas linhas férreas também exige a construção de ramais (Oci-Cassanga) e a aquisição de material circulante especial.
A Câmara Corporativa, não se julga habilitada para expressar opinião diferente da de aplauso à ideia da efectivação dos empreendimentos previstos, sem que isso signifique apoio aos quantitativos dos investimentos indicados.

83. Os empreendimentos a realizar em portos são essencialmente nos três principais portos da província - Luanda, Lobito e Moçâmedes -, destinando-se a verba inscrita, no primeiro dos portos, referidos, à conclusão da empreitada em curso de construção de 410 m de cais, à execução integral dos respectivos aterros e ao início da construção do porto mineiro, incluindo a construção do ramal ferroviário que servirá este porto e a aquisição de equipamento mecânico.
No porto do Lobito encara-se especialmente a execução de obras de defesa da restinga e execução de dragagens para aterras dos mangais.
No porto de Moçâmedes prevê-se o complemento das instalações acostáveis existentes.
Nos portos secundários, os empreendimentos a realizar visam ao aproveitamento e valorização das instalações para servirem convenientemente a navegação de cabotagem, prevendo-se também a compra de batelões destinados a esta navegação.
A possível construção de um plano inclinado e a melhoria de balizagem ao longo, da costa e a construção de sete novos faróis são empreendimentos incluídos no programa.

84. No que se refere a aeroportos, em virtude dos acordos estabelecidos que levaram à classificação dos aeroportos de Luanda e Nova Lisboa na rede nacional, há necessidade de reformar os equipamentos de comunicação e de navegação, no sentido de aproveitar as melhorias introduzidas naqueles aeroportos para se conseguir uma mais aperfeiçoada e segura técnica de exploração. No programa estabelecido inclui-se a substituição do equipamento existente, a qual será acompanhada de modificações de carácter aerodinâmico e outras.

85. No capítulo de telecomunicações e correios devem realizar-se vários melhoramentos nas redes, nas estações e edifícios de Luanda, Malanje, Caxito, Nova Lisboa, Vila Folgares, Sá da Bandeira, Moçâmedes, Santo António do Zaire, Ambrizete, Carmona, Serpa Pinto, etc.
A Câmara Corporativa considera de grande interesse económico os empreendimentos indicados para este sector, pelo que lhe dá a sua concordância.

86. Turismo. - A dotação é de 24 000 contos. A falta de alojamentos e de meios de comunicação levam a estabelecer no programa deste sector a realização de estudos e a construção de parques de turismo, motéis, casas de fim-de-semana, instalações em praias e montanhas no prosseguimento das iniciativas locais que sejam aprovadas na planificação conjunta da província, com a colaboração das câmaras municipais.
Além de alojamento, é necessário considerar o saneamento (água, luz e esgotos) e as estradas cuja realização mais interesse ao turismo.
A Câmara Corporativa aprova o programa proposto e sugere a conveniência de dar prioridade às zonas de povoamento que foram objecto de planos anteriores, centros de interesse para visitas turísticas.

87. Habitação e melhoramentos locais. - A verba total do projecto de Plano Intercalar é de 260 000 contos, a repartir por habitação, melhoria do problema habitacional, criando unidades de vizinhança de vida autónoma, para uma população de cerca de 5000 habitantes cada uma, e para a realização de várias obras de carácter social, não só em Luanda e Malanje, mas ainda em outros distritos, e por melhoramentos locais, prevendo-se aplicar a parcela respectiva na realização de abastecimentos de água a aglomerados urbanos e rurais, em sistemas de esgoto e saneamento, de trabalhos de urbanização, defesa da cidade de Benguela contra as cheias e obras de correcção torrencial e defesa contra a erosão.
A Câmara Corporativa apoia inteiramente a dotação desta finalidade, mas pensa que a sua realização em condições de verdadeira utilidade social implica a precedência de atento estudo prévio dos aspectos humanos, exigência incompatível com o dispêndio da avultada quantia inscrita no curto prazo do Plano Intercalar. Sugere por isso que seja reduzida como indicado no quadro n.º 32 deste parecer. No mais nada tem a opor ao que é proposto.
Promoção social. - Da verba de 820 000 contos com que se dota este sector, 540 000 contos cabem à educação, 250 000 contos à saúde e assistência e 30 000 à radiodifusão.

88. No sector de educação, os objectivos fixados para e ensino elementar básico são:

1.º Total escolarização no ensino primário num período máximo de 20 anos;

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2.º Realização de programa de grande envergadura em matéria de educação de adultos;
3.º Elevação acelerada da actual taxa de escolaridade.

Para o ensino secundário serão necessários, para fazer face ao acréscimo de frequência prevista, os seguintes números de escolas, a executar até 1978:

1967-1968 ............... 58
1972-1973 ............... 102
1977-1978 ............... 136

A localização delas só poderá ser fixada em função da execução do plano de extensão do ensino primário e dos programas de povoamento e de desenvolvimento económico.
Quanto ao ensino técnico, a análise das perspectivas de desenvolvimento dos diversos centros populacionais da. província levou ao estabelecimento do seguinte plano de criação de escolas até 1967 em Novo Redondo, Luanda, Teixeira da Silva, S. Salvador do Congo, Cubai, General Machado, Vila Nova de Seles, Porto Alexandre, Henrique de Carvalho, Caconda, Teixeira de Sousa, Artur de Paiva, Andulo, Camabatela, Serpa Pinto e Vila Folgares, sendo estabelecida uma escala de prioridades.
A Câmara Corporativa lembra a conveniência de se considerar, neste vasto programa, a preparação de pessoal docente com o elevado nível que é da tradição nacional.

89. No referente a saúde e assistência, o plano de realizações previsto para o triénio 1965-1967 engloba todos os sectores em que se subdivide a actividade dos serviços, tendo &m atenção principalmente os respeitantes a saúde pública e medicina preventiva.
Assim, sem deixar de se promover a melhoria e alargamento das instalações hospitalares, para se proporcionar maior assistência clínica à população, dá-se maior relevo às campanhas sanitárias, à preparação dos técnicos necessários, ao alargamento dos quadros, aos meios de deslocação, etc., a fim de se conseguir o saneamento do meio físico, o combate às doenças transmissíveis e a educação sanitária das populações e, desta forma, se fazer a promoção social acelerada e a elevação consequente do nível de rigidez dos seus componentes.
O programa estabelecido orienta-se no sentido de acelerar a formação do pessoal técnico auxiliar nos domínios da profilaxia, educação sanitária e assistência rural, principalmente no referente à educação familiar doméstica e ao desenvolvimento comunitário.
Além disso, conta-se também desenvolver o combate às endemias e promover a recuperação médica.

A ordem de prioridade estabelecida é a seguinte:

a) Profilaxia através do desenvolvimento de campanhas sanitárias em todos os seus aspectos;
b) Assistência na velhice, na invalidez e na recuperação médica dos fisicamente diminuídos;
c) Formação acelerada do pessoal técnico e do alargamento dos seus quadros.

90. No sector de radiodifusão o programa considera o prosseguimento da execução do plano de radiodifusão de Angola, aprovado no sentido de:

a) Se completar e melhorar a rede de emissores;
b) Aumentar a capacidade de recepção e escuta;
c) Melhorar as instalações nos centros receptores;
d) Apoiar e estimular a expansão dos emissores regionais.

A Câmara Corporativa considera de muito grande importância este sector, pelo que dá o seu acordo ao proposto.

5) Moçambique

(Quadros n.ºs 18 e 23)

91. Prevê-se no projecto de Plano Intercalar de Fomento o investimento de 5 400 000. contos na província de Moçambique durante o triénio de 1965-1967, com uma distribuição por empreendimentos como indicam os quadros n.ºs 18 e 23.

92. Nos Planos de Fomento anteriores Moçambique beneficiou dos investimentos seguintes:

I Plano- 1 799 228 contos despendidos, quadro n.º 5;
II Plano -3243000 contos programados, e 2 429 772 autorizados no quadriénio de 1959-1962, quadro n.º 10.

93. Os 5 400 000 contos do projecto de Plano Intercalar têm o financiamento seguinte:

Contos

I) Fontes nacionais ................. 3 900 000
II) Fontes externas ................. 1 500 000

As fontes nacionais são:

1) iMetrópole, administração central 1 120 000
2) Administração provincial ......... 750 000
3) Institutos de crédito, emissão de
promissórias a tomar pelas
instituições de crédito ............. 50 000

4) Particulares e empresas:

a) Autofinanciamento ................ 1 630 000
b) Emissão de obrigações de fomento
(da poupança interna)................ 200 000
c) Participação privada no capital
da prevista sociedade de financiamento
do desenvolvimento .................. 150 000
3 900 000

As fontes externas que o Plano admite ser possível obter em condições aceitáveis para a aquisição de equipamentos e a realização de obras públicas somam os indicados 1 500 000 cantos.

94. A seguir consideram-se os empreendimentos, encargos e características respectivas.

95. Conhecimento cientifico do território e das populações, investigação cientifica e estudos de base. - Prevê o Plano o investimento de 61 000 contos, sendo 38 500 contos para o conhecimento científico do território, a aplicar na cartografia geral, na hidrologia e na meteorologia.
Na cartografia geral visa-se fundamentalmente a cobertura fotográfica, que dá elementos do maior interesse científico, técnico administrativo, militar, económico e político.
Na cobertura-fotográfica já existente e na restituição já feita tem a província elementos para publicar 620 folhas à escala de 1:50 000, o que abrange mais de metade da superfície de Moçambique.

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Na hidrologia pretende-se fazer a coordenação e divulgação da estatística hidrológica da província, com o fim de servir de consulta para os estudos de engenharia. Na meteorologia pretende-se alargar e melhorar a rede de observações e de estações, bem como os meios de telecomunicações que ao assunto interessam.
Consideram-se insuficientes os 2500 contos que o projecto de Plano Intercalar atribui à investigação científica e a Câmara Corporativa sugere, no quadro n.º 33 deste parecer, a conveniente alteração.

96. Agricultura, silvicultura e pecuária. - Este sector aparece dotado no projecto de Plano Intercalar com 760 000 contos, a aplicar como a seguir se indica:

a) Carta dos solos (pedologia), 12 000 contos para continuação dos estudos do solo nos seus aspectos fundamentais;
b) Investigação básica, 23 000 contos para continuação dos estudos do II Plano, e estabelecer mais estações experimentais, tais como: estação da cultura do caju em Nacala; estação da cultura do coqueiro em Quelimane; estação da cultura do chá no Gurué; estação das culturas de cana sacarina e da banana na Manhiça, e criar laboratórios para apoio dos serviços, de pecuária e dar seguimento à campanha de saneamento dos gados para erradicação da tuberculose em Moçambique. Actuação no sentido de sustar o alastramento da brucelose e fazer a construção de mais 50 tanques carracicidas;
c) Reconhece a Câmara Corporativa a conveniência e necessidade de dar à agricultura e à pecuária o maior apoio possível e que os empreendimentos começados sejam concluídos. E, assim, julga ser de encarar a utilização de 50 000 contos da dotação de 150 000 contos indicada sob a rubrica "Fomento agro-silvo-pastoril" para reforçar a rubrica "Esquemas deregadio e povoamento" - que fomento agro-silvo-pastoril igualmente é - quando já tenham sido começados ou que convenha agora considerar, indicados na alínea d) seguinte deste parecer, inicialmente sugerida pela província;
d) Esquemas de regadio e povoamento. - Aparece este sector com o investimento de 500 000 contos, sem, porém, se fazer qualquer justificação da distribuição da verba prevista. Porém, os estudos feitos em Moçambique para o Plano Intercalar previram inicialmente o investimento de 684 000 contos para a mesma rubrica, com a distribuição que se segue:
Contos
Aluviões do Incomati ....... 45 000
Aluviões do Macuti ......... 24 000
Vale do Umbelúzi ........... 3 000
Maniamba (Vila Cabral) ..... 12 000
Aluviões dos rios Messalo,
Rovuma e Montepuez ......... 12 000
Gurué, Tacuane e Milange ... 20 000
Malema e Bibaué ............ 18 000
Limpopo, incluindo a barragem
de Massingir .............. 450 000
Bacia do Revuè ............ 100 000
Total ..................... 684 000

Num estudo mais atento do problema e das necessidades (e seguindo, para o Limpopo e por haver elementos para isso, o critério expresso pela Câmara Corporativa no parecer do II Plano de Fomento, de separar a dotação do regadio da do povoamento, de modo a poder-se avaliar em qualquer altura quanto custa um e outro empreendimento e qual o peso respectivo por casal de família instalado) o esquema poderá ser dotado com 615 000 contos, que o aproxima do indicado pela província inicialmente, e que será considerado no quadro n.º 33 deste parecer.
c) Comercialização e armazenagem. - O programa de investimentos também é omisso na justificação do dispêndio dos 30 000 contos que se inscrevem nesta rubrica, julgando a Câmara Corporativa que para iniciar a actividade deste sector se inscrevam no Plano 10 000 contos, indo a parte restante para a conclusão de empreendimentos em curso;
f) Crédito agrícola. - É de 45 000 contos a dotação atribuída a este sector. Embora a justificação deste dispêndio também não seja feita no programa de investimentos, parece que se destina a completar esquemas de povoamento e a conceder créditos.
O crédito agrícola é, na verdade, grande agente de apoio ao povoamento, mas não cuida a Câmara Corporativa que ele possa efectivar-se com um investimento tão diminuto, e crê, assim, que é preferível aguardar outra oportunidade para o lançar e utilizar os recursos do projecto do Plano Intercalar em empreendimentos já em acabamento. À Câmara Corporativa também parece que deva ser o Banco de Fomento Nacional a apoiar e financiar estas iniciativas.

97. Pesca. - A verba de 328 000 contos que se inscreve no projecto de Plano é repartida como a seguir só indica:

a) Investigação e assistência técnica, com a dotação de 18 000 contos;
b) Pescas; e
c) Regularização do consumo interno do mercado, com os seguintes objectivos a definir no triénio de 1965-1967:

1) Impulsionamento da extracção racional cio pescado, tendo em vista o substancial acréscimo da dieta proteica de origem animal e regularização do consumo interno;
2) Intensificação do povoamento piscícola nas águas interiores e produção em tanques de cultura;
3) Sondagem técnico-económica da actividade e estudos intensivos de biologia piscatória, designadamente a nível de reconhecimento dos recursos potenciais e apoio tecnológico, para expansão acelerada do sector;
4) Modernização dos barcos e artes de pesca local;
5) Aproveitamento industrial dos recursos marinhos, litorais, pelágicos ou demersais, com a utilização de aparelhos de pesca que os factores ecológicos recomendem;

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6) Montagem, nos centros de maior relevo, de meios frigoríficos que favoreçam a recepção e distribuição do pescado, bem como de oficinas de salga e secagem de peixe;
7) Instalação de novas empresas de pesca e de transformação do pescado (podendo justificar, pelo nível de investimentos e rentabilidade que as caracterize, regime especialmente favorecido, e desde que dotadas de equipamento moderno e com adequada organização técnica da produção), possibilitando a fabricação de produtos segundo os padrões exigidos e a preços concorrenciais.

A Câmara Corporativa concorda com o programa e sugere em matéria de dotações as alterações do quadro n.º 33 deste parecer, bem como que se procure aumentar a parcela consignada à investigação e assistência técnica.

98. Energia. - Neste sector estão considerados 400000 contos para investimentos, repartidos pelas duas seguintes alíneas: 1) Estudos, produção, transporte e distribuição, dotada com 360 000 contos, e 2) Cobertura de empreendimentos já realizados, com 40 000 contos.
Refere o projecto de Plano que na zona de Lourenço Marques, Incomati e Limpopo «se prevê a ampliação da central térmica de Lourenço Marques em conjugação com a provável realização dos aproveitamentos projectados do rio dos Elefantes», cuja barragem é indispensável para armazenar a água de que carece todo o vale do Limpopo, matéria para a qual a Câmara Corporativa já recomendou neste parecer a consideração de verba necessária, incluída na dotação para a conclusão da rega e para a barragem de Massingir. Sugere agora que se desdobre, com o fim de se conhecei- os investimentos respectivos, a designação e a dotação da rubrica «Estudo, produção, transporte e distribuição» por duas alíneas, uma, conservando a designação do projecto de Plano, dotada com 299 000 contos, e outra, com a designação de «Central hidroeléctrica de Massingir e linha de transporte de energia da albufeira ao colonato do Limpopo, dotada com 85000 contos. Assim se dá concretização ao aproveitamento de Massingir, na parte relativa à energia, e se caminha para o apoio hídrico à central térmica de Lourenço Marques, cuja ligação à rede de transporte de energia da África do Sul poderá vir a ser hipótese de considerar.

99. Indústria. - O investimento previsto neste sector é de 1 436 000 contos, repartido por duas alíneas: uma, dotada com 86 000 contos, a das Indústrias extractivas, e outra, com 1 350 000 contos, a das Indústrias transformadoras.
a) A verba das indústrias extractivas destina-se a prosseguir com os trabalhos de levantamentos geológicos que estão a ser efectuados pelas brigadas dos serviços de geologia e minas na região de Barué-Macosa-Mungari e na a sul de Vila Manica-Vila Pery até Spungaberario Save, no distrito de Manica e Sofala, à conclusão do estudo Hidrológico das formações sedimentares dos distritos de Manica e Sofala e Cabo Delgado, com colaboração de empresa especializada, à execução de prospecções mineiras em determinadas zonas seleccionadas
pela cartografia geológica, de pesquisas e estudos geológicos mais pormenorizados sobre jazigos já identificados, nas bacias do Zambeze e Pungué e nas regiões de Djanguin (Chioco), Dique-Foia-Catambulo (Mangai) e Monte Mauzo e outras e à continuação do reconhecimento de diversos jazigos de carvão, manganês, fluorite, etc;
b) Relativamente às indústrias transformadoras, verificado que a maior parte destas indústrias instaladas ou a instalar laborarão principalmente matérias-primas locais, destinando a sua produção, a maior parte, ao mercado interno e as de maior dimensão à competição com o mercado externo e que as que utilizam matérias-primas importadas se destinam, geralmente, a substituir as importações, conclui-se, na justificação do programa, que há premente necessidade de proceder a estudos mais pormenorizados e fundamentados para avaliação sistemática dos projectos existentes, de modo a poder avaliar as suas possíveis consequências e verificar a sua integração nos objectivos visados.
Tudo quanto concorra para a simplificação dos processos para concessão de autorização para instalação ou ampliação de indústrias, melhoria da rede de crédito industrial, intensificação de incentivos de natureza fiscal, auxílio às pequenas e médias empresas, conjugado com programas de desenvolvimento regional, investigação e apoio técnico e de orientação de iniciativa privada, reveste-se, naturalmente, de particular importância.
Assim, a criação de uma sociedade de financiamento do desenvolvimento, em estudo, e a criação de zonas industriais, com a participação das autarquias
locais, serão, possivelmente, os meios para pôr em prática algumas das medidas de política industrial referidas. O Banco de Fomento Nacional também terá, certamente, um papel importante a desempenhar.

100. Transportes e comunicações. - A dotação deste sector, a mais elevada de todas as consideradas no Plano, é de 1 771 000 contos, que se repartem por cinco alíneas, dotadas cada uma de verbas que a seguir se indicam:

a) Transportes rodoviários, dotados com 665 000 contos, dizendo na descrição do programa que se destinam em primeiro lugar a concluir os trabalhos iniciados na vigência do II Plano de Fomento, à liquidação dos encargos assumidos com os empreendimentos efectuados em regime de pagamentos diferidos e a custear os estudos das estradas, cujos trabalhos se prevê executar, em parte ou no todo, no período de 1965-1967, integráveis no conjunto primário rodoviário que virá ligar o vale do Maputo a Quionga e Vila Gamito. Os lanços que a seguir se mencionam são de grande importância económica para a província, os quais têm o apoio da Câmara Corporativa, excluído o troço para Ponta de Ouro, que deve aguardar melhor oportunidade:

Mueda-Mocímboa da Praia;
Vila Cabral-Mutorro;
Metangula-Nampula;

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Chitungo-Milange;
Tete-Furancungo-Vila Coutinho;
Chiuta-Bene-Zumbo;
Chinde-Quelimane;
Vila Paiva de Andrade-Vila Fontes-Nicoadala;
Dombe-estrada nacional n.º 1;
Catembe-Salamanga-Pouta de Ouro;
Macia-Bilene à ponte sobre o rio Limpopo na Aldeia da Barragem, com prioridade.

b) Caminhos de ferro, foi dotada com 500 000 contos. O programa de empreendimentos proposto no Plano Intercalar tem como objectivo fundamental:

I) Dar continuidade aos empreendimentos já iniciados ou executados na vigência dos anteriores planos de fomento;
II) Assegurar, tanto quanto possível, a rentabilidade dos investimentos;
III) Atender à urgência de que alguns empreendimentos se revestem;
IV) Estudar e elaborar os respectivos projectos de execução das ligações ferroviárias consideradas de interesse para a província, facto de grande importância para o prosseguimento e arranque dos subsequentes planos de fomento.

Os prazos de execução de alguns dos empreendimentos encarados, por sua natureza e montante do dispêndio a fazer, terão de se prolongar para além dos três anos abrangidos pelo presente projecto de Plano. Os empreendimentos recomendáveis pela Câmara Corporativa são os que a seguir se mencionam, pertencentes às linhas férreas também indicadas:

1) Caminho de ferro de Moçambique:

Prolongamento Catur-Vila Cabral;
Edifício da estação de Nampula;
Aquisição de seis automotoras;
Ligação dos caminhos de ferro de Moçambique-Malawi.

2) Caminho de ferro da Beira. - Programa de melhoramento e reforço do traçado, de reequipamento de material circulante e instalações de carácter social.

3) Transzambezia-Bailways. - Existe um programa de melhoramentos estabelecido pela actual administração, sobre o qual se baseou a estimativa apresentada.

4) Caminho de ferro de Lourenço Marques:

Renovação do material de via da linha do Limpopo;
Armazéns, escritórios e estação da gare de mercadorias ;
Aquisição de oito locomotivas Diesel eléctricas;
Aquisição de cinco automotoras;
Ligação das redes de Inhambane e Gaza a Lourenço Marques;
Ligação da rede de Lourenço Marques à da Beira. -
Existe já o estudo e projecto desta ligação para os primeiros 162 km. Daí em diante há apenas um reconhecimento.

5) Caminho de ferro do Limpòpo. - Estação do Guijá e do apeadeiro de Sagres.
6) Linha de Goba. - Melhoramentos.

c) Para os Portos e navegação, que constituem a alínea 3), inscrevem-se no Plano 381 000 contos, destinados a estudos e elaboração de projectos, com vista à ampliação e melhoramento dos seguintes portos:

1) Porto de Lourenço Marques. - Terminal de Catembe, das comunicações entre as duas margens do estuário, dragagens no porto interior, cais para atracação de navios, doca para pequenas embarcações na margem esquerda do estuário, dragagens no porto das barras do estuário e da baía e nos canais exteriores, doca de pesca e suas instalações, obras de regularização marginal e calibragem do estuário, estudos referentes ao plano geral do porto e seu ensaio em modelo reduzido, docas secas e estaleiros navais e silos para cereais.
2) Porto da Beira. - Cais de pesca e do tráfego local na margem esquerda do Chiveve, dragagens no porto interior e trabalhos complementares, dragagens nos canais exteriores e nos trabalhos complementares, obras de regularização marginal, de protecção, e de calibragem do estuário, estudos referentes ao plano geral do porto e ao ensaio em modelo reduzido, obras marítimas exteriores de protecção e calibragem do estuário e obras marítimas de defesa da costa da cidade da Beira.
3) Porto de Nacala. - Plano inclinado para reparação de pequenas embarcações do tráfego dos pequenos portos e pequenas embarcações oficiais.
A Câmara Corporativa expressa o desejo de que o porto de Nacala seja concluído no seu conjunto, o mais prontamente possível, para o que é necessário reforçar a dotação respectiva, sugerindo, para o fim, a comparticipação do caminho de ferro da Beira. Mais sugere ainda que o acesso ao porto de Nacala seja dotado de estrada conveniente.
4) Porto do Zambeze. - Estudos de obras marítimas interiores, planificação geral e ensaios em modelo reduzido. Trata-se de continuar estudos já iniciados pela Missão do Zambeze.
Em matéria de empreendimentos a realizar consideram-se no porto de Lourenço Marques: prolongamento do cais das Carvoeiras, docas para a pesca e para pequenas embarcações, instalações para reparação e construção naval, dragagens e obras de regularização marginal e de calibragem do estuário.
No porto da Beira: prolongamento do cais n.º 1 e reconstrução dos cais existentes, conclusão da doca seca e, nos cais n.ºs 9 e 10, obras acostáveis e equipamento.
Serão também adquiridos três rebocadores para o cais de minério da Matola e outras embarcações.

d) Transportes aéreos. - Consigna-se no Plano a esta rubrica a verba de 180 000 contos. Os empreendimentos que se encaram para execução no triénio de 1965-1967 são:

Aeroporto da Beira. - Conclusão de superfícies operacionais e de movimento. Edificações: aerogare e bloco técnico; ampliação da central de bombeiros: hangar e oficinas; habitações para o pessoal. Energia e sinalização luminosa: aumento da potência instalada; rede de distribuição e alimentação das radioajudas; sinalização luminosa; iluminação da plataforma; central de emergência alimentação dos centros emissor e

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receptor e radiofarol. Arruamentos, águas e esgotos da zona de edificações. Apetrechamento geral - equipamentos: de assistência a aeronaves; para a torre de comando; de socorro e salvamento; para primeiros socorros; de desobstrução, limpeza e conservação; oficinal; para serviços meteorológicos (aparelho de radar-vento-tempo; telémetro de nuvens e visibilímetro; ligação radiotelescópica com Lourenço Marques); e diversos. Telecomunicações - sistema ILS e equipamento diverso.

e) Telecomunicações constitui a alínea 5) do sector transportes e comunicações do quadro II do projecto de Plano Intercalar, e a sua dotação é de 45 000 contos, destinados a satisfazer as necessidades mais urgentes e o prosseguimento do- programa que vem sendo executado desde há anos de acordo com a seguinte lista:

1) Ligações interurbanas, zonais e regionais compreendendo:

Reconstruções e ampliações;
Grandes reparações;
Equipamento de altas frequências.

2) Centrais e redes telefónicas urbanas automáticas em localidades importantes, colonatos e outros centros de grupos de redes;
3) Edifícios-estações postais e de telecomunicações.
A Câmara Corporativa considera do mais alto interesse económico este sector do projecto de Plano Intercalar, concordando com o programa.

101. Turismo. - A dotação que se propõe, de 30000 contos, destina-se a fomentar esta indústria, dadas as excelentes condições naturais que se verificam na província susceptíveis de atrair uma importante corrente de visitantes que proporcionarão substanciais receitas em moeda estrangeira e local.
O fomento desta actividade entende-se dever ser orientado por uma acção directa através do Centro de Informação e Turismo e indirectamente através de actividades e realizações dependentes de outros serviços e sectores.
A Câmara Corporativa nada tem a opor.

102. O sector da Habitação e melhoramentos locais, que se encontra dotado com 11 4 000 contos, destina 60 000 contos à habitação, para permitir à Junta dos Bairros Populares, criada pelo Diploma Legislativo n.º 2297, de 13 de Outubro de 1962, resolver o problema da habitação dos económicamente débeis, construindo casas de baixo custo, em zonas urbanas, com a colaboração das autarquias locais.
Estão já estudados os arranjos urbanísticos de bairros deste tipo para quase todas as cidades da província, com excepção de Moçambique e Vila Cabral, por ainda não possuírem planos de conjunto.

As casas disporão de água tratada e canalizada, saneamento de resíduos, energia eléctrica e acessos.
Para Melhoramentos locais reservou-se, a verba de 54 000 contos, com o fim de efectivar os seguintes empreendimentos:

Abastecimento de águas aos aglomerados urbanos e rurais;

Instalação de redes de esgotos nos centros urbanos; Execução de planos de urbanização,

que visam especialmente à rápida elevação do nível de vida das populações.
A Câmara Corporativa dá a sua concordância aos programas estabelecidos, conforme o indicado no quadro n.º 33 deste parecer.

103. Promoção social. -Prevê o Plano investir neste sector 500 000 contos, sendo 220 000 contos destinados à Educação e 280 000 contos; a Saúde e assistência:

a) No que se refere ao ensino primário, encontram-se actualmente dispersas pela província mais de 3000 escolas oficiais. Na necessidade de continuar nas províncias ultramarinas os programas de desenvolvimento comunitário, foram estes considerados na nova orgânica do ensino primarão (Decreto-Lei n.º 45 908), esperando-se que venham a ser apreciáveis os meios para promover a desejada transformação. Assim, tendo de se fazer a revisão do problema do ensino por uma actualização de processos de acção contínua, muito se conta com a contribuição que o referido programa de desenvolvimento comunitário possa dar.

Em 1963 iniciaram-se alguns cursos no âmbito dos Estudos Gerais Universitários, criados no ano anterior, sendo de 285 o número de alunos matriculados no ano lectivo de 1963-1964.
Dento-o desta rubrica encara-se a divulgação da publicação de ensinamento da língua e de técnicas elementares agrícolas, de artesanato e educacionais e de formação social.

b) No que respeita a saúde e assistência, pré vê-se, para combater as endemias, especialmente contra as que os meios de luta são cientificamente eficazes, se prestam melhor à sua exploração em larga escala e forem considerados mais económicos, criar um serviço especializado que permita realizar em meio rural e com auxílio de brigadas móveis uma acção médica em massa contra as endemias.

Esse serviço deverá ter as seguintes características:

Autonomia técnica e administrativa;
Unidade de comando;
Especialização do pessoal.

Os serviços de estudo e combate às endemias nas províncias ultramarinas são de grande importância e foram objecto de atenção na nova reforma dós serviços de saúde do ultramar.
A Câmara Corporativa nada tem a opor aos investimentos propostos.

6) Macau

(Quadros n.ºs 18 e 24)

104. Macau é dotado com 660 000 contos no Plano Intercalar para o triénio de 1965-1967, os quais deverão ser financiados:

Contos
a) Pelo orçamento geral da província ..... 120 000
b) Do orçamento ordinário ................ 20 000
c) Do orçamento extraordinário ........... 100 000

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b) Pelas autarquias locais e institutos públicos .............. 15 250
Do Leal Senado ................................................ 8 500
Da Provedoria da Assistência Pública .......................... 6 750

c) Por entidades privadas (particulares e empresas) ........... 525 000

105. As dotações que recebeu a província de Macau no I e no II Planos de Fomento foram:

I Plano, 82 160 contos, despendidos (quadro n.º 7).
II Plano, 210 472 .contos, programados, dos quais foram autorizados 156 840 no quadriénio de 1959-1962 (quadro n.º 10).

106. A seguir consideram-se os empreendimentos, encargos e características do Plano Intercalar.

107. Conhecimento cientifico do território e das populações, investigação cientifica e estudos de base. - Prevê o Plano o investimento de 3000 contos, destinando-se ao conhecimento científico do território 1250 contos e a estudos de base 1750 contos.
No conhecimento científico do território estão previstos 1000 contos para o levantamento hidrográfico da província, trabalho muito necessário. Os restantes 250 contos previstos destinam-se à aquisição de aparelhagem meteorológica, a completar instalações já iniciadas, a montagem de uma estação ionosfériça e a despesas de conservação.
Nos estudos de base prevê-se especialmente a reorganização e aperfeiçoamento dos serviços de estatística indispensáveis para o planeamento .económico e social e para orientação geral da Administração.
A Câmara Corporativa não tem observações a fazer às verbas previstas.

108. Agricultura, silvicultura e pecuária. - O Plano Intercalar prevê 15 000 contos, sendo 2400 contos para investigação básica, 3000 contos para fomento dos recursos agro-silvo-pastoris e 9600 contos para esquemas de regadio.
Estas verbas têm por objectivo, nomeadamente, a realização dos empreendimentos ainda em curso e que não é possível terem cumprimento cabal no período de TI Plano de Fomento.
A investigação agro-pecuária compreende a investigação agrícola básica, o estabelecimento de um posto experimental agro-pecuário e a defesa sanitária das plantas e dos animais.
No fomento dos recursos, dotado com 3000 contos, incluem-se os serviços de extensão agrícola e agricultura tradicional, com o objectivo do desenvolvimento da cultura de frutas, hortaliças e pastagens, avicultura, suinicultura e gado leiteiro. Outro aspecto do fomento é o desenvolvimento de matas, parques e jardins para fins de turismo e de pesca desportiva, dotado com 9600 contos.

109. Pesca. - No projecto de Plano não se prevêem quaisquer investimentos, apenas se faz uma referência «para memória» a este sector.

110. Energia.-No projecto de Plano prevêem-se 39 000 contos para estudos, produção, transporte e distribuição, figurando entre os investimentos a considerar a ampliação da central de Macau, a instalação de novos
cabos entre a central e os postos de transformação e melhoramentos na electrificação das ilhas de Taipa e Coloane Regista também que o actual contrato de concessão termina em Junho de 1966.

111. Indústria transformadora.-No Plano incluem-se 29 000 contos, sendo 400 contos para estudos e 28 600 contos para ampliação, renovação e criação de novas indústrias.
O sector da indústria transformadora foi em Macau altamente influenciado pela publicação, em 1957, do Decreto-Lei n.º 41 026 e, mais tarde, pela promulgação do Decreto-Lei n.º 44 016, relativo à integração económica nacional, pois destas medidas legislativas resultaram condições muito favoráveis para as indústrias transformadoras nesta província.
Consequentemente, o sector privado tem vindo a fazer investimentos em bom ritmo, tornando desnecessária uma comparticipação substancial do Estado.
Assim, nos estudos apenas se prevêem 400 contos para comparticipação no estudo de novas indústrias e no desenvolvimento das existentes de um modo geral e especificadamente os estudos para o estabelecimento das indústrias do descasque da castanha de caju, preparo do leite líquido, refinaria de açúcar e preparo de chá e café solúvel.
Na ampliação, renovação e criação de novas indústrias prevê-se o estabelecimento das indústrias de preparo de café e chá solúveis e de descasque e preparação de castanha de caju e considera-se para este efeito o investimento de 29 000 contos.
A Câmara Corporativa nota que a verba para estudos parece diminuta e recomenda que dos investimentos directos do Estado em indústrias transformadoras apenas sejam encarados os que interessem ao desenvolvimento do espaço económico português.

112. Transportes e comunicações. - O investimento previsto neste sector é de 194 000 contos, assim repartidos:

Transportes rodoviários ......... 1 400
Portos e navegação ..............112 600
Transportes aéreos. Aeroporto ... 80 000

No sector dos Transportes rodoviários o único investimento considerado respeita à rede rodoviária das ilhas em face da sua interligação.
Este empreendimento é infra-estrutura necessária para o desenvolvimento das ilhas.
No capítulo de Portos e navegação marítima prevêem-se obras de melhoramento do porto de Macau e aquisição de transportes rápidos para a ligação de Macau com Hong-Kong (oito hidroplanadores).
O porto de Macau tem evidente e primacial importância para a província, parecendo desnecessário encarecer o valor das obras necessárias para o manter em condições de satisfazer às necessidades da indústria, do comércio e do turismo.
A verba prevista para Transportes aéreos. Aeroporto é de 80 000 contos, não estando concretizados os objectivos.

113. Turismo. - Para a rubrica «Turismo» estão previstos 198 000 contos, a que se adicionam 9600 contos previstos para o desenvolvimento de matas, parques e jardins, no capítulo de desenvolvimento agrícola.

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Os empreendimentos previstos são os seguintes:

a) Inventário, classificação, reparação e conservação do património histórico e artístico da província;
b) Projecto para a construção de uma pousada típica portuguesa na esplanada da Fortaleza de S. Paulo do Monte;
c) Alindamento da cidade em conjugação com as disponibilidades consignadas para o efeito no orçamento do Leal Senado;
d) Criação de uma escola hoteleira para preparação de pessoal destinado a esta indústria (adaptação do edifício e seu apetrechamento).

Prevê-se ainda o estudo do aproveitamento das condições naturais das ilhas de Taipa e Coloane para fins de recreio, desporto e repouso. Este estudo envolverá os principais problemas das ilhas, desde as comunicações até ao abastecimento de água e de energia eléctrica.
O grande desenvolvimento que o turismo está a tomar na província, já atestado por uma entrada de 30 155 turistas em 1962, contra 18 531 entrados em 1953, justifica a necessidade do apoio estatal independentemente dos importantes investimentos que o sector privado está a fazer com este objectivo.

114. Habitação e melhoramentos locais. - A dotação do Plano para estes objectivos é de 161000 contos, sendo para a habitação 25 000 contos e para melhoramentos locais 136 000 contos.
No sector da Habitação estão programados os seguintes empreendimentos:
o) Construção de habitações para funcionários do Estado, a ser financiada pelo orçamento ordinário, tendo como contrapartida o excesso da cobrança sobre a previsão das receitas ordinárias;
b) Construção de um bloco para funcionários do Leal Senado;
c) Comparticipação na construção de bairros populares, com vista «ao saneamento da cidade e das ilhas.

Nos melhoramentos locais incluem-se o abastecimento de água, saneamento e urbanização.
No sector de abastecimento de água é previsto um novo reservatório e o melhoramento da rede de distribuição.
No saneamento prevê-se a conclusão da rede de esgotos da cidade, o saneamento, pavimentação e abastecimento de água da zona da doca de Macau e o melhoramento e ampliação das redes de esgoto das ilhas de Taipa e Coloane.
Também é considerada a construção de prédios e blocos e estudo urbanístico do porto exterior e aterros de Praia Grande e ilha Verde.
Ainda se insere a comparticipação do Leal Senado para substituição do mercado da Bua da Bibeira do Patane e estudo para construção de um estádio.

115. Promoção social. - Estão previstos 21 000 contos, sendo 7100 contos para educação e 13 900 contos para saúde e assistência.
No campo do ensino tem-se por preocupação aumentar o número de salas de aula e expandir o ensino do português.
Além da generalização do ensino primário aconselha-se o desenvolvimento do ensino secundário e médio, pois este, assegurando a formação de técnicos especializados, contribui eficazmente para o progresso e desenvolvimento económico.
No sector de saúde e assistência é previsto o desenvolvimento da política de cobertura sanitária seguida durante o I e II Planos de Fomento, bem como garantir o indispensável apoio às classes económicamente mais débeis.

116. Enumerados os investimentos que o Plano Intercalar considera para Macau, registam-se a seguir os objectivos em que, segundo o projecto de Plano, deve traduzir-se a política de fomento durante o período do mesmo plano:

a) Na dotação da província com as infra-estruturas económicas (produção de energia, instalações portuárias, etc.) e sociais (habitação, melhoramentos locais, saúde, educação, etc.) favoráveis ao desenvolvimento de iniciativas privadas no campo das indústrias transformadoras;
b) No desenvolvimento das condições propícias à transformação de Macau num entreposto comercial, destinado à expansão dos produtos do espaço económico português no Oriente;
c) No fomento do turismo, aproveitando e respeitando a feição característica de Macau e dotando a província do equipamento turístico necessário;
d) No desenvolvimento das pescas e, com carácter marginal, mas sem deixar, por isso, de ter interesse, da horticultura e da avicultura;
e) Na melhoria das condições de vida no plano habitacional, sanitário e cultural da sua população.

No seu conjunto, estes objectivos traduzem uma continuidade dos investimentos do I e II Planos de Fomento, fortalecendo as infra-estruturas económicas e sociais desta província, pelo que esta Câmara Corporativa lhe dá o seu apoio.

7) Timor

(Quadros n.ºs 18 e 25)

117. O projecto de Plano Intercalar de Fomento prevê para Timor o investimento de 270 000 contos no triénio de 1965-1967, financiados integralmente pela metrópole.

118. No I e II Planos anteriores as dotações foram, respectivamente:

I Plano, 72027 contos, despendidos (quadro n.º 8).
II Plano, 220000 contos, programados, dos quais foram autorizados 179 974 contos no quadriénio de 1959-1962 (quadro n.º 10).

119. A seguir consideram-se os empreendimentos, os encargos e as características dos empreendimentos do projecto de Plano Intercalar por sectores.

120. Conhecimento cientifico do território e das populações, investigação cientifica e estudos de base. - Para realização do programa de empreendimentos previsto neste sector prevê o Plano Intercalar o dispêndio, no triénio a que respeita, de 19 000 contos, destinando 10 000 contos para os trabalhos relativos ao conhecimento

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cientifico do território, 7500 contos a investigação cientifica e 1500 coutos a estudos de base.
No que se refere ao conhecimento cientifico do território, da verba atribuída, 6000 contos destinam-se a cartografia geral; 3600 contos a estudos de hidrologia, para se fazer a montagem de serviços capazes de levarem a efeito a recolha de elementos de hidrometria e hidrologia necessários ao conhecimento das potencialidades hidrológicas da província, e 400 contos à meteorologia, para permitir fazer um levantamento magnético destinado a pormenorizar as informações obtidas no levantamento magnético geral executado em 1958 para fins de utilização prática imediata, como levantamentos topográficos, conhecimento do subsolo, prospecção geológica e mineira, etc., e ainda para equipar os serviços com material mineiro necessário ao desempenho das suas funções.
A Câmara Corporativa considera de aprovar o que se propõe.
Com a verba com que se dotou a rubrica investigação científica propõe-se criar um centro de estudos em moldes semelhantes aos já criados ou a criar em outras províncias ultramarinas para coordenar e centralizar os estudos de investigações de natureza científica respeitantes a Timor e também desenvolver e aprofundar os estudos da população nos seus múltiplos aspectos. Estes estudos poderão, com vantagem, ficar a cargo de organismos especializados da Junta de Investigações do Ultramar, que os levarão a cabo através de uma missão, com a colaboração permanente do Centro de Estudos de Timor.
Considera-se ainda no programa dos empreendimentos a realizar a criação, com o apoio do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, de um pequeno laboratório de ensaios de materiais e mecânica dos solos.
A verba atribuída a estudos de base destina-se a custear diversos trabalhos, tais como:

a) Documentação estatística;
b) Contabilidade nacional;
c) Estudos económicos;
d) Estudos demográficos;
c) Contabilidade económica;
f) Coordenação de documentação técnico-económica.

A Câmara Corporativa, relativamente a estas duas rubricas, dá aqui como reproduzidas as considerações que fez nos n.ºs 27 e 28 deste parecer.

121. Agricultura, silvicultura e pecuária.-A verba global atribuída no projecto de Plano Intercalar a esta rubrica é de 39 000 contos, sendo 12 000 contos para I investigação agrícola base e 27 000 contos para fomento dos recursos agro-silvo-pastoris. Um dos objectivos a que visa o Plano Intercalar é o de promover a melhoria da produtividade da agricultura tradicional.
Na exportação de Timor, que se caracteriza por um alto grau de concentração, figuram três produtos apenas: o café, a borracha e a copra, representando mais de 90 por cento do valor total das exportações.
O café continuará a ser objecto de fomento em quantidade e qualidade - em 1962 exportaram-se 1857 t, com o valor de 26 350 contos, o que representa 72,76 por cento do valor total das exportações -; a exportação da borracha atingiu em 1959 o nível mais alto até então atingido, com 311 t, e tem-se mantido à roda das 300 t, com valores da ordem dos 4000 contos, o que representa cerca de 13 por cento do valor total das exportações; quanto à copra, verificou-se ligeira diminuição em 1962 nas quantidades exportadas, ano em que registou 1401,5 t, com o valor de cerca de 3998 contos, o que representa 11,04 por cento do valor total.
Para as obras a realizar neste campo é necessário fazer trabalhos topográficos, de cartografia geral e de pormenor e obter dados hidrológicos, sem os quais os trabalhos empreendidos são contingentes. Quer estes trabalhos, quer os respeitantes ao florestamento, terão de confinar-se a determinadas bacias hidrológicas, obedecendo a uma ordem de prioridade a fixar.
Importa ainda estudar os regimes de correcção torrencial e, simultaneamente, o indispensável repovoamento florestal.
As várzeas e as planícies são reservadas para a plantação de arroz, depois de convenientemente drenadas, enxugadas e regadas, podendo em muitos casos associar-lhe o coqueiro, a criação de gado e a piscicultura.
A Câmara Corporativa dá o seu acordo ao programa estabelecido, que é seguimento do que já apoiou para o I e II Planos de Fomento.

122. Pesca. - A dotação total desta rubrica é de 10 000 contos, atribuindo-se 6000 contos a investigação e assistência técnica, 2000 contos a pescas e outros 2000 contos à regularização do abastecimento interno do pescado.
Há que iniciar em Timor estudos intensivos de biologia piscatória, averiguar sobre as principais condições de exercício para se dispor dos necessários estudos para se poder fazer o adequado planeamento para a expansão deste sector.
Embora utilizando, como é óbvio, os elementos disponíveis sobre estudos que interessem à área marítima da província, os trabalhos a realizar implicam acção local que concorra para evolução positiva da exploração dos recursos marinhos.
Deseja-se uma participação das pescas artesanais de cerca de 15 por cento da produção a atingir, em princípio, no fim do período do Plano Intercalar, de forma a proporcionar a substituição gradual dos frágeis meios actualmente utilizados.
Quanto à pesca industrial, se a do atum, por cerco, for exequível na área de Timor, poderá levar à adopção de barcos de maior tonelagem, que possibilitarão o exercício no alto, dado o maior rendimento médio e mais amplas flutuações, que caracterizam, em várias zonas, esta técnica em relação ao trabalho com palangre ou isco vivo.
Quanto à regularização do abastecimento interno do pescado, procura-se favorecer o abastecimento do pescado promovendo a sua distribuição, quer em fresco, próximo do litoral, quer depois de seco, nos núcleos do interior, para o que se prevê a existência de um reduzido número de câmaras de refrigeração e de oficinas de salga e secagem. Além de Díli, principal centro de consumo de peixe fresco e ponto de irradiação para outros núcleos populacionais, e da ilha de Ataúro, outro centro piscatório de relativa importância, os outros são de fraco relevo no volume das capturas.
Assim, centralizada em Díli a distribuição de peixe para consumo público, a produção de gelo e a refrigeração ou congelação estarão incluídas no entreposto frigorífico. Além

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destas instalações frigoríficas serão apenas de prever em Ataúro e, porventura, em poucos pontos mais do litoral, inclusive na costa sul, câmaras frigoríficas que concorram para a regularização das autuações diárias do pescado.
Para abastecimento de povoações do interior prevê-se dispor de tanques para a lavagem e salga, parque de secagem com giraus e pequeno armazém para acondicionamento em condições higiénicas.
Procurar-se-á fomentar a criação de cooperativas de pescadores onde se verifique a sua utilidade para a economia da província, o que evitará acentuado parcelamento de unidades. Assim, quatro a cinco oficinas com capacidade unitária para 200-250 t de peixe seco por ano poderão promover a preparação do produto segundo o ritmo a que a evolução das capturas se processar.
A Câmara Corporativa nada tem a objectar em contrário ao que é proposto.

123. Energia. - A verba que no Plano Intercalar se destina a estudos, produção, transpordes e distribuição é de 8000 contos. Prevê-se aplicar esta verba na construção de um novo aproveitamento hidroeléctrico, em Baucau, com a potência de 200 KW, para satisfazer o acréscimo de consumos e de ponta em Vila Salazar; para electrificação de novas povoações serão instalados alguns grupos de 20 kW e outro de 28 KW em Lospalos; em Díli, além do reforço da central térmica, haverá que proceder à ampliação da rede de distribuição; para electrificação da Vila Salazar, através do aproveitamento de Baucau, haverá que instalar a linha aérea que o ligará ao centro consumidor.
Incluem-se nesta rubrica o estudo e execução dos projectos para electrificação de povoações, incluindo os dos aproveitamentos hidroeléctricos de Baucau e das ribeiras de Loi-Huno e Gleno.

A Câmara Corporativa faz votos pela realização rápida dos empreendimentos previstos.

124. Indústrias. - É de 21000 contos a verba total inscrita nesta rubrica, sendo 11 900 contos destinados a indústrias extractivas e 9100 contos a indústrias transformadoras.

125. A. rubrica indústrias extractivas subdivide-se em três alíneas, sendo a primeira, designada por estudos geológicos, & qual são destinados 900 contos, prevendo-se executar trabalhos geológicos de campo e de gabinete, incluindo laboratoriais, relativos ao extremo leste da ilha e ao respectivo maciço metamórfico de Díli-Manatuto, com vista à conclusão da carta geológica; a segunda é designada por estudo e aproveitamento dos meios de obtenção ate água doce e a sua dotação, de 6000 contos, destina-se a estudos hidrológicos, com vista à localização de furos e à execução de sondagens e captações; a última, designada por fomento mineiro, é dotada com 5000 contos, que se prevê aplicar na:

a) Prospecção e pesquisas de cromites;
b) Reconhecimento de jazigos de ouro;
c) Prospecção e pesquisas de minério de cobre;
d) Prospecção e pesquisas de minérios de manganês;
e) Estudos de pedreiras de mármore e outros materiais, com vista ao seu aproveitamento.

São estes os objectivos mineiros susceptíveis de despertar interesse por parte da actividade privada e merecedores do apoio do Governo., uma vez que a pesquisa do petróleo já está concedida.
No que se refere a indústria transformadora, estabelece-se uma escala de prioridades dos estudos a realizar, e que é a seguinte:

a) Estudo, planeamento, aperfeiçoamento e assistência técnica às indústrias de cerâmica, do descasque de arroz, refrigerantes, sabões, álcool, gelo e outras;
b) Estudo, planeamento e instalação de uma indústria de sumos de frutas e respectivos concentrados ;
c) Estudo, planeamento e instalação da indústria de moagem e de câmaras frigoríficas para a indústria de conservação, de carne e outras;
d) Estudo e planeamento de indústrias de óleos e essências vegetais (amendoim e copra);
e) Estudo, planeamento e aperfeiçoamento da indústria de lacticínios e outras;
f) Estudo e planeamento das indústrias de café solúvel e torrefacção de café;
g) Estudo, planeamento e instalação das indústrias de curtimenta, de fabricação de calçado e outras ;
h) Estudo e planeamento da indústria da gasificação de águas de mesa;
i) Estudo e planeamento da indústria de salsicharia;
j) Aperfeiçoamento do fabrico de cal e cimento.

A Câmara Corporativa nada objecta ao programa de estudos propostos.

126. Transportes e comunicações. -Esta rubrica, que se subdivide em quatro alíneas, é dotada com 100 000 contos, distribuídos da seguinte forma:

Contos
1) Transportes rodoviários .......... 20 000
2) Portos e navegação ............... 30 000
3) Transportes aéreos e aeroportos .. 45 000
4) Telecomunicações ................. 5 000

Quanto a transportes rodoviários, prevê o Plano Intercalar realizar:

A rectificação e melhoramentos de estradas, obras de arte, etc.;
A construção das estradas Díli-Suai ou Díli-Baucau;
A mecanização da conservação.

No que respeita a portos e navegação, em vista das sérias dificuldades que se opõem ao estabelecimento de ligações rodoviárias entre as costas norte e sul, cabe à navegação marítima importante papel nas comunicações indispensáveis à vida e desenvolvimento de Timor.
Assim, prevê-se a execução de quatro pequenos portos na costa sul (Suai, Betano, Beaço e Loré); dois na costa norte (Baucau e Lautem); um no enclave de Ocussi-Ambeno, e outro na ilha de Ataúro.
Estes portos assegurarão a ligação com Díli - porto frequentado pela navegação de longo curso, o qual precisa de ser convenientemente apetrechado e dotado com um plano inclinado para assistência aos barcos do serviço costeiro.

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Relativamente a transportes aéreos e aeroportos, a província dispõe, desde há já alguns anos de um aeroporto em Baucau, classificado da rede nacional e já em fase final de execução, e dos pequenos aeródromos de Díli, Ocussi, Ataúro, Con, etc.
Neste sector, prevê-se, no aeroporto de Baucau, construir edifícios e fazer a urbanização do aeródromo, instalações de energia e sinalização, equipamento do aeroporto e sua cobertura por um sistema de telecomunicações. Prevê-se naturalmente, por se tratar do mais importante aeródromo da província, dotá-lo com sinalização luminosa que permita a sua utilização normal, mesmo em condições de visibilidade restrita e, naturalmente, dotá-lo com instalações que lhe permitam assegurar as necessárias ajudas à navegação.
No aeroporto de Díli, a construção de uma pista com 1200 III de extensão, plataforma de estacionamento e respectivo caminho de circulação, sinalização diurna e melhoramento das edificações existentes.
Nos outros pequenos aeroportos, prevê-se o melhoramento das faixas de aterragem existentes e construção de pequenos abrigos para passageiros e material.
Quanto a telecomunicações, prevêem-se melhoramentos nas telecomunicações com o exterior, e nomeadamente com a metrópole, na central eléctrica e construir novos edifícios.
Prevê-se também a ampliação da central telefónica, melhoramento da rede e novos traçados aéreos.
A Câmara Corporativa dá o seu acordo ao programa de empreendimentos a efectuar, os quais reputa de grande valor para a província.

127. Turismo. - Prevê-se o dispêndio de 3000 contos; o programa de turismo tem de ser feito por fases, pois obriga a investimentos apreciáveis em infra-estruturas. A execução completa do programa ultrapassará o triénio do Plano Intercalar, havendo ainda a contar com as despesas correntes a efectuar com o Centro de Informação e Turismo, incluindo a Casa de Timor, e com a propaganda em que se apoiará a indústria.
A Câmara Corporativa não faz objecção ao que é programado.

128. Habitação e melhoramentos locais. - A verba inscrita é, no total, de 30 000 contos, cabendo à alínea habitação 21 000 contos e a melhoramentos locais os restantes 9000 contos.
No que se refere à primeira alínea, prevê-se a construção, segundo o programa estabelecido, de casas destinadas aos funcionários e a bairros populares.
No referente à segunda alínea, os principais trabalhos a levar a efeito são os de abastecimento de água de diversos núcleos populacionais, o enxugo de pântanos na cidade de Díli e obras de urbanização.
A Câmara Corporativa considera de grande interesse a realização destes empreendimentos.
Promoção social. - E de 40 000 contos a verba destinada a este sector, sendo de 21 000 contos a atribuída a educação, de 17 700 contos ,a proposta para a saúde e assistência e de 1300 a de radiodifusão. Os empreendimentos a levar a efeito no sector da educação visam a aumentar o número das- escolas primárias e técnicas elementares para intensificar a frequência escolar e possibilitar à juventude timorense o acesso às escolas de artes e ofícios, agrícolas, industriais, comerciais e de magistério primário.
Prevê-se ainda melhorar as actuais condições do liceu e do seminário para aumentar as facilidades dos estudos secundários.
No sector de saúde e assistência é considerada a necessidade de melhorar as condições de assistência sanitária e estabelecer um programa de obras que se referem a seguir:

Novas instalações e equipamento para o hospital central;
Construção de postos sanitários;
Residências para o pessoal;
Equipamento diverso; e
Prestação de assistência pública.
A Câmara Corporativa apoia inteiramente o programa que é proposto.

§ 4.º Empreendimentos e investimentos prioritários por província segundo o parecer da Câmara Corporativa

129. Reconhece a Câmara Corporativa que no traçado do projecto de Plano Intercalar de Fomento o Governo teve especial preocupação de dar ao trabalho em análise uma expressão de política económica coordenadora entre as necessidades da defesa da integridade do território nacional e o que considera serem as possibilidades da capacidade realizadora da Nação. Assim, as alterações que a Câmara sugere ao proposto pelo Governo e o que em seu entender melhor se ajustaria à utilização dos empreendimentos que já vêm dos planos anteriores estão concretizados nos quadros n.ºs 29 a 35, parecendo-lhe, porém, que na programação anual, por empreendimentos, se deva englobar em quadros distintos o que constitui investimento público, de quantias bem determinadas que servirão de norma aos serviços, e o que diz respeito aos investimentos privados que são simples previsão aleatória.

130. O quadro n.º 30, relativo à Guiné, crê-se que beneficie do esclarecimento de que o investimento de VI-3), dotado com 10 000 contos, inclui obras de regularização do rio Geba, cuja aprovação está dependente do parecer final do Conselho Superior de Fomento Ultramarino, parecendo assim conveniente aguardar o referido parecer para iniciar a execução das obras respectivas, cuja 1.ª fase está indicada para 1965.
Ainda em referência ao quadro n.º 30 e programa do sector II da agricultura, a plantação- de 5000 ha de palmeiras-de-azeite e 10 000 ha de bananeiras, deverá observar-se que constituem problemas técnicos determinantes de grande reflexão, pois nem os palmares poderão ser contínuos, por causa da natureza das terras e grau de humidade, nem o lançamento de uma tão grande área de bananeiras poderá resultar se não existir consumo- exterior para a produção, o que implica existência de transporte frigorífico marítimo conveniente.
No quadro n.º 33, relativo a Moçambique, não consta a Missão de Fomento e Povoamento do Zambeze, porque o projecto de Plano Intercalar de Fomento não a considera.
A Câmara Corporativa sugere que o Governo reveja o assunto na altura em que sejam considerados e estabelecidos os programas de investimentos anuais, de modo a dotar-se a referida Missão com os meios financeiros que lhe permitam concluir a tarefa iniciada, que tão alto significado económico e social pode ter para a valorização do território moçambicano.

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1050 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 82

Província de Cabo Verde

QUADRO N.º 29

Projecto de Plano Intercalar de Fomento (1965-1967)

[Ver tabela na imagem]

(a) A utilizar sob coordenação da Junta de Investigações do Ultramar.

Mapa de reforços e de reduções de contrapartida, conforme o sugerido pela Câmara Corporativa

[Ver tabela na imagem]

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17 DE NOVEMBRO DE 1964 1051

Província da Guiné

QUADRO N.º 30

Projecto de Plano Intercalar de Fomento (1965-1967)

Investimentos prioritários

[Ver tabela na imagem]

(a) A utilizar sob coordenação da Junta de Investigações do Ultramar.

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1052 ACTAS DA CAMARÁ CORPORATIVA N.º 82

Província de S. Tomé e Príncipe

QUADRO N.º 31

Projecto de Plano Intercalar de Fomento (1965-1967)

Investimentos prioritários

[Ver tabela na imagem]

(a) A utilizar sob coordenação da Junta do Investigações do Ultramar.

Mapa de reforços e de reduções de contrapartida conforme o sugerido pela Câmara Corporativa

[Ver tabela na imagem]

Página 1053

17 DE NOVEMBRO DE 1964 1053

Provincia de Angola

QUADRO N.º 32

Projecto de Plano Intercalar de Fomento (1965-1967)

Investimentos prioritários

[Ver tabela na imagem]

(a) A utilizar sob coordenação da Junta do Investigações do Ultramar.
(b) Inclui 15 000 contos para assistência técnica ao colonato do Cuneno, 5000 contos anuais.
(c) Inclui 150000 contos para a irrigação do colonato Mulondo-Quitevo, Humbe, bem como a conclusão dos estudos o projecto.
(d) Para reforçar II - 4).

Mapa de reforços e de reduções de contrapartida conforme o sugerido pela Câmara Corporativa

[Ver tabela na imagem]

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1054 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 82

Provincia de Moçambique

QUADRO N.º 33

Projecto de Plano Intercalar de Fomento (1965-1967)

Investimentos prioritários

[Ver tabela na imagem]

(a) Inclui 85 000 contos para a central e linhas de transporto dá energia de Massingir, reforçado com 14 000 contos do VIII -1) incluindo estudos.
(b) A utilizar sob coordenação da Junta de Investigações do Ultramar.
(c) Inclui 285 000 contos para a irrigação do Limpopo e barragem de Massingir e 235 000 contos para a colonização do Limpopo.
(d) Inclui 20000 contos para a estrada de acosso ao colonato do Limpopo, de Macia-Bilene a ponto sobre o Limpopo em Aldeia da Barragem, com prioridade.
(e) Inclui 7500 contos para as estações do Guijá e da Aldeia de S aferes.
(f) Inclui 6000 contos para a escola técnica industrial e comercial do colonato do Limpopo a levantar na Aldeia do Lionde.
(g) Reforço de IX-2) com 20 000 contos para o hospital regional do colonato do Limpopo, de projecto em curso de execução.
(h) Reforço de IV - para a alínea 2).

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17 DE NOVEMBRO DE 1964 1055

Província de Moçambique

Mapa de reforços e de reduções de contrapartida conforme o sugerido pela Câmara Corporativa

[Ver tabela na imagem]

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1056 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 82

Província de Macau

QUADRO N.º 34

Projecto de Plano Intercalar de Fomento (1965-1967)

Investimentos prioritários

[Ver Tabela na Imagem]

(a) A utilizar sob coordenação da Junta de Investigações do Ultramar.

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Província de Timor

QUADRO N.º 35

Projecto de Plano Intercalar de Fomento (1965-1967)

Investimentos prioritários

[Ver tabela na imagem]

(a) A utilizar sob coordenação da Junta de Investigações do Ultramar.

Página 1058

1058 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 82

III

Conclusões

131. A Câmara Corporativa tem a certeza de que o Plano Intercalar poderá constituir mais um grande passo na elevação do grau de bem-estar económico e social em que a Nação progressiva, orgulhosa e vitoriosa, está empenhada nas províncias ultramarinas e dá o seu acordo ao projecto do Governo, esperando que sejam adoptadas as sugestões que constam do parecer.

Palácio de S. Bento, 9 de Novembro de 1964.

Albano Rodrigues de Oliveira.
Álvaro Rodrigues da Silva Tavares.
Francisco José Vieira Machado.
Vasco Lopes Alves.
Carlos Krus Abecasis.
António Trigo de Morais, relator.

ANEXOS

Rand Daily Mail - 9 September 1964 - «End of month is rain deadline piped water is sought - Tvl. faces its costliest drought».

Pretória reporter

The costliest drought in the Transvaal is dragging on and heavy losses are feared unless it rains soon, according to Mr. J. Reinecke, secretary of the Transvaal Agricultural Union.
The shortage of water in the northern ranching areas has become critical over an area of thousands of square miles.
An urgent call is to be made on the Government later this month to help farmers find better water supplies, and to pipe water to certain areas from the Limpopo River.

Subsidies

A deputation led by the president of the South African Agricultural Union, Mr. De la Harpe de Villiers, will see the Minister of Agricultural Technical Services, Mr. Le Roux, later this month to ask for:
Additional financial aid in the search for water.
Heavier subsidies to help pay for dry boreholes.
The piping of water from the Limpopo to farms which have been out off from the river by the foot-ande-mouth disease fence.
The provision of more modern pneumatic drilling machines.
The Transvaal Agricultural Union estimates that more than half the holes bored during the past few months have been dry.

Crop leans

Meanwhile, Mr. Reinecke said yesterday that the Government through that the State Advances Office was to offer vegetable and fruit farmers the same generous crop loan facilities as were granted every year to grain farmers.
These would be for farmers in the Barberton, Nelspruit, Pilgrim's Rest. White River and Tzaneen districts whose crops were destroyed by frosts and drought.
Mr. Reinecke said that the limited fodder supplies available for castle in the drought areas were being «stretched to a maximum» in an effort to bridge the gap before the mirst rains.
«But if it does not rain before the end of this month many farmers will be in desperate straits and losses would be unavoidable», he said.

Rand Daily Mail - 26 August 1964 - «Let's think big' farmers told - River plan for drought areas».

Pretoria repórter

The piping of water from flowing rivers to the drought stricken areas of the Northern Transvaal was mooted vesterday ar the annual congress of the Transvaal Agricultural Union.
«Let's think big», Mr. P. R. du Toit, a Zeerust farmer who is a member of the union's cattle committee, told the 250 delegates.
He mentioned such rivers as the Crocodile and the Marico. He said a pipeline scheme would cost less than the sinking of boreholes.
Mr. Du Toit said the North and North-Western Transvaal was being depopulated. This had started because farmers had not been getting profitable prices. The drought had been the last straw.
The congress passed a resolution in that a comprehensive investigation be made into the supply of drinking water in the ranching areas to improve it, either by sinking more boreholes, constructing more river dams or laying pipe Unes.
Another resolution approved was one asking the Government to undertake a comprehensive investigation into available water supplies - under as well as above ground - and how they are used and, if necessary, to establish a national water board to undertake and control distribution.

Tradução: «Planos dos rios para as áreas secas».

O transporte de águas em tubos dos caudais dos rios para as áreas afectadas pelas secas no Transval do Norte foi citado ontem no congresso anual da União Agrícola do Transval.
«Vamos pensar em grande escala», disse o Sr. P. R. du Toit, agricultor de Zeerust, que é membro do comité de gado da União, aos 250 delegados.
Ele mencionou rios, como o Crocodilo e Marico. Disse que um sistema de tubagem custaria menos que abrir furos de sondagens.
Afirmou ainda que o Norte e Nordeste do Transval estavam a ser abandonados pela população. Isto tinha começado porque os agricultores não estavam a receber preços compensadores. A seca tinha sido a última praga.
O Congresso recomendou que fosse feita uma compreensiva investigação no respeitante à água para beber para as regiões agrícolas, promovendo-se a abertura de furos de sondagem, a construção de barragens para armazenar água ou lançar mais canalização. Outra resolução aprovada foi a de recomendar ao Governo uma investigação para avaliar as necessidades de água tanto por águas subterrâneas como de superfície e, se necessário, criar uma junta nacional de água para se encarregar do seu contrôle.

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17 DE NOVEMBRO DE 1964 1059

The Star Johannesburg - Wednesday, June 10, 1964 - «R2-m for dams in N. Transvaal».

The Government Plans to spend nearly R2000,000 on raising dam walls and constructing weirs in the Transvaal's drought-stricken areas. The scheme was announced yesterday by the Secretary for Water Affairs, Mr. J. M. Jordaan.
He says the Government does the outset for the cost of the not intend to levy farmers at construction but when the present financial stress comes to an end the Minister may decide to levy an appropriate amount.
The plan calls for the raising of the walls of the Njelele Dam in the Zoutpansberg district by 20ft., the Albasini Dam in the Zoutpansberg by 10ft., the Jan Wassenaar Dam near Pilgrim's Rest by 10ft., the Klipkopjes Dam near Nelspruit by 10ft., the Buffelspoort Dam near Rustenburg by 10ft. and the construction of three weirs on the Palala River in the north-western Transvaal.
The additional water will enable farmers to cultivate crops on a larger scale including citrus, bananas, vegetables, tobacco, wheat, lucerne and cotton.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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