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REPÚBLICA PORTUGUESA

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 37

IX LEGISLATURA - 1966 24 DE AGOSTO

PARECER N.º 4/IX

Projecto de lei n.º 2/IX

Lei da caça e do repovoamento cinegético

Projecto de proposta de lei n.º 2/IX Regime jurídico da caça

A Câmara Cooperativa, consultada, nos termos do artigo 103º da Constituição, acerca do projecto de lei n º 2/IX, sobre a lei da caça e do repovoamento cinegético, e, nos termos do artigo 105 º, acerca do projecto de proposta de lei n º 2/IX, elaborado pelo Governo sobre o regime jurídico da caça, emite, pelas suas secções de Interesses de ordem cultural (subsecção de Educação física e desportos) e de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Justiça), á qual foram agregados os Dignos Procuradores Afonso Rodrigues Queiró, Aníbal Barata Amaral de Morais, António Bandeira Garcez, Armando Bastilha Tello da Gama, Artur Augusto de Oliveira Pimentel, Fernando Andrade Pires de Lima, Fernando Augusto de Santos e Castro, João Pedro Neves Clara, Joaquim Trigo de Negreiros, José Frederico do Casal Ribeiro

Ulricb, José Manuel da Silva José de Mello, José de Mira de Sousa Carvalho, Luís Quartin Graça e Manuel de Almeida de Azevedo e Vasconcellos, sob a presidência de S Ex º o Presidente da Câmara, o seguinte parecer

SUMÁRIO

Apreciação na generalidade

§ l º Oportunidade da reforma legislativa Causas do empobrecimento do património cinegético Sentido desta reforma (n º l a 3)

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§ 2 º Importância da caça (n º 4)

1) Aspecto desportivo
2) Aspecto social
3) Aspecto económico
4) Aspecto turístico.
5) Aspecto fiscal

§ 3 º A propriedade da caça e o direito de propriedade (n º 5 a 7)
§ 4 º Reservas de caça Sua justificação e Sua função (n º 8)
§ 5 º Ideias dominantes e estrutura geral dos projectos de diploma em estudo Sua apreciação (n º 9 a 11)

II

Exame na especialidade

A) Do projecto de proposta de lei

§ l º Exercício da caça

1) Conceito de caça (n º 12 e 13).
2) Restrições ao exercício da caça (n º 14)
3) Noção de caçador Caça desportiva e caça com fim lucrativo (n º 15 A 18)
4) Apropriação da caça (n º 19 a 21)
5) Titulares do direito do caça Requisitos para o exercício deste direito (n º 22 a 24)
6) Carta de caçador e licenças (n º 25 a 30)
7) Locais de caça (n º 31 e 32).
8) Períodos venatórios (n º 33 a 38).
9) Processos de caça (n º 39 a 41).
10) Espécies cinegéticas (n º 42)
11) Animais nocivos (n º 43)

§ 2º Reservas de caço Sua finalidade. Modalidades (n º 44)
§ 8º Reservas particulares ou coutadas de caça (n º 45).

1) Efeito da concessão do reserva de caça (n º 46)
2) Condições subjectivas e objectivas para obter a concessão de reserva de caça (n º 47 a 49).
3) As reservas de caça e o regime florestal (n º 50)
4) Área concelhia destinada a reservas de caça (n • 51)
5) "Corredores" ou espaços livres (n.º 52)
6) Prazo da concessão de reservas de caça (n º 53).
7) Reservas concelhias do caça (n º 54).
8) Arrendamento de reservas de caça (n º 55 a 58)

§ 4 º Reservas zoológicas e zonas de protecção (n º 59)
§ 5 º Criação artificial de caça (n º 60).
§ 6 º Comércio da caça (n º 61 e 62)
§ 7 º Responsabilidade penal

1) Sanções Sua gravidade Modalidades (n º 63 e 64)
2) Infracções mais importantes (n º 65 a 69)

§ 8 º Responsabilidade civil (n º 70)

1) Danos de caça (n º 71)
2) Danos da caça (n º 72 e 73).

§ 9 º Fiscalização (n s 74 a 76)

§ 10º Organização e competência dos serviços (n º 77).
§ 11 º Disposições finais e transitórias (n º 78).

B) Do projecto de lei (n º 79)

III

Conclusões

Contraprojecto da Câmara Corporativa (n º 80).

Apreciação na generalidade

§ 1.º Oportunidade da reforma legislativa.
Causas do empobrecimento do património cinegético.
Sentido desta reforma

1. Em face da manifesta escassez das espécies cinegéticas, que, como doença incurável, se vem acentuando de ano para ano no nosso país, e da incapacidade da legislação vigente sobre caça para afastar ou atenuar as causas do mal, resolveram o Governo e o Sr Deputado Artur Águedo de Oliveira tomar a iniciativa de novas leis, em ordem à protecção e desenvolvimento das espécies

Não se discute a oportunidade da iniciativa, tão flagrante ela é, e só deixará de a louvar quem for insensível ao interesse nacional, porque verdadeiramente é este que está em causa

2. São múltiplas as causas do empobrecimento da fauna cinegética nacional o número sempre crescente de caçadores, da ordem de algumas dezenas de milhar (l), a utilização de armas e de pólvoras mais aperfeiçoadas e destruidoras, o acentuado desenvolvimento das vias de comunicação, que levam aos mais recônditos lugares onde outrora a caça proliferava, conjugado com a impressionante difusão de meios de transporte, acessíveis às bolsas mais modestas, a progressiva redução das áreas susceptíveis de oferecer condições de vida às espécies, em virtude do arroteamento de terras e do alargamento das zonas urbanizadas, a deficiente e quase inexistente fiscalização, impotente para impedir actos gravemente atentatórios das espécies, e, finalmente, a ineficácia do sistema punitivo, inadequado às necessidades de hoje e desprovido do indispensável poder intimidativo.
Eis os principais factores do mal. Alguns deles são irremovíveis e representam até um sinal positivo do progresso e da civilização e, por isso, não há senão que aceitá-los. Para outros, todavia, poderá encontrar-se remédio, e é justamente para eles que se voltam as providências dos órgãos legislativos e, em consequência, as atenções desta Câmara.
Será possível ainda reconstituir o património cinegético do País?
Crê-se que sim Ponto é que todos os interessados estejam dispostos a sacrificar um pouco dos seus interesses. E valerá a pena, porque, ou agora, ou então será porventura tarde de mais.

3. Qual, porém, deverá ser o sentido das novas providências legislativas?
É muito difícil em matéria desta índole traçar critérios de orientação que a todos satisfaçam.
Sem dúvida que os verdadeiros problemas, momente os de âmbito nacional, devem ser encarados com toda a atenção e interesse, mas este problema da caça é justamente um daqueles em que a atenção e o interesse atingem frequentemente as fronteiras da paixão, e onde esta se instala dificilmente poderá haver claro e justo discernimento.
O legislador consciente terá de agir com inteira objectividade, valorizando os interesses em presença para estabelecer entre eles um justo equilíbrio, sacrificando, e na medida necessária, os de menor valia. Concretamente, deverá ter em mente que o objectivo fundamental é o de conseguir uma adequada protecção e desenvolvimento do

(1) Em 1045 o número de caçadores era cerca de 100000, sendo actualmente cerca de 15O 000

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Património cinegético nacional tão duramente atingido, para o que terá de impor sérias restrições, sem esquecer, por outro lado, que a caça pressupõe a utilização do solo para o seu exercício e, em momento anterior, para a própria criação e alimentação das espécies.
Por outro lado, terá presente que há valores ou interesses, costumes e concepções que constituem uma tradição, e que as tradições, tal como no seio das famílias, também contam e pesam na vida da colectividade.
Por isso, não será avisado atentar deliberadamente contra ela, mas antes introduzir-lhe as correcções ou desvios impostos pelas novas circunstâncias

§ 2.º Importância da caça

4. Mas justificará a caça que dela se ocupem os órgãos legislativos? Constituirá ela realmente um problema de interesse nacional? Qual a importância da caça nos dias de hoje?
A caça assume importância relevante sob os aspectos desportivo, social, económico, turístico e fiscal.

1) Aspecto desportivo

Passados os tempos já muito distanciados em que interessava exclusivamente ou quase exclusivamente para satisfação de necessidades fundamentais da vida material do homem, como a alimentação e o vestuário, ou constituía mesmo meio de defender a própria vida em face dos animais selvagens, a caça tornou-se essencialmente um desporto. É este na verdade o seu fundamental aspecto nos tempos modernos.
Praticada ao ar livre, em permanente contacto com a natureza, e exigindo uma movimentação constante e ordenada, a caça constitui um exercício físico salutar, difícil de ser superado.
Por isso se lhe reconheceu através dos tempos especial valor como tremo ou preparação militar.
A este propósito vale a pena mencionar aqui a determinação que no século XII Gengis Khan fez introduzir no seu código (Yassak).

Dada a necessidade de manter as hostes em permanente treino militar e guerreiro, toma-se obrigatória a realização durante o Inverno de uma grande caçada, pelo que se proíbe, sob pena de morte, a todo o súbdito do império o exercício de caçar durante o período que decorre de Março a Outubro a todas as espécies de caça grossa ou miúda.

E o imperador mongol foi ao ponto de criar, a par dos Ministérios da Guerra e da Justiça, o da Caça, que, pela sua importância, confiou ao filho mais velho (2)

o nosso rei D João I, no seu célebre tratado de caça intitulado Livro da Montaria, enalteceu o valor da caça como exercício para que "o jogo e feitos das armas se não perca", o melhor para "recrear o entender" (3)

E na antiguidade não faltaram poetas e filósofos - Platão, Cícero, Virgílio, Horácio e tantos outros - que enalteceram as suas virtudes. Xenofonte, na sua Cinegética, aconselhava a prática da caça à juventude, "que deve ser forte e valorosa"(4)
Instrumento de revigoramento da raça e exercício altamente higiénico, a caça deve ser facilitada as classes intelectuais, obrigadas a viver uma vida sedentária e quantas vezes absorvente, assim como a todos os que vivem em grandes urbes numa atmosfera cada vez mais poluída.
Mas com a caça nem só o corpo beneficia. Em igual medida o espírito se revigora, libertando-se de preocupações, canseiras, dos mil problemas da vida
Quem pôde já experimentar - exclamará o verdadeiro amante da caça - o inefável prazer de, manhã cedo, ainda de noite, deixar a casa, espingarda às costas e cão amigo ao lado, trilhando os caminhos sob o brilho trémulo das estrelas, e, atingido o cimo do monte, contemplar o universo, o céu e a teria desfazendo no horizonte o abraço que os unia durante a noite à mesma hora que ao longe se ouve o sino da pequena igreja anunciando a ressurreição de um novo dia?!
Seja quem for - qualquer que seja a sua origem, condição ou cultura-, sentir-se-á dominado pela beleza de um espectáculo que o condicionalismo da caça faculta liberalmente aos seus devotos, ao mesmo tempo que os seus sentimentos são naturalmente influenciados por uma maior espiritualidade e pureza.
Tudo isto na realidade poderá proporcionar a caça.
Por isso alguns lhe chamam divina . (5)
E também Diogo F Ferreira, falcoeiro de D Sebastião, escreveu, a seu modo, na sua Arte de Caça de Altanaria.
E alívio de cuidados pesados, mãe de altos pensamentos, é finalmente um toque no qual se conhece o para quanto cada pessoa seja

(2) Cf O Problema Venatório Português, 1945, do Dr. J A de Freitas Cruz
(3) Quase todos os nossos monarcas foram grandes entusiastas da caça, a começar por D Sancho I, que foi grande montoador e falcoeiro. E um deles houve (D Afonso IV) que chegou a descurar gravemente os assuntos da coroa, ausentando-se por largo tempo para os lados de Sintra em digressão venatória, o que lhe valeu ser advertido por um dos do seu Conselho, em nome de todos.
Por mercê, tendo outra maneira em esto daqui em diante, senom como senom? disse ele Allafee disserom, senom buscaremos nós outro que reine sobre nós, que tenha cuidado de manter o poobo em direito e em justiça e nom deixe as cousas que tem de fazer do sua fazenda para ir ao monte e ha caça andar hum mês (Fernão Lopes, Crónica de El-Rei D Fernando)

O rei D Duarte, também grande caçador, escreveu um livro de especial interesso cinegético - Arte de bem Cavalgar toda a Sela
O último monarca caçador foi D Carlos Amava entranhadamente a caça, e as caçadas de Vila Viçosa, na coutada dos duques de Bragança, tiveram larga fama, nelas se reunindo frequentemente numerosas pessoas atraídas pelo espirito acolhedor do soberano.
(4) As primeiras manifestações de arte dos povos primitivos e da antiguidade têm quase sempre motivos de caça, em que o homem, fraco de forças, vence pela astúcia e inteligência as feras mais corpulentas e temíveis.
E na Idade Média a caça inspirou numerosos artistas, sendo célebres as iluminuras da época representando cenas cinegéticas.
Igualmente cânticos antiquíssimos, como os vedas, e crónicas hindus, chinesas e japonesas mostram o papel fundamental da caça nas antigas civilizações.
(5) "Divina - lhe chamam Xenofonte, Diogo Fernandes Ferreira e todos os sequazes de Nenrode, caçador tilo formidável que o Eterno exclamou do alto, contemplando as suas inconcebíveis façanhas. Aquele salafrário dá-me cabo da criação!" (Aquilino Ribeiro, "A Arte de Caçar", em A Caça em Portugal, II).

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E noutro passo

Escolas de homens ágeis, fortes e robustos, desprezadores das delícias, conserva a castidade
Foi por isso que Diana, para guardar a pureza, fugiu a conversação com os homens e se fez caçadora (6)

Pode dizer-se ainda que a caça estimula e robustece qualidades de paciência, de prudência, de observação e de decisão.
Em suma constitui um desporto das mais altas virtudes

2) Aspecto social

No plano social, a caça é um exercício são, capaz de ocupar as horas de ócio, sobretudo nos meios rurais, que de outro modo poderiam servir a fins menos convenientes.
Por outro lado, ela favorece a aproximação de pessoas de meios sociais diferentes, que convivem fraternalmente durante horas no exercício da caça.
E aí patente a solidariedade entre todos e a consciência dessa solidariedade e utilidade gera por vezes laços de gratidão e de afecto que tendem a perdurar.
Por outro lado ainda, a caça serve de ocasião a encontros de convívio social, nos quais os participantes, aproveitando a boa disposição, a franqueza e a lealdade que caracterizam esses momentos, conseguem mais facilmente aplanar as dificuldades de problemas da mais diversa índole (7)
Assim se estreitam os laços entre os indivíduos, como, por vezes, entre as próprias nações.

3) Aspecto económico

A caça desempenha ainda um papel relevante na economia geral do País.
Beneficia os transportes, os pensões e hotéis, assim como toda a indústria ligada ao fabrico de munições e de todos os apetrechos necessários à prática venatória.
É fonte de abastecimento dos mercados, calculando-se que ela deu, em 1958, um contingente de carne limpa de 2592 t. Só em Lisboa teriam entrado nesse ano 5321 lebres, 23 640 coelhos e 36 568 perdizes, a que há que juntar outras espécies, como o pombo bravo e a galinhola.
O rendimento da caça abatida anualmente em Portugal poderá estimar-se em várias dezenas de milhões de escudos (Cf A caça em Portugal, p 6, do (...) A Garcês) (8)
A caça tem particular valor nutritivo, fornecendo às gentes do campo as proteínas de que em regra carecem os seus pouco variados alimentos.

(6) Estas transcrições têm em vista mostrar o lodo curioso de certos concepções, antigas sobre a caça.
(7) Já no tempo de Carlos Magno ficou célebre uma grandiosa caçada que precedeu o seu encontro com o Papa Leão III, no ano de 799, destinada justamente a preparar o ambiente com vista a solução dos importantes assuntos pendentes.
(8) Não obstante a crescente diminuição das espécies, é ainda apreciável o contributo da caça abatida no abastecimento dos mercados da capital do País, consoante se alcança do seguinte quadro relativo à caça para consumo nos postos sanitários da câmara Municipal de Lisboa

[ver tabela na imagem]

(a) Perdizes, coelhos e lebres
(b) Pombos, codornizes e galinholas

(9) Apreciada desde a remota antiguidade, a caça tinha entre os Romanos a fama do transmitir beleza, alegria, espírito (V Enciclopédia luso-brasileira de Cultura, vol. IV, 353).
(10) É do conhecimento geral que se fnyem arrendamentos do reservas de caça no Sul do Pais pela renda anual de várias dezenas de contos.
(11) Neste sentido, a caça converge para a consecução de, finalidades que têm justificado entre nós vários medidas de reorganização agrária, como a revisão do regime jurídico da colonização interna, o emparcelamento da propriedade rústica, o novo regime das obras de fomento hidroagrícola e o arrendamento rústico, todas elas com o objectivo de «proporcionar uma maior rendabilidade do trabalho e do capital, de criar condições vantajosas para uma intensificação em larga escala do aproveitamento das terras e proporcionar aos trabalhadores do campo um nível de vida mais elevado e uma maior independência económica» (Cf o parecer da Câmara Corporativa n º 41/VII, de 6 de Abril de 1961, sobre o arrendamento da propriedade rústica (In Pareceres da Câmara Corporativa, VII Legislatura, 1961, vol i, p 341)

No ponto de vista culinário, a caça é considerada um dos alimentos que pelo seu apreciável valor gastronómico mais valorizam a arte culinária (9).
Noutro sentido, tem a caça ainda uma grande importância.
Queremos referir-nos ao aspecto da valorização das terras através da exploração das espécies cinegéticas.
Embora com algum atraso, está já a verificar-se em Portugal o fenómeno da procura da caça quer por nacionais, quer por estrangeiros, que chegam a pagar somas elevadas para que em determinadas reservas de caça lhes seja dada a faculdade de caçar(10)
Casos há em que o rendimento assim obtido supera todo o mais que a propriedade produz.
Sendo assim, a caça tornou-se um factor de riqueza individual e colectiva que há que ter na devida atenção, sobretudo, se pensarmos que há terrenos sem aptidão ou com uma reduzida aptidão para a exploração agrícola e florestal.
Numa época em que tanto se procura a reconversão cultural das terras, estará aí, na caça, nem sempre devidamente apreciada, uma fonte de rendimento que importa valorizar e explorar de harmonia com as reais necessidades da propriedade rústica (11), elemento essencial da estrutura económica da Nação.

4) Aspecto turístico

Os aspectos a que atrás se fez referência bastariam só por si para dar uma ideia da importância da caça.
Simplesmente, não se esgotaram neles todas as suas virtualidades.
Com efeito, a caça consegue ainda ir ao encontro das necessidades e exigências do turismo moderno, que todos os países procuram aproveitar como fonte de divisas e como instrumento de equilíbrio do seu comércio externo.
E trata-se justamente de um turismo rico este turismo de Inverno, que se encaminha para o Sudoeste da Europa.

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em busca de espécies cinegéticas aqui existentes e que escasseiam ou faltam por completo noutras regiões deste continente ou noutros continentes.
A nossa perdiz vermelha é um excelente cartaz, neste aspecto, como o é em Espanha, com óptimos resultados, já há vários anos.
A exploração da caça maior será sem dúvida outro, quando se criarem reservas próprias. Os exemplos da vizinha Espanha e de vários países da Europa central, como a própria Checoslováquia, onde os caçadores são recebidos em velhos castelos ou antigas residências senhoriais, com deferências e ambiente requintado, exigem reflexão e têm alertado e entusiasmado entre nós os meios interessados.
Dispondo de largos recursos económicos, estes caçadores-turistas exigem comodidades, mas em regra não regateiam preços.
São evidentes os resultados positivos deste turismo é toda uma cadeia, desde as actividades de transporte e instalações hoteleiras aos próprios terrenos de caça, que dele beneficiam, arrecadando divisas que naturalmente interessa atrair.
Este turismo está, entre nós, apenas no começo. Mas os resultados já obtidos são de certo modo animadores, permitindo prever que a caça possa vir a constituir, juntamente com o clima e a beleza da nossa paisagem, um importante factor de atracção turística.

5) Aspecto fiscal

São bem conhecidos os benefícios de ordem fiscal que a caça proporciona, já através das taxas das licenças de uso e porte de arma de caça, já através das taxas das várias licenças para caçar, já finalmente através dos impostos que oneram a importação e a venda de armas de caça e das munições e acessórios da prática venatória.

§ 3 º A propriedade da caça e o direito do propriedade

5. Um diploma sobre a disciplina da caça não poderá deixar de tomar posição, por modo mais ou menos explícito, sobre o problema fundamental das relações entre o direito de caça, a propriedade da caça e o direito de propriedade.
A ligação entre estes é evidente, pois que o direito de caçar tem por objecto a própria caça, isto é, os animais bravios que vivem em liberdade natural, e a caça, por sua vez, pressupõe a utilização da terra onde habita e onde encontra alimentação e condições de vida.
O tema tem alguma delicadeza, sobretudo no momento de opção, mas não é possível ignorá-lo nem fugir a enfrentá-lo com a objectividade que se impõe.
Procurar-se-á, antes de mais, averiguar sumariamente quais os sistemas que ao longo dos tempos surgiram para o solucionar.

6. A história da caça não é senão um dos aspectos da história da vida do homem.
Nos tempos mais recuados e durante muitos séculos a caça constituiu para o homem, como já atrás foi referido, o meio de satisfazer as necessidades da sua vida material, como a alimentação e o vestuário, e ainda o processo de defender a sua integridade pessoal em face dos animais selvagens de grande porte, os quais vencia pela astúcia e inteligência.
E, dada a abundância dos animais bravios, a escassez dos meios de os capturar e a inexistência de propriedade privada da terra, não havia necessidade de sujeitar a caça a quaisquer limitações, quer nas espécies, quer no tempo, lugar ou meios.
A caça era então um direito natural.
A liberdade de o exercer era absoluta.
Uma segunda época sobreveio - a chamada época romana.
As necessidades e os interesses em conflito passaram a ser objecto de regulamentação jurídica.
Assim aconteceu também com a caça
As Institutas do Justiniano, ao tratarem da classificação jurídica das coisas, consideram res nullius os animais selvagens.
Tratava-se de coisas sem dono, de que todos podiam apropriar-se através da occupatro.
A ocupação era, com efeito, o único título de aquisição da propriedade sobre a caça.
Os proprietários da terra tinham, sem dúvida, a faculdade de proibir que quaisquer estranhos, incluindo os caçadores, penetrassem nos seus prédios, em nome do (...)(...)
Contudo, não possuíam, por isso, um direito real sobre a caça existente nos seus prédios, mas tão-só o de excluir a entrada nele de terceiros (12). Para adquirirem a propriedade da caça necessitavam, como quaisquer outros indivíduos, de levar a cabo um efectivo acto de ocupação.
Em suma, a caça era concebida como um elemento estranho à propriedade. Não constituía um acessório ou um fruto desta, mas coisa autónoma, que passava à propriedade do primeiro ocupante.
O direito de caça era assim independente do direito de propriedade.
Posteriormente, por efeito das invasões dos povos germânicos, essencialmente guerreiros e caçadores, e com o advento do período feudal, as coisas tomaram outra feição, e a liberdade de caçar foi quase suprimida.
Os senhores feudais e os vassalos, plenos de autoridade, assenhoriaram-se de todas as regalias, incluindo a caça.
Multiplicaram-se os feudos, multiplicaram-se os direitos dos feudatários. A caça não era já independente da propriedade, mas integrava-se nesta, confundindo-se com ela.
O direito de caça não era mais que uma regalia do senhor. Não constituía res nullius, mas um produto da terra.

7. E aqui temos os dois sistemas ou concepções - o romanista e o germânico - de sentidos opostos, que depois, ao longo dos séculos, passaram a constituir a base da disciplina jurídica da matéria de caça.
Cada um deles, atacado por uns, defendido por outros, acolhido numa ordem jurídica ou proscrito de uma outra, sobreveio até aos nossos dias.
E o conflito entre eles aí está mais uma vez patente, em certa medida, no projecto de proposta de lei e no projecto de lei em apreciação.
O que importa, por conseguinte, é averiguar qual deles serve melhor a solução do caso português.
Vejamos, pois
À concepção germânica da caça como fruto ou produto da terra opõem alguns o argumento de que é artificial no seu fundamento, não servindo para resolver a questão nos países ou nas regiões onde predomina a pequena propriedade, pois que a caça, pela sua mobilidade, nasce num prédio e alimenta-se e vive em vários outros, cuja determinação exacta é na realidade impossível.
É certo que essa concepção se aproxima bastante da realidade quanto à grande propriedade, mas subsiste sempre, em certa medida, a dificuldade de saber se a caça

(12) Relativamente aos que entrassem abusivamente nos prédios, os seus donos podiam usar contra eles a actio iniuriarum ou uma acção possessória, ou a negatoria servitutis.

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encontrada numa propriedade, porque vive em liberdade natural e por isso difere muito dos animais domésticos, nela nasceu e nela se criou e vive exclusivamente (pense-se sobretudo na caça que se encontra nas estremas dos prédios) Além de que há espécies - as chamados espécies migratórios - que nem sequer permanecem nas regiões onde nascem.
Por outro lado, argumenta-se que a concepção germânica, aplicada em toda a sua pureza e rigor, poderá levar à extinção de espaços livres, transformando o País ou uma região praticamente numa grande coutada, onde não teriam acesso os caçadores não proprietários ou desprovidos de meios económicos que lhes possibilitem tornar-se arrendatários de reservas de caça.
E isto pode impressionar num país em que a tradição da liberdade de caçar quase atribuiu ao direito de caça a natureza de um direito de personalidade, que, como tal, se compreende seja limitado, mas nunca excluído.
Por outro lado ainda, a concepção germânica pura levaria lógicamente a uma situação que o sentimento jurídico das sociedades modernas não poderia deixar de considerar um verdadeiro abuso do direito (13). Com efeito, o proprietário, dentro de tal concepção, não só pode impedir que outrem caçe nos seus terrenos, como pode deixar ele próprio de aproveitar a caça aí existente e até destruir os ovos, ninhos e toda a criação, atentando contra uma riqueza pública que importa salvaguardar.
Quer isto dizer que o sistema germânico, na sua pureza, leva a tais extremos, que, se quisermos salvá-lo, teremos de limitá-lo, exigindo que o proprietário só possa considerai-se dono da caça sob certas condições, como sejam as de delimitar a sua propriedade e possibilitar o seu aproveitamento racional no interesse próprio ou de terceiro (14)

(13) «E ilegítimo o exercício do um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito», lê-se no artigo 818 º do projecto definitivo do novo Código Civil.
(14) Assim acontece em Espanha. Há aí a liberdade de caçar ao lado da Faculdade do proprietário reservar, vedar ou coutar os suas terras. Mas, para poder fazê-lo, tem de se conformar com as exigências e requisitos impostos por lei. Não pode actuar arbitrariamente ou se sujeita às imposições legais ou então o seu terreno pode ser utilizado livremente por caçadores estranhos - cf o artigo 9 º da - lei da caça de 10 de Maio de 1902, assim redigido.
Este direito pode exercer se nos terrenos do Estado, dos povos, comunidades civis ou terras da propriedade particular que não estejam vedados.

Por isso, ao contrário do que frequentemente se ouve afirmar, pareça que rigorosamente não vigora em Espanha o sistema germânico (que foi, sem dúvida, o consagrado pela anterior lei da caça de 1879), mas o romanista, embora limitado por uma ampla permissão, conquanto condicionada, de reservas de caça. E tanto assim que, se alguém se apropriar de animal bravio existente em terreno alheio, não comete um furto (cf Nueva Enciclopédia Jurídica, vol III, pp 937 e seguintes).
Muito diferente é o sistema do direito francês «Ninguém tem a faculdade de caçar na propriedade alheia sem consentimento do proprietário ou de seus representantes» (Code Rural, artigo 365). Aqui, sim, vigora o sistema germânico. Note-se, todavia, que, por uma lei recente - Lei n • 64696, do 10 de Julho de 1964 - relativa à organização das associações comunais e intercomunais de caça, os proprietários podem, dadas certas condições (não atingirem os seus terrenos certa área, por exemplo), ser compelidos a entrarem com estes para aquelas associações, adquirindo, em contrapartida, o direito de fazer parte da sociedade comunal. Ora é manifesto que isto não se harmoniza com o carácter meramente privatístico da caça e do direito de propriedade, como, aliás, foi justamente observado pelo Senado (Rapport n º 166, 2 º sessão ordinária de 1961-1962)
A estas sociedades comunais faremos referência, na parte especial, no tratar das reservas concelhias do caça
Mas reconhece-se geralmente ao princípio germânico a grande virtude de poder contribuir eficientemente para a protecção e fomento das espécies

Não há dúvida de que, se o proprietário quiser, ninguém melhor do que ele poderá cuidar da defesa da caça que habitualmente viva na sua propriedade. Se ele tiver estímulo à conservação da caça, ele procurará protegê-la tal como protege e defende os frutos da terra. E essa protecção, levada à escala regional ou nacional, será criadora e fomentadora de uma riqueza que a todos acabará por beneficiar.
 concepção romanista da res nullius, ou da liberdade de caçar, tem o seu favor alguns argumentos de valor.
Antes de mais deve reconhecer-se que a caça, pela sua constante mobilidade, como já se assinalou, não vive, excluindo o caso de propriedades de áreas muito extensas, num só prédio, mas reparte a sua vida por vários, cujo número só arbitráriamente poderá fixar-se (15)
Acresce que o propriedade privada tem o seu fundamento natural no esforço do homem, no suor do seu rosto, aparecendo como o fruto do trabalho, a condensação material dos seus esforços (16)
E a caça apresenta-se praticamente como uma dádiva da natureza, em que não intervém ou em que só raras vezes intervém, e em pequena medido, o esforço humano.
Por outro lado, sabe-se que a propriedade privada desempenha também uma função social, até por imperativo constitucional (17), e pode conceber-se que o Estado queira que ela, em geral, suporte o ónus de criar e alimentar as espécies cinegéticas destinadas à usufruição colectiva.

(15) Assim já não sucede quanto aos terrenos murados ou vedados, ou cercados do água por forma permanente, de tal sorte que os animais bravios não possam entrar nem sair livremente, os quais, assim, podem e devem considerar-se integrados no direito de propriedade dos respectivos terrenos.
(16) Cf o parecer da Câmara Corporativa emitido sobre o projecto de decreto-lei respeitante ao emparcelamento da propriedade rústica (in Pareceres da Câmara Corporativa, VII Legislatura, 1960, vol II, p 35), n º 8.
(17) Cf o artigo 35 º da Constituição Política e os artigos 11 º, 12 º e 13 º do Estatuto do Trabalho Nacional.
Sobre os novos conceitos do direito de propriedade, escreveu-se no já citado parecer da Câmara Corporativa sobre o arrendamento rústico(nº 4)

Não se desconhece que os problemas jurídicos da terra estão sendo objecto em todo o mundo de uma especial atenção por parte dos legisladores. Os conceitos clássicos, individualistas, do direito de propriedade e da autonomia da vontade no domínio contratual, nascidos da filosofia do século XVIII e inspiradores do regime vigente em Portugal do arrendamento rústico, não podem resistir ás grandes modificações económicas e sociais dos tempos modernos. Por toda a parte se anseia pela revisão dessas velhas ideias mestras do direito privado, e entre nós são disso reflexo os trabalhos preparatórios do um novo Código Civil.

O que ontem constituía justo motivo do exaltação do diploma (Código de 1867) - escrevo o prof Antunes Varela -, o espírito profundamente liberal e individualista de que vinha imbuído, converteu-se, nos dias de hoje, em face das renovadoras aspirações da comunidade, numa razão de decrepitude dos textos legislativos que nos regem. Ao direito de cunho individualista e igualitário que Seabra ofereceu ao Governo de 1867 tem hoje de substituir-se um direito de feição eminentemente social, de profunda expressão comunitária.

Esta mesma concepção esteve presente na lei relativa a organização das associações comunais da caça, em França, que referimos na nota 14.

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Depois, pode asseverar-se que o princípio romanista, conquanto limitado em certos períodos, tem a seu favor uma longa tradição entre nós.
Nos primeiros séculos da nacionalidade, a caça não era praticada igualmente por todas as classes, uma vez que os reis e também alguns grandes senhores reservavam para si o privilégio da caça em várias terras ou regiões, sobretudo da caça grossa, pois a caça miúda era geralmente livre.
Mas as reclamações do povo fizeram-se sentir frequentemente nas cortes, quer em razão dos danos que os animais causavam nas suas culturas, quer em razão dos abusos cometidos pelos monteiros, quer porque consideravam a caça como «coisa comum e não estava portanto no senhorio de coisa alguma».
As reclamações do concelho de Lisboa, nas cortes aqui reunidas em 1439, respondeu o monarca.

Praz-nos descoutar os porcos e cervos, e deixamos as perdizes para relevamento de nossos cuidados e enfadamentos (18)

Poderíamos citar outros exemplos como prova da reacção popular e da consciência dos povos quanto ao direito que se arrogavam sobre a caça(19). Mas apenas citaremos as Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes de 1821, que fizeram votar e publicar o Decreto de Fevereiro do mesmo ano pelo qual D. João VI determinou que fossem devassadas e abolidas todas as coutadas em aberto, extinguindo, anos depois, os cargos de monteiro-mor do reino, monteiros-mores e menores, caudeis e todos os demais que constituíam a burocracia venatória da época inerente a coutos de caça(20).
E não muitos anos depois surge o Código Civil de 1867.
E não se ignora que ele proclamou por forma inequívoca o princípio romanista da caça como res nullius.
«É lícito a qualquer apropriar-se, pela ocupação, dos animais e outras coisas que nunca tiveram dono » - diz o artigo 383 º.
«Ë lícito a todos, sem distinção de pessoas, dar caça aos animais bravios » - diz o artigo 384 º.
E todas as leis posteriores sobre caça, desde a Lei n º 15, de 7 de Julho de 1913, até ao vigente Código da Caça de 1934 (21), observaram aquele principio.
Já lá vai um século praticamente, e, se mais não houvesse, como efectivamente há e foi assinalado, o facto só por si bastaria para integrar uma tradição.
Por outro lado, o projecto definitivo do novo Código Civil, já publicado, ao tratar da ocupação (secção II do capítulo II), diz, no artigo 1319º

Podem ser adquiridos por ocupação os animais e outras coisas móveis que nunca tiveram dono.

(18) cf Gama Barros, História da Administração Pública em Portugal, 2 ª edição, vol III, 33
(19) Cortes de Lisboa de 1371, Cortes de Évora do 1481, Cortes do Porto de 1872, Cortes de Lisboa da 1459 (vide Gama Barros, ob cit)
(20) Já anteriormente o Regimento de 21 de Março de 1800 manteve somente as coutadas reais, descontando todos os restantes terrenos s restabelecendo a liberdade de caçar para toda a gente (Cf Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, vol. III, 170).
(21) Decreto-Lei n.º 23460 e Decreto nº 23461, ambos de 17 de Janeiro de 1934. E também os chamados Códigos da Caça de 1980 e 1981, Decretos n º 18743, de 12 de Agosto de 1930, e 20199, do 12 de Agosto de 1981, respectivamente.

E no artigo seguinte - 1319 º -, que tem por epígrafe «Caça e pesca», lê-se

A. ocupação dos animais bravios que se encontram no seu estado de liberdade natural é regulada por legislação especial.

Ora daqui parece dever extrair-se a conclusão de que também o novo Código Civil se mostra fiel ao princípio romanista, tanto mais que em ponto algum inclui a caça entre os poderes de fruição contidos- no direito de propriedade.
Mas é também fora de dúvida que o princípio romanista, aplicado em toda a sua plenitude, levaria à extinção da fauna cinegética.
A inteira liberdade de caçar, em face de uma legião de caçadores que aumenta progressivamente e de uma área com condições de vida para a caça cada vez mais reduzida, equivaleria à destruição total das espécies dentro de poucos anos.
Isto significa que também a concepção da caça como rés nullius não serve nem pode ser aplicada em toda a sua pureza.
Chegamos, assim, à conclusão de que nenhum dos sistemas em presença contém em si a virtualidade de solucionar convenientemente o problema venatório se não lhes introduzirmos desvios e correcções.
Mas se assim é, se temos de eleger um deles, porque na realidade não dispomos de outros, então parece que estará indicado dar preferência ao sistema tradicional (22).
E pensa-se que ele poderá conduzir a resultados satisfatórios se houver a decisão necessária para o corrigir de harmonia com as realidades dos tempos de hoje.
Esta correcção consistirá, sobretudo, além da delimitação de locais em que é proibido caçar, no estabelecimento de um sistema de reservas de caça suficientemente amplo e equilibrado, que não tolha em medida incomportável os direitos dos caçadores de limitado poder económico, mas que seja meio eficaz de protecção e desenvolvimento das espécies, em primeiro lugar, que proporcione depois uma maior rendabilidade das terras, especialmente daquelas que não têm ou têm reduzida aptidão para a exploração agrícola ou florestal, e que satisfaça finalmente as necessidades de um turismo rico e exigente, como é o turismo venatório.
Eis o caminho que se nos afigura mais prudente e aconselhável.
Evitar-se-á deste modo a transição brusca de um sistema para outro, através de uma revolução jurídica que não deixaria de ter os seus graves reflexos de ordem social (23).

(22) Além de Portugal costuma apontar-se, na Europa, somente a Itália como seguindo este sistema Parece, todavia, que a Espanha também o segue, embora com mais limitações em favor dos proprietários, como atrás se disse. Segue-o igualmente o Brasil e algumas outras nações da América do Sul. O sistema germânico nem sempre se mostra eficaz. Assim, em França, onde la plus grande partie du territoire français est un désert cynegétique (citado rapport do Senado francês sobre o projecto de lei relativo à organização das associações comunais e intercomunais de caça, p. 8).
(23) Terão cabimento aqui, em certa medida e som as devidas adaptações, as considerações feitas no já aludido parecer da Câmara Corporativa sobre o arrendamento da propriedade rústica (p 361).

É preciso não esquecer que a ciência do direito não é simplesmente uma ciência de conceitos e de abstracções - a doutrina jurídica -, nem simplesmente uma arte de interpretar as leis. O direito é também um ramo de sócio.

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220 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 37

Deve esclarecer-se, todavia, que a Câmara teve as maiores hesitações em aderir a este ponto de vista (sistema romanista), que só por maioria de votos conseguiu vingar.

&4.º reservas de caça.
Sua Justificação e sua função

8. Já no parágrafo anterior fizemos uma referência às reservas de caça. Todavia, a sua importância justifica que algo mais se diga acerca delas.
A sua legitimidade é contestada por alguns com a alegação de que constituem privilégios ou regalias que, se tinham explicação na época feudal, devem hoje ser proscritos da legislação, pois que contrariam o princípio de que a caça constitui res nullius, a todos devendo ser, pois, concedido o direito de caçar livremente.
Os que assim falam laboram, contudo, em manifesto equívoco.
Em primeiro lugar, por toda a parte se reconhece que a inteira liberdade de caçar conduziria ao extermínio das espécies (24). Se, por exemplo, entre nós, ainda abunda a caça em certas regiões do Alentejo, isso deve-se certamente às reservas de caça aí existentes.
Em segundo lugar, porque as reservas de caça hoje admitidas e admissíveis não se confundem com as antigas coutadas dos reis e dos grandes senhores.
Elas eram então um mero privilégio, sem nenhuma finalidade de protecção, defesa e repovoamento das espécies.
Esta finalidade é justamente o que justifica hoje as reservas de caça.
Estas existem por concessão do Estado, o qual, ao autorizá-las, não se move pelo interesse particular do concessionário, mas em atenção ao interesse público da conservação e fomento da caça.
De resto, a concessão, como se vê atrás do projecto de proposta de lei em apreciação, é acompanhada de obrigações e ónus que, se não forem cumpridos, dão lugar á sua revogação ou à aplicação de uma sanção de natureza pecuniária.
A concessão de uma reserva de caça tem um carácter essencialmente público depende de um acto de vontade do Estado.
O concessionário, por isso, deve exercer o seu direito de harmonia com as normas e as directrizes impostas pela administração pública.

logia que estuda, qualifica e aprecia os fenómenos jurídicos e suas repercussões sociais em qualquer domínio, seja ele o económico, o político ou o moral.
Trata-se, portanto, de um estudo em que não podem deixar de intervir os juristas, porque estão em causa precisamente problemas políticos e morais, e não simplesmente económicos. Há que chegar, pois, ao ponto do equilíbrio e de justiça social, fixar a meta conveniente na evolução natural dos institutos que, como o da propriedade privada, marcam uma civilização que se não pretende abolir.

(24) Assim se entende em Itália
seguendo la (...) doi liberi cacciatori, si giunqerebbe alla completa, distruzione della selvaqgina, (...) ad un resultato contrario al desiderio degli antireservisti (cf Francesco Gigolini, (...) diritto di caccia, 437).

O mesmo se reconhece em França (citado relatório do Senado francês sobre reservas comunais de caça).

La chasse banale français, a caractere extrêmement democratique, est unique au monde. On la pratique gratuitemente (sans location du territoire, avec l'accord tacite des propriétaires). Elle laisse la plus grande place à la liberte, a la fantaisie, à l`évasion, c'est la chasse devant soi, la vraie chasse comme la concevaient nos arciens. mais parce qu'elle a été appliquée sans ordre, sans discipline, sans organisation, elle est vide de gibier et la plus grande partie du territoire français est un désert cynégétique.

Assim, o concessionário não poderá, segundo o seu livre arbítrio, baseado nos seus puros interesses pessoais, como se se tratasse de uma concessão de carácter privado, providenciar sobre o funcionamento da reserva, mas deverá cuidar da protecção e favorecer a multiplicação das espécies e ainda tomar providências quanto à fiscalização, através de um certo número de guardas de caça a fixar no documento de concessão, sob pena de esta poder ser revogada.
Quer dizer o Estado, após a concessão, não se desinteressa do funcionamento da reserva, mas vigia-o e controla-o .
Do que fica exposto, vê-se que a concessão cria entre o Estado concedente e o concessionário uma relação de natureza pública, e não de índole privatística. Tal característica deve ser salientada com o devido relevo, porque é convicção muito difundida a de que a reserva é um instituto de direito privado criado no exclusivo interesse do concessionário (25).
O concessionário fica numa posição de subordinação em relação à administração, que explica o poder de fiscalização das entidades públicas, que podem, inclusivamente, aplicar sanções e revogar a concessão.
O concessionáno não poderá limitar-se a uma conduta puramente passiva, usufruindo a caça que se reproduz naturalmente, sem peso e medida, mas deverá ser activo e vigilante, desenvolvendo as espécies, qualitativa e quantitativamente Não - deverá esquecer que a concessão não lhe é atribuída para satisfazer exclusivamente a sua paixão venatória, com exclusão de todos os outros caçadores dos seus terrenos, ou somente para proteger a cultura e os produtos agrícolas, mas para que providencie, com critérios técnicos e meios económicos, no sentido de aumentar as espécies, por forma que estas irradiem para os terrenos livres e constituam um viveiro de que possam beneficiar outras zonas carecidas de caça(26).
Resta apenas acentuar que o direito que o concessionário adquire através da concessão não é um direito de propriedade ou um direito real sobre as espécies de caça existentes no seu prédio, mas tão-só o direito de excluir outros de caçar dentro dele. Deste modo, quem violar esse direito, caçando dentro da reserva, e se apropriar de algum animal bravio, não comete um crime de furto, mas somente uma contravenção.
E o concessionário apenas adquirirá a propriedade dos animais da sua reserva por um acto efectivo de ocupação, tal como se se tratasse de qualquer outro caçador.
Estas as considerações que neste lugar havia a fazer com o fim de apontar a função das reservas de caça nos tempos actuais e a sua justificação em face do proclamado principio da liberdade de caçar (27).

& 5.º Ideias dominantes e estrutura geral dos projectos de diploma em estudo. Sua apreciação

9. A ideia fundamental que domina cada um dos dois projectos de diploma em causa é a da protecção e desenvolvimento do património cinegético nacional, propósito que, só por si, dignifica qualquer deles.

(25) F Gigolini, ob cit, 440
(26) F Gigolini, ob cit , 446
(27) O problema das reservas do coca apresenta vários aspectos delicados, aos quais teremos ocasião de nos referir adiante quando os abordarmos a propósito do exame na especialidade. Assim, o problema das áreas máxima e mínima de cada reserva, o problema da área de cada concelho destinada a reservas de caça, o problema do arrendamento das reservas, etc.

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Divergem, todavia, no ponto de partida Com efeito, enquanto o projecto governamental parte do princípio tradicional da rés nullius, o projecto parlamentar parte do princípio germânico.
Quer um, quer outro, porém, não adoptam o princípio eleito em toda a sua rigidez.
O projecto do Governo introduz no sistema romanista várias correcções, já proibindo o exercício da caça em alguns locais, em nome da defesa da propriedade e da segurança das pessoas e de certas actividades, já, sobretudo, admitindo as reservas de caça, através das quais fica interdita a caça à generalidade dos caçadores dentro dos limites dos respectivos terrenos.
O projecto parlamentar, por sua vez, avisadamente, também não atribui indiscriminadamente a propriedade da caça aos donos das tetras, mas somente aqueles que, em prédios de área superior a 50 lia, mostrem ter providenciado no sentido da protecção e fomento das espécies cinegéticas, através de repovoamento, do combate aos animais daninhos e de eficiente fiscalização
Dentro desta orientação, todas as outras terras -as de área inferior, sem valor, de per si, como terrenos de caça, ou de área superior, mas não utilizadas devidamente pelos seus donos - restarão livres pura o exercício da caça. E, como é de esperar que em muitos casos assim aconteça, por desinteresse ou inércia dos proprietários, teríamos largas zonas do País onde seria livre o direito de caçar.
Mas se é realmente assim, então nós poderemos chegar a resultados idênticos sem abandonar o sistema tradicional bastará que se institua um regime de reservas de caça suficientemente amplo e equilibrado, por forma que possa satisfazer-se o desejo e o interesse legítimos de todos os que na realidade estão dispostos a reservar ou coutar os seus terrenos.
10. Há, contudo um outro aspecto em que o projecto parlamentar leva vantagem sobre o projecto de proposta de lei justamente aquele em que aponta a caça como importante factor de valorização das terras ingratas, insusceptíveis de cultura rendável.
À importância da caça sob este aspecto económico já aludimos no § 2 º Restará tê-lo presente para na altura própria, quando se tratar das preferências, a observar na concessão das reservas, lhe dar o devido relevo.
Já quanto ao aspecto da projecção da caça no plano turístico os dois projectos se equivalem em intenções.
E o mesmo poderá dizer-se quanto a preocupação do repovoamento, bem como a de reclamar sanções mais pesadas e mais adequadas para as infracções à disciplina da caça.
11. Tudo ponderado, a Câmara Corporativa dá a sua aprovação na generalidade aos dois projectos, atentas a sua oportunidade e louvável intenção de resolver os prementes problemas da caça. Na especialidade, porém, como adiante se verá, a preferência da Câmara vai mais para o projecto do Governo, não apenas porque ele se integra dentro do princípio tradicional da liberdade de caçar, que se entende dever manter, com as adequadas limitações, mas também porque o projecto parlamentar, dada a estrutura que apresenta, não dispensaria a publicação, para além da lei em que porventura viesse a transformar-se, de uma outra lei para fixar princípios sobre matérias fundamentais que nele não são contempladas, ou então remetê-las, para um simples regulamento, o que não se afigura aconselhável.
Diversamente, o projecto de proposta de lei apresenta-se com uma estruturação aproveitável em grande parte, sem prejuízo de se lhe introduzirem alterações que outros pontos de vista e outras reflexões aconselham.
Mas seria acto de menos justiça não reconhecer aqui os méritos da iniciativa do projecto de lei nem prestar a devida homenagem ao seu autor.

II

Exame na especialidade

A) Do projecto do proposta do lei

§ 1.º Exercício da cuca

1) Conceito de caça

12. É inteiramente compreensível que numa lei sobre caça se queira dar antes de mais uma noção de caça.
Assim se procedeu de resto na lei sobre pesca - Lei n º 2097, de 6 de Junho de 1959 - em cuja base II se define o que deve entender-se por pesca. (28)
Caça, em sentido geral, compreende não só a acção de coçar como também os animais bravios a que esta acção se dirige, antes e depois do caçados, os quais constituem o seu objecto. (29)
E no primeiro sentido que a caça é tomada quando se pretende definir esta juridicamente.
A base I do projecto em apreciação contém, no n.º l, a seguinte noção "Caça é a ocupação ou apreensão de animais bravios que se encontram no estado de liberdade natural e que não vivem habitualmente sob as águas"
Esta definição afigura-se correcta e corresponde fundamentalmente à que se contém no Código Civil vigente (artigos 383 º e 884 º) e no projecto definitivo do novo Código Civil, cujas disposições já foram transcritas neste parecer (n.º 7) (30)
Juridicamente, a caça é um acto de ocupação de uma coisa que não pertence a ninguém (rcs nullius) Por isso, não podem ser objecto de caça os animais domésticos nem os selvagens que tenham sido anteriormente capturados e reduzidos a propriedade privada (31)

(28) para os efeitos desta lei, considera-se pesca não só a captura de peixes e outras espécies aquícolas, mas também a prática de quaisquer actos conducentes ao mesmo fim, quando realizados nas águas referidas na base antecedente ou nas margens delas, (n º l da base II)
(29) Na língua francesa há duas palavras distintas para expressar estes diversos sentidos gibier (espécies cinegéticas) e chasse (acção de caçar)
Em Itália a palavra caccia exprimo os dois sentidos, mas em relação aos animais bravios usa-se geralmente a palavra sclvaggina.
Paralelamente a este duplo sentido, a caça apresenta aspectos que reclamam, a disciplina de duas ordens de normas jurídicas de direito privado e de direito publico.
São de direito privado as normas que disciplinam as relações entre o direito de caçar e o direito de propriedade, que atribuem a propriedade de caça, etc.
São de direito público as normas que estabelecem restrições ao direito de caçar, quer no interesse da propriedade, quer no interesse da segurança e tranquilidade das pessoas, quer no interesse da conservação da caça, sorno aquelas que qualificam e punem as infracções à disciplina da caça, as que estabelecem o fixam taxas pela actividade venatòria, etc.
(30) É também o conceito, da autoria do Prof. Pires de Lima, que se lê na recente Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, vol IV, p 352 "Apreensão de animais bravios que vivem em liberdade natural"
(31) Entende-se {por animais selvagens "Omnia igitur animalia quac terra, mari, coelo capiuntur id est ferae bestrae et volucres, pisces caprentrum funt" (Digesto).

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Nem todos os animais bravios que vivem em liberdade natural constituem objecto de caça, pois há que ressalvar os peixes e outras espécies aquícolas que constituem objecto da pesca.
Por isso, Cunha Gonçalves usa a expressão animais bravios terrestres (32), o que, porém, pode ter o inconveniente de levar a excluir algumas espécies cinegéticas - as chamadas espécies aquáticos Deste modo, parece mais apropriada a expressão utilizada no projecto - "e que não vivem habitualmente sob as águas"
Às espécies cinegéticas podem dividir-se em dois grandes grupos caça menor e caça maior.
O primeiro grupo é constituído por todas as espécies aladas (perdiz, codorniz, narceja, patos, tarambolas, pombos, rolas, abibes, abetardas, cisões, galos selvagens, etc ) e espécies de pêlo (coelho e lebre), pertencem ao segundo grupo os animais de porte médio e mesmo de grande porte, como a cabra selvagem, o veado, o urso, o alce, a camurça, o corso, o javali, etc. Numa posição intermédia situam-se os animais designados depredadores (raposa, texugo, saca-rabo, ginete, gato selvagem, lontra, tourão, fuinha, marta, etc)
Há ainda a chamada caça grossa, designação reservada aos grandes herbívoros e carnívoros dos continentes africano e asiático, cuja perseguição e abate implicam riscos especiais (elefante, búfalo, rinoceronte, leão, leopardo, etc ) (33)
Vulgarmente também se designa a caça menor por caça miúda e toda a outra por caça grossa.
13. O n º 2 da base em apreciação define o exercício da caça como sendo toda a actividade que tenha por fim a apreensão dos animais bravios, e, seguidamente, enumera a título exemplificativo os actos de caça esperar, procurar, perseguir, apanhar ou matar esses animais.
Esta enumeração é a que consta do regulamento do actual Código da Caça (artigo lº do Decreto n º 23 461), tendo-se acrescentado, e bem, o acto de esperar (34)
Em resumo a base i do projecto é de aceitar inteiramente, com pequenas alterações de redacção.
Somente se propõe a eliminação da palavra ocupação na redacção do n. º l, não porque esteja deslocada, mas porque pode ferir a sensibilidade dos que não têm formação jurídica (ocupar um coelho,_ ocupar uma perdiz ) e são esses sem dúvida os que constituem n maioria esmagadora daqueles a quem a lei da caça se destina.
Mas já na base IV, ao tratar da apropriação ou da aquisição do direito de propriedade sobre o animal, terá de empregar-se tal expressão em virtude de, juridicamente, não poder ser substituída por outra

2) Restrições ao exercício da caça

14. Compreende-se que o exercício da caça sofra limitações no sentido de salvaguardar certos interesses que aquele exercício pode atingir.
Essas limitações ou restrições terão em vista ou conciliar o direito de propriedade e de liberdade privada com

(32) Tratado de Direito Civil, vol III, p. 167
(33) Cf Enciclopédia. luso-brasileira de Cultura, vol. IV, pp 349 o 850
Quanto à caça, maior e à caça grossa, clubes e associações internacionais de caçadores desportivos consideram tabelas de pontuação para a classificação dos trofeus das peças abatidas, uma vez que na caça desportiva não interessa considerar o valor da carne, mas unicamente o tamanho das presas ou dos hastes, ou mesma a corpulência dos animais.
(34) Esta definição do exercício venatório importa para o efeito de saber se se justifica a consagração expressa da punição do delito tentado ou frustrado, ponto a que adiante, na parto penal, se fará referencio.

o direito de_ caça, ou evitar o extermínio das espécies em geral ou de determinadas espécies em particular, ou favorecer o fomento da caça, ou tutelar a segurança das pessoas, ou proteger obras ou actividades de interesse público, etc.
Por isso, se justifica a base II, nos termos genéricos em que se encontra formulada

3) Noção de caçador. Caça desportiva e caça com fim lucrativo

15. A base m (n º 1) dá-nos a seguinte noção de caçadores.
Os indivíduos que, por qualquer dos processos permitidos, praticam actos de caça
Todavia, é manifesto que o facto de um caçador caçar por processo proibido não lhe retira a qualidade de caçador, sujeitando-o somente a responsabilidade penal (35).
Será, todavia, indispensável ou útil definir na lei o que deve entender-se por caçador?
A Câmara propende para a resposta negativa, muito embora se reconheça que á categoria de "caçador" andam ligados certos direitos ou regalias. Sem dúvida mais importante e até indispensável será indicar quem pode ser titular do direito de caça e os requisitos que deve reunir para o exercer, matéria a que adiante se fará referência (n - 22 a 24)

16. Esta base (assim como todo o projecto) é omissa quanto à classificação dos caçadores em desportivos e profissionais (36).
Poderá discutir-se se se deverá pensar em preencher essa lacuna, não certamente, para valorizar o caçador "profissional", mas para o caracterizar devidamente a fim de o sujeitar a um regime de desfavor.
Com efeito, o caçador "profissional" não pode hoje justificar-se razoavelmente no nosso continente e ilhas como noutros tempos em que abundava a caça.
Ele é, na realidade, um dos grandes factores do desaparecimento das espécies cinegéticas.
Trata-se de indivíduos com óptima pontaria e que todos os dias, quer chova, quer faça sol, saem para o terreno da caça, abatendo elevado número de peças, movidos por fim lucrativo. Não exercem um desporto, mas uma indústria Abatem e destruem caça indispensável ao recreio e exercício dos que realmente buscam o desporto cinegético.
Acresce que não á compreensível uma actividade profissional limitada a cerca de trás meses pôr ano. Que farão eles nos restantes nove meses? Muitos entregar-se-ão à ociosidade, outros continuarão a abater caça criminosamente

Em nome, pois, do interesse geral, compreende-se que se seja levado a criar dificuldades ao caçador "profissional", procurando limitar o seu número e, sobretudo, impedir novas "vocações" de profissionalismo venatório. De resto, ele tem possibilidade de vir a ser aproveitado,

(35) A definição de caçador contida no § lº do artigo l º do Decreto n.º 23461 não tem qualquer interesse. Diz-se aí.

Caçador é todo o indivíduo que, munido ou não do arma de fogo, acompanhado ou não de cães, se dedique ao exercício da caça.

Abrange tanto o caçador legal como o negai, não os distinguindo.

(36) A Lei da Pesca distingue entre pesca desportiva e profissional.
À pesca é desportiva quando praticada como distracção ou exercício, e profissional quando praticada com fim lucrativo (n º 2º da base II da Lei n º 2097)

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dados os seus conhecimentos especializados sobre caça, para guarda e guia de caça, como sucede noutros países, obtendo emprego permanente e de harmonia com as suas preferências e habilitações (37)
A distinção entre caçadores desportivos e "profissionais" não parece difícil. Os primeiros praticam a caça por recreio ou exercício, os segundos são os que a ela se dedicam regularmente com fim predominantemente lucrativo.
À regularidade do exercício da caça conjugada com o propósito lucrativo caracterizam o caçador "profissional"
Assim, não pode considerar-se "profissional" o caçador que só aos domingos vai à caça e vende depois, em regra, a caça abatida, nem aquele outro que todos ou quase todos os dias caça, mas não vende as peças que abate.
Sobre este problema, porém, a Gamara entendeu, por maioria, que não se justifica a consagração na lei da modalidade de caçador "profissional", com o fundamento de que isso equivalem a conceder-lhe uma dignidade que não tem, muito embora se aceite que nos lugares próprios se cuide de criar restrições a tal género de caça, devendo, no entanto, procurar-se evitar o emprego da expressão ."profissional"

17. O n º 2 da base em apreciação refere-se aos auxiliares dos caçadores.
Parece justificar-se aludir neste lugar aos cães, que prestam igualmente excelente auxílio ao caçador, e são até por vezes o seu único companheiro, tanto mais quanto é certo que em parte alguma do projecto se lhes faz qualquer referência

A previsão desta matéria na própria lei tem a sua razão de ser no facto de a utilização dos auxiliares de caça e dos cães contender com o direito de propriedade dos terrenos em que se exerce a caça.

18. De harmonia com o exposto, propõe-se para a base III a seguinte redacção

Os caçadores podem ser ajudados por auxiliares, com a função do procurar, perseguir e levantar caça (batedores), ou de transportar mantimentos, munições ou a caça abatida, e bem assim fazer-se acompanhar de cães.

4) Apropriação da caça

19. A base IV procura fixar o momento e a forma por que o caçador adquire a propriedade da caça, exprimindo-se nestes termos.
O caçador apropria-se do animal pelo facto da apreensão, mas adquiro direito a ele logo que o ferir, mantendo esse direito enquanto for em sua perseguição.
Trata-se de redacção quase idêntica à do corpo do artigo 388 º do Código Civil e parece de aceitar.
Simplesmente, reputa-se conveniente falar expressamente em ocupação, dizendo que o caçador se apropria do animal pela sua ocupação, pois que juridicamente é esta a forma de aquisição da propriedade das coisas que constituem rcs nullius, como é o caso da caça(38).

(37) O regime do desfavor a impor-lhes resumir-se-á fundamentalmente na exigência de uma licença espacial, de taxa mau elevada, e na possibilidade de se limitar o seu número por concelho, de harmonia com as necessidades concretas.
(38) Sabe-se que há dois modos de aquisição da propriedade aquisição originária e aquisição derivada
A diferença entre elas esta em que na primeira, contrariamente, ao que sucede na segunda, nenhuma relação pessoal existe entre o adquirente da coisa e a pessoa que anteriormente era titular dela.
A ocupação representa uma forma de aquisição originaria, porquanto a coisa- ingressa directamente no património do ocupante, independentemente de qualquer acto de transmissão de terceiro (cf Professores Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, vol. n, p 52, 5ª edição) (29) Tratado, vol. III, p 181

É velha a questão de saber se para a ocupação da caça é necessária a sua morte sou basta que seja ferida e, neste caso, se a fenda deve ser grave ou leve.
No direito romano justinianeu prevalecia o critério da ferida grave, por tal forma que o animal não pudesse fugir já u captura do perseguidor
O nosso direito actual (Código Civil e Código da Caça), assim como o projecto em apreciação, não tomam posição expressa quanto a esta questão
Parece, todavia, de preferir o critério justinianeu.
Cunha Gonçalves, referindo Planiol e Ripert e Stolfi, escreve a propósito.
É preciso que a fenda seja mortal ou que o animal esteja tão cansado que a sua captura seja iminente e certa. Se o animal, levemente ferido e perseguido pelos cães do caçador, for morto por outro, ou abocado pelos seus cães, pois nada há que lho proíba, pertencerá a este último, pois a ocupação ou apreensão efectiva deverá prevalecer sobre a apreensão esboçada (39)
E de reconhecer, contudo, a dificuldade que por vezes na prática existirá em determinar se o ferimento é ou não grave e, consequentemente, se o animal fugirá ou não ao seu perseguidor Pensa-se que a solução de tais casos necessitai á da compreensão e da nobreza de espírito dos caçadores em presença, que a paixão venatória em tais momentos nem sempre deixa aflorar.
20. As .matérias dos nº 2, 3 e 4 da base IV são praticamente a reprodução do que se encontra no direito vigente.
Parece que no n º 3 deverá contemplar-se a hipótese de o animal morto cair em terreno onde o direito de caçar não seja livre (tal como se prevê na segunda parte do artigo 389.º do Código Civil, reproduzido no artigo 6 º do Decreto-Lei n º 23 460)
A entrega ao caçador do animal nos termos do n º 4 nem sempre será possível, por razões óbvias, pelo que se afigura conveniente ressalvar os casos de impossibilidade.

1. Pelo exposto, a base IV ficaria assim redigida.

l O caçador apropria-se do animal pelo facto da sua ocupação ou apreensão, mau adquire direito a cie logo que o ferir, mantendo esse direito enquanto for em sua perseguição.
2 Considera-se ocupado ou apreendido o animal que for morto pelo caçador ou apanhado pelos seus cães ou avos de presa durante o acto venatório ou que for retido nas suas artes de caça
3 Se o caçador matar ou ferir animal que cana ou se refugie em terreno onde o direito de caçar não seja livre, não poderá entrar nele sem automação do respectivo dono, ou de quem o representar
4 No caso de a automação ser negada, serão estes obrigados a entregar o animal ao caçador no estado em que se encontrar, sempre que tal seja possível.

5) Titulares do direito de caça. Requisitos para o exercício deste direito

22. A base V indica quem pode exercer a caça e quais os requisitos que para tal deve revestir Por outras pa-

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lavras diz-nos quem pode ser titular do direito de caça e quem tem capacidade para a exercer.
Titular do direito de caça só podem ser as pessoas físicas, independentemente do sexo, estado civil ou religião, profissão ou nacionalidade.
Mas nem a todos os indivíduos é reconhecida capacidade para exercer tal direito, o que se compreende, dados os riscos que o seu exercício normalmente importa.
Por isso, as leis costumam impor limitações, exigindo a verificação de certos requisitos.
É o que faz justamente a base em apreciação, depois de atribuir a todos os indivíduos, em abstracto, a susceptibilidade de caçar.
De todos os requisitos referidos nesta base, verdadeiramente merece reparo o da alínea a) «Serem maiores de 14 anos»
Neste aspecto, o projecto de proposta de lei em nada inovou em relação ao que se dispõe no artigo l º, § l º, do Decreto-Lei n º 23 460, uma vez que também este consente a caca aos menores com mais de 14 anos, inclusivamente com arma de fogo, desde que os seus representantes legais obtenham, em favor deles, licença de uso e porte de arma de caça (40)
Apesar de tudo, parece que não é razoável permitir a indivíduos com tal idade o exercício da caça com arma de fogo, que constitui uma actividade altamente perigosa
Não pode prescindir-se de um certo grau de maturidade de espírito que naturalmente ainda não existe nos menores em causa.
Á idade limite para caçar com arma de fogo parece não dever ser inferior à dos 16 anos.
E, de resto, esta a idade que indicia, no nosso direito criminal, a imputabilidade penal, ou seja, o conjunto de qualidades pessoais que são necessárias para ser possível a censura ao agente por ele não ter agido de outra maneira (41)
Também na França («Code Rural», artigo 368 º) e na Itália (artigo 44 º, T U de 18 de Junho de 1031, n " 173 da Lei de Segurança Pública) a idade mínima para coçar com arma de fogo são os 16 anos, e em Espanha 15 anos (artigo 5 º do Regulamento da Lei de Caça de 3 de Julho de 1903) (42) Em Inglaterra os menores de 17 anos também não podem utilizar armas de fogo («Firearms Àcts» 1937 e 1965)
For outro lado, tratando-se de caça sem arma de fogo, parece não haver inconveniente em baixar o limite de idade para os 12 unos, permitindo certas modalidades de caça compatíveis com essa idade (caça a lebre a cavalo, por exemplo)

(40) Os menores com mais de 14 anos podem obter licença de uso e porte da arma do caça quando os respectivos requerimentos sejam subscritos pelos seus pais ou tutores (artigo 57 º, § 2 º, do Decreto-Lei 37 313, de 21 de Fevereiro do 1949)
(41) Cf Prof E Correia, Direito Criminal, vol. I, p 331

Os menores do 16 anos estilo sujeitos à jurisdição doa tribuna» do menores e, em. relação a cies, só podem ser tomadas medidas de assistência, educação ou correcção previstas na legislação especial (artigo 109 º do Código Penal)
O projecto da parto geral do novo Código Penal mantém a orientação da inimputabilidade para os menores de 16 anos (artigo 15º)

Veja-se também o artigo 1Í7 º da Organização Tutelar de Menores (Decreto-Lei n.º 44 288, de 20 de Abril de 1962).
(42) A proibição de caçar com arma de fogo aos indivíduos com menos de 16 e com mais de 14 anos inutilizará a faculdade de obtenção de licença de uso e porte de arma de caça prevista no artigo 57º, § 2º, do já citado Decreto-Lei n.º 87 318
(43) E destes excluir-se-ão os de menor gravidade.

Relativamente ao seguro obrigatório para os menores, a Câmara entende que ele se justifica sempre quanto à menoridade dos 21 anos, independentemente da emancipação, e que a importância do mesmo não deve ser inferior a 200 000$

Propõe-se, assim, paru a base V a redacção seguinte

1 Só é lícito caçar a quem reúna ou seguintes requisitos.
a) Sor maior de 16 anos, ou maior de 18 desde que não utilize armas de fogo,
b) Não ser portador de anomalia -psíquica ou de deficiência orgânica ou (...) que torne perigoso o exercício dos actos venatórios,
c) Não estar sujeito a proibição do mesmo exercício por disposição legal ou decisão judiciai.
2 Os menores de 21 anos só podem excrescer a caça com utilização de armas de fogo desde que seja garantida, mediante seguro e por importância não inferior a 200 000$, a indemnização pelos danos que venham a causar.
3 A proibição do exercício da caça por anomalia psíquica ou deficiência orgânica ou fisiológica será limitada ao emprego de armas de fogo quando ao mesmo estiver especialmente ligado o perigo a evitar.

23. O n.º 4 da base em apreciação prevê a dispensa da carta de caçador e das licenças para caçar em certos casos.
Todavia, como se entende que deverão colocar-se numa secção autónoma as matérias respeitantes àquelas carta e licenças, o preceituado neste número deverá ir para essa secção.
24. A base V prevê certos requisitos, uns positivos, outros negativos, para o exercício da caça.
Não prevê, todavia, o caso de ter havido condenação por crimes de natureza tal que devam excluir o direito de caçar ou a aplicação de medidas de segurança em face de uma personalidade anómala incompatível com o exercício desse direito.
Aqui referir-se-ão principalmente os crimes que estão mais em ligação com a propriedade (42) - é sobre a propriedade do solo que a caça se exerce -, mas vários outros devem certamente impedir os seus autores de caçar, constituindo obstáculo à concessão da licença de uso e porte de arma de caça
Nestes termos, propõe-se a seguinte base (base vi)
1 Não pode exercer a caça o que tenha sido condenado ou ao qual tenha sido aplicada medida do segurança.
a) Por crime doloso contra a propriedade em pena de prisão superior a seis meses, a saber furto, roubo, fogo posto e dano,
b) Por crime de associação de malfeitores ou por crime cometido por associação de malfeitores, quadrilha ou bando organizado,
c) Por delinquência habitual e delinquência por tendência, vadiagem e mendicidade;
d) Por alcoolismo habitual e por abuso de estupefacientes

2 Poderá sor levantada a proibição prevista no número anterior quando tiverem decorrido cinco anos sobre o cumprimento ou extinção da pena ou da medida de segurança, e cessará sempre que tenha sido obtida a reabilitação judicial.

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6) Carta de caçador e licenças

25. O projecto de proposta de lei contém um capítulo autónomo (capítulo vi) em que trata «Das licenças»
Parece que estas, na medida em que condicionam o exercício do direito de caçar, devem ser tratadas ainda dentro do capítulo relativo ao exercício da caça, logo a seguir à definição de caça e da indicação dos titulares do dai eito de caça
E, dada a sua correlação com a carta de caçador, as licenças deverão formar com esta uma só secção (secção III)
26. A corta de caçador está devidamente caracterizada na base VI do projecto.
Constitui uma inovação de aplaudir, e há muito que vinha sendo sugerida nos meios venatórios.
É o documento de identificação do caçador e do registo da sua conduta venatória. É através dele que um indivíduo entra no mundo venatório Constitui pressuposto indispensável para o exercício da caça, visto que sem ele não poderá obter a licença de caça.
Servirá de controle e também de estímulo para o caçador no sentido de procurar não o manchar com infracções à disciplina da caça.
Como documento de identificação do caçador, compreende-se que dele deva constar que o caçador pratica a caça com fim lucrativo, quando for caso disso.
Em face dessa menção, não poderá ser-lhe concedida outra licença de caça que não seja a licença de caça com fim lucrativo.
À base em apreciação determina que compete às comissões venatórias regionais ou distritais a passagem das cartas e o lançamento dos respectivos averbamentos
Cuida-se, porém, que é matéria que deverá ir para regulamento.
Pensa-se também que terá o maior interesse que a carta de caçador contenha uma ou mais folhas anexas em que resumidamente se especifiquem as principais obrigações do caçador, quer no aspecto do respeito pela propriedade alheia, quer no aspecto do respeito pela própria caça, com indicação das sanções para a sua inobservância, já que é de prever que grande parte ou mesmo a maioria dos caçadores não adquiram a nova lei. E não ó possível uma educação venatória -que muito importa promover - com desconhecimento da própria lei da caça, ao menos na parte que refere aquelas obrigações.
De harmonia com o exposto, propõe-se que as bases VII e VIII fiquem assim redigidas.

BASE VII

1 Os indivíduos a quem ê lícito caçar nos termos das bases V e VI só poderão jazê-lo só forem titulares de carta de caçador e estiverem munidos das licenças legalmente exigidas, consoante as circunstâncias.
2. Pela concessão da cario, e das licenças referidas no número anterior são devidas taxas, estando isentas de emolumentos e dispensadas de registo em qualquer serviço diferente daquele que as concede.

BASE VII

l A carta de caçador destina-se a identificar o caçador e a registar o seu comportamento venatório, dela devendo constar as infracções praticadas no exercido da caça e outras ocorrências respeitantes à sua actividade venatória.

2. Se o caçador se dedicar à prática da caça com fim lucrativo, por conta própria ou alheia, será o facto averbado na respectiva carta de caçador.

27. O exercício do direito de caça não pode ter lugar sem que o seu titular tenha obtido a competente autorização administrativa, isto é, a licença de caça.
Compreende-se a necessidade desta autorização. Por um lado, a caça é uma actividade perigosa para os pessoas e até para os bens, e, por isso, não poderá autorizar-se que ela seja praticada por quem não reúna condições de idoneidade, por outro, a caça permite ao caçador apropriar-se de uma riqueza pública, e, por isso, é justo que, em contrapartida, ele pague uma taxa ao Estado, a qual, reverterá, na sua maior parte, em benefício da conservação e fomento dessa riqueza.
A base XXXVI do projecto prevê várias modalidades de licença de caça - precisamente quatro licença geral de caça, licença regional de caça, licença concelhia de caça e licença d.e caça sem espingarda.
Desde há muito se defende nos meios venatórios a instituição de mais que uma modalidade de licença de caça, com vista a proporcionar aos caçadores de modestos recursos económicos -que não saem em regra da área do seu concelho - uma licença mais barata, e a exigir aos caçadores com melhores meios de fortuna uma licença mais cara, já que eles terão possibilidades de caçar em várias regiões do País e, nessa medida, de usufruir maiores benefícios da prática venatória.
Isto afigura-se lógico e justo.
Por isso, se tem defendido a criação de duas licenças, a licença geral de caça e a licença concelhia de caça.
O projecto prevê ainda a licença regional de caça, válida na área da região venatória para que for emitida.
Mas, em certos meios, só se reclamam e consideram úteis as licenças geral e concelhia de caça (Não está em causa a licença de caça sem espingarda) Neste sentido são o projecto de lei de iniciativa do Sr Deputado Artur Águedo de Oliveira (n º 7 do articulado) , um projecto de sugestão ao Governo de altera-rações à lei da caça emanado da Câmara Corporativa (do Digno Procurador Dr. João Mana Bravo), o projecto de parecer da mesma Câmara que recaiu sobre esse projecto de sugestão, um anteprojecto de alterações a lei da caça emanado da Secretaria de Estado da Agricultura (1959), elaborado de acordo com as comissões venatórias regionais, O Problema Venatório Português, p 245, do Dr. Freitas Cruz, e Caça, p 113, do Dr. João Mana Bravo, etc (44)
No entanto, a Câmara entende que deve manter-se a licença regional de caça como consta do projecto da proposta de lei.
E quanto a licença concelhia, é de parecer que ela só possa ser concedida aos caçadores que tenham residência habitual no respectivo concelho, favorecendo-os em relação aos estranhos (não residentes), os quais só ai poderão caçar quando munidos da licença geral ou regional, consoante os casos.

28. Por outro lado, entende-se que deverá instituir-se a licença de caça com fim lucrativo.
Aquela mesma lógica e aquele mesmo princípio de justiça que presidem à distinção entre as licenças geral e concelhia de caça justificam esta outra modalidade de licença de caça.

(44) O projecto do sugestão no Governo sobre a caça, apresentado, nos termos do artigo 28º do Regimento da Câmara Corporativa, pelo antigo Procurador Dr. João Maria Bravo, está publicado nas Actas da Câmara, Corporativa, VII Legislatura, 1950, n º 54, de 24 de Abril.
O projecto de parecer do relator designado pela Câmara Corporativa foi publicado no opúsculo A Caça em Portugal, do Dr. António Garcês.

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Com efeito, se o caçador se dedica á caça com intuito lucrativo, se ele todos os dias vai à caça e assim se apropria da grande quantidade de exemplares que depois vende a bom preço, é lógico e justo que, em contrapartida, pague uma taxa mais elevada pela licença que tal lha permite.
Depois, como já se acentuou, o exercício venatório com fim lucrativo não tem interesse nem justificação entre nós, pois a caça escasseia, e ele é certamente uma das causas do empobrecimento do património cinegético nacional. Haverá, pois, que criar-lhe restrições, e entre elas estará a exigência de uma taxa mais elevada para a respectiva licença.
Poderá objectar-se que não se justifica esta modalidade de licença, uma vez que o caçador a que nos estamos referindo está sujeito a contribuição industrial
Ora não há dúvida que a lei tributam assim o abrange (artigo l º do Código da Contribuição Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n º 45 103, de l de Julho de 1963) (45)
Simplesmente há dois aspectos a considerar por um lado, não se vê que seja demasiado sujeitar o caçador que exerce a caça com fins lucrativos simultaneamente a uma licença de caça especial, de taxa mais elevada (46), e a contribuição industrial, até porque esta pode ser lançada em quantitativo muito reduzido, por outro, a colecta em tal contribuição depende das secções de finanças concelhias, e nem sempre os informadores fiscais estão em condições de identificar os caçadores do tipo indicado residentes no concelho, além de que estes, por expedientes vários, conseguem furtar-se muitas vezes, se não normalmente, à tributação.
Quanto á sua identificação, para lhes ser exigida a licença de caça especial, ela não oferece, em geral, dificuldades às comissões venatórias concelhias. Da resto, iguais ou maiores dificuldades haverá em identificá-los para o efeito da contribuição industrial, e nem por isso se entende que tal constitui lazão bastante para dela os isentar.
Também no âmbito da pesca existe uma licença profissional de pesca (47) (artigo 54 º, § l º, do Regulamento da Lei n º 2097, de 6 de Junho de 1959)
A licença a que nos referimos apenas permitirá caçar na área do concelho da residência habitual do seu titular e na dos concelhos limítrofes, o que, além do mais, permitirá condicionar o número de licenças dessa espécie a conceder por cada concelho, providência esta que se afigura da maior utilidade, e, por isso, também se sugere.

29. A base XXXVIII do projecto de proposta de lei prevê ainda outras modalidades de licença de batedor, de caçador com furão, de criador de furões para venda.
Trata-se, todavia, de licenças secundárias, de menor importância, pelo que estará indicado colocá-las no regulamento a elaborar, sem embargo de se lhes fazer na lei referência genérica.
Sempre se dirá, porém, quanto à licença de batedor, que melhor seria substituí-la por uma licença para batida,

(48) O exercício da caca por conta de outrem, mediante remuneração certa, percentagem nos lucros, gratificação ou comissão, esta abrangido pelo § l º do artigo 1.º do Código do Imposto "Profissional, aprovado pelo Decreto-Lei n º 44805, de 27 de Abril de 1962
(46) Afigura-se que esta faixa deverá ser igual á da licença geral da caça, acrescida de metade, a não ser que se limite, por forma permanente, o exercício da caça a três dias por semana, hipótese era que a taxa não deveria ultrapassar a da licença geral.
(47) Note-se que se trata da pesca nas águas interiores do País

complementar da licença de caça, geral ou concelhia, dadas as implicações de ordem prática. É que não se sabe muitas vezes antecipadamente se o caçador tem à sua disposição um ou mais batedores, tudo dependendo ,da forma como foi organizada a batida, assunto a que os caçadores participantes são estranhos frequentemente, sobretudo quando são convidados pelos donos ou pelos arrendatários das reservas de caça.
30. Quanto à dispensa da carta de caçador e das licenças de caça, afigura-se que dela devem beneficiar os estrangeiros e os nacionais que não residam na metrópole, pois que a exigência daquelas frustar-lhes-ia frequentemente a possibilidade de caçar entre nós, sobretudo quando disponham de escasso tempo de permanência.
Bastará sujeitar tais caçadores á taxa de revalidação da licença de caça do pais ou do território da sua naturalidade ou residência ou aquela que for exigida, de harmonia com o que vier a ser estabelecido em regulamento.
Parece ainda de propor, para estes casos, a exigência de seguro obrigatório, dado que a sua não residência na metrópole dificultará ou impossibilitará mesmo a reparação dos danos
Tendo em atenção o exposto, sugere-se que as bases IX, X e XI tenham a seguinte redacção

BASE IX

1 A licença do caça revestirá as seguintes modalidades

a) Licença geral de caça,
b) Licença regional do caça,
c) Licença concelhia de caça,
d) Licença de caça com fim lucrativo,
e) Licença de caça sem espingarda

2 A licença de caça é geral, regional ou concelhia, consoante autoriza o exercício venatório, respectivamente, em todo o continente e ilhas adjacentes, somente na área de uma região venatória, ou apenas na área do concelho da residência habitual sacador e na dos concelhos limítrofes.
3 A licença de caça com fim lucrativo somente permite caçar na área. do concelho da residência habitual do seu titular e na dos concelhos limítrofes.
4 A licença de caça sem espingarda apenas permite caçar com a ajuda de cães («a corricão»), com ou sem pau, na área do concelho para que for emitida e na dos concelhos limítrofes.

BASE X

l A taxa da licença de caça com fim lucrativo não poderá ser inferior à taxa da licença geral de caça
2 Poderá o Governo, sob proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e aquícolas, limitar o número de licenças de caça com fim lucrativo a conceder por concelho em cada ano ou em anos sucessivos.

BASE XI

l São dispensados da carta de caçador e das licenças legalmente exigidas.
a) Os membros do corpo diplomático e consular acreditados em Portugal, desde que nos países que representam se dê reciprocidade a esta isenção,
b) Os estrangeiros que venham caçar no Pais a convite de entidades oficiais portuguesas,
c) Os estrangeiros e os nacionais não residentes na metrópole

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2 Os indivíduos designados na alínea c) do número anterior estão, todavia, sujeitos à taxa de revalidação da licença de caça do pais ou território da sua naturalidade ou residência ou àquela que for exigida, bem como a seguro obrigatório, nos termos a fixar em regulamento

7) Locais de caça

31. O projecto em apreciação, depois de proclamar o princípio de que a prática da caça é livre quanto aos locais onde possa teu lugar (base VII), indica seguidamente os locais onde o seu exercício é limitado (base VIII), bem como aqueles em que é proibido (base IX)
Afigura-se, no entanto, que na leu importará somente enunciar o critério orientador, deixando para regulamento a enumeração dos casos de limitação ou de proibição do exercício da caça, que, aliás, não oferecem grande dificuldade de determinação.
Aqui reputa-se, suficiente, em homenagem à propriedade, salientar apenas os casos que reclamam uma maior protecção pelos riscos especiais que em relação a eles envolveria a prática venatória e que o próprio Código Civil contemplou na sua maioria (48)
Por outro lado, e ainda no sentido de salvaguarda dos interesses da propriedade, considera-se conveniente preceituar que o proprietário dos terrenos ou seus representantes possam opor-se ao exercício da caça quanto aqueles que não se acharem munidos da competente licença para caçar ou não se encontrarem devidamente autorizados a caçar nos respectivos terrenos Esta faculdade envolve naturalmente a de aqueles poderem exigir ao caçador que exiba a sua licença de caça.
Esta providência inspira-se no Código Civil italiano, cujo artigo 842 º (sobre caça e pesca) determina
O proprietário de um terreno não pode impedir que alguém entre nele para o exercício da caca, a não ser que o terreno esteja reservado nos termos da lei sobre caça ou que contenha cultura que possa sofrer dano.
Ele pode sempre opor-se a quem não estiver munido da licença passada pela autoridade competente.
Para o exercício da pesca é necessário o consentimento do dono do prédio.
Finalmente, tem-se por conveniente fixar o alcance da expressão «terrenos murados», dadas as divergentes opiniões sobre a matéria.

(48) Não deixará de ter interesse transcrever neste lugar passagens de uma corta de Alexandre Herculano publicada em O Direito, tomo VII, p 127, que nos dá ideia do pensamento do escritor o até do ambiente da época quanto no ponto em analise

Se esses patetas tivessem senso comum, no conjunto das providências do código relativas à caca, veriam logo o pensamento único que os domina. É garantir o suor do agricultor contra o egoísmo do caçador; defender o homem que trabalha contra o homem que se diverte. Os artigos 385º, 386 , 387, 388º, 390º, 392º (projecto) são significativos. Não se pensava em favorecer a multiplicação de animais- sempre mais ou menos daninhos para que não escasseasse desporto aos janotas A gente que trabalha no Código não pensava nesses títeres senão para os coibir. Ter-se-ia podido redigir esta secção com mais clareza; mas a quem podia imaginar que alguém queria tirar dela a indução de que a propriedade ficaria enfeudada ao janotismo?
Estos coutadas do caçador incerto, depois de abolidos as coutadas do rei e dos seus donatários, seriam absurdas.
Pelo que vejo a gente do Alentejo é mais seria.
E entende-se ainda submeter ao mesmo regime os terrenos vedados e os completamente cercados de água por forma permanente, uma vez que também quanto a estes os animais bravios não podem entrar nem sair livremente.

32. Atento o que fica dito, sugere-se a seguinte redacção para as bases que tratam da matéria sobre locais de caça.

BASE XII

1. A caça pode ser exercida em todos os terrenos não exceptuados por lei, assim como nas águas interiores, no mar e nas áreas das circunscrições marítimas, observados os condicionamentos estabelecidos.

2. O proprietário ou seus representantes podem opor-se ao exercício da caça. relativamente àqueles que não se encontrarem, munidos da competente licença para caçar ou não se aclarem devidamente autorizados a caçar nos respectivos terrenos.

BASE XIII

1. É proibido caçar sem automação dos respectivos proprietários ou possuidores.

a) Nos terrenos murados ou por outro modo vedados, ou completamente cercados de água por forma permanente, e nos quintais, viveiros, pomares, parques e jardins anexos a casas de habitação e, bem assim, em quaisquer terrenos que circundem estas e situados numa área com um raio de 300 m,
b) Nos terrenos cultivados, semeados, de cereais ou com qualquer outra cultura, antes de efectuada a respectiva colheita,
c) Nos milharais que não estejam em adiantado estado de maturação ou onde ainda não tenha sido colhida a sementeira de feijão, quando a houver,
d) Nos terrenos que se acharem de vinha ou com outras plantas frutíferas de pequeno porte e nos pomares, desde o abrolhar ate à colheita dos frutos,
e) Nos terrenos abertos, plantados de oliveiras ou de outras árvores frutíferas de grande porte, no intervalo que medeia entre o começo da maturação dos frutos e a sua colheita,
f) Nos terrenos com, qualquer sementeira ou plantação de espécies florestais, durante os três primeiros anos, e nos colmeais.

2 Consideram-se murados ou vedados, para os efeitos da alínea a) do n.º l, os terrenos circundados em toda a sua extensão por muros ou paredes, redes metálicas, valados ou linhas de água, ou vedações de outro género equivalente, de forma que os animais de pêlo não possam sair o entrar livremente.
3 A proibição prevista no n.º l em relação aos terrenos referidos nas alíneas b) a f) estender-se-á a todo o período da caça, sempre que os mesmos terrenos se encontrem devidamente delimitados
4. Consideram-se delimitados, para os efeitos do número anterior, os terrenos em que o proprietário ou possuidor aponha tabuletas 'ou quaisquer outros sinais, convencionais colocados em lugares bem visíveis o indicativos de que não é permitido caçar

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8) Períodos venatórios

33. É este - o da fixação dos períodos venatórios - um ponto importante e delicado da disciplina da caça. Por um lado, estes períodos devem ser suficientemente curtos a fim de permitir às espécies cinegéticas o necessário tempo de repouso para a sua reprodução e desenvolvimento. Por outro lado, não devem ser tão curtos que cerceiem em medida injustificada o direito de caçar, tornando-o ilusório
Sendo várias e diferentes as espécies cinegéticas e distribuindo-se estas, quer em qualidade, quer em quantidade, de harmonia com as características geofísicas e climatéricas do território, compreende-se a existência de vários períodos venatórios, já, pois,' em razão das espécies, já em razão das legiões do País Todavia, como o território do continente é pouco extenso, a variação das épocas venatórias não se impõe intensamente, o que possibilitará uma relativa uniformidade, com vantagens em alguns aspectos, entre eles o da fiscalização.
Tal como sucede nos outros países, também entre nós têm existido, e continuarão a existir, uma época geral da caça, durante a qual é possível caçar todas as espécies, e períodos venatórios especiais para a caça de certas espécies ou em determinadas circunstâncias.

34. Nesta matéria de tempo de caça, e dada a escassez de espécies que se vem agravando de ano para ano, uma questão deverá ser posta será de admitir a prática da caça em todos os dias da época geral ou, diversamente, deverá restringir-se essa prática a alguns dias da semana?
A resposta não pode deixar de ser a favor da restrição, pelo menos enquanto se verificar a escassez das espécies e não enfararem em pleno rendimento as providências da nova lei da caça, especialmente as relativas a criação artificial de caça, à constituição de reservas de caça em número suficiente, especialmente no Norte e Centro do País, e à prevenção e repressão das infracções.
Julga-se, com efeito, que a solução não está em encurtar constantemente o período venatório, comprimindo o já reduzido período de três meses, mas justamente em proibir a caça durante certos dias da semana, ampliando mesmo este período.
É aliás o próprio projecto em análise que prevê a possibilidade dessa proibição na alínea c) da base x, a qual vem sendo sugerida e reclamada nos meios venatórios (49)
Na verdade, há que reconhecer que caçar todos os dias no nosso país, no estado actual em que se encontra a caça, é um luxo cujo preço será a extinção próxima das espécies
Por isso, se propõe que, durante a época geral da caça e dentro de um período mínimo de três anos, a contar da publicação da nova lei, a caça a qualquer espécie só poderá ser exercida em três dias da semana -sábado, domingo e segunda-feira -, bem como nos dias de feriado nacional ou municipal.
Esta restrição não é aplicável às reservas de caça, visto que aí é o interesse dos próprios titulares que os levará a restringir o exercício venatório, e, atento o seu regime, nunca serão invadidas, como os terrenos livres, por legiões de caçadores, muitos dos quais sem estado de espírito destruidor, como que movidos por sanha ancestral, que não corresponde às tradições que eram brasão,
de que o verdadeiro caçador. Caça por desfastio e não por ambição» (50).
A restrição proposta servirá ainda para desencorajar os caçadores que se dedicam à caça com fim lucrativo, na medida em que a actividade venatória se lhes toma menos rendosa, e, por outro lado, evitará que grupos de caçadores, aliás à sombra a de um direito que a lei lhes tem. facultado, se desloquem para certas regiões onde ainda ia alguma caça e aí permaneçam uma ou duas semanas, quando não mais, deixando à sua saída um deserto cinegético. Ora isto, além de não poder admitir-se nos tempos e circunstâncias actuais, é mal visto pelos caçadores residentes naquelas regiões, que vêem desaparecer em alguns dias, em benefício de estranhos, a fonte das suas diversões e o complemento da sua alimentação e dos seus familiares,
A restrição proposta refere-se a «um período mínimo de 11 és anos», como que a sugerir a vantagem de sei prolongada para além dele e até possivelmente de forma permanente.
Esta Câmara põe fundadas esperanças nesta providência e, por outro lado, pensa que os três dias consecutivos em que a caça é permitida - sem dúvida os mais indicados -, bem como os dias de feriado nacional ou municipal, proporcionarão a todos os caçadores -aos verdadeiros desportistas - satisfazer o seu entusiasmo e extrair da caça os benefícios de ordem física e espiritual que ela comporta (51)

35. Dentro da matéria que vimos apreciando neste número, um outro ponto merece reflexão o que respeita à fixação do início e do termo da época geral da caça.
E aqui podem seguir-se duas orientações ou remeter pura e simplesmente para regulamento a fixação das datas de abertura e de encerramento da caça, e esta é a orientação do projecto do Governo, tal como a do Código da Caça em vigor (52), ou, diversamente, fixar na própria lei essas datas, dando, todavia, à Administração a faculdade de, em cada ano, e de harmonia com os factores a ter em atenção, elaborar o calendário venatório.
Esta última orientação é a seguida, por exemplo, no direito italiano (53) Com efeito, a lei de 5 de Junho de 1939 preceitua que a caça é permitida desde o penúltimo domingo de Agosto até ao dia l de Janeiro, com algumas excepções (máxime, caça maior e de arribação), podendo, contudo, o (Ministro da Agricultura e das Florestas restringir o período da caça ou proibir esta, seja por forma geral e absoluta, seja para certo processo de caça ou em relação a determinadas espécies ou região (artigos 12º e 23º)
Esta orientação não deixa de apresentar as suas vantagens, pois que aponta o princípio, o qual deverá ser seguido em circunstâncias normais, evitando flutuações de ano paia ano.
Aproveitando a oportunidade, e até porque pode acontecer que o legislador venha a decidir-se finalmente por outra orientação, justamente como a consagrada na lei.

(49) Neste sentido, o Dr. João Maria Bravo, Caça -, pp 15 o 132, o Nabais da Cunha in o jornal Diário de Lisboa de 6 de Outubro e de 20 de Dezembro de 1965
(50} Cf o relatório do projecto de lei da iniciativa do Sr Deputado Artur Aguedo de Oliveira.
(51) Se dai resultar uma abundância excessiva do certas espécies por forma a tornarem-se prejudiciais ou nocivas - o coelho, por exemplo-, a solução estará em permitir a caça por certos meios (por exemplo, com furão), ou adoptar as providências previstas na lei quanto a nocividade dos animais bravios.
(52) Cf artigo 11 º do Decreto-Lei n º 28 400 o artigo 10º do Decreto n º 23 401
(53) Também a lei espanhola de 1902 (artigo 17 º, redigido segundo a Lei de vedas da 28 de Julho de 1935) fixa os vários períodos venatórios consoante as espécies e os regiões

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italiana, terá algum interesse referir as datas de abertura e de encerramento da caça entre nós ao longo do tempo.
Foi no reinado de D Afonso V que se estabeleceram as primeiras regras de defeso (de Março ao 8 João), ao mesmo tempo que se indicaram os meios ilícitos de caçar Estas determinações, que visavam somente as coutadas reais, estenderam-se a todo o reino no reinado de D Manuel, sendo proibido caçar aos meses de Março, Abril e Maio (Ordenações Manuelinas, liv. v t 89) (54)
Com a Lei n º 15, de 7 de Julho de 1913, que acabou com a faculdade de as câmaras municipais fixarem os períodos venatórios, a abertura da caça tinha lugar no de l de Setembro e o encerramento no dia 15 de Fevereiro do ano seguinte.
Os Códigos da Caça de 1930 e 1931 (Decreto n º 18 743 e Decreto n º 20 199) fixaram as datas de abertura e de encerramento em 15 de Setembro e 15 de Janeiro, respectivamente.
O Código da Caça em vigor, de 1934, fixou as datas de l de Setembro e de 15 de Fevereiro, posteriormente alterados para o dia l de Outubro e o dia 15 de Janeiro seguinte (artigo l º do Decreto n º 37 983, de 26 de Setembro de 1950).
Terá interesse referir também o que se passa noutros países
Assim, em Espanha a época geral de caça vai desde o primeiro domingo de Outubro ao primeiro domingo de Fevereiro (55).
Em Itália já vimos desde o penúltimo domingo de Agosto ao dia l de Janeiro
Em França, as datas de abertura e de encerramento da caça são fixadas anualmente pelo Ministro da Agricultura, ouvido o Conselho Superior da Caça (artigo 371 º do «Code Rural») Para a campanha de 1965-1966, essas datas, que nunca são uniformes para todos os departamentos (em número de 90), foram, em regra, as de 5 de Setembro de 1965 e de 2 de Janeiro de 1966 (Ain, Aisne, Ardennes, Aube, Côte-d'0r, etc. ) e de 29 de Agosto de 1965 e de 2 de Janeiro de 1966 (Alpes, Ariège, Haute-Garonne, Gironde, etc. ) (56)
E, entre nós, quais as datas mais indicadas para o início e o termo da época geral da caça?
Quanto à data de encerramento, a que parece mais razoável e equilibrada é a de 15 de Janeiro E esta é também a data geralmente preferida nos meios venatórios Com efeito, ela não representa ainda qualquer perigo para a reprodução das espécies, e, por outro lado, permite prolongar o período venatório em benefício dos praticantes da caça
E terá ainda a vantagem de favorecer a vinda ao nosso país de caçadores de outros países, designadamente nórdicos, onde as épocas de caça se encerram mais cedo.
Quanto à data de abertura, a que igualmente parece mais indicada é a de 15 de Setembro.
Simplesmente, a escassez da caça tem contribuído para que se encurte o período venatório, não só retardando a abertura, como antecipando o encerramento. E, assim, já há vários anos que a caça se inicia no dia l de Outubro e termina no dia 31 de Dezembro.
Mas, como já acima se disse, a solução não está em encurtar cada vez mais o período de caça, mas em restringir o seu exercício a alguns dias da semana. E, deste modo, em lugar de três meses de caça, poder-se-ia ter um período de quatro meses.
Por isso, se entende que será possível abrir a caça antes do dia l de Outubro Isso iria ao encontro das legítimas aspirações de alguns milhares de caçadores que vêem as suas férias terminar no dia 30 de Setembro.
São estudantes, professores, funcionários públicos, advogados, magistrados, etc. aos quais seria razoável conceder a oportunidade de caçai, ainda que fosse num só fim de semana, em suas terras, na companhia de pessoas de família ou de amigos, gozando momentos de satisfação que jamais se apagarão com o rodar do tempo Quantos caçadores de hoje devem essa qualidade e o seu entranhado entusiasmo pela caça à circunstância de, quando jovens, a lei lhes haver facultado caçar no mês de Setembro?!
Depois, essa possibilidade, ainda que restrita a escassos dias - repete-se - será o bastante para afastar a tentação de caçar no defeso, ante a perspectiva de só poder caçar-se no dia l de Outubro, data em que é a partir da qual muitos estarão impedidos de fazê-lo.
À antecipação da abertura da caça por alguns dias em relação ao primeiro de Outubro - no máximo de uma semana - não será atentatória da protecção das espécies, que já então terão suficiente desenvolvimento, acrescendo que o tempo é normalmente fresco nos últimos dias de Setembro e, por isso, não afecta as possibilidades de defesa da caça.
36. É intuitivo o que significa o defeso é todo o período de tempo que se situa fora do período ou períodos venatórios, e no qual, por isso, não é lícito caçar.
Todavia, a restrição ,do exercício da caça a alguns dias da semana dentro da época geral pode suscitar algumas dificuldades, e, por isso, se entende que possa ter utilidade precisar na lei o que se considera período de defeso Neste sentido e paru o efeito, se sugere uma nova base (base XVI)

37. A base XII do projecto em apreciação contém uma excepção quanto ao período venatório, uma vez que permite caçar em qualquer tempo os animais bravios.
A excepção compreende-se justamente por se tratar de prédios murados por tal forma que os animais, não podem neles entrar nem deles sair livremente Ë evidente que só as espécies de pêlo estão em causa, e não as espécies aladas
Haverá apenas que completar a redacção, colocando ao lado dos prédios murados os prédios vedados ou cercados de água completa e permanentemente por forma que os animais bravios não possam igualmente entrar ou sair livremente.
Quanto à base XIII, afigura-se que o assunto de que trata - regulamentação em tempo de defeso de trabalhos de treino de cães e de provas para os mesmos - deverá ir para regulamento.

38. De harmonia com as considerações expostas, propõem-se as seguintes bases em substituição das que no projecto tratam da matéria dos períodos venatórios, sendo certo que nada há a opor à redacção da base XI

BASE XIV

l A caça só pode ser exercida durante a época geral e nos períodos especiais fixados para a caça de

(54) Cf Dr. F Cruz, ob cit, 77
(55) Para a campanha de 1964-1965 (caça menor) fixaram-se os dias 4 de Outubro e 7 de Fevereiro (Regulamentaciones Especales de Casa, p 71) e para a campanha de 1965-1966 os dias 3 de Outubro e 6 de Fevereiro (l de Janeiro para as províncias galegas) (Orden General de Vedas de Casa, de 21 de Junho de 1965)
(56) Calendário emanado do Ministério da Agricultura (Direoction des Forêts)

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certas espécies ou em determinadas circunstâncias, salvas as excepções previstas na lei.
2 A época geral da caça e os períodos venatórios especiais serão fixados atendendo aos ciclos gestatorios das espécies cinegéticas e à necessidade de protecção das respectivas crias o ainda, quanto às espécies migratórias, às épocas das suas migrações.
3 Poderá o Governo, porem, mediante proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas e ouvido o Conselho Nacional da Caça, determinar, por meio de portaria.

a) O adiamento da abertura da época geral da caça ou da caça a qualquer espécie,
b) A antecipação do encerramento de qualquer desses períodos,
c) A proibição do caçar durante certos dias da semana

4 Os períodos venatórios nas ilhas adjacentes, enquanto não for publicado o respectivo regulamento, serão fixados pelas comissões venatórias distritais.

BASE XV

l. Durante a época geral da caça e dentro de um período mínimo de três anos, a contar da publicação desta lei, a caça a qualquer espécie só poderá ser exercida em três dias da semana - sábado, domingo o segunda-feira -, bem como nos dias de feriado nacional ou municipal
2. Esta restrição não é aplicável às reservas de caça

BASE XVI

Consideram-se período de defeso o que se situa fora da época geral da caça ou dos perlados venatórios especiais e, bem assim, os dias da época geral em que não é lícito caçar, nos termos do n.º l da base anterior

BASE XVII

O proprietário ou possuidor de prédios murados ou vedados, ou cercados de água completa e permanentemente, por tal forma que os animais bravios de pêlo não possam sair e entrar livremente, pode dar-lhes caça em qualquer tempo e por qualquer modo.

BASE XVIII

Só é permitido caçar desde o começo do crepúsculo da manhã até ao fim do crepúsculo da tarde, salvo nos casos expressamente previstos na lei

9) Processos de caça

39. A protecção das espécies cinegéticas depende, em larga medida, dos processos utilizados na caca.
Com efeito, processos há que podem permitir a apreensão de vários exemplares de uma só vez, pela traição quê lhes é preparada, não dando à caça possibilidades de defesa.
São meios reprováveis, incompatíveis com a chamada lealdade venatória, que deve estar sempre presente no desporto da caça.
Os processos reprováveis de caçar foram desde longa data previstos e punidos pela lei.
As Ordenações Manuelinos, já citadas (ver n.º 35), determinavam a tal respeito

Defendemos geralmente em todos os nossos remos que pessoa alguma não mate nem cace perdizes, lebres, nem coelhos com bois nem com fios de arame, nem com outros alguns fios, nem tome nenhuns ovos das ditas perdizes, sob pena de quem o contrário fizer pagar da cadeia dois mil reais por cada vez que nisso for achado, ou lhe for provado dentro de dois meses, e mais perder as armadilhas, nas quais penas isso mesmo incorrem aqueles em cujo poder ou casa, as ditas armadilhas forem achadas, ou sejam suas ou alheias.

E, mais adiante

Que pessoa alguma não mate, nem cace perdizes com candeias, nem com rede de cevadoiro, nem com perdigão, ou perdiz de chamada, sob pena de (57)

Quanto á gravidade das sanções pela caça em tempo de defeso ou por processos ilegais, não deixa de ter interesse referir o que se dispunha na Lei de l de Julho de 1565.

E quem o contrário fizer, sendo fidalgo ou cavaleiro, pela primeira vez seja degredado para África, e pague vinte cruzados, e pela segunda haja a dita pena de degredo- e dinheiro em dobro. E sendo de menor qualidade, pela primeira vez seja preso, até trinta dias de prisão, e pague dois mil reais. E pela terceira vez, seja degredado por um ano para fora da vila e termo em que caçou, e do lugar do seu termo onde for morador, e pague a dita pena de dinheiro em dobro. E além das ditas, perca quaisquer aves, armadilhas, cães, fios e ledes com que caçou.

1 Vê-se do que fica transcrito que as sanções eram mais graves para as faltas cometidas pelas pessoas de mais elevada condição social, que deveriam dar o exemplo de respeito pelas leis, que para as mesmas faltas cometidas pelas pessoas mais modestas, as quais poderiam ser levadas á transgressão por necessidades materiais.

40. A base XIV do projecto avisadamente não enumerou os meios lícitos de caçar nem as respectivas limitações, que razoavelmente devem ir para regulamento, contentando-se, como convém numa lei, a estabelecer indicações ou princípios gerais.
Pela sua relevância, poderia pensar-se em referir expressamente a caça «de batida», para a proibir nos terrenos onde é livre o direito de caçar, visto tratar-se de um processo de todo incompatível com a necessidade de protecção da caça. Contudo, mesmo quanto a este processo, prevaleceu a ideia de que deverá ter o seu assento em regulamento.

41. A base XV alude à licitude da caça por qualquer meio dentro dos terrenos murados, aspecto já considerado na base XVII que se propõe neste parecer
Atento o que fica exposto, sugere-se que a matéria respeitante aos processos de caça fique a constar de uma só base, nos termos seguintes.

BASE XIX

l. A caça só pode ser exercida pelos processos autorizados em regulamento.

(57) Coisa semelhante se determinava já na Lei n.º 43 do reinado de D Afonso V

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2. Determinar-se-ão neste as adequadas limitações ao uso dos diversos processos e meios admitidos para aplicação genérica ou consoante as espécies cinegéticas e as circunstâncias de tempo e de lugar.
3. Quando a diminuição da densidade de qualquer espécie cinegética aconselhar a sua protecção, poderá o Governo, por meio de portaria e mediante proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais o Aquícolas, estabelecer limitações aos processos ou meios de exercício da respectiva caça, incluindo a proibição de determinados tipos de armas de fogo.

10) Espécies cinegéticas

42. As três bases da secção VI do projecto de proposta de lei versam sobre espécies cinegéticas, proclamando a primeira o princípio de que podem ser objecto de caça todos os animais bravios não exceptuados por lei. Há-de ser em regulamento que se fixará o elenco das espécies cuja caca importa proibir (58)
Todavia, quanto às espécies não proibidas, pode suceder que uma ou outra escasseie, o que justificará que, por meio de simples portaria, se proíba temporal lamente a sua caça ou se limite o número de exemplares dessa espécie que cada caçador pode abater diariamente.
Ás providências que se prevêem na base XVIII também se afiguram justificadas
É de aceitar, com alterações sem grande relevo, a redacção das bases em referência.

11) Animais nocivos

43. O projecto em apreciação contempla (base XIX) o caso dos animais bravios que, pela sua abundância, se tornem nocivos.
Há que encarar também o caso dos animais bravios que são nocivos por natureza, independentemente da sua abundância, os quais são prejudiciais á agricultura, a caça ou a pesca.
Á estes se refere o artigo 12 º do Decreto n.º 23 461, permitindo a todo o tempo a sua destruição. À matéria do n º 2 da base XIX deverá ir, como parece manifesto, para regulamento.
Aqui importará salientar ainda que o direito de destruir os animais nocivos devei á poder exercer-se independentemente de carta de caçador e de licença de caça, e, por outro lado, que o pedido de autorização para a adopção das medidas necessárias para a correcção da densidade dos animais que se tornem nocivos deverá ser apreciado em prazo curto - não excedente a quinze dias -, sob pena de se ter por defendo se nada dentro dele for comunicado aos interessados A razão está na urgência das medidas, que, se não forem tomadas a tempo, deixarão de produzir o indispensável efeito.
A base XX refere-se à regulamentação do uso de meios adequados para defender as culturas da acção dos pássaros. Mas uma vez que estes ou são nocivos por natureza (59) ou em razão da sua abundância (60), não haverá que contemplá-los autonomamente.

(58) Assim sucede com o Decreto n.º 28 461, em vigor, que distingue - varias espécies rapaces nocturnas, trepadoras, sindátilas, pássaros comuns, parasitas, o ouriço-cacheiro e os morcegos (artigo 4.º, § único)
Nas espiões indígenas inclui as perdizes, as lebres, os coelhos, os abetardas e os sisões (artigo 5 º)
(59) Nocivos por natureza pega, gaio, etc.
Noivos quando muito abundantes, melro, pardal, tordo, etc (artigo 12.º, §§ l.º e 2 º, do Decreto n.º 28 461) (60) Idem

Nestes termos, sugere-se que as bases referidos sejam substituídas pelas seguintes

BASE XXII

1. É permitido em todo o tempo destruir os animais nocivos à agricultura, a caça e à pesca, nos termos da lei.
2. O direito previsto no número anterior pode ser exercido, independentemente de carta de caçador e do licença de caça, pelas proprietários ou agricultores, nos terrenos em que os animais nocivos causem prejuízos e, bem assim, pelas pessoas por eles autorizadas.

BASE XXIV

1. O Governo poderá autorizar as medidas necessárias para a verificação e correcção da densidade dos animais de espécies cinegéticas nos terrenos em que eles, pela sua abundância, se tornem nocivos, mesmo em tempo de defeso, incluindo o uso de processos ou meios de caça legalmente proibidos
2 A apreciação do pedido de autorização deverá fazer-se no prazo de quinze dias, a contar da sua entrada na Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, considerando-se defendo se nada for comunicado antes desse prazo.

§ 2.º Resmas do caça. Sua finalidade. Modalidades

44. A matéria das reservas de caça constitui um dos aspectos da disciplina venatória mais importantes e delicados.
A propósito da apreciação na generalidade, já abordámos o tema em ordem a demonstrar a justificação e a função das reservas nos dias de hoje (cf o § 4 º)
De harmonia com as considerações então feitos, afigura-se que a própria lei, antes de mais, deveria apontar a finalidade das reservas de caça (61) através de uma base concebida nos seguintes termos.

BASE XXV

Para protecção o fomento das espécies cinegéticas •e fins científicos poderão ser constituídas reservas particulares de caça ou coutadas de caça, reservas zoológicas e zonas de protecção.

Na expressão genérica reservas de caça incluem-se, pois, não só as reservas particulares de caça ou coutados de caça, mas ainda as chamadas reservas zoológicas e as zonas de protecção, visto que, no fundo, todas elas são reservas de caça, com vista & protecção e desenvolvimento das espécies.
O escopo científico é característico das reservas zoológicas, pelas quais se estabelece uma protecção integral à fauna e à flora.

§ 3.º Reservas particulares ou coutadas de caça

45. Depois de se haver apontado o finalidade das reservas de caça em geral, está indicado que se trate, numa secção autónoma, das reservas particulares de caça

(61) Aliás, assim acontece na lei italiana «Lê bandite, le zone di ripopolamento e cattura e le riserve di caecia hanno lo scopo di curare a ripopolamento delia selvaggina o di favorirne la sosta» (artigo 48.º da Lei de 5 de Junho de 1939)

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Também se lhes chama aqui coutadas de caça, por ser esta a designação tradicional (68), no que se não vê qualquer inconveniente, visto que já foi salientado devidamente - a própria lei o faz através da base que se acaba de propor - que não se trata de meros privilégios ou regalias como em tempos recuados, mas de uma concessão de interesse público, acompanhada de ónus e obrigações, feita com o fim .principal de proteger e desenvolver a caça, criando ao mesmo tempo centros de irradiação das espécies para os terrenos livres e viveiros que possam servir ao repovoamento de zonas carecidas de caça.

1) Efeito da concessão de reserva de caça

46. Ao tratar das reservas particulares ou coutadas de caça, impõe-se antes de mais saber qual o significado da sua concessão. (63)
Sabe-se que elas constituem uma excepção ao princípio da liberdade de caçar quanto aos locais de caça Mas em que consiste precisamente essa excepção?
Nisto mesmo a concessão de reserva de caça atribui ao seu titular o direito, extensivo aos que o acompanharem, de exercer a caça dentro dos respectivos terrenos, com exclusão dos demais caçadores (ius prohibendi venationis), os quais só nele poderão caçar com autorização escrita do referido titular (64)
Neste sentido, propõe-se a seguinte base.

BASE XXXVI

l. A concessão de reserva de caça atribui ao sen titular o direito da caçar nos respectivos terrenos, com exclusão de todos os outros caçadores, 08 quais somente ai poderão caçar se dele obtiverem autorização escrita.
2. O direito referido no nº l é extensivo àqueles que acompanhem no exercício da caça o titular da reserva.
Já noutro lugar (of a parte final do § 4 º da apreciação na generalidade) se caracterizou o direito do concessionário.
O titular da reserva não adquire sobre a caça um direito de propriedade ou qualquer outro direito real, mas tão-só um direito público subjectivo -o de poder caçar, com exclusão dos demais caçadores -, sem esquecer a obrigação que sobre ele recai de cuidar da conservação e desenvolvimento das espécies
Daqui que, não adquirindo a propriedade da caça existente nos terrenos da reserva, todo aquele que ilegalmente entre meles e se aproprie de algum animal bravio não comete um furto, mas uma transgressão.
Em suma a concessão de reserva não transforma a caça de res nullius em coisa pertencente ao titular da reserva Este só adquirirá a propriedade da caça através de um acto efectivo de ocupação.

(62) Coutada significa «terra defesa, cerrado (vem de couto)»
Couto (do latim cautus) significa «terra coutada, defesa ou privilegiada» (Dicionário, de Cândida de Figueiredo)
(63) Também na secção seguinte se caracterizam as outras modalidades de reservas de caça reservas zoológicas e zonas de protecção.
Não se compreenderia, de resto, que na lei se mencionassem as obrigações e ónus do concessionário e não se salientasse o fundamental direito que lhe assiste, justamente o da ocupação exclusiva das espécies existentes na reserva
(64) Na mesma orientação, vide o artigo 48.º, III, da lei italiana de' 1939, o qual torna extensivo o direito de caçar aos familiares do titular da reserva (parentes ou afins que com ele vivam), orientação que esta Câmara não aceitou

Não importa que o concessionário seja dono dos terrenos reservados, pois que essa qualidade nunca lhe confere o direito de propriedade sobre a caça. Somente através da concessão adquire o direito de ocupação exclusiva, o qual impede que quaisquer outros possam entrar e caçar dentro dos limites da reserva (ius prohi-bendi venationis)
Este direito de caçar com exclusão de outros aproveita àqueles que acompanhai em no exercício da caça o titular da reserva.
Quanto a outras pessoas, torna-se necessária autorização escrita.

2) Condições subjectivas e objectivas para obter a concessão de reserva de caça

47. Compreende-se, dada a importância de uma reserva de caça, que ela só possa ser concedida quando se verificarem certos pressupostos ou condições respeitantes não só á pessoa do requerente como também aos terrenos em causa.
Não faria sentido que se permitisse a constituição de uma reserva a quem não possua idoneidade moral ou mão disponha de possibilidades técnicas e económicas em face das obrigações que terá de assumir. Com efeito, através da concessão, confiam-se ao concessionário importantes poderes em relação a uma parcela de riqueza pública que importa defender.
Depois, ao (pedido de concessão não poderá ser alheio o proprietário ou o possuidor dos terrenos a reservar
Por isso, em Itália, entende-se geralmente, à face do artigo 48 º da Lei de 5 de Junho de 1939, que só o proprietário ou possuidor têm legitimidade para requerer a concessão de reserva de caça.

Tal interpretação resulta da finalidade da disposição em exame, que é a de consentir a concessão de reserva (bandita ou riscrva) somente a quem tem uma ligação jurídica com o imóvel, consubstanciada mo direito de propriedade ou noutro direito real ou pessoal que implique o gozo e fruição do prédio no próprio interesse, dado que a caça importa um contacto inevitável com o terreno e que somente o proprietário ou possuidor das culturas, dos frutos e dos produtos estão em condições de conciliar os interesses agrícolas com os interesses da fauna cinegética (65)

Parece, em rigor, que unicamente poderão requerer a concessão de reserva de caça o proprietário dos terrenos, bem como o usufrutuário, o enfiteuta ou arrendatário com o consentimento destes individualmente ou em grupo.
Todavia, as necessidades de ordem prática aconselham a que outras entidades (comissões venatórias concelhias, associações de caçadores, órgãos de turismo) (66) devam ter entre nós legitimidade para requerer a concessão de reservas de caça, quando o façam em conjunto com o proprietário ou possuidor dos terrenos ou provem ter obtido para tal o seu consentimento.

48. Os (pressupostos de natureza objectiva dizem respeito às características dos terrenos

(") P. Gigolini, ob cit , p 465
(") Estas entidades, em lugar de requererem a concessão de reserva de caça, nos termos referidos, poderão tomar de arrendamento uma reserva já constituída

A alínea d) da base XXVII, que adiante se sugere, foi inspirada na lei dá pesca [alínea e) da base IV, que trata das concessões de pesca].

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Se efectivamente as reservas têm em vista a protecção e o fomento da caça, é lógico que a concessão não deva ter lugar relativamente a terrenos sem idoneidade para isso.
Trata-se de um aspecto que, tal como o focado na alínea anterior, escapou ao projecto em estudo.
Dentro das condições objectivas, situa-se ainda o aspecto dos limites mínimo e máximo da área da cada reserva, já que para a função de protecção e desenvolvimento das espécies é indispensável uma considerável extensão de terreno, como é óbvio, e, por outro lado, não pode consentir-se uma extensão excessiva, a fim de não tornar impossível ou ilusória a liberdade de caçar.
Trata-se, todavia, de uma questão que melhor terá a sua sede em regulamento, por forma a ter em consideração as necessidades reais, que não se sabe de antemão como vão evoluir (67)
Compreende-se que a fixação daqueles limites seja função das características dos terrenos em concreto, bem como da sua afectação à exploração turística ou à caça maior, as quais poderão justificar limites máximos mais amplos.
Nas regiões do País onde predomina a pequena propriedade será difícil encontrar propriedades cuja área atinja o limite mínimo. Prevê-se para tais casos no projecto a possibilidade de uma reserva de caça ser constituída por terrenos pertencentes a várias pessoas

49. A base XXIII do projecto em estudo consagra preferências na concessão de reservas de caça.
O propósito terá sido o de fornecer à Administração critérios objectivos, ditados pelo interesse geral, facilitando-lhe ao mesmo tempo o encargo de decidir sobre os vários pedidos concorrentes
A preferência indicada em primeiro lugar respeita aos terrenos que beneficio em da declaração de interesse turístico cinegético
É assim patente a preocupação de satisfazer através da caça as necessidades do turismo, que importa atrair como importante factor do desenvolvimento económico.
O interesse turístico cinegético será declarado pela Presidência do Conselho, que superintende directamente nos assuntos do turismo, da qual devem as reservas de caça em causa ficar a depender nos aspectos relacionados com a exploração turística, dadas as especialidades desta, as quais escapam ao campo de acção da Secretaria de Estado da Agricultura.
Esta intervirá somente no aspecto técnico respeitante à conservação e fomento da caça
A base é, porém, omissa quanto á preferência a estabelecer em benefício dos terrenos que não tenham ou tenham uma reduzida aptidão para a exploração agrícola ou florestal, os quais merecem toda a atenção no projecto do Sr Deputado Águedo de Oliveira, como neste parecer já foi salientado.
Tratando-se de terrenos insusceptíveis de outra exploração rendável, está certamente indicado que se lhes dê também preferência - e imediatamente a seguir aos terrenos que beneficiem da declaração de interesse turístico cinegético - para o efeito da concessão de reservas de caça. Não apenas se satisfará o interesse particular, mas ainda se defenderá, assim, da melhor maneira o interesse geral ,
Também a Câmara entende que deverá conceder-se preferência aos pedidos feitos por quem seriamente se proponha instalar postos de criação artificial de caça, com vista naturalmente ao povoamento cinegético.
Para conhecimento dos interessados, dada a relevância da matéria, sugere-se que os pedidos de concessão de reserva de caça sejam devidamente publicados, nos termos a fixar em regulamento.

3) As reservas de caça e o regime florestal

50. O n.º 5 da base XXI do projecto do Governo preceitua que «os terrenos das reservas de caça consideram-se submetidos, para todos os efeitos, ao regime florestal parcial»
E uma orientação que há-de ter uma razão séria a determiná-la, pois concebe-se que as reservas de caca possam ser estranhas ao regime florestal.
Qual será então a razão ou as razões dessa orientação?
Data de 1901 (Decreto de 24 de Dezembro) o conjunto de disposições que vieram definir o regime florestal, e desde logo se denunciou a intenção do legislador no sentido de manter relacionados os aspectos da protecção e criação da riqueza florestal e da protecção e fomento cinegético e Aquícolas.
Essa interligação é lógica e natural, sendo certo que a caça e a pesca foram os primeiros produtos da exploração da floresta pelo homem.
Desde então passou a atribuir-se a reserva de caça e pesca às propriedades que os seus proprietários voluntariamente submetessem ao regime florestal. Assim se criava uma espécie de regalia em compensação das obrigações impostas, especialmente quanto a arborização.
Os dois aspectos apontados continuam interligados através do tempo até aos nossos dias (cf sobretudo o Decreto n.º 39 931, de 24 de Novembro de 1954, artigos 51º e seguintes) (68)
Esta orientação parece assentar em duas ordens de razões, pelo menos por um lado, a criação e a conservação das espécies cinegéticas (refere-se agora somente o caso da caça, porque é o que está em causa) supõem uma certa arborização que lhes dê possibilidades de alimentação, abrigo e reprodução, por outro - e esta deve ser a razão fundamental - conseguir-se-á, desse modo, estimular o povoamento florestal, cujas vantagens não poderão ser esquecidas
Com efeito, além da defesa e conservação do solo, aumento das reservas hídricas e até uma certa regularização do regime da atmosfera, que constituem alguns dos benefícios indirectos da floresta, esta tem ainda um valor material directo, que a coloca numa posição de relevo na estrutura económica nacional, avaliando-se os seus produtos em cerca de 2 300 000 contos anuais.
Além do consumo nacional, desde óleos essenciais, celulose, materiais de construção, embalagens, etc , os produtos florestais atingiram, nos anos entre 1953 e 1957, 22,6 por cento de peso e 29,1 por cento do valor de toda a exportação de Portugal continental (69)
Sendo esta a importância da floresta (70), compreende-se que se queira associar o regime florestal à concessão de

(67) Os limites mínimo e máximo em vigor sito de 50 ha e 1000 ha, respectivamente, conforme despacho do Ministro da Economia.

(68) «O Ministro da Economia poderá, a requerimento dos donos das propriedades sujeitas ao regime florestal, conceder-lhes a reserva de soca e pesca» (artigo 51º)
(69) Cf «O regime florestal na propriedade particular», conferência proferida em 31 de Outubro de 1960 pelo engenheiro silvicultor José Maria da Silva Saldanha Lopes.
(70) A qual cobre actualmente cerca de um terço do território do continente o deverá, segundo estudos feitos, cobrir dois terços do mesmo.

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reservas de caça, como o foi mais uma vez, relativamente á concessão de reservas de pesca pela Lei n.º 2097, de 6 de Junho de 1959.
Todavia, objectar-se-á que a submissão ao regime florestal se não justifica quando os terrenos tiverem características predominantemente agrícolas, além de que a floresta é inimiga de certas espécies de caça.
Não há dúvida de que a perdiz, especialmente, prefere terrenos abertos, fugindo das áreas cobertas de pinheiros e eucaliptos, sobretudo destes. Mas é possível um povoamento florestal não fechado-nos caminhos, valas, linhas ti e água, etc , sendo certo ainda que um montado de sobro ou azinho, por exemplo, é já compatível com qualquer espécie cinegética, como o é igualmente em larga medida o simples revestimento de matas, que muitas vezes é preferível ao de qualquer arborização artificial com vista á protecção e conservação do solo (caso de alguns troços das margens do Guadiana e afluentes).
Acresce que, tendo os terrenos, na sua maior parte, aptidão agrícola, a área a tratar silvícolamente não ultrapassar á um terço da superfície total.
Depois, a necessidade de reconversão cultural das terias pode bem explicar a política de utilizar a concessão de reservas de caça como um dos meios de a atingir.
Em suma compreende-se a sujeição ao regime florestal dos terrenos reservados para caça, mas propõe-se que esta sujeição se faça sem obediência ao limite imposto no § 1º do artigo 42º do Decreto n.º 89 931, de 24 de Novembro de 1954, tratando-se de terrenos com feição predominantemente agrícola. Nestas condições, a obrigação de arborizar poderá ser reduzida substancialmente, de harmonia com as características dos terrenos.

4) Área concelhia destinada a menu de caça

51. Dentro da matéria das reservas de caça, a questão relativa à determinação da área máxima que poderá ser ocupada pelas reservas, no seu conjunto, em cada concelho, é das mais melindrosas.
Na verdade, por um lado, há que fixar um limite suficientemente amplo que permita que as reservas realizem a sua função de conservação e fomento das espécies e satisfaça as pretensões legítimas de todos quantos queiram constituir reservas de caça. Por outro lado, esse limite não pode alargar-se ao ponto de fazer desaparecer espaços livres suficientes para o exercício da caça por parte daqueles que não têm possibilidades de acesso às reservas de caça.
O equilíbrio entre estes interesses é problema difícil, mas há que encará-lo e procurar resolvê-lo com os olhos postos na realidade e nas necessidades do presente e de um futuro não muito longínquo, visto não ser de prever com segurança como as coisas evoluirão para além de certas fronteiras.
Esse limite - também chamado taxa de reserva - é actualmente de 25 por cento.
O projecto de proposta de lei alarga-o um pouco, fixando-o em. um terço (n º l da base XXII)
Este limite parece, todavia, algo acanhado, sobretudo em relação a concelhos do Sul do País que têm áreas muito extensas.
Assim, por exemplo, o concelho de Odemira, com os seus 172 786 ha, o de Mértola, com 131 908 ha, o de Beja, com 117 332 ha, o de Serpa, o de Montemor-o-Novo, o de Évora, o de Coruche, o de Santiago do Cacem, o de Alcácer do Sal, o de Castelo Branco e de Idanha-a-Nova, todos eles com mais de 100 000 ha, permitirão uma taxa de reservas maior, não havendo, em princípio, inconveniente em que atinja 40 por cento da superfície concelhia.
Diversamente, concelhos há cuja superfície é tão pequena - por exemplo, Vila Viçosa (20 160 ha), Almeirim (24 168 ha), Alcochete (9569 ha), Moita (4985 ha), Constância (7940 ha), Golegã (7730 ha), Marvão (15 816 ha), Bombarral (8845 ha), Peniche (7703 ha), Albufeira (14 091 ha), Vila do Bispo (17 932 ha) e a maior parte dos concelhos do Norte do País - que não é compreensível que a taxa de reserva possa atingir, em concreto, o limite dos 40 por cento.
Mas deverá dai-se à Administração a faculdade de fixar, dentro daquele limite, a área a reservar, em relação a Cada concelho, em função de certos factores extensão e características do seu território, designadamente, a densidade populacional, como a inaptidão dos terrenos para a exploração agrícola ou florestal.
Será, pois, a Secretaria de Estado da Agricultura que, tendo em atenção os factores aludidos, fixará concretamente as taxas de reservas concelhias.
Assim, se os terrenos não tiverem ou tiverem uma reduzida aptidão para a exploração agrícola ou florestal, está indicado que se alargue o limite, a fim de proporcionar através da caça um rendimento que por outro modo não seria possível.
O limite indicado é largo? É reduzido?
Vejamos o que se passa nos concelhos dos distritos de Beja, Évora, Portalegre, Santarém e Setúbal, justamente aqueles em que se tem manifestado mais interesse pelas reservas de caça, e, consequentemente, aqueles em que há maior número de concessões

Distrito de Beja (a)

(ver tabela na imagem)

A Lei n º 2060, de 24 de Abril de 1954 (mus recentemente o Decreto-Lei n º 45448, de 16 de Dezembro de 1963) considera de utilidade pública a beneficiação dos terrenos tida como indispensável para garantir a fixação e conservação do solo, dando prioridade às regiões situados ao sul do Tejo e na orla raiana do Centro e do Norte, onde a erosão é mais intensa, e as bacias hidrográficas.

(a) Estes numeroso foram extraídos do um mapa fornecido pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais o Aquícolas sobre «Apuramento das áreas com reserva do caça por distritos o concelhos em 31 de Dezembro de 1965»

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Distrito de Évora

[ver tabela na imagem]

Distrito de Portalegre

[ver tabela na imagem]

Distrito de Santarém

[ver tabela na imagem]

Distrito de Setúbal

[ver tabela na imagem]

Dos números constantes dos quadros anteriores pode concluir-se que nos distritos a que estes se referem, sem dúvida aqueles em que mais reservas de caça há, a área ocupada por estas não ultrapassava, em média, 20 por cento da superfície total do distrito no fim do ano de 1965.
É certo que nesta mesma data estavam pendentes algumas dezenas de requerimentos para obter concessões de caca e também de pesca, mas, no total, os terrenos a que respeitavam somavam apenas 52 275 ha, o que em muito pouco eleva a média acima apontada. (71)
Se, pois, se alargai a taxa de reserva para 40 por cento, como se propõe, logo se verá a ampla margem posta à disposição dos actuais e futuros interessados na concessão de reservas de caça.(72)
Pensa-se que, desta forma, se conseguirá resolver o problema para um número de anos suficientemente amplo. É possível que, decorrido eles, as circunstâncias imponham alterações ou novas soluções, mas isso será o resultado da evolução que em tudo se manifesta.
Por outro lado, não se crê que a taxa de 40 por cento seja atentatória da liberdade de caçar. As medidas adoptadas pela nova lei, máxime, a da criação artificial de caça e do maior respeito pelo defeso e processos lícitos de caçar, mercê de um sistema preventivo e punitivo mais adequado, hão-de favorecer uma maior densidade de espécies De modo que valerá mais caçar numa área reduzida, mas com uma relativa abundância de caça, que caçar numa área mais extensa, mas sem caça ou com muito pouca, como acontece actualmente.

6) «Corredores» ou espaços livres

52. A alínea 6) da base XXII determina que seroo regulamentados «os espaços de terreno ou «corredores» mínimos, onde se]a livre o direito de caçar, entre áreas contíguas submetidas ao regime de reserva»
Também em Itália não é permitida a constituição de uma reserva de caça a distância inferior a 500 m de outra ou outras já existentes (artigo 64 º da Lei de Caça)
A razão é n de criar uma certa dispersão que favoreça um melhor repovoamento cinegético, permitindo ao

(71) A afluência de requerimentos tem a sua explicação, em grande parte, na escassez das espécies e na baixa taxa de reserva, pelo que é de prever que, com o repovoamento cinegético e o alargamento daquela taxa, diminua o interesse pelas reservas de caça.
(72) A extensão das reservas de caça em Itália não pode superar um quinto do território efectivamente útil de cada província (artigo 65º da Lei de 6 de Junho de 1939)

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mesmo tempo caçar livremente nos referidos «corredores», para onde irradiam os animais bravios das reservas.
E certo que a existência destes «corredores» será por vezes fonte de transgressões, além de que sem eles melhor se realizaria a conservação e o desenvolvimento das espécies nas reservas contíguas. Mas entende-se geralmente que eles constituem, em certa medida, uma contrapartida indispensável da concessão das reservas em benefício daqueles que só no terreno livre têm possibilidades de caçar (73)
A Câmara, contudo, entende que os corredores somente se justificam quando a reserva ou conjunto de reservas contíguas sejam superiores a 3000 ha

8) Prazo da concessão de reservas de caça

53. Estando em causa, sobretudo, o interesse público e não em primeiro lugar o interesse particular do concessionário da reserva de caça, compreende-se que à concessão seja assinalado um prazo.
O projecto em apreciação fixa um prazo não superior a seis anos.
Poderá objectar-se que este prazo é demasiado curto, uma vez que a constituição de uma reserva de caça exige providências, com despesos por vezes consideráveis, as quais só decorridos alguns anos começam a dar os seus frutos (74)
Não se nega que assim seja, mas, dado que o prazo é sempre prorrogável, desde que o concessionário cumpra as obrigações impostas, pouco importará que o prazo seja de seis, dez ou quinze anos.
Não parece, contudo, que haja interesse de maior em obrigar o concessionário a requerer a renovação da concessão, a qual deverá operar-se automaticamente, se não houver oposição da Administração, que poderá ter lugar findo o prazo de seis anos ou em momento anterior, no caso de a concessão não funcionar de acordo com as directrizes impostas e as exigências legais.
Bem ao contrario, a obrigação de requerer a renovação da concessão poderia afectar o sentimento de segurança do concessionário escrupuloso no cumprimento dos seus deveres e, ante a ideia de se lhe afigurar instável e limitado no tempo o seu direito, demovê-lo de levai a efeito os investimentos e outros medidas necessárias ao repovoamento das espécies.
Poderá suceder que os terrenos de uma reserva de caça sejam transferidos por acto entre vivos ou por morte. Tal facto não deverá acarretar a caducidade da concessão, pois que, se tem interesse a qualidade da pessoa do concessionário e a sua capacidade financeira e técnica na orientação da reserva, não têm menor importância os aspectos objectivos respeitantes à natureza e extensão dos terrenos e à função de protecção e fomento da caça que a reserva esteja desempenhando.
Por isso se propõe que o caso seja expressamente previsto na lei.

7) Reservas concelhias de caça

54. O projecto de proposta de lei refere várias vezes as reservas de caça exploradas pelas comissões venatórias para lhes conceder protecção, sob alguns aspectos preferência no deferimento dos pedidos de concessão, isenção da taxa, permissão da cobrança de uma quantia pela autorização de caçar, possibilidade do arrendamento, negada quanto às restantes reservas.
Compreende-se este regime proteccionista, mas parece justificar-se que se vá mais além
Por isso, entende-se que deverá impor-se expressamente na lei o obrigação de a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas estimular as comissões venatórias a constituírem reservas de caça, especialmente nas regiões onde predomina a pequena propriedade, concedendo-lhes para o efeito os meios necessários.
E supõe-se ser de grande alcance estabelecer que em tais reservas somente seja lícito caçar aos caçadores residentes no respectivo concelho ou dar-lhes preferência para o exercício da caça em condições a fixar.
Com a criação de reservas deste género ir-se-á despertar em muitos caçadores, inimigos das reservas de caça ou incrédulos quanto às suas vantagens, a compreensão por elas, primeiro passo para a sua expansão.
Com efeito, quando o caçador verificar que lhe é possível, numa dessas reservas, satisfazer o seu entusiasmo, com a certeza de matar num dia alguns exemplares de caça, mediante o pagamento de uma pequena quantia, a fixar de harmonia com as suas possibilidades económicas, lembrando-se ainda de que essa reserva lhe «pertence», na medida em que lhe está destinada, bem como aos restantes caçadores residentes no mesmo concelho, sentirá necessariamente a utilidade da reserva e então vê-la-á com compreensão e carinho.
Pensa-se com grande convicção que a estas reservas concelhias de caça está destinado um relevante papel na conservação e fomento da caça, sobretudo nas regiões onde predomina a pequena propriedade, pois aí há naturalmente maiores dificuldades na sua constituição, no mesmo tempo que servirão para modificar a mentalidade de muitas pessoas que actualmente se recusam a aceitar os benefícios dos reservas de caça em geral.
E se se atentar em que as reservas concelhias de caça a todos servem, mesmo aos caçadores de mais modestos recursos económicos, concluir-se-á também sobre os seus salutares efeitos, de ordem social (73)
E ainda outras vantagens poderão advir de tais reservas, entre elas a da educação cinegética dos caçadores.
A propósito destas reservas concelhias, terá interesse aludir às associações comunais e intercomunais de caça organizadas em França pela Lei n.º 64-696, de 10 de Julho de 1964, a que este parecer já fez referência.
Não coincidem certamente na sua organização com as reservas concelhias de que se vem falando, mas aproximam-se delas quanto às suas finalidades e às razões que as determinaram.
Assim, «as associações comunais ou intercomunais de caça têm por fim favorecer sobre o seu território o desenvolvimento da caça e a destruição dos animais nocivos, a repressão do furtivismo, a educação cinegética dos seus membros no respeito pela propriedade e pelos seus frutos e, em geral, assegurar uma melhor organização técnica.

(73) O citado artigo 64º da lei italiana contém uma providência destinada a favorecer os caçadores que não têm meios de se deslocar a grandes distâncias, a qual consiste em deixar-se livre para caçar uma faixa de terreno com a profundidade mínima de 15 km em volta das cidades capitais de províncias

(74) À Lei da Pesca fixa um prazo não superior a dez anos, prorrogável, para as concessões de pesca (artigo 6 º)

Na Itália as- concessões de reserva de caça são por prazo não superior a quinze anos, prorrogável (artigo 51 º da citada Lei de Caca)

(73) Nada impede, mas tudo aconselha até, que as câmaras municipais, constituam reservai, de caca com a mesma finalidade nos terrenos sob a sua administração, para o que deverá contribuir o Fundo Especial da Caca e (Pesca, sempre que necessário, visto que lhe compete, de maneira geral, suportar os encargos com quaisquer providências adequadas ao fomento e protecção da caça

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da caça a fim de permitir aos caçadores um melhor exercício deste desporto» (artigo 1º)

Quanto às razões que levaram à criação das referidas associações, lê-se no relatório do Senado Trances que lhes respeita «A licença anual não confere ao seu titular nem o direito de caça (atributo do direito de propriedade) nem o direito de dispor de espécies cinegéticas que quase desapareceram. A criação de sociedades comunais fará desaparecer esta espécie de logro, ela dará aos seus membros um direito de caça efectivo sobre os terrenos das sociedades comunais e a possibilidade de ter caça à sua disposição, graças à organização racional da sociedade e a um repovoamento efectivo e eficaz das espécies»
A importância atribuída a estas associações de caça é tal que os proprietários de terrenos com área inferior a 20 ha podem ser compelidos a entrar com eles para a associação comunal, adquirindo, em contrapartida, o direito de caçar em todos os terrenos da associação .(artigos 3º e 4º da citada lei)

8) Arrendamento de reservas de caça

55. Eis-nos chegado a um outro ponto importante do regime das reservas de caça O n.º 1 da base XXIX do projecto em estudo dispõe.

As autorizações de constituição de reservas de caça são inseparáveis dos terrenos a que respeitam, não podendo os respectivos direitos ser cedidos por qualquer forma, independentemente da propriedade dos terrenos.

Isto significa justamente que se pretendeu proibir o arrendamento das reservas de caça, com uma única excepção quando se trata de «cedência de reservas a favor de comissões venatórias» (nº 3 da citada base)
A razão desta orientação deve assentar na seguinte ordem do considerações
Por um lado, o arrendamento poderá frustrar a função da reserva, uma vez que o arrendatário, movido pelo seu interesse próprio, será levado a caçar o mais possível, atingindo o próprio capital cinegético.
Por outro, poderá repugnar que o titular da reserva, através de uma concessão que em certa medida constitui um privilégio gratuitamente cedido, vá auferir benefícios de ordem material, por vezes elevados.
Não há dúvida de que estas considerações, que se crê terem determinado a proibição dos arrendamentos, são de ponderar atentamente, porque encerram uma grande parcela de verdade.
Desta sorte, a defesa da solução a favor do arrendamento só sara possível, se se instituir um regime que evite os apontados inconvenientes e houver fortes razões de ordem jurídica, económica e prática que o justifiquem
Comecemos por este último aspecto.
Não se desconhece certamente que uma das características do direito moderno é o da mais ampla liberdade negocial. Com efeito, «cumpre salvaguardar, quanto possível, a liberdade contratual, que só deve ser limitada até onde o impuserem as exigências supremas do bem comum e da justiça» (76)
Por outro lado, o arrendamento de reservas de caça possibilita o aproveitamento de uma parcela de rendimento justamente naqueles casos em que «os proprietários não possuem capital suficiente, ou não têm capacidade técnica ou jurídica para a direcção de uma empresa agrícola, ou que são obrigados a dedicar-se a outras actividades», razões estas que podem ser invocadas - e já o foram (77) - para justificar o próprio contrato de arrendamento rústico
Não se pense, na verdade, que a exploração de uma reserva de caça é assim coisa tão simples.
E, se se pretende valorizar as terras através da caça, aumentando a sua rendibilidade, então impõe-se reconhecer o arrendamento, único meio, em muitos casos, como os atrás apontados, de tornar viável o aproveitamento da riqueza cinegética
Relativamente à objecção de que a concessão da reserva constituir um privilégio que não deve ser negociável, algo de importante é possível responder.
Antes de mais, o Estado não faz a concessão com os olhos postos no interesse particular do concessionário, mas com vista à satisfação do interesse geral da conservação e fomento das espécies Assim, o concessionário, desde logo, e na medida em que cumprir as obrigações que lhe foram impostas, não usufrui apenas egoísticamente um certo direito, mas realiza simultaneamente uma finalidade de interesse público.
Depois, está fora das realidades quem pense que a reserva de caça só traz benefícios, e não também encargos.
Pois, na verdade, há que delimitar e sinalizar a propriedade, manter e sustentar a fiscalização, pagar a taxa anual, renunciar a certas formas de exploração agrícola (gado porcino, por exemplo) em algumas áreas, pelo menos, custear os repovoamentos cinegéticos e as outras medidas de fomento a efectuar na reserva, contribuir em espécies, dentro dos limites regulamentados, para o repovoamento dos terrenos onde é livre o direito de caçar, para falar somente nas obrigações e encargos principais.
Sendo assim, o arrendamento será uma forma de compensar tais encargos.
Quanto à objecção de que o arrendamento poderá frustrai a função da reserva pela actuação dos arrendatários, interessados em explorar o mais possível aquela, ela procede, pois, se muitos arrendatários são conscienciosos muitos outros não o são.
Mas a dificuldade poderá ser arredada se for possível conseguir uma disciplina para o arrendamento de modo a desencorajar os arrendatários pouco escrupulosos.
E esta Câmara crê que isso é possível.
Para tanto, deverá determinar-se que, para o caso da não renovação do contrato de arrendamento, possam estabelecer-se restrições especiais ao exercício da caça para o último ano do prazo do contrato, pois será nele, especialmente, que incidirá a actuação prejudicial daqueles arrendatários
Além disso, a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, oficiosamente ou a requerimento do concessionário locador, deverá ter a faculdade de fazer cessar o arrendamento mediante simples notificação ao arrendatário, que não deve ter direito a qualquer indemnização, no caso de comprometer seriamente a função da reserva como meio de protecção e desenvolvimento das espécies (78)
Por outro lado, o arrendamento deverá ser levado ao conhecimento da Secretaria de Estado da Agricultura, a fim de que esta possa apreciar a idoneidade dos arrenda-

(76) «Revisão do Código Civil Português», conferência pronunciada pelo Prof Galvão Teles na Universidade de 1955, parte final.
(") Cf o já referido parecer da Câmara Corporativa sobre o arrendamento da propriedade rústica (in Pareceres da Câmara Corporativa, VII Legislatura, vol. I, p 848)
(78) Esta faculdade compreende-se inteiramente, em nome do interesse público. Assim como poda revogar-se a concessão, também poderá evidentemente fazer-se cessar o arrendamento.

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tários e exercer o devido contrôle, inclusivamente para o efeito do pagamento da taxa prevista no n.º 3º da base XXXVII (79)
Deverá ainda fazer-se depender a validade do contrato de documento escrito, que facilita a prova do mesmo e permite à Administração conhecer o arrendatário e apreciar os termos do contrato (80)
Afigura-se ainda conveniente estabelecer um prazo mínimo para o arrendamento. Colhem aqui, e com a devida adaptação em certa medida, as razões que impõem um prazo mínimo de duração para o contrato de arrendamento da propriedade rústica procurar que o «rendeiro, gozando de maior estabilidade, se sinta estimulado a explorar a terra mais racionalmente e a benfeitorizá-la - pois saberá ter tempo para colher ele próprio os benefícios desse dispêndio de dinheiro ou trabalho»
«A preocupação principal do legislador deve ser a de estimular a boa gestão económica da coisa e o seu melhoramento, para que ela se valorize e produza mais, com proveito de ambas as partes e da economia nacional (81)»
À duração do arrendamento de uma reserva de caça deve, pois, ser suficientemente ampla, a fim de preservar a integridade desta e a função que lhe compete de protecção e fomento da caça. Neste sentido, propõe-se o prazo de três anos.
A violação das obrigações de comunicar a celebração do contrato de arrendamento à entidade competente superior e de o reduzir a escrito ou de observar o prazo mínimo de duração deverá acarretar sanções. A mais adequada parece ser a aplicação de uma multa, não inferior a 50 000$, por via administrativa, paralelamente ao que sucede quando o concessionário não cumpre as obrigações impostas na lei ou as condições fixadas na concessão (base XXXI, n.º 2º, in fine)
Eis um conjunto de providências que atenuarão em medida apreciável os alegados inconvenientes do arrendamento de reservas de caça, não havendo, por isso, motivos bastantes para o proibir. (82)
De resto, a proibição legal não impediria os arrendamentos clandestinos, com todas as desvantagens que eles comportam.

56. Será de permitir o subarrendamento de uma reserva de caça?
A resposta deverá ser afirmativa, se ele desempenhar uma função útil e necessária.
Ora, afigura-se que não é o caso.
Com efeito, do subarrendamento de uma reserva de caça poderá dizer-se o que se diz em relação ao subarrendamento da propriedade rústica «um processo de criar uma classe de intermediários puramente parasitária, vivendo à custa do senhorio e do inquilino, e sem nenhum benefício social ».(83)
Mas já coisa diferente poderá entender-se quanto à cessão do direito ao arrendamento, que é, na verdade, uma figura jurídica distinta do subarrendamento.

Na cessão há uma transferência de direitos, o arrendatário deixa de figurar na relação jurídica, desaparece, sendo substituído pelo cessionário, que entra na posição jurídica do primitivo locatário. Na sublocação, pelo contrario, o arrendatário mantém-se, não cede o seu direito, não se deixa substituir, continua a ser, perante o senhorio, o único contraente. Na sublocação subsistem, pois, dois contratos de arrendamento, sendo o primeiro arrendatário senhorio em relação ao segundo, não se criando quaisquer laços jurídicos entre o verdadeiro senhorio e o segundo arrendatário.
A sublocação dá lugar a uma classe parasitária, mas não a cessão do direito ao arrendamento, visto neste coso, o arrendatário demitir de si todos os seus direitos contratuais, que são transmitidos ao novo arrendatário.
Pode haver em certos casos especulação, tratando-se de uma cedência onerosa. Mas essa especulação não é, de per si, razão bastante para se proibir o negócio A doutrina francesa, muito sensatamente, e reagindo contra a sua própria lei, aparentemente clara, tende a aproximar esta cessão do traspasse de um estabelecimento comercial. Em ambos os casos se considera de justiça que o arrendatário beneficie da mais-valia que resulta da sua própria actividade. Não importa que seja um estabelecimento ou seja uma exploração agrícola. Se, findo o contrato, neste último caso, há direito a uma indemnização por benfeitorias, deve poder o arrendatário traspassar os seus direitos onerosamente.
Claro que deve exigir-se sempre o consentimento do senhorio. Não se lhe pode impor um arrendatário que lhe não agrade, um cultivador indesejável (84)
Ora estas considerações servem igualmente, com as devidas adaptações, quanto a cessão do direito ao arrendamento de uma reserva de caça, e justamente para o efeito de justificar a sua admissibilidade.
E também, neste caso, deverá exigir-se, além da comunicação da cessão à Secretaria de Estado da Agricultura, o consentimento do titular da reserva, por não ser indiferente a pessoa do cessionário, as suas qualidades pessoais e a sua aptidão técnica e financeira para a gestão da reserva.

57. Tem-se vindo a falar do arrendamento de reservas de caça
Será, porém, rigoroso, sob o aspecto jurídico, dizer-se que há aqui um contrato de arrendamento?
Segundo Gigolini, «trata-se de um negócio jurídico através do qual o concessionário locador se obriga a fazer gozar uma reserva, isto é, um complexo de terrenos reservados ao exercício exclusivo da caça, em favor do titular da concessão e mediante o pagamento de um preço.

(79) Em Itália o arrendamento depende do autorização do Ministro da Agricultura e exige-se igualmente documento escrito.
(80) O arrendamento não retira ao concessionário a qualidade de titular da reserva Ele continuará a responder perante o Estado concedente pelo cumprimento das obrigações, pois não cedeu o seu direito, mas simplesmente o arrendou. O arrendatário, por sua vez, terá as suas relações com o respectivo concessionário locador, estas de natureza privatística.
(81) Citado parecer da Câmara Corporativa sobre o arrendamento da propriedade rústica (in Pareceras da Câmara Corporativa, VII Legislatura, vol. i, p 392)
Os arrendamentos rurais não podem ser celebrados por menos de seis anos, com excepção dos arrendamentos familiares (bases III e XXIII da Lei n.º 2114, de 15 de Junho de 1962)
(82) À proibição seria também largamente prejudicial à exploração turística da caça, na qual muitos depositam os melhores esperanças.
(83) Cf o citado parecer da Carona Corporativa sobre o arrendamento rústico (in Pareceres da Câmara Corporativa, VII Legislatura, vol. I, p 486)
(•*) Citado parecer da Câmara Corporativa (in Pareceres da Câmara Corporativa, VII Legislatura, vol. I, p 489)

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Trata-se de um contrato que, não obstante as características próprias resultantes da sua particular finalidade, se aproxima substancialmente do contrato de locação de imóveis rústicos.
O objecto do contrato são os terrenos. Poderá objectar-se que o exercício da caça conferido ao arrendatário tem por objecto os animais bravios, os quais não são considerados frutos do terreno reservado, mas constituem res nullius, que passam à propriedade do primeiro ocupante.
Tal objecção é exacta, mas não poderá esquecer-se que para exercer a caça é necessário Ter o gozo do terreno no qual vivem os animais bravios, introduzindo-se nele, percorrendo-o e adaptando-o, se necessário, às necessidades da caça, de modo que o exercício da caça está ligado intimamente ao terreno. Assim, o arrendatário da reserva deve ter o gozo e posse do terreno reservado, ainda que somente para o fim de exercer a caça Trata-se de um uso limitado, é certo, mas sempre implica o gozo de terrenos alheios.
Ao argumento de que o objecto do arrendamento não são os terrenos, mas a reserva, deverá responder-se que esta não é outra coisa senão um complexo de terrenos reservados para caça em benefício do titular da reserva» (85)
A estes contratos de caça já esta Câmara teve ocasião de se referir ao apreciar o projecto de proposta de lei sobre o arrendamento da propriedade rústica
Escreveu-se então

A alínea c) da base XXIV refere-se, para efeitos do regime novo, aos contratos de caça e pesca.
O Governo deve querer referir-se aos contratos de cedência temporária, e mediante certa retribuição, do direito de caçar e pescar em terrenos coutados, já que nos terrenos livres não existem direitos exclusivos transmissíveis por contrato, ao contrário do que sucede na generalidade das legislações estrangeiras.
Parece de toda a evidência que a concessão de tais direitos não importa o arrendamento do prédio, sobretudo se se aceita o conceito de arrendamento agrícola expresso na primeira base proposta por esta Câmara.
Os contratos de caça são, mais rigorosamente, contratos inominados, sui generis, a que se aplicam, por analogia, as disposições do arrendamento ou da compra e venda. Mas que sejam havidos como contratos de arrendamento, eles não têm por objecto o prédio rústico em si, mas um direito sobre o prédio, e, portanto, não se podem confundir com os arrendamentos agrícolas. (86)

Ao ti atar do objecto do arrendamento e do aluguer, referem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela.

Apesar de a lei falar somente em coisas moveis e imóveis, parece, pelo menos em certos casos, que também os direitos sobre essas coisas podem ser objecto de aluguer ou de arrendamento. Está, por exemplo, nestes casos, o traspasse do direito de caçar num certo couto, o traspasse do direito de colher durante certo tempo a cortiça produzida numa herdade, mediante uma retribuição certa Dever-se-ia falar, portanto, em coisas mobiliárias e imobiliárias. (87)
Em suma de tudo o que fica exposto, afigura-se lícito falar de arrendamento de uma reserva de caça, conquanto devam ter-se sempre presentes as particularidades próprias. (88)

58. Atendendo a todas as considerações atrás feitas sobre a matéria relativa ao regime das reservas particulares de caça, sugere-se que as bases do projecto de proposta de lei que lhe respeitam sejam substituídas por estas outras, além da base XXVI, já proposta (n.º 46)

BASE XXVII

1 Podarão requerer a concessão do reservas ou coutadas de caça

a) O proprietário dos terrenos, bem como o usufrutuário, o enfiteuta, ou o arrendatário com o consentimento daqueles, individualmente ou em grupo,
b) As comissões venatórias concelhias, desde que provem o consentimento das pessoas indicadas na alínea anterior,
c) As associações, de caçadores legalmente constituídas, em conjunto com as pessoas designadas na alínea a), ou com o seu consentimento,
d) As câmaras municipais e as juntas de freguesia, quanto aos terrenos por si administrados, e os órgãos de administração com competência em matéria de turismo a que se refere a base V da Lei n.º 2082, de 4 de Junho de 1956, nas condições referidas na alínea b)

2 Cada reserva de caça poderá ser constituída por terrenos de uma só pessoa ou de várias, nos termos da alínea a) do número anterior.
3 Os terrenos das reservas de caça consideram-se submetidos ao regime florestal parcial, de harmonia com as suas características, sem sujeição ao limite fixado no § 1º do artigo 42º do Decreto n.º 39 931, de 24 de Novembro de 1954, tratando-se de terrenos do feição predominantemente agrícola.

BASE XXVIII

1 Na concessão de reservas de caça dar-se-á preferência pela seguinte ordem

a) Aos pedidos que respeitem a terrenos que beneficiem da declaração de interesse turístico cinegético,
b) Aos pedidos que respeitem a terrenos que não tenham aptidão ou com aptidão reduzida para a exploração agrícola ou florestal,

(85) Ob eit, p 480
(86) Citado parecer da Câmara Corporativa (in Pareceres da Câmara Corporativa, VII Legislatura, vol. I, p 876)
(87) Noções Fundamentais de Direito Civil, vol. I, p. 546 (6ª edição)
(88) No contrato de arrendamento do prédios rústicos poderá pôr-se o problema do saber se o gozo do prédio inclui o direito de caça.
Cloro que, se não há reserva constituída, o problema não se põe, visto que, sendo a caça res nullius, o arrendatário pode, como qualquer outro cidadão, exercer o direito de caça nos terrenos arrendados.
Se há reserva de caça constituída, o problema é de interpretação da vontade das partes, a resolver em face do contrato ou dos usos da terra, nos termos gerais do artigo 704 º do Código Civil, não se esquecendo que o arrendatário pode servir-se do prédio «tão-sòmente para uso convencionado ou conforme com a sua natureza», aos termos do Decreto n.º 5411, artigo 22º, n.º 3 [cf o citado parecer da Câmara Corporativa, 55, e Carraia, I Contratti Agrari, 277 (4ª edição)]

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c) Aos pedidos que respeitem a terrenos submetidos a regime florestal de simples poluía, para os quais se mostre executado ou em execução o respectivo plano de arborização, tratamento e exploração,
d) Aos pedidos apresentados pelas comissões venatórias,
e) Aos pedidos feitos por quem se proponha instalar postos de criação artificial de caça,
f) Aos podidos apresentados conjuntamente pelos proprietários ou possuidores dos terrenos e por associações de caçadores, legalmente constituídas, que se encarreguem de administrar e explorar a reserva,

2. Em igualdade de condições previstas no n.º 1, ou na sua falta, será dada preferência.

a) Aos interessados que não beneficiem ainda de reservas de caça, ou, se todos já delas beneficiarem, aos que disponham do menores áreas em tal regime,
b) Aos pedidos primeiramente formulados

3. O interesso turístico cinegético será declarado pela Presidência do Conselho, da qual as respectivas reservas de caça ficam a depender nos aspectos ligados a exploração turística.
4. Os pedidos de concessão de reserva de caça serão devidamente publicados, nos termos a fixar em regulamento.

BASE XXIX

1. Compete ao Governo, por meio de portaria, a concessão de reservas de caça, ouvida a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas,
2. Na apreciação do pedido do concessão de reservas de caça atender-se-á não só à idoneidade moral do requerente como às suas possibilidades técnicas e económicas em face das obrigações que tora do assumir.
3 Não poderá conceder-se a reserva quando os terrenos não revestirem as condições indispensáveis a função de protecção e desenvolvimento das espécies.

BASE XXX

1. A, área sujeita ao regime de reserva de caça poderá variar de concelho para concelho, e será fixada em portaria, conforme a sua extensão o características, designadamente a inaptidão dos terrenos para a exploração agrícola ou florestal, a densidade da população e as condições de desenvolvimento das espécies, não podendo, porém, exceder 40 por cento do respectivo território.
2. As áreas máxima e mínima de cada reserva do caça ou conjunto do reservas de caça serão fixadas em regulamento, tendo em atenção as características dos terrenos, assim como a sua afectação a exploração para fins turísticos ou a caça maior.
3. Os espaços do terreno ou «corredores» mínimos, onde seja livre o direito do caçar, entre áreas contíguas submetidas ao regime de reserva, serão igualmente fixados em regulamento, desde que a área da reserva ou conjunto de reservas contíguas soja superior a 3000 ha

BASE XXXI

1. As reservas do caça serão concedidas por prazo não superior a seis anos, prorrogável, por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do que- se estabelece no número seguinte.
2. Mediante proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, poderá em qualquer altura ser declarada extinta a concessão de reserva do caça ou reduzida a sua área nos terrenos em que esse regime se torne inconveniente para o interesse publico, ou em que não sejam cumpridas as obrigações impostas na lei ou as condições fixadas na concessão, no caso deste incumprimento, podo optar-se por uma multa ato 50 000$, a impor administrativamente, ouvido o interessado.
3. Se o regime de reserva de caça tiver sido requerido pelo usufrutuário dos terrenos, sem intervenção do respectivo proprietário, caducará a concessão com a extinção do usufruto, desde que o proprietário não requeira a sua renovação
4. A transmissão dos terrenos por acto entre vivos ou por morte não envolve a caducidade da respectiva concessão de reserva de caça.

BASE xxxii

O concessionário de uma reserva de caca e obrigado

a) A pagar uma taxa anual,
b) A delimitar e sinalizar a respectiva arca,
c) A cumpra o regulamento da Administração e exploração da reserva e as condições que tenham sido fixadas na concessão,
d) A manter a fiscalização permanente da reserva,
e) A executar os repovoamentos cinegéticos e as mitras medidas de fomento,
f) A contribuir em espécies, dentro dos limites regulamentados, para o repovoamento cinegético dos terrenos onde e livre o direito de caçar,

BASE XXXIII

1. As taxas anuais a pagar pelas reservas de caça serão progressivas e fixadas em função das respectivas áreas considerando-se, para a determinação do escalão aplicável, a superfície total das reservas pertencentes à mesma pessoa.
2. Para as reservas destinadas à caça maior poderá estabelecer-se um regime especial do taxas menos oneroso.
3. Ficam isentas de pagamento da taxa as reservas exploradas pelas comissões venatórias e pelas entidades referidas na alínea d) do n" l da base XXVII, as que beneficiem da declaração de interesse turístico, e bem assim, durante os cinco primeiros anos, aquelas que resultem da associação do vários proprietários ou usufrutuários, enfiteutas ou arrendatários de terrenos nas regiões onde predomina a pequena propriedade.
4. A requerimento dos interessados e com parecer da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, pode o Governo conceder em cada ano redução da taxa, até 50 por cento, para as reservas em que tal se justifique, poios resultados obtidos no fomento das espécies cinegéticas, designadamente por meio de medidas de protecção e de repovoamento naturais ou artificiais.

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BASE XXXIV

1 A Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas deverá estimular as comissões venatórias a constituírem reservas de caça, especialmente nas regiões onde predomina a pequena propriedade, concedendo-lhes para o efeito os meios necessários.
2 Poderá estabelecer-se que em tais reservas somente seja licito caçar aos caçadores residentes no respectivo concelho ou dar-se-lhes preferência para o exercício da caça nas condições que forem fixadas.

BASE XXXV

Pode ser fixado, em função da densidade das espécies das respectivas arcas, o número máximo do exemplares de certa ou certas espécies que em cada época venatória ó permitido abater nas reservas de caça.

BASE XXXVI

1 Nas reservas exploradas pelas comissões venatórias poderão estas, quando autorizadas pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, cobrar uma quantia, dentro dos limites fixados em regulamento, pela concessão do automação para caçar na respectiva área.
2 Nas reservas que beneficiem da declaração de interesse turístico e concedida igual faculdade à entidade exploradora, de harmonia com o que for estabelecido pela Presidência do Conselho.

BASE XXXVII

1 O arrendamento de uma reserva de caça terá de ser comunicado à Secretaria de Estado da Agricultura pelo concessionário locador dentro de um mês, a contar da celebração do contrato, e só e valido se constar de documento escrito.
2 O prazo de arrendamento não poderá ser inferior a três anos.
3 Pelo arrendamento pagará o concessionário locador a taxa de 5 por cento do preço convencionado.
4 A violação do disposto nos n.º l e 8 desta base acarretará a aplicação da multa prevista no nº 12 da base XXXI, que será fixada em função da renda.

BASE XXXVIII

1 Para o caso da não renovação do contrato de arrendamento da reserva de caça poderão estabelecer-se restrições especiais ao exercício da caça para o último ano do prazo do contrato.
2 O concessionário locador continua a ser o titular da concessão da reserva de caça, respondendo pelo cumprimento das obrigações que, em tal qualidade, lhe são impostas.
3. A Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, oficiosamente ou a requerimento do concessionário locador, poderá jazer cessar o arrendamento, mediante simples notificação ao arrendatário, no caso de este comprometer seriamente a função da reserva como meio de protecção e desenvolvimento das espécies, o qual não terá, por esse facto, direito a qualquer indemnização.

BASE XXXIX

1 É proibido o subarrendamento das reservas de caça.
2 A cessão de direito ao arrendamento é permitida com o consentimento do concessionário locador, devendo o arrendatário levá-la ao conhecimento da Secretaria de Estado da Agricultura, nos termos do n.º l da base XXXVII.
3 A infracção do disposto no n.º l, bem como a falta do consentimento e da comunicação referidos no n.º 2, sujeitam o arrendatário u multa a que se refere o n. 1 da base XXVII

§ 4.º Reservas zoológicas e zonas de protecção

59. Com um fim mais acentuado de protecção e fomento dos espécies cinegéticas, o projecto em estudo prevê a constituição de reservas zoológicas e zonas de protecção.
Às reservas zoológicas preside primacialmente uma finalidade científica, proibindo-se nos respectivos terrenos quaisquer actividades que perturbem o desenvolvimento da fauna e da flora ou alterem o meio ambiente e natural das suas espécies  protecção a fauna e a flora é, pois, integral.
Nas zonas de protecção encara-se, sobretudo, a defesa e fomento das espécies, mas não se proíbe em absoluto a caça nem outras actividades.
O pensamento parece ter sido - e, se não o foi, afigura-se que se justifica que se adopte agora - o de prever a criação de reservas integrais e reservas parciais de caça , e, por isso, se sugere a seguinte redacção para a base que ti ata da matéria.

BASE XL

1 O Governo devera, ouvido o Conselho Nacional da Caça. constituir em terrenos do Estado ou de outras entidades, ou autorizar que se constituam noutros terrenos, com o consentimento dos respectivos proprietário", reservas ecológicas e zonas de protecção, cujo regime será o estabelecido em regulamento.
2 Nas reservas zoológicas ou reservas integrais de caça são inteiramente proibidas, não só a caça de qualquer espécie, como também a prática de actividades que possam perturbar o desenvolvimento da flora e da fauna da área ou alterar o meio ambiente e natural das suas espécies.
3 Nas zonas do protecção ou reservas parciais de caça são proibidas, além da caça de determinada ou determinadas espécies, as actividades que prejudiquem o seu desenvolvimento.

§ 5.º Criação artificial de caça

60. A base XXXI do projecto do Governo prevê a instalação de postos de reprodução artificial de caça (mais exacto será falar em postos de criação artificial de caça) destinados à criação de espécies cinegéticas para fins de fomento ou de exploração industrial.
Acontece que há já entre nós em funcionamento postos desta natureza, com o que se prova uma vez mais que as realidades frequentemente se antecipam à sua consagração legal.
Nesta providência está certamente um importante factor do fomento cinegético do País As espécies assim criadas, em quantidades que é possível controlar, irão repovoar as regiões carecidas de caça E como os fundos destinados a suportar os encargos com o fomento das espécies aumentarão substancialmente, em resultado, especialmente, da elevação das taxas das licenças de caça, não haverá obstáculos do ponto de vista financeiro.
Os chamados "parques nacionais de caça" poderão incluir-se na designação genérica de zonas de protecção ou reservas parciais.

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Por sua vez, a exploração industrial dos referidos postos pode ter também uma influência favorável à protecção da caca, uma vez que engrossará os mercados e, nessa medida, fará diminuir a procura junto dos caçadores que SP dedicam à caça com fim lucrativo, que, assim, terão de vender a preços mais baixos a caça abatida, o que lhes reduzirá o interesse pela sua actividade lucrativa.
Nesta matéria da criação artificial da caça, afigura-se que as entidades oficiais deverão dai o exemplo e o estímulo, e, por isso, se sugere que a lei ponha a cargo da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas a obrigação de instalar, ou de promover a instalação de um ou mais postos de criação, de harmonia com as necessidades de repovoamento das espécies.
E, salva esta sugestão, parece nada haver a objectar as bases do projecto, as quais também isentam, por motivos compreensíveis, os postos de reprodução com o objectivo exclusivo de fomento cinegético de quaisquer impostos, contribuições ou taxas nos primeiros dez anos do seu funcionamento, isenção susceptível de ser prorrogada.
Pelo exposto, as bases em referência ficariam assim redigidas.

BASE XLI

1 Poderão ser instalados postos de criação artificial de caça, destinados à criação de espécies cinegéticas para fins de fomento ou de exploração industrial
2 A Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas deverá promover a instalação de um ou mais postos de criação artificial de caça, de harmonia com as necessidades de repovoamento das espécies.
3 A instalação dos postos deponde de automação da Direcção-Geral dos Serviços. Florestais e Aquícolas, ouvida a Direcção-Geral dos Serviços Pecuários sobre os aspectos sanitárias.
4 Os referidos organismos exercerão, respectivamente, a fiscalização dos postos e a sua inspecção sanitária.

BASE XLII

1 Os postos de criação com objectivo exclusivo de fomento cinegético estão isentos, de quaisquer impostos, contribuições ou taxas nos primeiros de anos do respectivo funcionamento.
2 Decorrido este prazo, poderá a isenção ser prorrogada pelo Governo, pelo período que for fixado.

§ 6.º Comercio da caça

61. As bases XXXIII a XXXV referem-se ao comércio e transporte da caça
pensa-se que o regime desta matéria deve 11 para regulamento (assim é em França - Godé Rural, artigo 372), sem prejuízo de se fixarem na lei alguns princípios essenciais, como o da proibição da venda, aquisição e exposição ao público de caça durante o período de defeso C10), com as excepções que ele deve comportar exemplares contidos em conservas ou frigoríficos industriais, com selagem obrigatória neste último caso.
Um outro ponto essencial é o da selagem da caça, que abrange tanto as espécies abatidas como as criadas nos postos de reprodução com fins industriais
Ela tem em vista evitar que seja iludida a proibição de caçar no defeso, pois que a caça que for abatida neste período não poderá ser selada, e daí que não possa ser vendida ou transportada.
Por outro lado, a selagem importará o pagamento de uma taxa, que reverterá para o Fundo Especial da Caça e Pesca.
No aspecto pi ático não haverá dificuldades irremovíveis quanto à selagem os que se dedicam à compra de caça para revenda encarregar-se-ão certamente de a selar
É certo que alguma caça escapará à selagem - aquela que não vai para os mercados, hotéis ou pensões, sobretudo -, mas isso não poderá evitar-se, além de que não deve ser motivo de preocupação, pela sua reduzida quantidade.

62. A base XXXIII proíbe a venda da caça a todos os que não sejam caçadores "profissionais", comerciantes e industriais de caça ou não explorem hotéis, restaurantes e estabelecimentos similares, com excepção dos exemplar es criados em postos de reprodução industrial.
Crê-se que não se justifica tal proibição Ela conduziria até a valorizar a actividade do caçador "profissional" por forma especial, dado que só a eles seria lícito abater caça para vender, e já por mais de uma vez neste parecer se salientou a necessidade de criar restrições àquela actividade, por ser perniciosa a protecção das espécies nos tempos de hoje em que tanto escasseiam
Depois, impedir-se-ia a venda de caça por parte dos titulares de reservas de caça, aos quais se justifica permitir que lancem mão deste meio para se ressarcirem, ao menos, em parte, das despesas que a constituição e o funcionamento de uma reserva importam.
E só assim (excluindo o processo do arrendamento) é possível que as terras proporcionem, através da caça, uma rendabilidade, que, como já foi posto em relevo neste parecei:, não poderá desprezar-se, e, bem ao contrário, importa aproveitar em nome do interesse individual e colectivo.
Por isso, entende-se que deve ser eliminada a base e em apreciação, e, de harmonia com o exposto, propõem-se as seguintes bases.

BASE XLIII

1 Constará de regulamento o regime relativo ao comércio e transporte das espécies cinegéticas, designadamente a fixação da data do inicio da sua venda ao publico e a obrigatoriedade da sua selagem, com pagamento de taxa, assim como a proibição de venda de exemplares de todas ou de algumas espécies.
2 É proibida a venda, aquisição e exposição ao público de caça durante o período de defeso.
3 Exceptuam-se desta proibição os exemplares em conserva ou contidos em frigoríficos industriais e bom assim os criados nos postos de reprodução artificial, devendo, nos dois últimos casos, ser devidamente selados.

BASE XLIV

l O Governo poderá proibir ou limitar a exportação de caça sempre que tal se mostre necessário, bem como proibir a importação de exemplares vi(...)

Também a Lei n º 2007 sobre pesca proíbe, sob pena da prisão e multa, a venda, aquisição e simples exposição ao público de peixe fresco durante a época do respectivo defeso (base XXIII).

Esta base é igual à base XXXV do projecto, à qual nada há a opor

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voa do quaisquer espécies cinegéticas que sejam inconvenientes
8 Não poderá ser feita a importação de nenhum exemplar vivo sem previa automação da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas.

§ 7.º Responsabilidade penal 1) Sanções. Sua gravidade. Modalidades

63. Ao tratar da responsabilidade penal no domínio da caça, cuida-se essencialmente daquela que deriva das infracções à disciplina da caça.
Do exercício desta podem resultar danos nas pessoas ou no património de terceiros, susceptíveis de gerar responsabilidade criminal, mas desta não interessa tratar aqui (com a excepção que adiante se referirá), visto que lhe são aplicáveis as disposições da lei geral (homicídio, ofensas corporais, danos)
Quanto à gravidade das sanções que hão-de correspondei às referidas infracções, importa considerar o valor dos interesses em causa e confrontá-los com os outros valores ou bens jurídicos tutelados pela lei pena] geral ou por leis penais especiais, sobretudo as que disciplinam matérias paralelas ou afins, como é o coso da pesca Na verdade, não pode esquecer-se a necessidade de manter a uniformidade de critério que deve dominar todo o sistema jurídico-penal.
Por ou ti o lado, pode haver circunstâncias que imponham uma repressão mais severa, em face de um mais intenso desrespeito pelos interesses a proteger
Ora, se o interesse da caça não ocupa, como indubitavelmente não ocupa, uma posição de relevo na hierarquia dos interesses ou bens tutelados pela ordem jurídico-penal, em todo o caso a caça tem um valor desportivo e económico que importa acautelar adequadamente Tanto mais quanto é certo que se tem vivido numa situação de quase impunidade, pela escassez da fiscalização e pela ineficácia do sistema punitivo, demasiado frouxo e inadequado.
E justamente a ponderação dos aspectos referidos que permitirá encontrar a conveniente moldura penal para tis sanções em causa.

64. Afigura-se que as- sanções mais adequadas são

a) Pena de prisão até seis meses,
b) Pena de multa até 10 000$,
c) Interdição do direito de caçar

A base XL do projecto em apreciação estabelece a pena de prisão até três meses e a multa até 5000$, o que parece ficar aquém do necessário (n) Não se esqueça que a Lei da Pesca prevê a aplicação de uma pena de prisão até dois anos e de multa até 500009 (base XVIII), o que determina a forma de processo correccional, com pronúncia do arguido e prisão do mesmo até julgamento, a não ser que preste caução.
Diversamente, as penas que se sugerem determinam simples processo de polícia correccional.
Relativamente à interdição do direito de caçar, trata-se de uma providência em cuja eficácia é lícito depositar fundadas esperanças.
A interdição pode ser temporária, de um a cinco anos , ou definitivamente.
Aquela será fixada pelo tribunal entre os referidos limites, tendo em atenção certamente o facto pi atiçado e a personalidade do infractor, não devendo estabelecer-se restrições ao critério do julgador a fim de que lhe seja possível individualizar adequadamente a sanção.
A interdição definitiva, que constitui uma medida extrema, só deverá ter lugar em casos graves, em casos de plurirreincidência por delitos de acentuada gravidade E exactamente o caso de o infractor haver sido já condenado duas vezes por caçar em época de defeso ou por processos proibidos, condenações que envolvem sempre a interdição temporária, e voltar a cometer uma dessas infracções.
A lei italiana estabelece a interdição definitiva sempre que se tenham verificado já duas ou mais condenações por violação da mesma lei (artigo 79 º), o que, porém, parece exagerado, vasto que as infracções correspondentes podem não revestir acentuada gravidade.
O projecto em estudo permite a interdição definitiva logo após uma só condenação, com interdição temporária (n.º 4 da base XLI), o que também se afigura exagerado Não se esqueça que as sanções muito rigorosas, além do mais, podem ter o efeito de estimular o julgador a absolver, impressionado pela sua injustiça no caso concreto.
Conto consequência da condenação, prevê-se ainda a perda dos instrumentos e do produto das infracções (o projecto em estudo fala apenas em instrumentos - n º 3 da base XL).
A perda dos instrumentos da infracção envolve a perda da própria espingarda, objecto não só valioso, em muitos casos, como de estimação especial, em muitos outros (veio de um antepassado, ou de um amigo, por exemplo), e envolve ainda a peida do veículo que serviu à prática da infracção, pois não raro se utilizam veículos motorizados para apanhar caça ilicitamente, sobretudo, de noite.
Quer num caso, quer noutro, trata-se de medidas pesadas, susceptíveis de fazer reflector os que se achem tentados a transgredir a lei, e, por isso, de grande eficácia preventiva.
A perda dos instrumentos da infracção não deverá ter lugar quando pertencem, não ao infractor, mas a terceiro, e sejam utilizados contra a vontade ou desconhecimento deste, e sem que da infracção haja tirado vantagens.
É, aliás, o que se harmoniza com o pensamento que resulta do disposto no n º l º do artigo 75 º do Código Penal e, mais precisamente, com o disposto no"artigo 102 º do projecto da parte geral do novo Código Penal.
Parece conveniente indicar na lei algumas circunstâncias que nas infracções à lei da caça agravam por forma acentuada a culpabilidade do infractor o cometimento da infracção por duas ou mais pessoas, o ter lugar de noite, em reservas ou coutadas de caça, reservas zoológicas ou zonas de protecção, bem como o emprego de substâncias venenosas ou tóxicas.
É certo que algumas das circunstâncias apontadas estão previstas no Código Penal em vigor (artigo 34 º, n.ºs 10º, 13º e 19º), mas elas assumem no domínio da caça, como se disse, relevo especial, além de que o novo Código Penal não seguirá o critério de enumerar as cir(...)

(") O projecto da pai te geral do novo Código Penal estabelece igualmente o prazo de um a anos para a interdição de profissão, mister, indústria ao comércio (artigo 180 º).
(") A base XLI do projecto em apreciação não se integra neste pensamento, sendo excessivamente casuística.
(") Esta previsão na lei é indispensável, tratando-se de contravenção, dado o disposto no § único do artigo 466 do Código Penal.
A perda dos objectos e instrumentos, apreendidos em contravenção, só pode ser pronunciada quando a lei especialmente o decretar.

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circunstâncias, quer as agravantes, quer as atenuantes (cf o artigo 86 do referido projecto da parte geral, cuja orientação foi já aprovada pela comissão revisora, na sua 26º sessão).
Aliás, também na Lei da Pesca se indicaram agravantes.

2) Infracções mais Importantes

65. Embora a maior parte das infracções a disciplina da caça deva ter assento em regulamento, justifica-se que, pela sua maior relevância, a lei contemple a infracção que consiste na caça em época do defeso ou por processos proibidos
Tão atentatória da conservação e fomento das espécies ela é, que leis antigas a puniam com a maior severidade Entre elas distingue-se a Lei de l de Julho de 1565, já citada neste parecer a propósito dos processos da caça (n º 9 do § T), a qual previa a pena de degredo paia África, se o infractor fosse fidalgo ou cavaleiro, e, sendo de menor qualidade, a, pena de prisão até 30 dias, pela primeira vez, e, pela terceira vez, a pena de degredo por um ano paia fora da vila e teimo em que caçou.
Além disso, estabelecia a perda de "quaisquer aves, armadilhas, cães, fios, e redes" utilizados na caça.
Era este o critério da lei há quatrocentos anos, numa altura em que as necessidades de protecção da caça não atingiam, certamente, a intensidade dos tempos de hoje. Há, pois, que encarar a infracção com a gravidade real que ela comporta e puni-la com severidade dentro do quadro das sanções propostas para a violação das normas disciplinadoras da caça.
Afigura-se que as penas adequadas, dentro dos limites máximos fixados na 'base XLV, são a de prisão não inferior a um mês e a multa não inferior a 500$, acrescendo sempre a interdição do direito de caçar, bem como a perda dos instrumentos e objectos da infracção.
Além disso, e em caso de reincidência, a pena de prisão não poderá ser substituída por multa, salvo se entre a nova condenação e a anterior tiverem decorrido mais de cinco anos.
Entende-se, na verdade, que só em caso de reincidência a prisão deverá ser efectiva, isto é, conduzir necessariamente à cadeia, e não quando se trate de delinquência primária, já que a primeira infracção pode ter resultado de uma mera leviandade (caso de um menor, por exemplo), e, por outro lado, há que não esquecer - como já aliás se salientou - que uma pena rigorosa em excesso pode levar o tribunal a absolver.
Por outro lado, somente especiais necessidades de prevenção e repressão poderão justificar a prisão não remível quando se trate de penas curtas de prisão No nosso direito a regra é a de que pode sempre substituir-se por "Constitui agravante das infracções previstos nas bases XX a XXI o facto de terem sido cometidas de noite ou em águas onde a pesca for proibida, reservada ou objecto de concessão" (base XX).
Esta existirá sempre que se trate de caça em tempo de defeso ou de caça por qualquer meio proibido, não se exigindo inteira coincidência das infracções Todas elas são equiparadas para efeitos Ao reincidência Isto está, aliás, de acordo com a orientação do projecto da parte geral do novo Código Penal, que não distingue entre reincidência genérica e reincidência especifica, na esteira- do projecto do Código alemão (artigo 90).
O elemento fundamental da reincidência - que pressupõe tão-somente a prática de crimes dolosos a que corresponda- pena de prisão - passa a ser o desrespeito por parte do delinquente da solene advertência contida na sentença anterior Exige-se ainda, para haver reincidência, que entre o crime anterior e o posterior não tenham decorrido mais de cinco anos multa a pena de prisão não superior a seis meses (artigo 86 º do Código Penal).
A fixação da pena de prisão, em casos da reincidência, far-se-á de harmonia com o disposto na lei geral (artigo 100 º, n.º 2, do Código Penal), não se justificando estabelecer regras especiais no domínio da caça.
Quanto a pena de multa, aplicável cumulativamente, a sua fixação devei á fazei-se nos termos do artigo 84 do Código Penal, funcionando a reincidência como circunstância agravante geral, pois, não se estabelecendo uma correspondência entre a prisão e a multa, a agravação desta não tem de acompanhar a agravação daquela E, pata o efeito, atender-se-á a maior ou menor culpabilidade do delinquente, bem como à sua situação económica (cf Prof. Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal, 1961, m, p 163).
A infracção a que nos vimos referindo, pela sua gravidade, merece a qualificação de crime, também admitida no âmbito, do pesca.
E, tratando-se de crime, já lhes corresponde processo de polícia correccional, o que torna possível às comissões venatórias constituírem-se assistentes na acção penal, foi mudando a acusação.

66. Deverá estabelecer-se a, punição da tentativa e do cume frustrado?
A resposta deve ser negativa.
Com efeito, as infracções a disciplina da caça de que nos estamos ocupando são crimes meramente formais, consoante resulta da enumeração das actividades que constituem o exercício da caça (n º 2 da base i) O simples esperar ou procurar caça em época de defeso ou utilizando processos proibidos preenchem ou realizam a consumação de crime.

67. Pensa-se que se justifica também contemplai na lei a infracção que consiste em caçar em locais proibidos (n º l da base XIII, em homenagem ao direito de propriedade, fazendo-lhe corresponder uma multa -de 500$ a 5000$ -, sem prejuízo da aplicação da pena mais grave correspondente ao crime de dano, que no caso concorra, e da obrigação de indemnizar pelos prejuízos causados.
De harmonia com a gravidade da infracção, entende-se ainda que o tribunal poderá decretar a interdição do direito de caçar.

68. Reputa-se conveniente consagrar expressamente na lei a punição dos danos causados no exercício da caça.
Rigorosamente não seria necessário, porque essa punição resulta já da lei geral, quer se trate de crime doloso, quer de crime culposo (artigos 472 º e seguintes e 482 º do Código Penal).
Simplesmente interessa chamar a atenção paia a possibilidade legal da punição desses danos, através de um processo simples e económico Bastará, com efeito, a mera denúncia da pessoa ofendida para desencadear o procedimento penal, e nem isso será preciso, se os danos constituírem crime público, pois em tal caso o Ministério Público procederá oficiosamente, independentemente de denúncia.
Do mesmo- modo se entende que deverá chamar-se a atenção para a faculdade de se requerer no processo crime a indemnização dos prejuízos sofridos, de harmonia com

A utilização na pesca de materiais explosivos, químicos ou vegetais, correntes eléctricas, substâncias venenosas ou tóxicas e, de uma maneira geral, susceptível" de causar a morte ou o atordoamento dos peixes constitui crime preferível com a pena de prisão nunca inferior a quatro meses e multa de 100$ a 10 0008" (artigo 61 º, § único do regulamento da Lei n º 2097)

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o que já se encontra estabelecido no artigo 29 º do Código de Processo Penal
A ameaça do processo crime poderá ainda actuar psicologicamente sobre o infractor, levando-o a dispor-se mais facilmente a indemnizar os danos causados, sem recurso aos tribunais.
Por vezes a pessoa prejudicada pode ter dificuldades em obter a identificação do caçador, quando este decida recusar-se a declinar a sua identidade. Â situação é tanto mais embaraçosa e difícil quanto é certo que pode ter lugar em sítio ermo.
Prevenindo tal hipótese, parece dever estabelecer-se que a recusa do caçador a identificar-se é punível com a pena de crime de desobediência.
Não se pretende, assim, transformar o lesado em autoridade ou agente da autoridade, mas assegurar a identificação em geral dos caçadores responsáveis pelos danos causados nos bens ou nas pessoas de terceiros, o que é manifestamente de interesse público.

69. Atendendo a tudo o que vem de ser exposto, sugere-se que as bases que tratam da responsabilidade penal sejam as seguintes.

BASE XLV

l As infracções à disciplino da caça são puníveis, conforme o que for determinado nesta lei e em disposições regulamentares, com as seguintes sanções, isolada ou cumulativamente.

a) Pena de prisão até seis meses,
b) Pena de multa até 10 000$,
c) Interdição do direito de caçar

2. Poderá estabelecer-se ainda a perda dos instrumentos e do produto das infracções

3. Constituem circunstâncias agravantes o cometimento da infracção por duas ou mais pessoas, a sua prática durante a noite, em reservas, particulares ou coutadas de caça, reservas zoológicas ou zonas às protecção, bem como o emprego de substâncias venenosas ou tóxicas.

BASE XLVI

1. A interdição do direito de caçar pode ser temporária, de um a cinco anos, ou definitiva.
2. O não acatamento da interdição é punível com a pena de prisão até seis meses
3 A perda dos instrumentos da infracção envolve a perda da espingarda, bem como do veiculo que serviu à prática daquela, salvo se pertenciam a terceiro e foram utilizados para esse fim contra sua vontade ou com o seu desconhecimento e sem que da infracção haja tirado vantagens.

BASE XLVII

l A caça em época de defeso ou com o emprego de meios proibidos constitui crime punível com prisão de um a seis meses e multa de 6009 a 100009. e acarreta sempre a interdição do direito de caçar, bem como a perda dos instrumentos e objectos da infracção.
2. Decretar-se-á a interdição definitiva quando ao infractor hajam sido impostas duas interdições temporárias, nos termos do número anterior, e volte a cometer uma das infracções nele previstas.
3 A pena de prisão respeitante a uma das infracções previstas no n.º l não poderá ser substituída por multa quando o infractor tenha sido já condenado por uma dessas infracções, salvo se entre a nova condenação e a anterior decorreram mais de cinco anos.

BASE XLVIII ,

1 A caça em locais proibidos constitui contravenção punível com a multa de 500$ a 5000$, em prejuízo da aplicação da pena mais grave correspondente ao crime de dano, que no caso concorra, e da obrigação de indemnizar pelos prejuízos causados.
2 O tribunal poderá decretar, de harmonia com a gravidade da infracção, a interdição do direito de caçar.

BASE XLIX

Nos processos crimes pelas infracções previstas na base XLVII podem constituir-se assistentes, as comissões venatórias da área onde a infracção foi cometida
1 Os danos cometidos no exercício da caça são puníveis, nos termos gerais, quando não constituam crime públicos, mediante simples denúncia das pessoas ofendidas, as quais poderão logo formular o pedido de indemnização, nos termos do artigo 89 º do Código de Processo Penal.
2 A recusa do caçador a identificar-se, quando a isso rogado pela pessoa prejudicado, ou sua representante, 6 punível com a pena do crime de desobediência.

§ 8 Responsabilidade civil

70. Os danos de que emerge a responsabilidade civil no domínio da caça podem agrupar-se em duas categorias: danos de caça e danos da caça.
Os danos de caça são os cometidos no exercício venatório, quer pelos caçadores, quer pelos seus auxiliares, cães, furões ou aves de presa.
Tais danos podem incidir sobre os terrenos de caça (culturas, plantações, construções) ou sobre pessoas ou coisas que sejam atingidos por essa actividade.
Os danos da caça suo os danos causados pela própria caça, isto é, pelas espécies cinegéticas, 09 quais por vezes assumem proporções consideráveis, já em razão da abundância dos animais bravios (coelhos e lebres, sobretudo), ]á em razão da sua natureza (veados, gamos, javalis, etc.).

1) Danos da caça

71. Ao procurar fixar-se a responsabilidade civil pelos danos cometidos no exercício da caça, convirá antes de mais averiguar se a lei geral já a contempla, pois, em caso afirmativo, seria inútil regulá-la na Lei da Caça
Esta averiguação deverá fazer-se a face do projecto definitivo do novo Código Civil, já publicado Não faria sentido, na verdade, reproduzir na Lei da Caça um regime idêntico ao do novo código e, muito menos, um regime diferente.
O projecto definitivo do Código Civil continua a fundamentar a responsabilidade civil, em geral, na culpa do agente (responsabilidade subjectiva), sendo ao lesado que

A responsabilidade civil em causa está actualmente prevista no artigo 390 do Código Civil no Decreto-Lei n.º 26 460, artigo 7º, e no Decreto, n.º 401, artigo 25.º

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incumbe provar a culpa do autor da lesão (artigos 483.º e 487º)
Prevê, todavia, casos de responsabilidade subjectiva em que o lesado está dispensado do ónus de provar a culpa do agente, cabendo antes a este o encargo da prova de que empregou todas as diligências e cautelas exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir o dano São justamente os casos de danos causados por coisas perigosas ou relativamente às quais haja o dever de custódia ou por actividades perigosas.
Preceitua, com efeito, o artigo 494º.

1 Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar s adoptar em relação a ela as cautelas convenientes, responde pelos danos que a coisa causar, salvo se provar que nenhuma culpa teve no acidente ou, sendo a coisa perigos", que empregou todas as cautelas exigidas pelas circunstâncias- para evitar os danos causados.
2 Quem causar dano a auferem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado ai repará-lo, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de o prevenir.
Quer dizer nos casos contemplados nesta disposição, estabelece-se a inversão do ónus da prova, na orientação do direito italiano, acompanhada de uma ampliação do conteúdo do dever de diligência, exigindo um grau de diligência superior ao da médio- ordinária (10º).
O lesado terá de provar apenas o nexo causal entre o prejuízo e a actividade do agente.
Não se vai ainda para a responsabilidade objectiva, adoptando-se uma solução intermédia - responsabilidade subjectiva, com inversão do ónus da prova.
A razão está em que nas hipóteses referidas o perigo que as coisas ou actividades representam para terceiros, não é sempre acompanhado de uma vantagem especial de quem as guarda ou as exerce, pelo que sei ia excessiva uma responsabilidade objectiva, devendo tão-somente presumir-se a culpa do agente,
Ao lado da responsabilidade subjectiva, o projecto definitivo do Código Civil prevê casos de responsabilidade objectiva ou pelo naco (artigos 501º e seguintes), entre os quais estão os danos causados por animais.
Preceitua o artigo 502 º

1 Quem no seu próprio interesse utilizar quaisquer animais responde pelos danos que eles causarem, desde que os danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização.
2 Responde também pelos danos que os animais venham a causar aquele que assumiu o encargo da sua vigilância, salvo se provar que não houve culpa da sua parte.
O projecto do Código Civil não prevê, em especial, a responsabilidade civil pelo exercício da caça, tendo sido intenção do legislador submetê-la ao regime geral sobre tal matéria.
Isso poderá concluir-se de vários passos dos trabalhos preparatórios do novo Código Civil.
E, na verdade, pode pensar-se não serem necessários preceitos especiais para a responsabilidade em causa, dado que o regime geral poderá reputar-se suficiente.
Com efeito, o perigo mais relevante do exercício da caça está na utilização das armas de fogo Mas o seu emprego, já porque constitui uma actividade perigosa, já porque elas são em si mesmas coisas perigosas, está previsto no transcrito artigo 494 º do projecto, pelo que os danos dele resultantes caem dentro do regime de inversão do ónus da prova.
Quanto aos danos causados pelos animais de que o caçador se serve, a responsabilidade correspondente será objectiva, nos termos do também transcrito artigo 502º.
Por outro lado, o projecto do código prevê a responsabilidade do comitente, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este e encara também a obrigação de indemnizar (artigo 492 º).
Por sua vez, o artigo 491 º prevê a responsabilidade dos pais e outras pessoas encarregadas da vigilância de outrem!
Por outro lado, ainda, os artigos 490º e 499º regulam os casos de pluralidade de causadores do dano, estabelecendo a responsabilidade solidária de todos, com direito de regresso entre os responsáveis, e o artigo 500º regula a prescrição do direito de indemnização.
Em face do exposto, poderia ser-se levado a admitir que o regime consagrado no futuro Código Civil sobre a responsabilidade civil em geral abrange suficientemente a responsabilidade pelos donos de caça.
Todavia, a Câmara, por maioria de votos, propende paia que a (responsabilidade pelos danos resultantes1 da caça com arma de fojo deverá reger-se pelos princípios da responsabilidade objectiva, com base no risco.
Por um lado, porque o exercício da caça com arma de fogo é uma actividade extremamente perigosa, por outro lado - e isto é particularmente importante -, porque o caçador obtém com o exercício da caça uma especial satisfação, quando menos de ordem lúdica, que plenamente se deve equiparar a outro qualquer interesse.
Cuida-se, assim, que não haverá matéria em que mais se justifique a responsabilidade objectiva do que a presente, estando ainda a tempo o legislador do novo Código civil de reconsiderar sobre o problema.

2) Danos da caça

72. Como estruturar a responsabilidade civil resultante dos danos causados pelas espécies cinegéticas de um prédio nos terrenos vizinhos.
No direito romano não havia um direito de indemnização dos danos causados pela caça, pois não havia nele o direito exclusivo de ocupação dos animais bravios, pelo que qualquer pessoa os podia matar, evitando, assim, o dano.

(10º) Prof. Voz Serra, Fundamento da Responsabilidade Civil, separata do n º 90 do Boletim do Ministério da Justiça, pp, 3A, 3n, 3A e seguintes, e Responsabilidade Civil, separata do n º 85 do Boletim do Ministério à Justiça, p, 608.
Sua extensivas aos casos de responsabilidade pelo risco, na parte aplicável e na falta de preceitos legai" em contrário, as disposições, que regulam a responsabilidade por actos ilícitos (artigo 501 º).
Prof. Vaz Serra, Responsabilidade Civil, aspai a ta dos n M 86-98 do Boletim do Ministério da Justiça, p 171, e Responsabilidade Civil, separata do n º 85 do Boletim do Ministério da Justiça, pp 866 a 871 Neste local referem-se actos do caçador como exemplos de aplicação dos princípios gerais expostos
No direito alemão entende-se que quem exerce a caça é obrigado a ter em atenção o" interesses justificados doe proprietários dos prédios ou titulares de direito de fruição, em especial poupar da maneira mais factível campos semeados e prados não ceifados Responde pelo dano resultante de exercício abusivo da caça, e, portanto, -"ó por culpa, mas também pela culpa de um vigilante por ele nomeado da caça e pela dos seus convidados de cacada (aí Prof. Vaz fieira, Responsabilidade Civil, separata do Boletim do Ministério aã Justiça nº 86-98, p 171).

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No direito francês, entende-se que o proprietário de uma terra com caça não é responsável em relação aos vizinhos pelos danos causados à sua colheita pela caca que a habita, a não ser que uma culpa se prove contra ele Com efeito dos vizinhos são obrigados a suportar um certo quantum de prejuízos, que se aprecia segundo os usos, nas regiões com mais ou menos caça, e também segundo a proximidade dos bosques.
Todo o ultrapassar ou aumentar do prejuízo implica responsabilidade do proprietário se introduziu caça nas suas terras, na medida em que não prova que o aumento não provém desta introdução: aumentou pelo seu facto voluntário os inconvenientes resultantes normalmente da vizinhança.
Relativamente ao prejuízo anormal causado pela caça que não introduziu, o proprietário responde por ele se não fez o que podia para impedir o número excessivo e a multiplicação dos animais.
Deve não só caçar, mandar caçar ou deixar caçar, mesmo com batidas ou com fui ao, mas, se necessário, mandar destruir tocas ou mesmo brenhas, tais como campos de juncos, que constituam um retiro ou um refúgio para a caça, a não ser que prema fechar a sua propriedade de maneira a reter ai caça".
O Código Civil espanhol dispõe que o> proprietário de uma herdade de caça responde pelos danos causados por esta nos prédios vizinhos, se não fez o necessário para evitar a sua multiplicação ou se dificultou a acção todos donos desses prédios para a perseguir.
E entre nós?
Nem o Código Civil nem o Código da Caça em vigor contêm regias sobre a responsabilidade civil pelos danos da caça Somente o artigo 55 º do Regulamento do Serviço da Polícia Florestal (aprovado pelo Decreto-Lei n º 89 931, de 24 de Novembro de 1954) prescreve:
Os proprietários dos terrenos sujeitos ao regime florestal em que seja estabelecida a reserva de caça e pesca terão de indemnizai os agricultores confinantes pelos prejuízos que a caça existente nos referidos terrenos causar as suas culturas, quando assim seja por estes exigido e for comprovado.
O projecto definitivo do novo Código Civil não contempla a matéria, tendo sido propósito deliberado remeter a sufi disciplina para o" lei especial sobre a caça
Importa, pois, tomar posição.
O instituto da caça é dominado entre nós pelo princípio da liberdade de caçar, podendo assim os caçadores exercer a caça em todos os terrenos não exceptuados por lei.
E este direito de livre exercício da caça constitui um meio de defesa geral contra os danos que um excessivo aumento de densidade das espécies cinegéticas certamente acabaria por produzir nas culturas e plantações.
Desta forma, o perigo de danos causados pela caça será, de um modo geral, um perigo que se pode considerar normal.
E, não constituindo a caça, em geral, um benefício exclusivo do proprietário, mas da generalidade dos caçadores e, assim, da colectividade, não se justificaria fazer recair sobre aquele a obrigação de evitar os referidos danos
Mas as coisas mudam já de feição quanto aos terrenos com direito de caça reservado (reservas particulares ou coutadas de caça), visto que neste caso se criou um benefício exclusivo ou privilégio a favor do titular da reserva Por isso, a vantagem que daí resulta já justifica que o beneficiário deva suportar, como compensação, o encargo dos danos que a situação causar.
Tanto mais que tal vantagem impedirá que o exercício do direito de caça pela generalidade dos caçadores funcione como meio natural de prevenção contra os danos resultantes da excessiva abundância das espécies, vedando inclusivamente esse meio de defesa aos proprietários vizinhos.
Daí que a restrição do direito de caça implique paia estes proprietários um risco superior ao inerente a simples existência de caça, ligado & diminuição das possibilidades de defesa dos mesmos, assim se criando um aumento de perigo de danos.
Esse agravamento de risco aparece ainda mais acentuado nas chamadas reservas zoológicas, zonas de protecção e postos de criação artificial de caça, já que nos respectivos terrenos é particularmente favorecida a multiplicação dos animais bravios.
Em resumo o agravamento nos casos apontados do risco normal inerente à simples existência de caça, com a criação de situações perigosas e a compensação das vantagens que resultam da restrição ou proibição do exercício da caça e da correspondente diminuição das possibilidades de defesa dos proprietários vizinhos, parecem suficientes para basear uma responsabilidade objectiva ou pelo risco, a qual, aliás, se afigura presente na redacção do transcrito artigo 55 º do Regulamento do Serviço da Polícia Florestal.
73. De harmonia com o exposto, propõe-se que as bases sobre a matéria da responsabilidade civil fiquem assim redigidas.

BASE LI

A responsabilidade civil por danos causados no exercício da caga ó fixada nos termos gerara, salvo no que respeita aos danos, causados por armas de fogo, aos quais se aplicam as disposições respeitantes a responsabilidade objectiva ou pelo risco.

BASB LII

l Os que explorem ou possuam reservas de caça, reservas zoológicas, zonas de protecção e postos de criação artificiai são obrigados a indemnizar os danos que a caça neles existente causar nos terrenos vizinhos.

Prof. Voz Serra, Responsabilidade Civil, separata do Boletim do Ministério da Justiça n.º M 86-98, pp. 162 e seguintes, onde se faz referência à orientação de alguns sistemas jurídicos estrangeiros quanto a esta matéria.
Prevê-se no projecto a responsabilidade, que é objectiva, dos danos, causados pêlos, animais, sorno atra se referiu, mas trato-se de animais apropriados pelo homem, com exclusão dos animais bravios em estado de liberdade natural (Prof. Voz Serra, ob., pp 158, 1B8, UM e 180).
Coisa semelhante (semelhante, pelo menos, ao que suceda nas reservas de caça) é o que se passa com os terrenos pertencentes ou directamente explorados por entidade" oficiais ou comunidades religiosas, nos quais não seja permitido cocar sem autorização dessas entidades, ou comunidades.
Em princípio, a responsabilidade deverá caber aos exploradores das actividades, como interessados que são na exploração que origina os danos.
Atendendo, todavia, à possibilidade de estes, mudarem e de ser entoo inviável ou muito difícil determinar qual deveria ser responsabilizado, até por não se saber qual tenha contribuído para o dano, entende-se conveniente responsabilizar o proprietário, sem prejuízo do direito de regresso contra os exploradores

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2 Os proprietários ou possuidora dos terrenos que neles consentiram o estabelecimento das referida reservas, zonas e postos, respondem solidariamente pelos danos, tendo, porém, direito de regresso contra os que exerçam a respectiva exploração.
3 O regime previsto nesta base é extensivo aos terrenos pertencentes ou directamente explorados por entidades oficiais ou comunidades religiosas nos quais não seja permitido caçar sem automação dessas entidades ou comunidades

§ 9.º Fiscalização

74. O projecto do Governo é omisso quanto a, matéria da fiscalização da actividade venatória, certamente por se entender que deve ter o seu assento em regulamento.
Crê-se, todavia, que, dada a sua "relevante importância, a própria lei mão poderá deixar de se lhe referir, conquanto por forma genérica.
E a grande importância da fiscalização resulta do facto de ser uma verdade incontroversa que as leis disciplinadoras do exercício venatório, por mais bem concebidas que sejam, resultarão inúteis sem um corpo de fiscais suficientemente numeroso e competente" Tanto mais quanto é certo que é muito difícil vigiar a aplicação da lei sobre caça, dada a extensão do território e a possibilidade de a lei ser violada em qualquer hora do dia ou da noite, especialmente em locais recônditos e de difícil acesso.
A indicação das autoridades, agentes de autoridade e demais entidades com competência para o exercício da polícia e fiscalização da caça aceita-se que seja feito em regulamento.
Foi esta também a orientação seguida da Lei da Pesca (base x), que não só remeteu para regulamento aquela indicação como também a dos autos que fazem fé em juízo.
Parece, todavia, que a indicação destes deve constar da lei, na medida em que implique derrogação dos princípios insertos no Código de Processo Penal (artigos 166 º e 169 º) E certamente esse será o caso, se se entender, como parece que deve entender-se, dado o condicionalismo em que a fiscalização actua, que é dispensada a indicação de testemunhas, sempre que as circunstâncias de facto tornem impossível essa indicação.
Assim acontece, por exemplo, no Regulamento do Serviço da Polícia Florestal, aprovado pelo Decreto-Lei n º 39 981, de 24 de Novembro de 1954 (artigo 57º), e no Código da Caça em vigor (Decreto n.º 23 461, artigo 58º e § único).
75. Um outro aspecto que merece referência no âmbito da fiscalização é o de saber se deverá ou Dão conceder-se aos autuantes o direito a uma participação nas multas respeitantes aos autos de notícia levantados por infracção que tenham presenciado.
Tal benefício existe, por exemplo, no domínio dos crimes contra a saúde pública, visto que o artigo 5º, n.º 2º, do Decreto-Lei n.º 41 204, de 24 de Julho de 1957, manteve em vigor a comparticipação estabelecida a favor dos participantes, autuantes ou descobridores de tais crimes Isto apesar de a Câmara Corporativa, chamada a pronunciar-se sobre o projecto do diploma, ter acentuado que "a evolução dos conceitos sobre, a dignidade das funções de fiscalização tem-se feito no sentido de libertar os respectivos agentes da suspeição geral de actuarem mais na prossecução do seu próprio interesse do que na defesa do interesse público, não lhes dando, portanto, qualquer comparticipação nas multas" (Pareceres da Câmara Corporativa, VI Legislatura, 1957, vol., p 137)
Não se duvida que a doutrina assim defendida pela Câmara é a que melhor corresponde à dignidade e prestígio da função pública.
Simplesmente, a questão é complexa, e terá de ser apreciada em função das necessidades concretas fie os agentes encarregados da vigilância e fiscalização forem bem remunerados, dispensarão o estímulo resultante da comparticipação nas multas No caso contrário, já esta se aceita e porventura se imporá até porque a actuação daqueles se faz normalmente em circunstâncias difíceis e muitas vezes perigosas.
Afigura-se, por isso, prudente deixar a resolução desta questão ao critério do Governo.
Salienta-se, porém, que o Código da Caça vigente (Decreto n º 23 461, artigo 64.º) dispõe que "os autuantes e os participantes das transgressões deste decreto têm direito a receber um quarto das multas pagas pelos respectivos transgressores".
76. De harmonia com o exposto, propõe-se as seguintes bases

BASE LIII

Constará de regulamento a indicação das autoridades, agentes de autoridade e demais entidades com competência para o exercício da policia e fiscalização da caça.

BASE LIV

1 Nos autos de noticia levantado" pelas autoridades ou agentes da autoridade com competência para o exercício da policia e fiscalização da caça, por infracções que tenham presenciado, relativas aquela matéria, é dispensada a indicação do testemunhas sempre que as circunstâncias de facto a tornem impossível, sem prejuízo de fazerem fé em juízo, até prova em contrário.
2 Para os efeitos desta base, consideram-se agentes do autoridade os membros das comissões venatórias, depois de ajuramentados perante o juiz do direito da comarca do seu domicilio.
3 Pelos autos de noticia levantados nos termos do n.º l, poderá conceder-se aos autuantes o direito a uma participação nas multas.

BASE LV

Os guardas florestais, os guardas dos serviços hidráulicos e os guardas que constituem o corpo de fiscalização privativo da caça não poderão caçar durante o exercício das suas funções.

§ 1O.º Organização e competência dos serviços

77. O título II do projecto de proposta de lei tem a epígrafe "Disposições orgânicas", as quais regem a organização e competência dos serviços que têm a seu cargo o fomento e protecção das espécies cinegéticas e a fiscalização do exercício da caça.
Parece preferível, a semelhança do que sucede com a Lei n º 2097, sobre a pesca (capítulo II), usar a epígrafe "Organização e competência dos serviços"
Conclui-se das bases do título n do projecto que houve a intenção de fixar na lei tão-sòmente os princípios fundamentais sobre a matéria, ficando reservado para regulamento tudo o mais, orientação que se afigurado aplaudir.
Confia-se à Secretaria de Estado da Agricultura, através da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Agrícolas, o

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encargo de velar pelo fomento e protecção das espécies cinegéticas, bem como do licenciamento e da fiscalização do exercício da caça

A mesma orientação se seguiu relativamente à pesca (base viu da citada Lei n º 2097)

Constituindo a caça, tal como a pesca, uma riqueza pública, compreende-se que seja o próprio Estado que se encarregue de supeimtender na sua disciplina (108)

O mesmo acontece na generalidade dos países da Europa

Assim, em Espanha compete ao Ministério da Agricultura, através da Direccion Genieral de Montics, Caza v Piesca fluvial a super intendência sobre os assuntos de caça e pesca

Em Fiança essas funções estão também a cargo do Ministério da Agricultura, pela Direction Générale de l'Espace Rural (Direction dês Forêts)

Em Itália igualmente os assuntos da caça estão subordinados ao Ministério da Agricultura e da Floresta, conquanto muitas atribuições sejam confiadas aos presidentes das juntas de província

Para coadjuvar a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Agrícolas o projecto prevê comissões venatórias (109), às quais compete, em geral, colaborar no licenciamento e fiscalização do exercício da caça, promover o que for conveniente para o fomento e protecção das espécies cinegéticas e formular pareceres sobre essas matérias, como prevâ ainda a colaboração das câmaras municipais, designadamente na concessão de licenças e aquisição da carta de caçador

As comissões venatórias são regionais, concelhias e distritais (estas nas ilhas adjacentes)

Quanto à constituição dos comissões venatórias, remete-a para regulamento, mas desde já dispõe que na sua composição terão lugar representantes da lavoura e dos caçadores

Haverá aqui um reparo a fazer omitiu-se a referência aos representantes do turismo, que naquelas comissões deverão ter assento, pela projecção dos interesses respectivos

Cria-se o Conselho Nacional da Caça, órgão consultivo por excelência Mas nada se diz sobre a sua composição

Esta constará de regulamento, certamente, mas convirá, desde já, assinalar a presença obrigatória de representantes dos caçadores, da lavoura e do turismo (110)

Este Conselho Nacional da Caça, agora previsto, corresponde ao Conselho Superior de Caça francês e ao Conselho Superior de Caça, Pesca Fluvial, Coutos e Parques Nacionais espanhol

O projecto refere-se ainda à criação do lugar de inspector-chefe da caça, paralelamente ao que se faz para a pesca (base ix da Lei n º 2007), o qual parece dever mtegrar-se na própria Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas

E prevê ainda a necessidade de se ampliar o quadro do pessoal para acorrer ao acréscimo do serviço resultante da execução da lei, o que poderá fazer-se de har-

(108) Nos tempos da supremacia do poder real os assuntos da caça eram da competência do monteiro-mor e, mais tarde, dos municípios. Com a Lei n.º 15, de 1018, a administração da caça passou para as comissões venatórias então criadas

(108) Paralelamente prevèem-se, quanto à pesca, comissões regionais de pesoa (base xi da Lei n º 2097).

(110) Nalguns países os caçadores formam associações, que se integram numa federação nacional. Assim em Espanha (Federação Nacional de Caca) e em Itália (Federação Italiana de Caca — Fedoïcaccia), cuja constituição e funcionamento estão sob controlo do Ministério da Agricultura (of. artigo 86º da lei italiana).

monia com as possibilidades do Fundo Especial de Caça o Pesca, agora criado — e que melhor se julga dever chamar-se Fundo Especial da Caça o Pesca — cujas receitas e encargos se enumeram

Ao referir-se este aspecto da organização dos serviços, não poderá deixar de se exprimir o voto de que os funcionários respectivos satisfaçam em número e qualidade, sob pena de todos os esforços e as intenções do legislador ficarem frustrados

Dada a natureza do serviço e o estado calamitoso a que a caça chegou, requerem-se servidores que não sejam menos burocratas, mas que sintam e vivam os problemas e para isso, antes de tudo, terão de ser profundos conhecedores deles e estar esclarecidos sobre os meios de os resolver

Tendo em atenção o exposto, são de aceitar as bases constantes do título II do projecto de proposta de lei, somente se propondo, além da já assinalada quanto à designação do fundo Especial, uma alteração no proémio da base LI (base LXII do articulado proposto pela Câmara) e outras leves modificações nas bases XLVI, XT/VII, XLVIII e XLIX, a substituir pelas seguintes

BASE LVII

1 A Direcção-geral dos Serviços Florestais e Agricolas será coadjuvada no exercício daquelas atribuições por comissões venatórias, às quais compete, em geral, colaborar no licenciamento a fiscalização do exercício da caça, promover o que for conveniente para o fomento e protecção das espécies cinegéticas e formular pareceres sobre essas matérias

2 As câmaras municipais colaborarão também no exercício das mesmas atribuições, designadamente na concessão das licenças previstas nesta lei e na transmissão dos pedidos das cartas de caçador

BASE LVIII

I O território do continente divide-se em regiões venatórias, funcionando em cada uma delas uma comissão venatona regional

8 Em cada concelho funcionará uma comissão venatona concelhia, excepto nas sedes das regiões venatónas, onde as respectivas comissões regionais acumularão as funções àquelas atribuídas

3 Nas ilhas adjacentes existirão apenas comissões venatórias distritais, podendo ser criadas delegações nas ilhas onde não está situada a sede do distrito

4 Na composição das comissões venatórias terão lugar representantes da lavoura e do turismo, a designar pelas respectivas corporações, e dos caçadores, estes últimos designados por eleição.

BASE LIX

2 É criado o Conselho Nacional da Caça, junto da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Agricolas, ao qual compete, em geral, formular pareceres sobro as matérias a que se refere a base x.v

2 Na composição do Conselho Nacional da Caça farão parte obrigatoriamente representantes dos caçadores, da lavoura e do turismo

BABE LX

l É criado na Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Agrícolas o lugar de inspector-chefe da caça,

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250 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 37

cujo provimento será feito nos termos estabelecidos no n.º l da base IX da Lei n.º 2097, de 6 de Junho de 1959.
2 Para ocorrer ao acréscimo de serviço resultante da execução da presente lei, poderá a Secretaria de Estado da Agricultura adoptar as providências autorizadas no n.º 2 da mesma base, de harmonia com as disponibilidades do Fundo a que se refere a base seguinte.

§ 11.º Disposições finais e transitórias

78. As bases LIII, LIV e LV do projecto referem-se, respectivamente, às propriedades que a data da entrada em vigor da nova lei estejam submetidas ao regime florestal, mandando-lhes aplicar a disciplina das reservas constituídas ao abrigo da mesma lei, dado o interesse público em causa, à extinção da secção venatória do Conselho Técnico dos Serviços Florestais, que é substituída pelo Conselho Nacional da Caça, e à transferência para o Fundo Especial de Caça e Pesca dos saldos das contas de gerência e dos i estantes valores e direitos das comissões venatórias existentes.
Afiguram-se de aceitar as referidas bases
Haverá, porém, que eliminar a parte do n.º 4 º da base mi que exige que os interessados requeiram a prorrogação do prazo de concessão das reservas actualmente existentes por uma razão de paralelismo com o regime de renovação das futuras concessões.
Na base LV também deverá ajustar-se a designação de Fundo Especial da Caça e Pesca.
Sugerem-se somente mais duas bases uma a estabelecer que a Secretaria de Estado da Agricultura, pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, elaborara a regulamentação da lei (o que, rigorosamente, não seria necessário, dado o poder dever genericamente previsto no n º 3 º do artigo 109º da Constituição Política), com audiência dos Ministérios da Justiça, das Finanças e da Educação Nacional, já porque a caça é essencialmente um desporto, já porque há que estruturar regimes jurídicos, quer no campo civil, quer no penal, assim como regimes fiscais, a outra base destina-se a mencionar matérias que deverão ser incluídas no regulamento a elaborar, evitando que ao longo do diploma se tenha de repetir continuamente a referência àquele.
Essas bases são as seguintes.

BASE LXVII

A Secretaria de Estado da Agricultura, pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, elaborara a regulamentação da presente lei, a publicar depois de ouvidos os Ministérios da Justiça, das Finanças e da Educação Nacional

BASE LXVII

Serão determinados, especialmente, em regulamento

a) O número de cães e de auxiliares de caça de que cada caçador ou grupo de caçadores pode jazer-se acompanhar,
b) As taxas devidas pela passagem da carta de caçador, das licenças de caça e demais licenças exigíveis, bem como a entidade ou entidades a quem compete passá-las.
c) O recurso do acto de concessão ou de recusa da passagem da carta de caçador ou da licença de caça;
d) Os locais onde e limitado ou proibido o exercício da caça,
e) A época geral da caça s os períodos venatórios especiais,
f) As condições e modo de destruir os animais nocivos ou os animais que se tornem nocivos;
g) As taxas anuais devidas pelas concessões de reservas do caça,
h) O número de caçadores que poderão constituir uma associação de caçadores, o número de associações a que o mesmo caçador pode pertencer, bom como o numero de hectares que cada associação de caçadores poderá usufruir em regime de reserva do caça,
j) A eventual participação dos autuantes nas multas, a que se refere o n" 3 da base LIV,
j) A constituição das comissões venatórias,
l) A constituição do Conselho Nacional da Caça

Quanto à última base do projecto de proposta de lei (base LVI), segundo a qual "A presente lei entrará em vigor com o correspondente regulamento", a Câmara entende que não se justifica, dado que, nos termos do § 4 º do artigo 109 da Constituição, o Governo deve expedir o respectivo decreto para execução da lei dentro de seis meses, a contar da sua publicação, entrando, pois, a lei em vigor decorrido o prazo de cinco dias após ter sido publicada (artigo l.º do Decreto-Lei n º 22 470, de 11 de Abril de 1938).

B) Do projecto de lei

79. Este projecto contém catorze artigos, encimados por epígrafes Apreciemo-los

a) Os artigos 1.º e 2 º têm por epígrafe "Definição jurídica de caça"
Todavia, é manifesto que só o artigo 1.º se lhe deve querer referir, ao dizer-se
Além de entretenimento saudável, desporto e exercício paramilitar, a caça deve ser um instrumento de valorização nacional do solo e um elemento de atracção turística.
Mas aqui não há uma definição jurídica de caça (ocupação ou apreensão de animais bravios que vivem em liberdade natural), mas tão-sòmente se refere a caça como exercício físico, de interesse sob os aspectos desportivo e militar, bem como o seu valor no sentido da valorização das terias e de atracção turística
O artigo 2 º, por sua vez, diz que a faculdade de caçar depende de licença e que sofre limitações legais e naturais impostas pela protecção das espécies e pela civilização.
Não se duvida de que assim deve ser
Mas não se vê que esta disposição seja mais completa do que a base u do projecto do Governo, além de que não se afigura indicado misturar a licença de caça com as restrições ao exercício do direito de caçar.
b) O artigo 3.º, que tem por epígrafe "Economia de subsistência", diz
Os resultados disponíveis globais da caça fazem parte da economia de subsistência do povo português, obviando ao seu poder de procura e consumo e às funções turísticas do território.

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Trata-se de uma simples directriz, com a finalidade de salientar a importância da caça nos planos económico e turístico, que melhor ficaria no relatório da lei.
c) O artigo 4 º indica os factores ou alguns factores de repovoamento cinegético e instrumentos de valorização integral do solo e de desenvolvimento programado: as reservas, as sociedades de caca entre proprietários ou possuidores das terras e caçadores, as empresas de caça, as coutadas, as aldeias de caça e as comissões venatórias.
O projecto do Governo também refere estes factores.
As reservas e aldeias correspondem as zonas de protecção (base XXX).
As coutadas e associações entre proprietários e caçadores e sociedades de caça estão previstas no capítulo II.
Às empresas que explorem a produção e venda de espécies são os chamados postos de criação artificial de caça.
Saliente-se, contudo, que no articulado proposto pela Câmara relativamente às reservas de caça procurou-se precisar e alargar as entidades que podem requerer e obter a concessão de reservas de caça.
O § 3 º prevê a constituição, dentro das coutadas, de refúgios de 20 ha a 50 ha, onde não poderá caçar-se, a não ser quando a abundância de espécies se torne nociva.
Á providência peca pelo seu carácter genérico e imperativo, pois há que atender aos casos concretos das reservas Essa providência adapta-se melhor às reservas arrendadas, a fim de evitar a destruição excessiva das espécies pelos arrendatários pouco escrupulosos.
d) O artigo 5.º estabelece uma ligação necessária entre o regime florestal e as reservas de caça, princípio que está igualmente presente no projecto de proposta de lei (n.º 5 da base XVI).
e) O artigo 6 º, que tem por epígrafe "Mudança de regime jurídico", estabelece que, ao fim de trás anos, nas propriedades de área superior a 50 ha, assistidas por guardas florestais, e em que se proceda ao repovoamento intensivo da caça e à extinção dos animais daninhos, os animais bravios aí achados pertencerão integralmente aos titulares do direito de propriedade.
Esta disposição pretende, assim, operar a transição do sistema tradicional da caça como rés nulitis ou da liberdade de caçar para o sistema germânico que atribui a propriedade da caça ao dono da terra.
Este tema foi já apreciado com desenvolvimento na primeira parte deste parecer (§§ S º e 5.º), por forma que é dispensável fazer-lhe neste momento qualquer outra referência.
f) O artigo 7 º estabelece dois tipos de licença de caça um geral e outro especial ou municipal.
Este aspecto também foi contemplado pelo projecto do Governo.
Tá se lhe fez a apreciação devida no n.º 6 º do § 1.º da segunda parte deste parecer, concluindo-se pela razoabilidade da distinção entre os dois tipos de licença, devendo, contudo, a licença concelhia atribuir o direito de caçar na área do concelho para que for emitida e na dos concelhos limítrofes, dado que a caça passa facilmente de um concelho para outro vizinho e o caçador pode residir na confluência de dois ou mais concelhos.
O § único prevê que a concessão de licença de caça possa vir a ficar dependente da efectivação de um seguro contra acidentes de terceiro, não impondo para já a sua obrigatoriedade.
Trata-se, porém, de uma simples sugestão
g) O artigo 8.º chama a atenção para a gravidade do "furtivismo" em associações, dispondo que lhe deverão corresponder sanções agravadas, com perda dos instrumentos de caçar e veículos utilizados para o transporte.
O projecto do Governo também se ocupa genericamente da situação, mas a Câmara, além de propor sanções mais graves para os delitos da caça, em geral, autonomizou a infracção da caça em tempo de defeso ou por processos proibidos, que qualificou de crime, punindo-o com severidade Previram-se ainda circunstâncias (cometimento de noite, por duas ou mais pessoas, etc. ) que agravam a responsabilidade penal.
Mas a disposição em causa tem indiscutivelmente o mérito de chamar a atenção para à gravidade do "furtivismo", ao que esta Câmara não foi insensível
h) O artigo 9.º estabelece que os armeiros e espingardeiros que forem autorizados a montar novos estabelecimentos obrigar-se-ão a possuir stands de tiro ao voo e coronhas articuladas para a melhor adaptação das armas vendidas"
Ora nem parece necessário nem justificável impor encargos tão pesados aos armeiros e espingardeiros.
Quem quiser aperfeiçoar-se no tiro ao voo ou ao prato terá o recurso aos stands particulares ou de clubes De resto, não se vê interesse público nesse aperfeiçoamento, que visa essencialmente abater mais caça.
Crê-se que a esmagadora maioria dos caçadores do País, entre os quais se encontrarão os melhores, nunca tiveram necessidade de recorrerem a stands para se adestrarem.
Para a adaptação das coronhas das espingardas pode recorrer-se a oficinas especializadas, que as há.
i) O artigo 10 º proíbe a venda de espingardas em segunda mão, a não ser em estabelecimentos especiais apartados das sedes.
Compreender-se-á que se regulamente a venda das referidas espingardas, mas não que ela seja proibida nos termos propostos Não se vê nisso inconveniente grave. Além disso, obrigar-se-iam as casas de armas a ter mais que um estabelecimento, o que poderá causar encargos incomportáveis.
j) O artigo 11 º enumera as entidades a quem deve competir a fiscalização oficial da caça.
Não se duvida que as entidades indicadas devam intervir na fiscalização, mas esta Câmara entende que a sua enumeração deve constar de regulamento.
l) O artigo 12.º impõe aos serviços florestais o encargo de dar impulso à criação e conservação da pureza de raças de cães que enumera.
Parece, contudo, que, a aceitar-se tal orientação, a matéria deve ir para regulamento. Aliás, parece que a entidade mais indicada seria a Direcção-Geral dos Serviços Pecuários.
m) A matéria do artigo 18 º - organização pelas Misericórdias de corridas de galgos com lebres mecânicas movidas electricamente - parece não dever ter assento em lei.
n) Refere-se, finalmente, o artigo 14 º ao abate das espécies ameaçadas de extinção e à obrigação geral imposta aos caçadores de se empenharem na destruição dos animais nocivos à caça, aspectos que devem ser objecto de regulamentação.
O primeiro aspecto é previsto também no projecto do Governo (bases XVII e XVIII).
Quanto ao segundo, crê-se que a obrigação a que se refere o artigo 14 º terá mais o sentido de uma recomendação do que propriamente de um comando vinculativo

III Conclusões

80. Em harmonia com as razões expostas, é de parecer a Câmara Corporativa que o projecto de proposta de lei.

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n º 2/IX e o projecto de lei n º 2/IX devem ser substituídos por outro projecto de diploma com a seguinte redacção.

TITULO I

Do regime da caça

CAPITULO I

Exercício da caça

SECÇÃO I

Disposições gerais

BASE I

1. A caça ó a apreensão de animais bravios que se encontram em estado de liberdade natural e que não vivem habitualmente sob as águas.
2. Considera-se exercício da caça toda a actividade que tenha por fim aquela apreensão, designadamente os actos de esperar, procurar, perseguir, apanhar ou matar aqueles animais.

BASE II

A caça está sujeita a restrições quanto aos requisitos pessoais exigidos para o seu exercício, aos locais e tempo em que pode ser praticada, aos processos nela utilizáveis e aos animais que podem ser abatidos.

BASE III

Os caçadores podem ser ajudados por auxiliares, com a função de procurar, perseguir e levantar caça (batedores), ou de transportar mantimentos, munições ou a caça abatida, e bem assim fazer-se acompanhar de cães.

BASE IV

1. O caçador apropria-se do animal pelo facto da sua ocupação ou apreensão, mas adquire direito a ele logo que o ferir, mantendo esse direito enquanto for em sua perseguição.
2. Considera-se ocupado ou apreendido o animal que for morto pelo caçador ou apanhado pelos seus cães ou aves de presa durante o acto venatório ou que for retido nas suas artes de caça.
3. Se o caçador matar ou ferir animal que caia ou se refugie em terreno onde o direito de caçar não seja livre, não poderá entrar nele sem autorização do respectivo dono, ou de quem o representar.
4 No caso de a autorização ser negada, serão estes obrigados a entregar o animal ao caçador no estado em que se encontrar, sempre que tal seja possível.

SECÇAO II

Pessoas que podem exercer a caça

BASE v

l Só é lícito caçar a quem reúna os seguintes requisitos

a) Ser maior de 16 anos, ou maior de 12 desde que não utilize armas de fogo,
b) Não ser portador de anomalia psíquica ou de deficiência orgânica ou fisiológica que torne perigoso o exercício dos actos venatórios,
c) Não estar sujeito a proibição do mesmo exercício por disposição legal ou decisão judicial.

2. Os menores de vinte e um anos só podem exercer a caça com utilização de armas de fogo desde que seja garantida, mediante seguro e por importância não inferior a 200000$, a indemnização pelos danos que venham a causar.
3. À proibição do exercício da caça por anomalia psíquica ou deficiência orgânica ou fisiológica será limitada ao emprego de armas de fogo quando ao mesmo estiver especialmente ligado o perigo a evitar.

BASE VI

1. Não pode exercer a caça o que tenha sido condenado ou ao qual tenha sido aplicada medida de segurança:
a) For crime doloso contra a propriedade em pena de prisão superior a seis meses, a saber furto, roubo, fogo posto e dano,
b) Por crime de associação de malfeitores ou por crime cometido por associação de malfeitores, quadrilha ou bando organizado;
c) Por delinquência habitual e delinquência por tendência, vadiagem e mendicidade.
á) Por alcoolismo habitual e por abuso de estupefacientes
2 Poderá ser levantada a proibição prevista no número anterior quando tiverem decorrido cinco anos sobre o cumprimento ou extinção da pena ou da medida de segurança, e cessará sempre que tenha sido obtida a reabilitação judicial

SECÇÃO III

Carta da caçador a licenças

BABE VII

l Os indivíduos a quem é lícito caçar nos termos das bases v e VI só poderão fazê-lo se forem titulares de carta de caçador e estiverem munidos das licenças legalmente exigidas, consoante as circunstâncias.
2. Pela concessão da carta e das licenças referidas no número anterior são devidas taxas, estando isentas de emolumentos e dispensadas de registo em qualquer serviço diferente daquele que as concede.

BASE VIII

1 A carta de caçador destina-se a identificar o caçador e a registar o seu comportamento venatório, dela devendo constar as infracções praticadas no exercício da caça e outras ocorrências respeitantes à sua actividade venatória
2 Se o caçador, se dedicar à prática da caça com fim lucrativo, por conta própria ou alheia, será o facto averbado na respectiva carta de caçador.

BABE IX

l A licença de caça revestirá as seguintes modalidades:

a) Licença geral de caça,
b) Licença regional de caça,
c) Licença concelhia de caça,
d) Licença de caça com fim lucrativo,
e) Licença de caça sem espingarda

2. A licença de caça é geral, regional ou concelhia, consoante autoriza o exercício venatório, respectivamente, em todo o continente e ilhas adjacentes, somente na área de uma legião venatória, ou apenas na área do concelho da residência habitual do caçador e na dos concelhos limítrofes.

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3 A licença de caça com fim lucrativo somente permite caçar na área do concelho da residência habitual do seu titular e na dos concelhos limítrofes.
4 A licença de caça sem espingarda apenas permite caçar com a ajuda de cães ("corricão"), com ou sem pau, na área do concelho para que for emitida e na dos concelhos limítrofes.

BASE x

1. A taxa da licença de caça com fim lucrativo não poderá ser inferior a taxa da licença geral de caça.
2. Poderá o Governo, sob proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, limitar o número de licenças de caça com fim lucrativo a conceder por concelho em cada ano ou em anos sucessivos.

BASE XI

1. São dispensados da carta de caçador e das licenças legalmente exigidas:

a) Os membros do corpo diplomático e consular acreditados em Portugal, desde que nos países que representam se dó reciprocidade a esta isenção,
b) Os estrangeiros que venham caçar no País a convite de entidades oficiais portuguesas,
c) Os estrangeiros e os nacionais não residentes na metrópole

2. Os indivíduos designados na alínea c) do número anterior estão, todavia, sujeitos à taxa de revalidação da licença de caça do país ou território da sua naturalidade ou residência ou àquela que for exigida, bem como a seguro obrigatório, nos termos a fixar em regulamento.

SECÇÃO IV

BASE XII

1 A caça pode ser exercida em todos os terrenos não exceptuados por lei, assim como nas águas interiores, no mar e nas áreas das circunscrições marítimas, observados os condicionamentos estabelecidos.
2 O proprietário ou seus representantes podem opor-se ao exercício da caça relativamente àqueles que não se encontrarem munidos da competente licença para caçar ou não se acharem devidamente autorizados a caçar nos respectivos terrenos.

BASE XIII

1. É proibido caçar sem autorização dos respectivos proprietários ou possuidores:

a) Nos terrenos murados ou por outro modo vedados, ou completamente cercados de água por forma permanente, e nos quintais, viveiros, pomares, parques e jardins anexos a casas de habitação e, bem assim, em quaisquer terrenos que circundem estas e situados numa área com um raio de 800 m;
b) Nos terrenos cultivados, semeados de cereais ou com qualquer outra cultura, antes de efectuada a respectiva colheita;
c) Nos milharais que não estejam em adiantado estado de maturação ou onde ainda não tenha sido colhida a sementeira de feijão, quando a houver,
d) Nos terrenos que se acharem de vinha ou com outras plantas frutíferas de pequeno porte e nos pomares, desde o abrolhar até à colheita dos frutos,
e) Nos terrenos abertos, plantados de oliveiras ou de outras árvores frutíferas de grande porte, no intervalo que medeia entre o começo da maturação dos frutos e a sua colheita,
f)Nos terrenos com qualquer sementeira ou plantação de espécies florestais durante os três primeiros anos, e nos colmeais.

2. Consideram-se murados ou vedados, para os efeitos da alínea e) do n º l, os terrenos circundados em toda a sua extensão por muros ou paredes, redes metálicas, valados ou linhas de água, ou vedações de outro género equivalente, de forma que os animais de pêlo não possam sair e entrar livremente.
3. A proibição prevista no n.º l em relação aos terrenos referidos nas alíneas b) a f) estender-se-á a todo o período da caça, sempre que os mesmos terrenos se encontrem devidamente delimitados.
4 Consideram-se delimitados, para os efeitos do número anterior, os terrenos em que o proprietário ou possuidor aponha tabuletas ou quaisquer outros sinais convencionais colocados em lugares bem visíveis e indicativos de que não é permitido caçar.

SECÇÃO V

Períodos venatórios

BABE XIV

1 A caça só pode ser exercida durante a época geral e nos períodos especiais fixados para a caça de certas espécies ou em determinadas circunstâncias, salvas as excepções previstas na lei.
2 A época geral da caça e os períodos venatórios especiais serão fixados atendendo aos ciclos gestatórios das espécies cinegéticas e à necessidade de protecção das respectivas crias e ainda, quanto às espécies migratórias, às épocas das suas migrações.
3 Poderá o Governo, porém, mediante proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas e ouvido o Conselho Nacional da Caça, determinar, por meio de portaria.
a) O adiamento da abertura da época geral da caça ou da caça a qualquer espécie,
b) A antecipação do encerramento de qualquer
desses períodos,
c) A proibição de caçar durante certos dias da semana

4 Os períodos venatórios nas ilhas adjacentes, enquanto não for publicado o respectivo regulamento, serão fixados pelas comissões venatórias distritais

BASE XV

1 Durante a época geral da caça e dentro de um período mínimo de três anos, a contar da publicação desta lei, a caça a qualquer espécie só poderá ser exercida em três dias da semana -sábado, domingo o segunda-feira -, bem como nos dias de feriado nacional ou municipal.
2 Esta restrição não é aplicável às reservas de caça.

BASE XVI

Consideram-se período de defeso o que se situa fora da época geral da caça ou dos períodos venatórios especiais e, bem assim, os dias da época geral em que não é lícito caçar, nos termos do n º. l da base anterior.

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BASE XVII

O proprietário ou possuidor de prédios murados ou vedados, ou cercados de água completa e permanentemente, por tal forma que os animais bravios de paio não possam sair e entrar livremente, pode dar-lhes caça em qualquer tempo e por qualquer modo.

BASE XVIII

Só é permitido caçar desde o começo do crepúsculo da manhã até ao fim do crepúsculo da tarde, salvo nos casos expressamente previstos na lei.

SECÇÃO VI

Processos de caça

BASE XIX

1 A caça só pode ser exercida pelos processos autorizados em regulamento.
2 Determinar-se-ão neste as adequadas limitações ao uso dos diversos processos e meios admitidos para aplicação genérica ou consoante as espécies cinegéticas e as circunstâncias de tempo e de lugar.
3. Quando a diminuição da densidade de qualquer espécie cinegética aconselhar a sua protecção, poderá o Governo, por meio de portaria e mediante proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Agrícolas, estabelecer limitações aos processos ou meios de exercício da (respectiva caça, incluindo a proibição de determinados tipos de armas de fogo.

SECÇÃO VII

Espécies cinegéticas

BASE XX

l Podem ser objecto da caça todos os animais bravios que não pertençam a espécies cuja caça esteja proibida.
2, São proibidas a captura e a destruição dos ninhos, luras e ovos de qualquer espécie, salvo nos casos previstos na lei.

BASE XXI

1. Quando a diminuição da densidade de qualquer espécie cinegética aconselhar a sua protecção, poderá o Governo, por meio de portaria e mediante proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, ouvido o Conselho Nacional da Caça, proibir a respectiva caça ou limitar o número de exemplares dessa espécie que cada caçador pode abater diariamente.
2 As proibições e limitações poderão restringir a área a elas sujeita e a respectiva duração.

BASE XXII

l Poderá o Governo, mediante proposta da Direcção-Geral doe Serviços Florestais e Aquícolas e ouvido o Conselho Nacional da Caça:
a) Fazer cessar a proibição da caça para as espécies cuja densidade tenha atingido um nível adequado;
b) Autorizar, em condições a fixar, a caça de espécies para as quais a mesma esteja proibida, nas regiões onde se verifique a sua excepcional densidade ou onde se comprove causarem prejuízos às culturas,
c) Autorizar a captura, para fins científicos ou didácticos, de exemplai es de espécies cuja caça estiver proibida, bem como dos respectivos ninhos e ovos
2 As providências previstas nas alíneas a) e b) do número anterior revestirão a forma de portaria.

SECÇÃO VIII

Defesa contra animais nocivos ou que se tornem nocivos

BASE XXIII

É permitido em todo o tempo destruir os animais nocivos à agricultura, à caça e à pesca, nos termos da lei.
2 O direito previsto no número anterior pode ser exercido, independentemente de carta de caçador e de licença de caça, pelos proprietários ou agricultores nos terrenos em que os animais nocivos causem prejuízos e, bem assim, pelas pessoas por eles autorizadas.

BASE XXIV

l O Governo poderá autorizar as medidas necessárias paia a verificação e correcção da densidade dos animais de espécies cinegéticas nos terrenos em que eles, pela sua abundância, se tomem nocivos, mesmo em tempo de defeso, incluindo o uso de processos ou meios de caça legalmente proibidos.
2. A apreciação do pedido de autorização deverá fazer--se no prazo de quinze dias, a contar da sua entrada na Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, considerando-se deferido se nada for comunicado dentro desse prazo.

CAPITULO II

Reservas de caça

BASE XXV

Para protecção e fomento das espécies cinegéticas e fins científicos poder ao ser constituídas reservas particulares de caça ou coutadas de caça, reservas zoológicas e zonas de protecção.

SECÇÃO I

Reservas particulares ou coutadas de caça

BASE XXVI

1. A concessão de reserva de caça atribui ao seu titular o direito de caçar nos respectivos terrenos com exclusão de todos os outros caçadores, os quais somente aí poderão caçar se dele obtiverem autorização escrita.
2 O direito referido no n º l é extensivo aqueles que acompanhem no exercício da caça o titular da reserva.

BASE XXVII

l Poderão requerer a concessão de reservas ou coutadas de caça
a) O proprietário dos terrenos, bem como o usufrutuário, o enfiteuta, ou o arrendatário com o

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consentimento daqueles, individualmente ou em grupo,
b) As comissões venatórias concelhias, desde que provem o consentimento das pessoas indicadas na alínea anterior,
c) As associações de caçadores legalmente constituídas, em conjunto com as pessoas designadas na alínea a), ou com o seu consentimento.
c) Às câmaras municipais e as juntas de freguesia, quanto aos terrenos por si administrados, s os órgãos de administração com competência em matéria de turismo a que se refere a base v da, Lei n.º 2082, de 4 de Junho de 1956, nas condições referidas na alínea b).
2 Cada reserva de caça poderá ser constituída por terrenos de uma só pessoa ou de várias, nos termos da alínea a) do número anterior.
3 Os terrenos das reservas de caça consideram-se submetidos ao regime florestal parcial, de harmonia com as suas características, sem sujeição ao limite fixado no § l º do artigo 42 º do Decreto n º 39 931, de 24 de Novembro de 1954, tratando-se de terrenos de feição predominantemente agrícola.

BASE XXVIII

l Na concessão de reservas de caça dar-se-á preferência pela seguinte ordem
a) Aos pedidos que respeitem a terrenos que beneficiem da declaração de interesse turístico cinegético,
b) Aos pedidos que respeitem a terrenos que não tenham aptidão ou com aptidão reduzida para a exploração agrícola ou florestal;
c) Aos pedidos que respeitem a terrenos submetidos
1 a regime florestal de simples polícia para os quais se mostre executado ou em execução o respectivo plano de arborização, tratamento e exploração;
d) Aos pedidos apresentados pelas comissões venatórias,
e) Aos pedidos feitos por quem se proponha instalar postos de criação artificial de caça,
f) Aos pedidos apresentados conjuntamente pelos proprietários ou possuidores dos terrenos e por associações de caçadores, legalmente constituídas, que se encarreguem de administrar e explorar a reserva.
2 Em igualdade de condições previstas no n º l, ou na sua falta, será dada preferência
a) Aos interessados que não beneficiem ainda de reservas de caça, ou, se todos já delas beneficiarem, aos que disponham de menores áreas em tal regime,
b) Aos pedidos primeiramente formulados.
3 O interesse turístico cinegético será declarado pela Presidência do Conselho, da qual as respectivas reservas de caça ficam a depender nos aspectos ligados a exploração turística.
4. Os pedidos de concessão de reserva de caça serão devidamente publicados, nos termos a fixar em regulamento.

BASE XXIX

l Compete ao Governo, por meio de portaria, a concessão de reservas de caça, ouvida a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas.
2 Na apreciação do pedido de concessão de reservas de caça atender-se-á não só à idoneidade moral do requerente como às suas possibilidades técnicas e económicas em face das obrigações que terá de assumir.
3. Não poderá conceder-se a reserva quando os terrenos não revestirem as condições indispensáveis à função de protecção e desenvolvimento das espécies.

BASE XXX

1 A área sujeita ao regime de reserva de caça poderá variar de concelho para concelho, e será fixada em portaria, conforme a sua extensão e características, designadamente a inaptidão dos terrenos para a exploração agrícola ou florestal, a densidade da população e as condições de desenvolvimento das espécies, não podendo, porém, exceder 40 por cento do respectivo território.
2 As áreas máxima e mínima de cada reserva de caça ou conjunto de reservas de caça serão fixadas em regulamento, tendo em atenção as características dos terrenos, assim como a sua afectação à exploração para fins turísticos ou à caça maior.
3 Os espaços de terreno ou "corredores" mínimos, onde seja livre o direito de caçar, entre áreas contíguas submetidas ao regime de reserva, serão igualmente fixados em regulamento, desde que a área da reserva ou conjunto de reservas contíguas seja superior a 8000 ha.

BABE XXXI

1 As reservas de caça serão concedidas por prazo não superior a seis anos, prorrogável, por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do que se estabelece no número seguinte.
2 Mediante proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, poderá em qualquer altura ser declarada extinta a concessão de reserva de caça ou reduzida a sua área nos terrenos em que esse regime se torne inconveniente para o interesse público, ou em que não sejam cumpridas as obrigações impostas na lei ou as condições fixadas na concessão, no caso deste incumprimento pode optar-se por uma multa até 50 000$, a impor administrativamente, ouvido o interessado.
3 Se o regime de reserva de caça tiver sido requerido pelo usufrutuário dos terrenos, sem intervenção do respectivo proprietário, caducará a concessão com a extinção do usufruto, desde que o proprietário não requeira a sua renovação
4 À transmissão dos terrenos por acto entre vivos ou por morte não envolve a caducidade da respectiva concessão de reserva de caça.

BASE XXXII

O concessionário de uma reserva de caça é obrigado

a) A pagar uma taxa anual,
b) A delimitar e sinalizar a respectiva área,
c) A cumprir o regulamento da administração e exploração da reserva e as condições que tenham sido fixadas na concessão,
d) A manter a fiscalização permanente da reserva,
e) A executar os repovoamentos cinegéticos e as outras medidas de fomento,
f) A contribuir em espécies, dentro dos limites regulamentados, para o repovoamento cinegético dos terrenos onde é livre o direito de caçar

BASE XXXIV

l As taxas anuais a pagar pelas reservas de caça serão progressivas e fixadas em função das respectivas áreas,

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considerando-se, para a determinação do escalão aplicável, a superfície total das reservas pertencentes à mesma pessoa.
2 Para as roseiras destinadas a caça maior poderá estabelecer-se um regime especial de taxas menos oneroso.
3 Ficam isentas de pagamento da taxa as reservas exploradas pelas comissões venatórias e pelas entidades referidas na alínea d) do n.º l da base XXVII, as que beneficiem da declaração de interesse turístico, e bem assim, durante os cinco primeiros anos, aquelas que resultem da associação de vários proprietários ou usufrutuários, enfiteutas ou arrendatários de terrenos nas regiões onde predomina a pequena propriedade.
4 À requerimento dos interessados e com parecer da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, pode o Governo conceder em cada ano redução da taxa, ate 50 por cento, para as reservas em que tal se justifique, pelos resultados obtidos no fomento das espécies cinegéticas, designadamente por meio de medidas de protecção e de repovoamento naturais ou artificiais.

BASE XXXIV

1 A Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas deverá estimular os comissões venatórias a constituírem reservas de caça, especialmente nas regiões onde predomina a pequena propriedade, concedendo-lhes para o efeito os meios necessários.
2 Poderá estabelecer-se que em tais reservas somente seja lícito caçar aos caçadores residentes no respectivo concelho ou dar-se-lhes preferência para o exercício da caça nas condições que forem fixadas.

BASE XXXV

Pode ser fixado, em função da densidade das espécies das respectivas áreas, o número máximo de exemplares de certa ou certas espécies que em cada época venatória é permitido abater nas reservas de caça.

BASE XXXVI

1 Nas reservas exploradas pelas comissões venatórias, poderão estas, quando autorizadas pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, cobrar uma quantia, dentro dos limites fixados em regulamento, pela concessão de autorização para caçar na respectiva área.
2 Nas reservas que beneficiem da declaração de interesse turístico é concedida igual faculdade à entidade exploradora, de harmonia com o que for estabelecido pela Presidência do Conselho.

BASE XXXVII

l O arrendamento de uma reserva de caça terá de ser comunicado à Secretaria de Estado da Agricultura pelo concessionário locador dentro de um mês, a contar da celebração do contrato, e só é válido se constar de documento escrito.
2. O prazo de arrendamento não poderá ser inferior a três anos
3 Pelo arrendamento pagará o concessionário locador a taxa de 5 por cento do preço convencionado.
4 A violação do disposto nos n.º l e 2 desta base acarretará a aplicação da multa prevista no n º 2 da base XXXI, que será fixada em função da renda.

BASE XXXVIII

l Para o caso da não renovação do contrato de arrendamento da reserva de caça poderão estabelecer-se restrições especiais ao exercício da caça para o último ano do prazo do contrato.
2 O concessionário locador continua a ser o titular da concessão da reserva de caça, respondendo pelo cumprimento das obrigações" que, em tal qualidade, lhe são impostas.
3. A Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, oficiosamente ou a requerimento do concessionário locador, poderá fazer cessar o arrendamento, mediante simples notificação ao arrendatário, no caso de este comprometer seriamente a função da reserva como meio de protecção e desenvolvimento dos espécies, o qual não terá, por esse facto, direito a qualquer indemnização
1 É proibido o subarrendamento das reservas de caça.
2 A cessão do direito ao arrendamento é permitida com o consentimento do concessionário locador, devendo o arrendatário levá-la ao conhecimento da Secretaria de Estado da Agricultura, nos termos do n.º l da base XXVII.
3 A infracção do disposto no n º l, bem como a falta do consentimento e da comunicação referidos no n. 2, sujeitam o arrendatário à multa a que se refere o n º 4 da base XXVII.

SECÇÃO II

Reservas zoológicas e zonas de protecção

BASE XL

l O Governo deverá, ouvido o Conselho Nacional da Coça, constituir em terrenos do Estado ou de outras entidades, ou autorizar que se constituam noutros terrenos, com o consentimento dos respectivos proprietários, reservas zoológicas e zonas de protecção, cujo regime será o estabelecido em regulamento.
2. Nas reservas zoológicas ou reservas integrais de caça são inteiramente proibidas, não só a caça de qualquer espécie, como também a prática de actividades que possam perturbar o desenvolvimento da flora e da fauna da área ou alterar o meio ambiente e natural das suas espécies.
3 Nas zonas de protecção ou reservas parciais de caça são proibidas, além da caça de determinada ou determinadas- espécies, as actividades que prejudiquem o seu desenvolvimento.

CAPITULO III

Criação artificial de caça

BASE XLI

1 Poderão ser instalados postos de criação artificial de caça, destinados à criação de espécies cinegéticas para fins de fomento ou de exploração industrial
2 A Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas deverá promover a instalação de um ou mais postos de criação artificial de caça, de harmonia com as necessidades de repovoamento das espécies.
3 A instalação dos postos depende de autorização da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, ouvida a Direcção-Geral dos Serviços Pecuários sobre os aspectos sanitários.
4 Os referidos organismos exercerão, respectivamente, a fiscalização dos postos e a sua inspecção sanitária.

BASE XLII

1 Os postos de criação com objectivo exclusivo de fomento cinegético estão isentos de quaisquer impostos, contribuições ou taxas nos primeiros dez anos do respectivo funcionamento.
2 Decorrido este prazo, poderá a isenção ser prorrogada pelo Governo, pelo período que for fixado.

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CAPITULO IV

Comércio da caça

BASE XLIII

1 Constará de regulamento o regime relativo ao comércio e transporte das espécies cinegéticas, designadamente a fixação da data do início da sua venda ao público e a obrigatoriedade da sua selagem, com pagamento de taxa, assim como a proibição de venda de exemplares de todas ou de algumas espécies.
2 E proibida a venda, aquisição e exposição ao público de caça durante o período de defeso.
3. Exceptuam-se desta proibição os exemplares em conserva ou contidos em frigoríficos industriais e bem assim os criados nos postos de reprodução artificial, devendo, nos dois últimos casos, ser devidamente selados.

BASE XLIV

l O Governo poderá proibir ou limitar a exportação de caça sempre que tal se mostre necessário, bem como proibir a importação de exemplares vivos de quaisquer espécies cinegéticas que sejam inconvenientes.
2. Não poderá ser feita a importação de nenhum exemplar vivo sem prévia autorização da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas.

CAPITULO V

Das Responsabilidades penal e civil

SECÇÃO I

Responsabilidade penal

BASE XLV

1 As infracções a disciplina da caça são puníveis, conforme o que for determinado nesta lei e em disposições regulamentares, com as seguintes sanções, isolada ou cumulativamente.
a) Pena de prisão até seis meses,
b) Pena de multa até 10 0009;
c) Interdição do direito de caçar.

2 Poderá estabelecer-se ainda a perda dos instrumentos e do produto das infracções.
3 Constituem circunstâncias agravantes o cometimento da infracção por duas ou mais pessoas, a sua prática durante a noite, em reservas particulares ou coutadas de caça, reservas zoológicas ou zonas de protecção, bem como o emprego de substancias venenosas ou tóxicas.

BASE XLVI

1 A interdição do direito de caçar pode ser temporária, de um a cinco anos, ou definitiva.
2 O não acatamento da interdição é punível com a pena de prisão até seis meses.
3 A perda dos instrumentos da infracção envolve a perda da espingarda, bem como do veículo que serviu à prática daquela, salvo se pertenciam a terceiro e foram utilizados para esse fim contra sua vontade ou com seu desconhecimento e sem que da infracção haja tirado vantagens.

BABE XLVII

1. A caça em época de defeso ou com o emprego de meios proibidos constitui crime punível com prisão de um a seis meses e multa de 500$ a 10 000$ e acarreta sempre a interdição do direito de caçar, bem como a perda dos instrumentos e objectos da infracção.
2. Decretar-se-á a interdição definitiva quando ao infractor hajam sido impostas duas interdições temporárias, nos termos do número anterior, e volte a cometer uma das infracções nele previstas.
3. A pena de prisão respeitante a uma das infracções previstas no n.º l não poderá ser substituída por multa quando o infractor tenha sido já condenado por uma dessas infracções, salvo se entre a nova condenação e a anterior decorreram mais de cinco anos.

BASE XLVIII

l A caça em locais proibidos constitui contravenção punível com a multa de 500$ a 5000$, sem prejuízo da aplicação da pena mais grave correspondente ao crime de dano, que no caso concorra, e da obrigação de indemnizar pelos prejuízos causados.
2. O tribunal poderá decretar, de harmonia com a gravidade da infracção, a interdição do direito de caçar.

BASE XLIX

Nos processos crimes pelas infracções previstas na base XLVH podem constituir-se assistentes as comissões venatórias da área onde a infracção foi cometida.

BABE L

l Os danos cometidos no exercício da caça são puníveis, nos termos gerais, quando não constituam crimes públicos, mediante simples denúncia das pessoas ofendidas, as quais poderão logo formular o pedido de indemnização, nos termos do artigo 29 º do Código de Processo Penal.
2. A recusa do caçador a identificar-se, quando a isso solicitado pela pessoa prejudicada ou sua representante, é punível com a pena do crime de desobediência

SECÇÃO II

Responsabilidade civil

BASE LI

A responsabilidade civil por danos causados no exercício, da caça é fixada nos termos gerais, salvo no que respeita aos danos causados por armas de fogo, aos quais se aplicam as disposições respeitantes a responsabilidade objectiva ou pelo risco.

BABE LII

l Os que explorem ou possuam reservas de caça, reservas zoológicas, zonas de protecção e postos de criação artificial são obrigados a indemnizar os danos que a caça neles existente causar nos terrenos vizinhos.
2. Os proprietários ou possuidores dos terrenos que neles consentiram o estabelecimento das referidas reservas, zonas e postos, respondem solidariamente pelos danos, tendo, porém, direito de regresso contra os que exerçam a respectiva exploração.
3 O regime previsto nesta base é extensivo aos terrenos pertencentes ou directamente explorados por entidades oficiais ou comunidades religiosas nos quais não seja permitido caçar sem autorização dessas entidades ou comunidades

CAPITULO VI

Fiscalização

BASE LIII

Constará de regulamento a indicação das autoridades, agentes de autoridade e demais entidades com competência para o exercício da polícia e fiscalização da caça.

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BASE LIV

1. Nos autos de notícia levantados pelas autoridades ou agentes da autoridade com competência para o exercício da polícia e fiscalização da caça, por infracções que tenham presenciado, relativas àquela matéria, é dispensada a indicação de testemunhas sempre que as circunstâncias de facto a tornem impossível, sem prejuízo de fazerem fé em juízo, até prova em contrário
2. Para os efeitos desta base, consideram-se agentes de autoridade os membros das comissões venatórias, depois de ajuramentados perante o juiz de direito da comarca do seu domicílio.
3 Pelos autos de notícia levantados nos termos do n º l, poderá conceder-se aos autuantes o direito a uma participação nas multas.

BASE LV

Os guardas florestais, os guardas dos serviços hidráulicos e os guardas que constituem o corpo de fiscalização privativo da caça não poderão caçar durante o exercício das suas funções.

TITULO II

Da organização e competência dos serviços

BASE LVI

Constituem atribuições da Secretaria de Estado da Agricultura, pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, o fomento e a protecção das espécies venatórias e o licenciamento e a fiscalização do exercício da caça.

BASE LVII

l A Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas será coadjuvada no exercício daquelas atribuições por comissões venatórias, às quais compete, em geral, colaborar no licenciamento e fiscalização do exercício da caça, promover o que for conveniente para o fomento e protecção das espécies cinegéticas e formular pareceres sobre essas matérias.
2. As câmaras municipais colaborarão também no exercício das mesmas atribuições, designadamente na concessão das licenças previstas nesta lei e na transmissão dos pedidos das cartas de caçador.

BABE LVIII

1 O território do continente divide-se em regiões venatórias, funcionando em cada uma delas uma comissão venatória regional.
2 Em cada concelho funcionai á uma comissão venatória concelhia, excepto nas sedes das regiões venatórias, onde as respectivas comissões regionais acumularão as funções àquelas atribuídas.
3 Nas ilhas adjacentes exista ao apenas comissões venatórias distritais, podendo sei criadas, delegações nas ilhas onde não está situada a sede do distrito.
4. Na composição das comissões venatórias terão lugar representantes da lavoura e do turismo, a designar pelas respectivas corporações, e dos caçadores, estes últimos designados por eleição.

BASE LIX

l É criado o Conselho Nacional da Caça, junto da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, ao qual compete, em geral, formular pareceres sobre as matérias a que se refere a base LV.
2 Da composição do Conselho Nacional da Caça farão parte obrigatoriamente representantes dos caçadores, da lavoura e do turismo.

BASE LX

l É criado na Direcção-Geral doa Serviços Florestais e Aquícolas o lugar de inspector chefe da caça, cujo provimento será feito nos termos estabelecidos no n.º l da base IX da Lei n.º 2097, de 6 de Junho de 1959.
2. Para ocorrer ao acréscimo de serviço resultante da execução da presente lei, poderá a Secretaria de Estado da Agricultura adoptar as providências autorizadas no n º 2 da mesma base, de harmonia com as disponibilidades do Fundo a que se refere a base seguinte.

BASE LXI

l É criado na Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas o Fundo Especial da Caça e Pesca, destinado a assegurar a execução da presente lei e da Lei n.º 2097, de 6 de Junho de 1959.
2. O Fundo é gerido por uma comissão administrativa dotada de autonomia administrativa e financeira, constituída pelo director-geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, que presidirá, pelos inspectores chefes da caça e da pesca e pelo inspector chefe administrativo.
3 A comissão administrativa será auxiliada por secções especializadas de caça e de pesca, presididas pelos respectivos inspectores-chefes, e de que farão parte representantes das actividades e organismos interessados.

BASE LXII

1 Constituirão receitas do Fundo Especial da Caça e Pesca.
a) O produto das taxas previstas nesta lei, salvas as quantias que em regulamento forem atribuídas ao Estado e às câmaras municipais,
b) O produto das taxas atribuídas às comissões venatórias pelos títulos II, III e VII da tabela B aprovada pelo Decreto-Lei n.º 37 313, de 21 de Fevereiro de 1949,
c) As quantias cobradas pelas comissões venatórias pela concessão de autorização para o exercício da caça nas reservas por elas exploradas;
d) A percentagem, para esse fim fixada, das quantias cobradas pela concessão de autorização para o exercício da caça nas reservas que beneficiem de declaração de interesse turístico,
e) O produto das multas por infracções relativas a disposições sobre caça, regime florestal e protecção da natureza,
f) O produto da venda dos instrumentos das mesmas infracções, quando seja declarada a sua perda, ou quando abandonados pelos infractores,
g) As quantias previstas nas alíneas b) e c) da base XIV da Lei n º 2097, de C de Junho de 1959,
h) As heranças, legados e doações,
i) Os juros dos capitais arrecadados

2 A consignação estabelecida na alínea e) do n º l não prejudica a atribuição ao Cofre Geral dos Tribunais da parte que lhe cabe no produto das multas, nos termos do Código Penal.
3. A percentagem a que se refere a alínea d) do n º l será fixada pelo Secretário de Estado da Agricultura.

BASE LXIII

O Fundo Especial da Caça e Pesca suportará, além daqueles a que se referem a base XTII da Lei n º 2097, de

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6 de Junho de 1959, e a base LXI da presente lei, os encargos seguintes.
a) Da inspecção, a cargo da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, e da fiscalização, a cargo da mesma Direcção-Geral e das comissões venatórias regionais,
b) De todas as restantes despesas das comissões venatórias, regionais e concelhias,
c) Do funcionamento do Conselho Nacional da Caça e das secções especializadas a que se refere o n º 3 da base LXI.
d) Do licenciamento da caça,
e) Da instalação e manutenção de laboratórios e estabelecimentos de investigação destinados ao fomento das espécies cinegéticas e museus de interesse cinegético,
f) Da organização de missões de estudo, de congressos, da representação neles e de exposições, sobre assuntos venatórios,
g) De prémios a atribuir aos agentes de fiscalização da caça que se revelem especialmente diligentes no desempenho das suas funções,
h) Da publicação de trabalhos e estudos, de reconhecido mérito, que tenham por objecto a caça, a pesca ou a protecção da natureza,
i) De quaisquer outras providências convenientes para o fomento e protecção da caça ou da pesca, ou para assegurar a eficácia das correspondentes fiscalizações

TÍTULO III

Disposições finais e transitórias

BASE LXIV

1 As propriedades que à data da entrada em vigor desta lei estejam submetidas ao regime florestal de simples policia, com reserva de caça, são consideradas, para todos os efeitos, como reservas constituídas ao abrigo das bases XXVI e seguintes.
2 À Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas procederá à revisão da situação das mesmas propriedades, em ordem a verificar o cumprimento das condições impostas no decreto que as submeteu àquele regime.
3 As reservas que sejam mantidas terão de obedecer aos limites fixados ao abrigo do disposto na base XXX Para este efeito, se, mesmo depois de reduzidas as áreas de cada reserva ao limite permitido, ficar excedida, em algum concelho, a área máxima autorizada, serão reduzidas proporcionalmente às respectivas superfícies, de modo a confinarem-se dentro daquele máximo.
4 As reservas que forem mantidas considerar-se-ão como tendo sido autorizadas por prazos de seis anos, prorrogáveis, a contai da data da decisão, nos termos do disposto na base XXVI.

BASE LXV

Fica extinta a secção venatória do Conselho Técnico dos Sei viços Florestais, a que se refere o artigo 15 º do Decreto-Lei n º 40 721, de 2 de Agosto de 1956, logo que esteja constituído o Conselho Nacional da Caça, criado pela presente lei.

BASE LXVI

Serão transferidos para o Fundo Especial da Caça e Pesca os saldos das contas de gerência e os restantes valores e direitos das comissões venatórias existentes

BASE LXVII

A Secretaria de Estado da Agricultura, pela Direcção--Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, elaborará a regulamentação da presente lei, a publicar depois de ouvidos os Ministérios da Justiça, das Finanças e da Educação Nacional.

BASE LXVIII

Serão determinados especialmente em regulamento

a)1 O número de cães e de auxiliares de caça de que cada caçador ou grupo de caçadores pode fazer-se acompanhar,
b) As taxas devidas pela passagem da carta de caçador, das licenças de caça e demais licenças exigíveis, bem como a entidade ou entidades a quem compete passá-las,
c) O recurso do acto de concessão ou de recusa da passagem da carta de caçador ou da licença de caça,
d) Os locais onde é limitado ou proibido o exercício da caça,
e) A época geral da caça e os períodos venatórios especiais,
f) As condições e modo de destruir os animais nocivos ou os animais que se tornem nocivos,
g) As taxas anuais devidas pelas concessões de reservas de caça,
h) O número de caçadores que poderão constituir uma associação de caçadores, o número de associações a que o mesmo caçador pode pertencer, bem como o número de hectares que cada associação de caçadores poderá usufruir em regime de reserva de caça,
i) A eventual participação dos autuantes nas multas, a que se refere o n º S da base LIV,
j) A constituição das comissões venatórias;
l) A constituição do Conselho Nacional da Caça

Palácio de S Bento, 22 de Julho de 1966

José Forrem Queimado
Alexandre Gomes do Lemos Corrêa Leal
Bento de Sousa Amorim.
Bento Mendonça Cabral Parreira do Amaral
João José Lobato Guimarães
Fernando de Sandy Lopes Pessoa Jorge
José Augusto Vaz Pinto
José Gabriel Pinto Coelho
Manuel Duarte Gomes da Silva
Mário Júlio Brito de Almeida Costa
Afonso Rodrigues Queira
Aníbal Barata Amaral de Morais
António Bandeira Garço
Armando Rasquilho Tello da Gama
Artur Augusto de Oliveira Pimentel
Fernando Andrade Pires de Lima.
Fernando Augusta Santo e Castro
João Pedro Neves Claro
Joaquim Trigo de Negreiros
José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich
José Manuel da Silva José de Mello
José de Mira de Sousa Carvalho
Luís Quartin Graça
Manuel de Almeida de Azevedo e Vasconcelos
José Alfredo Solares Mango Preto, relator

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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