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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 12

ANO DE 1945 15 DE DEZEMBRO

ASSEMBLEA NACIONAL

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.° 12, EM 14 DE DEZEMBRO

Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Abranches Martins

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Apurou-se o Diário da antepenúltima sessão.

Antes da ordem do dia.- Usaram da palavra os Srs. Deputados Ribeiro Casaes. que lembrou a data da morte do Presidente Sidónio Paia, Ricardo Durão, que falou na mesma ordem de ideas, Gaspar Ferreira, que aludiu à recente adjudicação da empreitada das obras da ria a barra de Aveiro, Alberto Cruz, que se referiu a determinadas afirmações proferidas pelo Sr. Deputado Pinto Basto na sessão de 12 do corrente, Pinto Basto, que esclareceu essas suas afirmações, e Formosinho Sanches, que criou para a Mesa um requerimento.

Procedeu-se à eleição da Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão, na generalidade da proposta de lei de, autorização de receitas e despesas para o ano de 1946.

Usaram da palavra os Srs. Deputados Franco Frazão, Mário de Figueiredo e Antunes Guimarãis.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 15 minutos, marcando para a sessão de amanhã a mesma ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Afonso Eurico Ribeiro Casaez.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto doa Reis Júnior.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
André Francisco Navarro.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
João Ameal.
João Antunes Guimarãis.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Luiz Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.

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Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivel.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luiz António de Carvalho Viegas.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz Lopes Vieira de Castro.
Luiz Maria da Câmara Pina.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Luiz Maria da Silva Lima Faleiro.
Luiz Pastor de Macedo.
Luiz Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
Mário Borges.
Mário de Figueiredo.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 71 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da penúltima sessão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto nenhum dos Srs. Deputados desejar usar da palavra sobre este Diário, considero-o aprovado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Ribeiro Casaez.

O Sr. Ribeiro Casaez: - Sr. Presidente: as palavras que tem sido dirigidas a V. Ex.ª por pessoas que foram sempre credoras da minha maior consideração, e a forma elevada como têm sido orientados os trabalhos desta Casa, impõem-se o dever de afirmar que me felicito por ter contribuído para que V. Ex.ª seja hoje Presidente da Assemblea Nacional.

Não é, pois, por obediência, à praxe ou por sacrificar no altar das conveniências - e eu sou praxista sei até que ponto se pode ser irreverente - que peço a V. Ex.ª para aceitar as minhas saudações por ter sido eleito Presidente da Assemblea Nacional, saudações que traduzem a minha muita consideração por V. Ex.ª e também os melhores votos para que no desempenho do seu alto cargo V. Ex.ª não sofra amarguras, sequer ligeiras contrariedades.

E porque é esta a primeira vez que ergo a minha voz nesta Cana, peço licença a V. Ex.ª para saudar os Srs. Deputados, afirmando-lhes que estarei sempre a seu lado para servir o bem comum com a lealdade e devoção de um soldado que nunca soube seguir outro caminho.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - São preciosos os instantes que vivemos para os trabalhos em curso, que reputo de especial importância para a vida da Nação, são poucos todos os momentos para estudar convenientemente a lei de meios. E que ela deve conter muitas pedras para a construção da cidade nova, que há vinte anos, teimosamente, minha geração procura erguer Mas para que essas pedras sejam colocadas devidamente, firmemente, é preciso pensar-se nos fundamentos. Ora a data de hoje dá-nos uma grande lição a tal respeito.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há vinte e sete anos que foi assassinado o Presidente Sidónio Pais. É difícil, por enquanto sem ferir vaidades e interesses, projectar em verdadeira grandeza a sua figura heróica.

Mas alguém melhor do que eu, em breve, certamente, se referirá ao valor que a figura de Sidónio representou como Chefe da Nação e também como condutor, ainda hoje, laqueies que tudo fazem para bem a servir.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É uma lição que desejo registar e para a qual chamo a atenção dos chefes responsáveis e daqueles que representam a Nação.

Assassinaram o Rei Carlos e o Príncipe Real. Pouco depois os assassinos deram nome a ruas das povoações; pouco depois ergueram-se monumentos aos assassinos. O que se passou após o regicídio foi uma série de crimes que está na memória de todos.

Assassinaram Sidónio Pais, e pouco depois o seu assassino, como é voz pública, foi funcionário do Estado.

Já houve dois assassinatos de soldados da Revolução Nacional e já houve um atentado contra a vida de Salazar.

Em breve, certamente, será posta em relevo a figura de Sidónio Pais, tam merecedora de todas as homenagens . . .

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... mas neste momento desejo traduzir as minhas numa única afirmação: "É que a disciplina que os meus 19 anos me forçaram a respeitar no momento em que Sidónio foi assassinado, a tortuosa disciplina que permitiu a série de crimes que se lhe seguiram, a, falta de disciplina que consentiu o que sucedeu depois do assassinato do Rei Carlos e do Príncipe Real . . . não me encontrará obediente, disciplinado".

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quero dizer, Sr. Presidente, que fará tudo quanto em minhas forças couber para que os cri

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mes que se têm dado depois de actos da natureza dos que acabo de referir não possam verificar-se.

Isto tenho eu rezado nas igrejas, neste dia; isto tenho eu dito baixo, muitas vezes, para mim. Agora penso alto, digo o que há muito trago no coração: farei sempre tudo quanto em minhas forças couber para que o sacrifício de Sidónio Pais, o crime que se perpetrou há vinte e sete anos, não possa repetir-se e ser o princípio de outros crimes que nos envergonhem perante o Mundo e sejam a deshonra de todos nós.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Ricardo Durão: - Sr. Presidente: falo no ressalto das palavras do Sr. Deputado Ribeiro Casaez, permitindo V. Ex.ª que neste caso falte ao Regimento para lhe chamar enternecidamente meu camarada. Portanto, na convicção ou antes, na certeza de que a tragédia do dia 14 de Dezembro de 1918, vinte e sete anos volvidos, vive ainda nos nossos corações, solicito para este aniversário doloroso a atenção da Câmara.

Com efeito, a morte de Sidónio Pais encheu de luto e de pranto um povo inteiro. E no entanto a bala do assassino salvou-o porventura de uma desilusão tremenda, cortando-lhe a vida no momento preciso em que a sua figura gentil se antepunha diante das correntes anárquicas ansiosas de reatar o fio interceptado pela sua espada decisiva.

Embora aliciado pelo meu saudoso amigo Feliciano da Costa, não entrei na revolução de 5 de Dezembro pela simples razão de ter sido antes disso mobilizado para França, regressando a Portugal pouco antes do crime. Mas há nesta sala camaradas meus que foram companheiros de Sidónio nessa jornada gloriosa. Entre eles Jorge Botelho Moniz, o homem que não conhece, perdão, o homem que conhece o medo, como todos os bravos; Teófilo Duarte, cuja actuação tem laivos de Shakspears; camaradas da primeira hora, como José Esquivel, Ribeiro Casaez e Joaquim Mendes do Amaral.

Invejo o seu orgulho, que a magnitude da empresa plenamente justifica, e já agora quero agradecer-lhes por me terem oferecido, em generosa alternativa, a oportunidade magnífica de fazer de uma figura tam bela e tam alta uma exaltação tam fagueira e tam fácil.

Antes de 1910. a nau monárquica metia água por todas as juntas; já não havia piloto que a salvasse. Corroído pela intriga política, e pela anarquia administrativa, todo o cavername apodrecia. Urgia substituí-la, fosse pelo que fosse.

Com a República, porém, apesar da esperança e da boa fé de alguns, a anarquia persistia e a podridão alastrava. A turba iconoclasta, a multidão irresponsável e anódina tomara conta disto; a desordem e o crime eram o seu habitat. Tentando restabelecer o princípio da autoridade, aparece então um Lohengrin do brancas armas que a travar o bom combate desce de paragens luminosas.

Carlyle espiritualizou a ditadura de Cromwel num pensamento religioso, na mística severa de uma teocracia puritana. Não há vestígio algum de que o espírito de Sidónio Pais levasse tam alto a sua vocação; ela acantona-se numa zona menos abstracta, numa religião mais positiva: o patriotismo. Patriotismo impreciso, vagamente sebastianista, fortemente impregnado de humanidade, mas, pelo menos no seu aspecto sentimental, profundamente verdadeiro. Precisamente dessa verdade, afinada no fundo do modo de ser popular, tirava Sidónio a sua maior força, na qual se gerava a aura que o divinizou na, alma ingénua do povo e no sentir vibrátil das mulheres.

E Sidónio, contudo, não tinha o culto da sua pessoa, tinha o culto da sua missão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Num dado momento, aquele sexto sentido, que irradia da intuição do herói, fez-lhe talvez compreender que a sua missão não era realizável. No seu espírito, o pressentimento da catástrofe parece ter surgido nítido, implacável. Nem por isso ele abandonou o seu pensamento patriótico; foi até ao fim. O herói quando se chama Sidónio, como o poeta quando se chama Autor, abandonado a si próprio vai direito à morte. Ainda como dizia Carlyle: "o herói não pode recuar a não ser para o túmulo". E fui de facto para o túmulo que Sidónio, incapaz de uma abdicação, marchou intrepidamente, com essa, coragem serena e reflectida que foi sempre a armadura sólida do seu carácter.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Já ouvi comparar Sidónio a Lafayette. Talvez . . . mas com uma diferença: Lafayette queria uma monarquia cercada de instituições republicanas, no passo que Sidónio queria uma república baseada em fórmulas monárquicas. No fundo é a mesma cousa, a mesma utopia romântica, a mesma quimera dourada.

A faculdade de produzir individualidades superiores é sinal da vitalidade persistente de uma raça. E se essa vitalidade se funde harmònicamente com o sentimento nacional, não há que desesperar do seu futuro. Incontestàvelmente Sidónio Pais era uma dessas individualidades. A sua obra não terá talvez nenhum carácter de realidade concreta, não terá nenhum valor político no sentido objectivo, não terá mesmo condições que permitam integrá-la no processo histórico da existência nacional; tem contudo um soberbo aspecto moral, uma linha inconfundível de elegância espiritual, e, apesar de tudo, uma noção mais nobre, mais cristã e mais humana da justiça.

Anima-a um sopro vivo do idealismo, vibra nela uma alta sentimentalidade varonil, finalmente sela-se com a mancha rubra do sangue derramado, como um penhor de futura fecundidade.

Corre sobre ela uma rajada épica de tragédia, e por isso podemos dizer que ela se realiza em beleza, como uma sinfonia heróica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sidónio Pais foi sobretudo o nosso percursor.

Ainda hoje a sua voz ardente de barítono ressoa aos nossos ouvidos nesta frase admirável, cheia de saudosismo e de panache, que encerra toda a sua alma: "Eu não vivo no Portugal de hoje, vivo no Portugal de ontem para o Portugal de amanhã ". E é de facto no seu Portugal de amanhã que nós vivemos hoje.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A nossa Mocidade ostenta um S na fivela do seu cinto. Este S quere dizer "servir"; podia ser servir com Sidónio; quis o destino que seja servir com Salazar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Deu-se entre os dois, porventura, uma transmissão de poderes providencial e misteriosa.

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E assim Portugal transitou, depois de um salto brusco no vácuo, do sonho para a vida, da lenda para a história.

Disse.

Vozes: - Muito bem. muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Gaspar Ferreira: - Sr. Presidente: porque é a primeira vez que tenho a honra de falar nesta Assemblea, devo principiar por dirigir a V. Ex.ª as minhas mais calorosas e respeitosas saudações, e, ao fazê-lo, não sou movimentado unicamente por imposição do protocolo - e esta, porque traduz uma obediência a regras de respeito, seria justificação suficiente -, mas também por impulso de coração e por deveres de consciência. Impulso de coração, porque as nossas relações pessoais, iniciadas logo a seguir ao movimento de 28 de Maio, me constituíram numa grande dívida do amizade para com V. Ex.ª, cimentada pela comunhão de um pensamento comum determinante da decisão, nunca atraiçoada, de fazermos, através de todos os sacrifícios, o que nos fosse possível para a defesa e fortalecimento da situação política que o movimento das forcas armadas acabava de estabelecer em Portugal.

Vivemos, desde o início daquele movimento, a alegria das esperanças que se acenderam reluzentes nesta Pátria, motivadas pela crença firme, sustentada, por tantos portugueses, de que o condicionalismo político estabelecido, em obediência unicamente ao imperativo nacional, não seria perdido desta vez, porque o seu abnegado espírito de sacrifício, o seu patriótico esforço, a consciência - que é seu paradigma - de que o culto da Pátria é o mais sacrossanto dos cultos, seriam os enérgicos agentes que provocariam as reacções da alma nacional de que resultariam que Portugal encontrasse o caminho da sua glória e da sua missão histórica, que a história assinala em páginas prodigiosas.

Foi no sadio clima destas esperanças que só estabeleceram e desenvolveram as nossas relações pessoais, que me sujeitam a imposições de coração.

Mas eu disse. Sr. Presidente, que na minha prestação de homenagens a V. Ex.ª eu era movimentado também por dever de consciência. E que acima de nós está a Pátria, e como português tenho assinalado os altos serviços por V. Ex.ª prestados a Nação, com persistência, firmeza e superior critério e inteligência, qualidades estas enaltecidas por uma aliciante afabilidade de trato, pelo conhecimento profundo da psicologia humana e por uma larga experiência no laboratório político.

Srs. Deputados: há dias, num eloquente discurso, o Sr. Deputado Ricardo Durão disse que, ao tomar a palavra pela primeira vez, sentia mais medo do Parlamento do que de um canhão.

Confesso que no momento, que agora surge para mini, de, pela primeira vez, tomar a palavra nesta Assemblea aquela imagem rara me parece apoucada para exprimir os receios que ora me dominam.

E que o reconhecimento da deficiência das minhas faculdades, agravada pela decadência da minha memória e da minha imaginação, me aperta a garganta, me faz latejar as têmporas e põe-me na alma a angústia de não poder ser digno desta Assemblea. Entretanto, tem-se manifestado nesta Câmara um espírito de solidariedade e de unidade de pensamento sob a bandeira de "bem servir a Nação", que nenhuma dúvida tenho em crer na benevolência de todos os Srs. Deputados - a quem presto as minhas mais rendidas homenagens - para comigo, que estou possuído do mesmo pensamento.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: tive o prazer de no dia 7 do mês corrente assistir à maior manifestação que jamais se realizou na cidade de Aveiro, manifestação prenhe de júbilo ; cheia de entusiasmo.

A população agradeceu, por aquela forma, ao Governo o benefício concedido pela adjudicação das obras da 2.ª fase de melhoramentos do porto de Aveiro.

Bem legítimos eram aquele júbilo e os agradecimentos, pois toda a vida e desenvolvimento económico da região de Aveiro estão absolutamente dependentes das condições do seu porto.

Já aqui, hoje mesmo, o meu ilustre colega nesta Câmara e Deputado, como eu, pelo círculo de Aveiro, Dr. Querubim Guimarãis traçou o quadro da grandeza da prosperidade de Aveiro nos séculos XV e XVI, devida às esplêndidas condições do seu porto.

A esse período da culminante prosperidade as forças geodinâmicas, fazendo errar para o sul a entrada tio unir. com os consequentes estreitamento e diminuição de profundidade daquela entrada, desequilíbrio de outros volumes das águas salgada e doce, com predomínio destas na ria de Aveiro, diminuição do amplitude das marés dentro desta, demora excessiva no escoamento de cheias, originou o aniquilamento de toda a economia da região e de das populações, e, durante mais de um século, viveu a região de Aveiro as maiores angústias, sem que nos esforços próprios e em representações aos poderes públicos encontrasse remédio para a sua situação.

Só em 1802 o eminente Ministro de D. João VI, Rodrigo de Sousa Coutinho, procurou restabelecer as condições de vida dessa região, e de facto iniciou-se naquele ano um período de ressurgimento.

Baseado no dique projectado e construído pelo engenheiro Luiz Gomes de Carvalho, fez-se a reconstituição da economia da região de Aveiro, estabilizando-se nas margens da ria uma população de 150:000 almas, restabelecendo-se, pelo seu trabalho activo e persistente, nas indústrias salineiras e de peixe lagunar, desenvolvendo-se uma agricultura florescente e criando múltiplos núcleos importantes das mais variadas indústrias.

Esse período de cuidado pelo porto foi, porém, curto, e daí resultou o iniciar-se novamente um período de crise, que só foi interrompido no período da Regeneração.

Só durante este período é que se voltou a cuidar do porto de Aveiro, sob a direcção do ilustre engenheiro Silvério Pereira da Silva.

Algumas obras foram feitas então, mas o critério adoptado pelo Estado a seguir ao curto período da Regeneração para a política portuária - o de dois únicos portos - conduziu ao abandono das obras realizadas e dos planos elaborados, e só posteriormente a política portuária do Estado Novo passou a dar a importância que merecem os portos secundários, e só com esta política a região de Aveiro pode ver medidas tendentes a que fossem restabelecidas as circunstâncias que fazem com que todos possamos esperar um largo contributo da região para a economia nacional.

Não farei, pelo limitado tempo de que posso dispor, invocar agora, como parece seria justo, nomes de muitos que a esses problemas consagraram um trabalho de todos os instantes, que autorizadamente na imprensa, em discursos, em relatórios, em conferências, em trabalhos de toda a natureza, fizeram sentir a necessidade de realizações urgentes, mas que só foram encontradas pelos patrióticos governos do Estado Novo.

Iniciou-se ela com a publicação do decreto n.º 12:154, que estabeleceu a lei dos portos, e, pelo que diz respeito a Aveiro, continuou-se, com a realização das obras da 1.ª fase de melhoramentos da barra.

Impulsionou a restauração do porto de Aveiro como porto de pesca do bacalhau. o decreto-lei n.º 26:106, que

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instituía o Grémio dos Armadores da Pesca do Bacalhau e a legislação reguladora do comércio do bacalhau. Só então Aveiro pode reconquistar a sua hegemonia como porto bacalhoeiro, mercê daquelas medidas e da facilidade dos fundeadouros do seu porto, das suas tendências e da preferência da população. Mercê disto, iniciou-se o ressurgimento do porto de Aveiro, que demandava ainda, porém, para que fosse instrumento apto a servir as necessidades da economia da região, muitas e importantes obras. Todas as esperanças se fundavam no pendor que a política portuária do Estado Novo ia seguindo.

Não me é, lícito, porém, esquecer a benemérita publicação da lei dos Portos e, ao fazê-lo, o nome do Ministro das Obras Públicas de então, Sr. brigadeiro Carvalho Teixeira; esquecer o serviço prestado a Aveiro pela abertura do concurso das obras da 1.ª fase de melhoramentos da barra, concurso aberto pelo Sr. Antunes Guimarãis; esquecer o impulso dado a essas obras pelo malogrado engenheiro Duarte Pacheco e a aprovação por este feita do projecto das obras da 2.ª fase de melhoramentos daquele, porto. Foi todavia com a publicação, pelo Governo de que era Ministro das Obras Públicas o Sr. Dr. João Pinto da Costa Leite, do decreto-lei n.° 33 922, o qual estabeleceu o plano e o financiamento das obras dos portos de Portugal, que Aveiro pôde vir aproximar-se de facto a hora em que iam ser executadas todas as obras necessárias.

Foi esse decreto, com efeito, que deu possibilidade à adjudicação da 2.ª fase das obras de melhoramento do porto de Aveiro, que Aveiro fica devendo ao superior interesse pelo bem nacional do Governo actual, de que é Ministro das Obras Públicas o Sr. engenheiro Cancela de Abreu.

Já o Sr. Deputado Querubim Guimarãis dirigiu por essa adjudicação os seus agradecimentos ao Governo.

Associo-me a eles, não simplesmente como Deputado por Aveiro, mas também como Deputado da Nação, porque vejo nessa obra uma grande realização do maior interesse para a economia nacional, porque vejo nela um dos benefícios do trabalho prodigioso dos Governos do Estado Novo em favor da Nação, porque vejo nessa obra não só um elemento do mais alto valor da armadura económica da região de Aveiro, mas também da economia do País.

Sei que são preciosos os momentos desta Câmara, por isso não me alargarei mais.

Simplesmente quero ainda afirmar que é um acto de fé que aqui venho praticar e não me atemorizo por cometê-lo apresentando ao Governo da Nação, ao Governo do Estado Novo, os meus agradecimentos, como representante da Nação nesta Câmara, mandato que me foi confiado pelo distrito de Aveiro.

Largo crédito tem ele aberto à Nação, de gratidão, para que todos os portugueses não possam, em qualquer emergência, afirmar que fiam dele a obra de ressurgimento que ele iniciou, continua e continuará a efectuar em Portugal.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Alberto Cruz: - Sr. Presidente: a hora vai muito adiantada e por isso só duas palavras.

A propósito da lei de meios, o Sr. Deputado Pinto Basto proferia aqui uma série de considerações sobre a reforma da assistência o os médicos portugueses. Momentaneamente retirado desta sala, não pude seguir as suas considerações e ontem li nos jornais o que o Sr. Deputado Alexandre Pinto Basto teria dito "... num país onde raros são os médicos com a noção exacta da sua missão..." e teria dito também da proposta de lei sobre a assistência hospitalar, presentemente em estudo na Câmara Corporativa, que "não acreditava na sua eficiência".

Ora, Sr. Presidente, tenho a certeza de que foi para solucionar esse problema da assistência hospitalar que o Governo enviou essa proposta de lei à Assemblea Nacional. Não a enviaria se dela não resultassem benefícios para os doentes o portugueses pobres.

Quanto aos médicos, direi que é absolutamente injusta a afirmação do Sr. Deputado Pinto Basto.

Os médicos tem necessariamente de ser remunerados dos seus serviços para proverem ao seu sustento e dos seus, educação dos seus filhos e manterem a dignidade própria da sua profissão.

Mas é até neste aspecto uma das classes mais sacrificadas e exploradas.

Talvez nenhuma como ela preste tantos serviços desinteressadamente.

Há certamente excepções, e nem admira na atmosfera de materialismo em que vivemos.

Mas a grande maioria dos médicos fazem realmente da sua profissão um verdadeiro sacerdócio e mais poderiam fazer se nascessem em berços dourados ou fossem buscar a outras actividades os recursos necessários.

É preciso desconhecer inteiramente a realidade e sobretudo a epopeia de sacrifícios dos médicos dos pequenos centros e dos meios rurais para fazer a afirmação que originou o meu protesto.

A verdade é que, regra geral, os médicos cumprem nobremente a sua missão.

Os que não cumprem são excepções.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As palavras que li feriram-me profundamente e estou certo de que todos os médicos sentem como eu.

Levanto o meu protesto e peço, Sr. Presidente, que ele fique exarado no Diário dos Sessões.

O Sr. Manuel Lourinho: - Se V. Ex.ª faz, o protesto em seu nome e no dos médicos aqui presentes, evita-me o eu ter de produzir considerações no mesmo sentido.

O Orador: - Faço estas considerações também em nome dos médicos aqui presentes.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Alexandre Pinto Basto: - Sr. Presidente: eu sei que esta Câmara está a braços com a discussão preparatória da votação de uma lei que tem de ser constitucionalmente votada até amanhã e, portanto, roubarei apenas alguns minutos à Assemblea para fazer considerações que julgo indispensáveis e que resultam do facto de se ter dado uma errada interpretação na imprensa a uma parte das considerações que fiz nesta Assemblea há dias.

De facto, num dos jornais de ontem dizia-se que eu, na apreciação e discussão da proposta de lei sobre reforma hospitalar - primeira asneira - , tinha mostrado um exagerado pessimismo, mas que, no entanto, não deixavam de ser interessantes certas considerações do Sr. Dr. Pinto Basto, visto que, pertencendo à profissão médica, evidentemente conhecia bem o assunto.

Isto, porém, não seria motivo para eu pedir a palavra a V. Ex.ª, se não fosse o poder concluir-se lá fora - o "lá fora" a que já se referiram vários Srs. Deputados, o primeiro dos quais o Sr. Deputado Mário de Figueiredo - que as minhas considerações eram eivadas de um exagerado pessimismo.

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Ora, como V. Ex.ª e a Câmara sabem, as minhas palavras não estavam eivadas de exagerado pessimismo, nem sequer de qualquer pessimismo.

Se fosse caso de eu ter um pessimismo de qualquer espécie, não era possível estar nesta Assemblea. Se aceitei o penhorante convite para a candidatura a Deputado, foi porque queria, porque tinha uma fé inabalável, confiante e inteligente no trabalho do Sr. Doutor Salazar, que durante tantos anos tem sacrificado a sua vida inteira ao serviço da Nação. Foi por isso que aceitei este lugar na Assemblea Nacional, para vir aqui modestamente colaborar na obra de S. Ex.ª, obra tam imensa que prefiro não tocar na minha admiração e respeito por ela usando de adjectivos já gostos.

Ora esta colaboração é incompatível com o pessimismo. E porque lá fora se podiam tirar ilações sobre o que o jornal me atribuía, é que pedi licença a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para dar à Câmara estes esclarecimentos.

E aproveito este momento, Sr. Presidente, para dizer duas palavras apenas em resposta ao digníssimo Deputado que me antecedeu no uso da palavra.

De facto proferi as palavras que S. Ex.ª me atribuiu; não tenho mesmo por costume escusar-me ou fugir as responsabilidades das declarações que faço. Se errei, tenho pena, mas estou convencido ainda de que disse; agora o que lamento, sem querer estabelecer polémica, é que S. Ex.ª tenha citado apenas parte de que eu disse, porque eu, como todos os Deputados que estão nesta sala e me ouviram então podem testemunhar, se declarei que eram raros os médicos que tinham da sua missão a perfeita concepção que a deve tornar mais um sacerdócio do que uma profissão, também declarei que havia até dentro desta sala, naqueles a quem tinha a honra de dirigir-me, algumas excepções valiosíssimas.

O Sr. Alberto Cruz: - V. Ex.ª dá-me licença?... Isso não vem no Diário e V. Ex.ª não pediu a palavra para rectificar isso que V. Ex.ª acaba de dizer.

O Orador: - O Diário está incompleto.

O Sr. Alberto Cruz: - Se não foi reclamado, é expressão autêntica...

O Sr. Mário de Figueiredo: - Perdão, eu testemunho que aquilo foi dito e vou mais longe: foi até dito com o intuito mais simpático e amável, porque quis abranger todos os médicos que estavam aqui dentro da Assemblea, sem excluir a possibilidade, e até reconhecendo-a expressamente, de casos idênticos fora da Câmara. Não está no Diário das Sessões, mas é autêntico. Dizer que o Diário é expressão autêntica do que se disse está bem para certos efeitos; mas, quando se afirma "foi dito assim ou não foi dito assim", o caso é outro; uma cousa é a autenticidade legal e outra a autenticidade de facto.

O Sr. Alberto Cruz: - Mas isso não resolve a questão! Continuo a protestar, contra a forma como foram tratados os médicos!

O Sr. Presidente: - Peço a V. Ex.ª para deixarem seguir as considerações do orador que está no uso da palavra.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Peço desculpa a V. Ex.ª sei que estou fora do Regimento; melhor direi "estávamos", e eu também fiquei...

Risos.

O Orador: - Nestas circunstancias, não tenho mais considerações a fazer e cumpre-me apenas agradecer ao Sr. Dr. Mário de Figueiredo o favor de confirmar o sentido que devia dar-se às minhas palavras quando me dirigi à Assemblea e proferi as minhas considerações sobre o assunto, as quais não podiam nunca ter como fim ou objectivo melindrar ou ofender uma classe como tal.

Tenho dito.

O Sr. Formosinho Sanches: - Sr. Presidente: ao iniciar a minha actuação nesta legislatura começo por cumprimentar V. Ex.ª pela justiça que lhe foi prestada colocando-o em tam elevada situação.

Mas diz o velho ditado que "não há bela sem senão".

De facto, se me alegro de ver V. Ex.ª dirigindo os trabalhos desta Assemblea, entristece-me a falta, que tanto sinto, da vossa boa e sempre desejada companhia junto a nós nestas mais modestas cadeiras.

A V. Ex.ª, Srs. Deputados, antigos o modernos, os meus cumprimentos, com a afirmação da minha leal e amiga camaradagem.

Por despacho de S. Ex.ª o Ministro da Economia, comunicado ao Grémio dos Exportadores de Frutas e Produtos Hortícolas do Algarve pela Junta Nacional das Frutas em 6 de Agosto findo, foi nos seguintes termos proibida a exportação de figo:

Nas 5:000 toneladas de produção prevista, 1:000 toneladas devem ser reservadas para fins industriais e 4:000 toneladas para alimentação. Não estou de acordo em que só autorize qualquer exportação. Quanto aos preços, concordo em que não há vantagem em manter a tabela.

Sabe-se agora, com pasmo, que firmas de Lisboa foram autorizadas a exportar para o Brasil 100 toneladas de figo sem qualquer consulta prévia ao grémio que, por lei, domina toda a exportação de frutos e produtos hortícolas do Algarve e com menosprezo do disposto no artigo 33.° do decreto n.° 35:874, que não permite que corram despachos na alfândegas e delegações aduaneiras sem apresentação dos boletins passados pela delegação da Junta Nacional das Frutas de Faro após prévia verificação da qualidade dos produtos e da respectiva embalagem.

Por tal, requeira a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Economia:

1.° Que ponha cobro a uma situação que, além de ilegal, é injusta e prejudicial aos legítimos interesses não só dos exportadores inscritos no Grémio dos Exportadores de Frutas e Produtos Hortícolas do Algarve, mas também do prestígio da própria marca;

2.° Que se apurem com brevidade as responsabilidades, aplicando-se pesadas sanções a quem pretende usufruir em seu proveito uma situação contrária aos interesses legítimos.

E é assim, e por tal, que uns comem os figos e a outros rebentam os beiços.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à eleição da Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social. Procedeu-se à votação.

O Sr. Presidente: - Está concluída a votação. Convido para escrutinadores os Srs. Deputados Albano de Magalhãis e João Ameal.

Procedeu-se ao escrutínio.

O Sr. Presidente: - O resultado da votação foi o seguinte:

Foram eleitos para a Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social os seguintes Srs. Deputados:

Alberto Cruz, com 84 votos; António Madeira Pinto, com 84 votos; Augusto Cerqueira Gomes, com 84 votos;

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Henrique dos Santos Tenreiro, com 83 votos; João Cerveira Pinto, com 82 votos; Joaquim Moura Relvas, com 84 votos; Joaquim Saldanha, com 84 votos; José Maria Sacadora Botte, com 84 votos; José dos Santos Bessa, com 83 votos; José Formosinho Sanches, com 83 votos; Luiz Mendes de Matos, com 84 votos; Manuel França Vigon, com 83 votos; Manuel Hermenegildo Lourinho, com 83 votos; D. Maria Luíza van Zeller, com 84 votos; Mário Gusmão Madeira, com 84 votos; Alberto Henriques de Araújo, com 83 votos; António Carlos Borges, com 84 votos; José Maria Braga da Cruz, com 84 votos; Henrique Linhares de Lima; com 84 votos; Jorge Botelho Moniz, com 84 votos, e António Bustorff Silva, com 84 votos.

Proclamo eleitos para constituírem a Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social os Srs. Deputados cujos nomes acabei de ler.

Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão, na generalidade, a proposta do lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1946.

Tem a palavra o Sr. Deputado Franco Frazão.

O Sr. Franco Frazão: - Sr. Presidente: ao usar da palavra de novo nesta tribuna não o posso fazer sem ressentir certa emoção. Revejo o ambiente e as figuras da I Legislatura e sinto obscuramente vibrar em mim as mesmas dúvidas e as mesmas inquietações. Na verdade, Sr. Presidente, bem difícil é nos tempos que vamos vivendo a missão de um parlamento.

Se esta fórmula durar e se vier a impor à consideração dos povos, não é certamente através dos conflitos de poderes geradores de tumulto, nem tampouco no seu excessivo equilíbrio, que poderá figurar simples estagnação ou retrocesso; será sobretudo pelo sentido de harmonia e colaboração com a obra do Governo, que não exclue a possibilidade da crítica, desde que ela seja verdadeiramente construtiva. Mas para a realização de tal fim é indispensável permanente e constante vigilância e trabalho. A terra portuguesa está ainda coberta de destroços de antigos partidos, de velhos sistemas, de insuportáveis rotinas. Surgem como espectros nas encruzilhadas dos caminhos a dificultar a marcha da Revolução Nacional. E quando, por vezes, um vento impetuoso dispersa no ar esta poeira dos tempos passados, formam-se miragens enganadoras, tam gratas por vezes ao espírito sonhador dos portugueses.

Contudo, Sr. Presidente, sente-se nesta Assemblea nova seiva, à semelhança das grandes e frondosas árvores vindas do solo onde têm as suas raízes. Muitos de nós andamos de freguesia em freguesia, por vilas e por cidades, ouvindo e escutando o povo. A sua voz é rude, mas leal o franca. Homens de paz entregues ao labor pacífico da terra; homens do mar, prontos para todas as mais árduas lutas, todos sabem perfeitamente que não é destruindo o que se semeou ou construiu ontem que se prepara o futuro. Por isso, confiam e esperam. Se, por vezes, as nossas palavras forem duras, que nos seja perdoada tal falta em nome da lealdade que neles sentimos, em nome da ansiedade que neles fomos encontrar. E para o alto espírito de V. Ex.ª, ao qual presto homenagem, não será difícil encontrar, em cada momento, a serena imagem do superior interesse nacional, a fórmula perfeita que defina a missão desta Assemblea, que na pessoa eminente de V. Ex.ª saúdo efusivamente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Compete a esta Assemblea autorizar o Governo, até 15 de Dezembro de cada ano, a cobrar as receitais do Estado e pagar as despesas públicas na gerência futura, definindo na respectiva lei de autorização os princípios a que deve estar subordinado o orçamento na parte das despesas cujo quantitativo não é determinado de harmonia com as leis preexistentes.

A proposta de lei de meios está dividida em duas partes; uma referente aos pedidos de autorização para cobrança de receitas, pagamento de despesas e reforma tributária, a outra especialmente dedicada, a continuação das obras já iniciadas de reconstituição económica e defesa nacional.

Não se pronuncia a Câmara Corporativa por outra forma que não seja recomendar a aprovação da proposta de lei. Não nos traz quaisquer sugestões, mas junta mapas que provam que da verdade e da clareza das contas depende hoje mais do que nunca o nosso futuro.

Não pode restar dúvida a ninguém de que o equilíbrio real e efectivo das despesas ordinárias com as receitas cobradas e obtidas pela compressão severa das despesas e pelo acréscimo razoável das receitas constituiu a base da restauração das finanças públicas.

A separação do orçamento de despesas em ordinário e extraordinário teve durante longos anos no nosso País apenas até resultado prático: a inscrição de gastos que normalmente deviam ser pagos por força das receitas ordinárias. Assim os empréstimos, que em boa regra, deviam servir apenas para obras de carácter verdadeiramente reprodutivas, eram de facto o expediente a que se recorria para resolver dificuldades normais de administração. Contra essa funesta tendência a reacção foi vigorosa. Além de a Constituição determinar que o recurso ao empréstimo apenas é lícito quando se trata de despesas extraordinárias de fomento, amortização de empréstimos, aumento indispensável do património nacional ou necessidades imperiosas de defesa, diligenciou-se pagar, sem o recurso ao crédito, despesas que na verdade bem podiam entrar na classificação constitucional.

Esta, longa ascensão, este combate constante contra tendências há muito enraizadas, verifica-se bem ao analisar os diplomas publicados desde 1928. E o árduo caminho percorrido mede-se por estas palavras lapidares: concentração, unidade, simplificação, regularidade, defesa do contribuinte, carácter sagrado dos contratos, domínio absoluto da lei.

As leis fiscais passam a beneficiar de incontestável progresso na sua factura. Nelas vamos encontrar os mais sadios e clássicos princípios financeiros, temporários por um profundo sentimento das realidades.

No que diz respeito, por exemplo, ao sistema tributário, o conjunto de medidas que mais interessa o contribuinte, o período liberal dera-nos, a par de muitas incongruências, bases novas: abolição de privilégios em matéria de impostos, estabelecimento da generalidade do imposto, adopção do princípio das faculdades com critério de justiça tributária. Mais tarde inicia-se o período do maior critério científico. infelizmente comprometido pela instabilidade política e pelo excessivo recurso a analogias com sistemas estrangeiros.

Herdámos em especial o princípio fiscal francês des signes extérieurs de la richesse, o gosto pelas taxas de consumo, o exagero das formalidades burocráticas.

Acontece que a partir de 1928 assistimos a tendência precisamente contrária, que, embora assente no pensamento da escola clássica, é revolucionária nos seus aspectos de se querer amoldar à realidade dos factos sociais e económicos. Em vez da noção tecnicamente perfeita, mas praticamente confusa, do rendimento real, procura-se definir o rendimento normal. Favorece-se ainda dentro de certos limites a iniciativa individual,

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dando-se mesmo a possibilidade da evasão fiscal quando motivos de natureza económica o determinam. É este o sentido geral que encontro na reforma iniciada pelo decreto n.º 16:731, de 13 de Abril de 1929. E esta linha dominante de pensamento vai, em diplomas sucessivas englobando toda a vasta matéria de legislação tributária, que seria enfadonho e inútil vir aqui analisar. E na proposta em discussão encontramos ainda os seus reflexos e muitos pontos no artigo 4.º e no artigo 6.º

Bastaria esta simples constatação para forçar todos aqueles que entendem que a continuidade de uma política revestida da autoridade dos incontestáveis resultados obtidos, bem patentes aos olhos de todos,
E timbre seguro do seu valor, a darem a esta proposta a sua plena e completa adesão no seu aspecto tributário.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Entendo, contudo que faltaria ao meu dever, traindo o meu mandato, se não manifestasse alguns receios quanto à aplicação prática da proposta em discussão. Faço estes reparos com tristeza, porque me custa encontrar imperfeições numa obra perfeita. Em boa verdade, Sr. Presidente, não se trata de defeitos na linha geral da construção erguida; ninguém contesta a robusta estrutura da lei fiscal. Apenas receio, à luz de passadas e dolorosas experiências, que ela perca a sua clareza, se deforme e por vezes se torne quási irreconhecível, quando submetida àquilo que se julga ser em muitos casos o sadio critério fiscal.

Critério, é, segundo os dicionários mais ou menos isto: um sinal aparente que permite reconhecer uma cousa ou uma noção; ou ainda assim se define o carácter e propriedade de um objecto, pessoa ou cousa segundo a qual fazemos sobre ele uma apreciação ou juízo de valor.

Esse critério poderá ser a fórmula cartesiana da evidência, que exige que, para ser seguro, um critério de verdade, um juízo, tenha apenas de estar inundado de luz. Esse critério poderá ser o do bom senso, tam pouco poderoso que, no dizer de Reid seria na raça humana instinto verdadeiramente cego. Poderá ser tudo isto critério fiscal e talvez ainda assim fosse imperfeita. Mas infelizmente em muitos, em número excessivo de casos, o critério fiscal é pura e simplesmente isto: obter o máximo de receita, seja de que maneira fôr.

Torna-se a letra sêca da lei, esquecendo que a característica especial das leis tributárias exige a sua interpretação restritiva.

Assim, quem devia ser justo e imparcial julgador á mero subordinado do preceito legal, ser quási mecânico, inflexível e porventura deshumano.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Que esse critério exista e que dele enfermam funcionários, aliás por vezes distintíssimos o sabedores, não é segredo para ninguém, e, se V. Ex.a o permitir, eu invoco aqui o testemunho insuspeito de quem hoje, revestido de outra autoridade, foi outrora nosso colega nesta Câmara.

Vibram ainda porventura nesta sala os ecos dessa voz ilustre e por todos nós respeitada e querida como a de um grande parlamentar, mas sobretudo de um grande homem de bem, o Sr. D. Diniz da Fonseca, quando, na sessão de 14 de Dezembro de 1938, dizia: "Por isso, Sr. Presidente, eu afirmo que o povo, mais do que do pêso dos impostos, se queixa em Lisboa, e lá fora, da forma como esses impostos são arrecadados".

Eu não tenho a mesma eloquência para o afirmar, mas a minha convicção baseia-se também em argumentos seguros, tirados da experiência de todos os dias.

Baseia-se ainda nas várias razões que explicadas e até constituem atenuadas para os funcionários em causa.

As razões que fui encontrar, mal ou bem, para explicar este fenómeno e esta anomalia de uma doutrina financeira puríssima transformada, em muitos casos em opressão violenta e ruinosa são estas:

Primeira: falta absoluta de educação do contribuinte português.

Não quero falar de falta de normas elementares de cortesia, que chegaram ao ponto de levar um contribuinte a requerer que lhe fosse esclarecido, por despacho, se sim ou não se devia tirar o chapéu dentro de uma secção de finanças. Entendo que nesse ponto também alguma cousa haveria a dizer, em determinados casos, quanto à falta de consideração pelo contribuinte, Refiro-me apenas, Sr. Presidente, ao desleixo e incúria do nosso contribuinte, à sua tendência irresistível para querer enganar o Estado, recorrendo às mais variadas e engenhosas fórmulas.

É êsse um mal mais grave do que parece à primeira vista. Deriva não só da falta do instrução, mas sobretudo da falta de educação cívica. Mas pregunto se alguma cousa se fez, fora dos períodos eleitorais, para esclarecer a grande massa do povo acerca da grandeza do esforço financeiro realizado e da forma como foram criteriosamente aplicados os dinheiros públicos. Não haveria aí largo objecto para uma obra educativa por meio de diagramas e quadros simples acessíveis a todas as inteligências?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A segunda razão é esta: a imperfeição das bases tributárias.

Todos nós sabemos quanto são imperfeitas essas bases. São vícios de origem muito antigos. Tomemos por exemplo a contribuição predial. Está eivada do pecado original do desconhecimento quási absoluto do valor que se ia colocar quando nasce em 31 de Dezembro de 1852. Em 1859 é encorporado nela o subsídio literário e pelos anos fora se vai dizendo que as matrizes prediais organizadas estão cheias do deficiências, de desigualdades e de inexactidões. E desde 1874 se vai dizendo que tam funesto estado de cousas se vai modificar com a inspecção directa e a descrição topográfica.

Do facto realiza-se em 1893, mas apenas a inspecção, que dá um aumento de 30,4 por cento no valor coletável da propriedade imobiliária nacional. Mais de um século depois do Mousinho da Silveira a questão continua fundamentalmente na mesma. É certo que cabe a honra à Revolução Nacional de ter pôsto novamente o problema através do decreto n.º 14:162, de 23 do Agosto de 1927, do cadastro geométrico da propriedade. Eu vinte anos de trabalho contado apenas 5,1 por cento da superfície da metrópole estão cadastrados. É uma velocidade quási milimétrica. Aliás, no meu fraco entender tal trabalho fica deformado e incompleto sem a existência paralela de uma carta de solos realizada em moldes modernos. Se não fossem as pranchetas coregráficas agrícolas do coronel Pedro Romano Folquenada teríamos e tenho mesmo a impressão de que essa carta agrícola e florestal, na escala de 1 :500000, é quási raridade bibliográfica.

Contudo, sem tais elementos, um dos nossas principais impostos será sempre fonte permanente de injustiças descontentamento. Como se engloba no rendimento coletável a renda da terra e o lucro da exploração e se cobra adiantadamente, é fácil ver o perigo que existe para a agricultura quando se efectuam novas avaliações. Ainda mais, modifica-se a facies agrícola do País mas quási sempre as matrizes continuam imutáveis se

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possibilidade prática de emendas, descrevendo os soutos que já não existem, as vinhas que já morreram, os baldios que já desapareceram, e registando fielmente o nome dos proprietários que há muito faleceram.

É por falta do cadastro e da carta dos solos sofrem prejuízo as obras florestais em curso, visto dela se poderem tirar as noções de perfil, declive e suposição e se poder muito melhor determinar a área silvícola. Por falta da carta dos solos não se podem estudar capazmente determinados problemas agrícolas, nomeadamente, o da erosão, que embora menos grave no nosso País do que noutros, ameaça em muitas regiões drenar para o mar pelas torrentes e pelos rios o solo arável da nossa Pátria.

Julgo que com estes elementos o cadastro fica incompleto para os efeitos fiscais em vista e continuará a enfermar do seu mal de sempre: "necessidade de começar de novo quando se chega ao fim".

Terceira razão: justifica ainda a exigência de um critério fiscal defeituoso o ambiente de trabalho de muitas repartições, tanto em Lisboa como na província. A instalação é péssima. Pouco ou nenhum espaço para o pessoal, ausência total de comodidade para o funcionário, bem como para o público. Frio intenso no inverno, calor insuportável no verão. O clima do trabalho é francamente mau. Para todos aqueles que estão habituados aos métodos modernos de trabalho os processos afiguram-se antiquados, burocracia enorme. Vejamos, por exemplo, o que tem de fazer o desgraçado tesoureiro da Fazenda Pública: além de atender um público impaciente e mal educado, passa ele muitas vezes o dia e parte da noite num cubículo minúsculo, sem ar nem luz; escritura, nos termos do decreto n.° 19:968, de 19 de Junho de l93l, a relação de cobrança (modelo n.° l-A), o livro modelo n.º 8-A (receitas eventuais), o livro modelo n.º 9 (valores selados), o livro modelo n.º 11-A (registo cronológico das operações), o livro modelo n.º 11-B (caixa), o modelo n.º ll-C (balancete diário), este por vezes em duplicado, o modelo n.º 11-D (nota mensal de fundos), além de livros de contas correntes, do registo de documentos pagos, de vales e de registo de guias de passagem e transferência. Muitos dêstes documentos têm de ser feitos diàriamente.

Este trabalho é descrito nas publicações oficiais como de grande simplicidade, quando comparado ao dos chefes de secção de finanças. Sabe-se que os tesoureiros são funcionários dos mais distintos, pela sua probidade, competência e compostura.

Avalia-se bem o seu esforço, e não menos se pode esquecer quais devem ser as energias hoje necessárias numa direcção ou numa secção de finanças.

A vasta legislação dispersa, as numerosas instruções o despachos, a dificuldade de sincronizar textos regendo o mesmo assunto, são de tal ordem que justificam e desculpam o estreito critério que por vezes se encontra e contra o qual o publico reclama.

Os grandes culpados não são afinal nem a Administração nem tampouco a inspecção, a cujo labor incessante não hesito em prestar homenagem. Não se pode em poucos anos destruir montanhas de incúria secular.

O grande culpado é o País, a própria Nação, que durante séculos votou ao desprezo os problemas financeiros o que não colocou ainda no devido plano de primazia os serviços mais essenciais do Estado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Sr. Presidente: para dificultar ainda .1 criação de um são critério fiscal concorre ainda a organização corporativa incipiente, sem falar na duplicação fiscal muitas vezes existente..

Os problemas a resolver podem dividir-se, grosseiramente, em dois grandes capítulos:

1.º Problemas em relação aos indivíduos e emprêsas agremiados;

2.º Problemas relativos à actividade especial dos organismos.

Em relação aos indivíduos e emprêsas, acontece que a organização corporativa pode fornecer ao Estado elementos preciosos de informação de natureza fiscal.

No primeiro momento a tendência inevitável é confundirem-se as categorias dos sócios dos grémios. Assim, por exemplo, no arroz confunde-se o mero industrial com o produtor descascador. E lá vai o produtor arrastado de tribunal em tribunal, até ao Supremo Tribunal Administrativo.

No segundo momento são fixados para cada contribuinte os rendimentos ilíquidos à face dos quantitativos das vendas anualmente registadas pelos grémios respectivos. Mas lá vem o critério fiscal determinar que o rendimento ilíquido é a simples diferença entre o preço de compra e venda e as percentagens legais em vigor. Não se atende a outros factores, como as taxas corporativas obrigatórias e as despesas de transporte.

Sucede ainda que a taxa é calculada, em muitos casos, com um coeficiente de correcção para possíveis falsas declarações, como se o grémio não fosse obrigado a dizer toda a verdade.

Daí resultam, evidentemente, reclamações e dificuldades de toda a ordem.

Acresço ainda que a nossa organização está longe de estar completa. Não abrange muitas vezes o País inteiro em determinado sector, mas apenas uma ou duas cidades.

Por último, os dados estatísticos e o resultado dos manifestos têm de ser postos à disposição das finanças para efeitos tributários. Dêste facto resultam dois males, que se podem vir a agravar com o tempo: a tendência para os manifestos passarem a estar falseados, contrariando assim as normas 4e as leis da própria estatística, e a má vontade crescente contra os organismos corporativos, que passam a ser considerados verdadeiros delatores.

No que diz respeito à posição especial dos organismos, a situação não é menos difícil.

Não parece restar dúvidas, no que se refere aos organismos de coordenação económica, de que se trata de verdadeiros servidos públicos.

Pelo menos assim o dá a entender a legislação sobre si matéria (decretos-leis n.° 26:757, de 8 de Julho de 1936, e 29:749, de 13 de Julho de 1939). Ainda o confirmam sucessivos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo.

Mas duvidoso é o estatuto dos seus funcionários e dirigentes. Para o público e para o Estado, sob muitos aspectos, são funcionários públicos. Alguns possuem até diplomas de funções públicas. Para os efeitos tributários, por não haver outra forma de os classificar, são empregados por conta de outrem. Assim pagam imposto profissional, nos termos do decreto n.º l6:731, de 13 de Abril de 1929, e imposto complementar e descontam para o Fundo de Desemprêgo e para as suas caixas de previdência e de abono de família, para o seu sindicato. Assim os seus vencimentos reais, sobretudo nas categorias inferiores, são muito diferentes daqueles que o público imagina e em regra nitidamente abaixo dos dos funcionários públicos de categorias idênticas. Representa ainda este critério fiscal trabalho excessivo e que ouso classificar de inútil, tanto para os organismos um causa como para o Estado. O regime estabelecido no artigo 66.º do decreto acima referido é como se sabe o da declaração. Dêste facto resultam inúmeros trabalhos e canseiras, agravados ainda com a presença um muitos organismos de assalariados e operários.

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A falta de outra solução parecia, razoável que se estudasse a possibilidade de adoptar um processo semelhante ao preceituado no artigo 23.º do decreto n.º 21 699, referente ao Comissariado do Desemprego.

Consta de resto, e já foi anunciado pelo Governo que será promulgado brevemente um estatuto dos funcionários corporativos, que esclarece, sem dúvida, a categoria a que devem pertencer.

Os organismos de coordenação tem ainda a seu cargo, em vários casos, a gerência de patrimónios comuns ou de fundos de compensação.

Só em 18 de Julho de 1936 se publica o regime especial de tributação dos organismos (decreto-lei n.º 26:806, de 18 de Julho de 1936), que sujeita os mesmos a contribuição industrial, grupo C, no que se refere às percentagens e taxas atribuídas por lei à constituição do fundo corporativo. Deu-se a formação de organismos de coordenação pela transformação de antigos organismos corporativos. E nessa altura que se cria o fundo corporativo. Antes nada existe, nem sequer tendo social independente e autónomo. Contudo lança-se a colecta e anda o assunto de instância em instância durante, anos seguidos. Finalmente o caso resolve-se, e grande parte do património colectivo, defendido e reunido com muito labor e trabalho, virá a ser absorvido pelo listado, acrescido de juros de mora e outras aloucadas.

Grémios da lavoura estão sujeitos. a contribuição industrial e a imposto complementar. Tiveram de comprar vender produtos por dever da função ou imposição do interesse nacional e, como na realidade praticaram actos comerciais, são justamente tributados.

Não nego, Sr. Presidente, que a doutrina seguida num e noutro caso não seja rigorosamente, a que determina a lei. Não venho aqui discutir nem despachos ministeriais nem decisões de tribunais, mesmo quando a opinião dos doutos julgadores está dividida. Trago apenas a esta Assemblea uma dúvida e uma interrogação que acode, ao espírito de muita gente.

Interessa ou não manterem-se e ampliarem-se os patrimónios colectivos do determinados sectores económicos. Tem ou não utilidade na defesa e permanência da própria matéria tributável? Necessitam ou não os organismos corporativos, e nomeadamente os grémios da lavoura, de verem revistas as suas funções à luz dos critérios fiscais expostos.

Meditando neste problema, receio bem que ele tenha ainda âmbito mais largo. Parecia preceito assente que as disposições do natureza fiscal são de interpretação restrita e que não podem consequentemente ampliar-se por analogia a casos que por elas não são abrangidos.

Se este preceito está alterado, e afigura-se-me que está examinando vários critérios fiscais, será de futuro necessário modificar a estrutura da própria lei de meios com inúmeras restrições e esclarecimentos.

Será preciso definir com maior rigor as autorizações nos artigos 4.º e 6.º da proposta, indicar qual o período a que se refere o artigo 5.º, fixar porventura as próprias taxas dos adicionais a cobrar.

E esse modo de proceder não me parece razoável dentro de missão que incumbe a esta Assemblea. Prefiro ter confiança em que o critério fiscal excessivamente estrito e formalista, contrário por vezes à conjuntura económica que atravessamos, seja substituído pelo espírito fiscal vivificador de energias latentes e possibilidades desconhecidas do povo português, o mesmo que inspira e anima o método claro e simples da nossa restauração financeira.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Numa das últimas sessões desta Assemblea, o Sr. Deputado Pacheco de Amorim, com aquela força persuasiva que lhe é própria e com a técnica que lhe confere o seu grande saber, apresentou aos nossos olhos dois quadros, diversos nos aspectos, mas, na opinião de S. Ex.ª, semelhantes no seu significado profundo. Junho de 1919 - deficit de 150 000 contos - posição cambial má. Grande inflação monetária com funestas repercussões no orçamento. Fim de 1945 -superaria - posição cambial excelente. Mas grande inflação monetária com as suas fatais repercussões no orçamento.

E acrescentou, em 1919 os economistas tinham convencido o público de que a inflação não tinha importância, nem para os preços nem para os câmbios.

Colocou, portanto, S. Ex.ª - e esse não era certamente o seu intuito- todos aqueles que forem licenciados em ciências económicas neste dilema: ou imitar os seus infelizes colegas de 1919, o que certamente ninguém pode fazer, ou negar a inflação, o que pode parecer aos olhos do público não posso esquecer que estamos numa Assemblea política e não técnica - ainda mais grave.

É que, em boa verdade, isto de inflação para o público é uma noção já tam inveterada que na minha ideia se julga que o Banco de Portugal é um colosso que de toneladas de papel, mesmo de noite, faz o dinheiro que quero. E ninguém o chama à responsabilidade dos tribunais.

Raras são as pessoas que lêem os contratos do Banco com o Governo, que não me consta sejam secretos; poucas terão tempo para estudar as situações semanais que se publicam. Aliás todos devem finar encantados se for possível demonstrar que existe a tal inflação. Os tais economistas de 1919 devem ter agradado muito, pois em geral qualquer travão posto pelo Banco, no uso legítimo do seu direito e dentro da sua função, é restringir- porque, se desconfia.

Quando se nega um desconto, alguém se lembra de que afinal, a circulação tem limite legal, rigorosamente fiscalizado, e que o privilégio do Banco emissor não é ilimitado? Pode-se lembrar a um técnico, ao público não.

Demonstrou O Sr. Deputado Pacheco de Amorim que ao findar a guerra de 1918 - pelo menos julguei compreender- a situação financeira não era desesperada.

Dívida, flutuante: - 320:000 contos, talvez pagável com os recursos nacionais.

270 000 contos de notas, que se podiam vir a absorver pela intensificação da vida económica.
Déficit de 1018 - 95 000 contos, número ainda susceptível de emenda.
É que, na verdade a crise se regista em 1918 - 1919 não é somente uma crise económica, é uma crise financeira também.
Não é a situação deficitária que assusta, é a impossibilidade de ter coragem para a extinguir.
Não é a dívida nem as despesas que alarmam, é o desbaratar dos dinheiros públicos que confrange. E pagarem se as velhas dívidas com novas dívidas.
O orçamento não aumenta por outra inflação, bem mais perigosa, dos serviços públicos ineficientes e da força armada, valorosa mas sem armas.
É que faltava realizar uma obra simples na sua concepção de teoria da economia clássica, deficitária, na verdade, de realizar na sua fórmula prática, a revisão das despesas, que tem como corolário a revisão das próprias funções do Estado.
Não tinhamos contas nem tinhamos estatísticas. Não tínhamos sistema tributário verdadeiramente organizado.

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Não tínhamos, sobretudo, realizado ainda a reforma, do Banco emissor, que data de 30 de Junho de 1931, dando-lhe interferência útil e decisiva, julgo eu, na circulação de moeda e de valores e baixando extraordinariamente a sua taxa de desconto.

Não tínhamos ainda Constituição que consagrasse a unidade, e universalidade do orçamento e a necessidade do seu equilíbrio. Não tínhamos praticamente limites ao recurso ao empréstimo. Não se conferia ao Ministro das Finanças supremacia orçamental nem tam pouco se sabia exactamente qual a competência do Legislativo em matéria de finanças.

Em boa verdade, encontro aqui - e não desejo alongar a comparação - profundas e radicais diferenças no quadro que examinamos.

Mas se a questão monetária tem duas caras - e confesso que não logrei compreender este passo da brilhante exposição aqui feita - e uma das caras é sorridente, afigurasse não haver inflação. A cara voltada para o exterior, ou sejam os câmbios, é brilhante ou, pelo menos, boa ; custa a crer que seja possível manter um valor legal fixo à moeda no interior do País sem qualquer hipnotismo. Sempre ouvi dizer, em todas as escolas que tive ensejo de frequentar, que a inflação é imediatamente denunciada pelo curso de câmbios. A; operações comerciais internacionais não se podem realizar numa moeda de valor variável, cujo uso é tornado obrigatório por decreto às populações. As contas estabelecem-se segundo o valor de troca das mercadorias, e a moeda especificada boa nos contratos é transformada pelo cálculo dos câmbios no seu valor real.

Acontece que o nível absoluto do valor do escudo se mantém há muitos anos.

Isto só parece possível por duas razões: certa estabilidade de preços internos até 1941 ; balança de pagamentos, ou seja relação entre créditos e débitos internacionais, favorável. Em 1943 o saldo positivo, em milhares de libras, é de 825.

Se esta cara monetária e sorridente, ou, pelo menos, se assim se afigura ser, deve: existir uma razão, que é esta:

A figura monetária encobre uma realidade - a situação económica. Esta não se pode comparar à de 1919; felizmente, apesar de tudo, é muito melhor. Vejamos rapidamente porquê:

Em primeiro lugar, maior população - 81 habitantes por quilómetro quadrado, em vez de 63.

População, apesar de tudo, mais instruída - o número de letrados quási duplicou.

Havia em 1919, mais ou menos. 1:600 sociedades comerciais ou industriais; hoje haverá, mais de 2:700 - portanto, vida mais intensa. As fabricas mais numerosas e melhores.

Temos no período da outra guerra a proibição de exportação e muitas dificuldades. Temos durante esta guerra grandes exportações, que continuam ainda no post-guerra. Tudo, em volume e intensidade, muito maior - basta, por exemplo, apontar o que se refere a produtos derivados da silvicultura.

Tivemos, é certo, uma crise de subsistência, mas as diferenças são enormes.

Na primeira guerra mundial - déficit de pão: 180 milhões de quilogramas, só num ano.

No período de 1920 - 1924 - em média 243:907 toneladas de cereais em grão importados.

No período de 1930-1939 - 70:000 em média.

No período da outra guerra o deficit de arroz é tal que praticamente vem todo do estrangeiro.

O mesmo acontece com a batata e outros produtos agrícolas, não intervindo também o nosso Império colonial na solução do problema das subsistências.

Não é preciso demonstrar que desta vez se passou o contrário.

Na verdade, no principio intercalar entre as duas guerras e mesmo em plena guerra se realiza um trabalho intenso de fomento e de disciplina de preços. Não se logrou tudo quanto se esperava e ainda tivemos contra nós a adversidade de anos agrícolas maus. Mas certamente o País prestará um dia o seu tributo de justiça a tantos que se empenharam nesta tarefa heróica.

Alguns têm assento nesta sala e seria ferir a sua modéstia citar seus nomes.

Outros ocupam ainda hoje, lugares de mando, ou, mais humildes, sentem ainda, debruçados sobre a terra, tanta vez ingrata, a satisfação do dever cumprido.

Em 1919 havia anais de cento e um decreto sobre subsistências e havia fome. Desta vez houve, de facto, muitos decretos, despachos e circulares, mas pelo menos não se compara a nossa fome com a do resto da Europa.

A moeda, afinal, valor próprio, que obedece as regras de formação de qualquer valor económico - em princípio, porventura, a sua utilidade final. Encontro sempre certo divórcio entre os movimentos relativos à produção e as variações de disponibilidade monetária.

Assim, as melhorias nos processos de extracção do ouro e da prata tiveram apenas lentas consequências na evolução do valor da moeda.

Mesmo quando se trata de papel-moeda não me é possível admitir que tudo se, possa resumir a uma equação onde entram apenas como elementos determinantes as quantidades disponíveis de signos monetários ou o valor da moeda.

Tenho, portanto, receio de que, se fizermos a comparação de dois períodos tam diferentes na sua estrutura económica, tam divergentes nos seus critérios financeiros e nas suas normas de administração e contabilidade, com profundas diferenças quanto à taxa de juro utilizável e às possibilidades de créditos para obras verdadeiramente produtivas, à luz unicamente de um critério monetário, se pode correr o risco, por muito brilhante que seja o autor de tal comparação, de ficarem muitas cousas essenciais na sombra.

O que assustava em 1919 não eram as notas já em circulação, eram aquelas que estavam, não à espera do caminho do desconto, mas da voragem de um orçamento de um Estado sem contas.

Nada indica, que em 1945, com uma intensidade de vida económica muito superior e com normas sadias de finanças, se possa correr tal perigo.

Não quere isto dizer, Sr. Presidente, que não seja necessário velar por que o espírito financeiro verdadeiramente adequado às necessidades da era de reconstrução se não perca. A compressão das despesas ordinárias continua, a meu ver, a ser ainda necessária. A revisão periódica, e cuidadosa da aplicação das receitas extraordinárias permanece sempre para se ter a certeza de que as obras com elas realizadas são reprodutivas. O esforço já feito para retirar da circulação o enorme poder de compra derivado das consequências da guerra deve prosseguir.

Os meios de economizar moeda pelo uso do cheque e da compensação e por outras formas tem de continuar, bem como todas as medidas de fomento de produção e disciplina de preços.

Mas para realizar esses fins e defender a moeda não é necessário modificar a nossa política financeira, pois fazem parte da sua essência.

Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidenta: V. Ex.ª há-de consentir que eu ponha diante dos olhos da Assemblea o drama que vivi durante o debate na generalidade sobre a proposta de lei em discussão.

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Eu tinha no meu pensamento como uma convicção definitiva que se não podem descobrir pontos de contacto entre a situação económica, financeira e monetária actual e a situação económica, monetária e financeira existente em 1919.

Mas não sou um economista e tenho o maior respeita pelos economistas. Não sou versado na ciência das finanças, mas tenho o maior respeito pelas pessoas que o são.

E sei, por uma longa convivência pessoal, por uma longa convivência de espirito, que o nosso colega o Sr. Deputado Pacheco de Amorim é versado numa e noutra. E, naturalmente, eu, que o não sou, inclino-me a aceitar as proposições que sobre a matéria expende o nosso ilustre colega.

Mas suponhamos que eu não sabia isto e que tinha apenas assistido ao discurso feito pelo Dr. Pacheco de Amorim, a quem desconhecia completamente, nesta Assemblea, e via aquele movimento de raciocínio, inteligência líquida que a gente tem vontade de beber, ficando com sede quando a sente mover-se: ficara do mesmo modo tomado e do mesmo modo começava a viver o drama que vivi naquela hora.

Havia alguma cousa que parecia destruir o mundo das minhas convicções sobre a matéria e o meu drama é que não via possibilidade de verificar eu mesmo, por falta de competência, onde é que estava a razão: se na minha convicção, se nas afirmações aqui produzidas pelo Sr. Dr. Pacheco de Amorim.

Sou um homem que se interessa pela cousa pública, e então, para ver se de algum modo me esclarecia, inclinei-me a tomar a atitude do "homem da rua" que se interessa pela cousa pública: não de um homem da rua qualquer, mas do homem da rua que se interessa pela cousa pública.

É o que eu me sentia nesta matéria - e confesso-o sem humilhação -, o tal "homem da rua" que se interessa pela cousa pública.

Por outro lado sabia de afirmações opostas igualmente dignas do meu respeito, igualmente imbuídas do mesmo espírito de boa fé, de trabalho sério, realizado sem pensamento reservado: o mesmo espírito que informou o Sr. Dr. Pacheco de Amorim - não precisava de o dizer mas disse-o aqui - ao fazer as suas críticas.

Conheço-o há muitos anos e sei que isto é assim. Mas, dizia eu, por outro lado há pessoas igualmente competentes, ou pelo menos tidas no consenso público como igualmente competentes, as quais têm tomado uma posição completamente oposta.

Não quero falar, e podia fazê-lo, do Sr. Ministro das Finanças, que publicou um livro intitulado Economia de Guerra, onde os problemas que se ligam com a questão em debate são tratados.

Portanto, o Ministro das Finanças conhecia o problema, e não era preciso o livro para isso se saber.

Agitara-o e discutira-o; conhecia as várias soluções que se lhe têm buscado, no espaço e no tempo.

Estava a dirigir as finanças. Se, como publicista, mostrava conhecer as questões, não é legítimo supor que, como homem de governo, deixasse de considerar as soluções de entre as várias conhecidas no espaço e no tempo.

Tinha uma posição, como outros economistas eminentes, oposta à do Dr. Pacheco de Amorim.

E o "homem da rua" com interesse pela cousa pública, que sou, a respeito desta matéria ficou, como V. Ex.ª calcularão, a viver este drama, tanto mais fortemente quanto é certo que tinha a convicção de que não podia por si mesmo resolvê-lo. E então o que fazer? Buscar elementos, procurar esclarecimento junto dos competentes!

Mas para buscar elementos é preciso conhecer-se já o movimento da questão; é preciso saber pôr a problemática desta e depois saber ler aqueles.

E eu, "homem da rua" que se interessa pela cousa pública, não me decidi a buscá-los.

Comecei então a considerar, no silêncio da minha vida interior, mais de perto, o discurso do Dr. Pacheco de Amorim. E notei: mas afinal o paralelismo não é assim tam completo, não é assim tam desagradável para aqueles que têm responsabilidades na vida da situação actual, como no primeiro momento me pareceu! E entrei de representar-me todos os passos do discurso. Não quis mais elementos. Não os busquei. Não posso dizer que não falei com alguém; mas posso afirmar que não conversei a este respeito senão com pessoas que não são economistas consagrados ou de reputação perfeitamente estabelecida no público como tais.

Entrei de representar-me todos os passos do discurso e a ficar mais perto do pensamento do Sr. Dr. Pacheco de Amorim; não foi a interpretá-lo tam mal como o nosso querido colega Bustorff Silva.

Também não foi para trazer aqui, como quis fazer o mesmo nosso colega, a interpretação do público, foi para olhar bem para o paralelo das duas datas - 1919-1945.

Mas o discurso do Sr. Dr. Pacheco de Amorim refere-nos no que respeita às contas de gerência: em 1919, déficit; em 1945, saldo positivo. Conclusão: a situação agora é melhor; no que respeita ao câmbio: a situação agora é incomparavelmente melhor; no que respeita aos preços: o índice de 1919 é 322, o de 1945 é, conforme cálculos seus, 240. Conclusão do Dr. Pacheco de Amorim: a posição é ainda nesta matéria um pouco melhor.

Onde a posição é pior é no que respeita à inflação monetária.

Aqui o índice de inflação em 1919 era de 276 e hoje é de 357; isto sem considerar outra cousa que não seja a circulação efectiva, porque, se além desta se considerar a circulação potencial, então o número índice sobe de 357 para 547.

Nesta altura fiquei embaraçado, mas continuei na minha posição de "homem da rua que se interessa pela cousa pública" que não quere consultar ninguém. Tive então uma primeira dúvida: porque se faria intervir para a formação deste número 547 a circulação potencial e não se fez intervir a mesma circulação na fixação do número índice de 1919?

O Sr. Dr. Pacheco de Amorim diz adiante que de depósitos havia 4 milhões e meio; portanto havia, na verdade, circulação potencial, se é que eu entendi bem S. Ex.ª

O Sr. Pacheco de Amorim : - 4 milhões e meio em 1939; não falei de depósitos em 1919. Nos boletins do ano económico de 1919, designadamente no relatório orçamental de 1919, publicado em 31 de Dezembro, vem apenas uma rubrica "Depósitos" e não vem mais nada em separado. Mas é uma insignificância: são 20:000 contos, quando a circulação fiduciária já era de 300:000. Cousa insignificante que não havia que considerar.

O Orador: - Portanto, não havia que considerar. Estou agora elucidado e digo a V. Ex.ª, Sr. Dr. Pacheco de Amorim, que não me demorei no problema porque outras reminiscências do seu discurso que logo me acudiram e adiante referirei me tranquilizaram quanto ao sentido daqueles números.

Continuando: pelo que respeita à relação outro os preços e a inflação, dizia o Sr. Dr. Pacheco de Amorim: em 1919 eram aqueles que cavalgaram esta; em 1945 são estes que cavalgaram aquela. Sem atinar, no mo-

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mento, bem porquê, esta falta de paralelismo tranquilizou-me.

Comecei a lembrar-me de que o Sr. Dr. Pacheco de Amorim, ao mesmo tempo que falava de inflação em 1919, afirmava que ela coexistia com a rarefacção da moeda no mercado. E pensei, agora já não tanto como "homem da rua" mas como homem que frequentou em tempos uma cadeira de economia política, que se havia rarefacção de moeda no mercado é porque não havia inflação e, portanto, a alta dos preços em 1919 havia de atribuir-se a causas diferentes da inflação.

Tinham-mo ensinado: inflação é sobressaturução do mercado em meios de pagamento (desculpem se não uso a linguagem técnica apropriada); logo, onde há inflação não há rarefacção de moeda no merendo.

Mas é possível que as velhas noções que aprendi estejam desactualizadas. Eu aprendi-as assim.

O Sr. Pacheco de Amorim : - É uma questão de palavras...

O Orador: - Isso é. Esta questão de palavras tem, contudo, a sua importância, como se verá no desenvolvimento das minhas considerações.

No que respeita à circulação bancária em 1919, então aqui encontro eu ...

O Sr. Pacheco de Amorim : - Era 1939.

O Orador: - Exactamente.

O Sr. Pacheco de Amorim: - É possível que venha essa grelha no Diário das Sessões.

O Orador: - Eu verifiquei o Diário das Sessões; é possível, no entanto, que me tenha enganado, porque tinha permanentemente no meu espírito duas datas: 1919 e 1945. Mas serve-me perfeitamente para o movimento do raciocínio que vou desenvolver a declaração de V. Ex.ª feita há pouco: em 1919 não há depósitos; um 1945 - há 15 milhões de contos de circulação potencial.

O Sr. Pacheco de Amorim:. - A circulação potencial é a rubrica "Bancos e banqueiros" e anda por 8 milhões de contos. Os 15 milhões são o líquido dos depósitos bancários.

O Orador: - Entendido. A percentagem de depósitos a prazo em 1939 era 26, hoje é 4. Quere dizer: a grande massa dos depósitos é hoje à ordem, o que significa, como afirma o Dr. Pacheco de Amorim, que eles representam um capital que espera ocasião oportuna para entrar na circulação. Eu chamo desde já a atenção de V. Ex.ª para este ponto, porque ele tem no desenvolvimento ulterior das minhas considerações uma importância muito grande.

No que respeita ao nosso poder de compra no mercado internacional, fiquei tranquilo com o discurso do Dr. Pacheco de Amorim e não fiz mais investigações porque nele se dizia acerca deste ponto que há séculos que Portugal não possuía uma tam avultada reserva de valores ouro como hoje.

Nada o Sr. Dr. Pacheco de Amorim disse sobre a cobertura existente em 1919; não sei se lhe devemos aplicar a mesma teoria dos depósitos.

O Sr. Pacheco de Amorim (em parte): - Nenhuma.

O Orador : - S. Ex.ª afirmou ao mesmo tempo - e este era um dos pontos onde a minha convicção estava mais abalada - que a cobertura de 21 milhões de
contos ou à volta, isto é, dos tais 15 milhões de depósitos e mais 6 milhões e tal de circulação, era em ...

O Sr. Pacheco de Amorim: - Valores não disponíveis.

O Orador: - Exacto.

A cobertura para estes 21 milhões era de 18 milhões. Só 18 milhões! Mas S. Ex.ª não disse que a situação neste aspecto fosse má.

Mas eu é que, ao recordar as minhas velhas remanescências de economia política, digo que é óptima.

No meu tempo ensinava-se que os bancos tendo 30 e não sei quantos por cento de reservas disponíveis em relação à massa dos depósitos gozavam de uma situação próspera. Hoje não sei se é a mesma cousa. Mas se ainda prevalece esse critério eu direi, empregando a técnica do Dr. Pacheco de Amorim, que, se a superfície a cobrir é de 21 milhões e a cobertura de que se dispõe são 18 milhões, a situação é óptima!

O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença?

Nessas contas...

O Orador: - Não me fale de contas, que eu atrapalho-me.

Risos.

O Sr. Botelho Moniz: - Nessas contas relativas ;às reservas do Banco de Portugal, qual é o valor por que está contabilizado o ouro efectivo? É que isso aumenta muito o valor das reservas.

O Orador: - Quero crer que isso seja assim. Mas eu não quero trabalhar com outros elementos que não sejam os fornecidos pelo Dr. Pacheco de Amorim.

Segundo esses elementos, a relação entre a cobertura e a superfície a cobrir é óptima; mas isso não quero dizer que não haja inflação, e esta é que é um índice de má situação e desagradáveis perspectivas, diz o Dr. Pacheco de Amorim.

Mas existirá, neste caso, verdadeira inflação?

Haverá sobressaturação do mercado em meio circulante? Aceitemos que sim e aceitemos que ela é causa do aumento dos preços. Inda podia pensar-se na repercussão produzida pêlos preços internacionais no mercado nacional, que não são influenciados pela inflação interna; e podíamos pensar nas consequências da redução da oferta, por carência do mercadorias, que é um fenómeno independente da inflação. Mas isto já seriam considerações que ultrapassariam o "homem da rua" que eu sou.

Aceitemos pois, para não ultrapassar esta posição, que a alta dos preços é consequência da inflação.

É isso motivo para ficarmos apreensivos?

Creio que não. Seria só não tivéssemos cobertura para o excesso de meios de pagamento no mercado e se não soubéssemos que atrás destes meios de pagamento estão divisas que facilitam o apetrechamento económico do País e estão depósitos ansiosos por encontrarem fontes de produção em que sejam invertidos.

Assim, não!

O Sr. Botelho Moniz: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Atrevo-me a afirmar que, se foram as divisas que determinaram o excesso de meio circulante, de alguma maneira esta inflação é salutar, porque nos permite adquirir agora no estrangeiro tudo o que representa reapetrechamento económico do País e, portanto, alargar a área da tributação ou a matéria colectável.

Apoiados.

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DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 12 150

Ao mesmo passo digo: ainda bem que temos l5 milhões de contos ansiosos por entrar na vida da indústria, porque estão desenhados planos de reconstituição industrial, de electrificação do País, e não nos faltarão os capitais necessários para que estas obras se realizem, e com elas o desenvolvimento económico da Nação, transformando, enriquecendo, criando matéria colectável, nova base de tributação.

O Sr. Bustorff Silva:- E sem intervenção de capitais estrangeiros.

O Orador: - Estas considerações que acabo de fazer tranquilizaram-me, e quem quer as pode colher no discurso do Sr. Pacheco de Amorim.

E comecei então eu a querer marcar agora, não o paralelismo entre 1919 e 1945, mas a divergência de situações entre as duas datas, de que se encontram indícios manifestos no discurso do Dr. Pacheco de Amorim.

Quais são esses indícios? Em 1919 a ruína económica.

Por impossibilidade de se recorrer ao crédito, através de empréstimos voluntários, recorria-se ao empréstimo forçado da emissão de notas.

É claro que o empréstimo forçado da emissão de notas era pura e simplesmente uma expressão do ruína económica.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É claro que o facto de se não poder recorrer a empréstimos voluntários, nem para cobrir despesas ordinárias nem para cobrir despesas extraordinária era a bancarrota, por não poderem cobrir-se as despesas ordinárias, e era a impossibilidade de reconstrução económica, por não haver dinheiro para ocorrer às despesas extraordinárias de fomento.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A situação era, portanto, completamente diferente dentro do próprio ambiente do discurso do Sr. Dr. Pacheco de Amorim.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quero dizer: quanto ao problema que acabo de pôr - e tenho seguido, suponho, par a par, o discurso do Sr. Dr. Pacheco de Amorim -, a cousa não me parece assim tam grave.

Vou agora referir-me a outro aspecto grave que o Sr. Dr. Pacheco de Amorim mencionou também como uma consequência da inflação.

E a situação dos funcionários e, em geral, das pessoas que vivem de rendimentos fixos e a insuficiente dotação dos serviços, não obstante se lhes manterem ou até levarem nominalmente as verbas para o desenvolvimento da sua actuação.

Começarei por fazer uma observação geral: aquela situação é uma consequência inelutável da curva dos desequilíbrios económicos, que necessariamente impõe sofrimentos ou benefícios (no caso sofrimento) a todos que se encontram nela.

Mas os sofrimentos não serão duradouros desde que o Governo possa acudir-lhes. Podia em 1919? Não podia. Poderá hoje? Pode.

Ocorre-me que se tem pago um grande volume de despesas extraordinárias com receitas ordinárias. E, apesar de já aqui ter ouvido que isso é bem, atrevo-me a pôr a dúvida. Se isso está certo em tempos de prosperidade, não parece que o esteja em tempos de depressão, porque significa sobrecarregar a geração presente com um peso que também devia ser suportado pelas gerações futuras.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Pacheco de Amorim:- Só para acudir a uma crise de desemprego é que se justificava essa política.

O Orador: - Temos, pois, uma margem para nos movermos, a avaliar pelo conspecto geral da nossa vida orçamental, desde que, felizmente, encontramos equilíbrio, e mais do que o equilíbrio. Temos uma margem para acudir ou para poder acudir àquelas situações. Temos assim uma primeira condição para conjurar o perigo.

Mas não é única. Acabo de dizer a V. Ex.ª que temos condições para reapetrechar o País e transformar a nua face económica. A uma situação de depressão sucederá uma de euforia, ou, ao menos, de desafogo, e este será o remédio definitivo. O problema estará resolvido.

Isto, porém, demorará. Mas o que não demorará é a possibilidade de abastecer o mercado, e o abastecimento, por si, aliviará o estado de pressão e logo a vida da indústria o do comércio se intensificará.

Além de que se, como diz o Sr. Dr. Pacheco de Amorim, as receitas têm realmente diminuído, é que está aliviado o contribuinte e pode aumentar-se a carga tributária.

Não me parece, porém, que isso seja aconselhável, porque era simplesmente transferir a posição desagradável das tais pessoas que vivem da renda fixa para os detentores da matéria colectável.

Nesta ordem de considerações, e feitas todas as anotações que acabo de referir, confessei-me a mim próprio tranquilo e contente de a nossa situação em 1945 ser muito diferente da situação de 1919, tam diferente que a situação de 1919 só apresentava perspectivas de morte e a situação de 1945 apresenta fortes perspectivas de vida.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Este. Sr. Presidente, fui ao meu drama, que felizmente se desvaneceu, mas isto não era o que na verdade, eu pensava dizer aqui antes de principiar a discussão na generalidade da proposta de lei de meios.

O que eu tinha realmente pensado fazer era também uma crítica à lei de meios e é curioso que também não era pelo que nela se contém; era pelo que nela se não emitem.

Devo dizer que também já fazia tenção de logo de entrada afirmar que a minha crítica não se destinava a sugerir que deixasse de ser votada a lei de meios ou alguma das suas disposições. A minha crítica destinava-se a sugerir que, no cumprimento rigoroso de certa disposição constitucional, de futuro a lei de meios fosse apresentada à Assemblea Nacional em outras condições.

Apoiados.

Não tenho, portanto, medo dessa cousa que já ouvi apelidar de trágica. Diz-se que seria uma cousa trágica se a Assemblea votasse pura e simplesmente a lei de meios sem fazer inserir nela aquele conjunto de princípios que não se apontam ou sem descobrir no seu seio a mão de um Mansinho da Silveira que realmente pudesse investir com o nosso sistema tributário, que não tenho competência para dizer se é tecnicamente perfeito ou não; mas suponho que a tenho para afirmar que, juridicamente, é perfeitamente harmónico com a letra e com o espírito da nossa Constituição que, a propósito da lei de meios, se não discuta a legislação tributária.

Uma cousa é autorizar a cobrança de impostos que resultam de um certo volume de legislação tributária

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e outra cousa é, a propósito da lei de meios, ensaiar a reforma tributária.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Isto é assim depois da lei n.º 2:009; isto era ;assim na vigência da Constituição de 33 e a partir de 33.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Isto é assim, repito, o que não quere dizer que esteja certo mandar para Assemblea a lei de meios nos termos em que ela nos foi enviada, porque, segundo o preceito constitucional, esta Assemblea tem competência para autorizar a cobrança das receitas e a aplicação das despesas e para determinar a aplicação que, deve ter aquela parte das despesas cujo quantitativo não está fixado por lei anterior.

A Assemblea tem competência legal, mas não tem competência técnica, para organizar um sistema tributário. Tem competência constitucional e legal sim, mas não tem competência de facto para fazer mais - com relação ao sistema tributário - do que indicar as grandes linhas dentro das quais esse sistema há-de ser feito pelos técnicos competentes.

Isto quere dizer que não é para se verificar se deve ser autorizado este ou aquele imposto que se exige que a lei de meios seja aprovada pela Assemblea. Não é para isso, é para outra cousa, e dessa e que a Assemblea não pode, não deve abdicar, porque é um preceito constitucional que lhe confere tal competência e essa podia tê-la a Assemblea; mas para a exercer é que não lhe foram fornecidos elementos.

Qual é então essa competência?

Há as receitas cujo quantitativo está determinado por leis anteriores e há as receitas cujo quantitativo não está fixado por leis anteriores. As primeiras não têm interesse para nós; mas têm o maior as segundas. Cabe-nos fixar a política da sua aplicação e portanto a própria hierarquia da sua utilização. Mas como hemos de fazê-lo, se as não conhecemos?

Isto quere dizer que não deve mais ser enviada a esta Assemblea a lei de meios, seca, como o tem sido; mas que deve ser acompanhada dos elementos indispensáveis para nos tornar possível que desenvolvamos a nossa competência constitucional quanto à massa das receitas que não hajam de aplicar-se a despesas de quantitativo determinado por leis anteriores.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:- Eu sei que se pode dizer que o Estado, hoje, trabalha com planos que já foram aprovados pela Assemblea Nacional ou por força de leis por ela votadas.

É chamada a minha atenção para que já ultrapassei o período regimental e eu tenho empenho em me manter dentro do Regimento.

Guardo por isso outras considerações que tinha pensado fazer. À nota que acima fiz responderão V. Ex.ª com a mesma facilidade com que eu demonstraria a sua improcedência.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Antunes Guimarãis: - Sr. Presidente: é esta a 1l. ª Sessão Legislativa em que tenho a honra de subir a esta tribuna para apreciar as bases da lei de
meios, isto é, a proposta de lei para autorização do receitas e despesas para o ano de 1946.

Com a habitual concisão, mas bem conhecida, pró eficiência, em onze bases marcam-se as grandes linhas que definem a estrutura da proposta, na qual se encontram princípios novos da maior importância sobre tributação, e da sua adaptação ao período que se segue à guerra que tantas perturbações causou, mas que exige da parte do Governo e da Nação um cuidado muito atento e persistente para arcar com as dificuldades que não deixarão de surgir, e encontrar para muitos problemas novos soluções que se harmonizem com a nossa índole e recursos.

Nesta altura da sessão, com falta tio tempo, porque a lei fixa a data dentro da qual a votação da proposta deve efectuar-se, e depois de terem subido a esta tribuna tantos ilustres colegas nossos, que com grande competência e incontestável eloquência apreciaram as diferentes tarefas do diploma em discussão, entendo que eu não teria o direito de fazer, como o meu espírito tanto desejaria, uma larga apreciação dos variadíssimos problemas que nas suas onze bases se formulam.

Subo à tribuna por estar convencido de que não terei que reeditar o que com reconhecido brilho já foi dito por ilustres colegas nossos, e na disposição de gastar muito pouco tempo nas minhas considerações.

Sr. Presidente: cessa a liquidação do imposto sobre lucros extraordinários de guerra. Ainda, bem, porque é sinal de que a guerra terminou e com ela uma fonte de reclamações.

Vozes : - Muito bem!

O Orador: - Tomei parte nos debates da proposta de lei que o criou.

Foi geral a sua aceitação por todas as classes e em todos os sectores da vida económica do País.

Todos reconheciam a oportunidade e justiça de se tributarem os lucros extraordinários de guerra; mas era geral a discordância sobre, a fórmula proposta, que, afinal, veio a ser aplicada com ligeiras alterações.

A sua aplicação na prática veio demonstrar, como, aliás, já aqui se afirmou, que houve lugar para numerosas reclamações sobre, injustiças e iniquidade de que foram vítimas muitos contribuintes.

Eu aprovei o princípio daquela tributação, mas discordei da fórmula adoptada.

Propõe-se agora o Governo, para suprir (conforme se diz no douto parecer da Câmara Corporativa) uma parte, da baixa de receitas resultante da abolição do imposto dos lucros extraordinários de guerra, remodelar o imposto complementar, mercê do englobamento geral dos rendimentos tributáveis, sobre os quais incidirão taxas progressivas de 3 a 30 por cento, desde que excedam 50 contos.

Não disponho de elementos para ajuizar da necessidade de cobrança de tam elevados percentagens, mas parto do princípio de que o Govêrno, que deles dispõe, não iria exigir dos contribuintes mais do que o estritamente indispensável para as despesas aprovadas, e entre as quais tive a satisfação de verificar estarem compreendidas as dos planos já aprovados nos termos da lei de reconstituição económica, aqui por nós votada em 1935, e se projecta iniciai a execução de outros planos, nomeadamente para apetrechamento económico do País, melhoria das condições de vida e salubridade da população.

Reconheço que o Estado, além de melhorar as condições de vida dos seus funcionários, tanto do activo como da reserva, e de atender às necessidades de reformados o pensionistas, não pode esquecer o nosso apetrechamento económico, que cumpre continuar e intensificar.

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nem os melhoramentos que visem a salubridade e as condições de vida.

Mas há também que reconhecer que o capital é um dos factores basilares da empresa e que da sua tributação excessiva poderia resultar prejuízo para a sua prosperidade, da qual depende toda a gama de trabalhadores e o público consumidor, precisando para isso de recursos, que só por via fiscal deverá obter.

Vozes : - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Estabelece-se o englobamento geral de rendimentos tributáveis para lançamento do novo imposto complementar, que, afinal, é, por assim dizer, a reedição do imposto pessoal e progressivo de rendimento, criado em 1932, mas que o Estado Novo, reconhecendo a sua inviabilidade, veio a abolir em 1928, substituindo-o pelo imposto complementar, medida oportuníssima que foi louvada por toda a Nação.

Tinha-se verificado que as declarações de rendimento só eram apresentadas com lealdade por uma minoria, que passou a ser sacrificada em face da enorme maioria
e que por todas as formas se defendiam do fisco.

No lançamento de impostos, como em tudo, há que atender a mentalidade e tradição dos contribuintes, procurando com paciência fórmulas que se lhes adaptem e evitando recorrer à solução fácil e pouco trabalhosa da simples adopção de fórmulas estrangeiras, onde nem só a língua e o clima são diversos, pois que as diferentes características dos povos alastram a todos os domínios.

Ora, receio que o englobamento geral de rendimentos colectáveis B, a que se alude na referida base VI, possa determinar o regresso às declarações pessoais de rendimento que o Estado Novo com tanto acerto suprimira, o que, na minha opinião, viria a provocar grande desagrado e a constituir fonte de iniquidade.

Sou de opinião que, sempre que possível, o imposto deve aplicar-se com automatismo, e não em face de declarações dos contribuintes, os quais, geralmente, não dispõem de elementos nem de competência para as fazer, traduzindo-se no fim de contas em fonte de preocupações e risco de multas e outras contrariedades, o que cumpre evitar.

Vozes : - Muito bem!

O Orador : - O Estado Novo aboliu as declarações impostas pelo diploma que, em 1922, criara o imposto pessoal sobre o rendimento, e nem por isso o nosso orçamento deixou de entrar em florescente período de equilíbrio, e até de saldos positivos, que contribuíram para o renascimento da Nação e durante a última guerra forneceram fundos avultados para o exército.

Sr. Presidente: repito, entendo que o Estado e os corpos administrativos devem ir cobrar por uma tributação de aplicação fácil e de incidência tam vasta
quanto possível todas as receitas precisas para elevação do nível de vida dos seus servidores e garantia do progresso da Nação.

E digo todas as receitas precisas, porque discordo do Estado ou dos corpos administrativos transformados em agentes de negócio, a explorarem indústrias ou comércio com fins lucrativos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador : - Tais funções devem caber exclusivamente às empresas privadas, que para isso pagam as suas contribuições, as quais cumpre ainda defender de intervenções excessivas do Estado.

Admito, sim, o Estado e os corpos administrativos explorando, por intermédio de serviços autónomos com organização industrial, determinadas actividades fundamentais para o bem geral, tais como a energia e certos transportes, mas sem fins lucrativos.

Por isso defendi nesta Assemblea a nacionalização da energia eléctrica e dos caminhos de ferro, convencido de que só o Estado, dispondo de recursos suficientes, podendo dispensar lucros, e indo por via fiscal cobrar o indispensável para equilibrar as suas contas, poderá servir convenientemente a comunidade, proporcionar às empresas elementos de vida e permitir-lhes, sem desequilíbrio financeiro nem prejuízo da qualidade e preço os artigos fabricados, melhorar as condições de vida de todo o pessoal da empresa, pelo menos dentro dos limites consentidos pelas consideráveis economias que vierem a realizar, mercê da energia é transportes baratas fornecidos pêlos monopólios do Estado sem fins essencialmente lucrativos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: o § 2.º do artigo 4.º diz que o Governo estudará uma reforma do imposto sobre sucessões e doações que, mediante avença a cobrar por adicional sobre outras contribuições e impostos, isente de liquidação do mesmo imposto as transmissões por morte a favor de descendentes de patrimónios não superiores a 500 contos.

Verifica-se que o Sr. Ministro das Finanças, na continuação de um critério, muito para louvar e agradecer, de facilitar a liquidação do imposto sucessório para defesa do património das famílias, se propõe agora com mais largueza atingir tam oportuna finalidade.

Confesso, porém, que pela redacção me parece tratar-se, não propriamente de isenção, mas de substituição do pagamento daquele imposto conforme a lei actual estabelece por uma avença a cobrar por adicional sobre outras contribuições e impostos.

Sendo assim, este critério ajustar-se-ia, em parte, a um alvitre apresentado há anos por mim nesta tribuna sobre o pagamento em vinte prestações, tal como nos casos de usufruto, do imposto sucessório, especialmente no que respeita a imobiliários.

Somente eu não limitava essa vantagem a transmissões para descendentes, porque o Estado poderia, sem desequilíbrio das suas contas, receber parcelarmente o que actualmente cobra de um só vez ou em poucas prestações.

A perturbação operada na economia das famílias por falecimento de pessoas do agregado familiar tanto surgem em relação a descendentes como quando se dá o caso de os herdeiros serem ascendentes, irmãos ou sobrinhos.

Quantas vezes um tio substitui com dedicação inexcedível junto de sobrinhos órfãos a falta dos pais.

De facto, passa a ocupar o lugar do pai falecido, havendo entre ele e os sobrinhos laços equivalentes aos que os ligavam ao pai falecido.

Vozes : - Muito bem!

O Orador: - Também entendo que a isenção, a verificar-se, não deveria visar o património, mas a cota hereditária de cada um dos interessados na herança.

Poderia dar-se o caso de ser isento o filho único e herdeiro de um património de 500 contos, e não o serem dez filhos por quem haja de ser dividida uma herança de 510 contos. Isto é o herdeiro de 500 contos beneficiaria da isenção, emquanto os herdeiros apenas de 51 contos não seriam isentos.

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15 DE DEZEMBRO DE 1945 153

De conformidade com o exposto tenho a honra do enviar para u Mesa uma proposta, assim redigida:

Proposta de substituição do § 2.º do artigo 4.º

O Governo estudará uma reforma do imposto sôbre sucessões e doações que permita a sua liquidação em prestações distribuídas por largo período ou o substitua por avença sobre outras contribuições e impostos, independentemente do estudo da isenção daquele imposto de cotas hereditárias para defesa da família.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Além da proposta do Sr. Deputado Antunes Guimarãis que a Assemblea ouvia ler, estão na Mesa as seguintes:

Proposta de substituição do § 3.° do artigo 4.°

N.º l

O Govêrno estudará uma reforma do imposto sôbre sucessões e doações que, mediante uma compensação aproximada feita por adicional a cobrar sôbre a generalidade das contribuições, isente da liquidação do mesmo imposto as transmissões a título gratuito a favor de descendentes de patrimónios não superiores a 150 contos por cada beneficiário ou descendente e em relação aos imóveis segundo o valor matricial à data da transmissão.

O Deputado Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.

Proposta de substituição do § 2.º do artigo 4.°

N.º 2

O Govêrno estudará uma reforma do imposto sobre sucessões e doações que, mediante avença a cobrar por adicional sôbre outras contribuições e impostos, substitua a liquidação do mesmo imposto às transmissões a título gratuito a favor de descendentes de patrimónios não superiores a 150 contos por cada descendente ou beneficiário e em relação aos imóveis segundo o valor matricial à data da transmissão.

O Deputado Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.

Proposta de aditamento

Proponho que ao artigo 11.° sejam aditadas as palavras "sem dependência do limite fixado no artigo 1.° da mesma lei", ficando tal artigo com a redacção seguinte:

Artigo 11.° É mantido durante o ano de 1946 o suplemento referido no decreto-lei n.° 33:272, de 24 de Novembro de 1943, podendo ainda o Governo atribuir os abonos eventuais previstos na lei n.° 2:004, de 27 de Fevereiro de 1945, sem dependência do limite fixado no artigo 1.° da mesma lei, com a contrapartida, se necessário, nas receitas indicadas na mesma lei.

O Deputado Pacheco de Amorim.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão é amanhã, às 10 horas e 30 minutos.

A ordem do dia será a continuação da discussão, na generalidade, da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1946 e início da discussão na especialidade.

Está encerrada a sessão.

Eram 10 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António de Almeida.
António Maria Pinheiro Tôrres.
Artur Augusto Figueiroa Rêgo.
Artur Proença Duarte.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Horácio José de Sá Viana Rebêlo.
João de Espregueira da Rocha Paris.
João Garcia Nunes Mexia.
José Luiz da Silva Dias.
Luiz da Câmara Pinto Coelho.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Mendes de Matos.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Magalhãis Pessoa.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Paulo Cancela de Abreu.
Querubim do Vale Guimarãis.
Sebastião Garcia Ramires.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Armando Cândido de Medeiros.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Gabriel Maurício Teixeira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Xavier Camarote de Campos.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira Cunha da Silveira.
Manuel Beja Côrte-Real.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Spratley.
Teófilo Duarte.
Teotónio Machado Pires.

O REDACTOR - Luiz de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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