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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 108

ANO DE 1959 14 DE MAIO

VII LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

SESSÃO N.º 108 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 13 DE MAIO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mo Srs.
Júlio Alberto da Costa Evangelista
Alberto Pacheco Jorge

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.

O Sr. Presidente mandou ler um oficio do Sr. Presidente do Conselho de agradecimento pela manifestação da Assembleia quando do seu aniversário natalício.
O Sr. Deputado Amaral Neto ocupou-se da situação criada à lavoura pela falta de procura das lãs.
O Sr. Deputado José Sarmento requereu várias informações sobre vinhos de consumo e a propaganda do vinho do Porto.
O Sr. Deputado Alberto Cruz falou sobre o momento político, o turismo de Braga e a instalação de novas indústrias no mesmo distrito.
O Sr. Deputado Castilho de Noronha apontou os últimos progressos na Índia Portuguesa e o grande plano de obras que cai ser executado.
O Sr. Deputado Saraiva de Aguilar chamou a atenção do Governo para as maiores necessidades dos concelhos de Vila Nova de Foz Côa, Meda e Figueira de Castelo Rodrigo.
O Sr. Deputado Augusto Cerqueira Gomes falou sobre o momento político nacional.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão da proposta de lei relativa ao plano urbanístico da região de Lisboa. Falaram os Srs. Deputados Vasques Tenreiro e Aires Martins. O Sr. Presidente encerrou a sessão às J8 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Orneias do Rego.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.

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Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.

Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Círios Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Finto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Muñoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Augusto Dias Rosas.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.

anuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O sr. Presidente: - Estão presentes 90 Srs. Deputados

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Rodrigo Carvalho sobre a situação da indústria têxtil, entre os quais um da Federação Nacional dos Sindicatos dos Profissionais das Indústrias Têxteis.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício do Sr. Presidente do Conselho agradecendo a homenagem que a Câmara lhe prestou no dia 28 do mês passado, oficio que passo a ler à Assembleia:
«Senhor Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência.- Tendo a Assembleia Nacional dedicado a sessão do passado dia 28 de Abril exclusivamente à comemoração daquela data e do aniversário da minha entrada para o Governo, cumpre-me agradecer não só as palavras que V. Ex.ª se dignou pronunciar, como também a significativa homenagem de que fui alvo por parte dos membros da Assembleia, e muito especialmente dos ilustres oradores da sessão.
Peço a V. Ex.ª o favor de transmitir a todos os Srs. Deputados os meus mais vivos agradecimentos pela forma como quiseram associar-se à celebração dos aludidos aniversários.
A bem da Nação.

Presidência do Conselho, 11 de Maio de 1959. - O Presidente do Conselho, Oliveira Salazar.»

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Amaral Neto.

O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: um dos domínios em que nos últimos vinte anos se tem exercido diligentemente a acção governativa em prol da valorização dos recursos nacionais, com acerto nos objectivos e felicidade nos resultados, tem sido o da produção de lãs, em que se tem visado tanto a melhoria das qualidades como a do aproveitamento industrial de uma matéria-prima outrora mal acreditada. E o próprio condicionamento económico, se nem sempre livre de criticas, ou ausente em queixas magoadas, tem seguido uma linha de apoio eficaz nos mercados à obra encetada nos campos.
A lavoura conhece, aprecia e tem agradecido a obra realizada neste sector: o técnico ilustre que desde os começos vem chefiando os estudos e informando as realizações recebe ainda hoje, em qualquer reunião de ovinicultores, aplausos tão espontâneos e calorosos como às primeiras verificações do sucesso dos seus esforços; mas em todos estes aplausos alguma parte é, em verdade, devida à política que o lançou no seu caminho e o tem mantido aberto.
E acertada foi esta política, porquanto os ovinos são os grandes aproveitadores dos pastos pobres, que são os mais do País, com a sua tríplice capacidade de produzirem carne, leite e lã, tendo só a produção de lã sido valorizada em 246000 contos na última estimativa do produto agrícola nacional.
Além do seu considerável valor venal, a produção de lã tem ainda para os lavradores o merecimento de ser colheita que se faz em época em que as bolsas andam despejadas pelos encargos das sementeiras de cereais e quando se têm de preparar para o esforço financeiro último das colheitas. Em muitas e muitas explorações a oportunidade de vender a lã é ansiosamente esperada, para realizar dinheiro para as ceifas, que logo se seguem.

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Ora, Sr. Presidente, estamos em pleno período de vendas de lã, segando os calendários normais, pois as tosquias já se iniciaram há semanas, e os compradores, pelo costume, já deveriam rondar solícitos as portas dos lavradores; mas, com desapontamento destes, é escasso o interesse e são em pequena escala as vendas.
Já se previa que o preço baixasse relativamente aos anos anteriores; não só esta parece ser a triste sina dos géneros agrícolas, como acontece que as cotações da lã, extremamente volúveis no mercado internacional, vinham desde há um ano baixando acentuadamente, embora com reanimação apreciável nos últimos meses. E as cotações internacionais da lã influem imediata e directamente nas nossas nacionais, sobretudo quando descem ...
Mas, mesmo mais baratas, as lãs estão tendo pouca procura, e não é isto porque soframos de excesso de produção, ao menos no que toca às lãs não churras, próprias para fiação, do que não colhemos normalmente mais do que uns 70 por cento do consumo da nossa indústria.
A explicação procuram-na ansiosamente os criadores de ovinos e parece-lhes encontrá-la no facto de ultimamente se terem feito para o País importações maciças de lãs em rama, quiçá animadas pelo favor dos preços, mas de todo desproporcionadas a todas as hipóteses de utilização, que os não iniciados no segredo do negócio podem conceber à luz dos dados estatísticos conhecidos.
Os mais significativos destes dados, extraídos de elementos amavelmente fornecidos pelo departamento oficial competente, reuni-os eu em dois quadros, que peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, sejam incluídos no Diário das Sessões.
As nossas importações de lã fazem-se principalmente no estado de ramas, algumas ainda sujas, outras já lavadas, pois nestas classes se perfazem nos últimos anos de 91 a 9õ por cento dos valores totais.
Ora, enquanto no quinquénio de 1902 a 1956 a importação média anual de lãs em rama foi de 2281 t, em 1957 subiu para 4064 t e em 1958 atingiu 6196 t, quase o triplo da quantidade usual; e, não obstante a baixa de até quase 30 por cento nos preços, os valores treparam de 127000 para 270000 contos, agravando a balança comercial, que anda, como todos sabem, em perto de 150000 contos.
E 150000 contos esbanjados para o estrangeiro, para países que pouco nos compram e nem sei se deveriam beneficiar da liberalização de trocas, pois a parte máxima proveio da Austrália e da União Sul-Africana, aparentemente sem compensação que justifique a largueza das portas abertas.
Para fomentar a transformação nacional e reexportar?
Não se vê que fosse, pois, contra um aumento de importação de 1800 t, relativamente à média do quinquénio anterior, o aumento da exportação em 1957 foi apenas de 75 t, quanto a produtos manufacturados, enquanto baixava de 200 t para as lãs em rama não churras, e 72 t para as churras, também em bruto. E se de 1958 ainda não há números para todas as classes da pauta das exportações, os que se conhecem ou presumem indicam uniformemente declínio, em especial, acentue-se de passagem, quanto às lãs churras, de que parece ter quase parado a exportação, para 1958 estimada pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários em 10t apenas!
Não terá, pois, sido por razões de industrialização que se importou tanta lã, embora seja apreciável, na escala das dezenas de toneladas, todavia, o surto das exportações de tecidos, de malhas e de tapetes no período que venho observando.
Para favorecer os consumidores nacionais com produtos mais baratos, graças à redução dos preços médios da lã estrangeira? Valha-nos Deus! Um fato consome
2 kg a 3 kg de lã em bruto, suja, ou 1 kg a 2 kg da lavada; a baixa de 20$ a 30£ por fato que se poderia conseguir à custa daquela centena e meia de milhares de contos aplicados em detrimento da nossa balança comercial seria insignificante, e, aliás, quem a sentiu?
Não me compete discutir as razões dos comerciantes, mas cabe perguntar das do Governo, que creio bem ter sido advertido a tempo, em consentir impassível a drenagem de divisas que venho apontando; cabe perguntar e, francamente, não se atina com resposta fácil.
Seja como for, o mal está feito e o mínimo que se pode esperar é que as estações oficiais hajam estado atentas e contando com meios de acção capazes de evitarem efeitos detrimentais para a produção nacional.
É para pedir a imediata entrada em jogo destes meios, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que vim dirigir-me daqui ao Governo. Noutros anos e desde há oito ou dez que assim se vem fazendo - a Junta Nacional dos Produtos Pecuários tem posto à disposição dos grémios da lavoura fundos para os habilitar a financiar produtores de menor resistência e livrá-los de soçobrarem - e fazerem soçobrar os demais - no descalabro de cotações pela urgência das necessidades. Esta sorte de intervenções, comum a outros sectores, pode fazer-se facilmente com o concurso dos estabelecimentos da banca privada, porque são créditos recuperáveis, e não onera, pois, o Estado. Parece que não será difícil repetir este ano a intervenção, típica do que se pode esperar de um sistema de economia coordenada, mas ela está-se demorando, e já demais!
Certo de o abonar com milhares, se não dezenas de milhares, de pretensões legítimas, dirijo daqui um apelo ao Governo para que promova quanto antes o necessário no sentido de uma intervenção deste tipo, já comprovada pela experiência -e o quanto antes tem de ser mesmo já, que tarda! -, não desmerecendo pelo atraso dela do aplauso que no abrir destas palavras me foi grato afirmar-lhe.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. José Sarmento: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte

Requerimento

«Ao abrigo das disposições regimentais, requeiro que, pelo Ministério da Economia e demais serviços competentes, me sejam fornecidos os seguintes elementos:

1) Estimativas das produções vinícolas em 1958 nas diferentes regiões demarcadas e na área da Junta Nacional do Vinho. Evolução das referidas estimativas à medida que se foram conhecendo os resultados das vindimas. Dados estatísticos provisórios e definitivos referentes à produção nas referidas regiões em 1958;

2) Existências, em 1 de Março de 1959, dos vinhos de consumo da colheita de 1958 na posse da lavoura e discriminadas por regiões demarcadas e área da Junta Nacional do Vinho. Na impossibilidade de se conhecerem as existências em 1 de Março, existências em qualquer outra data não muito afastada da primeira;
3) Existências no País de álcool e aguardente vínica nas seguintes datas: em 1957: 31 de Outubro, 30 de Novembro e 31 de Dezembro. Em 1958: 31 de Janeiro, 28 de Fevereiro, 31 de Março, 30 de Abril, 31 de Outubro,

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30 de Novembro e 31 de Dezembro. Em 1959:
31 de Janeiro, 28 de Fevereiro, 31 de Março e 30 de Abril;
4) Exportação de álcool e aguardente vínica nos seguintes meses: em 1907: Outubro, Novembro e Dezembro. Em 1958: Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Outubro, Novembro e Dezembro. Em 1959: Janeiro, Fevereiro, Março e Abril;
5) Verbas orçamentadas para propaganda do vinho do Porto em 1959 nos diferentes mercados externos;
6) Datas de apresentação e aprovação do plano de propaganda e do seu inicio nos referidos mercados».

O Sr. Alberto Cruz: - Sr. Presidente: as declarações do Sr. Ministro do Interior e as notas enviadas à imprensa por outros membros do Governo desanuviaram quase por completo a atmosfera política do País e varreram a onda de boatos com exclusiva finalidade de subversão da ordem pública.
Verifica-se, pois, que tinham razão os que, como eu, e ainda ontem o nosso ilustre colega Dr. Proença Duarte, tom aqui preconizado muitas vezes essa boa norma governativa de elucidação pública, que tão profícuos resultados oferece.
A firme atitude do Governo em melindrosos assuntos diplomáticos e a resolução dos mesmos conforme as doutrinas inicialmente traçadas e expostas também contribuíram muito para esse desanuviamento.
E, por fim, a grandiosa e espontânea manifestação feita ao Chefe do Governo e as provas de carinho e alta consideração que de tantas partes do Mundo recebeu, e muito especialmente, como sempre, dos nossos compatriotas que exercem a sua honesta actividade nesse querido pais irmão - o Brasil -, vieram pôr mais uma voz em evidência a vontade inabalável do povo português em conservar a paz de espírito e a ordem nas ruas, da que nos orgulhamos há algumas décadas de anos.
Não quero referir-me já às grandes obras ultimamente inauguradas e as que em breve se inaugurarão, que marcam mais uma etapa gloriosa na marcha da actual situação política e dos que devotadamente a servem.
Limpo, pois, o ambiente político, continuemos a tratar do essencial e esqueçamos as misérias, mas não nos esqueçamos também de vigiar com atenção tudo o que possa perturbar a boa marcha da governação pública, sejam amigos ou inimigos da situação os seus perturbadores.
Voltemos a nossa atenção para os grandes problemas em estudo e em curso, tendentes à melhoria das condições de vida dos Portugueses e ao engrandecimento progressivo de tudo o que nos pertence.
Sr. Presidente: pedi em tempos aqui, e por várias vezes, a valorização turística da região minhota, especialmente Braga, terra cheia de encantos naturais, mas necessitada de alta protecção do Governo para o apetrechamento necessário de tudo o que exige hoje o viajante, que já não se contenta só com o sortilégio da paisagem e a bondade e a hospitalidade das gentes.
O primeiro problema é inegavelmente o hoteleiro. Várias vezes aqui pedi aos organismos a que esses assuntos importam a sua rápida resolução.
Li nos jornais ter sido pela Presidência do Conselho, e por proposta do organismo superintendente do turismo português, considerado de utilidade turística um dos hotéis da estância do Bom Jesus do Monte, o que o mesmo é dizer rápida e condigna solução de tão velho problema o tão legítima aspiração.
Venho, pois, manifestar o meu regozijo e o meu profundo agradecimento, que traduz também o regozijo e o agradecimento da região que me honrou com a sua representação neste alto órgão do Estado.
Sr. Presidente: mais uma vez lembro ao Governo, e muito especialmente ao esclarecido espírito do Sr. Ministro, da Economia, a urgente necessidade de promover a criação de fontes de riqueza permanentes nessa encantadora região, onde abundam braços para trabalho fecundo, ,mas escasseiam indústrias e iniciativas para os utilizar em larga escala, como é mister.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - S. Ex.ª conhece bem o panorama económico dessas terras e também sei que está empenhado em resolvê-lo, na medida das suas possibilidades, e até em fazer renascer velhas e tradicionais indústrias, extintas por erros de muitos e falta de protecção de alguns.
O que peço é a maior urgência na resolução do que for possível e que estiver ao alcance de quem governa.
Sei que se pensa e se trabalha na criação de novas indústrias em Braga e, por isso, peço facilidades e rapidez nos despachos burocráticos, sempre tão morosos e por vezes implicativos, trazendo desânimo aos maiores entusiasmos e fazendo soçobrar não raro alguns empreendimentos de vulto.
Em vez de peias burocráticas pedem-se facilidades, rapidez e salutares conselhos dos competentíssimos técnicos que já hoje abundam nos vários departamentos do Estado.
Sr. Presidente: certo de que vai chegar também para Braga e sua região a hora da resolução dos seus mais importantes problemas, continuam os seus habitantes a confiar nos homens que há mais de trinta anos dirigem os destinos da Nação, mandatários da patriótica revolução que dentro dos muros dessa velha cidade soltou o primeiro grito, ë em tão boa hora que, em vez de tiros entre irmãos, se ouviram sómente louvores e cânticos à Virgem do Sameiro, que nessa altura passava pelas ruas da cidade, no Congresso Mariano aí realizado.
Que diferença entre os revolucionários de então, com os seus corações a arder em amor da Pátria e saindo para a rua à luz do dia e com tão alto objectivo, e os conspiradores de hoje, com os corações cheios de ódio e só com objectivos de vingança e crimes ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... e, ainda por cima, a maior parte deles ao serviço de países estranhos e contrários à nossa civilização cristã.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas esqueçamos isso e continuemos a trabalhar até se alcançarem todos os objectivos da Revolução Nacional.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Castilho Noronha: - Sr. Presidente: «a Índia Portuguesa está no limiar de uma nova era de grande e notável progresso», disse-o o Sr. Subsecretário do Fomento Ultramarino, Eng. Carlos Abecasis, nas suas declarações à Emissora Nacional, após o regresso da sua visita ao Estado da índia.
De facto, assim é. Nota-se aí, de há tempos a esta parte, principalmente no sector económico, um dinamismo altamente construtivo, a contrastar com o marasmo em que a Índia arrastou por séculos a sua exis-

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tência, sem que nesse longo lapso de tempo viesse um sopro animador que lhe desse novas energias, novo vigor.
A terra que teve o seu período de esplendor, de opulência, de grandeza, oferecia depois o aspecto triste e soturno de herdade de um fidalgo arruinado.
É que a índia, que era vista e ouvida de longe, estava também longe do coração dos que deviam zelar pelo seu bem-estar, pelo seu progresso, pelo seu desenvolvimento. Presentemente já não sucede o mesmo, louvado Deus.
Há males que vêm por bem. A campanha que a União Indiana empreendeu para, reduzindo-os à miséria, absorver os territórios que formam a Índia Portuguesa contrapôs-se uma outra campanha, esta orientada no sentido de valorizar esses mesmos territórios, que foram outrora o teatro de feitos brilhantes e inesquecíveis que deram tanta glória a Portugal.
Essa campanha abriu um novo ciclo luminoso de engrandecimento da Índia Portuguesa.
Na sessão desta Câmara de 23 do último mês o ilustre Deputado Sr. Comodoro Sarmento Rodrigues, na sua brilhante intervenção, realçou, em sucinta resenha, o muito que nos últimos anos se fez no Estado da índia, podendo bem dizer-se que hoje a situação dessa província é sensivelmente melhor do que a dos anos anteriores ao de 1904.
Referiu-se S. Ex.ª ao desenvolvimento económico em muitos sectores da vida daquela província; às relações comerciais que evoluíram para melhor, pondo-se termo à situação de subalternidade económica em que Goa, Damão e Diu viviam em relação à vizinha índia; às comunicações marítimas entre a metrópole e a índia, graças às carreiras de longo curso mantidas pela Companhia Nacional de Navegação; à construção de três aeroportos, sendo um deles de carácter internacional; ao desenvolvimento das culturas e, finalmente, à exploração mineira e ao desenvolvimento do caminho de ferro e do porto de Mormugão, pondo em relevo o melhoramento de incalculáveis vantagens que advêm das instalações mecânicas já em funcionamento, graças às quais se poderá carregar um navio de 10 000 -t em 24 horas, e da respectiva central, também já em funcionamento, a qual poderá fornecer energia eléctrica em condições muito vantajosas ao grande conjunto oficinal do porto e do caminho de ferro e à cidade de Vasco da Gama.
Seria escusado encarecer o valor e a importância dessas obras e empreendimentos levados a efeito nos últimos cinco anos.
Pois bem. Hoje, Sr. Presidente, nesta minha intervenção, muito grato me è referir-me a uma nova campanha, empreendida no intuito de dar mais um vigoroso impulso ao movimento já iniciado para estimular e intensificar o desenvolvimento social, económico e cultural do Estado da índia.
O Sr. Brigadeiro Vassalo e Silva, que há uns escassos cinco meses assumiu as rédeas do Governo do Estado da índia, pôs desde a primeira hora as suas invulgares qualidades de inteligência e de trabalho ao serviço da província que em boa hora lhe foi confiada.
Ao cabo dos três primeiros meses, durante os quais percorreu todos os concelhos em que a província está dividida, para estudar in loco as necessidades das respectivas populações, elaborou um plano de obras a realizar em três quadriénios.
Palpita nesse trabalho um espírito dotado de um grande poder de organização e, o que é mais, de um forte sentimento de patriótica devoção à causa do engrandecimento do Estado da índia.
Embora três quadriénios excedam o prazo normal de uniu governação, o Sr. Brigadeiro Vassalo e Silva achou conveniente estabelecer um plano de conjunto para três quadriénios, o qual, não tendo a rigidez de um axioma, poderá ser alterado conforme as circunstâncias por quem tiver de o executar. Em outras palavras: o plano indica nas suas linhas gerais os problemas base a considerar durante o período de doze anos, descendo, porém, ao pormenor em relação ao primeiro quadriénio, que é o que, de momento, mais interessa. Abrange ele as seguintes rubricas:

a) Edifícios;
b) Assistência hospitalar e social;
c) Instalações desportivas;
d) Correios, telégrafos e telefones;
e) Instrução;
f) Instalação eléctrica;
g) Estradas nacionais, concelhias, mineiras, comunidades e arruamentos;
h) Abastecimento de águas;
i) Esgotos;
j) Fomento;
k) Fomento florestal;
l) Portos, faróis e transportes fluviais;
m) Pontes;
n) Casas económicas.

Esta simples enunciação de rubricas dá bem a medida da importância das obras nelas compreendidas. Não posso nesta breve intervenção referir-me, em pormenor, a cada uma delas, o que muito longe me levaria.
Mencionando os trabalhos a executar, o autor do plano não oculta as dificuldades e os obstáculos que se opõem à realização do mesmo plano.
No que diz respeito, por exemplo, u primeira alínea, a Edifícios», a maior dificuldade é que, como se lê aio relatório, temos de partir do zero da construção em que se encontra tal ramo de actividade, dado que nem as Obras Públicas estão em condições de resolver o problema, nem há em Goa empreiteiros que garantam a realização de qualquer das empreitadas maiores do plano.
Para vencer tais dificuldades impõe-se convidar as empresas construtoras da metrópole, fazendo-se-lhes ainda, concessões de carácter excepcional, como é justo. Preconiza-se ainda no plano a criação de um organismo composto de engenheiros recrutados na metrópole, além dos que existem no Estado da índia. Competirá a esse organismo o estudo de obras a realizar.
Outro problema a que no plano se presta especial atenção é o que se relaciona com a assistência hospitalar. Já não é sem tempo. No Estado da Índia o sector assistêncial deixa muito a desejar.
E existe ao lado de uma escola médica, que com as suas deficietíssimas instalações não está em condições do. ministrar um ensino eficiente, um hospital que está longe de poder corresponder à sua finalidade.
Não estou a forçar a nota. Isto que digo é um apagado eco do que várias vezes os chefes da província afirmaram, expondo a quem de direito a imperiosa necessidade de dotar o Estado da Índia com um novo hospital, devidamente equipado, com instalações que lhe permitam exercer a sua acção.
Ainda não há muito, em Fevereiro ultimo, quando da visita do Sr. Governador-Geral à Escola Médica u ao hospital escolar, o seu ilustre director, Dr. Pacheco Figueiredo, no discurso de saudação - depois de acentuar que essa Escola, «é o mais alto padrão que Portugal 1 intelectual implantou em torras do Oriente e que a sua actividade foi e é tão fecunda que ela representa viveiro onde se forma a elite indo-portuguesa, sendo certo que os médicos e farmacêuticos nela. formados honraram e honram a Alma Mater na clínica, nos conselhos legislativos, nas autarquias locais e ainda em variadas funções socais e burocráticas, em Goa ou fora dela» -

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disse que ela necessita de um edifício condigno, de laboratórios devidamente apetrechados, de pessoal decente e coadjuvante em número suficiente, de médicos especialistas. Só assim a nossa Escola Médica poderá, revendo com orgulho e desvanecimento o seu glorioso passado, corresponder às exigências do presente.
Na sua resposta o Sr. Governador-Geral declarou que o assunto da construção do edifício para o hospital merecera a sua atenção mesmo em Lisboa e que os 14 000 contos do Plano de Fomento e mais a ajuda prometida pelo Ministério do Ultramar e outra entidade dariam a cifra necessária para a construção do futuro hospital, que será uma obra de grande envergadura.
Outra obra de vulto que vai merecer a atenção do Governo é a construção de pontes, designadamente sobre o rio Mandovi e sobre o rio Zuari. Torna-se dia a dia mais imperiosa a construção dessas duas pontes. A primeira ligará o concelho de Bardez ao de Goa e a segunda o concelho de Goa aos de Salsete e Mormugão.
Presentemente a travessia é feita por lanchas e por ferry-boats. E um serviço que está longe de corresponder ao movimento sempre crescente de passageiros e de carros.
Com outra ponte, esta sobre o rio Chaporá, ficará assegurada a continuidade da grande estrada costeira que se estenderá de Peruem a Polém, isto é, de um ao outro extremo de Goa.
Como se vê, o plano está estruturado na base das mais prementes necessidades do Estado da índia. É arrojado? É. E tinha de o ser, precisamente porque pouco ou nada se fez durante longos anos. Pretende-se agora remir um passado de indiferença, de apatia e de inércia em que nos cristalizámos.
A grandiosidade do plano contrasta com a escassez doa nossos recursos financeiros. A estimativa da despesa a fazer para a execução dos trabalhos no primeiro quadriénio atinge a elevada soma de 439 014 contos, ou seja uma média anual de 110000 contos. Seria inútil dizer que o Tesouro do Estado da Índia não pode suportar um tão pesado encargo, que é muito superior às suas disponibilidades.
Conta-se, porém, com uma ajuda substancial do Ministério do Ultramar e- do Ministério da Defesa, o qual decerto, contribuirá para as obras que se relacionam com a defesa do Estado da índia. Além disso, não é muito esperar que outras entidades interessadas na realização do plano avultando entre estas as câmaras municipais, os organismos autónomos, como a Junta de Importações e Exportações e a Provedoria da Assistência. Pública, os concessionários de obras a realizar em redime de concessão-, não é muito esperar, dizia eu, que essas entidades, numa elevada compreensão do objectivo que se pretende atingir, colaborem para as obras de tão larga projecção.
Convenço-me de que neste momento interpreto os desejos dos povos do Estado da Índia permitindo-me dirigir um veemente apelo ao Sr. Ministro do Ultramar e ao Sr. Ministro da Defesa para acolherem com carinho e benevolência o plano ao qual me venho referido.
Praza a Deus que a magnífica perspectiva que se desenrola aos nossos olhos se transforme numa realidade.
Se não, ao autor do plano ficará a satisfação de ter cumprido o seu dever, fazendo o que estava ao seu alcance em prol do Estado da índia, e a este mais uma amarga desilusão a juntar-se a tantas outras.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Saraiva de Aguilar: - Sr. Presidente: tenho ainda bem presente a memorável sessão desta Câmara, realizada no dia 28 de Abril passado em que foi exaltada a extraordinária figura do Sr. Presidente do Conselho u a sua obra de progresso e de ressurgimento, que tão eloquentemente marca um período de glória e de engrandecimento para a história do nosso país.
Extraordinária também a manifestação de alegria das mulheres portuguesas, verdadeira aclamação apoteótica de um homem eminente, exemplo de virtudes cívicas, de excepcional inteligência, estadista eminente que todo o mundo civilizado admira e respeita.
Na sua admirável organização criou o clima propício à paz, à tranquilidade, à confiança, estabeleceu o ambiente de segurança que todos temos a felicidade de viver, cumprindo a missão na vida, alcançar para si e para os seus possibilidades de trabalho; de progresso e de conforto que cabem dentro da nossa capacidade.
Criou-se uma consciência cívica, uma norma de vida, característica do nosso povo, em que a disciplina e a tranquilidade estão em constraste com a incerteza de um passado pouco feliz.
Neste ambiente foi possível ao Governo realizar obra regular e fecunda, que não - é necessário referir por ser demasiadamente conhecida e apreciada por todos os bons portugueses.
Mas, Sr. Presidente e meus senhores, é necessário também que essa obra, que pari passu se vai realizando, seja distribuída equitativamente, levando aos meios rurais mais distantes, ainda desprovidos de melhoramentos, a iniciativa da realização do indispensável à sua comodidade, a que tem legítimo anseio.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Todos, nesta Câmara, apelamos paru os meios rurais, procurando levar ao conhecimento do Governo os seus sofrimentos e as condições por vezes péssimas em que labutam dia a dia para amealharem o necessário ao seu sustento e da sua família.
Nós sabemos que, na verdade, o Governo se inclina decididamente para os problemas rurais com justa compreensão e com o desejo manifesto de levar aos pequenos e distantes meios o mínimo de comodidades necessárias para quem com tanto trabalho e suor tem de tirar da terra, por vezes tão pobre, o indispensável à sua existência humana.
É lamentável que haja aldeias com mais de trezentos habitantes completamente isoladas, sem estradas, sem água potável, sem luz, sem telefone, por vezes sem médico pronto que possa socorrê-los numa emergência.
A ligação às outras aldeias ou à sede do conselho é feita, a maior parte das vezes, através de caminhos tortuosos, difíceis e indispensáveis, quantas vezes através de serranias quase intransponíveis.
Como Deputado eleito pelo meu ciclo cabe-me a obrigação de trazer ao conhecimento desta Câmara e do Governo os seus problemas e solicitar na justa medida a realização dos mais ingentes.
Estou consciente da enorme dívida de gratidão que todos devemos à pessoa ilustre do Sr. Ministro das Obras Públicas, incansável obreiro do Governo da Nação, que com justa compreensão das suas responsabilidades e em trabalho constante, exaustivo, mas profícuo, vem delineando e executando uma enormidade de realizações, de molde a tornar-se credor da nossa maior admiração e do nosso agradecimento.
S. Ex.ª tem manifestado desejo de levar ligações por estrada e abastecimento de água a todas as aldeias ou aglomerados populacionais com mais de cem habitantes e sinto-me atraído pela ideia de trazer ao seu conhecimento as nossas ansiedades e as nossas necessidades.

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Vou por agora referir-me apenas aos meios de comunicação, estradas e abastecimento de água dos três concelhos do distrito da Guarda situados na margem sul do rio Douro, ou sejam Vila Nova de Foz Côa, Meda e Figueira de Castelo Rodrigo.
Consultando elementos fornecidos pelas repartições competentes do Ministério das Obras Públicas relativos a estradas municipais e nacionais referentes a estes concelhos, fica-se impressionado com o pouco que está feito e com o muito que está para fazer.
Não ignoro que se trata de uma região muito acidentada, áspera e rude no seu aspecto turístico, constituída por serras e vales profundos, tão característicos da região duriense, em que a abertura de estradas é necessariamente dispendiosa, demorada e difícil; mas há que deitar mãos à obra, porque obras são, e de grande valor económico e social, e a sua falta atrofia o normal desenvolvimento das populações.
Assim, no concelho de Vila Nova de Foz Côa está prevista a construção de cerca de 60 km de estradas municipais, e destas estão feitas apenas metade, das quais citarei as mais importantes:

Estrada que vai da estrada nacional n.º 102, sítio do vale do Nídio, e que passa pelas freguesias de Santo Amaro, Mós, Murça e Seixas, até às proximidades do caminho de ferro, na estação do Vesúvio. Esta estrada reveste-se de grande importância, porque, além de ligar quatro freguesias entre si, liga-as também ao caminho de ferro e à sede do concelho por curto trajecto.
Estrada de ligação que vai da estrada nacional n.º 102, sítio dos Areais, e serve as freguesias de Chãs, Santa Comba e Tomadias. prolongando-se depois pelo vizinho concelho de Figueira de Castelo Rodrigo. Esta estrada foi iniciada, mas falta ainda a abertura de 8 km.

Volto novamente a chamar a atenção de V. Ex.ª, Sr. Ministro das Obras Públicas, para a estrada - já célebre- de Almendra, ou seja o prolongamento da estrada nacional n.º 222, desde a Portela do Marco, mais conhecida pelo Sítio do Trinta, até Barca de Alva, passando pelas freguesias de Castelo Melhor e Almendra. Esta ligação até Almendra tem apenas 18 km de extensão e impõe-se pelo grande alcance económico, social e turístico.
Parece inacreditável que os habitantes de Castelo Melhor ê de Almendra para se deslocarem à sede do concelho tenham de percorrer por estrada cerca de 240 km, de ida e volta, depois de atravessarem quatro concelhos - Figueira de Castelo Rodrigo, Pinhel, Trancoso e Meda.
A abertura desta estrada, com a sua ponte sobre o rio Côa, é hoje um melhoramento regional que se impõe e de grande projecção e alcance para a parte norte do distrito da Guarda e que compreende os concelho mais ricos.
Mas, além deste problema. Vila Nova de Foz Côa tem outro de não menos interesse, que terá de resolver a curto prazo: é o abastecimento de água, pelo reforço do caudal actual.
Apesar de o Inverno e a Primavera do corrente ano serem chuvosos, Vila Nova de Foz Côa tem presentemente o seu abastecimento de águas sujeito já a racionamento.
Trata-se de uma grande e populosa vila de 5000 habitantes, que durante cerca de oito meses se vê privada deste precioso líquido, tão indispensável na vida doméstica das populações.
Urge, portanto, resolver o problema, e daqui chamo a atenção das entidades encarregadas do projecto e das necessárias diligências indispensáveis à sua realização.
Concelho, de Meda:
Deste concelho citarei as estradas de maior interesse, porque o abastecimento de água potável está resolvido na quase totalidade das suas freguesias:

Abertura da estrada n.º 331, de Ranhados a Meda, na extensão de 9 km.
Estrada nacional n.º 324, de Meda a Marialva. Estrada das proximidades de Marialva à ribeira de Massueime.
Estrada de Marialva (estrada, nacional n.º 324) a Torre do Terranho, lanço do concelho de Meda. Estrada do Moinho do Vento (estrada municipal anterior) á estada nacional n.º 102. com 13 km por construir.
Concelho de Figueira de Castelo Rodrigo: Este concelho é atravessado pela estrada nacional n.º 221, que tem estado sujeita a grandes reparações de alargamento, pavimentação e revestimento betuminoso, no valor de 1000 contos, e encontra-se já quase totalmente reparada. NO entanto tem estradas municipais consideradas muito importantes, e que são as seguintes:
Estrada da ponte da Chinchela (estrada nacional n.º 221) a Vermiosa. na extensão de 14 km. Estrada de Figueira de Castelo Rodrigo (estrada nacional n.º 332) a Areais (estrada nacional n.º 102).
Estrada da Penha de Águia a Freixeda do Torrão, de cerca de 5 km.
Estrada de Escalhão à Vermiosa.

E para terminar citarei ainda no concelho de Vila Nova de Foz Côa algumas estradas de valor local, como sejam as estradas de Vila Nova de Foz Côa à estação de Côa e a de Castelo Melhor à estação do mesmo nome.
Sr. Presidente: chamo a atenção do Governo para estes melhoramentos, que os. munícipes dos concelhos a que me referi anseiam ver realizados, porque sào, em. verdade, merecedores de serem tidos na devida consideração.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Augusto Cerqueira Gomes: - Sr. Presidente: numa das últimas sessões desta Câmara, o Sr. Deputado Camilo de Mendonça, em oportuna e notável intervenção, comentou, com grande lucidez e desassombro, o chamado «caso Humberto Delgado», a propósito de uma nota fornecida à imprensa pelo Secretariado Nacional da Informação.
Por essa nota se tinha informado o País da representação, dirigida ao Governo e assinada pelos Srs. Dr. Acácio de Gouveia, Jaime Cortesão e outros, a pedir que fosse autorizada uma conferência, de imprensa como acto preparatório de vários fins, entre os quais «propor as condições em que deverá regressar ao País em completa liberdade» o Sr. General Humberto Delgado. E, por ela, também pudemos saborear o despacho - modelo de concisão, de lógica e de ironia.- com que o Sr. Ministro da Presidência fulminou, inequivocamente e sem apelo, o requerimento insensato e os seus torpes desígnios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não estive presente nessa sessão da Assembleia Nacional, e bem a meu pesar, porque gos-

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taria de proclamar aqui, logo nessa hora, a minha concordância e o meu aplauso às considerações judiciosas e decisivas daquele Deputado e ao mesmo tempo dizer também sobre o assunto algumas palavras.
Não o pude fazer naquele dia. Fá-lo-ei hoje e muito a t (impo. Muito a tempo ainda, por nosso mal.
Poderão talvez parecer duras às vezes as palavras que vou proferir, mus estou certo de que todos os homens amantes da verdade e conscientes da gravidade da nossa hora hão-de reconhecer que são adequadas e justas, e mais, oportunas e necessárias.
Não ao vou mais uma vez repisar na apreciação dessa indecorosa farsa dó pedido de asilo político e que veio a liquidar, miseravelmente, como merecia, com retumbante malogro para os sinistros intuitos que a inspiraram, na ignomínia e no ridículo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Essa é uma questão morta e, definitivamente, relegada para o domínio da história.
Nem pretendo também ocupar-me propriamente da pessoa e das andanças do Sr. General Humberto Delgado, nesta hora tão por sua vontade - ou dos seus inspira dores- à solta e a passar a ingénita tagarelice em terra, brasileira, como antes tinha estado recolhido e entregue à sua inesperada vocação de romancista na clausura da Embaixada.

O Sr. Alberto Cruz: - Muito bem!

O Orador: - O que tenho em vista aqui é a análise objectiva e o comentário desassombrado do ambiente de desorientação e de mal-estar que u actividade política dos adversários do regime de há tempos tem fomentado e, a todo o custo, procura afanosamente manter. Actividade política, disse eu, mas muito mal, porque imo pode merecer o nome de política essa manobra insidiosa e maléfica que anda para aí alucinadamente a envenenar as almas, a semear a malevolência e o ódio, a incitar à rebelião e ao crime,- com o risco e, porventura, o propósito de desencadear a brutalidade e a chacina e lançar o País, em maré alta- de renovação e de engrandecimento, na subversão catastrófica.

Vezes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a todos é bem patente que lê há tempos se vive entre nós em maré brava de efervescência e de agitação nos espíritos. Por toda a parte se ouve o rumor da crítica malévola e dissolvente. A cada canto se sente o esbravejar apaixonado dos ataques ao regime político - às suas instituições, aos seus homens, aos seus métodos, à sua obra, numa fúria desenfreada de perturbar e confundir, de demolir e subverter.
É um levante que não tem fundamento objectivo sério nem correspondência no domínio dos factos que inequivocamente exprimem nesta hora a verdade patente da vida da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Com a maior evidência: que está em flagrante contradição com as realidades mais claras o mais irrecusáveis da actualidade portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Porque o que todos vêem, o que é manifesto, é que «s homens, para aí, livremente circulam e labutam, livremente folgam e rezam. Que há ordem nas ruas e todos têm plenamente assegurada a sua vida, a sua fazenda, a sua honra e - digam o que disserem - as suas liberdades fundamentais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Que melhoraram visivelmente as condições e o nível de vida da gente portuguesa ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... e vai pelo País inteiro, de lês a lês, um surto prodigioso e uma ânsia febril de progresso e renovação. Que este povo, há tanto tempo abúlico e sonâmbulo, desalentado, descrente de si próprio e do seu destino, acordou para a vida activa e para o trabalho fecundo, recuperou a confiança -nas suas possibilidades e na sua força criadora. Que esta Nação há tanto tempo desorbitada e errante por caminhos incertos, reencontrou a autenticidade do seu génio e a linha perdida da sua vocação e da sua missão histórica. Que, objecto da irrisão e do escárnio do mundo, se volveu, de repente, em exemplo e lição para o mundo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Exemplo e lição de ordem, de espírito de sacrifício, de capacidade de recuperação, de unidade nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Que na mesma hora em que se desagregam e desabam catastroficamente os impérios dos mais fortes, se mantém, segura e inviolada, a integridade da terra portuguesa, dispersa em retalhos pelo mundo, e viva e vivedoura a comunhão das almas que a povoam.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Que o país que há trinta e três anos tomámos nas. nossas mãos carinhosas, em ruínas, apoucado e envelhecido por atrasos seculares, se restaura, em ritmo prodigioso para as nossas possibilidades, em. todos os planos da vida nacional e, mormente, no domínio da saúde, da cultura, do apetrechamento e progresso material, do fomento da riqueza e da actividade económica.

O Sr. Alberto Cruz: - Muito bem!

O Orador: - Não, o levante que para aí anda no ar, a perturbar e desorientar os espíritos, é uma agitação infundamentada, não está conforme com a verdade dos factos, não é fruto espontâneo da realidade portuguesa, que é muito outra e só nos pode dar motivos de satisfação, de confiança, de optimismo e - digamos também - de aplauso e reconhecimento aos que sacrificadamente se votaram ao esforço gigantesco da renovação nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Esse levante é uma criação artificial, fabricada, com sinistros desígnios de subversão, por ardilosas e subtis manobras psicológicas, é um produto de apurada técnica de agitação, malas-artes, em que são mestres consumados certos especialistas de certas engrenagens ocultas è subterrâneas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - Esta astuciosa e dissolvente manobra de agitação já tinha aflorado durante a campanha eleitoral da última eleição de Deputados, em fins de 1957. Continuou, a seguir, no subsolo, em insidioso trabalho de sapa a sua obra subversiva. Mas foi, sobretudo, a partir da eleição presidencial do ano passado que tomou grandes proporções, - e tem desenvolvido intensa e vasta actividade, em esforço multiforme de perturbação e desnorteamento.
Vivia-se neste país na ordem e na paz. A ordem criadora e a doce e inestimável paz que há tantos anos fruímos nesta amorosa caga lusitana, depois de um longo e tormentoso período de desordem nos espíritos e nas ruas e no meio das solicitações doentias de um mundo desorientado e convulso - irrecusavelmente um dos mais altos benefícios do Movimento Nacional. E, em si mesmo, expressão de altos benefícios; porque a paz, a paz verdadeira, duradoura e criadora em que temos vivido, não s só obra da força, mas obra-prima da política, aliança sabiamente conjugada da justiça e da força.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Havia, por certo, as eternas discordâncias que medram sempre onde existirem homens, tilo vários são eles no pensar e no sentir. Havia os inevitáveis descontentamentos e as inevitáveis críticas, porque toda a obra humana é maculada de imperfeições, toda susceptível de ser apreciada de muitos pontos de vista, toda exposta a ser julgada com olhos límpidos da verdade, olhos róseos do amor, olhos negros do ódio e da malevolência. Mas no fim de tudo, discordância, descontentamentos e críticas sem dimensões que afectassem o nosso convívio fraterno e a harmonia e tranquilidade da nossa vida social. Havia sossego nas almas, concórdia nas. relações humanas, ordem nas ruas. Era o clima normal em paz.
Estávamos na ordem e na paz. Mas, de um dia para o outro, mal se abriu o período eleitoral hora maldita de ódios e rancores, de agravos e divisões entre irmãos do mesmo sangue e da mesma terra-, logo se entrou, de repente, em clima revolto de efervescência e desvaire e se passou a andar, para aí, a desorientar e agitar, no desígnio sinistro de demolir e subverter.
Essa disputa eleitoral, no aspecto político, foi, por parte da oposição, um violento ataque ao regime, o que, aliás, estava já em discordância com a ordem constitucional e colocava os seus candidatos à margem da legalidade. Mas, mais e muito pior do que isso, o levante que desencadeou tomou abertamente uma feição iusurreccional,- e uma feição insurreccional que ultrapassou largamente as dimensões da. política para tomar aspectos francos de subversão social.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Já se anunciava a divisão das terras, a socialização das empresas, já a canalha desrespeitava a gente de bem no meio da rua e se percebia, no olhar de muitos, a besta acordada, à espreita da sua hora.
Não era apenas o ataque ao regime; mas, manifestamente, a ameaça à ordem social.
A seguir às eleições, aliás inequivocamente ganhas por nós, vieram as greves - as que se registaram e as que não chegaram a deflagrar-, sem objectivos de melhoria das condições para os trabalhadores e somente com o propósito de inquietar e criar dificuldades e mal-estar no País.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - E nunca mais acabou p afã maldito de fomentar o ódio, embravecer as paixões, gerar o desassossego, espalhar a confusão, incitar si desordem.
Para essas torvas manobras de agitação a tudo se tem recorrido, a todos os meios e métodos, mesmo os móis torpes e degradantes - a mentira, a insídia, o boato; a intrica, a deturpação, a grosseria soez, a negação sistemática, á irreverência boçal, o panfleto irresponsável, a acusação anónima, o ataque calunioso a homens e instituições.
Os seus fautores aqui ameaçam e atemorizam. Ali vestem-se de cordeiros e usam de falas mansas. Mais além aparecem lisonjeiros e sedutores. E até se insinuam uns organizações católicas, com ares de fingida piedade, para lá dentro manobrarem a seu jeito, tal como o Diabo se fez ermitão.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - A comédia da corrida às embaixadas, a pedir asilo político no mais escandaloso despropósito, é também, manifestamente, mais uma ridícula solércia de baixa política e um grosseiro recurso de especulação a pretender inculcar, cá dentro e lá fora, a ideia de perseguição, de terror, de insegurança, de aflitivo clima social, de carência de justiça ou de força do Poder. E, agora, a, 'pretensão e os termos da representação dirigida ao Governo pelos Srs. Dr. Acácio de Gouveia, Jaime Cortesão e outros, além de sórdido expediente para tentar remediar ou, pelo menos, colorir o fracasso da comédia, é, a par disso, mais uma habilidade - pobre habilidade, aliás - e a insistência - inglória insistência :- na especulação do caso.
Ora a verdade - á aqui que pretendo chegar e quero insistir:-' é que tudo tem limites e, neste ponto, os limites estão de todo e de há muito ultrapassados.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - A Nação não pode estar indefinidamente à mercê destas manobras de agitação e desnorteamento dos espíritos.

Vozes:.- Muito bem, muito bem!

O Orador: - Recuperou já há mais de três décadas a ordem e a paz. Tem vivido com dignidade e o respeito do mundo. Não quer regressar à ignomínia do passado. Não quer o futuro - ainda pior e muito mais sinistro - que lhe auguram estes redentores com banhos de sangue, a pelotões de fuzilamento» e tribunais do povo, no gosto e estilo cubano.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - O País quer trabalhar, prosseguir tranquilamente no caminho da sua renovação e do seu progresso, sem a inquietação de contínuas ameaças a ensombrar-lhe o horizonte, sem o referver dos paixões, do ódio, das malquerenças, sem sentir à sua volta a sede de vindicta, a ruminar, a toda a hora, uma revisão catastrófica, quê iria desfechar em bacanal de terror, de brutalidade e de matança.
No meio de tudo isto, o que mais impressiona e escandaliza, e até aflige, é ver intelectuais a quem as responsabilidades da cultura e o respeito da dignidade e da missão da inteligência deviam manter numa atmosfera superior, descerem a emprestar o prestígio do seu nome,

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para, de algum modo, poderem dar alento a esta obra sinistra de perturbação e desnorteamento.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Não há o direito de correr o risco de aviltar os louros e as glórias, muitas vezes bem ganhos, nos altos domínios do pensamento, da erudição, da arte ou da ciência, usando-os de maneira que pareçam conspurcar-se no mar revolto das paixões de baixa política.
A missão do intelectual é servir ideias e dominar paixões, não é pôr as ideias ao serviço das paixões.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A grandeza do intelectual, na hora de confusão dos espíritos, é resistir, esclarecer e orientar, não é, de algum modo, parecer que mistura a sua voz ao tumulto dos demagogos e dos agitadores.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E dever s glória da inteligência manter-se sobranceira aos ódios, permanecer serena e lúcida, nas horas de desvairamento e de exaltação.
Só assim honra e prestigia a sua alta realeza. Só assim é fiel à sua grande missão.
O contrário é verdadeiramente a degradação do espírito, a profanação da cultura, a prostituição da inteligência.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Que os agitadores deixem em paz o País, que moureja e trabalha.
E, neste grave passo da história, ao Estado incumbe imperativamente, mais do que nunca: prosseguir, e ainda se possível com mais afã, Jia grande obra de renovação e engrandecimento; rectificar desvios e emendar erros.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Integrando-se cada vez mais na pureza da nossa doutrina política. ^

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Estar vigilante e firme, frente à desordem, confiando sempre os postos de orientação e de comando a homens de boa formação ideológica, consciência limpa, ânimo forte e mão segura e rija.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Cuidar a sério da formação da mocidade - penhor do futuro, garantia de projecção e continuidade do nosso esforço renovador; cuidar, também a sério, da informação e formação da opinião pública.
E à Nação incumbe olhar seriamente a gravidade desta hora e, também mais do que nunca, reafirmar a excelência e a fé na nossa doutrina; proclamar bem alto a imponência da nossa obra e o nosso propósito inquebrantável de prosseguir o que para- nós não é apenas continuar, é subir mais alto no afã incontido de criar, na ânsia insaciável de mais e de melhor; manter e apertar, ainda mais, a nossa unidade, condição decisiva de salvação e de continuidade; intensificar, cada vez mais, a nossa combatividade e a nossa acção.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente:- Vai passar-se á

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao plano director do desenvolvimento urbanístico da região de Lisboa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vasques Tenreiro.

O Sr. Vasques Tenreiro: - Sr. Presidente: está em discussão a proposta de lei n.º 14, referente ao plano director do desenvolvimento urbanístico da região de Lisboa. Trata-se de um projecto grandioso; as considerações que acerca do mesmo se façam não hão-de passar de simples estímulos a sua realização plena e o mais de harmonia com as concepções da técnica moderna e as necessidades das gentes.
Um projecto grandioso e complexo que vem de encontro a problemas reais, isto apesar de a consciência me dizer que há muito se fazia esperar. Mas, como vale mais tarde que nunca, chegou o momento de nos dedicarmos à tarefa melindrosa da arrumação de uma parcela da terra portuguesa; estão em jogo os destinos de uma grande aglomeração, como o futuro daqueles que vivem ou procuram na cidade e sua esfera de influência uma vida ainda mais sã e feliz.
As minhas considerações, Sr. Presidente, terão por fundo o minucioso parecer da Câmara Corporativa, uma vez que o projecto de lei se mostra demasiado conciso na apresentação de problema tão complexo. Pouco acrescentando àquele excelente relatório, procurarei tratar o tema sob um novo ângulo de visão, que é de meu jeito e gosto: o geográfico.
Quem tenha viajado da sua aldeia para uma cidade ou, vivendo nesta, percorrido o campo do seu país, tem imagens concretas acerca do que é um aglomerado urbano. E, em primeiro lugar, um grande conjunto de casas de vários andares, ligadas entre si e que se alinham em ruas ou se abrem em largos; um local de muitas gentes, onde as pessoas só se conhecem em círculos fechados de vizinhança, como os membros de uma habitação colectiva, de um pequeno bairro, de antigo e modesto clube desportivo, de uma mesa de café onde se discute arte e sempre política, de uma associação comercial, de um escritório ou repartição publica, etc.
Sempre que grandes acontecimentos públicos se realizam (uma parada, um desafio de futebol, uma sessão cinematográfica ou reunião política) são mais os indivíduos que se não conhecem do que aqueles que se conhecem; a cidade é ainda centro de comércio intensivo, de política directiva, de alta finança, de indústria de uma ou várias destas funções, onde os mais ambiciosos se batem por todas as oportunidades; é centro de diversão para uns e para alguns de perdição - aí os laços familiares parecem mais frouxos, as mulheres tomam-se independentes, os vícios imperam.
A cidade opõe-se, portanto, ao campo, pela extensão (muita gente vivendo num espaço exíguo), pelo aspecto, frouxidão dos laços familiares e relações de vizinhança, altas oportunidades e frequência de desvios dos padrões morais.
A cidade é, em linguagem corrente, progresso ou retrocesso e o campo rotina ou tradição salutar. E assim que pensa o homem comum, foi assim, sentimentalmente, que Eça de Queirós julgou a cidade e as serras ...
As características de uma cidade incluem duas ordens definidas de factos: os que resultaram da implantação do aglomerado em função de um local, que lhe 'imprime a forma e o traçado, e os que advêm das vicis-

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situdes históricas por que o mesmo passou no decorrer dos tempos.
Este segundo grupo de factos, desdobrável em aspectos económicos, políticos, sociológicos e culturais, confere à cidade as múltiplas funções em que se especializa, imprimo aos habitantes modos de vida e dá-lhe o estilo que, pondo a cidade à vila ou á aldeia, a distingue também de outras cidades.
A cidade é ainda um todo cujos elementos mantêm entre si relações íntimas, que evoluem ou se transformam sem nunca se separarem.
A cidade é também o grupo humano ou a civilização que a criou e como tal cresce com ele e morre quando a civilização decai ou os homens a abandonam. Se a cidade, o grupo e a civilização se identificam, nunca será correcta a observação que subestime aspectos que, por mera arbitrariedade, se julguem secundários.
Parta-se, porém, de onde se partir, no estudo da cidade chega-se sempre à análise da gente que a habita - o sítio e o plano reduzem-se e definem-se sempre em função dos homens que o escolheram e delinearam.
É por isso que a cidade é um dos elementos fundamentais da civilização e representa o limito da humanização da paisagem.
A cidade pressupõe, pois, uma aglomeração do homens, especializada numa ou em várias funções de relação e que se abastece do exterior.
Ora este abastecimento não se refere ,só aos produtos de subsistência ou a quaisquer outros, mas também à corrente humana que de fora acorre a, cidade e que a alimenta de braços, de cérebros, para o desempenho das suas mais variadas actividades.
A grandeza de uma cidade avalia-se, por conseguinte, pelo número dos seus habitantes - moradores permanentes e gente que nela trabalha durante o dia -, pelo número de estrangeiros ao país que lá vivem usualmente, pelo ritmo crescente da sua área, pela complexidade de funções de relação em que se especializa, e até pela distância, maior ou menor, a que se encontram os locais que lhe fornecem produtos frescos: legumes,, frutos, peixe, carne, leite, manteiga e ovos, principalmente.
As relações da cidade com o ambiente em que nasceu, cresceu e se desenvolveu são primordiais. O sítio, não só o local, como os vários factores de localização (tais como o relevo, o solo, o clima, a vegetação, a existência de água, as facilidades de comunicação entre n cidade e os regiões circundantes ou mesmo afastadas), são elementos que podem explicar a sua escolha, bem como o seu desenvolvimento, apogeu ou declínio, desde que sejam tomados em conjunto com os vicissitudes históricas que à mesma se ligam. Lisboa é, por exemplo, uma cidade que se desenvolveu em torno de uma colina fortificada e em função de um rio; Coimbra, cidade que vingou por pôr em contacto o interior austero com o litoral fértil. O aglomerado urbano, como centro abastecido do exterior, constitui com o campo binómio indissolúvel. Todas têm o seu campo, quer estes se situem nos seus limites, quer estejam distantes.
Lisboa tem o campo logo fora de portas; do território dos saloios vêm todos os dias produtos de horta e muitos de origem animal que a abastecem; vêm também, muitos dos homens que alimentam as suas indústrias e serviços. Londres, por outro lado, na sua expansão, subverteu os campos próximos, criou uma complexa urbanização, e hoje os seus verdadeiros campos situam-se a distâncias que geralmente ultrapassam os 100 km. ... .º Caso extremo é o de muitas cidades tropicais, oásis de casas e gentes em grandes desertos de populações.
A maior parte dos produtos que as abastecem ou provêm de um interior longínquo ou, sob várias formas, da Europa.
Tem ainda especial curiosidade o tipo de especialização, ou de estilo que uma cidade pode revelar. As múltiplas relações que os seus habitantes estabelecem entre si e a cidade como um todo com os restantes territórios metropolitanos, ultramarinos ou estrangeiros, permitem destacar predomínios das funções características.
Washington exerce uma função política e administrativa predominante; Meca tem função religiosa; a City, de Londres, função financeira ou de mercado; muitas das cidades mediterrâneas nasceram de uma função militar ou de defesa, outras sob o impulso da expansão romana, de uma função administrativa, etc.
Muitas mesmo, as grandes capitais e metrópoles, definem ao mesmo tempo várias destas e outras funções, como Londres, Paris, Nova Iorque, Madrid e Lisboa. A cidade é, assim, uma unidade que se explica em bases naturais e sociais.
Sr. Presidente: o recente crescimento das cidades e as suas funções complexas, especialmente as de relação, ou localização das indústrias que tantas vezes lhes andam ligadas levaram a maior parte dos países a organizar planos de urbanização que, partindo do conhecimento da personalidade das cidades e da análise das suas funções, previssem e orientassem o seu crescimento, organizando os respectivos serviços de modo a que se obtivesse a sua maior eficácia e as melhores condições de habitação.
O urbanismo assim entendido aparece já com. uma concepção mais ampla que a tradicional. E que uma cidade é nó de relações humanas de ordem económica, social, cultural e, por pouco que as suas funções se diferenciem, um centro de organização da área ou áreas que a rodeiam. A sua força de atracção estende-se a lugares distantes, a sua força de expansão subverte o campo ou a natureza que a cercam.
As implicações regionais são evidentes e, já por isso, já porque se verifica a vantagem de estender a áreas mais vastas a disciplina do desenvolvimento das actividades económicas e de organização dos espaços habitados, o planeamento regional, isto é, o desenvolvimento e extensão do urbanismo, faz-se hoje tanto na escala da região como na escala nacional.
Vários exemplos de grandiosas organizações relativas no estudo e coordenação dos problemas do planeamento são mencionados no demorado, mas vivo, parecer da Câmara Corporativa, pelo que não se torna necessário voltar a mencioná-los. Sem dúvida que a execução do planeamento é de ordem técnica e. nela têm naturalmente o principal papel os economistas, os arquitectos, os engenheiros (entre eles os engenheiros agrónomos), os geólogos, os higienistas, os assistentes sociais, etc., mas a sua concepção e os estudos, preparativos que ela exige ultrapassam os problemas técnicos e solicitam a colaboração de outros especialistas.
Os geógrafos, particularmente os dedicados à geografia humana, desempenham aqui papel relevante, nina vez que o fulcro desta disciplina é o estudo da personalidade das regiões, dos estímulos e restrições que a natureza traz à actividade humana, da maneira como esta se manifesta, da inventariação dos recursos e da avaliação das possibilidades.
Não admira, portanto, que em diversos países fossem chamados a colaborar nos trabalhos preparatórios, na elaboração e na execução de planeamentos regionais:
O estudo de uma região baseia-se na observação directa,, na multiplicação de inquéritos, na elaboração de dados estatísticos, na preparação de mapas, na aná-

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lise das suas complexas funções, sem esquecer o fim que Be tem em vista, que é organizar a região de molde a servir os interesses nacionais e os da população que nela vive.
O planeamento é, assim, obra que, apoia, apoiando-se nas técnicas, possui um profundo conteúdo humano: a técnica servindo o homem, e não o homem ao serviço da técnica.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: À cidade tem de ser estudada nas suas bases naturais e sociais, o sitio e n posição, o perfil do seu crescimento, a variedade das suas {unções, a estrutura e evolução da sua população, o nível, os gostos e a competição que os habitantes exercem por grupos entre si.
Assim se definirão na cidade nas áreas ou zonas cuja fisionomia realçam, quer pela densidade e carácter da população quer pelos tipos de edifícios, solidariedade social que os seus membros manifestam, pela forma de organização familiar, nível educacional e nível de vida ou ainda pela maior ou menor incidência de fenómenos perturbadores da vida social, tais como crimes, prostituição, divórcio, etc.».
Isto é, sem deixar de compreender-se o todo que é a cidade, há que chegar-se à minúcia do bairro, definido nas atitudes e nos sentimentos do homens vivendo em comunidade.
15 assim que, se a geografia deve estar na base dos estudos, a economia será o seu recheio e a sociologia o coroamento. E importante não esquecer que o planeamento é mais qualquer coisa que traçar num papel, a partir da dados técnicos, ruas, largos e caixotes com prateleiras para arrumar a população de um local ou de vima região.

O Sr.º Lopes de Almeida: - Muito bem!

O Orador: - Não se veja nestas palavras menos consideração pelos técnicos a quem, repito, cabe a maior parte da execução do planeamento, mas sim a amargura de quem tem verificado, por vezes, subestimarem-se rumos humanísticos a favor de um tecnicismo ausente das preocupações, necessidades e desejos reais dos homens.
Não seria difícil apontar exemplos que justificam estas afirmações, tais como obras de hidráulica agrária que viriam a beneficiar populações sem lhes terem criado hábitos de rega; bairros suburbanos onde nenhum espaço se reservou à agricultura familiar, quando nas formações espontâneas deste tipo ela acompanha sempre as instalações humanas; afectação de baldios a floresta quando representavam recurso indispensável ao pastoreio extensivo das aldeias próximas; construção de barragens que subverteram povoações sem que se resolvesse primeiro a colocação da gente que assim se desalojava das suas casas e perdia os seus campos.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Grandes e pequenos desvios das realidades que resultaram em certa medida do divórcio, que suponho hoje em vias de declínio, entre técnicos e humanistas. Temos hoje bons técnicos e, julgo poder afirmar, alguns humanistas. Estreitem-se, pois, as mãos, para bem da terra e dos homens.
Vem a propósito salientar que no parecer da Câmara Corporativa se assinala como imprescindível aos trabalhos do futuro plano u colaboração de arquitectos e geólogos. Só um lapso, um simples lapso, poderia justificar a não inclusão de arquitectos no plano.
Pela natureza das suas preocupações, pela especialização de alguns em urbanismo, se bem que muitas vezes tomado no seu sentido mais restrito (local, e não regional), por ser a um tempo técnico e artista, o arquitecto é elemento colaborante não só indispensável, mas si quem caberá, na linha técnica e na linha artística, o trabalho da expressão e resolução estética dos problemas levantados pelo planeamento.
A inclusão de geólogos também não deve merecer discussão. Bastaria citar os valiosos estudos de Carlos Ribeiro, Paul Choffat e Pereira de Sousa em trabalhos de ampliação e transformação da cidade de Lisboa para que tal ficasse comprovado.
Lapsos felizmente que não passaram na fieira criteriosa do parecer da Câmara Corporativa. Não pode dizer-se que os geógrafos tenham sido esquecidos, mas não se lhes dá, na realidade, o lugar que lhes compete no planeamento.
Diz-se, de facto, no pertinente parecer:

Assim se compreende que os programas de urbanismo só possam conceber-se e realizar-se, ao nível do nosso tempo, mediante um trabalho de equipa, em que hão-de participar solidariamente o arquitecto Q o economista, o engenheiro e o sociólogo, o geógrafo, o agrónomo, o higienista e o assistente social.

São do meu inteiro agrado as referências ao trabalho de equipa e à participação solidária dos técnicos no mesmo; parece-me, no entanto, que a ordenação dos especialistas é pouco clara, tanto mais que, subtraindo aos agrónomos o título de engenheiros, a que; têm, em meu entender, pleno direito, poderá vir a pensar-se que de geógrafos se trata de engenheiros geógrafos.
Questão aparente de somenos importância, mas que vale a pena esclarecer - os geógrafos cuja especialização porventura se desenvolve no sentido das cidades são os formados em geografia humana, mais humanistas que técnicos. E a eles, e só a eles, que a referência se deve entender. Embora não esquecidos .no texto, não lhes cabe participação clara na comissão do plano director.
Creio, Sr. Presidente, que das minhas palavras já para trás é possível extrair a posição e o papel que o geógrafo desempenha no planeamento, pelo que me dispenso de mais comentários neste sentido.

O Sr. Dias Rosas: - Muito bem !

O Orador: - Esta Assembleia, através das palavras de oradores idóneos, não deixará passar tal lacuna, que, a. manter-se, poderá reflectir-se na articulação harmónica do planeamento:
Sr. Presidente: vive-se hoje numa época de amplas capacidades realizadoras no domínio da técnica, que oferecem aos homens grandes possibilidades no arranjo da natureza. Cataclismos ou calamidades houve que, apesar das numerosas vítimas, foram muito providenciais; tudo arrasaram, obrigando a novos arranjos dos homens nos espaços que ocupavam.
Nos seus traços essenciais, a fisionomia actual da cidade de Londres deve-se a ura grande incêndio, que em algumas horas reduziu a cinzas grande parte dos bairros ribeirinhos; o terramoto de 1755 implicou a transformação da cidade baixa de Lisboa, tendo-lhe fixado um estilo próprio.
Hoje em dia, porém, não se torna necessário esperar um cataclismo para que se possa proceder ao planeamento e á organização do espaço. Valha-nos isso, ao me-

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nos! De resto, não foi o terramoto de 1755 que transformou e fixou até aos nossos dias uma fisionomia nova na cidade de Lisboa.
A Baixa pombalina, se representa uma concepção e um esquema novo no arranjo funcional de um bairro e cuja traça tem valor arquitectónico inestimável, não alterou, contudo, a sua função, que, quer analisada do ângulo geográfico, quer sociológico, é anterior a Pombal.
À visão de D. Manuel e dos seus conselheiros, às necessidades imperiais que tal impunham, se deve a grande transformação da cidade. Foi, de facto, na época manuelina que, compreendendo-se as complexidades de uma cidade que era cabeça e metrópole de vastos territórios e riquezas no Mundo, se deslocou o Paço Real tia Alcáçova, no Castelo de S. Jorge, para o Terreiro do Paço.
Ali, de facto, deveria estar o rei, rodeado dos conselheiros e funcionários, armazenarem-se as riquezas e deixar espraiar pelas ruas circunvizinhas os mercadores portugueses e estrangeiros - frente ao rio e ao mar do comércio e da aventura.
Assim se iniciou toda uma revolução urbana e se criaram condições de expansão que iam permitir à cidade e aos seus habitantes o amplo desempenho de novas, complexas e pesadas funções de uma cidade moderna.
A Administração, o comércio e a política abandonavam a cidade medieval e alcandorada e aproximavam-se da burguesia comercial que por essa época se estendia já pelas encostas, respeitando, contudo, os vales amplos que a rodeavam.
Nos vales praticavam-se culturas mimosas, de horta e pomar; mais longe, noutros vales e vertentes, os olivais, o pão e o vinho, que alimentavam a população a haver de «muitas e desvairadas gentes».
O campo e as hortas penetravam profundamente na cidade num jeito que perduraria pelos tempos e de que hoje é ainda fácil apercebemo-nos, não obstante o desenvolvimento do casario e de um estilo mecanizado de viver.
Nunca esta cidade de Lisboa viveu ausente dos seus campos, e posso até afirmar que ela nasceu cidade-jardim muito antes que os avós dos avós dos teóricos do urbanismo tal tivessem descoberto.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A cidade e o campo próximo era uma dualidade inseparável, a tal ponto que não se podia pensar em Lisboa sem mencionar o seu termo. Palavra de amplo significado, pois enquadra a cidade num conjunto de factos de geografia humana, económicos e sociais que definem a região.
Fora de portas, mas dentro do termo ou zona de influência e dependência da cidade, vive, pelo menos desde a conquista da cidade, uma população de agricultores.
A esta população se dá o nome de «saloio», palavra que no árabe significa homem do campo, mas homem do campo por oposição ao da cidade, ou, esclarecendo melhor, homem do campo vivendo nas imediações das cidades. Facto este que, não sendo único para Lisboa, pois Santarém e algumas cidades do Sul da Espanha tiveram populações idênticas, a palavra «saloio» só aqui se manteve.
Isto faz realçar, uma vez mais a intimidade de relações entre Lisboa e a sua população citadina e o campo e a sua população saloia. Os limites regionais definiam-se assim até onde ia esta população, que vivia dependente da população da cidade. Onde fosse território de saloio podia dizer-se estar a região de Lisboa.
Claro está que com o desenvolvimento da cidade, com a expansão do seu casario, que, se em primeiro lugar procurou as colinas, logo tendeu a descer aos vales, os campos foram sendo subvertidos, ficando cada vez mais longe do centro nervoso citadino - a Baixa. Mas, por outro lado, a área do campo ou do termo teve de expandir-se como realidade viva que havia de fazer face ao desenvolvimento da cidade de Lisboa.
A região torna-se enorme, engloba uma série de concelhos e freguesias a morte, e a pouco e pouco, e apesar das dificuldades de comunicações, ganha terreno para além do Tejo.
Os ecos retardados, pela carência do País em carvão, da revolução industrial levam a pouco e pouco à concentração, na cidade ou em locais não afastados, de um conjunto fabril que à escala nacional é dos mais importantes. Novos campos que se subvertem, novas possibilidades para os seus habitantes e expansão da área regional de Lisboa.
Com base neste esquema evolutivo, que deliberadamente quis fosse elementar, mas claro, e à luz de considerações já expostas, medite-se agora acerca dos aspectos, em meu entender fundamentais, respeitantes ao plano de arranjo e desenvolvimento da região de Lisboa, a saber: o problema dos limites, a subversão dos campos agrícolas, a localização das indústrias e o descongestionamento de uma cidade com tendências «milionárias».
A proposta do Governo e o parecer da Câmara Corporativa não estão conformes quanto aos limites da área a organizar. No primeiro caso a área é consideràvelmente mais extensa do que no segundo.

elo conhecimento que possuo dos arredores de Lisboa em estudos e andanças de mais de dez anos, parece-me que o ilustre relator do parecer da Câmara Corporativa está dentro da razão ao apontar como áreas naturais, para norte do Tejo, em relação de íntima dependência com a cidade, as dos concelhos de Cascais, Loures, Oeiras, Sintra, além dos de Lisboa e parte do de Vila Franca de Xira.
Repare-se que, sem dúvida, são os campos dos quatro primeiros concelhos, por os mais próximos, aqueles que desde sempre exerceram a função abastecedora da cidade. Dos vales de Loures e Cheleiros, dos campos de Colares, das terras pretas do basalto e das terras brancas dos calcários que a rodeiam vêm diariamente os produtos frescos de origem vegetal e animal que a alimentam.
Os casais e as quintas, unidades agrárias características da paisagem da terra de saloios, funcionaram, dentro de um estilo de rotina, como autênticas fabriquetas daqueles produtos. Pode afirmar-se que, não só nestes concelhos, mas também em outros mais para norte, como os de Mafra, Torres, Arruda, etc., ainda habitam saloios, e, sendo assim, esta extensa área deveria, considerar-se incluída na região de Lisboa.
Isto estaria certo se na análise apertada dos factos não se chegasse àquela mesma conclusão que, já vai para muito tempo, o sábio José Leite de Vasconcelos assinalou: na expansão para norte o que vingou foi a alcunha - «saloio» -, e não propriamente um estilo de vida campestre dependente de Lisboa.
Na região de Torres o estilo de ocupação da terra é outro, sendo o camponês, dedicado à exploração da vinha, menos dependente da cidade.
Compreende-se também a inclusão de Vila Franca de Xira, que uma linha férrea aproximou da cidade e que está no enfiamento do rosário de estabelecimentos fabris que se escalonam para norte ao longo do Tejo e a partir de Sacavém.
Se bem que em muitos traços da paisagem predominem elementos (pie a incluem no estilo de vida ri-

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balejana, por estar próximo de Lisboa, por diariamente haver gente que se desloca à cidade, onde se ocupa nos sei viços ou nas fábricas, e por nela existirem mesmo estabelecimentos fabris, Vila Franca de Xira funciona também como subúrbio da cidade de Lisboa.
É preciso não esquecer que muitos aglomerados, e até cidades, representam núcleos de contactos do regiões e estilos diferentes.: Para sul do Tejo apontam-se, no mesmo parecer, os concelhos de Almada, Barreiro, Moila, Montijo e Seixal; em relação à proposta verifica-se a exclusão de Alcochete, Palmela, Setúbal e Sesimbra.
Embora não haja para os concelhos a sul do Tejo uma base de relações tradicionais que os vinculem à cidade, como para norte acontece, e isso devido a um largo rio que postergou só para os nossos dias o desenvolvimento da cidade na outra margem, não há dívida de que os cinco indicados representam actividades fabris, agrícolas e residenciais hoje inteiramente relacionadas com Lisboa.
É inútil falar da importância do Barreiro, uma das mais vigorosas concentrações industriais do País, do Montijo e do Seixal; que dos esteiros da Moita e outras áreas marginais vêm também para a cidade, todos os dias, produtos frescos, e que Almada é, ao. fim e ao cabo, um verdadeiro bairro residencial.
Dentro deste critério, Alcochete, Palmela, Sesimbra, e mesmo Setúbal, subtraem-se já um tanto à influência ré Lisboa e compreende-se, em princípio, a sua exclusão.
Apraz-me registar o rigor posto pelo digno relator do parecer da Câmara Corporativa no que se refere a este problema, como, aliás, a tantos outros em análise. O rigor reside em ter-se definido até onde se faz sentir a influência da cidade de Lisboa. Mas uma coisa é a área actual,, outra será a área a prever, atendendo à expansão da cidade, ...

O Sr. Brito e Cunha: - Muito bem !

O Orador: - ... à, subversão e, por vezes, conspurcação de áreas agrícolas e à futura localização das industrias. Foi talvez por isso que no projecto de lei se traçou pulo largo, sem rigor, é certo, acautelando-se, automaticamente, a futura expansão da área de influência da cidade. Se o caso de Setúbal levanta o problema de se sim ou não deve incluir-se no actual plano, parece-me, que para tal só .pode haver uma resposta: o planeamento conjunto da área regional de Setúbal e de Lisboa..
Só através dos inquéritos e por via de estudos monográficos se poderá delimitar com exactidão a área regional e prever a sua expansão. Até lá, em meu entender, mais vale pecar por excesso que por carência, pelo que julgo mais razoável manter os limites mencionados no projecto de lei.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A arrumação ou organização das gentes e das actividades dentro da área incidirá, essencialmente, sobre três ordens de factos: preservação das áreas agrícolas a que correspondem os melhores solos e aptidões tradicionais das suas gentes, localização (disciplina das indústrias e todo. o complexo de problemas referentes à cidade e adjacente co-urbanização.
Limito-me neste momento a chamar a atenção do Governo para alguns dos .problemas que a organização regional de Lisboa pode levantar.
O extraordinário desenvolvimento da cidade durante os últimos cinquenta anos, apesar de até há bem pouco estar impedido de expandir-se com largueza para leste
ou oeste por causa de dois obstáculos naturais -os vales de Cheias e de Alcântara, a não ser através de estreita faixa ao longo do Tejo, levou-a a alargar-se para o interior, e foi assim, a pouco e pouco, subvertendo os campos da periferia.
É certo que o termo de Lisboa «e expandiu também de fona a a compensar os solos perdidos; contudo, é difícil encontrar no interior do distrito de Lisboa campos tão produtivos como os da sua área próxima, sobretudo as terras pretas de alteração dos basaltos.
Mais grave, porém, foi a conspurcação dos solos ricos à beira-Tejo, que desde Sacavém até Vila Franca de Xira estão interrompidos e ocupados por explorações fabris. Num país- que, como é do conhecimento de todos, os solos são dos mais pobres da Europa, constitui grave ofensa ao equilíbrio nacional a ocupação daquela faixa de terras fundas e férteis.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vejo com apreensão o desenvolvimento urbano ultrapassar a Calçada de Carriche, ganhar amplo desenvolvimento no Olival Basto, começando assim a morder uma das baixas mais produtivas dos arredores da cidade: o vale de Loures ou da ribeira de Pombais, que, aliás, corre desde Alfornelos até à várzea de Loures.
Trata-se de uma considerável extensão de horticultura, que, embora não seja a única no abastecimento da cidade, é, sem dúvida, a mais importante.
Outras vezes são aglomerados que se transformam, atrabiliàriamente, em bairros residenciais e satélites da cidade, em inteiro divórcio do seu estilo campesino; mesmo alguns que o não evidenciavam de forma clara, como Odivelas, cuja população viveu à sombra do convento e mais tarde nas indústrias e nos serviços da cidade e que há anos possuía, não obstante, um carácter harmónico, hoje apresenta-se já como um núcleo triste, onde as famílias habitam moradias insípidas, que não passam de dormitórios.
Casas que se seguem umas às outras, muitas vezes sem quintais, falta de centros cívicos, apresentam sempre um ar triste e desolador. Quando se visitam velhos burgos da periferia de Lisboa, hoje adormecidos por vicissitudes económicas e alteração dos estilos de vida, como, por exemplo, o da Ameixoeira, com as suas casas de campo, funcionais, com amplos quintais, pequenas quintas, onde o exotismo de um dragoeiro ou de uma palmeira é uma nota de cultura e símbolo de gente jogada, pelo Mundo, abrindo-se em pequenos largos de convívio, sente-se que, na realidade, em urbanismo se tem avançado muito pouco.
Talvez que no súbito desenvolvimento dos agregados esteja em parte a explicação deste fenómeno: um ritmo de crescimento acelerado que não foi acompanhado de iniciativa crítica.
Há que salvar da acção tentacular muitos dos campos da área regional da cidade, como promover o desenvolvimento dos núcleos rurais, que, nem por estarem perto, da capital, se podem considerar dos mais favorecidos. É de facto muito estranho que logo à saída fie Lisboa se nos depurem camponeses que cultivam e trabalham os campos e as hortas segundo um ritmo tradicional que em pouco ou nada tem sido alterado; isto apesar da vizinhança, da cidade e das suas indústrias.
Se é difícil mecanizar a actividade hortícola, em muito poderá ser melhorada, através de uma assistência que extraísse do hábil horticultor todas as suas possibilidades e o esclarecesse naquilo em que fosse rotineiro.
Um estudo minucioso das condições de trabalho na horta e no campo dar-nos-ia bem a ideia das muitas

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dificuldades em que se debatem. Mas não só o horticultor: o saloio do casal, dedicado a uma economia minúscula, polimorfa, caseira, que lhe exige esforços tremendos o lucros pouco compensadores; é o retalhamento dos pequenos campos de pão e pascigo das poucas ovelhas nos restolhos e no mato escasso; é a junta e as duas ou três vacas que lhe dão leite, queijo, manteiga, carne, estrume e, sobretudo, trabalho; são as noites perdidas no carrego da carroça com hortaliças para a praça; são as galinhas, os patos, os perus e o coleccionar dos ovos; são ainda as mulheres que continuam, apesar do progresso técnico que invadiu a cidade, a lavar a roupa do Alfacinha.
Uma existência dura, aparentemente absurda, mas que mostra a capacidade de trabalho e maestria desta gente. Os técnicos delineadores do plano deverão ter um consideração estas populações e o seu modo de viver e estudar os métodos assistenciais a levar-lhes no sentido de lhes melhorar o nível de vida. São populações numerosas, nos concelhos de Loures e Sintra e algumas ainda em Oeiras e poucas em Cascais.
A cidade viveu sempre em solidariedade com o campo, e, assim, quer por tradição, quer porque se me não afigura qualquer vantagem na conspurcação desordenada dos campos, importa ter este aspecto em consideração: O saloio deve merecer do Lisboeta este esforço.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quando se diz ordenar, quer-se disser planear com justiça. E é assim que o problema dos campos tem de ser estudado em relação com a localização das indústrias. Embora estilos de vida que se opõem - o rural e u industrial-, o facto é que na área deverá procurar-se que sejam complementares.
A indústria é independente do solo (não me refiro à indústria extractiva ),mas é dependente do local: isto é, para qualquer indústria há um local próprio, que ou advém de abundância de mão-de-obra, de facilidades de escoamento de produtos a preço conveniente, de existência próxima de matérias-primas, do preço a que lhe chega a fonte de energia, da especialização tradicional de uma mão-de-obra difícil de recrutar hoje noutros pontos do País, etc. Sendo assim, a localização exige estudos complexos de economia e a sua articulação com o todo da área.
E, muitas vezes, de recomendar uma razoável distribuição de. indústrias pela área, e particularmente em regiões de forte densidade populacional. Muitos a quem o campo não pode oferecer mais possibilidades encontram ali ocupação certa. Talvez que o melhor exemplo que no território português me tenha sido dado observar seja o do Baixo Minho, onde se encontram muitas pequenas indústrias dispersas e onde verifiquei, quantas vezes, o operário continuar a ser um camponês, se bem que nas horas vagas. Simbiose curiosa, que torna os homens felizes e afasta a ideia de que entre o campo e a indústria exista um abismo de incompatibilidades.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E relativamente fácil preservar ou de marcar áreas para a agricultura, mas é muito complexo o problema da transferência e localização de indústrias. No caso presente, tratando-se de uma das mais fortes concentrações industriais do País, o problema não pode ser estudado só à escala da região de Lisboa. Exige visão mais larga, que inclua o estudo das possibilidades económicas e sociais não só de regiões vizinhas mesmo do conjunto das regiões do País.
Quer isto dizer que o estudo regional tem de ser visto à escala nacional. Ë ainda cómodo, embora delicado, planear para uma área ou região subdesenvolvida que careça, por exemplo, de desenvolvimento fabril; é, porém, muito complexo planear no sentido de se encontrar uma harmonia social e económica para regiões velhas, de desenvolvimento tradicional mesmo que atrabiliário, onde a principal finalidade é descongestionar indústrias que estão a mais e se torna necessário transferir, alívio de pressão demográfica, racionalização de modos de vida, etc.
O planeamento da região de Lisboa faz-se agora por imperativos angustiantes; desta forma, ainda sem termos a experiência de planos a este nível, somos atirados pela pressão Assa circunstâncias, como diz o povo, para a cabeça do touro», quando em meu entender teria sido preferível «rabejar», em iniciativa mais modesta ...
Riso».
Relacionando com a indústria, temos o problema dos bairros operários, que mereceu já do nosso colega Dr. Dias Rosas anotação justa e pertinente.
Sem dúvida que não há qualquer espécie de vantagem em fazer do bairro operário um aquartelamento ou mesmo uma sanzala, como também não é conveniente o seu afastamento de outros núcleos de convívio. Se julgamos que damos ao operário o sossego de espírito oferecendo-lhe um dormitório limpo, mas que lhe não oferece nada mais que isso, estamos enganados.
Acredito que pela pressão crescente da população de Lisboa houvesse o momento em que a solução aquartelada tenha sido a mais oportuna; mas é altura de se reverem os programas de construção e dotá-la com bairros de vida própria, que estimulem ao convívio, que ofereçam distracções que não sejam só a taberna, as americanos dos jogos do azar, as máquinas de caçar dinheiro e o futebol ao domingo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Problemas idênticos se levantam para os núcleos satélites a edificar ou a disciplinar entre os existentes nos arredores de Lisboa.
E que dizer de Lisboa, do burgo por excelência, que um poeta já denominou de cidade triste e alegre? Que dizer senão que a temos visto crescer a ritmo desusado, ampliando-se quantas vezes também através, de soluções que nem se enquadram com a maneira cie ser do citadino, nem com o seu estilo tradicional.
Quem nos visita fica deslumbrado com o notável esforço de expansão da cidade, com o encanto quente dos seus bairros antigos e com o ar limpo dos locais mais modernos, e encanto que vive do dualismo entre o antigo e o moderno e de a cidade continuai a ser penetrada pelos campos circunvizinhos.
Neste aspecto Lisboa tende a conservar uma fisionomia natural, que nas grandes cidades da Europa desapareceu já ou, quando muito, se recriou á força.
Encanto que provinha dos largos ensombrados, quantas vezes por oliveiras, velhas parreiras trepando pelos umbrais, varandas floridas, onde o amor no campo levava as ervas de cheiro e a nespereira; muitos jardins pelos bairros e ruas francamente revestidas de árvores, etc. Se nunca abundaram os grandes parques, nem por isso a cidade deixava de aparentar um ar risonho.
Por isso não é sem perplexidade e apreensão que, quando no estrangeiro tanto se luta pela manutenção da tonalidade verde na paisagem citadina, se vêem em Lisboa jardina em que árvores são substituídas por simples arbustos decorativos, mas sem sombra; ruas despidos de árvores; construções donde o quintal amorávelmente a trabalhando nas horas vagas desapareceu.

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Torna-se a cidade «milionária» e há como que uma vergonha da parte de alguns em manter aquilo que tanto amavam.
De vez em quando ainda a opinião pública se sobressalta, como quando se arrancaram as palmeiras da Avenida da Liberdade. Forma sentimental de enunciar um problema, pois o que na realidade devia estar em discussão era a circulação do metropolitano por aquela artéria.
Longe de mim a ideia de contrariar uma iniciativa como esta, que dentro em pouco sem uma realização da que o Lisboeta, ajuda saudoso das palmeiras, é certo, se há-de orgulhar.

O Sr. Melo Machado: - Muito bem!

O Orador: - Um dos problemas da cidade de Lisboa é descongestionar a Baixa, que em certas horas do dia se apresenta como verdadeira city, enquanto de noite é um autêntico deserto de casas vazias. Se o descongestionamento se há-de fazer pela criação de vida própria em bairros hoje afastados da Baixa ou em construção, pela migração de serviços públicos para outros locais, não se percebe muito bem que as linhas do metropolitano venham a contrariar tal finalidade.
O metropolitano, longe de vir a facultar a distribuição dos homens pela área citadina, estimulará o seu congestionamento.
Este clamoroso exemplo mostra os graves inconvenientes da improvisação e da carência de uma visão de conjunto. Definiu-se o traçado de um meio de locomoção custoso e cómodo, que fatalmente virá a fixar a estrutura tradicional da cidade, com os seus inconvenientes e inadequações. Depois é que se pensou em ajustar esta estrutura as necessidades actuais.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Muito bem!

O Orador: -Sr. Presidente: seria pouco pertinente da mi alia parte, além de incorrer no risco de esfumar a problemática do conjunto regional a planear, descer agora a minudências citadinas, que tanto me levariam a soluções e caminhos limpos de escolhos como a embarca em autênticos becos sem saída ... A cidade de Lisboa será, como parte integrante e núcleo da região, motivo de futuros arranjos, agora com perspectivas mais largas e funcionais. Com boa vontade e espírito de colaboração de todos, sem perda de um estilo próprio, há-de ser possível torná-la metrópole que no futuro, como no passado, sirva de paradigma a outras cidades do Mundo. De Lisboa e do Porto saíram estilos urbanos que têm a sua continuação em cidades como Goa, Baía, Praia e até Luanda.
Permita-me V. Ex.a, Sr. Presidente, que a respeito da cidade chame ainda a atenção do Governo e dos futuros planeadores para a necessidade de encontrar solução humana e razoável para a pulverização dos chamados «bairros da lata» que existem na periferia da cidade de Lisboa.
Fenómeno geral hoje em quase todas as cidades do Mundo, devido a forças opostas; uma consiste na procura de refúgio de uma população desligada sem status; a outra a de uma população de homens válidos que, atraídos por miragens de trabalho, afluem das regiões interiores do País e que, não tendo absorção económica, procuram nos mesmos locais uma forma de sobrevivência.
Aí se juntam indivíduos capazes e indivíduos escorraçados, em promiscuidade que exige sanear e disciplinar. Sei que o assunto há muito vem preocupando o Governo e tenho mesmo conhecimento de iniciativa de estudo das condições de vida naqueles bairros.
A experiência e os resultados adquiridos devem, ser revistos u luz do planeamento ora proposto, pois o caso dos «bairros da lata» não é mais do que peça ferrugenta na engrenagem da conjuntura regional de Lisboa. Como tal funciona e reflecte os espasmos de uma cidade crescente.
Sr. Presidente: vou terminar, pois o meu depoimento já vai longo. O que ficou para trás são simples alvitres, meras achegas a um problema palpipante. Não é este o momento de ir mais longe; breve virá o momento de os trabalhadores do planeamento descerem, sem perda de noção de conjunto, a exaustação das fúrias facetas e aspectos deste estudo regional.
Deverá este planeamento iniciar uma série de planos parcelares da terra portuguesa que permitam a sua articulação e definição num plano nacional.
Que se preparem os técnicos do planeamento, que n falta de uma tradição colham nos melhores exemplos estrangeiros as sugestões que mais se coadunem com a feição e originalidade deste pequeno país.
Se se cobrir o País, no mais curto prazo, de inquéritos e monografias regionais, se estudarmos os homens e os ambientes nas suas bases naturais e sociais, teremos realizado uma obra que, estando acima de todas as facções, se revestirá de um profundo conteúdo político e humano.
Quis S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas trazer à discussão da Câmara um problema cuja transcendência para a Nação é indiscutível. Bem haja por isso.
Tenho dito.

Vozes : - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Aires Martins : - Sr. Presidente : duas palavras apenas. O mínimo para não exagerar da atenção de V. Ex.ª e o suficiente para referir e agitar um aspecto do problema em estudo e discussão que justifica condição de presença e reclama alguns ensaios de reflexão.
Foram referidas facetas variadas e o problema foi focado segundo ângulos de incidência muito divergentes, com autoridade e brilhantismo, ao longo de esclarecidas intervenções verificadas no desenvolvimento do debate; foram facultados esclarecimentos preciosos, promovidos justos louvores e elogios, sugeridas medidas de realização ou de prolongamento e previsto resultado compensador devido ao plano que foi entregue à apreciação desta Câmara.
A sua importância justifica o interesse; o alcance dos resultados 'exige ponderação; o interesse nacional confere valor. Posto que o assunto em estudo tenha extensão limitada e considere em forma concreta zona de proporções modestas em relação ao território metropolitano, a Verdade é que a reflexão que é devida e a influência derivada ultrapassam a linha geográfica de identificação e projectam-se, com propriedade, no esquema geral da movimentação nacional, justificando-se plenamente que o problema que é referido aos horizontes da capital seja considerado no plano governamental; ele excede os limites do ambiente e interessa a consciência generalizada da população portuguesa.
Não é natural nem lógico entregar ao sistema caprichoso do acaso o destino de tantos portugueses que se aproximam, em concentração densa, dos centros que sejam motivo de interesse para chamamento dos homens,- e por isso o Governo da Nação observa o fenómeno derivado, pondera o problema, estuda uma solução e expõe o caso perante a consciência nacional;

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14 DE MAIO DE 1959 747

esteve atento e desempenhou integralmente a sua função.
É justa e merecida a manifestação reconhecida dos homens que, entretanto, esperam que a preocupação que agora envolve a região de Lisboa seja também processada em relação a outros centros do País que, pela sua importância ou desenvolvimento, justifiquem o dispêndio de esforços e a solicitude das atenções.
Na escala ordenada dos valores geográficos das concentrações populacionais e dos centros de actividade intensa, o Porto ocupa o segundo lugar por direito próprio, e certamente já se decidem a preocupação e o estudo interessado para acerto da solução conveniente ao desenvolvimento da sua estrutura industrial, que está em curso e que provoca o risco do rompimento do necessário equilíbrio da actividade.
Isto permite a convicção justificada de que a consideração do Porto nesse aspecto será um facto imediato, que envolve e provoca o sentido agradecido da gente nortenha.
O problema equacionado e que procura solução apropriada e satisfatória ao longo do estudo que hipoteca os valores destacados da actividade interessada reflecte-se nos aspectos económicos, políticos, sociais e militares: na economia, tanto pelo resultado das produções derivadas da indústria organizada como pelos efeitos de uma vida que se tornou comum a maior agregado que se definiu em nível mais alto das exigências normais; na política, por razões do fenómeno psicológico, que é normal nos aglomerados volumosos de constituição recente e que se manifesta pela formação de uma consciência colectiva incerta e por expressões de características próprias da hesitação; na organização social afirmam-se novas exigências de vida e reconhecem-se outras necessidades que condicionam, de certo modo, as formas de aproximação e os sistemas de colaboração dos homens; militarmente, também o problema merece estudo apropriado e justifica exercício de reflexão ajustado.
Este aspecto constitui, precisamente, o objectivo das considerações que identificam o propósito que importa apresentar para efeito de observação oportuna no momento em que for buscada a solução integral do problema.
A ponderação do assunto em toda a sua extensão parece aconselhar o articulado do enunciado segundo duas linhas de ideias que o interpretam nas suas formas de intervenção diferenciada, tanto no plano de ordem interna como no conceito de importância atribuído na escala dos objectivos classificados no programa das operações de uma luta mundial.
Ambas reconhecem a dificuldade de actuação e sentem o risco derivado do plano de importância atribuída nos esquemas de concentrações populacionais identificadas, normalmente em paralelo com centros de elevado desenvolvimento industrial:
Na primeira hipótese, que se refere à necessidade de, por vezes, acautelar o princípio de segurança ou de resolver qualquer situação que aconselhe certas medidas para manutenção da ordem e para prática de uma situação de calma, o princípio de comando encontra dificuldades sérias nos meios urbanos para montagem do dispositivo de actuação e para condução da manobra prevista: a localização inicial é difícil e a instalação apropriada das forças operantes representa trabalho de extrema delicadeza para o comando das operações orientadas para o interior dos centros populacionais, cujas características particulares hipotecam formas particulares de luta e o emprego de meios diferentes, fixados em estudos profundos realizados no campo da táctica, que estabeleceram plano de importância no combate das ruas, no interior das povoações.
Constitui modalidade especializada, que exige treino intenso e preparação prolongada das forças combatentes, independentemente do potencial extraordinário de fogo que, por bombardeamentos intensos e violentos, consiga alterar o ambiente do combate para condição mais favorável em relação às forças operantes.
Os princípios são constantes para todas as localidades, mas quando o agregado populacional adquira as proporções de concentração, a delicadeza e a dificuldade aumentam de forma assustadora, passando a constituir uma preocupação contínua e a representar um cuidado permanente para efeito de actualização da solução criada em correspondência rigorosa com o desenvolvimento do quadro em estudo.
Naturalmente, resulta uma primeira conclusão das considerações desenvolvidas: as concentrações populacionais significam sistemas contrários às conveniências de ordem militar, confirmados pela tendência natural para a deformação do fenómeno psicológico e agravados pelas dificuldades que representam para o emprego dos meios necessários à resolução de qualquer estado de exaltação.
Por razões da evolução de conceitos, das exigências crescentes e dos condicionalismos determinantes, a guerra actual não doutrinou com rigidez os princípios de condução da manobra que tantas circunstâncias estabelecem em formas variadas: os estudos que estão em contínuo progresso e os armamentos que experimentam características de melhoria progressivas criam sistemas de actuação que variam constantemente; todavia, em qualquer circunstância, constitui regra a determinação dos objectivos fixados de acordo com a importância, com as possibilidades e com as conveniências de restrição das armas cujo emprego está previsto.
Precisamente, a característica nuclear dos arruamentos modernos equivale a um poder de destruição fantástico que determina a condição de objectivo: somente são considerados organizações geográficas possuídas de elevado valor, correspondentes a grandes aglomerados populacionais ou a volumosas concentrações de natureza industrial; são objectivos, apenas, aquilo que representa efeito poderoso sobre a vida dos países.
Ora, Lisboa, que adquiriu plano notável de importância correspondente a fracção valiosa da população portuguesa e que reúne volume exagerado de unidades industriais, está considerada, no esquema de classificação internacional, como objectivo de primeira categoria, exactamente o único deste género reconhecido no País: Leixões somente merece consideração de natureza secundária. Sem dúvida que constitui razão de fundamento de classificação a importância adquirida e a influência que os mesmos representam no quadro das comunicações.
As situações, embora destacadas, são, contudo, desiguais; o crescimento progressivo e contínuo de Lisboa corresponde, naturalmente, a maior categorização no plano de consideração dos objectivos e representa maior perigo de ameaça de destruição em relação as indústrias que se concentram em grande densidade nas regiões próximas da capital.
Por razões da lógica, o equipamento industrial e o desenvolvimento económico do Pais estão nos postos avançados das preocupações governativas com justificada razão. Merecem todo o interesse e exigem estudo pormenorizado; entretanto, constitui imperativo dos tempos actuais, sem quebra ou falsa prática do princípio admitido, a ponderação ajustada da conveniência política e das exigências militares: este é o objectivo destas considerações, modestas e despretensiosas aliás, Sr. Presidente, que desejam prevenir os elementos responsáveis pelo estudo do plano regional de Lisboa con-

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748 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 108

tra a tendência de exagerada concentração das indústrias nas proximidades da cidade.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A próxima será amanhã, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Belchior Cardoso da Costa.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Pedro Neves Clara.
José António Ferreira Barbosa.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Martinho da Costa Lopes.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Quadros estatísticos referentes à intervenção do Sr. Deputado Amaral Neto antes da ordem do dia:

Importação de lãs

[VER TABELA NA IMAGEM]

(a) Inclui lã artificial de trapo, lã cardada, lã desperdícios, ourelos e trapos de lã.

Exportação de lãs

[VER TABELA NA IMAGEM]

(a) OS números disponíveis, são abrangendo todas as classes, indicam uniformemente declínio.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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