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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 128

ANO DE 1959 2 DE JULHO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

SESSÃO N.º 128, EM 1 DE JULHO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues
Júlio Alberto da Costa Evangelista

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.

O Sr. Deputado Armando Cândido falou sobre a situação financeira da Junta do Distrito Autónomo de Ponta Delgada.
O Sr. Deputado Urgel Horta solicitou mais uma vez a restauração da Faculdade de Letras do Porto.
O Sr. Deputado Duarte do Amaral falou sobre as providências que o Governo tomou para acudir â crise da indústria algodoeira.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre o projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Lima de alterações a Constituição Política.
A alínea f) foi rejeitada, considerando-se assim também rejeitada a mesma alínea do projecto do Sr. Deputado Manuel Homem de Melo.
A alínea g) foi aprovada conforme o texto sugerido pela Câmara Corporativa a perfilhado pela Sr. Deputado Mário de Figueiredo e outros Srs. Deputados.
A alínea h) do projecto do Sr. Deputado Carlos Lima foi aprovada.
O Sr. Presidente encerrou a sessão as 20 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Finto dos Beis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo Cortês Finto.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Calapez Gomes Garcia.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de A. Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.

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Duarte Finto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando. António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Tasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Augusto Dias Rosas.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Finto.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel Tarujo de Almeida.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Feres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estuo presentes 87 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-te conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Vários a apoiar a inserção do nome de Deus na Constituição Política.
Do Grémio do Comércio de Vila do Conde a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Rodrigo Carvalho sobre problemas relativos àquela vila.
Da Junta de Freguesia de Vila do Conde no mesmo sentido.
De Carvalhal Soares, pela Casa da Madeira, a apoiar as intervenções dos Srs. Deputados Freitas Soares e Alberto de Araújo em defesa dos interesses daquela ilha.
Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Amaral Neto sobre o problema das Ias.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Armando Cândido.

O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: o Decreto-Lei n.º 42 046, de 23 de Dezembro de 1958, que no comprimento do disposto no artigo 8.º da Lei de Autorização das Receitas e Despesas actualizou os vencimentos dos servidores do Estado, foi já nesta Assembleia alvo de várias apreciações produzidas por alguns dos meus ilustres Colegas. Assim, e pela distancia a que nos encontramos dá publicação desse decreto, não me proponho analisar o teor e o alcance das suas disposições. Direi apenas que se trata de um diploma de alto nível técnico, elaborado com superior inteligência e honrada preocupação. A meu ver, considerando os limitados recursos disponíveis e medindo a grandeza e a complexidade dos objectivos a atingir, o Governo conseguiu demonstrar a razão do possível contra a ânsia do impossível, o que é sempre muito difícil.
Existem situações por remediar ou atender?
Ninguém estranha quo um diploma com tão importantes e múltiplos reflexos sobre a vida de milhares de pessoas e de organismos envolva, na prática, problemas de complicada solução.
O que importa averiguar é se as soluções que faltam já deveriam ou não ter sido encontradas.
Vejamos um caso:

No orçamento ordinário da Junta Geral do Distrito Autónomo de Ponta Delgada para o ano corrente previa-se o dispêndio total de 12:380.873$ com as remunerações obrigatórias a pagar aos servidores do Estado a cargo da mesma Junta. O reajustamento com base no Decreto-Lei n.º 42046, mais tarde alargado aos funcionários administrativos, nos termos do Decreto-Lei n.º 42 122, de 28 de Janeiro de 1959, aumentou aquela importância de 3:745.904)5, elevando-a para 16:126.777$.
Por outro lado, a verba prevista em relação ao pessoal privativo da Junta, representada por 4:478.914)?, foi acrescida de 1:247.667$.
Em números redondos, a Junta Geral do Distrito Autónomo de Ponta Delgada terá que despender no ano de 1959, com o sen pessoal e com o pessoal do Estado à sua conta, 21:853.3085.
Somando os dois ajustamentos, o que se refere aos servidores do Estado, cujos ordenados a Junta ó obrigada a pagar, e o que respeita aos servidores da própria Junta, o total é de 4:993.571)8 - cerca de 5000 contos.
A tinta dos números ainda é a que dá mais vida às realidades.
As receitas da Junta Geral do Distrito Autónomo de Ponta Delgada orçam por 32 500 contos e as despesas com todo o funcionalismo a seu cargo andam por 22 000 contos. Quer dizer: aproximadamente 70 por cento das receitas ordinárias só para vencimentos. Isto em relação a um corpo administrativo que este ano tem de pagar 1:866.92420 de encargos com empréstimos e aposentações.
Desconheço, em pormenor, a situação das restantes juntas gerais dos distritos autónomos das ilhas adjacentes, mas, a não ser revista a sua vida financeira de modo a compensar as grandes despesas imprevistas resultantes

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do último aumento de vencimentos concedido ao funcionalismo, não lhes será possível, certamente, continuar a satisfazer os seus compromissos e deveres funcionais.

O Sr. Ramiro Valadão: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Ramiro Valadão - Ë para dizer que acho excelente que V. Exa. tenha trazido à apreciação desta Camará as considerações que está fazendo, ao mesmo tempo que desejo acrescentar este pormenor: a situação da unta Geral do Distrito Autónomo de Angra do Heroísmo ó igual àquela que acaba de referir - as verbas são diferentes, mas as percentagens iguais, sendo inadiável resolver esse problema, sob pena de quase falência daquelas juntas gerais ...

O Orador: - Agradeço a informação que V. Exa. acaba de prestar, e não só a agradeço como tiro dela mais fundamento para as minhas palavras. E uma de duas: ou as juntas gerais dos distritos autónomos existem para viver ou existem para morrer. Se a disposição do Governo é a de lhes provocar a morte lenta, mais vale ditar-lhes já o último instante. Se, pelo contrário, as intenções do Governo são, como suponho e é justo supor, as de continuar a manter o estatuto que, como disse em outro lugar (Intervenção do Estado na Administração Local-Centralização e Descentralização, edição do Centro de Estudos Políticos e Sociais, 1957), deu expressão legal às aspirações insulares ligadas ao condicionalismo geográfico dos arquipélagos dos Açores e da Madeira, então dá-se vida a quem tem de viver.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estou habituado a tratar dos problemas que obrigam a minha consciência não só de Deputado pelo circulo de Ponta Delgada, mas também de Deputado interessado nos problemas de ordem geral, com a isenção suficiente para poder desprezar quaisquer comentários de baixo propósito. Ocupo-me hoje de um órgão da administração local autárquica, mas poderia estar a tratar aqui de qualquer actividade privada no ponto ou pontos que legitimamente se prendessem com o bem-estar económico ou social das populações que represento, que nem por isso deixaria de ser o mesmo homem.
Nunca o temor de que possam dizer isto ou aquilo das minhas atitudes me levou a desertar do cumprimento do meu dever.
Tenho a coragem de ter coragem contra o juízo falso ou contra a opinião insidiosa.
Mas; voltando ao assunto que me levou a pedir a palavra, creio que o Governo não pode deixar de permanecer no conhecimento de que já não existe nas ilhas adjacentes uma experiência de autonomia administrativa, mas uma prática de autonomia administrativa enraizada no sentimento e nos hábitos sociais e políticos das gentes da Madeira e dos Açores.
Perante esta consciência local tão firme no sen apego a um sistema que permite sem dúvida um mais próprio e oportuno entendimento do conjunto dos problemas distritais, não há que demorar soluções de vida ou de morte,, há que resolver sem mais delongas, pois urge evitar as graves consequências da falta de recursos financeiros, de que as juntas dos distritos autónomos se viram privadas por causa do reajustamento dos ordenados dos funcionários a seu cargo.
Figure-se, por exemplo, um colapso no sector das obras públicas: desemprego, falta de salários, perturbações na vida social.
Imagine-se ainda, e ainda por exemplo, uma brusca interrupção nas medidas de fomento agro-pecuário, o que importaria prejuízos de centenas e centenas de contos no fim de cada ano.
Sabemos nós, Deputados que frequentamos vezes sem conto os gabinetes dos Ministros e nem por isso enviamos, de cada vez, solícitos telegramas à imprensa local a informar que trabalhamos neste ou naquele Ministério -, sabemos nós, Deputados pelo circulo de Ponta Delgada, que o Governo estuda a questão, designadamente pelas pastas do Interior e das Finanças.
Temos directo conhecimento do empenho com que os ilustres titulares das duas pastas estão debruçados sobre o assunto.
Conhecemos e não duvidamos: mas é tempo.
Três caminhos estão abertos ao Governo: ou o Governo retira encargos que pesam injustamente sobre as juntas gerais, ou lhes atribui novas receitas, ou lhes aumenta o subsidio já concedido pelo Decreto-Lei n.º 36 450, de 4 de Agosto de 1947, a título de compensação das despesas com o anterior suplemento.
Trás caminhos, trás formas, três soluções. Escolha o Governo uma delas, a melhor, mas escolha a tempo de afastar males irremediáveis, tanto mais que o animo e interesse do Governo é seguramente o de evitar esses males.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sei que falamos da crise financeira das autarquias locais e que, por. vezes, não temos sido justos para com o Estado, exagerando as suas disponibilidades e as suas responsabilidades.
Sei que o Estado é de cada vez mais obrigado a acudir a imperiosos e sempre crescentes problemas de interesse geral.
Sei que isto mesmo, e através do mesmo processo de relação com as finanças locais, se verifica na maior parte dos países.
Sei tudo isto, mas não posso deixar de pôr a necessidade da máxima urgência na satisfação do caso da Junta Geral do Distrito Autónomo de Ponta Delgada, envolvendo' no meu apelo as juntas gerais dos outros distritos autónomos, que lutam também, quero .crer - e quanto u Junta Geral de Angra do Heroísmo já o afirmou o ilustre Deputado Ramiro Valadão -, com as graves dificuldades criadas pelo pagamento dos novos e pesados encargos derivados do aumento dos ordenados do funcionalismo segundo as bases previstas no Decreto-Lei n.º 42 046: E se dei esta palavra aqui foi para dizer aos homens do meu distrito' que o Governo está atento e interessado e ainda para pedir ao Governo que não demore por mais tempo os resultados da sua atenção e interesse.
Por outro lado, julgo ter demonstrado a V. Exa., Sr. Presidente, a importância do assunto que na passada segunda-feira, dia 29 de Junho findo-me levou a inscrever para usar da palavra, ao abrigo do disposto na alínea e), §§ 1.º e 2.º, do artigo 22.º do Regimento.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: está prestes a findar este período extraordinário da VII Legislatura, que na sua longa duração permitiu serem tratados problemas da mais alta importância da vida nacional.
Neste instante, quero apresentar a V. Exa., Sr. Presidente, a homenagem que lhe é inteiramente devida, agradecendo ter-me concedido a palavra para, em meia dúzia de frases, tão simples como claras, abordar hoje

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um problema que tantas vezes tem ocupado a minha atenção na Assembleia Nacional, desenvolvendo-o com a largueza requerida, largueza compatível com a projecção de que ele se reveste.
Tenho aqui tratado com o mais reconhecido interesse, tanto eu como os meus ilustres colegas Deputados pelo Porto, a quem rendo a homenagem que lhes é inteiramente devida, tudo quanto represente valorização, desenvolvimento e progresso para a velha urbe tripeira, podendo afirmar sem receio, dentro da verdade, que todos os empreendimentos que foram objecto de velhos anseios e aspirações da cidade, e até do seu distrito, estão em pleno caminho de realização efectiva.
Mas existe um, cuja solução se impõe, que, revestindo-se de aspectos bem demonstrativos do seu valor real, na projecção das gerações de hoje e de amanhã, tem sido votado a injusto esquecimento, não se procurando resolver de harmonia com os sentimentos de grande parte da população, que claramente compreende a necessidade da sua existência.
Trata-se do problema que diz respeito à restauração da Faculdade de Letras do Porto, que vai mais uma vez ocupar a minha atenção, repetindo um pouco do muito que afirmei em intervenções realizadas com a mesma finalidade e os mesmos objectivos: dar à Universidade do' Porto a Faculdade que em momentos de agitação se perdeu, não se atendendo às consequências que desse facto resultariam, consequências que o Porto amargamente sofre.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: o problema da restauração da Faculdade de Letras, que tenho tratado dentro de um espírito de absoluta confiança, que tanto preocupa certos e vastos sectores da opinião pública, ao qual se associa inteiramente a prestigiada Universidade do Porto, bem merece ser devidamente olhado por aqueles que possuem qualidades para o fazer, dedicando-lhe a atenção que o caso requer.
Seja qual for o prisma por que o problema seja encarado, ele encerra, no seu conteúdo, um largo somatório de necessidades, tornando indispensável e urgente a sua resolução definitiva e satisfatória, como elemento indispensável à base formativa e educativa da nossa mocidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Protelá-lo ou contrariá-lo na desejada efectivação representa um claro acto de manifesta indiferença para com os altos valores do espirito, situados dentro da nobre missão inerente ao desenvolvimento da acção do próprio espirito universitário.
Assim pensam aqueles que, conhecendo o problema em toda a sua profundidade, esperam colher da própria solução soma incontável de benefícios valorizantes do ensino, dando ao espírito a soberania e grandeza do próprio espirito, no culto das humanidades que exaltam e dignificam a vida cultural e social da Nação.
Não nos iludamos com a pretensiosa atitude de alguns, pretendendo ignorar ou mostrando desconhecer o valor potencial dos anseios de uma população que sabe marcar a caracteres vincadamente expressivos a força do sen querer, não abdicando de direitos verdadeiramente reconhecidos, inteiramente baseados na razão e na justiça que indubitavelmente lhe assiste.
Os factores impeditivos que possam apresentar-se como motivo de recusa para o estabelecimento da Faculdade de Letras, extinta após o 28 de Maio, nada valem perante as necessidades da hora presente, visto o Porto e os valores mais representativos de todas as múltiplas e diferenciadas actividades que o constituem não encontrarem razões de existência a factores impeditivos da solução do problema que compreende e encerra uma aspiração inteiramente legitima da cidade e do Norte do Pais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tive ocasião de aqui fazer demonstração plena e eloquente da perda que representa para o Porto a falta da sua Faculdade de Letras, sob o aspecto social, cultural e económico, colocando-o em grau de inferioridade, que se não compadece com a vida activa do grande centro populacional, nas letras, nas artes ou nas ciências.
Mostrei com a mais clara evidência o que se passa em todas as nações do mundo civilizado, onde as Faculdades de Letras e Filosofia fazem parte integrante das suas Universidades, como elemento coordenador do cérebro com o coração, da inteligência com o sentimento, encontrando na cultura de feição clássica, humanística e filosófica fonte de vida, de beleza, de tolerância, de bondade, que participam vitoriosamente na civilização cristã, estruturada num verdadeiro sentimento de fé, de caridade e de verdadeira justiça social.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pus em confronto o que se possa em países de valor demográfico equivalente ao nosso, numa demonstração mais que suficiente da capacidade que possuímos, para podermos manter com proveitoso rendimento e dignidade uma Faculdade de Letras no Porto, situando-a no primeiro plano das nossas actividades escolares.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Citei números estatísticos do extraordinário labor desenvolvido pela extinta Faculdade e apontei os magníficos resultados colhidos presentemente pelo Centro de Estudos. Humanisticos, criado pelo Instituto de Alta Cultura em colaboração com a Câmara Municipal do Porto.
Alvitrei uma fórmula, que reputo a melhor, para a escolha, a fazer pelo Estado, do corpo docente da Faculdade

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ..., dentro de um critério assente em moldes de selecção, moldes já dotados, obedecendo a normas inteiramente justificadas, em face da incerteza da hora presente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Estes e muitos outros argumentos apresentados foram por mim expostos na luta que venho sustentando para a restauração desse instituto de cultura clássica, restauração em que encontro forte motivo de prestigio para as instituições que nos regem, dentro de princípios cuja defesa nos não fatiga.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A minha actuação nesta como noutras questões tem sido sempre orientada no sincero desejo de ver terminado este pleito, como alto serviço prestado a Nação, .no firme propósito de restituir ao Porto o que lhe é inteiramente devido e lhe pertence. E porque certas circunstâncias parecem favorecer os meus propósitos,

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julguei oportuno fazer, na altura em que vão ser encerrados os trabalhos da Assembleia Nacional, as considerações que venho produzindo sobre problema que verdadeiramente interessa à mocidade, ansiosa por enveredar pela carreira das letras, humanidades e filosofia.
Dentro de poucos meses recomeçarão os trabalhos escolares nos diversos estabelecimentos de ensino, e praticar-se-ia um acto de inteira justiça, acto de grande transcendência social e política, dignificante para o regime e prestigiante para o Estado, concedendo ao Porto o direito de possuir a sua Faculdade de Letras, cajá justificação está há muito feita e da qual se obteriam resultados bem compensadores para o esforço despendido em sen favor.
Não será longa a minha permanência na actividade política, em cujo desempenho tenho posto todo o esforço da minha vontade, todo o calor do meu entusiasmo, toda a fé da' doutrina que sirvo e ainda os poucos e reduzidos dotes da minha inteligência. Mas enquanto, Sr. Presidente, ocupar esta bancada, nada me deterá em defesa das causas justas, como é a que encerra este problema do renascimento da Faculdade de Letras do Porto, problema apaixonante e necessário à vida da capital do Norte e à vastíssima região que ela domina.
Não me afligem remoques, censuras ou incompreensões, venham elas donde vierem, que aqui ou lá fora me sejam directa ou indirectamente dirigidas, pela firme atitude que adoptei, tornando-me arauto de uma causa, classificada por mim de verdadeiro interesse nacional. Continuarei no meu caminho, olhando direito e sempre em frente, de fronte bem erguida, tendo a certeza de que estão comigo, .dentro do mesmo pensamento, todos quantos se hajam debruçado sobre este problema de cultura, para acção vivificante de uma mocidade que aspira ver facilitadas tarefas a quê está ligado indissoluvelmente o seu futuro.
Sr. Presidente: não sou homem de perder a fé, e tudo farei para a continuar vivendo com aquela intensidade que peço a Deus me ajude a conservar em toda a sua verdade.
E como eu tenho fé, daqui volto a pedir que se estude o problema da Faculdade do Porto com a atenção e com o cuidado que merece, porque, se a esse estudo se proceder, as suas conclusões terão de ser inteiramente favoráveis à defesa da minha tese.
Mais uma vez dirijo novo apelo, e bem sentido, ao Governo, com aquela confiança com que sempre tenho apoiado todos os seus actos. E, Sr. Presidente, servir o Porto é servir a Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Duarte do Amaral: - Sr. Presidente: apenas ocuparei a V. Exa. e à Câmara muito pouco tempo, mas, preocupado com os problemas do sector algodoeiro, que, como é sabido, representa o bem-estar ou apenas o pão e o tecto de dezenas de milhares de pessoas da minha região, há cinco anos a esta parte que venho, primeiramente fora desta Assembleia e, agora, fora e dentro dela, a chamar a atenção de quem de direito para a situação que se ia criando e agravava dia a dia.
Não posso, por isso, e embora o caso já tenha sido tratado aqui nestes últimos dias, deixar de juntar a minha voz às outras que se ouviram em louvor das disposições tomadas pelo Governo para fazer frente a alguns dos graves problemas com que se debatem a indústria e o comércio do algodão.
Sem esquecer que estas medidas visam, sobretudo, a aguentar a exportação e, por via dela, a indústria, impedindo-a de fazer despedimentos maciços de pessoal, e a dar, portanto, tempo a uma normalização de estruturas e à criação de possibilidades de emprego noutros sectores, sem esquecer tudo isso, não posso, contudo, deixar de agradecer aos Srs. Presidente do Conselho e Ministros das Finanças e da Marinha o que fizeram por. sector tão importante da vida nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Permita-se-me especial referência ao Sr. Subsecretário de Estado do Comércio, Dr. José Gonçalo Correia de Oliveira, pela inteligência com que viu o problema e pelo entusiasmo com que defendeu as soluções encontradas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nesta referência englobarei, se o ilustre homem público mo permite, todos os seus colaboradores, entre os quais é preciso destacar o nosso colega Sr. Dr. Dias Rosas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-...e ainda os que mesmo de longe o ajudaram neste melindroso assunto como, por exemplo, a navegação -, evitando todos, assim e inteligentemente, que se matasse a galinha dos ovos de ouro.
Esperemos que o alivio que estas medidas com certeza vão trazer seja aproveitado pela indústria, comércio e pela Administração para resolver os problemas de fundo, como, por exemplo, os do nivelamento de preços de matérias-primas, os da reorganização industrial e os de natureza social.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na especialidade o projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Lima relativamente ao artigo 93.º da Constituição.
Tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Cerqueira Gomes.

O Sr. Augusto Cerqueira Gomes: - Sr. Presidente: não pretendo apreciar directamente a matéria das alíneas aqui em discussão, assunto que me parece suficientemente debatido.
Levanto-me apenas para que os problemas em causa sejam equacionados em bons termos, não olhando só cada proposta destacadamente, mas, ainda mais, o seu conjunto; e, sobretudo, considerando no caso, para além do aspecto técnico e jurídico das inovações sugeridas, a sua significação ideológica, o seu alcance político, as consequências da sua incidência na estrutura do regime.
Assim nos situaremos adequadamente para a visão integral das questões pendentes. Assim também, aliás, nos colocamos na posição do próprio autor do projecto. Porque as alterações propostas não são apenas, nem sobretudo, apresentadas pela excelência e vantagens que em si mesmas contêm, mas para através delas se alcançarem determinados objectivos: confessadamente, uma modificação da ordem constitucional, no plano da «estrutura e coordenação dos órgãos da soberania».

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O Sr. Carlos Lima: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Carlos Lima: - Confessadamente, não Comecei por afirmar, no início das minhas considerações, que a minha proposta, longe de estar fora da estrutura constitucional, se enquadra e insere perfeitamente dentro dela. E não só afirmei como demonstrei.

O Orador: - Eu sigo nas minhas considerações e depois respondo.
Importa, portanto, destacadamente, ponderar as consequências das alterações sugeridas e considerar se a finalidade que com elas se tem em vista não envolve grave desvio na lógica e evolução natural do regime. E, na hipótese de envolver, se com esse desvio não vamos enveredar por caminhos de perdição ou, pelo menos, trocar rumo certo e experimentado por derrotas aventurosas. Estamos a meditar o futuro do País e há que ter bem presente a responsabilidade da nossa opção.
Meditei, com o maior interesse, as propostas de alteração do texto constitucional contidas no projecto de lei do Sr. Dr. Carlos Lima e mais ainda as palavras aqui proferidas por este ilustre Deputado para seu esclarecimento, justificação e defesa.
Quero, antes de mais, prestar a minha homenagem à sua viva inteligência, à sua argúcia dialéctica, aos seus altos recursos de exposição e, por outro lado, à seriedade do seu esforço para trazer a este grave debate um contributo altamente valioso. Valioso pelo que contém, e anais ainda porventura pelo que tem sugerido, forçando a rever certos aspectos da nossa estrutura política e a repensar os seus fundamentos doutrinais, para assim aclarar se são ainda válidas as razões que os promoveram e' as normas e ideais que os informam.
A ideia directriz das alterações propostas neste projecto de lei define-a inequivocamente o seu autor nestas palavras: a alargamento do âmbito da competência e das possibilidades de acção da Assembleia Nacional.
Toma como ponto de partida o princípio da divisão de poderes entre os diversos órgãos da soberania, no seu entender a necessário elemento integrador de todo o processo técnico eficaz de praticamente limitar o mesmo poder político, em face daquela esfera de realidades humanas que legitimamente não pode absorver, mas antes deve respeitar como zona de acção imprescindível à afirmação do indivíduo enquanto tal».
Pretende que se instaure uma divisão de poderes anão meramente formal e aparente que redunde na efectiva, atribuição de parte leonina do poder político a um dos órgãos da soberania i, mas uma divisão que «seja verdadeira, equitativa e equilibrada».
A valorização da competência e possibilidades de acção da Assembleia Nacional assegurar-se-ia atribuindo-lhe nessa partilha do poder o primado da função legislativa que, aliás, como expressão jurídica mais relevante da actividade política, sempre, tem competido, em princípio, às a assembleias representativas».
Na visão do autor, a afirmação de que a Assembleia Nacional é o órgão essencialmente legislativo está também, em princípio, inequivocamente expresso na ordem constitucional portuguesa. E por toda a parte as assembleias se destacam, se não como «o órgão legislativo mais produtivo, pelo menos, o órgão legislativo hierarquicamente superior».

O Sr. Amaral Neto: - Em comentário às considerações de V. Exa., desejo trazer aqui uma opinião que não é minha, mas que suponho a mais autorizada que se poderia produzir nesta Assembleia, atenta a grande inteligência e competência de quem a produziu: é que a Assembleia está, em assuntos de impostos, não apenas com secular autoridade e sem ter de pedir vénia, mas como em coisa pública verdadeiramente sua.
Esta opinião foi exposta pelo Sr. Deputado Águedo de Oliveira em sessão pública de 12 de Dezembro de 1958. E, porque S. Exa. é uma pessoa perante cuja sabedoria nestas matérias me curvo, eis a razão por que apresento aqui essa sua opinião.

O Orador: - Parece-me que. essa opinião não invalida aquilo que eu estava a dizer, visto que todas as alterações a Constituição têm de ser consideradas nos seus reflexos políticos. Não estou a discutir propriamente os aspectos particulares das propostas, mas sim a referir-me a elas no seu conjunto, ao seu alcance e à sua incidência na ordem constitucional vigente.
Este primado da função legislativa considera-o, por outro lado, o ilustre Deputado como instrumento adequado para garantir a eficácia da actividade fiscalizadora da Assembleia Nacional.
Porque não crê «que se pretenda esgotar o conceito dê fiscalização política na possibilidade de as assembleias, seguindo mais ou menos cuidada e atentamente a acção dos governos, sobre elas fazerem adequadas, oportunas e desassombradas críticas e reparos. Fiscalização leva naturalmente associada a ideia de sanção, no mais lato sentido da palavra». «E não parece sanção suficiente e dotada de um razoável mínimo de intimidação nem humanizável com a categoria constitucional das assembleias o mero facto de, porventura, se determinar na opinião pública um movimento de desaprovação aos actos dos governos ou de alguns dos seus membros».
Importa que os governos sejam forçados a ter as críticas na devida conta, não por sua exclusiva vontade e a bel-prazer ..., «mas porque as assembleias disponham de adequados meios de persuasão e pressão».
Nos regimes parlamentares há o recurso mais radical e directo da queda dos governos! «Nos regimes não parlamentares o processo para o efeito eficaz afigura-se ser justamente uma acentuada e consistente supremacia legislativa que permita interferir e influenciar a orientação governamental».
Registe-se bem: uma acentuada e consistente supremacia legislativa que permita interferir e influenciar a orientação governamental.
Suponho ter reproduzido com a maior fidelidade e decalcado até servilmente sobre o texto da sua exposição o pensamento do autor.
Aquele objectivo de valorizar a posição da Assembleia Nacional, afirmando o seu primado no domínio legislativo, exprime-se concretamente nas seguintes propostas de alteração das normas constitucionais vigentes:

1.º Aumento para cinco ou seis meses da duração das sessões legislativas;
2.º Inclusão de novas matérias no domínio legislativo da competência reservada da Câmara;
3.º Sujeição a ratificação expressa ou tácita de todos os decretos-leis publicados pelo Governo fora dos casos de autorização legislativa;
4.º Regime de excepção para a ratificação dos decretos-leis que revoguem, total ou parcialmente, leis emanadas da Assembleia Nacional.
Estes os objectivos do projecto de lei, as razões que o fundamentam e justificam na exposição do autor e as soluções concretas que propõe para o atingir.

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Agora o meu comentário. Parece-me que por este caminho seria marchar ao arrepio do Mundo e contra o sentido da história. Pior: seria contrariar a boa razão e a ordem inscrita na natureza das coisas. Porque se o Mundo segue muitas vezes rumos tortuosos e falsos, não é este o caso. E são exactamente aã realidades que, corrigindo o irrealismo dos sistemas a revolta dos. factos contra as abstracções -, estão a impor ao Mundo o caminho que ora vai trilhando. E também me parece que o objectivo e a tendência das alterações propostas estão em contradição flagrante com o sentido profundo da revolução que há trinta e três anos iniciámos e porfiadamente temos prosseguido.
É andar ao arrepio do Mundo e contra o sentido da história, disse eu.
Em nenhum país do mundo civilizado o poder está partilhado à base das chamadas funções- do Estado.

O Sr. Carlos Lima: - V. Exa. parece não ter lido a minha exposição.
Porque isso mesmo disse eu aqui e salientei a interpenetração funcional dos vários poderes do Estado.

O Orador: - Li, sim senhor. E é exacto que isso foi afirmado por V. Exa. Simplesmente, a afirmação não foi tida em conta ao formular e fundamentar o objectivo do projecto de lei de V. Exa., e que é atribuir a Assembleia Nacional a função legislativa apenas com algumas restrições impostas pelas realidades.
Aliás, como diz Burdeau, a classificação clássica, tripartida das funções do Estado, é uma classificação puramente verbal, que não resiste a uma crítica objectiva, a Os factos ensinam que só se governa dando ordens, editando regras obrigatórias para os governados. Ora estas ordens e estas regras são essencialmente expressas pela lei. Governar é primeiro ter uma visão exacta de uma situação social e política dada; é depois adoptar as medidas que ela comporta, utilizando as directivas incluídas na ideia de direito. Ora, como pode governar o órgão que tem de esperar de outra autoridade ao mesmo tempo a apreciação da situação de facto e as regras que ela impõe?».
Como poderiam os governos desempenhar a sua missão ase à apreciação soberana da oportunidade e das conveniências políticas não juntassem a faculdade de eles mesmos decidirem o conteúdo da ordem jurídica aplicável? Esta necessidade postula n realização

O Sr. Carlos Lima: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Carlos Lima: - Não falei em divisão das funções do Estado. Afigura-se-me evidente, dada a íntima conexão entre as actividades estaduais, não ser possível dividi-las em compartimentos estanques, por modo que cada uma das classicamente chamadas funções do Estado caiba a um só órgão. A rigidez de tal doutrina, além das deficiências teóricas de que enferma, nunca permitiu que tivesse viabilidade prática.
V. Exa. não atendeu devidamente ao que eu disse ...

O Orador: - Atendi. V. Exa. põe o problema muito certo. V. Exa. está dentro dele. Simplesmente, depois pretende exactamente atribuir à Assembleia o papel de organismo legislativo.

O Sr. Carlos Lima: - Exactamente; defendo p. predomínio legislativo da Assembleia, não a atribuição a esto do exclusivo da respectiva função.
Além do mais, V. Exa. omitiu e esquece que eu baseio em princípios constitucionais o meu ponto de vista.

O Orador: - Continuando: em todos os Estados civilizados do Mundo é cada vez mais restrito o âmbito das funções e da actividade legislativa das assembleias, encargo que tende a passar progressivamente para as atribuições e acção dos governos. E isto em consequência de razões poderosas e múltiplas e, a perder- de vista, irreversíveis.
O primeiro exemplo é o da Inglaterra, a terra-mãe do parlamentarismo. Foi a partir da primeira grande guerra que começou a prática da legislação delegada. A actividade legislativa do Gabinete Britânico estendeu-se rapidamente, e hoje pode dizer-se que a feitura das leis é monopólio seu.
A lei de iniciativa parlamentar é presentemente de uma excepcional raridade, IS nas secretarias ministeriais que os textos legislativos são elaborados, e a sua aprovação está assegurada pela votação de uma maioria solidária com o Governo. Na maior parte das vezes, mesmo, o Parlamento limita-se à formalidade de um mero registo. E até esta formalidade vai sendo dispensada, porque o Governo, autorizado por uma lei de plenos poderes, legisla directamente.
Em França, depois de um longo monopólio legislativo do Parlamento, o Governo entrou, com a primeira grande guerra, também a legislar por delegação.
A IV República, apesar da interdição formal expressa na Constituição, manteve a mesma prática, salvando as aparências pelo artifício das leis-quadros. Com a V República é, verdadeiramente, o crepúsculo da legislação parlamentar.
A nova Constituição deixou apenas um número restrito e expresso de matérias reservado à competência da Câmara e, ainda, este domínio susceptível de delegação por autorização legislativa. Tudo o mais é da alçada do Governo, quê legisla livremente por meio de ordennances. E, ainda, em situações de crise, de que ele é o juiz, pode o Presidente assumir poderes extraordinários, confiscando as funções da Assembleia.
Nos restantes países as coisas evoluem no mesmo sentido.
Em nenhum Estado do Mundo se pôde instaurar ou existe uma divisão de poderes e equitativa e equilibrada. Pelo contrário, o que se vê é uma disposição hierárquica se não de direito, de facto do poder dos órgãos supremos da gestão da vida pública. Nunca pode manter-se duradouramente o equilíbrio dos poderes. E quando, transitoriamente, algumas vezes pôde estabelecer-se um certo equilíbrio, aliás sempre instável, foi para flagelo dos povos; porque redundou na paralisia do Estado, e os povos não foram governados, e nas lutas entre os poderes concorrentes, até que um deles - legalmente ou não acabou por impor a sua supremacia, lutas não raro com graves reflexos na direcção do Estado e da vida social.
Também em nenhum Estado do Mundo com comando eficiente da coisa pública e compostura de modos na vida política se desenha, nesta hierarquização, tendência para a supremacia das assembleias. Muito ao contrário, no alto está uma oligarquia, ou mesmo, quase sempre, o poder de um só. Os Estados Tinidos regem-se, inequivocamente, por uma monocracia. Na França da V República destaca-se, com grande proeminência, o poder do Presidente.

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O Governo da Inglaterra é bem, na fórmula consagrada, a ditadura do Primeiro-Ministro. Vigora aí o sistema de dois partidos maciços e de forte coesão mantida por uma rigorosa .disciplina partidária. O Governo, apoiado numa maioria segura e homogénea, chefiada pelo Premier, governa confortàvelmente durante, pelo menos, os cinco anos da legislatura.

O Sr. Carlos Lima: - Isso quer dizer, de harmonia com os esclarecimentos dados por V. Exa., que o regime parlamentar também tem virtudes ...

O Orador: - Isto quer dizer simplesmente que onde houver o sistema de dois partidos consistentes e disciplinados é possível governar.

O Sr. Carlos Lima: - Então, de harmonia com essa afirmação, parece que também podem ser bons os sistemas partidários ...

O Orador: - Por mim, condeno sempre o partidorismo, mesmo quando permite governar. O regime partidário implica sempre o domínio de uma fracção social, com exclusivismo ideológico e de interesses - tendência divisora e desagregadora da unidade nacional. Na nossa doutrina e acção política a realidade suprema, em relação à qual devem ser equacionados e resolvidos os problemas, é a Nação - a sua existência, a sua permanência, o seu interesse, a sua autenticidade, a sua vocação histórica.
Por sua vez, o Poder soviétivo, constitucionalmente rematado por uma oligarquia, é, na realidade, vigorosamente chefiado por um homem que se alteia com grande ascendente e mando discricionário.

O Sr. José Saraiva: - Esse é um péssimo exemplo.

O Orador: - Não me parece assim. Forque uma coisa são os meios e outra os fins. O que eu pretendi dizer foi que o Governo Soviético tem possibilidades de governar - o que é um bem. O que é um mal, isso sim, é o mau uso que se tem feito desse poder.

O Sr. Carlos Moreira: - E só são cinco países. O orador disse que era em todos os países.

O Orador: - Eu respondo. Há mais países em que isto sucede. Podia citar-lhe ó exemplo da Alemanha Ocidental e da Espanha. Noutros países de regime parlamentarista isto não sucede,, mas nesses países também é impossível governar. Falo dos países em que se governa, efectivamente.

O Sr. Carlos Moreira: - Isso é que era preciso dizer.

O Sr. Carlos Lima: - Desde já quero observar a V. Exa., a propósito de tudo isto, que em qualquer dos países que V. Exa. citou o predomínio legislativo é sem dúvida das assembleias. O Congresso Americano, por exemplo, legisla, e só o Congresso legisla.

O Orador: - Está V. Exa. enganado. As realidades da vida política são diferentes. Primeiro há que considerar uni equívoco que já aqui vi insinuar. A nossa situação não pode sofrer confronto.

O Sr. Carlos Lima: - V. Exa. é que está a confrontar.

O Orador: - Nos países onde há partidos que permitem governar, os países de partidos fortes, de coesão e grande disciplina, como a Inglaterra e os Estados Unidos, nesses países, entre o Governo e a maioria da assembleia, há uma solidariedade total.

O Sr. Carlos Lima: - V. Exa. aceita, portanto, os partidos como correctivo para os males que aponta.

O Orador: - Peço perdão, mas isso é outra questão. Nos países onde há dois partidos e de forte disciplina é possível governar.

O Sr. Carlos Lima: - Parece, portanto, que a solução é boa ... ...

O Orador: - Para mim, é má, porque o regime partidário repilo-o, visto significar sempre, mesmo com os dos partidos, colocar à cabeça do Poder uma tendência que não é propriamente o espírito nacional, mas o espírito de partido (Apoiados), ao passo que nós, em Portugal, começamos por afirmar o primado da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E quando se diz na nossa Constituição que a soberania está na Nação, entende-se, realmente, que, fundamentalmente, o nosso valor supremo em política é o interesse da Nação. No entanto, o que permite é governar, e a maior desgraça para os povos está em não terem governo:

O Sr. Carlos Lima: - Mas é que sob certo aspecto pode haver duas atitudes diferentes: ou se aceita a divisão do poder político ou não. Se não se aceita, o Poder concentra-se num órgão; mas se se aceita a divisão, como acontece à face da nossa Constituição, em que há vários órgãos da soberania, necessário se torna que essa divisão seja efectiva e real, para haver coerência com o referido princípio da divisão que se dá como bom.

O Orador: - Não contesto o que V. Exa. disse, com o que estou perfeitamente de acordo. O Poder mão pode ser exercido simplesmente por um órgão, evidentemente, mios o que há é sempre necessidade de uma hierarquização, porque, ao fim e ao cabo, tem de haver sempre quem monde.

O Sr. Amaral Neto: - Nenhum de nós diz o contrário. Eu, pelo menos, e as pessoas cujas opiniões tenho ouvido estamos plenamente cientes da necessidade que há em haver uma autoridade suprema, poderosa, mas há um factor que V. Exa. esquece, ou parece querer esquecer: é que em muitos dos outros países a acção daquele está constantemente a ser temperada por uma opinião pública livremente expressa.
E em Portugal esta expressão tem de estar confiada à Assembleia Nacional, e isto deve dar-lhe uma posição ligeiramente diferente.

O Orador: - Ninguém, nega à Assembleia esse papel - ode fazer ouvir aqui a voz da Nação; mas agora pretender poderes que estão para além daquilo que legitimamente lhe deve competir é que não. A propósito das atribuições das assembleias, há frequentemente quem confunda, ainda perturbado pela mitologia revolucionária.

O Sr. Ramiro Valadão: - Mas confunde, quem?

O Orador: - 35 que muitos confundem representação com soberania, conceitos e realidades distintos e até, em certo sentido, contraditórios e, aliás, historicamente, longo tempo separados.

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O Sr. Ramiro Valadão: - Estou inteiramente de acordo com o que V. Exa. acaba de dizer, mas o que não posso é aceitar a maneira como o faz ...

O Orador: - Eu não compreendo a intervenção de V. Exa., porque o não envolvi pessoalmente nas minhas considerações. Disse que se confunde, e tenho, visto aqui confundir representação e soberania.

O Sr. Ramiro Valadão: - Concordo com as conclusões de V. Exa., mas só não concordo quando V. Exa. diz que nós confundimos ...

O Sr. José Saraiva: - Só pedia a V. Exa., Sr. Dr. Cerqueira Gomes, que realmente harmonizasse essa doutrina, que é aliciante, com o preceito de que a soberania reside na Nação e tem por órgãos o Chefe do Estado, o Governo e a Assembleia Nacional.

O Orador: - Eu já lá vou.

O nosso regime não é uma monocracia absoluta nem um presidencialismo puro; é um presidencialismo bicéfalo, como diz o Prof. Marcelo Caetano. O Presidente governa por intermédio do Presidente do Conselho, a quem dá a liberdade de acção.

O Sr. Carlos Moreira: - Mas, então, é uma monocracia ou unia bicefalia?

O Orador: - Há uma ascendência do Presidente.

O Sr. Carlos Moreira: - Então é monocracia.

O Orador: - As coisas da política têm de ser vistas com aquilo que o grande Pascal chamava «espírito de subtileza». E monocracia, mas moderada.»

O Sr. Carlos Moreira: - O orador é tão subtil que eu raramente o entendo. Deve ser, com certeza, por deficiência minha.

O Orador: - Regimes temperados são aqueles que do algum modo atenuam o absolutismo do seu princípio. Tem pouco que entender.
Como disse e é, o que pretendo, antes de titulo, destacar, ó que o espírito e a linha geral das alterações propostas são abertamente contrários ao sentido político da nossa Revolução e ao espírito do Regime.
Foi contra a desordem que alastrava, desenfreada, em todos os planos da vida nacional que se ergueu o levante do 28 de Maio. E a desordem, ainda que decorrente de múltiplos factores, tinha como uma das causas primaciais a incapacidade do Estado, roído pelas taras s misérias do regime parlamentar.
Na lógica da nossa Revolução construtiva instaurou-se uma ordem constitucional, que deu ao Poder possibilidades de governar com eficiência e alto sentido nacional. A nossa estrutura de poderes perfila-se como uma pirâmide, que tem no vértice o Chefe do Estado. E uma monocracia moderada - temperada, aconselhada, fiscalizada, limitada.
Temperada, no seu princípio, pelo carácter bicéfalo da presidência ou, até, a fórmula mais moderada, ainda, Je presidencialismo do Primeiro-Ministro. O Chefe do Estado, ainda que órgão supremo do Poder, não o exerce por si, mas por intermédio de um governo da sua nomeação e perante ele responsável. Temperada ainda pela necessidade de referenda para quase todos os actos presidenciais e pela atribuição de algum poder soberano à Assembleia Nacional.
Aconselhada por diversos órgãos, alguns de alta qualidade e exercício regular - o Conselho de Estado, a Câmara Corporativa, a Assembleia Nacional e os vários conselhos técnicos que se dispõem à volta do Poder.
Fiscalizada pela Assembleia Nacional, em sessões públicas e divulgadas pela imprensa, e até pelos simples cidadãos, que, constitucionalmente, têm o direito de s representação ou petição, de reclamação ou queixa perante os órgãos da soberania ou quaisquer autoridades, em defesa dos seus direitos ou do interesse geral».
Limitada pela ordem corporativa, que reconhece, no plano territorial e das actividades sociais., a, existência de corpos autónomos, com as suas funções próprias e os seus direitos e instituindo, assim, em face da soberania política, pertencente ao Estado como órgão do bem público, uma verdadeira soberania social, salvaguarda das liberdades dos indivíduos e dos grupos primários.
As modificações propostas no projecto de lei em discussão alteram gravemente esta estrutura de poderes. Entra-se francamente na preponderância da Assembleia. Porque não é só a valorização da Assembleia Nacional que se sugere - e já seria muito.
JS uma o acentuada e consistente supremacia legislativa que permita interferir e influenciar a orientação governamental». E o primeiro inequívoco da função legislativa; mas é também a ingerência na direcção política do Estado, a subordinação do Governo ao poder da Assembleia.
E mais: porque o Governo é a projecção da autoridade do Chefe do Estado, por ele designado e perante ele responsável, é a autoridade e o prestígio do Chefe do Estado, a toda a hora, à mercê dos humores da Assembleia. Assim se desvirtua de forma e subverte toda a estrutura dos poderes, tal como se define na nossa ordem constitucional - ordem constitucional à sombra da qual temos fruído estes anos de paz. e segurança e nos deu a possibilidade de uma obra prodigiosa de restauração, em todos os planos da nossa vida pública -, consagração experimental da sua adequação ao condicionalismo da realidade portuguesa.
Não será com o meu voto que se irá entrar nesse caminho aventuroso.
Não será sem o meu clamor que se há-de inverter o sentido da nossa Revolução Nacional.
Tenho dito.

O Sr. Carlos Lima: - Sr. Presidente: a intervenção que acaba de fazer o Sr. Dr. Cerqueira Gomes foi concebida e orientada em termos que representaram a desnaturação deste debate.
S. Exa. não discutiu o problema que está em cansa, isto é, a questão de saber se a Assembleia Nacional deve ou não ter competência legislativa exclusiva em matéria de impostos. Pretendeu discutir vários princípios e ideias que estariam em conexão com o meu projecto, produzindo uma série de afirmações que não posso deixar de, imediatamente, analisar.
Já não é a primeira vez que, a propósito do projecto do alteração à Constituição que entendi dever apresentar, ouço as palavras a parlamentarismo», «demoliberalismo» e outras do mesmo género, ouço aludir aos perigos da desordem, ouço referências a uma série de alarmantes desgraças que, segundo parece, estariam inerentes às minhas modestas propostas.
É claro que, até este momento, apenas tenho ouvido afirmações, mais ou menos claras, de que o projecto tem tendências parlamentaristas, de que pode conduzir às desgraças do parlamentarismo, etc. Mas o que ainda ninguém demonstrou, nem mesmo tentou demonstrar, é porque é que ele tem tais tendências, como e onde é que elas se manifestam.
Procurei, além do mais, fazer um trabalho sério de interpretação constitucional, provando que o projecto

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se insere naturalmente nus quadros da nossa Constituição, representando mera concretização dos princípios que a informam.

O Sr. Augusto Cerqueira Gomes: - V. Exa. afirmou, não provou.

O Orador: - Provei-o longamente no debate na generalidade, através das disposições constitucionais.
Enfim, Sr. Presidente, tem-se e agora o Sr. Dr. Cerqueira Gomes reincidiu nessa orientação- classificado e etiquetado o meu projecto com vários nomes.
É claro que a Assembleia nada se impressionou com tão insistente e incisiva adjectivação, e isto porque, ao fim e ao cabo, já lhe que se trata sempre, e apenas, de palavras. Palavras mal sonantes, palavras espantadiças, é certo. Mas, em todo o eu só, simples palavras, e só palavras.
Dizia eu, Sr. Presidente, que nesta orientação tem havido mais a preocupação de pôr etiquetas ao meu projecto do que a de demonstrar e isso é que seria realmente importante - que essas etiquetas tem cabimento e razão de ser.
Ainda não se fez tal demonstração, repito. O ónus de a fazer não incide sobre mini. Não obstante isso, vou demonstrar precisamente o contrário.
«Sistema parlamentar», Sr. Presidente, e «parlamentarismo» são expressões que designam sistemas políticos perfeitamente individualizados, definidos s caracterizados. E se, consoante parece pretender o Dr. Cerqueira Gomes, o sistema parlamentar -de que parlamentarismo é, em certo sentido, uma degradação se caracteriza pelo simples facto de nos respectivos quadros haver predomínio legislativo das assembleias políticas, eu afirmo que todas as assembleias são parlamentares, que a todas pertencer o essencial da função de legislar, exemplo, o sistema político dos Estados Unidos da América, em que o Congresso tem o exclusivo da legislação, seria um sistema parlamentar. E, todavia, VV. Exas., como en, estávamos convencidos de que o regime político dos Estados Unidos era presidencialista.
Com esta nota - predomínio das assembleias em matéria legislativa -, através da qual se pretende individualizar um sistema, certa espécie, não se individualiza nada, porque tal nota é comum a todas as assembleias políticas, é comum, portanto, ao género. E, assim, Sr. Presidente, se sistema parlamentar é o que afirmou o Sr. Dr. Cerqueira Gomes, se é individualizado pelo mero facto de haver uma supremacia legislativa das assembleias, trata-se, sem dúvida, de um conceito novo, que podo ser o do Sr. Dr. Cerqueira Gomes, mas não é, seguramente, o que se refere em todos os manuais de direito político, o que correntemente se tem em mente e aquele em que todos estamos a pensar.

O Sr. Carlos Moreira: - Muito bem!

O Orador: - E se sistema parlamentar é «isso», logo se vê que o conceito pressuposto pelo. Sr. Dr. Cerqueira Gomes nada tem que ver com aqueles defeitos e coisas feias que VV. Exas. associaram à expressão quando começou por ser usada, e isto pela singela razão de que isso» não é sistema parlamentar, tal como todos o entendem e definem.
Mas, Sr. Presidente, há mais. Eu procurei, como já disse, demonstrar aqui - e continuo a aguardar que me demonstrem o contrário -, não com afirmações gratuitas, nem com nomes de efeito emocional, mas com concretos e precisos preceitos constitucionais, que à face da nossa Constituição Política, em que fie verteram os princípios da Revolução Nacional, é a Assembleia Nacional o órgão legislativo com mais categoria legislativa, hierarquicamente superior. E procurei demonstrar também, ao mesmo tempo, que todas as minhas propostas se cifram em simples concretização e mera aplicação de princípios da Constituição.
Sendo- assim e o Sr. Dr. Cerqueira Gomes nem sequer tentou demonstrar o contrário -, eu concluo, por um lado, que, na medida em que se criticam e etiquetam as minhas propostas, com a expressão «tendência parlamentarista» ou semelhante, verdadeiramente a etiqueta é aposta à Constituição, e não se propostas, descobrindo-se agora que aquela é parlamentarista. Concluo, por nutro lado, que sou eu, e não o Sr. Dr. Cerqueira Gomes, quem está rigorosamente dentro da Constituição.
Mas há mais, Sr. Presidente: é que, ao fim e ao cabo - e isto é o que me espanta a mini, relativamente novo e delegação a esta Assembleia para lides políticas de que sempre andei afastado -, as soluções propostas parece serem parlamentaristas pelo simples facto de ser eu a propô-las, e afirmo isto porque o essencial dessas soluções ou já vigorou na Constituição de 1933 ou já foi defendido por pessoas responsáveis da Situação, sem que ninguém se tenha lembrado de apodar aquela e estas de parlamentaristas.
Quer dizer: pelo visto, sou eu, e não as soluções contidas no projecto, quem dá a este a nota parlamentarista.
Vou concretizar.
Reparem, por exemplo, VV. Exas. que já em 1930 o Prof. Fezas Vital, que ninguém acusará de parlamentarista, reconhecia, num parecer da Câmara Corporativa, que, à face da Constituição, a Assembleia era o órgão legislativo hierarquicamente superior, desfrutando da função legislativa em mais elevado grau.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E nessa altura o Prof. Fezas Vital, reconhecendo que era assim, nada opunha a tal princípio. Concluo, portanto dentro, é claro, dos princípios de que parte o Sr. Dr. Cerqueira Gomes -, que não só a Constituição de 1933 é parlamentarista, ma» também que parlamentarista era o Sr. Prof. Fezas Vital!
Vejam VV. Exas. aonde nos conduzem os conceitos que são postos ao nosso exame pelo Sr. Dr. Cerqueira Gomes.
Mas há mais.
Queiram VV. Exas. fazer o favor de reparar.
A solução consistente em submeter a ratificação todos os decretos-leis publicados pelo Governo já vigorou na Constituição de 1933 e a consistente em os imposto» serem incluídos no âmbito do artigo 93.º foi sugerida em pareceres da Câmara Corporativa de 1951 por um estadista e mestre da envergadura de Marcelo Caetano, bem como defendida por um professor e homem de Estado da categoria de Armindo Monteiro, e até aceite, parece-me, pelo Sr. Dr. Águedo de Oliveira.

O Sr. Águedo de Oliveira: - Eu, nessa altura, era Ministro das Finanças e administrava de acordo com na Câmara e vinha aqui trabalhar com a Comissão.
Não há dúvida nenhuma de que a Câmara Corporativa e o Sr. Dr. Armindo Monteiro, nesse tempo, verificavam, um certo pessimismo quanto aos trabalhos ou a procedência da reforma fiscal.

O Orador: - De qualquer modo, não inventei as soluções, nem sequer trouxe qualquer novidade. Debrucei-me sobre aquilo que já fora considerado razoável

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e que já constou da Constituição e propus de novo a sua inserção na lei fundamental, e isto até porque, como demonstrei no debate na generalidade, algumas das soluções foram retiradas do texto constitucional sem qualquer razão, mas apenas com o fundamento da inutilidade.
Quer dizer: o essencial do conteúdo do projecto em discussão não implica com quaisquer ideia» que não tenham sido consideradas razoáveis e aceitáveis adentro dos quadros da Constituição de 1933.
Há talvez no projecto um aspecto novo: o alargamento do período das sessões legislativas.
É de anotar que estas observações sugerem um curioso raciocínio, que pode delinear-se nos seguintes termos. A tal nota parlamentarista do projecto não pode, é claro, derivar das respectivas soluções que foram aceites pela Câmara Corporativa, que já constaram da Constituição ou que foram defendidas por pessoas responsáveis da Situação. Mas, se essa nota não pode extrair-se de tais aspectos, parece que só pode inferir-se daquilo que no projecto s novo, isto é, do proposto alargamento do período das sessões legislativas. Todavia, se só resta este alargamento como característica susceptível de dar no projecto qualquer nuance parlamentarista, cumpre concluir que parlamentarista é, sim, o Sr. Dr. Cerqueira Gomes, uma vez que aceita e defende tal alargamento do período das sessões legislativas.
É claro, Sr. Presidente, que o meu projecto supõe e joga com um certo numero de ideias e princípios, que eu, aliás, não procurei obscurecer ou fazer passar despercebidos através de soluções indirectas, evasivas ou equívocas. Pelo contrário, pus clara e ostensivamente, sem rodeios, os princípios que me nortearam, e, ao mesmo tempo que demonstrava emergirem eles da Constituição, procurei ser coerente com as bases de que partira.
Acontece apenas que isso nada tem que ver com as afirmações e com os conceitos ao debate trazidos pelo Sr. Dr. Cerqueira Gomes.
O Sr. Deputado Cerqueira Gomes disse muita coisa - e eu, aliás, agradeço a gentileza das suas palavras para comigo-, utilizou muitos e variados conceitos, mas não atacou os problemas nevrálgicos a esclarecer, que são os de saber, primeiro: é ou não exacto que as soluções concretas que eu proponho se encaixam e inserem nos princípios informadores- da nossa Constituição e, segundo: qual é, afinal, precisa e concretamente, a função desta Assembleia, nos quadros constitucionais, para aqueles que entendem que é um órgão essencialmente fiscalizador?
Pelo visto, o Sr. Deputado Cerqueira Gomes entende que a função fiscalizadora se cifra em poder dizer-se que isto ou aquilo está bem ou está mal. Não afirmo que tal actividade crítica seja inútil; mas reduzir a isso o essencial dó conteúdo dos poderes da Assembleia Nacional, de um órgão de soberania, é pouco. É pouco. Como acentuei no debate na generalidade, uma verdadeira função fiscalizadora supõe um consistente poder legislativo; aquela sem este deixará de ser uma função predominantemente fiscalizadora para passar a ser apenas uma função predominantemente faladora, o que é coisa diferente.
Sr. Presidente: tenho realmente pena de que o Sr. Deputado Cerqueira Gomes tenha, deslocado o assunto para o campo dos equívocos e das más interpretações, o que obriga, sem qualquer utilidade, a entrar em problemas e discussões que nada tem que ver com os problemas postos, que cumpre enfrentar e resolver.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Compreende-se que às vezes, falando para a generalidade das pessoas, se utilizem determinados palavras sem a preocupação de explicar em pormenor o respectivo alcance e de fundamentar a justeza do seu emprego.
Todavia, as coisas são diferentes quando se trata de uma assembleia como esta. Perdoem VV. Exas. a imagem, mas u uma assembleia qualificada, com a categoria e nível daquela que agora está em causa, não se pode dizer que cos meninos vêm de Paris» e ter a pretensão, ou mesmo a esperança, de que ela fique convencida.
Pode, por gentileza ou outra razão, fazer de conta que se convenceu; pode mesmo proceder como se disso estivesse convencida, mas na realidade não está.
Sr. Presidente: ainda vou acrescentar mais uma nota. Falei aqui, a propósito da função fiscalizadora das assembleias - e esse termo parece que soou mal a certos ouvidos-, em sanção, e o Sr. Deputado Cerqueira Gomes, ao reproduzir as minhas considerações, vincou esse aspecto. Cumpre, por isso, dizer alguma coisa sobre tal ponto.
Anoto, desde já, que- o que decisivamente interessa não são os termos, mas o que está por trás deles, as ideias que com eles se pretende exprimir, e a verdade é que já procurei explicar o que quis dizer ao usar da aludida expressão.
Consoante já disse, não me parece suficiente para caracterizar o poder de fiscalização a simples possibilidade de fazer crítica.
A função fiscalizadora supõe a possibilidade de, em certos termos e determinada medida, interferir - a expressão foi muito acentuada pelo Sr. Dr. Cerqueira Gomes na orientação governamental! Tal possibilidade, com um mínimo de consistência, parece-me essencial à existência de um verdadeiro órgão da soberania.
O facto de existir mais de um órgão da soberania implicado pela divisão do poder político torna inevitável a possibilidade de haver divergências entre eles.
Quando tal se der, no nosso caso concreto, por exemplo, de duas, uma: ou se aceita que a opinião do Governo é sempre boa, que a sua vontade deve prevalecer sistematicamente e que a Assembleia nunca tem razão - e então nem esta tem realmente poderes nem o principio de divisão do poder político vigora -, ou se entende que nas aludidas emergências a Assembleia deve poder, em certos casos, fazer vingar eficazmente a sua orientação - e então terá, na verdade, poderes, consoante é aplicado pelo referido princípio.
Quando afirmo que ao princípio da fiscalização anda naturalmente associado o da sanção, pretendo justamente traduzir a ideia de que o .poder fiscalizador pressupõe u possibilidade de, em determinadas condições e certos casos, a Assembleia contrariar eficazmente a vontade do Governo.
Ora, essa possibilidade, em regra, deve concretizar-se em leis na» quais se vertam as orientações reputadas boas. Por isso é que um consistente Poder Legislativo constitui o necessário suporte da função fiscalizadora.
Ë claro que tal possibilidade pode originar complicações, dificuldades, atritos, etc. Mas isso é mera e inevitável consequência do facto de se aceitar a existência de Assembleia Nacional.
É que a divisão do Poder político, se, por um lado, elimina os incontestáveis perigos da sua concentração, suscita, por outro lado, delicados s difíceis problemas de coordenação das posições relativas dos vários órgãos da soberania, doseamento da respectiva intensidade política, etc.
É impossível eliminar tais problemas, e isto porque as quotas-partes do Poder dividido não vivem, nem po-

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dem viver, em compartimentos estanques, mus, ao contrário, vivem interligadas, interpenetram-se.
Constituirá uma tese, a discutir, a de que a Assembleia não deve existir, ou de que deve ser substituída por um órgão de outro género.
Todavia, aceitar o princípio da existência da Assembleia s no subsequente processo lógico raciocinar-se em termos de contrariar ou neutralizar tal princípio é que se me não afigura correcto.
Acresce que as referidas dificuldade» que andam associadas à divisão do Poder político têm entre nós menos acuidade. Por exemplo: em caso de divergência grave entre a Assembleia e o Governo pode intervir o poder de dissolução do Chefe )do Estado. Para isso mesmo é que existe tal poder, o qual não faria sentido nos quadros da Constituição se neles não houvesse margem para as citadas divergências.
É que, se bem se reparar, a nossa Constituição consagra muitos dos antídotos para os excessos do chamado parlamentarismo, sem que, no entanto, este nela tenha sido acolhido.

O Sr. Presidente: - Queria prevenir V. Exa. de que atingiu o tempo regimental nesta sua segunda intervenção no debate. Pedia a V. Exa. que abreviasse quanto possível as suas considerações.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente. 32 só mais um minuto. No fundo, o problema não é de parlamentarismo nem de meio parlamentarismo, mas apenas de saber se deve ou não existir uma assembleia política. Querer e não querer é que constitui uma manifesta contradição. E se porventura aquilo que eu digo pode exercer influências em alguém ou alguma atracção, tal influência não deriva da minha modesta voz, que nada tem de perigosa, ao contrário do que, num misto de amabilidade para comigo e prevenção para V. Exa., disse o Sr. Deputado Soares da Fonseca. Essa atracção derivará apenas de que eu procuro ser coerente nas posições que tomo, coerente em face da Constituição que tenho à vista e coerente comigo mesmo.
Tenho dito.

O Sr. Augusto Cerqueira Gomes: - Sr. Presidente: duas palavras apenas para esclarecer isto: quem tivesse ouvido ó Sr. Dr. Carlos Lima poderia supor que houve nas minhas palavras algum desmando e menos consideração por S. Exa. Não o poderia ter nunca para nenhum membro desta Assembleia, e muito menos ainda para Sr. Deputado Carlos Lima, que eu estimo e admiro. Pode ter havido um pouquinho de calor, sim, na defesa de princípios, mas não que as minhas palavras envolvam qualquer falta de consideração por S. Exa. Não me parece que discordar seja menos consideração.
Além disso, não classifiquei a proposta do Sr. Deputado Carlos Lima como restabelecimento do parlamentarismo. Levar-nos-ia muito longe a análise do que se entende hoje por parlamentarismo. Disse simplesmente que se propunha instaurar a supremacia indiscutida e declarada da Assembleia Nacional em matéria legislativa e de modo ainda a poder influir politicamente no Governo. E disse que era através disto que me pareceria que a Assembleia passava a ter na estrutura do regime uma posição destacada e, possivelmente, mesmo a nota predominante do regime, alterando, portanto, ou até invertendo, a hierarquia da poderes, tal como está regulada na nossa Constituição. E isto é importante.
É preciso distinguir entre os regimes com partidos fortes e os regimes sem partidos, como o nosso. Quem governa debaixo da confiança de um partido forte pode governar, porque conta automaticamente com a solidariedade da maioria. Mas aqui não há partidos. Cada um está aqui individualmente, tomando posições pessoais e livres. O Governo pode com facilidade achar-se só ou em grave dificuldade para governar. Não se iludam com o que tem sucedido até agora.
A Assembleia tem colaborado com um espírito de dignidade, elegância, patriotismo e disciplina nunca desmentido. Mas não sabemos o que poderá ser amanhã. O Chefe do Governo é uma personalidade excepcional, e pelas suas alfas virtudes e serviços todos aceitamos a sua direcção superior. Por outro lado, certos factores, como a gravidade dos problemas que pesam sobre os destinos do País e do Mundo, impõem-se uma disciplina severa, obrigando a calar dissonâncias e desacordos secundários. Mas todas estas razões que nos disciplinam são transitórias. Podem mesmo no futuro entrar na Câmara dos Deputados com outra mentalidade política. E podem levantar-se assim sérios embaraços à acção governamental.
Além disso, há, a meu ver, flagrante contradição na exposição do Sr. Deputado Carlos Lima. Afirma sua S. Exa. que a sua proposta está na lógica da nossa ordem constitucional, que assegura a Assembleia Nacional amplas atribuições legislativas e, até, a supremacia em matéria legislativa, Sendo assim, para que alargar essas atribuições?
O que se verifica é que a Camará cada vez utiliza menos a sua competência para legislar e u feitura das leis pertence realmente ao Governo, o que está na linha da evolução geral e vai sendo imposto pelas realidades do nosso tempo.
Na América, ao contrário do que afirmou o Sr. Deputado Carlos Lima, não são as câmaras que efectivamente legislam. Assim estatui o texto constitucional. Mas ninguém fica a conhecer a verdade da vida política de um Estado pela leitura da letra da Constituição. As realidades criam sempre, à margem das disposições legais, costumes que completam, corrigem e até contrariam as normas estabelecidas. E assim é, neste particular, em relação à América. Verdadeiramente, hoje quase toda a actividade legislativa é da iniciativa da Presidência ou das Secretarias de Estado.
A aprovação das câmaras está assegurada sem dificuldade quando a maioria é do mesmo partido da Presidência. E mesmo quando não o é, o Presidente dispõe dê meios de pressão constitucionais e extraconstitucionais para forçar a aprovação. Todos os especialistas na matéria são unânimes em afirmar esta realidade da vida política americana. Por outro lado, se, usando das suas possibilidades de iniciativa, as câmaras legislarem contra as directrizes do Presidente, este pode usar do direito de veto. Pode usar o usa, com desembaraço. Só o primeiro Roosevelt usou mais de quinhentas vezes o veto.

O Sr. Melo Machado: - Pode não homologar ...

O Orador: - Os decretos-leis são assinados pelo Presidente da República.

O Sr. Presidente: - Recordo a V. Exa. que pediu a palavra para explicações e que já ultrapassou há muito o prazo para esse efeito.

O Sr. José Saraiva: - Sr. Presidente: a duas singelíssimas considerações se resume a contribuição que neste momento entendo estar obrigado a trazer a este debate, que já vai longo. Mas a minha primeira palavra não pode deixar de ser cie homenagem e de respeito ao nosso ilustre colega Dr. Carlos Lima, não apenas pela sua inteligência, pelo esforço sério da contribuição que aqui trouxe, mas, ainda, pelo sacrifício

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extraordinário que a sua presença aqui representa, presença e contribuição dadas em condições da sua vida particular de tal maneira difíceis que podemos dizer que S. Exa., com este seu acto, muito se honra a si mesmo e muito nos honra a todos nós.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A primeira consideração é a de que este debate está a ser como os novelos: à medida que se desenrola, vai-se tornando mais emaranhado e mais confuso, afasta-se dos objectivos iniciais e perde até a sua utilidade.
Ouvi ontem -e já hoje também- as opiniões expenderem-se em perspectivas que, na realidade, o problema não comporta. Ontem houve oradores preocupados com saber se a intervenção obrigatória das assembleias representativas em matéria de impostos estaria ou não autorizada por uma constante tradição histórica.
Penso, realmente, que a lição do passado pode iluminar o presente, mas não julgo que a matéria esteja nesse caso. Num período curto da nossa Idade Média vemos que o rei pedia o assentimento dos povos quando queria lançar impostos novos, especialmente no caso de pedidos pecuniários, visto que quanto aos impostos indirectamente cobrados ou aos serviços nunca tal assentimento foi necessário. A exigência de assentimento processou-se em relação às quebras de moeda, e no respeitante a matéria tributária constitui mais uma aspiração dos povos que uma realidade. E durante os séculos XIV e XV que se podem encontrar afirmações desse direito popular, aliás intercaladas de episódios que, em sentido contrário, provam que os reis nunca plenamente o reconheceram.
Mas a explicação desse assentimento parece-me estar sobretudo no facto de, então, a Fazenda Real não ter rigorosamente o carácter de Fazenda Pública; era do erário real que saíam todas as despesas públicas, mas isso não excluía certo carácter de património particular. E, quando o rei precisava de dinheiro e de lançar novos impostos sobre a população, sentia por vezes a necessidade de explicar que eles se destinavam a fins de interesse público; os casos de recusa de autorização que conhecemos traduzem todos a ideia de que os povos não reconheciam que a despesa prevista correspondesse ao interesse nacional. Por isso mesmo, quando no século XVI se verificaram grandes progressos na administração financeira, deixou de se observar aquele pedido de autorização.
Portanto, não é na perspectiva histórica que encontramos a solução do problema.
No debate de hoje tentou-se encontrá-la num esmiuçar das perspectivas políticas. O rumo dado à discussão surpreendeu-me profundamente. Como novo que sou, vinha persuadido de que as normas a observar na discussão eram as que constam do Regimento, que diz no artigo 38.º:
(Leu)
Pareceu-me, portanto, que era matéria definitivamente ultrapassada - por constituir discussão na generalidade - aquela que hoje veio aqui pôr-se ao nosso espírito.
Penso mesmo que certas questões suscitadas não estão implícitas na economia do debate que nos está sujeito. Não se pode efectivamente pôr a questão, como ontem ouvi pô-la, de que quando o Governo propõe uma solução ela é, necessariamente, melhor que a da Assembleia, nem se pode dizer, em sentido contrário, que quando a Assembleia entende que uma solução é boa ela é, necessariamente, melhor que a do Governo. A única posição legítima a tal respeito é a de que o interesse nacional exige que todos os órgãos da soberania, nos seus respectivos planos, desempenhem as funções que a lei lhes confere.
Há que resumir e clarificar a questão.
Afinal, de que se trata? De votar se a criação de impostos deve, ou não deve, ser da competência exclusiva da Assembleia.
O problema não me parece tão complexo como tenho ouvido pô-lo.
Julgo que é líquido, e pode ser afirmado, como questão arrumada, que a função legislativa pertence hoje, em pé de igualdade, ao Governo e à Assembleia Nacional, apenas com a especialidade de que um certo conjunto de matérias - as do artigo 93.º - são de competência reservada da Assembleia Nacional.
O princípio é este: assente que toda a vasta zona sobre a qual a competência legislativa se pode exercer tanto pode ser disciplinada normativamente pelo Governo como pela Assembleia, pergunta-se se entre as matérias que deverão ficar reservadas à Assembleia se devem incluir os impostos.
A matéria dos impostos reúne a especialidade e importância suficientes para que deva ser incluída no artigo 93.º ou deverá, antes, ser mantida dentro do domínio geral?
E esta a questão posta, e mais nenhuma.
Por um lado, é certo que a matéria tributária, pela sua incidência económica e social, tem o mais vasto alcance, e nas revoluções que se fazem de cima para baixo a política fiscal pode ter importantíssimo papel a desempenhar.
Mas também é certo que há matérias cuja importância social não é menor, designadamente as bases do regime de família, toda a matéria contratual, das sucessões mortis causa, de propriedade, sobre as quais o Governo pode exercer amplamente a sua competência legislativa e que ninguém pretende sejam abrangidas pelo artigo 33.º E isto significa que não é o facto de essa matéria legislativa ser de grande importância que pode servir de critério para decidir se ela deve ser sujeita ou subtraída à competência exclusiva da Assembleia.
Mais que à importância, é à natureza especial de cada domínio que se deverá atender.
Terão os impostos especialidade, pela sua repercussão económica e social, para se entender que o orgão representativo deve ser o único a pronunciar-se a seu respeito? Quem entender que tem essa especialidade terá de votar a sua inclusão no artigo 93.º Para quem entender que não tem, ela ficará excluída.
Deste modo, fica posto o problema de forma simples e sistemática, excluindo essas vastas peregrinações pelas regiões da história ou da política, que, a pretexto de esclarecer, trazem o risco iminente de confundir.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

O Sr. Mário de Figueiredo: -Sr. Presidente: não vou demorar muito a exposição que entendo dever fazer à Câmara. Quero começar por cumprimentar o Sr. Deputado Carlos Lima pelo facto de ter trazido ao debate, a propósito da revisão constitucional, as questões que têm sido profusamente discutidas.
Desejaria cumprimentá-lo não olhando à pessoa, mas ao trabalho que produziu apenas; mas não quero deixar, ao mesmo tempo, de dizer que, se o trabalho não tivesse a altura que, na verdade, teve, as suas qualidades de simpatia pessoais eram capazes de me conduzir a dizer-lhe o mesmo que lhe disse, não considerando senão objectivamente o trabalho.

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O problema apareceu durante o debate por maneira a poderem distinguir-se tendências diferentes no que respeita a impostos e a taxas. Parece que do ambiente da discussão se pode colher que o problema das taxas poderia considerar-se um problema arrumado. Parece que, secundo uma orientação francamente generalizada, a matéria dás taxas não deveria constituir objecto da exclusiva competência da Assembleia Nacional.
O problema não é tão simples como à primeira vista pode parecer, e o Sr. Deputado Águedo de Oliveira, na brilhantíssima intervenção que fez, tanto durante o debate aã generalidade como durante o debate na especialidade, apontou e marcou algumas das dificuldades que, realmente, ele pode suscitar.
Quando se pretende excluir as taxas consideradas no projecto do Sr. Deputado Carlos Lima, a que taxas é que se pretende fazer referência?
Porque há formas de fiscalidade que se chamam taxas e que são verdadeiramente impostos. E, então, quando se pretende excluir as taxas, pretende também abranger-se aquelas que têm a natureza de impostos ou não ? Eu chamo a atenção para isto pelo seguinte: porque há taxas que têm a natureza de impostos e que haveria o máximo inconveniente em que fossem discutidas na Assembleia, em consequência das repercussões que a publicidade da discussão podia ter na vida dos interesses. Eu cito uma e podia citar dezenas. Cito uma que, no entretanto, é suficientemente impressiva e que está na memória de todos: estabeleceu-se em certa altura um direito diferencial sobre o volfrâmio e chamou-se-lhe taxa. Não é discutível, segundo creio, que se não trata de uma taxa, mas se trata, verdadeiramente, de um imposto.
Posto isto, pergunto: se os impostos são da exclusiva competência da Assembleia - o nome não interessa nada -, esta taxa, que é um verdadeiro imposto, devia ser da exclusiva competência da Assembleia e tinha de discutir-se aqui certamente durante um conjunto de sessões. E os volframistas -permita-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, a velha palavra dos tempos de guerra - com os olhos atentos a ver das condições em que podiam, num momento, perder ou ganhar uma fortuna ... Coiro esta taxa, eu podia citar dezenas.
Chamo a atenção de VV. Ex.ªs para isto, a fim de poderem avaliar do que pode passar-se no domínio dos interesses, dos lucros ilegítimos, se as denominadas taxas que são verdadeiros impostos forem sujeitas a uma larga discussão numa assembleia política. Só esta nota preliminar, e passo adiante.
VV. Ex.ªs sabem que eu não gosto de cansar demasiado a Assembleia, quer dizer, não gosto de demorar demasiado as minhas intervenções.
Vou-me para as questões directamente e, discutindo-as, procuro averiguar se, na verdade, certas soluções propostas são de aceitar ou não. Não vou repetir a argumentação já demasiado conhecida, quer da Câmara Corporativa, quer dos ilustres oradores que me precederam na discussão da matéria em causa. VV. Ex.ªs já a conhecem, já pesaram, as razões produzidas, e, porta ato, não vou de novo discutir estas razões para as apoiar ou para mostrar que elas não têm valor. Não quero, no entanto, deixar de salientar que o problema da alínea f) - competência exclusiva da Assembleia para votar as bases gerais sobre impostos e taxas -, agora posto, já foi trazido à consideração da Assembleia, em 1951, pela Câmara Corporativa e por aquela rejeitado. A solução proposta, idêntica à agora apresentada, foi rejeitada pela Assembleia.
É claro, Sr. Presidente, que isto não constitui um argumento definitivo para que seja rejeitada agora. Mas constitui uma razão séria para que o problema seja acuradamente considerado, de modo que a Assembleia não destrua, sem motivos graves, nove anos depois, a posição que tomou nove anos antes. Então, contra o parecer da Câmara Corporativa; agora, se mantiver a mesma posição, em harmonia com o parecer da Câmara Corporativa. Quero ainda salientar que a solução sugerida no projecto foi rejeitada pelas comissões desta Assembleia às quais foi mandado submeter a apreciação do projecto.
Isto não são razões definitivas, mas são razões para mostrar que não se pode adoptar uma atitude sem uma consideração adequada e acurada dos motivos que levaram instituições qualificadas a pronunciar-se em certo sentido.
Vou agora, depois de feitas as notas que acabo de fazer, vou agora, Sr. Presidente, pôr diante dos olhos da Assembleia aquilo a que pode conduzir a votação da solução proposta na alínea f) do artigo 1.º do projecto do Sr. Deputado Carlos Lima, aquilo a que poderia conduzir a aprovação dessa solução.
Eu fujo a fazer na Assembleia análises jurídicas, mas agora vou pôr primeiro uma questão jurídica, para que VV. Ex.ªs dela tirem as consequências políticas a que se poderia ser conduzido com a aprovação da alínea f) do projecto do Sr. Deputado Carlos Lima.
O artigo 112.º da Constituição diz:

O Governo é da exclusiva confiança do Presidente da República e a sua conservação no Poder não depende do destino que tiverem as suas propostas de lei ou de quaisquer votações da Assembleia Nacional.

Vou procurar mostrar que a vida do Governo pode depender, na hipótese que nos ocupa, de uma votação da Assembleia Nacional. Vou mais longe: vou procurar mostrar que, com certa votação da Assembleia Nacional em matéria de impostos, pode ser-se conduzido a uma situação da qual não é possível sair se não fora do terreno constitucional.
Como V. Ex.ªs não ignoram, é um princípio constitucional o do equilíbrio do orçamento e o do equilíbrio das contas - artigos 66.º e 67.º da Constituição.
Eu quero pôr VV. Ex.ªs diante desta hipótese perfeitamente possível: no decurso do ano dá-se uma quebra maciça das receitas, quebra tal que vem, através dela, a demonstrar-se que não é possível, sem tomar medidas atinentes a isso, o equilíbrio das contas, contra o preceituado no artigo 67.º citado.
Não é, portanto, possível o cumprimento desta disposição constitucional. O Governo deve então estar habilitado a ir procurar as receitas indispensáveis para não pôr em causa, perturbar, o disposto no § único do artigo 67.º Não pode recorrer ao empréstimo, não pode recorrer a outras fontes de receita senão ao imposto; tem de recorrer ao imposto. Mas como, se a Assembleia é que tem competência exclusiva para votar as bases gerais sobre impostos?
É claro que, pensando nisto, com a sua habitual argúcia e o seu conhecimento dos problemas que põe e analisa, o Sr. Deputado Carlos Lima acrescenta ao artigo 1.º o § único.
Por virtude deste parágrafo, o Governo pode criar impostos, mas então o decreto-lei respectivo terá de ser, necessariamente, submetido a ratificação da Assembleia. E é pior o princípio da sujeição a ratificação dos decretos-leis sobre impostos do que o da competência exclusiva da Assembleia para votar as bases gerais dos regimes jurídicos sobre impostos. Não me respondam que, não obstante, esta é a solução já constitucionalmente adoptada para os decretos-leis sobre impostos

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publicados durante o funcionamento efectivo da Assembleia. Eu sei que é. Simplesmente, no regime vigente, a sujeição a ratificação pode evitar-se e no regime proposto não. Desejaria ficar-me por esta nota.
Não desejo entrar em outros esclarecimentos sobre a matéria, porque seria aborrecido produzi-los. Não deixarei, porém, de os prestar se a isso for obrigado.
Fecho o parêntesis e insisto: seria menos perturbador estabelecer a competência exclusiva da Assembleia para votar impostos de que sujeitar a ratificação os decretos--leis que os criassem. Os decretos-leis entram em desenvolvimentos de regime que tocam a matéria regulamentar e exigem, para serem feitos, um aparelho burocrático de que a Assembleia não dispõe e um conhecimento das consequências económicas e financeiras ma vida do País que só, pelo contacto directo e imediato com os problemas, o Governo pode ter e a Assembleia não tem. São de uma tecnicidade estes problemas que ultrapassa as possibilidades de uma assembleia política.
A Assembleia pode ter competência para se pronunciar sobre bases gerais, ou, melhor, sobre princípios gerais de orientação tributária, empregando a fórmula do Sr. Deputado Águedo de Oliveira, que exprime coisa bem diferente de basca gerais.
E já que falei do Doutor Águedo de Oliveira, quero salientar que a Assembleia não pode deixar de ter em linha de conta a competência marcada que ele sempre afirmou na sua actividade parlamentar e a competência e qualificação que resultam da circunstância de durante longos anos ter gerido a pasta das Finanças. A sua opinião não pode deixar de ter presa na Assembleia.
Estou a invocar o argumento de autoridade?
Pois estou, embora me tenha rebelado contra ele quando era novo. Com o andar dos anos e os ensinamentos da experiência, convenci-me de que ele tinha um grande valor. É o argumento de quem, ao contacto das instituições, lhes tomou o espírito e o que sobre elas afirma está no prolongamento do seu sentido profundo. A intimidade das instituições revela-lhes a alma e a opinião de quem a tem é de um valor incalculável.
Deve a Assembleia atribuir o seu verdadeiro valor à opinião do Doutor Águedo de Oliveira.
Isto veio a propósito, como VV. Exas. não ignoram, daquela opinião.
Mas ia a dizer que, ou através da competência exclusiva ou através da ratificação do decreto-lei, se pode ser conduzido ao que teremos de chamar um beco sem saída.
Na verdade, na hipótese de quebra de receitas, dada a necessidade de assegurar o equilíbrio de contas, impõe-»se a criação de impostos que possibilitem o equilíbrio das contas.
Mas a Assembleia Nacional, através da competência exclusiva para votar impostos ou da ratificação do decreto-lei que os criou, nega, por hipótese, ao Governo os meios de conseguir aquele equilíbrio.
Temos assim um conflito entre - empreguemos a palavra, muito embora ela não seja correcta o Executivo e a Assembleia.
Os meios para resolver os conflitos entre a Assembleia e o Poder governamental são, para o Governo, a possibilidade de não promulgação - que devolve a questão à Assembleia, para ela a resolver definitivamente através de uma maioria qualificada ou a deixar sem solução se mão se conseguir essa maioria - ou a dissolução.
Nenhum destes processos soluciona o problema que se pretende resolver: o equilíbrio das contas. A dissolução o, porque não podem cobrar-se impostos sem lei e não há lei. A não promulgação também não, porque não promulgar é ficar sem lei. Chego-se, assim, a esta coisa trágica: é que nem o Governo que está no Poder pode governar, por lhe faltarem os meios para exercer a sua actividade governamental e administrativa de modo a assegurar o equilíbrio das contas, nem qualquer outro que lhe suceda, ao qual também faltarão os meios.
Até agora só há um caso na nossa Constituição, que, felizmente, tem remédio, em que o Governo não tem possibilidade de governar por virtude de uma votação da Assembleia: é a não aprovação da Lei de Meios. Se tal caso se verifica, ou o Governo cai, ou a Assembleia é dissolvida, e terá- de preencher-se a lacuna da lei, de modo a poderem encontrar-se os meios que foram recusados.

O Sr. Melo Machado: - Isso é revolucionário, mas é pior.

O Orador: - Pois é, mas é verdade, e eu não hesito diante das dificuldades. Ao que se seria conduzido com a votação da alínea em discussão era ao aumento do número de casos semelhantes. Ser-se-ia conduzido a multiplicar os casos em que o Governo não tem processo constitucional de governar. E aceitável esta solução P E aceitável uma solução que conduz a esta posição? E o que quero pôr à consideração de VV. Exas. Aumenta-se ou não o número de casos em que o Governo fica dependente de uma votação da Assembleia?
Não é só a alínea f) que está em discussão. São as alíneas g) e h) do projecto do Sr. Deputado Carlos Lima. Quanto à alínea g), devo dizer que, para mim, é a que contém doutrina mais fecunda e mais razoável. Aceito-a pelas razões produzidas pela Câmara Corporativa ; aceito-a no que ela tem de essencial, com as restrições que lhe faz a Câmara Corporativa. Ela tem consequências políticas da maior importância.
Não a aceito na sua totalidade porque olho para as dificuldades que poderiam provir dessa aceitação. Vou pôr primeiro a VV. Exas., que conhecem perfeitamente a matéria, a diferença entre a fórmula do projecto e a sugerida pela Câmara Corporativa, que, é curioso, não foi apreendida por muitos.
De entrada supuseram muitos que não havia divergência fundamental entre a redacção do projecto do Sr. Deputado Carlos Lima e a redacção sugerida pela Câmara Corporativa. Mas a diferença é fundamental. No caso do projecto, trata-se de restrições aos direitos, liberdades e garantias individuais dos cidadãos portugueses consignados na Constituição. No caso da Câmara Corporativa, trata-se de restrições ao exercício das liberdades a que se refere o § 2.º do artigo 8.º da Constituição.
O § 2.º do artigo 8.º só se refere a liberdade de expressão de. pensamento, de ensino, de reunião e de associação.
Mas é claro que não são só estas as liberdades e garantias consignadas na Constituição. É em volta daquelas, em geral regulamentadas por leis especiais, que o problema, na verdade, tem acuidade, interesse político, e deve ser resolvido, segundo entendo, no sentido sugerido pelo Sr. Deputado Carlos Lima.
Porque não aceito a formulação do Sr. Deputado Carlos Lima? Vou ler aqui alguns números do artigo 8.º da Constituição, e VV. Exas. imediatamente apreendem a razão, dispensando-me de mais desenvolvimentos. Diz o artigo 8.º: «Constituem direitos, liberdades e garantias dos cidadãos portugueses ... Isto pode fazer supor que o Sr. Deputado Carlos Lima só se refere aos direitos,, liberdades a garantias individuais dos cidadãos portugueses, indicados nos vários números do artigo 8.º Devo, no entanto, chamar a atenção de VV. Exas. para o § 1.º do artigo 8.º, no qual se diz: «A especificação destes direitos e garantias não exclui quaisquer outros constantes da Constituição ...».

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Portanto, não só os do artigo 8.º, mas quaisquer outros constantes da Constituição. Para arredar á alínea g) do projecto, na formulação que apresenta, basta apontar para algumas das liberdades e garantias indicadas no artigo 8.º.
Não vou ler todas as disposições do artigo 8.º, mas vou lar estas: «Constituem direitos, liberdades e garantias ...... 6.º A inviolabilidade do domicílio s o sigilo da correspondência, nos termos que a lei determinar».
A lei é uma armadura jurídica que funciona como restritiva das chamadas liberdades absolutas ou naturais. Parece assim que aquela lei a que se refere o n.º 6.º transcrito seria, segundo o projecto, da competência exclusiva da Assembleia.
«7.º A liberdade de escolha de profissão ou género de trabalho, indústria ou comércio, salvas as restrições legais requeridas pelo bem comum e os exclusivos que só o Justado e os corpos administrativos poderão conceder nos termos da lei, por motivo de reconhecida utilidade pública».
Quer dizer que toda a matéria de condicionamento industrial, todo o regime de trabalho, todas as restrições ao comércio, haviam de constituir, necessariamente, matéria de lei, nas suas bases gerais.
«15.º O direito de propriedade e a sua transmissão em vida ou morte, nas condições determinadas pela lei civil».
Isto é, toda a matéria de propriedade e de sucessões, e talvez a de obrigações, teria de constituir, necessariamente, matéria da competência exclusiva da Assembleia Nacional.
Podia multiplicar os casos. Não vale a pena.
Posso estar a interpretar mal.. Admito uma interpretação que não conduza a isto, mas também hão-de admitir que a interpretação que eu estou a fazer é uma interpretação possível. E vejam VV. Exas. as perturbações que resultavam só do facto de serem possíveis várias interpretações do mesmo texto.
Só fiz este apontamento para mostrar a VV. Exas. as razões em que me fundei para dar preferência a forma sugerida pela Câmara Corporativa, em lugar de aceitar a que foi proposta pelo Sr. Dr. Carlos Lima. E também para mostrar a consideração que mantenho pelo Sr. Deputado Carlos Lima, discutindo até a este ponto os soluções que S. Ex.ª propõe no seu projecto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à alínea h), nada tenho que observar, e nem mesmo sugiro a substituição pela sugestão da Câmara Corporativa do que é proposto pelo Sr. Deputado Carlos Lima. Não sugiro porque me. parece menos extensa a fórmula do Sr. Deputado Carlos Lima do quê a fórmula preconizada pela Câmara Corporativa. Parece-me que, nesta matéria, em vez de apontar para disposições, é conveniente apontar para conceitos, muito embora estes sejam formados à custa de disposições do nosso direito.
O Sr. Deputado Carlos Lima aponta para conceitos, pois diz: «O carácter vitalício, inamovibilidade e irresponsabilidade dos juizes dos tribunais ordinários e os termos em que pode ser feita a respectiva requisição para comissões permanentes e temporárias».
Isto são conceitos que se formam a custa da ordem jurídica, sem dúvida, mas são conceitos, e têm, por isso, uma elasticidade que a referência precisa a normas não torna possível.
Não quero terminar, Sr. Presidente, sem aludir a que no § único, seja qual for o seu destino, há uma coisa com a qual não posso concordar. E a que determina que o juiz da urgência e necessidade pública é o Presidente da Assembleia. E V. Ex.a, Sr. Presidente, sabe muito bem que isto não é por não ter V. Exa. na maior consideração e por não saber que é sempre uma pessoa atenta à vida política do País, mas sim porque não compreendo que a urgência e a utilidade pública fiquem na dependência do Presidente da Assembleia Nacional, em vez de serem decididas pelo Governo, que é quem as sente directamente.

O Sr. Presidente: - Agradeço muito as palavras de V. Exa.

O Orador: - E tenho dito, pois me parece que disse o essencial.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Carlos Lima: - Peço a palavra, Sr. Presidente.

Agradeço a V. Exa. o favor de esclarecer a Câmara de que, nos termos do Regimento, vou usar da palavra pela terceira vez para encerrar o debate;

O Sr. Presidente: - Não é necessário informar a Câmara disso, porque já está expresso no Regimento.

O Orador: - Muito obrigado a V. Exa.
Permiti-me chamar a atenção para as circunstâncias em que vou usar da palavra com o objectivo de, prevenindo a hipótese de algum Sr. Deputado ainda pretender intervir, ficar ciente de que deveria fazê-lo antes de mim.
Sr. Presidente: era minha intenção abordar os diversos aspectos do problema em discussão focados por vários Srs. Deputados no decorrer deste debate.
Tenho, porém, de renunciar a fazê-lo, e isto porque, tendo sido obrigado pelas circunstâncias a desenvolver a anterior intervenção em sentido diferente daquele que se harmonizaria com as exigências e objectivo do presente debate, me resta agora, & face do Regimento, um curto período de tempo para me pronunciar sobre aquilo que verdadeiramente interessa à proposta em discussão.
Quero, antes de mais, agradecer a todos os Srs. Deputados que intervieram no debate as palavras que quiseram ter a amabilidade de me dirigir. Nelas vi fundamentalmente mais uma - entre outras - manifestação da simpatia dó que tenho sido objecto, a qual, seja qual for o curso deste debate e da minha vida na Assembleia, não esquecerei.
Obrigado a limitar as minhas considerações, julgo dever fazê-las incidir sobre o essencial do que aqui foi exposto pelo Sr. Prof. Mário de Figueiredo, e isto porque a especial posição de S. Exa. nesta Câmara me parece tornar indicado que assim proceda.
Vou, pois, dedicar a S. Exa. os quinze minutos que me restam.
Segundo creio, o principal argumento oposto ao meu ponto de vista pode definir-se nos termos seguintes:
De harmonia com o artigo 112.º da Constituição Política, o Governo não depende de quaisquer votações da Assembleia. Por outro lado, resulta dos artigos 66.º e 67.º o princípio de que o orçamento deve ser equilibrado.
Ora - acrescenta-se - a recondução de matéria de impostos ao âmbito do artigo 93.º poderia ter como consequência o desrespeito destes princípios. Na verdade, bastaria que a Assembleia não votasse as leis de impostos necessárias à consecução do equilíbrio orçamental para que não só se violasse o referido princípio do equilíbrio do orçamento, mas ainda o Governo fosse dominado em termos de ficar a depender das votações da Assembleia Nacional.

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Não seria justo se não reconhecesse mais uma vez a incontestável destreza intelectual e o raro tacto e habilidade com que o Sr. Prof. Mário de Figueiredo pega e procura encaminhar as questões.
Não fiquei, porém, convencido. Se ficasse, di-lo-ia.
O processo de S. Ex.ª de argumentar com exemplos é sugestivo, porque chamando-se a atenção para casos da vida real - ou que sentimos poderem-no ser - o espírito é mais vincadamente impressionado.
Todavia, os exemplos nem por serem sugestivos deixam de envolver, pela sua unilateralidade e restrito alcance, verdadeiras amputações e deformações das realidades que se impõe sejam tidas em conta.
E por de mau evidente que o artigo 112.º, na medida em que declara não depender o Governo das votações da Assembleia, apenas quis afastar a possibilidade de ser provocada a queda do Governo mediante votos de desconfiança ou moções de censura, isto é, apenas quis afastar o sistema parlamentar. Não quis, é claro, impedir a Assembleia de votar em sentido divergente do Governo, o que, além do mais, seria absurdo. Assim, não se percebe o que é que a eventual não aprovação de uma lei criando impostos tem a ver com o referido preceito.
Mais: o próprio artigo 112.º, ao declarar que o Governo «não depende do destino que' tiverem as suas propostas», visa prevenir precisamente o caso de a Assembleia votar em sentido divergente do Governo, acentuando que isso não implica a respectiva queda.
Deste modo, a hipótese indicada pelo Sr. Prof. Mário de Figueiredo não só não contraria o artigo 112.º, mas ainda está neste claramente prevista como verificável adentro da nossa estrutura constitucional.
Não vejo, pois, como S. Exa. do facto de a Assembleia poder vir a não aprovar uma lei de impostos extrai a conclusão de que o artigo 112.º poderia ser violado. . Aliás, como é implicado pelo princípio aceite da divisão do Poder político, já são possíveis à face da Constituição diferentes emergências em que a Assembleia contrarie eficazmente a vontade do Governo.
Assim, e apenas exemplificativamente, a Assembleia pode negar-se a aprovar leis pelo Governo reputadas fundamentais para a defesa nacional, pode paralisar a organização judicial, pode até recusar aprovação à Lei de Meios, etc.
Por outro lado, segundo parece, o que se pretende é exprimir a ideia de que o Governo, na emergência que se aponta, ficaria impossibilitado de governar, pelo facto de não poder dar satisfação aos princípios constitucionais que exigem o equilíbrio do orçamento.
Supondo que as coisas poderiam ser consoante se diz - e não podem -, todo o raciocínio do Sr. Prof. Mário de Figueiredo é logo afectado na raiz pela circunstância de assentar num pressuposto inexacto. É que S. Exa. parte do princípio de que o orçamento só poderia equilibrar-se com o aumento de receitas implicado pelas propostas de lei que por hipótese a Assembleia se recusaria a aprovar, quando a verdade é que há outra maneira de equilibrar o orçamento, qual seja a de diminuir as despesas. £ assim que por vezes tenho de proceder na minha casa.
Tanto bastaria para mostrar a falta de base da argumentação do Sr. Prof. Mário de Figueiredo.
Há, porém, mais.
E que os artigos 67.º e 68.º da Constituição, donde se pretende inferir o princípio do equilíbrio do orçamento, têm carácter meramente programático, limitando-se a traçar um ideal a atingir, e não propriamente a criar deveres estritos e sancionáveis para qualquer dos órgãos da soberania.
Basta pensar em que há hipóteses, como as de guerra e outras emergências graves, em que é praticamente impossível conseguir o equilíbrio orçamental para logo se ver a exactidão do que acabo de afirmar.
Assim, ainda que por virtude do condicionalismo exposto não fosse possível equilibrar o orçamento, não se vê porque é que o Governo ficaria impossibilitado de governar. Governaria com um orçamento não equilibrado.
Acresce que se a não aprovação das leis necessárias para conseguir o equilíbrio do orçamento fosse por qualquer modo susceptível de sanção, no lato sentido da palavra, esta teria de repercutir-se, é claro, no órgão causador da não consecução do equilíbrio, na Assembleia por hipótese, e não no Governo. De qualquer modo, não se percebe porque é que o pseudo desrespeito de um princípio constitucional pela Assembleia haveria de pôr em causa o Governo face à Constituição.
Um exemplo servirá para pôr à luz aonde conduziria a lógica do Sr. Prof. Mário de Figueiredo.
O argumento trazido ao debate por S. Exa. cifra-se, sob certo aspecto, em acentuar que o atribuir-se à Assembleia, de harmonia com a proposta agora em discussão, competência exclusiva para legislar em matéria de impostos poderia conduzir à violação do princípio constitucional do equilíbrio do orçamento, no caso de a Assembleia se recusar a aprovar as leis necessárias para a consecução desse equilíbrio.
Queiram VV. Exas. reparar numa aplicação de tal tipo de raciocínio.
É princípio constitucional o da defesa da integridade do território nacional. Sendo assim, mão deve atribuir-se à Assembleia competência exclusiva sobre matéria de defesa nacional, e isto porque, no exercício dessa competência, pode a Assembleia vir a recusar-se a aprovar as necessárias a essa defesa, com a consequência não só de violar o referido princípio constitucional, mas ainda de paralisar o Governo face à Constituição.
Acontece, porém, que a Assembleia já tem competência exclusiva para legislar sobre a organização da defesa nacional ...
Todavia, a raciocinar-se nos termos em que o fez o Sr. Prof. Mário de Figueiredo, ser-se-ia conduzido a suprimir no artigo 93.º a alínea relativa à organização da defesa nacional, e até talvez tudo o mais que consta dessa disposição. Esse raciocínio levar-nos-ia mesmo mais longe.
Por outro lado, cumpre acentuar que, mesmo dentro dos princípios postos pelo Sr. Prof. Mário de Figueiredo, nunca seria a inclusão da matéria de impostos no artigo 93.º que poderia envolver violação do princípio do equilíbrio orçamental, mas sim a futura e eventual atitude da Assembleia consistente em, no exercício da sua competência exclusiva, recusar a aprovação a leis necessárias à consecução desse equilíbrio.
Todavia, por virtude da inevitável possibilidade de violações da Constituição é que existe toda a teoria da inconstitucionalidade.
Além disso, se nós, só porque é possível que um órgão da soberania venha a utilizar os respectivos poderes indevidamente - supondo que a utilização seria, no caso concreto, indevida, começássemos logo pôr lhe negar tais poderes, aonde nos conduziria isso?
Conduziria, por exemplo, a negar todos e quaisquer poderes à Assembleia.
Aliás, não faz sentido falar de violações à Constituição quando está precisamente em causa a respectiva alteração.
Em resumo, direi que não me parece defensável a posição do Sr. Prof. Mário de Figueiredo:

1.º Porque o argumento de S. Exa. apenas seria viável na hipótese de se entender que a Assembleia nunca deveria poder contrariar eficazmente a vontade do Governo, isto é, dentro da tese da concentração do Poder

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político num só órgão. Aceite o princípio da divisão desse poder, a emergência focada pelo Sr. Prof. Mário de Figueiredo seria mera consequência desse princípio.
2.º Porque a hipótese posta por S. Exa. é irreal e construída à base da loucura colectiva das assembleias, e, sendo assim, é incapaz de alicerçar argumentos, uma vez que para discutir e buscar soluções não pode raciocinar-se em termos de loucura.
3.º Porque no dia em que fosse possível pôr-se concretamente a referida hipótese seria tão grave o clima político e a doença das instituições que seria indiferente o que a Constituição dissesse sobre competência legislativa em matéria de impostos ou qualquer outra.
4.º Porque, tendo já a Assembleia a possibilidade de, em matérias importantes, contrariar eficazmente a vontade do Governo, e não tendo até hoje tal possibilidade levantado dificuldades, não se vê porque é que estas hão-de surgir relativamente aos impostos nos termos catastróficos postos pelo Sr. Prof. Mário de Figueiredo.
5.º Porque só a bondade e justeza da alteração que proponho explica que ia mesma tenha sido defendida em 1951 por unanimidade num parecer da Câmara Corporativa e num parecer relatado por um professor da envergadura de Marcelo Caetano, bem como tenha sido defendida por uma mestre da categoria de Armindo Monteiro.
Anotarei que o Sr. Prof. Mário de Figueiredo invocou a autoridade do Sr. Dr. Águedo de Oliveira. Também eu considero e respeito muito este nosso ilustre colega e tenho em muita conta a sua autoridade. Acontece, porém, que, segundo há pouco inferi de um aparte do Sr. Deputado Amaral Neto à intervenção do Sr. Deputado Cerqueira Gomes, o Sr. Dr. Águedo de Oliveira parece entender que a Assembleia deve ter competência exclusiva em matéria de impostos, tal como eu proponho.

O Sr. Águedo de Oliveira: - Tem andado aí a sublinhar-se uma frase que teria sido dita por mim quando da apreciação da Lei de Meios e relativa ao princípio de que os contribuintes seriam ouvidos, pondo-se o texto fiscal em reclamação, três meses na minha proposta.
Em primeiro lugar, essa frase deve ser destacada com aquela mesma lealdade recíproca que eu sempre tenho utilizado nas minhas intervenções.
Em segundo lugar, não se esqueça o que foi o trabalho da respectiva Comissão de Finanças, de que sou presidente.
Como V. Exa. sabe, Sr. Deputado Carlos Lima, porque assistiu, eu formulei o princípio da audiência em matéria fiscal e até preconizei o consentimento em condições iguais às postas por mim no debate.
Formulei-o, primeiro, por uma proposta de emenda que depois a respectiva Comissão reduziu. Pela segunda vez foi a mesma proposta amputada. Por fim apareceu uma emenda dos Srs. Deputados militares e foi essa que vingou na Assembleia, amalgamando-se com a minha. Portanto, o princípio que eu exprimi e a que dei forma legislativa, que era o de não haver surpresas em matéria de reforma fiscal e não serem postos os contribuintes e os seus representantes de repente perante matéria de tão importante representação e transcendência e perante alta de encargos, esse princípio foi em certo modo batido pelo trabalho e votação da Câmara, que não me acompanhou nessa altura. Mas esse princípio era realmente o que se tem seguido bastantes vezes: de deixar os impostos durante certo período, que eu queria de três meses, em reclamação para poderem ser consideradas todas as reclamações e todas as pretensões dos contribuintes. Haveria vantagem para o Governo, para a Assembleia s para todos. Admiro-me de que a Câmara não esteja bem lembrada deste episódio, sobretudo aqueles que trabalharam comigo na Comissão.
Já houve hoje discursos muito notáveis, como o de V. Exa., e não posso estar, por cansaço, a dar uma explicação bastante desenvolvida. Mas uma coisa é a audiência do contribuinte e a função da sua defesa pelas assembleias e outra é o exclusivo legislativo constitucional.

O Orador: - Como o Sr. Deputado Mário de Figueiredo invocou o argumento da autoridade de V. Exa., lembrei-me do aludido aparte de há pouco do Sr. Deputado Amaral Neto, que me pareceu implicar a inversão de sentido desse argumento, e por isso referi o facto; e isto porque também queria beneficiar para a defesa do meu ponto de vista da autoridade de V. Exa.

O Sr. Águedo de Oliveira: - V. Exa. tem de lembrar-se de tudo quanto se passou na Comissão de Finanças. Portanto, a frase destacada significa um processamento do que se passou nessa Comissão, de que sou o presidente, e lembrar-se do sentido do debate de Dezembro.

O Sr. Amaral Neto: - Peço a palavra para explicações. Creio, porém, que as posso apresentar depois de o Sr. Deputado Carlos Lima terminar a sua intervenção.

O Sr. Presidente: - Exactamente. Continua, portanto, no uso da palavra o Sr.. Deputado Carlos Lima.

O Orador: - Quero, finalmente, acentuar que, como procurei demonstrar, o argumento do Sr. Prof. Mário de Figueiredo, extraído dos artigos 66.º, 67.º e 112.º da Constituição, não tem base, não procede e, portanto, não convence.
Tenho dito.

O Sr. Amaral Neto: - O Sr. Deputado Carlos Lima. citou o meu nome na sua intervenção e isso deu origem a um- aparte do Sr. Deputado Águedo de Oliveira.
Em aparte ao Sr. Deputado Cerqueira Gome» e numa altura que me pareceu oportuna, reproduzi palavras do Sr. Deputado Águedo de Oliveira tiradas de um discurso de S. Exa. em que se encontra uma frase que não se aplicará às circunstâncias de hoje ou de ontem, mas que tomo como uma expressão do pensamento de S. Exa. em matérias bastante próximas das que se têm estado a debater.
Além disso, entendi poder mostrar a alguns Srs. Deputados que me estavam perto uma outra opinião expressa pelo mesmo nosso ilustre colega, e isto deu origem à alusão e citações sublinhadas. Eu diria que a sublinhei para chamar a atenção das pessoas a quem a quis mostrar. E foi isso durante a oração do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, a quem eu me propus não interromper por respeito à sua particular posição nesta Casa.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Muito obrigado.

O Orador: - Certa conclusão dessa oração despertou no meu espírito a tendência muito forte de naquele momento produzir o aparte. Por isso declaro agora o que de outro modo teria dito então. Felicito-me, Sr. Presidente, por no primeiro aparte, ao Sr. Deputado Cerqueira Gomes, ter afirmado o meu respeito muito- particular não só pela pessoa como pela autoridade do Sr. Deputado Águedo de Oliveira em questões fiscais. Felicito-me, porque até tive a sorte de me antecipar ao que com muito mais capacidade' e brilho, o Sr. Deputado Mário de Figueiredo produziu ao sentido das minhas afirmações de reconhecimento dessa autoridade. Ora, pareceu-me que o Sr. Deputado Águedo de Oli-

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veira não tirara conclusões precisas do seu discurso de ontem, mas que este estava a ser apresentado como se as tirasse em determinado sentido. Achei, pois, útil chamar a atenção de algumas pessoas para circunstancias anteriores em que o movimento de ideias me parece bastante afim do que tem suscitado agora a invocação do Sr. Deputado Águedo de Oliveira. Era esta explicação que eu queria dar ao Sr. Deputado Águedo de Oliveira, pois nem por sombras desejaria que ele visse em mim menos respeito do que aquele que lhe devo pela sua vasta experiência, formação intelectual e doutrinária e exercício de altíssimos postos.

O Sr. Águedo de Oliveira: - Obrigado.,

O Orador: - E até, vamos lá, uma ligeira diferença de idades. Todos são motivos de respeito. Mas eu autorizo-me com outra autoridade, se me permitem a redundância. Autorizo-me com a sentença do Sr. Deputado Mário de Figueiredo quando às vezes nos diz que nunca se zanga com as pessoas, mas sim com as ideias. Sinto-me no direito, não de me zangar na defesa das ideias, mas no de me apoiar em todos os processos úteis de valorização das que defendo, dentro dos limites da correcção e da lealdade. E não é decerto deslealdade citar palavras que andam publicadas e foram ditas diante de todos nós.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Peço a palavra!

O Sr. Carlos Lima: - Sr. Presidente: quando pedi a palavra foi para encerrar o debate.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Lima: o Sr. Deputado Mário de Figueiredo foi nomeado nas considerações de V. Ex.º e nas do Sr. Deputado Amaral Neto e, portanto, creio que ele pede *a palavra para explicações.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Tenho a palavra para explicações? Mas eu não vou dar explicações. Eu não ofendi ninguém. Pede-se a palavra para explicações, segundo o Regimento, quando se quer levantar qualquer palavra menos urbana.
Eu pedi a palavra para responder às observações do Sr. Dr. Carlos Lima. .Mas posso também desistir dela, se V. Ex.º, Sr. Presidente, assim o entender ...
Peço desculpa a V. Ex.a, Sr. Presidente, pois não me tinha apercebido do que se. passara. Mas, depois dê Y. Ex.º me dizer o que se passou, posso desistir da palavra; usar dela para explicações, não. Não desejo usar da palavra para explicações, repito, porque suponho que não ofendi, nem sou capaz de conscientemente ofender, durante um debate, qualquer Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lima: - Nada tenho a opor a que o Sr. Dr. Mário de Figueiredo use novamente da palavra, desde que eu possa encerrar o debate.

O Sr. Presidente: - Quando dei a palavra a V. Ex.ª, Sr. Dr. Mário de Figueiredo, foi na ideia de que V. Exa. quisesse fazer uso dela para responder ao Sr. Deputado Amaral Neto.

O Sr. Deputado Carlos Lima, quando usou da palavra pela terceira vez, disse que o fazia como autor do projecto. Mas, se V. Ex.ª quiser usar da palavra na qualidade de presidente da Comissão de Legislação e Redacção, pode fazê-lo. E dou estas explicações a V. Exa. pela muita consideração que tenho por V. Exa., como, aliás, toda a Câmara.

O Orador: - Muito obrigado a V. Exa. Vou reduzir ao mínimo as observações que tenho de fazer.

Fui acusado de ter raciocinado sobre um exemplo, e que essa forma de raciocínio é viciosa. Tenho sobre a matéria precisamente a mesma opinião: raciocinar sobre um caso particular é uma fornia de raciocínio viciosa. Simplesmente, eu não raciocinei sobre um exemplo, pois pus a ASSEMBLEA em presença de um texto constitucional e disse que ia fazer um pouco de análise jurídica, aliás contra o meu costume, para VV. Exas. tomarem conta da questão. E, uma vez ela assim colocada, então pus uma hipótese de aplicação da solução jurídica a que se tinha chegado. Isto não é raciocinar sobre um exemplo.
O artigo 112.º da Constituição diz:

O Governo é da exclusiva confiança do Presidente da República e a sua conservação no Poder não depende do destino que tiverem as suas. propostas de lei ou de quaisquer votações da Assembleia.

Juridicamente, pois, o Governo não tem de cair porque foi rejeitada uma proposta sua sobre impostos. Isso é claro; isso é evidente em face do texto.
Simplesmente, o problema não é este; é outro. E que o Governo, que juridicamente não tem de cair, não pode governar, por, em consequência da votação da Assembleia, lhe faltarem os meios para isso.
Só invoquei a disposição para mostrar que o Governo de facto (não de direito) ficava na dependência de uma votação da Assembleia. Não é porque essa votação o obrigue a pedir a demissão; é porque o facto, em si mesmo, o coloca em posição de não poder governar.
É também certo dizer que o equilíbrio tanto pode conseguir-se influindo na receita como na despesa. Simplesmente, a margem de compressão de despesas do Estado tem limites e estes podem estar atingidos. O problema então só pode resolver-se pelo aumento de receitas.
O facto de o artigo 62.º ser programático em nada alterava o meu raciocínio.
Mas não sei em que é que se baseia o Sr. Deputado Carlos Lima para dizer que os artigos 61.º e 62.º são programáticos. Estabelecem deveres jurídicos precisos para o Estado. O Estado não pode chegar ao fim do exercício com as contas desequilibradas. É um preceito preciso, e não programático.
O caso de guerra também está previsto nos artigos 61.º e 62.º A esse caso não se acode, ou pode não se acudia:, através do imposto, mas do empréstimo. AO caso que ponho só pode acudir-se através do imposto.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Lima falou já pela terceira vez. O Regimento dá direito a falar pela terceira vez para fechar o debate, mas dá. o mesmo direito ao presidente da Comissão.

O Sr. Carlos Lima: - Sr. Presidente, o Regimento diz que quem encerra os debates são os presidentes das Comissões ou os autores dos projectos. A interpretação que se me afigura correcta é a de que, quando se trata de projecto, é o respectivo autor quem tem a faculdade de encerrar p debate; quando se trata de proposta de lei, é o presidente da Comissão. No presente caso, por conseguinte, julgo que seria a mim que competia a faculdade de encerrar o debate, usando da palavra em último lugar.

O Sr. Presidente: - Se mais ninguém deseja usar da palavra, vai passar-se à votação.
A Câmara vai pronunciar-se sobre o artigo 1.º do projecto do Sr. Deputado Carlos Lima. Esse projecto

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atende adicionar ao artigo 93.º mais três alíneas. Vai fazer-se, portanto, a votação por alíneas. A primeira, a alínea f), diz respeito à criação de impostos e taxas e é idêntica a igual alínea do projecto do Sr. Deputado Manuel Homem de Melo.
Em relação à alínea f) do projecto do Sr. Deputado Carlos Lima há duas propostas, uma das quais de substituição, assim concebida:

«Proposta de substituição

Propomos que a alínea f) do artigo 1.º do projecto em discussão seja substituída pelo seguinte:

f) A criação de impostos, sua incidência e suas taxas, isenções a que naja lugar, bem como as reclamações e recursos admitidos em favor dos contribuintes.

Os Deputados: Carlos Moreira - Simeão Pinto de Mesquita - Américo Cortês Pinto - António Abranches de Soveral - Manuel Nunes Fernandes».

O Sr. Presidente: - Esta proposta de substituição vai ser submetida em primeiro lugar à apreciação da Assembleia. Chamo a atenção dos Srs. Deputados para a diferença dos respectivos textos.

Submetida à votação, foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Em relação à mesma alínea f), há uma outra proposta, agora de emenda, do seguinte teor:

«Proposta do emenda

Propomos a eliminação das palavras «e taxas» na alínea f) referida no artigo 1.º do projecto de lei n.º 19, apresentado pelo Sr. Deputado António Carlos dos Santos Fernandes Lima.

Sala da Assembleia Nacional, aos 29 de Junho de 1959. - Os Deputados: Francisco de Melo Machado - Carlos Monteiro do Amaral Neto - José Garcia Nunes Mexia - António José Rodrigues Prata - Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão - Afonso Augusto Pinto».

O Sr. Presidente: - Esclareço a Assembleia sobre a forma como vai votar-se: em primeiro lugar, vou submeter à votação a alínea f) do artigo 1.º do projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Lima, o qual sugeria que ao artigo 93.º da Constituição fosse, entre outras coisas, adicionada, a referida alínea.

Submetida à votação, foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Seguidamente, vou submeter à votação a alínea f) do artigo 3.º do projecto de lei do Sr. Deputado Homem de Melo, que tinha o mesmo objectivo.

Submetida à votação, foi rejeitada.

O Sr. Presidente: - Em face do resultado destas votações, julgo poder considerar-se prejudicado o artigo 8.º do projecto do Sr. Deputado Carlos Moreira, no sentido de que fosse da competência exclusiva da Assembleia a fixação dos princípios gerais relativos a impostos e taxas.
Passemos agora à votação da alínea g) do artigo 1.º do projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Lima, sobre a qual há na. Mesa uma proposta de alteração do Sr. Deputado Mário de Figueiredo e outros Srs. Deputados, que perfilha a redacção sugerida pela Câmara Corporativa.

Foi lida. É a seguinte:

«Proposta de alteração

Propomos que, no artigo 1.º do projecto de lei n.º 19 (alteração à Constituição Política), a alínea g) tenha a seguinte redacção:

g) O exercício das liberdades a que se refere o § 2.º do artigo 8.º e as condições do uso da providência excepcional do habeas corpus.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 30 de Junho de 1959. - Os Deputados: Mário de Figueiredo - Joio Soares da Fonseca - Camilo Lemos Mendonça - Fernando Cid Proença - Mário de Olivèira».

O Sr. Presidente: - Vou, em primeiro lugar, submeter à votação a alínea g) desta última proposta lida à Câmara.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Por consequência, considero prejudicada a alínea v) do urtiga 1.º do projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Lima.

Vou, seguidamente, submeter à votação a alínea h) do artigo 1.º do projecto de lei do Sr. Deputado Carlos Lima.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente:-.Com relação ao § único, é evidente que está prejudicado pela votação feita sobre a alínea f). E da mesma forma fica prejudicado o § único do artigo 3.º do projecto do Sr. Deputado Homem de Melo.
Em virtude do adiantado da hora, vou encerrar a sessão. Na sessão de amanhã continuará a discussão deste projecto, e dos outros, se disso houver possibilidade.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Adriano Duarte Silva.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José dos Santos Bessa.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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