O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 137

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARÍA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 137

ANO DE 1959 11 DE DEZEMBRO

VII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 137 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 10 DE DEZEMRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 136.
Foi aprovado um voto de pesar pelo falecimento da mãe do Sr. Deputado Brito e Cunha.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Nunes Mexia, para um requerimento; Sousa Rosal, acerca de questões económicas de interesse para a província do Algarve; Cardoso de Matos, que se referiu aos problemas políticos e económicos de África, e Camilo Mendonça, sobre assuntos de política interna e externa.

Ordem do dia. - Continuou o debate sobre a Lei de Meios para 1960.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Franco Falcão e Santos
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Afonso Augusto Finto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de A. Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.

Página 138

138 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 137

Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Augusto Marchante.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata
José Garcia Nunes Mexia.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mano de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 78 Srs. Deputados
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário deu Sessões n.º 136, de 10 do corrente.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra sobre aquele número do Diário, considero-o aprovado.
Só hoje tive conhecimento de que durante o interregno da Assembleia faleceu a mãe do Sr. Deputado Brito e Cunha. Julgo interpretar o sentimento da Câmara exprimindo àquele Sr. Deputado o nosso profundo pesui.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para apresentar um requerimento, o Sr. Deputado Nunes Mexia.

O Sr Nunes Mexia: - Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pejas serviços competentes do Ministério das Finanças (Instituto Geográfico e Cadastral), me sejam fornecidas as seguintes informações:

1) Número de vogais do Conselho de Cadastro;
2) Nome dos vogais, com a indicação das entidades ou actividade que nele representam;
3) Datas das reuniões do Conselho nos últimos três anos, com a indicação dos vogais que em cada uma estiveram presentes, segundo as respectivas actas;
4) Indicação dos assuntos tratados em cada uma das referidas reuniões ou sessões».

O Sr. Sousa Rosal: - Sr. Presidente, no desejo de sobreviver e de manter a paz no Mundo, procura a velha e gloriosa Europa constituir uma unidade política e económica que possa ser força e razão que desarticule e desarme a estratégia agressiva com que se enfrentam os colossos russo e americano e que está perturbando a convivência saudável e fraterna que deve existir entre as nações e os homens e prejudicando a evolução natural dos povos atrasados.
Com a criação da O. E. C. E foi feita a primeira tentativa séria para constituir uma comunidade europeia.
Procura-se agora cavar mais fundo e ir mais além, nos terrenos do económico e do político, suprimindo barreiras alfandegárias e ensaiando um governo supranacional.
Compreende-se que numa Europa constituída por países que desde sempre lutaram e trabalharam por manter a sua independência política e suficiência económica não seja fácil aceitar-se uma cooperação que envolva dependências inferiorizantes e nivelamentos ideológicos sem ferir enraizados sentimentos e dar por terminadas sagradas missões que o destino confiou a certos países e delas não podem abdicar a favor de organizações mal preparadas e sem vocação para as cumprir.
Este passo arriscado só recebeu a concordância de seis países de poder económico equilibrado e de formação política de reconhecida afinidade, constituindo um agrupamento chamado Mercado Comum.
Outros sete países europeus, de interesses económicos e concepções políticas mais diferenciados e sensíveis, verificando a inconveniência de aderir aos compromissos preconizados e defendidos pelos seis do Mercado Comum e prevendo as dificuldades que daí lhes poderiam advir, constituíram, como meio de defesa e posto de observação, a Associação Europeia de Comércio Livre, dispostos a trilhar também o caminho da livre circulação de mercadorias, mas na mais perfeita independência política e sem as práticas estandardizadas previstas para os assuntos financeiros de trabalho e sociais.
Estabeleceu-se assim uma cisão perigosa e inconveniente entre os que reconhecem e sentem a necessidade de uma Europa cada vez mais unida para ser suficientemente forte e poder servir de árbitro e ser factor de equilíbrio entre os que querem impor ao Mundo as delícias do seu comunismo e do seu capitalismo.
A noção do perigo e da inconveniência tiveram-na todos ao proclamarem a urgência de negociações, continuando para isso de mãos dadas dentro da O. E. C. E.
O nosso Governo entendeu que o interesse de Portugal melhor se colocava e defendia entre as nações que se agruparam na Associação Europeia de Comércio Livre e nela tomou posição, e obteve uma vitória di-

Página 139

11 DE DEZEMBRO DE 1959 139

plomática ao conquistar o espírito de compreensão para as particularidades de que presentemente se reveste a vida económica portuguesa nesta fase de renovação, fortemente apoiada pelo II Plano de Fomento.
Não me proponho avaliar o alcance nem medir as consequências deste importante acontecimento, por não estar em posição para o fazer, nem ter méritos e fôlego para tanto.
Julgo mesmo que neste momento apenas é possível admirar a sua arquitectura, até para aqueles que nela andaram empenhados, por ser ainda cedo para avaliar as consequências que advirão, quer no funcionamento interno de cada agrupamento, quer na sua projecção exterior.
A intenção destas minhas palavras é apenas a de me congratular pela decisão do Governo e chamar a sua atenção para incidências que a posição tomada pode ter no desenvolvimento e melhoria da lavoura do Algarve.
É por de mais sabido que a lavoura do Algarve assenta o seu rendimento no que lhe dão os seus 8 milhões de árvores produtoras de frutos secos no seu pomar de 10 milhões de árvores.
Os seus frutos secos, cujo valor de exportação anual anda por 100 000 contos, têm na área do Mercado Comum alguns dos seus tradicionais mercados.
Como reagirão estes?
Que compensações é vantagens podemos encontrar para eles na área do comércio livre?
Estamos confiados em que isto não passou despercebido aos negociadores do tratado, nem passará na discussão e redacção dos acordos bilaterais sobre produtos agrícolas, que não ficaram concluídos, mas que têm cabimento nas convenções estabelecidas.
É de bom augúrio, e deve dar tranquilidade às actividades agrícolas, o optimismo com que encara o futuro das exportações de produtos agrícolas o Sr. Secretário de Estado do Comércio quando em declarações, feitas na imprensa diz, entre outras coisas.

Mas quero observar ainda que no sector das exportações agrícolas os nossos problemas não são nem de direito, nem de dificuldades de colocação, os nossos problemas são verdadeiramente nossos, porque se traduzem no facto de não dispormos ainda das quantidades e qualidades exigidas dos produtos da terra que possam ser consumidos nos mercados europeus, os nossos problemas são também a falta de organizações comerciais capazes de estudarem os mercados e os conquistarem e de os manterem Resolvamos estes problemas e Portugal terá, pelas características do seu clima e da sua posição geográfica, possibilidade de transformar-se dentro da zona, de maior fornecedor de toda uma série de produtos agrícolas

Depreende-se das palavras que acabo de reproduzir, como foram dadas à luz da publicidade, que não teremos dificuldades de colocação nos mercados exteriores dos nossos produtos agrícolas desde que consigamos produzi-los com qualidade e tenhamos uma organização capaz de os apresentar e comercializar com êxito num ambiente de concorrência experimentada e bem apetrechada.
Para o conseguir, quanta rotina a desarmar, quanta incompreensão a enfrentar, quantos esforços e sacrifícios a fazer.
Há que ter fé que tudo saberemos dominar com a inteligência e a capacidade realizadora de que o homem português é dotado, e tanta vez posta à prova em épocas heróicas e decisivas para a nossa sobrevivência como nação livre e independente e em ocasiões
bem mais difíceis e moral e tecnicamente menos preparado e sem os recursos financeiros que podemos conseguir dentro e fora do País, garantidos pela segurança e seriedade da nossa Administração.
O pensamento e a decisão do Governo, que tem de planear, comandar e acompanhar a marcha da revolução económica, como responsável pelo cumprimento do que se comprometeu ao assinar o tratado de Estocolmo, estão claramente expressos nas palavras pronunciadas pelo Sr. Ministro da Economia no banquete comemorativo do 25.º aniversário da Federação Nacional dos Industriais de Moagem ao dizer, «Arrastados a manter o paralelo com a vida de toda a Europa, sem que nos seja permitida uma fuga de sincionismo, teremos de alcançar a vanguarda em matéria de modernização, de dimensão e de profundidade; temos, em suma, de renovar equipamentos e métodos de trabalho, mesmo que tenhamos de alienar um pouco da liberdade s dos sentimentos de cada um; o próprio instinto da conservação nos ajudará ao sacrifício».
Estou a reproduzi-las pensando nas dificuldades que há a vencer e no esforço a produzir para que a lavoura algarvia tome o rumo do seu destino com o máximo das suas possibilidades, nesta conjuntura económica em que tem de ser posto à prova quanto sabe, quanto vale e quanto pode, para se enquadrar e colaborar viva e dignamente em tão hercúleo empreendimento.
Uma série de medidas afloram, desde logo, ao pensamento para que a lavoura algarvia, senhora de características especiais, possa colaborar no atingir de um dos mais queridos objectivos nacionais, que é o do aproveitamento integral da terra e dos seus produtos com a mais racional exploração, das quais destaco:

Recuperação por arborização das vastas áreas inutilizadas para as culturas arvenses por efeito da erosão;
Obrigatoriedade de selecção rigorosa das árvores que possam produzir os melhores frutos de exportação e que serão ao mesmo tempo bons para o consumo interno;
Obrigatoriedade de defesa das árvores e dos frutos contra as doenças e as pragas;
Facilidades de armazenagem e de crédito para que os produtos agrícolas possam ser recolhidos e conservados em boas condições, de modo a permitir a sua venda com oportunidade e garantia de qualidade;
Ordenamento e assistência à cultura doa produtos agrícolas em razão da natureza do terreno e do clima, que os fazem preferidos pela exportação e pelo mercado interno, por motivo de qualidade e de maturação têmpora;
Estudo, instalação e protecção das indústrias de conservação, transformação e aproveitamento dos produto» agrícolas;
Criação de alvará de exportador para quem prove ter capacidade e técnica suficiente para tão especializado comércio.

Isto que de momento me ocorre dá uma ideia, embora apagada, do volume e natureza daquilo que objectiva e prontamente deve ser posto em movimento para resolver os problemas emergentes da sua actual conjuntura, enquanto não for estabelecido o plano geral de ordenamento das culturas, com as suas. cartas agrícolas, florestais e da natureza e capacidade e uso ao solo, algumas ainda dependentes, do reconhecimento agrário; não concluído, e posto a funcionar o Banco de Fomento.
A falta destes instrumentos essenciais de trabalho não tem detido o Governo no desenvolvimento de tra-

Página 140

140 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 137

bulbos de fomento na agricultara, silvicultura e pecuária, nos quais foram investidos já, ao abrigo do II Plano de Fomento, no corrente ano, cerca de 600 000 contos, estando previsto para 1960 uma importância da mesma ordem.
As medidas de urgência que reclama a lavoura algarvia cabem dentro da orientação seguida pelo Choverão, à margem da conclusão dos estudos em curso e até com fundamento neles, por estar já concluído o reconhecimento agrário da sua região
Pois, Sr. Presidente, apesar da orientação que tem sido seguida e das vultosas verbas gastas com o fomento agrário, não foi dado ainda um passo que se veja para resolver o problema de maior relevo no conjunto dos problemas postos para melhorar a economia agrária do Algarve Quero referir-me ao povoamento florestal dos seus 350 000 ha de terra que a erosão esterilizou Terras que ocupam 70 por cento da área total da província, obrigando a actividade agrícola a trabalhar apenas nas terras pobres de barroca! e via faixa litoral de boas tenras, que não devem atingir 20 por cento do conjunto da superfície do Algarve
A gravidade desta situação tem sido posta em evidência por mais de uma vez nesta Assembleia e ressalta dos estudos já feitos sobre reconhecimento agrário.
Para ela chamo novamente a atenção do Governo e, de maneira especial, do Sr. Secretário de Estado da Agricultura, solicitando-lhe as urgentes providências que o assunto reclama para acudir ao empobrecimento agrícola do Algarve, que tem no sen despovoamento um dos sintomas mais impressionantes, atestado pelo estudo comparativo entre os censos de 1940-1950, que prova ter diminuído, por efeito de emigração, a população residente de alguns concelhos rurais, nomeadamente no de Loulé
Deu o Governo a conhecer o programa geral de execução dos investimentos inscritos e estimativa da repartição dos encargos nos seis anos da vigência do II Plano de Fomento.
Nele se encontram já apontados para determinados empreendimentos verbas importantes.
Outras, porém, estuo inscritas com suficiente generalização para permitir uma mobilidade que possa adaptar-se ao plano anual de realizações, dependente dos recursos financeiros disponíveis e do conteúdo dos relatórios e informações dos serviços públicos e dos reacções da iniciativa privada, reconhecida pela nossa doutrina política como instrumento fundamental do progresso económico
A iniciativa particular, depois de tomar conhecimento das linhas gerais da estratégia económica esquematizada no II Plano de Fomento e dos investimentos mobilizáveis, deve aprontar-se para a colaboração que lhe cabe e se tem como indispensável e essencial.
Para o crescimento e fortalecimento económico do Algarve pouco se menciona designadamente, mas muito se pode esperar se nos dispusermos a estudar o apoio e assistência que nos podem dar as verbas ainda disponíveis inscritas no II Plano de Fomento e trabalhando depois com acerto, persistência, dentro das organizações-representativas dos vários sectores económicos, para demonstrar, junto dos serviços directores e reguladores da aplicação, do Plano, a razão e as preferências que individualizam e caracterizam a nossa economia regional, para que lhe seja dada a assistência técnica e o apoio creditício que reclama como factor valioso que é para o progresso nacional
Tem a lavoura do Algarve razões de sobejo para beneficiar das verbas dispostas para o fomento florestal, quer no que se capitula no II Plano de Fomento, quer no que se capitula no Orçamento Geral do Estado, para efeito da aplicação da Lei n º 2069, ainda sob a designação de:

Defesa sanitária das plantas;

Melhoramentos agrícolas com base em operações de crédito previstas na Lei n.º 2017 e no Decreto-Lei n o 35993, de 1946;
Armazenagem de produtos agrícolas. (Para este fim já o Plano prevê a construção de câmaras de espurgo e instalações para armazenagem de figo seco no Algarve, coutando com um subsídio do Fundo de Fomento de Exportação e com disponibilidades do Grémio dos Exportadores de Frutas e Produtos Hortícolas);
Viação rural.

No que se refere a pesca, têm as empresas que a ela se dedicam e que dela vivem no Algarve de estar atentas e aptas a intervir, pelos seus organismos corporativos, naquilo que se projecta sobre assistência a prestar u pesca da sardinha e do atum, local para a melhoria das suas artes e sistemas de pesca e localização das previstas instalações de conservação e distribuição de peixe
Quando da discussão do II Plano de Fomento tive ocasião de chamar a atenção do Governo para a posição excepcional do Algarve na indústria da pesca e preparação da conserva do atum, que conquistou e ainda detém os mercados de gosto mais apurado na apreciação e consumo da conserva do atum.
Tudo aconselha, mós nem o aconselhável é o que se pratica, que na constituição das empresas que hão-de vir a beneficiar da construção anunciada de cinco grandes atuneiros e dezasseis embarcações de pesca costeira não seja ignorada a existência e os legítimos interesses da indústria de pesca e conserva de atum do Algarve, que melhor está classificada, para garantir o êxito do empreendimento com uma experiência de séculos.
Também temos de defender uma posição no capítulo das indústrias transformadoras para se conseguir o aperfeiçoamento da indústria de conservas de peixe, modernizando-a e estruturando-a de molde a resistir melhor às suas crises periódicas e lhe permitir apresentar-se com outra personalidade e segurança na compita internacional.
Outra indústria transformadora já montada que carece de ser conduzida para uma melhor dimensão que a ponha em condições de um completo aproveitamento da sua matéria-prima é a que trabalha à base de grainha de alfarroba.
No que se refere a novas indústrias transformadoras de produtos agrícolas, tem o Algarve condições óptimas para explorar as de conserva de frutas e do fabrico de álcool a extrair da alfarroba.
A propósito de alfarroba, desejo aproveitar esta ocasião para subscrever e sublinhar uma pretensão posta por um grupo de categorizados lavradores do Algarve junto de entidades oficiais e na imprensa local e de Lisboa sobre o valor deste produto e a fraqueza dó preço a que se transacciona.
Queixa-se a lavoura de um baixo preço em razão do custo de produção e da comparação com os preços correntes na vizinha Espanha durante os mesmas colheitas, filiando-se numa comercialização descontrolada, que se caracteriza por oscilações sensíveis e frequentes de cotação, que as contingências do mercado não parecem justificar, e ainda no condicionamento da venda de grainha destinada à indústria e à exportação, o qual não atinge os fins que recomendaram a publicação da Portaria n.º 16 334, de 1957, e do despacho posterior limitativo das quantidades mínimas a exportar.
Trata-se de um problema de aviltamento de preço, e não de colocação, visto que sempre houve lugar para

Página 141

11 DE DEZEMBRO DE 1959 141

toda a produção de tão apreciado produto, susceptível da mais variada aplicação, que vai do emprego na alimentação do homem e dos animais até à obtenção do álcool e de produtos químicos de uso medicinal e industrial.
Como medida de urgência, pede-se ao Governo que promova o necessário para pôr em execução o que no relatório sobre a industrialização e comercialização, feito pela comissão para isso nomeada, se recomenda e seja de reconhecida utilidade
O relatório deve ter assinalado a multiplicidade do emprego e as dimensões do mercado da alfarroba, pelo que se espera que por efeito dele se abram novos horizontes ao aproveitamento deste produto, designadamente para uma industrialização mais apurada de grainha e o englobamento da alfarroba nos produtos referidos para saldar o déficit da produção nacional o álcool, que é da ordem dos 2 000 000 l em cada ano, e um consequente ajustamento de preços
Neste particular há que ter em conta que o Algarve, da sua produção anual de figo, tem de encaminhar para a destilação cerca de um quarto, ou sejam 250 000 arrobas, de figo não comestível, e que não pode ser consumido na pecuária como ração ou engorda de gado, por ser antieconómico.
Outra faceta a encarar é a de que não se coloque a indústria de destilação de alfarroba na posição de pedir medidas de protecção que dificultem ainda mais a livre venda da sua matéria-prima, com os mesmos argumentos que foram, utilizados para a protecção à industrio, de farinação de grainha.
A confirmar-se o estudo feito, que diz que a alfarroba pode produzir álcool a preço mais barato, pagando-a 30 por cento mais caro que o preço ultimamente posto a correr, não é de admitir esta contingência.
Quanto a comercialização, pede a lavoura que lhe sejam proporcionados meios que lhe permitam transaccionar os seus produtos com conhecimento de cansa e sem a pressão das suas dificuldades financeiras constantes.
Para este mal julga-se que muito se pode conseguir por iniciativa das organizações da lavoura, utilizando os meios corporativos ou cooperativos que os seus estatutos facultam, com a ajuda da assistência financeira que o Fundo de Melhoramentos Agrícolas permite, reforçado com as verbas anualmente inscritas no Plano de Fomento.
Para a armazenagem de produtos agrícolas ainda se pode recorrer a financiamentos a conceder pelos Fundos Autónomos do Fomento de Exportação e do Abastecimento e a empréstimos a solicitar a instituições de crédito particular e aos organismos de coordenação económica e corporativos.
Para se tomarem iniciativas desta ordem têm os homens que estão à cabeça dos organismos de estar seguros dos passos que vão dar e contar, para os dar confiadamente, com o perfeito entendimento e solidariedade dos associados, o que não é fácil conseguir em meios em que o espírito individualista está nos hábitos.
Hábitos que têm de ser contrariados, mostrado que a defesa dos interesses individuais está na constituição de um aglutinado de vontades que se disponha a trabalhar em comum, bem comandado, pelo bem comum.
Este é o caminho mais seguro para se atingir o bem individual e a paz em sociedade.
Termino as minhas considerações com um apelo ao Governo para que bem se esclareça acerca daquilo com que o Algarve pode contribuir para o êxito da nossa renovação económica, ouvindo com atenção as solicitações e sugestões que lhe forem apresentadas pelos categorizados representantes das actividades algarvias, que, depois de medirem bem as suas responsabilidades e o poder regional que lhes está entregue, hão-de aderir com entusiasmo e o melhor da sua inteligência e saber ao movimento nacional, vencendo imobilismos suicidas e pondo de banda lamentações que nada resolvem, para integrar os recursos do Algarve na nova economia, que, para ser a revolução económica de que estamos precisados, tem de contar com todo o agregado português numa colaboração harmónica e equilibrada para se chegar à prosperidade e ao nível de vida que nos coloque no plano económico- e social dos nossos parceiros da Associação Europeia do Comércio Livre.
Tenho dito

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr Cardoso de Matos: - Sr. Presidente a nossa imprensa, quer metropolitana quer ultramarina, tem-me proporcionado o conhecimento de afirmações de vária natureza, feitas em diferentes latitudes por entidades diversos, sobre a África e os seus problemas económicos, sociais e políticos. Naturalmente têm sido visadas as nossas províncias, designadamente a de Angola Algumas dessas afirmações, demonstrativas de conhecimento de causa e isenção de quem as proferiu - insuspeitas e destacadas personalidades estrangeiras - fazem justiça à situação daquela nossa província, apresentando-a tal como ela é e todos nós a conhecemos um Portugal em África, mais uma demonstração da vitalidade de um povo que deu novos mundos ao Mundo!
Infelizmente, afirmações houve que, por discordarem desta verdade, bem demonstram a máscara que não esconde as intenções de quem as proferiu ou o sectarismo político que tanto cega os homens.
Sr. Presidente, desejo deixar consignado nesta Casa a meu inteiro aplauso aos portugueses que em presença de afirmações como as que refere as não deixam passar em claro, antes virilmente se insurgiram contra elas, desmascarando os inconfessáveis propósitos que as motivaram ou a crassa ignorância demonstrada por quem o borda assuntos que nem elementarmente estudou
Por honestidade e carácter, bem cônscios de que a verdade não pode nem deve ser encoberta, sempre temos declarado que há na nossa província ultramarina de Angola problemas a resolver, e podemos acrescentar que à medida que uns vão sendo solucionados outros surgem, e felizmente. Dizemo-lo porque são uma manifestação do crescimento constante que ali se processa e que tanta admiração tem produzido em todos que têm tido a dita de a ele assistir.
Suo em regra problemas económicos os que se nos deparam; porém, a interdependência destes e dos político-sociais é manifesta, por isso que os não podemos esquecer, nem eles o têm sido.
Com as soluções que temos encontrado para os primeiros e atestam a nossa capacidade realizadora conseguimos sempre, e havemos de continuar a conseguir, anular todos os outros que noa surgiram e virão a surgir.
Para tanto têm-nos bastado os nossos recursos, e especialmente agora, que os estamos a aplicar, em escala muito maior, em execução do II Plano de Fomento, cuja grandeza ninguém contesta, não sofre dúvida de que continuarão a ser suficientes.
Não necessitamos, portanto, de qualquer espécie de ajuda, quer moral, quer material, embora nos sintamos gratos ao interesse dos nossos amigos, quando em intenções inconfundíveis, manifesta e claramente alinham a nosso lado
Porém, a todos aqueles que estão descobrindo em si próprio e insuspeitadas vocações de administração que

Página 142

142 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 137

os levam a criticar as do próximo, lembramos o vasto campo onde as podem aplicar, considerando a imensidade de problemas que nos seus países aguardam solução, que ainda não foi encontrada, nem se vislumbra o seja em breve.Conscientes da grandeza do que nos legaram os nossos maiores, sabemos continuar a sua obra, engrandecendo-o, porque nos criámos no culto das suas virtudes, sempre bem vivas em nós.
Apesar de tudo, recordemos sempre as recentes palavras do Sr. Presidente do Conselho: « É preciso velar, é preciso estar-se atento».
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente prevenidos em Maio último pela palavra, a uma vez clara, serena e firme, do Sr. Presidente do Conselho acerca do alcance e intenções de uma ofensiva internacional, já então iniciada, que continuaria a desenvolver-se contra o nosso país, temos assistido dia a dia ao desenrolar dessa ofensiva multiforme, em que o nexo dos acontecimentos nem sempre terá sido, no momento em que se processam, evidente para todos.
A candura de uns, a paixão de outros, as conveniências de alguns e, por fim, a tendência generalizada para o comodismo, mas também b hábito para não sentir o perigo senão quando o incêndio deflagrou, poderá ter contribuído para que muitos não tenham compreendido inteiramente a extensão, profundidade e objectivo último desta guerra surda, morna e persistente que vem sendo desenvolvida contra o País e, talvez, consentido até que alguns se tenham julgado espectadores em toda esta campanha.
Todavia, a simples leitura da imprensa, a seriação dos acontecimentos, a ligação evidente entre os diferentes factos - dos debates na O. N. U , aos artigos em certa imprensa estrangeira, até a algumas atitudes políticas -, dão uma medida exacta da grandeza da ofensiva, definem com suficiente nitidez e objectividade os fins visados e esclarecem amplamente todos sobre o que nos espera se minimizarmes a campanha, nos desinteressarmos da luta em qualquer campo ou pormenor, nos deixarmos amortecer ou nos perdermos em questõezinhas, mexericos e inimizades pessoais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A nossa experiência histórica, a nossa longa experiência histórica, é suficientemente esclarecedora - os Portugueses perderam-se sempre quando aos superiores interesses do País, aos objectivos da sua missão no Mundo, antepuseram ridículas questões de família, invejas ou ódios mesquinhos, gastaram energias generosas em lutas partidárias ou se prostraram em apagada e vil tristeza

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E por isso que quantos têm consciência do problema não podem ignorar o seu sentido e finalidade, têm o dever de chamar para ele a atenção dos seus concidadãos, alertando inteligências, acordando consciências, concitando energias e vontades.
Foi o que nobremente fez O Século no seu editorial de 7 do corrente, onde apresentou, com a independência que é timbre deste grande diário, a crueza própria dos termos em que o problema se apresenta e a vivacidade que reflecte o grito da consciência nacional, todas as variações desta complexa ofensiva
Outros o têm feito também - honra lhes seja - com decisão e patriotismo, mas parece-me dever destacar o referido editorial de O Século, quer porque abarcou com coragem o problema todo e não hesitou em usar uma inteira clareza, quer porque não deixou de estabelecer, com nitidez, a ligação dos acontecimentos e apontou sem reticências os objectivos imediatos, os meios e os fins últimos visados pela ofensiva internacional.
Sr. Presidente: somos um povo que talvez cause escândalo no Mundo de hoje. Um povo que causa escândalo pela sua serena coragem, pela sua firme decisão, pela sua orgulhosa independência de juízo e de acção, um povo que causa escândalo porque não cede, não abdica, não transige, não mercadeja os seus direitos, não aliena as suas responsabilidades, por maiores que sejam, um povo que persiste em seguir plàcidamente o seu destino, em cumprir impàvidamente a sua missão quando, no vendaval dos últimos lustres, uns após outros vão cedendo, abdicando, transigindo, negociando territórios, populações, pergaminhos, quando não a própria honra.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ora, quando com violência, nunca dantes conhecida, neste caos político mundial do pós-guerra - espécie de endemia persistente por incapacidade de uns, ingenuidade de outros e conveniência de alguns -, ora, quando volta a tratar-se de ferir de morte a Europa, vencendo-a em África, quando se cuida de desapossar os países europeus dos seus territórios africanos, temos visto, com uma única excepção, cederem una após outros, cederem por falta de fé, por anemia interna, por falta de coragem, por ausência de disposição para defenderem um património material, é certo, mas principalmente, moral e espiritual - causas de tão pouca monta que nem se cotam numa bolsa de mercadorias - ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - temos visto, dizia, cederem, abdicarem, negociarem países poderosos e com pesadas responsabilidades perante a história, vimos também, a certo passo, redimir-se um país quando os políticos se preparavam para transaccionar uma pai te viva da Pátria e das suas gentes, mas vemos também que um único país não aceitou negociar, não receou sacrifícios, não renunciou, não abdicou, não transigiu nunca e em nenhum caso

Vozes: - Muito bera, muito bem!

O Orador: - Esse país, Sr Presidente, esse país - era desnecessário referi-lo, que de Moscovo a Washington toda a gente sabe bem qual é -, esse país é, por honra e glória nossa, Portugal!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Como não havia de constituir escândalo, como não havia de concitar invejas, como semelhante procedimento não havia de ferir a consciência daqueles que, prudentes ou timoratos, cederam, abdicaram, negociaram ou vêem, perante a paz nos nossos territórios, os seus sublevados, subvertidos!
E assim, é por isso, que o nosso exemplo, mesmo quando inspira funda admiração e respeito, não pode deixar de despertar invejas e ódios, mesmo entre aqueles que desejariam que os governos dos seus povos tivessem procedido pela mesma forma e com igual êxito -

Página 143

11 DE DEZEMBRO DE 1959 143

estranho modo este de defender o orgulho nacional ferido!
Mas para lá desse aspecto havemos de reconhecer subsistirem, os motivos, as razões e os objectivos da cobiça de uns, das inibições de outros, não obstante terem talvez já percebido dolorosamente que também sofrerão as consequências se aqueles desideratos vierem a realizar-se e também permanecer a estratégia a mesma.
E nem se julgue que o degelo nas relações russo-americanas e a eventual concretização de uma fórmula de coexistência dita pacifica signifique o abandono daqueles objectivos, a renúncia à luta ideológica, a desistência de tentar quebrar a resistência moral e a unidade política dos povos que altivamente persistem em seguir o seu turno, fiéis ao seu destino histórico, fiéis aos seus valores e à sua missão no Mundo, neste pobre Mundo.
Pelo contrário, por acções e também por omissões, qualquer degelo, como qualquer modus vivendi, assente no temor mútuo e em conveniências materiais recíprocas não terá como efeito atenuar a luta do comunismo contar os valores morais e espirituais da civilização cristã ou levá-lo a desistir de vencer a Europa em África, se não puder corromper-lhe a alma enfraquecendo a sua unidade, dividindo os homens, e assegurar mais simplesmente o domínio de África na velha Europa.
Já se tem dito e redito que o destino da Europa, desta Europa livre e cristã, se joga em África, mas também e verdade igual que a África se pode perder na Europa
Sr. Presidente o objectivo último da ofensiva contra nós - contra a nossa civilização e contra o nosso território, espalhados pelo Mundo - são as nossas províncias ultramarinas, especialmente as portentosas províncias de Angola e Moçambique. Quem o duvida?
O nosso ultramar, para além de constituir o orgulho de um passado feito de sacrifícios de sangue e de fazenda, de epopeia e de glória, de conter túmulos de heróis e de mártires, de espalhar algo do mais íntimo e grande da inconfundível personalidade lusíada, de representar para todos os portugueses um passado no presente, é também um grande e forte e vivo motivo de esperança.
No espírito da juventude portuguesa perpassa constantemente o sonho de África, que, para cada vez maior número, será a terra de seus filhos e a perspectiva de um futuro melhor porá todos Dos mais humildes até aos mais cultos, principalmente para aqueles, o ultramar é a promessa do futuro, o local onde se podem tentar as coisas grandes e belas que estão no fundo do seu espírito, que latejam no sangue quente de latinos, que vivem na alma sempre aberta à epopeia, à poesia e à dádiva dos Lusitanos
Transigir, ceder, abdicar, negociar, significa, para todos os portugueses -aqueles que, a despeito de terem nascido em Portugal, assim não sintam, pensem ou vivam, não são portugueses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - . . transigir, ceder, abdicar, negociar a respeito dos territórios portugueses, derramados pelo Mundo, significa para todos os portugueses uma traição para com o passado, uma desonra no presente e a alienação de uma das mais fortes e vivas e sentidos razões de esperança no futuro

Vozes: - Muito bem!

Apoiados

O Orador: - A intransigência total, completa, absoluta, a este respeito constitui, assim, um imperativo da consciência nacional que todos os portugueses, estejam onde estiverem, sob pena de grave traição à Pátria, têm o imperioso dever de proclamar, a obrigação inalienável de sustentar por todos os meios, inclusive da própria vida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Assim, e aqui, temos de aparecer aos olhos dos outros, mas primeiro de nós próprios, como força coesa e una, firme e decidida, forte e orgulhosa, sem respeitos humanos, como outrora em tantas e tantas gestas que são o padrão da nossa própria vida.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Sr. Presidente, creio ter sido claro a este respeito e creio também não ter dito nada de novo que os Portugueses não tivessem já claramente compreendido Mas ainda não disse tudo.
Disse que constituímos um motivo de escândalo pela serena firmeza da nossa atitude e principalmente pelos resultados da nossa perseverança Disse que as razões da cobiça eram imediatas e materiais para uns, mas também mais profundas e espirituais para outros, aqueles que, ao fim e ao cabo, estão na origem e no comando dos acontecimentos perante a complacência ingénua ou comprometedora de alguns povos e, também, perante a inibição fatal de outros, quiçá menos ingénuos, mas prudentes, receosos ou timoratos no mínimo, a braços com ventos que antes espalharam e agora não sabem como conter e dominar.
Mas talvez não tenha explicado bem como foi possível resistir enquanto os outros - todos os outros - cederam, por que razão os ataques do inimigo se dirigem, até talvez primeiro, contra o regime português e o objectivo da guerra que, daqui e dali, de dentro e de fora, nos movem ter como fim primeiro derrubar o regime político e Sal azar em especial.
Creio, porém, ser simples de explicar e fácil de entender por quantos a paixão não tolde a razão, a ingenuidade não cubra a traição, situem-se seja em que quadrante político for, tenham estes ou aqueles ideais políticos peculiares
A questão é esta. foi a firmeza do Governo, traduzindo fielmente a consciência nacional, apoiado numa ampla base de unidade política, livre da tutela de influências, interesses ou questões acidentais e fora de quaisquer lutas partidárias ou dissídios internos, quem operou o milagre e pôde conduzir a história como há-de ser narrada no futuro com maior evidência.

O Sr. Carlos Moreira: - Não esqueça V. Exa. que foi também a noção patriótica do povo português.

O Orador: - Foi exactamente o que eu disse V. Exa. não deve ter ouvido a frase antecedente.
Não fora a clarividência de Salazar, a firme determinação do Governo, a existência de uma forte unidade nacional, e a consciência dos Portugueses teria sido traída, a Pátria poderia ter sido amputada, porventura depois de muito jogo retórico, de muitas discussões inúteis e ridículas, os horizontes de esperança da nossa juventude teriam sido bruscamente cortados e, em pouco tempo, ter-se-ia negado todo um passado imorredouro e liquidado um futuro promissor
Acaso não é esta a lição da nossa história? Acaso não é esta, na actualidade, a lição de outros povos?
Que é assim nós o sabemos bem - embora alguns e algumas vezes pareçam, finjam ou pretendam esquecê-lo -, que é assim nós o sabemos bem e melhor o conhecem os nossos inimigos

Página 144

144 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 137

Vai daí, com uma lógica simples, capaz de ser entendida por uma criança, vai daí que, quando não seja possível ou enquanto não seja possível criar a subversão e a desordem entre as populações pacíficas e portuguesíssimas de África, Ásia ou Oceânia, é preciso, é antes de mais necessário, destruir os fundamentos dessa força moral, dessa unidade espiritual, dessa coesão política, dessa lição de perseverança, é indispensável destruir o regime, afastar o seu chefe, semear a desordem, a divisão e a luta onde havia paz e harmonia, consumir as energias dos Portugueses em lutas estéreis da política partidária, quebrar as armas no próprio campo em que se deviam forjar.
Eis porque, se África é o objectivo, a civilização cristã o fim último, o regime português havia de constituir o obstáculo a vencer, o meio que abriria as portas ao objectivo directo e, também, ao último.
De facto, alguém acredita que entregue a vida desta pequena metrópole às lutas de interesses, de paixões, de alianças partidárias e vaidades insatisfeitas, alguém, de boa fé, acredita que, desfeita a unidade, corroída a coesão moral, deixado o campo aberto a ambições e despeites, fosse possível prosseguir com altivez a política de firmeza que temos seguido e tem permitido vencer onde outros mais poderosos baquearam, desaconselhado aventuras e perseverado a paz interna, aqui como no ultramar?
Alguém acredita? Alguém de boa fé acredita?
Talvez as nossas recordações do fim de século passado, em circunstâncias internacionais menos dramáticas do que as actuais, e o exemplo recente dos Franceses, que na crise da Argélia encontram motivos e forças para se redimirem na medida e pelo modo que ainda lhes foi possível, possam responder eloquentemente.

O Sr. Melo Machado:- Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente mesmo que dos factos não deduzíssemos, como parece insofismável, a conjugação e conjura de forças, a sua natureza e sentido, o seu objectivo e finalidade, são os nossos adversários quem, com uma franqueza muito louvável, o proclamam, sem perífrase nem reticências.
Ainda há dias o Diário de Notícias transcrevia da revista comunista Nova Revista Internacional, que se publica em França, umas passagens altamente esclarecedoras e suficientemente expressivas.
Para que repeti-las? Todos as conhecemos: nós, os nossos adversários e também aqueles que nasceram com vocação para mártires e vítimas da sua inocência, que seria comovedora se não fora trágica para os povos. Conhecem-nas até aqueles que, por ódio ou paixão, por ambição ou despeito, aceitam todos os compromissos, são capazes de praticar todas as indignidades, admitem discutir ou negociar a Pátria, desde que tal pareça útil aos seus fins, seja capaz de satisfazer as suas ambições ou de saciar os seus ódios.
Sr. Presidente, há momentos em que as questões confusas se tornam meridianamente claras.
Quando se ouvem rugir impropérios por parte de povos neobárbaros que os proclamam só porque se chamam países independentes, impropérios que só ressoam porque proferidos em areópagos internacionais; quando se dá couta de quem faz coro e maneja os cordelinhos desses fantoches; quando assistimos a coincidências como aquelas que há dias ocorreram na capital britânica - e só aí talvez porque a Inglaterra é o nosso mais velho aliado; quando a conjura se revela em toda a sua nitidez, despido o manto da fantasia e descoberta a nudez crua da verdade como uma acção táctica do comunismo e imperialismo moscovitas, quando se pretende claramente e sem sofismas bater-nos em casa, para alcançar os seus objectivos; quando tudo isto é límpido - claro como água, dizia O Século -, que nos falta para formar o juízo, extrair a lição e determinar a acção?

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Muito bem!

O Orador: - Creio que nada, absolutamente nada.
Então é preciso tomar decididamente o caminho da acção, do combate em qualquer momento, em qualquer lugar.
Deixem os Portugueses as querelas de pessoas - ia dizer as questões de vizinhas ociosas -, ponham os Portugueses de lado, sem quebra de personalidade e de respeito pelos pontos de vista de cada um, quanto possa dividi-los, enfraquecê-los, seja susceptível de lhes corromper a alma ou minar a unidade, que bem pouco é perante a grandeza das questões que a todos cabe, por igual, defender.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quando, como hoje, o passado de glória e o futuro de esperança, uma tradição, uma cultura e lima missão estuo em jogo, tudo o mais - por mais coisas que sejam e mais de perto pareçam tocar-nos - bem pouco é, tão pouco que seria ridículo pesá-lo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente. não receio nada do espírito dos Portugueses. Sempre em todos os momentos, quando as circunstâncias os sujeitaram a uma provação, souberam, puderam e quiseram encontrar as energias, os meios e os homens capazes de as vencerem, dando provas de lealdade à sua missão, de nobreza de sentimentos e de indomável firmeza de ânimo - tudo afinal quanto é necessário para poucos fazerem muito.
Para ser inteiramente exacto, direi que receio apenas que se dêem tarde conta da situação, demorem a tomar a consciência exacta do problema e das suas premissas, sejam demasiado ingénuos ou confiantes e com essa atitude não reajam com a prontidão necessária, com a urgência requerida.
Outrora, perante o inimigo externo, essa atitude apenas tinha como consequência obrigar, no momento da luta, a uma maior mobilização de energias, a uma mais elevada exaltação de sentimentos. Hoje, porém, o inimigo não é só externo, é também interno, não age dê frente, não se mostra tal qual é, e, acima de tudo, procura primeiro corroer a frente interna, minando os alicerces da sociedade, transformando pequenas questões em grandes problemas, excitando sentimentos, amolecendo vontades, mentindo persistentemente, semeando ódios, cativando vaidades, despertando ambições
A primeira batalha é, por isso, interior e, se nos deixarmos vencer nela, de nada servirão já as qualidades da raça, as virtualidades do nosso temperamento, a fortaleza do nosso carácter

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Alerta pois, em toda a parte, alerta nas oficinas, alerta nos campos, alerta nas escolas, alerta em toda a parte Alerta que os inimigos da Pátria espreitam.
Sr. Presidente pretende-se por uma ofensiva geral destruir o regime, como meio de destruir a unidade nacional, abrir as portas da África Portuguesa, e, por fim,

Página 145

11 DE DEZEMBRO DE 1959 145

balcanizar esta terra e este povo, berço de tantos povos, bandeira e guia de uma civilização.
A unidade dos Portugueses é hoje mais indispensável do que nunca. As energias dos Portugueses não podem, sem perigo fatal, consumir-se de novo em lutas estéreis de baixa política, em questões pessoais ridículas, em querelas sem grandeza nem significado perante os homens, perante o Mundo, perante a história.
As energias dos Portugueses são necessárias - todas elas - para as tarefas do futuro cumprir a missão civilizadora, desenvolvendo as províncias ultramarinas, forjando com o suor lusíada ricos e prósperos rincões da pátria comum; forçar o desenvolvimento económico do continente satisfazendo os anseios gerais e as exigências individuais, em ritmo cada vez mais veloz, para o que se requerem todas as vontades, todas as competências, todas as iniciativas, toda a capacidade de engenho e de trabalho de todos os portugueses; enfrentar, rapidamente e com coragem, os problemas sociais da nossa gente, distribuindo melhor e, principalmente, mais justamente o produto nacional, reduzindo as desigualdades, facilitando o acesso à propriedade dos mais humildes e assegurando-lhes uma previdência social cada vez mais eficiente e efectiva; preparar todos e cada um, independentemente das suas condições económicas, para as tarefas do futuro, no continente e no ultramar, por uma educação mais carga, mais positiva e mais adequada.
As energias dos Portugueses são necessárias para as «tarefas do futuro, para cumprir Portugal»
Os impropérios dos bárbaros, aã ameaças dos seus protectores, as mentiras de uns e as calúnias de outros bem pouco podem perante a determinação de um povo
Tem-se visto no passado. Vê-se no presente Uma condição é necessária - que se mantenha firme a nossa unidade nacional e coesa a nossa força moral
Incumbe-nos chamar a atenção dos Portugueses, alertar-lhes as consciências, mas não só falar, cabe-nos também agir.
De Salazar esperamos a directriz e . . para a frente . que o futuro será nosso.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1960.
Tem a palavra o Sr. Deputado Franco Falcão.

O Sr. Franco Falcão: - Sr. Presidente: mais uma sessão legislativa acaba de iniciar-se.
Mais um período de trabalhos, de canseiras, de emoções e, quantas vezes, de estranhas e amargas desilusões vai absorver o nosso pensamento e despertar o interesse da Nação.
Sr. Presidente ao ser-me dada mais uma grata oportunidade de subir a esta honrosa mas difícil tribuna -o que aliás tem sucedido com relativa assiduidade -, quero que as minhas primeiras palavras sejam de saudação a V Exa., para lhe manifestar pessoalmente, com todo o respeito e entusiasmo, o meu sincero regozijo por virtude das grandes homenagens que o distrito de Aveiro, numa espontânea e elevada manifestação de gratidão e de justiça, quis patentear a V. Exa. para lhe testemunhar o grande apreço em que tem um dos seus mais ilustres filhos, que com tanta elevação tem sabido prestigiar o distrito que lhe serviu de beiço e traz permanentemente no coração.
As altas virtudes de V. Exa., como político distintíssimo, jurista consagrado e homem de bem do mais fino quilate, suo conhecidas de todo o País e sentimo-las dentro desta Casa, onde a bondade de V Exa., a simpatia e a simplicidade, aliadas a uma fulgurante inteligência, o tornaram insubstituível nesse lugar e profundamente respeitado e estimado por todos nós.
Queira, pois, Sr Presidente, que eu, às manifestações que com tonto brilho tributou a V. Exa. o nobre distrito de Aveiro, junte os meus cordiais cumprimentos de sentida e devotada admiração pelas insignes qualidades de carácter e aprumo de que V. Exa. é seguro possuidor.
Sr. Presidente, como já aqui tive ensejo de afirmar, não me julgo um economista, nem tão-pouco me considero um sociólogo ou técnico de finanças.
O encorajamento que em mim ressalta de me abalançar todos os anos a tomar posição sobre alguns problemas, da minha particular simpatia, visados nas diferentes propostas de leis de meios presentes a esta Assembleia, resulta do facto de aqueles diplomas serem apresentados ao País com uma impressionante e límpida clareza, que bem exprime e define o equilíbrio, o solidez e a ponderada administração das finanças nacionais.
Com efeito, mais uma lei de autorização de receitas e despesas é apresentada ao País e, como habitualmente, estruturada nos princípios básicos do equilíbrio orçamental iniciado com decisão e firmeza pela mão sábia e prudente do Prof. Salazar e cuja lição tem perdurado, tornando assim possível um constante crescimento e uma valiosa expansão do rendimento nacional.
Caminhamos devagar, é certo, mas caminhamos com segurança, livres de sanguinárias subversões políticas, u margem de conflitos de ordem social, ciosos de que a unidade e a grandeza do nosso território, desde o Minho até Angola, a Macau, Timor ou a terras sagradas da Índia, é o mais luminoso baluarte de defesa dos valores ocidentais contra os ventos que sopram do exterior, até mesmo quando envenenados por portugueses, que; fazendo turismo de alta traição, esquecem rudemente as atenções e contemplações recebidas, negam a sua qualidade de seres racionais é renegam criminosamente a Pátria.

(Assumiu a presidência o Sr. Deputado Soares da Fonseca).

Sr. Presidente: a proposta de lei em discussão vem precedida de um importante e excelente relatório, onde os problemas financeiros são lógica e claramente postos em paralelo com a actual conjuntura económica mundial.
O explícito relatório em causa, da autoria do Sr. Prof Pinto Barbosa, exprime não só a notável competência de mestre de finanças e a mentalidade ponderada, reflectida e honesta do seu qualificado autor, mas define ainda o propósito sério de dar a conhecer à Nação as directrizes a seguir na cobrança de receitas e a forma como estas são distribuídas na satisfação das necessidades públicas, no evoluir do progresso e na solução dos mais variados problemas da vida nacional.
Mais uma vez se nota a preocupação de impor uma severa economia na utilização de verbas por parte dos serviços públicos, particularmente no que se refere a despesas de consumo corrente ou de carácter sumptuário, limitando-se ainda ao indispensável as despesas fora do País com missões oficiais

Página 146

146 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 137

Semelhantes providências denunciam intenções fortemente benéficas e moralizadoras, que obstam a que os dinheiros públicos sejam prodigamente esbanjados por servidores menos escrupulosos, com a prática de abusos condenáveis, com a utilização de automóveis ou de outros bens do Estado em proveito próprio, ou em passeios, dos quais muitas vezes não resulta qualquer benefício, mediato ou imediato para a colectividade
As judiciosas limitações impostas são dignas dos maiores louvores, pois, além de estabelecerem regras de economia que muito interessam ao enriquecimento do nosso património, contribuirão em larga escala para o prestígio da própria Administração.
Por outro lado, de especial relevância e oportunidade se apresentam as providências sobre o funcionalismo, pois se revestem de um elevado sentido de humanidade e caridade cristãs, de indiscutíveis reflexos de ordem social e política.
Tive ocasião de, no início da última sessão legislativa, referir circunstanciadamente a difícil situação dos servidores do Estado que, forçados pela decisão implacável da lei ou vítimas da doença, foram ou são afastados do serviço efectivo de funções com substancial diminuição de proventos no momento em que o médico, a farmácia e as exigências da velhice ou da enfermidade reclamam maiores despesas e mais prodigamente afectam a sua débil economia privada.
O apelo que então formulei a favor de uma melhoria nas pensões de aposentação tive a honra de o ver secundado por alguns ilustres Srs. Deputados, que, iluminados pelos mesmos sentimentos de humanidade e de paz social, aqui trouxeram a voz cristalina do seu coração generoso.
Do mesmo modo, o jornal O Século; em vários dos seus magníficos editoriais, ventilou o assunto com aquele requinte que constitui timbre das suas conceituadas colunas, sempre prontas a defender as causas onde haja sede de justiça ou a focai problemas onde esteja em jogo o interesse nacional.
O Governo da Nação, cuja estrutura política se baseia fundamentalmente no direito e na moral, na razão e na justiça, na caridade e na satisfação do amor do próximo, não podia ficar indiferente aos clamores dos seus fiéis e dedicados servidores, que, ao cabo de uma vida inteira ao serviço do Estado, têm direito à gratidão e ao carinho, proporcionando-lhes nos últimos anos de existência o ambiente onde possam sentir com alegria a satisfação do dever cumprido e garantindo-lhes na doença o indispensável para que o sofrimento, a dor e a amargura se tornem menos cruéis.
Ao agradecimento muito sincero que desta tribuna dirijo ao Governo quero juntar os mais veementes votos para que na revisão das pensões de reforma sejam tomados na devida consideração os militares na reserva, esses esforçados portugueses que tudo deram ao serviço dos ideais comuns e que, ostentando no peito o símbolo da honra e do dever, expuseram a vida e derramaram sangue na manutenção da ordem e na defesa da dignidade e da integridade do território nacional.
A justiça que preside às medidas agora anunciadas pelo Governo a favor dos reformados reveste-se da maior premência, e posso aferir da razão do seu valor através as dezenas de cartas que havia recebido de funcionários aposentados, pertencentes aos mais variados sectores, depois da minha intervenção em defesa das suas legítimas reivindicações.
Estou certo de que posso dar por findo neste momento o patrocínio que gostosamente aceitei, nesta causa, pois o Governo mais uma vez deu a conhecer ao País os seus firmes objectivos de contribuir, dentro das suas possibilidades financeiras, para a melhoria do nível de vida e bem-estar de todos os portugueses.
Resta-me, Sr. Presidente, a consolação de que no desempenho da aninha modesta missão parlamentar - longe de pretender - provocar fenómenos de natureza demagógica, tão contrários à minha formação moral, familiar, religiosa e política - me tenho esforçado por trazer a esta Câmara, com a maior honestidade e com consciente conhecimento das conveniências sociais e políticas, problemas que, por se revestirem da mais palpitante actualidade, têm merecido dos poderes constituídos a necessária e adequada aceitação.
Semelhante certeza, se por um lado concede foros de verdade à acuidade dos problemas postos, demonstra, por outro lado, o desejo do Governo de, com a maior solicitude, dar resolução a todos os problemas que se apresentem autenticados com inequívocas razões de ciência e se destinem a plena satisfação do bem colectivo
Nesta conformidade, vem a propósito lembrar neste momento as considerações que formulei na sessão de 17 de Janeiro de 1958.
Nesta sessão, ao fazer a análise do diploma que estabeleceu as bases para uma efectiva assistência técnica à lavoura, procurei demonstrar à evidência o desequilíbrio existente entre os preços do trigo e do azeite, fixados em tabelas com mais de uma dezena de anos de vigência, e o aumento verificado não só no custo da mão-de-obra, mas ainda em tudo o mais que o lavrador tem de comprar para ocorrer às exigências sempre crescentes da exploração agrícola.
O Sr. Secretário de Estado do Comércio, que às suas reconhecidas qualidades de notável economista sabe aliar um afinado espírito de justiça, não quis ficar indiferente às prementes reivindicações da lavoura, que, vencendo paciente e disciplinadamente os seus desânimos, em constante luta com a terra e os reveses da natureza, aguarda sempre com confiança a graça de melhores dias.
S. Exa., reconhecendo que o preço do azeite não remunerava há muito o seu custo dê produção, determinou, por portaria de 14 de Outubro do ano corrente, novos preços e novas bases para o comércio daquele produto, satisfazendo assim uma velha aspiração da oleicultura portuguesa.
O aumento verificado, embora não vá além de 20 por cento, numa altura em que o custo da mão-de-obra já se encontrava valorizada em cerca de 50 e até 100 por cento em algumas regiões, constitui, no entanto, uma melhoria e um estímulo para a lavoura, que, por não estar habituada a grandes lucros ou a substanciais rasgos de generosidade, com pouco se contenta.
A correcção agora introduzida no preço do azeite fica, assim, aquém da justa compensação dos investimentos e dos riscos da produção, notando-se, no entanto, que a ela presidiu reflectido critério e ponderada visão, pois havia que tomar na devida conta os interesses do consumidor, de modo a evitarem-se distorções de carácter económico, com vista a um prudente e recomendável equilíbrio do custo de vida.
Sr Presidente julgo interpretar o pensamento e o sentir de toda a olivicultura endereçando ao Sr Dr. Correia de Oliveira os melhores agradecimentos por tão desassombrado acto de justiça a favor da lavoura portuguesa, que fica confiadamente aguardando da sua acção, do seu dinamismo e da sua inteligência fulgurante e esclarecida novos e mais amplos benefícios em defesa do mais valioso pilar de toda a nossa vida económica, à volta do qual se albergam e vivem tantos milhões de portugueses.

Página 147

11 DE DEZEMBRO DE 1959 147

Mantém-se, no. entanto, estacionário há cerca de onze anos o preço do trigo, não obstante as variadíssima dificuldades que a lavoura tem de enfrentar com encargos resultantes do fisco e da organização corporativa, com o aumento do material destinado à exploração s do custo da mão-de-obra, este agravado pela escassez de braços, desviados pela construção civil, pelas obras públicas, pela indústria e pela ânsia da conquista de mais favoráveis posições, verificando-se que os jovens abandonam a terra e poucos são aqueles que ingressam nas lides e nos quadros da vida agrícola.
São decorridos trinta anos após o lançamento da primeira semente da Campanha do Trigo, feito na Herdade de Águas de Peixe, nos limites dos distritos de Évora e Beja.
Foi o saudoso presidente Carmona quem a lançou à terra, em presença do grande entusiasta e impulsionador da Campanha, coronel Linhares de Lima, ao tempo Ministro da Agricultura, e, ainda, com a assistência de numerosa representação da lavoura alentejana.
Os objectivos fundamentais e primaciais do empreendimento destinavam-se substancialmente a fomentar e a desenvolver a cultura do trigo, por forma que pudéssemos satisfazer as nossas necessidades alimentares sem o recurso ao estrangeiro, de modo que o pão que entrasse na boca de todos os portugueses _ fosse produzido e amassado com o suor do seu próprio esforço.
A lavoura, sempre pronta a cooperar na valorização da terra e a contribuir para o progresso económico da Nação, soube corresponder com a desejada solicitude ao apelo que lhe foi dirigido.
Assim, desbravando matagais, vencendo serramos e sulcando, com o labor do arado, charnecas até então abandonadas, transformou por completo o nosso panorama cerealífero.
Graças à iniciativa do Governo, ao abnegado espírito de compreensão dos homens da terra, foi possível fazer prodígios neste importante sector da agricultura, passando o nosso país da preocupante condição de deficitário à situação desafogada de auto-abastecido, verificando-se, até, que o volume dos colheitas de 1957-1958 excederam largamente o quantitativo das necessidades internas.
Este facto deve-se, como já referi, não só à política do Governo e ao esforço da lavoura, mas ainda à notória melhoria dos métodos de produção, resultante principalmente do emprego cada vez mais generalizado da maquinaria adequada, do uso mais racional de fertilizantes, quer em quantidade, quer em qualidade, e da utilização de sementes calibradas, o que representa, sem dúvida, um sensível progresso na técnica cultural.
O esforço solicitado e tão decididamente correspondido tem de continuar a merecer do Governo a indispensável protecção, sob pena de poder verificar-se um retrocesso, motivado pelo desinteresse das produções ou pelo deficiente tratamento das culturas, o que poderá traduzir-se em precária diminuição do produto e, consequentemente, do próprio rendimento nacional
Devemos estar sempre acautelados com as necessárias previsões e reservas, pois há que contar com os anos maus, com as pragas, com as guerras, com as calamidades e com o aumento sempre crescente da população.
Desta sorte, não parece aconselhável uma substancial redução da área utilizado na cultura do trigo.
Parece antes indicado que se adoptem novas providências no fabrico de pão de trigo, de modo que na sua manipulação não sejam utilizadas farinhas provenientes de outros cereais.
Só assim será possível dar-se ao consumidor pão de trigo de boa qualidade, libertando-o ao mesmo tempo.
das investidas da especulação e dos desmandos dos falsificadores.
Para os restantes cereais panificáveis, tais como o centeio e o milho, deverão fazer-se estudos para possíveis derivantes de industrialização e colocação nos mercados externos dos excedentes destinados ao consumo regional ou local, podendo ainda limitar-se a área ocupada com o centeio, cuja cultura é, regra geral, de lucros acentuadamente negativos.
Mais provas de dedicação, de energia e deliberado espírito de iniciativa vão ser dadas pela lavoura, para que, numa conjugação de esforços com os organismos especializados de que depende, o sector agrário português possa tirar o maior proveito dos grandiosos investimentos que o II Plano de Fomento lhe reserva.
Para que dos investimentos se possam tirar todos os benefícios e alcançar os objectivos visados torna-se necessário e útil que se organizem planos devidamente estudados e que os técnicos acompanhem de perto a vida do agricultor, para que do confronto entre a ciência e as realidades da prática se possa com mais segurança determinar o caminho a seguir.
O problema do regadio é daqueles que requerem uma , meditada e rápida atenção e exige que se façam os mais apurados e sérios estudos acerca da forma do seu melhor aproveitamento.
Foram já investidos volumosos capitais no levantamento de barragens e de represas, para que a água torne mais frescas, verdejantes e férteis vastas extensões de sequeiro, pode as culturas são, regra geral, mais contingentes e menos produtivas.
Impõe-se, no entanto, que o regadio se não deixe entregue aos seus próprios destinos, mas antes se lhe preste a conveniente e cuidada assistência, levando aos respectivos proprietários - até então habituados a outros processos e a velhas técnicas - os convenientes ensinamentos e sistemas de rega e ainda o conhecimento de quais as espécies de cultivo mais adequado.
De contrário, continuaremos a assistir à plantação de oliveiras no regadio - ameaçado até por certas espécies florestais - e à tradicional sementeira do milho ou de outros produtos de reduzido valor alimentar e comercial, não sendo assim possível tirar-se do empreendimento os resultados económicos e sociais que o determinaram.
Assim, a água corre lépida e vaidosa pelos canais, e quantas vezes o proprietário lhe fica indiferente, por não saber tirar dela as necessárias vantagens, e sem que ao menos o ambicionado líquido, assim livremente derramado, possa satisfazer necessidades candentes das populações vizinhas.
Isto acontece, por exemplo, com a populosa freguesia de Ladoeiro, que, estando localizada, em pleno coração da campina da Idanha-a-Nova, vê sequiosa e amofinada a água correr farta e serenamente a seus pés, muitas vezes sem qualquer aproveitamento imediato e útil, não podendo todavia utilizá-la para dar de beber aos seus habitantes, que, não possuindo água potável em abundância, lutam com as maiores dificuldades para a sua obtenção, pois a pouca água de que dispõe a freguesia é captada nas piores condições de higiene, causando por vezes apreensivos casos tifosos, geradores de justificado alarme entre a população
Há que reconhecer, sem dúvida, o valor das áreas regadas, mas torna-se necessário seleccionar e escolher as espécies culturais que lhes são mais adequadas, dotá-las de centros industriais -, onde os produtos possam ser mais convenientemente aproveitados, por forma a poderem com mais optimismo concorrer aos mercados internos e externos, e conceder aos proprietários mais amplas e fáceis possibilidades do recurso ao crédito.

Página 148

148 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 137

Impõe-se, sobretudo, que se desenvolva a cultura de forragens, que no regadio encontra o meio mais propício à sua disseminação, para que assim seja possível enveredar-se com maior amplitude no importante sector da criação de gados, que, além do mais, levarão à terra a matéria orgânica absolutamente indispensável não só para provocar o aumento das produções, mas ainda para evitar o empobrecimento do solo.
Conscientes da importância que os gados desempenham no nosso complexo agrário e na alimentação do povo português, impõe-se que se promova, com vontade o coragem, uma verdadeira campanha de valorização da pecuária nacional a Câmara Corporativa, no seu douto parecer sobre a presente proposta de lei, chegou, justamente à conclusão de que a produção pecuária não acompanha o ritmo do aumento da população, nem da crescente melhoria do seu nível de vida
O gado leiteiro - bovino e lanígero de qualidade - deve ter no regadio um lugar de especial relevância.
Focando particularmente as condições do regadio da campina de Idanha-a-Nova, quero crer que o pouco interesse que ali se tem notado, no que se refere ao incremento da pecuária, se deve, em glande parte, à falta de uma central leiteira.
Com efeito, a instalação de uma bem apetrechada central de lacticínios que garantisse o escoamento e a colocação do leite produzido pelos gados fomentaria um sensível crescimento agro-pecuário, pois daria aos lavradores maior incentivo e mais decidido entusiasmo na criação da espécie animal.
Vai o País experimentar os efeitos de uma profunda reorganização agrária, que, por certo, tornará mais próspera e produtiva a terra portuguesa.
Convém, todavia, não perder de vista o que já está realizado, para que dos capitais investidos e dos métodos adoptados se consiga alcançar um total aproveitamento económico e social, procurando-se não só amparar e estimular a produção, mas ainda criando-se o clima e os meios indispensáveis à montagem e ao desenvolvimento da indústria agrícola, que nas áreas regadas está destinada a melhores e mais assegurados êxitos.
Para a obtenção deste importante desiderato interessa fundamentalmente que se intensifique a distribuição de energia eléctrica, pois acontece que a já referida freguesia de Ladoeiro, que é o centro de todo o regadio da grandiosa Barragem Marechal Carmona, continua a iluminar-se triste e desoladamente à luz mortiça da candeia, não obstante albergar dentro dos seus pacíficos muros o edifício sede da associação de regantes, cuia imponência e modernismo do mesmo modo se perde na escuridão implacável da noite.
Um mais intensivo e estudado aproveitamento agro-pecuário e a instalação de pequenos centros fabris parece-me ser, sem dúvida, a grande batalha a vencer, para que das áreas regadas se possa obter um valioso contributo destinado a acelerar o ritmo de incremento do produto bruto nacional.
Sr. Presidente, para não fatigar a Câmara e ainda para que não pudesse supor-se que os restantes problemas da vida nacional correm indiferentes ao meu interesse e à minha reflexão, propositadamente na última sessão legislativa não trouxe a esta magna Assembleia problemas de natureza agrícola, apesar de viverem apaixonadamente no meu espírito e de estarem sempre actuais e palpitantes nos grandes concertos da economia dos povos.
Portugal continua ainda a ser um país predominantemente agrícola, mesmo que os homens das cidades, embriagados pelo delírio dos prazeres e pela volúpia das multidões, assim o não queiram por vezes entender, esquecendo-se de que dependem inteiramente, em alimentos e matérias-primas, da coragem, do esforço e do trabalho insano dos agricultores.
Não só entre nós, mas também em vastas regiões do Mundo, se verifica que grande parte das populações se ocupa principalmente nos trabalhos do campo.
Com efeito, cerca de três quintas partes da população mundial vivem da terra, variando a percentagem a população Agrícola de nação para nação, e, num mesmo país, de região para região.
Assim, enquanto que na Jugoslávia três quartas partes da população se compõem de agricultores, pescadores e trabalhadores florestais, na Inglaterra estas classes apenas representam 5 por cento.
Por outro lado, enquanto que na Suécia a população rural atinge 23 por cento, nos Estados Unidos da América não vai além de 15 por cento da sua população.
A percentagem é menor e tende justamente a diminuir nos países onde a industrialização evolui mais ràpidamente, como acontece, por exemplo, nos Estados Unidos da América, Suéçia, Canadá, Finlândia e Japão, onde a proporção de trabalhadores agrícolas em relação com a população total desceu anualmente cerca de 0,5 por cento nos últimos 80 anos.
Entre nós, creio estarmos ainda longe daquele nível de industrialização que possa foi temente modificar o nosso panorama agrícola, pelo que me abalanço a afirmar que a terra é e continuará a ser o mais poderoso factor de prosperidade do complexo circuito de toda a nossa economia.
Por isso, a agricultura nacional tem fé e confiança nos seus destinos e confia no saber, na clarividência, na vontade e na experiência do ilustre Secretário de Estado da Agricultura, Sr. Eng. Quartin Graça, cuja acção ficou bem definida nestas singelas mas ponderadas e significativas palavras, proferidas na inauguração da Adega Cooperativa de Cantanhede «Tudo o que está feito não passa de pequena parcela do que é necessário realizar».
Deste modo, ao dar com sentido prazer a minha aprovação na generalidade à proposta de lei em discussão, concluirei por afirmar que a lavoura tem a plena consciência da sua nobre e alta missão a cumprir, para que a terra portuguesa se torne cada vez mais produtiva e aos Portugueses não falte o pão, a abundância e a alegria.
Tenho dito.

Vozes : - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente, não quero deixar passar esta oportunidade sem me pronunciar sobre três capítulos do excelente relatório que precede a Lei de Meios para 1960, elaborado por S. Exa. o Ministro das Finanças e que o Governo enviou à Câmara.
Esses três capítulos são o da saúde pública, o das providências sobre o funcionalismo e o da política rural.
Com uma larga visão de estadista e com uma persistência digna dos mais rasgados louvores, continua o Sr Ministro das Finanças a conceder verbas que permitam o prosseguimento eficaz da luta contra a tuberculose - o flagelo que mais intensamente nos açoita, roubando à vida ou inutilizando por longos anos tantos milhares de portugueses Essas verbas anuais destinadas à luta antituberculos têm subido continuamente nestes nove anos, passando de 44 200 contos em 1950 para 83 500 em 1956 e para 117 000 em 1958
O Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, responsável pela condução da luta, elaborou os

Página 149

11 DE DEZEMBRO DE 1959 149

seus planos de acordo com as disponibilidades económicas e as necessidades do País, planos que submeteu à apreciação do conselho técnico e que, depois de superiormente aprovados, têm sido executados com o mais rigoroso escrúpulo. O que estamos executando, elaborado e aprovado em 1955, divide-se em duas fases, uma que termina em 31 de Dezembro de 1960 e outra que se estende até ao fim de 1970. Nestes planos foram cuidadosamente calculadas as nossas necessidades em dispensários e consultas-dispensários, em brigadas de provas e vacinação, em unidades de radiorrastreio, em camas de sanatórios e de enfermarias-abrigo, em camas de preventórios e em unidades de reabilitação Neles está considerada uma fase essencialmente de ampliação dos serviços e outra sobretudo de intensificação da campanha de aperfeiçoamento técnico de todo o pessoal, de melhora do equipamento e de educação sanitária.
Os planos são preferentemente de ordem profiláctica, estão de acordo com as nossas possibilidades financeiras e técnicas, visam a uma progressiva intensificação da luta e atendem as nossas mais prementes necessidades no combate a esta doença. Tem, por outro lado, o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos procurado estabelecer a mais íntima ligação com os serviços de saúde do Ministério da Educação Nacional, onde encontrou o mais franco apoio da parte de S. Exa. o Subsecretário daquela pasta, e com os serviços médicos-sociais, com quem foram já estabelecidas as bases de um acordo de cooperação, que desejamos ver assinado dentro em pouco, para que a luta tome outra feição nesse sector.
Mas é natural que muitos, imbuídos de leituras respeitantes a outros países e conhecendo mal alguns aspectos prementes das nossas condições, julguem que podiam e deviam ser outras as linhas orientadoras dessa luta. Como muito bem disse o director-geral de Organização Mundial d» Saúde, no seu relatório de 1952, as medidas postas em prática nos países mais evoluídos não podem ser transportadas, com garantia de êxito, para outros países do Mundo - cada país escolherá os melhores métodos aplicáveis às suas condições.
A técnica e a ciência médica são dois factores importantes da luta, mas os elementos a quem é atribuída a responsabilidade da profilaxia e do tratamento desta doença têm de contar também com variadas condições sociais. A estrutura social do País, o valor do apetrechamento dispensarial e senatorial, a facilidade dos transportes, o grau de endemia, a existência ou não de cobertura social dos tuberculosos e seus familiares, tudo são elementos a considerar
No plano que foi estabelecido não deixou sequer de atender-se à evolução que vai sofrer" o País com a execução do Plano de Fomento e à sua industrialização progressiva, às migrações internas que se prevêem, às novas condições de vida a que será submetida boa parte da população rural, e, com elas, uma possível intensificação da incidência da tuberculose. O caso não tem nada de extraordinário - o mesmo sucedeu em muitos países da Europa e de outros continentes, no fim do século passado e naquele em que nos encontramos.
Não podemos esquecer a lição dos outros para atenuar tanto quanto possível os seus efeitos entre nós. Por isso mesmo, procuramos intensificar o mais possível a vacinação pelo B G. C. para aumentar a resistência antituberculosa dos indivíduos e tratamos de nos apetrechar convenientemente para podermos fazer diagnósticos precoces e tratamentos imediatos e contínuos.
Esse plano fará subir de 161 para 234 o número de dispensários e de consultas-dispensário, além de 3 dispensários móveis destinados a assistir àqueles concelhos desprovidos dessas unidades assistenciais e para servir de apoio a um ou outro dispensário ou consulta-dispensário fixos. As unidades de radiorrastreio, que estiveram durante 4 anos limitadas a 3, passaram a 23 e deverão passar a 30 no ano que vem. As brigadas móveis de provas e vacinação pelo B. C. G., que estiveram limitadas a 3 de 1951 a 1955, contam-se agora por 15 e devem atingir 17 em 1960. As camas dos sanatórios passarão de 5973 paia 6329 em 1960 e para 0956 em 1901 e as das enfermarias-abrigos passarão de 1995 para 2895. As unidades de reabilitação serão 3 - uma para cada zona - em 1962.
Embora tenhamos já atingido 1,24 camas por 1000 habitantes (taxa muito superior às do Canadá, Estados Unidos da América, Brasil e Argentina), o que é certo é que esse número de camas não chega ainda para as nossas necessidades assistenciais.
O dispensário é um dos elementos fundamentais da luta antituberculosa - foi-o em todos os tempos, desde que surgiu no armamento antituberculoso, e é ainda hoje. Mas para que o seja é necessário que funcione como deve, descobrindo os que adoecem de tuberculose, a atando os casos que lhe são confiados, fazendo a vacinação dos alérgicos e a educação sanitária dos doentes e da população. Tem de ser um elemento activo de busca de doentes e de fontes de contágio, e não uma consulta externa passiva paia os doentes que ali vão procurar o médico. E tem de procurar ligar a sua acção a das unidades de radiorrastreio, à enfermaria-abrigo, aos sanatórios, constituindo um dos elos da cadeia funcional, que não pode interromper-se sem se correr o risco de comprometer, total ou parcialmente, a sua acção. Ora, os nossos dispensários, embora tenham vindo a melhorar nos últimos tempos, estão ainda longe de atingir o grau de aperfeiçoamento que deviam possuir. Isso é devido a múltiplas causas, entre as quais avultam a deficiência numérica do pessoal e a péssima remuneração que têm os médicos que ali trabalham. O aperfeiçoamento almejado há-de conseguir-se.
O quadro reproduzido a p. 167 do relatório de S. Exa. o Ministro das Finanças dá conta do trabalho realizado nos dispensários, trabalho que, aliás, carece de uma palavra de análise em 1959 o número das primeiras observações foi superior em cerca de 12 000 ao de 1058, mas, pelo contrário, o número de inscritos por doença é inferior ao de 1958 (segundo os cálculos) em cerca de 2500.Além disso, enquanto os 115 580 que foram observados em 1958 revelaram cerca de 19 000 tuberculosos, os 127 262 previstos para 1959 apenas deverão comportar 16 396 tuberculosos, isto é, a percentagem baixa de 15,4 para 13. Isto é um elemento de certo valor para apreciar não só o trabalho dos dispensários, mas também a marcha da endemia, tanto mais que os dispensários estão a receber todos os casos de tuberculosos descobertos pelo radiorrastreio.
Nos mesmos dispensários registou-se de 1958 para 1959 um aumento dó número de inscritos por profilaxia - mais 5500 pessoas.
Por outro lado, verifica-se pelo mesmo quadro que o número de doentes internados aumentou de um ano para o outro de 680. Isto deve-se a ter-se aumentado o número de camas e a reduzir-se a duração do internamento.
O número de provas tuberculosas continua a aumentar - este ano fizeram-se mais 66 709 provas que o ano passado; quer dizer que foram mais umas dezenas de milhares de indivíduos que foram atingidos pelas brigadas de radiorrastreio e vacinação em relação a

Página 150

150 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 137

1958 Devemos ter atingido cerca de 2 500 000 provas tuberculosas no fim de 1959.
E se, a despeito disso, vacinámos menor número que o ano passado, há que explicar a razão deste procedimento aos que porventura não estejam dentro do problema é que nos dirigimos a outro sector da população diferente do primeiro O trabalho foi sobretudo realizado junto da população activa, gente de outra idade, onde o número de alérgicos é muito mais elevado do que na população escolar e, portanto, onde é menor a percentagem de indivíduos em condições de serem vacinados O número de pessoas vacinadas deve atingir nesta altura cerca de 800 000.
Pelo que respeita ao radiorrastreio, apesar de termos recebido os novos aparelhos, só a meio do ano e de estarmos a fazer o radiorrastreio da população activa, que se não apresenta com a regularidade dos escolares, conseguimos, um número de microrradiografias que excede de 89 000 o do ano anterior. A totalidade do número de microrradiografias feitas cifra-se, no fim de 1959, em cerca de 4 milhões.
Tanto o rastreio tuberculínico como o radiorrastreio tem-se estendido progressivamente, de modo a atingirem os mais recônditos agregados populacionais do País e das ilhas adjacentes.
Os números que aí ficam duo conta dos resultados já conseguidos.
A eles há que juntar a forte baixa de mortalidade por tuberculose - nestes últimos 10 anos, ela desceu de 150,4 para 50,8 por 100 000 habitantes, em 3 fases uma primeira, rápida, em cascata, que a trouxe para 62; outra, de pequenas oscilações, entre 1953 e 1956, e agora outra, de curso novamente rápido, em 1957 e em 1958. Temos razões para supor que no fim do corrente ano será ainda mais baixa que no ano passado. Ao lado disto tem-se verificado que os casos de meningite tuberculose, outrora tão frequentes, são hoje extremamente raros, como raras são hoje as formas graves de primo-infecção tuberculosa
Do balanço que estamos dando parece-me concluir:

a) Que os programas de luta estabelecidos pelo Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos foram elaborados criteriosamente, com conhecimento perfeito das nossas condições sanitárias e com a garantia da possibilidade da aplicação dos mesmos;
b) Que o Governo está realizando uma política digna dos maiores louvores, atribuindo àquele Instituto as verbas indispensáveis à execução dos seus planos de luta;
c) Que os resultados práticos obtidos são animadores e que, portanto, o serão muito mais nos anos que vão seguir-se.

Mas se os resultados são animadores, eles não o são ainda tanto que possamos pensar em quebrantar o ritmo da luta
É certo que a mortalidade por tuberculose baixou muito, e isto é motivo de justo contentamento, mas é certo, também, que estamos ainda longe das taxas já conseguidas por outros países; a nossa posição internacional, neste ponto, não é louvável.
Também é verdade que a tuberculose não representa mais que 5 por cento da mortalidade geral do País, mas também é certo que é ela que conta bastante como causa da morte nas idades de maior produtividade do homem.

Dos 20 aos 24 anos ela representa 27,8 por cento das causas de morte.
Dos 25 aos 29 anos ela representa 36,1 por cento das causas de morte.
Dos 30 aos 34 ano? ela representa 30,8 por cento das causas de morte.
Dos 35 aos 39 anos ela representa 23,4 por cento das causas de morte.

Aliado a isto, torna-se necessário recordar que a baixa da mortalidade não segue o mesmo ritmo que o da mortalidade - tanto quanto podemos avaliar pelos diagnósticos que nos vai revelando o radiorrastreio, pelos casos novos registados pelos dispensários e pelas consultos-dispensários e ainda pelas viragens positivas das reacções tuberculínicas. Efectivamente, estas têm-nos revelado que a percentagem com que se infectam de tuberculose as nossas crianças, embora menor que aqui há alguns anos, ainda sobe muito rapidamente, de modo a atingir 30 por cento na idade escolar primária.
Isto significa que cerca de um terço da nossa população escolar primária foi atingida já pelo bacilo de Koch e, portanto, que as nossas crianças estão ainda altamente expostas a infecção tuberculosa.
Daqui se infere, portanto, a necessidade da prossecução da luta sem desânimo até à extinção do Temos possibilidades técnicas de o conseguir. Ponto é que o Governo prossiga a sua política, nos não falte com os meios para a execução do programa e que certo sector importante da nossa Administração, vaze em outros moldes os seus programas de combate à tuberculose Não temos que esperar por melhores condições de vida, melhor alimentação e outros elementos de acção passiva, secundária, demorada e duvidosa.
Temos de prosseguir o combate activo e incessante, fazendo a descoberta da infecção e da doença pelo rastreio tuberculino e pelo radiorrastreio, promovendo o reconhecimento dos contagiantes por acção do dispensário e da consulta-dispensário, isolando e tratando os doentes no sanatório, na enfermaria-abrigo é no dispensário, vigiando os contactos por brigadas móveis, aumentando a resistência específica pela vacinação pelo B. C. G. dos analérgicos e, possivelmente, até pela aplicação da quimioprofilaxia. Estes são os modernos elementos de combate activo contra o flagelo e são aqueles que temos posto ao serviço desse combate no nosso país
É escusado encarecer o valor destes meios de luta, mas sempre lhes digo que o Prof. Wallgren, de Estocolmo, a quem se deve tanto o êxito conseguido pela Suécia na luta contra a tuberculose, que a partir de 1927 conseguiu mesmo restaurar a confiança do Mundo inteiro no B. G. G e que até agora não tem cessado de exaltar o seu valor na luta contra aquela doença, ainda há pouco mais de um mês, em Paris, numa reunião onde se encontravam alguns dos mais destacados nomes que se têm consagrado à profilaxia das doenças infecto-contagiosas, afirmou que nos países onde a curva das alergias de infecção subia lentamente a vacina B.C.G. podia começar-se tardiamente, mas que naqueles onde as percentagens das infecções se faziam já em tenra idade tornava-se necessário começar a vacinação pelo B. C. G. a partir do recém-nascido Essa tem sido a nossa orientação e nela devemos prosseguir, dadas as nossas condições sanitárias
Mas, infelizmente, há sectores importantes da nossa Administração onde a luta se não faz com a devida eficiência e outros onde se fazem duplicações desnecessárias.
O Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, a quem compete, por lei, a orientação e a execução da luta, procura por todos os meios alargá-la o mais possível.

Página 151

11 DE DEZEMBRO DE 1959 151

Esperamos que dentro em breve seja assinado por S. Ex.a o Ministro das Corporações o acordo de cooperação estabelecido pelos membros de uma comissão que representavam a Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos e os Serviços Médico-Sociais - Federação de Caixas de Previdência e que já foi assinado, há tempos, por 8. Exa o Ministro da Saúde, segundo informações que me foram fornecidas. Esse acordo trará uma notável economia e permitirá intensificar e alargar extraordinariamente o campo da luta anti-tuberculosa.
Já o ano passado aqui referi que um factor fundamental para o êxito da luta é a cobertura económica da tuberculose Passou um ano e tudo se mantém na mesma. Enquanto isso se não fizer será muito difícil isolar e tratar convenientemente a maioria dos tuberculosos. Não é possível impor a um chefe de família que se mantenha no sanatório ou que não retome o trabalho quando ele sabe que a família não tem a menor protecção, que se debate com as maiores dificuldades e que carece do seu salário para poder subsistir.
Esta é uma das razões por que os diagnósticos são tardios, por que os doentes fazem camuflagem do seu estado, por que se recusam a entrar ou a manter-se no sanatório, por que fazem tratamento tardio e insuficiente e por que surgem tantos e tão graves recidivas. Há que enfrentar o problema a sério e com urgência. Apelo, por isso, de novo para os Srs. Ministros da Saúde e das Corporações.
Aguardamos com ansiedade a discussão da reforma da previdência para analisarmos os problemas ligados ao seguro da tuberculose, se antes disso não puderem ser tomadas providências, ]á que o estudo da sua aplicabilidade está feito desde 1956 por um grupo de trabalho em que estavam representados elementos da previdência e do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos
Ë preciso que a luta se não confine ao continente, mas que se estenda, com as mesmas características, aos arquipélagos adjacentes e às nossas províncias ultramarinas. Aliás, ela já começou nuns e noutras
Efectivamente, desde há anos a este parle, tem havido uma estreita colaboração entre os serviços do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, e os serviços de saúde do ultramar, no sentido de se estenderem às nossas • províncias de além-mar os métodos de profilaxia que têm sido aplicados com êxito na metrópole, quer no que respeita à vacinação, quer pelo que se refere ao radiorrastreio.

O Sr Virgílio Cruz: -Muito bem !

O Orador: - Nalgumas delas as respectivas campanhas estão a desenvolver-se com notável sucesso. Anoto, porém, com mágoa, a notícia que me chega de que nem todas estejam a usar a vacina produzida no nosso laboratório nacional e que, pelo menos, uma esteja a aplicar vacina fresca proveniente de um país nórdico. Ora a nossa vacina, feita a partir da estirpe dinamarquesa, tem-nos dado absoluta garantia de pureza, de inocuidade e de eficiência e pode perfeitamente colocar-se a par das melhores. O facto de as ampolas dessa vacina nórdica trazerem no rótulo um prazo de mais longa validade não me parece justificar a preferência Julgo que neste caso havia que respeitar razões de ordem económica e patriótica Penso que a nossa vacina B C G. pode dar as mesmas garantias que a vacina a que me reporto.

(Reassumiu a presidência o Sr. Deputado Albino dos Rei»)

Vem a propósito recordar aqui que haveria o maior interesse em ultimar as obras e o apetrechamento do novo laboratório de produção de tuberculmas em solução e brofilizadas, de que já aqui falei em anos anteriores, e julgo da maior importância que se adquira a aparelhagem indispensável para a preparação do B. C. G- hofilizado no nosso laboratório nacional As verbas são de pouca monta e o interesse prático de tais medidas será do maior alcance
O atraso destas obras e do apetrechamento deste novo laboratório de tuberculina obriga-nos a comprar no estrangeiro milhares de ampolas de tuberculmas que custam muito caro e que nem sempre correspondem às garantias que nos foram dadas. Urge ultimar o nosso laboratório e pô-lo a funcionar dentro do mais curto prazo. Podemos, neste campo, bastar-nos a nós próprios e dispensar as aquisições no estrangeiro
Isso permitiria levar a todos os recantos do nosso ultramar uma vacina B C G que resiste a elevadas temperaturas, que dispensa a laboriosa e difícil continuidade da cadeia do frio e que mantém por longo tempo a sua validade.
Os nossos técnicos, a cargo de quem está a sua preparação, estão à altura de no-la fornecer nas mesmas condições de rigor científico que os que trabalham nos melhores laboratórios do Mundo, e a capacidade de produção do nosso laboratório bastará às nossas necessidades Então, serão totalmente inaceitáveis as razões que levam a adquirir vacina B. C. G. no estrangeiro para aplicar no ultramar português! Ouso chamar para o caso a atenção de SS. Ex as os Ministros da Saúde, do Ultramar e das Finanças, a fim de se poder pôr termo a uma situação que, a meu ver, não merece louvores
Dentro da saúde pública há um outro problema que exige a nossa maior atenção - é o da assistência à mãe e à criança Estamos, neste, campo, a marchar muito lentamente, com uma assistência que é manifestamente insuficiente Por várias vezes, nesta tribuna e em vários locais, tenho exposto as minhas apreensões, solicitado as providências indispensáveis para uma mais larga e mais perfeita assistência, apontado algumas das causas do nosso mal e sugerido algumas medidas tendentes a atenuá-lo
Para além dos aspectos humanitários e das graves consequências que a nossa elevada taxa de mortalidade infantil introduzirá na representação percentual dos vários elementos da nossa população, há que considerar o lugar que ela nos cria no conceito das nações, as críticas que por isso nos têm sido dirigidas e as dolorosas referências que nos fazem.
Em congressos internacionais, em exposições várias, somos apresentados como um país que, na Europa, dispõe das maiores taxas de mortalidade materna e de mortalidade infantil, e daí derivam, depois, as conclusões sobre o nosso nível económico e social. No recente Congresso das Misericórdias vários foram os relatores que analisaram a nossa grave situação e que reclamaram medidas tendentes a modificá-la. Por isso mesmo, não quero deixar passar este momento sem, de novo, chamar a atenção do Governo para estes aspectos delicados do nosso país.
Num trabalho publicado, há pouco, por dois peritos da Organização Mundial de Saúde somos apresentados desta maneira-
a) Pelo que respeita à mortalidade materna -em 13 º lugar, entre 25 países -, a pior dos países da Europa Ocidental que constam dessa lista;
ò) Pelo que se refere à mortalidade infantil - em 20º lugar;
c) Nos grupos dos l aos 4 anos e de 5 a 14 anos, a situação de Portugal é igualmente má.

Página 152

152 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 137

Tanto pelo que respeita à mortalidade materna, como à nado - mortalidade e à mortalidade infantil, a nossa situação deve considerai-se grave, e ainda é agravada pela tendência para a baixa da nossa taxa de natalidade.
Estamos assim porque o mal vem de longe, a herança foi pesada e o esforço realizado não é seguido por resultados imediatos Se durante muito tempo a taxa de natalidade cobria largamente os desgastes da ceifa de vidas infantis, agora já assim não é Aquela taxa de natalidade baixou e continua com tendência regressiva, e isso é motivo bastante para agravar as consequências da elevada taxa de mortalidade infantil
É certo que as taxas de mortalidade infantil não são as mesmas em todos os nossos distritos Tenho a rara felicidade de representar nesta Câmara o distrito de Coimbra, aquele que, desde há muitos anos, exibe as mais baixas taxas de mortalidade infantil Efectivamente, desde 1939 a 1955, o distrito de Coimbra passou de 88,4 para 52,8 a sua taxa de mortalidade infantil, mercê de uma extensa e formosíssima obra de assistência à mãe e a criança, que se deve, essencialmente, ao coração, a inteligência e à vontade desse homem extraordinário que presidiu à antiga Junta Geral do Distrito e que tem estado à frente da Junta de Província da Beira Litoral A frente da sua autarquia ele tem feito a demonstração do que podia e devia ser o arsenal assistencial deste pais no combate não só às causas de doença e de morte das mães e das crianças, mas também a tantas outras causas de doença e morte dos Portugueses
A tuberculose, a lepra e as doenças mentais tiveram extraordinário relevo dentro do conjunto daquele magnífico arsenal assistencial
E a obra continua a dilatar-se e a estender-se a outros sectores, graças a Deus, e está a completar-se e tem, em grande parte, garantida a sua continuidade através dos tempos, mercê da Fundação Bissaia Barreto, remate lógico e generoso de uma vida consagrada inteiramente ao trabalho, ao amor da Pátria e ao alívio dos que sofrem.
E ele tem demonstrado como deve ser encarada em toda a sua extensão a cooperação das autarquias e do Estado A demonstração do que afirmo está patente aos olhos de todos nessa obra extraordinária, que tem bem merecido as mais elogiosas apreciações dos que sabem ver e têm competência para apreciar coisas desta natureza
Seria injustiça grave não referir o que o Estado e algumas autarquias têm realizado nos últimos anos. Não sou dos que pensam que ao Estado cabem as culpas de todas as nossas deficiências Repito o que já afirmei
O Estado tem produzido excelente legislação assistencial; criou institutos especializados para a assistência à mulher e à primeira infância, para a assistência aos menores, para cuidar dos inválidos, para protecção da família, para combater certos flagelos sociais; introduziu no Código Administrativo disposições que permitem às autarquias conduza a acção assistencial até aos mais pequenos agrupamentos populacionais; tem espalhado hospitais com notável prodigalidade pelo País inteiro; instalou-as Casas dos Pescadores, onde se tem realizado notável obra assistencial; está orientando as Casas do Povo no sentido de alargarem a sua acção assistencial na zona rural, e está realizando contratos de cooperação com instituições particulares- de assistência para poder difundir até aos mais pequenos núcleos da [...] a sua acção protectora das classes menos privilegiadas
Tanto no campo da reforma hospitalar como no da luta contra o paludismo, a tuberculose, o tracoma e outras doenças, como no da assistência à maternidade e à infância, o esforço financeiro realizado tem eido deveras notável.
Esta notável obra não tem sido, porém, devidamente acompanhada de outras medidas que lhe garantiriam mais rápidos e mais significativos resultados A preparação do pessoal avulta entre os mais importantes
No que respeita a pediatras, não dispomos senão de cerca de 260 para l 600 000 crianças com menos de 10 anos, e estes absorvidos, na sua grande maioria, pelas cidades de Lisboa e Porto Coimbra tem alguns, mas nem todas as cidades os possuem. O ritmo da especialização é de 5 por ano.
Os ginecologistas andam também por 250, mas o número de parteiros não vai além de 150. A média anual de especializações é de 3 para cada grupo destes especialistas
Já o dissemos, com este ritmo de especialização nada de vulto poderemos vir a conseguir no campo da protecção à maternidade e à infância. A qualidade da assistência técnica ficará sempre inferior se não fomentarmos a especialização médica.
O Estado terá de reorganizar os seus quadros, estabelecer novos vencimentos, de harmonia com as categorias dos médicos, estudar as garantias indispensáveis ao preenchimento por especialistas dos lugares que nos quadros lhes são destinados, criar bolsas de estudo, etc., para atrair os jovens médicos para estas especialidades. Sem multiplicar o número de médicos especializados neste sector, nada de palpável conseguiremos
Outro tanto poderíamos dizer das enfermeiras [...] andam por cerca de 140 as que possuímos, e este número é manifestamente insuficiente A despeito do muito que fizemos nas nossas escolas de enfermagem - não só das enfermeiras [...], mas também nas das enfermeiras e dos auxiliares de enfermagem -, estamos longe daquilo que precisamos. Há que remover os obstáculos que se opõem a uma maior frequência e fomentar as condições que constituam atractivo forte para as candidatas. Há que prosseguir no esforço encetado para que possamos dispor de pessoal para assistir aos que frequentam as instituições e para fazer a indispensável educação sanitária da população Sem isso nada de vulto resultará
Ao lado do Estado, as autarquias, as Casas do Povo e as Casas dos Pescadores e as instituições particulares de assistência têm obrigações a cumprir e uma importante função a desempenhar Há que mobilizar vários sectores, se não a Nação inteira, para esta santa cruzada Tudo tem de ser devidamente coordenado e não pode continuar disperso, trabalhando cada qual à sua maneira, em esforços isolados, às vezes duplicando serviços e comprometendo o rendimento social do trabalho Não somos suficientemente ricos para nos darmos ao luxo desta dispersão própria de perdulários, nem suficientemente avançados no campo da higiene social para que possamos dispensar o esforço de procurar conseguir obter o maior rendimento possível de tudo o que já criámos
A verdade é esta nestes últimos anos, quando tínhamos o direito de esperar uma melhoria contínua da nossa assistência materno-infantil, por motivo das descobertas que puseram à nossa disposição os meios de vencer tantas doenças e por acção das numerosa» instituições assistenciais que criámos, temos sido testemu-

Página 153

11 DE DEZEMBRO DE 1959 153

nhãs impotentes deste fenómeno trágico: persistência de avultado número de partos sem qualquer espécie de assistência, mortalidade materna bastante elevada, forte nado-mortalidade e uma mortalidade infantil de taxas muito mais altas do que as dos demais países da Europa Ocidental e teimosamente renitente, sem qualquer tendência franca paia a descida, ao mesmo tempo que, em flagrante contraste, assistimos a descida das mesma» taxas nos diversos países, algumas delas em cascata Como disse uni grande pediatra holandês a As doenças infecciosas, as doenças do aparelho respiratório, a tuberculose e a gastrenterite fundem ao sol da higiene moderna» Que assim é mostram-no-lo as curvas da mortalidade infantil desses países nestes últimos anos E porque não havemos nós, os Portugueses, de criar, neste país de tão excelente sol, o sol dessa higiene moderna que os outros já conhecem ?! Temos a impressão de que o que há que fazer para o conseguir está muito aquém do esforço financeiro que já fizemos para [...] e instalai o que possuímos. O saldo fisiológico de 100 000 portugueses em cada ano não pode constituir argumento justificativo para relegarmos a segundo plano a solução deste problema
Não quero fechar este capítulo fiem uma palavra de fé na doutrina que nos guia e de confiança nos homens que a servem e de quem depende a solução destes problemas- creio firmemente lia necessidade da sua solução urgente e nas nossas possibilidades para lhe dar remédio Portugal há-de reduzir substancialmente a sua taxa de mortalidade infantil e há-de, além disso, como o exige a moderna [...], criar as condições que permitam o desenvolvimento harmónico da criança em perfeita saúde - este nobre objectivo é o complemento do' primeiro
E há-de procurar fazê-lo rapidamente, já que às razões internas, que são evidentes, vem agora juntar-se, uma outra, de ordem internacional, não menos importante. No último Congresso Internacional de Pediatria, realizado no Verão deste ano, no Canadá, a Associação Internacional de Pediatria votou, entre os candidatos, por maioria absoluta, no primeiro escrutínio, a realização em Lisboa do X Congresso Internacional de Pediatria Os próprios delegados russos votaram o nome de Portugal como sede do próximo Congresso Internacional, sinal evidente do prestígio que gozam não só o nosso país, mas também o delegado de Portugal, o Prof. Salazar de Sousa, hoje chefe da Escola Pediátrica de Lisboa e nosso extraordinário embaixador, nesse campo, na Europa e na América desde há bastantes anos a esta parte.
Isto significa que em Setembro de 1962 teremos em Portugal cerca de 3500 pediatras, vindos dos quatro cantos do Mundo, para, durante uma semana, reverem os problemas actuais da ciência pediátrica e os métodos de assistência à infância, isto é, que visam à sua defesa contra os agentes que podem comprometer a sua saúde, perturbar o seu desenvolvimento ou constituir risco de morte. Eles procurão documentar-se não só acerca das instalações destinadas ao ensino da pediatria e dos trabalhos da Escola Pediátrica Portuguesa, mas tratarão também de visitar as nossos instalações de assistência à mãe e à criança, de inquirir da preparação do pessoal e de estudar as nossas estatísticas da mortalidade e da mortalidade infantis.
Manda o decoro nacional que nos apresentemos nessa altura, o melhor possível - que eles vejam que, a despeito da nossa pequenez e da nossa pobreza, está em curso qualquer coisa de notável que sirva de justificação à eleição que se fez no seio da Sociedade Internacional de Pediatria e que sirva também para desfazer referências tão desagradáveis de que temos sido alvo
e que a nossa estatística de mortalidade infantil justifica em parte Não devemos exibir entoo o quadro doloroso da nossa situação actual.
Há muito que fazer e há que fazê-lo sem perda de tempo. A comissão nacional entrou já na fase de trabalho intensivo, a despeito de estarmos a mais de dois anos e meio desse acontecimento.
Mas, para além do trabalho da comissão, entendemos que há outras medidas a tomar, com certa urgência, que não dependem dela, mas de vários Ministérios uso, por isso, chamar a atenção do Governo para este assunto, porque penso que o Instituto Maternal, responsável pela assistência à mãe e à criança, e os professores de pediatria das nossas Faculdades de Medicina, a cargo de quem está o ensino da pediatria, devem ser convidados a elaborar um plano de realizações a pôr em prática imediatamente, tendo em atenção as nossas necessidades, as nossas disponibilidades financeiras e o melhor aproveitamento possível da obra assistencial que criámos, cuja execução nos permitirá mudar o rumo das coisas e mostrar um conjunto de medidas destinadas a modificar substancialmente a nossa situação. Penso que por esta via se prestará à criança portuguesa e ao prestígio internacional do País um serviço do mais notável alcance . .
No que respeita à política rural, dirijo ao Governo as mais sinceras felicitações pelos artigos 16.º e 17 º da proposta enviada à Câmara.
Aquando da discussão do II Plano de Fomento tive ocasião de salientar aqui, com mais alguns Srs. Deputados, o valor político-económico das pequenas obras rurais, a situação em que encontrava uma grande parte dos nossos aglomerados populacionais no que respeita a abastecimentos de água potável, obras de saneamento, vias de comunicação, electrificação, etc , e defendi mesmo o princípio de que não seria mau sacrificar-lhes algo do sumptuário que estávamos realizando Enche-me por isso de júbilo venficar que, quase simultaneamente, o Governo envia à Câmara uma proposta, subscrita pelo ilustre Ministro das Obras Públicas, para o fornecimento de água potável aos agregados populacionais superiores a 100 habitantes e uma outra - a da Lei de Meios - na qual o ilustre titular da posta das Finanças consagra um capítulo especial à política rural.
Registo com o maior prazer esta atitude e felicito os dois Ministros pela política seguida no sentido de melhorar as condições de vida dos aglomerados rurais. A precedência estabelecida na Lei de Meios, pondo à frente, na escala, o abastecimento de águas, a electrificação e o saneamento, logo seguidas da rubrica «Estradas e caminhos», é bem significativa. Quer isto dizei que não só no próximo ano, anãs nos que se lhe seguem, teremos a garantia de promover uma notável melhoria das condições de vida da nossa população rural, que o mesmo é dizer proporcionar-lhes um melhor nível higiénico, permitir-lhes comodidades até aqui impossíveis, assegurai-lhes ligações rodoviárias, dar-lhes possibilidades de melhor aproveitamento de pequenas indústrias, tornar mais fácil o escoamento para os seus produtos, abrir-lhes o acesso à assistência, etc
Os parágrafos do artigo 16.º soo a garantia do aproveitamento integral para tais fins das verbas que lhes são destinadas e da observância rigorosa da escala de precedências estabelecida.
As providências sobre o funcionalismo, sobretudo as consignadas nos artigos 9 º e 11 º da proposta, merecem-me algumas considerações.
Começo pelo artigo 11.º - o que se refere à autorização que o Governo solicita desta Câmara para alargar os benefícios da assistência na tuberculose ao cônjuge

Página 154

154 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 137

e filhos dos servidores do Estado Dou-lhe o meu inteiro aplauso Segundo os cálculos feitos, aos 160 000 funcionários (130 000 servidores do Estado, 14 000 dos CTT e 16 000 da assistência e outros) corresponderão 60 800 cônjuges e 83 000 descendentes (que recebem abono de família), isto é, mais 143 000 pessoas. Se lhe aplicarmos a taxa de morbilidade de 5,6 por mil (que é a que decorre do que se tem apurado no radiorrastreio depois do controle dispensarial), teremos, em cada ano, mais cerca de 806 doentes de tuberculose a cargo da assistência aos funcionários civis tuberculosos, ou sejam (dadas as proporções habituais) 310 em regime de internamento e 496 em sistema de tratamento ambulatório
Tomando por base o preço médio de custo do tratamento de cada funcionário, este encargo ultrapassará os 7000 contos, que terão de ser pagos na sua quase totalidade pela assistência aos funcionários civis tuberculosos e pelo Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos.
Quem conhece a situação do funcionário não pode deixar de louvar com o maior entusiasmo esta medida, do melhor alcance político e da melhor justiça social.

Tenho dito

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado

O Sr Presidente: - Vou encerrar a sessão A próxima será amanhã, com a mesma ordem do dia da de hoje.

Está encerrada a sessão

Eram 18 horas e 30 minutos

Srs. Deputados que faltaram á senão:

Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino Teixeira da Mota.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro
João de Brito e Cunha.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José de Freitas Soares.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Mana de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Tarujo de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Urgel Abílio Horta.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×