O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 2133

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 113

ANO DE 1967 15 DE DEZEMBRO

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.º 11 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 14 DE DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid de Oliveira Proença
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a, sessão às 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente disse estarem na Mesa, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Diários do Governo n.ºs 284, 286 e 287, 1.ª série, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 48 093, 48 097, 48 101, 48 102 e 48 105.
O Sr. Presidente referiu-se à morte do antigo Deputado Dr. Artur Augusto Figueiroa Rego, mandando exarar na acta um voto de pesar por tal motivo.
O Sr. Deputado Proença Duarte recordou o movimento sidonista de 1917 e outros factos importantes desse ano, como as aparições de Fátima, a propósito do 49.º aniversário da morte de Sidónio Pais.
O Sr. Deputado Cunha Araújo evocou a figura do grande jurisconsulto que foi o Prof. Dr. Cunha Gonçalves.
O Sr. Deputado Salazar Leite criticou uma decisão da Organização Mundial de Saúde relativamente a Portugal e pôs em realce a actividade dos médicos portugueses no ultramar.
O Sr. Deputado Valadão dos Santos fez considerações sobre problemas turísticos relativos aos Açores.
O Sr. Deputado Pinto de Mesquita falou sobre o centenário ao nascimento de António Nobre.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1968.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Sebastião Alves e Elmano Alves.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 43 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam, os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Gabriel Maurício Teixeira.
Hirondino da Paixão Fernandes.

Página 2134

2134 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 113

Horácio Brás da Silva.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Henriques Mouta.
José Pais Ribeiro.
José Pinheiro da Silva.
José Soares da Fonseca.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinta de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Alves.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães.
Tito Lívio Maria Feijóo.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 69 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Para efeito do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os Diários do Governo n.ºs 284, 286 e 287, respectivamente de 7, 11 e 12 do corrente, que inserem os Decretos-Leis:
N.º 48 093, que inclui na 1.ª classe de substâncias minerais úteis, a que se refere o artigo 3.º do Decreto n.º 18 713, os jazigos de quartzo e os de feldspato quando. ocorram em massas ou filões e estabelece o regime em que serão dadas, a título provisório, as concessões para a exploração das referidas substâncias;
N.º 48 097, que autoriza o Ministro do Interior a celebrar novo contrato com a actual concessionária da zona de jogo do Funchal, de harmonia com as disposições constantes do presente diploma e nos termos da minuta que vier a ser aprovada em Conselho de Ministros;
N.º 48 101, que autoriza a Comissão Municipal de Assistência de Vila da Feira a alienar directamente, a título gratuito, à Casa do Povo de Santa Maria de Lamas três parcelas de terreno situadas no lugar do Chão do Monte;
N.º 48 102, que dá nova redacção aos artigos 334.º e 335.º do Código de Justiça Militar, aprovado e posto em execução pelo Decreto n.º 11 292;
N.º 48 105, que determina que os certificados da dívida pública a emitir, nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 37 440, a favor das instituições de previdência de qualquer das categorias previstas na base III da Lei n.º 21 15l
bem como das caixas sindicais de previdência ou das caixas de reforma ou de previdência constituídas ao abrigo da Lei n.º 1884 e ainda do Fundo Nacional do Abono de Família sejam objecto de ajustamento, tendo especialmente em atenção a melhoria das pensões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Morreu o antigo Deputado à Assembleia Nacional Sr. Artur Augusto Figueiroa Rego. Interpreto o sentimento da Assembleia mandando exarar na acta um voto de profundo pesar pelo passamento deste antigo Sr. Deputado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Proença Duarte.

O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: Há 50 anos, naquele ano de 1917, verificaram-se em Portugal alguns acontecimentos que tiveram e continuam a ter profunda e decisiva influência na vida espiritual e temporal da Nação.
As aparições de Fátima, nesse ano ocorridas, revigoraram o sentimento religioso dos Portugueses, então oprimido e perseguido pelos poderes estaduais, opressão e perseguição essa que o mais categorizado chefe político da época sintetizava na afirmação de que a religião católica desapareceria de Portugal dentro de duas gerações.
Essas aparições foram causa de um facto único nos anais da história de Portugal: a vinda a Portugal de Santo Padre o Papa Paulo VI (decorridos 50 anos sobre o transcendente acontecimento, que está tendo projecção universal.
Ao aproximar-se o final desse ano, no dia 5 de Dezembro de 1917, um movimento revolucionário afastava do Poder uma facção política que se determinava e actuava com base em princípios que estavam em oposição com a idiossincrasia do povo português, com as ideias e princípios sob cujo impulso se formara a Nação, se expandira e projectara através das cinco partes do Mundo.
Teve início esse movimento num isolado esquadrão de cavalaria instalado, a título precário, no que então era o matadouro municipal, junto ao Liceu de Camões, singular coincidência, e comandado por um jovem tenente que se revoltara contra a degradação para que se estava encaminhando o País, arruinado nas suas finanças, na sua economia, com permanente perturbação da ordem interna e desprestigiado no conceito internacional.
Foi a reacção viril e sadia da gente nova de Portugal contra a ruína, a desordem, o desprestígio e desaportuguesamento da vida nacional.
Tomou a chefia do movimento Sidónio Pais, professor catedrático, antigo Ministro, diplomata e figura do mais alto relevo moral e intelectual!
E dali, no alto do Parque Eduardo VII, que ficou a ser conhecido pelo «Morro de Sidónio», impôs a gente nova de Portugal a destituição dos governantes, que, mais preocupados em satisfazer ambições pessoais e em cumprir determinações das alfurjas maçónicas do que com os problemas vitais da Nação, actuavam ao arrepio do seu passado e da sua vocação histórica e a conduziam para o aniquilamento.
Também nesse ano de 1917 acabavam seus cursos superiores uns e iniciavam a sua carreira de professores universitários outros que mais tarde, após o movimento de 28 de Maio, viriam a ser os grandes obreiros da. renovação, dignificação e progresso da vida nacional, dando

Página 2135

15 DE DEZEMBRO DE 1967 2135

assim, satisfação aos anseios e objectivos do povo português, que o movimento sidonista encarnou e se propunha realizar. Entrava então nessa altura na sua carreira de professor universitário aquele que havia de ser chefe prestigioso da política portuguesa e que havia de fazer renascer Portugal das profundidades dos abismos de degradação para onde o tinham encaminhado ideais que desaportuguesavam toda a vida portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, de tal forma o País sentiu que esse homem representava um princípio de renovação, de tal forma lhe deu o seu apoio dedicado e forte, que foi preciso recorrer ao crime para dar por terminada uma obra que se antevia auspiciosa para a vida da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Faz hoje 49 anos, Sr. Presidente, que Sidónio Pais foi VII mente assassinado, ali na estação do Rossio, donde se dirigia para o Norte do País procurando resolver problemas que fundamentalmente interessavam ao bem comum.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Foi o princípio, Sr. Presidente, de um desagregar de forças, a que faltou uma mão firme que as conduzisse e orientasse no sentido em que se vinha processando, de há um ano a essa parte, a vida pública portuguesa. Tantos incidentes, tantos problemas, tantos desejos de triunfos pessoais, tantas ambições desmedidas, deram lugar a que aqui e lá fora, aqui nesta própria Assembleia, nesta mesma casa, a jacobinagem invadisse as galerias e insultasse os que aqui se encontravam, e lá fora logo se manifestou igualmente o basfond das alfurjas em que se apoiava o poder político de então. Foi a revolução da juventude, foi a gente nova de Portugal, que, interpretando os justos anseios da Nação, interpretando a vontade forte do bom povo português, levou de vencida e desalojou do Poder os homens que, levados mais por ambições pessoais e determinados mais pelas pranchas maçónicas do que pelo interesse verdadeiro e real do País, degradavam a Nação, vilipendiavam os sentimentos mais nobres e puros do povo português.
Sr. Presidente: Passados anos ainda, e também por um movimento militar - pois nunca o exército dorme quando está em risco a causa da Pátria -, foi de novo afastado do Poder o sistema político que o sidonismo dele tinha removido em 1917. E este estado corporativo, em que desde há longos anos nos vimos empenhando para fazer prosperar e evoluir para melhores tempos, esse estado corporativo teve as suas raízes e o seu início no Senado constituído no tempo de Sidónio por representação das províncias e das diferentes actividades profissionais, valorizando-se assim socialmente os trabalhadores portugueses.
Foi então, Sr. Presidente, no tempo de Sidónio Pais, e sendo Ministro da Justiça o Prof. Nobre de Melo, que se reataram as relações diplomáticas com a Santa Sé, que tinham sido cortadas, afastando assim Portugal da sua tradição e vocação históricas. E muito do que hoje temos realizado esboçou-se no tempo de Sidónio Pais.
Sr. Presidente: Vão - decorridos 49 anos que ele foi assassinado. E a prova bem evidente de quanto isso feriu a sentimentalidade do povo português ainda hoje se pode encontrar ali nas ruínas queimadas da Igreja de S. Domingos, onde os cadetes de Sidónio compareceram para rezar por sua alma.
Pois prestemos nós aqui homenagem devida . a esse precursor e a todos quantos com ele e ao lado dele, leal e firmemente, se devotaram à causa da restauração da vida nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cunha Araújo: - Sr. Presidente: Neste ano jubilar da publicação do novo Código Civil, a quase meio ano da sua entrada em vigor, já muito foi dito, antes o depois da sua vigência desde 1 de Junho próximo passado, sendo certo que o mais útil e importante a dizer o vai ser de agora em diante quando a aplicação do direito que inova e define começar a fazer-se sentir nos casos concretos submetidos à sua esfera de aplicação.
Particularmente, esta Assembleia, usufruiu já da honrosa presença do ilustre titular da pasta da Justiça aqui vindo para, com inexcedível brilho e competência, dar as explicações que julgou convenientes e oportunas sobre as razões determinantes da necessidade de promulgação de tão importante diploma, aproveitando então o ensejo para esclarecer e refutar algumas críticas formuladas, tudo com vista à exacta informação da Nação através dos seus legítimos representantes, que, nos aplausos tributados, e, depois, nas intervenções a propósito, concedeu sem discussão no pormenor aquilo que o nosso ilustre leader viria a definir como a ratificação tácita da lei reguladora das relações entre os indivíduos destinatários do vasto complexo do direito civil português.
Embora tenhamos a opinião de que sobre um diploma legal que tão fundo contende com a vida do geral dos cidadãos, todos, juristas e não juristas, políticos ou apolíticos, têm uma palavra a dizer, uma situação de facto a evidenciar em jeito de achega para sugeridos legisladores responsáveis uma solução de direito apropriada, impossível de prever, de um modo geral, pelo jurisconsulto mais competente e atento, não me vou permitir, no entanto, referir-me deste lugar ao Código Civil vigente, a ensaiar os seus primeiros passos, nem no geral, nem no particular, que não poucas vezes decerto terei de meditar ao longo da minha vida profissional, numa adaptação que, aliás, não antevejo nada fácil. Não que a crítica, sempre útil e oportuna, pudesse ser impertinente ou fazer mal ao Código, pois terá de ser necessariamente de crítica o trabalho que sobre ele os juristas irão desenvolver no apuramento da mens legis e da mens legislatoris que, no amanhã, dominará os pleitos e preocupará os julgadores nas decisões submetidas à sua disciplina legal. Já não foi sem críticas, e vigorosas logo de início, que o Código deposto fez a sua carreira secular, as quais tornaram bem morosos os trabalhos da comissão revisora que se dilataram por longos cinco anos.
Por via delas até, em Julho de 1863, se afastava dos trabalhos o próprio autor do projecto, o visconde de Seabra, irritado com a supressão do livro 11 «Das Acções», logo abandonando tal atitude a rogos instantes da comissão. Retomados os trabalhos em Janeiro de 1864, o projecto, depois de sucessivas revisões, em terceira edição haveria de surgir, a qual, submetida a uma comissão de redacção constituída por Alexandre Herculano, Seabra e Oliveira Pinto, este logo substituído por Vicente Ferrer, possibilitou que a comissão revisora presidida por Joaquim Filipe de Sousa desse por findos os seus trabalhos, tendo

Página 2136

2136 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 113

sido o projecto definitivo, sem qualquer relatório, entregue ao Ministro da Justiça Barjona de Freitas, que a 9 de Novembro de 1865 o levou à Câmara dos Deputados com a proposta de lei para aprovação, sendo o parecer da comissão de legislação daquela Câmara lido só na sessão de 21 de Julho de 1867 e aprovado, com alguns votos de vencido, após rápida discussão iniciada por José Dias Ferreira, civilista que veio a ser um notável comentador do Código. Tais críticas, logo dirigidas contra o método adoptado na sistematização das matérias, provenientes de jurisconsultos contemporâneos como Morais de- Carvalho e outros, forçaram o visconde de Seabra, alegando «que todos os métodos seguidos pelos legisladores anteriores não podiam ser adoptados», a declarar que «o melhor meio seria emancipar-se de quaisquer preconceitos: fechar os olhos e consultar unicamente a própria natureza das coisas, que raramente deixa de responder com proveito a quem sabe interrogá-la. Qual o nosso fim? Expor o direito na sua ordem mais simples e natural». Ele o disse.
Creio bem ter sido esta, um século decorrido, a ideia dominante nos jurisconsultos responsáveis pelo novo Código: expor o direito na sua forma mais simples e natural. Oxalá tenham conseguido os seus intentos em tal sentido. São esses os nossos sinceros votos.
Mas, como já me foi dado dizê-lo, não tenho em vista falar do Código novo, a destempo neste lugar. Não porque o trabalho me superasse, mas, simplesmente, porque o não acho oportuno, nem pertinente. E mais do velho que pretendo fazê-lo, e - não tanto - dele, sobre o qual já caiu, a impor respeitoso silêncio, o peso da pedra tumular; além de que, com a homenagem ao seu autor em que foi descerrado o seu retrato no Tribunal da Relação do Porto, tudo culminou, como devia, na qualificada exaltação de que tão glorificado saiu o codificador responsável pela unificação do direito civil português. Nem das saudades que me deixou pelo primor e simplicidade da linguagem que o corporizava. Tão-pouco do que a ele me prende, como estudante, na formação de um espírito jurídico feito sob o domínio e à luz dos seus princípios normativos; como profissional do foro, no convívio de longos anos, mas tão-sòmente e a seu propósito, de um jurisconsulto que foi seu devotado comentador e crítico, que me apraz homenagear, relembrando-o pelo muito que lhe fiquei devendo e certo de que muitíssimos me acompanharão pelo que a todos permitiu em familiarização e entendimento do Código morto, a iluminar nas trevas, a levantar hipóteses, a desvendar caminhos e sugerir argumentações, sempre com uma singeleza, clareza de forma e preocupação docente que hão-de fazer sobreviver o seu longo, suculento e exaustivo trabalho na possibilidade de consulta que sempre forneceu e continuará fornecendo aos iniciados e aos experimentados nas lides forenses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Refiro-me ao falecido Prof. Doutor Luís da Cunha Gonçalves, autor desse prestimoso trabalho consubstanciado nos; catorze volumes do Tratado de Direito Civil, executado a uma distância de 60 anos sobre o aparecimento do Código comentado, o Código morto, considerável distância a marcar a natureza e valor do esforço em que não pressinto ser possível o aparecimento de idêntico trabalho auxiliador dos juristas contemporâneos e vindouros.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Deputado a esta Assembleia Nacional, não sei em que legislatura, nem interessa, mas na vigência deste Regime, duplamente se me impõe a evocação que espontaneamente tomei a meu cargo, honrando-me com a possibilidade de me ser dado fazê-lo nesta Casa em que teve assento, embora em medida demasiado modesta, na pessoa e nos termos, para os seus incontestáveis méritos, que tão mal resultarão evidenciados por quem, não obstante seu admirador e discípulo de longo tempo, carece, reconheço-o, de representatividade e projecção compatíveis com a que desfrutou entre tantos cultores da ciência do direito que tão brilhante e continuadamente serviu.
Reconhecido o demérito para tratar à altura tão proficiente jurisconsulto e mestre do direito, fica-me a consolação de que aquilo que me mingua em capacidade será de sobejo compensado em sinceridade, veneração, respeito e gratidão pelo que nos ensinou e a tantos ajudou a percorrer os ínvios e incertos caminhos em busca da justiça que o direito que tanto serviu tantos ajudou a fazer.
Posto isto, tendo bem presente no seu glorioso e redentor calvário a portuguesíssima terra de Goa que lhe serviu de berço e cujo coração tão forte e carinhosamente palpita nesta Assembleia através da sentida representação de um seu parente, o nosso querido colega Santa Rita Vaz, peço à Câmara que me escuta, para o Deputado que serviu a Nação e para o jurisconsulto que serviu o seu direito, dobradamente a servindo, a singela homenagem de um devido aplauso à evocação que me permiti em sinal de reconhecimento pelo muito trabalho legado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Respeitosamente ..., como quem reza pela paz da sua alma.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Salazar Leite: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No mundo em que nos movimentamos, por muito que se deseje viver em isolamento, por muito que esse desejo egoísta nos assalte ao verificar todas as convulsões que à nossa volta se processam, julgamos materialmente impossível fazê-lo.
Cada vez mais se torna difícil o ignorar essas convulsões, cada vez mais elas nos afloram, tendem a envolver-nos, impondo-nos a condição de participante e a consciência de que existimos num mundo de interdependências.
Em todos os ramos da cultura o conhecimento daquilo que se passa noutros países constitui uma necessidade imposta pelo fim a atingir; forçoso se torna que, dia a dia, mais se multipliquem os contactos para que, a par de um melhor conhecimento da mentalidade de outros povos, se possa melhor usufruir dos esforços de uns e de outros. Vamos encontrar nesta linha de conduta o resultado de um «interesse humano» que não deve ser prejudicado. Esta a noção que deve estar no espírito do homem de hoje, esta a noção que deve orientar a acção em todos os campos das relações humanas.
Por tal, a U. N. E. S. C. O., uma das agências especializadas das Nações Unidas, ao elaborar a Declaração Universal dos Direitos do Homem, solenemente aprovada, afirma em preâmbulo:

... é essencial encorajar o desenvolvimento das relações amigáveis entre as nações.

Página 2137

15 DE DEZEMBRO DE 1967 2137

E no seu artigo 1.º:

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. São dotados de razão e de consciência e devem agir uns para com os outros num espírito de fraternidade.
O que estou dizendo é o resultado da reacção interior que tive ao ler as declarações feitas pelo delegado de Portugal, Dr. Bonifácio de Miranda, na Comissão de Colonialismo das Nações Unidas. O que provocou a intervenção do ilustre diplomata é a negação absoluta dos princípios enunciados, mas não seguidos, que pregam a amizade entre as nações e a existência de um espírito de fraternidade razão puramente política, se falte ao espírito que orientou a elaboração de um documento ímpar como a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Mais: como se aceita abandonar os próprios irmãos, irmãos, porque homens, negando-se-lhes uma assistência que é considerada, eficiente (do que duvidamos) sómente porque essa assistência é feita através de uma acção da Nação Portuguesa.
Terrível decisão, que só pode nascer em espíritos recalcados e vingativos, perante a impossibilidade de vencer uma vontade baseada na justiça e no direito.
Limitando as minhas observações à Organização Mundial de Saúde, de um dos quadros da qual sou considerado perito, que sempre recebeu do nosso país o mais desinteressado apoio, que culminou com o desempenho por dois médicos portugueses dos lugares de director do Comité Regional Africano e de medical adviser, sou forçado a concluir que mal vai o Mundo quando procura fazer depender de atitudes políticas a acção daqueles a quem deve estar entregue, na plenitude, o encargo de zelar pela saúde dos povos.
O facto de passar a ser-nos negado por uma agência da O. N. U. o auxílio técnico que nos deve permite algumas considerações que gostaria de transmitir a V. Ex.ª, na dúvida de se elas não enfermam de um defeito de apreciação que se liga à minha qualidade de médico, votado a servir o meu semelhante, como o impõe a profissão que abracei.
Referi-me já à dificuldade que tenho em conceber, como também foi citado pelo ilustre delegado de Portugal, como é possível negar auxílio técnico às populações que os mesmos que nos condenam apregoam quererem defender sob todos os aspectos. Só encontro uma explicação, e se essa é, ela é válida: pensam os que nos condenam que a nossa acção médica no ultramar português tem valor suficiente para sobre ela poder incidir toda a responsabilidade e permitir dispensar qualquer auxílio material ou técnico da Organização Mundial de Saúde. Se essa é a razão, aceitamo-la, porque, reconhecendo uma verdade, representa também uma preocupação de economia que, sou obrigado a dizer, compreendo, pois permitirá canalizar essas verbas para fazer face às vultosas despesas de outra natureza, que segue a linha de conduta em que alguns dos que nos condenam dispensam, num fausto de poucos dos seus dirigentes, o produto do trabalho de muitos, ou as verbas conseguidas por empréstimos para a concessão dos quais não procuramos explicações.
Na verdade, o que nos tem sido concedido pela Organização Mundial de Saúde é muito pouco: resume-se à concessão de escassas dezenas de bolsas de estudo de montante insuficiente para as necessidades vitais daqueles a quem têm sido concedidas e que o Governo da Nação sempre procurou completar, atingindo o que é normalmente concedido como ajudas de custo a funcionários. Além disto, c durante poucos anos, uma quantia que atingiria, em média, 2500 contos anuais, destinada ao programa de erradicação da malária em Moçambique, onde um grupo de técnicos da Organização Mundial de Saúde nos prestava auxílio, auferindo e despendendo soma mais elevada do que a que nos era concedida.
Estes, singelamente, os auxílios técnicos e materiais que nos foram prestados em benefício das populações da África Portuguesa.
Ocorre perguntar o que tem sido a nossa acção no mesmo sentido; também, resumidamente e com omissões, o citaremos. Faço, só de passagem, a referência ao facto de as nossas redes sanitárias, embora com enormes deficiências numéricas que não devemos ignorar, constituírem, mesmo assim, aquelas de mais apertadas malhas em toda a África Negra ao sul do Sara. Há, no entanto, a esperar que rapidamente essa deficiência venha a ser colmatada graças aos esforços que se despendem nas Universidades do ultramar; pode esperar-se que, dentro de dois anos, médicos licenciados no ultramar português estejam preparados para começar a preencher as falhas que se verificam.
E ocorre afirmar que a medicina no ultramar, porque medicina de massas, actua num sentido mais eficiente que a da metrópole, onde predomina a medicina curativa, num confrangedor atraso em relação à medicina moderna.
Se os médicos dos quadros constituem a base da nossa acção no ultramar, outras actividades se têm processado e se estão processando em todas as parcelas do nosso Portugal: são os trabalhos de missões sucessivas que da velha Escola de Medicina Tropical e do seu directo sucessor, o Instituto de Medicina Tropical, actuaram no ultramar executando estudos preparatórios e estabelecendo, em conjunto com os serviços de saúde, bases para o combate a algumas doenças: o extermínio do agente transmissor da doença do sono na ilha do Príncipe, os estudos da mesma doença em Moçambique e na Guiné, e da bilharzíase na primeira destas províncias, e das dermatomicoses e da lepra em Angola, e do paludismo em Timor, os de índole hematológica, dermatológica, protozoológica e helminto-lógica na Índia e na Guiné.
Como resultado destes estudos e campanhas, nascem as missões permanentes, das quais queremos citar desde já, porque o valor e eficiência do seu trabalho foi dado como exemplo pela própria Organização Mundial do Saúde, a Missão de Estudo e Combate à Doença do Sono e outras Endemias da Guiné. Merece o trabalho desta Missão, que inicialmente se destinava só ao combate e estudo da doença do sono, esta referência pelo seu notável trabalho, que se valorizou extraordinariamente quando, após um estudo da incidência da lepra, que abrangeu 20 por cento da população, foi possível manter em observação a totalidade dos habitantes da Guiné, que ascende a meio milhão.

O Sr. Castro Fernandes:- V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com todo o gosto.

O Sr. Castro Fernandes: - Estou u ouvir V. Ex.ª com a maior consolação. Desejo apenas prestar um depoimento em relação à Guiné, afirmando - porque o VI - que os médicos tão devotadamente empenhados no combate à doença do sono o travaram com verdadeiro heroísmo. Heroísmo humilde, porque quase ignorado. Visitando tabanca por tabanca, percorrendo a pé as bolanhas e a savana, em terríveis condições de clima, arriscaram tudo. Destaco na minha memória um desses homens que tanto desgastou a saúde própria para defender a daquela nossa gente ...

Vozes: - Muito bem!

Página 2138

2138 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 113

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado Castro Fernandes, pelas suas palavras. Como direi à frente, tenho evitado, tanto quanto possível, fazer citações de nomes, e procurarei continuar a não os citar, porque tenho razões para isso. Mas agradeço a interferência que V. Ex.ª acaba de ter, porque são palavras de justiça para com os homens que se têm sacrificado pela Nação.
E agora que me seja permitido focar, em especial, o que tem sido feito no arquipélago de Cabo Verde. A primeira missão médica realizou-se de 1930 a 1932 e pôde estudar a demografia e as condições sanitárias do arquipélago; o admirável relatório então publicado é ainda hoje fonte de ensinamentos para todos os que aí trabalham. Em 1946 nova missão se deslocou a Cabo Verde, realizando trabalhos sobre hematologia, protozoologia, helmintologia e entomologia, trabalhos que levaram em 1948 à erradicação do Anopheles gambiae e do Acdes aegyti, agentes transmissores do paludismo e da febre-amarela, da ilha do Sal. Em 1955 é criada a Missão Permanente de Estudo e Combate de Endemias de Cabo Verde, e o seu chefe, actualmente na chefia dos Serviços de Saúde da província, inicia os trabalhos que levam à erradicação do agente transmissor do paludismo na ilha de S. Vicente e, virtualmente, das ilhas de Maio e Boa Vista e Santiago. Se referir que é o paludismo a doença de foro tropical que mais vítimas faz em vastas zonas da África e da Ásia, se nos lembrarmos da importância que para a navegação aérea tem a impossibilidade de transmissão do paludismo, o que também se verifica, como é evidente, na navegação marítima, podemos avaliar do interesse internacional que advém da erradicação dos agentes transmissores a que me referi, das ilhas do Sal e de S. Vicente.
E não se julgue que foi tarefa fácil esta! Foi o resultado de um trabalho inteligente e persistente, que honra quem o concebeu, organizou e realizou.
Se quiser sair deste aspecto tão importante do problema de saúde, para referir outras realizações, cito o controle dos doentes de lepra e seus comunicantes, que levará à eliminação desta doença no arquipélago, a vacinação anti-variólica, que atinge já 80 por cento da população, e a campanha agora iniciada, talvez a mais importante actualmente, que tende a combater a tuberculose e que chamará a atenção para problemas Intimamente ligados, como o da habitação e o da alimentação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Citamos estas realizações porque consideramos os esforços despendidos pelos seus responsáveis para além daqueles que se impõem a todos os médicos portugueses conscientes da sua posição no conjunto nacional, mas nunca no enunciado anterior citei um nome; fi-lo expressamente, não só porque estou certo de que qualquer médico consciente faria o mesmo do que aqueles que o fizeram, mercê da posição que ocupavam ou ocupam, como também porque creio que em todos os que trabalharam ou trabalham para o ultramar se encontra o mesmo espírito, espírito que nada mais é do que o reflexo das qualidades positivas que possuem todos os elementos de uma classe tão nobre e, infelizmente, por vezes, tão mal compreendida, classe que se deve dignificar, não para procurar louvores, mas para que se mantenha o reconhecimento público dá sua utilidade, com inteira responsabilidade da sua actuação. Se falo expressamente no médico do ultramar, faço-o porque é nesse sector que tenho ligada a minha actuação; sempre no decurso do meu modesto trabalho tive no espírito um exemplo: o de um médico que sacrificou a totalidade da sua vida profissional no cumprimento de um dever, o dever de um «médico do mato», o que equivale a dizer de um homem que, no seu campo de acção, como qualquer português, se dedicou aos povos que, perante a História e perante a Moral, nos obrigámos a defender e fazer progredir.
E é este espírito que sempre animará, espero, a actuação dos que trabalham no ultramar, para bem merecerem da nossa heróica mocidade que aí se sacrifica na certeza de que Portugal só será Portugal pelo conjunto de todas as suas parcelas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Valadão dos Santos: - Sr. Presidente: Muito se tem falado, se tem escrito e discutido acerca do problema do turismo nas suas múltiplas implicações na vida de um país. E se não há dúvida de que, no que nos diz respeito, nem toda a espécie de turismo nos interessa, é uma verdade incontestável que, não obstante todos aqueles contras que lhe reconhecemos, ele é de grande benefício para a Nação. A substancial soma de divisas que arrasta consigo, a par do desenvolvimento económico e regional que provoca, são vantagens materiais de tal monta que não as podemos menosprezar. Daí a atenção que o assunto tem merecido ao Governo, e continuará a merecer, estamos disso certos.
Na metrópole, os pólos de atracção turística têm sido, além da capital, o Algarve e a Madeira. E isto por um conjunto de circunstâncias às quais não são estranhos nem a situação geográfica, nem o clima, e em que o sol e o mar têm papel deveras preponderante. O afluxo de turistas a estas regiões já começa a processar-se de tal ordem que há que descobrir novos centros de atracção, se não quisermos estagnar. E como prova desta expansão basta referir-se que no período de 1961 a 1966 se passou, nas receitas provenientes do turismo, de 890 000 contos para 7 476 000 contos, o que já nos leva a poder afirmar que o País está a atingir neste campo aquela posição tão ardentemente desejada.
Ora, no que diz respeito a turismo, os Açores acalentam legítimas aspirações e ambições. E aspirações, porque têm, graças a Deus, de sobejo, aquilo que o turista procura: as belezas naturais, a amenidade do clima, a excepcional temperatura das suas águas, a lhaneza das suas gentes e, sobretudo, a quietude e o repouso tão procurado e ambicionado neste mundo febrilmente agitado dos nossos dias.
São nove ilhas de sortilégio, em que todas se completam e em que o turista, ao passar de uma à outra, descobre sempre diferenças e motivos de interesse, tão necessários a quem hoje busca a novidade.
Desde Santa Maria, por onde Colombo passou, até ao ineditismo dessa ilha singular que é o Corvo, em todas elas há muito que descobrir, que ver e admirar. É S. Miguel, com a beleza das suas lagoas e com as deslumbrantes caldeiras -únicas no Mundo- e um verde proliferando por toda a parte: ela chama-se, e com razão, a «Ilha Verde». É a Terceira, talvez a mais típica, e com um passado histórico tão cheio de interesse, e dotada com a mais bela praia das ilhas - a Praia da Vitória, ali à ilharga desse grande aeroporto que são as Lajes. E a Graciosa, com uma caldeira que só por si constitui motivo de atracção. E que dizer a esse conjunto ímpar que é S. Jorge, Pico e Faial, em que nós não sabemos que admirar mais: se as escarpas e fajãs da primeira, se a imponência e majestade da segunda, ou se as vistas excepcionais do Faial, em que o vulcão dos Capelinhos fez notícia e ainda é, hoje, motivo de enorme curiosidade. E, finalmente, que dizer dessa ilha plena de beleza que é a das Flores, o ponto mais ocidental da Europa.

Página 2139

15 DE DEZEMBRO DE 1967 2139

Tudo isto, e muito mais, como, por exemplo, a temperatura excepcional das águas e a abundância e variedade de peixes, tudo isto, ia a dizer, torna este arquipélago um apetecido e cobiçado centro de turismo.
E diga-se de passagem que, sobretudo mercê do papel relevante das diversas Casas de Portugal e da T. A. P., elas começam, enfim, a ser descobertas para o quadro internacional do turismo. E é verem-se agências de viagens francesas, inglesas, alemãs e norte-americanas altamente interessadas em incluir os Açores nos seus esquemas de viagens.
E é ver-se o aparecimento, quase simultâneo, de depoimentos singularmente valiosos - por insuspeitos - e elogiosos na grande imprensa internacional, como sejam os desses colossos de-tiragem que são o Sunday Express e o Sunday Times, pelas penas dos respectivos enviados especiais, De Fries e Elisabeth Nichols -dois especialistas em questões de turismo -, em que aquele fala da explosão para a indústria turística, dentro desta década, das ilhas dos Açores, que considera as mais belas do Mundo. Por outro lado, escritores como Albert T. Sertevens (Le Periple des Iles Atlantides) e Yves Gandon escrevem livros sobre os Açores enaltecendo toda a sua beleza e todos os seus valores humanos e folclóricos, apreciando, até, o primeiro a Praia da Vitória como a mais bela praia do arquipélago.
Como se vê, uma unanimidade de opiniões acerca das potencialidades turísticas daquelas ilhas, que há que explorar.
Mas, além de tudo o que foi dito, e que só por si eram condições mais que suficientes para atrair o turista, há, sobretudo, uma outra, que só a Madeira e os Açores podem dar, se bem que com mais vantagem para aquela, e que é o turismo de Inverno. Por muito curioso que pareça - pois aqui, no continente, as ilhas açorianas a esse respeito gozam de má fama, à qual não é estranha a rádio e a TV, quando propalam que nos Açores, ao norte ou ao sul - note-se, ao norte ou ao sul- está centrada mais uma depressão. E digo note-se porque na grande maioria dos casos é mesmo ao norte ou ao sul, mas raras vezes se situa nas próprias ilhas. O que leva toda a gente a cometer o erro de dizer que o mau tempo vem dos Açores! Não há dúvida, e para sermos verdadeiros, a pluviosidade é bastante elevada, e o grau de humidade também. Mas há uma coisa que o turista procura sobretudo: é fugir ao frio, esse frio que normalmente avassala toda a Europa e América. Por aqui andamos todos a tiritar e nas ilhas está-se a 18º. E não se diga que é um acaso.
Nos Açores não há grandes amplitudes térmicas: o termómetro oscila entre os 12º e os 25º. Daqui a amenidade da sua temperatura, um convite sem reservas para aqueles que andam metidos nos 0º aos 10º negativos. É este mais um ponto a ter em consideração e que também muito pesa a favor do turismo ilhéu.
Ora, como consequência de todos estes factores conjugados, e que acabei de enumerar, isto é, as nossas excepcionais condições naturais e o conhecimento que delas se vai tendo no Mundo através, sobretudo, da grande imprensa, começam a aparecer grandes empresas, umas constituídas apenas com capital estrangeiro, outras com capital português e estrangeiro, que estão vivamente interessadas na utilização de complexos turísticos, quer no Faial, quer na Terceira - na Praia da Vitória, quer em S. Miguel - na Praia do Pópulo. Os terrenos do Pópulo já se encontram vendidos para esse fim, e quanto à Praia da Vitória há já um estudo prévio cuja construção, avaliada em cerca de 100 000 contos, se estende por uma área costeira de 20 ha.
Começa assim, Sr. Presidente, o turismo a despertar nos Açores. E, uma vez lançadas as infra-estruturas, há que planear e estruturar. Planear, sim, mas não asfixiar iniciativas como estas, pois a asfixia, neste caso, é a morte. O Governo terá, através dos respectivos departamentos, que ajudar, que estimular por todos os meios, para assim, e sem demoras, se passar aos factos concretos. O contrário será cair no marasmo e na indiferença em que temos vivido até aqui, e com sérias consequências para a depauperada economia daquelas ilhas.
Falei há pouco nas infra-estruturas, sabido que em turismo elas são sobretudo, além dos complexos hoteleiros, as comunicações, as quais, como é do conhecimento desta Câmara, têm sido objecto de várias intervenções da minha parte. Quanto às comunicações marítimas, cuja nítida melhoria se verificou, principalmente, ao longo de todo este ano, e com a qual já me congratulei, tenho apenas um pequeno apelo a fazer a quem de direito. E que se mantenha simplesmente o itinerário actual, isto é, que se mantenha o Funchal a servir plenamente as três capitais de distrito em todos os meses, e não como parece querer-se programar. Aqui fica o apelo, ciente de que encontrará a melhor compreensão, para o que se nos afigura da maior justiça.
E, se as comunicações marítimas se encontram em sensível melhoria - factor imprescindível no desenvolvimento turístico -, há, todavia, que dizer alguma coisa acerca da estrutura aeronáutica do arquipélago.
Não há dúvida de que estamos finalmente a caminhar a passos largos no desenvolvimento da rede de aeródromos nas diversas ilhas. Santa Maria e Terceira já possuem dois aeroportos bons em qualquer parte do Mundo; em S. Miguel está-se construindo o da Nordela. O do Faial acaba de ser adjudicado. E. nas Flores trabalha-se afanosamente no aeroporto. Na Graciosa deram-se os primeiros passos com a escolha do lugar e respectivo levantamento topográfico. E já agora falta apenas S. Jorge, sabido que o Pico vai beneficiar muito directamente do que se está construindo no Faial. Uma vez que, praticamente, todas as ilhas vão possuir aeroportos, justo será estudar-se o caso de S. Jorge, pois ela é indispensável ao contexto turístico açoriano. Além disso, há também um factor de ordem humana a ter em conta: é que nas ilhas mais pequenas do arquipélago é dificílimo provê-las com os necessários requisitos cirúrgicos. O mar, e muitas vezes a distância, não deixa que se salvem muitas vidas, o que não sucederia se fossem transportadas para aquelas, mais bem apetrechadas cirurgicamente, como sejam S. Miguel ou Terceira. Só o avião lhes poderá valer, e até, nesse aspecto, a construção de um pequeno campo em S. Jorge se justifica e se impõe.
Mas, além de tudo isto e da necessidade de se planear, quanto antes, o uso dos dois aeroportos mais importantes, como sejam Lajes e Santa Maria, há também um assunto de magna importância para o descobrimento turístico açoriano e para o qual queria chamar a atenção do Governo. Refiro-me aos voos chaarters, cuja importância será desnecessário realçar, tanto mais que no novo Plano de Fomento a eles se faz referência. Aí reconhece-se o papel de promoção de novos centros e correntes de tráfego que têm desempenhado os voos de fretamento e que nada se fará, a médio prazo, para coarctar a contribuição que têm assegurado ao crescimento das indústrias turísticas metropolitanas. Por aqui se deduz que esta espécie de voos é de real importância para o desenvolvimento turístico. Há, pois, que liberalizar, e não restringir, e adoptar uma política que lhes permita desempenhar o papel preponderante que têm no crescimento turístico do País,

Página 2140

2140 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 113

política esta, aliás, já seguida noutros centros em que o turismo se encontra em pleno desenvolvimento.
Ora, para os Açores, e no que diz despeito à Terceira, não pedimos nem a construção de um aeroporto, pois já possuímos um, a todos os títulos excelente - o das Lajes -, pedimos sim, e mais uma vez, a sua utilização por aviões comerciais e, de uma maneira especial, fazendo uso dos charters. Estes voos já são utilizados naquele campo pelos Americanos. Porque não outras companhias? Sem autorização para os charters, praticamente nada feito, pois deles depende, principalmente, o interesse do investimento nesses complexos turísticos e, obviamente, o desenvolvimento do turismo naquelas tão portuguesas ilhas do Atlântico.
Aguardo, Sr. Presidente, que estas considerações aqui sumariamente expostas sejam estudadas por parte do Governo com aquele carinho e aquele interesse que os Açores devem merecer na realidade.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: Atrevo-me a desviar por alguns minutos a atenção operosa desta Câmara, a braços com a Lei de Meios, demais, logo imbricada no Plano de Fomento. Mas, tal como para estes diplomas, prazos são prazos, e não queria ver esgotar o ano de 1967 sem que nesta Assembleia algo se houvesse dito sobre o decorrente centenário de António Nobre, nascido no Porto em 16 de Agosto de 1867. Como Deputado por aquela cidade e com a aquiescência dos meus colegas de círculo, é o que ora me proponho fazer.
Determinou a Câmara do Porto, atendendo à coincidência da efeméride com o período de férias, abrir o ciclo de homenagens em fins de Novembro. Assim se fez, e promoveu a mesma Câmara, na Casa do Infante, com o apoio da Biblioteca Municipal, bem ordenada e ilustrativa exposição biobibliográfica relativa à pessoa e obra do grande e malogrado poeta.
A abertura desta exposição foi acompanhada por uma sábia e penetrante conferência do Sr. Prof. Costa Pimpão. Outras manifestações culturais sobre o poeta ali se têm vindo sucedendo, de que, sem desprimor, me ocorre destacar a conferência do Sr. Prof. Luís de Pina.
O Município de Matosinhos já se tinha antecipado em equivalentes homenagens com o concurso prestigioso de Hernâni Cidade, Vitorino Nemésio e Gaspar Simões.
De igual sorte, a Câmara de Coimbra, onde se fez ouvir o verbo eloquente do nosso ilustre colega Prof. Lopes de Almeida.
E não será esta também a altura de Lisboa municipal atribuir ao poeta a graça de alguma lembrança comemorativa para além do nome da rua que já tem e de profecia do Beco do Fala Só?
Ao poeta que tão sentidamente cantou Lisboa das Naus Cheias de Glória em oitavas camonianas?
Mas Nobre não é só o poeta que soube valorizar - e de que maneira! - estas e outras terras por onde, na sua vida nómada, o destino e a desdita da sua doença o fez passar. Mas Nobre, em parte decerto pela virtude activa e passiva dessa transumância, tornou-se um grande poeta de sentido nacional, e mal pareceria que nesta Assembleia, precisamente Nacional, se não repercutissem ecos das comemorações, oficiais ou não. É que o seu centenário tem dado largo motivo. Neste particular, a imprensa, quer diária, quer de revistas, sobretudo literárias, tem dado também à obra do poeta bem merecida importância.
De que Nobre haja sido grande poeta, rendidos o reconhecem, mesmo os mais relapsos. Mas o seu timbre dominante de nacional (por trás do velame das crepes, timbre muito mais dominante do que o fúnebre) é que em certos provoca engulhes que se dilatam até às contraditas.
Estas, as contraditas, não se formulam de negação a que em Nobre esse timbre seja nacional de cerne, mas precisamente por esse timbre lhe impregnar a obra, expresso ou subjacente. Assim, é sobretudo visado pelo que, através do influxo da finíssima sensibilidade, tem o condão de, avassaladoramente, transmitir a quem o leia.
De quanto perdure viva a obra deste poeta, basta notar que o Só, publicado em 1892, alcançou já treze edições! E que outro poeta, desde o início do romantismo, se poderá gabar do mesmo?
E esta receptividade do público não obstante o que naquela obra se exterioriza de sobrecarga funérea, tão ao arrepio dos tempos em que, de há longe, vivemos; que estes tempos, desenrolando-se prenhes de sobressaltos e riscos, distraem-nos precisamente do inevitável da morte e amarram-nos, militantes à vida.
Reparadora lei das compensações!
Como exprimir o choque de novidade emocional que a obra de Ante provocou nos da minha geração, ávidos de letras?
Direi algo do que me toca pessoalmente - aliás sob tom familiar, tão do gosto de Nobre.
Ocorreu-me logo a coincidência de eu ter nascido na mesma freguesia de Santo Ildefonso, em que ele viu a luz do dia. Frequentei, infantil banhista, Leça e o seu «Bio Doce», fechado no seu «túnel» arbóreo, tudo hoje sacrificado ao progresso de Leixões e apenas subsistente nas telas dos pintores. Crescendo, também eu por ali «razei» - não digo «rezei» - a «ladainha das velas»; por vezes cheguei até à então remota «Boa Nova», ermida hoje em termos de se ver bem ermada pelas tenazes do despótico petróleo.

Risos.

Passando do marítimo ao rural, as vizinhanças do «Seixo» foram as minhas.
Os lugares e paisagens, os mesmos: Casais, Borba, Regadas, a Tapada de D. Luís, onde tinha sido de uso - mas muito antes dele já - saírem ladrões, nominalmente o Zé do Telhado.
Pelo tocante à paisagem humana, ainda conheci o «rubro e gordo Cabanelas», o «Dr. da Presa Velha», e pratiquei com alguns dos «Srs. Abades de Amarante», com os seus sabidos «sobrinhos» e como tais aceites.
Ora, quando nos meus 15 anos, aluno de Campolide, por 1904, me foi dado comprar, ali em baixo ao Rossio, na já também quase centenária Mónaco, e só, a sua leitura constitui para mim, por de mais assim preparado, compreensível deslumbramento.
Novato pouco depois em Coimbra, tive o ensejo de palpar quanto a minha devoção por Nobre era partilhada pelos incipientes literatos meus condiscípulos: Sardinha, vindo do Alentejo; Veiga Simões, de Arganil; Mereia, de Lisboa; Hipólito, da Cova da Beira, e Alberto Monsaraz, esse, dizíamos brincando, nativo do Sud-Express.
E ainda outros meus mais ou menos contemporâneos: Afonso Duarte, Augusto Casimiro, Mário Beirão, João do Amaral ...
A admiração por Nobre logo fora partilhada por estreito cenáculo dos seus amigos - de que me cumpre recordar Alberto de Oliveira, que nas Palavras Loucas se constituiu teorizante arguto do significado nacional da sua mensagem.

Página 2141

15 DE DEZEMBRO DE 1967 2141

Da geração seguinte, logo Pascoais o classificava, na Águia, como «um dos maiores poetas que a mulher e a terra portuguesa têm dado à luz do dia».
Nas gerações posteriores à minha o seu influxo é bem notório. Na impossibilidade de pormenorizar, apenas lembrarei José Régio, porventura o maior dos nossos poetas vivos, que carinhosamente classificou Nobre como «o menino bonito da poesia portuguesa».
Mas eu quero ater-me apenas a duas qualificações expoentes de Nobre, dos da minha geração, quer coimbrã, quer não, uma do sempre saudoso mestre Sardinha, outra do portentoso Fernando Pessoa, que à nossa geração, embora não académica, nem de cenáculo, pertenceu também.
Sardinha já em Coimbra proclamava que Nobre era «o Camões da decadência».
Este conceito o roborou por escrito, mais tarde, num soneto da Pequena Casa Lusitana.
Pessoa, por 1915, em A Galera, como se vê em número recente de O Tripeiro, comemorativo deste centenário, proclamou: «Quando ele (Nobre) nasceu, nascemos todos nós.»
Isto em remate do que antes referira: «De António Nobre partem todas as palavras com sentido lusitano que de então para cá têm sido pronunciadas».
Esta influência de Nobre sobre as gerações subsequentes, assim expressa por Pessoa, corresponde em Portugal como que «ao quebrar da esquina» para a modernidade na poesia que, quarenta anos antes, a França sofrera com as Flores do Mal, de Baudelaire, por Hugo qualificadas de frisson noveau.
Isto, já se vê, à parte a diferença temperamental dos dois poetas, em correspondência, aliás, com a dos seus países: o francês cerebral, místico satânico, de alicerce clássico, o nosso sensitivo lusíada certo cristão, de raiz.
No entanto, através de um recente inquérito formulado por uma revista de doutrina e crítica sobre a influência de Nobre sobre as novas gerações de poetas, uma parte destes recusa reconhecê-la nas próprias obras.
A propósito deste como que evaporar-se parcial do influxo de Nobre da consciência poética contemporânea ocorre-me lembrar uma, aliás, bem conhecida anedota:
«A famoso árbitro londrino de elegâncias alguém observou que, por não tê-lo visto em recente corrida de cavalos, não pudera admirar, dessa vez, o seu consagrado esmero no vestir. O que deu azo ao interpelado brummell de responder:
- Ah!, não deu por mim? Agora fico certo de que realmente vestia bem.»
Translademos ao tema em curso a lição da anedota.
A poética multimoda de Nobre, com influxo tão confessadamente aceite, como vimos, pelas imediatas gerações literárias, tem continuado, viva, a influir genericamente sobre as gerações sucessivas. Tal influência tem-se operado, porém, por tão perfeita impregnação subtil que, relegada para as profundas do inconsciente de alguns dos seus beneficiários, estes nem dão por ela.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na impossibilidade de aqui irmos mais longe, tanto nos basta para desarmar uma pretendida arquitectura crítica no sentido de se encarar Nobre, afora o seu estro, como mera emanação do meio pequeno-burguês em que foi gerado, embora em inconformismo doloroso com o respectivo ambiente capitalista.
Em socorro dessa tese invocam-se os manes de Garrett, que, esse sim, no seu progressismo desfraldara, irreversível, abertas velas ao liberalismo, e, por que não?, já decerto no sentido inevitável dos supostos ventos da história!
Admite-se assim o postulado do nacionalismo implícito da obra de Nobre. Esta confissão a aceitamos em pleno. E, porém, propositadamente falso o pretendido argumento tirado da lição de Garrett, como se esta se tivesse mantido inalterada até à morte, desde os primórdios do seu liberalismo.
As desilusões que colheu na sua prolongada experiência política são, no entanto, notoriamente famosas. O seu poenitet me acha-se sobejamente ilustrado, por exemplo, no ensaio adrede publicado por Sardinha no Glossário dos Tempos.
Reconhecido irrecusável o nacionalismo de Nobre, só se pretende, dessa banda, barrar aquilo que, em pura concepção pequeno-marxista (petite souris deviendra grande ...) se haja por suposto residual de um delinquescente capitalismo talhado a gosto para o efeito.
E tais valores residuais seriam apenas isto: os patrimónios cristãos, culturais, morais, de patriotismo, de virtudes militares e cívicas. Em suma! O portuguesismo militante que realizou esta Pátria e mercê do qual nos tem sido possível prosseguir corajosamente a resistência em África ... e na metrópole!
Só isto!
Por isso, em boa hora rendo todas as nossas homenagens a Nobre pelo seu centenário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como melhor compreendemos agora, por tabela e tabela seca, a designação de Sardinha: «o Camões da decadência.»

Risos.

A sua ânsia «lusíada» de reabilitação nacional assaz ressalta do poema incompleto «O Desejado». E quando por 1896, das proezas africanas dos Galhardos e Mouzinhos, como proclamava desvanecido: «... foram-se os reveses! O que lá vai por África, Senhora!»

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por tudo que acabamos de dizer, e para além dos justos louvores que multilocalmente lhe são tributados, cumpre que neste hemiciclo pelo seu centenário homenageemos nacionalmente António Nobre, embora despido daquele fúnebre aparato que já não calha aos nossos dias.
E que importa à sua glória que certos transeuntes, manejando lanternas com feixes de luz dirigida, continuem, furtivos, a ladrar «ao Lua»!
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1968.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sebastião Alves.

O Sr. Sebastião Alves: - Sr. Presidente: Como é do conhecimento geral e se afirma - e reitera no preâmbulo da proposta de lei em debate nesta Câmara, é de recessão o clima económico português.
Afirma-o a pena autorizada de S. Ex.ª o Ministro das Finanças e confirmam-no os indicadores disponíveis.

Página 2142

2142 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 118

Com efeito, o crescimento do produto nacional foi seriamente afectado no ano findo por forte contracção no sector agro-pecuário. Nas indústrias, por sua vez, a expansão também foi inferior à do ano transacto e o apreciável crescimento das actividades terciárias, nomeadamente do turismo, não foi suficiente para restabelecer o nível atingido em 1965 pelo conjunto.
Para o ano em curso, embora a produção agrícola se mostre mais favorável, os sintomas de recessão mantinham-se inalteráveis nos fins do 3.º trimestre.
De acordo com os índices disponíveis, a marcha de certas indústrias, nomeadamente as de bens de equipamento, era de ritmo depressivo. Por outro lado, os stocks de produtos fabricados acusavam um nível elevado, provocando marasmo e baixíssimas produtividades em muitos sectores.
Também as actividades comerciais continuam Com efeito, o montante de letras descontadas no 1.º semestre, embora mais alto em valor absoluto que em 1966, acusou um crescimento francamente depressivo, que se traduz em 5,4 por cento, enquanto que em período homólogo de 1966 foi de 21,2 por cento.
Mas é no montante das letras protestadas que aparece mais clara a depressão em que vivem as nossas actividades económicas. Os valores relativos aos 1.ºs semestres de 1966 e 1967 são, respectivamente, de 216 183 000$ e 403 231 000$, com aumentos correspondentes em percentagem a 39,7 e 86,5 por cento.
Outro indicador valioso para ratificar o que acima afirmamos é-nos dado pelas taxas de variação do nosso comércio externo. Para os primeiros sete meses as exportações aumentaram 6,1 por cento, enquanto haviam aumentado 10,2 e 9,5 por cento, respectivamente, nos mesmos períodos de 1966 e 1965. Por seu lado, as importações em períodos homólogos aumentaram 3,9, 10,8 e 16,9 por cento. Os números são claros e o seu declínio indica frouxidão na procura, quer externa, quer interna.
Também no mercado monetário a prudência e expectativa são a norma de acção, sendo diminutas as taxas de expansão do crédito: a relação entre os volumes de depósitos e de crédito concedidos, que em Junho de 1965 e 1966 era, respectivamente, de 86,2 e 85,5 por cento, passou em Junho do ano em curso para 81,8 por cento.
Deixo aos especialistas a exacta definição das origens, sempre complexas, de uma situação desta natureza e limitar-me-ei a fazer a sugestão de que tais origens se situarão nos reflexos de depressões semelhantes que estão a processar-se em vários países da Europa e das Américas e, sobretudo, nas medidas adoptadas fronteiras adentro para restabelecer equilíbrios económico-financeiros, ou, em linguagem mais chã, para deter a inflação.
O mundo dos negócios e do dinheiro, consciente destes factos e da sua gravidade, tem agora uma preocupação dominante: saber se a economia portuguesa terá atingido o ponto mais baixo da curva depressiva ou se o movimento descendente continuará a acentuar-se.
O empresário grande, médio ou pequeno, esse, receoso, mantém-se na expectativa. Assistiu há pouco à discussão e aprovação do Plano de Fomento para o sexénio 1968-1973, mas, reconhecendo nos seus textos um utilíssimo instrumento de trabalho, um repositório muito precioso da actividade nacional, diria mais, uma bússola que há-de marcar o rumo às actividades económicas da grei dos próximos anos, o empresário encara com algum cepticismo as possibilidades de realização de tão ingente tarefa.
E eu receio bem que se o clima psicológico não sofrer uma brusca e imediata viragem, se o Poder não agir imediatamente, pondo em acção todos os estímulos ao seu alcance, que são muitos e variados, hão-de escassear as iniciativas e sobrar as tarefas na realização do nosso promissor Plano de Fomento.
Sr. Presidente: A panorâmica que dou da conjuntura e os ambientes pessimistas que descrevi traduzem factos e situações irrecusáveis e não são de modo algum novas lamentações do velho do Restelo.
Pelo contrário, o meu sentir, optimista por natureza e lutador por vocação, forçou-me a trazer aqui este depoimento, que é um apelo ao Governo, nomeadamente a SS. Exas. os Ministros da Economia e das Finanças, para que, urgentemente, decididamente, restituam às actividades económicas nacionais o dinamismo que as caracterizava nos anos de 1964 e 1965.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A proposta de lei em discussão alude, aliás, em muitas passagens, às preocupações aqui postas. Fá-lo sempre em termos moderados e prudentes.
A situação, todavia, requer respostas urgentes e acções rápidas, que não vêm explícitas no formalismo do texto legal ou não vêm apresentadas com a veemência que a conjuntura requer.
O actuar da governação perante a catástrofe que se abateu sobre os arredores da capital no passado dia 26 anima-me e leva-me a pensar que as respostas poderão ser dadas e as acções empreendidas imediatamente e com êxito assegurado.
Na verdade, por cima de pequenas especulações que possam fazer-se e a par de algumas confusões de pormenor, mais filhas da ânsia de bem servir dos Portugueses que de qualquer incúria ou apatia, a acção do Governo não só esteve à altura das circunstâncias como, em muitos casos, se se cumprirem as normas já emanadas dos Ministérios da Economia e das Corporações, terá mesmo ultrapassado as expectativas das populações e dos empresários.
Ora, se na emergência se agiu bem e depressa, também sobre o dinamismo económico da Nação, que pede providências imediatas e urgentes em vários domínios, se requer a acção governamental para estimular, vitalizar, coordenar e, até, subsidiar.
Os mecanismos monetário-financeiros hão-de encarar rapidamente o problema de um crédito que, tendo em conta a nossa estabilidade financeira, já tradicional e sempre de louvar, tem, necessariamente, de se orientar para os sectores mais reprodutivos e para as actividades mais afectadas pela recessão.
Hão-de ainda encarar isenções fiscais, aduaneiras e outras, não permitindo que empreendimentos valiosos e que implicaram investimentos avultados aguardem durante anos o cumprimento de promessas, que, se os não motivaram, estimularam-nos profundamente.
Hão-de garantir a novos empreendimentos os financiamentos em condições compatíveis com os interesses da Nação e com a defesa dos respectivos investimentos.
Merece ser sublinhado aqui o louvável intuito exposto no texto da lei em discussão de estimular as indústrias que possam proporcionar maiores valores acrescentados e ainda de promover a concentração de empresas quando nisso se reconheça vantagens para o bem comum.
Todavia, há outros sectores produtivos não mencionados na proposta que, estimulados, darão respostas rápidas, nomeadamente alguns dos que produzem bens quase só

Página 2143

15 DE DEZEMBRO DE 1967 2143

para a exportação. Nalguns casos o abastecimento em energia, por exemplo, quer térmica, quer eléctrica, em boas condições de preço pode colocar produtores de volume em situação competitiva com a concorrência internacional.
Parecem também de considerar estímulos especiais aos produtores de bens de equipamento, porquanto será nesse sector que o comércio internacional terá crescimentos mais rápidos, e porque se trata em regra de bens que podem englobar valores acrescentados apreciáveis e ainda técnicas portuguesas.
Creio, porém, que uma saída rápida do clima de estagnação em que nos encontramos há-de residir sobretudo numa política audaciosa na frente do comércio externo.
Indicadores dignos de crédito referem que, apesar da recessão que afecta vários dos países industrializados, o comércio mundial deverá crescer nos próximos anos cerca de 7 por cento ao ano.
Para as necessidades portuguesas este índice é francamente inaceitável. Há, pois, que ir mais além. E só conseguiremos este objectivo introduzindo uma nova dinâmica nas técnicas de exportação, diversificando a gama dos produtos exportáveis e actuando num mais extenso leque de países compradores.
Há-de o Poder, através dos órgãos já existentes ou de outros a criar, dar a mão aos exportadores e esquadrinhar todos os mercados e todas as possibilidades de encontrar ou suscitar novos clientes, há-de abrir muitas delegações comerciais nos países que connosco comerceiam tradicionalmente e também naqueles que praticam trocas bilaterais, como quase todos os da «cortina de ferro» e muitos dos do chamado «terceiro mundo».
A participação em feiras, exposições e noutros certames internacionais, a colocação de adidos comerciais em todos os países que não ofereçam quaisquer dificuldades às coisas portuguesas, parecem-me medidas de efeitos imediatos, ou quase imediatos, e inteiramente compatíveis com os recursos de que se dispõe.
Se se estabelecesse um diálogo colaborante entre os organismos que regem o comércio externo e os exportadores, talvez que em muitas situações os dispêndios de prospecções e publicidade pudessem ser repartidos entre Estado, produtores e exportadores. Em certos casos, seria de considerar até a instalação de filiais de casas portuguesas em certos mercados, com a colaboração do Estado.
Uma arrojada política de exportação pode articular parte das suas operações em modalidades novas para o nosso meio; uma abertura de crédito a certos países subdesenvolvidos pode trazer encomendas de vulto; a aceitação em certos casos de pagamentos em mercadorias pode abrir mercados promissores.
Ocorre-me, por exemplo, a importação de oleaginosas e de petróleo, feita a partir de mercados que, em regra, se mantêm fechados à nossa produção. Terá forçosamente de ser assim? Fica a pergunta.
Em certos casos, operações comerciais ditas triangulares podem também dar frutos promissores.
Requer acção urgente do Poder a regulamentação do crédito e do seguro à exportação, cuja carência tem tido efeitos perniciosos sobre o movimento exportador.
É verdade que já em 27 de Abril de 1965 se publicou o Decreto-Lei n.º 46 303, recentemente revogado pelo Decreto-Lei n.º 47 908. Aquele não teve aplicação prática e a regulamentação deste não saiu ainda das estâncias burocráticas.
O primeiro estabeleceu normas relativas ao problema formulado, que o segundo tenta aperfeiçoar.
Todavia, a velocidade em que decorre toda a vida de hoje não consente mais delongas, pois há certamente uma dúzia de anos que se solicitam medidas neste sentido. Urge que sejam tomadas.
Só mais um ponto.
As remessas de mercadorias da metrópole para o ultramar, sobretudo para Angola, vêm a ser seriamente prejudicadas pelas dificuldades das transferências, que se mantêm e, creio, se agravaram ultimamente.
As trocas interterritoriais, já fortemente afectadas por esta como que anomalia, correm assim o risco de se deteriorarem ainda mais.
A questão não é nova e pode parecer impertinência focá-la aqui, conhecidas como são as boas vontades dos responsáveis.
Atrevo-me, porém, a solicitar um fundo esforço para melhorar a situação, pois, como é sabido, aos exportadores estrangeiros não se deparam dificuldades desta natureza.
Também para este efeito o Decreto-Lei n.º 47 908, atrás citado, ditou normas que, se aplicadas, poderão trazer algumas facilidades. Mas, novamente, aqui o tempo urge.
Sr. Presidente: A proposta de lei em discussão merece na generalidade o meu aplauso. Nas minhas apreciações, algumas vezes veementes, houve o intento de focar aspectos que me pareceram necessitados de realce. Nuns pontos avivei, noutros sugeri; aqui solicitei, mais adiante fiz recomendações. Sempre norteado por uma experiência vivida e apoiando-me em recto anseio de bem servir.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

Sr. Elmano Alves: - Sr. Presidente: Quando há dias subi à tribuna, ao ser discutida na generalidade a proposta de lei para elaboração e execução do III Plano de Fomento, limitei os meus breves considerandos à análise do Plano como acto político do Governo, procurando situá-lo dentro da conjuntura política que vivemos e observá-lo segundo uma determinada óptica, que é a dos anseios e metas que se colocam às novas gerações.
Propositadamente, porém, excluí da intervenção a análise do projecto do Piano elaborado pelo Governo e os pareceres sobre ele emitidos pela Câmara Corporativa.
Fi-lo propositadamente, disse, e acrescentarei: obedecendo a uma exigência lógica e legalista.
Com efeito, a Assembleia não foi convocada para discutir o projecto do Plano, mas tão-sòmente a proposta de lei que definiu os objectivos e os termos que hão-de presidir à feitura e execução daquele. O que se pedia à Assembleia, se bem o entendi, era que debatesse e aprovasse uma lei orientadora de um plano, e não que subordinasse a apreciação dessa lei ao condicionalismo e à circunstância de um plano já elaborado.
Paralelamente, a emissão dos pareceres da Câmara Corporativa, prevista na base I da proposta, dependia, em última análise, da existência de uma lei cuja proposta apenas entrara em discussão na generalidade.
Não querendo por isso avolumar desnecessariamente a contribuição dialéctica que, em regime de «lei mental», a Câmara Corporativa e a própria Assembleia estavam dando à elaboração do Plano, optei por diferir para o debate sobre a Lei de Meios os breves e apagados considerandos que a problemática do planeamento me sugeriu.
E perdoe-se-me o reparo. Mas, através dele, pretendi apenas deixar vincado o inteiro acordo à sugestão da Câ-

Página 2144

2144 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 113

mara Corporativa no sentido de que a proposta de lei de um futuro plano venha a ser apresentada com a antecedência de cerca de um ano.
É que também no planeamento, como em tudo o mais, há que respeitar ditames de um correcto ordenamento jurídico.
A proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1968, no seu artigo 13.º, estabelece que, dentro da ordem de precedências a observar nas despesas dos diversos sectores do Orçamento Geral do Estado, os investimentos públicos, na parte prioritária do III Plano de Fomento, serão contemplados logo a seguir aos encargos com a defesa nacional.
O relatório da proposta acentua a «necessidade imperiosa de expansão a ritmo acelerado da actividade produtiva, de modo a tornar possível afectar à defesa os recursos indispensáveis».
«Impõe-se, simultaneamente, assegurar com a rapidez desejada a obtenção de um estádio de desenvolvimento análogo ao dos países industrializados e ainda, como imperativo premente, a unificação do espaço económico português.» (Relatório, p. 131).
De entre os investimentos programados no III Plano, assumem especial significado, pela urgência de que se revestem e pelo volume das dotações que lhe são consignadas, os investimentos sociais e culturais.
No conjunto do espaço português o Plano prevê o dispêndio de cerca de 12 milhões de contos, dos quais 8 342 500 contos só para o sector da educação e investigação.
À metrópole cabem, como é sabido, 5 643 000 contos para a educação e investigação e 2 338 000 contos para a saúde.
«Dada a relevância dos sectores da educação e da investigação e da saúde, como alicerce por excelência do próprio desenvolvimento, não carece de qualquer justificação o elevado montante dos investimentos estimados ... nem o facto de, na sua quase totalidade, competir ao sector público o seu financiamento.» (Parecer, p. 144).
Com efeito, ao passo que a participação do sector público no financiamento do conjunto dos investimentos previstos ascende a cerca de 30 por cento, na educação e investigação situa-se em 79,8 por cento e na saúde em 91,1 por cento. (Idem).
Em face deste quadro das previsões para o sexénio, tem inteiro cabimento o comando do artigo 15.º da proposta de Lei de Meios quando afirma que «continuarão a ser intensificados os investimentos sociais e culturais».
É sobre os últimos que começarei por me debruçar.
Para o espaço português os investimentos na educação e investigação somam 8 342 500 contos. Dado o diferente nível. educacional atingido pelos vários territórios, não admira que caiba à metrópole o maior contingente - 5 643 000 contos, mais de duas vezes e meia a verba prevista no Plano Intercalar. Para o conjunto das províncias ultramarinas verifica-se, porém, diminuição no montante global do III Plano relativamente ao Plano Intercalar - respectivamente, 2 699 500 contos contra 2 856 600 contos.
Esta ligeira contracção nas despesas extraordinárias com o ensino e investigação no ultramar, que se compreende em face da crescente participação das maiores províncias nos gastos da defesa dos respectivos territórios, mais inculca a ideia de uma adequada selecção dos vultosos investimentos previstos para a metrópole. Somos uma nação de quadros e essa realidade pesa cada vez mais, na medida em que às necessidades decorrentes do desenvolvimento económico metropolitano se somam agora as exigências de uma explosiva expansão no crescimento industrial e agrícola do ultramar, reclamando cada vez mais mão-de-obra qualificada que não pode improvisar-se localmente.

No plano da actividade financeira do Estado é essencialmente através das despesas públicas que» se seleccionam e hierarquizam as necessidades públicas que o Governo se propõe satisfazer anualmente.
Esta selecção e hierarquização das despesas assumem na presente conjuntura especial acuidade. (Relatório, p. 130).

Por isso bem se justifica a regra do artigo 14.º da proposta da Lei de Meios quando determina, aliás na sequência de preceitos anteriores, que nos investimentos públicos especialmente destinados à realização dos objectivos globais e sectoriais do III Plano do Fomento «se observarão os critérios da maior reprodutividade, em ordem a obter-se ... a promoção acelerada do crescimento económico nacional».
Para os investimentos culturais este preceito geral constitui, porém, verdadeira regra de ouro, uma vez que «a elevação do nível educacional se situa no centro do próprio processo de desenvolvimento económico». (Relatório, p. 146). «O desenvolvimento cultural é um pressuposto do desenvolvimento económico e é nesse sentido que os custos do ensino são considerados investimentos.»
A partir do Plano Intercalar, e agora no III Plano com mais acentuada expressão, começa finalmente a ganhar vulto a tese de que o Tesouro deve dar prioridade aos gastos com a educação.
Mas convém prevenirmo-nos contra possíveis encantamentos prematuros. A verba de 5 643 000 contos atribuída ao sector, se representa um esforço notabilíssimo para as nossas actuais possibilidades financeiras e um progresso decisivo na mentalidade que presidia no comando orçamental, está, no entanto, muito aquém das necessidades globais estimadas.
Com efeito, o Grupo de Trabalho n.º 10 (Ensino, Investigação e Formação Profissional), no relatório final elaborado para servir de base ao projecto governamental do respectivo sector no III Plano, ao equacionar os problemas em análise e estabelecer as hipóteses básicas do trabalho, afirma textualmente que «não se limitando a soluções propostas a qualquer conceito preconcebido de que as verbas não terão cabimento, ou prudentemente se devessem restringir a qualquer limite que arbitrariamente se fixasse», chegaríamos às seguintes avaliações das necessidades globais do sector:

Hipótese I - Admitindo-se que nenhumas providências específicas sejam adoptadas, nem imposta qualquer aceleração ao ritmo espontâneo previsto: 12 851 000 contos.
Hipótese II - Adoptando-se as providências de ordem quantitativa e qualitativa preconizadas para o período coberto pelo III Plano, teríamos: 16 125 291 contos na hipótese de se continuar a manter a mesma repartição dos efectivos escolares do ensino secundário entre os sectores públicos e privado; ou 16 486 981 contos na hipótese de se verificar incremento dos efectivos do sector público relativa- mente ao ensino particular.

Os 5 643 000 contos consignados aos investimentos culturais no III Plano representam, pois, menos de metade, ou menos de um terço, consoante as hipóteses formuladas, do conjunto global das necessidades presentes estimadas para o sector.

Página 2145

15 DE DEZEMBRO DE 1967 2145

É neste quadro mais vasto das necessidades a satisfazer que assume verdadeiro significado, quanto aos- gastos educacionais, o oportuno e claro preceito repetido no artigo 14.º da proposta, ao estipular que se observem os critérios da maior reprodutividade, em ordem a obter-se a promoção acelerada do crescimento económico nacional.
Não podendo realizar tudo o que se previu, teremos de seleccionar as acções estratégicas que asseguram maior rentabilidade ao conjunto e não deixar de pôr de pé o indispensável.
O capítulo X do projecto do III Plano, de capital importância, não nos fornece indicação segura.
E minucioso na exploração dos aspectos da evolução recente e problemas actuais da educação e investigação e da formação profissional extra-escolar.
Mas é demasiado sóbrio na indicação genérica que faz dos objectivos a prosseguir em matéria de educação, alguns dos quais constituem, pelo seu enunciado, simples indicações programáticas, a que não corresponde qualquer acção específica. E é vago, neste domínio, enquanto se refere a providências legais e administrativas.
Mas é sobretudo avaro na especificação dos investimentos educacionais, onde se limita a indicar globalmente a sua repartição.

[Ver Quadro na Imagem]

(a) Inclui 600 000 contos de contribuição extraordinária do Fundo de Desemprego para construções escolares.
Como adequadamente observa o lúcido e exaustivo parecer subsidiário da Câmara Corporativa, emitido pela subsecção do Ensino, da secção de Interesses de ordem cultural, de que foi relator o Digno Procurador Dr. José Hermano Saraiva, figura das mais destacadas da intelectualidade portuguesa, verdadeiro expoente dos valores de uma geração, o projecto do III Plano, na parte dedicada à educação, apresenta-se como um plano indiscriminado e sem limites, não se fixa uma escala de prioridades que servisse para designar, de entre a massa enorme daquilo que era bom que se fizesse, o que seria inadmissível que se deixasse de fazer falta completamente no projecto uma regra de indicações de prioridades.
Por isso perfilhamos inteiramente a recomendação da Câmara Corporativa no sentido de que conviria enunciar os objectivos a atingir durante o III Plano de uma forma precisa, seleccionando aqueles que, à luz dos critérios convergentes da concentração dos esforços, da essencialidade e da reprodutividade dos investimentos, deverão gozar de prioridade em relação aos demais.
Daqui formulo o voto de que o III Plano de Fomento, na sua redacção definitiva, venha a suprir a grave deficiência apontada, tanto mais que o capítulo X não encontra, sob este aspecto, paralelo com os restantes capítulos sectoriais.
Mas quando tal já não seja viável, aguardemos que o próximo programa anual de execução do Plano e os que venham a seguir-se-lhe não deixem de corrigir a lacuna, pois seria extremamente inquietante que em relação ao fomento educacional, matéria do maior interesse político para o futuro, se observasse uma inadequada descrição de arcas encoiradas ou a Administração se eximisse a
concretizar os seus objectivos e a esclarecer o critério selectivo que presidirá aos investimentos no sector.
Ao intervir na apreciação da proposta de lei do III Plano de Fomento, afirmei que, pela largueza de concepção das acções programadas, pela fidelidade aos grandes objectivos históricos da Nação Portuguesa, este Plano está à, altura das aspirações de uma juventude que se bate sem medo e cuja capacidade realizadora é hoje solicitada para empreendimentos que transcendem em muito, pela sua dimensão, as realizações dos seus pais.
Dentro dos grandes objectivos políticos que se colocam às novas gerações, figura à cabeça o de superarmos o atraso herdado do passado que em matéria de educação registamos ainda relativamente à maioria dos países da Europa.
É um espinho para a minha geração, depois de ter colaborado no Plano de Educação Popular, de tão vastos resultados e que nos deu a consoladora e firme certeza de podermos avançar muito em pouco tempo, verificar que o Regime deixou afrouxar o ritmo das realizações a partir de 1960 e que de novo nos distanciamos das metas que vão alcançando outros países do contexto mediterrânico, para não falar já da restante Europa.
Com efeito, enquanto falamos em instaurar progressivamente, a partir de 1968, a escolaridade obrigatória de seis classes, a maior parte dos países da Europa dispõe há muito de uma escolaridade obrigatória de um mínimo de oito anos.
E a vizinha e amiga Espanha promulgou, pela Lei de 16 de Abril de 1964, a extensão da escolaridade obrigatória até à idade de 14 anos. O certificado de estudos primários será agora obtido no fim da 8.ª classe, que dará acesso, mediante um exame, ao ensino secundário geral e técnico. (Anuário Internacional da Educação, vol. XXVIII, 1966, pp. 140 e seguintes).
Ora a verificação deste atraso e o progressivo distanciamento das nossas estruturas educacionais de nível obrigatório impõe que se actue com maior determinação no tocante ao planeamento cultural.
E relativamente recente a preocupação de se relacionar o desenvolvimento económico com o desenvolvimento dos recursos humanos, envolvendo neste as gestões de formação e educação.
Se bem que o planeamento da educarão tenha entre nós raízes mais recuadas o Plano dos Centenários, quanto às construções escolares do ensino primário, e o Plano de Educação Popular constituem valiosos exemplos, o certo é que, com a amplitude e rigor técnico que modernamente atingiu, o planeamento cultural converteu-se em preocupação efectiva do Governo com o despacho de 21 de Novembro de 1959 do então Ministro da Educação Nacional, Prof. Eng.º Leite Pinto, que traçou as bases do trabalho de prospecção confiado ao Centro de Estudos de Estatística Económica.
Aí se afirma logo no intróito:

E necessário traçar um plano de fomento cultural, sem o qual não tem significado, nem eficiência, um plano de fomento económico.
Alimentar, albergar, vestir, educar, lançar uma população crescente na produção é sinónimo de aumentar a produtividade do trabalho.
Uma nação vale mais pelos seus homens do que pelas suas riquezas naturais.
Ora não é possível qualquer nação ser considerada como culta se a sua massa produtiva tiver apenas quatro anos de escolaridade obrigatória. E de facto impossível enveredar pela industrialização e pela mecanização agrícola com operários que sabem apenas

Página 2146

2146 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 113

ler, escrever e contar. Como pode essa gente manusear - operar com as máquinas complexas?
Como podem os portugueses responsáveis aceitar que 120 000 mocitos que terminam a 4.ª classe primária (três quartos daqueles que nela se matriculam!) apenas a terça parte (menos do que a terça parte?) prossiga estudos secundários?
Com que professores contamos? Como reformar os que estão formados? Quantos edifícios? Qual a aparelhagem docente? Como desenvolver o cinema educativo? E a rádio? E a televisão? E as missões culturais? E as bibliotecas educativas? E a arte? E a ginástica? E as cantinas?
No seguimento dos esforços desenvolvidos para dar resposta a estas questões e da projecção internacional da iniciativa portuguesa no quadro da O. E. C. E. resultou o chamado Projecto Regional do Mediterrâneo.
O relatório da comissão a que presidiu o Doutor Alves Martins foi publicado em 1964 e assenta na previsão das necessidades de mão-de-obra ou do pessoal qualificado de que necessitará provavelmente a economia metropolitana portuguesa em 1975 nas diferentes categorias ou ramos e contém os cálculos da evolução quantitativa que a estrutura escolar portuguesa deveria sofrer até àquela data -número de estudantes, agentes de ensino, escolas e correspondentes meios financeiros - para fazer face às referidas necessidades.
A execução do Plano Regional do Mediterrâneo na 2.º fase, particularmente difícil, da sua concretização e regionalização foi confiada à nova estrutura entretanto criada pelo Decreto-Lei n.º 46156, de 16 de Janeiro de 1965 - o Gabinete de Estudos e Planeamento da Acção Educativa.
Entretanto, em 1963 lançara-se a preparação do Estatuto da Educação Nacional, pois teve-se em dado momento a clara consciência de que o planeamento de ordem quantitativo não era por si suficiente e devia ser acompanhado e mesmo condicionado por trabalho mais profundo de definição de uma política educacional, de revisão de estruturas escolares, de programação qualitativa de acções. O projecto de estatuto elaborado constitui, porém, uma síntese legislativa que procura reunir os princípios gerais do sistema educativo, como a bússola orientadora das reformas parcelares nos vários ramos do ensino.
O Projecto Regional do Mediterrâneo propunha-se inicialmente ser um plano de fomento cultural autónomo (de1960 a 1975).
A partir do Plano Intercalar optou-se, porém, pela solução, que se considerou muito mais perfeita, de fazer ingressar o ensino, como as outras formas educativas e a investigação, nos planos gerais de fomento.
Deste modo, os trabalhos do Projecto Regional do Mediterrâneo passaram a constituir contribuições para os planos de fomento e foram aproveitados no seu capítulo X, embora em modesta parcela.
O Plano Intercalar representa ainda um avanço relativamente aos planos anteriores, na medida em que dá tratamento prioritário às matérias do ensino e da investigação.
No Plano Intercalar não foi, porém, possível transformar o capítulo X num planeamento escolar integral, e justifica-se a omissão porque um verdadeiro planeamento educativo, como conjunto orgânico e sistemático, só poderá ultimar-se depois de delineada a nova estrutura cio sistema educativo no seu conjunto.
E, visto que o referido planeamento está a ser objecto de estudos, que se deseja abreviar quanto possível, seria, portanto, prematuro descer aqui a uma exposição minuciosa.
A Câmara Corporativa, em 1964, não deu a sua concordância a esta posição, e a Assembleia Nacional, chamada a pronunciar-se, vivamente se insurgiu contra esse estado de coisas.
Assim, chegámos, ao fim de oito anos de jornada planificadora, ao III Plano de Fomento.
No projecto governamental a posição do problema mantém-se no mesmo pé. Os estudos decorrentes ainda se não concluíram. Por isso, os capítulos consagrados ao sector educacional assumem, como no Plano Intercalar, características diferentes dos que respeitam aos demais sectores: insuficiente especificação, indicação vaga das acções a executar, atribuição global de verbas aos fins gerais de fomento do ensino, e não a pontos concretizados.
A Câmara Corporativa entendeu - e bem - que não podia dar a sua concordância à solução proposta no projecto do Governo.
Qualquer que seja a dificuldade que o planeamento encontre em determinado sector, não pode admitir-se com o efeito o obstruir o próprio ritmo do desenvolvimento normal, isto é, daquele que se verificaria dentro do sector, independentemente da acção do plano geral.
Ora se o III Plano de Fomento se limitasse, no sector do ensino, a manter a atitude programada no Plano Intercalar, ter-se-iam, em nome das exigências de um planeamento perfeito, consumido nove anos na fase preliminar das experiências e recolha de informações de base para a reforma de um domínio no qual já se verificam atrasos e saldos negativos que importa urgentemente recuperar.
Não podemos negar inteira razão à Câmara Corporativa. Antes, juntamos a nossa voz ao seu protesto.
O planeamento é em toda a parte um instrumento necessário à aceleração do progresso das. estruturas educacionais.
O facto de um plano ter de ser alterado durante a sua execução é um risco inerente a todo o projecto humano, mormente neste caso em que é condicionado por tantas variáveis.
Desejaríamos por isso ver o planeamento cultural incluído na ordem das preocupações prioritárias do sector, em posição cimeira de orientação, como comando dinamizador do sistema educacional e meta publicamente confessada e aceite, a responsabilizar a Administração e a balizar os seus passos, avisando-o prudentemente do ritmo a imprimir à marcha, em ordem a superar o nosso atraso.
Mas, a par do planeamento qualitativo em curso e dos aperfeiçoamentos no planeamento quantitativo já realizado e em face da concretização e regionalização, impõem-se medidas específicas e necessariamente urgentes para, durante o prazo do Plano de Fomento, se alcançarem determinados objectivos. Tais são as medidas que conduzam aos seguintes resultados:

Mais alunos: nos seis anos considerados, a população escolar deverá aumentar em cerca de meio milhão de alunos.
Mais professores: é da ordem dos 20 000 o número de elementos que deveria ser recrutado e preparado para permitir que o aparelho escolar instituído funcionasse normalmente durante a vigência do Plano.
Melhor ensino: o serviço nacional de preparação dos quadros docentes para os ensinos preparatório, secundário e médio não poderá deixar de ser conside-

Página 2147

15 DE DEZEMBRO DE 1967 2147

rado como infra-estrutura básica do sistema educativo, gozando, como tal, de prioridade em relação a quaisquer outros projectos relativos a infra-estruturas.
Escolas suficientes: verificada a impossibilidade de no prazo do Plano dotar toda a rede escolar com edifícios definitivos, o que exigiria um esforço financeiro entre 5 842 000 e 9 116 000 contos - segundo se adoptasse uma ou outra das hipóteses formuladas no relatório final do Grupo de Trabalho n.º 10 -, teremos de encarar resolutamente «soluções de emergência, particularmente expeditas, em ordem a acompanhar o enorme afluxo estudantil» (27).
Mais investigação: atenta a penúria das verbas e a escassez do pessoal, especialmente remunerado pelo trabalho de investigação, as providências a tomar são, portanto, no sentido da maior mobilização de meios materiais e humanos, de modo a tornar-se, possível investigação mais vasta, mais eficiente e mais coordenada.

Neste caminho fundamos as melhores esperanças nos resultados que, para o conjunto da política de investigação, irão advir, por certo, da criação da Junta de Investigação Científica e Tecnológica e da sua articulação em esquema de íntima cooperação com a Fundação Calouste Gulbenkian, asseguradas, uma e outra, por um mesmo e qualificado comando único.
Do enunciado das necessidades previstas e avaliadas as verbas disponíveis - cerca de 940 000 contos anuais para o sector, sendo 765 000 só para educação e investigação - resulta uma conclusão acerca da ordem de prioridades a que, a nosso ver e sempre na esteira do exaustivo parecer da Câmara Corporativa, deveriam obedecer os investimentos culturais que se procura incentivar em 1968, nos termos da Lei de Meios e em execução do programa anual a adoptar pelo Governo:

1.º Completar o planeamento cultural iniciado em 1959;
2.º Dar prioridade absoluta à formação de professores. É este o aspecto que «condiciona mais directamente os progressos do ensino e, portanto, a produtividade de quaisquer investimentos que se possam fazer com vista à sua expansão», como, aliás, preceitua o artigo 14.º da proposta em análise.
3.º Medidas destinadas a assegurar a efectiva escolaridade de seis anos, tornada obrigatória a partir de 1968, cujo cumprimento se processará através do ciclo complementar do ensino primário e do ciclo preparatório do ensino secundário.
E neste pormenor se observa desde já que não é tranquilizante o ritmo de instalação do ciclo complementar, porquanto dos 1169 lugares criados até Outubro de 1967, mais de metade não funcionaram por insuficiência de matrícula, falta de professores ou de instalações e outros motivos.
Não deixa, porém, de se assinalar o extraordinário esforço já despendido na organização do ciclo e no funcionamento, em todos os distritos, dos cursos de aperfeiçoamento para professores primários, que duplicaram desde 1966.
4.º Proceder à completa remodelação do ensino médio e do estatuto profissional dos respectivos diplomados. É neste campo que se podem fazer os investimentos mais directamente reprodutivos, capazes de assegurar, um mais baixo coeficiente capital-produto. É o ensino técnico que pode formar em menos tempo e com menos custo o pessoal qualificado, cuja falta está já a originar prejuízos graves e que se irá acentuando ao longo do sexénio até ao ponto de poder comprometer todo o conjunto dos investimentos planeados.
Em edifícios antiquados e com programas que urge actualizar, adaptando as estruturas dos cursos às necessidades do crescimento económico, amontoam-se milhares de alunos que assistem às aulas de pé, em turmas de 60, 70 e mais alunos, com quadros docentes para mais desfalcados e de si insuficientes.
Neste sector não será por certo necessário esperar que se complete a fase de regionalização do planeamento em curso a cargo do G. P. A. E. As necessidades são por de mais evidentes e localizadas para que se duvide da urgência em remodelar e ampliar completamente ou criar de novo, consoante os casos, os institutos de ensino médio em Lisboa, Porto, Coimbra, Braga, Setúbal e Faro.
No que se refere às estruturas administrativas, importa autonomizar quanto antes o ensino médio, a nível de direcção-geral, para dar apoio ao alargamento que se preconiza para este ano. 5.º Prioridade às instalações - em edifício próprio, por compra, arrendamentos, subsídios ao ensino particular e outros processos - destinadas ao Serviço Nacional de Preparação de Quadros Docentes (facultando o internato anexo) do ensino médio e dos ciclos preparatórios do ensino secundário e complementar do ensino primário, obedecendo a uma rigorosa selecção das necessidades, segundo critérios de adequada localização, em pólos de irradiação urbana acessíveis por transportes colectivos.
Prosseguir na construção de novos edifícios escolares primários e para os ciclos preparatório ou complementar fora destas condições é multiplicar as escolas fechadas por falta dê professores ou por retrocesso na frequência dos alunos.
E aqui seja-me permitida uma sugestão.
Na impossibilidade material de, em prazo razoável, construir uma escola ao alcance de cada núcleo de alunos, teremos de ir decididamente para a solução de transportar os alunos até aos edifícios centrados numa área muito mais vasta. Isso leva-nos a admitir a solução de assegurar, no território nacional, o transporte colectivo gratuito para toda a população escolar, o que é não só perfeitamente viável, como necessário.
Por mais utópica ou revolucionária que pareça esta ideia, ela constitui um verdadeiro «ovo de Colombo» e poderá ser uma das alavancas para o progresso da acessibilidade do nosso ensino. Explico.
O cumprimento da obrigatoriedade discente no ensino primário assenta na existência de uma rede de edifícios disposta por forma que qualquer criança vivendo num raio de 3 km possa deslocar-se à escola. Quem paga o custo do seu transporte se amanhã aumentarmos essa distância para 30 km? Pois bem: o sector activo da população, representada pelos pais, que lhe fornecem dinheiro para a utilização do transporte público ou particular, ou o Estado, que o mesmo é dizer o contribuinte, que paga as escolas que se constróem escusadamente para servir as necessidades das populações marginais, no sen-

Página 2148

2148 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 113

tido de mais distanciadas e dispersas, ou que concede os subsídios, isto é, as chamadas bolsas de estudo para transporte.
Pois bem. Pode tornar-se gratuita a deslocação dos alunos nos transportes colectivos, agravando numa percentagem mínima a tarifa do transporte colectivo, em proporção que atingiria, quando muito, um centavo por quilómetro e por passageiro para o transporte rodoviário, e menos ainda para o ferroviário e para os sistemas colectivos urbanos. O sector activo da população globalmente não pagaria mais que hoje o faz, mas teríamos que, com uma simples alteração na fórmula do pagamento, se assegurava imediatamente uma economia de centenas de milhares de contos através da melhor utilização dos edifícios existentes, deixando de construir outros em zonas de pequenos e dispersos efectivos escolares, aproveitando a pleno rendimento os escassos efectivos docentes de que dispomos.
Pelo lado das empresas transportadoras, o pagamento das respectivas prestações do transporte efectuado à população escolar facilmente seria liquidado a cada uma através de compensação a efectuar pelo Fundo de Transportes Terrestres, a cujo crédito seria levado o produto global do aumento de tarifa destinado a suprir o encargo das deslocações dos efectivos escolares.
A solução não é nova e tem a seu favor o mérito da experiência de países de fraca densidade populacional que conseguiram já obter índices de escolaridade muito superiores ao nosso, embora dispondo de recursos ainda mais modestos.
Fechado este parêntesis, resta-me concluir renovando o inteiro aplauso ao parecer da Câmara Corporativa relatado, primorosa, exaustiva e acertadamente, pelo Digno Procurador Dr. José Hermano Saraiva.
Diremos mesmo que o trabalho da Câmara Corporativa é ainda do maior alcance, precisamente porque o autor do parecer teve de construir, com os escassos materiais disponíveis, uma nova hipótese - plenamente justificada, aliás - para a repartição e adequada utilização dos meios financeiros que o Plano tornará disponíveis, e isto na tentativa de suprir dessa forma as lacunas do projecto do Governo, das quais a mais grave é, por certo, a ausência de uma escala de prioridades norteadora.
Um último e breve apontamento. Em recente declaração oficial foi anunciado ao País que «a acção social escolar se deverá intensificar em escala ainda mais larga nos próximos anos, pois está previsto afectar-lhe algumas centenas de milhares de contos, à sombra do III Plano de Fomento, em instalações, apetrechamento e iniciativas que, pela sua índole, mereçam ser cobertas pelas dotações extraordinárias a que se refere o Plano, a somar às actividades normais, cobertas pelas dotações ordinárias».
Por outro lado, na proposta de lei em análise, surge-nos, no artigo 15.º, que se refere à intensificação dos investimentos sociais e culturais, a referência expressa - e nesse pormenor inovadora - à «assistência escolar», que no texto da proposta da Lei de Meios para 1967 não existia.
Não se põe em dúvida sequer - antes se enaltece - o objectivo governamental que sublima velhos anseios sociais que todos nós alimentamos. Mas ocorre perguntar se um tão vasto programa de centenas de milhares de contos em seis anos, no campo da assistência social escolar, terá rentabilidade que justifique a sua execução a ponto de se preterirem outras necessidades urgentes, como sejam as de formação de quadros docentes, de edifícios escolares e de outros apetrechamentos para o ensino e a investigação.
E claro que a pergunta seria inútil se o projecto do Plano tivesse esclarecido as câmaras e o público sobre os critérios e a escala de prioridades que se propõe aplicar no dispêndio dos dinheiros públicos.
Sr. Presidente, Sr s. Deputados: Amanhã vamos votar a Lei de Meios para 1968 :e, com ela, autorizar o Governo a pôr ao serviço da execução do III Plano de Fomento o seu primeiro orçamento.
Formulo um duplo voto: que o III Plano seja alavanca para transpormos rapidamente a meta de acréscimo do produto nacional que ainda nos separa das nações industrializadas. E que possamos ganhar nos próximos seis anos mais uns estádios na corrida contra o atraso cultural.
Ao sacudir assim a velha pecha do «país pobre e pequeno», as novas gerações saberão corresponder aos 40 anos de sacrifícios que estão na base dos 170 milhões do Plano.
E repito: politicamente, o regime continua na medida em que executar este III Plano de Fomento.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Há mais um orador inscrito para falar na generalidade sobre a proposta de lei em discussão. Só esse orador falará na generalidade amanhã, dia em que terá de discutir-se e votar-se a Lei de Meios na especialidade.
Portanto, amanhã haverá sessão, à hora regimental, tendo por ordem do dia a conclusão da discussão na generalidade e a discussão e votação, por preceito constitucional, da proposta de lei na especialidade.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Cortes Simões.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Jaime Guerreiro Rua.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Ubach Chaves.
José Alberto de Carvalho.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Rocha Calhorda.
José dos Santos Bessa.

Página 2149

15 DE DEZEMBRO DE 1967 2149

José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luciano Machado Soares.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Raul Satúrio Pires.
Rui Pontífice de Sousa.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

António dos Santos Martins Lima.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
D. Custódia Lopes.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco José Roseta Fino.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Buli.
José Janeiro Neves.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel João Correia.
Rogério Noel Peres Claro.

O REDACTOR - António Manuel Pereira.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 2150

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×